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  • Carlos Mazzei Presidente da Associao Nacional dos Inventores

    Inventei! E agora? Como ganhar dinheiro com uma boa idia

    Coleo EUREKA

    So Paulo, dezembro de 2003

  • N D I C E Introduo - Sa humilhado do gabinete do Ministro...

    mas aquele dia marcou minha vida!

    Parte I - O ABC da inveno, em 70 perguntas e respostas

    - O leitor pergunta, o Carlos responde

    A - Invenes e inventores, no passado e no presente

    B - Os sete pecados mortais do inventor

    C - Patente: a nica proteo eficaz para os direitos do

    inventor

    D - A Associao Nacional dos Inventores

    Parte II - O mundo maravilhoso das invenes

    A - 30 invenes que transformaram nossa vida de cada

    dia

    B - Um grande inventor renascentista: Leonardo da Vinci C - Um grande inventor de nossos dias: Jerome H. Lemelson D - Um inventor brasileiro: Bartolomeu de Gusmo, o Padre-Voador E - Outro inventor brasileiro: Padre Francisco Joo de Azevedo, precursor da mquina de escrever F - Landell de Moura, o "Padre-maluco" que o Brasil de seu tempo no soube compreender G - Carro movido gua - Aventuras e desventuras de um inventor brasileiro H - As loucuras de Kenji Kawakami, o inventor de inutilidades

    I - Voc criativo? Faa um teste. Bibliografia utilizada

    Apndice - Projetos de hoje, sucessos de amanh

  • Introduo

    Sa humilhado do gabinete do Ministro... mas aquele dia marcou minha vida!

    J se passaram mais de 10 anos, mas ainda lembro de

    tudo como se fosse hoje.

    Viajei para Braslia cheio de esperanas. Para mim,

    empresrio jovem e com a mente repleta de projetos, uma

    audincia com o Sr. Ministro da Cincia e Tecnologia era

    algo muito importante, que podia dar um rumo diferente

    minha vida. E de fato foi assim, aquela entrevista

    frustrada mudou minha vida, se bem que de um modo diferente

    do que eu esperava.

    Eu possua -- como possuo ainda agora -- um

    escritrio especializado no registro de marcas e patentes.

    Embora nunca tenha inventado nada, posso dizer que as

    invenes esto no meu sangue. Meu av Carlos Mazzei, cujo

    nome herdei, foi o inventor da rvore de Natal artificial.

    Na poca, foi uma idia surpreendente e despertou

    reaes muito diversas na populao, desde aplausos

    entusiasmados at crticas furiosas. A novidade sempre

  • desperta reaes desencontradas. Mas hoje, passados mais de

    50 anos, todo mundo acha normal ter uma rvore de Natal

    guardada em casa, espera da poca natalina.

    Meu av tambm foi a primeira pessoa que teve no

    Brasil a idia de decorar rvores e fachadas de casas com

    lampadazinhas coloridas, na poca do Natal. Quando ele

    comeou, muita gente achou estranho, mas hoje todo mundo

    acha normal que as tristes e feias cidades de concreto e

    poluio se revistam, nas festas natalinas, de luzinhas

    multicoloridas, adotando um visual mais humano e menos

    agressivo.

    Em 1992, eu j tinha uma boa experincia em matria

    de assessoria a inventores, pois minha empresa, a FAMA

    Marcas e Patentes estava no mercado desde 1985 e j contava

    com centenas de clientes.

    Eu tinha, tambm, muitas idias a propor s

    Autoridades federais, com vistas a ajudar os inventores

    brasileiros. Meu desejo era que, aqui entre ns, as pessoas

    de talento criativo (que pela sua prpria natureza so uma

    minoria na populao) fossem reconhecidas, fossem

    estimuladas, encontrassem ambiente propcio para se

    desenvolver. Exatamente como eu via acontecer em pases de

    Primeiro Mundo.

  • Eu me sentia inconformado por ver que tantos

    talentos eram desperdiados, que tantas idias felizes eram

    deixadas de lado, em grande parte porque no Brasil no

    havia apoio efetivo, tanto a nvel legal quanto a nvel de

    cultura geral da populao.

    Achei, pois, muito natural pedir uma audincia ao

    Sr. Ministro da Cincia e Tecnologia, para expor minhas

    idias e sugestes.

    Embora eu fosse um empresrio do ramo, o motivo

    principal que me levava ao gabinete de Sua Excelncia no

    eram interesses comerciais ou lucrativos.

    Muito mais do que isso, eu desejava sinceramente

    expor, suprema autoridade brasileira na rea da

    Tecnologia, as dificuldades que minha experincia

    profissional detectara para o desenvolvimento da

    criatividade brasileira.

    Telefonei para o Ministro, consegui ser atendido

    pela sua secretria e solicitei uma audincia. Pelo

    telefone mesmo ela foi marcada com surpreendente rapidez.

    No dia indicado, voei para Braslia, como disse,

    cheio de esperanas. Compareci ao Ministrio acompanhado de

    um amigo, publicitrio que tambm estava muito interessado

    no caso.

  • O Sr. Ministro recebeu-me amavelmente, no horrio

    aprazado. Depois dos cumprimentos iniciais, perguntou qual

    era a entidade que eu estava representando.

    Respondi que no tinha representao de entidade

    alguma, apenas era um jovem empresrio da rea de marcas e

    patentes, que j possua uma experincia considervel na

    rea, e desejava expor a ele, Ministro, algumas

    dificuldades que eu via os inventores brasileiros

    enfrentarem, juntamente com algumas propostas para superar

    tais dificuldades.

    Para minha surpresa, quando o Sr. Ministro me ouviu

    dizer que eu no representava entidade alguma, levantou-se,

    indicou-me a porta e, sem mais, de modo muito incisivo,

    declarou:

    -- Tenha a bondade de se retirar, no tenho nada que

    tratar com o Sr.

    Sa do gabinete confuso, sem entender, no primeiro

    momento, o motivo daquela expulso.

    Percorri a Esplanada dos Ministrios, em companhia

    de meu amigo, humilhado e quase chorando de vergonha e

    raiva.

    Mais tarde, raciocinando melhor, at compreendi a

    atitude do Ministro. As normas de bom procedimento no lhe

    permitiam que ele favorecesse ou assessorasse empresas

  • particulares -- o que seria poderia ser interpretado como

    favoritismo ou trfico de influncia. Apresentando-me eu

    como empresrio, por mais altrustas, desinteressadas e

    patriticas que fossem minhas intenes, pareceria

    favoritismo pessoal atender-me como eu esperava.

    Hoje, passados tantos anos, sou muito grato ao Sr.

    Ministro Jos Goldenberg... Talvez ele pudesse me ter

    despedido de modo mais cordial, mas devo muito a ele. Pois

    foi naquela tarde ensolarada de Braslia, curtindo minha

    humilhao na Esplanada dos Ministrios, que nasceu em meu

    esprito o projeto da Associao Nacional dos Inventores.

    Sim, foi naquela ocasio que pensei na criao de

    uma entidade sem fins lucrativos, que tivesse como

    finalidade reunir os inventores brasileiros e ajud-los a

    registrarem suas patentes, a garantirem seus direitos, a

    terem acesso aos empresrios e poderem condignamente

    usufruir de suas criaes.

    Hoje a Associao Nacional dos Inventores, com sede

    em So Paulo, na Rua Dr. Homem de Mello, conta com mais de

    500 associados. Ela j ajudou no registro de muitas

    centenas de patentes e j intermediou contatos com

    empresrios para a fabricao de mais de 300 inventos. J

    participou de feiras e congressos internacionais, j

    organizou ela mesma uma Feira Internacional de Invenes em

  • So Paulo, j editou uma revista, j participou de centenas

    de programas de televiso e foi classificada, pela

    Federao Internacional de Associaes de Inventores, como

    a segunda mais bem organizada de todo o planeta.

    O primeiro lugar coube Associao Espanhola de

    Inventores, entidade que recebe anualmente mais de um

    milho de dlares do Governo espanhol. O segundo lugar

    coube nossa entidade, que nunca recebeu sequer um centavo

    dos cofres pblicos...

    * * *

    Este livro destinado, sobretudo, aos inventores,

    quer queles que j tenham inventado algo, quer queles que

    ainda esto em fase de elaborao de algum projeto.

    Neste livro, prezado amigo inventor, voc encontrar

    o fruto de nossa experincia de 18 anos de trabalho

    assessorando inventores.

    Voc nele encontrar tudo o de que necessita para

    garantir seus direitos e procurar tirar o melhor partido

    daquilo que sua mente produziu ou est em vias de produzir.

    Mostrarei de modo didtico e acessvel como

    funciona, no Brasil e no Mundo, o mercado dos inventores.

    Explicarei o que uma patente, o que so direitos

    autorais, quais os procedimentos para cada inventor

    registrar e proteger as idias ou projetos que tenha.

  • Explicarei ainda os vrios tipos de patentes, e

    mostrarei quais as dificuldades concretas que se apresentam

    para os inventores. O que melhor para um inventor, ele

    prprio fabricar seus inventos, ou contratar algum que o

    ajude a transformar seus sonhos em realidade? Que

    modalidades de contratos existem, para o inventor explorar

    suas patentes? Quais as vantagens e desvantagens de cada

    uma delas?

    Falarei depois da Associao Nacional dos

    Inventores, mostrando tudo o que essa entidade pode fazer

    por voc. Falarei de seus contatos internacionais, tanto na

    rea de intercmbio com dezenas de associaes congneres

    em todo o mundo, quanto a nvel jurdico, ou seja,

    convnios com escritrios especializados em todo o mundo,

    para garantir os direitos dos inventores brasileiros caso

    seus inventos sejam objeto de contrafao em outros pases.

    Na segunda parte do livro, que contm uma compilao

    de textos de vrias procedncias, faremos juntos -- o

    leitor e eu -- um fascinante passeio pelo mundo maravilhoso

    das invenes. Conheceremos figuras fascinantes de

    inventores do passado, algumas delas injustamente

    esquecidas, e de outros da atualidade. Tambm nos

    indagaremos sobre a origem de muitos objetos que fazem hoje

    parte de nosso dia-a-dia, mas que um dia precisaram ser

  • inventados por nossos semelhantes... E faremos uma visita

    oficina estranha e fascinante de Kenji Kawakami, o genial

    inventor... de inutilidades!

    Ainda na segunda parte do livro, o leitor encontrar

    um teste prtico, para aferir seu grau de criatividade e

    inventividade.

    Encerra o volume, como apndice, a apresentao de

    uma srie de projetos criativos e originais de inventores

    brasileiros da atualidade, que esto sendo incentivados

    pela Associao Nacional dos Inventores. Alguns esto ainda

    em fase inicial, mas so altamente promissores.

    Procurei tanto quanto possvel fazer um livro

    agradvel de ler, repleto de episdios reais que chegaram

    ao meu conhecimento, para esclarecer todas as suas dvidas

    e resolver todos os seus problemas. Mas, se algo ainda lhe

    ficar obscuro, ou se quiser procurar-nos para conversar e

    trocar idias, saiba, prezado amigo inventor, que as portas

    da Associao Nacional dos Inventores esto sempre abertas

    para voc. Ou melhor, ela a sua casa.

    Venha procurar-nos, venha aqui tomar um cafezinho e

    conversar, venha conhecer o Museu Contemporneo das

    Invenes.

    Aqui estamos sua espera.

  • Carlos Mazzei

    Parte I O ABC da inveno, em 70 perguntas e respostas - O leitor pergunta, o Carlos responde

    A - Invenes e inventores, no passado e no presente

    1. Tive uma idia que me parece genial... Que fao agora, Carlos, para aproveit-la bem?

    Voc est fazendo, com outras palavras, precisamente

    a mesma pergunta do ttulo deste livro: "Inventei: e

    agora?"...

    para respond-la, prezado leitor, que eu o escrevi

    inteirinho, depois de ter pensado e meditado nele durante

    18 anos.

    Vamos, pois, esclarecer todas as suas dvidas.

    Mas, antes de mais nada quero dar-lhe os parabns.

  • Se voc inventou alguma coisa, se teve uma idia

    preciosa, se inovou algo, se foi capaz de fugir, de um modo

    criativo, das rotinas estabelecidas, voc merece parabns!

    Voc faz parte de minoria mais privilegiada da Humanidade.

    De fato, a maior parte das pessoas se limita a

    seguir passivamente caminhos que outras pessoas abriram

    antes, sem se perguntar que novos atalhos e trilhas

    poderiam elas prprias abrir por si mesmas, que novos

    horizontes poderiam se apresentar diante dos seus olhos se

    elas tivessem coragem de sair da rotina.

    Um dos grandes "gurus" do mundo atual, o italiano

    Domenico de Masi, autor de diversos livros em que exalta as

    qualidades daquilo que chama de "cio criativo", mostra bem

    a diferena entre criatividade (ou inventividade), de um lado, e rotina ou burocracia, de outro.

    Para ele, a criatividade se ope burocracia,

    porque a criatividade a capacidade de fantasiar aliada

    capacidade de realizar. Ter fantasia e ser incapaz de

    realizar, de pouco adianta; e realizar sem fantasia

    burocracia.

    E a burocracia, assim entendida, terrvel...

    "Por sua prpria vocao, os burocratas so sdicos

    -- diz o pensador italiano. Um burocrata feliz quando

    pode matar as idias dos criativos. O burocrata feliz ao

  • poder dizer a frase: Lamento, mas venceu o prazo. ... O

    burocrata v os limites, ao passo que o criativo v as

    oportunidades ... Enquanto o burocrata tem razo nove vezes

    em dez, o criativo erra nove vezes, mas, quando acerta uma

    vez, est abrindo novos caminhos para a humanidade"

    (entrevista a "Voc S.A.", maro de 1999).

    Este livro quer ajudar voc a realizar efetivamente

    a sua fantasia, a tornar o seu sonho realidade, a ser

    plenamente criativo, a ser um inventor no sentido mais

    nobre e elevado do termo.

    Os tempos que estamos vivendo exigem do inventor, ou

    do candidato a inventor, um conjunto de conhecimentos

    especficos (de natureza tcnica, jurdica, administrativa,

    financeira, at mesmo publicitria) que, muitas vezes ele

    no possui. Muitas vezes seu talento desperdiado porque,

    depois de ter tido uma idia genial, ele no consegue

    desvencilhar-se dos inmeros problemas que sua inveno

    gerou. E acaba desperdiando seu talento, perdendo a obra

    para outro mais esperto ou mais rpido do que ele.

    Antigamente, por exemplo na Grcia dos tempos

    clssicos, os inventores conseguiam "se virar" sozinhos.

    Mas hoje, com a complexidade das relaes econmicas, a

    experincia mostra que isso impossvel.

  • 2. Na Grcia antiga j havia inventores?! Mas as invenes no so novidades dos tempos atuais?!

    Quando se fala em grandes invenes, imediatamente

    vem ao esprito a idia daquela poca iniciada com a

    chamada Revoluo Industrial, em fins do sculo XVIII.

    Na realidade, inventar inerente natureza do

    homem, no um privilgio ou monoplio dos ltimos

    sculos. Desde os tempos mais remotos o Homo sapiens no

    tem feito seno inventar...

    A roda, a enxada, o arado, o arco e a flecha, tudo

    isso so invenes antiqssimas, que se perdem na noite

    dos tempos. As invenes modernas muitas vezes so

    desdobramentos altamente sofisticados de invenes muito

    simples quase to velhas quanto o gnero humano...

    Uma interessante explicao scio-psicolgica de

    como os homens primitivos foram desenvolvendo suas criaes

    a partir das suas necessidades primrias pode ser

    encontrada num livro clssico de Hendrik van Loon,

    intitulado "Histria das Invenes". Trata-se de uma obra

    que eu considero predominantemente literria, at bastante

    questionvel do ponto de vista histrico, mas d uma idia

  • muito sugestiva de como funciona o esprito inventivo do

    gnero humano -- radicalmente diferente dos meros animais.

    3. Por que radicalmente diferente dos animais?

    H muitos milhares de anos as abelhas fazem por

    instinto suas colmeias, que so uma verdadeira obra-prima

    de arquitetura, de funcionalidade e de organizao

    social... mas no se conhece o caso de uma abelha que tenha

    tentado fazer algo diferente. A maravilha que elas fazem

    por instinto j lhes basta, de nada mais elas precisam,

    nenhuma necessidade elas sentem de aprimoramento ou

    modificao.

    J o homem diferente. Desde os tempos mais remotos

    no parou de criar, de melhorar, de aprimorar sua vida em

    todos os aspectos.

    4. Seria possvel me dar um exemplo de inventor dos tempos antigos?

    Sim. Na Antigidade, para citar um nico exemplo,

    temos as invenes maravilhosas de Arquimedes (287-212

  • A.C.), aquele famoso sbio que foi tomar banho e, ao

    mergulhar na banheira, fez a gua transbordar. Qualquer

    pessoa comum no daria importncia ao pequeno acidente, mas

    Arquimedes no era um homem comum, e encontrou naquele

    deslocamento de gua a explicao para um complicadssimo

    problema de Fsica que o atormentava. Entusiasmado pela

    descoberta, esqueceu-se de tudo o mais e saiu nu pelas ruas

    da cidade, bradando a palavra grega "Eureka!" (achei,

    descobri).

    A palavra "Eureka" se transformou numa espcie de

    smbolo da inventividade humana. Foi por isso que a

    escolhemos para designar a coleo de obras que este livro

    inicia.

    Foi Arquimedes que estudou o princpio fsico da

    alavanca e compreendeu a incrvel multiplicao de foras

    que ela podia produzir em proveito do homem, chegando a

    pronunciar a clebre frase: "Se me derem uma alavanca e um

    ponto de apoio, conseguirei levantar o mundo".

    Foi ele que desenvolveu outro sistema de

    multiplicao de foras, o sistema de roldanas, e para

    grande espanto da multido conseguiu, sem esforo e sentado

    comodamente numa praia, empurrar para a gua um enorme

    navio amarrado num cabo, graas ao intrincado encadeamento

    de roldanas que planejara.

  • Foi ele que teve a idia de concentrar os raios do

    sol em grandes espelhos, obtendo assim a formidvel "arma

    secreta" que incendiou as galeras romanas que estavam

    atacando a cidade de Siracusa.

    Note-se que Arquimedes foi um gnio, mas no foi um

    gnio isolado. No seu tempo havia inmeros outros sbios

    que ajudaram a assentar as bases slidas sobre as quais,

    muitos sculos depois, se haveria de se erguer o majestoso

    edifcio da Cincia moderna.

    Na realidade, mais uma vez afirmo, a maior parte das

    invenes modernas no so seno desdobramentos altamente

    sofisticados de invenes muito simples e muito antigas.

    5. Gostei do caso desse Arquimedes, Carlos. Podia contar mais algum?

    So tantos e tantos, que daria para escrever um

    livro s contando esses casos. E no entanto, note, a imensa

    maioria das invenes antigas eram annimas, desconhece-se

    inteiramente quem as criou.

    Mas j que voc pede mais um caso desses, lembro o

    exemplo de Aristteles (384-322 A.C.), que viveu um sculo

    antes de Arquimedes. Ele no apenas foi o filsofo genial

  • que criou o sistema de pensamento lgico adotado at hoje

    pela Civilizao Ocidental; foi tambm o sbio que pela

    primeira vez utilizou o mtodo emprico para o estudo

    cientfico, fundando o primeiro jardim zoolgico do mundo

    para observar e estudar os animais. Quando lhe pediram que

    escrevesse um tratado sobre o governo dos povos, ele no

    quis escrever um livro terico, sado somente da sua

    cabea. Mas teve a idia genial de mandar emissrios a mais

    de 200 cidades ou naes da poca, com a incumbncia de

    examinar as instituies polticas de cada uma delas, e

    descrever minuciosamente como cada uma delas se governava.

    S depois de receber e analisar esses relatrios todos --

    modernamente se diria: s depois desses estudos de caso --

    que ele se sentiu habilitado a escrever a famosa obra que

    intitulou "Poltica", sobre o governo dos povos. Ele usou o

    mtodo emprico e experimental que muitos sculos mais

    tarde Bacon sistematizaria e tornaria famoso.

    Tambm nas relaes com o poder econmico

    Aristteles foi um precursor. Ele era mdico, e de uma

    famlia relativamente abastada, mas jamais teria recursos

    para financiar tantas pesquisas. Foi graas ao apoio

    financeiro de Filipe, rei da Macednia, e de seu filho

    Alexandre Magno, que Aristteles pagou os emissrios que

    enviou para tantas cidades e pde importar de terras

  • remotas tantos animais fabulosos para povoarem seu

    zoolgico.

    6. Isso era somente entre os gregos antigos, ou era tambm em outros povos?

    O af de inventar, de criar, prprio natureza

    humana. Somente em culturas muito decadentes esse af

    parece desaparecer, mas na realidade nunca desaparece de

    todo.

    Quando se estuda a civilizao dos egpcios, sua

    cincia misteriosa haurida, segundo alguns, em sbios mais

    antigos provenientes da Caldia, a cada momento revela

    novas surpresas para os pesquisadores modernos. O Abb

    Thophile Moreux, diretor do Observatrio Astronmico de

    Paris, escreveu a esse respeito, em princpios do sculo

    XX, um livro que se tornou clebre, intitulado "A cincia

    misteriosa dos faras".

    No Extremo Oriente, a sabedoria milenar dos chineses

    descobriu coisas que hoje at no Ocidente so valorizadas.

    Basta lembrar o aproveitamento do bicho-da-seda para

    produzir o mais belo e fino dos tecidos.

  • Na Idade Mdia, que muita gente ainda imagina uma

    poca de trevas e ignorncia, mas que modernos

    pesquisadores europeus demonstram ter sido -- apesar dos

    percalos daqueles tempos -- uma poca de grande

    fecundidade intelectual e cientfica, houve assinalados

    progressos tcnicos. Por exemplo, datam dessa poca os

    moinhos de vento, as rodas hidrulicas, as tcnicas de

    fundio de sino, os primeiros relgios, a roca e a

    carretilha para fiao, a utilizao do carvo de pedra em

    forjas, a serraria automtica movida a gua corrente (cfr.

    Gerd Betz, "Historia de la Civilizacin Occidental", p.

    150).

    Na Renascena, foi ainda mais notvel a criao

    cientfica. Leonardo da Vinci (ver Parte II) e Galileu

    Galilei so expoentes de uma enorme legio de cientistas e

    inventores, muitos dos quais hoje esquecidos, mas que

    tiveram importncia primordial.

    Todo esse imenso trabalho intelectual de geraes e

    geraes de homens, ao longo dos milnios, preparou o

    terreno de modo muito favorvel para que, nos dois ltimos

    sculos, a Humanidade estarrecida pudesse presenciar ao

    maravilhoso suceder das grandes invenes modernas.

  • 7. Mas ento as invenes modernas foram muito mais numerosas e espetaculares que as antigas, no verdade?

    Sim, verdade. Nos dois ltimos sculos ocorreu uma

    imensa revoluo tcnica, tecnolgica e industrial, em

    propores sem precedentes na Histria da Humanidade.

    Sob fortes impactos histricos, oriundos de

    revolues polticas, catstrofes, epidemias, crises

    econmicas, guerras e conflitos, alguns poucos homens --

    que de certa forma constituem uma parcela privilegiada da

    Humanidade -- dedicaram suas vidas pesquisa cientfica e

    aos estudos, concebendo e desenvolvendo inventos que

    alterariam em profundidade o prprio modus vivendi do

    gnero humano.

    Assim foram, por exemplo, as descobertas dos

    antibiticos na Medicina, do telefone, do rdio e da

    televiso no campo das comunicaes, do automvel, do avio

    e dos foguetes na rea dos transportes, da Engenharia

    gentica na agricultura e pecuria.

    No este o lugar apropriado para historiarmos as

    invenes. Talvez eu ainda dedique a esse tema apaixonante

    um outro livro, na medida em que me permitam meus afazeres

    profissionais.

  • 8. E como se processam as invenes? Como elas brotam da cabea dos homens?

    Historicamente, as invenes surgem de dois modos

    diversos: ou a partir da identificao de um determinado

    problema, para o qual se busca, consciente ou

    subconscientemente, uma soluo; ou a partir de um acaso,

    que revela de modo inesperado algo novo, que acaba servindo

    para solucionar um problema preexistente, para o qual

    talvez nem se estivesse procurando soluo.

    Exemplo tpico do primeiro caso o do avio. Desde

    que o homem homem ele sonhava em voar, em alar-se s

    nuvens e, de uma perspectiva muito elevada, ter uma viso

    como a das aves. Desde os mitolgicos caro e Ddalo, at o

    nosso Santos-Dumont, passando pelo injustamente esquecido

    Padre Bartolomeu de Gusmo (ver Parte II), pelos irmos

    Montgolfier, por tantos e tantos outros audazes

    experimentadores, o problema sempre foi o mesmo. A inveno

    do avio foi a soluo para esse problema.

    Um exemplo tpico do segundo caso, em tempos

    primitivos, foi a descoberta do vidro, quando uma tenda

    incendiou-se num acampamento de nmades, e o efeito do

  • fogo, agindo sobre os elementos constitutivos do solo,

    produziu a primeira chapa de vidro da Histria.

    Outro exemplo, em tempos bem modernos: a inveno do

    post-it: um adesivo imperfeitamente produzido teve como

    resultado uma cola que s cola a meias, ou melhor, que cola

    mas pode facilmente ser descolada sem deixar marcas. Algo

    que era um erro, inspirou a Art Fry a idia do genial

    sistema de avisos e lembretes que dominou o mundo.

    Voc certamente conhece o "branquinho", aquela tinta

    branca com a qual a datilgrafa cobre o seu erro, podendo

    bater por cima a letra correta. Sabe como surgiu?

    Foi uma secretria que certa vez cometeu um erro e

    teve a idia de cobri-lo com seu esmalte de unha.

    Verificando que logo aquilo ficou bem sequinho,

    experimentou bater outra letra por cima, e deu-se conta de

    que a superfcie esmaltada aceitava sem problemas a

    impresso. Da veio a idia de produzir um esmalte

    quimicamente igual ao esmalte de unha, mas de cor branca,

    no para pintar unhas de datilgrafas, mas para corrigir os

    erros que elas cometessem...

    9. Quem que inventa, normalmente? So pessoas, so equipes ou so empresas?

  • Dados de pesquisas norte-americanas revelam que 66 %

    das maiores descobertas da Humanidade foram desenvolvidas

    por pessoas fsicas e o restante por funcionrios de

    empresas ou companhias, atuando por meio de centros de

    tecnologias e novos produtos.

    10. O brasileiro inventivo, Carlos? Alm do

    Santos-Dumont h outros casos de brasileiros que inventaram

    coisas de alcance mundial?

    Sim, o brasileiro muito inventivo. at, no meu

    modo de entender, um dos povos mais inventivos do mundo.

    Somente eu gostaria de salientar que, de um modo geral, a

    inventividade do brasileiro se manifesta mais no resolver

    de modo engenhoso e at genial problemas da vida concreta,

    do dia-a-dia, do que propriamente dedicar-se a inventos

    especulativos de alta tecnologia. Em matria de alta

    tecnologia destacam-se, por exemplo, de modo especial os

    norte-americanos ou os japoneses. Na rea da sade, j o

    destaque maior para a China, desde os tempos da velha

    China imperial, que praticava a acupuntura -- sistema

    teraputico que hoje vem sendo valorizado em todo o mundo.

  • Quanto ao software, os melhores programadores so os

    indianos, seguidos de perto pelos brasileiros.

    So peculiaridades dos povos... Cada qual tem uma

    rea de interesse mais demarcada. Mas isso, note bem, em

    termos gerais, h excees.

    No queria deixar de assinalar que h um pas da

    Amrica espanhola que particularmente fecundo em grandes

    inventores: nossa vizinha Argentina.

    A Associao Argentina de Inventores, presidida por

    meu amigo Eduardo Fernndez, possui atualmente mais de 500

    membros, e se dedica ao af de ajudar os talentos criativos

    da nao vizinha.

    Entre muitos outros inventores dessa nao, gostaria

    de destacar Ladislau Jos Biro (1899-1985), hngaro de

    nascimento e argentino por naturalizao, que o inventor

    da caneta esferogrfica, invento que vendeu para o talo-

    francs Marcel Bich por um milho de dlares. De tal modo a

    memria de Biro reverenciada na Argentina que na data de

    seu nascimento, 29 de setembro, se comemora naquele pas o

    Dia do Inventor.

    A idia da caneta esferogrfica brotou na cabea de

    Biro de um modo muito curioso... Ele estava vendo meninos

    de rua brincar com carrinhos de rolem e observou que,

    quando passavam por uma poa de gua suja, as rodinhas

  • deixavam um rastro negro atrs de si. Da teve a genial

    idia de uma pena esfrica que fosse alimentada de tinta

    por mtodo anlogo.

    11. Voc esqueceu de responder o que eu perguntei, se alm do Santos-Dumont h outros brasileiros que tenham produzido invenes de alcance mundial.

    No esqueci, no... Voc que no me deixou

    terminar...

    Entre os grandes inventores brasileiros no posso

    deixar de lembrar trs grandes sacerdotes.

    O primeiro deles o Padre Bartolomeu de Gusmo

    (1685-1724), natural de Santos, que inventou a Barcarola,

    um balo movido a ar quente com o qual fez uma famosa

    ascenso nos cus de Lisboa, em 1709 (muitos anos antes das

    celebradas ascenses do balo dos irmos Montgolfier),

    diante da Corte reunida e de grande multido de povo.

    O segundo o paraibano Padre Francisco Joo de

    Azevedo (1814-1880), que inventou em 1861 o mecangrafo,

    mquina de escrever que usava um sistema de alavancas muito

    engenhoso. O invento desse nosso patrcio anterior ao de

    Remington.

  • O terceiro, e de certa forma o maior deles, o

    Padre Roberto Landell de Moura (1861-1928), sacerdote

    gacho cuja vida de inventor daria matria para um livro.

    Foi ele o precursor do telgrafo sem fio e de vrios outros

    inventos. Um resumo das empolgantes vidas desses sacerdotes

    que foram incompreendidos pelos seus contemporneos pode

    ser encontrado na Parte II deste livro.

    Tambm dois outros inventos tiveram precursores no

    Brasil: a fotografia e o flash.

    12. Quais os nomes desses precursores? So

    conhecidos ou caram no esquecimento?

    Infelizmente, caram no quase total esquecimento os

    nomes desses precursores, que desenvolveram no Brasil suas

    experincias, se bem que no tivessem a naturalidade

    brasileira.

    O artista e naturalista Hercules Florence (1804-

    1879), natural de Nice, no sul da Frana, transferiu-se

    para o Brasil em 1824, contratado como desenhista pelo

    clebre Baro de Langsdorff, diplomata russo que durante

    quatro anos -- de 1825 a 1829 -- percorreu a Amaznia,

    desenvolvendo minucioso trabalho de levantamento

  • cientfico. Concluda a expedio Langsdorff, Florence

    transferiu-se para Campinas, onde permaneceu at morrer,

    meio sculo depois. Foi naquela cidade paulista que

    desenvolveu vrios projetos pioneiros. Inventou, por

    exemplo, um sistema peculiar de impresso de textos, ao

    qual deu o nome de Polygraphie (gravao mltipla). Foi

    tambm em Campinas que descobriu, alguns anos antes de seu

    conterrneo Jacques-Louis Daguerre, um processo de captar

    imagens atravs de uma cmara obscura, com elas

    sensibilizando uma chapa de vidro e, por contato, uma folha

    de papel especial. A esse invento, Florence deu o nome de

    photographie (gravao pela luz).

    O fotgrafo portugus Jos Ferreira Guimares (1841-

    1924) era, durante o reinado de D. Pedro II, o mais

    procurado e prestigiado fotgrafo do Rio de Janeiro. Chegou

    a ser o fotgrafo oficial da Corte imperial, tornando-se

    muito amigo do Imperador D. Pedro II, que tambm era grande

    aficionado pela fotografia. Foi no Rio de Janeiro que

    Guimares desenvolveu o chamado "Relmpago Guimares",

    sistema de produzir uma luz artificial intensa que permitia

    fotografar em ambientes pouco iluminados. Esse fotgrafo

    ficou riqussimo, trabalhando com a alta sociedade do Rio

    de Janeiro, mas depois da proclamao da repblica, por

    fidelidade para com seu grande amigo D. Pedro II, resolveu

  • fechar seu ateli e mudou-se para Paris, onde faleceu

    muitos anos depois. As experincias de Guimares, note-se,

    foram anteriores s dos alemes Johannes Gaedicke e Adolf

    Mietke com o seu "p relmpago", mistura de magnsio,

    cloreto de potssio e sulfeto de antimnio, lanado em

    1887.

    13. Puxa, Carlos, voc falou um mundo de coisas interessantes e teis, e eu quase ia esquecendo a minha pergunta inicial: se eu tive uma idia muito boa, o que devo fazer para aproveit-la bem?

    Antes de mais nada, voc precisa evitar os sete

    pecados mortais do inventor moderno.

    E, para evit-los, voc precisa conhec-los bem.

  • B - Os sete pecados mortais do inventor

    14. Quais so, Carlos, os pecados mortais do inventor?

    Os pecados mortais do inventor so sete:

    Incredulidade,

    Imprudncia,

    Precipitao,

    Descontrole verbal,

    Falta de organizao,

    "Pecado de Eu-gnio" e

    Falta de bom senso.

    Esses pecados so mortais, ou seja, matam a

    inveno, impedindo o desenvolvimento da sua boa idia.

  • 15. Puxa, Carlos, esse negcio est parecendo muito complicado... Me explica direitinho isso tudo!

    O primeiro pecado mortal do inventor o da

    incredulidade, ou seja, a falta de f no potencial de sua

    idia.

    Com minha experincia de 18 anos no ramo, atendi a

    um enorme nmero de pessoas que vinham me expor uma idia,

    mas j previamente, de modo s vezes subconsciente,

    desanimadas, sem entusiasmo pelo prprio projeto, duvidando

    de sua exeqibilidade ou de sua real potencialidade.

    Essa falta de f perigosssima. Porque se aparece

    diante de mim um pseudo-inventor trazendo um projeto

    inexpressivo mas que julga erradamente ter descoberto a

    plvora, at fcil tratar com ele e reconduzi-lo s suas

    propores verdadeiras. O pior que pode acontecer ele

    ficar furioso comigo e sair batendo a porta e dizendo

    coisas que senhoras educadas no podem ouvir...

    Mas a falta de f e de entusiasmo no prprio projeto

    muito perigosa. Muitas vezes, quando vejo que o projeto

    realmente genial, at consigo contagiar seu inventor com o

    meu entusiasmo, e ele acaba se transformando noutra pessoa.

    Um dos mais bem sucedidos inventores brasileiros da

    atualidade (no vou dizer o nome dele por uma questo de

  • tica profissional) me procurou anos atrs, trazendo um

    projeto de aparelho extremamente simples e barato, mas ao

    mesmo tempo utilssimo. Desde logo vi que aquilo era o tipo

    da inveno destinada a ter um sucesso espantoso. Mas o

    inventor me pareceu um tanto desanimado com o potencial do

    que havia projetado, e at me perguntou mais de uma vez: --

    Mas voc acha sinceramente, Carlos, que vale a pena

    patentear esse negcio? Ser que vai dar certo?

    Deu.

    Hoje esse inventor um feliz e prspero empresrio,

    e sua mquina prtica, funcional e barata, se encontra em

    centenas de milhares de estabelecimentos comerciais do

    Brasil inteiro.

    16. Voc se lembra de algum outro caso desses?

    Sim, lembro de um bem interessante, que no

    presenciei pessoalmente, mas que me foi contado por pessoa

    de minha confiana. Por razes bvias, no vou dizer o nome

    das pessoas envolvidas.

    Numa cidade X, do interior do Brasil, existe um

    homem riqussimo, j bastante idoso, que construiu sua

  • imensa fortuna a partir de uma inveno genial que

    patenteou.

    algo que no posso dizer o que , mas que voc

    conhece muito bem. uma coisinha extremamente simples, que

    a todo momento passa pelos seus dedos; quando voc vai a um

    supermercado, difcil encontrar uma gndola onde a tal

    coisinha no tenha sido utilizada, por produtos dos mais

    diversos gneros. , repito, algo extremamente simples,

    algo maneira de um ovo-de-colombo.

    E o tal senhor recebe royalties de todas as fbricas

    que utilizam sua inveno, no Brasil, nos Estados Unidos,

    na Europa etc. etc.. Voc pode imaginar como ele est

    rico...

    Pois bem, um amigo meu certa vez teve a curiosidade

    de perguntar a esse senhor como que lhe ocorrera ao

    esprito inventar aquilo.

    Para grande surpresa do meu amigo, o velho senhor

    lhe confidenciou que na realidade no era propriamente o

    inventor daquilo, mas era apenas o beneficirio indireto de

    um inventor que no acreditara no potencial de sua

    inveno: ou seja, de um inventor que havia cometido o

    primeiro dos pecados mortais do inventor moderno...

  • 17. Fico curioso... Como que foi isso?

    Essa mesma pergunta meu amigo fez ao riqussimo

    senhor. E ouviu dele a explicao.

    Muitos e muitos anos antes, conversando com um

    empregado seu numa hora de folga, esse empregado exps,

    assim como quem no quer nada, uma idia que lhe ocorrera:

    -- Como complicado fazer tal coisa... Seria to

    fcil evitar isso... Bastava colocar uma coisinha assim, em

    tal lugar, e tudo se resolvia.

    Na mesma hora, o formidvel instinto prtico e

    empresarial do interlocutor se acendeu.

    -- Que idia genial voc teve! Desenvolva essa

    idia, tire patente dela e voc est com a vida feita!

    Mas o outro, descrente, deu um risinho tristonho e

    respondeu:

    -- No, isso no tem esse alcance. Se essa idia

    ocorreu a mim, que sou um simples operrio, j deve ter

    ocorrido a milhares de pessoas...

    -- No pense assim, desenvolva essa idia e eu lhe

    garanto que ela ser um sucesso!

    -- Iluso sua... Se quiser, desenvolva voc que eu

    tenho que trabalhar duro para sustentar minha famlia.

    para isso que nasci, no para ficar sonhando.

  • O senhor ainda tentou convenc-lo a explorar sua

    idia genial, mas em vo. Algum tempo depois, o pobre homem

    nem mais se lembrava da genialidade fugidia que um dia

    batera sua porta e rapidamente se afastara. Nem sequer

    imaginava que a fortuna estivera um momento ao alcance de

    suas mos...

    A idia foi desenvolvida e posta em prtica pelo tal

    senhor, e fez sua fortuna e sua felicidade. Ele ainda

    ajudou, do melhor modo que pde, o pobre operrio, que

    nunca foi capaz de entender o alcance da idia que tivera.

    E acabou morrendo, pobre como sempre vivera.

    Por que esse infeliz fracassou?

    Porque cometeu o primeiro pecado mortal do inventor:

    falta de f.

    18. E o segundo pecado mortal?

    O segundo pecado mortal do inventor a imprudncia,

    que o leva a no tomar as medidas necessrias para proteger

    e assegurar seus direitos.

    Idias podem ter muito valor, sobretudo quando

    possudas por quem sabe faz-las valer.

    Se voc inventou, descobriu, escreveu ou comps algo

    de novo, no perca tempo. Tome logo as medidas

  • administrativas adequadas para proteger juridicamente sua

    idia. Ela patrimnio seu. Se voc protege com cuidado as

    notas de dinheiro da sua carteira, o seu talo de cheques e

    os seus cartes de crdito, por que vai descuidar de suas

    idias, que tambm so propriedade sua? Mais adiante

    exporemos detalhadamente o que pode e o que no pode ser

    patenteado, o que propriedade industrial e o que

    direito autoral, o que so patentes.

    Anote muito bem isto que lhe vou dizer agora: o mais

    famoso e o mais genial dos inventores brasileiros cometeu

    exatamente esse pecado mortal, e foi muito prejudicado por

    isso. Quer saber de quem estou falando? Nada mais nada

    menos que de Alberto Santos-Dumont, o Pai da Aviao. Ele

    nunca se preocupou em patentear seus inventos, e por isso

    os irmos Wright, dos Estados Unidos, passaram na sua

    frente e agora, neste ano de 2003, a quase totalidade do

    mundo celebra o centenrio do seu invento, que na realidade

    foi bem menos importante que o de Santos-Dumont, apenas

    porque eles tiveram o cuidado de registrar a patente antes.

    19. Como que foi isso?

  • Santos-Dumont era um idealista, um esprito superior

    que nunca visou lucros econmicos com suas pesquisas.

    Ele era, alis, muito rico, pois seu pai, o Eng.

    Henrique Dumont, natural de Diamantina-MG, era o "Rei do

    Caf" do seu tempo, tendo aberto e formado uma gigantesca

    plantao de caf na regio de Ribeiro Preto-SP, com

    milhes de ps de caf. To imensa era a propriedade que

    dentro dela havia toda uma rede de linhas frreas,

    especialmente destinadas a fazer escoar a gigantesca

    produo.

    O Eng. Dumont, que o filho mais tarde recordaria com

    palavras comovidas e cheias de gratido, soube desde logo

    aquilatar o valor extraordinrio do jovem Alberto, e a

    tmpera do seu carter. E fez uma coisa que pouqussimos

    pais teriam a coragem de fazer: quando Alberto completou 18

    anos, o pai o emancipou e lhe entregou uma fortuna enorme.

    Vale a pena transcrever as prprias palavras com

    que, muitos anos depois, Santos-Dumont relataria o fato:

    "Uma manh, em So Paulo, com grande surpresa minha,

    convidou-me meu pai a ir cidade e, dirigindo-se a um

    tabelio, mandou lavrar escritura de minha emancipao.

    Tinha eu dezoito anos. De volta casa, chamou-me ao

    escritrio e disse-me: -- J lhe dei hoje a liberdade; aqui

    est mais este capital. E entregou-me ttulos no valor de

  • muitas centenas de contos. -- Tenho ainda alguns anos de

    vida; quero ver como voc se conduz: v para Paris, o lugar

    mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se voc se faz um

    homem; prefiro que no se faa doutor; em Paris, com o

    auxlio de nossos primos, voc procurar um especialista em

    fsica, qumica, mecnica, eletricidade etc.; estude essas

    matrias e no se esquea que o futuro do mundo est na

    mecnica. Voc no precisa pensar em ganhar a vida; eu lhe

    deixarei o necessrio para viver..."

    Santos-Dumont seguiu o conselho paterno. Nunca

    precisou trabalhar para viver, mas trabalhou arduamente

    para beneficiar a humanidade.

    Tornou-se muito conhecido em Paris pela generosidade

    com que dava esmolas aos pobres e aos desamparados, assim

    como pela largueza com que recompensava os auxiliares que o

    serviam. Impressionante demonstrao de seu desprendimento

    ocorreu quando ganhou o prmio Deutsch de la Meurthe, por

    ter conseguido conduzir seu balo dirigvel desde St.-Cloud

    at a Torre Eifel, circund-la e retornar ao ponto de

    partida em menos de 30 minutos. O prmio, que era de 100

    mil francos, acrescido aos juros e a alguns prmios menores

    que o acompanhavam, atingiu a cifra de 129 mil francos.

    Santos-Dumont no quis ficar com um nico centavo

    dessa quantia, que para a poca era fabulosa. Determinou

  • que 50 mil francos fossem distribudos pelos mecnicos e

    pelos operrios das fbricas que o haviam auxiliado. E o

    restante foi distribudo, a pedido do generoso aeronauta,

    pela polcia de Paris a 3.950 pessoas pobres e

    necessitadas.

    Assim era Alberto Santos-Dumont, idealista, modelo

    de desinteresse e desprendimento. Falar a ele que devia

    patentear um invento era capaz de ofend-lo... Insinuar que

    podia ganhar dinheiro com seu imenso talento, seria to

    ofensivo quanto propor a uma jovem honesta que se

    prostitusse. Para ele, bastava a glria de ter cumprido

    seu dever e ter beneficiado a Humanidade.

    Tudo o que fazia, entretanto, fazia-o de pblico.

    Todos os seus vos, fazia-os diante de multides de

    pessoas, e sempre acompanhado de cientistas que os

    homologavam com todo o rigor.

    Tambm no fazia segredo de seus projetos, mas os

    divulgava livremente, at mesmo entre competidores...

    Qual o resultado dessa atitude dele? que hoje,

    fora da Frana e do Brasil, pouqussimos de nossos

    contemporneos sabem quem foi Alberto Santos-Dumont. E

    neste mesmo ano em que estou escrevendo este livro, o

    "Time", exaltando os feitos dos irmos Wright, somente de

    passagem se referiu a Santos-Dumont, um "excntrico

  • hispnico" (sic!) que causara sensao em Paris e podia ser

    considerado um precursor do ultraleve...

    Por que esse absurdo? Porque Santos-Dumont cometeu o

    segundo pecado moral do inventor...

    20. E os irmos Wright, que fizeram eles para passar na frente do nosso compatriota?

    Os irmos Wright, justia lhes seja feita, foram

    grandes inventores e construram um aparelho que se portava

    muito bem nos ares... mas s depois de ter sido lanado ao

    ar por uma espcie de catapulta.

    Em outras palavras, o aparelho dos Wright no era

    capaz de alar vo por si mesmo, como o de Santos-Dumont,

    mas precisava de uma fora externa para coloc-lo no ar.

    Os Wright trabalhavam em segredo, sem testemunhas,

    receosos de que algum lhes roubasse a inveno. Tomavam

    extremo cuidado em patentear seus projetos, e perseguiam

    implacavelmente, por via judiciria, a quem quer que

    julgassem estar lesando seus direitos.

    Desde o comeo, tinham em vista enriquecer com a

    aviao, e realmente o conseguiram.

  • Foram, sem dvida, homens de valor, mas humanamente

    falando, estavam muito longe da elevao moral e da pureza

    de intenes do nosso Santos-Dumont. Acresce que, como j

    disse, no famoso vo dos irmos Wright, que o mundo quase

    inteiro est comemorando agora, seu aparelho foi lanado do

    alto de um morro e desceu 260 metros adiante, depois de

    pairar no ar por quase um minuto. Eles logo celebraram o

    feito, mas somente cinco anos depois tornaram pblica a

    fotografia que afirmam ter sido tomada na ocasio. Ou seja,

    dois anos depois de Santos-Dumont ter, diante da multido

    parisiense, se elevado ao ar no Demoiselle, com suas

    prprias foras, voando a 6 metros de altura uma distncia

    de cerca de 250 metros.

    Ao nosso nobre e desinteressado compatriota s

    restou o desconsolo de registrar, em suas memrias, o

    episdio. Na sua grandeza de alma, o segundo pecado mortal

    do inventor no passava de um pecadozinho venial sem

    importncia...

    21. S por curiosidade, como foi que Santos-Dumont se referiu ao episdio?

  • Para responder a essa pergunta, nada melhor do que

    transcrever as prprias palavras dele, extradas das j

    citadas memrias que publicou:

    "Logo depois, em 23 de outubro (de 1906), perante a

    Comisso Cientfica do Aero Club e de grande multido, fiz

    o clebre vo de 250 metros, que confirmou inteiramente a

    possibilidade de um homem voar.

    "Esta ltima experincia e a de 12 de julho de 1901,

    me proporcionaram os dois momentos mais felizes de toda a

    minha vida.

    "Um pblico numeroso assistiu aos primeiros vos

    feitos por um homem, como tais reconhecidos por todos os

    jornais do mundo inteiro. Basta abri-los, mesmo os dos

    Estados Unidos, para se constatar essa opinio geral.

    "Podia citar todos os jornais e revistas do mundo,

    todos foram, ento, unnimes em glorificar esse 'minuto

    memorvel na histria da navegao area'.

    "No ano seguinte o aeroplano Farman fez vos que se

    tornaram clebres; foi esse inventor-aviador que primeiro

    conseguiu um vo de ida e volta. Depois dele, veio Bleriot,

    e s dois anos mais tarde que os irmos Wright fazem os

    seus vos. verdade que eles dizem ter feito outros, porm

    s escondidas. Eu no quero tirar em nada o mrito dos

    irmos Wright, por quem tenho a maior admirao; mas

  • inegvel que s depois de ns se apresentaram eles com um

    aparelho superior aos nossos, dizendo que era cpia de um

    que tinham construdo antes dos nossos.

    "Logo depois dos irmos Wright, aparece Levavassor

    com o aeroplano Antoinette, superior a tudo quanto, ento,

    existia; Levavassor havia j 20 anos que trabalhava em

    resolver o problema do vo; poderia, pois, dizer que o seu

    aparelho era cpia de outro construdo muitos anos antes.

    Mas no o fez.

    "O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se,

    depois que apresentaram em pblico a lmpada eltrica, o

    telefone e o telgrafo sem fios, um outro inventor se

    apresentasse com uma melhor lmpada eltrica, telefone ou

    aparelho de telefonia sem fios dizendo que os tinha

    construdo antes deles?!"

    Note-se, nesse trecho, a extrema elegncia, a

    delicada nobreza de alma de Santos-Dumont. Em primeiro

    lugar, reconhece o valor dos Wright, professando por eles

    sua admirao. Em segundo lugar, reduz modestamente seu

    papel, fazendo questo de elencar outros pioneiros do ar

    que, naquela poca, realizaram faanhas anlogas.

  • 22. realmente muito bonito esse trecho de Santos-Dumont, que revela toda a sua grandeza de alma. pena que seu relato seja to desconhecido, at mesmo no Brasil...

    verdade. Se Deus quiser, a Associao Nacional dos

    Inventores ainda ter o prazer e a honra de fazer justia a

    esse insigne "Pioneiro dos Ares" (como se referiu a ele o

    grande Thomas Alva Edison, numa homenagem que lhe prestou),

    reeditando seu escrito na ntegra.

    E j que voc, leitor, apreciou essas amostras do

    estilo de Santos-Dumont, no resisto a transcrever mais um

    pequeno trecho dele, muito saboroso e evocativo:

    "No dia 13 de julho de 1901, s 6 horas e 41

    minutos, em presena da Comisso Cientfica do Aero Club,

    parti para a Torre Eifel. Em poucos minutos, estava ao lado

    da torre; viro e sigo, sem novidade, at o Bois de

    Boulogne. O sol mostra-se neste momento e uma brisa comea

    a soprar, leve, verdade, porm, bastante, nessa poca,

    para quase parar a marcha da aeronave. Durante muitos

    minutos, o meu motor luta contra a aragem, que se ia j

    transformando em vento. Vejo que vou sair do bosque e

    talvez cair dentro da cidade. Precipito a descida e o

    aparelho vem repousar sobre as rvores do lindo parque do

    Baro de Rotschild. Era necessrio desmontar tudo, com

  • grande cuidado, a fim de que no se danificasse, pois

    pretendia reparar minha embarcao para concorrer de novo

    ao prmio Deutsch.

    "Nesse dia tinha despertado s trs horas da manh

    para, pessoalmente, verificar o estado do meu aparelho e

    acompanhar a fabricao do hidrognio, pois, de um dia para

    outro, o balo perdia uns vinte metros cbicos. Sempre

    segui a divisa: `Quem quer vai, quem no quer manda... J

    o dia ia findando e eu no abandonava o meu balo um s

    instante, a despeito da fome terrvel.

    "De repente, -- deliciosa surpresa! -- apareceu-me

    um criado com uma cesta cujo aspecto revelava

    iniludivelmente o seu contedo; pensei que algum amigo se

    tivesse lembrado de mim enquanto almoava... Abria-a e

    dentro encontrei uma carta: era da senhora Princesa D.

    Isabel, que me dizia saber que eu estava trabalhando at

    aquela hora, sem refeio nenhuma, e me enviava um pequeno

    lanche; pensava tambm nas angstias que deveria sofrer

    minha me, que de longe seguia as minhas peripcias, e me

    oferecia uma pequena medalha (de So Bento), esperando que

    daria conforto a minha me saber que eu a traria comigo em

    minhas perigosas ascenses.

    "Essa medalha nunca mais me abandonou..."

  • Todos os trechos de Santo-Dumont que aqui citamos

    foram extrados de apontamentos que ele escreveu em 1918,

    ao final da Primeira Guerra Mundial. O inventor os

    intitulou "O que eu vi, o que ns veremos", e os dedicou

    "aos meus patrcios que desejarem ver o nosso cu povoado

    pelos Pssaros do Progresso" (apud "As incrveis aventuras

    do Sr. Santos-Dumont relatadas por ele mesmo", in So

    Paulo em foco ns 11-12, novembro-dezembro de 2001).

    23. E o terceiro pecado mortal, o da precipitao?

    O terceiro pecado mortal , de certa forma, oposto

    ao segundo.

    No se trata da imprudncia de quem no assegura a

    proteo aos seus direitos, mas de quem se apressa tanto

    para proteg-los que acaba por prejudic-los.

    Sei bem que isso parece pouco claro, mas logo

    explicarei.

    H pessoas que tm tanta pressa em assegurar seus

    direitos rapidamente, que submetem ao Instituto Nacional da

    Propriedade Industrial um projeto mal feito, no

    suficientemente abrangente da especificidade do invento.

  • O resultado que qualquer outra pessoa, tomando

    conhecimento do projeto, pode aproveitar a idia, dar-lhe

    outra forma diferente, talvez at mais aperfeioada, e

    requerer uma patente que prejudicar fortemente o primeiro

    postulante.

    Quando estudarmos, mais frente, a diferena entre

    patente de inveno, patente de modelo de utilidade e

    registro de desenho, entenderemos bem esse ponto.

    Por enquanto, apenas se ressalte a extrema

    convenincia de o inventor, antes de requerer qualquer

    patente, aconselhar-se com um profissional de sua

    confiana, possuidor de conhecimentos especficos para

    orient-lo na elaborao do prottipo e do memorial

    descritivo do projeto, a fim de evitar esse e outros

    riscos.

    Muito cuidado com a precipitao, pois!

    "O apressado come cru", diz o velho ditado caipira.

    Eu teria muitos exemplos concretos das ms

    conseqncias desse terceiro pecado mortal, mas por razes

    de tica profissional prefiro no os relatar aqui.

    24. E o pecado do descontrole verbal?

  • o quarto pecado mortal do inventor. Pode ser

    cometido por excesso ou por falta. Em outras palavras, pode

    ser cometido por se falar demais ou por se falar de menos.

    Fala demais quem confia em que no deve. E fala de

    menos quem no confia em quem deve...

    25. No entendi. Podia explicar melhor?

    Fala demais quem se abre imprudentemente com

    qualquer pessoa, sem tomar os cuidados necessrios para

    proteger a paternidade de seu invento.

    Certa vez, durante uma viagem, um amigo meu trocou,

    com um colega, idias acerca de um projeto editorial que

    tinha. O motorista do veculo ouviu tudo e, movido mais por

    inveja mesquinha do que por interesse pessoal, logo no dia

    seguinte telefonou para um concorrente do meu amigo, para

    contar todo o projeto. Mas aconteceu que, por puro acaso

    (Malba Tahan sempre lembrava que o acaso, segundo os

    medievais, o pseudnimo de Deus quando Ele no quer

    assinar) estava um primo do meu amigo esperando o elevador

    junto porta aberta da sala em que falava o tal motorista.

    Ouvindo que este declinava, no telefonema, o nome de um

    parente, aguou o ouvido para ouvir do que se tratava, e

  • acabou se inteirando de toda a trama. Felizmente, pde

    avisar meu amigo a tempo de impedir o prejuzo.

    Por isso, nunca me canso de repetir, aos inventores

    que me procuram, este conselho: tome cuidado com pessoas

    que podem querer roubar seu projeto. No converse com

    ningum a respeito da sua inveno antes de voc estar

    assegurado pela solicitao da patente. No converse em

    bares e botequins, pois algum pode estar ouvindo! Paredes

    tm ouvidos. At j ocorreu comigo um caso impressionante

    nessa linha.

    26. Podia contar como foi?

    Posso perfeitamente, mas sem entrar em detalhes e

    sem referir as pessoas envolvidas.

    Certa vez apareceu no meu escritrio de patentes um

    inventor que desenvolveu um jogo muito interessante.

    Coincidentemente, apenas uma semana depois fui procurado

    por outra pessoa, que desejava patentear um jogo com a

    mesma metodologia, o mesmo modus operandi, as mesmas

    regras.

    Achei aquilo muito singular, porque no era possvel

    que duas cabeas diferentes produzissem aquilo tudo

  • igualzinho... Seria como duas pessoas que por coincidncia

    tivessem as mesmas impresses digitais, era algo

    impossvel. O pedido de patentes ainda no estava feito nem

    em favor de uma nem de outro. Por uma questo de tica

    profissional, s pude fazer uma coisa: reuni os dois e

    contei o que acontecera, jogando para eles a deciso do

    caso.

    A, um deles, com toda a franqueza, confessou que

    estivera num bar e ouvira uma conversa entre dois homens,

    um dos quais (que era precisamente o outro que estava na

    minha presena) expunha a um amigo a idia que tivera. O

    ouvinte ficou com aquilo na cabea e resolvera patentear a

    idia, sem pensar que o outro faria exatamente a mesma

    coisa, e valendo-se dos servios do mesmo profissional.

    A patente, obviamente, foi tirada em nome do

    verdadeiro autor. Se, porm, ela tivesse sido requerida

    antes pelo falso inventor, o verdadeiro "pai da criana"

    ficaria a ver navios, sem poder fazer valer os seus

    direitos.

    Um detalhe importante que nunca se pode esquecer

    que, aqui no Brasil, dono do projeto quem o registrar

    primeiro, mesmo que outra pessoa tenha documentos,

    manuscritos ou esboos comprovadamente anteriores. O

    Instituto Nacional da Propriedade Industrial vai atender

  • quem solicitou antes. O protocolo de pedido de patentes

    indica o dia, a hora, o minuto e o segundo em que o pedido

    foi entregue na repartio prpria. O que vai valer isso.

    No pense que estou exagerando, quando digo que em

    matria de patentes tm importncia at a hora, o minuto e

    o segundo. Pouca gente sabe que Alexander Graham Bell

    patenteou a inveno do telefone s 12 horas do dia 14 de

    janeiro de 1876, e que s 14 horas do mesmo dia Elisha Gray

    patenteou a mesma inveno. Depois de demorados processos

    judiciais foi reconhecida a Graham Bell a paternidade do

    invento.

    Muito cuidado com a lngua solta, pois, antes de seu

    pedido de patente ter sido protocolado. O peixe morre pela

    boca.

    Mesmo depois disso, entretanto, ainda vale o mesmo

    conselho: fale somente o necessrio, e nas horas certas.

    27. Por que o mesmo conselho vale tambm para depois de protocolado o pedido? Que prejuzo pode causar ao inventor falar demais depois de garantidos os seus direitos?

    Falar demais sempre traz riscos.

  • Fala demais, e prejudica-se com isso, o inventor que

    fala na hora errada, mesmo depois de protocolado seu pedido

    de patente. Quer um exemplo? Digamos que ele est tratando

    da venda ou licenciamento de sua inveno com um

    empresrio, e se estende desnecessariamente sobre

    pormenores de sua vida pessoal.

    Eu j presenciei situaes de inventores que

    perderam grandes chances de fazer bons negcios por falarem

    demais nessa hora.

    O empresrio, claro, quer obter o mximo pagando o

    mnimo. Se a pessoa confessa imprudentemente que est com a

    corda no pescoo, que est necessitando pagar uma dvida

    urgente, que tem um parente doente necessitando de

    tratamento, ou que precisa consertar o telhado da casa...

    claro que o empresrio entender que ela com pouco se

    contentar. E o teto da transao comercial baixar

    imediatamente.

    sempre melhor deixar o outro falar...

    Certa vez, Thomas Edison, ainda jovem, inventou um

    sistema de transmisso telegrfica e foi vender sua patente

    ao diretor da Companhia... Enquanto se dirigia ao

    escritrio do empresrio, ia pensando com seus botes: --

    quanto devo pedir? Se peo 3 mil dlares, pouco; se peo

  • 5 mil, ele achar demais; ser melhor, talvez, pedir 4 mil

    dlares...

    Quando chegou ao escritrio e exps o genial

    invento, imediatamente os olhos do empresrio brilharam,

    vendo naquela novidade um meio infalvel de alavancar os

    lucros da sua empresa. E perguntou a Edison quanto ele

    queria.

    Edison, felizmente, levado pela timidez preferiu no

    responder, e pediu que o outro fizesse a oferta.

    -- Digamos, Sr. Edison, se eu lhe oferecesse 40 mil

    dlares o Sr. acharia pouco?

    Edison quase caiu da cadeira. Aquela quantia lhe

    pareceu assombrosamente elevada, e no olhar e no gesto,

    mais do que por palavras, significou que se acharia

    regiamente pago. Se tivesse sabido controlar-se melhor, ou

    se tivesse maior prtica de negociaes comerciais, poderia

    facilmente ter obtido mais. Mas o erro j fora cometido, e

    Edison saiu satisfeitssimo com sua pequena fortuna... que

    poderia ter sido bem maior!

    Mas no s por falar demais que um inventor pode

    errar, ele tambm pode errar por falar de menos.

    28. Por falar de menos? Essa agora eu no entendo...

  • Sim, tambm por falar de menos.

    H pessoas que por ndole so to desconfiadas que

    no confiam nem sequer nas pessoas em quem devem

    absolutamente confiar.

    s vezes acontece de eu receber inventores que vm

    me fazer consultas estranhamente genricas, tudo em tese, e

    se fecham completamente quando eu pergunto no que, afinal,

    consiste a inveno que querem patentear. Elas me olham com

    olhos suspicazes, deixando bem claro que no confiam em mim

    e acham que eu vou roubar a inveno delas...

    Quando isso acontece, vou logo abrindo o jogo: --

    Meu caro, ou voc confia em mim e fala com clareza para eu

    lhe poder dar um conselho objetivo, ou voc no confia.

    Nesse caso, melhor voc ir procurar outro profissional

    que lhe merea mais confiana.

    E costumo acrescentar: -- se voc tem dor de barriga

    e vai consultar um mdico, voc tem que ser leal com ele,

    tem que contar que extravagncia cometeu, para produzir

    aquela dor de barriga. Se voc no conta, com medo de que o

    mdico saia dizendo para todo mundo que voc exagerou na

    comida ou na bebida e por isso est com dor de barriga, o

    prejudicado no o mdico, o prejudicado voc.

  • A mesma coisa, alis, acontece com um advogado. Se

    voc acusado de um crime e quer ser eficazmente defendido

    pelo profissional, a primeira coisa que deve fazer contar

    direitinho, para ele, tudo o que fez ou deixou de fazer.

    Sem nem nele voc confia, como que pode confiar a ela sua

    defesa?

    O sigilo profissional ainda das poucas coisas que

    se respeitam neste pas. Inclusive por uma razo de

    sobrevivncia do prprio profissional. Um mdico, um

    advogado, um psiclogo que fosse acusado de ter violado o

    sigilo profissional estaria, evidentemente, com a carreira

    para sempre destruda. O mesmo se diz de um escritrio

    profissional de marcas e patentes.

    Com seu consultor sobre marcas e patentes, pois, a

    relao deve ser de mtua confiana. Ele deve ter certeza

    de que voc no est mentindo, dizendo que inventou algo

    que na realidade roubou de outro; e voc tambm deve ter

    certeza de que ele no vai sair vendendo a terceiros os

    segredos do seu cliente. S assim as coisas funcionam.

    29. E o quinto pecado mortal do inventor, Carlos?

  • O quinto pecado mortal do inventor a falta de

    organizao, de mtodo. um defeito ao qual ns,

    brasileiros, somos especialmente propensos.

    O brasileiro , como j disse, muito criativo, muito

    inventivo, muito jeitoso para improvisar solues de ltima

    hora. E justamente porque possui essas grandes qualidades,

    s vezes acaba achando que prever e planejar cuidadosamente

    so perdas de tempo.

    Muita gente acha que consegue fazer tudo na base da

    improvisao, sem planejamento, sem mtodo. Isso est

    completamente errado.

    H tambm pessoas que sentem uma certa dificuldade

    psicolgica em desenvolver longos projetos mantendo a

    rotina diria de trabalho. Elas se enfaram com aquilo,

    comeam a fazer outras coisas, querem desenvolver vrios

    projetos ao mesmo tempo. E acabam se embaralhando entre

    objetos de pesquisa e dispersando seus esforos.

    Em outros pases de formao psicolgica diferente

    da nossa -- nos Estados Unidos, por exemplo -- mais

    freqente um inventor ter um plano de vida e o executar

    disciplinadamente. Ele, por exemplo, reserva duas horas,

    todas as noites, depois do jantar, para desenvolver um

    projeto. Naquelas duas horas, por mais interessante que

    seja o programa de televiso, ou por mais querido que seja

  • o amigo que resolveu telefonar, ele no abandonar sua

    rotina diria, no deixar de consagrar religiosamente ao

    projeto os cento e vinte minutos reservados para ele.

    Essa disciplina de trabalho d uma vantagem inicial

    enorme ao inventor norte-americano ou europeu, sobre o seu

    colega brasileiro.

    Eu pessoalmente acho que, no dia em que os

    brasileiros conseguirem sistematizar e organizar melhor seu

    imenso potencial criativo e inventivo, seremos os melhores,

    ou pelo menos estaremos entre os melhores e mais fecundos

    inventores do mundo.

    A maior parte dos inventores brasileiros, alis,

    constituda por pessoas que, de uma forma ou de outra,

    conseguiram se disciplinar e desenvolver um mtodo de

    trabalho e pesquisa. Sem isso, nada feito.

    Costumo comparar o inventor ao avio. O avio s

    capaz de voar com liberdade se aceitar uma limitao

    inicial a sua liberdade de movimentos: ele precisa estar

    disciplinadamente dentro da pista de vo para subir. Um

    avio imaginrio que no quisesse se submeter a essa

    disciplina e preferisse, por exemplo, sair passeando pela

    cidade como se fosse um automvel ou uma motocicleta, nunca

    seria capaz de levantar vo.

  • A falta de organizao tambm se revela, no

    inventor, no modo indisciplinado de misturar e embaralhar

    as vrias fases do trabalho inventivo. Por exemplo, se ele

    est desenvolvendo um prottipo, ele deve se concentrar

    naquela tarefa at conclu-la. Ainda no hora de sair

    visitando empresas para indagar se elas se interessariam

    pelo invento que, em rigor, ainda nem existe, pois ainda

    est somente na mente do seu criador... preciso dar tempo

    ao tempo, cada coisa tem sua hora.

    30. E o sexto pecado mortal, esse tal "pecado de Eugnio"?

    No, meu caro, no "pecado de Eugnio". O stimo

    pecado mortal do inventor o "pecado de Eu-gnio", com

    hfen...

    "Eu-gnio" como, por brincadeira, costumamos

    designar o indivduo que, por falta de humildade, no

    reconhece suas limitaes e se julga um gnio diante do

    qual todos devem curvar humildemente suas cabeas...

    Pode-se tambm designar esse indivduo como sofrendo

    de "complexo de Caramuru", em aluso ao clebre Diogo

    lvares Correia, o "Caramuru", que em 1510 naufragou nas

  • costas da Bahia e escapou de ser devorado pelos ndios

    canibais porque estes o viram abater uma ave com seu

    arcabuz e julgaram que se tratava do poderoso Deus do

    trovo...

    H pessoas que se julgam to geniais, to colossais,

    to magnficas, que at se consideram agredidas quando seus

    semelhantes no lhe tributam honras anlogas s que os

    ndios prestaram ao nufrago portugus. So pessoas que se

    julgam esttuas e imaginam que todos os demais deviam estar

    colocando flores e se prosternando aos seus ps...

    De fato, conheci inventores que de tal modo se

    convenceram da prpria genialidade que se deixaram dominar

    por uma espcie de parania. E acabaram maltratando

    precisamente as pessoas que mais poderiam ajud-los,

    prejudicando-se assim a si prprios.

    Recordo que certa vez apresentei ao pblico, no meu

    programa de televiso, um projeto de determinado inventor.

    Era, realmente, um projeto muito bom, de grande utilidade

    prtica.

    Para minha surpresa, logo que a imagem saiu do ar,

    tocou o telefone e fui atender. Era um sujeito desconhecido

    que j comeou, malcriadamente, a me ofender, dizendo que

    era um absurdo eu fazer propaganda daquele projeto quando

    ele tinha um outro projeto incomparavelmente melhor e mais

  • interessante na mesma linha. Ele falava num tom to

    exaltado e to pouco corts, e acabou batendo o telefone de

    modo to abrupto, que nem sequer houve clima para eu lhe

    perguntar no que consistia o projeto dele... Talvez at

    fosse um projeto genial, mas daquele jeito, como que eu

    podia ajud-lo?

    31. Falta falar do stimo mortal, o da falta de bom senso.

    Sim, vamos falar desse ltimo pecado mortal.

    quando o inventor, no por falta de humildade, como os "Eu-

    gnios", mas por falta de bom senso, avalia mal sua

    capacidade de realizao e acha que pode fazer tudo por si,

    sem precisar do apoio de ningum. Isso nunca foi assim,

    mesmo no passado. Quanto mais hoje, com as complicaes

    inevitveis que surgem a todo momento, decorrentes da

    complexidade das relaes econmicas, tcnicas, jurdicas,

    publicitrias etc. etc.

    O papel do inventor (papel no qual ele

    insubstituvel) consiste em inventar. Nisso ele , repito,

    insubstituvel. Poucos so os seres humanos que desenvolvem

    sua capacidade criativa a ponto de se tornarem inventores.

  • Se esses poucos dispersarem um tempo precioso fazendo

    coisas secundrias, o resultado que limitaro

    poderosamente sua capacidade inventiva. A observao da

    realidade mostra que a capacidade inventiva diretamente

    proporcional ao tempo disponvel. Quer uma prova disso? 90

    % dos inventores de hoje em dia so aposentados, so

    desempregados, ou so trabalhadores que tiveram suas idias

    durante as frias.

    Hoje, o inventor que tem bom senso compreende que

    no pode abarcar todo o processo criativo, desde a primeira

    idia at a sua efetiva colocao no mercado e a sua

    aceitao pelo grande pblico. Ele precisar da ajuda de

    tcnicos, de advogados, de especialistas em contatos

    comerciais com empresrios, de administradores, de

    especialistas em marketing etc. etc.

    Se ele tiver o bom senso de reconhecer essas

    limitaes impostas pela realidade contempornea, saber

    valer-se de apoios preciosos. E, em conseqncia, ganhar

    mais dinheiro e ter mais tempo livre para fazer aquilo que

    s ele capaz de fazer: inventar!

    32. Mas antigamente o inventor no fazia tudo sozinho? O Thomas Edison, por exemplo, no inventou a

  • lmpada e depois no dirigiu pessoalmente a primeira empresa de eletricidade?

    Meu caro leitor, essa idia de um inventor fazendo

    tudo sozinho e chegando ao pleno sucesso empresarial e

    econmico meio romntica, idealizada... A realidade bem

    diferente disso, tanto no passado quanto no presente.

    J que voc lembrou o caso do Thomas Edison, vamos falar

    dele. Ele um caso muito especial, que no pode ser

    transformado em regra geral. Ele era, sem dvida, um gnio

    superdotado, como talvez no tenha havido outro em toda a

    histria da Humanidade. Acontece que, contrariamente ao que

    muita gente pensa, ele no "fazia tudo sozinho". O primeiro

    grande segredo de Edison foi ter conseguido aliar seu gnio

    fabuloso a uma capacidade extraordinria de coordenar os

    esforos de centenas de crebros que ele sabia fazer

    funcionar sob sua direo e a seu servio. Muitos dos

    auxiliares diretos dele eram inventores que ficaram um

    tanto ofuscados pelo brilho maior de Edison, mas que

    poderiam por si ss, individualmente, se ter tornado

    famosos pelo seu talento pessoal.

    Edison foi o maestro genial que conseguiu reunir, no

    seu tempo, os melhores instrumentistas de cada instrumento,

    e teve a genialidade de coordenar os talentos somados de

  • todos -- ou melhor, multiplicados por fora da mtua

    influncia -- de modo a produzir a mais fabulosa e

    harmoniosa orquestrao produtiva de inventos que jamais

    houve na Histria.

    33. Voc falou, Carlos, que esse era o primeiro grande segredo de Edison. H algum outro segredo, alm desse?

    Sim, o segundo segredo de Edison muito conhecido:

    "gnio um por cento de inspirao e noventa e nove por

    cento de transpirao". Essa frase, que se pode designar

    como Princpio de Edison, quase banal de to evidente. Mas na vida de Edison se reveste de uma importncia enorme.

    muito bonito dizer que ele inventou a lmpada

    eltrica... Mas ele no a inventou sem esforo, como quem

    tem de repente um estalo na cabea. O parto intelectual da

    inveno muitas vezes terrivelmente trabalhoso...

    Concretamente, no caso da lmpada eltrica, Edison

    trabalhou penosamente no seu projeto, durante anos a fio.

    Como se havia acostumado a dormir pouco, passava as noites

    acordado, estudando o problema que o atormentava. Um

    bigrafo revela que, depois de ter lido tudo quanto at

  • ento se havia escrito em matria de iluminao, Edison

    chegou a preencher 200 cadernos com suas notas e

    apontamentos, e chegou a usar nada menos que 40 mil pginas

    com esquemas e diagramas. O problema fundamental era

    encontrar algum material que, percorrido pela eletricidade,

    pudesse produzir luz sem se consumir instantaneamente.

    Depois de muito pensar, decidiu-se a fazer o

    contrrio do que at ento se havia tentado fazer. Ou seja,

    em vez de enfraquecer a corrente eltrica, experimentou

    aument-la, mas dentro de um recipiente de vidro em que

    houvesse vcuo perfeito.

    O caminho certo era esse, mas at chegar ao

    filamento de bambu carbonizado (mais tarde substitudo pelo

    filamento de tungstnio), precisou experimentar centenas de

    materiais. O prprio bambu, no foi fcil achar. Edison

    chegou a gastar mais de cem mil dlares enviando ao mundo

    inteiro emissrios encarregados de lhe trazerem amostras de

    bambu... at decidir-se pela espcie ideal.

    Esses bambus, Edison os mandava plantar no parque de

    sua casa de Fort Myers, no sul da Flrida, vizinha da

    propriedade de Henry Ford. As duas casas, hoje

    transformadas em museus, so pontos obrigatrios de

    visitao turstica.

  • Tudo isso o grande pblico moderno ignora. sem

    dvida mais agradvel imaginar romanticamente que certa

    noite Edison, passeando pelas alamedas floridas de Menlo

    Park ou de Fort Myers, e contemplando a Lua que prateava

    toda a natureza, teve uma idia inesperada e, pondo-a logo

    em execuo, produziu sem esforo a lmpada eltrica... Mas

    a realidade outra.

    34. Ele chegou a gastar cem mil dlares s para procurar bambus pelo planeta inteiro? incrvel! Mas ento ele deve ter ganho muito dinheiro com suas invenes, seno no compensaria tanto gasto!

    Quando Edison faleceu, em 18 de outubro de 1931,

    havia registrado 1098 patentes e acumulado uma fortuna

    colossal. Muito generoso, enriqueceu nababescamente seus

    inmeros auxiliares, pois costumava associ-los aos

    inmeros empreendimentos que estabelecia nos Estados Unidos

    e na Europa.

    No momento de sua morte, o jornal "The New York

    Times" avaliou que o montante dos negcios que tinham base

    em seus numerosos inventos atingia a cifra astronmica de

    US$ 25.683.544.343. Sim, leitor, isso mesmo que voc leu:

  • vinte cinco bilhes, seiscentos e oitenta e trs milhes,

    quinhentos e quarenta e quatro mil, trezentos e quarenta e

    trs dlares!

    Hoje, a fortuna de um Bill Gates avaliada em cerca

    de 30 bilhes de dlares. Mas o dlar vale hoje pelo menos

    trinta vezes menos do que valia nos tempos em que Edison

    concluiu sua passagem pela Terra...

    Alm de genial inventor, de magistral caador e

    aproveitador de talentos, de coordenador de produes

    individuais, Edison cuidava pessoalmente da propaganda de

    seus inventos (foi como jornalista que iniciara a vida) e

    desenvolvera um extraordinrio tino comercial. Era,

    ademais, cultssimo, lia com grande voracidade e rapidez e

    possua o dom muito raro da memria integral: no esquecia

    o que lia.

    Todos esses talentos explicam um sucesso humano e

    comercial absolutamente nico.

    Mas mesmo sendo um gnio como ele, estou convencido

    de que s foi to bem sucedido porque as condies de sua

    poca lhe permitiam abarcar tantas atividades. Se vivesse

    hoje, tenho certeza de que procederia de outro modo,

    concentrando-se nas atividades estritamente criativas e

    "terceirizando" as outras coisas.

  • 35. Por que voc acha isso, Carlos?

    Porque vivemos num mundo muito diferente, muito mais

    secorizado e especializado. Edison, com seu talento e seu

    bom senso, se vivesse em nossos dias, saberia se adaptar

    sem dificuldades s condies da vida atual. Veja o que

    faz, hoje em dia, um inventor como o Bill Gates, cuja

    genialidade talvez seja comparvel de Edison. Ele montou

    um imprio econmico e se transformou na primeira fortuna

    do universo porque soube, desde a fase inicial de sua

    atividade, delegar funes, confiando e se apoiando em

    outras pessoas que subiram junto com ele.

    Voc no pode imaginar o Bill Gates redigindo

    pessoalmente as propagandas que a Mycrosoft distribui pelo

    mundo, no verdade? Para isso existem empresas de

    publicidade especializadas, que so pagas para produzir

    campanhas publicitrias.

    Voc no pode imaginar o Bill Gates estudando a

    legislao de patentes de todo o mundo para evitar que

    algum roube a paternidade de seus programas de

    computador... Para isso existem advogados e agentes da

    Propriedade Industrial, que so pagos e trabalham

    eficazmente...

  • Voc tambm no pode imaginar o Bill Gates

    examinando pessoalmente os cartes de ponto dos milhares de

    funcionrios da Mycrosoft, para ver quais chegaram atrasado

    e devem ter seus salrios descontados no fim do ms...

    claro que tarefas dessas nem sequer entram no campo de

    cogitaes do grande gnio.

    Bill Gates homem que sabe o valor de seu tempo e

    no perde tempo com coisas que outros podem fazer. Tempo

    dinheiro, diz-se nos Estados Unidos (time is money). E j

    na Roma antiga se dizia que "aquila non capit muscas" (a

    guia no perde tempo caando moscas).

    Mas note que at agora estamos falando de super-

    gnios, como Edison ou Bill Gates, superdotados muitssimo

    acima da mdia. Na imensa maioria dos casos, mesmo que

    quisesse, um inventor nem sequer teria poderia tocar tudo

    por si.

    36. Nem sequer poderia? No um pouco demasiado dizer assim?

    a pura realidade! Depois de 18 anos de convvio

    dirio com inventores de todo o Brasil e de contatos mais

    espordicos, mas tambm muito intensos, com inventores de

  • dezenas de outros pases, posso afirmar com segurana:

    salvo excees rarssimas, excees que quase se poderia

    dizer excepcionalssimas, os inventores no tm aptides

    administrativas e comerciais e se saem mal quando querem

    bancar de empresrios.

    O inventor inteligente sabe apoiar-se em outras

    pessoas. Lembre-se sempre do caso do Bidu. Voc j ouviu

    falar nele?

    37. Sim, o famoso cachorro das historietas em quadrinhos do Maurcio. O que tem ele?

    No, no, no desse Bidu que estou falando. de

    um outro, de um inventor cearense.

    O caso engraado e verdico. Foi contado no

    Primeiro Seminrio Internacional de Inovao "Da idia ao

    mercado", realizado em Porto Alegre, em dezembro de 1997,

    pelo Sr. Maurcio Guedes, representante da ANPROTEC -

    Associao Nacional de Entidades Promotoras de

    Empreendimentos de Tecnologias Avanadas.

    Essa historinha ficou conhecida, entre os

    especialistas da rea, como "o caso do Bidu". Ela to

  • ilustrativa, to paradigmtica, que prefiro transcrever as

    prprias palavras do Sr. Guedes, extradas dos Anais do

    Seminrio:

    "Nossa comisso criou um prmio para a empresa ...

    que mais se tenha destacado. Presidi Comisso Julgadora.

    Ela decidiu por unanimidade premiar uma empresa criada no

    Cear. ... A vencedora foi anunciada no nosso seminrio em

    Salvador, no seu ltimo dia, e ela ento contaria sua

    histria e mostraria o motivo da premiao. Pois a ns

    aprendemos muito...

    "A organizao premiada era uma micro empresa criada

    h quatro anos na incubadora de empresas PADETEC, de

    Fortaleza, ... apenas com o capital intelectual, com a

    capacidade criadora de um brasileiro. Quem conta o incio

    da histria o Prof. Afrnio, diretor da incubadora. Ele

    foi procurado por um colega professor da Universidade: --

    Afrnio, quero apresentar-lhe este amigo, o Bidu. Estou na

    dvida sobre se ele louco ou gnio, e voc a nica

    pessoa capaz de esclarecer isso...

    "O Bidu tinha a idia de iniciar uma empresa para

    introduzir uma inovao (e foi o que a empresa criada fez):

    o sistema de multas eletrnicas, essa coisa que apreciamos

    muito. Em Braslia, suas peas chamam-se pardais; multam os

    veculos que desobedecem aos sinais, que correm muito etc.

  • "O Afrnio examinou a idia. -- O problema, Bidu,

    que sua empresa ter um nico cliente: o produto s poder

    ser vendido ao Detran. Se voc trouxer uma carta do Detran

    dizendo que se interessa por ele, eu arranjo um lugar na

    incubadora para voc comear. Uma semana depois, o Bidu

    voltou com a carta do Detran...

    "Tenho a impresso de que o Bidu ao mesmo tempo

    louco e gnio. Um ou dois anos depois, sua pequena empresa

    recebeu um scio, Francisco Baltazar, empresrio mdio de

    Fortaleza, hoje seu presidente, que contou a segunda parte

    da histria:

    "-- Sou o dono da empresa no porque o queria.

    Entrei como scio, para ajudar uma coisa em que acreditei e

    era importante. Fui levado a comprar a empresa apenas para

    livrar-me do Bidu. Eu no o agentava mais inventando. Eu

    dizia: -- Bidu, isto aqui uma empresa; j estou

    trabalhando 20 horas por dia e voc ainda est inventando

    outras coisas!?

    "Eles procuraram a soluo com a entrada de um scio

    ao qual o Bidu vendesse sua parte. O Bidu trouxe ento

    gente do jogo do bicho, depois das drogas... Ningum o

    Baltazar aceitou como scio; terminou comprando ele mesmo a

    parte do Bidu. Posteriormente conseguiu outro scio, de So

    Paulo. Hoje os dois tocam a empresa.

  • "Em 1997, essa pequena empresa est faturando 10

    milhes de dlares, e vai faturar 15 milhes de dlares em

    1998, criada por um inventor que s tinha capital

    intelectual...

    "E que aconteceu com o Bidu? Ele est feliz, pois

    continua inventando; criou mais uma empresa que se encontra

    na incubadora, e daqui a algum tempo talvez fature 10

    milhes de dlares e seja vendida a outro ator para ser

    levada adiante..." ("Anais do Primeiro Seminrio

    Internacional de Inovao - Da idia ao mercado (Porto

    Alegre, dezembro de 1997)", Federao e Centro das

    Indstrias do Estado do Rio Grande do Sul / Ministrio da

    Indstria, do Comrcio e do Turismo, So Paulo, 1998, pp.

    32-33).

    Esse exemplo muito ilustrativo.

    O Bidu foi o gnio (meio louco, como dizem as ms

    lnguas que todo gnio) que inventou o pardal, o

    antiptico aplicador de multas eletrnicas.

    Sem o gnio do Bidu, nada se faria.

    Mas o Bidu, apesar da sua loucura (se que

    realmente louco, no d para saber...) teve o bom senso

    de compreender suas limitaes. Ele pediu o apoio da tal

    incubadora, depois pediu o apoio do scio que dispunha de

    dinheiro.

  • Os dois capitais, o intelectual e o monetrio,

    fizeram a empresa crescer. Mas a, a prpria inventividade

    do Bidu quase ps tudo a perder. Ele no soube control-la,

    como tambm no soube procurar um outro scio confivel.

    Mas teve o suficiente bom senso para sair na hora certa,

    deixando o campo livre ao scio que, menos dotado

    intelectualmente, era entretanto a pessoa indicada para

    levar a empresa ao sucesso. E assim se fez.

    A meu ver, o Bidu um tpico exemplo de inventor

    inteligente de nossos dias. Ele no cometeu o stimo pecado

    mortal do inventor, ou seja, teve o bom senso de reconhecer

    que no possua aptides administrativas e comerciais. Em

    conseqncia de seu talento e de seu bom senso, ganhou

    muito dinheiro apoiando-se em outras pessoas e, sobretudo,

    satisfez-se plenamente a si mesmo.

    38. verdade, quando o sujeito no tem nenhuma possibilidade de explorar comercialmente seu invento, melhor mesmo passar para a frente, vendendo e embolsando o dinheiro. Mas se o sujeito no to incompetente como o Bidu em matria administrativa, por que ele vai passar para outro? No acha isso bobagem, Carlos?

  • Nem sempre... Vou lhe contar um outro caso. Um

    exemplo de feliz combinao de capital intelectual e

    capital monetrio foi o do sterilar, aquele utilssimo

    aparelho eltrico que desumidifica o ar de ambientes

    fechados, combate o mofo, extermina os caros.

    Seu inventor foi um engenheiro brasileiro, de nome

    Florenzano, que residia em Petrpolis.

    Florenzano teve uma intuio maravilhosa e, servido

    por um conhecimento tcnico muito aprofundado, concebeu e

    executou o sterilar. Como avaliou o extremo interesse que

    seu invento despertaria, teve o louvvel cuidado de

    patente-lo no Brasil e em mais 38 pases. No conseguiu,

    entretanto, sucesso quando quis fabric-lo industrialmente.

    Os problemas eram demasiados complexos para aquele

    engenheiro genialmente criativo, mas que nada tinha de

    empreendedor.

    Que fez ele? Licenciou o invento para uma gigantesca

    multinacional, a Yashika, que logo se interessou pelo

    sterilar e o lanou no mundo inteiro, com aceitao geral e

    faturou rios de dinheiro. E o inventor, que recebeu os

    royalties da Yashika, tambm ficou rico e feliz.

    Infelizmente, Florenzano acabou morrendo em

    decorrncia do seu prprio invento. Mundialmente respeitado

    como autoridade em matria de combate a fungos e caros,

  • foi contratado para instalar seu sis