SusanaASilva_Dissertacao
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
CENTRO DE LETRAS E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
DIEGO VELZQUEZ E OS RETRATOS DE FELIPE IV: A PINTURA
BARROCA E A IDIA DE TEMPO NA SOCIEDADE ESPANHOLA DO
SCULO XVII
SUSANA APARECIDA DA SILVA
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rea de concentrao: Histria Social
Linha de Pesquisa: Culturas, Representaes e Religiosidades
Londrina - PR
Janeiro de 2012
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SUSANA APARECIDA DA SILVA
DIEGO VELZQUEZ E OS RETRATOS DE FELIPE IV: A PINTURA BARROCA E A
IDIA DE TEMPO NA SOCIEDADE ESPANHOLA DO SCULO XVII
Dissertao apresentada Programa de
Ps-Graduao em Histria Social da
Universidade Estadual de Londrina - UEL,
em cumprimento s exigncias para
obteno do ttulo de Mestre em Histria
Social, Linha de Pesquisa Culturas,
Representaes e Religiosidades.
Orientador: Prof. Dr. Andr Luiz Joanilho
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Londrina
2012
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Catalogao elaborada pela Diviso de Processos Tcnicos da Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)
S586d Silva, Susana Aparecida da.
Diego Velzquez e os retratos de Felipe IV : a pintura barroca e a idia de tempo
na sociedade espanhola do sculo XVII / Susana Aparecida da Silva. Londrina, 2011.
95 f. : il.
Orientador: Andr Luiz Joanilho.
Dissertao (Mestrado em Histria Social) Universidade Estadual de Londrina,
Centro de Letras e Cincias Humanas, Programa de Ps-Graduao em Histria
Social, 2011.
Inclui bibliografia.
1. Velzquz, Diego, 1599-1660 Teses. 2. Histria social Teses. 3. Tempo
Medio Histria Teses. 4. Pintura barroca Teses. 5. Histria na arte Teses.
6. Espao e tempo em arte Teses. I. Joanilho, Andr Luiz, 1958-. III. Universidade
Estadual de Londrina. Centro de Letras e Cincias Humanas. Programa de Ps -
Graduao em Histria Social. III. Ttulo.
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SUSANA APARECIDA DA SILVA
DIEGO VELZQUEZ E OS RETRATOS DE FELIPE IV: A PINTURA BARROCA E A
IDIA DE TEMPO NA SOCIEDADE ESPANHOLA DO SCULO XVII
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Dissertao de Mestrado
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Orientador: Andr Luiz Joanilho
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________
Prof. Dr. Magnus Roberto de Mello Pereira
Universidade Federal do Paran - UFPR
____________________________________
Prof. Cludia Eliane Parreiras Marques Martinez
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________
Prof. Silvia Cristina Martins de Sousa
Universidade Estadual de Londrina - UEL
_______________________________________
Prof. Maringela Peccioli Galli Joanilho
Universidade Estadual de Londrina - UEL
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Londrina, _____,
de_________________de______.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo primeiramente a Deus pelo dom da vida e por ter me sustentado em todas as dificuldades.
E pela crena de que ele me guiou em todas as vezes em que pensei no ter sada. Devo a Ele todos
os meus motivos para sorrir.
Ao Rogrio por me ouvir, por me incentivar, pela pacincia com meu mau humor no momento da
finalizao do texto e por ter compreendido a minha ausncia.
Agradeo pela oportunidade de conviver com os anjos que so o papai e a mame. Agradeo pelos
abraos e pelas mos estendidas para me ajudar. Sem eles este trabalho teria sido muito mais difcil.
Aos meus avs, meus pais com acar, pelo carinho e por fazerem a minha vida mais feliz.
Ao meu irmo Daniel, companheiro na Msica e na vida.
Aos amigos do corao Clia, Reginaldo, Evelin e Walter Neto, que so uma famlia para mim.
A Juliamaris e Diego por me ouvirem e incentivarem sempre. E por me dizerem as verdades que
preciso ouvir.
A todos os meus amigos que lidaram com a minha ausncia no perodo da escrita deste trabalho.
A professora e amiga Edna Lessa, porque atravs da beleza de seu trabalho decidi ser historiadora.
Ao William Messias, meu professor e amigo, pela pacincia e pelo apoio. E porque graas ao trabalho
dele consegui ler e utilizar a documentao em Ingls.
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Ao professor Marcos Aulicino pelas aulas cativantes e por ter me ajudado a ver de perto um dos
nicos quadros de Velzquez que esto no Brasil.
professora Carla Juliana Galvo por ter me proporcionado a oportunidade de conhecer algumas
obras do Barroco brasileiro em uma viagem que mudou a minha vida e contribuiu grandemente para
este trabalho.
Aos colegas do mestrado Clodoaldo, Lucas Ambrogi, Jos Oswaldo H. Correia, Felipe, Aline,
Alexandra, Luciana, Joo Ohara, Luclia e Arnaldo e pela ajuda mtua.
Aos professores do Programa de Mestrado, que se dedicaram na tarefa de nos ajudar a nos
tornarmos mestres. Agradecimento especial para os professores Alfredo Oliva e Ana Heloisa Molina,
Cludia Martinez e Edmia Ribeiro.
Aos funcionrios da Secretaria de Ps Graduao do CCH, Cludio e Roseli pela ateno, dedicao
e pacincia.
Aos professores da banca pela dedicao dispensada a leitura deste trabalho e pela presena, to
importante esta pesquisa.
Ao meu professor e orientador Andr Luiz Joanilho, excelente profissional com quem eu aprendi
muito. Agradeo pela pacincia, orientao e dedicao A esta pesquisa, sem as quais este trabalho
no teria se realizado.
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No existe meio mais seguro para fugir
do mundo do que a arte, e no h forma
mais segura de se unir a ele do que a
arte.
Johann Goethe
SILVA, Susana Aparecida da. Diego Velzquez e os retratos de Felipe IV: A pintura Barroca e a idia
de tempo na sociedade espanhola do sculo XVII. 2011. Dissertao (Mestrado em Histria Social) -
Universidade estadual de Londrina, Londrina. 2011.
RESUMO
Esta pesquisa reflete a respeito da possibilidade de se analisar a idia de tempo na Espanha Barroca
do sculo XVII atravs de cinco retratos feitos pelo pintor espanhol Diego Velzquez (1599-1660).
Estes retratos so feitos aps o perodo em que o pintor admitido na corte de Felipe IV da Espanha
(1605-1665) como pintor oficial. As fontes visuais selecionadas para esta pesquisa no sentido de
possibilitar a anlise da idia de tempo so retratos do rei feitos por Diego Velzquez e representam
o rei jovem e posteriormente envelhecido. Acredita-se que a idia de tempo para Velzquez tenha
estreita relao com a sociedade barroca espanhola do sculo XVII na qual ele est inserido. Neste
sentido, as representaes do poder e do envelhecimento do monarca possveis de serem vistas nas
pinturas de Velzquez contribuem para se pensar a concepo de tempo do artista e da sociedade
espanhola daquele perodo.
Palavras-chave: Velzquez; Barroco; Tempo
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SILVA, Susana Aparecida da. Diego Velzquez and the portraits of Philip IV: Baroque painting and
times idea in Spanish society of seventeenth-century . 2011. Dissertation (Masters Degree
Dissertation) State University of Londrina, Londrina. 2011.
ABSTRACT
This research reflects on the possibility of analyzing the idea of time in Spain of the seventeenth
century Baroque through five portraits by Spanish painter Diego Velzquez (1599-1660). These
pictures are made after the period when the painter was admitted to the court of Philip IV of Spain
(1605-1665) as official painter. The visual sources selected for this research in order to allow the
analysis of the idea of time are portraits of the king made by Diego Velzquez and represent the
young king and subsequently aged. It is believed that the idea of time to Velzquez has close
relationship with the Spanish baroque society of the seventeenth century in which it is inserted. In
this sense, representations of power and the aging monarch's possible to be seen in the paintings of
Velzquez contributed to the conception of time thinking about the artist and Spanish society of that
period.
Key-words: Velzquez; Barroque; Time
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LISTA DE IMAGENS
1.0 Mulher idosa fritando ovos................................21
1.1 O aguador de Sevilla...............................22
1.2 Trs homens mesa....................................................................................................................23
1.3 Cristo em casa de Marta e Maria.................................................................................................23
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1.4 A adorao dos magos.....................24
1.5 Marte, Deus da Guerra........................27
2.0 A forja de Vulcano..........................28
2.1 - Jac recebendo a tnica de Jos.................................................................................................28
2.2 Las meninas....................33
2.3 Esquema de linhas geomtricas sobre Las Meninas....................................................................35
2.4 Felipe IV 1624/27........................40
2.5 Antigo Real Alczar espanhol.............41
3.0 Felipe IV com armadura..................44
3.1 Felipe IV em Fraga, 1644................46
3.2 Encontro de Luis XIV e Felipe IV da Espanha em 7 de junho de 1660......................................51
3.3 Historia..................................................................................................................... ...................71
3.4 Retrato de Felipe IV (fragmento), 1665/1660..............................................................................85
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3.5 Retrato de Felipe IV (fragmento), 1657/60................................................................................ ..87
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................................09
1 VELZQUEZ...............................................................................................................................20
1.1 Aprendendo a ser artista no sculo XVII: os temas de Velzquez como temas barrocos..................................................................................................................... ...................25
2 A ARTE NA SOCIEDADE DE CORTE EUROPIA DO SCULO XVII...........................30
2.1 Velzquez e a sociedade de corte......................................................................................... ........32
2.2 Arte e Guerra: os retratos de Felipe IV como imagens do poder.................................................42
2.3 Frana e Espanha em questo: o casamento de Maria Teresa......................................................49
2.4 O papel diplomtico de Velzquez no Tratado dos Pirineus........................................................50
2.5 A saia da princesa: vesturio e poder na sociedade de corte........................................................52
3 O BARROCO NA ESPANHA DO SCULO XVII: A ARTE DE VELZQUEZ................56
3.1 Arte e poder na Cultura barroca........................................................................................ ........60
4 A IDIA DE TEMPO NA ESPANHA DO SCULO XVII.....................................................65
4.1 A temporalidade na histria.............................................................................................. ............65
4.2 O espao da experincia: a histria como mestra da vida e a viso judaico-
crist......................70
4.3 As mudanas na idia de tempo: a mescla de regimes de historicidade.......................................73
4.4 O horizonte de expectativa no Barroco e nos retratos de Velzquez...........................................75
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4.5 Os quadros do rei como representao do tempo.........................................................................81
CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................................90
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................................................................93
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INTRODUO
Esta pesquisa reflete a respeito da possibilidade de se analisar a idia de tempo na
Espanha Barroca do sculo XVII atravs de cinco retratos do rei Felipe IV (1605-1665) feitos
pelo pintor espanhol Diego Velzquez (1599-1660).
As fontes visuais selecionadas para esta pesquisa no sentido de possibilitar a anlise da
idia de tempo so retratos do rei feitos por Diego Velzquez os quais representam o rei
jovem e posteriormente envelhecido. Estes retratos so feitos aps o perodo em que o pintor
admitido na corte de Felipe IV da Espanha como pintor oficial.
Velzquez considerado um dos maiores pintores que a Espanha j teve e cujo
destaque como retratista se fez notrio. A escolha do tema se deu pelo fato de que a prpria
idia do retrato de uma pintura que se localiza no tempo, ao passo que pretende eternizar
algum. Analisar a seqncia cronolgica de alguns dos retratos de Felipe IV feitos por
Velzquez mostrando o envelhecimento fsico do monarca parece auxiliar na reflexo sobre a
o problema do tempo na sociedade barroca do sculo XVII espanhol.
Acredita-se que a idia de tempo para Velzquez tenha estreita relao com a cultura
da sociedade barroca espanhola do sculo XVII na qual ele est inserido. Neste sentido, as
representaes do poder e do envelhecimento do monarca, possveis de serem vistas nas
pinturas de Velzquez contribuem para se pensar a concepo de tempo do artista e da
sociedade espanhola daquele perodo.
Inicialmente, pensa-se que h vrias questes bsicas possveis de serem feitas no
momento da anlise das imagens, por exemplo: Qual a data aproximada de concluso da obra;
quem a fez, para quem a fez, qual seu suporte e sua dimenso; onde a pintura est atualmente;
o que retrata e de que forma retrata; qual o ambiente de fundo; semelhanas e diferenas entre
as imagens e as demais obras do pintor, entre outras. Esta parte da pesquisa se trata do nvel
descritivo das fontes.
Por outro lado, no nvel analtico, ser considerado o conjunto dos retratos
selecionados1 e a relao semelhana - diferena entre eles no que concerne questo da
percepo da categoria Tempo por parte do pintor, levando em conta o dilogo com textos
escritos.
1 Velzquez pinta vrios retratos de Felipe IV, incluindo retratos eqestres, no entanto selecionamos para esta
pesquisa apenas cinco retratos: um com trajes tradicionais no interior dos aposentos reais, dois em trajes de
batalha e dois retratos do rei na maturidade.
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Este trabalho surgiu a partir de uma pesquisa anterior, a monografia de Especializao,
intitulada Os retratos de Felipe IV, de Diego Velzquez: reflexes sobre as percepes de
tempo na pintura espanhola do sculo XVII. A temtica anterior possui alguns elementos
diferenciais com relao atual, principalmente no que diz respeito ao referencial terico.
No trabalho anterior, trabalhou-se com os conceitos de Sociedade e Indivduo de
Norbert Elias2, pensando Velzquez enquanto indivduo que se relaciona com a sociedade
barroca em que vive. J como metodologia para analisar os retratos, utilizou-se o paradigma
indicirio proposto pelos historiadores como Carlo Ginzburg3 e Jacques Revel4, em que os
indcios possveis de serem vistos nos quadros indicariam uma relao do universo micro-
histrico com o universo macro-histrico.
No entanto, em um aspecto em especfico, o posicionamento da pesquisa anterior e da
atual permanece o mesmo: a posio terica no que diz respeito ao estudo das fontes visuais
em Histria.
As pinturas, assim como toda fonte histrica no se esgota, ou seja, no possui
somente uma interpretao correta e possvel de validao. E se o olhar para as pinturas de
Velzquez tiver a inteno de encontrar a verdade sobre a idia de tempo Espanha no sculo
XVII, Tudo sobre a vida de Velzquez ou Tudo sobre Felipe IV, ento a pesquisa ser
infrutfera.
Outro apontamento relevante a respeito da nsia de encontrar na obra de arte o
sentimento do artista no momento da concepo do quadro. Pode-se dizer que era movido por
sentimentos, j que se trata de uma obra de arte, e, portanto, de uma criao. No entanto no
se pode sintetizar toda a complexidade da realizao de uma pintura somente na situao
psicolgica do pintor ao pintar determinada obra.
No se pode realizar tambm uma iluso retrospectiva no sentido de buscar o que
realmente o autor da obra queria dizer com determinada pintura. No h uma verdade
implcita em uma obra de arte. H uma representao, que a obra e que envolve uma
complexa rede de relaes que vo desde os motivos pelos quais a obra pode ter sido
realizada at a forma como a obra foi recebida e interpretada no seio da sociedade em que foi
feita.
2 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
3 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e histria. So Paulo: Martins Fontes, 1991. 4 REVEL, J. (org.). Jogos de escalas: a experincia da microanlise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.
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A prpria idia de tempo uma representao cultural. Segundo Jos Carlos Reis5, so
as formas como as pessoas lidam com as suas experincias, seu passado, presente e futuro.
Alm disso, cada indivduo tem uma vivncia histrica e scio-cultural que cumular em
interpretaes distintas, seja no sentido temporal ou cultural. Em segunda instncia, o olhar do
presente para o passado est repleto de pr-concepes, e estas por sua vez implicam em
realizar um olhar subjetivo sobre os documentos.
Pretende-se olhar para as pinturas de Velzquez, sabendo que os olhares do
pesquisador e do expectador, como as fontes, so construdos historicamente. Outrossim, as
fontes visuais devem ser vistas como fonte de pesquisa e no como comprovao ou
ilustrao de textos escritos.
Desde a Escola dos Annales e da revoluo documental, vem sido colocada a
possibilidade do trabalho com mltiplos tipos de fontes na historiografia. Estudar a fonte
visual no como ilustrao e sim como construo scio-histrica, no entanto, algo que vem
sido discutido mais recentemente. Segundo Ulpiano B. De Meneses:
Estamos ainda longe do patamar j atingido na Sociologia e na Antropologia: o
objetivo prioritrio que os autores propem (...) iluminar as imagens com
informao histrica externa a elas, e no produzir conhecimento histrico novo a
partir dessas mesmas fontes visuais.6
Segundo Ulpiano, o estudo das fontes visuais em Histria ainda deixa a desejar com
respeito ao carter qualitativo das anlises dos pesquisadores. O autor acredita que h uma
discrepncia entre o que se pretende fazer na anlise e o que se faz de fato, ou seja uma
diferena entre as propostas inovadoras dos historiadores a prtica:
Exemplo altamente sintomtico da persistncia dessa inclinao para usos
ilustrativos da imagem so estudos de altssima qualidade e ornados de farta e bela
documentao visual, s vezes at em grande parte indita (...). As imagens,
contudo, no tem relao documental com o texto, no qual nada de essencial deriva
da anlise dessas fontes visuais; ao contrrio, muitas vezes algumas delas poderiam
mesmo contestar o que vem dito escrito (...).7
Ulpiano tambm coloca que, por vezes a imagem, alm de ser utilizada com sentido
ilustrativo ou comprobatrio, acaba por se contrapor ao texto escrito sobre o qual tinha a
5 REIS, Jos Carlos. O tempo histrico como representao cultural. Revista SOPHIE, n 01. Recife, 2011. 6 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, Histria Visual. Balano provisrio, propostas
cautelares. Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 23, n 45, p.20 .2003. 7 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Op. Cit. p.21.
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funo de comprovar. importante salientar, contudo, que os sentidos atribudos s
imagens so historicamente construdos:
As imagens no tem sentido em si, imanentes. Elas contam apenas j que no
passam de artefatos, coisas materiais ou empricas com atributos fsico-qumicos
intrnsecos. a interao social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente
(no tempo, no espao, nos lugares e circunstncias sociais, nos agentes que
intervm) determinados atributos para dar existncia social (sensorial) a sentidos e
valores e faz-los atuar. Da no se poder limitar a tarefa procura do sentido
essencial de uma imagem ou de seus sentidos originais, subordinados s motivaes
subjetivas do autor, e assim por diante.8
possvel dizer, segundo a reflexo de Ulpiano, que no h um sentido nico e
verdadeiro inerente s imagens. A elas, alis, no se deve impor a categoria de documento,
trat-las como fontes visuais faz com que se pense na seleo feita pelo pesquisador e na
biografia da imagem (informao verbal), a trajetria da mesma e os sentidos atribudos a
ela nas diferentes sociedades e perodos:
Tambm aos objetos visuais no convm a idia positivista de documento (ainda que
de origem): documento aquilo capaz de fornecer informaes a uma questo do
observador, qualquer que seja sua natureza tipolgica, material ou funcional.
prefervel, portanto, considerar (...) como parte viva de nossa realidade social.
Vivemos a imagem em nosso cotidiano, em vrias dimenses, usos e funes. O
emprego de imagens como fonte de informao apenas um dentre tantos (inclusive
simultaneamente a outros) e no altera a natureza da coisa, mas se realiza
efetivamente em situaes culturais especficas, entre vrias outras. A mesma
imagem, portanto, pode reciclar-se, assumir vrios papis, ressematizar-se e produzir
efeitos diversos.9
Neste aspecto, em se tratando das fontes visuais desta pesquisa, os retratos feitos por
Diego Velzquez, h que se pensar que a ressemantizao dos mesmos se deu de diferentes
formas. A forma como os retratos de Velzquez foram percebidos pela sociedade barroca
distinta da forma como so percebidos hoje no Museu do Prado, por exemplo.
No entanto, relevante salientar que este trabalho se dedica ao estudo dos retratos de
Velzquez em termos de refletir sobre sua criao e no sobre a recepo destas obras.
Pretende-se estudar quais elementos envolvidos nas possveis intencionalidades destes
retratos auxiliam na reflexo sobre a idia de tempo de Velzquez e da sociedade barroca
espanhola do sculo XVII.
De se considerar a vivncia de Velzquez enquanto sujeito histrico, sua obra como
fonte histrica e suas relaes com a sociedade de corte como elementos relacionais depende
8 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Op. Cit. p.28
9 Idem. Ibidem. p. 29.
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as possveis respostas para o problema proposto. Alm disso, interessante que se considere
que o trabalho parte da histria para analisar uma obra de arte segundo critrios e
metodologias prprias historiografia. Em outras palavras, o estudo dos retratos de
Velzquez auxiliar na reflexo sobre fenmenos historiogrficos relativos sociedade de
corte espanhola do sculo XVII.
No mbito os textos escritos que dialogaro com as pinturas de Velzquez, foram
selecionadosse os que tratam do papel poltico de Velzquez enquanto sujeito histrico; os
conflitos, as pestes e a decadncia da monarquia espanhola vigente; a arte barroca como
instrumento da contra-reforma em alguns momentos e em outros como aparelho de
diplomacia entre as cortes dos reinos europeus. interessante lembrar que a problemtica em
questo pode ter conexes com os domnios da Histria da Arte, a partir da historiografia.
Portanto, as possveis respostas ou caminhos, elucidam questes de cunho poltico, cultural
e social.
Conseguir compor um panorama de escrita que d a cada uma destas discusses
subsdios de sustentao terica, corroborar para a soluo do problema proposto. Este
trabalho de pesquisa utilizar fontes visuais e dialogar com textos escritos, intentando
realizar um dilogo entre os mesmos.
No entanto, relevante salientar que relacionar as fontes visuais com textos escritos
aqui no significa fazer com que um comprove o outro, nem esperar que os textos escritos
forneam o contexto das pinturas. Pensa-se que a posio de Ulpiano seja interessante,
principalmente quando problematiza a idia de contexto. Ao se referir ao trabalho com fontes
visuais diz: como se no fosse obrigao do historiador precisamente construir o que vem a
chamado de contexto 10. Neste excerto Ulpiano destaca que a prpria idia de contexto
uma construo scio-histrica, relativizando a utilizao do termo como forma de inserir a
obra em um espao scio-histrico que daria conta de explicar o sentido de determinado
fenmeno histrico.
Em termos de estrutura, o trabalho est dividido em quatro captulos. O primeiro deles
trata do pintor Velzquez. Neste, fala-se sobre a origem sevilhana de Velzquez, sua famlia,
seus estudos, seus mestres, suas tcnicas, os temas de algumas de suas primeiras pinturas.
Fala de forma panormica sobre o papel do artista no sculo XVII, com destaque para o
perodo da vida de Velzquez anterior ao de sua entrada na corte.
10 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Op.cit. p.27.
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A este respeito, interessante lembrar que quase toda a bibliografia sobre
Velzquez est em lngua espanhola, como o caso de alguns artigos aqui citados. Ao que
parece, h uma grande valorizao dos conterrneos sinalizada pelas abundantes pesquisas a
respeito do tema. Por outro lado, os estadunidenses tambm tm mostrado bastante interesse
em estudar as obras do sevilhano. A bibliografia que h em lngua inglesa sobre Velzquez
extensa, incluindo bigrafos como Norbert Wolf11
e a grande autoridade dos Estados Unidos
em estudos hispnicos com nfase na obra de Velzquez: o professor Dr. Jonathan M.
Brown12
do Instituto de Finas Artes da Universidade de Nova York.
Por sua vez, o segundo captulo tratar da entrada do pintor na sociedade de corte
espanhola e do(s) papel (is) de Velzquez na mesma. O foco aqui ser nos retratos de Felipe
IV encomendados em sua juventude (imagens 2.4, 3.0 e 3.1). Nestes, onde predomina a viso
do rei com trajes de batalha, acredita-se que a intencionalidade esteja ligada a expectativa de
realar o poder do monarca.
Neste captulo pretende-se nortear a anlise a discusso levando em conta a idia de
sociedade de corte proposta por Norbert Elias13
. A idia da corte, a priori, concebida aqui
como uma rede de relaes, em cujas teias tm lugar o metier do pintor Velzquez. Neste
contexto, os retratos feitos por Velzquez, possuem grande habilidade tcnica, multiplicidade
temtica e uma faculdade criadora onde a mtrica exmia mascarada pela iluso de
movimento e a perspectiva area 14. No entanto, mais do que estes aspectos, pretende-se
destacar as possveis intencionalidades e significaes de seus retratos, alm de seu papel
central na diplomacia da corte espanhola no sculo XVII.
Apesar de considerar as singularidades de cada corte europia no sculo XVII, h
alguns fatores de convergncia entre elas. O rei Felipe IV, por exemplo, concebido nas
pinturas de Velzquez representa uma sociedade de castas onde o rei o primeiro
representante da nobreza. Para manter seus privilgios necessita de todo um arrolamento de
comportamentos determinados por idias como a de etiqueta e honra. A postura do
representado, seus trajes e adereos, sua face e seu olhar so portadores de grande
significao de um modo de vida onde a ostentao uma necessidade para legitimao e
preservao de privilgios.
11 WOLF, Norbert. Velzquez: A face de Espanha. Traduo Maria Eugnia Ribeiro da Fonseca:Taschen,
Lisboa, 2006. 12 BROWN, Jonathan M. and GARRIDO, Carmem. Velzquez: The Technique of Genius. New Haven: Yale
University Press, 1998. 13
ELIAS, Norbert. Op.cit. 14 Utilizando uma tcnica chamada veladura, Velzquez ficou conhecido como o artista que conseguiu
representar o ar. A tcnica consistia em uma pintura em camadas, bastante utilizada por Rembrandt van Rijn.
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A existncia do rei enquanto poder e nobre dependia naquele momento do fato de
poder usar tais roupas, se comportar seguindo regras especficas. O prprio fato de possuir um
pintor oficial que lhe perpetrasse a imagem era um ato caracterstico da sociedade de corte na
qual estava inserido.
No entanto, Chad M. Gasta15
e Luiz Ignacio Sinz16
acreditam que a funo de
Velzquez na corte espanhola naquele momento est muito alm da funo de artista. Os
autores acreditam que Velzquez teve importante participao na diplomacia europia do
sculo XVII. A argumentao de Gasta e Sinz sobre os fenmenos sobre pelos quais chegam
a tal concluso um dos aspectos que sero desenvolvidos no segundo captulo.
J no que diz respeito s pinturas e a seu papel na corte, ou seja, ao estudo dos retratos
de Velzquez enquanto fontes histricas foram selecionados alguns materiais bibliogrficos
tais como Diego Surez Quevedo17
e Laura Veatch18
, cujo trabalho, mesmo no abordando os
retratos da famlia real, mas os retratos de anes e bobos da corte feitos por Velzquez, estes
textos auxiliam na reflexo sobre a tcnica do retrato e na atribuio de sentido aos mesmos.
Os retratos de Velzquez, nesta tica estariam inseridos nas relaes de sociabilidade
de uma sociedade de corte. Esta, por sua vez, faria parte de algo mais amplo, a Cultura
Barroca. Sendo assim, o trabalho segue dividido da seguinte forma: aps o captulo sobre a
sociedade de corte espanhola no sculo XVII e o trabalho de Velzquez na mesma, haver um
captulo intitulado O Barroco na Espanha do sculo XVII: a arte de Velzquez.
Neste, pretende-se refletir sobre os principais fenmenos polticos que ocorriam no
reinado de Felipe IV, a Guerra dos Trinta Anos, a questo econmica e a necessidade de
busca de fortalecimento da monarquia espanhola atravs da arte. Afinal, o sculo XVII, a
despeito pestes e demais acontecimentos negativos que assolavam a Espanha, ficou conhecido
como O sculo de Ouro espanhol. Isto porque tanto na literatura, quanto no teatro, poesia e
pintura, a Espanha fervilhava culturalmente.
15 GASTA, Chad M.The politics of Painting: Velzquez and Diplomacy in the Court of Philip IV. Letras
Hispanas. Volume 3, Issue 2 Fall 2006. O artigo de Chad M. Gasta, alm das questes de tempo, trata de
questes relativas ao poder. O autor prope alm do papel artstico, os papis poltico e social de Diego Velzquez na corte espanhola de Felipe IV. 16 SINZ, Luis Ignacio. La Isla de los Faisanes: Diego de Velzquez y Felipe IV reflexiones sobre las
representaciones polticas. Argumentos,mayo-agosto, ao/vol.19, nmero 051 Universidad Autnoma
Metropolitana Xochimilco Districto federla, Mexico.pp.147-169. 17 QUEVEDO, Diego Surez. Pintura e imprenta a incios de la escisin portuguesa. Velzquez y la imagen de la
Monarqua de Felipe IV. Anales del Historia del Arte. Universidad Complutense de Madrid. Volumen
Extraordinrio,pp.229-244. 18 VEATCH, Laura. Made in Gods Image: Velazquez portraits of dwarves. This paper was written for Dr. Joiners Art of 17th e 18th Century course.
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Neste sentido, pensa-se que alguns autores trazem discusses que auxiliaro a pensar a
arte da sociedade Barroca. Entre esses autores, Carlos F. Monge19
onde este ressalta a
instabilidade, as concepes de tempo, a idia de efemeridade da vida e as dvidas
existenciais da sociedade espanhola representadas nas manifestaes artsticas como a
literatura de Miguel de Cervantes, a poesia de Caldern de La Barca e a pintura de Diego de
Velzquez.
Nesse captulo sero abordadas tambm as principais caractersticas do que se
convencionou a chamar de arte Barroca. Em termos gerais a arte barroca estende-se por todo
o sculo XVII e XVIII e h autores que chegam a notar caractersticas barrocas na arte desde
o sculo XVI. Na arquitetura h destaque para a construo de igrejas. Com frontispcios
animados pelo vaivm de salincias e reentrncias, em seus tetos freqentemente encontram-
se fundidas na pintura e arquitetura. Hora a pintura de um pilar imitando o volume da pedra,
hora um teto pintado d a sensao de abrir-se e por ele carem pessoas e anjos.
O trabalho, envolvendo tal conjuntura engendra alguns desafios, j que um territrio
que at bem pouco tempo era de domnio apenas dos artistas e historiadores da arte.
necessrio considerar a figura do pintor Velzquez com suas tcnicas, o Velzquez artista.
Sendo assim, preciso lidar com conceitos com os quais no se est familiarizado.
Acredita-se que o primeiro destes conceitos o termo Barroco. A definio de Barroco
a ser referenciada neste trabalho ser a que est contida na obra de Jos Antonio Maravall20
,
considerado como grande terico do barroco na atualidade. Este autor entende o barroco
como um conceito de poca, desvinculando- o da idia de que seria mero instrumento da
contra-reforma. No entanto, h uma idia deste mesmo autor, que destoa da viso terica a ser
refletida neste trabalho, a de que a cultura do barroco era uma cultura massiva. Acredita-se
que demasiado precoce e anacrnico tratar a cultura do barroco como massiva quando ainda
no havia, ao menos juridicamente, a idia de indivduo. Tampouco a noo de massa.
Por outro lado, possvel estabelecer relaes entre os autores supracitados, j que
tanto Monge quanto Maravall buscam refletir sobre a cosmoviso da sociedade barroca
espanhola, relacionando sociedade, cultura e poltica.
19 MONGE, Carlos F. Las sombras de la duda: Velzquez y el Barroco literario espaol. Atenea, 2003 (en lnea).
20 MARAVALL, Jose Antonio. A cultura do barroco: Anlise de uma estrutura histrica. 1 ed. 2 reimp. Editora
da Universidade de So Paulo, SP: 2009.
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35
O espanhol Maravall cunha o conceito de Cultura Barroca, segundo o qual o Barroco no
seria apenas um estilo artstico, mas um estilo de poca imbricado de sociabilidades presentes
na sociedade do sculo XVII, inclusive na sociedade de corte.
A obra de Velzquez pode ser considerada como Barroca, mesmo considerando que o
Barroco teve caractersticas peculiares em cada reino europeu. Elementos como a
megalomania das construes, o contraste de luz e sombra, a ostentao, a idia de
movimento e a volumetria que configuram juntas elementos emblemticos da cultura barroca.
Pretende-se analisando as obras de Velzquez, bem como a autores da literatura
barroca, percebendo as possveis representaes da idia de tempo do sculo XVII nas
representaes artsticas Barrocas.
O interior da Cultura Barroca, o territrio onde a idia de tempo representada na
literatura e pintura, por exemplo, contribuem para que se pense as pinturas dentro de uma
cosmoviso marcada pela idia de tempo Efmero. Um dos caminhos para fundamentar esta
idia pode ser explicitada se considerarmos que a Espanha passava por momentos polticos e
econmicos difceis ( pestes e crise) e estava entre os territrios europeus onde a presena da
santa inquisio era mais representativa naquele momento. Por outro lado, havia o impacto
causado no imaginrio espanhol pelo achamento das Amricas algumas centenas de anos
antes. Ao mesmo tempo a conjuno histrica possibilitou um florescimento das artes
configurando o sculo de Ouro Espanhol.
O quarto captulo, por sua vez, abordar as percepes de tempo da sociedade
espanhola do sculo XVII, atravs dos retratos da velhice do rei Felipe IV(imagens 3.4 e 3.5).
Aqui a significao volta para a vivncia do rei, sua experincia de vida.
O tempo em duas instncias, que se correlacionam. A primeira instncia a idia
quase biolgica da passagem do tempo. Por se tratar de retratos de Felipe IV desde a
juventude at a maturidade, se organizarmos as telas por data de produo possvel perceber
na seqncia de imagens um qu de melancolia, j que a vida de Felipe IV parece esvair-se a
nossa frente, ao mesmo tempo em que a representao de sua figura plida eternizada pelos
pincis do artista.
A segunda instncia se reflete no modo como as imagens, entendidas como fontes,
podem auxiliar na reflexo sobre as percepes da categoria Tempo para a sociedade
espanhola do sculo XVII. Sendo fruto de seu tempo, so documentos scio-culturais da
sociedade que possibilitou a sua criao e apreciao enquanto obra de arte. Neste sentido, a
postura, as vestimentas representadas nos retratos do rei e a prpria possibilidade de ser
retratado em uma pintura, so elementos que, se analisados, contribuem para se visualizar
-
36
caminhos para se pensar a possvel viso de Tempo em Velzquez, de Felipe IV e da
sociedade de corte.
Com relao idia de tempo, relevante salientar que a fundamentao metodolgica
deste texto leva em conta o artigo de Jos Carlos Reis, no qual este discute a idia de tempo
histrico21
, estabelecendo um dilogo entre Paul Ricoeur22
, Reinhart Koselleck23
e as
proposies dos Annales24.
Neste texto o autor discute diferentes formas de se pensar o conceito de tempo
histrico. Sendo assim, optou-se por trabalhar com o conceito de tempo histrico e as
categorias analticas de espao de experincia e horizonte de expectativa, ambas
creditadas a Reinhart Koselleck. A primeira categoria se refere forma como as pessoas de
determinada sociedade lidam com seu passado ou com as formas de transmisso de
conhecimento ou mesmo a forma de ver a histria. A segunda categoria se remete forma
como as pessoas pensam o futuro, ou a expectativa com relao a ele.
Outro conceito com o qual trabalharemos para analisar os retratos feitos por Velzquez
o conceito de Regime de historicidade cunhado por Franois Hartog25. Segundo este
autor, leitor de Koselleck, os regime de historicidade de determinada sociedade indicam a
maneira como estas articulam passado, presente e futuro, ou seja, equilibram o espao de
experincia e o horizonte de expectativa.
Pretende-se localizar com qual (is) regimes de historicidade as pinturas de Velzquez
se relacionam; em quais telas possvel refletir sobre o espao de experincia e em quais
possvel refletir sobre o horizonte de expectativa de Velzquez, de Felipe IV e da sociedade
barroca espanhola do sculo XVII.
Interessa a esta pesquisa refletir como e o que as representaes pictricas de
Velzquez trazem a ser analisado em termos da idia de tempo que perpassava a sociedade
Barroca. Idia esta cuja proposta de anlise se coloca principalmente atravs da arte de
21 REIS, Jos C. O conceito de tempo histrico em Ricoeur, Koselleck e Annales: uma articulao possvel. Sntese. Nova Fase. V. 23. N. 73 (1996): 229-252. 22 Paul Ricoeur (1913-2005), filsofo francs. Possuidor de uma vasta obra envolvendo a Psicanlise e o
Existencialismo, ele discute principalmente as possveis relaes entre a Fenomenologia e a Hermenutica. 23 Reinhart Koselleck (1923- 2006) autor de destaque da historiografia alem no ps-guerra. Suas produes
tm um carter temtico bastante diversificado, no entanto, pode-se dizer que seus trabalhos so, em sua maioria,
voltados para o campo da Teoria da Histria e Histria dos conceitos. Sua orientao terica tem muitas
ressonncias com a de alguns de seus professores, tais como Hans-Georg-Gadamer, Krl Lowith e Martin
Heidegger. 24 Em 1929, com a crise econmica dos Estados Unidos e de muitos outros pases, tem incio na Frana um
movimento historiogrfico com objetivo de realizar uma ruptura na histria poltica que se fazia at ento. As
proposta envolviam, entre outros aspectos, a incorporao de mtodos da Cincias Sociais na Histria. 25 Apud REIS, Jos Carlos. Op. Cit.
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37
Velzquez, realizada no seio da sociedade de corte do sculo XVII, especificamente a
espanhola.
Pretende-se analisar como os cinco retratos de Felipe IV feitos por Velzquez
podem nos auxiliar a pensar a idia de tempo para Velzquez e a sociedade do sculo XVII.
Para responder a esta questo, pretende-se fundamentar a(s) resposta(s) dizendo que
analisando as obras de Velzquez pude entender mais sobre a idia de tempo ( e arte,
sociedade, poltica, economia) para o pintor Velzquez e os espanhis do sculo XVII
(especificamente a sociedade de corte), colocando a possibilidade de localizar estas fontes
visuais dentro de uma Cultura Barroca.
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38
1 VELZQUEZ
Diego Rodrguez de Silva y Velzquez foi um grande pintor espanhol nascido na cidade
de Sevilla (Andaluzia) na Espanha no ano de 1599. Ao tratarmos da conjuntura histrica e
artstica que d ttulo a esta pesquisa, faz-se necessrio apresentar de forma panormica
alguns aspectos scio-biogrficos do pintor Velzquez26
relacionando tais informaes com
reflexes sobre elementos que constitutivos das manifestaes artsticas do Barroco espanhol,
cujo estilo artstico convencionou-se a dizer que Velzquez pertence.
Velzquez inicia sua carreira com o estilo chamado de bodegones27, que por muitos
foi considerado rstico e de essncia no muito urea, porm popular no perodo. Estes
bodegones eram telas semelhantes s naturezas mortas, mas que traziam pessoas, geralmente
das camadas populares em seus afazeres dirios. Entre estes, havia alguns quadros de carter
mitolgico, e de temas bblicos mesclados com cenas corriqueiras dos sevilhanos do sculo
XVII.
Velzquez pode ser considerado um pintor diferente dos pintores de sua poca, j que
a maioria deles vivia e falecia sem ter sua obra reconhecida. O fato de ter uma colocao
social privilegiada (em 1617 foi ordenado cavaleiro da ordem de S. Lucas. (Posteriormente,
em 1659, foi nomeado cavaleiro da Ordem de Santiago), e membro da corte em 1623 quando
adentrou ali como pintor oficial. Todos estes episdios fazem de Velzquez um homem
socialmente bem sucedido, alm de artista de destaque.
Norbert Wolf28
em sua obra sobre a vida do pintor descreve a transio que se faz em
determinado perodo decisivo da vida do mesmo como Da cozinha para o palcio para
designar a mudana temtica de Velzquez, que pintava bodegones como La vieja friendo
huevos (imag.1.4), para o Velzquez admitido na corte de Felipe IV em 1624. A partir de
26 Optou-se por utilizar a grafia do nome maneira espanhola, local de origem do pintor, ao invs do
aportuguesado Velsquez, com s. 27 Pintura que representa natureza morta, usualmente inspirados na vida cotidiana e que, no caso de Velzquez
traziam seres humanos em algum dos planos.
28 WOLF, Norbert. Op.cit.
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39
ento, passa a pintar a famlia real, anes e bobos, e no mais os bodegones do incio de sua
carreira como pintor. Ou seja, pinta a cozinha e posteriormente, o palcio.
2.0 Mulher idosa fritando ovos, 1618
leo sobre tela, 101 x 120 cm
National Gallery of Scotland, Edinburgh
A obra do pintor espanhol Diego de Velzquez sempre foi marcada por contrastes,
sejam eles contrastes de luz, contrastes de temas e contrastes entre itens dentro de suas telas.
O fato de utilizar-se do claro-escuro de Caravaggio pode remeter ao Tenebrismo, uma
espcie de sub-corrente barroca, marcada pelo uso de contraste de luz, com reas da tela com
grande inciso de luz e outras reas na mais completa escurido.
Em alguns bodegones Velzquez coloca em uma mesma tela pessoas de idades
distintas, como por exemplo, uma criana, um homem de meia idade e um idoso, por
exemplo, em O aguadeiro de Sevilla (imag. 1.1) e Trs homens mesa (imag. 1.2) Velha
fritando ovos(imagem 1.0) e Jesus em casa de Marta e Maria (imag. 1.3).
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40
1.1 O aguador de Sevilla, aproxim. 1623 leo sobre tela, 106,7 x 81 cm
Wellington Museum, London
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41
1.2 Trs homens mesa, 1618
leo sobre tela, 109 x 102 cm
The Hermitage, St. Petersburg
1.3 Cristo em casa de Marta e Maria, 1620
leo sobre tela, 60 x 103,5 cm
National Gallery, London
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42
Antes de ir para a corte de Felipe IV, pinta cenas da religiosidade catlica tais como A
adorao dos magos (imag. 1.4). Nesta pintura religiosa, a virgem de rosto jovem e angelical
recebe presentes dos magos e com profunda sobriedade que mira o menino Jesus em seu
colo. Me e filho esto impecavelmente cobertos por espessos tecidos, que, no caso da
virgem, deixa apenas o rosto vista.
1.4 A adorao dos magos, 1619
leo sobre tela, 203 x 125 cm Museo del Prado, Madrid
Esta obra marcada pelos fortes contrastes de luz e sombra, uma caracterstica do
Tenebrismo. O efeito de luz conseguido atravs de pigmentos da a sensao de que uma luz
vem de uma das diagonais da tela e incide sobre o rosto do menino Jesus, de Maria e do rosto
do mago que se ajoelha para oferecer o seu presente criana.
Acredita-se que a construo se d desta forma pelo artista a fim de destacar os
personagens e a cena bblica que protagonizam: a entrega do presente de um dos magos do
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43
Oriente ao menino Jesus. No entanto, em condies naturais a viso deste tipo de iluminao
seria quase impossvel, j que incide sobre vrios pontos na tela e de forma artificial.
Veremos mais adiante neste texto, que o metier do pintor espanhol, seus temas e a
forma como lida com os contrastes luminosos de forma a auferir suaves gradaes (diferentes
do Tenebrismo onde o contraste entre partes escuras e claras mais direto) consoante com
algumas caractersticas gerais do Barroco.
1.1 Aprendendo a ser artista no sculo XVII: Os temas de Velzquez como temas
Barrocos
Filho de pai portugus e me espanhola, Velzquez quando jovem estudou latim e
filosofia e h relatos que tenha tido uma pequena experincia com cincias. Velzquez
freqentou o atelier de Francisco Herrera, um pintor espanhol de renome, mas de
personalidade extremamente difcil. O jovem sevilhano somente permaneceu neste ambiente
durante poucos meses para, aps isso, encontrar Francisco Pacheco29
, seu mestre por longa
data e posteriormente, sogro.
Francisco Pacheco tinha muitos contatos na corte espanhola, e quando esta, cuja sede
era em Valladollid foi trasladada para Madrid em 1660 e com a morte do pintor oficial do rei,
Villandrando, houve um concurso para o cargo, onde Velzquez foi aprovado. O pintor
chamou a ateno do mecenas Felipe IV admirador de boa pintura, fundamentalmente por sua
habilidade de retratista. No entanto, um dos principais responsveis pela admisso de
Velzquez foi o Conde Duque de Olivares, uma das figuras cortess que tiveram destaque no
governo de Felipe IV e que foi retratado em algumas telas de Velzquez30
.
O pintor passa a morar no Alczar da rgia famlia e a gozar de soldo por parte da
mesma. Este fato possibilita as suas viagens Itlia e a oportunidade de entrar em contato
com o pintor flamenco Rubens. interessante lembrar que muitas obras de arte foram
perdidas em um incndio do real Alczar em 1734, inclusive pinturas de velzquez foram
destrudas.
29
Pacheco torna-se conhecido posteriormente, principalmente atravs de seu livro El Arte de la pintura (1649), que se mostra um significativo tratado artstico sobre o barroco. 30 Um dos retratos do Conde Duque de Olvares est no Museu de Arte de So Paulo (MASP).
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44
Uma obra belssima, o livro The Soul of Spain31, em um de seus captulos, discorre
sobre a biografia de Velzquez, sua origem ibero-hispnica, seus valores, sua obra, suas
preferncias, suas relaes familiares.
Nesta obra de Henry Havelock Ellis, possvel perceber a importncia estratgica da
localizao de Sevilla na poca de Velzquez. Sendo uma cidade porturia considerada um
dos mais importantes centros comerciais espanhis do incio do sculo XVII, Velzquez pde
entrar em contato com obras vindas de diversas provncias espanholas e estrangeiras.
Um dos elementos tcnicos de sua pintura que podem ter ntima relao com os
contextos de suas vivncias tanto em Sevilha quanto em Madrid a luz que utiliza. A
importncia da luz nas pinturas do Barroco tem sido freqentemente enfatizada pelos
historiadores da arte, um deles, Juan-Ramn Triad considera que Para a arquitetura barroca,
a luz um elemento fundamental. Os fortes contrastes entre as partes entre as partes
vivamente iluminadas e partes quase na escurido. 32 E em outro trecho de sua obra destaca
os contrastes de luz e sombra:
Contraste de luz e sombras: A luz, ou melhor, a representao dos efeitos por ela
criados, o trao distintivo da pintura barroca, o primeiro artista a enveredar
decididamente por este caminho foi Caravaggio, cuja obra influenciou toda a obra de
seu tempo. Nos seus quadros a luz ilumina apenas algumas reas, as mais
significativas. O resto fica na sombra, num contraste to violento quanto
caracterstico. 33
Das caractersticas supracitadas a respeito das tcnicas de Caravaggio na utilizao da
luz possvel fazer uma analogia com a obra de Velzquez. Embora a pintura de Caravaggio
no tenha tido discpulos na Itlia, teve adeso mais ntida na Espanha, e na Europa
setentrional; Flandres e Pases Baixos. Neste sentido, interessante salientar que a obra de
Velzquez pode ter tido em alguns momentos ressonncias do contato com o chiaroescuro de
Caravaggio34
(Adorao dos magos (imagem 1.4)), distinguindo-se deste em alguns fatores
como a suavizao dos tons.
Quevedo tambm coloca em evidncia o uso que Velzquez faz da luz: En nuestro
Siglo de Oro, Velzquez, sobre todo por el uso magistral que hace de la luz, es el que se va a
lo ms alto y sublime del arte de la pintura; es por antonomasia Luz de la pintura.35
Quevedo utiliza a palabra luz no sentido de destacar a pintura de Velzquez no panorama
31 ELLIS, Henry Havelock. The Soul of Spain. Greenwood Press. Reprint of the 1937 ed. Published by Houghton
Mifflin Boston. 32 TRIAD, Juan-Ramn. Saber ver a arte Barroca. So Paulo: Martins Fontes,1991. p.14. 33
TRIAD, Juan-Ramn. Op. Cit. p. 40. 34 O pintor italiano Michelangelo Merisi Caravaggio (1571- 1610). 35 QUEVEDO, Diego Surez. Op. Cit. p.235.
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45
europeu, referindo-se principalmente maneira como o pintor se utiliza dos pigmentos para
representar a luz.
Outro elemento na pintura de Velzquez que deve ser considerado a cor. Antes de ir
para a corte, seus quadros privam pelos matizes terrosos, no entanto, aps 1624, suas cores
vo se modificando. Aqui necessrio destacar o fato de ter conhecido Rubens36
, o grande
colorista, cuja obra abunda de cores quentes e sensuais, o qual influenciou explicitamente uma
de suas obras Marte, Deus da Guerra (imagem 1.5) (1639/1641).
Aps suas viagens Itlia e as viagens de Rubens Espanha pode-se notar que
Velzquez insere mais doura s suas telas e embora o castanho no tenha sido abolido,
diminui consideravelmente. Alm disso, as figuras humanas parecem ter certa semelhana
com a representao de corpos nas telas feitas pelos pintores italianos do sculo XVI, como
por exemplo, A forja de Vulcano (imag.2.0) e Jacob recebendo a tnica de Jos (imag.2.1).
1.5 Marte, Deus da Guerra, 1639/41 leo sobre tela, 179 x 95 cm
Museo del Prado, Madrid
36 Pieter Paul Rubens (1577-1640) pintor flamenco que viveu na Itlia.
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46
2.0 A forja de Vulcano, 1630 leo sobre tela, 223 x 290 cm
Museo del Prado, Madrid
2.1 Jac recebendo a tnica de Jos, 1630 leo sobre tela, 223 x 250 cm Monasterio de San Lorenzo
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interessante destacar a contoro dos corpos caracterstica do barroco e a forma
cuidadosa como tratada a anatomia dos mesmos (imagem 1.2 e 1.3), tcnica tributria de um
intenso estudo dos mestres italianos renascentistas ou no. Os detalhes nas obras de
Velzquez s vezes ganham outra dimenso. Um exemplo caracterstico desse fato a
presena do cozinho (imagem 2.1) ladrando face chegada dos irmos de Jac, como se
estivesse farejando a mentira. A presena do pequeno animal rompe de certa forma, a
seriedade da dramtica cena que se desenrola, ou seja, Jac recebendo a notcia da suposta
morte de Jos.
Velzquez como Rubens, um grande colorista, no entanto, seus tons diferentemente
de seu contemporneo flamenco, primam pelos matizes terrosos e castanhos. Velzquez se
apropriou de cores e temas, no entanto manteve um estilo prprio. Os corpos vigorosos de
Marte e Vulcano (imagem 1.2 e 1.3) contrastam com os rostos, mais parecidos com os dos
trabalhadores das camadas populares de Sevilha do que com as suaves faces dos deuses
retratados pelos italianos no Renascimento.
Alm do contato com os trabalhos de Rubens, El Greco e Caravaggio, Diego de
Velzquez teve como contemporneos grandes destaques da literatura barroca espanhola:
Velzquez fue contemporneo de escritores como Luis de Gngora, Lope de Vega,
Francisco de Quevedo, Rodrigo Caro, Francisco de Rioja, Baltasar Gracin y Caldern de
La Barca 37
Francisco Carlos Monge faz, no texto do qual foi retirado o excerto acima, uma
relao entre a literatura barroca Espanhola e os temas aos quais Velzquez trabalha em suas
telas, tais como a simplicidade das pessoas de camadas populares, a instabilidade e o carter
efmero da vida na Terra.
Desta forma, a reflexo de Carlos Monge contribui para que se pense a idia de tempo
para sociedade barroca como algo que parecia fluir com rapidez, tudo era instvel. Neste
sentido, acredita-se que as pestes, a crise econmica pela qual a Espanha passava, aliada a
ocorrncia dos conflitos por territrio, tenham corroborado para que estes artistas
representassem em suas obras a instabilidade, a efemeridade da vida que a sociedade barroca
sentia em meio a tantas dificuldades que o sculo XVII se viu envolvido.
37 MONGE, Carlos Francisco. Op. Cit. p. 138.
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2 A ARTE NA SOCIEDADE DE CORTE EUROPIA DO SCULO XVII
No perodo medieval h uma relativa descentralizao do poder, ao passo que no
sculo XVII e XVIII a corte real passou a representar no s a morada real e de seus serviais,
bem como a estrutura que abrigava nobres aspirantes a boa reputao e legitimao de ttulos
que s a residncia na corte proporcionava.
A vida pessoal e profissional no se dissociavam como atualmente, j que a prpria
idia de indvduo no existia como tal, ao menos judicialmente. A prpria figura do rei em
seu gabinete engendra em si tanto aidia do pai de famlia quanto a figura do mximo poder
do Estado.
Para um corteso, principalmente na Frana, no era uma possibilidade mudar-se para
outro local e continuar tendo o mesmo padro de vida. A existncia social dos mesmos
estava condicionada dependncia do rei. A busca no era exatamente pelos bens econmicos
somente, j que as prticas, ao contrrio das da burguesia, visavam a auto-afirmao. Atravs
delas o perstgio era demonstrado.
Um dos elementos centrais para a compreenso das relaes sociais no interior da
sociedade de corte a etiqueta. Mais do que uma juno de regras artificiais, a etiqueta
representa uma relevante forma de se estudar as regras que sustentavam hierarquias e rituais e
favor da manuteno e obteno de privilgios. A etiqueta, longe de ser apenas formalidade,
fornecia um sentido para a vida dos cortesos, era a imagem da hierarquia. Qualquer alterao
na hierarquia era, ento, uma modificao significativa na sociedade que a praticava e na vida
dos sujeitos por ela envolvidos.
A prtica da etiqueta consiste, em outras palavras, numa auto-apresentao da
sociedade de corte. Atravs dela, cada indivduo, e antes de todos o rei, tem o seu
prestgio e a sua posio de poder relativa confirmados pelos outros. A opinio
social que forja o prestgio dos indivduos se expressa atravs do comportamento de
cada um em relao ao outro, dentro de um desempenho conjunto que segue
determinadas regras. Ao mesmo tempo, nesse desempenho conjunto,torna-se visvel
imediatamente, portanto, o vnculo existencial entre os homens singulares e a
sociedade de corte. Sem a confirmao de seu prestgio por meio do comportamento,
esse prestgio no nada.38
38 ELIAS, Norbert. Op. Cit. p.117
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Este prestgio, ou melhor, a luta por ele, configurava-se como uma disputa por
prestgio detalhadamente hierarquizado, o que gerava frequentes tenses entre os cortesos. A
primeira instncia a se considerar era a distncia simblica entre a sociedade de corte
organizada pela etiqueta e os seres humanos comuns.
Ora, tudo o que desempenhava um papal na relao entre os homens convertia-se em
chance de prestgio nessa sociedade: o nvel social, o cargo herdado e a antiguidade
da casa. Convertia-se em chances de prestgio o dinheio que algum possua ou
ganhava. O favorecimento do rei, a influncia sobre sua amante ou sobre os
ministros, a participao em uma determinada panelinha, a liderana no exrcito,
o espirit, as boas maneiras, a beleza do rosto etc., tudo isso convertia-se em chance
de prestgio, combinando-se no homem singular e determinando seu lugar na
hierarquia inerente sociedade de corte.
interessante lembrar que a corte desejava mais que poder e dinheiro, desejava
distinguir-se da nobreza das provncias, da nobreza chamada de administrativa e do povo. E
um dos elementos necessrios a esta distino er a manuteno do que chamavam de honra.
A idia de honra segundo Norbert Elias39
era uma forma de de garantir a legitimidade
dos nobres. Perder a honra significava perder seu lugar social como nobre. O sentido da
vida talvez fosse questionado quando isto porventura acontecia.
O autor discorre sobre as diferenas existentes entre as sociedades de corte inglesa,
francesa e alem dizendo que na ltima h uma grande descentralizao de aristocratas com
relao moradia do czar, talvez um pouco maior do que na Inglaterra, e com certeza bem
distante da Frana de Luis XIV, que mantinha ao seu redor cerca de 10.000 moradores que
no necessariamente possuam cargos na corte.
No que se refere idia de honra, nos vrios reinos europeus, resolver uma disputa
por duelo com armas representou durante muito tempo uma maneira justa de se resolver
conflitos entre pessoas das mesmas castas. O duelo geralmente se dava na presena de
testemunhas. Neste sentido importante ressaltar que se um nobre se ressentia com algum de
uma casta inferior sua, no lhe era necessrio tirar satisfao era recomendvel que
ignorasse o fato.
J a reputao, parente prxima da honra, dependia das boas sociedades. Se a opinio
dominante de uma boa sociedade dizia que o conde fulano de tal era um esmerado
cavalheiro, sua posio nesse meio estava garantida, ao menos temporariamente.
39 ELIAS, Norbert. Op. Cit. p. 112.
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50
nesta conjuntura de uma sociedade de corte que os retratos de Felipe IV devem ser
vistos. Velzquez era artista e corteso, portanto sua constituio enquanto sujeito scio-
histrico estava imbuda de valores de uma corte inserida na atmosfera da cultura barroca
espanhola.
2.1 Velzquez e a sociedade de corte
Ao ser admitido na corte de Felipe IV da Espanha (1605-1665) como pintor oficial
atravs de um concurso em 1624, Diego Rodrguez de Silva y Velzquez (1599-1660), a
despeito da grande diversidade de suas produes, se destacou na confeco de um tipo
especfico de obras de arte: os retratos. Sua obra na corte inclui retratos de anes, bobos da
corte, oficiais e a famlia real. O mesmo rei, Felipe IV, foi retratado diversas vezes por
Velzquez desde a juventude at a maturidade.
Antes dos retratos do rei Felipe IV, interessante refletir sobre um retrato em especial.
Um que contm vrios retratos dentro de si. Mais que auto-retrato do artista; retrato de uma
infanta e mesmo do casal real, este um retrato da sociedade de corte espanhola do sculo
XVII. No o retrato fiel de como era realmente o universo mental dessa sociedade, mas
como documento passvel de anlise na reflexo a respeito de elementos scio-polticos e
histricos da mesma.
Sendo uma das telas mais conhecidas de Velzquez e possuindo as espantosas medidas
de 3,18 m x 2,76, a pintura Las meninas (Imagem 2.2) representa os retratados em tamanho
natural, ocupa sozinha uma parede inteira de uma das salas do Museu do Prado e foi
considerado em tamanho fsico o maior quadro do mundo. Norbert Wolf assim coloca a
definio que o contemporneo de Velzquez, Palomino, fez da obra:
Palomino identificou todas as personagens presentes pelo seu nome. De joelhos aos
ps da infanta, D.Maria Sarmiento, dama de honor a menina da rainha, oferece-
lhe gua num pichel. Por detrs da princesa, a dama de honor D. Isabel de Velasco
esboa uma reverncia. direita, em primeiro plano, esto os anes Mari- Brbola e
Nicolasico Pertusato. Este como Palomino nos indica, para se divertir, coloca um p
em cima do co sonolento deitado diante do grupo, para mostrar a sua mansido.
Mais longe, ao fundo, e menos visvel na sombra, distinguimos um guarda-damas
no identificado, um escudeiro que servia de escolta s damas de honor e D.Marcela
de Ulloa, na realidade aia das damas de honor. Velzquez, empunhando a paleta e o
pincel, encontra-se diante de uma grande tela da qual s vemos as costas. Ao fundo
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51
da sala, esto pendurados quadros de grandes dimenses. (...). Debaixo desse
quadro, numa moldura escura, distinguimos provavelmente num espelho - os pais
da princesa, o rei e a rainha. direita, no vo iluminado de uma porta, nos degraus
de entrada da sala, est Jos Nieto, o escudeiro ao servio da rainha.40
A obra Las Meninas, sobre a qual Palomino faz esta descrio, vem sendo
intensamente estudada pelos historiadores da Arte, instigados pelas questes estticas que a
imagem suscita. J no mbito da historiografia, a pintura se fez notria, sobretudo quando
Michel Foucault refletiu sobre as representaes da mesma, dedicando-lhe um captulo de seu
livro As palavras e as Coisas.
2.2 - Las Meninas, 1656
leo sobre tela, 3,18 x 2,76
Museu do Prado, Madri
Para Foucault, a linguagem escrita possui critrios distintos da linguagem plstica. Em
outras palavras, por mais elaborada que seja uma descrio longa e detalhista a respeito de um
quadro, esta no capaz de subtrair da obra de arte a sua essncia. Ou seja, nomear elementos
ou tentar rastear a tcnica de um artista como Velzquez no faz com que se obtenha a
verdade sobre ele ou suas obras.
40 WOLF, Norbert. Op. Cit. p.81.
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(...) por mais que se diga o que se v, o que se v no se aloja jamais no que se diz, e
por mais que se faa ver o que est se dizendo por imagens, metforas, comparaes,
o lugar onde estas resplandecem no aquele que os olhos descortinam, mas aquele
que as sucesses da sintaxe definem. Ora, o nome prprio, nesse jogo, no passa de
um artifcio: permite mostrar com o dedo, quer dizer, fazer passar sub- repticamente
do espao onde se fala para o espao onde se olha, isto , ajust-los comodamente
um sobre o outro como se fossem adequados.41
Neste sentido, interessante lembrar que no se tem o pretensioso, ou ilusrio,
objetivo de penetrar na mente velazquenha, no cerne de seu processo criativo a fim de sondar
a verdade de suas obras. Sabe-se que h intencionalidades, mas elas se encontram sob uma
espessa nuvem de complexidades. Ao historiador cabe selecionar fontes, optar por caminhos
metodolgicos, a fim de que estas rajadas de ar lhe permitam visualizar aspectos da
conjuntura histrica do sculo XVII a que as nuvens do tempo e da concepo diferenciada de
mundo se lhe interpe.
Em um perodo em que a atividade de pintar era um ofcio, um trabalho manual,
Velzquez pinta um artista em plena atividade (Imagem 1.1), ou seja, para glorificar a sua
atividade, a sua arte e ele prprio como criador autnomo42
. Sendo esta, uma das possveis
intencionalidades de Velzquez ao fazer uma pintura na qual representado em pleno ato de
pintar. Segundo Foucault Talvez haja, neste quadro de Velsquez, como que a
representao da representao clssica e a definio do espao que ela abre (...) a
representao pode se dar como pura representao.43
Esta idia da representao da representao pode estar ligada a diversos fatores.
Alguns destes fatores: o pintor que se representa no momento em que pinta, ou, seja, ou
artista passa a ser personagem e autor; o olhar do pintor na tela, que parece mirar o expectador
ao mesmo tempo em que o expectador o faz; o espelho como prprio smbolo da
representao. O jogo de olhares que envolvem toda a cena imbuda de complexidade que se
desenrola aos olhos do expectador.
Assim como a figura dos espelhos44
, a idia de representao nas suas mltiplas faces
est muito presente na obras de Velzquez. E a representao uma constante do Barroco
41 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das cincias humanas. 8 edio. So Paulo:
Martins Fontes, 1999. p.12. 42
WOLF, Norbert. Op. Cit. p.87. 43 FOUCAULT, Michel. Op. Cit. p.21. 44 A Venus no espelho 1644-48, National Gallery Londres.
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bem como da sociedade de corte em si. Em Las Meninas, a manifestao da teatralidade da
sociedade de corte e a etiqueta, so representaes do poder.
Olhando rapidamente (Imagem 1.1) pode ser que se tenha a sensao de que h uma
leve movimentao no atelier, ou talvez a vaga impresso de que a princesinha acabou de
chegar. Esta sensao de naturalidade em um quadro peculiar arte barroca. A este respeito
Havelock Ellis escreve:
Velzquez expended tremendous energy in acquiring the art of putting a minimum
energy into his work. () Every picture that he painted may be said to be an
experiment, and in every case the problem was to attain a more complete
representation of the visible world with an economy of pigment and more subtle
appeal to the eye.45
Estas caractersticas da pintura de Velzquez citadas por Ellis tambm so discutidas
por Diego Surez Quevedo. Segundo o autor:
nicamente podan plasmar los pinceles de Diego Velzquez (1599 1660) en un
todo donde exquisitez, refinamiento y majestad se dan la mano, con autentico primor
en lo sentido que lo usara el cronista aragons Ustarroz cuyo fundamento
cifraban en pocas pinceladas obrar mucho, no porque las pocas no cuesten, sino que
se ejecuten con libertad, que el estudio parezca acaso y no afectacin ().46
Este esforo por tornar a composio o mais natural possvel pode deixar implcita
uma rgida mtrica existente na realizao da mesma (imagem 1.2). Esta apenas uma das
muitas formas possveis de organizar a cena norteando-a com linhas geomtricas:
2.3 Esquema de linhas geomtricas sobre Las Meninas47
45 ELLIS, Henry Havelock. Op. Cit. p.155. Velzquez empreendeu uma energia tremenda em adquirir a arte de colocar o mnimo de energia em seu trabalho. () Todas as imagens podem ser consideradas como experimentos, e em todos os casos o problema era atingir a mais complete representao do mundo visvel com
uma economia de pigmento e mais atrao sutil para o olho. (Traduo nossa) 46 QUEVEDO, Diego Surez. Op. Cit. p. 235. 47 Esquema livre feito por mim para efeitos demonstrativos.
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Este talento de Velzquez com o lado matemtico da arte pode ser creditado a sua
biblioteca. Segundo Jos Villalobos Dominguz:
Por ltimo, otra fuente de mucha utilidad para nuestra investigacin () es lo que
deja translucir el inventario de libros de su biblioteca, que estudi Sanchz Cantn.
La biblioteca particular de Velzquez estaba compuesta por 154 libros; lo que en su
poca supona una copiosa biblioteca. Y nos explicita no slo los gustos que
configuran la formacin cultural de Velazquez, sino tambin los instrumentos
conceptuales de los que se sirvi para los temas y composicin de sus lienzos. No se
ha podido despejar la duda sobre si los hered de su suegro Pacheco - cuya
biblioteca se conoce que era muy extensa o si bien los adquiri personalmente.
Tampoco se puede constatar si los lei o no y as rastrear las huellas que dejaron en
su formacin. As se han intentado diversas clasificaciones de los libros y en alguna
de ellas se echa en falta que no hubiera en ella libros de humanidades, destacndose
la presencia de obras cientficas: sobre matemticas, mecnica, anatoma,
perspectiva y ptica.48
No entanto, segundo este mesmo autor, no se deve esquecer que diferentemente da
atualidade, a formao dos estudiosos, artistas entre outros era mais abrangente. Leonardo da
Vinci era matemtico, fsico, inventor, entre outras atribuies. Sendo assim Velzquez faz
parte deste rol de artistas posteriores ao Renascimento que herdaram esta formao ecltica. A
realizao da pintura Las meninas tambm deve ser inserida em seu contexto, j que integra
tambm o conjunto de circunstncias pelas quais a corte de Felipe IV passava em 1656.
Alguns acontecimentos em especfico margeiam a data de trmino do quadro. Com a
morte do irmo enfermio, repousavam sobre Margarida as esperanas de sucesso ao trono
espanhol, j que Maria Teresa deveria se casar com Luis XIV e teria de renunciar aos direitos
sucessrios. A pequena infanta, ento com cinco anos, era filha de Felipe IV com sua segunda
esposa Maria Ana.
A criana49
est vestida como verdadeira cortes. Recebe mesuras, servios e olhares
de suas serviais ao mesmo tempo em que contemplada parece contemplar o expectador e os
seus ilustres pais. Estes esto ali retratados, mas no como um tpico retrato de monarcas, j
que o reflexo no espelho quase que passa despercebido a um expectador desatento. Para uma
sociedade onde a ostentao e grandeza eram parte significativa da vivncia, algum poderia
imaginar que sendo representado em dimenses to reduzidas, o casal real poderia ter se
sentido insultado. No entanto, Norbert Wolf diz que:
48
DOMNGUEZ, Jos V. La creacin poitica de Velzquez. Cuadernos sobre Vico 11-12 (1999-2000) Sevilla
(Espaa). 49 As crianas eram vistas como adultos em miniatura.
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Palomino relata que o monarca apreciou particularmente As meninas quando o
quadro ficou terminado, o que prova bem no ter ficado irritado com a
representao, alis, provavelmente aceite por ele cm antecedncia. , portanto
perfeitamente impensvel que Velzquez no tivesse mostrado sobre o quadro o
respeito necessrio s regras de etiqueta. Apesar disso, as opinies dividem-se muito
quanto maneira como ele as representa e como talvez at ataque as suas bases. Em
todo caso, o olhar que deita ao espectador no o de um corteso servil, e revela o
seu orgulho e a sua segurana incorruptvel, trespassa com o olhar todo aquele que
o enfrente, seja quem for.50
Ofender os privilgios de quem acreditava nascer merecendo-os, era um grande
insulto, como sugere Wolf. No entanto, havia uma classe de cortesos que possua uma
espcie de salvo conduto. A posio particular na corte, de maior liberdade ao falar, era
legada aos inferiores anes e bobos da corte, pois eles eram tidos como seres a quem no se
devia levar srio, tamanha a sua inferioridade.
Ao olhar com ateno na tela As meninas, direita da pintura esto os anes, estes
eram tidos como brinquedos humanos e eram encontrados freqentemente nas cortes
espanholas:
During in the 17th century, life in Spanish court was stressful because the rules were
so complicated and tedious. The court members constantly had to be on guard so as
not to offend the royalty. One of the ways the Spanish nobility coped with this stress
was through dwarves, who did not have to follow the same rules as the rest of the
court.51
Laura Veatch, baseada nos argumentos de Jonathan Brown, coloca que a presena dos
anes pode significar uma tentativa exaltar a beleza dos monarcas e da famlia real, ou seja,
realar por contraste a aparncia dos membros da famlia real custa da peculiar anatomia
dedo corpo dos anes.
No entanto, Velzquez parece ter uma viso peculiar sobre estes pequenos serviais,
como pode ser constatado pelo nmero considervel de pinturas que realiza de anes e bobos,
nos quais mostra o quo humanos e capazes eles o so.
50 WOLF, Norbert. Op. Cit. p.87. 51 VEATCH, Laura. Op. Cit. p.1. Durante o sculo XVII, a vida na corte espanhola era estressante, pois as regras eram muito complicadas e tediosas. Os membros da corte tinham que estar constantemente em guarda
para no ofender a realeza. Um dos caminhos de a nobreza espanhola lidar com este stress foi atravs dos anes,
que no precisavam seguir as mesmas regras do resto da corte.
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Apesar das suas enfermidades, os anes e os bobos de Velzquez so os
observadores ntegros do poder temporal. O carter insistente, fascinante, que o
artista soube dar em particular ao seu olhar, aos seus olhos, revela que esses
habitantes de um mundo intermedirio sabem pr a descoberto melhor que
qualquer corteso normal cada frase convencional de uma sociedade imbuda do
que julga ser a sua superioridade.52
Representados algumas vezes entre livros, figura ligada sabedoria, Velzquez parece
preocupado em representar o carter dos anes, sua inteligncia e sua capacidade. Quase
sempre sentados, nos retratos do artista espanhol os corpo dos anes no ganham tanto
destaque, seu esprito valorizado.
Velazquez, however, did not see the dwarves as meaningless distractions as much of
the Court did. () As Moret writes instead of [making]us feel uncomfortable
or disgusted, the sight of these portraits arouses in us only a feeling of
admirations. () they seem strong, kind, and capable. In his portraits, Velazquez
shows that Dwarves are more than moving accessories; they are people with
intelligence and personality. In order to portray intelligence, Velazquez does not try
to hide their small bodies, but rather he often emphasizes them by painting his
subjects seated. Enriqueta Harris writes, the seated figures reveal more clearly
than any standing pose their dwarfish stature and stunted limbs, and bring closer
their remarkable heads, with varied expressions: serious, jovial, imbecile. While
initially one might think that the emphasis on their bodies would distract the viewer,
it in fact leads to greater understanding. () but the emphasis is on the dwarves
faces showing the connection the viewer can have with them.53
Velzquez conhecido pelo realismo, parece no querer esconder os defeitos de seus
retratados. Por outro lado, h um equilbrio em Velzquez que o impede de caricaturar as
pessoas. E a dignidade com a qual Velzquez retrata a casa dos ustrias, no se restringe aos
retratos da realeza. H um qu de respeito ao retratado que perpassa os rostos dos modelos
52 WOLF, Norbert. Op. Cit. p.59. 53 VEATCH, Laura. Op. Cit. p.1. (Traduo nossa) Velzquez, no entanto, no via os anes como distraes sem sentido tanto quanto a corte via. Como Moret escreve ... aos invs de nos fazer nos sentir desconfortveis ou desgostosos, a viso destes retratos causa em ns somente o sentimento de admirao.() eles parecem fortes, amveis e capazes. Em seus retratos Velzquez mostra que os anes so mais que acessrios mveis; eles
so pessoas com inteligncia e personalidade. Para retratar a inteligncia, Velzquez no tenta esconder os seus
corpos pequenos, mas ele freqentemente os enfatiza, retratando seus motivos sentados. Enriqueta Harris escreve
...as figuras sentadas revelam mais claramente do que algumas poses em p sua estatura de anes e seus membros atrofiados e destacam as suas notveis cabeas, como suas variadas expresses:sria, jovial, imbecil.
Embora inicialmente se poderia pensar que a nfase em seus corpos distrairia o espectador, isto de fato leva a
uma maior compreenso. (...) mas a nfase no rosto dos anes mostra a conexo que o espectador pode ter com eles.
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de Velzquez, do mais humilde ao mais nobre, da princesa ao ano e ao bobo. Isto faz com
que os conceitos de feio e o belo sejam relativizados em suas obras.
Um psiclogo ingls chamado Havelock Ellis escreve nos anos de 1908 sobre
Velzquez e escreve to bem a ponto traar um louvvel panorama social de Velzquez e suas
tcnicas. Tem limitaes, tais como a idia de que o vigor das pinceladas de Velzquez so
devidos a sua raa espanhola e especialmente, sevilhana. Certamente que na atualidade tal
idia implica em muitos contrapontos e crticas, mas se considerarmos o momento em que a
obra foi publicada e que no um especialista em arte que escreve, saberemos que o
documento pode contribuir para refletirmos sobre a obra de Velzquez, problematizando os
esteretipos que enseja.
O texto escrito por Ellis ajuda a refletir sobre o trabalho do pintor sevilhano,
fundamentalmente por abordar determinadas questes. Algumas delas chamam
particularmente a ateno no texto de Ellis e sero citadas a seguir. Por exemplo, no captulo
em que dedica a Velzquez, Ellis traa uma trajetria que perpassa desde a influncia da
cosmopolita cidade de Sevillha na tcnica de Velzquez, passando pela possvel relao entre
a obra de Velzquez e El Greco, as cores, as linhas, os temas e o relacionamento do artista na
corte. No entanto, mais que isso, Ellis a despeito da originalidade da obra de Velzquez,
analisa a influncia do ambiente do antigo Alcazar na forma como o pintor utiliza a luz em
seus retratos no interior de ambientes:
Before He went to Madrid, the problem of painting a room full of space had never
occupied him more and more, and the most triumphant achievements of his so called
third period mark the final conquest of his genius over the problems so persistently
presented to him by the vast and somber palace in which most part of his life was
spent. Indeed, the greater part of Velazquezs work may be said to show this
influence. The bare and lofty rooms, filled with luminous gloom, in which the
human figures seem to play so small a part and leading not () must be traced to
the old Moorish Alcazar. The long straight vertical lines, which so often prevail in
his pictures of interiors, are those which are inevitable conditioned by the vision of
lofty apartments seen in the gloom.54
54 ELLIS, Henry Havellock. Op. Cit. pp. 149-150. (traduo nossa). Antes de ter ido a Madrid, ele jamais se ocupou do problema da pintura em uma sala cheia de espao, e as conquistas mais triunfantes do seu chamado
terceiro perodo marcam a conquista final de sua genialidade sobre os problemas to persistentemente
apresentados a ele pelo vasto e sombrio palcio em que passou a maior parte de sua vida. De fato, a maior parte
do trabalho de Velzquez pode ser citada como mostra desta influncia. Os quartos vazios e altivos cheios de
escurido luminosa, onde as figuras humanas parecem desempenhar uma parte to pequena. (...) parecem ser
rastreadas para o velho Alcazar mouro. As longas linhas retas e verticais, que tantas vezes prevalecem em seus
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2.4 - Felipe IV 1624-27
leo sobre tela, 210x 102 cm
Museu do Prado, Madri
quadros de interiores, so aqueles que so inevitavelmente condicionados pela viso dos nobres apartamentos
vistos na escurido.
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As caractersticas da luz tmida e da atmosfera opaca que inunda o cenrio ao fundo de
seus modelos pode ser vista no retrato do jovem Felipe IV (Imagem 1.3). Nessa pintura,
talvez uma das primeiras feitas pelo tambm jovem Velazquez, o rei est em p e olha o
expectador. A mo esquerda se apoia sobre um mvel de madeira, sobre o qual repousa o
chapu. A mo esquerda segura um papel com aparncia de documento de Estado, e que
contm o nome de Velzquez. O talhe do monarca inspira sobriedade devido a monocromia
do preto compondo seus trajes. Usa meia longa, calo, cinto e manto dessa cor, da qual s
destoa o gibo55
, cuja gola branca lhe sobressai na regio do pescoo.
Morada de vrios monarcas da casa dos ustrias e local onde Velzquez trabalhou
durante anos, o real Alcazar (Imagem 1.4) era uma construo de caractersticas
arquitetnicas rabes e que foi destrudo por um grande incndio em 1734. O antigo real
Alcazar pode ser visto nesta representao pictrica do sculo XVII, possua entre outros
aposentos o ptio del Rey y de La Reina. Como se pode notar na seguinte pintura, a
construo era caracterizada por uma planta retangular e torres de formas tubulares.
2.5 - Antigo Real Alczar Espanhol
Pintura do sculo XVII, autoria desconhecida
55 O gibo era uma pea de vesturio semelhante s atuais camisas e que eventualmente eram amarradas na
cintura e possuam golas de vrios tamanhos. Os cales, tambm muito utilizados, principalmente a partir do
sculo XVI, eram feitos dos mais variados tecidos e tamanhos e modelos. Os mantos, por sua vez, eram
utilizados em todas as classes sociais.
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Um dos motivos pelos quais o texto de Ellis mostra ser uma fonte em potencial no
estudo da arte de Velzquez o fato de que seu texto elucidativo, bem como sua anlise.
Outro aspecto a ser destacado, a forma como conduz a sua argumentao. Talvez por motivo
de sua formao em Psicologia, traz tona o lado humano do artista Velzquez: no s as
potencialidades, mas as limitaes tcnicas e dificuldades enfrentadas em seu ofcio. Ellis cita
algumas das dificuldades enfrentadas pelo artista: His Royal model helped Velazquez further
by the speed with which it was necessary to paint a monarch was absorbed in affairs.56
De fato, realizar retratos da realeza, onde o modelo no tem a disponibilidade
necessria para que o artista observe seu retratado com o tempo de que necessite, de certa
forma um condicionamento. Esta situao exige mais rapidez do artista, simultaneamente
sua criatividade e exmia observao das caractersticas de seu modelo, demanda maior
agilidade dos movimentos e pinceladas e administrao da quantidade e propriedade dos
pigmentos.
2.2 Arte e Guerra: os retratos de Felipe IV como imagens do poder
Em fins do que se convencionou a chamar de Idade Mdia e incio da Idade Moderna,
formaram-se monarquias centralizadas na Europa e que desejavam cada uma a seu modo
ampliar seus domnios. Um exemplo representativo destes fenmenos foi a Guerra dos Trinta
Anos (1618 - 1648) foi causada entre outros fatores, pelos conflitos gerados pelas discrdias
entre reis protestantes e catlicos.
A Guerra dos Trinta Anos chama a ateno pelo fato de ter sido iniciada por questes
de dissidncia religiosa e ao fim ter soldados franceses, por exemplo, lutando contra
territrios que professavam a mesma f. A Guerra dos Trinta Anos envolveu praticamente
toda a Europa e s cessou com a assinatura do Tratado de Westflia (1648).
Os reis Habsburgos advm de uma famosa famlia hngara que reinou desde a Idade