Pulp feek #16

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Semana Steampunk e Fantasia Urbana, com as séries: A Imperatriz de Ferro, por Rafero Oliveira e Sob(re) Controle, por Thiago Geth Sgobero.

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Mais um mês se encerra na Pulp Feek, e continuamos a nossa pro-dução. Atrasamos algumas semanas, mas não falhamos uma única edi-ção até agora. E isso é um motivo de grande orgulho para todos nós, en-volvidos a produção da revista.

Também temos orgulho de anunciar que nossa equipe de redação está praticamente completa. Se você se interessa pela revista e quer fazer parte da nossa equipe, as vagas estão se encerrando. Além disso, arru-mamos mais uma revisora, que dessa vez irá nos auxiliar a encontrar e eliminar os erros das edições antigas. Sim, aqui na PF nós não nos conten-tamos com os erros antigos: nós os corrigimos.

Como é de praxe na nossa quarta semana, temos as obras do Rafe-ro e do Thiago. A qualidade vocês conhecem. O one-shot semanal foi feito pelo Lucas Rueles, outro dos nossos editores chefe, que além de tudo fez a sua coluna Fonte de Inspiração. A minha Como Escrever Sobre também está presente.

Apenas lembrando: Em Novembro ocorrerá a National Novel Wri-ting Month, e nossa revista apóia informalmente o projeto. Se você se in-teressa em escrever, eis aí uma chance de lidar com prazos.

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A imperAtriz de ferro iV... No mundo de ferro e Vapor, mais uma vez Andrei se encontra em perigo, conseguira ele escapar do Barão? Que rumos sua história tomará daqui em diante? - rafero oliveira ------------------ pág 3

SoB(re) coNtrole - QUem deiXoU oS cAcHorroS SAirem viva, tra-balhe, perca calma e passe limites que não deveriam ser passados com mais um capítulo da série Thiago Sgobero ----------------------------------------------- pág 17

Séries

lígia... em uma cidade cínica, copos e bitucas alimentam sentimentos negros e profundos. o que é preciso para fazer aparecer a luz em uma mente tomada por trevas? - lucas rueles --------------------------------------------------------- pág 29

one-Shot

foNte de iNSpirAção... Aprenda mais sobre as traiçoeiras adagas com o nosso editor lucas rueles. Quais os mistérios acerca das armas dos ladinos e mercenários medievais? ---------------------------------------------- pág 37

extra

Na próxima semana:

Os Martires dão seu primeiro passo rumo ao deus cadente em mais um capitulo d’A Queda de Aqueron

E na série Rixa, dilemas confrontam Marcus enquanto ele da seu melhor pela Ordem.Aproveite também para ler a coluna de nossos editores-chefe e muito mais.

como eScreVer SoBre... Na coluna de hoje do nosso editor rafael marx, aprenda sobre a capacidade dimensional de um personagem, e o quanto isso se faz necessário em um texto?-------------------------------------------------------- pág 43

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“Um estuprador não tem crédito no banco!”o Barão estava furioso.

— Nem no banco ou em lugar algum! — continuou. — e toda a riqueza que me restava está pegando fogo nesse minuto!

Andrei só conseguia encará-lo, assustado.— Seus amiguinhos nunca teriam coragem de invadir minha casa!

— ele começou a avançar para Andrei erguendo a faca — A culpa da minha desgraça é só sua, moleque! Sua!

ele estocou contra o garoto, que ainda estava paralisado de medo e surpresa, além do pensamento lá no fundo que, sim, era sua culpa.

Uma cabeleira loira cobriu sua visão.Quando Andrei conseguiu entender o que aconteceu, dörthe tinha

imobilizado o Barão, esmagando seu rosto na parede do beco e torcen-do o braço do homem para trás. A faca estava caída do outro lado do beco, perto da porta do bar.

— então, Barão. — dörthe disse baixinho, próximo do ouvido do homem. — como você vai fazer sem aquele monte de guardas pra me segurar?

— Sua… Vaquinha… tira as mãos de mim!— pega a faca pra mim, Andrei. chega desse gordo.— o quê?! — o Barão disse — N-não! espera!— dörthe, não acho que…— Anda logo, Andrei! esse porco mais que merec…— chega. — egon havia chegado no beco e apanhado a faca. ob-

servava a cena enquanto mantinha aberta a porta do bar. — Solta ele. Já

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vamos ser procurados por vandalismo, não precisamos de um assassi-nato pra aumentar a avidez dos policiais.

— mas quando vamos ter outra chance como essa?!— Nunca. e não vamos precisar. o Barão tá fora da equação. Nin-

guém vai querer trabalhar com ele. Solte-o.Andrei achou que podia ouvir o debate interno da garota, igual-

mente dividida entre o ódio e a lealdade. A última pareceu vencer, pois ela empurrou o Barão na direção da saída do beco. ele tropeçou nos próprios pés e quase caiu, mas conseguiu recuperar o equilíbrio. olhou por cima do ombro, com o rosto lívido de fúria.

— Vocês todos vão pagar… e você, seu moleque, seu mendigo… Você vai pagar por tudo! — ele disse cuspindo.

— Vai embora daqui, ex-Barão. — disse egon.Andrei viu que o homem quase rosnou ao se virar e sair para a rua.Após um ligeiro silêncio, com os três encarando a saída do beco,

egon estendeu a faca para Andrei, com o cabo virado para o garoto.— Aqui. fica com ela. foi você quem derrubou o Barão afinal de

contas.— Não! — Andrei disse, recuando um passo. — Hã, não. obrigado.— tem certeza? Você pode precisar. Você deveria repensar o convi-

te também…— Ah, claro. Vou pensar. Amanhã eu passo aqui pra te dar a respos-

ta.egon abandonou a expressão amistosa, o que fez Andrei pensar que

ele tinha percebido a mentira. deu um aceno de cabeça para o garoto, antes de voltar para o bar, fechando a porta. Quando o garoto se virou

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para sair dali, se sobressaltou com dörthe ali parada, o encarando.mesmo com a luz fraca dos lampiões lá da rua e tantos curativos,

Andrei a achava linda. e isso o estava impedindo de decifrar a expres-são em seu rosto. ficaram se encarando a uns quatro passos de distân-cia, até que ele não aguentou mais aquele silêncio.

— Hã… dörthe?— me diz, você ia conseguir se defender, ou posso nos considerar

quites?— do que você está falando? Você não me deve nada.— Ótimo. então se eu não te devia nada antes, agora é você que está

em dívida comigo.Andrei percebeu pra onde aquela conversa estava indo.— olha, me desculpa, mas…— então você vai aceitar esse sanduíche.— … Quê?ela foi até a porta do bar e pegou um saco de papel pardo do chão.— eu estava vindo trazer isso pra você, quando o porco apareceu. —

e estendeu o pacote para Andrei, que o pegou, ainda confuso. — É só pão e carne, mas serve pra matar a fome.

— claro que serve! eu… obrigado, dörthe.— de nada. Até amanhã, então. — e Andrei a viu entrar de volta no

bar, sem coragem de dizer que não voltaria.cheio de culpa, ele caminhou cabisbaixo para a rua. de repente

sentiu-se estranho, parecia que seu coração estava acelerando de novo, que seu rosto estava meio rígido. demorou alguns segundos para repa-rar que estava animado. ia finalmente matar a fome!

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“ei, mãe”, pensou. “fiz uma boa ação hoje e ganhei comida por cau-sa disso. Será que os próximos dias podem ser assim também?”

Andando a esmo, Andrei não sabia o que procurava nas ruas. pou-cas pessoas ainda circulavam, em sua maioria malvestidas. os mora-dores dos becos pareciam ter recebido autorização para sair de seus “lares”. Uma única quitanda de frutas ainda estava fechando, seu velho dono recolhendo caixas de mercadoria não vendida.

Andrei avistou um garoto, não mais que dez anos, perto da quitan-da. ele se aproximava mais quando o quitandeiro virava as costas e dis-farçava mexendo nos sapatos quando o velho vinha para fora. Andrei sabia o que se passava, ele mesmo tendo estado em situação parecida tantas vezes antes. Se aproximou por trás da criança.

— ei, garoto. — disse em voz baixa. — Não faz isso.o garoto se assustou, mas ficou nervoso quando viu que Andrei não

era um guarda.— cala a boca! me deixa! — o garoto disse, se virando para correr.— Não! espera! eu tenho comida! — Andrei disse, fazendo-o parar

e olhar de volta.— comida? É muita?— o suficiente pra nós dois dividirmos.— Não serve. — o garoto cruzou os braços. — minha irmã tá me

esperando.— então leva tudo. — Andrei suspirou, estendendo o pacote. —

Só… Não rouba mais, tá?o garoto se aproximou desconfiado, mas pegou o saco de papel das

mãos de Andrei e abriu um sorriso quando viu o conteúdo.

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— Uau! obrigado, moço!Andrei sentiu a tristeza de seu estômago enquanto o garoto se afas-

tava correndo. olhou ao redor antes de retomar sua caminhada, e viu o quitandeiro continuar a guardar as caixas, sem tê-los notado.

As ruas estavam ficando completamente vazias, até mesmo os mo-radores de rua já voltavam para seus becos. Andrei parou em uma es-quina, muito parecida com a rua onde viu dörthe sendo levada. e ali, sentindo a fria brisa da noite, se sentiu mais sozinho do que nunca.

Não que ele tivesse companhia antes, mas dessa vez estava sendo demais. passou anos conhecendo as pessoas e ruas de sua cidade e ago-ra nada disso importava. Não sabia onde estava, nem porque estava ali. tentou imaginar como seria se ainda tivesse sua família. melhor ainda, como seria se nenhuma família jamais fosse separada. Se ganhasse um desejo, pediria pra que nenhum garoto precisasse estar na rua procu-rando comida.

Se pelo menos houvesse alguma coisa que Andrei pudesse fazer…

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ele estava fazendo anotações em seu pequeno caderno. desde que fugiu de casa pra se juntar ao grupo, apaixonada pelos ideais daquele homem, dörthe nunca vira egon ir a lugar algum sem ele.

ela olhou ao redor, para o bar já fechado. o Nórdico tinha ido dor-mir em seu quarto no andar de cima. todas as cadeiras estavam viradas em cima das mesas, exceto na que eles usavam. A única iluminação do salão estava também com eles, um fraco lampião na beirada da mesa.

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— Bom. — egon disse, tirando-a de sua contemplação. — Amanhã nós tomaremos o trem. o Nórdico conseguiu um acordo com o fiscal e nós iremos na carga dele.

— Na carga dele?!— Haha, não dentro de barris ou coisa assim. me expressei mal. ire-

mos no vagão que ele alugou.— Ah. entendi.— parece que esse fiscal detestava fazer vista grossa pros contraban-

dos do Barão e, em suas próprias palavras, ele “ficaria muito feliz em ajudar os responsáveis pela derrocada daquele gordo”.

— Heh. Que bom.dörthe ficou observando-o fazer ainda mais anotações, novamente

pensativa. respirou fundo.— egon?— Hm?— e o Andrei?— o que tem ele?— Vamos esperá-lo?— Não.— mas como ele vai ficar?— Não sei. — egon coçou o nariz com a caneta, ainda concentrado

em suas anotações. — Acho que ele sabe se virar sozinho.— Não é isso. Não vamos esperá-lo?— Não. ele disse que viria amanhã só pra eu parar de insistir.— tem certeza, egon? eu não acho que ele sabe mentir.— tenho sim.

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— mas…— dörthe. ele disse que não queria. Não posso forçá-lo.— eu sei que não. mas ele tá sozinho lá fora. e se o Barão resolver

atacar ele de novo?egon parou de escrever para dar a ela um olhar indagador.— ele sabe se virar, já disse.— e se ele for preso de novo?— foi ele quem quis ir embora.— mas ele foi me buscar, egon.— É, mas eu perguntei pra ele e o quê ele disse?— ele foi me buscar, eg…o Homem deu um soco na mesa, assustando dörthe. — eu sei dörthe! eu sei! Se eu pudesse, eu recrutava todo mun-

do pro grupo! todo mundo! Aí não teríamos mais nenhum problema, tudo ia estar resolvido! mas não posso! As pessoas têm que querer fazer parte disso, senão nunca vamos chegar a lugar nenhum. Você mesmo, veio pro grupo porque quis! Se quiser ir atrás dele, pode ir também! eu sei pra onde eu vou amanhã.

dörthe o encarou magoada, quase às lágrimas. para ela, egon sem-pre foi a encarnação da determinação. era quase fanático, mas ela nun-ca o tinha visto perder o controle assim.

— Você tá falando sério, egon? depois de tudo…— A escolha é sua e sempre vai ser. — ele disse, voltando às suas

anotações. — A cada pessoa, as rédeas de sua própria vida.ela não sabia se teria levantado naquele momento e ido embora.

Não sabia e nunca saberia, pois antes que ela pudesse tomar qualquer

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decisão, eles ouviram uma batida na porta dos fundos do bar.— Hã… Vocês estão aí? — Alguém perguntou lá fora.dörthe correu até a porta e a abriu. lá estava Andrei, com a eterna

expressão confusa no rosto, por trás dos óculos de maquinista.— Hã… o convite ainda está de pé?ela olhou por cima dos ombros e viu o sorriso satisfeito no rosto de

egon.— Seremos três, então. — ele disse. — Bem-vindo, Andrei.— entra logo. — dörthe disse. — Não acho bom ficarmos parados

de porta aberta a essa hora. Vem, senta com a gente.— estávamos agora mesmo planejando os próximos passos do gru-

po. — egon disse, enquanto dörthe fechava a porta e Andrei se aproxi-mava. — Amanhã iremos até a cidade vizinha porque eu ouvi reclama-ções sobre armas de fogo nas ruas e… Andrei, você está bem?

— eu… fome… Hã…e dörthe, a meio caminho para a mesa e aliviada dele ter voltado,

viu o garoto cair de cara no chão. ela ficou surpresa demais para fazer qualquer coisa.

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ela odiava aquilo.catherine olhava a cidade do alto. A janela da sala de reuniões ocu-

pava toda a parede virada para o sul, se abrindo para todas as casas, prédios e fábricas de Berlim. Um trem chegava à estação, soprando fu-maça e parecendo um brinquedo àquela distância. Um zepelim estava

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terminando de aportar no castelo, provavelmente trazendo emissários e nobres de outros estados. dali, vendo a luz da aurora batendo sobre sua cidade, tudo parecia em paz.

mas ela já havia aprendido que nada nunca estava em paz. era sem-pre ela quem deveria resolver todos os problemas nas vidas de seus sú-ditos. o problema é que poucas vezes ela podia resolver alguma coisa na sala do trono. Quase sempre repassaria o problema para outros setores e outros responsáveis, como a um tabelião para solucionar questões so-bre uma propriedade duvidosa ou ao capitão da guarda, para remover grevistas das fábricas.

As coisas que ela realmente queria encarar e resolver não seriam de-batidas ali no salão, na frente de tanta gente. Seriam em becos, quartos de hotéis e porões ocultos.

Não como catherine, amada pelo povo e viúva do rei. mas como a imperatriz de ferro.

Uma batida à porta a trouxe de volta. Seu ex-cunhado peter entra-va na sala, ainda acima do peso e ainda feio. “mas não se preocupe! o capitão da Guarda não precisa correr nem conquistar ninguém!”, o rei havia dito quando o nomeou. catherine tinha certeza que peter não sentia falta de seu falecido irmão.

— minha regente. — ele disse, começando a se ajoelhar.— peter, por favor. — catherine disse, segurando-o pelo cotovelo.

— Não vejo necessidade disso nem quando estamos em público, ainda mais quando estamos sozinhos.

— preciso dar o exemplo, minha querida. — mas não pareceu inco-modado em se endireitar.

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— Ah, peter. Você tem me ajudado tanto desde que ele se foi. eu quero que as pessoas saibam o quão importante você é.

— Não se diminua. Você está aprendendo rápido a tomar as deci-sões corretas. temo o momento que não precisará mais de mim.

— Não diga uma coisa dessas! — ela chegou a lacrimejar, colocan-do as mãos na frente da boca. — Não sei o que seria de mim sem você ao meu lado!

— estou brincando, meu bem. — ele disse, colocando as mãos em seus ombros. — Não irei a lugar nenhum.

ela sorriu de volta pra ele, com os olhos ainda marejados, permitin-do que o toque continuasse mais um pouco. por mais que ela estivesse enojada, era esse tipo de coisa que o mantinha sob seu controle.

— pois bem, — ele disse. — É hora. A rainha é aguardada.Após atravessarem os corredores, ele abriu as portas para a sala do

trono. o grande salão estava limpo e dourado como sempre. Seus guar-das pessoais, com espadas na cintura e mosquetes nas costas, estavam espalhados e em forma. Seus outros guardas também estavam ali, fora de vista como era esperado. ela caminhou pelo grosso tapete vermelho, acompanhada de seu capitão, até os tronos.

o assento que fora de seu marido crescia imponente, seu encosto tão grande que parecia ser um dos pilares de sustentação do teto. orna-do e trabalhado, era uma visão belíssima. Já o seu trono estava à esquer-da deste, prateado e modesto. Um complemento ao seu par, como era esperado que ela fosse de seu marido.

peter foi um dos que protestaram quando a viu se sentar pela pri-meira vez no trono dourado para atender o povo. ele dizia que ela deve-

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ria, sim, reger o país enquanto não se casava e elegia um novo rei, mas sentar-se no trono principal poderia dar a “impressão errada”. poderia gerar revolta entre os que amavam e sentiam falta de seu falecido mari-do.

ela sabia que essas pessoas não existiam.fraco e sem ambição, o rei não angariava simpatia por onde passa-

va. Uma personalidade arredia e agressiva, quase cruel. Somado a isso tudo, um feio problema de pele fez com que o povo voltasse sua aten-ção à moça de vida simples que ascendeu à nobreza. Quase um conto de fadas. e ela se aproveitou disso. passou a fazer discursos no lugar de seu marido e a receber o povo nos salões. A tratar de negócios com os outros nobres e fazer alianças com outras figuras poderosas. o rei se dava ao trabalho de saber menos da metade do que acontecia nos salões e quartos de seu próprio castelo, e agora andava fazendo pouca falta.

com alegria e o apoio fiel de seu povo, a rainha lideraria o país. ela quase deu risada quando viu as pessoas às lágrimas nas ruas, tocadas pela sua coragem e “por não ter se entregado ao luto e continuado tra-balhando pelo seu povo”.

com leveza, catherine se sentou no trono dourado, se recostou e acenou a peter, para que os pedintes pudessem entrar.

ela odiava aquilo.mas adorava o que aconteceria agora.Aquele dia se arrastou mais do que o normal. A rainha já teria des-

maiado de tédio nesse momento, não fosse por aquela figura em parti-cular. o próprio povo ao seu redor parecia prestes a atacá-lo e talvez o tivessem feito, caso a Guarda real não os intimidasse tanto. eles odia-

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vam aquele homem e o que ele representava. protestaram quando ela o recebeu, pois alguém tão vil não merecia a atenção de sua nobre rainha.

ela aguardava agora, sentada numa confortável poltrona ao lado da lareira, em um específico quarto de hotel. Vestia algo mais simples e leve, uma calça azulada e botas pretas combinando com seu corsele-te. Seus longos cabelos ruivos estavam presos em um coque simples, ajudando a moldar a impressão aguçada de sua máscara de porcelana, pintada para parecer metálica, com parafusos e juntas desenhadas. Não era mais a rainha nesse momento.

ouviu passos no corredor lá fora e o barulho de chaves na porta. respirou fundo quando ela se abriu. A diversão ia começar.

os olhos arregalados ficaram cômicos naquele rosto calvo com cos-teletas.

— o quê…?— olá.— Quem é você?! Sai do meu quarto!— Se acalme. eu vim conversar com você.— essa voz… Você é ca…— feche a porta e sente-se. Agora. Sem mais uma palavra. Acho

que você vale mais vivo do que morto. Por enquanto.— Não sei de onde você está tirando que pode mandar em mim. —

mas ele fechou a porta e entrou. continuou de pé, contudo, e cruzou os braços. — Nunca pôde, mas principalmente depois de hoje, não pode mesmo. Não sei nem porque estou conversando com você em vez de te expulsar daqui.

— Bem, meu querido. Você acha mesmo que eu iria esperar sozinha

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por alguém como você no seu quarto?ele tentou disfarçar, mas olhou para os lados procurando sinal de

outras pessoas. ela percebeu com satisfação que ele continuou parecen-do perdido.

— então o que você quer? era tudo falso? faremos negócio?— Não. me chame do que quiser, menos de mentirosa. Não farei

negócios com um estuprador.— Já disse que… eu não… — o ódio do ex-Barão era tanto que ele

não estava conseguindo verbalizar — enfim, o quê faz aqui então?— como eu disse mais cedo, quando você adentrou o salão da rai-

nha exigindo seus direitos, a prússia não fará negócios com você. preci-sa aprender a ser mais sutil, senhor reinrassig.

— Veio aqui me ofender?ela suspirou.— faça o seguinte. Se acalme. Se sirva de uma das bebidas que o

hotel fez a gentileza de doar para o seu quarto. Sente-se aqui, na minha frente e respire fundo. e então, deixe-me contar quem aceitaria fazer negócios com você.

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Jonas ia andando. Andando sem saber pra onde, indo, só indo em frente. era uma filosofia interessante, uma que costumava seguir

sempre que as coisas iam de mal a pior. continuar andando, mesmo sem fazer muito sentido, mesmo que ele não tivesse a mínima ideia de onde iria chegar e em que estado mental. Só caminhar. Sempre. Suas mãos queimavam como o fogo do inferno e sua cabeça doía de um jeito que ele nunca julgara possível uma parte do corpo doer. As pessoas que passavam por ele eram sombras, apagadas e distantes, e ele sentia que precisava deixar um pouco de vapor sair, um pouco do fogo escapar. mas que vapor? Que fogo?

— As coisas estão acontecendo, Jonas — disse o doutor Gregório, flutuando uns dois metros acima da sua cabeça. — essa é a hora.

Jonas riu, segurando a cabeça com as duas mãos. deus, como doía! e parecia doer mais toda vez que o doutor falava.

— Você não deveria estar flutuando — disse. — Você nem deveria estar aqui.

— tem razão. — o que foi que você fez comigo?— Nada que você não queria.— mas que merda, doutor, não pode falar direito por um minuto?

Que merda.— Vai chorar? Quer conversar sobre isso? — disse o doutor. — está

nervoso porque ninguém fala direito com você? Que pena.Jonas parou de andar e ficou olhando para o doutor voador, sem

reação. A fúria veio, como ele sabia que viria, mas veio diferente dessa vez, sem gritos ou socos em paredes, sem espancamentos em bêbados. Sentiu algo quente na mão e a lançou para cima por instinto, para não se queimar. era uma bola de fogo, como a da ceninha na lareira, mas diferente, nítida, bem palpável e bem real. ele viu o rastro de fumaça e o clarão que produziu quando reduziu um semáforo a ruína chamuscada pendurada no poste. Assustou-se com a destruição e se preparou para

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correr, mesmo sem saber se isso iria adiantar de alguma coisa, só o bom e velho instinto humano de fugir. Não era como se pudesse correr de uma coisa daquelas. doutor Gregório o impediu.

— olha de novo. olhou para o semáforo destruído se pendurando na haste de metal

como um morcego negro demais, e quando piscou, ele estava perfeito de novo. Não havia nem uma marca que pudesse indicar qualquer con-tato com o fogo. Só não funcionava mais, e os carros buzinavam sua indignação para quem quisesse ouvir.

— mas que bela merda — disse. — mundo lógico, Jonas. ele não aceita esse tipo de coisa.— mas isso não quer dizer que ela não aconteceu. — Jonas com-

pletou, olhando mais uma vez para o semáforo. tinha caído no chão e começado a pegar fogo.

— Se você olhar perto o bastante pode ver mais coisas. coisas ve-lhas se escondendo no rosto de outras pessoas, se refugiando, e eventos esquecidos que nunca deixaram de acontecer de verdade. É o mundo de trás, o fim dos mistérios.

— eu já vi o bastante. e mistérios só são bons quando continuam sendo só mistérios.

o doutor Gregório riu e deixou de flutuar. estava agora caminhan-do com Jonas, ombro a ombro, e suas mãos se roçavam de vez em quan-do. Jonas tentava se afastar, mas ele não saía de perto, por mais para o lado que fosse. A dor estava um pouco melhor agora, e Jonas conseguia ver mais do que um monte de borrões. entrou num posto de gasolina e procurou a loja de conveniências.

— onde fica o banheiro? — perguntou para a moça do caixa. ela deu um pulo de susto e depois apontou para um canto escondido da loja. Seu dedo indicador tremia e seu rosto estava pálido, com os olhos arregalados.

— tem um lá fora para os clientes, mas usa o nosso. Usa, pode usar.

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Jonas ficou olhando para a moça, se perguntando se ela estava bem. A dor de cabeça diminuiu mais um pouco e a sensação de ardor das mãos estava quase parando. ele se sentia mais leve, mais ágil e com mais controle do seu corpo. Uma vez, quando era um adolescente, um garoto que chamavam de costelinha tinha feito graça com seus cabelos, dizendo que ele parecia uma anjinha que precisava levar uma daquelas. o costelinha era só um magrelo sem vergonha que não tinha medo de fazer graça com a cara de ninguém, e era, como chamavam na época, um perfeito conversinha. daquela vez não teve tempo de usar a lábia. Jonas voou pra cima do pobre e arrebentou seu rosto de um jeito que ele nem pensava que poderia, deixou o garoto no hospital por uma semana. depois que saiu de cima, com as mãos machucadas e os braços dolori-dos, se sentia leve, descarregado, com tudo no lugar. o arrependimento veio rápido, como sempre vinha, e só passou quando foi no hospital o visitar com sua mãe e o infeliz do moleque o tinha chamado de filha da puta. era assim que se sentia ali, só não tinha pelo que se arrepender. Ganha-ganha, certo?

No banheiro, jogou uma água no rosto e encheu a boca para depois cuspir, sem saber muito bem por quê. Quando a água correu para fora dos seus lábios, tomou um susto. Aquilo era sangue, pelo amor de deus! Se olhou no espelho e correu pra trás, batendo na parede atrás dele. ti-nha um monstro branco onde seu rosto deveria estar.

— olhe demais e você acaba vendo o que não vai te agradar. — doutor Gregório estava escorado na parede, com o joelho dobrado e apoiando o pé, como se fosse um adolescente cool fumando despreo-cupado no banheiro dos meninos. — Você se acostuma com o tempo. Você é quem decide o que quer ver e o que não quer.

— A coisa apareceu pra mim, eu não quis ver nada. — Ah, quis. Alguma parte sua quis. — doutor... — disse, respirando fundo. — o que é você? e o que

você fez comigo?

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doutor Gregório riu, mostrando seus dentes amarelados. ele estava sorrindo demais ultimamente, Jonas percebia, como se tivesse ganhado alguma coisa. Alguns milhões de dólares na loteria, talvez.

— te dei poder, e você me deu asilo. — fez uma pausa, olhando para o rosto contraído de Jonas. — e não venha me dizer que você não queria isso também.

— poder? Que… isso aqui é dragon Ball ou qualquer merda desse tipo? doutor, eu não sou burro, por favor.

— disse o mister Bola de fogo. Você deveria parar de negar e virar homem de uma vez, Jonas. mostrar quem é que manda.

— Quem é que manda — Jonas deixou um “pff ” escapar. — tá certo.— É você. Você é quem manda.o doutor sumiu no ar e Jonas não se importou. “eu tenho poder”,

pensou, “tenho poder”. Saiu do banheiro com um sorrisinho no rosto e pegou algumas barras de diamante Negro no balcão. A mulher não parecia mais tão nervosa, mas olhava pra ele desconfiada e de cara fe-chada.

— esses são meus — disse, tentando imitar o tom autoritário do doutor. ficou melhor na sua voz. — entendeu?

A moça, que havia começado a levantar um dedo indignado, o abai-xou de novo, arregalou os olhos e ficou parada com a cara mais patética que pode arranjar. Uma lágrima solitária escorreu do seu olho esquerdo, mas não chegou nem mesmo até o fim do nariz. Havia secado, como se o rosto em que corria estava mais quente que uma chapa de aço a ponto de derreter.

— Sim, senhor. — ela disse, com a voz tremida, e, esticando a mão até o compartimento dos cigarros, puxou um box fino e amarronza-do com uns charutinhos dentro. — o senhor quer um Budam-Garam? ou... ou dois, ou dez, o senhor é quem manda.

Jonas aceitou o cigarro, que colocou na boca sem acender e tragou. A mulher gemeu baixinho quando viu a ponta marrom do queimando

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sozinha, e escondeu o rosto nas mãos.— É — disse Jonas, soprando a fumaça. — eu que mando.Saiu.

Na sessão de bebidas, um ruivo tinha uma cerveja pela metade numa mão, e uma cara que azedaria todas as outras no freezer. foi até o caixa, tirou uma nota de cinquenta do bolso e a depositou no balcão, olhando para a moça que chorava baixinho sem nem saber por quê.

— tudo bem? — perguntou.— Não... parece que eu fui... Me sinto suja.ela começou a chorar alto e a soluçar. o ruivo deu mais um gole na

long neck.— Aqui — ele bateu com dois dedos na nota. — cobra o dele tam-

bém.ele a encarou com seus olhos azuis, e ela parou de chorar. Quando

saiu da loja, pode ouvi-la dizendo “obrigado pela gorjeta, moço”, num tom jovial e alegre. mais tarde, ela sentiria os olhos ardendo e se per-guntaria por que andara chorando, mas isso não era problema seu. Ali-ás, lidar com o colateral não deveria ser problema seu. Bebeu o resto da cerveja num gole e quebrou a garrafa no meio fio, com uma careta. As pessoas não sabiam mais fazer cerveja. Jonas ia lá na frente, com os ca-belos loiros reluzindo na luz da manhã que já se transformava em tarde. o ruivo de cara feia foi andando devagar atrás dele, atento sem demons-trar, alerta sem perceber. Um carro passou veloz ao seu lado tocando uma coisa absurda em forma de música, tão alta que túlio não conse-guiu decifrar as palavras numa primeira escutada. Quando o carro se afastou um pouco, ele pode ouvir. “Who let the dogs out? Who, who, who who who?”

A fábrica ardia sozinha no sol do meio dia. Um bloco de concreto sem pintura ou ornamentos, uma coisa de mau gosto no meio da terra

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seca e do capim amarelado. Não havia nada ao redor, casas, comércio, vida de qualquer jeito, nem um gavião caçando os camundongos dos lo-tes vagos. diabos, o lugar não devia nem ter os malditos camundongos. chegou caminhando e atravessou o estacionamento concretado, indo dar na porta da frente, de onde podia ver os homens debruçados nas grandes máquinas com os rostos suados e os corpos sujos de graxa. Não havia nem mesmo um pedacinho limpo, nem nas pálpebras, e era difícil dizer o que era graxa e o que era homem.

— ei, Jona — disse um mulato grandalhão e bigodudo. — Nas. — disse Jonas, apagando o cigarro marrom na mão. — É Jo-

Nas, Silvão. — Heh, deve ser mesmo. Não escuta esse zézão aqui não, rapaz, que

‘cê vai pro buraco igual eu fui. todo mundo aí tá falando do seu esque-ma com o Berga. todo mundo queria fazer igual, todo mundo queria por o gordo no lugar dele. Vai lá pedir arrego ou terminar o serviço? Heh heh.

foi na direção do escritório de Berga. “terminar o serviço” pensou, e começou a sorrir. enquanto ia passando pela fileira de máquinas, todas as cabeças se voltavam para ele, e os murmúrios se juntavam ao barulho infernal de metal contra metal, de correias e de vapores. “coisa ruim aí”, disse um, “Vai dar é merda, fica vendo”, dizia outro, enquanto o Silvão contava para o homem ao seu lado como Jonas havia rachado a mesa do Berga com a cabeça dele, e depois quebrado o retrato do seu Boxer premiado e mijado em cima. “Queria mesmo ter feito isso”, pensou, en-quanto entrava na saleta. o cheiro de cigarro o recebeu, e ele acendeu um seu. “Um cão marcando território”.

Berga, sentado atrás da mesa, agora parecia estar com mais cora-gem, como sempre acontece com os chefes depois que eles arrumam tempo para processar as informações nos seus cérebros de gente ocupa-díssima. ele estava ao telefone de novo, xingando mais uma das Betina-Gilbertos, provavelmente, e fez um sinal para Jonas com a mão aberta,

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o gesto clássico do “espera aí por mais uma meia hora enquanto eu não ligo a mínima pra você”. Jonas não estava num humor para esperar a boa vontade de ninguém. Aproximou-se, tirou o telefone da sua orelha e depositou na base, com o maior cuidado. o gancho derreteu onde ele encostou, mas Berga não viu.

— o que é que você quer? — disse Berga. — tem algumas coisas que não me agradaram na nossa última con-

versa, patrão. o doutor apareceu de novo, dessa vez atrás da cadeira do chefe,

com as mãos no espaldar. Berga não parecia se incomodar com ele. — ele vai te diminuir, Jonas — disse. — Vai te tratar como merda. — o que é que você quer, porra? eu te fiz uma pergunta, rapaz, me

responde! — está vendo só? — doutor Gregório levou o rosto para bem perto

de Berga, quase encostando rosto com rosto. — Você nem disse nada direito e ele já te trata igual merda. porque não faz o que veio fazer logo?

— mas eu vou — Jonas respondeu. — Vou mostrar quem é que manda.

— Que história é essa, rapaz? — Berga jogou seu corpanzil para trás e segurou os braços da cadeira. — Você vem aqui na minha fábrica e me ameaça? eu vu te mostrar, rapaz, eu vou mesmo.

— está vendo? — disse o doutor. — Merda. — Seu maluco desgraçado! — Berga se levantou, e dois homens

parrudos entraram na sala, os dois “capatazes”, dee e dum. — Segurem esse cachorro! Vou arrebentar eu mesmo a cara desse merda.

e as coisas foram ladeira abaixo daí em diante. Uma cena de um filme ruim qualquer pipocou na sua cabeça, o bandido dizia “eu cago toletes maiores do que você toda noite!”, e a palavra merda flutuava na sua mente. o doutor estava com o cotovelo apoiado no ombro do chefe, com as mãos e as sobrancelhas levantadas e os lábios apertados, como se dissesse “Vai escutar agora?”. Jonas fechou os punhos e pode sentir o

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fogo correndo mais uma vez, a fúria crescendo sem ter pra onde ir. o vapor precisava sair, o fogo precisava correr. Mas que vapor? Que fogo?

— mas que porra... — disse Berga, arregalando os olhos. o doutor sorriu enquanto os seguranças gritavam de agonia. Seus braços enor-mes e peludos se acenderam como se um par fosse feito de palha seca e o outro de fósforos acesos. — filha da...

Jonas avançou e segurou Berga pelo colarinho, e o tecido começou a soltar uma fumaça fedorenta, parecida com o cheiro dos cigarros vaga-bundos que ele fumava, como se o próprio Berga fosse feito de tabaco, um grande charutão bem recheado.

— termina a frase! — disse, com aquela voz. — “filha da” o quê? — filha da puta! — Berga respondeu, choramingando. — por fa-

vor... — e agora me diz o que você acha de mim! diz logo! Berga estava chorando, e seu rosto redondo estava vermelho e in-

chado, como se assasse de fora pra dentro. — Uma bela bosta! Não, não me faça, pelo amor de deus! Você não

passa de merda pra mim. merda! Jonas acertou o primeiro soco, e depois dele ficou muito mais fácil

dar os outros. A cada golpe, sentia o deleite da pura violência, o delei-te sem o arrependimento, como se batesse numa versão xingadora de mães em tempo integral do garoto costelinha. podia escutar o barulho dos ossos do gordo se quebrando nas suas mãos, ritmado como um compasso sendo marcado. Um, dois, três, isso é traumatismo craniano, Berga. Quando o homem foi ao chão, Jonas passou a pisar, e só parou quando não havia nada além de uma ruína vermelha onde a cabeça re-chonchuda de durval Bergamoto deveria estar. dee estava fora de com-bate, desmaiado pela dor, mas dum observava a tudo com os olhos es-bugalhados, sentado no chão.

— ele caiu bem feio, não foi? — disse Jonas, respirando pesado e olhando para suas mãos ensanguentadas, ainda sem entender direito o

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que tinha acabado de fazer. Havia ainda um pedaço de sanidade lá no fundo gritando que ele havia acabado de matar um homem, e que essa era a linha que ele não podia ter cruzado. ignorou. — caiu bem de cara.

dum arregalou os olhos, e enquanto Jonas dava as costas ao caos do escritório. No lugar da mão esquerda, só tinha ossos pontiagudos rode-ados por uma coisa negra que podia um dia ter sido a carne do pulso, mas seu irmão estava pior. ele não tinha o braço direito. o homenzar-rão conseguiu se ajoelhar e se pôs a chorar como uma menininha.

túlio chegou à fábrica e nem precisou entrar pra perceber que algo estava mortalmente errado. Havia um rabecão branco do lado de fora, e todos os homens estavam com os bonés na mão, tristes, com os rostos consternados, e ele soube que tinha acontecido. Berga tinha morrido. chegou perto.

— mais um, hein? — perguntou para o homem mais próximo, mo-reno e bigodudo. — caiu alguém no equipamento?

— Nada, doutor. foi o Berga. o Bergamoto, o dono. ele teve um aci-dente. teve mais dois também, mas esses a gente não sabe o que aconte-ceu.

— Acidente? — ele caiu bem feio. caiu de cara. — Ó, to passando aí, peãozada. — disse um rapaz de branco empur-

rando uma maca. tinha um corpo nela, e o lençol que o cobria estava manchado de vermelho na cabeça. — caiu o cacete, isso daí foi na base da paulada. Taco de baseball, cara. faz um estrago desse modelo aí.

túlio segurou o lençol quando a maca passava por ele e descobriu a cabeça de Berga. o que viu ali quase o fez vomitar. ele não tinha mais cabeça, só uma pasta grossa presa mais ou menos pelos ossos do pesco-ço.

— ei, ruivão, tira a mão... hã... daí? — o enfermeiro parecia confuso agora que túlio olhava nos seus olhos. finalmente cobriu o lençol e foi

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andando para o rabecão. — Vento desgraçado. Não tem nem uma casa pra parar o filha da puta nesse fim de mundo!

túlio saiu de perto, para a esquina mais próxima, numa encruzi-lhada. precisaria viajar, e precisava marcar um encontro. tirou o velho telefone celular do bolso, sujo e arranhado, e discou um número. Uma voz de mulher atendeu depois de três toques.

— doutora. — A mamãe não aprovaria aquilo, mas é como dizia o ditado. tempos desesperados... — Aqui é o oficial túlio... Belusco. escu-te, temos motivos para crer que você está em perigo, e precisamos falar com a senhora. Hoje a tarde? perfeito.

Who, who, who who who?

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escondido pela escuridão, ele caminha. em sua face, um estigma negro, afasta os zombadores mantendo seus escárnios à distân-

cia. Uma existência triste, sombria e perdida. em sua mão um cigarro. em sua cabeça uma duvida esfumaçada. Quando as coisas vão melhorar? Quando tudo vai voltar a ser como an-tes? Quando ele vai se encontrar? Quem prestasse mais atenção em seus olhos poderia notar um ho-mem prestes a chorar, mas quem naquela cidade faria isso? todos esta-vam preocupados demais vivendo suas próprias crises. criando piadas e maneiras de destruir pessoas mais fortes que eles, simplesmente pelo propósito de não serem os “mais fracos”. triste cidade, onde se confundia força, com não ter problemas. e sucesso com o quanto era fácil para alguém conseguir as coisas. provín-cia da luxúria, mas que por ironia do destino, fora apelidada de “capital da amizade”. Sua boca esta seca demais, pensar seca a boca, andar a esmo tam-bém. o álcool é um bom refresco para melhorar os ânimos, uma aposta arriscada, às vezes uma solução, às vezes um problema. mas o risco vale a pena, e ele já é um especialista no assunto. Acha o bar, senta-se, e espera dez, talvez vinte minutos. porque aque-la noite seria diferente? ele não tem motivos para acreditar que vai ter companhia, então faz seu pedido. Um whisky, a melhor forma durante muito tempo por ele encon-trada para aquecer sua boca, sem duvida alguma, seu grande compa-nheiro. o bafo e a ressaca fedem menos do que o custo de se falsear o sentimento. e quantas das pessoas a sua volta fazem isso? muitas, mas não há o que julgar. Afinal, não é o caminho mais fácil? mais fácil fingir que amamos ardentemente uma alma que em nada tem a ver com a nossa, do que correr o risco de se machucar ao ver se distanciar, uma parte de nós?

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o copo se esvazia a medida que o bar enche. ele sabe que aquele não é seu lugar, mas permanece observando as figuras estranhas, procuran-do nela algo que ele perdeu e não consegue achar. Algo que talvez nunca teve. procurava alegria, mas o que via nas pessoas a sua volta, não era alegria. Alegria não é falsidade, alegria é verdade. procurava amor, mas amor é algo que transpassa a carne. Amor arde, e gente falsa não sabe o que é arder. procurava alguém, mas esse alguém não estava ali.

(…)

A música mudou, saiu de um bom e velho conhecido Blues para uma música que ele não conhecia, decidiu acender um cigarro. foi quando viu ela, sentada na outra mesa. escorada na porta de vidro do bar, segurando o copo de cerveja suado de tão gelado em uma mão enquanto na outra segurava o cigarro. Seus olhos de coruja o enfeitiçaram, sua pele branca fez com que ele se viciasse no hábito de observá-la, seus cabelos negros o atraiam como um imã. mas ele nada fez, simplesmente ficou ali, enquanto se pergun-tava: Quando começou a ter medo da vida? Antes que tivesse tempo de responder, a vida, ou melhor, o cigarro deu a ele uma resposta. — me descola um cigas? estendeu a ela o cigarro, e com a outra mão ofereceu o isqueiro, ela negou com a mão, tirando o isqueiro dela e acendendo o cigarro. — e um pulmão aceita? ela riu, tirou o cabelo do rosto, mexeu em seu colar o tirando para fora, um pequeno anjo de zircônio em seu pingente, o colar em si era um elástico com uma cobertura de cordão de náilon. — o que é esse pingente? — Uma lembrança de verão — e enquanto segurava o colar comple-

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tou — de quando eu literalmente desci a serra. — como assim? ele estava interessado nela, há muito tempo não fumava junto com alguém, mas a presença dela por algum motivo o deixava a vontade para puxar um cigarro. — fui à praia, que outra coisa seria? — Sei lá, para mim você poderia ter caído do céu. — tenho cara de anjo? — Você não é um demônio e disso tenho certeza — fez uma pausa, enquanto sorria entre o sarcástico e o triste — sou especialista neles. — pois bem, senhor especialista em demônios me conte sua história triste, e quem sabe eu te conte a minha. disse ela sentando-se na mesa, e antes que ele pudesse dizer algo, chamou o garçom. — Uma cerveja, na conta dele. ele se assustou, não pensava ser interpelado assim, tão de repente. o comum era aquele sorriso cínico e os comentários tristes afastarem os outros. exceto alguns poucos, e fazia muito tempo que ele não achava um desses. Não sabia muito bem por onde começar, não sabia nem se devia co-meçar, achou melhor perguntar dela. — Qual seu nome? — e importa? — depende, se eu te falar um monte de merda você vai levantar da mesa assustada? perguntou ele, ela sorriu, respirou fundo. — lígia. era um sim? parecia um sim. — Bem lígia, meu nome é martim.

(…)

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então ele contou sua história a ela, de como havia saído a cerca de alguns anos atrás de sua cidade natal para conhecer o mundo. trabalha-ram em quatro ou cinco cidades, até ter que voltar a morar ali. ele temia ficar naquela cidade, ela era negra, tirava dele toda sua luz. ela entendia, ela via nele alguma luz, mas que estava se esvaindo. As garrafas passavam por ali. ele contou para ela sobre seu sonho, construir uma carreira fora dali, ele era fotografo e trabalhava nisso durante o dia. fotografava ca-samentos, aniversários, costumeiras falsidades, que só exemplificavam mais e mais as falsidades daquele lugar. ela não sentiu pena dele, ela sentiu uma profunda tristeza, uma pro-funda coragem estava ali dentro. Aguentar tudo aquilo sozinho, não era nada fácil, homens mais fracos teriam sidos destruídos.A conversa tomava forma diante dele, mas ela evitava contar a ele sua própria história, o horário dela ir para o show se aproximava, era a úni-ca coisa que ele sabia, se ele quisesse continuar ao lado dela deveria ir ao show.

(…)

— Vamos, vai te fazer bem. — o que um cara como eu vai fazer num show desses? — Você precisa mudar de ares e isso vai te fazer bem, além de tudo, eu não quero te deixar aqui sozinho com esse copo, parece muito injus-to. o sorriso dela era malicioso e gentil, extremamente estranho, por-que enquanto mastigava a fumaça ela alternava pureza virginal e pro-miscuidade diabólica. poderia ser tudo, mas para ela aquilo era lindo, motivo mais do que suficiente para sair da rotina. ela o puxou pelo braço, eles se encaminharam até a casa de show. Uma vez lá dentro ele foi direto ao balcão de bebidas, mas a menina não

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lhe deu chance, o tirando para a pista de dança e fazendo com que ele tentasse entrar no ritmo de uma dança esquisita. Uma dança que parecia que só ela conhecia, mas ele decidiu entrar no jogo. enquanto dançavam se provocavam, ele sorria, ela sorria, roça-vam seus corpos, se enamoravam. era difícil dizer, embora fosse obvio que na verdade era ela que es-tava conquistando ele. Seu esforço em fazê-lo entrar no seu jogo era tão grande, que para alguém mais desavisado, poderia parecer que ele tam-bém a conquistava. Quando pararam de dançar e foram para a área de fumantes, ela se lançou num beijo, enrolando a fumaça na língua dele, era o sinal, ele havia passado. mas em que teste? em todo momento, aquela tinha sido uma conversa sem propósito, o que diabos alguém como ela tinha visto nele? o que diabos pergun-tar, o corpo respondia muito bem, ela queria a tal luz, ela queria ver ela, sentir seu calor incandescente. Voltaram à pista, não existia ninguém ali, nenhuma falsidade, nada. Só existiam os dois, a pureza dela, uma pureza construída de vícios pe-cados e malícias. e a luz dele construída de um pessimismo inesgotável, de um mau humor inabalável e de um sarcasmo exagerado. era a combinação imperfeita que se tornava imperfeita, o desejo dos alquimistas de tornar o impuro em algo belo representado em plenitu-de. Saíram, aquele lugar nada tinha de mais para eles, foram até a casa dele, não era muito longe. No caminho todas as luzes os perseguiram, como que tentando mostrar ao mundo o que a noite havia feito. A porta foi aberta, em meio a beijos, não houve tempo para preli-minares, o desejo de ambos era carne, queriam se entregar, de forma total. deitaram seus corpos na cama, ele tirou a camisa dela, ela tirou a camiseta dele, roçaram a parte superior de seus corpos. ela tirou sua calça, e se entregou, se entregaram ao prazer, caíram na

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luxúria, e cairiam em quantos pecados mais fossem precisos para con-sumar todo o desejo daquele amor. era intenso, era vívido, naquele momento, ele não se perguntava mais por que, nem como. A resposta estava ali, era magnetismo, seus corpos estavam destinados, e se fosse estranho o fato dela conversar com ele, nada mais importava. o cigarro mais uma vez enchia o pulmão de fumaça, ele estava abra-çado com ela, e pensava, pensava em sua vida, o quanto ela poderia mudar. ele ainda podia ser algo, ele ainda podia conquistar, ela o havia ensinado como.

(…)

Na manhã seguinte, ela saiu sem fazer barulho, ele estava sonolento. mas pode ver claramente em suas costas, duas cicatrizes profundas na altura dos ombros, marcas de um anjo que perdeu suas asas. ele sabia, ela não voltaria mais, já havia cumprido seu papel.

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Punhais e facas A adaga é uma lâmina de dois gumes utilizada para cortar ou per-furar. Sendo muitas vezes usadas como arma de defesa secundária de combate corpo a corpo. Na maioria dos casos, uma haste se estende para o punho ao longo do eixo da lâmina. Adagas podem ser diferenciadas de facas pelo seu punho, que devi-do a sua forma privilegia apunhalar o adversário. em contrapartida na faca, geralmente temos gomos únicos e destinados ao corte. entretanto, é fácil criar essa confusão, por ambas serem capazes tanto de perfurar quanto cortar. Historicamente estas foram consideradas secundárias ou inferiores, porém, isso varia de cultura a cultura. Na maioria das culturas é claro o uso de armas longas, como espadas e machados, ou ainda o uso de armas de longo alcance, fez com que estas armas ganhassem menos no-toriedade. A partir do ano 1250 em diante, lápides e outras imagens contem-porâneas mostram cavaleiros com um punhal ou faca de combate ao seu lado. também a partir desse período, ocorreu o aparecimento de punhos e lâminas semelhantes a pequenas versões de espadas. o que levou ao aparecimento de bainhas e punhos ornamentados no final do século XV. com a adaga se tornando também um símbolo da igreja, de-vido a semelhança da adaga com a cruz.

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com o advento da armadura pesada durante a idade média, o pu-nhal se tornou cada vez mais útil para o corpo a corpo, sendo usado por vezes para apunhalar as fretas da armadura. livros que oferecem ins-truções sobre o uso de armas descreveram o punhal sendo utilizado na mão com a lâmina apontando para a palma da mão, o usando para fazer jabs para baixo. Jabs retas de um upper, também são descritos golpes vindo por cima. o punhal era a arma do crime comum, usado por plebeus e aristo-cratas vingativos que desejavam permanecer anônimos. com o desen-volvimento da arma de fogo, a espada perdeu mais e mais da sua utilida-de em combate militar, facas multiusos evoluídas do punhal e revolveres a substituíram.

Anelace Um Anelace, tambem chamado de anelace, é uma longa adaga me-dieval ou um tipo de espada muito curto. era afiada dos dois lados e poderia ser carrega em uma pequena bainha usada na parte frontal do cinto do cavaleiro. em uma luta, o guerreiro poderia usar dois Anelaces, em um estilo de luta corpo a corpo semelhante ao de uma espada aparando-se a um punhal.

Stilettos Um estilete é uma pequena faca ou punhal com uma lâmina longa leve, que poderia ser utilizada principalmente com o objetivo de esfa-quear. Sua forma estreita que termina numa extremidade rígida lhe per-mite penetrar profundamente. A maioria dos estiletes não é adequada

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para o corte, mesmo o com lâminas afiadas. Um estilete típico tem uma alça de metal fundido de peça única. A lâmina foi forjada no martelo, em uma seção transversal triangular, sem bordas afiadas. porém, é possível encontrar seções transversais redon-das, quadradas e da forma de um losango. A palavra italiana “stiletto” vem do latim “stylus”: uma participação, um instrumento pontiagudo. A arma que também é chamada de misericorde (“misericórdia”) co-meçou a ganhar fama durante a Alta idade média, quando era a arma secundária de diversos cavaleiros. Seu objetivo principal era acabar com o oponente caído, fortemente blindado ou gravemente ferido. Sua ponta poderia facilmente passar pela cota de malha ou encontrar seu caminha através de lacunas na armadura. A um oponente gravemente ferido, que não tinha esperança alguma de sobreviver, seria dada uma “grave mise-ricórdia” (no original em francês: “coup de grace”). ela também poderia ser utilizada como meio de matar um adversá-rio ativo. Um exemplo, durante um combate de puxões, a lamina pode-ria ser usada contra o rosto do oponente ou empurrada através dos bu-racos e pontos fracos da armadura, como debaixo do braço, buscando sempre o coração. existem registros da arma desde o século Xii, e é comum ver exem-plares nos armamentos da Alemanha e inglaterra. mais tarde Stiletto se tornou uma ferramenta para limpar furos do canhão, sendo usado como uma vareta, muitas vezes eles tinham talha-das marcas que indicavam os níveis de cargas em pó para variadas dis-tâncias.

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Poignards As poignard é um punhal leve empregado na idade média e no re-nascimento. foi usado principalmente para punhaladas em ambientes fechados ou em conjuto com um mosquete ou arquebus. Rondels o rondel era uma adaga de lâmina dura, existente na europa no final da idade média – Século XiV em diante. eram utilizados por uma variedade de pessoas, desde burgueses até cavaleiros. Usado na cintura, poderia ser usado tanto como ferramenta ou em batalha como arma se-cundária. A lâmina era tipicamente longa e fina, medindo cerca de trinta cen-tímetros, ou mais, podendo ser tão longa quanto, cerca de cinquenta centímetro. rondel significa redondo ou circular, o punhal recebe este nome devido à forma de sua guarda. Sua lâmina era feita de aço, o que conferia o aspecto duro, e tinha sua aste estendida até o punho, que era cilíndrico e normalmente feito de madeira esculpida ou osso. de perfil, a lâmina possuía geralmente a forma de um losango, lenticular ou triangular.

essas laminas teriam uma ponta afiada, e uma ou ambas arestas tam-bém afiadas. foram projetadas principalmente para apunhalar, quase sempre visando às axilas ou a região do tórax. também tinham utilida-de no corte, com sua longa lâmina e reta.

estes punhais eram idéias para perfurar a cota de malha. e embo-ra eles não fossem capazes de perfurar a armadura de placa, sua ponta poderia ser forçada entre as articulações da armadura, ou do capacete.

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desta maneira muitos cavaleiros blindados caiam mortos. também são encontrados alguns exemplos de quatro gumes, a lâ-

mina destes tem um perfil cruciforme. essas lâminas não eram ade-quadas para o corte e não poderiam ser utilizadas como ferramentas de utilidade geral.

os exemplares restantes destas adagas que sobreviveram e acaba-ram em coleções e museus são geralmente finas e muito ornamentadas, as lâminas podem ter gravuras, os punhos esculpidos, e as guardas de mão altamente decoradas.

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Quando falamos de criação de personagens, existem duas classificações importantíssimas para que se realizar a criação: dimensionalidade e dinâmica. Antes de pensar sobre como funcionam as classificações é preciso ter gravado na cabeça o que elas significam.

Um personagem pode ser bidimensional ou tridimensional. A origem desses termos é do simples conceitos de profundidade: personagens bidimensionais não a tem, sendo os mesmos quando vistos de diversos ângulos, enquanto personagens tridimensionais apresentam nuances, pensamentos e comportamentos diversos e serão vistos de forma diferente dependendo do ponto de vista.

Quando o personagem passa por todo o processo da trama sem alterar seu jeito de ser, chamamos o personagem estático, devido a essa imobilidade. Quando os eventos decorrentes da histórias alteram a forma como o personagem é, mesmo que apenas temporariamente, falamos que se trata de um personagem dinâmico, pois ele é passível de alterações.

existe um certo consenso, quase geral, de que personagens devem ser sempre tridimensionais e dinâmicos, por estes são mais interessantes e ficam mais facilmente marcados na cabeça do público. isso é uma grande bobagem. Sem personagens bidimensionais ou estáticos é inviável contar qualquer história.

claro que ao desenvolver os protagonistas e antagonistas você sentirá a necessidade de torná-los imprevisíveis, e desejará que esses cresçam conforme crescer o leitor, mas qual a utilidade de se fazer o mesmo com cada personagem? pense bem: qual a utilidade de se aprofundar na vida de cada capanga do vilão, se todos eles irão morrer quando o castelo demoronar? para que criar um motorista que sonhava em ser pintor mas foi levado ao crime devido a doença da esposa, se ele será o

Como Escrever Sobre Rafael Marx

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Como Escrever Sobre Rafael Marx

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primeiro a tomar um tiro e morrer durante o assalto?Sim, pode ser interessante criar o motorista se sua história tem um

viés dramático, mas em uma história de ação e crime é inútil. ou seja, é tudo uma questão de situação. É preciso pensar bem quanto a quais personagens precisam ser aprofundados ou não na história. Qual o sentido de mudar a vida do personagem para sempre, tornando-o mais dinâmico? Quando isso é necessário?

A resposta é simples, e está na temática escolhida. mas isso é assunto da próxima coluna.

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EDITORES-CHEFESLUCAS RUELESRAFAEL MARX

EDITORES SEMANAISERIC PAROJOÃO LEMESLUIZ LEALDIOGO MACHADO

DIAGRAMADORJOÃO LEMES

REVISOR ANDRÉ CANIATO

REDATORALAN PORTO VIEIRA

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SEMANA HORROR

Horror: Amanda Ferrairo

Noir: Philippe Avellar

SEMANA FANTASIA MODERNA

Steampunk: Rafero Oliveira

Fantasia Urbana: Thiago Sgobero

AUTORES:

SEMANA FANTÁSTICA

Fantasia Épica: Marlon Teske

Espada e Magia: Victor Lorandi

SEMANA CIENTíFICA

Ficção Científica Social (Cyberpunk): Alaor Rocha

Ficção Científica Space Opera: Rodolfo Xavier

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