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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Centro das Ciências Exatas e Tecnologia Faculdade de Matemática, Física e Tecnologia
VANESSA TODESCATT PERILLO
As Funções da Demonstração no Ensino Fundamental II a partir do Livro Didático
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
PUC/SP 2008
VANESSA TODESCATT PERILLO
As Funções da Demonstração no Ensino Fundamental II
a partir do Livro Didático
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como exigência parcial para obtenção de
Licenciatura Plena de Matemática à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob
orientação da Professora Doutora Maria José
Ferreira da Silva.
PUC/SP 2008
Banca examinadora
______________________________
______________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta monografia por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: ____________________________ Local e data: _____________
Dedicatória
À minha amada família, que participou e me auxiliou desde o
primeiro dia deste curso.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por todo amor demonstrado a mim, ajudando-me durante todo este curso.
À professora-doutora Maria José Ferreira da Silva, pelas orientações e instruções
imprescindíveis para a realização deste trabalho.
À professora-doutora Sandra Magina, que muito colaborou com suas sugestões e
críticas construtivas.
Aos professores e colegas da PUC - SP, que me apoiaram e incentivaram ao longo
desta licenciatura.
Aos meus queridos pastores, que sempre estavam dispostos a me ajudar a qualquer
hora.
Ao meu amado esposo, que esteve junto comigo, encorajando-me desde o princípio.
Aos meus queridos pais, que não mediram esforços e me acompanharam todo o
tempo.
Aos meus estimados tios, que me auxiliaram em cada passo do caminho.
À querida Rita e família, pela ajuda indispensável nestes três anos.
À minha amiga Érica Santana e família, que estiveram presentes todo o tempo,
auxiliando-me para que fosse possível a conclusão deste curso.
Ao meu amigo Tiago Ukei e família, que me concederam os recursos necessários e
ajuda sem a qual eu não concluiria este trabalho.
Ao Colégio Cristão Rhema pela compreensão e disposição demonstrada durante
meu percurso.
A todos que de uma forma ou de outra possibilitaram a realização desse trabalho.
RESUMO
Tomando por base a demonstração, segundo os teóricos de De Villiers, Balacheff, Godino e Recio e Pedemonte, além das propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), o presente trabalho visa identificar as funções da demonstração no Ensino Fundamental II a partir do estudo da coleção "Tudo é Matemática”. Após apresentar um breve registro histórico da origem da demonstração e como ela é vista nos PCN (1998), bem como realizar a revisão de literatura, o trabalho traz uma avaliação dos exercícios de 5ª a 8ª séries da referida coleção. Concluímos que na coleção estudada a demonstração ocorre de forma gradativa, partindo de experimentações e verificações até chegar, ao quarto ciclo, com provas e demonstrações. Também observamos, pela teoria e revisão da literatura, que a demonstração é um assunto complexo, que deve ser objeto de estudo também na formação de professores para que o docente possa ter uma formação robusta que contemple, de igual modo, um composto teórico estruturado e uma preocupação com a didática que permita o real desenvolvimento do raciocínio dedutivo no aluno e seu interesse pela demonstração.
Palavras-chave: Funções da demonstração. Livro didático.
ABSTRACT
Based on the demonstration theory by De Villiers, Balacheff, Godino and Recio and Pedemonte and national syllabus standards (PCN, 1998) this work aims at identifying the functions of demonstration in the book series “Tudo é Matemática” (2005). After briefly describing the history of demonstration and how it is established by the Brazilian national syllabus standards, as well as reviewing the literature, this monograph evaluates activities for 5th-8th grades included in the book series. We conclude that demonstration is gradually presented in the books, starting with experimentations and verifications and culminating with tests and demonstrations. We also observed, through literature review and theory, that demonstration is a complex topic, which should be an object of study also in teacher training so that teachers experiment a strong training that includes a structured theoretical set and the concern with didactics which allows the real development of deductive thinking in students and their interest in demonstration.
Keywords: Functions of demonstration. School book.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 12
1. ESTUDOS PRELIMINARES ............................................................................................................ 15
1.1 HISTÓRIA DA DEMONSTRAÇÃO ..................................................................................................... 15 1.2 A DEMONSTRAÇÃO NOS PCN ...................................................................................................... 18 1.3 A DEMONSTRAÇÃO DE ACORDO COM ALGUNS TEÓRICOS .............................................................. 24
1.3.1 Michael D. de Villiers ........................................................................................................... 25 1.3.2 Nicolas Balacheff ................................................................................................................. 28 1.3.3 Godino e Recio .................................................................................................................... 30 1.3.4 Betina Pedemonte ............................................................................................................... 33
2. PROBLEMÁTICA ............................................................................................................................ 35
2.1 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................................ 35 2.2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................................ 38
2.2.1 Filomena Aparecida Teixeira Gouvêa ................................................................................. 38 2.2.2 Ruy Cesar Pietropaolo ........................................................................................................ 39 2.2.3 Elizabeth Mello .................................................................................................................... 42 2.2.4 Gilson Bispo de Jesus ......................................................................................................... 44
2.3 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA ....................................................................................................... 46 2.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................................................ 47
3. A DEMONSTRAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS .......................................................................... 48
3.1 ANÁLISE DO LIVRO DA 5ª SÉRIE .................................................................................................... 48 3.2 ANÁLISE DO LIVRO DA 6ª SÉRIE .................................................................................................... 55 3.3 ANÁLISE DO LIVRO DA 7ª SÉRIE .................................................................................................... 61 3.4 ANÁLISE DO LIVRO DA 8ª SÉRIE .................................................................................................... 69
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 78
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 80
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: ordenando as seis funções da demonstração, conforme De Villiers ..................................... 28
Figura 2: a sequência dos números naturais ........................................................................................ 49
Figura 3: exercício de números racionais ............................................................................................. 50
Figura 4: comprimento da circunferência .............................................................................................. 51
Figura 5: exercício de comprimento da circunferência ......................................................................... 51
Figura 6: área de uma região retangular ............................................................................................... 52
Figura 7: área de uma região quadrada e paralelogramo .................................................................... 53
Figura 8: área de um paralelogramo ..................................................................................................... 53
Figura 9: área de uma região triangular ................................................................................................ 54
Figura 10: números naturais ................................................................................................................. 55
Figura 11: diagonais de um polígono .................................................................................................... 56
Figura 12: propriedades da potenciação ............................................................................................... 56
Figura 13: exercício de números racionais ........................................................................................... 57
Figura 14: soma dos ângulos internos de um triângulo ........................................................................ 57
Figura 15: ângulos opostos pelo vértice ............................................................................................... 58
Figura 16: Relação de Euler .................................................................................................................. 59
Figura 17: cálculo de juros compostos .................................................................................................. 59
Figura 18: generalização ....................................................................................................................... 61
Figura 19: produtos notáveis ................................................................................................................. 62
Figura 20: número de diagonais de um polígono convexo ................................................................... 62
Figura 21: constatação concreta da soma dos ângulos internos de um triângulo ................................ 63
Figura 22: demonstração da propriedade da soma dos ângulos internos de um triângulo .................. 63
Figura 23: Trocando Idéias – cálculo algébrico .................................................................................... 64
Figura 24: exercício de prova ................................................................................................................ 64
Figura 25: ângulos opostos pelo vértice ............................................................................................... 65
Figura 26: demonstração: ângulos opostos pelo vértice ...................................................................... 65
Figura 27: atividade de prova ................................................................................................................ 66
Figura 28: relação entre lados e ângulos de um triângulo .................................................................... 66
Figura 29: verificação da propriedade da soma dos ângulos internos de um quadrilátero .................. 67
Figura 30: atividade introdutória à demonstração ................................................................................. 67
Figura 31: área de uma região determinada por um paralelogramo. ................................................... 68
Figura 32: generalização da fórmula do apótema ................................................................................. 69
Figura 33: equação literal ...................................................................................................................... 70
Figura 34: radiciação ............................................................................................................................. 70
Figura 35: relações entre coeficientes e raízes de uma equação do 2o grau ....................................... 71
Figura 36: exercício de soma e produto ................................................................................................ 71
Figura 37: teorema da bissetriz de um ângulo interno em um triângulo ............................................... 72
Figura 38: lei dos cossenos ................................................................................................................... 73
Figura 39: fórmula de resolução de uma equação do segundo grau ................................................... 74
Figura 40: raízes da equação de 2o grau .............................................................................................. 74
Figura 41: demonstração: semelhança de triângulos ........................................................................... 75
Figura 42: demonstração do Teorema de Pitágoras............................................................................. 75
Figura 43: outras demonstrações do Teorema de Pitágoras ................................................................ 76
12
INTRODUÇÃO
O tema demonstração, objeto de estudo deste trabalho, nos parece
importante do ponto de vista da consolidação de um aprendizado. Mais do que um
saber, a demonstração abrange o desenvolvimento de uma forma de pensar que é
útil ao educando, não somente em sala de aula, mas para toda a sua vida. Além
disso, os educadores devem buscar levar seus alunos a entender o porquê de uma
construção, acompanhando o raciocínio daquele que primeiro chegou a alguma
verdade científica. Para o educando, aprender dessa maneira torna o conhecimento
adquirido muito mais próximo de um aprendizado de fato, ou seja, algo além de
mera memorização.
Por outro lado, sabemos que o professor de Matemática também pode se
valer, por exemplo, de provas para passar aos alunos o conhecimento almejado. As
provas podem de fato ser utilizadas eficazmente em conjunto com as demonstrações
para que se atinja tal objetivo. Entretanto, as provas podem ser empregadas no
ensino de qualquer disciplina, ao passo que as demonstrações são privilégio do
ensino de Matemática.
Por essas razões, é de extrema importância que o professor de Matemática
saiba valorizar esse recurso. Na atualidade, conforme aponta o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD, 2005), o pragmatismo da escola tende a eliminar a
demonstração do ensino, limitando-se a transmitir aos alunos informações e saberes
já prontos, com os quais eles não se vêem em condições de interagir. Ao aceitarem
esse saber já fixado, esses alunos estão sendo formados como meros receptores
das descobertas alheias, e não como construtores de seu próprio conhecimento.
Assim, segundo o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2005):
Algumas demonstrações e atividades estimulam a compreensão do método dedutivo em Matemática. Essas situações têm papel importante no desenvolvimento de competências complexas para explorar, estabelecer relações, generalizar, provar, expressar e registrar idéias e procedimentos, além de servirem para induzir a associação entre conceitos. (Ibid, p. 12, 13).
Analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), podemos
considerar que o ensino de Matemática deve capacitar o aluno para encontrar
soluções para novos problemas, que requerem uma iniciativa e criatividade para
13
resolvê-los; e desenvolver a capacidade de argumentação, por meio da
compreensão e transmissão de idéias matemáticas, tanto por escrito ou oralmente.
Para que isso ocorra, de acordo com o PNLD (2005), devem-se empregar
estratégias que irão motivar e desenvolver diversas competências cognitivas
básicas. Dentre elas, podemos citar a observação, a compreensão, a argumentação,
a organização, a análise, a interpretação, a comunicação de idéias matemáticas, o
planejamento, a memorização etc. Essas competências devem estar contempladas
em um livro didático, pois “o livro didático que deixar de contemplar de forma
evidente o trabalho adequado dessas competências poderá comprometer o
desenvolvimento cognitivo do educando”. (Ibid, p. 202).
Adicionalmente, então, este trabalho justifica-se pela importância, para o
licenciando, da compreensão do papel do livro didático na construção do
conhecimento por parte do estudante de Matemática. Como afirma Lajolo (1996), a
importância do livro didático
aumenta ainda mais em países como o Brasil, onde uma precaríssima situação educacional faz com que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina. (Ibid, p. 3).
A mesma idéia é defendida pelo Ministério da Educação, em seu Programa
Nacional do Livro Didático de 2005, o qual considera que o livro didático é um
instrumento fundamental para o ensino de Matemática:
[...] nós de Matemática estamos sempre procurando criar, inovar, motivar os alunos. E um dos recursos mais eficazes à nossa disposição é justamente o livro didático. Ele fornece informações, propõe atividades, ajuda a organizar o trabalho em classe, apresenta textos interessantes para leitura, entre outras funções. Além disso, em muitos deles, o manual do professor é, realmente, um auxiliar precioso. (PNLD, 2005, p. 5).
Dessa forma, para os futuros educadores, é muito importante saber
selecionar as melhores opções de livro didático entre os numerosos títulos
existentes no mercado. Na verdade, tal seleção deve sempre considerar a
necessidade de flexibilidade e adaptação às diferentes necessidades dos alunos,
não só no que se refere às individualidades, mas também a variações sócio-culturais
e também regionais, se considerarmos as disparidades existentes no Brasil. Assim,
é mais apropriado supor que o professor deva se valer de mais de uma fonte
14
simultaneamente, e para isso deve saber avaliar quais os elementos positivos de
cada uma.
Assim, apresentados os objetivos e considerando-se que as demonstrações
de problemas são de extrema importância para formar o educando como um
construtor do conhecimento, e não meramente um receptor de crenças
estabelecidas pelo professor, optamos por analisar a coleção “Tudo é Matemática”,
da Editora Ática, lançada em 2005 para 5ª a 8ª séries, por ser considerada, pelo
PNLD (2005), como uma coleção que estimula o desenvolvimento do raciocínio
dedutivo.
O trabalho está assim estruturado: no primeiro capítulo, apresentamos um
breve registro histórico da origem da demonstração, como a demonstração é vista
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) e a demonstração segundo
alguns teóricos: De Villiers, Balacheff, Godino & Recio e Pedemonte.
No segundo capítulo, apresentamos a problemática que nos levou à
pesquisa e apresentamos, em seguida, uma revisão da literatura, com Filomena
Gouvêa, Ruy Pietropaolo, Elizabeth Mello e Gilson Bispo de Jesus. No mesmo
capítulo, apresentamos, por fim, a delimitação do problema e os procedimentos
metodológicos.
No terceiro capítulo, realizamos nossa análise dos livros de 5ª a 8ª séries da
Coleção “Tudo é Matemática”, com enfoque nas atividades que exploram o
desenvolvimento do raciocínio dedutivo e a demonstração.
No quarto capítulo, realizamos as considerações finais, considerando o
composto teórico e a análise feita da coleção acima referida.
15
1. Estudos Preliminares
No presente capítulo, apresentamos um resumo da história da
demonstração e como ela é tratada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
1998), além de um resumo da demonstração segundo alguns teóricos.
1.1 História da Demonstração
Provas e Refutações em Matemática Este livro está estruturado sob a forma de um diálogo que ocorre numa sala de aula imaginária. Depois de muitas tentativas e erros os alunos constatam que para todos os poliedros regulares V-A+F=2. Um aluno conjectura que esta relação se pode aplicar a todos os poliedros. Outros tentam refutar esta conjectura sem o conseguirem. É nesta altura que o professor entra na sala e apresenta uma prova em três etapas. O extracto que se segue é uma parte do diálogo que se estabelece imediatamente após a apresentação desta prova. Professor: (...) Assim provamos a nossa conjectura1 Aluno Delta: Agora pode falar de teorema. Não há no caso mais nada de conjectural2. Aluno Alfa: Admiro-me. Vejo que esta experiência pode ser realizada com um cubo, ou com um tetraedro, mas como posso eu saber se ela pode ser realizada com todo o poliedro? O senhor tem a certeza, por exemplo, que qualquer poliedro, depois de lhe retirarmos uma das faces, pode ser esticado no plano do quadro? Tenho dúvidas relativamente à sua primeira etapa. Aluno Beta: Tem a certeza que ao triangular o mapa teremos sempre uma nova face para cada nova aresta? Tenho dúvidas quanto à sua segunda etapa. Aluno Gama: O senhor tem a certeza que quando se retiram os triângulos um por um há apenas dois casos possíveis: retirar uma só aresta ou então retirar duas arestas e um vértice? O senhor tem mesmo a certeza que no final desse processo apenas fica um triângulo? Tenho dúvidas sobre a sua terceira etapa3. Professor: É claro que não tenho certezas. Alfa: Mas então a nossa situação é pior que antes! Em lugar de uma conjectura, neste momento temos pelo menos três! E é a isso que o senhor chama “prova”! Professor: Admito que para esta experiência mental, o termo tradicional ‘prova’ possa ser de facto considerado um pouco enganador. Não penso que ela estabeleça a verdade da conjectura (...). ******************************************************* 1 - A ideia da prova apresentada pelo professor remonta a Cauchy (1813) 2 - O ponto de vista de Delta segundo o qual esta prova estabelece sem nenhuma dúvida o “teorema” foi partilhado por numerosos matemáticos do século XIX como por exemplo Crelle ([1826-1827], pp. 668-71), Matthiessen ([1863], p. 449), Jonquières ([1890a] e [1890b]). Citando um exemplo representativo: “Depois desta demonstração de Cauchy, está absolutamente fora de dúvida que a elegante relação V+F = A+2 se aplica aos poliedros de todos os tipos, tal como Euler afirmou em 1752 e toda a indecisão deve ter desaparecido desde 1811”. (de Jonquières ([1890a], pp. 111-12). 3 - Os alunos desta classe são muito dotados. Em Cauchy, Poinsot e muitos outros matemáticos do século XIX, não se encontram traços destas objecções.
Imre Lakatos, 1993 Proofs and refutations - The logic of mathematical discovery
Extraído de: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/fdm/textos/ponte-etc(2naturezamat)%2097.doc
Este quadro inicial nos leva à questão de como o raciocínio dedutivo, a
demonstração e a prova são assuntos complexos, que suscitam diversas posições e
vários pontos de vista, os quais resultarão em diferentes maneiras de introduzir e
conduzir o assunto em sala de aula.
16
Segundo Gouvêa (1998), o estudo da origem e evolução da demonstração
ao longo da história pode esclarecer a problemática do seu ensino, ainda que sua
literatura não seja muito rica, porque, para os matemáticos, a demonstração está
intimamente ligada aos estudos matemáticos, não sendo objeto imediato de
pesquisa a origem da demonstração.
Ainda assim, segundo Arsac & Barbin (1988), podemos identificar três
etapas na história da demonstração: a primeira, o início com os gregos (século V
a.C.), na qual a demonstração significa a ordem da convicção (exemplo: a
demonstração clássica de Euclides sobre a incomensurabilidade da diagonal e do
lado do quadrado – é a demonstração que convence sem esclarecer); a segunda, no
século XVII, fase em que os métodos de descoberta têm um papel central e a
demonstração busca esclarecer antes de convencer e a terceira, no século XIX, em
que encontramos a volta ao rigor e a aparição do formalismo.
A demonstração matemática tem início na Antigüidade Clássica, mais
precisamente na Grécia do século VI a.C., apoiando-se em alguns raros comentários
de matemáticos gregos posteriores a essa época, tendo em vista a inexistência de
documentos da época. É importante ressaltar que, naquele momento histórico, a
demonstração não era entendida como a entendemos hoje. Podemos citar como
exemplo, além da Grécia, o Egito, nação em que a precisão de cálculos feitos pelos
escribas era geralmente provada pela verificação do resultado.
Entre os gregos, ela é conseqüência do pensamento reflexivo influenciado
pelas exigências político-sociais e filosóficas que se instauraram, pela necessidade
de “convencer” o outro. Estudiosos como Sócrates, Platão e Aristóteles tiveram a
função de suplantar, por meio desse pensamento, a primeira crença mítica. Naquela
época, as atividades humanas na cidade alcançaram seu ponto alto de expressão. O
pensamento reflexivo passou da preocupação do cosmos (mundo como centro) para
a antropológica (homem como centro) com os sofistas, mestres de retórica e de
eloqüência na Atenas democrática, que precisavam preparar os cidadãos para a
disputa de cargos públicos por meio de eleições livres.
Gouvêa (1998) afirma que o chamado “milagre grego”, com a coincidência
histórica do aparecimento da Democracia, da Filosofia e da Geometria (atualmente
17
Matemática), consistia na descoberta da “razão”, entendida como estrutura de
pensamento universal, independente das civilizações.
Um dos estudiosos da demonstração, citado por Gouvêa (1998), foi G.
Arsac. Este autor apontou em seus estudos que a demonstração surgiu para
resolver alguns problemas matemáticos específicos, como o da irracionalidade.
Gouvêa (1998) comenta, então, que Arsac (1987) apresenta o que chama de
coincidência histórica com relação à resolução do problema da irracionalidade e o
surgimento da demonstração, ou seja, de um lado, o número 2 não tem raiz
quadrada racional e, de outro, a diagonal do quadrado apresenta-se como
incomensurável com relação ao lado.
A solução do problema, que exigiria uma certa idealização e o raciocínio
pelo absurdo, como destaca Arsac (1987 apud Gouvêa, 1998), está nos mais
variados modos de pensar que havia na sociedade grega da época. Em particular, a
autora, destacando ainda Arsac (1987) destaca os filósofos eleatas, que
consideravam o raciocínio apenas sobre objetos ideais, pois o mundo dos sentidos
não poderia ser objeto de um conhecimento considerado verdadeiro.
Esse raciocínio sobre objetos ideais, que, por vezes, utiliza o raciocínio pelo
absurdo, foi o mesmo encontrado em Euclides, mas não o encontramos na
Matemática da China ou da Índia. De igual modo, Barbin (1988 apud Gouvêa, 1998),
que estudou as questões didáticas sobre a demonstração matemática apresentou,
em seu estudo, três grandes períodos da demonstração, também apontando a
origem da demonstração na Grécia.
Na Grécia, esse raciocínio referente à demonstração surge como uma
regulamentação do debate público, em que os discursos se opunham uns aos
outros. Nessa fase encontramos, segundo Barbin (1988 apud Gouvêa, 1998), o
pensamento racional em cidades gregas da Ásia Menor, como Mileto, e a
demonstração surge como um ato social, que tinha por objetivo convencer o outro.
Citando Aristóteles, Barbin (1988 apud Gouvêa, 1998) relembra que conhecer é
conhecer por meio da demonstração.
Barbin (1988 apud Gouvêa, 1998) também destacou mais duas rupturas
históricas na história da demonstração da matemática: no século XVII e no século
XIX. Essa segunda etapa é caracterizada pelo fato de que, se no início a
18
demonstração procurava convencer, como apresentamos acima, no século XVII sua
função primeira é a de esclarecer (fazer compreender a razão pela qual um
raciocínio pode ser considerado verdadeiro) e essa mudança ocorre por causa da
posição dos geômetras daquela época. Esses geômetras privilegiavam os métodos
de descoberta os quais, por sua vez, exigiam elaboração e explicação dos métodos
de resolução.
Por fim, no século XIX, a terceira ruptura apontada por Barbin (1988 apud
Gouvêa, 1998) ocorre com o aparecimento do formalismo – a demonstração não
pode ser apenas um procedimento de fabricar evidências, mas deve ser o
fundamento da verdade que se deseja demonstrar. Nessa fase, o retorno ao rigor
nos métodos matemáticos é defendido por Bolzano. Esses momentos históricos têm,
segundo Barbin (1988 apud Gouvêa, 1998) significações diversas e que são
importantes para a reflexão do professor.
O ponto, como podemos observar do estudo bibliográfico e de revisão de
literatura feito, é que, como a demonstração tem uma história com significados não
absolutos, ela torna-se uma preocupação para os estudiosos interessados no seu
ensino e na sua aprendizagem. Fazendo um paralelo da história da demonstração
com a atuação em sala de aula, podemos afirmar, como Mello (1999), que a
demonstração deve surgir como uma ferramenta indispensável para a solução de
um problema.
É fato que a demonstração, sendo um procedimento de validação que
caracteriza a Matemática, ocupa lugar de destaque nesta disciplina. Contudo, como
veremos adiante, sua aprendizagem tem sido fator de insucesso para muitos
estudantes e seu ensino, por sua vez, motivo de frustração para muitos professores.
Assim, no que segue, estudaremos as sugestões para o ensino da
demonstração apresentadas nos PCN (1998).
1.2 A Demonstração nos PCN
Segundo Pietropaolo (2005, pp. 27-31), não foram muito profundos os
debates ocorridos, na época da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN, 1998), sobre argumentações e provas e suas potencialidades pedagógicas,
embora haja a indicação de um trabalho a ser desenvolvido, desde o Ensino
19
Fundamental, envolvendo provas e argumentações. Ademais, ressalta o autor que,
apesar de pouco profundo, em “Orientações Didáticas” podemos encontrar algumas
reflexões sobre o tema no que se refere ao desenvolvimento do pensamento
geométrico. Grinkraut (2006), por sua vez, afirma:
A prova possui um papel muito importante na Matemática, pois representa uma forma de validar conhecimento, tornando-a diferente das ciências experimentais, que utilizam a indução natural de processos empíricos. A preocupação com a argumentação e a produção de uma prova pode ser encontrada nos PCN (Brasil, 1998), que recomenda que o currículo de Matemática deva contemplar experiências e atividades que possibilitem aos alunos o desenvolvimento e a comunicação de argumentos matematicamente válidos. (Ibid, p. 1)
Também encontramos, nos PCN (1998, p. 25 e seguintes) outros pontos em
que a demonstração e/ou a questão do desenvolvimento do raciocínio dedutivo
estão presentes. O documento faz uma contextualização, lembrando que a
Matemática dos dias atuais, que teve origem na civilização grega, entre
aproximadamente 700 a.C e 300 d.C., deriva de sistemas formais estruturados com
premissas e regras de raciocínio (grifos nossos, visto que esse desenvolvimento do
raciocínio é importante para a base da demonstração), alcançando a maturidade
com a Teoria dos Conjuntos e a Lógica Matemática no século XIX.
Podemos observar, também, que além do desenvolvimento do raciocínio
lógico, desde sua origem até os dias atuais, essa dedução lógica tem sido
preservada no acervo matemático, seja nos livros, periódicos, ou mesmo no
ambiente escolar. De fato, tanto a indução quanto a dedução têm fundamental
importância na criação do conhecimento matemático. Ambas são utilizadas no
desenvolvimento da capacidade de resolver problemas, formular e testar hipóteses,
generalizar, inferir, conjecturar, verificar regularidades e teorias. Contudo, o processo
indutivo é pouco destacado no ensino matemático.
Os PCN (1998) destacam que, na comunidade científica, a demonstração
formal tem sido a única forma aceita de validação de resultados e, nesse sentido, a
Matemática não pode ser considerada uma ciência empírica, mas os contextos
materiais podem ser fontes de conjecturas matemáticas e, por isso, o conhecimento
matemático se torna flexível, tanto nos conceitos quanto em suas formas de
representação, também interagindo com outros campos científicos.
20
O exercício da cidadania, ponto presente nesse documento, não somente no
tocante à área de Matemática, também exige um raciocínio dedutivo, ou, como
afirma o próprio texto (grifos nossos): “(...) para exercer a cidadania é necessário
saber calcular, medir, raciocinar, argumentar, tratar informações estatisticamente
etc.” (PCN, 1998, p. 27). De igual forma, nos temas transversais e nas questões
problema, sempre estão presentes as indicações de desenvolvimento da
argumentação, estruturação do pensamento, agilização do raciocínio.
O professor também exerce um papel importante nessa visão dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), pois deve estimular o aluno a
exercer seu conhecimento em diferentes situações, permitindo que esse
conhecimento possa construir-se pleno – e essa construção somente ocorrerá se o
ambiente for propício à generalização. “Mesmo no ensino fundamental, espera-se
que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente vinculado a um contexto
concreto e único, mas que possa ser generalizado, transferido a outros contextos.”
(PCN, 1998, p. 36).
De igual forma, como estimulador do aprendizado, o professor incentiva a
cooperação e a interação entre os alunos, o que permite uma aprendizagem
significativa e, como apontam os próprios PCN (1998), “(...) principalmente por
pressupor a necessidade de formulação de argumentos (dizendo, escrevendo,
expressando) e de validá-los (questionando, verificando, convencendo)” (Ibid, p. 38).
Pudemos observar, ainda, que o próprio estímulo a trabalhar a resolução de
problemas como ponto de partida, não como conseqüência de um conceito, já é um
estímulo à aplicação de conhecimentos anteriormente aprendidos, à capacidade de
generalizar e explicar, à construção de uma seqüência de ações e aplicação de
saberes para se obter um resultado. Isto posto, claro, se o problema for um
problema verdadeiro, isto é, um problema que tenha um desafio real e a
necessidade de verificação para se validar o processo de solução. Um problema
verdadeiro exige a elaboração de vários procedimentos de resolução, a comparação
de resultados com colegas e a validação de procedimentos. Aspectos essenciais,
que estimulam a demonstração, inclusive em suas várias funções, como veremos
adiante, ao estudarmos De Villiers.
21
Com relação aos objetivos gerais apresentados nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN, 1998), encontramos em Matemática pré-requisitos e as próprias
habilidades relativas à demonstração, tais como: o estabelecimento de inter-relações
após a observação sistemática de aspectos quantitativos e qualitativos da realidade;
a capacidade de selecionar, organizar e produzir informações relevantes; a
resolução de situações-problema com intuição, dedução, analogia, estimativa;
capacidade de comunicar-se matematicamente; capacidade de estabelecer
conexões entre temas matemáticos e entre conhecimentos inter-curriculares; sentir-
se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos,
desenvolvendo a auto-estima e perseverança na busca de soluções.
O tratamento dos conteúdos também favorece o estímulo a um construir de
conhecimentos que, de momentos em momentos, revisita o passado para reconstruir
o presente de forma mais sólida, em um sistema conhecido como desenvolvimento
em espiral, não linear. Esse sistema, como também será abordado adiante, está em
sintonia com a visão de De Villiers com relação ao tratamento a ser dado às funções
da demonstração: também em espiral, permitindo essa construção do conhecimento
de forma integrada e robusta.
Assim, os princípios norteadores da Matemática, constantes nos PCN (1998)
e aqui apresentados, trazem elementos importantes para o desenvolvimento da
demonstração, a começar pelo ponto de partida ser a resolução de problemas;
adicionada à perspectiva de que a atividade matemática é um processo de
construção contínua, que envolve a capacidade de inter-relação, comunicação,
análise, dedução, argumentação, validação de processos. Veremos, adiante, o que
sugerem os PCN (1998) especificamente com relação aos terceiro e quarto ciclos,
séries que serão objeto deste estudo sobre demonstração.
Assim são apresentadas as orientações didáticas para o terceiro ciclo, com
grifos nossos:
É importante destacar que as situações de aprendizagem precisam estar centradas na construção de significados, na elaboração de estratégias e na resolução de problemas, em que o aluno desenvolve processos importantes como intuição, analogia, indução e dedução, e não atividades voltadas para a memorização, desprovidas de compreensão ou de um trabalho que privilegie uma formalização precoce dos conceitos. O estímulo à capacidade de ouvir, discutir, ler idéias matemáticas, interpretar significados, pensar de forma criativa, desenvolver o pensamento indutivo/dedutivo, é o caminho que vai possibilitar a ampliação da
22
capacidade para abstrair elementos comuns a várias situações, para fazer conjecturas, generalizações e deduções simples como também para o aprimoramento das representações, ao mesmo tempo que permitirá aos alunos irem se conscientizando da importância de comunicar suas idéias com concisão. (PCN, 1998, p. 63)
Dentre os objetivos específicos para o terceiro ciclo, encontramos a
preocupação para que o aluno desenvolva o raciocínio combinatório, estatístico e
probabilístico, por meio de situações de aprendizagem que envolvam a coleta,
organização e análise das informações, interpretação de tabelas e gráficos,
formulação de argumentos convincentes, tomando como base a análise de dados
organizados em diversas representações matemáticas. É esperado, também, que o
aluno consiga estabelecer relações entre figuras espaciais e representações planas,
sendo capaz de construir e interpretar essas representações; bem como reconhecer
que representações algébricas possibilitam que se generalize sobre propriedades;
vários pré-requisitos importantes para o desenvolvimento, no quarto ciclo, da
demonstração.
Esse documento ressalta que no terceiro ciclo é importante que se
desenvolva a capacidade de o aluno buscar soluções, reconhecendo a necessidade
de argumentar de forma plausível. Apontam, então, como desejável que o professor
trabalhe para desenvolver a argumentação, com o intuito de que os alunos tenham
sempre a atitude de tentar justificar a resposta, não se satisfazendo apenas com a
produção de respostas ou afirmações. Essa atitude permitirá que se avance no
quarto ciclo para que os alunos possam reconhecer a importância que a
demonstração possui na Matemática e possam, também, compreender as provas de
alguns teoremas.
A argumentação está fortemente vinculada à capacidade de justificar uma afirmação e, para tanto, é importante produzir alguma explicação, bem como justificá-la. Assim, um argumento será aceito se for pertinente, ou seja, se ele estiver sustentado por conteúdos matemáticos e se for possível responder aos contra-argumentos ou réplicas que lhe forem impostos. Uma argumentação não é, contudo, uma demonstração. A argumentação é mais caracterizada por sua pertinência e visa ao plausível, enquanto a demonstração tem por objetivo a prova dentro de um referencial assumido. Assim, a argumentação está mais próxima das práticas discursivas espontâneas e é regida mais pelas leis de coerência da língua materna do que pelas leis da lógica formal que, por sua vez, sustenta a demonstração. Se por um lado a prática da argumentação tem como contexto natural o plano das discussões, na qual se podem defender diferentes pontos de vista, por outra ela também pode ser um caminho que conduz à demonstração. (PCN, 1998, p. 70)
23
No quarto ciclo, o documento sugere que sejam desenvolvidas atividades
que favoreçam o raciocínio dedutivo e, conseqüentemente, a introdução da
demonstração propriamente dita. Como no ciclo anterior, estimula-se o uso de
problemas como ponto de partida para o desenvolvimento dos conceitos, bem como
o uso de situações-problema que exijam modelização, generalização, demonstração
de propriedades e fórmulas e o estabelecimento de relações entre grandezas.
O uso de conhecimentos anteriores é bem destacado, também, como a
inter-relação entre blocos de conhecimentos. Por exemplo: a generalização de
procedimentos para calcular o número de diagonais para qualquer polígono; o
estudo de semelhanças entre figuras, a exploração de contra-exemplos. O estudo
sobre Geometria, nesse ciclo, vai exigir que os alunos apliquem seu raciocínio
dedutivo, bem como a realização de análise das figuras pelas observações,
manuseios e construções que possibilitem conjecturar e identificar propriedades.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) alertam que, ainda que
os conteúdos geométricos tenham amplas possibilidades para se explorar os
raciocínios dedutivos, deve-se explorar essa capacidade em outros conteúdos.
Deve-se reforçar, ademais, a construção de argumentos que sejam plausíveis,
lembrando que a prática da argumentação é fundamental para que se compreenda a
demonstração.
Mesmo que a argumentação e a demonstração empreguem freqüentemente os mesmos conectivos lógicos, há exigências formais para uma demonstração em Matemática que podem não estar presentes numa argumentação. O refinamento das argumentações produzidas ocorrem gradativamente pela assimilação de princípios da lógica formal, possibilitando as demonstrações. (PCN, 1998, p. 86)
Outro alerta igualmente importante é encontrado a seguir:
Embora no quarto ciclo se inicie um trabalho com algumas demonstrações, com o objetivo de mostrar sua força e significado, é desejável que não se abandonem as verificações empíricas, pois estas permitem produzir conjecturas e ampliar o grau de compreensão dos conceitos envolvidos. (PCN, 1998, p. 87)
Vários são os tópicos apresentados nesse documento que estimulam o uso
de capacidades que facilitarão a demonstração. Entre eles, podemos citar:
discussão do significado das raízes em equações e inequações do primeiro grau;
verificação da validação da soma de ângulos internos de um polígono convexo para
não-convexos; verificações experimentais e aplicações do teorema de Tales;
24
verificações experimentais, aplicações e demonstração do teorema de Pitágoras.
Atitudes como a predisposição para encontrar exemplos e contra-exemplos, formular
hipóteses e comprová-las; comparação de semelhanças e diferenças e justificativa
dessa comparação; comunicação, valorização do trabalho coletivo e contribuição na
elaboração de estratégias e na sua validação.
Nas orientações didáticas para os ciclos terceiro e quarto encontramos,
também, sugestões como indicar a prova da irracionalidade da raiz quadrada de dois
por não ser uma razão de inteiros; o estímulo ao uso do bloco “Espaço e Forma”
para se construir demonstrações; o teorema de Pitágoras (pp. 126-127) com a
ressalva de que, no terceiro ciclo, haja a preponderância do uso de material concreto
e, no quarto ciclo, estimule-se o desenvolvimento de conjecturas e processos que
possibilitem o desenvolvimento de justificativas mais formais. Também é sugerida a
demonstração de que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus.
Observamos, por fim, uma preocupação de orientar para a concretização de
teoremas com uma demonstração formal posterior, mas falta, por exemplo, alguma
sugestão de tópicos importantes como noção de teorema, definição, mudanças na
forma do registro de demonstração.
1.3 A Demonstração de Acordo com alguns Teóricos
Considerando-se o escopo deste trabalho, iremos apresentar, nessa gama
de caminhos que discutem a problemática do ensino da demonstração, a questão do
livro didático. Para avaliá-lo, adotaremos o composto teórico de Michael D. De
Villiers, autor que apresenta seis tipologias – ou funções – para a demonstração.
Com De Villiers, procuraremos identificar, na coleção Tudo é Matemática (Ática,
2005), como as demonstrações se classificam, conforme os papéis e funções
identificados pelo referido autor. Cabe-nos, ainda, observar que embora adotemos,
para a análise do livro didático, um único autor, o composto teórico aqui apresentado
abrange outros autores, além de De Villiers, para permitir ao leitor uma compreensão
mais abrangente da complexidade do assunto.
25
1.3.1 Michael D. de Villiers
De Villiers (2001) apresenta um modelo que nos permite identificar caminhos
para se encontrar, além de como demonstrar, os “por quê” e “para quê” demonstrar.
Uma preocupação do autor é identificar quais as funções da demonstração que
podem ser usadas em sala de aula visando tornar a própria demonstração como
algo mais significativo para o aluno.
Essa preocupação do autor com relação à demonstração deriva do fato de
que este tema tem sido um dos que os alunos mais apresentam dificuldade em
compreender, o que leva tanto professores quanto alunos a apresentarem certo grau
de frustração com relação à demonstração. Um dos pontos dessa incompreensão
deriva do fato de que os alunos não conseguem identificar a função, ou seja, o
significado, o objetivo e a utilidade da demonstração. Justamente considerando essa
situação, De Villiers (2001) identifica, além da função mais tradicionalmente
designada para a demonstração, que é a verificação, mais cinco outras:
Demonstração como processo de verificação/convencimento - A
demonstração, tradicionalmente, é vista como principal instrumento de
verificação de uma afirmação matemática. Ela é um argumento necessário
para que se possa validar uma afirmação, o que significa, também, que
serve para convencer pessoas – incluindo a nós mesmos, de que uma
idéia é verdadeira. Porém, citando Bell (1976), De Villiers (2001) observa
que esse ponto de vista que considera a verificação ou convencimento
como principal função da demonstração “passa ao lado da consideração
da natureza real da demonstração” (BELL, 1976, p. 24), visto que por
muitas vezes a convicção em Matemática é obtida por meios que não
seguem uma demonstração lógica. Ademais, a demonstração não é um
requisito necessário para que haja convicção; na verdade, em geral a
convicção é o que se torna pré-requisito para a demonstração, visto que
alguém somente irá buscar provar, demonstrar algo se estiver convicto de
que esse algo é verdadeiro. Nesses casos, então, certamente a função da
demonstração não será a de verificar.
Demonstração como processo de explicação - Na maioria dos casos
em que os resultados são intuitivamente evidentes ou apoiados em uma
26
evidência quase-empírica convincente, a função da demonstração é a de
explicação. Vários autores citados por De Villiers (como Albers, 1982,
Manin, 1981, Bell, 1976) reforçam ainda que a explicação é uma função
importante, por ser um bom critério para definir o que é uma boa
demonstração, isto é, a que permite que tenhamos uma percepção
racional do motivo de porque certa proposição é verdadeira.
Demonstração como processo de descoberta - Para um matemático, a
demonstração vai muito mais além da verificação; ela permite a
exploração, a análise, a descoberta e a invenção de novos resultados. De
igual forma, novos resultados podem ser descobertos a priori, com a
realização da análise dedutiva das propriedades de certos objetos. Um
exemplo de descoberta por meio de um processo dedutivo, a partir da
generalização da demonstração da concorrência de medianas de um
triângulo foi o teorema de Ceva, de 1678 (De Villiers, 1988).
Demonstração como processo de sistematização - Neste caso, a
demonstração cumpre seu papel de ferramenta indispensável para
transformar um conjunto de resultados conhecidos em um sistema
dedutivo de axiomas, definições e teoremas. O principal objetivo é
organizar, em um todo unificado e coerente, afirmações que estão
isoladas e não relacionadas logicamente. Ainda que estejam presentes
outras funções como a verificação e a explicação, o ponto principal é
estabelecer um processo de sistematização, dando, quando muito, uma
explicação global, não local.
Demonstração como meio de comunicação - Aqui a demonstração é
discurso, isto é, um meio de comunicação entre as pessoas – professores,
matemáticos, alunos, todos interagindo. O ponto-chave, aqui, é o
processo social de comunicar e também de disseminar o conhecimento
matemático, daí a função de comunicação. Significados, conceitos e
critérios são socializados e essa socialização permite o refinamento da
demonstração, bem como a identificação de erros, contribuindo para o
aprimoramento matemático.
27
Demonstração como desafio intelectual - É um desafio intelectual, para
muitos estudiosos da Matemática, o fazer a demonstração, assim como é,
por exemplo, para um atleta vencer uma maratona. A função primordial,
neste ponto, é a gratificação, a realização própria.
Por fim, o autor sugere que seja adotada uma seqüência na identificação
das funções da demonstração, não de forma linear, mas de maneira espiral, em que
funções que já foram introduzidas possam ser retomadas e ampliadas. Importante,
também, destacar que em um exemplo pode haver mais de uma função, em outros
elas podem ter a mesma intensidade; e em outros ainda pode acontecer de alguma
função não aparecer.
A seguir, apresentamos uma figura que visa reproduzir essa seqüência
proposta pelo autor, considerando as experiências do próprio autor, as quais
demonstram que os estudantes são facilmente desafiados a tentar explicar um
resultado e como a verificação indutiva apenas confirma, mas não nos oferece uma
percepção satisfatória de como a conjectura deriva de outros resultados conhecidos,
logo, preferimos “encarar um argumento dedutivo como uma tentativa de explicação,
não de verificação” (Ibid, p. 36).
Assim, em primeiro lugar deveríamos mostrar a função de explicação. O
autor aconselha que se introduza logo a função de descoberta, dando ênfase
também ao papel da comunicação e deixando a verificação apenas para os casos
em que os alunos tenham dúvidas. A questão do desafio intelectual vem a seguir,
lembrando que, embora não seja unânime, mesmo as pessoas menos interessadas
podem apreciar e compreender que outros possam considerar a demonstração
como um desafio. Por fim, a sistematização, vista pelo autor como uma função
própria de um estado avançado da prática de demonstração e que deve, portanto,
ser evitada no início do estudo sobre demonstração.
Segundo o autor, é aconselhável, então, que se introduzam as funções da
demonstração na ordem apresentada no parágrafo anterior e expressa também na
Figura 1, baseada em De Villiers (2001):
28
Observamos, então, a preocupação de De Villiers (2001) no que diz respeito
ao caráter didático da demonstração, propondo, inclusive, uma ordenação das seis
funções da demonstração, visando desenvolver no aluno o raciocínio dedutivo e a
compreensão da demonstração. De igual forma, encontraremos a preocupação
didática sobre ensino e aprendizagem com o tema demonstração em Balacheff
(1999), o qual apresenta a questão da interação social como instrumento para
construção do conhecimento e do desenvolvimento do raciocínio, da prática
argumentativa, como veremos a seguir.
1.3.2 Nicolas Balacheff
Balacheff (1999) trata das dificuldades em se ensinar e aprender as
demonstrações em Matemática e analisa a postura de professores e alunos com
respeito ao aprendizado do tema. A primeira questão que o autor levanta diz
respeito à argumentação como problemática que surge do estudo da interação
social como um potente instrumento para favorecer a construção do conhecimento
por parte do aluno. A interação social, na visão de Balacheff (1999) delega ao aluno
a responsabilidade matemática sobre essa atividade de construção do
conhecimento, bem como sobre as produções advindas de tal atividade.
Explicação
Sistematização
Comunicação
Descoberta
Verificação
Desafio Intelectual
Figura 1: ordenando as seis funções da demonstração, conforme De Villiers (Baseado em De Villiers, 2001, p. 35)
29
Na década de 1980, o autor estudou várias situações referentes a essa
interação social e pôde atestar o caráter produtivo e essencial do processo de
interação social, mas ressalta que pôde observar, também, que esse mesmo
processo de interação fomenta processos e comportamentos sociais que podem
tornar-se impedimentos para a construção da problemática matemática ou científica
da “prova matemática”, por parte dos mesmos alunos. Esses processos e
comportamentos sociais que dificultam a construção da prova giram em torno da
questão da argumentação.
Entre outros autores, Godino e Recio citam Balacheff (1987) e sua definição
de racionalidade como a atividade intelectual, na maior parte do tempo não explícita,
de manipular as informações para produzir novas informações a partir de dados. Tal
atividade, para os autores, origina as práticas argumentativas e essa racionalidade
desenvolve-se mediante as práticas argumentativas. Desse modo, a prática
discursiva se constitui em uma prova de caráter essencialmente contextual e
pragmático.
As leituras e discussões desses textos propiciaram algumas questões e
reflexões. Uma delas seria: será que há distinção entre prova e demonstração? Que
meios a Matemática utiliza para validar conjecturas? Tais respostas são
fundamentais para o desenvolvimento do raciocínio matemático, bem como para sua
correta utilização. Os termos argumentar, demonstrar, generalizar e provar têm sido
abordados na problemática do ensino e aprendizagem da prova matemática,
assunto que apresenta interesse crescente por causa do papel essencial das
situações e processos de validação da própria Matemática.
Balacheff (1997) destaca dois pontos que são, basicamente, os seguintes:
(1) a argumentação apresenta, como objeto de estudo, a validade de certo
enunciado; (2) a argumentação trabalha com a competência argumentativa e as
fontes desse competência se encontram na própria língua natural, como também
nas práticas que envolvem a questão social, isto é, os interlocutores e a
circunstância.
Para esse autor, compreender a demonstração implica construir uma relação
particular do conhecimento, entendendo que o que está em jogo é uma construção
teórica. Isso implica renunciar às liberdades que o jogo da argumentação permite
30
tomar. Desse modo, a demonstração só pode existir com relação a uma axiomática
explícita, a qual suscita inquietudes e até oposições, mas, segundo Balacheff (1999),
se não se respeitar essa observação, acabaremos por reduzir a demonstração a
uma retórica particular e matemática a um simples jogo de linguagem, ou palavras.
“Argumentar é, sem dúvida, uma atividade com propósitos, mas é discursiva
e o discurso é concebido como uma atividade social” (Jean-Blaise Grize, s/d, apud
Balacheff, 1999, p. 2).
Balacheff (1987 apud Gouvêa, 1998) faz uma distinção entre explicação,
prova e demonstração:
A “explicação” situa-se no nível do sujeito locutor com a finalidade de comunicar a outrem o caráter de verdade de um enunciado matemático. Reconhecida como convincente por uma comunidade, a explicação toma um estatuto social, constituindo-se uma “prova” para esta comunidade, seja a proposição “verdadeira” ou não. Quando a prova se refere a um enunciado matemático, o autor chama, somente neste caso, de “demonstração”. As “provas” são explicações aceitas por outros num determinado momento, podendo ter o estatuto de prova para determinado grupo social, mas não para um outro. As “demonstrações” são provas particulares caracterizadas: a) por serem as únicas aceitas pelos matemáticos; b) por respeitarem certas regras: alguns enunciados são considerados verdadeiros (= axiomas), outros são deduzidos destes ou de outros anteriormente demonstrados a partir de regras de dedução tomadas num conjunto de regras lógicas; c) por trabalharem sobre objetos matemáticos com um estatuto teórico, não pertencentes ao mundo sensível, embora a ele façam referência. (GOUVÊA, 1998, p. 28)
1.3.3 Godino e Recio
Godino e Recio (1997) afirmam que a problemática do ensino e
aprendizagem da prova matemática apresenta interesse crescente por causa do
papel essencial das situações e processos de validação e, em contrapartida, pelo
baixo nível que os estudantes apresentam na compreensão e elaboração de provas.
A primeira questão que os autores apresentam trata dos diferentes significados da
“prova matemática”, não somente do ponto de vista subjetivo, mas também nos
diferentes contextos institucionais.
Para os autores, a palavra “prova” é usada em diferentes contextos com
diversos sentidos, às vezes pendendo a sinônimo de explicação, argumentação,
demonstração – todos com uma idéia comum, a de justificar ou validar uma
31
afirmação (tese) apresentando razões ou argumentos. Assim, utilizam o termo
“prova” para se referir de modo genérico ao objeto emergente do sistema de práticas
argumentativas (argumentos) aceitos em uma comunidade ou por uma pessoa
diante de situações de validação e decisão.
Para Godino e Recio (1997), essas práticas argumentativas também são
discursos que estão em um contexto. Segundo esses autores, um contexto é um
ponto de vista local ou uma perspectiva de uma determinada problemática, que se
caracteriza pelo uso de recursos de expressão e instrumental próprios, bem como
hábitos e normas específicas de comportamento. Logo, dentro desses diferentes
contextos teremos uma diversidade de provas e a veracidade de um teorema
dependerá da validade das regras lógicas usadas na prova.
No contexto da lógica e dos fundamentos da matemática, os autores
acreditam que o teorema surge, então, como uma conseqüência lógica e necessária
das premissas das quais se parte, mediante certa inferência dedutiva. Assim, um
enunciado ou teorema aceito como verdadeiro terá uma validade universal e
atemporal garantida pela validade das regras lógicas usadas na prova.
Para que se possa justificar, com o máximo de garantia possível, a verdade
do sistema de proposições matemáticas, busca-se um sistema mínimo de axiomas
para que se possam aplicar as regras de inferência da Lógica para se derivar as
proposições matemáticas. Dessa forma, existe uma problemática teórica de como
organizar e estruturar o corpo de conhecimentos matemáticos que requer o uso de
linguagens formais, sendo a prova o resultado dessas práticas argumentativas
analíticas formais e seu significado será dado pelas práticas e representações que
lhe dão contorno.
Godino e Recio (1997) afirmam, ainda, que o resultado é que a matemática
contemporânea ficou repleta de provas informais, não axiomatizadas, que se
expressam com o uso da linguagem comum e de expressões simbólicas, não
havendo um padrão geralmente aceito de grau de rigor e de sistematização que são
exigidos por uma prova matemática. Por isso, os teoremas matemáticos acabam
perdendo seu caráter de verdades absolutas e a matemática adquire um caráter
social, convencional, temporal.
32
Para os autores, nas ciências experimentais e na vida cotidiana, a prova se
baseia em argumentos substanciais (empírico indutivos, analógicos), por meio dos
quais concluímos que o que é verdadeiro para certos indivíduos de uma classe é
verdadeiro para toda a classe, o que é verdadeiro algumas vezes o será sempre, em
circunstâncias semelhantes, ou com certa probabilidade. Usam-se argumentações
dedutivas e inferências estatísticas e a validade dos enunciados não tem um caráter
absoluto e universal. A “prova” usa recursos expressivos da linguagem comum,
recursos simbólicos e qualquer tipo de dispositivo concreto.
Godino e Recio (1997) acrescentam que no contexto da aula de matemática,
tanto para os currículos, quanto para professores, os teoremas matemáticos são
necessariamente verdadeiros, mas as argumentações que estabelecem essa
verdade são dedutivas informais e, freqüentemente, não dedutivas ou ainda
baseadas em critérios externos de autoridade.
A matemática é vista como um corpo de conhecimentos cuja verdade não se
põe em dúvida, esperando-se que os estudantes que adquiriram a capacidade de
compreender e desenvolver provas de teoremas matemáticos estabeleçam a
verdade desses teoremas com absoluta segurança, convencendo a eles mesmos e
a todos de uma verdade dita de maneira irrefutável. Isto é o uso da chamada prova
idiossincrática, em que o estudante tem que se convencer e explicar seu
convencimento ao professor da verdade necessária e universal do teorema.
Godino e Recio (1997) citam o estudo de Harel e Sowder que distingue três
categorias principais de esquemas de provas: baseados em convicções externas
(ritual, autoritário e simbólico); empíricos (indutivos e de percepção) e analíticos
(transformacionais e axiomáticos). Observam, ademais, que nas classes
elementares de matemática, identifica-se o predomínio das práticas argumentativas
não analíticas. Suas conclusões, então, são que há elementos comuns no uso da
palavra prova em diferentes contextos, o que permite falar da idéia de prova em
sentido geral, mas sem ocultar a rica e complexa variedade de sentidos que o
conceito de prova adquire, cada um com significado local, tanto do ponto de vista
subjetivo, como epistemológico.
Para Godino e Recio (1997) precisamos considerar esses distintos conceitos
de prova para que possamos estudar os problemas psicológicos e didáticos que
33
estão nesses processos de validação de proposições matemáticas, pois assim
poderemos estudar melhor os componentes dos significados e as condições de
desenvolvimento do processo de aprendizado, tomar conhecimento dos conflitos
cognitivos que envolvem as pessoas que são “sujeitos” nos distintos contextos
institucionais. Os estudantes, é bom ressaltar, são “sujeitos” em diferentes contextos
e nestes põem em prática distintos esquemas argumentativos, tendo dificuldade de
discriminar o uso respectivo de cada argumentação.
Para os autores, cabe ao professor analisar e articular os diferentes sentidos
que a palavra prova tem, desenvolvendo progressivamente nos estudantes seus
conhecimentos, a capacidade de distinguir esses diferentes sentidos e a
racionalidade que devem usar em cada caso. A compreensão e o domínio da
argumentação dedutiva requerem o desenvolvimento e a construção desse
raciocínio específico, dessa racionalidade, e esse processo é progressivo, requer
tempo e adaptações da prova enquanto objeto de estudo nos diferentes níveis de
ensino. Os esquemas informais de prova não podem ser vistos como erros,
incorreções ou deficiências, mas sim como etapas para a apropriação e para o
domínio das práticas argumentativas matemáticas.
1.3.4 Betina Pedemonte
Pedemonte (2002) apresenta uma análise da relação entre argumentação
(construção de conjecturas) e demonstração, que seria produzida em seguida, tendo
uma continuidade entre elas. A continuidade que Pedemonte (2002) acredita haver
entre as estruturas de argumentação e de demonstração pode ter importância do
ponto de vista cognitivo, pois as compara utilizando como ferramenta, o Modelo de
Toulmin sobre um esquema ternário. Nesse modelo, há:
O enunciado, que é a conclusão de cada argumento;
Os dados que procuram justificar o enunciado, sendo que a conclusão
toma por base certa quantidade de dados produzidos para que se possa
sustentar o enunciado. Os dados, que podem ser constituídos de fatos,
exemplos e informações, são o ponto de partida de cada um dos
argumentos e o ponto de apoio do enunciado.
34
A permissão de inferir – isto é, para que possamos passar dos dados
para o enunciado, é preciso que haja uma regra geral que permita inferir
essa permissão. Portanto, a permissão de inferir é a parte do argumento
que tem por papel estabelecer a conexão entre os dados e o enunciado.
Pedemonte (2002) conclui que a demonstração exige uma linguagem
apropriada, bem como uma estrutura definida de acordo com padrões matemáticos.
Para se produzir, pois, uma demonstração (uma prova), é preciso uma organização
de passos em seqüência lógica, com símbolos e métodos específicos para justificar
cada passagem e uma linguagem que obedeça ao rigor matemático. Em outras
palavras, é preciso que haja uma identificação das hipóteses do enunciado; a
construção de uma argumentação baseada em teoremas, propriedades ou
definições matemáticas (para se provar a tese); a realização de conjecturas; e a
validação dessas conjecturas, para que se possa generalizar a situação.
Ao realizarmos a análise da coleção “Tudo é Matemática”, procuraremos
identificar nos exercícios essas considerações acerca da demonstração,
apresentada pelos autores que compuseram esse referencial teórico. Mas, antes,
cabe apresentar nossa problemática e nossas intenções para este trabalho.
35
2. Problemática
O presente capítulo apresenta a justificativa de pesquisa, seguida da revisão
de literatura, bem como a delimitação do problema e os procedimentos
metodológicos que serão adotados.
2.1 Justificativa
O presente trabalho deriva parcialmente de um Projeto de Iniciação
Científica iniciado em março de 2007 e concluído em dezembro do mesmo ano: “O
raciocínio dedutivo nos livros didáticos e a prática dos professores nas séries finais
do Ensino Fundamental”. Por sua vez, esse trabalho estava inserido em outro mais
amplo, um projeto de formação continuada para professores da rede pública
estadual de São Paulo, denominado “O raciocínio dedutivo no processo de ensino-
aprendizagem da matemática nas séries finais do Ensino Fundamental”. Tal projeto
foi também concluído em 2007, com financiamento do Conselho Nacional de
Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq) e coordenado pelo Professor Doutor Saddo Ag
Almouloud.
Nessa primeira pesquisa que realizamos sobre o raciocínio dedutivo nos
livros didáticos e a prática dos professores nas séries finais do Ensino Fundamental,
um dos objetivos foi diagnosticar como os livros didáticos organizam os conteúdos a
serem trabalhados ao longo do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, nas
aulas de Matemática e, particularmente, se existem e, em que quantidade,
atividades referentes ao raciocínio dedutivo (provas e demonstrações). Outro
objetivo foi diagnosticar professores, em exercício, quanto à utilização do livro
didático na organização do seu plano anual de curso e de aula, além do trabalho
com raciocínio dedutivo, a partir do livro didático adotado.
Esse Projeto de Iniciação Científica propiciou o contato não apenas com a
prática docente, mas também com a análise de livros didáticos no que tange ao
raciocínio dedutivo e à argumentação. Além disso, procurávamos uma resposta para
a seguinte questão: qual a relação entre o currículo praticado e a seleção e
distribuição dos temas no livro didático de Matemática? Para responder tal questão
fizemos, inicialmente, uma revisão bibliográfica a respeito de prova e demonstração.
36
Participamos também das reuniões semanais de formação continuada com o
referido grupo de professores de Ensino Médio, Ensino Fundamental e Educação
para Jovens e Adultos.
Aplicamos um questionário a seis desses professores, todos formados na
área de Matemática, com diferentes faixas etárias e tempo de carreira. O objetivo da
aplicação do questionário era verificar tanto suas concepções a respeito de provas e
demonstrações, quanto os livros que adotam, e verificar também se os professores
utilizavam esses livros para organizar suas aulas com relação ao tema. Para a
análise do questionário e do livro didático nos apoiamos na Teoria Antropológica do
Didático (TAD), além do Programa Nacional do Livro Didático, (PNLD, 2005) e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998). Os resultados apresentados foram
os seguintes:
Os professores questionados declararam trabalhar mais com prova do que
com demonstração, porém consideram, em alguns casos, verificação como
demonstração. Um dos professores utiliza verificações empíricas com material
manipulativo como se fossem demonstrações, além de considerar que se pode
trabalhar com demonstração em algumas turmas e em outras não.
Todos os professores questionados julgam que as dificuldades para os
alunos fazerem demonstrações devem-se ao fato de que os alunos não estão
acostumados a tal tipo de raciocínio. Todos também acreditam que situações
matemáticas que abordem prova ou demonstração ajudam no desenvolvimento do
raciocínio dos alunos, auxiliando em seu desenvolvimento cognitivo, porém poucas
de suas respostas conseguiram explicar porque isso ocorre.
É de se notar que os professores não saibam diferenciar claramente
demonstração e prova. Mesmo afirmando que os dois termos não são sinônimos, os
professores não conseguiram explicitar essa distinção. Pensamos que talvez essa
dificuldade de explicitar termos ou conceituá-los deva-se à falta de domínio do tema
(demonstração). Ainda que os professores tenham afirmado que consideram
importante trabalhar com demonstração em sala de aula, no momento de explicar a
razão para isso, não souberam demonstrar sua real importância. Esta questão nos
remete a Pietropaolo (2005) e à necessidade de ressignificar a demonstração na
formação do professor, como veremos adiante, na revisão da literatura.
37
As respostas dadas ao questionário permitiram-nos perceber que o conteúdo
posto em prática em sala de aula deriva de uma combinação entre os anos de
experiência do professor, sua formação e evolução profissional ao longo do tempo e
a influência que o livro pode ter durante sua carreira. Quanto mais anos de
experiência o professor apresenta, menos o livro didático aparenta direcioná-lo.
Quanto às respostas dos questionários e o grau de conhecimento acerca do tema
“demonstração”, pudemos observar que mais do que a maturidade (tempo de
dedicação ao magistério), o que influenciou para mais ou menos o conhecimento do
assunto foi a formação que o professor teve.
Com relação específica ao trabalho com o raciocínio dedutivo, em nossa
pesquisa os resultados apontaram que o livro não teve uma influência no tocante a
esse aspecto. Isto é, o que leva um professor a desenvolver com maior ou menor
propriedade o raciocínio dedutivo de seus alunos não é o fato de que certo conteúdo
está apresentado no livro de determinada forma ou com determinada seqüência.
Percebemos que, quanto mais o professor dominar o assunto “Demonstração” (aqui
utilizado para abordarmos o tema raciocínio dedutivo), mais esse tema poderá ser
abordado em sala de aula, mesmo que não faça parte da atividade descrita no livro.
O Projeto de Iniciação Científica nos permitiu compreender o conceito de
demonstração, como também como ocorre a construção de um argumento válido (ou
seja, do qual se pode deduzir a afirmação que se apresenta, como citamos
anteriormente, ao apresentar Pedemonte (2002). Além disso, a Iniciação Científica
ampliou nossa visão acerca da importância da demonstração para a atuação
docente e para a construção de um raciocínio dedutivo nos estudantes. Dessa
forma, julgamos adequado eleger a demonstração como tema de pesquisa para o
Trabalho de Conclusão de Curso. Por outro lado, não foi possível, ao longo do
Projeto de Iniciação Científica mencionado, comentar o efeito das demonstrações
utilizadas nos livros adotados pelos professores, visto que a pesquisa não
contemplava tal objeto de estudo. Assim, consideramos pertinente voltar nossos
olhares para o livro didático, analisando como é introduzida a demonstração nesse
tipo de material.
38
2.2 Revisão de Literatura
A revisão de literatura tem por objetivo situar nosso trabalho e ampliar a
visão da problemática sobre ensino e aprendizagem do assunto.
2.2.1 Filomena Aparecida Teixeira Gouvêa
A pesquisa de Gouvêa (1998) teve início após a análise dos resultados que
alunos da 7ª série do Ensino Fundamental de todas as escolas da rede estadual
obtiveram, ao realizarem a prova de avaliação do Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar (SARESP) de 1996. A pesquisadora realizou um trabalho sobre
o ensino-aprendizagem da Geometria com “demonstração” a partir da 6ª série, a fim
de incentivar os professores a integrá-la às demais partes da Matemática e a outras
disciplinas, ajudando-os a restituir a historicidade do conceito de demonstração e de
rigor matemático.
A pesquisadora demonstra, por meio de análise dos questionários
respondidos pelos alunos, que um dos aspectos de maior dificuldade encontrado por
eles era “a forma pela qual os professores ensinavam a matéria dada (19,25% no
curso noturno; 18,51% no diurno)”. (GOUVÊA, 1998, p. 1).
Diante deste fato, formulou uma primeira hipótese de que os professores
não trabalhavam itens importantes, como as exigências que deveriam ter com
relação ao ensino e a aprendizagem da demonstração, observando que, a partir da
7ª série, já se espera que o estudante possa raciocinar sobre conceitos, não mais
sobre figuras, como seria o natural nas séries anteriores (época em que o aluno
pode observar, bem como desenhar, calcular e traçar sem ter a preocupação de
exercitar seu raciocínio dedutivo e buscar justificar o que faz). Em outras palavras, o
aluno da 7ª série já deveria ser capaz de dar início à prova, à justificativa e à
demonstração, visando tornar um determinado resultado indiscutível.
Visando, então, melhorar as condições de aprendizagem no ensino de
Geometria a partir da 7ª série, Gouvêa (1998) propôs que a demonstração fosse
vivenciada de modo interativo no contexto da sala de aula como sendo um tempo de
construção do saber geométrico no processo de resolução de problemas, quando as
ações dos alunos devem ser respostas a constantes e gratificantes desafios.
39
A metodologia de seu trabalho consistiu em quatro etapas: (1) breve estudo
histórico e epistemológico para identificar obstáculos epistemológicos; (2) breve
estudo da transposição didática para identificar obstáculos didáticos e avaliar o
ensino atual da demonstração; (3) elaboração de seqüências de atividade; (4)
análise e discussão dos resultados e conclusões da pesquisa.
Ainda como parte de seu trabalho, Gouvêa (1998) faz uma análise de alguns
livros didáticos, considerando o ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva
desenvolvido nos últimos 50 anos. Esse período de tempo foi por ela dividido em:
antes, durante e após o Movimento da Matemática Moderna (MMM). A pesquisadora
constatou que os livros didáticos do primeiro período costumam conter todas as
demonstrações, e ainda, de forma estável e organizada.
Durante o MMM mudou-se a ênfase do ensino da Matemática, ela deveria
ser viva, divertida, mais alegre e criativa, opondo-se ao modo tradicional de ensino.
A demonstração foi introduzida por meio do “método em duas colunas” (argumentos
e justificações). Houve uma tentativa de unificar a Matemática utilizando a linguagem
da Teoria dos Conjuntos. No terceiro período, após o Movimento, não se percebe,
nos livros didáticos, a preocupação de apresentar exercícios que despertem o
raciocínio lógico dos estudantes. Gouvêa (1998) não encontrou, nos livros
pesquisados, a ênfase que anteriormente era dada na capacidade de o aluno
desenvolver um raciocínio sozinho. O que se encontrou foram exercícios que
consistiam, em esquemas simples de completar espaços em branco.
A autora conclui, então, com uma proposição de que haja, como proposto
por Piaget (1988), o método da ação, isto é, o professor deve propor várias
atividades que favoreçam um comportamento de pesquisa e de elaboração de
conjecturas, para despertar no aluno o raciocínio dedutivo e para que a
demonstração torne-se significativa para o aluno.
2.2.2 Ruy Cesar Pietropaolo
Em sua tese, Pietropaolo (2005) defende que a demonstração precisa ser
tomada com um novo sentido na formação do professor. A abordagem tem de ser
mais ampla do que considerar a demonstração apenas como um recurso para que
se possa aprender a matemática ou o raciocínio matemático. Os professores devem
40
considerar a demonstração em suas perspectivas didática, curricular e também
histórica, como um processo de questionamento, desenvolvimento de conjecturas,
de contra-exemplos, bem como de como refutar, aplicar e comunicar.
O autor tinha como objetivo buscar compreender como a prova e a
demonstração são necessárias e de que maneira poderiam ser implementadas nos
currículos de Matemática da Educação Básica e o que isso implicaria nos currículos
de formação inicial de professores. Para tanto, utilizando pesquisa bibliográfica e
documental, o autor realizou entrevistas com professores da Educação Básica e com
pesquisadores em Educação Matemática, visando identificar, respectivamente, a fala
da prática e a fala da teoria.
Suas indagações consistiram em três grandes grupos de questões: (1) as
provas e sua importância na formação dos alunos da Educação Básica; (2) a
ressignificação da prova na Educação Básica; (3) as provas e sua importância na
formação inicial e continuada de professores de matemática.
Com relação ao primeiro grupo de questões apontado acima (grupo 1),
Pietropaolo (2005) conclui que existe um consenso entre os pesquisados quanto à
importância e à pertinência de desenvolver, na Educação Básica, um trabalho com
provas, visto que a importância da prova se dá pelo fato de que um dos objetivos
fundamentais da Matemática, nesse nível de ensino é, justamente, proporcionar aos
estudantes situações que propiciem a compreensão viva do que é a Matemática. Os
professores entrevistados pelo pesquisador também defenderam a prova como algo
necessário para que o aluno desenvolva o raciocínio dedutivo.
Ademais, Pietropaolo (2005) identifica que existe uma necessidade de
ampliar o significado de prova, a fim de que os professores possam trabalhar com
esse objeto nas aulas de Matemática na Educação Básica, visto que a prova é
considerada essencial na cultura matemática e também favorece o desenvolvimento
do raciocínio dedutivo. Porém, não há consenso sobre a necessidade de se incluir a
prova em seu sentido mais estrito (prova formal) – grifos nossos. A prova é vista
como algo complexo, que encontra resistências entre professores e alunos,
principalmente pela dificuldade que se apresenta no ponto de transição entre as
argumentações e as provas formais. Essa mesma visão é encontrada nos currículos
de Matemática. Antes dos anos 1960, recomendava-se a aplicação de
41
demonstrações, mas com prudência, usando primeiro um trabalho experimental para
depois chegar ao formal. Os currículos atuais, brasileiros, recomendam o uso das
provas – ainda que de forma bem mais tímida do que a encontrada em outros países
que recomendam o uso até chegar-se às provas formais.
O ensino da prova deve ocorrer, mas como um processo de
questionamento, contra-exemplos, refutação e comunicação, a demonstração deve
ser vista como uma argumentação convincente, não algo dogmático. A
demonstração precisa não somente validar, mas explicar as etapas envolvidas no
processo. Em outras palavras, a demonstração ou o trabalho com provas deve
caracterizar a atividade matemática como “atividade humana, sujeita a acertos e
erros, como um processo de busca, de questionamento, de conjecturas, de contra-
exemplos, de refutação, de aplicação e de comunicação”. (PIETROPAOLO, 2005, p.
211-212).
No segundo grupo de questões (2 – a ressignificação da prova),
encontramos que a prova deve ser parte da Educação Básica, desde que seu
significado seja ampliado e que ela seja, de fato, um processo de busca e de contra-
exemplos, refutações, comunicação, como citado acima.
Finalmente, no terceiro grupo de questões (3), o autor identifica que as
crenças e concepções que os professores têm sobre o assunto “prova na Educação
Básica” acabam sendo obstáculos para que se possa implementar propostas
inovadoras. Por isso, os professores acabam ora aceitando uma prova empírica
como algo ótimo e criativo, ora dizendo que não a aceitam, por não ser uma prova
matemática (rigorosa, formal). Ao mesmo tempo, então, elogiavam o aluno por sua
criatividade, mas davam notas baixas a esta criatividade, incentivada e valorizada,
por não ser uma prova formal.
Para reduzir essa dicotomia entre o elogio à criatividade e a concessão de
uma nota baixa por buscarem o formalismo, Pietropaolo (2005) defende que a prova
deve, portanto, estar na formação do professor enquanto currículo, de forma a ser
um conjunto suficiente de conhecimentos para o professor dominar o tema –
“conhecimento substantivo e sintático”, no dizer de Pietropaolo (2005, p. 222). O
professor deve ter compreensão das diferentes abordagens para o ensino das
42
provas (teoricista, procedimentalista, construtivista1) e ter da prova um conhecimento
pedagógico (exemplos e contra-exemplos, analogias, escolhas de situações-
problema que precisem de validação) – neste ponto, o professor precisaria
compreender todas as exigências cognitivas de uma demonstração. Finalmente, o
autor conclui que os cursos de Licenciatura, da forma que existem hoje em dia, não
estão aptos a oferecer uma formação de qualidade que permita ao professor
aprender e ensinar provas. É preciso, pois, ressignificar as provas nesses cursos de
Licenciatura, para que os professores possam melhor compreender o tema e melhor
ensinar.
2.2.3 Elizabeth Mello
Mello (1999) desenvolveu uma pesquisa com o objetivo de desenvolver uma
seqüência didática para o ensino da geometria para alunos de 8ª série, seqüência
essa, como reforça a autora, “mais associada a uma hierarquia de tarefas do que a
uma hierarquia de conteúdos” (Ibid, p. 159). Essa proposta didática tomou como
base a utilização da técnica da demonstração, visando ao aprimoramento do
raciocínio dedutivo dos estudantes. A autora salienta que, além das questões
relativas ao ensino e aprendizagem (como os realizados por Gouvêa (1998), Vianna
(1988), Pavanello (1993) e outros), os estudos indicam que houve, no Ensino
Fundamental, um provável abandono do uso da técnica de demonstração na
geometria.
A geometria, nessa fase de estudo, usa figuras, escritas algébricas e suas
interações e a língua natural para caracterizar os objetos matemáticos. A
originalidade dos passos de demonstração em geometria, segundo Mello (1999, p.
14), consiste na “coordenação dos tratamentos específicos ao registro das figuras e
ao discurso teórico na linguagem natural”. Os problemas relativos ao aprendizado da
1 Abordagem teoricista é, segundo Pietropaolo (2005), aquela em que o professor apresenta a teoria e as demonstrações, o aluno tem de compreender e reproduzir as idéias e a prova é vista como um conteúdo da Matemática. Na procedimentalista, o professor deve sistematizar os processos de validação como as experimentações, uso de materiais concretos etc.; o aluno deve testar empiricamente e induzir, depois das experimentações, e as provas são demonstrações locais. Na construtivista, o professor deve ser o que instiga o aluno a procurar validar e justificar sua resposta; o aluno tem esse papel e buscar não somente exemplos, mas contra-exemplos para refutar a proposição e argumentos, não apenas empíricos, para validar essa proposição; a prova, aqui, pode ou não chegar a um rigor, mas espera-se que a validação caminhe para argumentos mais formais.
43
geometria concentram-se, então, na necessidade de coordenar os tratamentos de
registros de figuras e os discursivos, na falsa proximidade dos tratamentos
matemáticos pertinentes e dos que são espontaneamente realizados entre figuras e
discurso.
Com base nessas premissas e questões-problema, a autora pesquisou o
ensino e a utilização da demonstração em geometria em dez livros de 7ª série e
encontrou o seguinte panorama: 80% dos livros não apresentava nem sequer os
primeiros passos para o aprendizado da demonstração; não apresentavam
exercícios que exigissem demonstrações ou provas; não apresentavam o estatuto
de definição, nem de teorema. Nos 20% restantes, encontrava-se alguma orientação
para o uso da demonstração, mas de forma muito incipiente e incompleta. A
pesquisa com o livro didático apontou, portanto, que a demonstração é pouco ou
quase nada usada na apresentação dos resultados e não há, nos exercícios, a
exigência da técnica demonstrativa.
Com relação à pesquisa prática, Mello (1999) aplicou um teste a 169 alunos,
80 da rede pública de ensino e 89 da rede privada. Os objetivos eram identificar
quais as concepções dos estudantes sobre os conteúdos; como eles provavam ou
justificavam suas decisões, que dificuldades possuíam em reconhecer as aplicações
dos teoremas e as regras de dedução por eles determinadas; qual a influência da
figura na identificação das hipóteses para a resolução do problema. Houve
disparidade nas respostas entre alunos de escola particular e pública, sendo que os
primeiros apresentaram melhor performance que os do ensino público, mas ainda
assim, as lacunas sobre demonstração foram encontradas nos dois grupos.
A autora sugere, então, a seguinte seqüência didática para explorar a
técnica da demonstração com base em uma hierarquia de tarefas: o primeiro passo
seria uma introdução histórica, para despertar o interesse pelo tema e apresentação
de axiomas, definições e proposições; apresentar as modificações dos registros das
representações; trabalhar o estatuto de definição e de teorema; mostrar, em
esquemas, a seqüência lógica da demonstração; expor e construir figuras
associadas aos enunciados e às demonstrações; fornecer subsídios que levem os
estudantes a conseguirem redigir uma demonstração.
44
Suas conclusões, após aplicação dos exercícios com essa seqüência, foram
que os alunos evoluíram em sua compreensão de alguns aspectos da geometria,
dentre eles: compreensão do estatuto do teorema, conseguindo identificar as
hipóteses e a conclusão; construção de figuras geométricas; uso de todas as
informações do problema de uma forma lógica; e, ainda que tenha sido uma minoria
(20% do total), chegou-se à redação da demonstração. Ressalva-se o fato de que a
segunda parte do projeto, que foi a aplicação da seqüência, foi feita com alunos de
escola particular, com aulas de geometria e desenho geométrico desde a 5ª série, e
que, como destaca Mello (1999), pode ser que a mesma seqüência, aplicada a
alunos sem o mesmo preparo, não chegue aos bons resultados que a autora
chegou. Por fim, a recomendação de que é preciso dar uma formação adequada ao
professor para que ele possa trabalhar de forma mais eficaz a demonstração em
geometria.
2.2.4 Gilson Bispo de Jesus
Jesus (2008) desenvolveu um estudo visando ao resgate do trabalho de
geometria no Ensino Fundamental, com ênfase na formação do professor para que
se possa trabalhar a demonstração. Sua proposta foi, com base em pesquisa-ação,
identificar se uma seqüência de ensino com foco em construções geométricas pode
contribuir para desenvolver os conhecimentos sobre demonstração em geometria na
formação continuada de professores. Sua fundamentação teórica foi baseada,
principalmente, em Duval e Brousseau, respectivamente sobre Registros de
Representação Semiótica e Teoria das Situações Didáticas.
Assim como Duval, o autor entende que o ponto de partida para que se
possa fazer uma demonstração com êxito está na compreensão do que se deseja
demonstrar; desse modo, o pesquisador reforça a importância de se solicitar, no
mínimo, dois registros de representação (ex.: representação natural e simbólica),
senão três e explorar, com os professores, a compreensão de que cada diferente
representação pode oferecer vantagens que devem ser identificadas, comparando-
se esses diferentes registros um com o outro.
A demonstração é trabalhada na pesquisa de Jesus (2008) contemplando os
aspectos de “por quê” e “para quê” demonstrar, considerando-se, aqui, as propostas
45
de De Villiers (2001; 2002). Na questão da formação dos professores, o autor utiliza
os princípios de Dreyfus e Hadas (1994) sobre compreensão de teoremas e
demonstração e reforça a proposição de Pietropaolo (2005) sobre a importância de
aprofundar mais a formação dos professores e utilizar a demonstração (prova
rigorosa) de forma mais contundente.
Foram onze professores os participantes da pesquisa-ação, divididos em
dois grupos distintos. Todos apresentavam familiaridade com o projeto e com o tema
estudado – demonstração e executaram uma sucessão de doze atividades
diferentes, que os permitissem construir a definição de mediatriz de um segmento,
bem como a demonstração de suas propriedades. Essa construção da mediatriz foi
feita com base em Rogalski (1995 apud Almouloud, 2007).
Como apontado anteriormente, usando a categorização de De Villiers (2001;
2002), o pesquisador identificou que os professores do estudo procuraram entender
o porquê de cada resposta e/ou construção executada, classificando-se, nesse caso,
na função de explicação – a qual fornece explicações quanto ao fato de a
demonstração ser verdadeira.
Vale destacar que a demonstração é vista, para Jesus (2008), como uma
parte fundamental na formação do docente e ela foi vista, no trabalho, como uma
noção paramatemática, no dizer de Chevallard (2005), possibilitando, assim, ao
pesquisador, usar a demonstração como um elemento transversal em todas as
atividades realizadas. “A experiência na formação nos fez constatar que a
demonstração pode sim permear de maneira natural, o processo de construção dos
conceitos matemáticos.” (JESUS, 2008, p. 197)
Para o autor, a Teoria das Situações Didáticas permitiu aos professores agir,
formular e também validar nessa construção de conceitos relacionados à Geometria
plana e, embora o estudo não tenha focado na construção de vários conceitos
matemáticos, o pesquisador entende que houve um melhor entendimento dos
professores com relação ao que é uma definição e uma propriedade em matemática,
sobre o que é um teorema recíproco e houve a possibilidade de se descobrir
propriedades geométricas chaves para resolver situações-problema. Por tudo isto,
Jesus (2008) conclui que a seqüência de atividades elaboradas e aplicadas
contribuiu para o desenvolvimento dos docentes com relação ao conhecimento de
46
demonstração em Geometria, respondendo, portanto, afirmativamente à questão de
pesquisa formulada.
Esses estudos, então, nos mostram como é importante ter uma
compreensão da demonstração e uma formação que valorize o desenvolvimento do
professor, tanto com relação ao conteúdo, quanto com relação à didática, para que
se possa desenvolver, de forma mais sólida, o raciocínio dedutivo dos estudantes e
o gosto pela demonstração, que passa a ter significado e aplicação para quem com
ela trava contato.
2.3 Delimitação do Problema
Neste projeto de pesquisa um dos objetivos é analisar se os livros didáticos
da Coleção “Tudo é matemática” da Editora Ática, destinada ao Ensino fundamental
2, apresentam e desenvolvem a demonstração. Observaremos como isso é feito ao
longo dessa coleção, desde o primeiro até o quarto ciclo, considerando as funções
da demonstração, segundo De Villiers (2001). Outro objetivo é verificar, nesses
exercícios que apresentam e desenvolvem a demonstração, como é apresentado o
conteúdo de validação de conceitos Matemáticos, isto é, se as situações-problema
contidas nos livros possibilitam aos alunos mobilizar conhecimentos e desenvolver a
capacidade para gerenciar as informações que estão ao seu alcance.
Considerando-se as limitações de tempo e o escopo deste trabalho,
propomo-nos, assim, aplicar a teoria de De Villiers (2001) na análise de uma coleção
considerada pelo PNLD (2005), procurando responder à seguinte questão: Como é
introduzida e apresentada a demonstração na coleção “Tudo é Matemática”? Em
busca da resposta, como apresentado anteriormente, apresentamos uma
conceituação de demonstração, segundo alguns teóricos, e realizamos uma revisão
da literatura. Como Fundamentação Teórica, nos basearemos nos estudos de
Nicolas Balacheff, Juan D. Godino & Angel M. Recio, Betina Pedemonte e Michael
de Villiers, utilizando este último para a análise da coleção escolhida. Como material
adicional de apoio a nossa análise da coleção acima citada, tomaremos por base os
comentários do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2005) e as orientações
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998).
47
2.4 Procedimentos Metodológicos
Adotamos como metodologia de pesquisa a leitura de artigos, teses e
dissertações e, com base na teoria encontrada, elegemos uma coleção para avaliar.
A escolha da coleção “Tudo é matemática”, de Luiz Roberto Dante, como objeto de
nossa pesquisa, foi pautada pelos seguintes argumentos: primeiramente, essa
coleção recebeu comentários e análise bastante positivos por parte do PNLD (2005),
os quais se enquadram na proposta, explicitada anteriormente em nossa
“Introdução”, de formar o aluno de Matemática como um construtor do
conhecimento. Assim, conforme o PNLD (2005, p. 188), “A obra caracteriza-se
principalmente pelo emprego bem-sucedido da metodologia de resolução de
problemas e pelo estímulo à participação dos alunos na construção de seus
conhecimentos”. Nas palavras do próprio autor, Luiz Roberto Dante, a tônica da
coleção é “ajudar o aluno a construir e desenvolver conceitos de procedimentos
matemáticos, sempre compreendendo e atribuindo significado ao que está fazendo,
evitando simples memorização e mecanização” (grifos do autor)2.
Os aspectos teórico-metodológicos utilizados para a análise da coleção
foram os seguintes, se:
há um estímulo na construção progressiva com relação ao raciocínio
dedutivo;
faz distinção entre validação matemática e validação empírica;
possibilita ao aluno a construção de seu conhecimento por meio das
atividades apresentadas;
favorece o desenvolvimento de competências, como explorar, generalizar,
conjecturar, argumentar, provar e demonstrar;
incentiva a interação entre alunos para confrontarem suas idéias;
2 DANTE, Luiz Roberto. “Manual Pedagógico do Professor”. In: Tudo é matemática: livro do
professor. São Paulo: Ática, 2005. Vol. 2, p. 7.
48
3. A Demonstração nos Livros Didáticos
Neste capítulo, apresentamos uma análise dos livros de 5ª a 8ª séries da
Coleção “Tudo é Matemática”, com enfoque nas atividades que exploram o
desenvolvimento do raciocínio dedutivo e a demonstração. A coleção “Tudo é
Matemática”, composta de quatro volumes, abrange quatro eixos matemáticos:
números e operações, espaço e forma, grandezas e medidas, tratamento da
informação.
Os temas são trabalhados de forma espiral, as atividades procuram
estimular a experimentação e a reflexão, permitindo a construção e a apropriação
gradativa dos conhecimentos. Os conceitos são desenvolvidos a partir de uma
situação-problema priorizando-se a compreensão de conceitos e procedimentos,
como preceituam os PCN (1998) e recomenda o PNLD (2005).
3.1 Análise do livro da 5ª série
Ao analisarmos o livro da 5ª série, identificamos algumas atividades que
introduzem a generalização. De acordo com os PCN (1998), a construção do
raciocínio indutivo/dedutivo, observada com freqüência em toda a coleção,
apresenta grande importância no desenvolvimento da capacidade de resolver
problemas, formular e testar hipóteses, generalizar, inferir, conjecturar, verificar
regularidades e teorias.
É importante ressaltar também que “mesmo no ensino fundamental, espera-
se que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente vinculado a um
contexto concreto e único, mas que possa ser generalizado (grifos nossos),
transferido a outros contextos.” (PCN, 1998, p.36). Segundo a análise do PNLD
(2005), as atividades Trocando idéias, da coleção “Tudo é Matemática” incentivam a
observação, discussão e generalização.
Segundo Pedemonte (2002), é preciso que haja uma identificação das
hipóteses do enunciado, a construção de uma argumentação baseada em teoremas,
propriedades ou definições matemáticas, a realização de conjecturas e a validação
dessas conjecturas para que se possa generalizar uma situação. Observamos que o
49
autor, no entanto, utiliza esse recurso diversas vezes, por meio apenas da
verificação empírica das propriedades, como é observado na Figura 2.
Figura 2: a sequência dos números naturais
Fonte: Dante (2005, p. 8)
Como mostra a Figura 2, podemos observar que o autor usa a
representação algébrica para generalizar a fórmula que obtém o sucessor de um
número natural ao verificar que, se somarmos 1 a um número natural qualquer,
sempre obteremos seu sucessor.
A introdução da generalização e representação algébrica no terceiro ciclo,
como orientam os PCN (1998), é fundamental para a construção do pensamento
algébrico, que pode ser, em muitos casos, a única forma de garantir a
irrefutabilidade de uma demonstração.
Pudemos observar também, durante a análise desse volume, uma
quantidade significativa de exercícios que exigem que o aluno justifique e valide
suas respostas. Os PCN (1998) destacam a importância de se desenvolver a
capacidade de o aluno do terceiro ciclo buscar soluções e argumentar de forma
plausível, estimulando, dessa maneira, a prática de justificar a resposta e não se
contentar apenas em produzir respostas ou afirmações, muitas vezes desprovidas
de compreensão. “A argumentação está fortemente vinculada à capacidade de
justificar uma afirmação e, para tanto, é importante produzir alguma explicação, bem
como justificá-la”. (PCN, 1998, p. 70). Vejamos a Figura 3 a seguir.
50
Figura 3: exercício de números racionais Fonte: Dante (2005, p. 141)
A justificativa no exercício indicado na Figura 3 não visa à demonstração
formal, mas estimula a construção de argumentos plausíveis. De acordo com os
PCN (1998), deve-se estimular a prática da argumentação ainda no terceiro ciclo,
pois o refinamento desta poderá conduzir o aluno à demonstração formal. Como
aponta Jesus (2008), os professores procuram saber o porquê das respostas. Nesse
caso, a demonstração assume a função de explicação.
Constatamos ainda, nesse livro, diversas atividades que estimulam o
desenvolvimento do raciocínio dedutivo, por meio da confirmação empírica das propriedades. Apesar de a verificação empírica não constituir um meio de validação
satisfatório, esse processo é, segundo o PNLD (2005), adequado para os alunos do
terceiro ciclo, uma vez que a concretização auxilia o aluno a visualizar, fazer
conjecturas e compreender a importância da prova para validar as hipóteses
levantadas.
Em muitos casos, na história da matemática, foi por meio de verificações
empíricas que os matemáticos puderam ter convicção de algumas conjecturas e
foram, então, estimulados a buscar uma demonstração formal.
51
Como podemos
observar nas Figura 4 e
Figura 5, Dante (2005)
mostra dois exemplos de
como podemos medir o
comprimento de uma
circunferência e pede
para que o aluno divida
os valores dados pelo
diâmetro, obtendo um
valor aproximado do
número irracional π. Ao
realizar essa operação, o
autor pode estar trazendo
um obstáculo didático,
visto que um número
irracional (como π) não
pode ser expresso na
forma de fração, com
numerador inteiro e
denominador inteiro
diferente de zero. No
Figura 4: comprimento da circunferência Fonte: Dante (2005, p. 237)
Figura 5: exercício de comprimento da circunferência Fonte: Dante (2005, p. 238)
52
exercício 6, apresentado na figura Figura 5, ele pede para o aluno constatar
concretamente que a relação encontrada no exercício anterior é válida e mantém-se
para qualquer circunferência, ao medir objetos circulares de tamanhos diversos. No
exercício 7, generaliza algebricamente a referida relação (C : d = π) e deduz a
fórmula do comprimento da circunferência.
Como afirma De Villiers (2001), na investigação matemática real,
normalmente, a convicção pessoal deriva de uma combinação de intuição,
verificação quase-empírica e demonstração lógica formal. Algumas vezes, podemos
alcançar um alto grau de convicção mesmo na ausência da demonstração como, por
exemplo, o caso da Hipótese de Riemann, que ainda não foi demonstrada. Davis e
Hersh concluem que a evidência “é tão forte que resulta em convicção mesmo na
ausência de uma demonstração rigorosa”. (DAVIS & HERSH,1983, p. 369, apud DE
VILLIERS, 2001, p.32)
Algumas
atividades contidas nesse
livro, segundo o PNLD
(2005), utilizam a
linguagem simbólica
prematuramente, embora
a linguagem e o raciocínio
algébricos sejam
construídos de forma
cuidadosa e progressiva,
como se observa no
ensino das fórmulas de
área. A Figura 6 mostra
como é abordado o
conceito de área de um
retângulo, em que Dante
(2005) trabalha com
figuras e depois faz uma
generalização. Figura 6: área de uma região retangular Fonte: Dante (2005, p. 242)
53
As outras fórmulas de áreas são deduzidas experimentalmente, a partir da
fórmula da área do retângulo. Podemos ver nos exemplos seguintes, apresentados
nas Figura 7, Figura 8 e Figura 9, que o autor se preocupou em não mostrar algo
pronto, mas preferiu ir passo a passo, tentando construir o conhecimento.
Figura 8: área de um paralelogramo
Fonte: Dante (2005,p. 244)
Figura 7: área de uma região quadrada e paralelogramo Fonte: Dante (2005, p. 243)
54
Essas deduções, segundo De Villiers (2001) podem ser consideradas
demonstrações (não formais) com a função de explicação, pois faz com que o
estudante entenda como se chegou a essas fórmulas.
Vemos então, que embora o livro da 5ª série contenha algumas atividades
consideradas avançadas (como as demonstradas nos exercícios aqui apresentados
identificados como figuras 6, 7, 8 e 9) para esse período escolar, contempla em sua
grande maioria e de forma bastante pertinente o desenvolvimento do raciocínio
dedutivo que é essencial para a construção de esquemas de pensamentos do aluno.
O livro constitui, pois, um bom material de apoio na construção desse tipo de
raciocínio, salvo algumas exceções.
Como dissemos anteriormente, o exercício da cidadania, também exige um
raciocínio dedutivo, assim “(...) para exercer a cidadania é necessário saber calcular,
medir, raciocinar, argumentar, tratar informações estatisticamente etc.” (PCN, 1998,
p. 27). De igual forma, nos temas transversais e nas questões problema, sempre
estão presentes as indicações de desenvolvimento da argumentação, estruturação
do pensamento, agilização do raciocínio.
Figura 9: área de uma região triangular Fonte: Dante (2005, p. 244)
55
3.2 Análise do livro da 6ª série
No livro da 6a série, o autor aprofunda um pouco mais a generalização
introduzida no volume anterior, uma vez que, nessa etapa, o aluno já está mais
familiarizado com a representação algébrica e está iniciando o aprendizado do
cálculo algébrico. Esse aprofundamento é adequado para essa série e, segundo
orientações dos PCN (1998), é importante que se trabalhe com generalizações, por
meio de representações algébricas, no terceiro ciclo para que se tenha um bom
aproveitamento ao desenvolver as demonstrações no quarto ciclo.
Figura 10: números naturais Fonte: Dante (2005, p. 13)
No exercício 22, apresentado na Figura 10, Dante (2005) retoma a
generalização do sucessor de um número natural, matéria estudada no ano anterior.
Podemos observar, no entanto, um progresso na maneira como o autor aborda o
tema. Na 5a série (Figura 2), o próprio autor fez a generalização, a partir da
observação de três exemplos.
Já na 6a série, o aluno é estimulado a generalizar, não só o sucessor, mas
também o antecessor, o dobro, o triplo de um número natural e um número ímpar. É
esperado do aluno, portanto, que ele já tenha desenvolvido, numa certa medida, o
raciocínio indutivo/dedutivo e a habilidade de abstrair elementos comuns a várias
situações (generalizar).
56
Figura 11: diagonais de um polígono Fonte: Dante (2005, p. 88)
No exercício apresentado na Figura 11, além de desenvolver a
generalização, o aluno é solicitado a descobrir uma fórmula para calcular o número
de diagonais de um polígono convexo qualquer. Identificamos, portanto, a função da
demonstração como processo de descoberta, pois, de acordo com De Villiers
(2001), algumas demonstrações foram generalizadas a partir da descoberta por
meio de processos dedutivos. No item e, o aluno ainda é levado a comprovar sua
fórmula, de forma empírica, ao substituir o número de lados na fórmula.
Semelhantemente ao volume anterior, o livro da 6a série traz diversos
exercícios que exploram a justificativa e validação das respostas. Salientamos, no
entanto, um exemplo que introduz a justificativa formal no terceiro ciclo, com
utilização de uma sequência lógica e representações algébricas, como mostra a
Figura 12. Nesse caso, a função da demonstração é a de explicação, uma vez que
não buscamos verificar a validade da afirmação, mas sim que os alunos tenham uma
percepção racional do motivo de porque a proposição é verdadeira.
Figura 12: propriedades da potenciação
Fonte: Dante (2005, p. 67)
Não obstante, nos demais casos em que o autor estimula a justificativa
nesse volume, ela não constitui uma demonstração formal, mas apenas um
57
processo de exemplificação ou argumentação em forma dissertativa, como podemos
observar na Figura 13.
Figura 13: exercício de números racionais
Fonte: Dante (2005, p. 53)
A prática da argumentação deve ser desenvolvida no terceiro ciclo, pois é
um pré-requisito para a demonstração. “O refinamento das argumentações
produzidas ocorrem gradativamente pela assimilação de princípios da lógica formal,
possibilitando as demonstrações”. (PCN, 1998, p. 86). Segundo Balacheff (1999), a
argumentação é a problemática que surge do estudo da interação social tornando-se
um potente instrumento para favorecer a construção do conhecimento por parte do
aluno.
Ainda durante a análise do segundo volume da coleção, identificamos
exercícios que incentivam a confirmação empírica, por meio de material
manipulativo, como é o caso da Figura 14.
Figura 14: soma dos ângulos internos de um triângulo
Fonte: Dante (2005, p. 153)
Nesse exercício, foi feita a constatação de que a soma das medidas dos
ângulos internos de um triângulo é 180º. Contudo, a constatação concreta não é
suficiente para validar a afirmação, a menos que demonstremos logicamente o fato.
Essa atividade assume, portanto, a função de explicação. O autor aborda nesse livro
apenas a constatação concreta e introduz a demonstração formal desse teorema no
58
próximo volume. Essa metodologia adotada para esse tema é adequada, uma vez
que, no terceiro ciclo, o aluno ainda necessita visualizar as experiências concretas
para melhor compreensão, ao passo que, no quarto ciclo, ele já dispõe de certa
capacidade para abstrair e compreender uma demonstração lógica formal, que
deverá ser explorada nessa fase.
Ademais, é importante ressaltar o método do desenvolvimento em espiral
perceptível na coleção, que é orientado pelos PCN (1998) e está em sintonia com o
pensamento de De Villiers (2001), em relação às funções da demonstração.
Notamos também alguns exercícios que introduzem demonstrações simples,
com a função de explicação, embora ainda não sejam sistematizadas, o que
também não seria adequado para o terceiro ciclo.
Figura 15: ângulos opostos pelo vértice
Fonte: Dante (2005, p. 149)
Como ilustrado na Figura 15, Dante (2005) faz a demonstração algébrica
para explicar porque ângulos opostos pelo vértice são congruentes, com o auxílio de
um modelo matemático (geométrico).
Gostaríamos de salientar, por fim, dois exemplos em que o autor faz a
dedução de fórmulas, por meio de verificações empíricas dos resultados obtidos
nas situações-problema apresentadas no início dos exercícios.
59
No exercício 20, indicado
na Figura 16, o aluno é conduzido
a descobrir a Relação de Euler, por
métodos meramente empíricos. No
exercício seguinte, ele deve
verificar a relação encontrada,
substituindo os valores na fórmula.
No exemplo apresentado
na Figura 17, o autor apresenta
uma situação-problema de juros
compostos e a resolve por meio de
uma tabela, calculando os juros
mês a mês, uma vez que já havia
trabalhado dessa maneira em
exercícios anteriores. Paralelamente à resolução do exercício, Dante (2005) faz a
representação algébrica dos
cálculos que resulta na
dedução da fórmula de juros
compostos por meio de uma
verificação empírica e, por
fim, generaliza a fórmula
para resolução de qualquer
problema.
O estímulo ao
raciocínio dedutivo é de
essencial importância para
alunos dessa fase, porém, a
apresentação da Relação de
Euler e da fórmula para
cálculo de juros compostos
na 6a série é feita
precocemente. Apesar desse
Figura 16: Relação de Euler Fonte: Dante (2005, p. 83)
Figura 17: cálculo de juros compostos Fonte: Dante (2005, p. 207)
60
inconveniente, os exercícios não estimulam meramente a memorização das
fórmulas, mas incentivam a construção do conhecimento por parte do aluno.
Durante a análise pormenorizada desse exemplar, observamos que o autor
não torna cansativo o processo de ensino-aprendizagem do tema em estudo, pois
faz um equilíbrio da quantidade de cada tipo de tarefa e do seu grau de dificuldade.
Embora tenhamos destacado desse volume somente alguns exemplos, vale
ressaltar que há uma abordagem do tema bastante ampla e significativa, segundo o
PNLD (2005), favorecendo o desenvolvimento de competências complexas, como
explorar, estabelecer relações e generalizar, conjecturar, argumentar, provar, tomar
decisões e criticar, utilizar a imaginação e a criatividade, expressar e registrar idéias
e procedimentos.
Assim, de acordo com Balacheff as atividades de argumentação/justificativa,
contribuem para a interação social, uma vez que possuem a função de
comunicação.
Percebemos que o autor não segue o modelo tradicional que era ensinado
antes do período marcado pelo Movimento da Matemática Moderna, época em que
as demonstrações eram apenas memorizadas e, não se explorava o potencial dessa
ferramenta de construção do conhecimento. Dante (2005), em suas atividades,
explora todas suas funções estabelecidas por De Villiers, permitindo ao aluno
construir seu próprio conhecimento.
61
3.3 Análise do livro da 7ª série
Ao fazermos a análise do livro da sétima série identificamos que o autor
aborda a demonstração de forma bastante pertinente, pois a sugestão dos PCN
(1998) é de que, no quarto ciclo, sejam desenvolvidas atividades que favoreçam o
raciocínio dedutivo e, conseqüentemente, a introdução da demonstração
propriamente dita. Já que, no ciclo anterior, estimula-se o uso de problemas como
ponto de partida para o desenvolvimento dos conceitos, bem como o uso de
situações-problema que exijam modelização, generalização, demonstração de
propriedades e fórmulas e o estabelecimento de relações entre grandezas.
O autor não inicia diretamente com atividades de demonstração, como
revela a Figura 18, mas ainda estimula o estudante a fazer generalizações, que o
auxiliam no desenvolvimento do raciocínio abstrato que, por sua vez, favorece, na
maioria dos casos, o processo de demonstração.
Figura 18: generalização
Fonte: Dante (2005, p. 64)
Na série anterior (Figura 10), o autor faz com que os alunos generalizem os
múltiplos de 2, múltiplos de 3, etc. Comparando os exercícios apresentados na
Figura 10 e na Figura 18, observamos que há um grau maior de dificuldade na
sétima série, pois, além de generalizar, o aluno tem de fazer cálculos algébricos para
justificar sua resposta.
Já na Figura 19, o processo que o autor utilizou para desenvolver esse
produto notável, nos leva a considerá-lo uma demonstração, embora não o tenha
mencionado. Além disso, segundo De Villiers (2001), tem o papel de explicação,
pois um número elevado ao quadrado significa o número multiplicado por ele
62
mesmo, então o autor está explicando como chegou àquele resultado.
Geometricamente, tem função de verificação/convencimento, uma vez que a
figura, juntamente com outros conceitos, permite ao aluno ser convencido de sua
veracidade.
Figura 19: produtos notáveis Fonte: Dante (2005, p. 102)
Observando ago-
ra a Figura 20,
percebemos que o aluno
é induzido a chegar à
fórmula das diagonais,
testá-la e verificar os
resultados de acordo
com a tabela do
exercício, constituindo,
assim, um processo de
construção do conhe-
cimento. Portanto, de
acordo com De Villiers
(2001), a dedução da
fórmula assume a função
de descoberta.
Figura 20: número de diagonais de um polígono convexo Fonte: Dante (2005, p. 65)
63
Na introdução do capítulo 7, Dante (2005) diz que nas séries anteriores foi
trabalhado com figuras geométricas de forma mais concreta e experimental, como
mostra a Figura 21, e depois retoma a mesma atividade e a demonstra mais adiante,
como podemos ver na Figura 22.
Figura 21: constatação concreta da soma dos ângulos internos de um triângulo
Fonte: Dante (2005, p. 148)
Figura 22: demonstração da propriedade da soma dos ângulos internos de um triângulo
Fonte: Dante (2005, p. 153)
Conforme De Villiers (2001), a forma com que essa demonstração é
apresentada tem a função de sistematização. Essa propriedade foi primeiramente
constatada de forma experimental no exercício 47 (p. 153) da série anterior (Figura
14) e, de acordo com o PNLD (2005), um dos pontos positivos da obra é que o autor
desenvolve de forma gradativa esse tipo de raciocínio.
64
Ainda nesse volume, identificamos diversas atividades em que é requerido
do aluno que justifique propriedades ou, até mesmo, suas respostas. Conforme
Gouvêa (1998), a partir da 7ª série, o aluno já deveria ser capaz de dar início à
prova, à justificativa e à demonstração, visando tornar um determinado resultado
indiscutível.
A Figura 23 mostra uma atividade que constitui uma tarefa muito importante
na construção do conhecimento. Segundo Balacheff (1999), por ter um caráter de
interação social, contribui no processo de argumentação, pois, ao justificar, terá de
interagir com seu colega a fim de chegarem a uma conclusão. Esse procedimento,
por sua vez, ajuda no desenvolvimento de demonstrações. Dessa forma, segundo
De Villiers (2001), podemos perceber nesse exercício duas funções da
demonstração, a saber, a de comunicação e de explicação.
Figura 23: Trocando Idéias – cálculo algébrico
Fonte: Dante (2005, p. 116)
No exercício referente à Figura 24, Dante (2005) pede para o aluno provar a
igualdade das expressões algébricas, contudo direciona o pensamento do aluno por
meio da sugestão. Em seguida, o autor apresenta uma curiosidade histórica, que diz
que Euclides realizou essa prova durante seus estudos. Considerando-se as
orientações de De Villiers (2001), julgamos ser mais conveniente apresentar a
história de Euclides, primeiramente, e então introduzir o exercício, sem, contudo,
inserir a sugestão. Dessa forma, a atividade poderia ser um estímulo ao uso da
demonstração como processo de explicação e descoberta.
Figura 24: exercício de prova Fonte: Dante (2005, p.103)
Nas Figura 25 e Figura 26, vemos um diálogo entre professor e alunos em
que o primeiro lança um desafio para a classe e, em busca de uma solução, os
alunos utilizam o método experimental e de medição. Diante das respostas
apresentadas, o professor afirma que estão corretas, porém complementa que, com
65
o resultado obtido, podem fazer apenas uma conjectura, pois, para garantir que seja
verdade sempre, devemos demonstrá-la ou prová-la.
Figura 25: ângulos opostos pelo vértice Fonte: Dante (2005, p. 149)
Figura 26: demonstração: ângulos opostos pelo vértice Fonte: Dante (2005, p. 150)
66
Nesse diálogo, vale ressaltar a preocupação do autor, ao comentar sobre
fazer conjecturas, pois, para Pedemonte (2002), há uma relação entre argumentação
(construção de conjecturas) e demonstração, que seria produzida em seguida, tendo
uma continuidade entre elas. Ademais, segundo os PCN (1998), deve-se reforçar a
construção de argumentos que sejam plausíveis, lembrando que a prática da
argumentação é fundamental para que se compreenda a demonstração.
Ao compararmos a demonstração dessa propriedade no volume anterior
(Figura 15) com a apresentada nesse volume, percebemos uma linguagem mais
formal e sistemática no segundo, constituindo, portanto, uma demonstração com
função de explicação e sistematização.
Figura 27: atividade de prova Fonte: Dante (2005, p. 175)
No exercício indicado na Figura 27, identificamos as funções de
verificação/convencimento e de explicação, uma vez que o aluno, ainda não
convicto da verdade, deve verificar a veracidade da afirmação e ainda evidenciar o
motivo de porque a proposição é verdadeira.
Constatamos ainda,
uma frase já encontrada
algumas vezes nessa coleção,
como na Figura 28: “Os
matemáticos já provaram que
(...)”, podendo ser completada
de várias formas dependendo
do assunto estudado naquele
momento. Talvez, possamos
pensar que o autor não faça as
demonstrações por não estarem
os alunos maduros para tal tipo
de raciocínio. Figura 28: relação entre lados e ângulos de um triângulo
Fonte: Dante (2005, p. 169)
67
Como podemos observar na Figura 29, no exercício 6, o autor recorre à
representação visual para demonstrar que a soma dos ângulos internos de um
quadrilátero é 360º. No exercício seguinte, pede ao aluno para que demonstre o fato.
Essa tarefa pode ser considerada uma verificação empírica, uma vez que utiliza
material concreto para confirmá-la. Segundo os PCN (1998), é aconselhável que não
se abandonem as verificações empíricas no quarto ciclo, pois permitem fazer
conjecturas e aumentar o grau de compreensão dos conceitos envolvidos.
Assim como Duval, Jesus (2008) entende que o ponto de partida para se
fazer uma demonstração com êxito está na compreensão do que se deseja
demonstrar; desse modo, o pesquisador reforça a importância de se solicitar, no
mínimo, dois registros de representação. Parece então, que o autor concorda com
Duval nesse ponto, pois primeiro mostra uma representação geométrica e depois o
aluno tem de fazer a demonstração, por meio de representação algébrica.
Figura 29: verificação da propriedade da soma dos ângulos internos de um quadrilátero
Fonte: Dante (2005, p. 191)
A atividade exposta na Figura 30 é de fundamental importância, pois, por
meio dela, os estudantes de 7ª série, que estão iniciando os primeiros trabalhos com
a demonstração propriamente dita, também aprendem a discernir que uma
proposição será verdadeira sempre ou nunca, se puder ser demonstrada, e, no caso
de ser válida às vezes, poderá ser refutada com um contra-exemplo.
Figura 30: atividade introdutória à demonstração
Fonte: Dante (2005, p. 200)
68
Como Dante
(2005) adota um
método de desenvol-
vimento em espiral,
localizamos a intro-
dução do cálculo da
medida da área de uma
região determinada por
um paralelogramo nos
livros de 5ª e 7ª séries
como mostram as
Figura 7 e Figura 31. Porém, no primeiro, o autor fornece a fórmula e, no segundo,
ele pede ao aluno para que a indique, a partir de construções de regiões planas
ilustradas na Figura 31. É esperado que o aluno, no quarto ciclo, já tenha a
capacidade de abstrair e deduzir fórmulas simples, a partir de experimentos
concretos, como no exemplo dado. Essa fase de concretização é, de acordo com os
PCN (1998), necessária ainda para o quarto ciclo, embora sejam introduzidos os
trabalhos com a demonstração propriamente dita.
Na análise do livro da 7ª série, pudemos observar uma progressão dos
assuntos abordados nas séries anteriores com atividades que trazem novos
conhecimentos e a introdução da demonstração formal. Apesar dos poucos
exemplos apresentados neste trabalho, há uma quantidade significativa de
exercícios ou mesmo apresentações de conteúdos que estimulam e incentivam o
desenvolvimento do raciocínio dedutivo, a partir de verificações empíricas,
generalizações, justificativas, provas e demonstrações, com pequenas ressalvas,
algumas mencionadas anteriormente.
Outro fato essencial, identificado nesse volume, é como o autor vai ao
encontro do que Duval (s/d, apud Jesus, 2008) afirma a respeito de registros de
representação. Para ele, é necessário que se trabalhe com pelos menos dois
registros para que haja uma aprendizagem de fato.
Assim, podemos utilizar o livro como um material de apoio, a fim de explorar
tal tipo de conhecimento, estimulando e contribuindo para o desenvolvimento do
raciocínio dedutivo do aluno.
Figura 31: área de uma região determinada por um paralelogramo. Fonte: Dante (2005, p. 231)
69
3.4 Análise do livro da 8ª série
Como já mencionamos anteriormente, o estímulo à construção do
conhecimento matemático pelo próprio aluno e o desenvolvimento do raciocínio
indutivo/dedutivo, características marcantes da coleção “Tudo é Matemática”, tem
grande relevância no desenvolvimento da capacidade de solucionar situações-
problemas, generalizar, inferir, formular e provar conjecturas. Ao analisarmos o livro
da 8º série, notamos que os conceitos e procedimentos são apresentados e
retomados de maneira progressivamente mais ampla e aprofundada, partindo do
conhecimento desenvolvido e adquirido nas séries anteriores, o que evidencia o
sistema conhecido como desenvolvimento em espiral, orientado pelos PCN (1998), e
que também está de acordo com De Villiers (2001).
Segundo a análise do PNLD (2005), a linguagem é adequada e, em certas
situações, busca-se esclarecer o significado de palavras desconhecidas, embora
sejam poucos os exemplos nos quais se explora a distinção entre os significados
usual e matemático de alguns termos. São freqüentes também os momentos de
articulação da linguagem cotidiana com a da Matemática.
Notamos exercícios de fundamental importância, que estimulam a
demonstração, inclusive utilizando suas várias funções em um mesmo exercício ou
atividade, o que não ocorria nos outros volumes desta coleção.
O autor
continua trabalhando
com a generalização
ainda neste volume,
porém com um grau
maior de dificuldade,
se comparado com os
volumes anteriores. No
exercício 67
apresentado na Figura
32, Dante (2005) faz a
generalização das
fórmulas para calcular Figura 32: generalização da fórmula do apótema Fonte: Dante (2005, p. 209)
70
a medida do lado e do apótema de um hexágono regular em função do raio da
circunferência circunscrita.
A partir dessa demonstração, o aluno deverá deduzir as fórmulas referentes
ao cálculo da medida do lado e do apótema do quadrado e do triângulo eqüilátero. A
construção do raciocínio indutivo/dedutivo ainda é estimulada nessa série, como
orientam os PCN (1998), que ainda reforçam que o estímulo a esse tipo de
raciocínio é essencial para a introdução da demonstração propriamente dita.
Ademais, o ensino de Geometria proporciona um ambiente propício para o
desenvolvimento do assunto em questão.
Figura 33: equação literal Fonte: Dante (2005, p. 53)
Também podemos notar que em alguns exercícios, a exemplo da Figura 33,
o autor propõe ao aluno uma demonstração de um caso particular, local. Ao
consultar o exemplar do professor e analisar a resposta apresentada pelo autor a
esse exercício, verificamos que a resolução foi realizada a partir da substituição da
incógnita pelo valor fornecido no enunciado do exercício. Embora o termo “mostre” é
citado, percebemos que a intenção do autor, nessa questão, não era demonstrar,
mas apenas comprovar a veracidade da afirmação.
Identificamos, ainda neste volume, uma quantidade significativa de
exercícios que estimulam a argumentação, exigindo do aluno as justificativas para
suas respostas, como mostra a Figura 34. De acordo com os PCN (1998), o
incentivo à argumentação plausível, introduzido no terceiro ciclo, deve ser estendido
ainda para o quarto ciclo, pois a prática da argumentação é fundamental para que se
compreenda a demonstração.
Figura 34: radiciação
Fonte: Dante (2005, p. 29)
71
Como podemos ver na Figura 35, Dante (2005) parte dos resultados obtidos
pela fórmula da equação do 2º grau e mostra que, resolvendo a equação por soma e
produto, a solução é a mesma. A seguir, pergunta se esse padrão ocorre sempre
(vide Figura 36) e, depois propõe ao aluno que verifique mais alguns casos. Nesse
exercício, o autor faz a dedução das fórmulas de soma e produto, por meio de
verificações empíricas, que, segundo os PCN (1998), devem ser trabalhadas ainda
no quarto ciclo, embora se inicie o trabalho com algumas demonstrações.
Figura 35: relações entre coeficientes e raízes de uma equação do 2o grau
Fonte: Dante (2005, p. 67)
Figura 36: exercício de soma e produto
Fonte: Dante (2005, p. 68)
No exercício apresentado na Figura 37, é evidente uma demonstração com
a função de explicação, uma vez que o autor, já convicto da verdade, tem de
fornecer a percepção racional do motivo de a conjectura ser verdadeira. Porém, a
função principal é a de sistematização, por meio da qual um conjunto de resultados
conhecidos é transformado em um sistema dedutivo de axiomas, definições e
72
teoremas. Nesse caso, é feita a dedução do teorema da bissetriz de um ângulo
interno em um triângulo, dando uma explicação global e não local, pois pode ser
generalizada para qualquer triângulo.
Figura 37: teorema da bissetriz de um ângulo interno em um triângulo
Fonte: Dante (2005, p. 129)
Observamos que a demonstração apresentada na Figura 37 está de acordo
com as definições de Pedemonte (2002), pois possui uma organização de passos
em sequência lógica, com símbolos e métodos específicos para justificar as
passagens e uma linguagem que obedece ao rigor matemático.
Na Figura 38, a lei dos cossenos é demonstrada para dois casos de
triângulos diferentes. Em cada um deles, os conceitos e as propriedades a serem
utilizadas são organizadas com o papel da sistematização, pois visa unificar um
conjunto de propriedades conhecidas na dedução de uma lei, respeitando uma
sequência lógica. Essa demonstração cumpre sua função de explicação também,
visto que apresenta o motivo de porque a proposição é verdadeira.
73
Figura 38: lei dos cossenos Fonte: Dante (2005, p. 202)
Nesse volume, o autor apresenta uma demonstração para a fórmula de
resolução de uma equação do 2º grau, também conhecida como fórmula de
Bháskara, como mostra a Figura 39.
Essa demonstração é feita por meio da generalização da idéia de
completamento de quadrado. Trata-se, portanto, de uma demonstração artificiosa,
em que Dante (2005) divide ambos os membros da igualdade pelo artifício a. A
demonstração, nesse caso, assume a função de explicação.
74
Figura 39: fórmula de resolução de uma equação do segundo grau
Fonte: Dante (2005, p. 61)
O exercício referente à Figura 40 propõe a demonstração de uma igualdade
que pode ser considerada pelo aluno como um desafio intelectual. Posteriormente,
o aluno deverá fazer a verificação com uma equação dada.
Figura 40: raízes da equação de 2o grau
Fonte: Dante (2005, p. 70)
75
O exercício apresentado na Figura 41 pede para que o aluno demonstre a
semelhança entre os triângulos indicados. Nesse caso, a demonstração pode
assumir as funções de verificação/convencimento e de explicação, visto que,
para o aluno, ainda não está evidente a validade da conjectura. Ele deve, portanto,
verificar a veracidade da afirmação e ainda explicar porque a proposição é
verdadeira.
Figura 41: demonstração: semelhança de triângulos
Fonte: Dante (2005, p. 153)
Como mostra a Figura 42, Dante (2005) faz a demonstração do Teorema de
Pitágoras, baseada na
semelhança de triângulos. Para
De Villiers (2001), apesar de
também constituir uma
explicação, a função principal
da demonstração de um
teorema é o processo de
sistematização, por meio do
qual, resultados conhecidos e
não relacionados logicamente
são organizados em um todo
unificado e coerente para formar
um sistema dedutivo de
axiomas, definições e teoremas.
Contudo, como orientam os PCN (1998), o autor poderia deixar que o aluno
demonstrasse o teorema ao ter se “apropriado do conceito de semelhança de
triângulos e estabelecido as relações métricas dos triângulos retângulos”. (PCN,
1998, p. 127). Dessa maneira, por ter o aluno a gratificação própria de demonstrar o
Teorema de Pitágoras, a demonstração assumiria seu papel de desafio intelectual.
Figura 42: demonstração do Teorema de Pitágoras Fonte: Dante (2005, p. 167)
76
Dante (2005) também apresenta outras demonstrações do Teorema de
Pitágoras, como mostra a Figura 43, que confirmam sua veracidade, mostrando
também que não há somente uma única forma de se fazer uma demonstração. A
terceira demonstração é apresentada também nos PCN (1998, p. 126).
Figura 43: outras demonstrações do Teorema de Pitágoras
Fonte: Dante (2005, p. 172)
Neste volume o autor explora o conhecimento adquirido pelos alunos nos
livros das séries anteriores que, a partir de exercícios, desenvolveram habilidades e
percepção, assimilação de conhecimentos e os pré-requisitos necessários para a
leitura e escrita de uma demonstração.
77
O tratamento dos conteúdos também estimula a construção de
conhecimentos que, de momentos em momentos, revisita o passado para reconstruir
o presente de forma mais sólida, permitindo essa construção de forma mais
integrada e robusta.
As demonstrações são trabalhadas de maneira gradual, sendo realmente
identificadas nos capítulos finais do livro, onde o aluno também tem o contato com
demonstrações que apresentam rigor matemático, e proporciona a chance de o
aluno realizá-las.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando nossa questão de pesquisa, observamos que, ao longo dessa
coleção, a demonstração é apresentada de forma progressiva, desde o terceiro ciclo,
com experimentações e verificações, até o quarto ciclo, com provas e
demonstrações.
Identificamos, na coleção, que o autor estimula amplamente o raciocínio
indutivo/dedutivo e a prática da argumentação e da demonstração, estando de
acordo com os teóricos estudados, com os PCN (1998) e com o PNLD (2005).
Diante dessa análise pormenorizada dos livros, segundo os critérios
apontados por De Villiers (2001), podemos dizer que a maioria das provas e
demonstrações contidas nos livros estimula o raciocínio do aluno contribuindo para
que ele próprio construa seu conhecimento.
No terceiro ciclo, constatamos que o autor estimula a prática da
argumentação e generalização por meio de exercícios em que o aluno tenha que
justificar e validar suas respostas. Conforme os PCN (1998), nessa faixa etária, a
utilização de figuras como constatação concreta exerce papel fundamental para
ajudar os estudantes a visualizar certos resultados, compreender conceitos, fazer
conjecturas, para que posteriormente possam provar determinada afirmação.
No quarto ciclo, a fase experimental já não é tão presente, pois o raciocínio
lógico dedutivo do educando está mais desenvolvido. Assim, nos dois últimos
volumes são introduzidas, praticamente, todas as funções da demonstração
estabelecidas por De Villiers (2001) e que foram o referencial teórico escolhido para
a condução dessa análise.
Nos quatro volumes, percebemos um equilíbrio entre as atividades e
conteúdos apresentados com relação ao tema em estudo, o que não torna o ensino-
aprendizagem da demonstração cansativo e desestimulante.
Concluímos então, que a coleção, sendo utilizada pelo professor como
material de apoio, com algumas ressalvas, contribui significativamente no ensino de
provas e demonstrações, que, por sua vez, têm papel fundamental na construção do
conhecimento matemático.
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Finalmente, gostaríamos de salientar nossa expectativa de que este Trabalho de Conclusão de Curso desperte o interesse dos docentes da disciplina, levando-os a entenderem o porquê de ensinarem demonstrações em sala de aula. Além disso, desejamos que ele seja também um incentivo para que mais pesquisadores estudem o tema, assim como para nós tem sido objeto de pesquisa, tanto anteriormente em um trabalho de Iniciação Científica, quanto atualmente neste Trabalho de Conclusão de Curso. E talvez, ainda, continue a sê-lo em futuros estudos de pós-graduação.
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