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Carlos Mazzei Presidente da Associao Nacional dos Inventores
Inventei! E agora? Como ganhar dinheiro com uma boa idia
Coleo EUREKA
So Paulo, dezembro de 2003
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N D I C E Introduo - Sa humilhado do gabinete do Ministro...
mas aquele dia marcou minha vida!
Parte I - O ABC da inveno, em 70 perguntas e respostas
- O leitor pergunta, o Carlos responde
A - Invenes e inventores, no passado e no presente
B - Os sete pecados mortais do inventor
C - Patente: a nica proteo eficaz para os direitos do
inventor
D - A Associao Nacional dos Inventores
Parte II - O mundo maravilhoso das invenes
A - 30 invenes que transformaram nossa vida de cada
dia
B - Um grande inventor renascentista: Leonardo da Vinci C - Um grande inventor de nossos dias: Jerome H. Lemelson D - Um inventor brasileiro: Bartolomeu de Gusmo, o Padre-Voador E - Outro inventor brasileiro: Padre Francisco Joo de Azevedo, precursor da mquina de escrever F - Landell de Moura, o "Padre-maluco" que o Brasil de seu tempo no soube compreender G - Carro movido gua - Aventuras e desventuras de um inventor brasileiro H - As loucuras de Kenji Kawakami, o inventor de inutilidades
I - Voc criativo? Faa um teste. Bibliografia utilizada
Apndice - Projetos de hoje, sucessos de amanh
-
Introduo
Sa humilhado do gabinete do Ministro... mas aquele dia marcou minha vida!
J se passaram mais de 10 anos, mas ainda lembro de
tudo como se fosse hoje.
Viajei para Braslia cheio de esperanas. Para mim,
empresrio jovem e com a mente repleta de projetos, uma
audincia com o Sr. Ministro da Cincia e Tecnologia era
algo muito importante, que podia dar um rumo diferente
minha vida. E de fato foi assim, aquela entrevista
frustrada mudou minha vida, se bem que de um modo diferente
do que eu esperava.
Eu possua -- como possuo ainda agora -- um
escritrio especializado no registro de marcas e patentes.
Embora nunca tenha inventado nada, posso dizer que as
invenes esto no meu sangue. Meu av Carlos Mazzei, cujo
nome herdei, foi o inventor da rvore de Natal artificial.
Na poca, foi uma idia surpreendente e despertou
reaes muito diversas na populao, desde aplausos
entusiasmados at crticas furiosas. A novidade sempre
-
desperta reaes desencontradas. Mas hoje, passados mais de
50 anos, todo mundo acha normal ter uma rvore de Natal
guardada em casa, espera da poca natalina.
Meu av tambm foi a primeira pessoa que teve no
Brasil a idia de decorar rvores e fachadas de casas com
lampadazinhas coloridas, na poca do Natal. Quando ele
comeou, muita gente achou estranho, mas hoje todo mundo
acha normal que as tristes e feias cidades de concreto e
poluio se revistam, nas festas natalinas, de luzinhas
multicoloridas, adotando um visual mais humano e menos
agressivo.
Em 1992, eu j tinha uma boa experincia em matria
de assessoria a inventores, pois minha empresa, a FAMA
Marcas e Patentes estava no mercado desde 1985 e j contava
com centenas de clientes.
Eu tinha, tambm, muitas idias a propor s
Autoridades federais, com vistas a ajudar os inventores
brasileiros. Meu desejo era que, aqui entre ns, as pessoas
de talento criativo (que pela sua prpria natureza so uma
minoria na populao) fossem reconhecidas, fossem
estimuladas, encontrassem ambiente propcio para se
desenvolver. Exatamente como eu via acontecer em pases de
Primeiro Mundo.
-
Eu me sentia inconformado por ver que tantos
talentos eram desperdiados, que tantas idias felizes eram
deixadas de lado, em grande parte porque no Brasil no
havia apoio efetivo, tanto a nvel legal quanto a nvel de
cultura geral da populao.
Achei, pois, muito natural pedir uma audincia ao
Sr. Ministro da Cincia e Tecnologia, para expor minhas
idias e sugestes.
Embora eu fosse um empresrio do ramo, o motivo
principal que me levava ao gabinete de Sua Excelncia no
eram interesses comerciais ou lucrativos.
Muito mais do que isso, eu desejava sinceramente
expor, suprema autoridade brasileira na rea da
Tecnologia, as dificuldades que minha experincia
profissional detectara para o desenvolvimento da
criatividade brasileira.
Telefonei para o Ministro, consegui ser atendido
pela sua secretria e solicitei uma audincia. Pelo
telefone mesmo ela foi marcada com surpreendente rapidez.
No dia indicado, voei para Braslia, como disse,
cheio de esperanas. Compareci ao Ministrio acompanhado de
um amigo, publicitrio que tambm estava muito interessado
no caso.
-
O Sr. Ministro recebeu-me amavelmente, no horrio
aprazado. Depois dos cumprimentos iniciais, perguntou qual
era a entidade que eu estava representando.
Respondi que no tinha representao de entidade
alguma, apenas era um jovem empresrio da rea de marcas e
patentes, que j possua uma experincia considervel na
rea, e desejava expor a ele, Ministro, algumas
dificuldades que eu via os inventores brasileiros
enfrentarem, juntamente com algumas propostas para superar
tais dificuldades.
Para minha surpresa, quando o Sr. Ministro me ouviu
dizer que eu no representava entidade alguma, levantou-se,
indicou-me a porta e, sem mais, de modo muito incisivo,
declarou:
-- Tenha a bondade de se retirar, no tenho nada que
tratar com o Sr.
Sa do gabinete confuso, sem entender, no primeiro
momento, o motivo daquela expulso.
Percorri a Esplanada dos Ministrios, em companhia
de meu amigo, humilhado e quase chorando de vergonha e
raiva.
Mais tarde, raciocinando melhor, at compreendi a
atitude do Ministro. As normas de bom procedimento no lhe
permitiam que ele favorecesse ou assessorasse empresas
-
particulares -- o que seria poderia ser interpretado como
favoritismo ou trfico de influncia. Apresentando-me eu
como empresrio, por mais altrustas, desinteressadas e
patriticas que fossem minhas intenes, pareceria
favoritismo pessoal atender-me como eu esperava.
Hoje, passados tantos anos, sou muito grato ao Sr.
Ministro Jos Goldenberg... Talvez ele pudesse me ter
despedido de modo mais cordial, mas devo muito a ele. Pois
foi naquela tarde ensolarada de Braslia, curtindo minha
humilhao na Esplanada dos Ministrios, que nasceu em meu
esprito o projeto da Associao Nacional dos Inventores.
Sim, foi naquela ocasio que pensei na criao de
uma entidade sem fins lucrativos, que tivesse como
finalidade reunir os inventores brasileiros e ajud-los a
registrarem suas patentes, a garantirem seus direitos, a
terem acesso aos empresrios e poderem condignamente
usufruir de suas criaes.
Hoje a Associao Nacional dos Inventores, com sede
em So Paulo, na Rua Dr. Homem de Mello, conta com mais de
500 associados. Ela j ajudou no registro de muitas
centenas de patentes e j intermediou contatos com
empresrios para a fabricao de mais de 300 inventos. J
participou de feiras e congressos internacionais, j
organizou ela mesma uma Feira Internacional de Invenes em
-
So Paulo, j editou uma revista, j participou de centenas
de programas de televiso e foi classificada, pela
Federao Internacional de Associaes de Inventores, como
a segunda mais bem organizada de todo o planeta.
O primeiro lugar coube Associao Espanhola de
Inventores, entidade que recebe anualmente mais de um
milho de dlares do Governo espanhol. O segundo lugar
coube nossa entidade, que nunca recebeu sequer um centavo
dos cofres pblicos...
* * *
Este livro destinado, sobretudo, aos inventores,
quer queles que j tenham inventado algo, quer queles que
ainda esto em fase de elaborao de algum projeto.
Neste livro, prezado amigo inventor, voc encontrar
o fruto de nossa experincia de 18 anos de trabalho
assessorando inventores.
Voc nele encontrar tudo o de que necessita para
garantir seus direitos e procurar tirar o melhor partido
daquilo que sua mente produziu ou est em vias de produzir.
Mostrarei de modo didtico e acessvel como
funciona, no Brasil e no Mundo, o mercado dos inventores.
Explicarei o que uma patente, o que so direitos
autorais, quais os procedimentos para cada inventor
registrar e proteger as idias ou projetos que tenha.
-
Explicarei ainda os vrios tipos de patentes, e
mostrarei quais as dificuldades concretas que se apresentam
para os inventores. O que melhor para um inventor, ele
prprio fabricar seus inventos, ou contratar algum que o
ajude a transformar seus sonhos em realidade? Que
modalidades de contratos existem, para o inventor explorar
suas patentes? Quais as vantagens e desvantagens de cada
uma delas?
Falarei depois da Associao Nacional dos
Inventores, mostrando tudo o que essa entidade pode fazer
por voc. Falarei de seus contatos internacionais, tanto na
rea de intercmbio com dezenas de associaes congneres
em todo o mundo, quanto a nvel jurdico, ou seja,
convnios com escritrios especializados em todo o mundo,
para garantir os direitos dos inventores brasileiros caso
seus inventos sejam objeto de contrafao em outros pases.
Na segunda parte do livro, que contm uma compilao
de textos de vrias procedncias, faremos juntos -- o
leitor e eu -- um fascinante passeio pelo mundo maravilhoso
das invenes. Conheceremos figuras fascinantes de
inventores do passado, algumas delas injustamente
esquecidas, e de outros da atualidade. Tambm nos
indagaremos sobre a origem de muitos objetos que fazem hoje
parte de nosso dia-a-dia, mas que um dia precisaram ser
-
inventados por nossos semelhantes... E faremos uma visita
oficina estranha e fascinante de Kenji Kawakami, o genial
inventor... de inutilidades!
Ainda na segunda parte do livro, o leitor encontrar
um teste prtico, para aferir seu grau de criatividade e
inventividade.
Encerra o volume, como apndice, a apresentao de
uma srie de projetos criativos e originais de inventores
brasileiros da atualidade, que esto sendo incentivados
pela Associao Nacional dos Inventores. Alguns esto ainda
em fase inicial, mas so altamente promissores.
Procurei tanto quanto possvel fazer um livro
agradvel de ler, repleto de episdios reais que chegaram
ao meu conhecimento, para esclarecer todas as suas dvidas
e resolver todos os seus problemas. Mas, se algo ainda lhe
ficar obscuro, ou se quiser procurar-nos para conversar e
trocar idias, saiba, prezado amigo inventor, que as portas
da Associao Nacional dos Inventores esto sempre abertas
para voc. Ou melhor, ela a sua casa.
Venha procurar-nos, venha aqui tomar um cafezinho e
conversar, venha conhecer o Museu Contemporneo das
Invenes.
Aqui estamos sua espera.
-
Carlos Mazzei
Parte I O ABC da inveno, em 70 perguntas e respostas - O leitor pergunta, o Carlos responde
A - Invenes e inventores, no passado e no presente
1. Tive uma idia que me parece genial... Que fao agora, Carlos, para aproveit-la bem?
Voc est fazendo, com outras palavras, precisamente
a mesma pergunta do ttulo deste livro: "Inventei: e
agora?"...
para respond-la, prezado leitor, que eu o escrevi
inteirinho, depois de ter pensado e meditado nele durante
18 anos.
Vamos, pois, esclarecer todas as suas dvidas.
Mas, antes de mais nada quero dar-lhe os parabns.
-
Se voc inventou alguma coisa, se teve uma idia
preciosa, se inovou algo, se foi capaz de fugir, de um modo
criativo, das rotinas estabelecidas, voc merece parabns!
Voc faz parte de minoria mais privilegiada da Humanidade.
De fato, a maior parte das pessoas se limita a
seguir passivamente caminhos que outras pessoas abriram
antes, sem se perguntar que novos atalhos e trilhas
poderiam elas prprias abrir por si mesmas, que novos
horizontes poderiam se apresentar diante dos seus olhos se
elas tivessem coragem de sair da rotina.
Um dos grandes "gurus" do mundo atual, o italiano
Domenico de Masi, autor de diversos livros em que exalta as
qualidades daquilo que chama de "cio criativo", mostra bem
a diferena entre criatividade (ou inventividade), de um lado, e rotina ou burocracia, de outro.
Para ele, a criatividade se ope burocracia,
porque a criatividade a capacidade de fantasiar aliada
capacidade de realizar. Ter fantasia e ser incapaz de
realizar, de pouco adianta; e realizar sem fantasia
burocracia.
E a burocracia, assim entendida, terrvel...
"Por sua prpria vocao, os burocratas so sdicos
-- diz o pensador italiano. Um burocrata feliz quando
pode matar as idias dos criativos. O burocrata feliz ao
-
poder dizer a frase: Lamento, mas venceu o prazo. ... O
burocrata v os limites, ao passo que o criativo v as
oportunidades ... Enquanto o burocrata tem razo nove vezes
em dez, o criativo erra nove vezes, mas, quando acerta uma
vez, est abrindo novos caminhos para a humanidade"
(entrevista a "Voc S.A.", maro de 1999).
Este livro quer ajudar voc a realizar efetivamente
a sua fantasia, a tornar o seu sonho realidade, a ser
plenamente criativo, a ser um inventor no sentido mais
nobre e elevado do termo.
Os tempos que estamos vivendo exigem do inventor, ou
do candidato a inventor, um conjunto de conhecimentos
especficos (de natureza tcnica, jurdica, administrativa,
financeira, at mesmo publicitria) que, muitas vezes ele
no possui. Muitas vezes seu talento desperdiado porque,
depois de ter tido uma idia genial, ele no consegue
desvencilhar-se dos inmeros problemas que sua inveno
gerou. E acaba desperdiando seu talento, perdendo a obra
para outro mais esperto ou mais rpido do que ele.
Antigamente, por exemplo na Grcia dos tempos
clssicos, os inventores conseguiam "se virar" sozinhos.
Mas hoje, com a complexidade das relaes econmicas, a
experincia mostra que isso impossvel.
-
2. Na Grcia antiga j havia inventores?! Mas as invenes no so novidades dos tempos atuais?!
Quando se fala em grandes invenes, imediatamente
vem ao esprito a idia daquela poca iniciada com a
chamada Revoluo Industrial, em fins do sculo XVIII.
Na realidade, inventar inerente natureza do
homem, no um privilgio ou monoplio dos ltimos
sculos. Desde os tempos mais remotos o Homo sapiens no
tem feito seno inventar...
A roda, a enxada, o arado, o arco e a flecha, tudo
isso so invenes antiqssimas, que se perdem na noite
dos tempos. As invenes modernas muitas vezes so
desdobramentos altamente sofisticados de invenes muito
simples quase to velhas quanto o gnero humano...
Uma interessante explicao scio-psicolgica de
como os homens primitivos foram desenvolvendo suas criaes
a partir das suas necessidades primrias pode ser
encontrada num livro clssico de Hendrik van Loon,
intitulado "Histria das Invenes". Trata-se de uma obra
que eu considero predominantemente literria, at bastante
questionvel do ponto de vista histrico, mas d uma idia
-
muito sugestiva de como funciona o esprito inventivo do
gnero humano -- radicalmente diferente dos meros animais.
3. Por que radicalmente diferente dos animais?
H muitos milhares de anos as abelhas fazem por
instinto suas colmeias, que so uma verdadeira obra-prima
de arquitetura, de funcionalidade e de organizao
social... mas no se conhece o caso de uma abelha que tenha
tentado fazer algo diferente. A maravilha que elas fazem
por instinto j lhes basta, de nada mais elas precisam,
nenhuma necessidade elas sentem de aprimoramento ou
modificao.
J o homem diferente. Desde os tempos mais remotos
no parou de criar, de melhorar, de aprimorar sua vida em
todos os aspectos.
4. Seria possvel me dar um exemplo de inventor dos tempos antigos?
Sim. Na Antigidade, para citar um nico exemplo,
temos as invenes maravilhosas de Arquimedes (287-212
-
A.C.), aquele famoso sbio que foi tomar banho e, ao
mergulhar na banheira, fez a gua transbordar. Qualquer
pessoa comum no daria importncia ao pequeno acidente, mas
Arquimedes no era um homem comum, e encontrou naquele
deslocamento de gua a explicao para um complicadssimo
problema de Fsica que o atormentava. Entusiasmado pela
descoberta, esqueceu-se de tudo o mais e saiu nu pelas ruas
da cidade, bradando a palavra grega "Eureka!" (achei,
descobri).
A palavra "Eureka" se transformou numa espcie de
smbolo da inventividade humana. Foi por isso que a
escolhemos para designar a coleo de obras que este livro
inicia.
Foi Arquimedes que estudou o princpio fsico da
alavanca e compreendeu a incrvel multiplicao de foras
que ela podia produzir em proveito do homem, chegando a
pronunciar a clebre frase: "Se me derem uma alavanca e um
ponto de apoio, conseguirei levantar o mundo".
Foi ele que desenvolveu outro sistema de
multiplicao de foras, o sistema de roldanas, e para
grande espanto da multido conseguiu, sem esforo e sentado
comodamente numa praia, empurrar para a gua um enorme
navio amarrado num cabo, graas ao intrincado encadeamento
de roldanas que planejara.
-
Foi ele que teve a idia de concentrar os raios do
sol em grandes espelhos, obtendo assim a formidvel "arma
secreta" que incendiou as galeras romanas que estavam
atacando a cidade de Siracusa.
Note-se que Arquimedes foi um gnio, mas no foi um
gnio isolado. No seu tempo havia inmeros outros sbios
que ajudaram a assentar as bases slidas sobre as quais,
muitos sculos depois, se haveria de se erguer o majestoso
edifcio da Cincia moderna.
Na realidade, mais uma vez afirmo, a maior parte das
invenes modernas no so seno desdobramentos altamente
sofisticados de invenes muito simples e muito antigas.
5. Gostei do caso desse Arquimedes, Carlos. Podia contar mais algum?
So tantos e tantos, que daria para escrever um
livro s contando esses casos. E no entanto, note, a imensa
maioria das invenes antigas eram annimas, desconhece-se
inteiramente quem as criou.
Mas j que voc pede mais um caso desses, lembro o
exemplo de Aristteles (384-322 A.C.), que viveu um sculo
antes de Arquimedes. Ele no apenas foi o filsofo genial
-
que criou o sistema de pensamento lgico adotado at hoje
pela Civilizao Ocidental; foi tambm o sbio que pela
primeira vez utilizou o mtodo emprico para o estudo
cientfico, fundando o primeiro jardim zoolgico do mundo
para observar e estudar os animais. Quando lhe pediram que
escrevesse um tratado sobre o governo dos povos, ele no
quis escrever um livro terico, sado somente da sua
cabea. Mas teve a idia genial de mandar emissrios a mais
de 200 cidades ou naes da poca, com a incumbncia de
examinar as instituies polticas de cada uma delas, e
descrever minuciosamente como cada uma delas se governava.
S depois de receber e analisar esses relatrios todos --
modernamente se diria: s depois desses estudos de caso --
que ele se sentiu habilitado a escrever a famosa obra que
intitulou "Poltica", sobre o governo dos povos. Ele usou o
mtodo emprico e experimental que muitos sculos mais
tarde Bacon sistematizaria e tornaria famoso.
Tambm nas relaes com o poder econmico
Aristteles foi um precursor. Ele era mdico, e de uma
famlia relativamente abastada, mas jamais teria recursos
para financiar tantas pesquisas. Foi graas ao apoio
financeiro de Filipe, rei da Macednia, e de seu filho
Alexandre Magno, que Aristteles pagou os emissrios que
enviou para tantas cidades e pde importar de terras
-
remotas tantos animais fabulosos para povoarem seu
zoolgico.
6. Isso era somente entre os gregos antigos, ou era tambm em outros povos?
O af de inventar, de criar, prprio natureza
humana. Somente em culturas muito decadentes esse af
parece desaparecer, mas na realidade nunca desaparece de
todo.
Quando se estuda a civilizao dos egpcios, sua
cincia misteriosa haurida, segundo alguns, em sbios mais
antigos provenientes da Caldia, a cada momento revela
novas surpresas para os pesquisadores modernos. O Abb
Thophile Moreux, diretor do Observatrio Astronmico de
Paris, escreveu a esse respeito, em princpios do sculo
XX, um livro que se tornou clebre, intitulado "A cincia
misteriosa dos faras".
No Extremo Oriente, a sabedoria milenar dos chineses
descobriu coisas que hoje at no Ocidente so valorizadas.
Basta lembrar o aproveitamento do bicho-da-seda para
produzir o mais belo e fino dos tecidos.
-
Na Idade Mdia, que muita gente ainda imagina uma
poca de trevas e ignorncia, mas que modernos
pesquisadores europeus demonstram ter sido -- apesar dos
percalos daqueles tempos -- uma poca de grande
fecundidade intelectual e cientfica, houve assinalados
progressos tcnicos. Por exemplo, datam dessa poca os
moinhos de vento, as rodas hidrulicas, as tcnicas de
fundio de sino, os primeiros relgios, a roca e a
carretilha para fiao, a utilizao do carvo de pedra em
forjas, a serraria automtica movida a gua corrente (cfr.
Gerd Betz, "Historia de la Civilizacin Occidental", p.
150).
Na Renascena, foi ainda mais notvel a criao
cientfica. Leonardo da Vinci (ver Parte II) e Galileu
Galilei so expoentes de uma enorme legio de cientistas e
inventores, muitos dos quais hoje esquecidos, mas que
tiveram importncia primordial.
Todo esse imenso trabalho intelectual de geraes e
geraes de homens, ao longo dos milnios, preparou o
terreno de modo muito favorvel para que, nos dois ltimos
sculos, a Humanidade estarrecida pudesse presenciar ao
maravilhoso suceder das grandes invenes modernas.
-
7. Mas ento as invenes modernas foram muito mais numerosas e espetaculares que as antigas, no verdade?
Sim, verdade. Nos dois ltimos sculos ocorreu uma
imensa revoluo tcnica, tecnolgica e industrial, em
propores sem precedentes na Histria da Humanidade.
Sob fortes impactos histricos, oriundos de
revolues polticas, catstrofes, epidemias, crises
econmicas, guerras e conflitos, alguns poucos homens --
que de certa forma constituem uma parcela privilegiada da
Humanidade -- dedicaram suas vidas pesquisa cientfica e
aos estudos, concebendo e desenvolvendo inventos que
alterariam em profundidade o prprio modus vivendi do
gnero humano.
Assim foram, por exemplo, as descobertas dos
antibiticos na Medicina, do telefone, do rdio e da
televiso no campo das comunicaes, do automvel, do avio
e dos foguetes na rea dos transportes, da Engenharia
gentica na agricultura e pecuria.
No este o lugar apropriado para historiarmos as
invenes. Talvez eu ainda dedique a esse tema apaixonante
um outro livro, na medida em que me permitam meus afazeres
profissionais.
-
8. E como se processam as invenes? Como elas brotam da cabea dos homens?
Historicamente, as invenes surgem de dois modos
diversos: ou a partir da identificao de um determinado
problema, para o qual se busca, consciente ou
subconscientemente, uma soluo; ou a partir de um acaso,
que revela de modo inesperado algo novo, que acaba servindo
para solucionar um problema preexistente, para o qual
talvez nem se estivesse procurando soluo.
Exemplo tpico do primeiro caso o do avio. Desde
que o homem homem ele sonhava em voar, em alar-se s
nuvens e, de uma perspectiva muito elevada, ter uma viso
como a das aves. Desde os mitolgicos caro e Ddalo, at o
nosso Santos-Dumont, passando pelo injustamente esquecido
Padre Bartolomeu de Gusmo (ver Parte II), pelos irmos
Montgolfier, por tantos e tantos outros audazes
experimentadores, o problema sempre foi o mesmo. A inveno
do avio foi a soluo para esse problema.
Um exemplo tpico do segundo caso, em tempos
primitivos, foi a descoberta do vidro, quando uma tenda
incendiou-se num acampamento de nmades, e o efeito do
-
fogo, agindo sobre os elementos constitutivos do solo,
produziu a primeira chapa de vidro da Histria.
Outro exemplo, em tempos bem modernos: a inveno do
post-it: um adesivo imperfeitamente produzido teve como
resultado uma cola que s cola a meias, ou melhor, que cola
mas pode facilmente ser descolada sem deixar marcas. Algo
que era um erro, inspirou a Art Fry a idia do genial
sistema de avisos e lembretes que dominou o mundo.
Voc certamente conhece o "branquinho", aquela tinta
branca com a qual a datilgrafa cobre o seu erro, podendo
bater por cima a letra correta. Sabe como surgiu?
Foi uma secretria que certa vez cometeu um erro e
teve a idia de cobri-lo com seu esmalte de unha.
Verificando que logo aquilo ficou bem sequinho,
experimentou bater outra letra por cima, e deu-se conta de
que a superfcie esmaltada aceitava sem problemas a
impresso. Da veio a idia de produzir um esmalte
quimicamente igual ao esmalte de unha, mas de cor branca,
no para pintar unhas de datilgrafas, mas para corrigir os
erros que elas cometessem...
9. Quem que inventa, normalmente? So pessoas, so equipes ou so empresas?
-
Dados de pesquisas norte-americanas revelam que 66 %
das maiores descobertas da Humanidade foram desenvolvidas
por pessoas fsicas e o restante por funcionrios de
empresas ou companhias, atuando por meio de centros de
tecnologias e novos produtos.
10. O brasileiro inventivo, Carlos? Alm do
Santos-Dumont h outros casos de brasileiros que inventaram
coisas de alcance mundial?
Sim, o brasileiro muito inventivo. at, no meu
modo de entender, um dos povos mais inventivos do mundo.
Somente eu gostaria de salientar que, de um modo geral, a
inventividade do brasileiro se manifesta mais no resolver
de modo engenhoso e at genial problemas da vida concreta,
do dia-a-dia, do que propriamente dedicar-se a inventos
especulativos de alta tecnologia. Em matria de alta
tecnologia destacam-se, por exemplo, de modo especial os
norte-americanos ou os japoneses. Na rea da sade, j o
destaque maior para a China, desde os tempos da velha
China imperial, que praticava a acupuntura -- sistema
teraputico que hoje vem sendo valorizado em todo o mundo.
-
Quanto ao software, os melhores programadores so os
indianos, seguidos de perto pelos brasileiros.
So peculiaridades dos povos... Cada qual tem uma
rea de interesse mais demarcada. Mas isso, note bem, em
termos gerais, h excees.
No queria deixar de assinalar que h um pas da
Amrica espanhola que particularmente fecundo em grandes
inventores: nossa vizinha Argentina.
A Associao Argentina de Inventores, presidida por
meu amigo Eduardo Fernndez, possui atualmente mais de 500
membros, e se dedica ao af de ajudar os talentos criativos
da nao vizinha.
Entre muitos outros inventores dessa nao, gostaria
de destacar Ladislau Jos Biro (1899-1985), hngaro de
nascimento e argentino por naturalizao, que o inventor
da caneta esferogrfica, invento que vendeu para o talo-
francs Marcel Bich por um milho de dlares. De tal modo a
memria de Biro reverenciada na Argentina que na data de
seu nascimento, 29 de setembro, se comemora naquele pas o
Dia do Inventor.
A idia da caneta esferogrfica brotou na cabea de
Biro de um modo muito curioso... Ele estava vendo meninos
de rua brincar com carrinhos de rolem e observou que,
quando passavam por uma poa de gua suja, as rodinhas
-
deixavam um rastro negro atrs de si. Da teve a genial
idia de uma pena esfrica que fosse alimentada de tinta
por mtodo anlogo.
11. Voc esqueceu de responder o que eu perguntei, se alm do Santos-Dumont h outros brasileiros que tenham produzido invenes de alcance mundial.
No esqueci, no... Voc que no me deixou
terminar...
Entre os grandes inventores brasileiros no posso
deixar de lembrar trs grandes sacerdotes.
O primeiro deles o Padre Bartolomeu de Gusmo
(1685-1724), natural de Santos, que inventou a Barcarola,
um balo movido a ar quente com o qual fez uma famosa
ascenso nos cus de Lisboa, em 1709 (muitos anos antes das
celebradas ascenses do balo dos irmos Montgolfier),
diante da Corte reunida e de grande multido de povo.
O segundo o paraibano Padre Francisco Joo de
Azevedo (1814-1880), que inventou em 1861 o mecangrafo,
mquina de escrever que usava um sistema de alavancas muito
engenhoso. O invento desse nosso patrcio anterior ao de
Remington.
-
O terceiro, e de certa forma o maior deles, o
Padre Roberto Landell de Moura (1861-1928), sacerdote
gacho cuja vida de inventor daria matria para um livro.
Foi ele o precursor do telgrafo sem fio e de vrios outros
inventos. Um resumo das empolgantes vidas desses sacerdotes
que foram incompreendidos pelos seus contemporneos pode
ser encontrado na Parte II deste livro.
Tambm dois outros inventos tiveram precursores no
Brasil: a fotografia e o flash.
12. Quais os nomes desses precursores? So
conhecidos ou caram no esquecimento?
Infelizmente, caram no quase total esquecimento os
nomes desses precursores, que desenvolveram no Brasil suas
experincias, se bem que no tivessem a naturalidade
brasileira.
O artista e naturalista Hercules Florence (1804-
1879), natural de Nice, no sul da Frana, transferiu-se
para o Brasil em 1824, contratado como desenhista pelo
clebre Baro de Langsdorff, diplomata russo que durante
quatro anos -- de 1825 a 1829 -- percorreu a Amaznia,
desenvolvendo minucioso trabalho de levantamento
-
cientfico. Concluda a expedio Langsdorff, Florence
transferiu-se para Campinas, onde permaneceu at morrer,
meio sculo depois. Foi naquela cidade paulista que
desenvolveu vrios projetos pioneiros. Inventou, por
exemplo, um sistema peculiar de impresso de textos, ao
qual deu o nome de Polygraphie (gravao mltipla). Foi
tambm em Campinas que descobriu, alguns anos antes de seu
conterrneo Jacques-Louis Daguerre, um processo de captar
imagens atravs de uma cmara obscura, com elas
sensibilizando uma chapa de vidro e, por contato, uma folha
de papel especial. A esse invento, Florence deu o nome de
photographie (gravao pela luz).
O fotgrafo portugus Jos Ferreira Guimares (1841-
1924) era, durante o reinado de D. Pedro II, o mais
procurado e prestigiado fotgrafo do Rio de Janeiro. Chegou
a ser o fotgrafo oficial da Corte imperial, tornando-se
muito amigo do Imperador D. Pedro II, que tambm era grande
aficionado pela fotografia. Foi no Rio de Janeiro que
Guimares desenvolveu o chamado "Relmpago Guimares",
sistema de produzir uma luz artificial intensa que permitia
fotografar em ambientes pouco iluminados. Esse fotgrafo
ficou riqussimo, trabalhando com a alta sociedade do Rio
de Janeiro, mas depois da proclamao da repblica, por
fidelidade para com seu grande amigo D. Pedro II, resolveu
-
fechar seu ateli e mudou-se para Paris, onde faleceu
muitos anos depois. As experincias de Guimares, note-se,
foram anteriores s dos alemes Johannes Gaedicke e Adolf
Mietke com o seu "p relmpago", mistura de magnsio,
cloreto de potssio e sulfeto de antimnio, lanado em
1887.
13. Puxa, Carlos, voc falou um mundo de coisas interessantes e teis, e eu quase ia esquecendo a minha pergunta inicial: se eu tive uma idia muito boa, o que devo fazer para aproveit-la bem?
Antes de mais nada, voc precisa evitar os sete
pecados mortais do inventor moderno.
E, para evit-los, voc precisa conhec-los bem.
-
B - Os sete pecados mortais do inventor
14. Quais so, Carlos, os pecados mortais do inventor?
Os pecados mortais do inventor so sete:
Incredulidade,
Imprudncia,
Precipitao,
Descontrole verbal,
Falta de organizao,
"Pecado de Eu-gnio" e
Falta de bom senso.
Esses pecados so mortais, ou seja, matam a
inveno, impedindo o desenvolvimento da sua boa idia.
-
15. Puxa, Carlos, esse negcio est parecendo muito complicado... Me explica direitinho isso tudo!
O primeiro pecado mortal do inventor o da
incredulidade, ou seja, a falta de f no potencial de sua
idia.
Com minha experincia de 18 anos no ramo, atendi a
um enorme nmero de pessoas que vinham me expor uma idia,
mas j previamente, de modo s vezes subconsciente,
desanimadas, sem entusiasmo pelo prprio projeto, duvidando
de sua exeqibilidade ou de sua real potencialidade.
Essa falta de f perigosssima. Porque se aparece
diante de mim um pseudo-inventor trazendo um projeto
inexpressivo mas que julga erradamente ter descoberto a
plvora, at fcil tratar com ele e reconduzi-lo s suas
propores verdadeiras. O pior que pode acontecer ele
ficar furioso comigo e sair batendo a porta e dizendo
coisas que senhoras educadas no podem ouvir...
Mas a falta de f e de entusiasmo no prprio projeto
muito perigosa. Muitas vezes, quando vejo que o projeto
realmente genial, at consigo contagiar seu inventor com o
meu entusiasmo, e ele acaba se transformando noutra pessoa.
Um dos mais bem sucedidos inventores brasileiros da
atualidade (no vou dizer o nome dele por uma questo de
-
tica profissional) me procurou anos atrs, trazendo um
projeto de aparelho extremamente simples e barato, mas ao
mesmo tempo utilssimo. Desde logo vi que aquilo era o tipo
da inveno destinada a ter um sucesso espantoso. Mas o
inventor me pareceu um tanto desanimado com o potencial do
que havia projetado, e at me perguntou mais de uma vez: --
Mas voc acha sinceramente, Carlos, que vale a pena
patentear esse negcio? Ser que vai dar certo?
Deu.
Hoje esse inventor um feliz e prspero empresrio,
e sua mquina prtica, funcional e barata, se encontra em
centenas de milhares de estabelecimentos comerciais do
Brasil inteiro.
16. Voc se lembra de algum outro caso desses?
Sim, lembro de um bem interessante, que no
presenciei pessoalmente, mas que me foi contado por pessoa
de minha confiana. Por razes bvias, no vou dizer o nome
das pessoas envolvidas.
Numa cidade X, do interior do Brasil, existe um
homem riqussimo, j bastante idoso, que construiu sua
-
imensa fortuna a partir de uma inveno genial que
patenteou.
algo que no posso dizer o que , mas que voc
conhece muito bem. uma coisinha extremamente simples, que
a todo momento passa pelos seus dedos; quando voc vai a um
supermercado, difcil encontrar uma gndola onde a tal
coisinha no tenha sido utilizada, por produtos dos mais
diversos gneros. , repito, algo extremamente simples,
algo maneira de um ovo-de-colombo.
E o tal senhor recebe royalties de todas as fbricas
que utilizam sua inveno, no Brasil, nos Estados Unidos,
na Europa etc. etc.. Voc pode imaginar como ele est
rico...
Pois bem, um amigo meu certa vez teve a curiosidade
de perguntar a esse senhor como que lhe ocorrera ao
esprito inventar aquilo.
Para grande surpresa do meu amigo, o velho senhor
lhe confidenciou que na realidade no era propriamente o
inventor daquilo, mas era apenas o beneficirio indireto de
um inventor que no acreditara no potencial de sua
inveno: ou seja, de um inventor que havia cometido o
primeiro dos pecados mortais do inventor moderno...
-
17. Fico curioso... Como que foi isso?
Essa mesma pergunta meu amigo fez ao riqussimo
senhor. E ouviu dele a explicao.
Muitos e muitos anos antes, conversando com um
empregado seu numa hora de folga, esse empregado exps,
assim como quem no quer nada, uma idia que lhe ocorrera:
-- Como complicado fazer tal coisa... Seria to
fcil evitar isso... Bastava colocar uma coisinha assim, em
tal lugar, e tudo se resolvia.
Na mesma hora, o formidvel instinto prtico e
empresarial do interlocutor se acendeu.
-- Que idia genial voc teve! Desenvolva essa
idia, tire patente dela e voc est com a vida feita!
Mas o outro, descrente, deu um risinho tristonho e
respondeu:
-- No, isso no tem esse alcance. Se essa idia
ocorreu a mim, que sou um simples operrio, j deve ter
ocorrido a milhares de pessoas...
-- No pense assim, desenvolva essa idia e eu lhe
garanto que ela ser um sucesso!
-- Iluso sua... Se quiser, desenvolva voc que eu
tenho que trabalhar duro para sustentar minha famlia.
para isso que nasci, no para ficar sonhando.
-
O senhor ainda tentou convenc-lo a explorar sua
idia genial, mas em vo. Algum tempo depois, o pobre homem
nem mais se lembrava da genialidade fugidia que um dia
batera sua porta e rapidamente se afastara. Nem sequer
imaginava que a fortuna estivera um momento ao alcance de
suas mos...
A idia foi desenvolvida e posta em prtica pelo tal
senhor, e fez sua fortuna e sua felicidade. Ele ainda
ajudou, do melhor modo que pde, o pobre operrio, que
nunca foi capaz de entender o alcance da idia que tivera.
E acabou morrendo, pobre como sempre vivera.
Por que esse infeliz fracassou?
Porque cometeu o primeiro pecado mortal do inventor:
falta de f.
18. E o segundo pecado mortal?
O segundo pecado mortal do inventor a imprudncia,
que o leva a no tomar as medidas necessrias para proteger
e assegurar seus direitos.
Idias podem ter muito valor, sobretudo quando
possudas por quem sabe faz-las valer.
Se voc inventou, descobriu, escreveu ou comps algo
de novo, no perca tempo. Tome logo as medidas
-
administrativas adequadas para proteger juridicamente sua
idia. Ela patrimnio seu. Se voc protege com cuidado as
notas de dinheiro da sua carteira, o seu talo de cheques e
os seus cartes de crdito, por que vai descuidar de suas
idias, que tambm so propriedade sua? Mais adiante
exporemos detalhadamente o que pode e o que no pode ser
patenteado, o que propriedade industrial e o que
direito autoral, o que so patentes.
Anote muito bem isto que lhe vou dizer agora: o mais
famoso e o mais genial dos inventores brasileiros cometeu
exatamente esse pecado mortal, e foi muito prejudicado por
isso. Quer saber de quem estou falando? Nada mais nada
menos que de Alberto Santos-Dumont, o Pai da Aviao. Ele
nunca se preocupou em patentear seus inventos, e por isso
os irmos Wright, dos Estados Unidos, passaram na sua
frente e agora, neste ano de 2003, a quase totalidade do
mundo celebra o centenrio do seu invento, que na realidade
foi bem menos importante que o de Santos-Dumont, apenas
porque eles tiveram o cuidado de registrar a patente antes.
19. Como que foi isso?
-
Santos-Dumont era um idealista, um esprito superior
que nunca visou lucros econmicos com suas pesquisas.
Ele era, alis, muito rico, pois seu pai, o Eng.
Henrique Dumont, natural de Diamantina-MG, era o "Rei do
Caf" do seu tempo, tendo aberto e formado uma gigantesca
plantao de caf na regio de Ribeiro Preto-SP, com
milhes de ps de caf. To imensa era a propriedade que
dentro dela havia toda uma rede de linhas frreas,
especialmente destinadas a fazer escoar a gigantesca
produo.
O Eng. Dumont, que o filho mais tarde recordaria com
palavras comovidas e cheias de gratido, soube desde logo
aquilatar o valor extraordinrio do jovem Alberto, e a
tmpera do seu carter. E fez uma coisa que pouqussimos
pais teriam a coragem de fazer: quando Alberto completou 18
anos, o pai o emancipou e lhe entregou uma fortuna enorme.
Vale a pena transcrever as prprias palavras com
que, muitos anos depois, Santos-Dumont relataria o fato:
"Uma manh, em So Paulo, com grande surpresa minha,
convidou-me meu pai a ir cidade e, dirigindo-se a um
tabelio, mandou lavrar escritura de minha emancipao.
Tinha eu dezoito anos. De volta casa, chamou-me ao
escritrio e disse-me: -- J lhe dei hoje a liberdade; aqui
est mais este capital. E entregou-me ttulos no valor de
-
muitas centenas de contos. -- Tenho ainda alguns anos de
vida; quero ver como voc se conduz: v para Paris, o lugar
mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se voc se faz um
homem; prefiro que no se faa doutor; em Paris, com o
auxlio de nossos primos, voc procurar um especialista em
fsica, qumica, mecnica, eletricidade etc.; estude essas
matrias e no se esquea que o futuro do mundo est na
mecnica. Voc no precisa pensar em ganhar a vida; eu lhe
deixarei o necessrio para viver..."
Santos-Dumont seguiu o conselho paterno. Nunca
precisou trabalhar para viver, mas trabalhou arduamente
para beneficiar a humanidade.
Tornou-se muito conhecido em Paris pela generosidade
com que dava esmolas aos pobres e aos desamparados, assim
como pela largueza com que recompensava os auxiliares que o
serviam. Impressionante demonstrao de seu desprendimento
ocorreu quando ganhou o prmio Deutsch de la Meurthe, por
ter conseguido conduzir seu balo dirigvel desde St.-Cloud
at a Torre Eifel, circund-la e retornar ao ponto de
partida em menos de 30 minutos. O prmio, que era de 100
mil francos, acrescido aos juros e a alguns prmios menores
que o acompanhavam, atingiu a cifra de 129 mil francos.
Santos-Dumont no quis ficar com um nico centavo
dessa quantia, que para a poca era fabulosa. Determinou
-
que 50 mil francos fossem distribudos pelos mecnicos e
pelos operrios das fbricas que o haviam auxiliado. E o
restante foi distribudo, a pedido do generoso aeronauta,
pela polcia de Paris a 3.950 pessoas pobres e
necessitadas.
Assim era Alberto Santos-Dumont, idealista, modelo
de desinteresse e desprendimento. Falar a ele que devia
patentear um invento era capaz de ofend-lo... Insinuar que
podia ganhar dinheiro com seu imenso talento, seria to
ofensivo quanto propor a uma jovem honesta que se
prostitusse. Para ele, bastava a glria de ter cumprido
seu dever e ter beneficiado a Humanidade.
Tudo o que fazia, entretanto, fazia-o de pblico.
Todos os seus vos, fazia-os diante de multides de
pessoas, e sempre acompanhado de cientistas que os
homologavam com todo o rigor.
Tambm no fazia segredo de seus projetos, mas os
divulgava livremente, at mesmo entre competidores...
Qual o resultado dessa atitude dele? que hoje,
fora da Frana e do Brasil, pouqussimos de nossos
contemporneos sabem quem foi Alberto Santos-Dumont. E
neste mesmo ano em que estou escrevendo este livro, o
"Time", exaltando os feitos dos irmos Wright, somente de
passagem se referiu a Santos-Dumont, um "excntrico
-
hispnico" (sic!) que causara sensao em Paris e podia ser
considerado um precursor do ultraleve...
Por que esse absurdo? Porque Santos-Dumont cometeu o
segundo pecado moral do inventor...
20. E os irmos Wright, que fizeram eles para passar na frente do nosso compatriota?
Os irmos Wright, justia lhes seja feita, foram
grandes inventores e construram um aparelho que se portava
muito bem nos ares... mas s depois de ter sido lanado ao
ar por uma espcie de catapulta.
Em outras palavras, o aparelho dos Wright no era
capaz de alar vo por si mesmo, como o de Santos-Dumont,
mas precisava de uma fora externa para coloc-lo no ar.
Os Wright trabalhavam em segredo, sem testemunhas,
receosos de que algum lhes roubasse a inveno. Tomavam
extremo cuidado em patentear seus projetos, e perseguiam
implacavelmente, por via judiciria, a quem quer que
julgassem estar lesando seus direitos.
Desde o comeo, tinham em vista enriquecer com a
aviao, e realmente o conseguiram.
-
Foram, sem dvida, homens de valor, mas humanamente
falando, estavam muito longe da elevao moral e da pureza
de intenes do nosso Santos-Dumont. Acresce que, como j
disse, no famoso vo dos irmos Wright, que o mundo quase
inteiro est comemorando agora, seu aparelho foi lanado do
alto de um morro e desceu 260 metros adiante, depois de
pairar no ar por quase um minuto. Eles logo celebraram o
feito, mas somente cinco anos depois tornaram pblica a
fotografia que afirmam ter sido tomada na ocasio. Ou seja,
dois anos depois de Santos-Dumont ter, diante da multido
parisiense, se elevado ao ar no Demoiselle, com suas
prprias foras, voando a 6 metros de altura uma distncia
de cerca de 250 metros.
Ao nosso nobre e desinteressado compatriota s
restou o desconsolo de registrar, em suas memrias, o
episdio. Na sua grandeza de alma, o segundo pecado mortal
do inventor no passava de um pecadozinho venial sem
importncia...
21. S por curiosidade, como foi que Santos-Dumont se referiu ao episdio?
-
Para responder a essa pergunta, nada melhor do que
transcrever as prprias palavras dele, extradas das j
citadas memrias que publicou:
"Logo depois, em 23 de outubro (de 1906), perante a
Comisso Cientfica do Aero Club e de grande multido, fiz
o clebre vo de 250 metros, que confirmou inteiramente a
possibilidade de um homem voar.
"Esta ltima experincia e a de 12 de julho de 1901,
me proporcionaram os dois momentos mais felizes de toda a
minha vida.
"Um pblico numeroso assistiu aos primeiros vos
feitos por um homem, como tais reconhecidos por todos os
jornais do mundo inteiro. Basta abri-los, mesmo os dos
Estados Unidos, para se constatar essa opinio geral.
"Podia citar todos os jornais e revistas do mundo,
todos foram, ento, unnimes em glorificar esse 'minuto
memorvel na histria da navegao area'.
"No ano seguinte o aeroplano Farman fez vos que se
tornaram clebres; foi esse inventor-aviador que primeiro
conseguiu um vo de ida e volta. Depois dele, veio Bleriot,
e s dois anos mais tarde que os irmos Wright fazem os
seus vos. verdade que eles dizem ter feito outros, porm
s escondidas. Eu no quero tirar em nada o mrito dos
irmos Wright, por quem tenho a maior admirao; mas
-
inegvel que s depois de ns se apresentaram eles com um
aparelho superior aos nossos, dizendo que era cpia de um
que tinham construdo antes dos nossos.
"Logo depois dos irmos Wright, aparece Levavassor
com o aeroplano Antoinette, superior a tudo quanto, ento,
existia; Levavassor havia j 20 anos que trabalhava em
resolver o problema do vo; poderia, pois, dizer que o seu
aparelho era cpia de outro construdo muitos anos antes.
Mas no o fez.
"O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se,
depois que apresentaram em pblico a lmpada eltrica, o
telefone e o telgrafo sem fios, um outro inventor se
apresentasse com uma melhor lmpada eltrica, telefone ou
aparelho de telefonia sem fios dizendo que os tinha
construdo antes deles?!"
Note-se, nesse trecho, a extrema elegncia, a
delicada nobreza de alma de Santos-Dumont. Em primeiro
lugar, reconhece o valor dos Wright, professando por eles
sua admirao. Em segundo lugar, reduz modestamente seu
papel, fazendo questo de elencar outros pioneiros do ar
que, naquela poca, realizaram faanhas anlogas.
-
22. realmente muito bonito esse trecho de Santos-Dumont, que revela toda a sua grandeza de alma. pena que seu relato seja to desconhecido, at mesmo no Brasil...
verdade. Se Deus quiser, a Associao Nacional dos
Inventores ainda ter o prazer e a honra de fazer justia a
esse insigne "Pioneiro dos Ares" (como se referiu a ele o
grande Thomas Alva Edison, numa homenagem que lhe prestou),
reeditando seu escrito na ntegra.
E j que voc, leitor, apreciou essas amostras do
estilo de Santos-Dumont, no resisto a transcrever mais um
pequeno trecho dele, muito saboroso e evocativo:
"No dia 13 de julho de 1901, s 6 horas e 41
minutos, em presena da Comisso Cientfica do Aero Club,
parti para a Torre Eifel. Em poucos minutos, estava ao lado
da torre; viro e sigo, sem novidade, at o Bois de
Boulogne. O sol mostra-se neste momento e uma brisa comea
a soprar, leve, verdade, porm, bastante, nessa poca,
para quase parar a marcha da aeronave. Durante muitos
minutos, o meu motor luta contra a aragem, que se ia j
transformando em vento. Vejo que vou sair do bosque e
talvez cair dentro da cidade. Precipito a descida e o
aparelho vem repousar sobre as rvores do lindo parque do
Baro de Rotschild. Era necessrio desmontar tudo, com
-
grande cuidado, a fim de que no se danificasse, pois
pretendia reparar minha embarcao para concorrer de novo
ao prmio Deutsch.
"Nesse dia tinha despertado s trs horas da manh
para, pessoalmente, verificar o estado do meu aparelho e
acompanhar a fabricao do hidrognio, pois, de um dia para
outro, o balo perdia uns vinte metros cbicos. Sempre
segui a divisa: `Quem quer vai, quem no quer manda... J
o dia ia findando e eu no abandonava o meu balo um s
instante, a despeito da fome terrvel.
"De repente, -- deliciosa surpresa! -- apareceu-me
um criado com uma cesta cujo aspecto revelava
iniludivelmente o seu contedo; pensei que algum amigo se
tivesse lembrado de mim enquanto almoava... Abria-a e
dentro encontrei uma carta: era da senhora Princesa D.
Isabel, que me dizia saber que eu estava trabalhando at
aquela hora, sem refeio nenhuma, e me enviava um pequeno
lanche; pensava tambm nas angstias que deveria sofrer
minha me, que de longe seguia as minhas peripcias, e me
oferecia uma pequena medalha (de So Bento), esperando que
daria conforto a minha me saber que eu a traria comigo em
minhas perigosas ascenses.
"Essa medalha nunca mais me abandonou..."
-
Todos os trechos de Santo-Dumont que aqui citamos
foram extrados de apontamentos que ele escreveu em 1918,
ao final da Primeira Guerra Mundial. O inventor os
intitulou "O que eu vi, o que ns veremos", e os dedicou
"aos meus patrcios que desejarem ver o nosso cu povoado
pelos Pssaros do Progresso" (apud "As incrveis aventuras
do Sr. Santos-Dumont relatadas por ele mesmo", in So
Paulo em foco ns 11-12, novembro-dezembro de 2001).
23. E o terceiro pecado mortal, o da precipitao?
O terceiro pecado mortal , de certa forma, oposto
ao segundo.
No se trata da imprudncia de quem no assegura a
proteo aos seus direitos, mas de quem se apressa tanto
para proteg-los que acaba por prejudic-los.
Sei bem que isso parece pouco claro, mas logo
explicarei.
H pessoas que tm tanta pressa em assegurar seus
direitos rapidamente, que submetem ao Instituto Nacional da
Propriedade Industrial um projeto mal feito, no
suficientemente abrangente da especificidade do invento.
-
O resultado que qualquer outra pessoa, tomando
conhecimento do projeto, pode aproveitar a idia, dar-lhe
outra forma diferente, talvez at mais aperfeioada, e
requerer uma patente que prejudicar fortemente o primeiro
postulante.
Quando estudarmos, mais frente, a diferena entre
patente de inveno, patente de modelo de utilidade e
registro de desenho, entenderemos bem esse ponto.
Por enquanto, apenas se ressalte a extrema
convenincia de o inventor, antes de requerer qualquer
patente, aconselhar-se com um profissional de sua
confiana, possuidor de conhecimentos especficos para
orient-lo na elaborao do prottipo e do memorial
descritivo do projeto, a fim de evitar esse e outros
riscos.
Muito cuidado com a precipitao, pois!
"O apressado come cru", diz o velho ditado caipira.
Eu teria muitos exemplos concretos das ms
conseqncias desse terceiro pecado mortal, mas por razes
de tica profissional prefiro no os relatar aqui.
24. E o pecado do descontrole verbal?
-
o quarto pecado mortal do inventor. Pode ser
cometido por excesso ou por falta. Em outras palavras, pode
ser cometido por se falar demais ou por se falar de menos.
Fala demais quem confia em que no deve. E fala de
menos quem no confia em quem deve...
25. No entendi. Podia explicar melhor?
Fala demais quem se abre imprudentemente com
qualquer pessoa, sem tomar os cuidados necessrios para
proteger a paternidade de seu invento.
Certa vez, durante uma viagem, um amigo meu trocou,
com um colega, idias acerca de um projeto editorial que
tinha. O motorista do veculo ouviu tudo e, movido mais por
inveja mesquinha do que por interesse pessoal, logo no dia
seguinte telefonou para um concorrente do meu amigo, para
contar todo o projeto. Mas aconteceu que, por puro acaso
(Malba Tahan sempre lembrava que o acaso, segundo os
medievais, o pseudnimo de Deus quando Ele no quer
assinar) estava um primo do meu amigo esperando o elevador
junto porta aberta da sala em que falava o tal motorista.
Ouvindo que este declinava, no telefonema, o nome de um
parente, aguou o ouvido para ouvir do que se tratava, e
-
acabou se inteirando de toda a trama. Felizmente, pde
avisar meu amigo a tempo de impedir o prejuzo.
Por isso, nunca me canso de repetir, aos inventores
que me procuram, este conselho: tome cuidado com pessoas
que podem querer roubar seu projeto. No converse com
ningum a respeito da sua inveno antes de voc estar
assegurado pela solicitao da patente. No converse em
bares e botequins, pois algum pode estar ouvindo! Paredes
tm ouvidos. At j ocorreu comigo um caso impressionante
nessa linha.
26. Podia contar como foi?
Posso perfeitamente, mas sem entrar em detalhes e
sem referir as pessoas envolvidas.
Certa vez apareceu no meu escritrio de patentes um
inventor que desenvolveu um jogo muito interessante.
Coincidentemente, apenas uma semana depois fui procurado
por outra pessoa, que desejava patentear um jogo com a
mesma metodologia, o mesmo modus operandi, as mesmas
regras.
Achei aquilo muito singular, porque no era possvel
que duas cabeas diferentes produzissem aquilo tudo
-
igualzinho... Seria como duas pessoas que por coincidncia
tivessem as mesmas impresses digitais, era algo
impossvel. O pedido de patentes ainda no estava feito nem
em favor de uma nem de outro. Por uma questo de tica
profissional, s pude fazer uma coisa: reuni os dois e
contei o que acontecera, jogando para eles a deciso do
caso.
A, um deles, com toda a franqueza, confessou que
estivera num bar e ouvira uma conversa entre dois homens,
um dos quais (que era precisamente o outro que estava na
minha presena) expunha a um amigo a idia que tivera. O
ouvinte ficou com aquilo na cabea e resolvera patentear a
idia, sem pensar que o outro faria exatamente a mesma
coisa, e valendo-se dos servios do mesmo profissional.
A patente, obviamente, foi tirada em nome do
verdadeiro autor. Se, porm, ela tivesse sido requerida
antes pelo falso inventor, o verdadeiro "pai da criana"
ficaria a ver navios, sem poder fazer valer os seus
direitos.
Um detalhe importante que nunca se pode esquecer
que, aqui no Brasil, dono do projeto quem o registrar
primeiro, mesmo que outra pessoa tenha documentos,
manuscritos ou esboos comprovadamente anteriores. O
Instituto Nacional da Propriedade Industrial vai atender
-
quem solicitou antes. O protocolo de pedido de patentes
indica o dia, a hora, o minuto e o segundo em que o pedido
foi entregue na repartio prpria. O que vai valer isso.
No pense que estou exagerando, quando digo que em
matria de patentes tm importncia at a hora, o minuto e
o segundo. Pouca gente sabe que Alexander Graham Bell
patenteou a inveno do telefone s 12 horas do dia 14 de
janeiro de 1876, e que s 14 horas do mesmo dia Elisha Gray
patenteou a mesma inveno. Depois de demorados processos
judiciais foi reconhecida a Graham Bell a paternidade do
invento.
Muito cuidado com a lngua solta, pois, antes de seu
pedido de patente ter sido protocolado. O peixe morre pela
boca.
Mesmo depois disso, entretanto, ainda vale o mesmo
conselho: fale somente o necessrio, e nas horas certas.
27. Por que o mesmo conselho vale tambm para depois de protocolado o pedido? Que prejuzo pode causar ao inventor falar demais depois de garantidos os seus direitos?
Falar demais sempre traz riscos.
-
Fala demais, e prejudica-se com isso, o inventor que
fala na hora errada, mesmo depois de protocolado seu pedido
de patente. Quer um exemplo? Digamos que ele est tratando
da venda ou licenciamento de sua inveno com um
empresrio, e se estende desnecessariamente sobre
pormenores de sua vida pessoal.
Eu j presenciei situaes de inventores que
perderam grandes chances de fazer bons negcios por falarem
demais nessa hora.
O empresrio, claro, quer obter o mximo pagando o
mnimo. Se a pessoa confessa imprudentemente que est com a
corda no pescoo, que est necessitando pagar uma dvida
urgente, que tem um parente doente necessitando de
tratamento, ou que precisa consertar o telhado da casa...
claro que o empresrio entender que ela com pouco se
contentar. E o teto da transao comercial baixar
imediatamente.
sempre melhor deixar o outro falar...
Certa vez, Thomas Edison, ainda jovem, inventou um
sistema de transmisso telegrfica e foi vender sua patente
ao diretor da Companhia... Enquanto se dirigia ao
escritrio do empresrio, ia pensando com seus botes: --
quanto devo pedir? Se peo 3 mil dlares, pouco; se peo
-
5 mil, ele achar demais; ser melhor, talvez, pedir 4 mil
dlares...
Quando chegou ao escritrio e exps o genial
invento, imediatamente os olhos do empresrio brilharam,
vendo naquela novidade um meio infalvel de alavancar os
lucros da sua empresa. E perguntou a Edison quanto ele
queria.
Edison, felizmente, levado pela timidez preferiu no
responder, e pediu que o outro fizesse a oferta.
-- Digamos, Sr. Edison, se eu lhe oferecesse 40 mil
dlares o Sr. acharia pouco?
Edison quase caiu da cadeira. Aquela quantia lhe
pareceu assombrosamente elevada, e no olhar e no gesto,
mais do que por palavras, significou que se acharia
regiamente pago. Se tivesse sabido controlar-se melhor, ou
se tivesse maior prtica de negociaes comerciais, poderia
facilmente ter obtido mais. Mas o erro j fora cometido, e
Edison saiu satisfeitssimo com sua pequena fortuna... que
poderia ter sido bem maior!
Mas no s por falar demais que um inventor pode
errar, ele tambm pode errar por falar de menos.
28. Por falar de menos? Essa agora eu no entendo...
-
Sim, tambm por falar de menos.
H pessoas que por ndole so to desconfiadas que
no confiam nem sequer nas pessoas em quem devem
absolutamente confiar.
s vezes acontece de eu receber inventores que vm
me fazer consultas estranhamente genricas, tudo em tese, e
se fecham completamente quando eu pergunto no que, afinal,
consiste a inveno que querem patentear. Elas me olham com
olhos suspicazes, deixando bem claro que no confiam em mim
e acham que eu vou roubar a inveno delas...
Quando isso acontece, vou logo abrindo o jogo: --
Meu caro, ou voc confia em mim e fala com clareza para eu
lhe poder dar um conselho objetivo, ou voc no confia.
Nesse caso, melhor voc ir procurar outro profissional
que lhe merea mais confiana.
E costumo acrescentar: -- se voc tem dor de barriga
e vai consultar um mdico, voc tem que ser leal com ele,
tem que contar que extravagncia cometeu, para produzir
aquela dor de barriga. Se voc no conta, com medo de que o
mdico saia dizendo para todo mundo que voc exagerou na
comida ou na bebida e por isso est com dor de barriga, o
prejudicado no o mdico, o prejudicado voc.
-
A mesma coisa, alis, acontece com um advogado. Se
voc acusado de um crime e quer ser eficazmente defendido
pelo profissional, a primeira coisa que deve fazer contar
direitinho, para ele, tudo o que fez ou deixou de fazer.
Sem nem nele voc confia, como que pode confiar a ela sua
defesa?
O sigilo profissional ainda das poucas coisas que
se respeitam neste pas. Inclusive por uma razo de
sobrevivncia do prprio profissional. Um mdico, um
advogado, um psiclogo que fosse acusado de ter violado o
sigilo profissional estaria, evidentemente, com a carreira
para sempre destruda. O mesmo se diz de um escritrio
profissional de marcas e patentes.
Com seu consultor sobre marcas e patentes, pois, a
relao deve ser de mtua confiana. Ele deve ter certeza
de que voc no est mentindo, dizendo que inventou algo
que na realidade roubou de outro; e voc tambm deve ter
certeza de que ele no vai sair vendendo a terceiros os
segredos do seu cliente. S assim as coisas funcionam.
29. E o quinto pecado mortal do inventor, Carlos?
-
O quinto pecado mortal do inventor a falta de
organizao, de mtodo. um defeito ao qual ns,
brasileiros, somos especialmente propensos.
O brasileiro , como j disse, muito criativo, muito
inventivo, muito jeitoso para improvisar solues de ltima
hora. E justamente porque possui essas grandes qualidades,
s vezes acaba achando que prever e planejar cuidadosamente
so perdas de tempo.
Muita gente acha que consegue fazer tudo na base da
improvisao, sem planejamento, sem mtodo. Isso est
completamente errado.
H tambm pessoas que sentem uma certa dificuldade
psicolgica em desenvolver longos projetos mantendo a
rotina diria de trabalho. Elas se enfaram com aquilo,
comeam a fazer outras coisas, querem desenvolver vrios
projetos ao mesmo tempo. E acabam se embaralhando entre
objetos de pesquisa e dispersando seus esforos.
Em outros pases de formao psicolgica diferente
da nossa -- nos Estados Unidos, por exemplo -- mais
freqente um inventor ter um plano de vida e o executar
disciplinadamente. Ele, por exemplo, reserva duas horas,
todas as noites, depois do jantar, para desenvolver um
projeto. Naquelas duas horas, por mais interessante que
seja o programa de televiso, ou por mais querido que seja
-
o amigo que resolveu telefonar, ele no abandonar sua
rotina diria, no deixar de consagrar religiosamente ao
projeto os cento e vinte minutos reservados para ele.
Essa disciplina de trabalho d uma vantagem inicial
enorme ao inventor norte-americano ou europeu, sobre o seu
colega brasileiro.
Eu pessoalmente acho que, no dia em que os
brasileiros conseguirem sistematizar e organizar melhor seu
imenso potencial criativo e inventivo, seremos os melhores,
ou pelo menos estaremos entre os melhores e mais fecundos
inventores do mundo.
A maior parte dos inventores brasileiros, alis,
constituda por pessoas que, de uma forma ou de outra,
conseguiram se disciplinar e desenvolver um mtodo de
trabalho e pesquisa. Sem isso, nada feito.
Costumo comparar o inventor ao avio. O avio s
capaz de voar com liberdade se aceitar uma limitao
inicial a sua liberdade de movimentos: ele precisa estar
disciplinadamente dentro da pista de vo para subir. Um
avio imaginrio que no quisesse se submeter a essa
disciplina e preferisse, por exemplo, sair passeando pela
cidade como se fosse um automvel ou uma motocicleta, nunca
seria capaz de levantar vo.
-
A falta de organizao tambm se revela, no
inventor, no modo indisciplinado de misturar e embaralhar
as vrias fases do trabalho inventivo. Por exemplo, se ele
est desenvolvendo um prottipo, ele deve se concentrar
naquela tarefa at conclu-la. Ainda no hora de sair
visitando empresas para indagar se elas se interessariam
pelo invento que, em rigor, ainda nem existe, pois ainda
est somente na mente do seu criador... preciso dar tempo
ao tempo, cada coisa tem sua hora.
30. E o sexto pecado mortal, esse tal "pecado de Eugnio"?
No, meu caro, no "pecado de Eugnio". O stimo
pecado mortal do inventor o "pecado de Eu-gnio", com
hfen...
"Eu-gnio" como, por brincadeira, costumamos
designar o indivduo que, por falta de humildade, no
reconhece suas limitaes e se julga um gnio diante do
qual todos devem curvar humildemente suas cabeas...
Pode-se tambm designar esse indivduo como sofrendo
de "complexo de Caramuru", em aluso ao clebre Diogo
lvares Correia, o "Caramuru", que em 1510 naufragou nas
-
costas da Bahia e escapou de ser devorado pelos ndios
canibais porque estes o viram abater uma ave com seu
arcabuz e julgaram que se tratava do poderoso Deus do
trovo...
H pessoas que se julgam to geniais, to colossais,
to magnficas, que at se consideram agredidas quando seus
semelhantes no lhe tributam honras anlogas s que os
ndios prestaram ao nufrago portugus. So pessoas que se
julgam esttuas e imaginam que todos os demais deviam estar
colocando flores e se prosternando aos seus ps...
De fato, conheci inventores que de tal modo se
convenceram da prpria genialidade que se deixaram dominar
por uma espcie de parania. E acabaram maltratando
precisamente as pessoas que mais poderiam ajud-los,
prejudicando-se assim a si prprios.
Recordo que certa vez apresentei ao pblico, no meu
programa de televiso, um projeto de determinado inventor.
Era, realmente, um projeto muito bom, de grande utilidade
prtica.
Para minha surpresa, logo que a imagem saiu do ar,
tocou o telefone e fui atender. Era um sujeito desconhecido
que j comeou, malcriadamente, a me ofender, dizendo que
era um absurdo eu fazer propaganda daquele projeto quando
ele tinha um outro projeto incomparavelmente melhor e mais
-
interessante na mesma linha. Ele falava num tom to
exaltado e to pouco corts, e acabou batendo o telefone de
modo to abrupto, que nem sequer houve clima para eu lhe
perguntar no que consistia o projeto dele... Talvez at
fosse um projeto genial, mas daquele jeito, como que eu
podia ajud-lo?
31. Falta falar do stimo mortal, o da falta de bom senso.
Sim, vamos falar desse ltimo pecado mortal.
quando o inventor, no por falta de humildade, como os "Eu-
gnios", mas por falta de bom senso, avalia mal sua
capacidade de realizao e acha que pode fazer tudo por si,
sem precisar do apoio de ningum. Isso nunca foi assim,
mesmo no passado. Quanto mais hoje, com as complicaes
inevitveis que surgem a todo momento, decorrentes da
complexidade das relaes econmicas, tcnicas, jurdicas,
publicitrias etc. etc.
O papel do inventor (papel no qual ele
insubstituvel) consiste em inventar. Nisso ele , repito,
insubstituvel. Poucos so os seres humanos que desenvolvem
sua capacidade criativa a ponto de se tornarem inventores.
-
Se esses poucos dispersarem um tempo precioso fazendo
coisas secundrias, o resultado que limitaro
poderosamente sua capacidade inventiva. A observao da
realidade mostra que a capacidade inventiva diretamente
proporcional ao tempo disponvel. Quer uma prova disso? 90
% dos inventores de hoje em dia so aposentados, so
desempregados, ou so trabalhadores que tiveram suas idias
durante as frias.
Hoje, o inventor que tem bom senso compreende que
no pode abarcar todo o processo criativo, desde a primeira
idia at a sua efetiva colocao no mercado e a sua
aceitao pelo grande pblico. Ele precisar da ajuda de
tcnicos, de advogados, de especialistas em contatos
comerciais com empresrios, de administradores, de
especialistas em marketing etc. etc.
Se ele tiver o bom senso de reconhecer essas
limitaes impostas pela realidade contempornea, saber
valer-se de apoios preciosos. E, em conseqncia, ganhar
mais dinheiro e ter mais tempo livre para fazer aquilo que
s ele capaz de fazer: inventar!
32. Mas antigamente o inventor no fazia tudo sozinho? O Thomas Edison, por exemplo, no inventou a
-
lmpada e depois no dirigiu pessoalmente a primeira empresa de eletricidade?
Meu caro leitor, essa idia de um inventor fazendo
tudo sozinho e chegando ao pleno sucesso empresarial e
econmico meio romntica, idealizada... A realidade bem
diferente disso, tanto no passado quanto no presente.
J que voc lembrou o caso do Thomas Edison, vamos falar
dele. Ele um caso muito especial, que no pode ser
transformado em regra geral. Ele era, sem dvida, um gnio
superdotado, como talvez no tenha havido outro em toda a
histria da Humanidade. Acontece que, contrariamente ao que
muita gente pensa, ele no "fazia tudo sozinho". O primeiro
grande segredo de Edison foi ter conseguido aliar seu gnio
fabuloso a uma capacidade extraordinria de coordenar os
esforos de centenas de crebros que ele sabia fazer
funcionar sob sua direo e a seu servio. Muitos dos
auxiliares diretos dele eram inventores que ficaram um
tanto ofuscados pelo brilho maior de Edison, mas que
poderiam por si ss, individualmente, se ter tornado
famosos pelo seu talento pessoal.
Edison foi o maestro genial que conseguiu reunir, no
seu tempo, os melhores instrumentistas de cada instrumento,
e teve a genialidade de coordenar os talentos somados de
-
todos -- ou melhor, multiplicados por fora da mtua
influncia -- de modo a produzir a mais fabulosa e
harmoniosa orquestrao produtiva de inventos que jamais
houve na Histria.
33. Voc falou, Carlos, que esse era o primeiro grande segredo de Edison. H algum outro segredo, alm desse?
Sim, o segundo segredo de Edison muito conhecido:
"gnio um por cento de inspirao e noventa e nove por
cento de transpirao". Essa frase, que se pode designar
como Princpio de Edison, quase banal de to evidente. Mas na vida de Edison se reveste de uma importncia enorme.
muito bonito dizer que ele inventou a lmpada
eltrica... Mas ele no a inventou sem esforo, como quem
tem de repente um estalo na cabea. O parto intelectual da
inveno muitas vezes terrivelmente trabalhoso...
Concretamente, no caso da lmpada eltrica, Edison
trabalhou penosamente no seu projeto, durante anos a fio.
Como se havia acostumado a dormir pouco, passava as noites
acordado, estudando o problema que o atormentava. Um
bigrafo revela que, depois de ter lido tudo quanto at
-
ento se havia escrito em matria de iluminao, Edison
chegou a preencher 200 cadernos com suas notas e
apontamentos, e chegou a usar nada menos que 40 mil pginas
com esquemas e diagramas. O problema fundamental era
encontrar algum material que, percorrido pela eletricidade,
pudesse produzir luz sem se consumir instantaneamente.
Depois de muito pensar, decidiu-se a fazer o
contrrio do que at ento se havia tentado fazer. Ou seja,
em vez de enfraquecer a corrente eltrica, experimentou
aument-la, mas dentro de um recipiente de vidro em que
houvesse vcuo perfeito.
O caminho certo era esse, mas at chegar ao
filamento de bambu carbonizado (mais tarde substitudo pelo
filamento de tungstnio), precisou experimentar centenas de
materiais. O prprio bambu, no foi fcil achar. Edison
chegou a gastar mais de cem mil dlares enviando ao mundo
inteiro emissrios encarregados de lhe trazerem amostras de
bambu... at decidir-se pela espcie ideal.
Esses bambus, Edison os mandava plantar no parque de
sua casa de Fort Myers, no sul da Flrida, vizinha da
propriedade de Henry Ford. As duas casas, hoje
transformadas em museus, so pontos obrigatrios de
visitao turstica.
-
Tudo isso o grande pblico moderno ignora. sem
dvida mais agradvel imaginar romanticamente que certa
noite Edison, passeando pelas alamedas floridas de Menlo
Park ou de Fort Myers, e contemplando a Lua que prateava
toda a natureza, teve uma idia inesperada e, pondo-a logo
em execuo, produziu sem esforo a lmpada eltrica... Mas
a realidade outra.
34. Ele chegou a gastar cem mil dlares s para procurar bambus pelo planeta inteiro? incrvel! Mas ento ele deve ter ganho muito dinheiro com suas invenes, seno no compensaria tanto gasto!
Quando Edison faleceu, em 18 de outubro de 1931,
havia registrado 1098 patentes e acumulado uma fortuna
colossal. Muito generoso, enriqueceu nababescamente seus
inmeros auxiliares, pois costumava associ-los aos
inmeros empreendimentos que estabelecia nos Estados Unidos
e na Europa.
No momento de sua morte, o jornal "The New York
Times" avaliou que o montante dos negcios que tinham base
em seus numerosos inventos atingia a cifra astronmica de
US$ 25.683.544.343. Sim, leitor, isso mesmo que voc leu:
-
vinte cinco bilhes, seiscentos e oitenta e trs milhes,
quinhentos e quarenta e quatro mil, trezentos e quarenta e
trs dlares!
Hoje, a fortuna de um Bill Gates avaliada em cerca
de 30 bilhes de dlares. Mas o dlar vale hoje pelo menos
trinta vezes menos do que valia nos tempos em que Edison
concluiu sua passagem pela Terra...
Alm de genial inventor, de magistral caador e
aproveitador de talentos, de coordenador de produes
individuais, Edison cuidava pessoalmente da propaganda de
seus inventos (foi como jornalista que iniciara a vida) e
desenvolvera um extraordinrio tino comercial. Era,
ademais, cultssimo, lia com grande voracidade e rapidez e
possua o dom muito raro da memria integral: no esquecia
o que lia.
Todos esses talentos explicam um sucesso humano e
comercial absolutamente nico.
Mas mesmo sendo um gnio como ele, estou convencido
de que s foi to bem sucedido porque as condies de sua
poca lhe permitiam abarcar tantas atividades. Se vivesse
hoje, tenho certeza de que procederia de outro modo,
concentrando-se nas atividades estritamente criativas e
"terceirizando" as outras coisas.
-
35. Por que voc acha isso, Carlos?
Porque vivemos num mundo muito diferente, muito mais
secorizado e especializado. Edison, com seu talento e seu
bom senso, se vivesse em nossos dias, saberia se adaptar
sem dificuldades s condies da vida atual. Veja o que
faz, hoje em dia, um inventor como o Bill Gates, cuja
genialidade talvez seja comparvel de Edison. Ele montou
um imprio econmico e se transformou na primeira fortuna
do universo porque soube, desde a fase inicial de sua
atividade, delegar funes, confiando e se apoiando em
outras pessoas que subiram junto com ele.
Voc no pode imaginar o Bill Gates redigindo
pessoalmente as propagandas que a Mycrosoft distribui pelo
mundo, no verdade? Para isso existem empresas de
publicidade especializadas, que so pagas para produzir
campanhas publicitrias.
Voc no pode imaginar o Bill Gates estudando a
legislao de patentes de todo o mundo para evitar que
algum roube a paternidade de seus programas de
computador... Para isso existem advogados e agentes da
Propriedade Industrial, que so pagos e trabalham
eficazmente...
-
Voc tambm no pode imaginar o Bill Gates
examinando pessoalmente os cartes de ponto dos milhares de
funcionrios da Mycrosoft, para ver quais chegaram atrasado
e devem ter seus salrios descontados no fim do ms...
claro que tarefas dessas nem sequer entram no campo de
cogitaes do grande gnio.
Bill Gates homem que sabe o valor de seu tempo e
no perde tempo com coisas que outros podem fazer. Tempo
dinheiro, diz-se nos Estados Unidos (time is money). E j
na Roma antiga se dizia que "aquila non capit muscas" (a
guia no perde tempo caando moscas).
Mas note que at agora estamos falando de super-
gnios, como Edison ou Bill Gates, superdotados muitssimo
acima da mdia. Na imensa maioria dos casos, mesmo que
quisesse, um inventor nem sequer teria poderia tocar tudo
por si.
36. Nem sequer poderia? No um pouco demasiado dizer assim?
a pura realidade! Depois de 18 anos de convvio
dirio com inventores de todo o Brasil e de contatos mais
espordicos, mas tambm muito intensos, com inventores de
-
dezenas de outros pases, posso afirmar com segurana:
salvo excees rarssimas, excees que quase se poderia
dizer excepcionalssimas, os inventores no tm aptides
administrativas e comerciais e se saem mal quando querem
bancar de empresrios.
O inventor inteligente sabe apoiar-se em outras
pessoas. Lembre-se sempre do caso do Bidu. Voc j ouviu
falar nele?
37. Sim, o famoso cachorro das historietas em quadrinhos do Maurcio. O que tem ele?
No, no, no desse Bidu que estou falando. de
um outro, de um inventor cearense.
O caso engraado e verdico. Foi contado no
Primeiro Seminrio Internacional de Inovao "Da idia ao
mercado", realizado em Porto Alegre, em dezembro de 1997,
pelo Sr. Maurcio Guedes, representante da ANPROTEC -
Associao Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos de Tecnologias Avanadas.
Essa historinha ficou conhecida, entre os
especialistas da rea, como "o caso do Bidu". Ela to
-
ilustrativa, to paradigmtica, que prefiro transcrever as
prprias palavras do Sr. Guedes, extradas dos Anais do
Seminrio:
"Nossa comisso criou um prmio para a empresa ...
que mais se tenha destacado. Presidi Comisso Julgadora.
Ela decidiu por unanimidade premiar uma empresa criada no
Cear. ... A vencedora foi anunciada no nosso seminrio em
Salvador, no seu ltimo dia, e ela ento contaria sua
histria e mostraria o motivo da premiao. Pois a ns
aprendemos muito...
"A organizao premiada era uma micro empresa criada
h quatro anos na incubadora de empresas PADETEC, de
Fortaleza, ... apenas com o capital intelectual, com a
capacidade criadora de um brasileiro. Quem conta o incio
da histria o Prof. Afrnio, diretor da incubadora. Ele
foi procurado por um colega professor da Universidade: --
Afrnio, quero apresentar-lhe este amigo, o Bidu. Estou na
dvida sobre se ele louco ou gnio, e voc a nica
pessoa capaz de esclarecer isso...
"O Bidu tinha a idia de iniciar uma empresa para
introduzir uma inovao (e foi o que a empresa criada fez):
o sistema de multas eletrnicas, essa coisa que apreciamos
muito. Em Braslia, suas peas chamam-se pardais; multam os
veculos que desobedecem aos sinais, que correm muito etc.
-
"O Afrnio examinou a idia. -- O problema, Bidu,
que sua empresa ter um nico cliente: o produto s poder
ser vendido ao Detran. Se voc trouxer uma carta do Detran
dizendo que se interessa por ele, eu arranjo um lugar na
incubadora para voc comear. Uma semana depois, o Bidu
voltou com a carta do Detran...
"Tenho a impresso de que o Bidu ao mesmo tempo
louco e gnio. Um ou dois anos depois, sua pequena empresa
recebeu um scio, Francisco Baltazar, empresrio mdio de
Fortaleza, hoje seu presidente, que contou a segunda parte
da histria:
"-- Sou o dono da empresa no porque o queria.
Entrei como scio, para ajudar uma coisa em que acreditei e
era importante. Fui levado a comprar a empresa apenas para
livrar-me do Bidu. Eu no o agentava mais inventando. Eu
dizia: -- Bidu, isto aqui uma empresa; j estou
trabalhando 20 horas por dia e voc ainda est inventando
outras coisas!?
"Eles procuraram a soluo com a entrada de um scio
ao qual o Bidu vendesse sua parte. O Bidu trouxe ento
gente do jogo do bicho, depois das drogas... Ningum o
Baltazar aceitou como scio; terminou comprando ele mesmo a
parte do Bidu. Posteriormente conseguiu outro scio, de So
Paulo. Hoje os dois tocam a empresa.
-
"Em 1997, essa pequena empresa est faturando 10
milhes de dlares, e vai faturar 15 milhes de dlares em
1998, criada por um inventor que s tinha capital
intelectual...
"E que aconteceu com o Bidu? Ele est feliz, pois
continua inventando; criou mais uma empresa que se encontra
na incubadora, e daqui a algum tempo talvez fature 10
milhes de dlares e seja vendida a outro ator para ser
levada adiante..." ("Anais do Primeiro Seminrio
Internacional de Inovao - Da idia ao mercado (Porto
Alegre, dezembro de 1997)", Federao e Centro das
Indstrias do Estado do Rio Grande do Sul / Ministrio da
Indstria, do Comrcio e do Turismo, So Paulo, 1998, pp.
32-33).
Esse exemplo muito ilustrativo.
O Bidu foi o gnio (meio louco, como dizem as ms
lnguas que todo gnio) que inventou o pardal, o
antiptico aplicador de multas eletrnicas.
Sem o gnio do Bidu, nada se faria.
Mas o Bidu, apesar da sua loucura (se que
realmente louco, no d para saber...) teve o bom senso
de compreender suas limitaes. Ele pediu o apoio da tal
incubadora, depois pediu o apoio do scio que dispunha de
dinheiro.
-
Os dois capitais, o intelectual e o monetrio,
fizeram a empresa crescer. Mas a, a prpria inventividade
do Bidu quase ps tudo a perder. Ele no soube control-la,
como tambm no soube procurar um outro scio confivel.
Mas teve o suficiente bom senso para sair na hora certa,
deixando o campo livre ao scio que, menos dotado
intelectualmente, era entretanto a pessoa indicada para
levar a empresa ao sucesso. E assim se fez.
A meu ver, o Bidu um tpico exemplo de inventor
inteligente de nossos dias. Ele no cometeu o stimo pecado
mortal do inventor, ou seja, teve o bom senso de reconhecer
que no possua aptides administrativas e comerciais. Em
conseqncia de seu talento e de seu bom senso, ganhou
muito dinheiro apoiando-se em outras pessoas e, sobretudo,
satisfez-se plenamente a si mesmo.
38. verdade, quando o sujeito no tem nenhuma possibilidade de explorar comercialmente seu invento, melhor mesmo passar para a frente, vendendo e embolsando o dinheiro. Mas se o sujeito no to incompetente como o Bidu em matria administrativa, por que ele vai passar para outro? No acha isso bobagem, Carlos?
-
Nem sempre... Vou lhe contar um outro caso. Um
exemplo de feliz combinao de capital intelectual e
capital monetrio foi o do sterilar, aquele utilssimo
aparelho eltrico que desumidifica o ar de ambientes
fechados, combate o mofo, extermina os caros.
Seu inventor foi um engenheiro brasileiro, de nome
Florenzano, que residia em Petrpolis.
Florenzano teve uma intuio maravilhosa e, servido
por um conhecimento tcnico muito aprofundado, concebeu e
executou o sterilar. Como avaliou o extremo interesse que
seu invento despertaria, teve o louvvel cuidado de
patente-lo no Brasil e em mais 38 pases. No conseguiu,
entretanto, sucesso quando quis fabric-lo industrialmente.
Os problemas eram demasiados complexos para aquele
engenheiro genialmente criativo, mas que nada tinha de
empreendedor.
Que fez ele? Licenciou o invento para uma gigantesca
multinacional, a Yashika, que logo se interessou pelo
sterilar e o lanou no mundo inteiro, com aceitao geral e
faturou rios de dinheiro. E o inventor, que recebeu os
royalties da Yashika, tambm ficou rico e feliz.
Infelizmente, Florenzano acabou morrendo em
decorrncia do seu prprio invento. Mundialmente respeitado
como autoridade em matria de combate a fungos e caros,
-
foi contratado para instalar seu sis