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    No Brasil, poucos jovens entram na universidade, os cursos tecnolgicos so pouco atrativos e a produo acadmica est distante das empresas alguma dvida de que preciso mudar?

    Simon Schwartzman pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Foi presidente do IBGE e diretor para o Brasil do American Institutes for Research

    hora de descer da torre de marfim

    O retrato do atraso: a Universidade de So

    Paulo, nmero 1 do pas, no entra na lista das

    100 melhores do mundo

    Osistema de educao superior no Bra-sil cresce, mas seu tamanho ainda muito reduzido se comparado com o de pases de economia desenvolvida ou at mesmo em desenvolvimento. Nesses pases, comum ver a maior parte dos jovens em algum tipo de insti-tuio de ensino superior. J no brasil, apenas cerca de 10 milhes de pessoas tm uma gradua-o (menos de 10% da populao adulta) e pouco mais de 5 milhes esto matriculados em uma universidade (menos de 14% da populao jo-vem). Como h pouca gente com diploma, a re-munerao para esse grupo costuma ser muito melhor. Essa discrepncia acaba sendo um gran-de incentivo para que as pessoas queiram entrar numa universidade. Elas enfrentam, no entanto, vrias barreiras: a m qualidade do ensino mdio, os altos nveis de abandono escolar, a seletivida-de das universidades pblicas e os custos relati-vamente altos das instituies privadas.

    o governo federal tem procurado aumentar a quantidade de vagas e facilitar o acesso ao ensino superior. Alm de criar novas universidades e cen-tros de educao tecnolgica, d estmulos para que as universidades pblicas abram mais vagas e esti-mula programas de cotas. Apesar disso, o setor pblico no consegue aumentar sua fatia e s aten-de hoje a 25% da demanda, fcando os 75% restan-tes com o setor privado. outra maneira encontrada pelo governo federal de facilitar o acesso a com-pra de vagas do setor privado por meio do Prouni, tendo como moeda de troca a iseno fscal.

    o brasil vai precisar, na prxima dcada, de mais gente com formao superior, mas im-portante perguntar tambm quem estamos for-mando e com quais qualifcaes. o censo do ensino superior do Ministrio da Educao mos-tra que 43% dos estudantes esto matriculados atualmente em cursos de cincias sociais, neg-cios e direito, 17% em educao e 15% na rea de sade e bem-estar. o total nas engenharias de 9% e, nas reas de matemtica e computao, de 8%. Nas sociedades modernas, as reas de neg-cios realmente precisam de muita gente, assim como as de servios de sade. o nosso problema est no nmero de engenheiros formados anual-mente. Eles so pouco mais de 51 000, menos de

    6% do total, um percentual muito baixo se com-parado ao de pases como Japo, Coreia do Sul e Finlndia (25%), sem mencionar a China (36%). A taxa brasileira mais prxima de so-ciedades ps-industriais, como Estados unidos, Austrlia, Canad e reino unido.Faltam tcnicosNunca conseguimos desenvolver um setor sig-nifcativo de formao tecnolgica que pudesse, em poucos anos, capacitar pessoas para traba-lhar em laboratrios, hotis, restaurantes, em-presas de tecnologia de alimentos, ofcinas me-cnicas, construo civil, entre outras reas. todos os pases que expandiram sua educao superior deram esse passo. No brasil, os estu-dantes evitam essas carreiras porque as consi-deram de pouco prestgio. Na prtica, em muitos casos, essas funes acabam sendo desempe-nhadas por pessoas com diplomas universit-rios. os dados da Pnad, do IbGE, de 2008 mos-tram que 23% das pessoas com nvel superior no brasil trabalham em atividades tcnicas e administrativas de nvel mdio.

    A rea da ps-graduao tambm merece aten-o. o brasil forma hoje cerca de 10 000 doutores ao ano. A pesquisa domiciliar do IbGE registra cerca de 326 000 pessoas fazendo cursos de ps-graduao. Em vrias reas, como economia e administrao, existem muitos cursos de gra-duao e a qualidade nem sempre boa. Nesses casos, a ps-graduao aparece como sada para buscar uma posio diferenciada no mercado de trabalho. Mas a questo que a grande maioria das pessoas com doutorado acaba indo trabalhar em universidades pblicas, se que j no estava l quando comeou a buscar seu novo ttulo. Is-so traz vantagens para as universidades pblicas, que fcam com professores melhores, mas bene-fcia pouco os 75% dos estudantes em institui-es privadas, que quase no contratam profes-sores doutores. Para ser bem avaliados pela Ca-pes e receber apoio, os programas de ps-gra-duao precisam que seus professores publiquem artigos em revistas acadmicas. Com essa exi-gncia, o nmero de artigos cientfcos tem au-mentado. A qualidade dessas publicaes, no

    O Brasil vai precisar, na prxima dcada, de mais gente com formao superior. Mas urgente olhar quem estamos formando e com qual qualificaoGeir Hara

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    entanto, baixa quando se usa como medida o nmero de citaes que recebem. Isso sem falar na falta de resultados dessas pesquisas na pro-duo de patentes e de tecnologia.

    Existem cursos universitrios muito bons no pas mas tambm muitos de qualidade duvidosa, tanto no setor pblico quanto no particular. o Ministrio da Educao d conceitos aos cursos, mas no diz, por exemplo, qual o mnimo de qualidade aceitvel em medicina, direito ou ad-ministrao. Fora isso, tem muito pouca capaci-dade de interferir nas instituies consideradas de qualidade inaceitvel. No setor privado, exis-tem cada vez mais empresas que atendem a deze-nas de milhares de alunos a custos muito reduzi-dos, geralmente noite, com educao de quali-dade indefnvel. No setor pblico, fora da ps-graduao, no existem mecanismos que incenti-vem as instituies a melhorar a qualidade e a usar bem os recursos pblicos que recebem.

    Para a prxima dcada, o pas precisa expandir a educao superior e, sobretudo, fazer com que ela se torne cada vez mais relevante para a socie-dade em seus diversos nveis. os cursos de for-mao tecnolgica precisam aumentar muito, no s para suprir as necessidades crescentes do mercado de trabalho mas tambm porque muitos dos que hoje buscam uma universidade no tm formao adequada para realmente seguir um curso superior. Para que os cursos tecnolgicos sejam atrativos e produzam pessoas capacitadas, eles precisam ser desenvolvidos em forte coope-rao com o setor produtivo, que deve participar discutindo seu contedo, abrindo suas portas para estgios e fornecendo equipamentos. Para que o estigma associado a esses cursos desapare-a, preciso que os crditos obtidos em cursos de curta durao possam valer para pessoas que desejem mais tarde continuar a estudar e com-pletar um curso superior pleno. Novos temposos cursos de graduao tambm se benefciariam muito de uma aproximao mais forte com o se-tor produtivo e precisam adquirir muito mais transparncia em relao sua qualidade e aos resultados que produzem. o brasil ainda vive a fco de que todos os ttulos de nvel superior so iguais. tanto o mercado de trabalho quanto o setor pblico ainda recompensam as pessoas que tm ttulos independentemente das qualif-caes efetivas que possam ter. Essa situao reforada pelo sistema de regulamentao pro-fssional e tambm pela reserva de mercado es-timulada pelos sindicatos e pelas associaes profssionais. So os socilogos que conseguiram

    tornar obrigatrio o ensino de sociologia nas es-colas, os comunicadores que insistem em reque-rer diplomas para jornalistas, os mdicos que querem restringir o trabalho de outros profssio-nais de sade, as farmcias que so obrigadas a contratar farmacuticos... o fortalecimento da educao tecnolgica e a reduo dos privilgios associados aos diplomas podem fazer com que as pessoas comecem a buscar qualifcaes mais efetivas e mais prticas, em vez de diplomas de cursos superiores de qualidade duvidosa.

    tanto o setor pblico quanto o privado preci-sam se ajustar aos novos tempos. As universida-des pblicas so fnanciadas com recursos ora-mentrios que independem de bons resultados. Essas instituies no podem desenvolver pol-ticas ativas de busca de talentos nem demitir professores de m qualidade, ou fechar departa-mentos e cursos para os quais no h demanda. Como so seus professores que desenvolvem os sistemas de avaliao que o Ministrio da Edu-cao utiliza, no surpreendente que essas uni-

    versidades sejam, em geral, bem avaliadas. o setor privado se queixa das avaliaes que so impostas pelo Ministrio da Educao, mas at hoje no desenvolveu um sistema alternativo de controle de qualidade. os critrios de avaliao de cursos noturnos destinados a alunos que no tiveram educao secundria de qualidade, so mais ve-lhos e precisam trabalhar durante o dia no po-dem ser os mesmos dos cursos dados durante o dia para alunos jovens, selecionados por vestibu-lares competitivos e com professores de tempo

    A melhoria da educao tecnolgica pode fazer com que as pessoas comecem a buscar cursos mais efetivos e prticosUm sonho possvel: universidades de ponta, como a americana Yale, so referncia para pases emergentes como o Brasil

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    integral. o setor privado, que atende preferen-cialmente ao pblico noturno, precisa mostrar com clareza o que pode de fato oferecer, e no permanecer simplesmente como uma verso em-pobrecida do que o ensino pblico deveria ser.

    A pesquisa universitria precisa deixar de ser, predominantemente, complemento dos cursos de ps-graduao. o brasil tem excelentes centros de pesquisa e de tecnologia, vrios deles trabalhando em parceria com o setor produtivo. o drama do pas que essas instituies podem ser contadas nos dedos. todos os incentivos da ps-graduao so acadmicos. A recompensa vai para os progra-mas que formam mais gente e que publicam mais artigos, coisas que so importantes, mas no po-dem ser um fm em si mesmo.

    Finalmente, a educao superior brasileira provinciana e precisa se abrir mais para o mun-do. Hoje, h vrias instituies que publicam os rankings das melhores universidades do mundo. A melhor universidade brasileira, a uSP, que tambm a melhor da Amrica Latina, geralmen-te fca bem abaixo do 100o lugar. Podemos e de-

    vemos criticar a forma como essas listas so feitas, mas a colocao no ranking refete o fato de que nossas universidades no so conhecidas l fora. Mostra tambm que no participamos como de-veramos do fuxo internacional de conhecimen-tos e talento, que se d pelo intercmbio e pela circulao de estudantes e professores. Muitos professores com doutorado nas melhores univer-sidades brasileiras estudaram fora, mas as agn-cias de governo vm diminuindo o apoio que davam aos doutorados no exterior, achando que no precisamos mais deles. Nossas universidades no tm como competir por talentos no exterior devido falta de fexibilidade dos salrios e di-fculdade de contratar estrangeiros. E no temos, no brasil, universidades que despertem o inte-resse de estudantes de outros pases. possvel resumir tudo isso dizendo que o ensino superior brasileiro vem crescendo, mas se desenvolveu em grande parte de forma fechada, voltado para si mesmo. Por isso, no tem a qualidade, a pujana, a efcincia e a relevncia que deveria ter. pre-ciso abrir as portas e arejar o ambiente.

    Temos excelentes centros de pesquisa e tecnologia. O drama do pas que eles podem ser contados nos dedos

    Sem medo do setor privado: a Embraer um exemplo do que podem fazer empresas e universidades atuando em conjunto

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