Filosofia da educacao
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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
José RogéRio Vitkowski
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
são Luís2010
Governadora do Estado do MaranhãoRoseana saRney MuRad
Reitor da uEMaPRof. José augusto siLVa oLiVeiRa
Vice-reitor da uEMaPRof. gustaVo PeReiRa da Costa
Pró-reitor de administraçãoPRof. José BeLLo saLgado neto
Pró-reitor de PlanejamentoPRof. José goMes PeReiRa
Pró-reitor de GraduaçãoPRof. PoRfíRio Candanedo gueRRa
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoPRof. waLteR CanaLes sant’ana
Pró-reitora de Extensão e assuntos EstudantisPRofª. gRete soaRes PfLuegeR
assessor Chefe da ReitoriaPRof. RaiMundo de oLiVeiRa RoCha fiLho
Diretora do Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - CECENPRofª. andRéa de aRaúJo
Edição: uniVeRsidade estaduaL do MaRanhão - ueManúCLeo de teCnoLogias PaRa eduCação - ueManet
Coordenador do uemaNetPRof. antonio RoBeRto CoeLho seRRa
Coordenadora Pedagógica:MaRia de fátiMa seRRa Rios
Coordenadora da Produção de Material Didático uemaNet:CaMiLa MaRia siLVa nasCiMento
Coordenadora do Curso de Pedagogia, a distância: heLoísa CaRdoso VaRão santos
Responsável pela Produção de Material Didático uemaNet:CRistiane Costa Peixoto
Professor da Disciplina:José RogéRio Vitkowski
Revisão:LiLiane MoReiRa LiMaLuCiRene feRReiRa LoPes
Diagramação: JosiMaR de Jesus Costa aLMeidaLuis MaCaRtney seReJo dos santostonho LeMos MaRtins
Capa: LuCiana VasConCeLos
uniVeRsidade estaduaL do MaRanhão
Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNetCampus Universitário Paulo VI - São Luís - MAFone-fax: (98) 3257-1195http://www.uemanet.uema.br e-mail: [email protected]
O conteúdo deste fascículo foi cedido à Universidade Estadual do Maranhão - UEMA pela Universidade Estadual de Ponta Grossa que autorizou sua reprodução com atualizações: revisão de linguagem, capa, cores e diagramação de uso exclusivo do Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet.
V844f Vitkowski, José Rogério.Filosofia da educação./ José Rogério Vitkowski.
Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2010.
145 p.: il.
Licenciatura em Pedagogia - Educação a distância.
1. Filosofia da educação. 2. Filosofia e conhecimento. 3. Pensamento crítico. 4. Filosofia - ética. I. T.
CDU: 370,1
ReitorJoão CaRLos goMes
Vice-reitor da uEMaCaRLos LuCiano sant’ana VaRgas
Pró-reitor de administraçãoPró-Reitoria de assuntos administrativosaRiangeLo haueR dias - PRó-ReitoR
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JusCeLino izidoRo de oLiVeiRa JúnioR
osVaLdo Reis JúnioR
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thiago Luiz diMBaRRe
thiago noBuaki sugahaRa
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JoaniCe de Jesus küsteR de azeVedo
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MaRiná hoLzMann RiBas
Todos os direitos reservados ao Ministério da Educação Sistema Universidade Aberta do Brasil.
Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processos Técnicos BICEN/
UEPG.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSANúcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD
Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PRTel.: (42) 3220-3163www.nutead.uepg.br
2010
V844f Vitkowski, José Rogério.Filosofia da educação./ José Rogério Vitkowski.
Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2010.
145 p.: il.
Licenciatura em Pedagogia - Educação a distância.
1. Filosofia da educação. 2. Filosofia e conhecimento. 3. Pensamento crítico. 4. Filosofia - ética. I. T.
CDU: 370.1
UNIDADE 1
CONVITE AO FILOSOFAR .................................................... 21Conhecimento e a história de pescador ......................... 22 Filosofia: em busca do tesouro perdido ......................... 33Amamentar, criar, educar, filosofar .............................. 44
UNIDADE 2
A FILOSOFIA ESTÁ NA HISTÓRIA ........................................... 55De olho no retrovisor ............................................... 56Penso, logo existo? .................................................. 61Prudência no conhecer, decência no viver ....................... 71
UNIDADE 3
MODERNO OU PÓS-MODERNO? ........................................... 87Tudo o que é sólido, desmorona no ar ........................... 88Pós-modernidade: rede pensante, gandaia global ............. 95Navegar é preciso, viver não é preciso .......................... 99
UNIDADE 4
A ÉTICA DO CUIDADO ......................................................109Ética, o cuidado com “a toca” ...................................110Tu não morrerás jamais ...........................................118Valores também se aprendem ....................................125
PALAVRAS FINAIS ..........................................................135REFERêNCIAS ...........................................................137NOTA SOBRE O AUTOR .....................................................141
SUMÁRIO
íCONES
Orientação para estudo
Ao longo desta apostila, serão encontrados alguns ícones utiliza-
dos para facilitar a comunicação com você.
Saiba, o que cada um significa.
SUGESTÃO DE LEITURA
PENSE
DICA DE SITE
REFERÊNCIAS
ATIVIDADES
SUGESTÃO DE FILMES
SAIBA MAIS
GLOSSÁRIO
APRESENTAÇÃO
Olá, estudante
Seja bem vindo!
Certamente, neste período do curso você já se sente mais pre-
parado para enfrentar os desafios desta modalidade educacional
(EaD). Com certeza, também já percebeu que estudar a distância
significa muita leitura, organização, disciplina e dedicação aos es-
tudos.
A educação a distância é uma das modalidades educacionais que
mais cresce hoje no Brasil e no mundo. Ela representa uma al-
ternativa ideal para alunos–trabalhadores, que necessitam de ho-
rários diferenciados de estudo e pesquisa, para cumprir a con-
tento tanto seus compromissos profissionais como suas obrigações
acadêmicas. Também é uma alternativa ideal para as populações
dos municípios distantes dos grandes centros universitários, con-
tribuindo significativamente para a socialização e democratização
do saber.
As novas tecnologias da informação e da comunicação estão cada
vez mais presentes em nossas vidas, desafiando os educadores a
inserir-se nesse “mundo sem fronteiras” que é a realidade virtual.
Sensível a esse novo cenário, a UEPG vem desenvolvendo, desde
o ano de 2000, cursos e programas na modalidade de educação a
distância, e para tal fim, investindo na capacitação de seus pro-
fessores e funcionários.
Dentre outras iniciativas, a UEPG participou do Edital de Seleção
UAB nº 01/2006-SEED/MEC/2006/2007 e foi contemplada para
desenvolver seis cursos de graduação e quatro cursos de pós-
graduação na modalidade a distância pelo Sistema Universidade
Aberta do Brasil.
Isso se tornou possível graças à parceria estabelecida entre o MEC,
a CAPES, o FNDE e as universidades brasileiras, bem como porque
a UEPG, ao longo de sua trajetória, vem acumulando uma rica tra-
dição de ensino, pesquisa e extensão e se destacando também na
educação a distância.
Os cursos ofertados no Sistema UAB, apresentam a mesma carga ho-
rária e o mesmo currículo dos nossos cursos presenciais, mas se uti-
lizam de metodologias, materiais e mídias próprios da educação a
distância que, além de facilitarem o aprendizado, permitirão cons-
tante interação entre alunos, tutores, professores e coordenação.
Esperamos que você aproveite todos os recursos que oferecemos
para facilitar o seu processo de aprendizagem e que tenha muito
sucesso nesse período que ora se inicia.
Mas, lembre-se: você não está sozinho nessa jornada, pois fará
parte de uma ampla rede colaborativa e poderá interagir conosco
sempre que desejar, acessando nossa Plataforma Virtual de Apren-
dizagem (MOODLE) ou utilizando as demais mídias disponíveis para
nossos alunos e professores.
Nossa equipe terá o maior prazer em atendê-lo, pois a sua apren-
dizagem é o nosso principal objetivo.
EQUIPE DA UAB/ UEPG
APRESENTAÇÃO
Caríssimo aluno,
Você está recebendo a disciplina Filosofia da Educação, uma entre
as demais igualmente importantes no Curso de Pedagogia. Ela
tem a função de proporcionar possibilidades que se concretizarão
em atos relevantes na vida dos que escolhem a docência com o
objetivo de refletir sobre a construção de uma sociedade mais
consciente e mais humanizada, por isso, é dada a essa disciplina
uma deferência especial.
Neste mundo pragmático, o olhar filosófico deve fertilizar o
pensamento, transformar uma crise em problema e este em reflexão
sobre questões urgentes que afligem a sociedade contemporânea,
e, em decorrência, a educação. A filosofia é importante e filosofar
significa buscar a construção de um novo e fantástico caminho,
onde nós educadores encontraremos significados e realizações
possíveis.
Bom estudo e sucesso!
Equipe uemaNet
PALAVRAS DO PROFESSOR
Prezados(as) acadêmicos(as):
Um famoso filósofo italiano, Antonio Gramsci, disse um dia que
se deve lutar contra o preconceito bastante difundido de que a
filosofia é uma coisa difícil e complicada. E você talvez se pergunte:
mas não é assim mesmo?
Certamente há temas que exigem preparação mais elaborada para
sua compreensão. Aliás, todo saber, toda ciência possui exigências
e demanda alguns esforços e com a filosofia não é diferente. Mas
a filosofia não se reduz a um discurso para especialistas, ou seres
privilegiados (às vezes com trejeitos bem estranhos), ou ainda,
alguns iluminados panfletários que nos querem militantes de algum
partido. Não é assim.
Gosto de ver a filosofia como uma experiência a ser feita por pessoas
que assumem uma outra atitude diante dos fatos, acontecimentos
e valores e, através de uma nova postura, aprendem a questionar,
perguntar e responder na busca de (re)significar o mundo e quem
sabe, transformá-lo. Você está convidado a fazer essa experiência.
Este texto é dedicado a todos os que a cada dia se descobrem,
assumem o compromisso da educação e dão o melhor de si próprios
na ação educativa. Quem sabe o estudo da filosofia inspire novos
significados para a existência de todos nós e para as distintas
realidades nas quais estamos inseridos. Talvez um mundo diferente
possa daí surgir. Bons estudos!
OBJETIVOS E EMENTA
Objetivos
OBJETIVO GERAL
• Despertar o acadêmico para a necessidade da experiência
filosófica como forma de conhecimento.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Introduzir o estudante nos diferentes temas da filosofia.
• Relacionar as temáticas filosóficas com a educação.
• Desenvolver procedimentos próprios do pensamento críti-co: apreensão da realidade, problematização-argumentação,
construção de conceitos.
Ementa
A questão do conhecer: níveis do conhecimento e seus significados
e inter-relações. Origem, definições e objetivos da filosofia. O
ato de filosofar e a metodologia filosófica. Caminhos históricos do
filosofar: as questões do ser, conhecer e agir nas Idades Antiga
e Medieval. A Idade Moderna, o problema do conhecimento e da
crítica. Noções de ética, epistemologia e estética. Problemas
e temas da filosofia contemporânea. O processo educativo e os
pressupostos filosóficos.
ORIENTAÇÃO DE ESTUDO
A disciplina Filosofia da Educação, cujo estudo você ora inicia,
propõe a abordagem de alguns temas que certamente ajudarão
no processo formativo de todos os educadores. Serão estudados
problemas de diferentes períodos da história da filosofia que se
relacionam direta e indiretamente com as questões educacionais,
contando inclusive com os saberes de outras ciências. Assim,
muitos textos, conceitos e referências desta proposta terão um
caráter interdisciplinar.
Os estudos previstos foram divididos em quatro unidades. Na
primeira, você será convidado a ingressar no universo da filosofia
não como espectador, mas como ator, como membro ativo que
se descobre numa comunidade de pessoas que sentem, pensam,
produzem conceitos para entender, mudar, transformar a si
próprios, o mundo e as relações que as cercam.
Na segunda unidade, você será introduzido a algumas temáticas da
história da filosofia. Enquanto modo de conhecimento, a filosofia
é experiência que se faz e se refaz na história, por isso ela tem
história e está nela inserida.
Na terceira unidade, você poderá participar de um intenso debate
que envolve assuntos como economia, política, sociedade, ética,
estética, dentre outros. A complexidade e riqueza dos temas
apontam para o momento em que vivemos, identificado por várias
expressões tais como: sociedade tecnológica, era da informação,
sociedade moderna ou pós-moderna. Nesta unidade, você
encontrará elementos para adentrar nesse universo temático.
Na quarta unidade, você terá oportunidade de pensar sobre a
questão ética. Serão abordados os sintomas da crise, e também
as causas e a busca de caminhos alternativos para que a noção de
ética não seja apenas um conjunto de palavras bonitas sobre algo
a ser feito, mas antes, um compromisso de cientistas, educadores,
políticos e cidadãos comuns, como eu e você, que procuram
ardentemente uma direção e pistas para a ação.
Desde o início convidamos você, acadêmico(a), para assumir uma
postura ativa diante dos problemas e conceitos apresentados que
necessitam ser redescobertos nos seus significados. Como você
sabe a proposta deste curso é de autoformação, daí a sugestão de
que sejam realizadas as atividades que serão propostas ao longo
das seções. Então, mãos à obra?
CONVITE AO FILOSOFAR
1UNIDADE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Identificar o ato de conhecer nas suas diferentes formas: senso comum, ciência, arte, filosofia.
Entender a filosofia como modo de conhecimento.
Para início de conversa
Caríssimo(a) acadêmico(a)! Já parou para pensar que cresce-
mos aos poucos e, ao longo da nossa vida, vamos adquirindo
compreensão das coisas que compõem a natureza e o mundo
que nos rodeia, do convívio com outras pessoas, das normas
morais e sociais que regem as relações entre os seres huma-
nos? Acostumamo-nos a esses entendimentos a começar do
momento em que os fomos adquirindo espontaneamente.
Com eles, construímos nossas convicções a partir das quais
conversamos, discutimos, opinamos. No entanto, dificilmente
nos perguntamos sobre o que é o conhecimento, seu signifi-
cado e origem. Habituamo-nos a vivenciar o mundo, como se
tudo fosse normal e natural, e por isso não o problematizamos.
Ao introduzirmo-nos no âmbito da filosofia, queremos começar
com uma prática da origem da própria filosofia, que é a de
fazer perguntas.
PEDAGOGIA2222
Sócrates, filósofo grego, ensinava que um caminho importante
para o conhecimento é assim proceder. Dessa forma, nesta unida-
de, começaremos perguntando: o que é conhecer?
Bom trabalho, e lembre-se de que você é o sujeito de sua apren-
dizagem.
CONhECIMENTO E A hISTóRIA DE PESCADOR
História de pescador
Caro(a) acadêmico(a), uma pequena história contada pelo escritor
brasileiro Ariano Suassuna (talvez com uma pitadinha de ironia)
pode nos ajudar na introdução do tema. Trata-se de duas estudan-
tes universitárias que aplicavam um questionário a gente simples
de uma cidade do interior da Paraíba.
Chegando à beira do açude local, as universitárias abordaram dois
pescadores que acabavam de chegar com alguns peixes, em uma
tosca embarcação. Uma das pesquisadoras pergunta:
- O senhor sabe quem é o governador do estado?
- Sei não moça, respondeu o pescador.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 2323
- Sabe quem é o prefeito da cidade?
- Também não moça.
- Conhece algum deputado?
- Conheço não moça!
Houve um pequeno silêncio, quando uma das meninas comentou-casualmente:
- Puxa, moço, o senhor não sabe nada, hein?
Um dos pescadores pegou um dos peixes pelo rabo e perguntou às forasteiras:
- Vocês sabem que peixe é esse?
- Sei não, moço, respondeu uma delas.
- E esse outro, vocês conhecem? perguntou o pescador.
Houve a mesma resposta negativa.
- E esse? E esse aqui?
Foi a vez do pescador comentar:
Pois é moça, cada um com suas gnorâncias.
Gostou da história? Ela possibilita muitas interpretações. Uma de-las é a de que com frequência é possível esquecer ou deixar de lado saberes importantes das pessoas mais simples. Outra das lições da narrativa, é de que pode-se, em nome do saber (leia-se do saber dos doutores, pessoas famosas, que ocupam cargos etc.), cultivar um certo pretensionismo que desqualifica outros saberes. Desqua-lificar é achar que se sabe mais que o outro e isso não deve ocorrer. Contudo, não se pode ignorar uma questão séria: será que todos os saberes têm o mesmo valor? Está em jogo o velho e sempre novo problema do conhecimento.
Lições da natureza
Você já se encantou com o nascimento de uma vida animal e ob-servou o que logo depois acontece? Com bastante sorte em nossa sociedade urbanoide, pode-se ainda hoje ver como ocorre o nas-cimento de pintinhos, passarinhos, cães e outros animais. Há num nascimento, uma lição fantástica a ser observada! Logo ao nascer, pode-se constatar que no mundo animal (e nós também pertence-mos a ele) tudo é instintivo. É o milagre da natureza que dá a pos-sibilidade de sobrevivência. Por exemplo, a criança, minutos após o nascimento, já quer sugar o seio da mãe. Nas outras espécies animais é também fabuloso ver o patinho que aprende a nadar, o
PEDAGOGIA24
pintinho que sai andando atrás da “mamãe galinha” e, num código secreto de linguagem, vai se comunicando e tudo vai acontecendo de forma maravilhosa. Contudo, apesar da beleza que encanta, constatamos que essas atividades são instintivas, portanto, prees-tabelecidas pela natureza.
No mundo animal, imerso na natureza, a instintividade é que dá conta de tudo embora se saiba que nas diferentes espécies isso possa variar e que também haja uma aprendizagem de “cunho con-creto”. No entanto, nesse aspecto, não há nada que se assemelhe ao desenvolvimento humano. E pode-se afirmar que somente o ho-mem tem a possibilidade de interferir diretamente no seu hábitat, no mundo em que vive, porque ele o conhece. E conhecer significa ter a possibilidade de o sujeito (ser humano) interagir com o ob-jeto (a realidade). Assim, o ser humano tem a oportunidade de se autoconstruir livremente, tomando consciência das coisas, proje-tando atividades, interferindo na natureza (hoje percebemos que devemos ter mais cuidado com a natureza). Também não necessi-tamos recriar a roda todo dia, nem aprender a utilizar o fogo, os metais, as forças da natureza a cada geração, pois após conhecer, armazenamos os saberes. Nossa história é, portanto, a história do conhecimento e nela distinguimos diferentes formas ou os diferen-tes níveis do saber, como o senso comum, o conhecimento mítico, o filosófico, o artístico, o científico. Todos esses níveis têm o seu valor. Você arriscaria mencionar algumas características de cada um dos níveis? Vamos tentar?
O conhecimento mítico
Há muitos modos de se conhecer o mundo, que dependem da situ-ação do sujeito diante do objeto do conhecimento.
Por exemplo, ao olhar as estrelas no céu, um índio kaingang as enxerga a partir de um ponto de vista bastante diferente de um astrônomo. O índio vê nas estrelas as fogueiras que alguns de seus deuses acendem no céu para tornar a noite mais clara; o cientista vê astros que têm luz própria e que formam uma galáxia. O índio compreende as estrelas a partir de um ponto de vista mitológico ou religioso; o astrônomo as compreende e conhece de um ponto de vista científico.
No decurso histórico da humanidade, no seu início, prevalece o que denominamos de conhecimento mítico. A palavra mythos
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 25
significa aquilo que se conta, o que se diz. Mythos é uma fala, uma narrativa, cujo tema principal é a origem (do mundo, dos homens, das técnicas). É, portanto, uma narrativa tradicional, integrante da cultura de um povo, que utiliza elementos simbólicos para explicar o mundo e dar sentido à vida.
Entende-se aqui que o conhecimento mítico não significa algo “atrasado”, antes é uma maneira de conhecer e de viver. Para os primitivos, o mito é um processo vivo de compreensão da realida-de, através do critério da crença. Sua função é resolver, no plano simbólico e imaginário, as tensões, os conflitos e as contradições que não podem ser solucionados pela sociedade naquele momen-to. De certa forma, podemos dizer que o mito é uma intuição da realidade, exprimindo dimensões profundas e perenes no nível da estruturação da psiqué humana.
Há muitos relatos míticos. É preciso estudá-los para saber interpre-tálos, o que não era necessário ancestralmente, pois o que se dizia era compreensível para quem ouvia.
Na Bíblia, cultura judaica-cristã, por exemplo, são conhecidos os textos sobre a criação do mundo e do homem. Basta abri-la, no livro do Gênesis e logo nos primeiros capítulos encontramos os relatos nos quais Deus cria o firmamento, a terra e os mares, os peixes, os animais e finalmente o homem. Inclusive há mais de uma narrativa sobre a criação humana. São textos de grande beleza e vale a pena dedicar algumas horas de pesquisa para compreendê-los melhor.
Outro exemplo, o mito através do qual os antigos gregos explica-vam a origem do mundo:
No princípio era o Caos, o Vazio primordial, vasto abismo insondável, como um imenso mar, denso e profundo, onde nada podia existir. Dessa oca imensidão sem onde nem quando, de um modo in-explicável e incompreensível, emergiram a Noite negra e a Morte impenetrável. Da muda união desses dois entes tenebrosos, no leito infinito do vácuo, nasceu uma entidade de natureza oposta à deles, o Amor, que surgiu cintilando dentro de um ovo incandescente. Ao ser posto no regaço do Caos, sua casca resfriou e se partiu em duas metades que se transformaram no Céu e na Terra, casal que jazia no espaço, espiàndo-se em des-lumbramento mútuo, empapuçados de amor. En-tão, o Céu cobriu e fecundou a Terra, fazendo-a gerar muitos filhos que passaram a habitar o vasto corpo da própria mãe, aconchegante e hospitalei-ro (OLIVIERI,2009).
PEDAGOGIA26
Há outros belíssimos relatos míticos. Vale lembrar que assim como o mito, a religião, ou melhor, as religiões também apresentam uma explicação sobrenatural para o mundo. Não convém aqui discutir onde termina o mito e onde começa a religião, embora saibamos que estão intimamente unidos. Para aderir a uma religião, é obrigatório crer ou ter fé nos seus princípios. Além disso, é uma parte fundamental da crença religiosa a esperança que essa explicação sobrenatural proporciona ao homem, ou seja, uma garantia de salvação, bem como prescreve maneiras de conquistar e preservar essa garantia, através dos ritos, sacramentos, orações, amor ao próximo etc.
O senso comum
O senso comum é a compreensão da realidade constituída de um conjunto de hábitos, opiniões e estruturas de pensamento que são utilizados diariamente por todos os seres humanos como forma de entendimento e de orientação de suas vidas. Ou seja, todos nós servimo-nos do senso comum.
Veja o que o filósofo John Dewey (Lógica, VI, 6), citado por Olivieri (2009), escreveu:
Visto que os problemas e as indagações em torno do senso comum dizem respeito às interações entre os seres vivos e o ambiente, com o fim de realizar objetos de uso e de fruição, os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que intelectual. Esse sistema é constituído por tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõem são efeitos da linguagem cotidiana comum, com a qual os mem-bros do grupo se intercomunicam.
O senso comum é, desse modo, um tipo de conhecimento que deriva, dentre outros, da cultura em que se está inserido, das experiências cotidianas das pessoas e por vezes é válido, mas por vezes não tem fundamento ou justificação. Nem sempre é legítimo dizer que “Deus é brasileiro”, ou “que a voz do povo é a voz de Deus”, ou ainda “que homem que é homem não chora”. Frequentemente, o que o povo afirma (também nós) é simplesmente um conjunto de várias crenças em que tudo se mistura: paixão, ciência, religião,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 27
fideísmo. Nesse aspecto, o senso comum deve ser continuamente questionado para que haja um salto qualitativo no saber.
Por outro lado, pode-se afirmar tranquilamente que o senso comum
também tem validade e significado. Utilizamo-nos dele todos os
dias, pois ele nada mais é do que aquele conjunto de compreensões
e ações realizadas pelo ser humano, com base no conhecimento
cotidiano. Além do mais, o notável filósofo italiano, Antonio
Gramsci, afirmava que o bom-senso é o núcleo sadio do senso
comum. E não é necessário ser diplomado para possuí-lo! Todos
podem desenvolvê-lo. Imagine você, se todos nós o usássemos para
resolver nossos problemas! Os políticos o usassem para não jogar
dinheiro do povo fora, os educadores o utilizassem para organizar a
escola e educar! Certamente muitos problemas seriam resolvidos,
não é mesmo?
O bom senso é o núcleo sadio do senso comum.
Antonio Gramsci, filósofo italiano
A ciência
A palavra ciência vem do latim scientia, que significa conhecimento.
De modo simples, pode-se dizer que a ciência se caracteriza pela
busca do conhecimento de forma sistemática e segura. Um de seus
objetivos é tornar o mundo compreensível e propiciar ao homem
os meios de extrair da natureza tudo o que necessita. E como se dá
esse processo?
O modo de proceder dos cientistas, ao conduzirem suas
investigações, envolve um núcleo comum de atividades que se
denomina método científico. Considerado o pai de tal método, o
filósofo René Descartes assim expressava a sua busca:
PEDAGOGIA28
Há algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão duvidoso e incerto, de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, me desfazer de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos (DESCARTES, 1996, p.,67).
Inaugurado na Idade Moderna, o método científico inclui várias etapas
que vão do enunciado do problema à hipótese, à experimentação e
à conclusão. Note-se que o método científico não é um receituário
de solução de problemas. Sua estrutura é muito mais complexa. É
uma estrutura lógica de ações que procura atingir um conhecimento
seguro e preciso. Os resultados satisfatórios de uma investigação
científica dependem de um leque de fatores que abrange vários
elementos, desde a natureza do problema, os recursos materiais
aplicados na pesquisa, quem financia, até se chegar à atividade do
grupo de pesquisadores, seres humanos com competência técnica,
mas também com valores, necessidades, idiossincrasias.
Historicamente há um grande debate sobre a função da própria
ciência. Questionamentos de toda ordem demonstram que é
preciso ter cuidado com o pretenso domínio da ciência sobre a
natureza e com as próprias teorias científicas que são marcadas
pela provisoriedade de suas descobertas. Não se trata de fazer
um discurso anticiência, mas antes colocar a atividade científica
sobre permanente vigilância da comunidade científica e filosófica.
Aprofundaremos mais esse tema nas próximas unidades.
Certa vez, um cosmonauta e um neurologista russos discutiam sobre religião. O neurologista era cristão e o cosmonauta não. ‘Já estive várias vezes no espaço’, gabou-se o cosmonauta, ‘e nunca vi nem Deus, nem anjos’. ‘E eu já operei muitos cérebros inteligentes’, respondeu o neurologista, ‘e também nunca vi um pensamento’ (GAARDNER, J. 1995, p. 78)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 29
A filosofia
A filosofia é outro modo de conhecimento. Conforme a tradição
histórica, a criação da palavra filosofia, filos (amizade) e sofia
(sabedoria), é atribuída ao grego Pitágoras, que viveu no século VI
a.C. Com o decorrer do tempo, entretanto, a palavra filosofia foi
ganhando outro significado: não apenas de amor pela sabedoria ou
procura dela, mas a busca de um tipo especial de sabedoria, ou
seja, aquela que provém do uso da razão.
É bom assinalar que o conhecimento filosófico designava, desde
a Grécia clássica, a totalidade do conhecimento desenvolvido
pelo ser humano. Isso significa que ele era abrangente e
agrupava vários campos como o da matemática, da astronomia,
da física, da lógica, da ética etc. Enfim, a filosofia abarcava o
conjunto dos saberes da realidade. Isso perdurou até meados da
Idade Moderna, quando, a partir dos séculos XVI, XVII, houve a
separação entre ciência e filosofia. Na perspectiva de um modelo
científico denominado de cartesiano-newtoniano, os campos do
saber foram se dividindo. Contemporaneamente presenciamos
a era dos especialistas que, como disse o sábio: “especialista
é aquele que sabe tudo de um nada”. Nesse novo contexto,
a filosofia passou a ter, entre outros, o papel de recuperar a
unidade do saber, de indagar a validade dos métodos e critérios
adotados pelas ciências, isto é, passou a desenvolver o trabalho
de questionar as diversas ciências, além de procurar produzir
conceitos sobre a realidade, a finalidade, o sentido e o valor
da vida e do mundo. Na próxima unidade será aprofundada a
tarefa da filosofia, inclusive vamos tratar mais proximamente da
filosofia da educação.
PEDAGOGIA30
A arte
Às vezes nos esquecemos,
mas a arte é também um
modo de conhecimento.
Em algum momento
de nossa história, já
percebemos e sentimos
o efeito de alguma obra-
de-arte: uma música
marcante, um romance,
um quadro, uma dança,
um poema, um filme,
uma escultura. Entretanto, não é fácil explicar, de modo preciso,
o que nos encanta numa obra ou entender as razões pelas quais
somos atraídos pela arte ao longo da nossa história como seres
humanos pois, desde a antiguidade, o homem se relaciona com a
natureza, consigo próprio e com o sagrado. Nessas relações ele (re)
constrói o mundo e lhe dá um significado particular, artístico. O fato
é que o saber proporcionado pela arte não nos dá o conhecimento
objetivo de uma coisa qualquer, mas o de um modo particular de
compreendê-la, um modo que traduz também a sensibilidade do
artista. Trata-se, portanto, de um conhecimento (co)produzido
pelo objeto e pelo sujeito.
Nesse processo vale destacar a importância do sentir. A arte é e
sempre será a manifestação de sentimentos e emoções que podem
revelar aquilo que se ama ou a revolta em face de um problema:
alegria, esperança, agonia, decepção, cólera e outros tantos
sentimentos que fazem parte da condição humana.
Do ponto de vista da filosofia, podemos falar em dois grandes
momentos de teorização da arte. No primeiro, inaugurado por
Platão e Aristóteles, a filosofia trata as artes sob a forma da poética;
no segundo, a partir do século XVII, sob a forma da estética.
arte Poética é o nome de uma obra aristotélica sobre as artes
da fala e da escrita, do canto e da dança: a poesia e o teatro
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 31
(tragédia e comédia). A palavra poética é a tradução para poiesis
que significa fabricação. A arte poética, portanto, estuda as obras-
de-arte como fabricação de seres e gestos artificiais produzidos
pelos seres humanos.
Estética é a tradução da palavra grega aesthesis, que significa
conhecimento sensorial, experiência, sensibilidade. Foi
empregada para referir-se às artes, pela primeira vez, pelo
alemão Baumgarten, por volta de 1750. Em seu uso inicial, dizia
respeito ao estudo das obras enquanto criação da sensibilidade,
tendo como finalidade o belo. Pouco a pouco, substituiu a noção
de arte poética e passou a designar toda investigação filosófica
que tenha por objeto as artes ou uma arte. Do lado do artista e
da obra, busca-se a realização da beleza; do lado do espectador
e receptor, busca-se a reação sob a forma do juízo de gosto, do
bom gosto (CHAUÍ, 2004, p. 322ss.).
Um belo exemplo de arte é a poesia. Usufrua o poema a seguir, de
Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascida a cada momento
Para a eterna novidade do mundo.
Observe o verso: “(...)eterna novidade do mundo”. Palavras
que estão separadas e em oposição. Eterno é o que está fora do
tempo, permanece idêntico a si mesmo, enquanto o novo é pura
temporalidade, o tempo como movimento e inquietação que se
PEDAGOGIA32
diferencia de si mesmo. No entanto, essa unidade do eterno e
do novo, aparentemente impossível, realiza-se pelos e para os
humanos. Chama-se ARTE (CHAUÍ, 1994, p.314).
Faça o resumo das principais ideias da seção. Anote o que mais
lhe chamou atenção.
O conhecimento científico
A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem
estabelecidos, nem um sistema que avança constantemente em
direção a um estado final. Nossa ciência não é conhecimento
(episteme); ela nunca pode pretender haver atingido a verdade,
ou mesmo um substituto para ela, tal como a probabilidade.
Entretanto a ciência tem mais que um simples valor de sobrevivência
biológica. Ela não é apenas um instrumento útil. Embora não
possa atingir a verdade nem a probabilidade, o esforço pelo
conhecimento e a procura da verdade ainda são os motivos mais
fortes da descoberta científica.
Não sabemos: podemos apenas conjecturar. E nossas conjecturas
são guiadas pela fé, não-científica, metafísica (embora explicável
biologicamente), nas leis ou regularidades que podemos
desvendar - descobrir (...)
Todavia, testes sistemáticos controlam cuidadosa e seriamente
essas nossas conjecturas ou ‘antecipações’ maravilhosamente
imaginativas e audazes. Uma vez propostas, não sustentamos
dogmaticamente nenhuma de nossas ‘antecipações’. Nosso método
de pesquisa não consiste em defendê-las para aprovar que estávamos
certos. Pelo contrário, tentamos contestá-las. Empregando todas
as armas de nosso arsenal lógico, matemático e técnico, tentamos
provar que nossas antecipações eram falsas - com o fim de propor,
em seu lugar, novas antecipações injustificadas e injustificáveis,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 33
novos ‘preconceitos precipitados e prematuros’’, como Bacon
pejorativamente as chamou (...).
Mesmo o teste cuidadoso e sério de nossas ideias pela experiência
inspira-se, por sua vez, em ideias: a experimentação é uma ação
planejada na qual a teoria guia todos os passos. Não topamos com
nossas experiências, nem deixamos que elas nos inundem como
um rio. Pelo contrário, temos de ser ativos: devemos fazer nossas
experiências. Somos sempre nós que formulamos as questões
propostas à natureza; somos nós que repetidas vezes tentamos
colocar essas questões para então obter um nítido ‘sim’ ou ‘não’ (pois
a natureza não dá uma resposta, a menos que seja pressionada a
fazê-lo). E, finalmente, somos nós também que damos uma resposta;
somos nós próprios que, após severo escrutínio, decidimos sobre
a resposta à questão que colocamos à natureza - após tentativas
insistentes e sérias de obter dela um inequívoco ‘não’ (...).
O velho ideal científico da episteme - do conhecimento absoluta-
mente certo, demonstrável - mostrou ser um ídolo. A exigência
da objetividade científica torna inevitável que todo enunciado
científico permaneça provisório para sempre. Ele, com efeito,
pode ser corroborado, mas toda corroboração é relativa a outros
enunciados que, novamente, são provisórios (Popper. K. A lógica
da pesquisa científica, In: ARANHA, M L. Filosofando. Introdução
à filosofia. 1993, p. 165).
FILOSOFIA: EM BUSCA DO TESOURO PERDIDO
Caro(a) aluno(a)! A filosofia como forma de conhecimento só pode
ser compreendida se experimentada através do uso de nossa ra-
zão, igual em todos nós que participamos da condição humana.
Essa afirmação é também o nosso convite e revela a intenção des-
se trabalho. Vamos agora aprofundar um pouco mais a noção de
filosofia, sua utilidade e função. A filosofia é um tesouro perdido
fabuloso para ser reencontrado por nós.
PEDAGOGIA34
Já dissemos anteriormente que a etimologia da palavra aponta
para a noção de amizade, de amor, de sabedoria. Conforme Chauí
(1994, p. 18), atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que
viveu no séc. V a.C. ) a invenção da palavra filosofia. Ele teria
dito que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas
que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
Segundo Pitágoras, três tipos de pessoas compareciam aos jogos
olímpicos: as que iam para comerciar e, portanto, pensavam ape-
nas nos próprios interesses, as que iam para competir, isto é, os
artistas e atletas e as que iam contemplar os jogos e torneios para
avaliar, julgar o que ali se apresentava. O terceiro tipo de pessoa,
conforme Pitágoras, é semelhante ao filósofo.
Com isso Pitágoras indicava que o filósofo não deve ser movido por
interesses comerciais, nem tampouco por interesses de competi-
ção, mas sim pelo desejo de avaliar as coisas, as ações, a vida,
em resumo, pelo desejo de saber. Desse modo, como afirma Chauí
: “ a verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e
que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos
olhos (do espírito ) para vê-la” (1994, p. 20).
O filósofo não possui em ato a sabedoria, não é seu proprietário,
mas a deseja e a procura para com ela estar, participando dessa
convivência, dessa proximidade de aconchego, de prazer, de res-
peito, que é, também, instigadora e provocante. A sabedoria é
pois, o objeto de um desejo e de uma procura.
Assim, prezada(o) acadêmica(o), esse é um primeiro passo de nos-
so convite. Compreender a filosofia como busca constante. Busca
de quê? Busca da amizade, da sabedoria, dos conhecimentos que
podem nos tornar melhores.
Note-se que com frequência somos habituados a querer respos-
tas prontas, acabadas, “receitinhas”. A filosofia, porém, a cada
momento pergunta, duvida, contesta. Um certo inacabamento faz
parte dessa atividade, que nunca se dá por concluída, nem a res-
posta é conclusiva, permanecendo sempre aberta, por ser feita e
refeita. Conforme Bréhier, citado por Peixoto (2001, p. 41): “Tudo
o que é fechado em filosofia, tudo o que se dá como solução defini-
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 35
tiva e sistema acabado pode ter, certamente tem, um valor peda-
gógico, mas não tem real valor filosófico”. É polêmica a afirmação,
não é mesmo?
Sócrates (470-399 a.C.), grande filósofo grego, é uma referência
importante nesse contexto. Preocupado com o método do
conhecimento, partia do pressuposto: “Só sei que nada sei”, ou
seja, é fundamental reconhecer a própria ignorância, ponto de
partida para a procura do saber. Por isso seu conhecido método
faz história: a ironia e a maiêutica. A ironia significa em grego,
perguntar, interrogar. Sócrates interrogava seus interlocutores
sobre aquilo que pensavam saber. O que é o bem? O que é a justiça?
E a coragem? São exemplos de perguntas. O leitor pode acrescentar
outras perguntas necessárias nos dias de hoje, como o que é
educar, como organizar a sociedade etc. No decorrer do diálogo,
com habilidade de raciocínio, Sócrates procurava evidenciar as
contradições da fala, os problemas que apareciam a cada resposta.
O objetivo era desconstruir a arrogância, o saber presunçoso ou
feito de certezas inabaláveis. A intenção metodológica era fazer
com que os interlocutores tomassem consciência profunda de suas
respostas e das consequências do saber que julgavam ter.
Na segunda fase do método, vem a maiêutica, palavra grega que
significa parto, arte de trazer à luz. Sócrates deu esse nome em
homenagem a sua mãe, que era parteira, explicando que, se ela aju-
dava as crianças a virem ao mundo, ele queria contribuir para novas
ideias virem à luz. A interrogação socrática expunha os saberes dos
sujeitos e, ao mesmo tempo, mostrava o quanto as pessoas tinham
consciência limitada sobre aquilo que realmente julgavam saber.
Essa postura, como afirmam os historiadores, fez de Sócrates uma
figura singular e lhe proporcionou amigos e muitos inimigos. Com
a ironia, Sócrates questionou os valores consolidados e abalou as
certezas do cotidiano. Com a maiêutica, desafiou os homens de seu
tempo e a todos nós, educadores, a (re)construir pacientemente
os conhecimentos à nossa volta. Processo esse que nem sempre é
fácil ou cômodo. Exige uma sadia disciplina, dedicação, atenção,
esforço, desacomodamento.
PEDAGOGIA36
A figura socrática mostra-nos, portanto, que o exercício da filosofia é
essencialmente o exercício do questionamento, da interrogação, da
construção dos conceitos sobre o sentido do homem e do mundo. A
partir dessa atividade Sócrates foi considerado “subversivo”, julga-
do e condenado à morte. No percurso histórico, a filosofia incomo-
da a dimensão instituída da sociedade, pois é um saber instituinte,
ou seja, coloca em debate as relações e situações que são aceitas
pacificamente sem discussão e que são tidas como verdadeiras. A
filosofia procura, desse modo, a verdade para além das aparências.
A coruja é o símbolo da filosofia, pois con-
segue enxergar o mundo mesmo nas noites
mais escuras. A constituição física de seu
pescoço permite que ela veja tudo à sua
volta. Essa seria a pretensão da filosofia, por
meio da razão poder ver racionalmente e
entender o mundo mesmo nos seus momen-
tos mais obscuros. E ainda procurar enxer-
gá-lo sob os mais diversos ângulos possíveis.
Platão e o Mito da Caverna
A narrativa do mito da caverna, apresenta-
da por Platão, é uma das mais belas e mais
conhecidas de toda a história da filosofia e
descreve a situação em que se encontra a hu-
manidade. Para o filósofo, todos nós estamos
presos em uma caverna da qual vemos apenas
sombras a nossa frente e as tomamos como
verdadeiras. O mito da caverna faz parte do
Livro 7, da obra A República. Esse livro foi es-
crito entre os anos 380-370 a.C e é um diálogo entre Sócrates e
seus amigos, que apresenta o método dialético de investigação
filosófica. Através de aproximações sucessivas, o mestre discute
a organização da sociedade, a natureza da política, o papel da
educação e a essência da justiça.
Platão (428-347 a.C.)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 37
Vamos aqui reproduzir parcialmente uma das várias interpre-
tações dessa narrativa, feita pelo escritor José Saramago (dis-
ponível em http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura
2006/05/17/000htm)
A condição humana
Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz con-
dição. Imaginou todos presos desde a infância no fundo de uma
caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam
a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Su-
pondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros,
carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de ho-
mens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do
muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma es-
cassa iluminação vinda do fundo do subterrâneo, disse que os ha-
bitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar o bruxuleio das
sombras daqueles objetos, surgindo e se desfazendo diante deles.
Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as
imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Pla-
tão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o espectro pela
realidade. A sua existência era, pois, inteiramente dominada pela
ignorância (agnoia).
Libertando-se dos grilhões
Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse
libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o
levasse, ainda que arrastado, para longe daquela caverna, o que
poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando ao
lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema lumino-
sidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê
e vê. Mas, depois, aclimatado, ele iria desvendando aos poucos,
PEDAGOGIA38
como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as
manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de
objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda estupe-
fato, ele se depararia com a existência de um outro mundo,
totalmente oposto ao subterrâneo em que fora criado. O uni-
verso da ciência (gnose) e o do conhecimento (episteme), por
inteiro, se escancarava perante ele, podendo então vislumbrar
e embevecer-se com o mundo das formas perfeitas.
As etapas do saber
Com essa metáfora – o tão justamente famoso Mito da Caverna
- Platão quis mostrar muitas coisas. Uma delas é que é sempre
doloroso chegar-se ao conhecimento, tendo-se que percorrer ca-
minhos bem definidos para alcançá-lo, pois romper com a inércia
da ignorância (agnosis) requer sacrifícios. A primeira etapa a ser
atingida é a da opinião (doxa) quando o indivíduo que se ergueu
das profundezas da caverna tem o seu primeiro contato com as
novas e imprecisas imagens exteriores. Neste primeiro instante,
ele não as consegue captar na totalidade, vendo apenas algo im-
pressionista flutuar à sua frente. No momento seguinte, porém,
persistindo em seu olhar inquisidor, ele finalmente poderá ver o
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 39
objeto na sua integralidade, com os seus perfis bem definidos. Aí
então atingirá o conhecimento (episteme). Essa busca não se limi-
ta a descobrir a verdade dos objetos, mas algo bem mais superior:
chegar à contemplação das ideias morais que regem a sociedade
- o bem (agathón), o belo (tokalón) e a justiça (dikaiosyne).
O visível e o inteligível
Há, pois, dois mundos. O visível é aquele em que a maioria da hu-
manidade está presa, condicionada pelo lusco-fusco da caverna,
crendo, iludida, que as sombras são a realidade. O outro mundo,
o inteligível, é apanágio de alguns poucos. Os que conseguem su-
perar a ignorância em que nasceram e, rompendo com os ferros
que os prendiam ao subterrâneo, ergueram-se para a esfera da luz
em busca das essências maiores do bem e do belo (kalogathia). O
visível é o império dos sentidos, captado pelo olhar e dominado
pela subjetividade; o inteligível é o reino da inteligência (nous)
percebido pela razão (logos). O primeiro é o território do homem
comum (demiurgo), preso às coisas do cotidiano, o outro é a seara
do homem sábio (filósofo) que se volta para a objetividade, des-
cortinando um universo diante de si.
O desconforto do sábio
Platão então pergunta pela boca de Sócrates, personagem cen-
tral do diálogo a República, o que aconteceria se este ser que
repentinamente descobriu as maravilhas do mundo dominado por
Hélio, o fabuloso universo inteligível, descesse de volta à caver-
na? Como ele seria recebido? Certamente que os que se encon-
travam encadeados fariam mofa dele, colocando abertamente
em dúvida a existência desse tal outro mundo que ele disse ter
visitado. O recém-retornado certamente seria unanimemente
hostilizado e ridicularizado. Dessa forma, Platão traçou o des-
PEDAGOGIA40
conforto que o sábio sente quando é obrigado a conviver com os
demais seres comuns, presos à ignorância. Não acreditam nele,
não o levam a sério.
Imaginam-no um excêntrico, um idiossincrático, um extravagan-
te, um tonto, alguém não dotado de um sentido prático, quando
não um rematado doido (destino comum a que a maior parte dos
cientistas, inventores e demais revolucionários do pensamento
tiveram que enfrentar ao longo da história).
Quais as alternativas?
Deveria, por essa razão, o sábio desistir? O riso e o deboche com
que invariavelmente é recebido, tomado quase sempre como
um homem que vive com a cabeça metida nas nuvens, fariam
com que ele devesse se afastar do convívio social? Quem sabe
não seria preferível o isolamento num retiro solitário qualquer,
com as costas voltadas para a cidade? Hostil à ideia da vida mo-
nacal ao estilo dos pitagóricos, Platão foi incisivo: o conheci-
mento do sábio deve ser compartilhado com seus semelhantes,
deve estar a serviço da cidade. O filósofo, cheio de sabedoria
e geometria que leva uma existência de eremita, acreditando-
se um habitante das ilhas afortunadas, sem ter contato com
ninguém de nada serve. Isto porque a lei não se preocupa em
assegurar a felicidade apenas para uma determinada classe de
cidadãos (no caso, os sábios), mas sim se esforça para “realizar
a ventura da cidade inteira”. A liberdade que os sábios pare-
cem gozar - o conhecimento dá aos seus portadores a sensação
de liberdade - não é para eles se voltarem para o lado que
lhes aprouver, mas para fazê-los concorrer ao fortalecimento
do laço do Estado.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 41
O governo dos sábios
Platão não ficou apenas na recomendação de que os sábios devem
socializar o conhecimento. Ousou ir bem mais além. Justamente
por eles, os filósofos, serem menos “apressados em chegar ao po-
der” (sabendo perfeitamente distinguir o visível do inteligível, a
imagem da realidade, o falso do verdadeiro), é que eles devem ser
chamados para a regência suprema da sociedade.
O texto que você acabou de ler, sobre o mito da caverna, traz mui-
tas informações importantes.
1) Faça uma síntese dos principais conceitos descritos. Responda
ainda a diferença entre opinião (doxa) e conhecimento autên-
tico (episteme), segundo Platão.
Afinal, qual a utilidade da Filosofia?
(...) Afinal, para que Filosofia? É uma pergunta interessante. Não
vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que
matemática ou física? Para que geografia ou geologia? Para que his-
tória ou sociologia? Para que biologia ou psicologia? Para que astro-
nomia ou química? Para que pintura, literatura, música ou dança?
Mas todo mundo acha muito natural perguntar: para que Filosofia?
(...) Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a
ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não
se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos pode-
res estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação
do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido
das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil;
se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem
conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liber-
dade e a felicidade para todos for útil; então podemos dizer que a
Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos
são capazes (CHAUÍ, M., 2004, p. 19).
PEDAGOGIA42
A filosofia no mundo
Seja a filosofia o que for, está presente em nosso mundo e a ele necessariamente se refere.(...). Mas como se põe o mundo em relação à filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática (...).
A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiada complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões mais fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter ‘opiniões’ e contentar-se com elas.
A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.
Muitos políticos veem seu nefasto trabalho pela ausência de filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras da filosofia. Quando mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia.
Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. (...) Os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 43
o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a antifilosofia. E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida, (...).
O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz.
E a verdade o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser (...) Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito. (...)
Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar com seus concidadãos, do destino comum da humanidade (JASPER, 1971, p. 138).
1) Anote as ideias mais importantes dessa seção. Qual a real im-
portância da Filosofia para você?
PEDAGOGIA44
AMAMENTAR, CRIAR, EDUCAR, FILOSOFAR
Caríssimo(a) acadêmico(a)! Você sabia que a etimologia da palavra
educação na língua latina tem sentidos riquíssimos? Educar vem de
educare, quer dizer criar, amamentar. E educere: levar para fora,
fazer sair, dar à luz, produzir. Desse modo, educação tem relação
direta com o amamentar, criar, dar à luz e, por que não, com o
filosofar. E sabemos muito bem que não há apenas uma educação,
mas várias práticas educativas.
Um belo trecho do texto conhecido como Carta à Virgínia, pode
nos ajudar a compreender as diferentes práticas educativas e seus
pressupostos.
(...) Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios recon-hecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. (...) Mui-tos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam caçar o veado, matar o inimigo ou construir uma cabana e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, inúteis. (...) Ficamos extrema-mente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de vossos jovens, que lhes ensinaremos tudo que sabemos e faremos de-les homens (BRANDÃO, C. R. 1984 p. 13).
Facilmente constatamos que a educação, no decorrer dos tempos, está
presente de diferentes formas nas várias sociedades e responde aos
anseios, necessidades e problemas aí encontrados. Também a Filosofia
da Educação está presente nas significações filosófico-educacionais
que estão subentendidos nas nossas práticas e teorias pedagógicas.
Onde houver prática pedagógica, haverá filosofia da educação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 45
O que desejamos ser como homens e mulheres, cidadãos de nosso
tempo, supõe pressupostos, que em filosofia chamamos de pressu-
postos antropológicos.
Além disso, há metodologias e racionalidades filosóficas distintas,
motivo pelo qual é prudente alertar o leitor para essa variedade
que se constitui muito mais em riqueza do que em limites. A fi-
losofia da educação está presente nas elaborações filosóficas que
implicitamente trazem uma concepção de educação: pode-se falar
em concepção humanista, marxista, positivista e assim por diante.
Assim, se a filosofia é uma forma de conhecimento válido, também
o é quando se volta para as questões educacionais.
Há uma lista de grandes autores brasileiros que se dedicaram e se
dedicam a esse trabalho. Para citar alguns: Anísio Teixeira, Paulo
Freire, Moacir Gadotti, Dumerval Trigueiro Mendes, Antonio Joa-
quim Severino, Dermeval Saviani, Silvio Gallo, Rubem Alves e mui-
tos outros.
Para o professor Dermeval Saviani (1986, p. 27), “a filosofia é uma
reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas da
existência humana”. Assim sendo, de acordo com o autor, pode-se
afirmar que a Filosofia da Educação é uma reflexão sobre os pro-
blemas que surgem no ato de educar, pois a educação, enquanto
prática social, deve responder aos anseios humanos de aperfeiçoa-
mento do homem e da sociedade.
Para Saviani (1986 p. 24), a reflexão filosófica apresenta algumas
características. Ela é:
radical - exige que se vá até a raiz da questão, até seus fundamen-tos, ou seja, que se faça uma reflexão em profundidade;
rigorosa – o filosofar exige que se proceda com rigor, de forma crítica e sistemática, de acordo com métodos determinados, colo-cando em questão as conclusões da sabedoria popular e até mesmo as generalizações das ciências;
de conjunto - o problema não pode ser examinado de modo par-cial; deve ser relacionado com os diversos aspectos do contexto em que está inserido. A filosofia estrutura uma visão global e unitária do saber, distinguindo-se assim das ciências que se detêm em as-pectos particulares do conhecimento.
PEDAGOGIA46
Segundo Severino (1994, p.10), é necessário distinguir entre a
experiência histórico-cultural da filosofia através dos tempos e a
função da filosofia da educação como atividade de todos os que
se preocupam com a educação. Assim, para esse autor, a refle-
xão filosófica/educacional compreende diferentes abordagens:
a abordagem antropológica, uma vez que discute o sentido da
existência humana em condições sociohistóricas determinadas;
a abordagem axiológica, na medida em que investiga os valores
que norteiam a consciência individual e as relações humanas; e a
abordagem epistemológica, porque discute os processos de pro-
dução, sistematização e transmissão do conhecimento presentes
na ação educativa. Note-se a abrangência de funções dada à ati-
vidade filosófica, o que pressupõe que tal atividade seja sistemá-
tica, tenha método.
Inspirado nos filósofos franceses Deleuze e Guattari, o educador
brasileiro Silvio Gallo (2002) entende a filosofia como criação de
conceitos.
A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos (...). O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os con-ceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos (DE-LEUZE e GUATTARI, 1992, p. 19s).
Essa definição é importante em dois aspectos: primeiro, por to-
mar a filosofia como uma ação, uma atividade, apresentando-a
como um ato, ato de pensamento. Para o ensino e o aprendizado
da Filosofia, isso é determinante, pois, para sermos fiéis a esse
tipo de experiência de pensamento, não basta que ensinemos seu
produto (as ideias inscritas na História da Filosofia), mas é essen-
cial que façamos a própria experiência. O segundo aspecto é que
eles atribuem à Filosofia uma especificidade que só ela tem: a de
produzir conceitos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 47
Conforme Gallo (2002, p.278):
Compreendida dessa forma, a filosofia aparece necessariamente como ação e não como algo sempre já presente. A filosofia mostra-se como produção, como ato essencialmente criativo, e o filósofo como artesão, como um demiurgo que, da vivência cotidiana, produz seus conceitos como pequenas ou grandes obras de arte, que perdurar-ão por séculos (...) ou serão esquecidos nos porões desabitados (...).
Para o autor supracitado é significativo compreender a educação
como área aberta. Isso significa conceber a educação como:
[...] uma terra de ninguém, que não tem espe-cificidade nem se encontra mapeada e loteada, com proprietários dos saberes ali produzidos. Para dizer de outra forma, não consigo ver ‘especialis-tas em educação’. Prefiro a imagem da educação como ‘ terra de ninguém’ povoada por forasteiros, que seriam os filósofos, cientistas, artistas que, com espírito aventureiro, dedicamse a desbravar esta ‘terra incógnita’, de todos e de ninguém. Sendo uma área aberta, a educação abre-se para o diálogo e para a contribuição dos diferentes campos de saberes, sendo por eles potencializada e mutuamente potencializando-os. (GALLO, 2002, p. 279).
Para superar os problemas que derivam de um pretensionismo des-
cabido na filosofia e na educação, o autor propõe um diálogo per-
manente entre as duas áreas, de forma que os dois campos de
saber possam ser criativos e potencializados um para com o outro.
Nesse contexto, propõe-se a noção de transversalidade.
Conforme Gallo (2000, p.283), na noção de transversalidade:
Assume-se a necessidade de que a produção de saberes se dê através de atravessamentos dos mais distintos e diversos campos, e não esteja apenas circunscrita a um campo singular. Dessa forma, a produção dos saberes filosóficos não se dá apenas e tão somente no solo clássico da filosofia, mas ela deve alimentar-se, fecundar e ser fecunda, na me-dida em que transversaliza com outros campos: as artes, as diferente ciências etc. (...) O conceito de transversalidade permite uma relação de atraves-samento na qual não há hierarquia, na qual as in-terações são mútuas e múltiplas.
PEDAGOGIA48
Note-se, portanto, a riqueza de abordagens sobre a filosofia
da educação e suas possibilidades de fecundar o campo edu-
cacional
Sem esgotar tal universo, conclui-se que a atividade filosófica
não deve ser uma mera abstração, ou apenas reflexão, ainda
que a suponha. Deve ser uma experiência que implica uma posi-
ção ativa do educador frente às realidades educacionais, sejam
quais forem.
Por meio da atividade filosófica, de criação de conceitos, é possível
não só romper com o espontaneísmo simplista, mas também com
a atitude rançosa, panfletária, ou que queira atribuir ao discurso
filosófico uma função utilitarista, ou ainda, meramente moralista.
Isso não significa negar a função também propositiva da atividade
filosófica, ao contrário, a propositividade deve vir transversalizada
por outros saberes, mesmo de outras áreas, como foi afirmado an-
teriormente.
Daí decorre que as áreas da filosofia e da educação podem ser
fecundadas, potencializadas, articulando e (re)articulando os sa-
beres. Assim se estabelece a conexão entre as diversas ciências pe-
dagógicas e se propicia ao professor-educador maior compreensão
da condição humana.
Cabe à escola, como instituição que se organiza em torno de um
projeto intencional e sistemático de desenvolvimento humano,
proporcionar espaço para esse trabalho junto aos docentes,
oportunizando-lhes também vivências educativas enriquecedoras,
que favoreçam a tomada de consciência da prática pedagógica
desenvolvida, dos seus fins e valores.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 49
Prática pedagógica
Mas, onde está definida a filosofia da minha escola?
A definição da filosofia de uma escola,
além das convicções e práticas indivi-
duais dos professores, se dá também
na elaboração do projeto pedagógico
de uma comunidade escolar. O proje-
to não é simplesmente modismo (não
deveria ser) ou discurso sem relação
com a prática. Ele é o fio condutor das
demais ações escolares. Uma escola
sem uma posição filosófica clara é como um barco sem rumo: não
sabe para onde vai e nem aonde quer chegar.
A filosofia norteadora da escola deve ser fruto de estudo e trabalho de toda a comunidade escolar. Entretanto, nem sempre isso acontece, pois o projeto pedagógico é elaborado por um pequeno grupo, o que faz com que a maioria ignore a filosofia que norteia o seu trabalho. Que pena quando o projeto pedagógico fica na gaveta juntando poeira e esquecido!
Contudo, há boas experiências educativas em que se busca utilizar o projeto como uma metodologia, ou seja, como um caminho,
maneira de explicitar valores, planejar e rever ações.
Um bom projeto pedagógico deve conter, entre outras informações, respostas às seguintes questões:
- Quem somos?- Aonde queremos chegar? O que queremos ensinar ?- Como chegar aos objetivos propostos?
- Por quê, para quê e a favor de quem estamos trabalhando?
Tais questões implicam definir claramente a visão de mundo e de educação que orienta a nossa escola e que tipo de ser humano e de sociedade esta escola quer ajudar a formar.
As respostas a essas questões envolvem um posicionamento filosó-fico e pedagógico da maior importância, que deverá nortear todas as atividades escolares.
PEDAGOGIA50
Definida a filosofia e os demais componentes do projeto pedagógi-
co, segue-se outro desafio: fazer com que todos se conscientizem
da necessidade de concretizá-lo e selecionar os meios adequados
para os fins que se deseja alcançar, tarefa nem sempre fácil, não é
mesmo? O que você pode fazer para colaborar?
Não se esqueça de fazer o resumo dos principais conceitos
dessa seção.
síntese
Caríssimo(a) acadêmico(a)! Nesta primeira unidade você foi con-
vidado ao ler os textos, a iniciar uma experiência importante
para todo ser humano que é a experiência filosófica, fundamen-
tada no fato de que a filosofia é um modo de conhecimento vá-
lido tanto quanto outros modos de conhecimento, como a arte e
a ciência.
A dificuldade que se tem com a filosofia é fruto de preconceitos
difundidos que identificam o filosofar como apenas ter opinião
sobre alguma coisa, ou ainda, aquele que vê a filosofia um co-
nhecimento demasiado complexo e que não dá soluções práticas.
Para superar esses preconceitos, é necessário fazer a experiên-
cia filosófica que, na sua mais bela tradição, está ligada ao ato
de perguntar, de interrogar sobre coisas, fatos, acontecimentos,
valores. Ao assumir tal atitude todo ser humano é convidado a
“parturir novas ideias”, gerar novos conceitos, criar novas res-
postas para os problemas que se apresentam no cotidiano da
existência humana.
Uma grande questão que todo educador deve esclarecer é a
respeito do próprio ato de conhecimento. O que é, afinal, conhecer?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 51
Com o filósofo Platão, a metáfora do mito da caverna traz à tona
o risco do engano, da ilusão. Platão viu a maioria da humanidade
condenada a uma infeliz condição, pois imaginou todos presos
desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados,
obrigados, pelas correntes que os atavam, a olharem sempre
a parede em frente. O que veriam então? Apenas sombras da
realidade. Para superar essa condição de ignorância, a narrativa
insiste na libertação do homem através do conhecimento, tarefa
difícil, mas não impossível.
Assim é também com a educação. Se é necessário superar a igno-
rância, mudar pontos de vista, romper preconceitos, criar novas
perspectivas, então a filosofia é mais do que necessária. A filoso-
fia da educação é, desse modo, um modo de conhecimento, uma
potência humana que gera pensamento, permite aos educadores
superar o instituído para tornar-se instituinte de novos saberes e
conhecimentos.
1) Em nosso cotidiano, seja em casa ou na prática pedagógica,
encontramos situações nas quais o senso comum está presente.
Cite provérbios populares que você conhece e faça a crítica.
Exemplos: Mulher no volante, perigo constante! As mulheres
são frágeis e sensíveis. Homem que é homem não chora.
2) Encontre exemplos do senso comum que estão presentes na
área da saúde e relacione com o que afirma o conhecimento
científico. Por exemplo: Não se deve comer tal e tal fruta com
leite, pois faz mal Quem ama não pega doença.
3) Leia o texto da seção 2, A filosofia no mundo, e promova um
debate com colegas ou alunos. Algumas questões devem ser
abordadas:
Quais são as dificuldades para o desenvolvimento da filosofia?
Por que a filosofia pode ser “perigosa”?
Quais os inimigos da filosofia?
assista ao filme Matrix, o primeiro da série, e perceba
as referências que o filme faz à filosofia e ao mito da caverna. Quais os paralelos
que podemos estabelecer entre o personagem Neo e o
filósofo Sócrates?
Leia bons livros de filosofia, como:
O mundo de Sofia. Jostein Gaardner. Editora Cia. das
Letras, 1995.Convite à Filosofia. Marilena
Chauí. Editora Ática, 2004.aprender a Viver. Filosofia
para novos tempos. Luc Ferry. Editora Objetiva, 2007.
PEDAGOGIA52
4) A ironia não é privilégio da filosofia. Ela ocorre na literatura, na
música, no teatro. Sua característica fundamental é descons-
truir um determinado discurso, valor ou forma de interpretar.
O questionamento é sua marca registrada. Encontre expressões
artísticas que exercem a ironia (músicas, por exemplo).
5) Relacione o mito da caverna com a educação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 1 53
Anotações________________________________________________________
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OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Adquirir noções de metodologia filosófica;
Problematizar a questão do conhecimento científico;
Refletir sobre a possibilidade de um modelo cientifico emergente.
2A FILOSOFIA ESTÁ NA hISTóRIA
Para início de conversa
Prezado(a) acadêmico(a)! Ao adentrar no universo da filosofia
é fundamental lembrar que os filósofos foram seres humanos
situados no seu tempo. Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás
de Aquino, Descartes, Kant, Marx, Rousseau e outros pensa-
dores renomados fizeram filosofia e são importantes na medi-
da em que estavam situados profundamente no contexto de
suas respectivas sociedades e épocas e por isso criaram novos
conceitos. Assim, pode-se afirmar que a filosofia como expe-
riência cultural está na história, porque ela manifesta e ex-
prime os problemas e as questões que em cada época de uma
sociedade, as pessoas colocam para si mesmas. Como afirma
a filósofa brasileira Marilena Chauí: “A filosofia enfrenta essa
novidade, num diálogo permanente com a sociedade e com a
cultura”. E é por isso que, além de estar na história, a filo-
sofia acaba tendo ela própria uma história singular, pois “as
respostas, as soluções e as novas perguntas que os filósofos
UNIDADE
PEDAGOGIA56
de uma época oferecem tornam-se saberes adquiridos que outros
prosseguem, ou tornam-se novos problemas que outros tentam
resolver, seja aproveitando o passado filosófico, seja criticando-o
e refutando-o” (2004, p. 46).
Nessa disciplina não podemos tratar de todos os temas da história
da filosofia, em razão da amplitude e riqueza da própria história
humana. Recomenda-se aos estudantes que desejarem aprofundar
algum tema, consultar livros de história da filosofia e história da
educação. Há ótimos trabalhos disponíveis no Brasil e alguns são
indicados no decorrer deste livro. Então, vamos em frente?
DE OLhO NO RETROVISOR
Prezado(a) estudante! Olhar no retrovisor é um ato pelo qual per-
cebemos aquilo que está atrás, ou aquilo que já passou, mas que
esteve e está em nosso caminho. Assim é com a filosofia: é uma ex-
periência de conhecimento sempre presente no decurso da história
humana há milênios. Ela tem, pois, uma história e está na história.
Um dos grandes temas que perpassa os séculos é a velha e sempre
nova discussão sobre o método.
A questão do método em filosofia
A questão do método é importante em todos os campos do saber. A
ciência moderna problematiza constantemente esse tema e a filo-
sofia, por sua vez, ao longo de sua história, também.
É aceito que a filosofia se preocupa com o método, enquanto prá-
tica sistemática da atividade filosófica, a partir de Sócrates. Na
Unidade I desse livro, já foi indicado o método socrático da ironia
(pergunta) e da maiêutica (parto). O objetivo de Sócrates era de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 57
chegar à verdade, que se compunha de conceitos universais coe-
rentes e válidos que pudessem orientar e direcionar a prática mo-
ral dos seres humanos.
Em Platão, discípulo de Sócrates, o
método alcança a noção de dialética.
O que significa isso como método de
filosofar? Significa que a maiêutica so-
crática é retomada, acrescida da con-
traposição, isto é, as ideias vão sendo
contrapostas até que se chegue próxi-
mo das essências ideais. Nesse cami-
nho, o entendimento humano iria do mundo sensível para o mundo
das idéias, que, na teoria platônica, é o mundo das essências e, por
isso mesmo, o mundo da perfeição, da verdade, da Beleza.
Já em Aristóteles, a atividade do filosofar necessita de um ins-
trumento apropriado, chamado de lógica. Nesse exercício mental,
procede-se por meio do encadeamento de proposições lógicas, ou
seja, de raciocínio dedutivo, tendo em vista chegar à verdade. Um
exemplo pode ser útil. Se eu disser que os homens são mortais e
que Pedro é homem, devo concluir necessariamente, pela via de-
dutiva, que Pedro é mortal. Aristóteles formulava, inicialmente,
proposições universais que eram assumidas como verdadeiras, e,
a partir daí, deduzia tantas outras proposições coerentes com a
primeira, de tal forma que se a primeira premissa fosse verdadeira,
todas as que dela fossem deduzidas, também o seriam.
Em Santo Agostinho, no período cha-
mado de Patrística (do latim, pater =
pai, ou seja, os pais da fé cristã), há
uma retomada da perspectiva platô-
nica, na qual a busca da verdade está
no interior do homem. Para Agosti-
nho, a verdade está dentro de cada homem, na sua alma. Desse
modo, o método fundamental é o diálogo consigo mesmo para, na
interioridade, encontrar a verdade eterna, que é Deus. Há muitos
cantos religiosos que enfatizam esse conceito. Se você costuma
frequentar igrejas, fique atento (a) para perceber.
PEDAGOGIA58
Tomás de Aquino, no período medieval, retomará a contribuição
aristotélica, buscando constituir uma verdade universal da qual se
deduziram outros tantos argumentos que seriam verdadeiros e que
pudessem nortear a inteligência das pessoas. A contribuição desse
pensador é bastante interessante. Ilustremos com um exemplo de
suas teses, citado por Luckesi (2002), indicado aqui de forma re-
sumida.
Em primeiro lugar, Tomás de Aquino apresenta uma proposição em
forma de dúvida: “Parece que Deus é verdadeiro”. Observe que
Tomás não afirmou já de início que Deus é verdadeiro, mas sim “pa-
rece” que ele é verdadeiro. A seguir, esclarece o que está querendo
entender com essa proposição e chama a isso de cabeça (caput, em
latim) da tese. Na sequência, elenca os argumentos tanto daqueles
que se opõem à afirmação de que Deus é verdadeiro, quanto da-
queles que concordam com a ideia.
No passo seguinte do método, Tomás discute os acertos e os erros
das afirmações a favor e contra a proposição, chegando assim a
uma conclusão, que sempre é apresentada como a afirmação da
proposição inicial sob o seu aspecto positivo. O que parecia ser
uma dúvida, passa a ser uma verdade. Agora basta deduzir outras
verdades a partir dessa que foi demonstrada.
Desse modo, Tomás de Aquino utiliza-se de uma disputa entre opo-
sitores, para chegar a uma conclusão que admite como verdadeira
e que, por isso, lhe possibilita deduzir consequências logicamente
encadeadas.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 59
Neste texto Umberto Eco, escritor italiano, situa importantes as-
pectos da filosofia de Tomás de Aquino, empenhada em conciliar o
cristianismo com uma ótica mais racional do mundo.
Platão e Agostinho tinham dito tudo o que era necessário para compreender os problemas da alma, mas quando se tratava de saber o que seja uma flor ou o nó nas tripas que os médicos de Salermo exploravam na barriga de um doente, e porque era saudável respirar ar fresco numa noite de primavera, as coisas se tornavam obscuras. (...) Desse modo dividia-se a cultura europeia, quando se entendia o céu, não se entendia a terra. Se alguém ainda quisesse entender a terra deixando de lado o céu, a coisa ia mal. (...)
A essa altura os homens da razão aprendem dos árabes que há um antigo mestre (um grego) que poderia fornecer uma chave para unificar esses membros esparsos da Cultura: Aristóteles. Aristóteles sabia falar de Deus, mas classificava os animais e a as pedras, e se ocupava com o movimento dos astros. Sabia lógica, preocupava-se com a psicologia, falava de física, classificava os sistemas políticos. Mas Aristóteles, sobretudo, oferecia as chaves (e Tomás disso saberá tirar dele o máximo) para inverter a relação entre a essência das coisas (e isso significa aquela porção das coisas que pode ser entendida e dita, mesmo quando as coisas não estão ali debaixo dos nossos olhos) e a matéria de que as coisas são feitas. (...)
Tomás não era nem herege nem revolucionário. Tem sido chamado de ‘concordista’. Para ele tratava-se de afinar aquela que era a nova ciência com a ciência da revelação (...). Mas nesse plano ele aplica um extraordinário bom senso e (mestre em sutilezas teológicas) uma grande aderência à realidade natural e ao equilíbrio terreno. Fique claro que Tomás não aristoteliza o cristianismo, mas cristianiza Aristóteles. Fique claro que nunca pensou que com a razão se pudesse entender tudo, mas que tudo se compreende pela fé: só quis dizer que a fé não estava em desacordo com a razão, e que, portanto, era até possível dar-se ao luxo de raciocinar, saindo
PEDAGOGIA60
do universo da alucinação. E assim compreende-se porque na arquitetura de suas obras os capítulos principais falam apenas de Deus, dos anjos, da alma, da virtude, da vida eterna; mas no interior desses capítulos tudo encontra um lugar, mais que racional, ‘razoável’ (...).
Não se esqueça de que antes dele, quando se estudava o texto de um autor antigo, o comentador ou o copista, quando encontravam algo que não concordava com a religião revelada, ou apagavam as frases ‘errôneas’ ou as assinalavam em sentido dubidativo, para pôr em guarda o leitor, ou as deslocavam para a margem. O que faz Tomás por sua vez? Alinha as opiniões divergentes, esclarece o sentido de cada uma, questiona tudo, até o dado da revelação, enumera as objeções possíveis, tenta a mediação final. Tudo deve ser feito em público, como pública era justamente a disputatio (o debate) na sua época: entra em função o tribunal da razão (Eco, Umberto, In: COTRIM, 2000, p. 134).
Na próxima seção vamos estudar autores do pensamento moderno
que abordaram o problema do método.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 61
PENSO, LOGO EXISTO?
Prezado(a) aluno(a)! Com o advento da Idade Moderna, mudan-
ças radicais aconteceram na discussão sobre o conhecimento, que
toma um novo direcionamento ao compreender o papel do sujeito
no ato de conhecer. É por isso que este período questionará as
verdades então estabelecidas pelo modelo Platônico-Agostiniano e
Aristotélico-Tomista.
O grande nome tido como referência para esse período (século XVI-
XVII) é o de René Descartes. A partir dele, a questão metodológica
passou a assumir o papel principal, tanto para a filosofia como para
a ciência emergente, denominada de ciência moderna. A socieda-
de moderna necessitava de novos métodos do conhecer, uma vez
que o conhecimento tornou-se uma questão fundamental e com ele
surge uma nova visão de mundo.
René Descartes (1596-1650), filósofo,
médico e matemático francês, é con-
siderado o fundador da ciência mo-
derna, pai do racionalismo moderno,
e aquele que concluiu a formulação
que deu sustentação ao surgimento
da ciência moderna.
Descartes entende ser fundamental a proposição de um método
novo para a construção do conhecimento científico e passa a
detalhar tais preceitos, presentes até hoje no fazer científico, cujos
benefícios e consequências têm sido debatidos. No Discurso do
Método, obra de Descartes, encontram-se os seguintes preceitos:
O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
PEDAGOGIA62
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir (DESCARTES, 1996, p. 78).
O método cartesiano, em seus quatro passos, fundamenta-se no
uso prioritário da razão. Trata-se de uma profissão de fé na razão,
de onde o filósofo passa para o exercício da dúvida total como
critério para descobrir a verdade:
De há muito observara que, quanto aos costumes, é necessário às vezes seguir opiniões, que sabemos serem muito incertas, tal como se fossem indubitáveis,(...) mas por desejar então ocupar-me somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito que fosse inteiramente indubitável (DESCARTES, 1996, p. 88).
Daí surge a necessidade de Descartes encontrar ao menos uma
certeza para não recair num ceticismo completo, de onde vem a
máxima cartesiana:
Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava (DESCARTES, 1996, p. 92).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 63
Observe, portanto, que o recurso metodológico proposto por
Descartes é a dúvida metódica sobre todas as afirmações, até
encontrar um ponto de apoio, a partir do qual as verdades po-
deriam ser assumidas como corretas. Não se poderia acredi-
tar em afirmações que não fossem demonstradas a partir desse
ponto de apoio, que seria a única certeza possível e ao qual
se chegaria depois de duvidar de todas as coisas. A expressão
latina cogito ergo sum, isto é, eu penso, logo existo, resume a
preocupação do autor.
A força do pensamento cartesiano na filosofia e na ciência é sig-
nificativa até os dias de hoje, pois Descartes coloca o sujeito do
conhecimento no centro do processo de conhecer e é por isso cha-
mado de “pai” do método científico. Outros autores colaboraram
ainda para o desenvolvimento do método, no período que conhece-
mos por período da revolução científica.
Dos vários cientistas que contribuíram para a denominada re-
volução científica, destaca-se Galileu Galilei (1564-1642), físi-
co, matemático e astrônomo italiano, conhecido como o grande
gênio de sua época. A ciência para Galileu é um saber que não
está mais a serviço da fé, antes busca a autonomia. Galileu
introduz a descrição matemática da natureza e a abordagem
empírica como características predominantes do pensamento
científico do século XVII.
Outras características da ciência para Galileu, segundo Reale e An-
tiseri (1990, p. 278), são:
a) A ciência pode nos dar uma descrição verdadeira da realidade, alcançando os objetos e, assim, sendo objetiva.
b) A ciência descreve a realidade, sendo conhecimento e não pseudofilosofia, pelo fato de que descreve as qualidades obje-tivas (isto é, primárias) e não as subjetivas (secundárias) dos corpos.
c) A ciência é o conhecimento objetivo das ‘sensações’ ou quali-dades mensuráveis dos corpos.
PEDAGOGIA64
Basear-se nas qualidades objetivas ou primárias dos corpos e nas
suas qualidades geométricas e mensuráveis comporta toda uma sé-
rie de consequências:
1) a exclusão do homem do universo de investigação da física;
2) excluindo o homem, exclui-se também um cosmos inteiro de coisas e objetos ordenados e hierarquizados em função do homem;
3) elimina a investigação qualitativa em benefício da quantitativa;
4) eliminam-se as causas finais em favor das causas mecânicas e
eficientes.
Desse modo, embora a ciência galileana se situe em rivalidade com
os conceitos do saber aristotélico, ela deixa marcas indeléveis em
outros campos.
A estratégia de Galileu de dirigir a atenção do cientista para as
propriedades quantificáveis da matéria foi extremamente bem su-
cedida em toda ciência moderna.
A revolução científica teve ainda outros teóricos exponenciais,
como Francis Bacon (1561-1626). Descartes, ao acentuar a questão
do método, particularizou a razão sobre a experiência (fomentan-
do o racionalismo); Bacon privilegiava, no ato científico, a experi-
ência sobre a razão (desembocando no empirismo).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 65
CURIOSIDADE:
Galileu e o telescópio
Embora ainda exista al-
gum debate sobre quem
precisamente inventou
o telescópio, está claro
que esse alguém não foi
Galileu. A primeira licen-
ça para construir teles-
cópios foi obtida por um
oculista holandês chama-
do Johannes Lippershey no dia 02 de outubro de 1608, mas já em
setembro “tubos ópticos de magnificação” foram vistos numa feira
em Frankfurt (Alemanha). Os instrumentos atraíram tanta atenção
que, em abril de 1609, era possível comprá-los em Paris. Assim que
Galileu ouviu as novidades, ele rapidamente construiu seu próprio
telescópio, de melhor qualidade do que os que existiam na época.
Sendo uma pessoa astuta e de grande ambição social, no dia 08
de agosto de 1609 ele convidou o Senado de Veneza a examinar
o instrumento do alto da torre de São Marco, frisando o quanto o
objeto era importante como arma de defesa contra uma invasão
marítima. Seu sucesso foi enorme. O Senado ficou tão impressiona-
do com Galileu e seu telescópio que tornou sua posição em Pádua
permanente, dobrando seu salário. Além de melhorar sua situação
profissional e financeira, o telescópio iria se tornar a maior arma
de Galileu na cruzada contra a visão de mundo aristotélica; os céus
jamais seriam os mesmos após Galileu apontar seu telescópio para
as estrelas (GLEISER, 2002, p. 141).
Francis Bacon (1561-1626) descreveu o seu método empírico de
ciência, formulando a teoria do procedimento indutivo, cuja
metodologia se baseava no exame de alguns casos particulares
para chegar a conclusões gerais a serem testadas por novos ex-
perimentos, tornando-se, então, o novo método de experimen-
tação científica.
PEDAGOGIA66
O ‘’espírito baconiano’’ mudou profundamente a natureza e o ob-
jetivo da investigação científica. A partir de Bacon, o objetivo da
ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para
dominar e controlar a natureza, princípios esses que em parte são
questionáveis nos dias de hoje.
Bacon, ao substituir o modelo clássico de contemplação pela ação,
a resignação diante da natureza pela conquista dela, promove uma
ruptura com a tradição e apresenta uma visão concreta, prática e
utilitarista da realidade. Sua concepção de ciência passou a integrar
uma visão aceita de ciência. Dele é a convicção de que a consciên-
cia ou a mente é uma ‘’tábula rasa”. A valorização do experimento
que Bacon propôs, tornou-se referencial de todo o conhecimento
científico até o momento atual, sendo que a absolutização desse
princípio gerou o que é entendido filosoficamente por empirismo.
A utilização da razão, de dados sensíveis e da experiência (em
contraposição à fé) constitui traços que marcam o trabalho dos
pensadores desse período. As relações Deus-homem são substituí-
das pela relação homem-natureza. Vários autores se preocuparam
com esse tema, como Hobbes, Locke, Newton, dentre outros. Se-
guindo os novos caminhos traçados pelos pensadores que se desta-
caram nesse período de transição, foi-se firmando um novo conhe-
cimento, uma nova ciência, que buscava leis, e leis naturais, que
permitissem a compreensão do universo. De acordo com Andery
(1999, p.178):
Essa nova ciência - a ciência moderna – surgiu com o advento do capitalismo e a ascensão da burguesia e de tudo o que está associado a esse fato: o renascimento do comércio e o cresci-mento das cidades, as grandes navegações, a ex-ploração colonial, o absolutismo, as alterações por que passou o sistema produtivo, a divisão do trabalho (com o surgimento do trabalho parce-lar), a destruição da visão de mundo própria do feudalismo, a preocupação com o desenvolvi-mento técnico, a Reforma, a Contra Reforma. A partir de então, estava aberto o caminho para o acelerado desenvolvimento que a ciência viria a ter nos períodos seguintes.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 67
Metodologias posteriores
O desenvolvimento do capitalismo nos séculos XVII e XVIII foi acom-
panhado pela crescente ascensão social da burguesia e sua tomada
de consciência como classe social. Concomitantemente, o raciona-
lismo imperava na Europa, afirmando a confiança de que a razão
era o meio fundamental para enfrentar os desafios e problemas
que cercavam aquelas sociedades. Assim, após a revolução do co-
nhecimento, temos a revolução industrial com o sucesso da ciência
em campos diversos como o da matemática, da física, da química
e tantos outros, inspirando cientistas de todas as regiões. Havia o
esforço de combater todo tipo de conhecimento mítico.
Paradoxalmente surge um novo mito, a ideia de progresso, ou seja,
havia a crença de que a razão, a ciência e a tecnologia impulsio-
nariam a humanidade numa marcha contínua em direção à liberda-
de, fraternidade e igualdade. Numa palavra, o homem caminharia
rumo à verdade e plenitude completas. Esse período é conhecido
como Ilustração, filosofia das luzes ou Iluminismo.
Metodologicamente, vimos que o empirismo considera a experiên-
cia dos sentidos como o fundamento do conhecimento. Por outro
lado, o racionalismo afirma ser a razão humana a fonte do conhe-
cimento. Na busca de outras respostas, procurando um meio termo
entre as visões anteriormente citadas, existem outras posições fi-
losóficas, como o criticismo e o materialismo dialético. Para essas
correntes, tanto os sentidos como a razão humana têm a participa-
ção determinante na origem de novos conhecimentos.
O Criticismo kantiano
Emannuel Kant (1724-1804), nascido em Konisgsberg, pequena
cidade da Alemanha, teve uma vida dedicada ao ensino e à
investigação filosófica. Homem metódico, lecionou por 40 anos
e deixou o magistério por problemas de saúde. É considerado
o maior nome do Iluminismo alemão. Em seu texto O que é a
Ilustração, o filósofo sintetiza o otimismo iluminista em relação
PEDAGOGIA68
à possibilidade de o homem se guiar por sua própria razão, sem
se deixar enganar pelas crenças, tradições e opiniões alheias. O
ser humano, como ser dotado de razão e liberdade, é o centro
da filosofia kantiana. Kant afirma que a filosofia deve responder a
quatro questões fundamentais: O que posso saber? Como devo agir?
O que posso esperar? O que é o ser humano? Ao buscar responder a
essas questões, ele desenvolveu um exame crítico da razão, a fim
de investigar as condições nas quais se dá o conhecimento humano.
Esse trabalho está contido em sua obra mais famosa, a Crítica da
Razão Pura. A seguir, um pequeno fragmento de texto do autor
como amostra de sua obra.
A Ilustração {Aufklãrung} é a saída do homem de sua menoridade,
da qual ele é o próprio responsável. A menoridade é a incapacidade
de fazer uso do entendimento sem a condução de um outro. ‘O
homem é o próprio culpado dessa menoridade quando sua causa
reside não na falta de entendimento, mas na falta de decisão e
coragem para usá-lo sem a condução de um outro’. Sapere aude!
‘Tenha coragem de usar seu próprio entendimento’, esse é o lema
da Ilustração. Preguiça e covardia são as razões pelas quais uma
tão grande parcela da humanidade permanece na menoridade
mesmo depois que a natureza a liberou da condução externa (...).
E essas são também as razões pelas quais é tão fácil para outros
manterem-se como seus guardiões. É cômodo ser menor. Se tenho
um livro que substitui meu entendimento, um diretor espiritual
que tem uma consciência por mim, um médico que decide sobre
a minha dieta e assim por diante, não preciso me esforçar. Não
preciso pensar, se puder pagar: outros prontamente assumirão por
mim o trabalho penoso. (...)
É muito difícil para um indivíduo isolado libertar-se da sua
menoridade quando ela se tornou quase a sua natureza (...) (KANT,
1980, p. 114).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 69
O materialismo dialético
A obra do filósofo Kant provocou o aparecimento de linhas divergentes
entre os filósofos posteriores a ele, por exemplo, os posivitivistas
(Comte), os idealistas (Hegel) e muitos outros. Registramos aqui a
contribuição e metodologia do materialismo dialético. De acordo
com Cotrim (1994, p. 74):
Para o materialismo dialético, o conhecimento humano evolui da experiência sensível à lógica racional. Os dados dos sentidos devem ser exami-nados e ordenados pela razão, e as conclusões da razão devem ser confrontadas com a observação sistemática dos sentidos. É através da prática hu-mana que saberemos se um conhecimento é falso ou verdadeiro. Dessa maneira, o principal criador do materialismo dialético, Karl Marx, escreveu: a
questão se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a efetividade e o poder do seu pensamento.
Práxis: refere-se no marxismo à ação teórico-prática na qual o homem, ao mesmo tempo em que
transforma a natureza, transforma a si mesmo. a ação (prática) conju-
gada à reflexão (teoria) constituem a práxis. Ela é responsável pelas ativida-
des humanas destinadas a garantir a existência material da sociedade.
Crítica ao idealismo
Inteiramente em oposição à filosofia alemã que desce do céu para a terra, aqui (no materialismo) se sobe da terra para o céu. Em outras palavras, não se parte do que os homens dizem, imaginam, representam, também não de homens ditos, pen-sados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens de carne e osso; parte-se de homens efetivamente ativos e a partir do proces-so efetivo de vida deles é também apresentado o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. Também as imagens
PEDAGOGIA70
nebulosas no cérebro dos homens são sublimações necessárias do seu processo material de vida, em-piricamente constatável e ligado a pressupostos materiais. Com isso a moral, a religião, a metafísi-ca e qualquer outra ideologia e as formas de cons-ciência, correspondentes a elas não mantêm mais a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento, mas, desenvolvendo a sua produção material e o seu intercâmbio material, os homens mudam, com esta sua realidade efetiva, também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. No primeiro modo de consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida efetiva, parte-se dos indivíduos vivos efetivos e considera-se a consciência apenas como a consciência deles (MARX, K. e ENGELS. A ideologia Alemã, 1984).
Prezado(a) aluno(a)! Os limites deste texto não permitem expor de
forma detalhada muitos pontos importantes da questão do méto-
do. Como se pode perceber, essa questão é extremamente rica na
história das ciências e da filosofia.
É interessante notar ainda que, em certos períodos da história,
chegou-se a pensar num método único, que ofereceria os mesmos
princípios e as mesmas regras para todos os campos do conheci-
mento. Na tradição galileana, prevalece o método matemático; no
século XIX, entusiasmados com o desenvolvimento da física, pensa-
va-se que todos os campos do saber deveriam empregar o método
usado pela “ciência da natureza”, mesmo quando o objeto fosse
o homem. Já no século XX, passou-se a considerar que cada cam-
po do conhecimento devia ter seu método próprio, determinado
pela natureza do objeto e pela forma de como o pesquisador pode
aproximar-se desse objeto.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 71
Quanto à filosofia, conforme Chauí (2004, p. 163), há atualmente
alguns traços comuns aos diferentes métodos filosóficos:
1 - O método é reflexivo – parte da autoanálise ou do autoconheci-mento do pensamento;
2 - É crítico – investiga os fundamentos e condições necessárias da possibilidade do conhecimento verdadeiro, da ação ética, da criação artística e da atividade política;
3 - É descritivo - descreve as estruturas internas ou essências de cada campo de objetos do conhecimento e das formas de ação humana;
4 - É interpretativo – busca as formas da linguagem e as significa-ções ou os sentidos dos objetos, dos fatos, das práticas e das instituições, suas origens e transformações.
Não se esqueça de anotar as principais ideias dessa seção.
Faça o seu resumo.
PRUDÊNCIA NO CONhECER: DECÊNCIA NO VIVER
Prezado(a) acadêmico(a)! Você já percebeu que as noções de
educação e ciência caminham quase sempre juntas? A filosofia
quer fazer parte dessa caminhada, através da filosofia da ciência,
enquanto território e espaço privilegiado de questionamento e
de problematização sobre os saberes considerados científicos e
educativos.
Você certamente descreveria com certa facilidade uma lista de
problemas da sociedade contemporânea ligados à justiça social,
relacionamentos interpessoais, agressão à natureza, guerras,
PEDAGOGIA72
fome, violência de todo tipo etc. Observe, desse modo, que vive-
mos um período de transição, de grandes problemas e dificuldades
nos diferentes espaços-tempo da vida humana. Daí a necessidade
de formular perguntas cujas respostas possam trazer alguma luz à
nossa inquietude como educadores.
Inspirados em Boaventura de Souza Santos (1995), temos indagações
que julgamos importantes sobre ciências, cientistas e educação,
sendo que muitas delas já foram feitas há alguns séculos por um
filósofo bastante conhecido: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
Num de seus escritos, O Discurso sobre as Ciências e as artes, Rous-
seau procura responder a uma pergunta que lhe havia sido feita
pela Academia de Dijon: “o restabelecimento (leia-se, o progresso)
das ciências e das artes contribuiu para aprimorar ou para corrom-
per os costumes? Eis o que é preciso examinar” (Rousseau, 1978,
p. 341). Para elaborar a resposta – que é bom recordar, lhe deu
o primeiro prêmio da Academia – Rousseau fez outras perguntas,
nada elementares como as que seguem: existe alguma razão para
substituirmos o conhecimento vulgar (de senso comum) que temos
da natureza e da vida pelo conhecimento científico produzido por
poucos e inacessível à maioria? Será que a ciência poderá contri-
buir para diminuir as distâncias crescentes na sociedade entre o
que se é o que se aparenta ser, entre dizer e fazer, ou (como dize-
mos frequentemente), entre a teoria e a prática? Essas perguntas
Rousseau respondeu, taxativamente, com um vigoroso não!
Quando Rousseau escreveu o texto anteriormente referido, no sé-
culo XVIII, já havia o fermento de uma transformação técnica e
social sem precedentes na história da humanidade. Uma fase de
transição que deixava inquietos, conforme Santos (2003, p. 17),
“os espíritos mais atentos e os fazia refletir sobre os fundamentos
da sociedade em que viviam e sobre o impacto das vibrações a que
eles iam ser sujeitos por via da ordem científica emergente” .
Parece-nos que hoje vivemos um momento semelhante, embora
extremamente mais complexo. São vários os pensadores, dentre
eles Boaventura de Souza Santos, que compartilham a ideia de que
estamos numa fase de transição, também denominada de transição
paradigmática. Este momento exige urgência na resposta a uma série
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 73
de perguntas, algumas já feitas, como as de Rousseau, que buscam
as relações entre ciência e virtude, entre o papel do conhecimento
científico acumulado e a qualidade de nossas vidas, ou seja, o valor da
ciência para a nossa felicidade, e, portanto, para a educação. Quem
sabe a nossa resposta possa ser diferente daquela dada pelo filósofo.
A seguir, trataremos, em linhas gerais, de elementos que indicam
a crise de um velho modelo de ciência, ou quando menos, de seus
limites. Também traremos sucintamente considerações sobre o pa-
radigma emergente de ciência.
O velho modelo de ciência
Há um expressivo trabalho de cunho científico-filosófico que evi-
dencia a crise de um modelo científico, um modelo de racionalida-
de, também denominado de paradigma cartesiano-newtoniano, ou
seja, referindo-se a Descartes e Newton, cujos contornos introdu-
tórios podem ser percebidos na seção anterior desta unidade.
Tal crise é o resultado interativo de uma pluralidade de condições
sociais e teóricas. Entre as sociais basta relembrar que se agravaram,
nas últimas décadas, problemas de degradação ambiental, de cres-
cimento populacional, de aumento das desigualdades sociais entre o
centro e a periferia, tanto entre as nações como no interior delas.
Já entre as condições teóricas, o eixo condutor é de que a crise do
paradigma científico moderno seria o resultado do grande avanço do
conhecimento que o próprio paradigma propiciou, isto é, trata-se de
uma crise gerada dentro da própria ciência. Os inúmeros problemas
existentes hoje, segundo Santos (1997), só podem ser resolvidos a
partir da revisão, concorrência ou superação paradigmática.
É nesse contexto que se dá a crítica aos limites do paradigma car-
tesiano-newtoniano. Ocorre que esse modelo científico, que funda
suas raízes históricas no período conhecido como o da revolução
científica, acontecida nos séculos XVI, XVII e XVIII, tendo como ex-
poentes Nicolau Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton,
tem sido questionado nos seus pressupostos epistemológicos e nas
suas consequências para a sociedade e para a educação.
PEDAGOGIA74
É bom frisar que, embora a citada visão do mundo esteja sendo
questionada, sabe-se que o desenvolvimento da ciência moderna
possibilitou expressivos avanços na história das civilizações. O su-
cesso de muitas proposições permitiu o desenvolvimento científico-
tecnológico presente no mundo atual e, pressionados pela grande-
za e pela onipotência da ciência e da tecnologia, suportamos, a um
só tempo, o peso e os benefícios dessas mudanças.
No entanto, há muitas transformações discutíveis, que de alguma
forma nos empobreceram. Questiona-se a dimensão unilateral e
reducionista do velho paradigma, a partir do momento em que o
método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, foi in-
terpretado como sendo a explicação mais completa, a única abor-
dagem válida do conhecimento, ao focalizar as partes, ao conhecer
as unidades separadas.
Outra consequência do paradigma tradicional está em ser funda-
mentado numa visão que insiste no predomínio da mentalidade
de que o espírito da ciência era servir ao homem, propiciando-lhe
condições de domínio sobre a natureza, no sentido de extrair, sob
tortura, todos os seus segredos (a mentalidade baconiana). Esse
tipo de compreensão quebra a unidade existente entre o homem e
a natureza, dando ensejo a que muitos erros sejam cometidos, per-
mitindo que a técnica e a tecnologia que tanto ajudaram na libera-
ção do homem, acabem escravizando-o, por sua ação devastadora
sobre o meio ambiente. Tal fato coloca em risco não apenas a vida
humana, mas todo o planeta, em razão do agravamento da polui-
ção que vem provocando sérias ameaças ao bem-estar comum.
Questionam-se ainda, os êxitos alcançados pelo paradigma indus-
trial do ocidente, que geraram, direta ou indiretamente, a maioria
dos problemas críticos de ordem
social e global presentes na hu-
manidade. Esse paradigma apre-
senta uma concepção de vida
em sociedade, com a crença no
progresso material ilimitado, a
ser alcançado através do cresci-
mento econômico e tecnológico,
também sem limites.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 75
Os modelos contemporâneos de desenvolvimento e a própria socie-
dade supervalorizam tudo o que é quantificável, ou seja, a aqui-
sição de bens materiais, a expansão, a competição. O importante
são as cotas, o nível de renda, os lucros obtidos, os aumentos, os
bens materiais, com pouquíssima preocupação com o caráter social
desses bens. Pode-se aqui acrescentar todos os desequilíbrios re-
gionais, e o mais grave, as injustiças sociais existentes, que o leitor
pode identificar com facilidade.
Também se constata, como consequência do paradigma cartesiano-
newtoniano, a visão do homem-máquina que aloja uma alma, cuja
essência é o pensamento, mantendo-se, aprofundando a perspec-
tiva dualista entre matéria e mente, corpo e alma. Questiona-se
hoje, por exemplo, o ponto de vista cartesiano, em que a essência
da natureza humana está no pensamento o qual é separado do cor-
po. A mente - essa coisa pensante - está separada do corpo - coisa
não pensante, coisa extensa e constituída de partes mecânicas.
O dualismo entre matéria e mente, corpo e alma, teve profundas
repercussões no pensamento ocidental, e nos levam a aceitar o
corpo separado de nossa mente, como se fossem absolutamente
desconectados. É necessário recordar que na área educacional as
influências do pensamento cartesiano-newtoniano incidem forte-
mente e podem ser observadas no cotidiano da escola.
Essas breves constatações, caro(a) acadêmico(a), são indicativas
de que existe uma série de problemas interligados, cujas soluções
parecem não ser possíveis nos modelos vigentes. Daí a necessidade
de buscar um novo paradigma científico e de sociedade.
Um paradigma emergente
A visão mecanicista do mundo, de-
corrente do paradigma cartesiano-
newtoniano que se tornou a base
natural de todas as ciências, come-
çou a perder o seu poder de influên-
cia como teoria que fundamenta a
ocorrência dos fenômenos naturais,
PEDAGOGIA76
a partir de algumas descobertas que afloraram no início do século
XX. Foi Einstein, em 1905, quem fez a primeira grande investida
contra o paradigma da ciência moderna, através da teoria da re-
latividade. Dentre outros renomados cientistas que muito contri-
buíram para a revolução paradigmática estão Werner Heisenberg
(1901–1976), físico alemão; Niels Bohr (1885-1962) físico dinamar-
quês; e Ilyia Prigogine, físico químico nascido em Moscou, em 1917,
ganhador do prêmio Nobel em 1977. Portanto, o paradigma emer-
gente é configurado através de uma rica e diversificada reflexão
epistemológica, que assenta suas bases nas novas e instigantes des-
cobertas no domínio das ciências naturais, como por exemplo, na
física, na biologia, estendendo-se às ciências humanas.
Para Santos (2003, p. 48), a relevância do conjunto de teorias de-
ve-se ao fato de que não é um fenômeno isolado mas “faz parte de
um movimento convergente, pujante, (...) que atravessa as várias
ciências da natureza até as ciências sociais, um movimento de vo-
cação transdisciplinar (...)”.
Características do novo modelo
Os problemas fundamentais nos diversos espaços-tempo da socie-
dade, como o espaço-tempo mundial, da produção, da cidadania e
doméstico, isto é, a rede, a qual conhecemos e na qual vivemos,
apresentam problemas que reclamam soluções também fundamen-
tais. O paradigma dominante, contudo, não permite repensar o
futuro. Por isso, impõe-se reinventá-lo, abrir um novo horizonte
de possibilidades. Para tanto, só há uma solução: a utopia, assim
compreendida:
A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da im-aginação à necessidade do que existe, só porque existem em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem o direito de desejar e por que merece a pena lutar. A utopia é uma chamada de atenção para o que não existe como (contra) parte integrante, mas silenciada, do que existe (...) (SANTOS, 1997, p. 324).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 77
Perceba, caro(a) acadêmico(a), que aqui a noção de utopia não é
negativa, no sentido de ilusão, quimera; mas positiva, isto é, ela é
o horizonte maior pelo qual as pessoas podem se sentir motivadas
a trabalhar, a se empenhar. A sociedade que perde o sentido da
utopia, estagna-se, e permanece imobilizada, sem esperança, sem
vislumbre. A educação sem a dimensão utópica pode desandar para
um ceticismo raso, com todas as consequências que isso pode ter
na perspectiva dos valores e fins educacionais. .
Contudo, conforme Santos (1997), as duas condições de possibili-
dade de utopia são uma nova epistemologia e uma nova psicologia.
Isso quer dizer que é preciso construir outras formas de produção
de conhecimento, nas quais as pessoas não somente estejam inse-
ridas, mas que creiam, vivam, amem com força e vontade.
Para o autor anteriormente citado, é necessário, pois, que este-
jamos atentos para um novo paradigma que lentamente emerge,
embora não esteja pronto, nem acabado, e que pode assim ser
enunciado: “o paradigma de um conhecimento prudente para uma
vida decente” (2003, p. 60). Com essa designação, Santos enfati-
za que tal paradigma, através da revolução científica que ocorre,
não pode ser apenas científico, isto é, tratar de um conhecimento
prudente. Tem de ser também um paradigma social, que traga im-
plicações para uma vida decente, possível de ser vivida por todos
com dignidade.
Caro(a) estudante, a seguir vamos citar um conjunto de teses, que
conforme Boaventura de Souza Santos, fazem parte ou caracteri-
zam uma ciência prudente:
a) Todo conhecimento científico da natureza é conhecimento
da sociedade e vice-versa.
Vocês já perceberam como frequentemente na escola, embora to-
dos sejamos educadores, temos dificuldade em nos compreender e
compreender o que o outro faz? Matemática não se comunica com
geografia, que não se comunica com física, que tem dificuldade pra
lidar com a história, que não se relaciona com a biologia e assim
por diante. Todos estão ilhados em seus saberes. Percebendo essa
realidade, é fundamental, no novo modelo de ciência, superar as
PEDAGOGIA78
dicotomias entre ciências naturais e sociais. Daí a busca de revalo-
rizar os estudos humanísticos.
O conhecimento desse modo, tende a não ser dualista; a distinção
sujeito/objeto perde os contornos dicotômicos: natural/artificial/
coletivo/individual. Ao abordar a superação das ciências naturais e
sociais, um importante texto do autor afirma: “A concepção huma-
nística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progres-
siva fusão das ciências naturais e sociais coloca a pessoa, enquanto
autor e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, ao
contrário, as humanidades tradicionais colocam o que hoje desig-
namos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana
porque toda a natureza é humana’’ (SANTOS, 2003, p.72).
b) Todo conhecimento é simultaneamente local e total.
Na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização. O
conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objeto
sobre o qual ele incide. Assim, é hoje reconhecido que a excessiva
parcialização e disciplinarização do saber científico faz do cientista
um ignorante especializado e isso acarreta efeitos negativos.
Daí a luta contra a especialização reducionista que é feita pelas
diferentes áreas do saber, como na medicina, na farmácia, na psi-
cologia, na economia e tantas outras. Mas no paradigma emergente
o conhecimento é total, porém também, é local e constitui-se de
temas que em dado momento são adotados por grupos sociais con-
cretos como projetos de vida locais.
c) Todo conhecimento é auto conhecimento.
A ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito do conhe-
cimento e rejeitou tudo o que não se alinhasse ou coubesse no mé-
todo. Um conhecimento objetivo, factual e rigoroso não tolerava a
interferência dos valores humanos ou religiosos. Foi nesta base que
se construiu a distinção dicotômica entre sujeito/objeto.
Assim, tal distinção, questionada há tempos pelas ciências sociais,
toma outros contornos nas ciências naturais, em face dos avanços
que se constatam na física, na química, na biologia e que permitem
considerar o objeto como a continuação do sujeito.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 79
Caro aluno(a), é preciso reconhecer que se a ciência moderna nos
deixou como herança um conhecimento funcional do mundo que
alargou extraordinariamente as nossas perspectivas de sobrevivên-
cia, ainda há muitos desafios a superar para que saibamos não ape-
nas sobreviver, mas saber viver! Você concorda?
d) Todo conhecimento científico visa constituir-se em senso
comum.
A ciência moderna construiu-se contra o senso comum que consi-
derou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-moderna procura
reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conheci-
mento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com
o mundo. É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser
um conhecimento mistificado e mistificador, mas apesar disso, e de
ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora, pois é
prático, firma-se como experiência vivida, desconfia da verborreia
tecnocientífica. Não se trata aqui de deslegitimar a ciência, pois
o senso comum é conservador e pode legitimar prepotências, mas
interpenetrado pelo conhecimento científico pode estar na origem
de uma nova racionalidade.
No antigo modelo científico, a passagem mais importante era aque-
la do senso comum para a ciência. Agora, no novo modelo cientifi-
co, é fundamental que haja a passagem do conhecimento científico
para o senso comum. Conforme Santos (2003, p. 90): “O conheci-
mento científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida
em que se converte em senso comum”.
Na perspectiva desse novo modelo que emerge, é necessário partir
de uma espécie de escavação sobre o passado. Isso significa per-
guntarmo-nos sobre o que não foi feito e compreender porque não
foi feito. E a escavação é orientada para os silenciamentos, para
as vozes suprimidas, para as margens, para a periferia, para o Sul,
enquanto metáfora de todos os que lutam por melhores condições
de vida.
No paradigma emergente ressaltam-se os grandes valores éticos
interculturais, como o valor da dignidade humana. Daí a preocu-
pação com a expansão das características democráticas das comu-
PEDAGOGIA80
nidades. Democracia aqui entendida como diálogo intermitente,
inspirada na perspectiva eco-socialista, considerada uma “demo-
cracia sem fim”.
O paradigma emergente quer também reabilitar os sentimentos e as
paixões como forças mobilizadoras de transformação social, pois,
“não basta criar um novo conhecimento, é preciso que alguém se
reconheça nele. De nada valerá inventar alternativas de realização
pessoal e coletiva, se elas não são apropriáveis por aqueles a quem
se destina” (SANTOS, 1997, p. 287).
Reconhecer que a noção de separatividade cartesiano-newto-
niana é limitada. Logo, as separações mente/corpo, cérebro/espí-
rito, homem/natureza não mais se sustentam. O paradigma emer-
gente compreende a existência de interconexões entre os objetos,
entre sujeito e objeto, o que promove a abertura de novos diálogos
entre mente e corpo, interior e exterior. Urge, desse modo, conti-
nuamente repensar e (re)propor uma concepção de processos for-
mativos ou educacionais abrangente, que considere o ser humano
na sua totalidade cognitiva, física, afetiva, espiritual. A priorização
no trabalho educacional das linguagens eminentemente ético-polí-
ticas, identificadas com um racionalismo estreito, parece ter dei-
xado para segundo plano outras perspectivas ligadas à afetividade,
à espiritualidade, ao lúdico, ao prazer como componentes vitais.
Paradigma emergente e prática pedagógica
Caro(a) acadêmico(a)! A busca de saídas alterna-tivas para a prática educativa requer enunciar al-gumas perspectivas que são apontadas pelo para-digma emergente e que sucintamente podem ser pontuadas. Você poderá acrescentar outras pautas inspiradas no texto ou acrescentar aquelas que de algum modo já são de domínio comum de outros pesquisadores.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 81
Essa perspectiva remete à implementação de uma concepção
educativa voltada para a vitalidade corporal não dualista. Sig-
nifica retomar a dimensão prazerosa do conhecimento, não cer-
tamente como se a vida fosse regida apenas por essa dimensão,
mas buscar repensar na educação o que frequentemente se es-
quece, um enunciado simples, mas lapidar: “a vida se gosta”
(ASSMANN, 1996, p. 201).
No paradigma que emerge todo conhecimento é autoconheci-
mento. Essa noção revela muito sobre quem somos e quem sere-
mos. Há outros dualismos a superar, como por exemplo, a relação
homem/natureza. Presenciamos todos os dias os efeitos do dese-
quilíbrio na natureza. Esse desequilíbrio deita suas raízes no espíri-
to cartesiano-newtoniano de domínio e exploração.
Hoje sabemos que os grandes organismos vitais como a química dos
solos, as águas potáveis, a vida do mundo animal e as sociedades
humanas têm sido lesadas. Um bom exercício é tomar consciência
dessas lesões, descrevendo-as. Contudo, é imprescindível a revisão
das práticas e teorias com relação ao homem e sua atitude com a
natureza. Há vários escritos e práticas socioecológicas incipientes
que estão se constituindo. O espaço-tempo educacional é privile-
giado para a construção da nova consciência e perspectiva ecoló-
gica que se inicia.
Revalorizar outras formas de conhecimento. Concebe-se, no de-
bate epistemológico contemporâneo, que todas as teorias e des-
cobertas científicas têm um caráter limitado, são aproximadas.
Pode-se inferir que não há certeza científica absoluta e que esta-
mos sempre gerando novas teorias, próximas do real. A novidade
(não no sentido novidadeiro) é que no processo de aproximação
da realidade, diferentes teorias de conhecimento são (re)valoriza-
das, isto é, o paradigma emergente não desconhece outras formas
de conhecimento que estão presentes em diferentes culturas e
fontes do saber.
A necessidade de outros saberes torna-se fundamental e impor-
tantíssima nos espaços educacionais e na sociedade em que, por
exemplo, a noção de arte, os seus mecanismos de produção e de
PEDAGOGIA82
percepção devam ser acionados. Sabemos, também exemplarmen-
te, que para educar é necessária a ciência, mas continua funda-
mental a arte da criação, a arte da sensibilidade e da amorosidade.
Outros conhecimentos também são necessários nas situações dra-
máticas da vida das sociedades e indivíduos no seu cotidiano, pois
percebemos que a apreeensão da realidade vai além das sistemati-
zações meramente formais e científicas. De nada adianta explicar
a dor, o amor, a doença e a morte cientificamente. Outros saberes
e modos de conhecimento, como os valores sagrados e espirituais
das grandes religiões que favorecem o desenvolvimento e o respei-
to da vida e da dignidade humana, devem ser acionados e revalo-
rizados na educação.
Cidadania de mãos dadas com o bom senso
O horizonte eonômico-político-social continua desafiador com a
negação da cidadania. Sabe-se da existência de muitas soluções
técnicas para problemas sociais, mas se espera que o saber técnico
e científico venha permeado do simples e cada dia mais raro bom
senso da classe política! Daqui advém uma pauta importante e ur-
gente que é a retomada da dimensão cidadã também a partir da
perspectiva da sabedoria e do bom senso. E bem o sabemos que,
nas experiências comunitárias de movimentos populares, a valo-
rização dos saberes locais é fonte de bom senso e de sabedoria,
pilares significativos da nova racionalidade.
Interdisciplinaridade, transdisciplinaridade
Caro(a) aluno(a), essas duas palavras, enquanto pautas educativas,
devem ser retomadas, não por modismo, mas simplesmente porque
(re)descobrimos a cada dia que a realidade é complexa! Por isso a
necessidade de (re)valorizar os estudos das ciências humanas, sem
dicotomias, com as ciências da natureza.
Note-se que essas noções também precisam ser revitalizadas, uma
vez que não são poucos os educadores que dizem que essa discussão
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 83
“já era”, quando na verdade ela precisa ser permanentemente
recolocada, pois em termos práticos e concretos pouco se fez e se
faz, isto é, pouco avançamos nas práticas inter/transdisciplinares.
E a complexidade necessita que a escola ensine a relacionar e con-
textualizar, inserindo o conhecimento no varal do passado, perce-
bendo-o na atualidade do aqui e agora, aberto ao futuro. Uma sem-
pre nova recomendação curricular é a simples e eficiente retomada
dos autores clássicos da filosofia, da sociologia, da psicologia. Essas
e outras ciências estão sempre prontas a colaborar no desvendar
o real e possibilitam o “aprender a pensar” a totalidade de um
mundo em constante movimento. Assim, o paradigma emergente
sugere o pensamento transversal, multidimensional. Isso amplia o
nível de exigências do conhecer.
Há muitos aspectos a serem debatidos na busca do novo modelo
de ciência e sociedade. Fica a sugestão para que você, caro(a)
aluno(a), pesquise, debata, reconstrua os argumentos, proponha
outros exemplos.
Diante dessas considerações, quem sabe um dia possamos respon-
der às perguntas que foram colocadas há muitos anos pelo filósofo
Rousseau, dentre elas, se a ciência pode melhorar nossas vidas; se
podemos contribuir para diminuir as distâncias crescentes na socie-
dade entre o que se é e o que se aparenta ser, entre dizer e fazer,
com um estrondoso e vigoroso: sim! Para isso é necessário traba-
lhar a fim de que a produção de uma nova racionalidade resulte em
conhecimento voltado para uma vida decente!
Alguns caminhos estão sendo apontados. Quais os mais significati-
vos? Em que nós podemos contribuir?
Caro(a) acadêmico(a), anote as ideias que mais lhe chamaram
atenção nessa seção.
PEDAGOGIA84
síntese
Prezado(a) aluno(a)! Nesta unidade pode-se perceber que um dos
temas centrais desde o início da Filosofia é o método, com o qual
se coloca em questão a possibilidade de conhecer a realidade. Está
em jogo o instrumento do conhecimento, o modo de exercitar o
filosofar, o modo de se fazer ciência.
Com Sócrates, a ironia e a maiêutica constituíam um método de
busca da verdade. Para Platão, a dialética permitia superar os en-
ganos do mundo sensível, rumo ao inteligível. Com Aristóteles, o
exercício do filosofar caminhou pelo exercício lógico como instru-
mento do conhecimento, auxiliar no processo dedutivo. Com Agos-
tinho, o diálogo de cada um com sua alma, permite avançar na des-
coberta da verdade. Com Tomás de Aquino, na busca da verdade
universal, os argumentos e o debate são importantes.
Já na Idade Moderna, a dúvida metódica é o recurso metodológico
que permite ao sujeito avançar no conhecimento. Hoje há um ex-
pressivo trabalho de cunho científico filosófico que evidencia a cri-
se de um modelo científico, um modelo de racionalidade, também
denominado paradigma cartesiano-newtoniano, ou seja, referido a
Descartes e Newton. Assim como se questiona contemporaneamen-
te o modelo cartesiano-newtoniano e os limites do método cientí-
fico, ao mesmo tempo se propõe uma superação metodológica que
considere o homem integrado com a natureza, pois toda natureza
é também humana!
Desse modo, o paradigma emergente busca uma vida decente e
propõe como metas de trabalho novas pautas científicas, políticas,
econômicas, sociais e educativas. No espaço tempo educacional
são várias essas pautas, dentre elas pode-se elencar: a necessi-
dade de superação da separatividade cartesiana corpo/espírito, a
revalorização da perspectiva da totalidade razão versus emoção
nos processos de ensino-aprendizagem, a revalorização de outras
formas de conhecimento das diferentes culturas, a busca da inter/
transdisciplinaridade como perspectiva metodológica para a edu-
cação, a afirmação de valores como o da dignidade humana, a luta
pela democracia sem fim.
Pelo fato de estar na história e ter uma história, a Filosofia é comumente apresentada através de grandes períodos. anote:
• Filosofia antiga (do sé-culo VI a.C. ao século VI d.C.)
• Filosofia Patrística (do século I ao século VII)
• Filosofia Medieval (do século VIII ao século XIV)
• Filosofia da Renascen-ça (do século XIV ao XVI)
• Filosofia Moderna (do século XVII a meados do século XVIII)
• Filosofia da Ilustra-ção ou Iluminista (do século XVIII ao começo do século XIX)
• Filosofia Contemporâ-nea (do final do século XIX aos nossos dias)
Giordano Bruno (1973, Itália, direção Giuliano Montaldo). Filme que retrata a vida do autor e o processo de Inquisição.Galileu ( Itália, direção Liliani Cavani.) Filme que retrata a vida e obra de Galileu e o seu julgamento pela Igreja.Tempos Modernos (1936, direção do imortal Charles Chaplin). Obra que mostra as consequências da indús-tria moderna e do mundo do trabalho.Em nome de Deus (1988, Inglaterra, direção: Clive Donner). Filme que enfoca o ambiente universitário do século XII e o romance de abelardo e Heloísa.O nome da rosa (1986, França, direção: Jean-Jacques annaud). Famosa adaptação da obra do pensador italiano umberto Eco. Filme que procura retratar o século XIII e uma série de mortes misteriosas num mosteiro dominicano.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 2 85
1) Os pensadores cristãos buscaram harmonizar a fé com a razão.
Agostinho dizia “É necessário crer para compreender”. Inter-
prete esta frase e procure outras informações sobre esse perí-
odo da filosofia.
2) Leia o texto de Umberto Eco, no final da seção 1 desta unidade,
e explique qual o papel reservado a Tomás de Aquino . Por que
se pode dizer que Tomás não era nem herege, nem revolucio-
nário?
3) Cite as principais regras que, segundo Descartes, devemos se-
guir para atingir a verdade. Explique.
4) Quais as consequências que foram extraídas da afirmação car-
tesiana “Penso, logo existo”?
5) Cite alguns tópicos e consequências da nova metodologia ado-
tada por Galileu.
6) Quais são os limites apontados por autores contemporâneos so-
bre o modelo cartesiano-newtoniano de fazer ciência?
7) Aponte as pautas educativas que procedem de uma nova forma
de fazer ciência.
PEDAGOGIA86
Anotações ________________________________________________________
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UNIDADE
3OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Conhecer as linhas gerais do debate sobre modernidade x pós-modernidade.Identificar os desafios educacionais decorrentes do debate moderno x pós-moderno.Desenvolver a sensibilidade para enfrentar o problema.
MODERNO OU PóS-MODERNO
Para início de conversa
Prezado(a) educador(a)! Você já deve ter estudado que a
direção que se dá para a educação muda em cada sociedade
e em diferentes momentos históricos. Contemporaneamente,
presenciamos um grande conjunto de modificações que nos
afetam e nos deixam intranquilos, particularmente como
educadores. São mudanças em diferentes espaços tempo da
vida humana que envolvem a economia, a política, a cultura,
a religião, a sociedade. Parece que há uma gigantesca
onda que leva de roldão as instituições, colocando-as em
questionamento profundo. Observa-se uma desconstrução
de princípios éticos e educativos. Valores tradicionais são
dispensados e aspira-se a novos princípios orientadores do
agir e do comportamento humano.
Mas há contradições imensas, pois o que prevalece parece
ser o triunfo do individualismo ético, do consumismo fácil,
do hedonismo sem limites. Na esfera social, o triunfo do
88 PEDAGOGIA
capital sobre o trabalho continua norma geral. Tudo vira coisa e
mercadoria. Essas e outras constatações sugerem que o sonho da
modernidade de uma sociedade melhor parece ter sucumbido.
Estaríamos então em um novo momento da história que poderia
ser denominado de pós-moderno? Que consequências tal debate
pode ter para a educação?
Várias questões necessitam ser resolvidas e os educadores devem
sentir-se envolvidos por esse debate, porque de sua orientação
depende a resposta à pergunta como e para que devemos educar
as crianças e os jovens.
TUDO O QUE É SóLIDO, DESMORONA NO AR
Prezada(o) aluna(o)! O título da seção é revelador, pois marca as
preocupações com as grandes mudanças que afetam a sociedade
como um todo, desde o processo da revolução científica e
industrial. As transformações não cessaram e continuarão com
consequências de todo tipo. Vamos descrever algumas delas.
Nossas vidas estão marcadas pelas descobertas científicas e tec-
nológicas, que transformam tempo e espaço, usos e costumes.
Dentre as novidades tecnológicas estão os transportes super-rá-
pidos e a comunicação eletrônica. São aviões, rádio, televisão,
fax, satélites e a rede internet que mudam a maneira de perce-
ber o espaço e o tempo de todos nós. Imagine alguém que era
acostumado a escrever cartas e esperava semanas e até meses
para ter a resposta! As distâncias eram imensas e tudo parecia
lento, demorado.
Hoje, quem experimenta a internet escreve uma carta eletrônica
ou participa de um “bate-papo” com alguém, sabe que as barreiras
de espaço ficaram alteradas, pois é possível comunicar-se com
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 89
alguém do outro lado do planeta em uma fração de segundo.
Assim, tudo parece que fica rápido demais e com isso a noção
de tempo também muda. Será que essas e outras modificações
podem influenciar nossas vidas e a educação?
Há ainda outras alterações significativas. A globalização ou
mundialização da economia muda o perfil dos negócios mundiais.
Outras transformações alteram profundamente o mundo do
trabalho. A cada dia mais a automação e a informatização fazem
parte do dia-a-dia das empresas. Assim, não é novidade constatar
que algumas profissões foram desaparecendo e surgindo outras.
Mas não é só isso. Você, professor, já deve ter percebido que
também transforma-se o perfil do trabalhador solicitado pelas
empresas. Já não basta um trabalhador que só sabe repetir
atividades mecanicamente, mas pede-se aquele que faça
muitas coisas, um trabalhador polivalente, que tenha iniciativa
e capacidade de adaptação rápida às mudanças tecnológicas.
Em razão das novas tecnologias, temos ainda consequências
nada agradáveis como o desemprego que, por sua vez, aumenta
o trabalho informal e desprotege o trabalhador de melhores
condições de vida.
No mundo da cultura, as alterações se fazem sentir diretamente.
A comunicação eletrônica, em particular a invasão das mídias e o
emprego de aparelhos eletrônicos de todo tipo na vida cotidiana,
modela progressivamente um outro comportamento intelectual e
afetivo. Ou seja, sofremos transformações em nossa maneira de
perceber as coisas e até de ser. E isso é constatado, por exemplo,
entre as pessoas mais idosas e as mais jovens. Há ocasiões em
que se tem a impressão que há um fosso enorme separando as
gerações. E aí surge certa incomunicabilidade, como se cada lado
enviasse sinais que não são compreendidos.
Nesse contexto surgem acusações de todo tipo. Nas escolas é
frequente ouvir-se que os alunos são incapazes de se concentrar;
colocam tudo no mesmo pé; são passivos; há uma perda do
raciocínio crítico etc. Talvez haja nisso algum exagero, mas também
alguma verdade, sobretudo quanto ao caráter problemático da
90 PEDAGOGIA
relação entre tecnologias e as vivências que delas temos. Com
relação à internet, a situação também é semelhante, acrescida
do fato de que a possibilidade de receber informações aumenta
extraordinariamente. Por outro lado, só a informação não basta,
se quem a recebe não consegue compreendê-la e situá-la em
contextos mais amplos.
Esses são apenas alguns breves exemplos indicadores de que
se vive um momento de transição histórica significativo que
tem merecido a atenção de pesquisadores de vários campos
do conhecimento, na tentativa de descrever e compreender
as principais alterações. Embora não haja consenso, muitos
cientistas e filósofos afirmam que estamos vivendo num período
denominado de “pós-moderno”, do qual se desconfia e no qual
se questionam as noções de progresso, de ciência, de razão, que
ainda hoje vigoram.
Como afirma Goergen (2005, p. 37):
[...] é fundamental destacar que não se trata sim-plesmente uma contenda entre os titãs do pen-samento contemporâneo, descolada da realidade sociocultural. Ao contrário, a controvérsia moder-nidade versus pós-modernidade reflete uma con-tradição intestina da própria realidade atual.
O que é pós–moderno?
Talvez seja necessário um alerta. Entramos num terreno polê-
mico e não há consenso em torno do termo “pós-moderno”. Há
autores que dizem que ainda nem realizamos as promessas da
modernidade, daí não há porque perder tempo com esta ques-
tão; outros afirmam que se pode estabelecer um diálogo entre
modernidade e pós-modernidade. Outros ainda querem indicar
com a expressão pós-moderno uma situação completamente nova
que estaríamos presenciando e vivendo em termos tecnológicos,
culturais, sociais, econômicos e políticos. Como o assunto é ex-
tenso, vamos fazer algumas indicações que pretendem ser úteis
para compreender um pouco essa questão. Se a partícula “pós”
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 91
se refere ao “que vem depois”, comecemos então pelo que vem
antes, a modernidade.
MODERNIDADE
Em linhas gerais, o conceito de modernidade abrange a nossa
história civilizatória mais recente, a partir dos séculos XVI - XVII, e
compreende as transformações que abordam a noção de homem,
livre de crendices e da tutela religiosa, e a confiança total na razão,
na ciência e no desenvolvimento tecnológico dos últimos séculos.
A modernidade científica se funda na crença do encontro de um
mundo objetivo a ser descoberto pelo método científico. Há um
modelo de ciência que se desenvolve a partir da filosofia de René
Descartes, das contribuições de Bacon e Locke e do novo método
desenvolvido a partir de Galileu, Kepler e Newton. Conhecido como
Paradigma Cartesiano-Newtoniano, esse modelo científico se funda
na razão e na busca incessante de controlar a natureza e dominá-la
para que revele os seus segredos mais profundos.
Como consequência da Revolução Científica, pode-se dizer que há
também uma modernidade social, caracterizada por uma doutrina
de confiança no progresso e desenvolvimento sem limites, baseados
92 PEDAGOGIA
na ciência e na tecnologia, considerados instrumentos de melhoria
da sociedade humana. Por entender com tanto otimismo o papel
da ciência e da tecnologia, essa visão ingênua e simplista é revista
criticamente nos dias de hoje, principalmente quando vemos a
violência e a pobreza das nações, os barbarismos das guerras etc.
No mundo social moderno, se desenvolve a preocupação com a
quantificação de tudo, e também do tempo. O relógio e a precisão
do tempo são frutos diretos da modernidade. Se durante séculos o
tempo era regido pelos sinos das igrejas das vilas ou das pequenas
cidades, agora não é mais assim. As horas sacras são substituídas
pela hora de intensa medição temporal, particularmente aquela
voltada para o controle do trabalho humano. Junto com o relógio
há outra crença de base, que consiste no conhecimento da
regularidade dos fenômenos.
A ciência moderna se construiu na convicção de que existe
regularidade no mundo da natureza física e biológica e até o
nascimento da sociologia estenderá essa tradição ao mundo social.
A modernidade valoriza fundamentalmente a razão. Alguns autores
chegam a identificá-la como aquela racionalidade asseptizada,
de controle social. Não se pode esquecer que, ligada à Revolução
Francesa, a razão é instalada nos templos como a nova deusa,
passando a ser a nova religião do mundo moderno e o critério de
regulação da vida humana. Outra característica ligada a essa é a
noção da racionalidade científica sobre a racionalidade filosófica e
teológica. A experimentação na ciência acabou com o dogmatismo
anterior fundado na metafísica, em que o argumento fundamental
era o de autoridade. Se Aristóteles ou o Papa falassem, estaria
encerrada a discussão.
ROMa LOCuTa, CauSa SOLuTa
Provérbio latino que expressa: “Se a Igreja falasse, estaria
encerrada a discussão.”
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 93
No período moderno, já não é nem a religião nem a ciência grega
que vão ditar os critérios da vida moderna, mas a razão humana,
especialmente aquela articulada à ciência que vai se tornar hege-
mônica até os tempos atuais. Acrescente-se nesse contexto a visão
pragmática do conhecimento. O conhecimento só tem valor se ele
não for abstrato e de contemplação. O pragmatismo defende a vi-
são aplicada e útil da ciência.
Outra dimensão da modernidade é a formação do Estado Repre-
sentativo, que se sustenta nas noções de cidadania e participação,
oposto ao do absolutismo dos reis. Desenvolve-se o projeto ilumi-
nista com suas características de valorização das três grandes ban-
deiras da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.
Ao conquistar o poder, a burguesia quer consolidar esses valores na
medida do seu interesse. Para alguns críticos, a burguesia esque-
ceu ou esvaziou rapidamente os princípios iluministas de liberdade,
igualdade e fraternidade. Note-se que essa burguesia radicalizou
na valorização da liberdade individual e valorizou a propriedade
particular, mas esqueceu e colocou em segundo plano a fraterni-
dade e, mais ainda, a igualdade. Assim, a classe trabalhadora ficou
em segundo plano.
Outra expressão do período é o aparecimento do capitalismo. O
mundo moderno construiu os Estados Nacionais, ligados ao de-
senvolvimento e ao capitalismo. Sabe-se que esse processo foi
diferente para cada região do planeta. Alguns só adentraram na
modernização no início do século XX. Com o capitalismo, a eco-
nomia de mercado, fundada na lei da oferta e da procura, ganha
contornos específicos, apoiada no modelo neoliberal de organi-
zação do Estado.
O paradigma da modernidade teve, portanto, como motivo unifica-
dor, a celebração do indivíduo e a supremacia da liberdade indivi-
dual e da razão em oposição à autoridade. O indivíduo passa a ser
figura valorizada na sociedade moderna. Recorde-se que, no pas-
sado, esse mesmo indivíduo ficava diluído na sociedade, no poder
da Igreja, não atuando independentemente. No mundo moderno,
ele passa a ser um sujeito autônomo, com capacidade de pensar e
decidir. Houve radicalização dessa individualidade, passando para
94 PEDAGOGIA
um extremo individualismo. Em termos religiosos, o protestantis-
mo acentuou o papel da liberdade individual, proclamando a au-
toridade do indivíduo e rejeitando a autoridade papal. Nas artes,
também a autoexpressão, o modo pessoal de exprimir-se passou a
ser uma característica cada vez mais distintiva.
Prezado(a) acadêmico(a), por motivo de espaço deixamos de apon-
tar outras características da modernidade. O importante é perce-
ber que toda a vida social foi afetada por esse conjunto de valores
que rege a vida, a sociedade e a ciência denominada moderna.
Você já notou que ultimamente as pessoas estão cada vez mais iso-
ladas, ficam fechadas em casa e participam menos das atividades
comunitárias?
Se você já constatou isso, observe que esse é apenas um sinal
das mudanças e transformações socioculturais pelas quais nós
passamos.
Na próxima seção, aprofundaremos a noção de pós-modernidade.
Provisoriamente pode-se afirmar que esse conceito serve para
indicar que presenciamos um momento de ruptura, transição, e,
mais do que isso, um tempo de descrença, fragmentação e relati-
vização de todos os grandes fins e projetos nos quais acreditou-se
e pelos quais lutou-se nos últimos tempos.
Não se esqueça de fazer as suas anotações e o resumo da seção.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 95
PóS-MODERNIDADE: REDE PENSANTE, GANDAIA GLOBAL
Prezado(a) aluno(a)! O título acima é provocativo. Ao final do
texto, você será convidado a concordar com ele ou alterá-lo.
Vimos na seção anterior algumas características do que se en-
tende por modernidade, vamos agora avançar para a noção de
pós-modernidade.
Apesar de a partícula pós indicar depois, há divergências sobre
esse conceito, que pode aparecer com outras roupagens como:
pósindustrialismo, pós-fordismo, Sociedade da Informação etc.
Desse modo, o termo é carregado de imprecisão e é difícil afirmar
com certeza quando a pós-modernidade começou. Alguns autores
afirmam que sua origem foi no início do século XX, outros dizem
que foi na metade do século XX. Há ainda os que nem se pre-
ocupam com a questão do tempo em termos cronológicos. Não
obstante, parece-nos importante tomar consciência de que pós
indica consciência de uma ruptura diante de valores, concepções,
ideias do passado e que, até mesmo, pode pretender (re)articular
o novo.
Há vários autores que se debruçaram sobre o tema como Jean-
François Lyotard, Jean Baudrillard, Michel Maffesoli, dentre
outros. Quanto ao termo “pós-modernidade”, apesar da ampla
definição, foi criado pelo historiador britânico Arnold Joseph
Toynbee (1889-1975), na década de 1940. Segundo Toynbee, a
pós-modernidade se caracteriza especialmente pela decadência
da cultura ocidental e de tudo o que apresenta característica
de absoluto. Por exemplo, no pós-modernismo, morre a grande
narrativa cristã e sua verdade absoluta (Jesus Cristo) e, desse
modo, tudo passa a ser relativo.
Interpretações do termo
Para o autor Henri Giroux (1993), a pós-modernidade não representa
uma separação ou uma ruptura drástica em relação à modernidade,
96 PEDAGOGIA
mas sinaliza mudanças dentro de uma continuidade, em direção a
um conjunto de condições sociais que estaria reconstituindo o mapa
social, cultural e geográfico do mundo e produzindo novos modelos
de crítica cultural.
Constatando a falta de um significado preciso e consensual para o
termo, Giroux (1993) apresenta as interpretações de dois autores
Lyotard e Jameson.
Para Lyotard, as condições de produção do conhecimento e da di-
fusão da tecnologia, por exemplo, o computador, estão debilitando
antigos hábitos e práticas sociais em favor de novas formas de orga-
nização da sociedade, privilegiando o local, o específico, o efême-
ro, as decisões individuais, a diversidade. Para o autor vivemos num
mundo diferente, instável, em que o conhecimento está constante-
mente mudando, sem necessidade de uma superteoria que defina a
finalidade da história humana, o destino do homem. São elucidati-
vas as palavras de Lyotard:
Meu argumento é que o projeto moderno (de reali-zação da universalidade) não foi abandonado nem esquecido, mas destruído, ‘liquidado’. Há muitas formas de destruição, e muitos nomes lhe servem como símbolo. ‘Auschwitz’ pode ser tomado como um nome paradigmático para a ‘não realização’ trágica da modernidade Lyotard (1985, p. 30).
Já para Jameson, o pós-modernismo é visto como expressão da lógi-
ca cultural do capital, um estágio do capitalismo tardio. De acordo
com este autor, o pós-modernismo refere-se tanto a uma teoria so-
cial de questionamento, de crítica cultural, quanto a um conjunto
emergente de condições sociais, culturais e econômicas que carac-
terizam a era do capitalismo e do industrialismo global.
Deus está morto, Marx também e eu não me sinto bem.
Conforme Libâneo (2002, p. 175), e acrescentando outras caracte-
rísticas, a condição pós-moderna se dá:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 97
Filosoficamente, a pós-modernidade rejeita certas ideias mestras
formuladas no âmbito do Iluminismo e da tradição filosófica oci-
dental: a existência de uma natureza humana essencial, de um
destino humano coletivo, de que se pode ter uma teoria condutora
de nossa ação pessoal e coletiva. Assim, o cristianismo, enquanto
religião, o marxismo, enquanto filosofia, estariam debilitados, ou
mais que isso, rejeitados por serem sistemas teóricos de referên-
cia lastreados na religião e na filosofia.
Do ponto de vista econômico, é preciso observar as característi-
cas do capitalismo contemporâneo, tais como a internacionaliza-
ção dos mercados, as transformações técnico-científicas que afe-
tam o processo produtivo e, por extensão, o mundo do trabalho, o
perfil da força de trabalho fundamentado na atividade não manual
etc. Enfim, há uma intelectualização do processo de produção em
razão do uso da informática, dos sistemas de comunicação. Isso
gera aquilo que um autor denominou “cognitariado”, ou seja, o
capitalismo não pede mais o proletariado (trabalhadores manuais),
mas o cognitariado (trabalhadores qualificados intelectualmente).
Do ponto de vista político, reduz-se a crença moderna no Estado-
Nação, à medida que as forças de produção do mundo globalizado
se dispersam por meio das empresas multinacionais, transnacio-
nais etc. Há outro agravante: os ideais ligados à participação da
vida pública estão estremecidos. Há uma despolitização do tipo,
“isso não é comigo”. Ou ainda, “todo mundo é ladrão mesmo” e
“não há o que fazer”. Por outro lado, há movimentos novos que es-
tão ganhando força através de outros apelos e causas particulares.
Do ponto de vista cultural, há mudanças nas formas de produção,
circulação e consumo da cultura. Tem muito valor uma cultura
eclética e amorfa de pluralidade e estilos de vida, combinados
com lazer e consumo. Acrescente-se aqui a chamada sociedade do
simulacro, ou da imagem que permeia esse processo.
Note, caro aluno, que em nossa sociedade, vivemos no mundo da
imagem e das fantasias eletrônicas. Hoje mais do que o conteú-
do, o importante é a forma, a imagem daquele conteúdo. Basta
ver as propagandas de refrigerantes, cervejas e carros. Mais do
98 PEDAGOGIA
que o líquido, vale o que
circunda a imagem do
refrigerante e de cerveja
(normalmente com muita
juventude, ação, gente
sorrindo e mulher boni-
ta); mais do que o carro
como transporte, vale
a imagem daquilo que a
propaganda diz que se-
remos com aquele carro
(quase sempre a propa-
ganda promete resolver nossos problemas e nos vende a imagem
de sermos saudáveis, joviais, dinâmicos, seguros, bonitos e felizes).
Colorida apatia aos problemas humanos
Em contraste com o individualismo moderno, for-jado pelo liberalismo econômico no século XVIII, e que era burguês, progressista, tenso, o neoindivi-dualismo atual é consumista e descontraído, man-tendo relações muito especiais com a sociedade pós-industrial, sua mãe dileta. (...)
As sociedades pós-industriais, planejadas pela tec-nociência, programam a vida social nos seus meno-res detalhes, pois nelas tudo é mercadoria paga a uma empresa privada ou estatal (...)
Sendo economias muito ricas, que têm como úni-ca meta a elevação constante do nível de vida, elas deixam ao indivíduo a opção de consumir en-tre uma infinidade de artigos, mas não a opção de não consumir. Além disso, há o apelo constante do novo. Viver é estar de mudança para a próxima novidade. Com uma gama enorme de bens e servi-ços, para todas as faixas e gostos, ao seu alcance, só resta ao indivíduo escolher entre eles e combi-ná-los para marcar fortemente sua individualida-de. Embora a produção seja massiva, o consumo é personalizado (vide o cheque ‘personalizado’). Assim, o sistema propõe, o indivíduo dispõe. É o pleno conformismo e o sistema parece triunfar de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 99
cabo a rabo. Mas sua vitória não é tranquila. Tem surgido contra o sistema efeitos bumerangues tipi-camente pós-modernos. O individualismo exacer-bado está conduzindo à desmobilização e à des-politização das sociedades avançadas. Saturada de informação e serviços, a massa começa a dar uma ‘banana’ para as coisas públicas. Nasce aqui a indiferença, o discutido desencanto das massas ante a sociedade tecnificada e informatizada. É a sua colorida apatia frente aos grandes problemas sociais e humanos. Ora, com mil demônios, não é precisamente isso que interessa ao sistema, todo mundo consumindo e conformado? (FERREIRA DOS SANTOS, 1986, p. 88s).
Se você concordou com o que autor disse sobre o consumo, o
papel das novidades e a indiferença política, recorde exemplos
da sociedade contemporânea que ilustrem tais afirmações.
NAVEGAR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO
Prezado(a) aluno(a), como vimos, a noção de pós-modernidade é
polêmica, no entanto, é possível perceber algo de importante nes-
te debate, que são as rupturas, deslocamentos, contradições de
uma sociedade em movimento. Antes de ser adeptos de um modis-
mo fácil, opta-se nesse texto manter um diálogo franco e contínuo
com aspectos ligados à noção de pós-modernidade.
A frase-título desta seção “Navegar é preciso, viver não é preci-
so” foi escrita há alguns séculos e se relaciona com a secular arte
das grandes navegações portuguesas da Escola de Sagres (séculos
100 PEDAGOGIA
XIV-XV), que a escolheu como lema. Ela é uma expressão poética
que pode nos ajudar a enfrentar os novos e difíceis desafios. Num
primeiro contato causa estranheza, pois parece que viver não é
preciso, contudo o que ela indica é que é necessário viver sim, mas
não qualquer tipo de vida!
Era necessária uma vida que tivesse significado, orientada para uma
direção. Para aqueles navegadores que ousavam enfrentar o mar,
cheio de monstros míticos e reais, suportando a atração e o medo
do desconhecido, acreditando em si mesmos, navegar era preciso,
porque somente assim a vida tinha sentido. “Navegar é preciso,
viver não é preciso.” Esse era o lema de pessoas que enfrentaram a
adrenalina da aventura, a experiência da criação e beberam gota a
gota o gosto, por vezes amargo, porém único de serem livres.
O que os impulsionava, qual o combustível, a energia que os im-
pelia? Era o sonho, o mais bonito deles. Sonho temperado com
ingredientes como vontade, ousadia, esperança. Imagine, caro(a)
aluno(a) o restante.
Pós-modernidade e Educação: enfrentando os problemas
É bastante difícil mapear as dificuldades e benefícios presentes
no discurso da pós-modernidade referentes à educação. Assim, se-
guindo o pensamento de Libâneo (2002, p. 187s) e acrescentando
outras observações advindas de nossa reflexão e prática educacio-
nal, pontuaremos apenas alguns aspectos importantes, cabendo ao
leitor explorar ainda mais o tema através de outras leituras.
O assunto principal nessa discussão sobre pós-modernidade é a re-
jeição das narrativas mestras ou metanarrativas. Os pensadores são
quase unânimes em admitir a desaprovação das superteorias e das
visões maiores que advogam certeza. Por exemplo, o cristianismo
é uma grande narrativa que sofre hoje não apenas o questionamen-
to, mas a fragmentação e mesmo um certo descrédito em algumas
sociedades.
No Brasil, apesar de país religioso, observamos a utilização da reli-
gião para a venda de tudo, principalmente do milagre interesseiro
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 101
e fácil. Assim Deus torna-se um produto de supermercado e não
mais uma experiência de fé. Não é à toa também, que nos finais
de ano alguns shopping centers promovem exposições de presépios
mais chamativos que os das próprias Igrejas, operando uma inver-
são de espaços e lugares. O profano quer tocar o sagrado, ligando-o
aos produtos de consumo.
Como símbolo dessa fragmentação temos ainda o esvaziamento de
um grande número de igrejas tradicionais. Em países europeus,
podem-se encontrar situações nas quais igrejas e mosteiros são
vendidos por falta de fiéis. Alguns lugares sacros foram transfor-
mados até em cassinos. Os lugares do sagrado são substituídos pelo
imaginário do jogo, da sorte ou do azar. Objetos sagrados de ontem
servem de decoração a ambientes de alto consumo e de moralida-
de questionável.
Outra grande narrativa que sofre em tempos atuais está ligada ao
mundo do Estado - Nação, da política, da construção democrática.
Sem adentrar na questão geopolítica e do neoliberalismo como pro-
cesso de gestão, basta notar que não é difícil encontrar um grande
número de pessoas e grupos que, após passarem por um período
de intensa militância política, com o transcorrer do tempo, já não
acreditam em mais nada. Em outro extremo está a indiferença de
grandes setores da população diante da questão do bem público,
expressando assim uma ruptura com os padrões políticos conven-
cionais e, talvez, sintoma também de uma certa resistência radi-
cal aos discursos políticos. Há ainda os novos grupos que querem
ocupar espaço em nome de minorias étnicas, raciais e ideológicas.
Para muitos autores, a pós-modernidade conduz a um relativismo mo-
ral/ético (embora se reconheça que as práticas morais possuem um
certo grau de relativização). Não é à toa que observamos hoje que
certas noções de comportamento têm forte apelo como: “cada um
tem sua verdade”, o importante “é cada um ficar na sua”, “é legal
o que a gente sente” etc. Os educadores sabem o que a ausência de
uma sadia disciplina e de valores mínimos de respeito e cordialidade
significam dentro de uma escola. Em vez de ambiente educativo,
presencia-se um ambiente de hostilidade e, não raro, até de medo e
violência. Quem trabalha em sala de aula já vivenciou isso de perto.
102 PEDAGOGIA
O que pretendemos evidenciar com esses exemplos é que no âmbi-
to pedagógico não há como ignorar esses sinais de fragmentação,
de questionamento, até de ambiguidade. Como não há um receitu-
ário milagroso para resolver problemas que se sobrepõe uns aos ou-
tros, numa sociedade que exclui, divide e explora, é fundamental
o alerta para que o educador continue atento às narrativas e visões
de mundo denominadas “modernas” e por outras pretensamente
novas que emergem de grupos particulares.
Se existe tensão a respeito dos ideais universais de igualdade, jus-
tiça e solidariedade, isso não pode levar à mera negação desses va-
lores, pois o sistema capitalista continua mantendo e promovendo
desigualdades de classes e grupos sociais. A educação, inserida na
dinâmica das relações de classes e grupos, não pode simplesmente
se omitir. Certamente a Escola sozinha não muda a sociedade, mas
também não será sem ela que as mudanças mais profundas ocor-
rerão, ainda que a própria instituição deva ser transformada. E se
há desconfiança na ação política tradicional, é preciso descobrir
outras formas de desenvolvimento de consciência social e política.
No que tange aos professores, quanto mais passividade e indife-
rença, piores serão as condições de trabalho e a desvalorização
profissional. O descaso dos governos com a educação têm como
consequência um círculo vicioso: baixa qualidade de ensino, desva-
lorização econômica e social da profissão, desvalorização docente
e pouco prestígio acadêmico aos educadores. Projetos educativos
vão para o ralo.
Reavivando utopias
Ainda com relação à atividade pedagógica, os marcos teóricos e
morais são cruciais, mesmo que se admita não haver mais lugar
para certezas absolutas. Manacorda, citado por Libâneo (2002,
p. 188), escreve que: “não existe talvez atividade prática que
envolva tão profundamente o destino do homem e da sociedade
como esta”, ou seja, o educador põe a cada dia o problema sobre
que ser humano quer formar, qual concepção de mundo adotar,
qual é o futuro da sociedade. Assim, a noção de finalidade não
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 103
pode ser excluída nunca, mesmo que alguns marcos de referência
tenham falhado. É inerente à atividade pedagógica a necessidade
de referenciais como ter projetos, ter utopias, ter esperança de
um mundo melhor. Enquanto necessitarmos de educação, precisa-
remos de finalidades formativas que implicam comprometimento
moral com a prática educativa e com a contínua construção de
uma sociedade pautada por valores éticos de justiça, solidarieda-
de, respeito, cidadania.
O que não se pode fazer é simplesmente querer desmontar a Escola,
sobretudo porque aqueles que fazem isso, “adquiriram na escola o
patamar para serem “críticos com ela” (LIBANEO, 2002, p. 190).
Outro tema de crítica à Escola em tempos pós-modernos está liga-
do ao superficialismo com que se adotam os discursos de tecnolo-
gias de informação, como a informática, a utilização de audiovisu-
ais etc. Talvez haja aí uma vontade salvacionista (vamos salvar a
educação com as novas tecnologias) ou simplesmente a ignorância
sobre os processos peculiares de ensino e aprendizagem (as meto-
dologias que envolvem esses processos necessitam de alto investi-
mento humano também).
Em princípio sabemos que particularmente a escola pública, neces-
sita de todo tipo de investimento, seja ele de viés tecnológico es-
pecífico, de infraestrutura geral, ou daquilo que há de mais funda-
mental na ação educativa: o investimento na autoformação de um
educador (que leva bastante tempo) e que máquina alguma subs-
titui no sentido mais amplo e profundo da afirmação. Certamente
as nossas escolas não conseguem obter um padrão de qualidade
satisfatório, e ainda há o velho professor apenas com um quadro e
um giz na mão, enfrentando o desafio de educar, enquanto outros
espaços educacionais informais avançam terrivelmente no domí-
nio de linguagens e recursos. Mas essa contradição não autoriza
ninguém a desistir de buscar estratégias de melhorias e transfor-
mações profundas na instituição escolar, sob pena de estar apenas
contribuindo com a seletividade social, pois, para muitos, a Escola
ainda é um importante espaço de emancipação - quando não for o
último - e até único para milhões de pessoas.
104 PEDAGOGIA
As breves considerações dessa seção indicam uma condição pós-
moderna à qual não podemos ficar indiferentes. Também apontam
para a necessidade de compreender os novos contextos econômi-
cos, políticos, sociais e culturais onde está inserida a Escola e a
ação educativa.
Utopia não é fantasia!
A palavra utopia origina-se do grego u (não) + topos (lugar). E pode ter sentidos opostos. No seu senti-do negativo indica ilusão, desejos vãos ou de algo impossível de se realizar. Mas também pode signi-ficar muito mais. Vários pensadores na história da filosofia deram um sentido positivo a essa palavra. Empregaram-na enquanto o não-lugar que nos pre-cede e nos dá força para caminhar. Assim, utopia identifica-se com o sentido de “força de transfor-mação da realidade, assumindo corpo e consistên-cia suficientes para transformar-se em autêntica vontade inovadora e encontrar os meios de inova-ção” (ABBAGNANO, 2000). Dessa forma, a noção de utopia influi de algum modo sobre a disposição das pessoas, podendo incentivá-las, não apenas a imaginar um mundo melhor, mas a lutar por ele.
Portanto, é interessante frisar que todos podemos e devemos ter utopias no sentido de conceber e lutar por um mundo que consideremos mais ade-quado, mesmo que momentaneamente ainda não seja possível realizá-lo. A renúncia às utopias pode significar, simbolicamente, uma perda da vontade de transformar globalmente a realidade e de (re) construir a história. E nos espaços educacionais não há como desvincular sonho e realidade, vonta-de e determinação, sob pena de cairmos num túnel vazio e sem perspectivas de vida.
Por consequência, a educação, seus fins e valores são necessariamente permeados por essa dimensão utópica, que age como propulsora, antecipadora das transformações desejáveis.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 105
A esse propósito a pesquisadora Puiggrós (1997, p. 27) salienta que:
aqueles que educam, ou se edu-cam, têm algo de otimista, crêem que a vida vale e valerá a pena e imaginam um porvir. Educar é sem-pre uma tarefa carregada de utopi-as que lança um olhar aos anos que virão e exige o trabalho de nossa imaginação.
Na próxima unidade, vamos estudar um belo tema: a questão ética.
Não se esqueça de fazer suas anotações e resumir as principais
ideias da seção.
síntese
Nessa unidade foram indicadas várias transformações nos dife-
rentes espaços-tempo da existência humana que nos deixam in-
tranquilos, particularmente como educadores. São mudanças que
colocam em questão a noção de modernidade por meio da qual o
homem se conscientizou de suas capacidades fundadas na razão
para desvendar os segredos da natureza e buscar empregá-las na
solução de seus problemas.
Em linhas gerais, o conceito de modernidade abrange a nossa histó-
ria civilizatória mais recente, a partir dos séculos XVI-XVII, e com-
preende as transformações que abordam uma noção de homem livre
das crendices, da tutela religiosa e com total confiança na razão, na
ciência e no desenvolvimento tecnológico dos últimos séculos.
Como consequência da Revolução Científica, pode-se dizer que há
também uma modernidade social, caracterizada por uma doutrina
de confiança no progresso e desenvolvimento sem limites, fundados
na ciência e na tecnologia, considerados instrumentos de melhoria
106 PEDAGOGIA
da sociedade humana. O conceito de pós-modernidade, embora
polêmico, sinaliza a desconstrução das crenças supracitadas na razão
e na ciência, nos valores e instituições tradicionais. Uma de seus
traços fundamentais indica o fim das metanarrativas (superteorias
e visões que trazem certezas ) vigentes na modernidade.
Nesse contexto, não há como ignorar o tema e os sinais de fragmen-
tação, questionamentos e até de ambiguidades presentes na socieda-
de e, portanto, na educação. Antes de rejeitar a discussão, propõe-se
para a comunidade educacional o diálogo franco e contínuo com as
críticas consideradas pós-modernas. E se a educação supõe ativida-
des intencionais de mudanças do educando, não há como negar a
necessidade da noção de finalidade implícita nos espaços-tempo edu-
cativos escolares. Assim, o conceito de utopia no seu sentido positivo
pode colaborar no reencantamento da ação educativa, pois indicará
vontade de mudança e ajudará a criar uma nova subjetividade dis-
posta a lutar pelas tranformações que se fizerem necessárias.
1) Releia a seção 1 desta unidade e faça uma síntese do conceito
de modernidade.
2) Reveja a seção 2 e faça uma síntese da noção de pós-modernidade.
3) Observe o cotidiano da escola e aponte quais as mudanças com-
portamentais dos alunos. Quais as mais preocupantes? Quais as
causas dessas transformações? Relacione-as com o conceito de
pós-modernidade.
4) Escreva um texto relacionado com você e a educação, no qual
apareça a noção de utopia no sentido positivo. Se puder, com-
partilhe com as pessoas à sua volta sua vontade de sonhar e
fazer acontecer.
5) Virou moda nos ambientes acadêmicos dizer que não há mo-
delos para nada. Se você concorda que é possível encontrar
modelos de ações éticas, relembre e descreva pessoas da sua
comunidade que marcaram a história através do bom e salutar
exemplo de vida. Ou ainda, pense nos grandes nomes nacionais
que deixaram saudades, por exemplo, o sociólogo Betinho, o
Cardeal Paulo Evaristo Arns e tantos outros.
O Renascimento. Nicolau Sevcenko. atual Editora.a utopia. Thomas More. Editora Martin Claret.admirável mundo novo. aldous Huxley. Editora Globo.O manifesto do partido comunista, 1848. Karl Marx & Engels. Editora L&PM Pocket.a revolução dos bichos. George Orwell. Editora Globo.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 3 107
Anotações________________________________________________________
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UNIDADE
4OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Conceituar o problema ético;Relacionar ética e educação;Identificar estratégias para a formação de valores que incentivem participação cidadã, na vida social e individual do educando.
A ÉTICA DO CUIDADO
Para início de conversa
Prezados(as) acadêmicos (as)!
A questão ética coloca-se hoje com máxima urgência para
toda a sociedade civil, governo, família, e, particularmente,
a escola. Há um certo sentimento e percepção de que a vida
humana e a sociedade precisam ser revistas, renovadas,
transformadas, sob pena de caminharmos sem rumo para
desastres maiores dos que os já cometidos contra a natureza,
povos e nações, enfim, contra o próprio ser humano como
espécie. É fácil constatar que vivemos uma imensa crise de
valores. Exemplos de degradação e violência de todo tipo não
faltam. Na escola é comum a afirmação de que “falta ética na
vida dos alunos”.
A própria palavra ética vai se tornando desgastada. Há quem
diga que sua noção virou uma Fênix árabe, ave que renascia
das cinzas: dela todos falam, mas ninguém sabe onde está e
110 PEDAGOGIA
como é. Portanto, o atual caráter de inquietude, perplexidade e
mesmo desorientação nos indica a urgência de revermos “afinal,
o que é isso chamado ética”?
Uma primeira pista é saber que falar de ética é falar de convivência
humana. Há necessidade de ética porque os seres humanos
não vivem isolados e convivem, não por escolha, mas por sua
constituição vital. Há necessidade de ética porque há o outro ser
humano, há “o outro” que pode ser uma pessoa conhecida ou não.
Esse “outro” pode ser também a natureza, nossa mãe Terra.
Daqui decorre a questão de como agir justa e corretamente com
esse “outro” que me interpela a cada instante. Concretamente:
como agir fazendo o bem para meu colega de trabalho, meu aluno,
minha mulher, meu esposo, meu filho ou filha, minha amiga,
alguém que não conheço bem, ou ainda, para a própria natureza da
qual eu extraio a minha sobrevivência? Esses são questionamentos
relacionados com a ética. Vamos agora aprofundar mais essas
questões?
ÉTICA, O CUIDADO COM “A TOCA”
Ethos – ética, em grego – designa a morada humana.
O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a
ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente.
a ética, como morada humana, não é algo
pronto e construído de uma só vez.
O ser humano está sempre tornando habitável
a casa que construiu para si.
Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o
ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente
sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.
Leonardo Boff
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 111
Prezada(o) aluna(o)! Iniciemos esta seção pesquisando a eti-
mologia da palavra ética, ou seja, seu significado. Ela vem do
grego ethos e, primeiramente, significa permanência habitual,
lugares familiares, estada, moradia. O segundo sentido é hábi-
to, costume, caráter (como proveniente do original, já que os
valores éticos residem num ‘’lugar’’ próprio da especificidade
humana) (ROCHA,1999).
Para Leonardo Boff, a ética é um conjunto de valores e princípios,
de inspirações e indicações que devem valer para todos os viventes,
pois estão ancorados na própria humanidade. Ela supõe a pergunta:
Que significa agir humanamente? Para respondê-la, deve-se fazer
referência a uma experiência fundamental de todos nós, que é a
experiência da morada e do ato de morar. Em seu sentido originário
grego, ethos significa “a toca do animal ou casa humana, vale dizer,
aquela porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e
fazer o nosso hábitat” (BOFF, 1999, p. 27). A morada, portanto,
deve ser cuidada e continuamente retrabalhada, enfeitada
e melhorada. Em outras palavras, o ethos não é algo pronto,
acabado, mas sempre aberto, a ser feito e refeito e cuidado como
só acontece com a moradia humana.
Atenção!
Perceba, caro(a) aluno(a), que ethos se traduz, então por ética. E
a noção de moradia, enquanto metáfora, ajuda-nos a compreender
muita coisa. A moradia deve ser compreendida existencialmente
como o modo de o ser humano habitar, como forma de organizar a
vida em família.
A casa, enquanto moradia, precisa ser cuidada, pintada, arrumada,
reformada. O importante é ter sempre cuidado com a moradia .
Morar implica a harmonia dos que moram. Significa organizar
adequada e inteligentemente o interior da casa, os quartos, a sala
de visita, a cozinha. Morar exige que organizemos o espaço fora
da casa. Se houver a possibilidade, um pequeno jardim, um vaso
no corredor do apartamento, uma arvorezinha na frente de casa
podem representar a nossa relação com a beleza da natureza, e o
contato com nossos vizinhos, para que seja pacífico e respeitoso.
112 PEDAGOGIA
Uma moradia também precisa ter (antes de tudo) alicerces e
fundações. Hoje em dia nos defrontamos com os relativismos, onde
vale tudo e todo mundo quer fazer o que der na cabeça, sem pensar
no outro. E com esse discurso fácil, o individualismo impera e com
ele as desavenças, a violência, as exclusões. Algumas pessoas, não
vendo sentido na vida, buscam o consumismo, o milagre da vida
fácil, da democracia irresponsável, da educação sem compromisso,
sem paciência, sem história, sem amorosidade profunda.
Nas moradias há o que muda e o que não muda. O permanente é a
necessidade de o ser humano ter uma moradia seja onde for. Todos
a buscam e aí fazem escolhas que devem cuidar da dignidade do
corpo humano, da defesa da vida em todas as suas formas. O que
muda é o combate à corrupção, à violência, à guerra, a todas as
formas de opressão. Tudo isso está presente no sentido originário
de ética. No fundo, ética significa viver humanamente.
Ainda conforme o professor Boff (2003a) e acrescentando nossa
contribuição, viver humanamente, de uma maneira decente,
implica em realizar o princípio de todo agir humano, chamado,
por isso, de regra de ouro: “Não faças ao outro o que não queres
que façam a ti”. Ou positivamente: “Faze ao outro o que queres
que façam a ti” (Mt 7,12) Esse princípio de valor inestimável pode
ser traduzido pela expressão cristã: “Ama ao próximo como a ti
mesmo”. É o princípio do amor universal e incondicional. Quem
não quer ser amado? Quem não quer amar? Alguém quer ser
desprezado, tratado com indiferença, ou odiado? Não, ninguém,
não é mesmo? Desse modo, ama ao próximo como a ti mesmo, é um
grande princípio ético.
Outro princípio ético da humani-
dade, decorrente do que se disse
anteriormente, e que precisa ser
reaprendido, reside na solidarie-
dade universal. Se nossos pais não
fossem solidários quando nascemos e nos tivessem rejeitado, não
estaríamos dialogando por meio desse texto. Nem eu que escrevo,
nem você que lê agora. Se na sociedade não respeitássemos as
mínimas normas coletivas de solidariedade para com todos, a vida
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 113
seria mais insuportável do que às vezes se apresenta. A solidarieda-
de, para existir de fato, precisa sempre ocorrer a partir do outro,
dos problemas do outro que sofre e, particularmente, a partir dos
últimos da sociedade, os pobres e excluídos.
Pertence também à humanidade e à ética a capacidade de
perdoar. Essa é uma experiência revolucionária. Todos somos
falíveis e podemos errar involuntariamente ou prejudicar o outro
conscientemente. Como gostaríamos de ser perdoados, devemos
nós também perdoar. Perdoar significa não deixar que o erro e o
ódio tenham a última palavra. É dar uma chance para refazer as
relações boas.
Veja, caro(a) aluno(a), esses princípios e inspirações básicos, fun-
damentais, fazem parte da ética. Sempre que aparece o outro
diante de mim, surge o imperativo ético de tratá-lo humanamente.
Sem tais valores, a vida se torna impossível.
Não esqueça que atualmente moradia não é apenas a casa
individual de cada um de nós, mas a moradia-cidade, o país e o
planeta Terra como Casa comum.
Ficou mais claro o que é ética? Vamos estudar agora o que é moral,
pois na moradia cada coisa deve ter um lugar e os que nela habitam
devem ordenar seus comportamentos para viver bem.
O significado de moral
Se a palavra ethos significa a moradia humana, a moral então
indica as formas e os diferentes estilos de se organizar a casa.
O importante é ter uma casa (ética). O estilo e a maneira de
construí-la podem variar: rústica, moderna, colonial, contanto que
seja habitável. Já a palavra moral, em latim mos-mores, significa
exatamente os costumes e valores de uma cultura.
114 PEDAGOGIA
Sabemos que as culturas podem ser diferentes umas das outras.
Um africano, um indiano, um chinês, vivem, por exemplo, de
maneira singular, o amor, a solidariedade, o perdão, o cuidado
para com a natureza. Moral é, portanto, o conjunto concreto
de preceitos e normas que organizam a vida das pessoas, das
comunidades e das sociedades, e hoje, como são muitos e
próprios de cada cultura, tais valores e hábitos fundam várias
morais. Perceba que ética se diz sempre no singular, enquanto
moral pode existir no plural.
Que significa dizer “essa pessoa não tem ética”? Significa: “essa
pessoa não possui princípios, age oportunisticamente, consoante
as vantagens que possa ter; dela não se poderá esperar nenhum
comportamento coerente e previsível porque não possui uma
opção fundamental na vida”. O que você acha, por exemplo,
de um(a) artista que se deixa fotografar nu(a), em poses
provocantes, em troca de dinheiro, em nome da profissão? É
uma atitude duvidosa, não é mesmo? Não adianta jogar sempre
a responsabilidade no sistema ou no capitalismo. O que impera
em nossa sociedade, em termos gerais, é a falta de ética e a
negação dos princípios fundamentais, ou a falta de moral (atos
contrários aos princípios). O que significa uma pessoa não ter
moral ? Significa que ela age em contradição aos princípios
existentes. Assim, pode-se mentir, enganar clientes, roubar
dinheiro público, explorar trabalhadores, ser violento em casa.
Há situações de degradação em que as pessoas não só não têm
ética, como também não têm moral.
Dessa forma, caro educador, hoje em dia devemos buscar
desenvolver a ética e os meios de realizá-la. Somos convidados
a ajudar a construir juntos a Casa comum, para que nela todos
possamos caber, inclusive a natureza. Daí a necessidade de uma
ética comum, um consenso mínimo no qual todos possam viver.
E, ao mesmo tempo, respeitar as maneiras diferentes como os
povos organizam a ética, dando origem às várias morais, vale dizer,
os vários modos de organizar a família, cuidar da natureza e das
pessoas, estabelecer laços de solidariedade entre todos, viver e
manifestar o perdão.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 115
Mas quem define o que seja ético e moral?
Essa é uma questão delicadíssima, encontrar uma instância que
aponte os critérios de bondade ou maldade, sejam da morada
humana (ethos), sejam dos costumes e valores (moral).
Há muitas respostas. A tradição grega, da qual somos herdeiros, diz
que cabe à razão humana (logos) definir o que é bom e habitável
para todos. Para cumprir essa missão, deve-se ouvir profundamente
a natureza que emite mensagens, apelos, enfim, se comunica. A
natureza é detentora de leis imutáveis, fixas, e vista com admiração
e veneração. Pode-se dizer que antigamente havia um casamento
feliz entre a natureza e o homem, ele mesmo fazendo parte dela.
Era sabido, antes de tudo, que ela é selvagem e deve ser ordenada,
civilizada pela razão humana.
A partir dos séculos XVI e XVII, com o advento da revolução cientí-
fica, ocorrem mudanças radicais, pois a natureza já não será vista
da mesma maneira. Continuará a ser objeto e lugar da ação do ser
humano, mas o respeito e a veneração a ela desapareceriam. Como
dizia Francis Bacon, um dos fundadores do modelo ético-científico
da modernidade, a natureza devia ser torturada, até que entregas-
se à força todos os seus segredos.
Assim, esse modelo, fundado num racionalismo estreito, desequi-
librou as relações do homem com a natureza e em decorrência
consigo próprio. A razão, como a própria filosofia tem reconhecido,
não é o primeiro nem o último momento da existência, embora
bem o saibamos, que isso não significa tornarmo-nos irracionais.
Uma nova ética deve emergir contemporaneamente da natureza
mais profunda do ser humano. Deve estar aberta para uma sadia
racionalidade e englobar também a dimensão espiritual e afetiva de
todos nós. Isso criará um novo sentido ético e moral. Proporcionará
uma nova racionalidade, a da vida decente para todos. Para isso,
devem ser utilizados os conhecimentos das ciências e das tecnologias
a serviço de um mundo onde caibam todos. Essa perspectiva tem
enormes consequências para a atividade educacional.
116 PEDAGOGIA
A propósito de um novo modelo científico, reveja a seção 3 da
primeira unidade.
A palavra ética vem do grego ethos e pode ser escrita de duas formas: com a letra e em tamanho pequeno e em tamanho grande.
Ethos com e minúsculo, (letra eta do alfabeto grego) significa a morada, o abrigo permanente, seja dos ani-mais (estábulo), seja dos seres humanos (casa), e se traduz, então, por ética. É uma realidade da ordem dos fins: viver bem, morar bem. Ética tem a ver com os fins fundamentais, como poder morar bem, com valores in-dispensáveis (defender a vida e o indefeso, promover a paz, dizer não à violência etc.).
O centro de ethos (moradia) é o bem (Platão), pois so-mente ele permite que alcancemos nosso fim, que con-siste em sentirmo-nos bem em casa. Para Aristóteles, o centro de ethos (moradia) é a felicidade, no sentido de autonomia vivida nos níveis pessoal e social. Tal au-tonomia realiza-se através dos hábitos, virtudes e es-tatutos jurídicos que são os caminhos concretos para a realização pessoal e coletiva.
Esses meios também eram chamados de ethos, mas escrito com E maiúsculo (a letra épsilon, em grego), significando os costumes ou o conjunto de valores e de hábitos consagrados pela tradição cultural de um povo. Esse conjunto de meios ordenados ao fim, se traduz comumente por moral (mos, mores, no latim).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 117
A falta de ética mais prejudica a quem tem menos poder (menos poder econômico, menos poder cultural, menos poder político). A transgressão aos princípios éticos acontece sempre que há desigualdade e injusti-ças na forma de exercer o poder o que acentua ainda mais a desigualdade e a injustiça. A falta ou a quebra da ética significa a vitória da injustiça, da desigualda-de, da indignidade, da discriminação. Os mais prejudi-cados são os mais pobres, os excluídos.
A falta de ética prejudica o doente que compra remé-dios caros e falsos; prejudica a mulher, o idoso, o negro, o índio, recusados no mercado de trabalho ou nas opor-tunidades culturais; prejudica o trabalhador que tentar a vida política; prejudica os analfabetos no acesso aos bens econômicos e culturais; prejudica as pessoas com necessidades especiais (físicas ou mentais), impedindo-as de usufruir da vida social; prejudica com a discrimi-nação e a humilhação os que não fazem a opção sexual esperada e induzida pela moral dominante etc.
A atitude ética, ao contrário, é includente, tolerante e solidária: não apenas aceita, mas também valoriza e reforça a pluralidade e a diversidade, porque plural e diversa é a condição humana. A falta de ética instaura um estado de guerra e de desagregação, pela exclusão. A falta de ética ameaça a humanidade.
A corrupção é a suprema perversidade da vida econô-mica e da vida política de uma sociedade. É a subver-são dos valores social e culturalmente proclamados e assumidos como legítimos. A corrupção, seja ativa ou passiva, é a força contrária, o contrafluxo destruidor da ordem social. É a negação radical da ética, porque destrói na raiz as instituições criadas para realizar di-reitos. A corrupção é antiética.
A corrupção pode, em situações extremas e absurdas, chegar a tornar-se a moral estabelecida, a ponto de gerar nos cidadãos o conformismo com o mal social. A história recente de nosso país tem nesse ponto um dos maiores desafios a enfrentar. Ou bem os cidadãos rea-gem ativamente e os responsáveis legais agem exem-plarmente sem concessões à impunidade, ou bem o país avança rapidamente para a desagregação.
“Por um Código de Ética para os agentes públicos e lideranças políticas, sociais e comunitárias”
Disponível em: <http:www.cepam.sp.gov.br/ética>
118 PEDAGOGIA
Agora responda:
Qual é o papel dos educadores diante das questões éticas que
nos afligem? Converse com jovens, pais, agentes comunitários,
professores, empresários, trabalhadores. Busque formar um
conceito sobre o tema.
TU NÃO MORRERÁS JAMAIS
Caro(a) aluno(a)! O historiador Eric Hobsbawm, em sua obra Era
dos Extremos (2001), constatou que houve mais mudanças na
humanidade nos últimos 50 anos do que desde a idade da pedra.
Essa aceleração fez com que as referências que tínhamos como
seguras não funcionassem mais, os mapas e bússolas que eram
utilizados simplesmente se tornaram insuficientes para orientar a
vida, o agir humano. E assim as sociedades mergulham cada vez
mais numa turbulência em que tudo fica de pernas para o ar: o
certo torna-se duvidoso, a subjetividade vira critério absoluto de
verdade, o descuido para com as diferentes formas de vida toma
conta das sociedades. Aprofunda-se uma crise que abala o nosso
modo de ser, de viver, de existir. Surge, portanto, a crise da ética!
Vamos buscar descrever traços dessa crise.
Sintomas do problema
Há uma crise generalizada instaurada e que vem afetando milhões de
pessoas em nosso país e em outras regiões do mundo. O mais doloroso
é que esse mal-estar civilizacional aparece sob diferentes faces.
Em termos econômicos, vivemos um período em que a globalização
da economia, ao lado dos benefícios questionáveis no campo do
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 119
consumo, traz consequências negativíssimas no horizonte social:
os processos de exclusão levam milhões de pessoas a ficar de fora
da digna convivência social por não conseguirem se adaptar, não
conseguirem competir. Você já deve ter percebido que a palavra-
chave nas empresas é competitividade, relacionada com os novos
padrões de produção e consumo. E se competitividade é a palavra
de ordem, os ídolos do nosso tempo tornam-se as pessoas que mais
competem e ganham! Basta lembrar não apenas os ambientes de
trabalho com as premiações ultracompetitivas, mas também os
diferentes ambientes esportivos onde pesa o vale-tudo para ganhar
a qualquer preço.
Acrescente-se aí toda a orientação política de cunho liberalista, na
qual o que vale é o indivíduo competindo num mercado selvagem,
onde predomina a conhecida e desastrosa “lei de Gérson” ou a lei
de “gosto de levar vantagem em tudo”.
Mas há outras faces do mal estar civilizacional a que nos referimos
e que revelam descaso, abandono da ética: a falta de cuidado para
com a vida. Traremos vários exemplos, alguns citados por Boff
(1999), e que você, professor, poderá identificar no seu cotidiano.
• Há um descuido e um descaso pela vida inocente de milhões de crianças que são usadas como combustível na produção do mercado mundial. Milhares e milhares no Brasil ainda nem conseguiram entrar na escola. Outro tanto entra na escola, mas nela não permanece.
• Há um descuido e um descaso pelo destino dos mais pobres e marginalizados, flagelados pela fome crônica, sobreviventes de várias doenças, algumas que já foram inclusive erradicadas.
• Há um descuido e descaso pela sorte de milhões de desempregados, tidos como descartáveis no exército de reserva do capital.
• Há um descuido e abandono dos sonhos de generosidade, agravados pelo individualismo. Joga-se fora a solidariedade. Faz-se pouco dos ideais de liberdade e dignidade humanas.
• Há um descuido e um descaso pela coisa pública, agravados pela negligência vergonhosa do nível moral dos políticos corruptos e do jogo de interesses no poder. Basta relembrar os recentes episódios da vida política brasileira, envolvendo autoridades tidas como exemplares.
120 PEDAGOGIA
• Há um descuido e descaso pela dimensão espiritual humana. A preocupação apenas com o ter mais, dificulta a vivência de aspectos importantes da vida humana. Há inclusive um abandono da reverência para cuidar dela.
• Há um descuido e descaso no cuidado de nossa casa comum, o planeta Terra. A mãe natureza já não suporta tantas agressões do homem. Analistas vindos de diferentes ciências nos advertem que o tempo no qual vivemos se assemelha bastante a outras épocas de ruptura no processo de evolução. E isso se deve não porque pese sobre nós uma ameaça cósmica, mas por causa da atividade humana altamente depredadora dos ecossistemas.
• Há um descuido e descaso com a educação e com a escola. No Brasil temos ainda mais de 18 milhões de analfabetos, limitados no exercício básico da cidadania.
• Há descuido e descaso com milhões de crianças que adentram à escola, mas dela se evadem, não completando sequer o Ensino
Fundamental.
Caro(a) estudante!
Neste cenário que descrevemos há muitos outros problemas
que não foram sequer citados. Reflita um pouco e relate
outras situações que você presencia ou vive e que revelam a
falta de cuidado.
Ética do cuidado
Caro(a) aluno(a)! Facilmente constatamos que há muito abando-
no, descaso e descuido, na sociedade contemporânea. Em alguma
parte de nós, em alguma dimensão de nossa vida, o descuido toma
lugar. O que se contrapõe ao descaso e descuido é o cuidado.
Veja bem, cuidar é mais que um ato,é uma atitude. E abrange
mais do que um momento passageiro de atenção. Representa um
movimento de ocupação, de preocupação, de responsabilidade e
de envolvimento afetivo e efetivo com o outro, diferente de mim.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 121
Inspirados nos trabalhos de Boff (2003b), buscaremos entender o
cuidado como um modo de ser essencial, que fundamenta uma
nova ética para todos nós.
O cuidado é uma atitude e um modo de ser!
A atitude é uma fonte, gera muitos atos que expressam algo mais
profundo. Quando dizemos, por exemplo, “Nós cuidamos de nos-
sa casa” estamos afirmando outros atos silenciosos que fazemos
como: preocupamo-nos com as pessoas que nela habitam, dando-
lhes atenção, garantindo-lhes o que precisam para viver. Cuidamos
do ambiente para que seja alegre e acolhedor. Fazemos o melhor
para deixar a sala e a cozinha arrumadas. Assim também cuida-
mos do quarto de visita ou de algum cantinho confortável para que
aquele que vem até nossa casa se sinta bem hospedado. Cultivamos
uma atitude geral de atenção pelo estado de nossa moradia, pelo
terreno em volta e pelo jardim, se houver. Ocupamo-nos dos ani-
mais. Quem já não teve ou tem um gato, um cachorro, um peixe
como companhia? Para isso é preciso atenção, tempo, zelo. Tudo
isso pertence ao cuidado material, pessoal, social, ecológico e es-
piritual da casa.
Entretanto, o cuidado é ainda algo mais que um ato e uma atitu-
de. O filósofo que melhor percebeu sua importância essencial foi
Martin Heidegger (1889-1976), que afirmava: “Do ponto de vista
existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e si-
tuação do ser humano, o que sempre significa dizer que ele se acha
em toda atitude e situação de fato.” (BOFF, 1989, p. 34).
A frase anteriormente citada quer dizer que o cuidado se encontra
na raiz primeira do ser humano. É um modo de ser essencial, é uma
maneira do próprio ser estruturar-se e dar-se a conhecer. Entra,
portanto, na constituição profunda do ser humano. Diz a nós como
somos concretamente. Sem ele, já não seremos humanos.
Se não receber cuidado, desde o nascimento até a morte, o ser
humano desestrutura-se, definha e morre. Há exemplos por toda
parte da falta de cuidado com a infância e suas consequências.
122 PEDAGOGIA
Você conhece alguma criança que foi vítima do descuido da famí-
lia? Com certeza, já percebeu quantas vidas são jogadas fora pela
falta de atenção, de amorosidade, pela falta de condições mínimas
de sobrevivência. Também o adulto, ao longo da vida, se não tiver
o zelo com o corpo, com a saúde psicológica, moral, espiritual,
pode sofrer graves prejuízos. Muitas pessoas chegam a destruir a si
mesmas e também o que está ao seu alcance. Por isso, conforme
Boff: (1999, p. 34) “o cuidado deve ser entendido na linha da es-
sência humana (que responde à pergunta: o que é o ser humano?)
O cuidado há de estar presente em tudo”.
Então devemos resgatar esse modo de ser cuja porta de entrada
não pode ser o racionalismo frio e calculista, como o que se expres-
sa hoje em dia nos computadores e máquinas. Não somos máqui-
nas. Um computador e um robô podem ser úteis, mas não podem
chorar com o sofrimento, nem rejubilar-se com a alegria de um
amigo. Computador não tem coração. Só nós, humanos, sentimos
dor, sofrimento, alegria, ternura, responsabilidade para conosco e
com os outros. O cuidado recolhe esse modo de ser, mostra como
funcionamos enquanto seres humanos. Isso evidencia a importân-
cia dos afetos e dos sentimentos na perspectiva do cuidado.
A ética que cuida e sente
Você lembra aquela frase do Pequeno Príncipe, que diz: “É com o
coração que se vê corretamente, o essencial é invisível aos olhos”?
Esse sentimento profundo se chama cuidado. Não é um sentimento
descartável, barato, aquele que vemos nas novelas, mas os que
permanecem definitivamente em nosso sentir.
São muitos os cientistas contemporâneos que indicam hoje a extre-
ma importância da afetividade, do sentir, da lógica do cuidado e do
coração como fundamentais para a vida humana. No trabalho edu-
cacional, não são poucos os professores que priorizam sempre os
discursos éticopolíticos identificados apenas com um racionalismo
estreito. E aí se esquecem da dimensão lúdica, afetiva e até praze-
rosa da educação. É claro que não se trata de esquecer a dimensão
conscientizadora, racional, mas de agregar as implicações de uma
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 123
ética integradora, que se comove, que tem compaixão, que vibra
com o outro, que percebe com o outro, que sente com o outro.
Não podemos continuar vivendo com aquele princípio cartesiano do
“penso, logo existo”, mas sim do “cuido, logo existo”. O cuidado
permite refundarmos uma nova ética, a ética que cuida.
A ética que cuida, sente, ama, se responsabiliza...
A ética do cuidado é exigente. Não se trata de sentimentalismo
barato, ou de uma afetividade momentânea. A ética que sente, se
relaciona com o outro. O outro pode ser a própria pessoa que se
volta sobre si, analisa a consciência, capta os apelos que nela se
manifestam (ódio, compaixão, solidariedade, vontade de dominar
ou ser solidário) e dá conta de seus atos e das consequências que
deles derivam. Mas o outro é também aquele que está fora de nós,
homem ou mulher, uma comunidade, uma classe social, a socieda-
de, o planeta, em última instância, Deus.
Quando o outro está à minha frente, nasce a ética. Porque é o ou-
tro que me obriga a tomar uma atitude prática. Não podemos ficar
indiferentes ao outro. Devo reagir destruindo, ou respeitando e
acolhendo. O outro significa alguém que exige de mim uma respos-
ta. Não é à toa que quando estudamos história percebemos que o
ocidente teve dificuldades de acolher o outro que se apresentava
na figura do negro, do índio, do escravo. O outro foi submetido,
destruído, negado e assim negamos as bases da ética do amor ao
próximo, da ética do cuidado. Daí a necessidade de reafirmar no-
vas atitudes que acolham o outro, diferente de mim, diferente de
você.
Responsabilidade é a capacidade de dar respostas eficazes
(responsum em latim, donde vem responsabilidade) aos problemas
que nos chegam na realidade atual. E só o conseguiremos com
um ethos que ama, cuida e se responsabiliza. A responsabilidade
surge quando nos damos conta das consequências de nossos atos
sobre os outros, mas também significa responsabilizar-se pelo bem-
estar do outro, pelo socorro ao outro que sofre, pela promoção do
outro que busca. Isso não significa desenvolver um assistencialismo
124 PEDAGOGIA
barato para aliviar consciências, mas um modo de ser e de existir
atento para a promoção do que existe de melhor em cada um de
nós, acolhendo o outro na sua singularidade, na igualdade e na
diferença.
Portanto, o ethos que ama funda um novo sentido para a vida.
Amar o outro é dar-lhe razão de existir, é querer que ele exista.
Um filósofo do século XX, Gabriel Marcel, citado por Boff (2003a,
p. 47) já dizia que “amar uma pessoa é dizer-lhe: tu não morrerás
jamais, tu deves existir, tu não podes morrer”. Quando alguém
ou alguma coisa se fazem importantes para o outro, nasce um
valor que mobiliza todas as energias vitais. É por isso que, quando
alguém ama, rejuvenesce e tem a sensação de começar a vida de
novo. Quando amamos, cuidamos e quando cuidamos amamos. Por
isso a complementaridade do amor e do cuidado.
Quem ama cuida, como já dissemos, e o amor é terapêutico e
libertador. Muitas feridas são curadas, ressurge a segurança,
desaparecem medos, surgem esperanças. Muitas das nossas doenças
contemporâneas, ligadas ao estresse e à depressão, poderiam ser
evitadas ou até mesmo curadas através da atenção, da paciência,
do cuidado responsável que não desanima.
Lembre-se! Ética significa cuidar da nossa moradia como
humanos; é cuidar da tua, da minha, da nossa Casa comum!
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 125
A moral tradicional do liberalismo econômico e polí-tico acostumou-nos a pensar que o campo da ética é o campo exclusivo das vontades e do livre arbítrio de cada indivíduo. Nessa tradição, também a organiza-ção do sistema econômico-político-jurídico seria uma coisa ‘neutra’, ‘natural’, e não uma construção cons-ciente e deliberada dos homens em sociedade. Por isso acostumamo-nos a julgar que não seja parte de minha responsabilidade ética a situação do desempregado, do faminto, do que migrou por causa da seca, do que não teve êxito na escola etc., só porque esses males não foram produzidos por mim diretamente.
Um sistema econômico-político-jurídico que produz estruturalmente desigualdades, injustiças, discrimina-ções, exclusões de direitos etc., é um sistema etica-mente mau, por mais que seja legalmente (moralmen-te) constituído. Em consequência, por outro lado: o fato de existirem injustiças sociais obriga-me eticamente a agir de modo a contribuir para a sua superação.
www.cepam.sp.gov.br/etica
Como o professor pode contribuir para superar as injustiças
sociais de nossos tempos?
VALORES TAMBÉM SE APRENDEM
Caro(a) estudante! A ética do cuidado indica que devemos ter uma
atenção muito especial com vários valores da condição humana,
que frequentemente precisam ser questionados, reafirmados,
redescobertos, vividos. Podemos afirmar que valores também se
aprendem? Antes de responder, vejamos o que significa valorar.
126 PEDAGOGIA
Desde a Antiguidade, a palavra valor foi usada para indicar a
utilidade ou o preço de bens materiais e a dignidade ou o mérito
das pessoas. No entanto, esse termo, que tem uma longa história
filosófica, traz um outro significado mais expressivo que é a noção
de escolha.
Segundo Abbagnano (2000), os valores em geral manifestam “o
que deve ser objeto de preferência ou de escolha”. Portanto, essa
noção é que “considera como livre a possibilidade de escolha dos
sujeitos”. Assim, se a ética do cuidado aponta grandes princípios
que orientam a direção do nosso agir, os valores indicam as escolhas,
os meios, as opções que devem ser feitas. Dessa forma, valorar diz
respeito às escolhas de vida, despertanos para algo importante.
Valorar é não ficar indiferente.
INDIFERENÇA NÃO
Reflita sobre a palavra indiferença. Ser indiferente é não sentir, não
perceber, não tomar conhecimento de algo. Ora, sair da indiferença
é o contrário, isto é, perceber, tomar conhecimento. Assumir uma
atitude de não-indiferença é (re)significar alguém ou alguma coisa,
atribuindo-lhe um determinado valor positivo para a existência.
Assim, é possível concluir que o agir humano está sempre
referenciado a valores, de tal modo que todos os objetos, todas
as situações vividas e todas as relações que os seres humanos
estabelecem são permeados pela valoração. Desse modo, na
relação entre ética e educação, temos de tomar consciência de
que os valores estão presentes o tempo todo.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 127
Conviver significa conhecer, participar, opinar, ousar e transformar.
Cabe à escola, espaço fundamental de convivência, afirmar valores
que estejam de acordo com esses princípios. É preciso estimular o
desejo da participação, que valoriza a ação e amplia a co-respon-
sabilidade, fazendo com que se compartilhem os destinos da vida
coletiva da instituição. Se o aluno
precisa ser participante e ativo
na construção de sua aprendiza-
gem, o professor precisa trilhar
esse caminho junto com ele, efe-
tivando sua própria participação
no espaço escolar.
Educação e valores
Já percebemos que a Escola é um espaço-tempo de aprendizagem
em que diferentes saberes e conhecimentos se entrecruzam. A
Escola gradativamente percebe que tem como função proporcionar
a educação em valores, particularmente os valores que ajudam as
pessoas a terem mais cuidado consigo mesmas, com os outros e
com o bem público.
Nas recomendações para o trabalho ético nas escolas, nunca
é demais lembrar que a filosofia é um modo de conhecimento
questionador do instituído, ou seja, a metodologia filosófica jamais
poderá deixar de perguntar e interrogar sobre o sentido das ações
humanas, dos fatos, dos acontecimentos. Na primeira unidade
desse livro há importantes considerações sobre esse assunto. Mas
essa atividade questionadora não exclui outras possibilidades
educativas. Vamos juntos buscar novos caminhos.
Há vários textos que podem trazer pistas para o trabalho pedagógico
em valores na educação. Ainda que muitos educadores questionem
os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), tomaremos o texto
como uma referência para esse desafio. Quem entender de outra
128 PEDAGOGIA
maneira, certamente poderá usar outras referências, uma vez que
as distintas realidades desafiadoras de nosso país necessitam de
todos os esforços educacionais nesse sentido.
Um primeiro aspecto a ser considerado, e que não se pode esquecer,
é que promover uma educação em valores consiste em desenvolver
um trabalho pedagógico que auxilie primeiro o educador e, na
sequência, leve o educando a tomar consciência da presença dos
valores em seu comportamento e em sua relação com os outros,
participando do processo de construção e problematização desses
valores, num movimento de afirmação de autonomia (BRASIL, MEC,
2003).
O ponto de chegada é a autonomia, isto é, professores e alunos
devem assimilar atitudes e referências significativas para o seu
agir, promovendo o cuidado em todas as direções.
E para a vivência em sociedade, os Parâmetros Curriculares
Nacionais definem quatro blocos de conteúdo para a educação
ética. Julgue você mesmo a validade desses valores. Eles foram
organizados para que os alunos tenham informações sobre como
atuar autônoma e criticamente em uma sociedade democrática.
Respeito mútuo
A noção de respeito nesse contexto não é aquela associada à
submissão, ou derivada de sentimentos de medo ou inferioridade.
Não se trata, portanto, de uma atitude de poder unilateral. O
respeito ganha seu significado mais amplo, quando se realiza como
respeito mútuo: ao dever de respeitar o outro, articula-se o direito,
a exigência de ser respeitado. Respeitar é a valorização de cada
pessoa, independentemente de sua origem social, etnia, religião,
sexo, opinião. Revelar seus conhecimentos, expressar sentimentos
e emoções, admitir dúvidas sem ter medo de ser ridicularizado,
exigir seus direitos são atitudes que compreendem respeito mútuo.
Essas indicações podem ser desdobradas em tópicos que indicam o
que é necessário que alunos e professores aprendam com relação a
respeitar e ser respeitado.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 129
Justiça
Muitas pessoas por não conhecerem certas leis, não percebem que são
alvo de injustiças. Não conhecem seus direitos; se os conhecessem,
teriam melhores condições de lutar para que fossem respeitados.
Porém, a dimensão ética de justiça vai mais profundamente, pois
avalia criticamente certas leis. É importante levar em consideração
que desde cedo as crianças são muito sensíveis às manifestações de
justiça e injustiça, e, gradativamente na adolescência e juventude,
os educandos começam a questionar as injustiças e a revoltar-se
contra elas. Cabe aos educadores aproveitar essa sensibilidade
com o tema para ampliar e desenvolver a capacidade de análise e
de síntese e, sobretudo, para identificar, debater e até construir
critérios de justiça.
Solidariedade
A palavra solidariedade pode ser enganosa. De fato, diz-se que os
membros de uma quadrilha de ladrões, por exemplo, são “solidários”
quando se ajudam e se protegem mutuamente. A mesma coisa pode
acontecer com os membros de uma corporação profissional: alguns
podem encobrir o erro de um colega para evitar que a imagem da
profissão seja comprometida. Nesses casos, a “solidariedade” só
ocorre em benefício próprio: se a quadrilha ou a corporação correr
perigo, cada membro em particular será afetado. Portanto, ajuda-
se o outro para salvar a si próprio. Isso não é solidariedade, ainda
que leve o nome.
A solidariedade que defendemos é aquela que amplia a noção de
respeito mútuo, de doação, de ajuda desinteressada. A solidariedade
vai além da lei, da obrigação formal. Ela não se preocupa com a
publicidade, como é o caso de artistas que fazem uma “doação”
mais para aparecer do que efetivamente para ajudar. Ser solidário
é dar o melhor de si para os outros. E como todas as formas de
solidariedade traduzem o cuidado com o outro, é bom estar atento
para relembrar que, na emergência das situações, devemos cuidar
do doente, do que tem fome e sede, do que sofre.
130 PEDAGOGIA
Mas não basta dar coisas, é preciso também relembrar que há a
atuação solidária no âmbito político e comunitário. Organizar e
participar de ações comunitárias, aprender cuidados específicos
tais como primeiros socorros, responsabilizar-se pelo cuidado de
bens coletivos, como uma biblioteca comunitária, ou um trabalho
educativo em campanhas de saúde ou ambientais, são formas de
envolvimento dos alunos em busca de alternativas para problemas
reais da comunidade ou da sociedade em geral.
Diálogo
O diálogo é expressão fundamental da relação entre os seres
humanos, doação mútua da palavra, sinal distintivo de humanidade.
Ser humano é ser com os outros. O dado primordial da presença
humana no mundo é o de se encontrar em companhia, endereçar a
palavra uns aos outros na busca daquilo que constitui o encontro. O
encontro se dá entre indivíduos que se reconhecem. E reconhecer
quer dizer também respeitar, saudar no outro um semelhante, que
afirma sua liberdade e resiste a ser tratado como objeto ou a ser
negado. O outro não é igual senão sendo diferente.
Você, já deve ter percebido que muitas vezes as pessoas afirmam
que estão dialogando com alguém, quando, na verdade, o que
fazem é passar-lhe ordens, impor-lhe visões de mundo, fechar os
ouvidos à sua palavra. Quando só um dos interlocutores tem “voz
ativa”, como se costuma dizer, rompe-se qualquer possibilidade
de diálogo. É necessário, portanto, lançar-se corajosamente à
aventura do diálogo. A exigência da coragem se justifica na medida
em que há um risco constante em expor-se aos outros e acolhê-los
em sua diferença, em sua especificidade. Mas é verdadeiramente
uma aventura, uma ocasião de descoberta, que enriquece, dignifica
e faz crescer as pessoas e, junto com elas, a sociedade a que
pertencem.
O diálogo é, assim, uma arte a ser ensinada e cultivada, e a escola
é o lugar privilegiado para que isso ocorra. No entanto, é preciso
não confundir diálogo apenas como o momento em que o aluno
responde ao professor sobre assuntos abordados e discutidos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 131
Também não é apenas um “bate-papo” informal sobre algum tema,
mesmo que essa seja uma atitude saudável. O ideal é conceber
o diálogo como uma prática cotidiana na sala de aula, que tem
a preocupação de integrar as experiências de vida dos alunos e
professor, e a relação viva com o conteúdo que será sistematizado,
tornando a aprendizagem significativa.
Enquanto estratégia de ensino-aprendizagem, valorizar o diálogo
é promover o debate de opiniões, a formulação de situações-
problema, a análise das hipóteses levantadas, as opiniões
diferentes. A socialização das opiniões e o confronto de diferentes
posicionamentos sobre os assuntos mais variados contribuirão para
a construção do saber por meio de múltiplas visões. Um trabalho
que se preocupe com o respeito à fala do aluno contribuirá para
que ele se sinta seguro ao se posicionar em relação aos diferentes
assuntos tratados na escola e participe mais amplamente do
universo da comunicação humana, aprendendo ao fazer junto
com os outros, leituras diversas da realidade em que vive e atua.
Cabe ao educador saber incentivar os alunos para o exercício e o
aprendizado do diálogo, para ouvir, para falar, para comunicar.
Colar é antiético?
Em princípio, a cola pode revelar um comportamen-to preocupante e até antiético. Afinal, está em jogo a questão da avaliação. Ninguém deve provar o que não sabe, o que não fez! Mas há questionamentos impor-tantes a fazer, como por exemplo: quando e como a avaliação é feita? Será que o conteúdo, a tarefa a ser realizada foram adequadamente trabalhados nas aulas? Por outro lado, o professor deve entender que há vários modos de avaliar o aluno. A cola pode ainda revelar que o professor não está “dando conta do recado”. Há um educador brasileiro que afirmou que “aula, prova e cola são sinônimas no espírito da coisa”. Este é um bom debate para os educadores. O que você acha?
132 PEDAGOGIA
síntese
Encontramo-nos em uma época em que é fácil perceber os
sintomas de descuido por toda a parte: são situações de violência,
injustiças de toda ordem, hedonismo, consumismo desenfreado,
descaso e descuido para com a vida. Por outro lado, emergem de
todos os lados as vozes que reivindicam uma maior consciência
ética: na economia, na política, na ciência, nas relações humanas
de modo geral.
Ética (ethos) indica a moradia humana, que necessita permanente-
mente de cuidado. Cuidado com o outro diferente de mim. Cuidado
com a natureza e comigo mesmo. O cuidado torna-se assim um
modo de ser essencial. Um modo de ser é uma maneira do próprio
ser estruturar-se e dar-se a conhecer. O cuidado entra, portanto,
na constituição profunda do ser humano. Diz a nós como somos
concretamente. Sem ele, perdemos a humanidade. O cuidado há
de estar presente em tudo. Essa ética do cuidado está ancorada
em grandes princípios como aquele indicado nas grandes religiões:
“Não faças ao outro o que não queres que façam a ti”. Ou positi-
vamente: “Faze ao outro o que queres que façam a ti” (Mt 7,12). A
ética que cuida, sente, ama, se responsabiliza!
Essa perspectiva ética pode fecundar as práticas do agir humano
em vários espaçostempo. Ela se estrutura ao redor de valores
fundamentais ligados à vida, à justiça, à solidariedade, ao trabalho,
às relações cooperativas, à cultura da não violência e da paz, ao
perdão e também ao desenvolvimento de sociedades sustentáveis
que respeitam a natureza e tudo o que nela se faz. É, portanto, um
programa de vida para os indivíduos e para a sociedade, por isso
mesmo denominado de um novo ethos, uma nova ética para a qual
todos são convidados a se empenhar.
Bons Filmes cujos persona-gens são professores:
• Sociedade dos Poetas Mortos
• ao mestre com carinho• Mentes que brilham• Meu mestre, minha vida• Mentes perigosas• Mr. Holland – adorável
professor• O preço do desafio• O professor aloprado• Madadayo
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 4 133
Caro estudante. Afirmamos nesse texto que um dos aspectos
fundamentais da formação ética de todos nós, e particularmente
do o educador, é que seja realizado constamente um certo
balanço de nossas crenças fundamentais. Nem sempre temos
tempo de fazer um diálogo conosco mesmos com franqueza. Há
ocasiões em que só repetimos frases feitas ou um discurso que
está na moda e permanecemos por aí. Assim, uma sugestão é que
você como estudante em formação faça alguns exercícios como
os que sugerimos a seguir:
• identifique situações de desrespeito e de preconceitos que deveriam mudar na comunidade na qual você vive. Não esqueça de se perguntar quais são os preconceitos que você necessita superar.
• pergunte-se quais as situações em que você sente indignação e que está em jogo ?
• valor da justiça. Lembre-se que a valorização da justiça implica o posicionamento contrário às situações de injustiça, tanto na vida cotidiana como nos acontecimentos próximos e nas situações distantes no tempo e no espaço.
• ser solidário é um convite permanente na ética do cuidado. Um bom exercício é que você faça uma lista das ações solidárias que tenha participado ou realizado e que motive outras pessoas para essa atitude. Caso você perceba que você realiza poucas ou nenhuma ação solidária, está na hora de começar. Que tal descobrir e entrar em grupos que exercem ações de conscientização, campanhas de saúde, visitas a entidades sociais, ações comunitárias da escola da região. O importante é não ficar apenas na intenção. É participar de atividades seja na escola ou fora dela e que permitam exercer a solidariedade concretamente.
134 PEDAGOGIA
Anotações ________________________________________________________
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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | PALAVRAS FINAIS 135
PALAVRAS FINAIS
Prezado(a) acadêmico(a)!
Esperamos que ao final dos estudos desta disciplina você se sinta
gratificado por ter alcançado os objetivos fundamentais da propos-
ta. Uma das metas é que você possa ter feito o início de uma expe-
riência filosófica que deverá se desenvolver ainda mais no decorrer
dos anos. É uma tarefa rica, apaixonante e que não acaba nunca.
Fazer a experiência filosófica significa, sobretudo, que você como
estudante possa interagir com os acontecimentos, com as pessoas
e com o mundo questionando, perguntando, criando novos con-
ceitos que te permitam dar novas significações para as diferentes
realidades em que estiver inserido. Desse modo, a filosofia deixa
de ser algo distante para ser uma atividade de pensamento ex-
perimentada por você. Atividade de pensamento que abrange os
acontecimentos que se dão no tempo e na história, isto é, na vida
de todos os homens e mulheres na sua singularidade. Portanto,
também na sua vida como estudante-educador.
Ao encerrar esta etapa de trabalho, parabenizamos a você que
chegou até aqui. Fica a nossa palavra de estímulo para que não de-
sanime diante das dificuldades que porventura encontrar. Que você
dê o melhor de si nessa delicada e preciosa arte de autoformação.
Parabéns!
Um abraço amigo
Professor José Rogério
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | REFERÊNCIAS 137
REFERÊNCIAS
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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO | NOTA SOBRE O AUTOR 141
NOTAS SOBRE O AUTOR
José Rogério Vitkowski é filósofo, especialista em Comunicação
pela Universidade São Francisco-SP e Mestre em Educação pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), instituição na qual
trabalha há mais de uma década. Atualmente é professor de Filo-
sofia e Filosofia da Educação.
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núCLeo de teCnoLogias PaRa eduCação – ueManet
Caro Estudante,
No sentido de melhorar a qualidade do material didático, gostaríamos que você re-spondesse às questões abaixo com presteza e discernimento. Após, destaque a folha da apostila e entregue ao seu Tutor. Não é necessário assinar.
Município: _________________________________ Polo: _______________________
Turma: _________ Data: _____/ _____/__________
Responda as questões abaixo de forma única e objetiva
[O] - ótimo, [B] – bom, [R] - regular, [I] - insuficiente
1 Qualidade gráfica [O] [B] [R] [I]1.1 Encadernação gráfica1.2 Formatação da apostila1.3 Ícones apresentados são informativos1.4 Tamanho da fonte (letra)1.5 Tipo de fonte está visível (Arial, Times New Roman...)1.6 Qualidade de ilustração
2 Conteúdo [O] [B] [R] [I]2.1 Coesão2.2 Coerência2.3 Contextualizado com a realidade e prática2.4 Organização2.5 Programa da disciplina (Ementa)2.6 Incentiva à pesquisa
3 Atividades [O] [B] [R] [I]3.1 Atividades relacionadas com a proposta da disciplina3.2 Atividades relacionadas com a realidade e a prática3.3 Relacionadas ao conteúdo3.4 Contextualizadas com a prática3.5 Claras e de fácil entendimento3.6 Estão relacionadas com as questões das avaliações3.7 São Problematizadoras e incentivam à reflexão3.8 Disponibilizam uma bibliografia complementar
o MateRiaL Chega eM teMPo háBiL? siM ( ) não ( )