Sociologia Da Educacao
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2
PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad
GOVERNADOR DO ESTADO Wellington Dias
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ Antonio José Medeiros
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC Carlos Eduardo Bielschowsky
DIRETOR DE POLITICAS PUBLICAS PARA EaD Hélio Chaves
COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Celso Costa
COORDENADOR GERAL DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes
SUPERITENDÊNTE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO ESTADO Eliane Mendonça
DIRETOR DO CENTRO DE CIENCIAS DA NATUREZA
Helder Nunes da Cunha
COORDENADOR DO CURSO NA MODALIDADE EAD
Miguel Arcanjo Costa
COODENADORA DE MATERIAL DIDÁTICO DO CEAD/UFPI Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira
3
Este texto é destinado aos estudantes aprendizes que participam do Programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí (UAPI), vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Centro Federal de Ensino Tecnológico do Piauí (CEFET-PI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, através da Secretaria de Educação.
O texto é composto de quatro unidades, contendo itens e subitens, que discorrem sobre a Sociologia Geral e a Sociologia da Educação propriamente dita;
Na unidade 1 abordarei o contexto histórico do surgimento da Sociologia como ciência. Apresentarei também as disciplinas que têm afinidades com a Sociologia.
Na unidade 2 enfatizarei as primeiras formas de pensamento social, como também os procedimentos teórico-metodológicos dos pensadores clássicos, como o francês Émile Durkheim, com o método positivista-funcionalista; o alemão Karl Marx, com o seu método histórico e dialético; e o também alemão Max Weber, com o método compreensivista.
Na unidade 3 apresento a análise da educação na perspectiva marxista, durkheimiana e weberiana.
Na unidade 4 contextualizarei a Sociologia da Educação propriamente dita, abordando a sua importância; analisando a função da escola na sociedade capitalista; a sua trajetória desde o funcionalismo até o pós-modernismo; o seu papel no processo socializador; e as explicações sociológicas para o contexto brasileiro com reflexos na educação. Além do mais, ela será compreendida como Espaço Sócio-Cultural na versão de Juarez Dayrel.
4
1 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 08
1.1 O Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia 08
1.2 Disciplinas que têm Afinidades com a Sociologia 11
1.3 Para Saber Mais 17
Atividade 1 17
1.4 Sugestão de Filme 18
2 AS FORMAS DE PENSAMENTO SOCIAL 23
2.1 O Positivismo como Primeira Forma de Compreensão da Vida Social.
23
2.2 As Correntes Sociológicas 24
2.2.1 Durkheim e o Positivismo-funcionalismo 25
2.2.2 Marx e o Materialismo Histórico e Dialético 30
2.2.3 Weber e o Compreensivismo 35
Atividade 2 38
2.3 Sugestão de Filme 38
3 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA MARXISTA, DURKHEIMIANA E WEBERIANA
42
3.1 Educação em Marx 42
3.2 Educação em Durkheim 44
3.3 Educação em Weber 45
Atividade 3 47
4 A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA
50
4.1 Para que Estudar Sociologia da Educação 50
4.2 A Sociologia da Educação: Entre o Funcionalismo e o Pós-modernismo
55
4.3 A Função da Escola na Sociedade Capitalista 63
4.4 Educação como Processo Socializador: Função 67
5
Diferenciadora e Função Homogeneizadora
4.5 Explicações Sociológicas para o Contexto Brasileiro e seus Reflexos na Educação
72
Atividade 4 87
4.6 A Escola como Espaço Sócio-Cultural 94
4.7 Referência Bibliográfica 128
6
7
1 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 08
1.1 O Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia 08
1.2 Disciplinas que têm Afinidades com a Sociologia 11
1.3 Para Saber Mais 17
Atividade 1 17
1.4 Sugestão de Filme 18
8
1 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA
1.1 Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia
A Sociologia é uma ciência que estuda o comportamento
humano, os meios de comunicação em função do meio e os
processos que interligam o indivíduo em associações, grupos e
instituições. Ela estuda os fenômenos que ocorrem quando vários
indivíduos se encontram em grupos de tamanhos diversos, e
interagem no seu interior.
A Sociologia como ciência surgiu como um conjunto de idéias
a respeito do processo de constituição, consolidação e
desenvolvimento da sociedade moderna. Ela é fruto da revolução
industrial e é denominada de “ciência da crise” porque procurou dar
resposta às questões sociais impostas por essa revolução que, num
primeiro momento, alterou a sociedade européia e, depois, o mundo
todo.
A Sociologia como “ciência da sociedade” não surgiu de
repente ou da reflexão de algum autor iluminado. Ela representa o
resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se
empenharam em compreender as novas transformações que
estavam em curso. Ela é fruto de todo o conhecimento sobre a
natureza e a sociedade, que se desenvolveu a partir do século XV.
Mas a sua formação constitui um acontecimento complexo para o
qual concorrerá uma constelação de circunstâncias históricas e
intelectuais, e determinadas intenções práticas que se iniciam com a
desagregação da sociedade feudal e a consolidação da civilização
capitalista.
O século XVIII foi um século de profundas transformações
políticas e econômicas na sociedade européia que posteriormente se
expandiram para o resto do mundo. As transformações políticas em
decorrência da Revolução Francesa, de 1789, levaram a uma
transformação no modelo político e administrativo das nações
européias. O fim da monarquia absolutista fez surgir outras formas
Sociologia: A palavra Sociologia é um
vocábulo composto da palavra latina societas (sociedade, socius = companheiro) e da palavra grega logos (estudo, ciência). A
Sociologia é, então, a ciência da sociedade, da associação ou do
companheirismo. Assim, a Sociologia é o
estudo científico das formas fundamentais da
convivência humana.
Revolução Francesa é o nome dado ao
conjunto de acontecimentos que,
entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de
1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa
estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e
da nobreza. Foi influenciada pelos ideais
do Iluminismo e da Independência
Americana (1776). Está entre as maiores
revoluções da história da humanidade.
9
de organização política coniventes com as transformações
econômicas causadas pela Revolução Industrial da segunda
metade do século XVIII. Surge aí o Estado burguês. Os pensadores
iluministas eram os ideólogos da burguesia que atacavam os
fundamentos da sociedade feudal e os privilégios de sua classe
dominante (nobreza, clero), que restringia os interesses econômicos
e políticos da burguesia nascente. Foi este contexto que antecedeu a
Revolução Francesa.
A Revolução Industrial representa o triunfo da sociedade
capitalista, onde os empresários passaram a controlar os meios de
produção e, por outro lado, as grandes massas das classes
trabalhadoras desprovidas dos meios de produção, detentores
apenas de força de trabalho, que passaram a ser submetidos ao
dono do capital. A nova forma de produção da vida material, a partir
de então, faz surgir uma nova forma organização da vida social. A
utilização da máquina na Revolução Industrial, além de destruir o
artesanato, submete o trabalhador a uma nova disciplina onde, a
partir daquele momento, toda a produção dá-se numa linha de
trabalho produtivo. E na linha do trabalho produtivo o trabalhador não
se reconhece como produtor de bens de consumo. A partir daquele
momento, ele passa a trabalhar como um robô, ou seja, no trabalho
automatizado e repetitivo, onde ele não participa de todas as etapas
da produção e como consequência ele perde a capacidade do saber
produtivo que a partir de agora é apropriado pelo capitalista.
O novo modo produção interferiu também na forma de
organização familiar, desmantelou a família patriarcal, passando, a
partir daquele momento, a predominar a família nuclear.
Com os cercamentos dos campos para a criação de ovelhas
para abastecer a indústria têxtil e com o desenvolvimento da
Revolução Industrial, ocorre uma grande migração do campo para a
cidade à procura de trabalho, tendo como consequência um
excedente de mão-de-obra. Isso faz com que o capitalista passe a
explorar o trabalho de crianças e mulheres, com jornadas de 12 a 14
horas diárias de trabalho, salários de subsistência, cidades sem as
Revolução Industrial consistiu em um conjunto de
mudanças tecnológicas com
profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na
Inglaterra, em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir
do século XIX.
Podemos definir meios de produção ou
também modos de produção, como o
conjunto formado pelos "meios de trabalho" e
pelos "objetos de trabalho", além da maneira como a
sociedade se organiza economicamente. Os
meios de trabalho incluem os
"instrumentos de produção" (máquinas,
ferramentas), as instalações (edifícios,
armazéns, silos etc.), as fontes de energia
utilizadas na produção (elétrica, hidráulica,
nuclear, eólica etc.) e os meios de transporte.
10
menores condições de saneamento devido à rápida urbanização
como consequência da industrialização, e como resultado, a
prostituição, o suicídio, o alcoolismo, infanticídio, a criminalidade, a
violência, as epidemias etc.
Em decorrência da Revolução Industrial e da situação de
exploração em que passa a viver a classe proletária, esta inicia o seu
papel histórico como classe revolucionária na sociedade capitalista.
As manifestações que se sucederam como forma de negar suas
condições de vida se materializaram em destruir máquinas, praticar
sabotagem, roubos, crimes, criação de associações, formação de
sindicatos etc. Passaram a produzir jornais criticando o modelo
capitalista e inclinando-se para a nova forma de organização social,
onde desapareceriam as classes sociais.
Diante de todos esses acontecimentos que tornam visíveis as
dinâmicas da vida social, a sociedade coloca-se em um plano de
análise, em objeto que deveria ser investigado de forma científica,
fugindo das explicações metafísicas ou espirituais.
Uma coisa havia em comum entre os pensadores que
testemunhavam as transformações da época: apesar de pertencerem
a correntes de pensamentos diferenciados, como liberais,
conservadores, socialistas etc., eles compartilhavam do mesmo
pensamento – de que a sociedade capitalista era passível de ser
analisada cientificamente. A partir daquele momento, o pensamento
vai renunciando a visão sobrenatural de explicar os fatos e passa a
buscar explicações racionais para as modificações que ocorriam na
sociedade daquela época. O que até então era fenômeno passou a
ser explicado pelo método científico com a aplicação da observação
e da experiência, ou seja, aquilo que tinha uma autoridade teológica
deveria ceder lugar a uma dúvida metódica para que a objetividade
dos fatos passasse a ser conhecida.
Em suma, o surgimento da Sociologia prende-se, em parte,
aos desenvolvimentos oriundos da Revolução Industrial, pelas novas
condições de existência por ela criada. Mas uma outra circunstância
Sindicalismo é o movimento social de
associação de trabalhadores
assalariados para a proteção dos seus
interesses. Ao mesmo tempo, é também uma
doutrina política segundo a qual os
trabalhadores agrupados em sindicatos devem ter
um papel ativo na condução da sociedade.
O Socialismo é um sistema sócio-político
caracterizado pela apropriação dos meios
de produção pela coletividade. Abolida a
sua propriedade privada destes meios, todos se
tornariam trabalhadores, tomando parte na
produção, e as desigualdades sociais
tenderiam a ser drasticamente reduzidas
uma vez que a produção, sendo social,
poderia ser equitativamente
distribuída.
11
concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações
que vinham ocorrendo nas formas de pensamento, originadas pelo
Iluminismo. As transformações econômicas que se achavam em
curso no ocidente europeu desde o século XVI não poderiam deixar
de provocar modificações na forma de conhecer a natureza e a
cultura.
1.2 Disciplinas que têm Afinidades com a Sociologia
A falta de entrosamento entre as disciplinas tem sido um
equívoco grave cometido pelas escolas no Brasil e, por isso, hoje, os
professores estão sofrendo as consequências da ausência dessa
interdisciplinaridade em sua formação.
Isso ocorria porque cada professor preparava o seu programa
sem conhecer o dos companheiros. E os motivos que levavam à falta
de entrosamento entre os professores eram: a falta de tradição de
trabalho em equipe; a vaidade de muitas pessoas, que não querem
precisar da contribuição dos outros; o excesso de encargos dos
professores – muitos deles iam à escola somente para dar aula; a
falta de embasamento filosófico. Isso dificultava uma visão integrada
do processo educativo.
Hoje os Programas Curriculares Nacionais (PCN’s)
propõem uma visão interdisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar,
no sentido de fundir os conteúdos curriculares.
Saiba mais:
Veja mais sobre o surgimento da Sociologia
www.alunosonline.com.br/sociologia
www.brasilescola.com/sociologia
Iluminismo é um conceito que sintetiza diversas tradições filosóficas,
correntes intelectuais e atitudes religiosas. Ainda que importantes autores contemporâneos venham ressaltando as origens do Ilumunismo no século XVII
tardio, não há consenso abrangente quanto à
datação do início da era do Iluminismo. Boa parte dos acadêmicos simplesmente utilizam o início do século
XVIII como marco de referência, aproveitando a
já consolidada denominação Século das
Luzes. O término do período é, por sua vez,
habitualmente assinalado em coincidência com o
início das Guerras Napoleônicas (1804-15).
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais são diretrizes
elaboradas pelo Governo Federal que orientam a
educação no Brasil e são separados
por disciplina.
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Sociologia e Filosofia da Educação
Nas escolas que trabalham com educação é importante o
entrosamento da Sociologia com a Filosofia da Educação, que as
duas disciplinas caminhem juntas na produção de saberes. Os fatos
têm de ser estudados junto com os valores, embora a Sociologia
busque a objetividade dos fatos.
Os sociólogos modernos têm de saber distinguir em que
medida seus juízos de valor afetam a atitude científica. Eles têm de
ser imparciais; não podem tomar posição, mas seus valores estão
imbuídos na investigação dos fatos.
A Filosofia deve estabelecer os fins a que se propõe a
educação e os valores desta, ou seja, a educação não é
simplesmente o repasse de informações, é também a formação
humanística do homem, por isso, ela tem valores. E deve também
distinguir quais são os valores permanentes e quais são os
determinados por momentos históricos. Como por exemplo: os
valores de manutenção da vida são permanentes; valores de uma
sociedade de consumo são históricos, são modernos; valores que se
dão à educação sistematizada são modernos e históricos.
A Sociologia da Educação busca na Filosofia os valores a
partir dos quais se elabora a teoria da educação, e volta à Sociologia
para ver como a educação interage na sociedade.
Ela oferece o ponto de partida e de chegada para todo o
conhecimento humano, uma vez que a mesma elabora as perguntas
que angustiam o homem, como também se encarrega de dar as
respostas.
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Sociologia e Psicologia
Na Psicologia, a falta de conhecimento sociológico pode levar
a uma visão deformada dos problemas psíquicos. Tendemos a ver os
problemas como reflexos de uma situação isolada e individual.
Para entendermos a sociedade, temos de entender a psique
humana. O homem é individual e interage com os outros, formando o
social.
À Sociologia cabe integrar um caso isolado do contexto global
em que estão inseridos o indivíduo e sua família, mostrando os
condicionamentos sociais e culturais que explicam a maior parte das
afecções psíquicas do homem.
Sociologia e Ciência Sociais
A Sociologia ocupa-se dos aspectos da vida do homem e seu
relacionamento com os outros homens. O que a distingue das outras
ciências sociais, já que estas também se ocupam do homem sob o
aspecto das relações sociais?
Para começar, toda ciência tem sua particularidade, e a
Sociologia é a única ciência social que se ocupa das relações entre
os homens em seu aspecto mais geral, procurando analisar o
comportamento humano naquilo em que tal comportamento é
afetado pela vida em sociedade, estudando, ao mesmo tempo, o
produto destas inter-relações, que são as instituições sociais.
A Psicologia (do grego Ψυχολογία, transl.
psykhologuía, termo derivado das palavras ψυχή, psykhé, "alma", e λόγος, lógos, "palavra", "razão" ou "estudo") é a ciência que estuda os
processos mentais (sentimentos,
pensamentos, razão) e o comportamento humano e
animal (para fins de pesquisa e correlação, na
área da Psicologia comparada).
As ciências sociais são um ramo do conhecimento
científico que estuda os aspectos sociais do mundo humano. Diferenciam-se das
artes e das humanidades pela
preocupação metodológica. Os
métodos das ciências sociais, como a
observação participante e o
survey, podem ser utilizados nas mais diversas áreas do conhecimento, não apenas na grande
área das humanidades e artes,
mas também nas ciências sociais aplicadas, nas
ciências da terra, nas ciências agrárias, nas ciências biomédicas
etc. Embora polêmica, é comum a distinção entre qualitativos e
quantitativos.
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Economia Política
Ela é uma ciência social porque estuda o homem e suas
relações sociais, mas tem sua particularidade. Ela estuda as relações
que homens estabelecem entre si por imposição de suas
necessidades materiais ligadas à subsistência, como alimentação,
moradia, vestuário etc.
O conceito de Economia Política, segundo o estudioso
Charles Gide, “é o estudo daquelas relações do homem em
sociedade que conduzem à satisfação de suas necessidades, ao seu
bem-estar e que dependem da posse dos objetos materiais”.
A busca da satisfação das necessidades materiais do homem
afeta a ordenação da superestrutura da sociedade. Marx analisou
que para compreender a sociedade, é necessário entender as
relações de produção, baseadas nas forças produtivas existentes
nos modos produção que se organizam em torno das forças
produtivas.
Ciência Política
A Ciência Política estuda, como as outras ciências, a relação
entre os homens, sob o ângulo da organização e da destruição do
poder – o poder dos homens sobre outros homens, que se dissimula
através do Estado. Esse fato impõe-se aos grupos que adquiriram
um mínimo de complexidade em suas relações.
No campo da educação, o conhecimento das Ciências
Políticas nos ajuda a compreender o contexto social dentro do qual
se inserem as instituições educacionais; ajuda-nos a entender de
quem o Estado está a serviço.
Economia é a ciência social que estuda a
produção, distribuição, e consumo de bens e serviços. O termo
economia vem do grego para oikos (casa) e
nomos (costume ou lei), daí "regras da casa (lar).”
15
Em todo o grupo, a educação tem uma política que precisa
ser entendida para que se possam tomar decisões ligadas à
educação.
Antropologia
Antropologia, apesar de ser também uma ciência social, tem
vínculos com a Biologia e com a Arqueologia: a Biologia estuda a
vida; a Arqueologia, os fósseis. A Antropologia estuda o
desenvolvimento do corpo humano e o desenvolvimento cultural
através de tempo. Ela procura explicar como as alterações no mundo
físico influenciam como sócios.
Tanto a Etnografia (estudo do corpo humano descrevendo
raça, religião, língua, costumes etc.) como a Etnologia (estuda a
cultura dos povos naturais) têm contribuído para com a Teoria da
Educação. Como? Estudando as culturas particulares.
Esses estudos derrubam o mito de uma natureza humana que
impediu durante muito tempo o avanço das teorias e dos métodos
educacionais.
Antropologia e a Etnologia têm contribuído para desvendar os
papéis sociais do homem e da mulher: As comparações entre
diferentes comunidades nos mostram que os papéis masculinos e
femininos são socialmente construídos; não são imutáveis; não são
de uma natureza humana. Levantamentos da Etnografia têm nos
mostrado que os papéis tidos por nós como tipicamente masculinos
são desempenhados por mulheres, e vice-versa.
Ciência Política é o estudo da política — dos sistemas políticos, das
organizações políticas e dos processos políticos.
Envolve o estudo da estrutura (e das
mudanças de estrutura) e dos processos de
governo — ou qualquer sistema equivalente de
organização humana que tente assegurar
segurança, justiça e direitos civis. Os
cientistas políticos podem estudar
instituições, como corporações (ou
empresas, no Brasil), uniões (ou sindicatos, no Brasil), igrejas ou outras
organizações cujas estruturas e processos de ação se aproximem
de um governo, em
Antropologia (cuja origem etimológica deriva
do grego άνθρωπος anthropos, (homem /
pessoa) e λόγος (logos - razão / pensamento). É a ciência preocupada com o
fator humano e suas relações.
16
História
A História mantém estreita relação com a Sociologia. Nós
vimos que para entender os aspectos em que surgiu a Sociologia
tivemos de fazer um resgate histórico, embora seus objetos de
estudo sejam distintos.
A História ocupa-se do fato histórico e a Sociologia ocupa-se
dar inter-relação dos indivíduos, que é constante.
A História ajuda a Sociologia da Educação no sentido de
distinguir entre o que precisa ser preservado e o que é inútil. A
grande lição que a história pode nos dar consiste em impedir que se
cometam, de novo, os erros do passado.
Psicologia Social
A Psicologia Social estuda a interação recíproca entre
pessoas e os efeitos que essa interação exerce sobre os
pensamentos, sentimentos, emoções e hábitos dos indivíduos.
Para a Sociologia Educacional, a Psicologia Social contribui
no sentido de permitir entender que os indivíduos que interagem no
processo educativo são seres sociais e, ao mesmo tempo, pessoas,
na sua individualidade. A função da Psicologia Social é neutralizar os
equívocos ditos somente sociológicos ou psicológicos.
História é o estudo do homem no tempo,
concomitante à análise de processos e eventos ocorridos no passado.
Por metonímia, o conjunto destes
processos e eventos. A palavra história tem sua
origem nas «investigações» de
Heródoto, cujo termo em grego antigo é Ἱστορίαι (História).
Todavia, será Tucídides o primeiro a aplicar
métodos críticos, como o cruzamento de dados
e fontes diferentes.
17
Conclusões
O objetivo deste texto é mostrar o objeto de estudo de alguns
ramos do conhecimento que dizem respeito aos homo sócios, e que
as divisões destas áreas são divisões arbitrárias com fins
metodológicos.
Não existe, no homem e nem na sociedade, atuação
compartimentada ou isolada. O comportamento humano é uma
totalidade permanente.
1.3 Para Saber Mais
• Leia o livro Introdução ao Pensamento Sociológico, de Ana
Maria de Castro e Edmundo Fernandes Dias (orgs.) Eldorado.
Esse é um livro muito interessante, pois os osrganizadores procuram,
por meio de textos de autores clássicos (Èmile Durkheim, Max
Weber, Karl Marx, Talcott Parsons) e de alguns de seus
comentadores, dar uma visão panorâmica das principais questões do
conhecimento sociológico.
• O que é Sociologia, de Carlos B. Martins, Brasiliense.
ATIVIDADE 1
Pesquise sobre o Iluminismo e produza um pequeno texto sintetizando as idéias e os principais representantes desse movimento, e compartilhe com seus colegas.
18
1.4 Sugestão de Filme
FILME: Germinal
Trabalhadores Despertos
O título do livro e do filme nos confunde um pouco e, se não
estivermos a par da temática da obra de Émile Zola, que deu origem
ao filme de Claude Berri, podemos passar por esse filme na locadora
sem percebê-lo e sem dar a ele o devido valor. Não nos enganemos:
essa produção do cinema francês merece ser vista e apreciada tanto
pelos amantes da sétima arte, quanto pelos estudiosos da Literatura,
da História, das relações humanas e dos movimentos de
trabalhadores.
"Germinal" refere-se ao processo de gestação e maturação
de movimentos grevistas e de uma atitude mais ofensiva por parte
dos trabalhadores das minas de carvão do século XIX, na França,
em relação à exploração de seus patrões. Nesse período alguns
países passaram a integrar o seleto conjunto de nações
industrializadas ao lado da pioneira Inglaterra, entre os quais, a
França, palco das ações descritas no romance e representadas no
filme.
A forma contundente como as ações ocorrem no filme tornam
a crueza dos acontecimentos extremamente chocante para os
espectadores. No entanto, esse discurso um tanto quanto agressivo
por parte do diretor Berri tem o firme propósito de conclamar os
espíritos da audiência e chamar a atenção para as dificuldades e a
rudeza do mundo operário do século XIX.
Vilipendiado, roubado, esgotado, trabalhando em
condições totalmente impróprias, inseguro, sujeito a acidentes que
O dicionário será uma ferramenta de trabalho importante para você
durante o curso. Por isso, se você ainda não
começou a utilizá-lo, comece a fazê-lo,
pesquisando o significado dos termos “igualitarismo”,
“racionalismo”, “individualismo” e
“secularização”. Utilizem, em suas pesquisas, dicionários da língua
portuguesa e de áreas como Filosofia, Pedagogia,
Sociologia e História.
19
podem ceifar-lhe a vida ou decepar-lhe um braço ou uma perna,
assim nos é mostrado o proletariado francês nas telas. Inserido na
escuridão das minas de carvão, sujo, cumprindo jornadas de 14,
15 ou 16 horas, recebendo salários baixíssimos e tendo de ver
sua família toda encaminhar-se para o mesmo tipo de trabalho e
péssimas condições, pouco resta aos trabalhadores, senão a luta
contra aqueles que os oprimem.
A obra literária é do período que marca o surgimento da
Internacional Comunista. Por isso, há menções a Marx e Engels, e
também ao anarquismo (uma das personagens centrais da trama
assume o discurso dos pensadores que propuseram o anarquismo
até as últimas consequências, mesmo tendo em vista as desgraças
que isso poderia causar naquele contexto específico).
Um trabalho paralelo envolvendo a leitura de trechos
selecionados do livro, sendo monitorado pelos professores da área
de Literatura, acompanhado por uma passagem em Filosofia, pelas
obras dos intelectuais que abordaram os temas das lutas de classes,
e uma elucidativa aula sobre as condições em que se desenvolveu o
movimento trabalhista ao longo do século XIX, na Europa, por parte
do professor de História, fariam com que a compreensão do filme e,
consequentemente, do fenômeno da confrontação entre patrões e
empregados, fosse mais bem assimilada pelos estudantes.
A história do filme gira em torno de uma família que se
encontra nas mencionadas condições de miséria e penúria listadas
nos parágrafos anteriores. O chefe dessa família, vivido pelo
grandalhão Gerárd Depárdieu (considerado um dos melhores atores
franceses de todos os tempos, que também trabalhou em outros
importantes filmes com temática histórica, como "Danton - O
Processo da Revolução", e "1492 - A Conquista do Paraíso"), vê-se,
então, obrigado a tomar providências, e para isso é estimulado pela
chegada de um novo operário, que já possui vivência em termos de
20
criação e fomentação de movimentos reivindicatórios. O primeiro
passo dessa dupla passa a ser, então, criar condições de
sobrevivência para os trabalhadores, tendo-se em vista que uma
greve poderia se prolongar por um longo período de tempo. Por isso,
criam uma caixa de resistência com a qual todos os operários
deveriam contribuir. A diminuição dos salários e o pouco caso dos
patrões em relação à segurança e à saúde dos trabalhadores
aumenta ainda mais as tensões.
Paralelamente à história dos trabalhadores, podemos
acompanhar a burguesia e seu cotidiano de brioches, grandes
refeições, luxuosas residências e total descaso em relação ao mundo
que existe além dos seus portões.
O contraste também é proposital. Tem por objetivo acirrar os
ânimos de quem assiste e fazer com que as pessoas tomem partido
(obviamente dos trabalhadores). Por isso, deve-se destacar, quando
se trabalhar esse filme, a questão ideológica. Como obra que
procurou ser fiel aos acontecimentos do período em que foi escrita, a
perspectiva para os operários não é das melhores.
Uma boa reprodução de época, acompanhada por atuações
convincentes, a escolha acertada das locações onde o filme foi
produzido e a excelente trama que se desenvolve paralelamente às
disputas entre burgueses e trabalhadores tornam o filme uma ótima
pedida para facilitar o estudo dessa difícil e complicada questão.
Assistam!
Ficha Técnica:
País/Ano de produção: França, 1993
Duração/Gênero: 158 min, drama
Disponível em vídeo
21
22
2 AS FORMAS DE PENSAMENTO SOCIAL 23
2.1 O Positivismo como Primeira Forma de Compreensão da Vida Social.
23
2.2 As Correntes Sociológicas 24
2.2.1 Durkheim e o Positivismo-funcionalismo 25
2.2.2 Marx e o Materialismo Histórico e Dialético 30
2.2.3 Weber e o Compreensivismo 35
Atividade 2 38
2.3 Sugestão de Filme 38
23
2 AS FORMAS DE PENSAMENTO SOCIAL
Auguste Comte (1798-1857)
Nasceu em Montpellier, França, de uma família católica e monarquista. Viveu a infância na França napoleônica. Estudou no colégio de sua cidade e depois em Paris, na Escola Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. Devotou seus estudos à Filosofia Positivista, considerada por ele como uma religião, da qual era o pregador. Segundo sua Filosofia Política, existiam, na história, três Estados: um teológico, outro metafísico e, finalmente, o positivo. Este último representava o
coroamento do progresso da humanidade. Sobre as ciências, distinguia as abstratas das concretas, sendo que a ciência mais complexa e profunda seria a Sociologia, ciência que batizou na sua obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, publicada entre 1830 e 1842. Além desta, publicou Discurso sobre o Espírito Positivo, Discurso sobre o Conjunto do Positivismo, Sistema de Política Positiva, Catecismo Positivista e a Síntese Subjeíiva. Morreu em Paris.
2.1 O Positivismo como Primeira Forma de Compreender a Vida
Social
A primeira corrente do pensamento sociológico foi
desenvolvida por Augusto Comte e foi denominado de Positivismo,
que veio para substituir as explicações teológicas pela crença na
razão.
Na visão de Comte, a sociedade era concebida como um
organismo constituído de partes integradas e coesas. Por isso ele foi
chamado de para-organicismo.
A visão positivista de sociedade dá-se com o avanço do
imperialismo europeu do século XIX. Nesse período, os europeus
deparam-se com uma civilização de características rudimentares,
onde predominava a poligamia, a economia agrária, o artesanato, e a
produção doméstica. Para os europeus esse novo mundo teria de ser
transformado para receber o produto industrializado e a mão-de-obra
assalariada. Então, a Europa vê-se na obrigação de civilizar os
incivilizados e, para isso, utilizaram-se da Teoria Evolucionista, de
Charles Darwin, e criaram o darwinismo social, argumentando que as
Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1798-1857). Surgiu com o
desenvolvimento sociológico do Iluminismo
e das crises social e moral do fim da Idade
Média, e do nascimento da sociedade industrial.
Propõe à existência humana valores completamente
humanos, afastando radicalmente a Teologia ou Metafísica. Assim, o Positivismo - na versão contemporânea, pelo menos - associa uma
interpretação das ciências e uma classificação do
conhecimento a uma ética humana,
desenvolvida na segunda fase da carreira de
Comte.
24
sociedades saem de um estágio primitivo para estágios avançados,
que é o capitalismo.
Os cientistas sociais positivistas entendiam que as
sociedades atrasadas eram verdadeiros “fósseis vivos primitivos” em
plena era capitalista.
Apesar do otimismo positivista, o desenvolvimento industrial
fazia surgir a todo o momento novos conflitos sociais e,
consequentemente, a classe trabalhadora passava a manifestar-se,
exigindo mudanças políticas e econômicas nas novas relações
sociais. Para evitar conflito, os filósofos positivistas da época,
desenvolveram as idéias de “ordem e progresso”. O progresso, no
sentido de transformar a sociedade das mais simples para as mais
complexas; e a ordem ajustaria os indivíduos para melhor
funcionamento da sociedade.
O Positivismo buscava justificar, através de um método
científico adequado, os padrões burgueses e industriais da
organização social. Procurava resolver os conflitos por meio da
exaltação à coesão.
As formulações positivistas, apesar de serem organicistas,
mas não terem aspirações divinas, já são o suficiente para perceber
que a sociedade é passível de ser analisada e explicada de outra
forma que não a religiosa.
2.2 As Correntes Sociológicas
A Sociologia não é uma ciência de apenas uma orientação
teórico-metodológica dominante. Ela tem diferentes formas de
analisar a sociedade. As principais, fundadas pelos seus autores
clássicos, as quais podemos citar, não necessariamente em ordem
de importância, são: a Positivista-Funcionalista, tendo como fundador
Auguste Comte e principal expoente clássico em Émile Durkheim –
de fundamentação analítica; a Sociologia Compreensiva, iniciada por
25
Max Weber – de matriz teórico-metodológica-hermenêutico-
compreensiva; e a linha de explicação Sociológica Dialética, iniciada
por Karl Marx, que mesmo não sendo um sociólogo e sequer se
pretendendo a tal, deu início a uma linha árdua de explicação
sociológica.
Estas três formas de análise da sociedade, originadas pelos
seus três principais autores clássicos, influenciaram quase todos os
posteriores desenvolvimentos da Sociologia, levando à sua
consolidação como disciplina acadêmica já no início do século XX,
quando Èmile Durkheim sistematizou seus conteúdos e a implantou
nas Universidades da França.
2.2.1 Durkheim e o Positivismo-funcionalismo
Èmile Durkheim (1858-1917) foi fortemente influenciado pelo
pensamento científico do século XIX. Sua preocupação era delimitar
o objeto e o método da Sociologia. Para ele, somente o sociólogo
seria capaz de perceber a constituição da vida social através de uma
aventura intelectual. Durkheim achava que as leis que regulam os
fenômenos da natureza seriam iguais às leis que regulam a dinâmica
da vida social. Sendo assim, cabe à Sociologia descobrir as leis da
vida coletiva.
Éinile Durkheim (1858-1917)
Nasceu em Epinal, na Al-sácia. Descendente de uma família de rabinos, iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha. Lecionou Sociologia em Bordéus, primeira cátedra dessa ciência criada na França. Transferiu-se em 1902 para a Sorbonne, para onde levou inúmeros cientistas, entre eles, seu sobrinho Mareei Mauss, reunindo-os num grupo que ficou conhecido como “Escola Sociológica Francesa”. Suas principais obras foram: Da Divisão do Trabalho Social; As Regras do Método Sociológico; O Suicídio; Formas Elementares da Vida Religiosa; Educação e Sociologia; Sociologia e Filosofia; e Lições de So-ciologia (obra póstuma). Morreu em Paris.
A Sociologia, na visão de Durkheim, é o estudo dos fatos
sociais que podem ser entendidos como os modos de agir que
exercem sobre o individuo uma coerção exterior e apresentam uma
existência própria, independente das manifestações individuais que
26
possam ter. Durkheim afirmava que os fatos sociais devem ser
considerados como coisas. Ele as chama de coisas pelo fato de
termos uma visão vaga e confusa, além da ilusão de conhecê-los.
Portanto, para livrar-se das pré-noções e dos preconceitos não-
científicos, devemos tratar os fatos sociais como coisas. Coisa para
ele é todo objeto de conhecimento que a inteligência humana não
penetra de modo imediato, necessita do auxílio da ciência. Essa
atitude é tida somente na mente do intelectual.
Os fatos sociais exercem uma força sobre o comportamento
dos indivíduos. É o caso da moda, do casamento, das correntes de
opinião. São situações que exercem uma coerção, uma espécie de
obrigatoriedade sobre o indivíduo.
Os fatos sociais são exteriores à consciência individual e são
coercitivos. Na exterioridade, os próprios homens elaboram as
“maneiras de fazer”, que também são ligadas pelas gerações
anteriores (já encontramos prontas). Fazemos em conjunto com uma
multidão de pessoas que sequer conhecemos, e o resultado final
escapa ao nosso controle. Para que exista um fato social, é preciso
que vários indivíduos tenham misturado suas ações e saia um
resultado novo.
Já o caráter coercitivo dos fatos sociais dá-se pelo fato de
existirem fora de nós, e termos de nos conformar com a sua
existência. Ele age como uma força exterior que atua sobre nós, nos
moldando e nos regulando. Causa-nos uma espécie de sanção, que
pode ser legal ou espontânea. As legais são as sanções prescritas
pela sociedade, e as espontâneas seriam as que afloriam em
decorrência de uma conduta não adaptada à estrutura do grupo ou
da sociedade ao qual o indivíduo pertence.
Ao estudar os fatos sociais o investigador deve ser neutro,
pois eles devem ser estudados como se estivessem fora da
consciência do investigador, para não haver parcialidade entre
sujeito e objeto.
Fato social é qualquer forma de coerção sobre os
indivíduos, que é tida como uma coisa exterior a eles, tendo uma existência
independente e estabelecida em toda a
sociedade, que é considerada, então, como
caracterizada pelo conjunto de fatos sociais
estabelecidos.
27
Durkheim faz a distinção entre consciência individual (psique,
jeito de pensar, agir, entender a vida, a alma do indivíduo) e
consciência coletiva (conjunto de crenças e sentimentos comuns aos
membros de determinada sociedade, que é independente dos
indivíduos – embora só se realize através deste). As duas convivem
juntas em cada indivíduo. Só separamos as duas consciências para
fins de pesquisa científica, tratando os fatos sociais como coisas
exteriores ao indivíduo.
Formas de Solidariedade
Durkheim acreditava que as “espécies” sociais tinham as
mesmas semelhanças das “espécies” vivas, e que poderiam ser
classificadas numa escala evolutiva das mais simples para as mais
complexas.
Ele caracteriza dois tipos extremos de sociedade, que
correspondiam ao nível inferior e ao nível superior da escala
evolutiva. Nelas e estariam a solidariedade mecânica e a
solidariedade orgânica.
Solidariedade Mecânica: O Princípio das Semelhanças
Nas sociedades arcaicas – primitiva e feudal – a consciência
coletiva exercia um papel preponderante para a integração social.
Nelas, as pessoas uniam-se a partir de semelhanças na religião, na
tradição, nos sentimentos, nas crenças. Todos exercem
aproximadamente as mesmas atividades, observam os mesmos
costumes, cultuam os mesmos deuses. Os seja, o que unia as
pessoas não era a dependência uns dos outros, mas o fato de terem
sentimentos comuns.
Este tipo de solidariedade tende a declinar nas sociedades
modernas.
Solidariedade Mecânica, para Durkheim, era
aquela que predominava nas sociedades pré-
capitalistas, onde os indivíduos se
identificavam através da família,
da religião, da tradição e dos
costumes, permanecendo, em
geral, independentes e autônomos em
relação à divisão do trabalho social.
A consciência coletiva aqui
exerce todo seu poder de coerção
sobre os indivíduos.
28
Solidariedade Orgânica: Princípio da Diferenciação
Neste tipo de solidariedade a integração é realizada
a partir da diferenciação entre os indivíduos e os grupos no
interior da sociedade. As pessoas se unem a partir da
dependência que umas têm das outras para realizar
determinada atividade social. Todos têm sua individualidade
e cada uma age de acordo com sua vontade. A divergência
não põe em risco o grupo.
Então, por que as sociedades passaram de um
modelo de solidariedade que predominava a integração
para um modelo de sociedade que tem como princípio a
diferença? Qual a causa da solidariedade orgânica? A
resposta está na divisão social do trabalho.
Mas o que levou à divisão social do trabalho? A
busca da felicidade, não foi. Porque não há provas de que
nas sociedades modernas os homens sejam mais felizes do
que nas sociedades arcaicas.
Para Durkheim a divisão é um fenômeno social
decorrente de uma combinação do volume, densidade
material e moral da sociedade.
Volume é o número de indivíduos. Mas só volume
não explica a diferenciação social; é preciso acrescentar a
densidade material e moral.
Densidade do material é o número de indivíduos em
determinado território; densidade moral é a intensidade das
comunicações e trocas entre esses indivíduos.
A diferenciação social resulta da combinação dos
fenômenos do volume e das densidades material e moral.
Solidariedade Orgânica é aquela
típica das sociedades
capitalistas, onde, através da acelerada divisão do trabalho social, os indivíduos
tornavam-se interdependentes.
Essa interdependência ga-rante a união social,
em lugar dos costumes, das tradi-
ções ou das relações sociais
estreitas. Nas sociedades ca-
pitalistas, a consciência coletiva afrouxa-se. Assim,
ao mesmo tempo que os indivíduos são mutuamente de-pendentes, cada
qual se especializa numa atividade e
tende a desenvolver maior autonomia
pessoal.
29
Para explicar esse mecanismo, Durkheim invoca o conceito
de “luta pela vida” (quanto mais numerosos somos, mais intensa é a
luta pela vida).
Então, a diferenciação social é a solução pacífica da luta pela
vida. Ao invés de alguns serem eliminados para que outros
sobrevivam (como fazem os animais), a diferenciação social faz com
que um número maior de indivíduos sobreviva, diferenciando-se.
Como somos diferentes, cada um contribui com seu papel para a
vida de todos.
A Sociologia Diante do Caso Patológico e da Anomia
Durkheim admitia que o capitalismo é bom, e a sociedade é
perfeita. Contrapondo-se ao pensamento socialista, dizia ele, basta
apenas conhecer os seus problemas e buscar uma solução científica
para eles. Porque os problemas sociais entre empresários e
trabalhadores não se resolveria dentro de uma luta política e sim,
através da ciência, ou melhor, da Sociologia. Seria tarefa do
sociólogo compreender o funcionamento da sociedade de modo
objetivo, por observar, compreender e classificar as leis sociais,
descobrir as falhas e corrigi-las por outras mais eficientes.
O autor acreditava que os problemas sociais tivessem suas
origens na crise moral, isto é, no estado social em que várias regras
de conduta não estão funcionando. A esse estado de crise social
Durkheim denomina de caso patológico. Por outro lado, os
problemas sociais podem ter sua origem também na ausência ou
insuficiência de normatização das relações sociais, e que, por sua
vez, caracteriza-se como anomia.
Frente ao caso patológico (regras sociais falhas), cabe à
Sociologia captar suas causas, procurando evitar a anomia (crise
total), através da criação de uma nova moral social que supere a
velha moral e seja eficiente.
30
Sabendo que a sociedade capitalista está cheia de
problemas, Durkheim admitia que o Estado fosse uma instituição que
teria o poder de elaborar leis que corrigissem os casos patológicos
da sociedade.
Karl Marx(1818-1883)
Nasceu na cidade de Tre-ves, na Alemanha. Em 1836, matriculou-se na Universidade de Berlim, doutorando-se em Filosofia, em lena. Foi redator de uma gazeta liberal em Colónia. Mudou-se em 1842 para Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu companheiro de ideias e publicações por toda a vida. Expulso da França em 1845, foi para Bruxelas participar da recém-fundada Liga dos Comunistas. Em 1848, escreveu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, obra fundadora do "marxismo", enquanto movimento político e social a favor do proletariado. Com o malogro das revoluções sociais de 1848, Marx mudou-se para Londres, onde se dedicou a um grandioso estudo crítico da economia política. Marx foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Operários ou Primeira Internacional. Morreu em 1883, após intensa vida
política e intelectual. Suas principais obras foram: A Ideologia Alemã; Miséria da Filosofia; Para a Crítica da Economia Política; A Luta de Classes em França; O capital.
2.2.2 Marx e o Materialismo Histórico e Dialético
Marx observava as transformações que ocorriam na
sociedade de sua época. Transformações essas que causaram
miséria e sofrimento na classe trabalhadora, enquanto que a
burguesia se elevava à condição de classe dominante.
Para entender essas transformações que ocorreram na
sociedade capitalista, Marx julgou necessário entender como a
história humana funciona, desde os primórdios da civilização. Para
ele, a história da humanidade é a história da luta de classes. A luta
de classe é o motor da história.
31
Max e seu companheiro Engels escreveram que a história
humana é a história da relação dos homens com a natureza e dos
homens entre si.
A primeira condição para o homem viver é ter de comer; e
para ter de comer, tem de trabalhar; e ao trabalhar, ele relaciona-se
com a natureza e com os outros membros da sociedade.
No processo de produção da vida material, o homem
desenvolveu formas de relacionar-se com a natureza que se
intensificaram ao longo da história. A essa forma Marx chamou de
forças produtivas.
As forças produtivas foram desenvolvendo-se à medida que o
homem passou a organizar a produção junto a seus semelhantes,
distribuindo tarefas, benefício entre os membros da sociedade. Foi
este o ponto de partida do processo de divisão do trabalho, sendo
primeiro a divisão social do trabalho, depois a agricultura e a
domesticação de animais, campo, a cidade, a indústria e o comércio.
Durante o processo produtivo o homem nunca está sozinho;
ele relaciona-se com seus pares, pois a intervenção do homem na
produção não é isolada, antes, reveste-se de um caráter social. A
esse conjunto de relações Marx denominou de relação de produção.
As relações de produção transformam-se com a alteração e o
desenvolvimento das forças produtivas a que estão organicamente
ligadas e, por sua vez, agem sobre o desenvolvimento dessas
mesmas forças. Ao produzirem bens necessários à vida, os homens
criam determinadas relações espontâneas, independentes de sua
vontade e consciência, que correspondem às etapas de
desenvolvimento das forças produtivas.
Forças Produtivas – São as forças de que se vale a sociedade sobre
a natureza para produzir sua existência.
Modo de produção, em economia
marxista, é a forma de organização sócio-econômica associada a uma determinada
etapa de desenvolvimento das forças produtivas e
das relações de produção. Existem 7 modos de produção: Primitivo, Asiático, Escravista, Feudal,
Capitalista, Comunista e
socialista.
32
As relações de propriedade são, portanto, a base das
desigualdades sociais, na medida em que a divisão do trabalho
possibilita a existência de homens que trabalham para os outros, por
que o fazem com os meios dos outros; e de homens que não
trabalham porque têm meios e podem fazer com que os outros
trabalhem para si.
Cada época histórica possui um conjunto de forças produtivas
desenvolvidas e, ao mesmo tempo, um conjunto de relações sociais
e produção, que são o modo pelo qual os homens assumem o
controle sobre as forças produtivas.
As grandes transformações pelas quais passou a história da
humanidade foram as transformações de um modo produção para
outro. São eles: o modo de produção escravista, o feudal e o
capitalista, com suas diferentes formas de organização da
propriedade como a de escravidão, de servidão e de assalariamento.
Dessas diferentes relações de propriedade surgem as classes
sociais, e as transformações dão-se por causa da luta de classes em
cada época.
As relações sociais de produção funcionam como forma de
desenvolvimento das forças produtivas, mas chega um momento em
que as forças não mais conseguem se desenvolver; abre-se aí um
período de convulsão social, onde as relações vigentes são
contestadas, ocasionando a revolução que leva à passagem de um
modo de produção a outro
Dialética
Engels afirmava que a Dialética considera as coisas e os
conceitos no seu encadeamento: suas relações mútuas, sua ação
33
recíproca e as decorrentes modificações mútuas, seu nascimento, o
desenvolvimento, sua decadência.
A Dialética tem três características:
A primeira é que tudo se relaciona – lei da ação recíproca: a
natureza é um todo unido, coeso, em que os objetos e os fenômenos
estão intimamente ligados entre si, dependentes uns dos outros, e
condicionando-se reciprocamente.
A segunda característica é que tudo se transforma -
desenvolvimento incessante: nem a natureza, nem a sociedade
estão em repouso; elas estão sempre em mudanças, e sempre em
relação. Realidade e natureza é processo, é movimento.
E por fim, a terceira característica é a luta dos contrários –
contradição: tudo tem um lado positivo e um negativo; um passado e
um futuro; o que aparece e desaparece; existe o velho e o novo; o
que morre e o que nasce; o que parece o que evolui. Um exemplo
típico é que com o estudante de Sociologia há uma luta entre a sua
falta de conhecimento sociológico e a vontade de saber.
Essa teoria é para mostrar que a sociedade humana é
produto de uma luta entre nossos ancestrais e a natureza cujo
conteúdo dessa luta foi e continua sendo o trabalho.
As Formas de Consciências
Marx se propõe explicar que a consciência está ligada às
condições materiais da vida, ou seja, ao intercâmbio econômico entre
os homens. Mas a consciência que os homens têm dessa relação é
falsa. As idéias, as concepções sobre como funciona o mundo são
representações que os homens fazem a respeito de suas vidas, são
A palavra alienação tem várias definições: cessão de bens; transferência de
domínio de algo; perturbação mental, na
qual se registra uma anulação da
personalidade individual; arrombamento de
espírito; loucura. A partir desses significados, traçam-se algumas
diretrizes para melhor analisar o que é a
alienação, e assim, buscar alguns motivos pelos quais as pessoas
se alienam. Ainda assim, os processos alienantes da vida humana foram tratados de maneira
atemporal, defraudada, abstraídas de processos
sócio-econômicos concretos. A alienação
trata-se do mistério de ser ou não ser, pois uma
pessoa alienada carece de si mesmo, tornando-se
sua própria negação.
34
apenas aparências. Essas representações implicam, num primeiro
momento, em uma falsa consciência, uma consciência invertida.
A percepção da aparência e o entendimento de suas
conseqüências para cada um ficam bloqueados pelo modo como os
indivíduos adquirem consciência do mundo social em que nasce,
cresce e morre.
A realidade cotidiana só lhe ensinou que tem de trabalhar e
receber seu salário para viver. Se o trabalho sempre foi o meio
através do qual o homem se relacionou com a natureza para retirar o
seu sustento, no sistema capitalista, ele é compreendido como algo
que não pertence a este ser humano, e aí o indivíduo torna-se
alienado, adquirindo uma falsa consciência do mundo em que vive.
Como consequência, o trabalho alienado e a dominação de uma
classe sobre outra é visto como algo natural, porque o processo
histórico real é ocultado pela ideologia, ou seja, por um sistema
ordenado de idéias e concepções, de normas e de regras que
obrigam os homens a comportarem-se segundo a vontade do
sistema, como se estivessem se comportando segunda a sua própria
vontade.
Se a exploração econômica e a opressão política do homem
pelo homem sempre houve em todas as sociedades, no capitalismo
essa opressão dá-se de forma dissimulada, a ponto tal que a classe
trabalhadora pensa com a cabeça da classe dominante, ou seja, as
idéias dominantes são as idéias da classe dominante.
No modo de produção capitalista, o proprietário dos meios de
produção compra força de trabalho da classe trabalhadora, e nessa
relação ocorre a mais-valia, ou seja, o patrão não remunera todo o
trabalho realizado pelo operário, mas apenas parte dele; a outra
parte é apropriada pelo capitalista.
Ideologia é um termo usado no senso comum contendo o sentido de
"conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e,
principalmente, políticas". A ideologia,
segundo Karl Marx, pode ser considerada um
instrumento de dominação que age
através do convencimento (e não da
força), de forma prescritiva, alienando a consciência humana e
mascarando a realidade.
Mais-valia é o nome dado por Karl Marx à
diferença entre o valor produzido pelo
trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base da
exploração no sistema capitalista.
35
Marx e Engels achavam que chegaria o momento em que as
forças produtivas entrariam em contradição, e aí se abre uma época
de revolução social e política, fazendo com que surgisse outro tipo de
sociedade, sem exploradores e inexplorados, sem a alienação, sem
ideologia, sem classes sociais, e sem Estado. Seria o comunismo.
Max Weber (1964 – 1920)
Foi na cidade de Erfurt que nasceu Max Weber, numa família de burgueses liberais. Desenvolveu estudos de Direito, Filosofia, História e Sociologia, constantemente interrompidos por uma doença que o acompanhou por toda a vida. Iniciou a carreira de professor em Berlim e, em 1895, foi catedrático em Heidelberg. Manteve contato permanente com intelectuais de sua época, como Simmel, Sombart, Tõnnies e Georg Lukács. Na política, defendeu ardorosamente seus pontos de vista liberais e parlamentaristas, e participou da comissão redatora da Constituição da República de Weimar. Sua maior
influência nos ramos especializados da Sociologia foi no estudo das religiões, estabelecendo relações entre formações políticas e crenças religiosas. Suas principais obras foram: Artigos Reunidos de Sociologia da Religião; Artigos Reunidos de Teoria da Ciência; Economia e Sociedade (obra póstuma); e A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Morreu em Munique
2.2.3 Weber e o Compreensivismo
Weber teve uma contribuição importantíssima para o
desenvolvimento da Sociologia. Herdeiro de uma tradição filosófica
diferente e vivendo os problemas da Alemanha, diversos dos da
França e Inglaterra na mesma época, pôde trazer uma nova visão
que não descendia nem de ideais políticos, nem de racionalismo
positivista de origem anglo-francesa.
Diferentemente de Durkheim, Weber tem como preocupação
central compreender o indivíduo e suas ações. Segundo ele, a
O Comunismo é uma ideologia e um sistema econômico que tem por
objetivo a criação de uma sociedade sem classes, baseada na propriedade comum
dos meios de produção, com a
consequente abolição da propriedade privada, sob tal
sistema, o Estado não teria necessidade de existir e seria extinto.
36
sociedade existe concretamente, não é algo externo acima das
pessoas, é sim, o conjunto das ações individuais, relacionando-se
reciprocamente. Durkheim afirmava que o indivíduo é produto da
sociedade. Quando nós nascemos, a sociedade já existe e vai nos
moldar através de um processo educacional chamado de
socialização. Já Weber diz que a sociedade é formada por
indivíduos, que na sua individualidade se relacionam com seus
pares, formando a sociedade.
As representações (Estado, a igreja, a família) são o
desenvolvimento e entrelaçamento de ações específicas de pessoas
individuais, e para se compreender como se encadeia esse
entrelaçamento de ações, Weber desenvolveu o conceito de ação
social para estruturar a Sociologia como uma ciência compreensiva.
O objeto das Ciências Sociais é decifrar o sentido da ação
social, ou seja, as ações humanas, e a única maneira de estudar
esse objeto é tendo a compreensão de como se desenvolvem essas
ações.
O ponto de partida é a ação social. Weber, ao analisar o
modo como os indivíduos agem e, levando em conta a maneira como
eles orientam suas ações, agrupou as ações individuais em quatro
grandes tipos, a saber:
- Ação social racional com relação a fins: nesse tipo de ação,
o indivíduo pensa antes de agir em uma situação dada; ele calcula os
custos e benefícios que terá realizando ou não a ação.
- Ação social racional com relação a valores: fundamenta-se
em convicções, tais como o dever, a dignidade, a beleza, a
sabedoria, a piedade ou a transcendência de uma causa. São os
valores que estão impregnados na sociedade.
AÇÃO SOCIAL – È toda ação que o
indivíduo desenvolve quando leva em
consideração os outros indivíduos.
37
- Ação social afetiva: esta ação tem por fundamento os
sentimentos de qualquer ordem. O que importa nesta ação é dar
vazão às paixões momentâneas.
- Ação tradicional: tem por base os costumes arraigados, a
tradição familiar ou um hábito. É um tipo de ação que se adota quase
automaticamente, reagindo a estímulos habituais.
Reparem que no dia a dia, esses tipos de ações sociais não
aparecem separadamente. As razões se misturam. Mas o método de
Weber consiste em isolar esses tipos “puros” de comportamentos,
que não existem, servem apenas como referência pelos sociólogos
para analisar a realidade social.
Vamos compreender como funciona a metodologia de Weber,
através da metodologia compreensivista. Para isso, temos de seguir
alguns passos.
O primeiro passo é construir um tipo ideal “puro” (o tipo é uma
construção mental, feita na cabeça de investigadora, a partir de
vários exemplos históricos. Ele é um exagero de perfeição que
jamais será encontrado na vida prática).
No segundo passo, selecione o aspecto a ser investigado no
mundo social que o cerca.
No terceiro passo, compare o mundo social empírico com o
tipo ideal que você construiu na sua mente.
No quarto passo, à medida que você compara, a realidade
apresenta-se para você, aproximando-se ou distanciando-se do tipo
puro que você imaginou, ou seja, revelando-se em seu caráter mais
complexo.
Na F, Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais)
formadoras das idéias, discordando, portanto,
da noção de idéias inatas. Na ciência, o
empirismo é normalmente utilizado
quando falamos no método científico tradicional (que é
originário do empirismo filosófico), o qual
defende que as teorias científicas devem ser
baseadas na observação do mundo,
em vez da intuição ou fé.
38
É assim que a ação social com relação a fins serve – para
que se possa avaliar o alcance daquilo que é irracional. Então,
chegamos a um entendimento melhor do que seja a Sociologia
chamada de Compreensiva, que é aquela que se refere à análise de
comportamentos movidos pela racionalidade dos sujeitos com
relação aos outros.
ATIVIDADE 2
Neste capítulo, examinamos conceitos utilizados por
diferentes autores na análise da relação dos indivíduos na
sociedade: classe social (Marx), consciência coletiva e anomia
(Durkheim), ação social (Weber). Qual desses conceitos poderia nos
ajudar na interpretação do comportamento de nossa sociedade?
Produza um texto e compartilhe com seus colegas.
2.3 Sugestão de Filme
Este filme é indicado para a compreensão sobre socialização
na discussão apresentada por Durkheim
Kaspar Hauser (provável 30 de Abril de 1812 – 17 de dezembro
de 1833, em Ansbach, Mittelfranken) foi uma criança abandonada,
envolta em mistério, encontrada na praça Unschlittplatz, em
Nuremberg, Alemanha do século XIX, com alegadas ligações com a
família real de Baden.
VIDA
Hauser passou os primeiros anos de sua vida aprisionado
numa cela, não tendo contato verbal com nenhuma outra pessoa,
fato esse que o impediu de adquirir uma língua. Porém, logo lhe
foram ensinadas as primeiras palavras, e com o seu posterior contato
39
com a sociedade, ele pôde, paulatinamente, aprender a falar, da
mesma maneira que uma criança o faz. Afinal, ele havia sido
destituído somente de uma língua, que é um produto social da
faculdade de linguagem, não da própria faculdade em si. A exclusão
social de que foi vítima não o privou apenas da fala, mas de uma
série de conceitos e raciocínios, o que fazia, por exemplo, com que
Hauser não conseguisse diferenciar sonhos de realidade durante o
período em que passou aprisionado.
Hauser, supostamente com quinze anos de idade, foi deixado
em uma praça pública de Nuremberg, em 26 de maio de 1828, com
apenas uma carta endereçada a um capitão da cidade explicando
parte de sua história, um pequeno livro de orações, entre outros itens
que indicavam que ele provavelmente pertencia a uma família da
nobreza.
Entre as idiossincracias originadas pelos seus anos de
solidão, Hauser odiava comer carne e beber álcool, já que
aparentemente havia sido alimentado basicamente por pão e água.
Aprendeu a falar, a ler e a comportar-se, e a sua fama correu a
Europa, tendo ficado conhecido à época como o "filho da Europa".
Obteve um desenvolvimento do lado direito do cérebro notadamente
maior que o do esquerdo, o que teoricamente lhe proporcionou
avanços consideráveis no campo da música.
Hauser foi assassinado com uma facada no peito, em
dezembro de 1833, nos jardins do palácio de Ansbach. As
circunstâncias e motivações, ou autoria do crime jamais foram
esclarecidas, apesar da recompensa de 10.000 Gulden (c.
180.000,00 Euros), oferecida pelo rei Luís I, da Baviera.
A sua história foi representada no filme de Werner Herzog,
"Jeder für sich und Gott gegen alle" (em língua portuguesa, "Cada
um por si e Deus contra todos"), de 1974, lançado no Brasil com o
título "O Enigma de Kaspar Hauser".
40
41
3 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA MARXISTA, DURKHEIMIANA E WEBERIANA
42
3.1 Educação em Marx 42
3.2 Educação em Durkheim 44
3.3 Educação em Weber 45
Atividade 3 47
42
3 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA MARXISTA,
DURKHEIMIANA E WEBERIANA
3.1 A educação em Marx
O tema da educação não ocupou o lugar central na obra de
Marx. Ele não formulou explicitamente uma teoria da educação,
muito menos princípios metodológicos e diretrizes para o processo
ensino-aprendizagem. Observamos que sua principal preocupação
fora o estudo das relações sócio-econômicas e políticas e o seu
desenvolvimento no processo histórico. Entretanto, a questão
educacional encontra-se inevitavelmente enredada em sua obra.
Existem alguns textos que Max, juntamente com Engels, redigiu
sobre a formação e o ensino em que a concepção de educação está
articulada com o horizonte das relações sócio-econômicas daquela
época. É por isso que, antes de fazer algumas considerações sobre
educação, foi necessário passar pelo seu modo de compreender a
sociedade.
A educação, na sociedade capitalista é, segundo Marx e
Engels, um elemento de manutenção da hierarquia social. A
igualdade política é algo meramente formal e não passa de uma
ilusão, visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca.
No entanto, uma das possibilidades de viabilizar a superação
das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside
na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles
designam ensino politécnico ou formação ominilateral. Por meio
dessa educação omnilateral o ser humano desenvolver-se-á numa
perspectiva abrangente, isto é, em todos os sentidos. A integração
entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação
crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade,
segundo Marx, deve dar-se desde a infância. O tripé básico da
educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral),
43
desenvolvimento físico (ginástica e esportes) e aprendizado
profissional polivalente (técnico e científico).
Marx e Engels não só indicaram frequentemente que o
trabalho físico sem elementos espirituais destrói a natureza humana
como, também, que a atividade intelectual à margem do trabalho
físico conduz facilmente aos erros de um idealismo artificial e de uma
abstração falsa. Logo, a união entre os dois dá um caráter integral à
educação e tomará o lugar da formação unilateral, especializada e
alienada.
Assim, o ensino aparece como instrumento para o
conhecimento e também para a transformação da sociedade e do
mundo. Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O
proletariado, por si só, não conquista sua consciência de classe, sua
consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado desde o
início dos meios que lhe permitem consegui-lo. Por isso, há a
necessidade de um processo educativo pautado em um projeto
político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande
maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos
educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são
decisivos para construção da consciência de classe do trabalhador.
Acreditamos que é extremamente pertinente a concepção
educativa de Marx e Engels, visto que a sua proposta recupera o
sentido do trabalho enquanto atividade vital em que o homem
humaniza-se sempre mais, ao invés de alienar-se, e a educação é
concebida não como instrumento de dominação e manutenção do
status quo, mas como processo de transformação dessa situação.
A obra desses autores constitui uma crítica fundamental à
concepção da burguesia sobre o ser humano e a educação. Às
concepções metafísicas e idealistas, que são fundamentalmente
conservadoras, estes pensadores opõem a concepção materialista,
“O novo homem comunista deveria ser educado de tal modo
que ele pudesse de fato superar a divisão do
trabalho que o dominara sob o
capitalismo. Não seria suficiente a revolução política e o controle do poder do Estado pelos
operários para socializar os meios de
produção. Seria necessário que, ao
socializar os meios de produção, a nova forma
de organização industrial encontrasse homens preparados
para desempenhar um trabalho que não fosse
alienado, parcial, restrito de suas
potencialidades.”
44
histórica e dialética, isto é, no interesse pelo ser humano real em
carne e osso, por seus problemas enquanto vivem em sociedade,
visando a uma transformação positiva e o humanizante. Esta
concepção dialético-histórica do ser humano toma como premissa
fundamental o fato de ele não ser um dado, mas é essencialmente
um “construir-se”. Deste modo, a educação deve vir para corroborar
essa construção que não é meramente teórica ou abstrata, mas real,
prática.
Na sociedade capitalista contemporânea, a educação
reproduz o sistema dominante tanto ideologicamente quanto nos
níveis técnico e produtivo. Na concepção socialista, a educação
assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser
humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação
omnilateral é o que continua fazendo falta à nossa sociedade. O
atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que
se diz sobre reprodução, exclusão e dominação.
3.2 Educação em Durkheim
Para Durkheim, a educação é essencialmente um processo
pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade. Educação e
socialização.
“É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos
como queremos”, sentencia Durkheim, no seu livro Educação e
Sociologia. Existem certos costumes, certas regras, que devem ser
obrigatoriamente transmitidas no processo educacional, gostemos
deles ou não. Se não fizermos isso, a sociedade vingar-se-á de
nossos filhos, pois não estarão em condição de viver em meio aos
outros, quando adultos. A cada momento histórico, acredita
Durkheim, existe um tipo adequado de educação a ser transmitida.
Idéias educacionais muito ultrapassadas ou muito à frente das do
tempo, diz nosso sociólogo, não são boas porque não permitem que
Para Durkheim, a “educação é a ação
exercida pelas gerações adultas
sobre as gerações que não são
encontradas ainda preparadas para a vida social; tem por
objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo
número de estados físicos, intelectuais e morais, relacionados
pela sociedade política, no seu
conjunto, e pelo meio moral a que a
criança, particularmente, se
destine”.
45
o indivíduo educado tenha uma vida normal, harmônica com seus
contemporâneos.
Mas se, como dissemos antes, as sociedades modernas são
muito diferenciadas, devido à divisão do trabalho social, como seria
possível um único tipo adequado de educação para todos? Ora, não
seria possível. Para Durkheim, a educação adequada é educação
própria ao meio moral que cada um compartilha. Nas sociedades
complexas existem muitos meios morais, conforme a divisão em
classes, em castas, em grupos, em profissões etc. Assim, não existe
uma educação única para que todos aprendam a ser membros da
sociedade. Você aprende a ser um membro da sua classe, no seu
grupo, de sua casta, de sua profissão, enfim, no seu meio moral.
Este é o modo específico, particular, pelo qual você se torna membro
da sociedade. Isto não é algo que esteja disponível em sua
abrangência total para todas as pessoas. Socializar-se é aprender a
ser membro da sociedade, e aprender a ser membro da sociedade é
aprender seu devido lugar nela. Só assim é possível preservar a
sociedade. Preservá-la inclusive de sua própria diferenciação.
É isso que nos permite viver em sociedade; é isso que
permite que a sociedade viva em nós; e é isso que permite à
sociedade continuar viva: sermos iguais e diferentes ao mesmo
tempo. Só a educação pela qual passamos é capaz de fazer assim.
E é por isso que educação é um processo social.
3.3 A Educação em Weber
Segundo Weber, a história humana é um processo crescente
de racionalização da vida, ou seja, é o abandono de concepções
mágicas e tradicionais que justificavam o comportamento dos
homens.
46
Para ele, o que constitui a sociedade é a ação e a interação
dos indivíduos. Quanto mais complexas forem as sociedades, mais
conflitivas tendem a ser as interações entre indivíduos e grupos, uma
vez que maiores serão as constelações de interesses. Então, o
Estado veio para regular o conflito através da dominação de uns
sobre os outros.
O exercício da autoridade do Estado depende de um quadro
administrativo, hierarquizado e profissional que se caracteriza pela
existência de uma burocracia. Nesse sentido é que a educação é o
modo pelo qual determinados tipos de homens são preparados para
exercer as funções de racionalização.
Segundo Weber, a educação sistemática passou a ser um
pacote de conteúdos e de disposições voltados para o treinamento
de indivíduos que tivesse de fato condições de operar essas novas
funções, de “pilotar” o Estado, as empresas e a própria política, de
um modo racional.
A racionalização e a burocratização alteraram radicalmente o
modo de educar. Então, a burocracia estatal e a empresa capitalista
precisam de profissionais para isto.
A educação, para Weber, não é mais, então, a preparação
para que o membro do todo orgânico aprenda a sua parte do
comportamento harmônico do organismo social, como propôs do
Durkheim. Nem é, tampouco, vista com possibilidades de
emancipação com base na ruptura com a alienação, como propôs
Marx. Ela passa a ser, na medida em que a sociedade se racionaliza
historicamente, o fator de estratificação social, um meio de distinção,
de obtenção de honras, de prebendas, de poder e de dinheiro.
Weber vê a educação dirigida três tipos de finalidades: a de
despertar o carisma, preparar uma conduta de vida e transmitir
conhecimentos especializados. As duas primeiras fogem à nossa
Enquanto que Marx via na educação a possibilidade de romper com a
escravidão do ser humano, Weber vê
na educação a possibilidade de desenvolver o talento do ser
humano, em nome da preparação para obtenção de poder
e dinheiro.
47
racionalização; portanto, a terceira, por ser a racional, torna-se a
pedagogia do treinamento.
Com a racionalização da vida social e a crescente
burocratização do aparato público de dominação política e das
grandes corporações capitalistas privada, a educação passa a ter a
finalidade de um preparo especial com o objetivo de tornar o
indivíduo um perito.
ATIVIDADE 3
Com base na visão dos autores sobre o papel da educação, comente
no fórum a sua visão de educação, destacando a sua preferência em
uma das análises anteriores.
48
49
4 A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA
50
4.1 Para que Estudar Sociologia da Educação 50
4.2 A Sociologia da Educação: Entre o Funcionalismo e o Pós-modernismo
55
4.3 A Função da Escola na Sociedade Capitalista 63
4.4 Educação como Processo Socializador: Função Diferenciadora e Função Homogeneizadora
67
4.5 Explicações Sociológicas para o Contexto Brasileiro e seus Reflexos na Educação
72
Atividade 4 87
4.6 A Escola como Espaço Sócio-Cultural 94
4.7 Referência Bibliográfica 128
50
4 A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA
SOCIOLÓGICA
4.1 Para que Estudar Sociologia da Educação?
No artigo “Sociologia da Educação: para quê?” O autor
Cristian Baudelot faz um questionamento: é útil ou inútil ensinar
Sociologia da Educação aos futuros professores? O sociólogo
francês Èmille Durkheim foi o primeiro a formular este
questionamento há mais de um século. E a essa pergunta ele deu
respostas teóricas e práticas.
Durkheim era um erudito e militante da educação. Ele tinha
um interesse enorme pela educação por dois motivos: como
intelectual que era, ele via na educação o principal mecanismo de
socialização dos jovens; ele também tinha interesse em desenvolver
uma moral laica, isso porque a moral existente na época era
impregnada de dogmas religiosos, e esses dogmas não mostravam a
realidade de forma objetiva e racional, como preconizava Durkheim,
ao entender a sociedade cientificamente.
Durkheim via na disciplina Sociologia da Educação a ciência
destinada aos futuros professores, uma forma de proceder a uma
análise objetiva do sistema de ensino, sua história, suas funções,
seus conteúdos, seus ideais. Isso para se obter dois resultados:
primeiro, manter a educação moral na educação primária. E uma
moral laica, racionalista e sociológica, embasando os professores de
conhecimentos sobre os sistemas de ensino para que eles mesmos
possam transformá-los, sabendo o que estão fazendo.
A partir dessa nova visão da realidade social, a sociedade
passaria a ter uma nova fé, a fé na racionalidade, na objetividade dos
fatos, desarmados de dogmas religiosos, para que se tenha uma
nova opinião que não seja uma inculcada de cima para baixo, sem
questionamentos. Mas Durkheim sabia que isso não seria tarefa fácil
O laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado
das igrejas e comunidades religiosas,
assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa.
Não deve ser confundida com o ateísmo de
Estado.
51
para a Sociologia da Educação, porque ele conhecia a resistência
que oferecia a realidade social. Afinal de contas, quando as pessoas
nascem, a realidade já existe; e essa realidade vai atuar sobre o
individuo. E fazer o inverso não seria tarefa fácil.
A Sociologia da Educação seria a disciplina que deveria
introduzir no desenvolvimento da sociedade uma alta consciência de
si através da educação. Então, professores bem preparados teriam
esse papel de conscientização. Daí a utilidade do ensino da
Sociologia da Educação aos futuros professores.
Mas segundo Cristian Baudelot, a Sociologia da Educação
adormeceu um bom período, votando a renascer nos anos 60, com a
pesquisa de alguns sociólogos na área da educação.
A Sociologia moderna, diferente da Sociologia durkheimiana,
vê os estudantes como o centro das análises: suas origens de
classes, os diferentes resultados escolares, as diferenças sociais.
Essa nova Sociologia analisa o público escolar que vem de origens
diferentes e que ocuparão postos diferentes na divisão social do
trabalho. Estes alunos que ocuparão postos diferenciados serão
justificados por alguns autores como consequência da natureza
humana como dom e o mérito; outros acham que é normal essa
desigualdade social, devido à lei da reprodução da sociedade. Mas
todos percebem a diferenciação sócio-profissional.
Legitimidade de um Balanço
Diante dessa realidade, faz necessário levantar o seguinte
questionamento: os conhecimentos sociológicos da educação
levaram a alguma transformação no funcionamento escolar? Todos
esses conhecimentos sociológicos dos últimos anos mudaram algo
52
na escola, uma vez que a ética de todo sociólogo, que estuda
cientificamente a sociedade é combater as desigualdades sociais?
Então o autor argumenta que é em função desse balanço que
saberemos se é o útil ou não ensinar Sociologia da Educação aos
futuros professores. Para isso, ele nos convida a fazer uma
abordagem, fazendo referência às diferenças de classes.
A abordagem remete à percepção de que a escolarização
obrigatória ampliou-se: há mais pessoas com diplomas certificados
de estudo em todos os níveis.
Mas isso não é a democratização do acesso ao ensino.
Porque esse acesso é aos diferentes diplomas para crianças de
diferentes classes sociais: filhos de operários e camponeses têm
acesso a certificados primários e de habilidades profissionais; e aos
filhos da classe média e alta, o acesso dado é ao ensino superior. Os
diplomas são compatíveis com os empregos: ensino curto – operário
ensino superior – funções de melhor status. A mudança quanto aos
professores foi a feminização: de 1950 a 1975, de cada dez
professores, oito eram mulheres, e apenas 18% eram filhas de
operárias, o restante eram filhas de classe média e alta; em 1979-80,
um filho de operário tinha 10 vezes mais possibilidades de repetir seu
primeiro ano primário do que um filho ou filha de um médio. Então, a
generalização da escolarização e a tendência de elevar o número de
diplomas não significam democratização do ensino, nem aceso de
ensino de qualidade para todos.
Então, a difusão de uma Sociologia da Educação de esquerda
contra a perpetuação das desigualdades sociais pela escola não
modificou o sistema educacional. A Sociologia da Educação não
serve para nada, pois não conseguiu vencer as desigualdades
sociais que combate? Seria melhor substituí-la por outras disciplinas.
Afinal de contas, as informações mostradas anteriormente mostram
53
que quem tem poder econômico tem acesso às melhores escolas, e
quem têm acesso às grandes escolas, terá melhor poder econômico.
Esse balanço negativo não deve nos levar ao desanimo,
porque só em reconhecer esse fracasso já é uma lição de Sociologia
para a ação. Pois a realidade escolar não se muda pela boa vontade
dos professores, nem por decretos de governos. A realidade é mais
complexa, e temos de perceber como se encadeia essa
complexidade.
Dentro da sociedade capitalista, o problema são as funções
sociais do sistema escolar da sociedade burguesa. E quem é capaz
de contribuir para elucidar essas funções sociais é a Sociologia da
Educação.
A escola capitalista divide as crianças porque a divisão
capitalista do trabalho exige que trabalhadores intelectuais sejam
separados dos trabalhadores manuais.
Temos uma realidade na sociedade capitalista: 20% dos
trabalhadores são trabalhadores intelectuais, e a grande maioria,
80%, são de indivíduos pouco qualificados.
A divisão capitalista do trabalho, a exploração dos
trabalhadores, a extorsão da mais-valia, a desqualificação do
trabalho, o temor do desemprego, o exército industrial de reserva, a
separação crescente do trabalho intelectual e trabalho manual, eis
aqui as verdadeiras causas que permitem explicar a estrutura e o
funcionamento da escola capitalista.
É a organização capitalista que separa as crianças em duas
vias de escolarização: uma destinada aos filhos membros da classe
54
trabalhadora, e a outra destinada aos filhos membros da classe
dominante.
O professor deveria ser o elucidador dessa trama social que é
costurada, no sentido de reproduzir uma sociedade de classes. Mas
ele também é vítima, porque também concorre dentro do sistema de
produção capitalista.
Esta é, entretanto, a realidade, e tem de ser encarada. A
função real da escola não tem, em absoluto, como fim, desenvolver
harmoniosamente o indivíduo ou desenvolver suas qualidades
pessoais; isto é um sonho abstrato de psicólogo. Consiste, pelo
contrário, em produzir para o mercado de trabalho séries de mão-de-
obra mais ou menos qualificada. É a estrutura do mercado de
trabalho o que pesa sobre a escola, com todo seu peso, até o ponto
de imprimir-lhe sua forma.
Os números de uma pesquisa do INSEE mostram que dos
jovens que entram no mercado de trabalho, 3/4 são empregados
ditos das classes subalternas, o restante são empregos e quadro.
Temos uma polarização das qualificações: por um lado, postos que
não exigem qualificação; por outro, postos destinados a indivíduos
que receberam uma longa formação escolar.
Temos aí duas vias de escolarização: a primeira é a via
secundário-superior, que formará 20% dos quadros; e a segunda via
é a primário-profissional; que absorverá os 80% restantes. E contra
essa divisão o professor não pode fazer nada. É melhor reconhecer
essa divisão do que negá-la. Ela só desaparecerá com a destruição
das relações capitalistas de produção. Somente a Sociologia da
Educação permite aos professores distinguir entre o que depende
deles e o que não depende.
INSEE (Francês: Institut National de la Statistique
et des Études Économiques) é o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos. Ele
coleta e publica informações da economia
e sociedade francesas, realizando periodicamente o censo da nação, sendo semelhante ao Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (do Brasil) e ao
Instituto Nacional de Estatística (de Portugal). Está localizado em Paris.
55
A educação popular de massa propaga o discurso de que
somos todos iguais e que a educação tem de ser igual para todos.
Mas, à medida que é pregada a igualdade, a sociedade reproduz a
desigualdade. Não há necessidade ou vontade, por parte do sistema,
da construção de uma educação popular de massa, pois só assim a
desigualdade é reproduzida.
A melhor forma de melhorar a formação dos mais
abandonados seria a democratização do ensino. Democratizar
ensino é pôr a escola à serviço do povo, com todo produto que é
reservado também aos intelectuais. Todos têm de ter a mesma
educação na via primário-profissional.
O sociólogo da educação é quem tem essa visão ampla da
realidade social e escolar. E para ter essa sensibilidade intelectual
com relação à escola e seu papel na sociedade capitalista, os
professores de Sociologia da Educação têm de estar preparados em
suas áreas, pois é comum encontrar professores de Sociologia da
Educação sem a preparação adequada para tal fim. O autor afirma
que em um colégio da França, no curso Educação Física, o professor
de Sociologia do Esporte é um esportista. E na nossa realidade
muitos dos professores de Sociologia são pedagogos, teólogos,
filósofos, historiadores etc., ou seja, são profissionais que não têm o
embasamento teórico necessário para ministrar tal disciplina.
Então, é importante ensinar aos futuros a serem, eles
próprios, Sociólogos da Educação.
4.2 A Sociologia da Educação: entre Funcionalismo e o Pós-
modernismo
O campo da Sociologia é bastante fluido, daí a dificuldade de
se fazer Sociologia. No campo das ciências naturais, os objetos de
estudo são objetivos; já na Sociologia, a objetividade ganha ares de
56
subjetividade. E em se tratando de educação, não podemos dizer
que existe somente uma Sociologia ou se existem várias Sociologias.
A Sociologia da Educação de hoje é tão crítica,
principalmente no Brasil, que é difícil pensar que nem sempre foi
assim. Mesmo assim, ainda hoje, convive, lado a lado, uma
Sociologia da Educação extremamente crítica com relação à ordem
existente, baseada em alguns modelos marxistas e uma outra
inspirada no modelo funcionalista de pesquisas empíricas.
Quando se fala de Sociologia da Educação, pensa-se
imediatamente nos estudos das grandes relações entre processos
sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais. Um
exemplo disso é a produção da desigualdade via escolarização. Mas
existem setores no campo da Sociologia da Educação mais
preocupados com processos sociais produzidos em nível das
pequenas unidades. É o caso do estudo da sala de aula.
Isso mostra como é difícil falar de uma Sociologia da
Educação. A diferença entre os temas, as referências teóricas, as
orientações políticas são tão grandes que é mais correto falarmos de
Sociologias da Educação.
Vamos falar da Sociologia da Educação que se tornou
dominante, ou seja, a mais discutida pelos autores desta disciplina,
que é a perspectiva crítica.
Movendo-se no Campo: As Referências Principais.
O grande tema da Sociologia da Educação é o dos
mecanismos pelos quais a escola contribuiu para a produção e a
reprodução de uma sociedade de classes. Temos como autores
57
Althusser, Bowles e Gintis, Bourdieu e Passeron, Baudelot e
Stabelet, Michel Young.
O que esses autores têm em comum é que em seus estudos
percebemos a contribuição da educação para a produção e
reprodução das classes. E o que os diferencia são os ensaios como
os de Althusser, Bowles e Gintis, Baudelot e Estabelt, para os quais
a divisão social decisiva é aquela entre as classes econômicas e
para os quais o dever da escola é preparar as pessoas para os
diferentes papéis do trabalho. Já para Boudieu e Passeron, a divisão
social é medida por um processo de reprodução cultural.
Vamos tentar, a partir de agora, descrever os argumentos
centrais de cada um desses estudos para mapear os principais
temas da Sociologia da Educação.
A Divisão Capitalista do Trabalho: O Ponto de Partida e o Ponto
de Chegada.
Nos estudos de inspiração marxista (Althusser, Bowles e
Gintis, Baudelot e Estabelt), o problema a ser explicado é a divisão
da sociedade entre proprietários e não-proprietários, em conjunção
com a divisão entre trabalho intelectual e manual, e sua reprodução,
com ênfase para o papel da escola nesse processo.
Nessa forma de análise, o papel da escola é preparar
tecnicamente e subjetivamente as diferentes classes sociais para
ocuparem os seus devidos lugares.
Althusser teoriza a respeito do papel do Estado na
reprodução das classes sociais através dos aparelhos ideológicos do
Estado. E aí entra a escola, encarregada de fornecer as condições
ideológicas ideais para o processo de acumulação capitalista.
58
Para Baudelot e Estabelt, o sistema escolar é dividido em
canais separados e incomunicáveis, que agem através dos currículos
diferenciados, reproduzindo as classes sociais.
Para Bowles e Gintis, é a vivência de um contexto escolar que
se constitui na imagem do contexto do local de trabalho; e que dada
vivência produz o tipo de personalidade adequada às divisões
existentes.
Tomás Tadeu da Silva, autor do ensaio “O que Produz e o
que Reproduz em Educação”, relata que os estudos desses autores
têm deficiência, porque eles partem da visão de que o sistema tem
necessidade de produzir mão-de-obra com características técnicas, e
de uma população dócil. Daí a necessidade da escola para produzir
esses resultados. Então, a escola só funciona assim porque o
sistema assim o exige.
Bourdieu e Passeron: Os Processos Culturais em Evidência.
Para Bourdieu e Passeron, a escola não inculca valores e
modos de pensamentos dominantes. Ela limita-se a usar o código de
transmissão cultural de que apenas as crianças e jovens da classe
dominante já foram iniciados no ambiente da família. A escola
permite a continuação no jogo da cultura e confirma a exclusão dos
filhos dos pais das classes subordinadas. A ênfase é ao de
transmissão do capital cultural.
Bourdieu e Passerom atribuem ao capital cultural,
transmitido aos filhos por parte das
famílias das classes média e alta, o
sucesso escolar e profissional.
59
A Problematização do Conhecimento Escolar.
A Nova Sociologia da Educação, organizada por Michel
Young, em 1971, na Inglaterra, depois se estendeu aos EUA e
França, tendo pouca repercussão no Brasil.
Ela coloca no centro das análises sociológicas da educação a
problemática dos currículos escolares. Ela põe em questão o
processo pelo qual um determinado tipo de conhecimento veio a ser
considerado como digno de ser transmitido via escola.
Como é que o conhecimento foi estratificado? Qual a
hierarquia entre as diferentes disciplinas? Como essa hierarquia veio
a ser estabelecida? Através de qual luta e negociação?
A nova Sociologia da Educação não tem como tema central a
estratificação social, mas sim, a estratificação do conhecimento
escolar.
Ironicamente, uma das promessas da nova Sociologia da
Educação, a da análise pela qual as disciplinas escolares vieram a
se constituir objeto de análises sociológicas, não chegou a ser
cumprida. Uma importante tarefa parece ser realizada por uma
história das disciplinas.
O Legado dos Fundadores e os Temas Centrais Hoje
Apesar do desenvolvimento da Sociologia da Educação
nesses 20 anos, a problemática central continua a mesma e os
temas preferidos são os mesmos. O tema central gira em torno do
papel da educação na produção e reprodução de uma sociedade de
classes.
60
Esse grande tema se desdobra:
• Nos temas do papel da ideologia nesse processo;
• Na natureza do Estado capitalista e de sua participação na
estrutura central, na institucionalização e continuação de um sistema
educacional que mantém uma relação estreita com as exigências da
produção capitalista;
• Na contribuição decisiva da organização da distribuição do
conhecimento escolar no processo de construção das desigualdades
educacionais;
• Na estreita relação entre os processos de reprodução cultural e de
reprodução social;
• Na contribuição da escola para a reprodução da divisão social do
trabalho.
Muitas das temáticas introduzidas pelos fundadores
permanecem pouco desenvolvidas. Por exemplo:
• A da relação entre uma teoria do Estado e a educação;
• A da conexão entre os níveis micro e macro sociológico;
• A das complexas relações entre ideologias e cultura;
• A das relações entre a divisão social do trabalho e a educação;
• A da questão das relações de gênero e raça.
Com relação ao primeiro tema, Bowles, Gintis e Altusser
fizeram um esboço da Teoria do Estado, onde levaram em conta a
educação como sendo aparelho do Estado.
No que diz respeito ao segundo tema, durante muito tempo foi
negligenciado um estudo minucioso do cotidiano das escolas e das
salas de aulas.
61
Hoje, muitos sociólogos da educação vêm tentando
selecionar certos eventos de uma sala de aula e tentar fazer uma
ligação com processos, como o da permanência da estratificação
social.
Uma dessas temáticas foi realizada: é a de Willian (1991).
Ele tentou fazer uma conexão entre o micro e o macro, procurando
mostrar como involuntariamente, mas de forma decisiva, um grupo
de adolescentes masculinos, originários da classe operária e
concluindo um ciclo de educação secundário, determinava, através
da rejeição dos valores escolares e do trabalho mental, seu próprio
encaminhamento para o trabalho manual. O resultado final é a
reprodução da classe operária como classe operária e como
consequência, das relações sociais existentes.
A crítica a William reside no erro em tentar reduzir um
processo amplo e complexo aos detalhes isolados de um evento
qualquer da vida cotidiana.
Sobre ideologia e cultura, tem-se observado nestes últimos
anos uma tentativa de encontrar ideologia em tudo dentro da
educação: a ideologia do livro didático; a ideologia das políticas
educacionais; a ideologia nos currículos escolares; a ideologia nas
mensagens e nos atos dos professores etc. O que se tem discutido é
que a ideologia é da classe dominante, e nas classes populares, é
cultura.
Nas Ciências Sociais, a conexão entre ideologia e cultura tem
sido aproveitada, mas muito pouco no campo da educação.
Outra temática discutida foi a da relação entre educação e
trabalho. A educação aparece como local apropriado para a
preparação técnica da força de trabalho para a produção capitalista.
62
A natureza precisa de conexão entre a divisão social do
trabalho para que haja uma “quase” perfeita organização da
produção da vida material. E nesse processo de conexão da divisão
social do trabalho, a organização da educação tem sido deixada de
lado. Isso porque não querem se centrar na natureza do trabalho
capitalista.
Outro tema central da Sociologia da Educação são as
relações de raça e gênero. No Brasil, esse tema tem tido pouca
importância. Um dado evidente é que a educação no Brasil é feita, na
sua maioria, por mulheres.
O Fim da História, o Pós-modernismo e a Sociologia da
Educação.
Com a derrocada dos regimes do leste europeu, triunfou o
capitalismo. E no Brasil, predomina uma nova direita (neoliberal).
Anuncia-se o fim da modernidade e agora tem-se a pós-
modernidade. Há uma crise nas Ciências Sociais e nos métodos de
análise tradicionais; e a Sociologia da Educação não poderia ter
ficado fora desta suposta crise.
O modelo crítico da Sociologia da Educação sobre os
aspectos da educação capitalista e a perversa organização da
economia capitalista foram errados, porque agora não há nada
perverso no capitalismo.
No Pós-modernismo o eixo da dinâmica social está em toda
parte, e em parte alguma.
63
O Neoliberalismo Triunfante
Como fica a Sociologia da Educação nessa encruzilhada? É
talvez a hora de reafirmar-se a sua vocação crítica. É hora de
desamarrar os nós mistificadores da onda neoliberal e da onda pós-
modernista. É hora da Sociologia da Educação reafirmar sua
vocação crítica, denunciando a mistificação representada pela voga
liberal.
Esse novo véu ideológico apenas demonstra que a tarefa da
Sociologia da Educação está longe de ser esgotada; ela está apenas
começando.
4.3 A Função da Escola na Sociedade Capitalista
Nas teorias estudadas até agora pela Sociologia da
Educação, a escola tem aparecido como a instituição mais eficiente
quando se trata de segregar as pessoas. Ela aparece como
instituição única, que trata todos os alunos da mesma forma e onde
se elaboram o conhecimento e os valores.
Dois pesquisadores franceses – Establet & Baudelot -
chegaram à conclusão de que existem duas redes de escolarização
na França: uma destinada aos filhos dos membros da classe
empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe
trabalhadora.
Os filhos da classe empresarial têm acesso às melhores
escolas; mais tempo e recurso para estudarem frequentam outras
atividades que complementam a formação e educação escolar;
participam de cursos de língua estrangeiras, jogos; vão ao teatro,
música, dança. Conseguem terminar o curso secundário e ingressar
64
em boas faculdades e cursam os melhores cursos, que trazem
retorno financeiro que lhes mantém na condição de classe
dominante.
Já os filhos da classe trabalhadora, sem recursos, têm uma
longa jornada de trabalho; são obrigados a contentar-se com as
piores escolas; não atingem as notas necessárias para entrar nas
melhores faculdades e cursar os cursos que melhor trazem recursos
financeiros. Ela vê-se, no muito, a frequentar cursos noturnos, sem
nenhum curso de complementação ou aperfeiçoamento. São alunos
que mal conseguem terminar o primário e lutam para conseguir
alguma vaga em um curso profissionalizante. São excluídos dos
cursos superiores.
Essa diferença na escolarização das duas classes sociais não
aparece de forma clara. Elas coexistem de forma dissimulada,
apresentando-se como sendo única, universal, oferecendo
oportunidades a todos – e essa aparência ganha sustentação na
ideologia.
Em resumo, o processo de escolarização é diferenciado para
cada uma das classes sociais, embora a ideologia tente mostrar que
é o mesmo: a classe empresarial recebe uma escolarização que lhe
permite obter conhecimentos necessários para o exercício de classe
dirigente; a classe trabalhadora passa por uma rede de escolarização
que lhe possibilita apenas exercer um trabalho disciplinado dentro de
sua condição de classe dirigida.
Nesse processo, a instituição linguagem aparece como
principal fator de segregação social, pois ela não é única, pode dar-
se de vários modos na escola, como por exemplo, no discurso do
professor ou nos seus gestos, nos conteúdos dos livros adotados,
nos programas de ensino, nas regras de convivência ou em normas
disciplinares. Dentro da escola, a linguagem é, na visão dos
pesquisadores, muito semelhante da que aparece na vida da classe
65
empresarial. Aquilo que o professor diz ou faz, aquilo que aparece
nos livros e as regras da escola são, na maioria dos casos,
semelhantes ao que um pai de família de classe dominante fala ao
filho, semelhante aos livros encontrados em sua casa e até mesmo
às regras de convivência nesta família. Neste sentido, para a
burguesia, a escola é prolongamento da vida cotidiana, pois a
linguagem que a classe empresarial encontra na sala de aula é a
mesma utilizada em família.
Já com os filhos membros da classe trabalhadora ocorre o
inverso. Ao ingressar na escola, a criança encontra uma linguagem
da burguesia, que não é sua. A criança pobre encontra-se diante de
uma maneira de falar ou agir do professor, diante de livros e
conteúdos que não correspondem à sua vida cotidiana de trabalho,
de pobreza e sofrimento. Para a criança da classe trabalhadora a
escola não é o prolongamento da sua vida; é rompimento, é outra
realidade, outro mundo difícil de ser interpretado. Muitas vezes a
criança da classe trabalhadora não assimila os conhecimentos que a
escola lhe transmite porque não entende a linguagem com que os
conhecimentos lhes são transmitidos: a linguagem não tem ligação
com o seu dia a dia.
Em resumo, por tratar com a mesma linguagem crianças de
classes sociais diferentes, a escola reproduz a desigualdade.
Enquanto a criança da classe burguesa conhece essa linguagem,
pois a vive no cotidiano, a criança pobre encontra-se diante de uma
linguagem nova que terá de dominar com muito esforço e sacrifício.
Esse fato reflete-se no aprendizado dessas crianças, pois enquanto a
primeira aprende com facilidade, a segunda terá muita dificuldade.
Isso explica por que tantas crianças abandonam a escola
depois de repetir a mesma série por mais de três anos consecutivos.
Sendo assim, fica desmistificada a idéia, muito comum atualmente,
que atribui à própria criança e à sua família as causas do fracasso
escolar. Afirma-se constantemente que a criança pobre, mal
66
alimentada, não é inteligente; que a família desintegrada leva a
criança a se desinteressar pela escola. A criança pobre não se
esforça e não gosta do ensino e, por isso, através de suas próprias
deficiências, não será capaz de vencer na vida. Com isso, inocenta-
se a escola e culpa-se o próprio aluno ou a sua família pelo fracasso
escolar.
Mas é a escola que, sutilmente, através de sua linguagem,
marginaliza a criança pobre, uma vez que na sociedade capitalista
ela está a serviço da classe dominante, reproduzindo a sociedade de
classes.
Dentro dessa concepção, o professor apresenta-se também
como elemento de reprodução das desigualdades sociais. Na sala de
aula a educação formal concretiza-se e nela o professor tem papel
importante. Em outras palavras, se a educação formal apresenta-se
na sala de aula e se a instituição está a serviço da classe dominante,
pode-se concluir que o professor estará objetivamente a serviço dos
detentores dos meios de produção.
Isso se manifesta no fato de os professores aparecerem como
os primeiros a aceitarem as normas escolares e as imporem aos
alunos. Em segundo lugar, os professores disciplinam os seus alunos
para que produzam na escola como se produzissem numa fábrica,
em função da recompensa-punição.
Geralmente o modelo de bom aluno que o professor tem em
mente corresponde à criança que nunca pergunta; não reclama;
sempre aceita o que o professor diz; não conversa; não fica em pé
na sala de aula; numa palavra: o aluno autômato, submisso.
Enfim, a escola, na sociedade capitalista, tem a função de
reprodução da sociedade. Ela é conservadora na medida que o seu
67
papel é manter a sociedade como está. E da forma como está
apenas uma pequena parcela da população vive em condições
dignas de cidadão.
4.4 A Educação como Processo Socializador: Função
Diferenciadora e Função Homogeneizadora
Análise de Algumas Funções de Educação
Segundo Durkheim, a educação tem sido empregada como
“um conjunto de influências que, sobre a nossa inteligência ou sobre
a nossa vontade, exercem os outros homens” (FORACCHI, 1985).
Stuart Mill defende educação como “tudo aquilo que fazemos para
nós mesmos, e tudo aquilo que os outros planejam fazer com o fim
de nos aproximar da perfeição de nossa natureza. Em sua mais larga
acepção, compreende os mesmos efeitos indiretos produzidos sobre
o caráter e sobre as faculdades do homem, por coisas e instituições
cujo fim próprio é inteiramente outro: pelas leis, formas de governo,
pelas artes industriais ou, ainda, por fatos físicos independentes da
vontade do homem, tais como o clima, o solo, a posição geográfica”.
(FORACCHI, 1985). Segundo Kant, “o fim da educação é
desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele seria
capaz” (FORACCHI, 1985). Mas o que é perfeição? Perfeição é
atingir o ideal supremo. Isso é possível? Não! Porque os homens têm
ações diferenciadas, ou seja, uns existem para refletir e outros para a
ação. Se fosse dessa forma, na nossa sociedade, somente uns
atingiriam essa perfeição pelo fato de uma grande maioria não estar
incluída entre os pensadores.
Segundo James Mill, a função da educação é “fazer do
indivíduo um instrumento de felicidades para si e para seus
semelhantes” (FORACCHI, 1985). Essa resposta também é vaga,
porque a felicidade é uma coisa subjetiva; cada um tem sua forma de
felicidade.
68
O ponto fraco dessas definições é que elas partem do
postulado de que há uma educação ideal, perfeita, apropriada a
todos os homens.
Porém, se antes de tentar definir essa educação, eles
considerassem a história, suas hipóteses, teriam, talvez,
sustentação. Porque na visão de Durkheim, a educação varia com o
tempo e com o meio. Por exemplo: na cidade grega a educação era
para subordinar o indivíduo à coletividade; hoje, a educação esforça-
se em fazer do indivíduo uma personalidade autônoma; em Atenas a
educação era para formar espíritos delicados, prudentes, sutis; em
Roma, era para formar homens de ação, apaixonados pela glória
militar; na Idade Média, era uma educação cristã; na Renascença a
educação tinham um caráter mais leigo, mais literário; hoje a
educação é para a ciência.
Cada sociedade, em um determinado momento, possui um
sistema de educação que se impõe ao indivíduo de modo irresistível,
e dele não podemos fugir. E esse sistema de educação nos obriga a
educar nossos filhos de acordo com os padrões culturais pré-
estabelecidos. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos
filhos como queremos. Se desrespeitarmos esses costumes, eles
vingar-se-ão em nossos filhos, fazendo com que eles não vivam em
harmonia com seus pares devido à diferenciação no processo de
socialização.
Para entendermos os costumes, temos de remontar ao
passado e observá-lo para formular um conceito, pois não fomos nós
que o criamos; quando chegamos, já o encontramos pronto.
69
Elementos que Durkheim Considera para Definir Educação
Para definir educação temos de comparar os sistemas
educativos que existem, ou que tenham existido, e apreender deles
os caracteres comuns. Esses caracteres constituíram a definição de
educação.
É importante salientar que para que haja educação é
necessário que haja uma geração de adultos e uma geração de não-
adultos, ou seja, jovens, crianças e adolescentes. E que uma ação
seja exercida pelos adultos sobre os não-adultos.
A natureza dessa influência é que a educação apresenta
duplo aspecto: de ser o uno e múltiplo.
O aspecto múltiplo da educação dá-se pelo fato de haver
diversas espécies de educação em determinada sociedade. Por
exemplo: na sociedade de castas, a educação varia de uma casta
para outra, ou seja, a educação dos patrícios era diferente da dos
plebeus; a dos brâmanes não era a dos sudras. Na Idade Média, a
educação do pajem era diferente da do vilão; hoje, a educação varia
com as classes sociais, como também regionais.
A educação homogênea e igualitária só existiu nas
sociedades pré-históricas.
O aspecto uno caracteriza-se pelo fato de ela ter uma base
comum que é essa ação exercida pelos adultos sobre os imaturos,
tendo como efeito a reprodução da sociedade.
70
Partindo desses pressupostos, Durkheim define educação
como “ação exercida pelas gerações de adultos sobre as gerações
que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por
objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados
físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no
seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente,
se destine”. (FORACCHI, 1985)
Em cada um de nós existem dois seres: o ser social que é
constituído de todos os estados mentais; e o ser social que é
constituído por crenças, práticas, tradições, e as opiniões coletivas.
Então, a educação, conforme a definição precedente, tem por fim
constituir o ser social em cada um de nós, ou seja, nos socializar.
O ser social não nasce com o homem, nem o homem se
submete espontaneamente. Quem queria ser submetido
espontaneamente à autoridade política, às adversidades da
sociedade? Não há em nossa natureza congênita uma predisposição
a tornarmo-nos, necessariamente, servidores de divindades ou de
emblemas simbólicos da sociedade, que nos leve a render-lhes culto,
a nos privarmos em seu proveito ou em sua honra. Foi a própria
sociedade, na medida de sua formação e consolidação, que tirou de
seu próprio seio essas grandes forças morais diante das quais o
homem sente a sua fraqueza e a sua inferioridade.
A educação agrega ao ser a-social que acaba de nascer uma
natureza de vida moral e social. As múltiplas aptidões que a vida
social supõe não podem organizar-se em nosso tecido, então, elas
são transmitidas pela educação; não são hereditárias.
Mas há outras qualidades que o homem procura possuir
espontaneamente, como: adquirir inteligência, qualidades físicas e
tudo o que contribua para a saúde e o vigor do organismo.
71
A inteligência tão cultivada hoje nem sempre foi concebida
por todos os povos. Antes era tida como perigosa. Basta lembrar-se
do ditado: “bem aventurados os pobres de espírito”. Rousseau já
dizia: “para satisfazer à necessidade da vida, a sensação, a
experiência e o instinto podem bastar. Nada de inteligência”.
A sede de saber deu-se quando a vida social se tornou
complexa.
E com relação às qualidades físicas, se o meio social for
inclinado para a perfeição espiritual, pela meditação, a educação
física será relegada ao segundo plano. Era assim na Idade Média; é
assim com os monges.
Tal seja a corrente de opinião, a educação física será de uma
ou de outra espécie. Em Esparta, a educação física era usada para
enrijecer os músculos, para resistir à fadiga; em Atenas, para ter os
corpos belos; nos tempos da cavalaria, para produzir guerreiros
ágeis e flexíveis; nos tempos de hoje, pela questão higiênica.
A educação fez com que, através das ações sociais, os
homens aperfeiçoassem-se cada vez mais, tornando-se mais
humano. O homem é humano porque coopera com seus
semelhantes, e esse saber apreendido é repassado às outras
gerações pela linguagem, seja ela oral, livros, figuras, instrumentos.
É através da linguagem que aprendemos todos os sistemas de idéias
organizados e classificados de todos os trabalhos ao longo dos
séculos.
Os frutos da experiência humana são quase que
integralmente conservados, graças à linguagem que se transmite de
geração.
72
As gerações vêm e vão, mas o conhecimento não
desaparece; pelo contrário, vai acumulando-se e revisando dia a dia,
e é essa acumulação indefinida que eleva o homem acima do animal
e de si mesmo. E para que isso aconteça é preciso que haja a
sociedade.
4.5 Explicações Sociólogas para o Contexto Capitalista
Brasileiro e seus Reflexos na Educação
Pretendemos nesta análise do contexto capitalista brasileiro
entender as causas da evasão e da reprovação escolar. E para
analisar a evasão e repetência devemos ter um conhecimento da
realidade econômica, social e política vivida pela escola.
Para isso, pretendemos compreender o capitalismo e o
liberalismo, situar o nascimento da Sociologia Moderna no interior
do estabelecimento do capitalismo; perceber o papel das instituições
sociais através das teorias de Marx e Durkheim.
Brasil, país capitalista
O Brasil é um país de contrastes. Coexistem de maneira
bastante evidente duas classes sociais bem distintas e antagônicas:
de um lado temos uma classe social que vive muito bem – bem até
demais; e de outro, uma classe que vive abaixo da linha da pobreza.
Isso é próprio do capitalismo. Os ricos vivem graças à miséria dos
trabalhadores.
Da mesma maneira que diferem as condições de vida das
duas classes, variam também os anos de estudos. A classe de maior
renda, que é uma minoria, dispõe de maior escolaridade, de maior
73
acesso aos bens culturais. A classe de menor renda, que é a maioria,
dispõe de um pouco ou nenhum acesso a tais bens culturais.
GRÁFICO DAS PIRÂMIDES
INVERTIDAS
O conhecimento perpetua a dupla relação:
poder e saber e saber e poder.
Isso se mantém igualmente na relação entre países. Os
países que têm poder econômico o ampliam através de pesquisas, e
os países pobres importam por um preço alto.
O Liberalismo e a Escola
O sistema capitalista apóia-se em um conjunto de idéias, de
formas de agir e pensar que servem para justificar esse sistema.
Esse conjunto de idéias forma uma doutrina econômica, o
liberalismo, que se sustenta nos seguintes princípios:
O individualismo – para o individualismo, todos têm direitos
naturais, independente da sociedade. Todos têm atributos diferentes,
cabendo ao governo garantir a cada um o desenvolvimento de seus
talentos.
Distribuição da população por faixa de renda:
Distribuição da escolaridade e do acesso aos bens
culturais:
Renda alta
Renda media
Renda baixa
Grande número de anos de estudo e de bens culturais
Pouco ou nenhum ano de estudo e de acesso aos bens culturais
Para Locke, a origem do governo estava
em um acordo realizado entre os
homens, para garantir a cada um os direitos naturais.
Para o liberalismo, o privilégio decorrente do nascimento (nascer em
família rica) deve ser negado. Em
contrapartida, o trabalho e o talento
são os meios corretos para se enriquecer. Portanto, afirma que qualquer indivíduo
pobre, trabalhador e com qualidades, pode enriquecer e adquirir
propriedades.
74
Segundo o individualismo, a pobreza ou a riqueza dependem
da vontade e da capacidade cada um.
A liberdade – para o liberalismo, quanto maior for o poder do
Estado, maior será a liberdade do indivíduo.
A propriedade – o direito de cada um tem e que o Estado
deve proteger. E só se consegue a propriedade através do trabalho.
A igualdade – a igualdade perante a lei. Não a igualdade
social. Para os liberais, a existência de ricos e pobres é natural, uma
vez que homens não são igualmente esforçados ou talentosos.
A democracia – direito de todos participarem do governo
através de representante de sua própria escolha.
No Brasil, essas idéias liberais trazidas na época de
Tiradentes sempre foram contraditórias com a realidade da nossa
sociedade. Na realidade, o que nós sempre tivemos, e ainda temos,
é uma grande massa de fracassados e miseráveis. E as razões do
fracasso são colocadas como razões individuais.
O modelo liberal, hoje chamado de neoliberal, serve aos
conservadores que pretendem a permanência da sociedade como
está.
A escola tem grande peso na aceitação conservadora das
idéias federais. Ela sustenta-se com princípios individualizantes, pela
classificação de avaliação, deixando de ver o aluno como ser social e
histórico.
A Sociologia não se resume a um bloco
único de explicação da realidade. Dependendo
da posição que assumem na análise da
sociedade, os pensadores da
Sociologia diferem quanto ao papel que
atribuem à educação, à cultura e à própria
sociedade, possibilitando análises
distintas da escola.
Essas idéias liberais ganharam sua força máxima durante a
Revolução Francesa, em 1889, cujo lema era: LIBERDADE,
IGUALDADE E FRATERNIDADE.
75
A escola trata desiguais social e economicamente como
iguais, reproduzindo a desigualdade. E as famílias acabam por
responder pelo fracasso de seus filhos. Elas não vêem que é a
escola a instituição mais eficiente no processo de segregação social.
Compreendendo a Realidade com Auxílio da Sociologia
Marx e Durkheim analisaram e explicaram a sociedade
capitalista a partir de pontos de vistas antagônicos.
A harmonia proposta por Durkheim na análise da divisão do
trabalho contrasta com o caráter de oposição, de luta de classes,
destacado por Marx na mesma divisão do trabalho.
As idéias de Durkheim são liberais, pois defendem a
manutenção da ordem social tal como é posta pelo capitalismo. Já
Marx considera que a realidade é histórica – são análises críticas da
sociedade capitalista.
Durkheim considera que as instituições sociais, entre elas, a
educação, servem para conservar a sociedade. Para Marx, essas
mesmas instituições são montadas de forma a ocultar as relações
antagônicas entre capitalistas e proletariado, mantendo o domínio
capitalista.
Durkheim e a Educação
Durkheim faz uma análise funcionalista da sociedade. Para
ele, a sociedade assemelha-se a um organismo vivo, então, há um
determinismo social sobre os indivíduos.
76
Ele considera a divisão do trabalho como um processo
natural: “nem todos fomos feito para refletir; é preciso que haja
homens de sensibilidade e homens de ação” (KRUPPA, p. 55). Esse
pensamento é conservador e o pensamento liberal conservador
justifica a desigualdade como fenômeno natural. A desigualdade é
tomada com o fenômeno individual e não social.
A estratificação acena com a possibilidade de ascensão
social. Depende somente do esforço pessoal. E uma das vias de
ascensão social proposta é a educação. Nessa visão, a educação e
o sucesso escolar dependem apenas do esforço e da capacidade
pessoal de cada um.
As Idéias de Marx
Marx desvendou o sistema capitalista analisando seus
aspectos políticos, sociais e econômicos, com a utilização do método
dialético.
Ele analisava aspectos e elementos contraditórios da
realidade até chegar à sua unidade.
Marx observou que o homem, para sobreviver, trabalha. E ao
trabalhar, ela mantém relações com a natureza e relações sociais.
Para Marx, na sociedade capitalista existem os donos dos
meios de produção e os desprovidos de qualquer bem produtivo.
Esses são apenas donos de força de trabalho, e para sobreviver
vendem sua força de trabalho ao capitalista. E nessa relação de
compra e venda de força de trabalho, o trabalhador é explorado
através de um processo que Marx chama de mais-valia, que são as
horas trabalhadas não-remuneradas pelo empregador.
77
Na sociedade capitalista, durante a produção, o trabalhador
separa-se de seu produto, ou seja, ele não se reconhece como
produtor de bens de consumo. É como uma espécie de esquizofrenia
mental que Marx chamou de alienação.
No capitalismo o homem deixa de ser homem pelo trabalho.
Ele será livre quando desempenhar suas funções animais, como
comer, beber, procriar etc.
A verdadeira natureza do trabalho alienado: “o trabalhador se
sente contrafeito, na medida em que o trabalho não é voluntário, mas
é imposto, é trabalho forçado; o trabalho não é uma satisfação de
uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras
necessidades; o trabalho não se pertence, mas sim a outra pessoa.
Para Marx, a alienação do objeto do trabalho simplesmente resume a
alienação da própria atividade do trabalho” (1994, p. 60).
A Escola no Brasil
Feitas essa considerações sobre a realidade brasileira e as
explicações sociológicas dessa realidade social, vamos analisar a
realidade da educação escolar brasileira. Realidade essa que se
constitui na falta de vagas, evasão, repetência, analfabetismo,
excesso de turnos etc.
Os problemas da educação são de ordem externa e interna.
Os de ordem externa são os econômicos e sociais que têm
contribuído para que a escola falhe no processo de transmissão de
conhecimento e informações à população. Os mecanismos internos
que reforçam essa situação se constituem na qualidade do ensino,
gestão do sistema educacional, planejamento educacional, currículo,
avaliação, códigos disciplinares, jornada e nível salarial dos
educadores e funcionários, espaço físico, material pedagógico etc.
78
Partindo desses mais variados problemas, a educação será
analisada aqui sob duplo aspecto: como direto da população e como
dever do Estado. Primeiro vamos ver os resultados escolares de uma
forma global; depois vamos ver à padronização e ao funcionamento
da escola.
A escola no Contexto Capitalista Brasileiro
Escola e Renda
A população brasileira ainda acredita que a escola é um meio
de ascensão social. Basta ver as lutas pela escola: as filas no início
de ano letivo; as organizações de pais e mestres; as lutas dos
movimentos sociais etc.
A escola tem respondido a essa luta? Os dados estatísticos
nos dão respostas desanimadoras. No Brasil, apenas uma minoria
conclui a trajetória escolar. A maioria, de baixa renda, não consegue
terminá-la. Ela – a escola – está funcionando como confirmadora da
distribuição de renda e de classe social: aos de maior renda, maior
número de anos de estudos e de cursos concluídos; aos de baixa
renda, a evasão e a repetência somam-se ao trabalho precoce,
delineando um quadro já antigo: uns para pensar, outros para
trabalhar.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), de 1985 e de 1989, e os dados de 1981, nos mostram que os
problemas educacionais são de ordem estrutural. Em 1989, tendo
por base os anos de estudos, cada 100 brasileiros, de mais de 10
anos, que tivessem algum trabalho, estavam distribuídos da seguinte
forma:
79
Tabela 1
Pessoas de 10 anos ou mais, ocupadas, segundo anos de estudo –
Brasil – 1989.
Anos de estudos Pessoas de
10 anos ou
mais
% %
Acumulada
Sem instrução e até 1
ano
De 1 a 4 anos
De 5 a 8 anos
De 9 a 11 anos
12 anos ou mais
10.126.372
22.384.977
14.081.700
8.959.854
5.002.475
17
37
23
15
8
17
54
77
92
100
TOTAL 60.621.934 100 100
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil. IBGE, 1991.
Esses mesmos 100 brasileiros que tinham algum trabalho em
1989, tendo por base sua renda, estavam distribuídos da seguinte
forma:
80
Tabela 2
Pessoas de 10 anos ou mais, ocupadas, com indicação de anos
de estudo e classe de rendimento mensal do trabalho (todos os
trabalhos) -1989.
Pessoas de 10 anos
ou mais, ocupadas.
Classe de rendimento
mensal do trabalho
Anos de estudos Sem
rendimento
De 3 a 10
S. M.
Mais de
10S.M.
Sem instrução e até 4
anos
De 5 a 8 anos
9 anos ou mais
27.108.584
64%
10.027.298
23%
5.375.916
13%
4.673.842
36%
3.304.723
25%
5.140.969
39%
795.479
16%
749.679
15%
3.445.444
69%
TOTAL
60.621.934
42.511.798
100%
70%
13.119.534
100%
22%
4.990.602
100%
8%
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil ,IBGE, 1991.
Os números mostram que aos de baixa renda, pouco ou
nenhum estudo; aos de maior renda, anos de estudos e cursos
concluídos.
Então, a população expressa essa avaliação de forma
conformista, carregada de culpa individual: “o menino é fraco de
cabeça, não dá para o estudo”.
Vamos entender a escola: inúmeras turmas de primeiras
séries contrastam com o reduzido número de oitava séries. As séries
vão se afunilando devido às desistências que acontecem durante o
Ao contrário da aspiração da população, a escola não tem servido como meio de ascensão social, ou seja, a escola
apenas tem confirmado a distribuição de renda.
O que se tem nos grandes centros urbanos
é uma deficiência significativa de vagas frente ao número de
alunos que seria necessário atender, situação agravada
quando se pretende um ensino de qualidade,
com menos turnos por escola e menor número de alunos por sala de
aula.
81
processo educacional. Isso se deve ao alto índice de repetência, ao
retorno à escola daqueles que foram expulsos do sistema, portanto,
às distorções série/idade.
Além do mais, existem as diferenças regionais, e nelas existe
a pobreza. No sudeste o índice evasão e repetência é bem menor do
que no nordeste; existem disparidades entre zona urbana e zona
rural.
A repetência dá-se principalmente nas primeiras e nas quintas
séries. Esses são pontos críticos de estrangulamentos, pois é o
momento em que o aluno entra em contato com o novo. E esse novo
para o aluno filho membro da classe trabalhadora está bem distante
de sua vida cotidiana. Já para o filho membro da classe burguesa a
escola não é nenhuma novidade, é praticamente uma extensão de
sua casa.
Outro problema da educação é quanto à construção e as
localizações dos prédios escolares, que muitas vezes são para
atender critérios puramente eleitoreiros; muitos prédios são
construídos onde não há demanda. Assim, nos grandes centros
urbanos, há prédios ociosos, enquanto outros funcionam em quatro
turnos ininterruptos. Escolas são feitas de forma desordenada:
escola com quatro turnos ou mais; salas superlotadas; salas com um
professor para varias séries diferenciadas etc.
Escola e Trabalho
As crianças filhos da classe trabalhadora começam a
trabalhar muito cedo para ajudar no orçamento doméstico. No
campo, o trabalho das crianças acontece com mais intensidade
devido à migração dos adultos para os centros urbanos em busca de
empregos.
No início de cada ano letivo os governos
estaduais e municipais fazem chamadas
através dos meios de comunicação,
incentivando os pais a matricularem seus
filhos, mas o que se vê são filas quilométricas
nas portas dos colégios.
82
Isso ocorre devido à concentração de renda. Além do mais,
muitos mecanismos sociais atuam para que isso aconteça, e dentre
eles, está a travessia na escola. Os dados mostram que não há
vagas disponíveis para todos, mas os meios de comunicação
divulgam o tempo todo a existência de escola para todos.
Se a análise parar na afirmação da escola para todos,
estaremos o tempo todo reiterando a verdade sempre afirmada de
que a escola está aí, só não estuda quem não quer. E isso é uma
mentira. No Brasil, estudar é para quem pode; quem tem poder
econômico; apenas uma minoria conclui os cursos escolares.
A Escola não é uma só
Não existe escola, existem escolas. Mesmo a escola pública
localizada no centro da zona urbana é, em geral, melhor do que a da
periferia. Também a escola particular, que é mantida através das
mensalidades, varia de uma para outra.
No ensino privado podemos distinguir quatro grandes redes:
as escolinhas, que embora sejam um dever do Estado, estão longe
ser realidade; a de primeiro e segundo graus, para atender os filhos
da classe média e alta; a formada pela rede de curso pré-vestibular e
supletivo, com variação de qualidade de ensino e custos. O supletivo
é uma continuidade do ensino fora do compasso. E está destinado
àqueles que foram excluídos do ensino; e a rede formada pelas
escolas superiores, que são responsáveis por cursos de engenharia,
medicina, direito, administração, economia, jornalismo, licenciatura
etc.
Geralmente essas faculdades funcionam à noite, porque
durante o dia a sua clientela trabalha. Elas atendem pessoas
oriundas do segundo grau público regular ou supletivo. Esses alunos
As escolas privadas de ensino supletivo e de
nível superior oferecem condições deficientes de trabalho: classes
superlotadas, um ensino que se resume à lousa
e um professor, contratado por
hora/aula, sem a menor condição de
atendimento individual ao aluno, fora do tempo e do espaço da sala de
aula.
83
das faculdades particulares depois de formados são discriminados.
Os formados nas universidades públicas ficam com os melhores
cargos.
O mercado de trabalho para docentes oriundos das
faculdades particulares vão para a rede pública como professores
temporários, lecionando em precárias condições de jornada e
remuneração, e ensinam para as classes de menor renda. Já os
formados em universidades públicas serão professores efetivos
concursados ou trabalharão nas escolas particulares da elite.
Assim, fecha-se o círculo: aos melhores alunos, os melhores
professores e, posteriormente, os melhores empregos; aos alunos de
menor renda, os professores com formação de menor qualidade e
com a exaustiva jornada de trabalho.
A Organização da Escola
Eis alguns mecanismos que nos fornecem elementos para
entendermos a evasão e a repetência escolar:
• A escola é uma instituição social que transforma a suas ações
repetidas em regras;
• O currículo é formulado de maneira distante da realidade do
aluno;
• Os elementos que estruturam a vida cotidiana como fé,
probabilidade, economicismo, pragmatismo, são cristalizados,
aí a escola se apresenta como instituição imutável;
• A escola acompanhou o desenvolvimento do
capitalismo, então ela é marcada por fatores que constituem o
sistema.
O termo burocracia tem sido utilizado em vários sentidos. Tem
sido usado para designar o seu contrário, para
designar o governo de altos funcionários, para designar organização.
Na realidade, burocracia é tudo isso,
na medida em que burocracia é poder,
controle e alienação.
84
O objetivo aqui é mostrar que as regras de
funcionamento da escola muitas vezes se distanciam do seu
objetivo, que é formar sujeitos críticos, portadores de
conhecimentos. Elas passam a exercer apenas o papel
disciplinador. E esse poder disciplinador dá-se em decorrência
da burocracia implantada pelo Estado dentro da escola.
No Interior da Escola a Burocracia Conta com um
Poderoso Aliado: O Poder Disciplinador
A organização burocrática se sustenta com o poder e o
saber que são produzidos pelas normas burocráticas. E a
escola é quem prepara o indivíduo, através do exercício
disciplinador, para uma submissão útil ao sistema institucional
burocratizado.
Segundo o sociólogo Maurício Tratenberg, a escola é
local de vigilância: a escola lhe controla com o diário; ela tem
seu histórico; cria disciplinas para entender e controlar a
consciência e a alma do aluno, como a psicologia da educação,
a psicopedagogia.
Os Procedimentos Burocratizantes da escola são:
A) O administrativo tem procedência sobre pedagógico. A
escola para viver financeiramente precisa de demonstração de
competência. Aí os números falam mais alto que o pedagógico.
O aluno não tem controle sobre o que
ele faz ou sobre o que é feito com o produto
do seu trabalho. O caderno do aluno
funciona como registro e permite a inspeção e
o controle da conformidade às
ordens da instituição.
85
B) A submissão. Nesse compromisso com os números valoriza-
se a submissão, que é a do diretor a seus superiores, do
professor ao diretor, dos alunos ao professor. No emprego
público, a segurança do emprego leva à acomodação e à
submissão.
Na relação professor/aluno, existe todo um conjunto
simbólico de representações que reproduz a relação de poder.
A própria posição das carteiras enfileiradas; o professor na
parte mais alta da sala vendo os alunos de cima para baixo; a
caderneta como instrumento controlador; o sistema de
avaliação, que na realidade é uma seleção, pois avaliar
pressupõe tempo.
C) A situação de medo. O medo de perder a vaga; medo de
ser reprovado; o medo de perder o emprego; o medo de perder
sua autoridade; nos grandes centros a escola tem medo da
comunidade, por isso, constroem muros altos, portões
trancados, a polícia vigilante etc.
D) A burla. Professores burlam o sistema alegando
achatamento salarial; professores faltam, tiram licença, vão
para cargos comissionados; muitos professores vão para
projetos de melhoria de ensino e não retornam mais – o que
deveria ser um meio se torna um fim; existe o desperdício de
tempo na demora de entrada na sala de aula, na distribuição
da merenda, na busca de carteiras; existe burla na redução da
jornada curricular para atender os quatro turnos; na repetência
de exercícios etc.
86
E) As situações de preconceitos. Os preconceitos que
circulam na escola, nas falas, tanto dos professores como dos
alunos: contra o favelado, o pobre, o negro. São tidos como
sexualmente promíscuos, vadios, burros, marginais etc.
Os professores têm essas atitudes por que:
• São alienados porque o trabalho os alienou. “Segundo
Patto, a professora cumpre com sua obrigação realizando
diariamente um ritual, sempre o mesmo, destituído de vida e de
significado que a mortifica: obediente mas descrente, coloca
sílabas na lousa, passa mecanicamente pelas carteira,
constata sempre os mesmos erros que aponta com maior ou
menor irritação, para começar tudo de novo no dia seguinte, no
mês seguinte, no semestre seguinte. Os dias são todos
iguais...” (1994, p. 108).
• Reproduzem o discurso da carência cultural e alimentar:
“A criança não aprende porque não se alimenta. Porque é
pobre”.
• A escola às vezes diz que o problema da criança é
médico: “Tem que fazer tratamento. Tá cheio de verme”.
• Que a escola é o caminho para o sucesso e só não
chega lá quem não quer.
Falta uma discussão por parte da escola no sentido de
mostrar o verdadeiro papel da educação na sociedade
burguesa.
87
ATIVIDADE 4
Produza um ensaio sobre o papel da educação na sociedade
capitalista e coloque na base de dados.
Filme: Ao mestre, com carinho
Um jovem professor enfrenta
alunos indisciplinados e desordeiros
neste filme clássico que refletiu alguns
dos problemas e medos dos
adolescentes do anos 60. Sidney Poitier
tem uma de suas melhores atuações
como Mark Thackeray, um engenheiro
desempregado que resolve dar aulas
em Londres, no bairro operário de East End. A classe, liderada por
Denham (Christian Roberts), Pamela (Judy Geeson) e Barbara
(Lulu, que também canta a canção-título), estão determinados a
destruir Thackeray como fizeram com seu predecessor, ao
quebrar-lhe o espírito. Mas Thackeray, acostumado a hostilidades,
enfrenta o desafio, tratando os alunos como jovens adultos que
em breve estarão se sustentando por conta própria. Quando
recebe um convite para voltar a engenharia, Thackeray deve
decidir se pretende continuar.
O Clube do Imperador em busca da Formação Plena
Não há entre os
autênticos educadores um
único que não tenha o
interesse genuíno de fazer
com que sua aula extrapole
os limites dos conteúdos que
88
estão sendo trabalhados e permita a seus estudantes uma formação
plena, integral. E quando falamos nisso, destacamos que essa idéia
envolve a busca não apenas do conhecimento, do ponto de vista
acadêmico, mas também ético e filosófico.
Queremos transformar nossas crianças e jovens em pessoas
que saibam o quanto é importante valorizar a vida, estimular o
progresso, perceber o mundo em que vivem, amar o conhecimento,
gostar de conviver com outras pessoas (e com as diferenças), enfim,
crescer em busca da harmonia, do amor e da paz.
Há, sem dúvida, como nos diz o mestre Rubem Alves,
aqueles que entram em aula apenas para “dar aulas”. São
competentes (ou não tão competentes) “dadores” de aulas de
história, matemática, ciências ou português, entretanto, não
conseguem perceber que o papel dos educadores extrapola
conceitos e teorias, regras gramaticais e descrições de paisagens,
fatos históricos ou fórmulas matemáticas.
A educação carrega em si, de forma implícita, a realização da
plenitude de nossos alunos através de seu contato conosco, os
professores. Isso não significa que somos exemplares e virtuosos.
Somos sujeitos a falhas e imperfeições como todas as outras
pessoas. O que se espera é que consigamos, através de nossa
prática pedagógica, de nossa proximidade com os estudantes, de
nossa capacidade de dialogar e tantas outras habilidades e
competências que devemos ter, que sejamos capazes de falar ao
coração, atingir a alma, perpetuando palavras, pensamentos e ações
que estão além de meros conteúdos.
Muitos educadores sabem disso. São eles que estão sempre
se dispondo a escutar seus alunos tanto em aula e em relação aos
tópicos e temas trabalhados em suas disciplinas, quanto fora de aula,
89
para ajudar a dissipar as dúvidas que surgem na estrada da vida; são
esses professores que estudam sempre e constantemente buscam
novas fórmulas e metodologias que tornem suas aulas ainda mais
motivadoras; são esses profissionais que nunca parecem satisfeitos
e que, às vezes, são chamados de inconformados por sua atitude de
perene procura de respostas aos problemas do cotidiano da escola.
Se você está se percebendo nessas linhas e notando que
suas atitudes são condizentes com aquilo que está escrito, parabéns!
Você deveria receber prêmios (o maior de todos é o carinho e a
consideração de nossos alunos) e reconhecimento por sua postura e
conduta profissional. Sei que não é isso que você está querendo
através de suas realizações, afinal de contas o nosso espírito de
educadores não é tão afeito aos holofotes, à fama e à celebridade, o
que realmente vale é saber que passamos a fazer parte da história
de vida de nossos estudantes e que os auxiliamos a obter sucesso e
alcançar a felicidade profissional e pessoal.
O filme “O Clube do Imperador” nos coloca diante de um
professor que persegue esse nosso sonho de forma abnegada.
Tenho certeza de que só isso já é suficiente para que você se
interesse em saber mais e assista ao filme... Boa diversão!
O Filme
William Hundert (Kevin Kline) é um conceituado professor de
história da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), verdadeiramente
apaixonado por seu trabalho. Além disso, Hundert é um dos
baluartes da tradicional escola onde dá suas aulas. Respeitado pelo
90
diretor e pelos alunos, todos os anos esse professor organiza uma
competição cultural que se tornou clássica no colégio, o “O Clube do
Imperador”.
Em sua nova turma de estudantes o professor Hundert
começa desde o princípio a estimular o gosto pelo estudo dos
grandes acontecimentos relacionados aos generais e imperadores
romanos, e aos filósofos e artistas gregos. É capaz de gastar uma
aula inteira se dedicando a explicitar pensamentos e campanhas
militares para os jovens estudantes.
Seus novos estudantes são muito promissores, o que o anima
ainda mais a realizar um trabalho de qualidade. Entre eles há,
inclusive, o filho de um dos vencedores de uma das edições
passadas do “O Clube do Imperador”. Depois de alguns dias de aula
transcorridos, sua aula é interrompida para a chegada de um novo
estudante, Sedgewick Bell (Emile Hirsch), arrogante e prepotente
filho de um senador.
Confrontado algumas vezes pelo garoto, Hundert resolve
contar com o apoio do pai do garoto para conseguir fazer com que
ele se aplique mais aos estudos e valorize a educação a que está
tendo acesso. De seu empenho surge a primeira grande
oportunidade de valorizar Sedgewick e dar-lhe o necessário estímulo
para um maior interesse na escola, ao ter em suas mãos a chance
de classificá-lo para as finais do “O Clube do Imperador”.
Será possível aos professores, através de suas atitudes,
modificar o futuro de seus alunos? Até que ponto o convívio diário
com os professores pode influenciar o caráter e as atitudes dos
estudantes? O individualismo e a busca da vitória a qualquer preço
são ensinamentos que devem continuar fazendo parte das lições
trabalhadas na escola? Até que ponto os professores devem
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continuar acreditando e investindo na recuperação de seus alunos
(seja na formação ética ou na acadêmica)? Será que o idealismo
muitas vezes não chega a cegar os professores em seus
julgamentos e procedimentos em relação a seus estudantes?
Todas essas questões estão de certa forma, presentes no
filme “O Clube do Imperador”, isso já o qualifica a ser visto por
educadores e seus pupilos, pelos pais e por todas as pessoas
interessadas em melhorar a educação. Assistam!
Aos Professores
1- Jamais deixem de sonhar! Mais do que isso, invistam em
seus sonhos, façam com que eles se tornem realidade. Apliquem seu
tempo, utilizem seus conhecimentos, pesquisem quando necessário
e permitam que todo o seu esforço e experiência se transformem em
projetos que revertam em favor da educação, da escola onde
trabalham, da comunidade à qual servem e, principalmente, de seus
alunos.
2- Tendo como exemplo o filme “O Clube do Imperador”, por
que não realizar concursos culturais em sua escola? Podem ser
criadas competições em qualquer disciplina ou mesmo em todas, por
séries ou níveis de dificuldade, agregando notas ao desempenho dos
alunos em cada disciplina ou para premiar com medalhas e troféus
os vencedores. O mais importante é fazer com que os alunos se
interessem e queiram cada vez mais estudar.
92
3- Muitos professores me questionam nas palestras e
workshops que realizo a respeito da formação mais ampla e integral
do aluno. Costumo lhes dizer que os alunos se pautam muito em
nossas atitudes e postura diante do mundo. Uma das observações
mais constantes de nossos estudantes em relação a seus
professores relaciona-se à coerência entre discurso e prática. Não
adianta, por exemplo, o professor defender de forma veemente a
democracia se suas atitudes são de intolerância e incompreensão.
4- As escolas deveriam preocupar-se em documentar a
passagem de seus estudantes pela escola através de fotografias,
como ocorre regularmente nos Estados Unidos, com os Yearbooks
(livros do ano). Além disso, seria muito interessante se a cada 5 ou
10 anos as escolas conseguissem reunir os alunos que se formaram
e seus professores para reuniões e confraternizações em que se
falasse sobre o que aconteceu com cada um depois do término de
seus compromissos escolares. Seria estimulante para professores e
alunos saber que seu convívio foi fundamental para o futuro de
ambos.
Ficha Técnica
O Clube do Imperador
(The Emperor’s Club)
País/Ano de produção: EUA, 2002
Duração/Gênero: 109 min., Drama
Direção de Michael Hoffman
Roteiro de Ethan Canin e Neil Tolkin
Elenco: Kevin Kline, Emily Hirsch, Embeth Davidtz, Rob Morrow,
Edward Herrmann,
Harris Yulin, Paul Dano, Rishi Mehta, Jesse Eisenberg, Gabriel
Millman.
93
FILME: Nenhum a Menos
Vencedor do festival de Veneza de 99, Nenhum a Menos, de
Zhang Yimou, é um retrato quase documental da atual situação da
classe de estudantes rurais na China. Com uma câmera discreta, e
muitas vezes escondida, Yimou registrou o ensino em uma escola
rural no interior do país.
Com atores amadores, e grande parte deles ainda crianças, o
que se vê é uma verdadeira aula de direção ao retratar a evasão
escolar justificada pela pobreza.
Tudo começa quando o
professor da escola tira uma licença
para cuidar de sua mãe. Em seu
lugar, a prefeitura coloca uma garota
de apenas 13 anos, Wei (Wei
Minzhi). Ela terá de morar na própria
escola durante um mês, junto com
alguns dos 28 alunos, até que o
mestre retorne. Sua missão é
garantir que nenhum deles abandone
a escola.
Wei faz a chamada religiosamente a cada novo dia e depois
passa para os alunos os deveres de cópias das lições escritas no
quadro negro. Sem se preocupar muito se eles realmente estão
aprendendo, ela só quer que eles não abandonem o curso e saiam
da escola. Tamanha é a pobreza do local que a garota só dispõe de
um giz para cada dia de aula, ninguém possui livros, e as camas dos
alunos são improvisadas com as carteiras da classe.
A iniciante Wei Minzhi é
uma professora de
apenas 13 anos
94
A garota professora e seus alunos, fixados no meio de um
vilarejo, formam uma espécie de espelho-miniatura da comunidade
chinesa com seus problemas atuais, principalmente quando se refere
à camada rural da população.
A determinação de Wei em manter os alunos na escola é
tanta que as situações passam a ser cada vez mais absurdas,
chegando ao ponto da garota partir para uma grande e próspera
metrópole, em busca de um dos alunos, Zhang Huike (Zhang Huike)
que fugiu com a família em busca de trabalho.
O diretor diz ter usado atores amadores para enfatizar o
realismo. Sem deixar que as crianças lessem o roteiro, a maioria das
atuações partiram como improvisações das personagens que
interpretavam, grande parte das vezes, suas próprias vidas.
NENHUM A MENOS
Título Original: Yige dou buneng shao
País de Origem: China
Ano: 1998
Duração: 106min
Diretor: Zhang Yimou
Elenco: Wei Minzhi, Zhang Huike, Tian Zhenda, Gao Enman, Sun
Zhimei
4.6 A Escola como Espaço Sócio- cultural
Juarez Dayrell
PRIMEIROS OLHARES SOBRE A ESCOLA
Boaventura de Sousa Santos (Coimbra, 15 de
Novembro de 1940) é Doutor em Sociologia do Direito, pela Universidade
de Yale e professor catedrático da Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra.
É diretor dos Centro de Estudos Sociais e do
Centro de Documentação 25 de Abril [1] dessa
mesma Universidade. É atualmente, um dos
principais intelectuais da área de Ciências Sociais,
com mérito internacionalmente
reconhecido, tendo ganho especial popularidade no
Brasil, principalmente, depois de ter participado
nas três edições do Fórum Social Mundial em
Porto Alegre.
95
Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-
la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a
dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por
homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos,
adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos con-
cretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história.
Falar da escola como espaço sócio-cultural implica, assim, resgatar o papel
dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição.
Este ponto de vista expressa um eixo de análise que surge na
década de 80. Até então, a instituição escolar era pensada nos marcos
das análises macro-estruturais, englobadas, de um lado, nas "teorias
funcionalistas" (Durkheim, Talcott Parsons, Robert Dreehen, entre
outros) e, de outro, nas "teorias da reprodução" (Bourdieu e Passeron;
Baudelot e Establet; Bowles Gintis; entre outros). Essas abordagens,
umas mais deterministas, outras evidenciando as necessárias media-
ções, expõem a força das macro-estruturas na determinação da insti-
tuição escolar. Em outras palavras, analisam os efeitos produzidos na
escola pelas principais estruturas de relações sociais que caracterizam a
JUAREZ DAYRELL
Possui Graduação em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983); Mestrado em Educação, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1989), e Doutorado em Educação, pela Universidade de São Paulo (2001). Em 2006 realizou o Pós-doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenador do Observatório da Juventude da UFMG (www.fae.ufmg.br/objuventude). Está integrado à Pós Graduação da Faculdade de Educação na linha de pesquisa: Movimentos Sociais, educação e cultura, desenvolvendo pesquisas em torno da temática Juventude, Educação e Cultura.
96
sociedade capitalista, definindo a estrutura escolar e exercendo
influencias sobre o comportamento dos sujeitos sociais que ali atuam.
Nessa perspectiva, EZPELETA & ROCKWELL (1986, p. 58)
desenvolvem uma análise em que privilegiam a ação dos sujeitos na
relação com as estruturas sociais. Assim, a instituição escolar seria
resultado de um confronto de interesses: de um lado, uma organização
oficial do sistema escolar, que "define conteúdos da tarefa central,
atribui funções, organiza, separa e hierarquiza o espaço, a f im de
diferenciar trabalhos, definindo idealmente, assim, as relações sociais";
de outro, os sujeitos-alunos, professores, funcionários, que criam uma
trama própria de inter-relações, fazendo da escola um processo
permanente de construção social. Para as autoras, em "cada escola
interagem diversos processos sociais: a reprodução das relações sociais,
a criação e a transformação de conhecimentos, a conservação ou
destruição da memória coletiva, o controle e a apropriação da instituição, a
resistência e a luta contra o poder estabelecido", (idem). Apreender a
escola como construção social implica, assim, compreendê-la no seu
fazer cotidiano, onde os sujeitos não são apenas agentes passivos
diante da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua
construção, de conluios e negociações em função de circunstâncias
determinadas.
A escola, como espaço sócio-cultural, é entendida, portanto, como
um espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão: institucionalmente,
por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação
dos seus sujeitos; cotidianamente, por uma complexa trama de relações
sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos,
imposição de normas e estratégias individuais ou coletivas de transgressão
e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das
normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar. Fruto da
ação recíproca entre o sujeito e a instituição, esse processo, como tal, é
heterogêneo. Nessa perspectiva, a realidade escolar aparece mediada, no
cotidiano, pela apropriação, elaboração, reelaboração ou repulsa
expressas pelos sujeitos sociais (EZPELETA & ROCKWELL, 1986).
97
Desta forma, o processo educativo escolar recoloca a cada instante a
reprodução do velho e a possibilidade da construção do novo, e nenhum dos
lados pode antecipar uma vitória completa e definitiva. Esta abordagem permite
ampliar a análise educacional, na medida em que busca apreender os
processos reais, cotidianos, que ocorrem no interior da escola, ao mesmo
tempo que resgata o papel ativo dos sujeitos, na vida social e escolar.
O texto que se segue expressa esse olhar e reflete questões e
angústias de professores de escolas noturnas da rede pública de ensino,
com os quais venho trabalhando e aprendendo através de assessorias e
cursos de aperfeiçoamento, nos últimos quatro anos. É fruto também de
uma pesquisa exploratória, realizada em 1994, em duas escolas
públicas noturnas, situadas na periferia da região metropolitana de Belo
Horizonte. Esta é a fonte dos exemplos, das cenas e das situações reais
aqui apresentadas. Aos alunos, professores e direção destas escolas
deixo os meus agradecimentos.
OS ALUNOS CHEGAM À ESCOLA
Um som estridente de campainha corta o ar, juntando-se ao
burburinho de vozes, carros, ônibus. São I8h 30min e a escola dá o
seu primeiro sinal. Nota-se uma pequena agitação. Os alunos que
chegaram, até esse momento, encontram-se em grupos, espalhados
pelo largo formado pela confluência de três ruas. É um pequeno centro
comercial de um bairro de periferia, na região metropolitana de Belo
Horizonte: lojas, açougue, padaria, locadora do video, bares etc. Alguns
rapazes chegam à porta das lojas, esperando pelo movimento. A entrada
dos alunos na escola parece ser um ritual cotidiano, repetindo-se
todos os dias os gestos, falas, sentimentos, em momentos de
encontro, paquera, ou simplesmente, de um passatempo.
Rapazes e moças continuam chegando aos poucos, alguns em
grupos, outros sozinhos. Cumprimentos, risos, conversas ao pé de
98
ouvido. Grupo de rapazes, grupo de moças, grupos misturados.
Olhares sugestivos acompanhados de comentários e risos, um rapaz
sai do seu grupo e vai até as moças e diz algo que provoca sorrisos.
Existe um clima de desejo no ar. Um casal de namorados beija-se,
encostado no muro sob uma árvore indiferente ao burburinho.
Mas é no momento do sinal que aumenta o volume de pessoas
chegando. Brancos, negros, mulatos, na sua maioria jovens,
aparentando idades que variam de 15 a 20 anos, alguns poucos mais
velhos, principalmente mulheres. Vestem-se das formas mais variadas,
predominando jeans e tênis. Começam a entrar por um portão de ferro
inteiriço.
A escola ocupa todo um quarteirão, cercada por muros altos,
pintados de azul, o que lhe dá uma aparência pesada. Além do portão,
existe uma outra entrada, através de uma garagem por onde passam
os professores. Após o portão, os alunos descem por uma rampa ao
lado de um pequeno anfiteatro e entram por um outro portão, onde
deixam a caderneta com uma servente, entrando em seguida no pátio
coberto da escola.
O espaço é claramente delimitado, como que a evidenciar a
passagem para um novo cenário, onde vão desenpenhar papéis
específicos, próprios do "mundo da escola", bem diferentes daqueles que
desempenham no cotidiano do "mundo da rua".
A DIVERSIDADE CULTURAL
Quem são estes jovens? O que vão buscar na escola? O que signi-
fica para eles a instituição escolar? Qual o significado das experiências
vivenciadas neste espaço?
Edward Palmer Thompson (3 de fevereiro de 1924,
Oxford - 28 de agosto de 1993, Worcester) foi um historiador britânico da concepção teórica
marxista e é considerado por muitos
como o melhor historiador inglês do século XX. Durante a
Segunda Guerra Mundial luta na Itália
contra o governo fascista liderado por
Benito Mussolini. Estuda no colégio
Corpus Christi (Cambridge), onde adere ao Partido
Comunista Britânico. Em 1946 formou um
grupo de estudos históricos marxistas
junto com Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Rodney Hilton, Dona Torr, dentre outros.
Lecionou na Universidade de Leeds
em cursos não acadêmicos dirigidos
aos trabalhadores. Foi professor da
Universidade de Warwich de 1965 a
1971. Nos anos 1970 lecionou
esporadicamente em universidades
estadunidenses, como a de Pittsburg, Rutgers,
Brown, Dartmoth College.
99
Para grande parte dos professores, perguntas como estas não
fazem muito sentido, pois a resposta é óbvia: são alunos. E é essa
categoria que vai informar seu olhar e as relações que mantém com os
jovens, a compreensão das suas atitudes e expectativas. Assim,
independente do sexo, da idade, da origem social, das experiências
vivenciadas, todos são considerados igualmente alunos, procuram a escola
com as mesmas expectativas e necessidades. Para esses professores, a
instituição escolar deveria buscar atender a todos da mesma forma, com a
mesma organização do trabalho escolar, mesma grade e currículo. A
homogeneização dos sujeitos como alunos corresponde à homogeneização
da instituição escolar, compreendida como universal.
A escola é vista como uma instituição única, com os mesmos sentidos e
objetivos, tendo como função garantir a todos o acesso ao conjunto de
conhecimentos socialmente acumulados pela sociedade. Tais conhecimentos,
porém, são reduzidos a produtos, resultados, conclusões, sem levar em conta o
valor determinante dos processos. Materializado nos programas e livros
didáticos, o conhecimento escolar torna-se "objeto", "coisa" a ser transmitida.
Ensinar torna-se transmitir esse conhecimento acumulado; e aprender torna-se
assimilá-lo. Como a ênfase é centrada nos resultados da aprendizagem, o que
é valorizado são as provas, as notas e a finalidade da escola se reduz ao "passar
de ano". Nessa lógica, não faz sentido estabelcer as relações entre o vivenciado
pelos alunos e o conhecimento escolar, entre o escolar e o extra-escolar,
justificando-se a desarticulação existente entre o conhecimento escolar e a vida
dos alunos.
Dessa forma, o processo de ensino/aprendizagem ocorre numa
homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para
todos, independente da origem social, da idade, das experiências
vivenciadas. É comum e aparentemente óbvio os professores ministrarem
uma aula com os mesmos conteúdos, mesmos recursos e ritmos para
turmas de quinta série, por exemplo, de uma escola particular do centro,
de uma escola pública diurna, na periferia, ou de uma escola noturna. A
diversidade real dos alunos é reduzida a diferenças apreendidas na ótica da
cognição (bom ou mau aluno, esforçado ou preguiçoso etc.) ou na do
comportamento (bom ou mau aluno, obediente ou rebelde, disciplinado
A discussão a respeito do concito de cultura no campo da Antropologia
não é consensual, havendo mias de 300 conceitos cunhados,
não cabendo aprofundar a questão, no âmbito
deste trabalho. Para um maior aprofundamento,
buscar entre outros DURHAM (1984), GEERTZ (1978),
VELHO (1978) LARAIA (1986).
100
ou indisciplinado etc.). A prática escolar, nessa lógica, desconsidera a
totalidade das dimensões humanas dos sujeitos — alunos, professores e
funcionários — que dela participam.
Sob o discurso da democratização da escola, ou mesmo da
escola única, essa perspectiva homogeneizante expressa uma
determinada forma de conceber a educação, o ser humano e seus
processos formativos, ou seja, traduz um projeto político-pedagógico que
vai informar o conjunto das ações educativas que ocorrem no interior da
escola. Expressa uma lógica instaimental, que reduz a compreensão da
educação e de seus processos a uma forma de instrução centrada na
transmissão de informações. Reduz os sujeitos a alunos, apreendidos,
sobretudo, pela dimensão cognitiva. O conhecimento é visto como
produto, sendo enfatizados os resultados da aprendizagem e não o
processo. Essa perspectiva implementa a homogeneidade de conteúdos,
rítmos e estratégias, e não a diversidade. Explica-se, assim, a forma como
a escola organiza seus tempos, espaços e ritmos, bem como o seu
fracasso. Afinal de contas, não podemos esquecer — o que essa lógica
esquece — de que os alunos chegam à escola marcados pela diversidade,
reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente
desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e
relações sociais, prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme
dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das
origens sociais dos alunos.
Uma outra forma de compreender esses jovens que chegam à
escola é apreendê-los como sujeitos sócio-culturais. Essa outra
perspectiva implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da
noção de aluno, dando-lhe um outro significado. Trata-se de compreendê-
lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade,
com visões de mundo, escalas de valores, sentimentos, emoções, desejos,
projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios.
O que cada um deles é, ao chegar à escola, é fruto de um
conjunto de experiências sociais vivenciaclas nos mais diferentes espaços
GILBERTO VELHO é professor titular e
decano do Departamento de Antropologia do
Museu Nacional da UFRJ. Dirige a
Coleção Antropologia Social desta editora, onde tem publicados os seguintes livros: A utopia urbana (1973); Desvio e divergência (1974);Individualismo
e cultura (1981); Subjetividade e
sociedade (1986); Projeto e
metamorfose (1994); e Antropologia urbana (2002). É autor ainda
de Nobres & anjos (1998), entre outras
obras.
101
sociais. Assim, para compreendê-lo, temos de levar em conta a
dimensão da “experiência vivida". Como lembra THOMPSON (1984), é
a experiência vivida que permite apreender a história como fruto da ação
dos sujeitos. Estes experimentam suas situações e relações produtivas
como necessidades, interesses e antagonismos e elaboram essa
experiência em sua consciência e cultura, agindo conforme a situação
determinada. Assim, o cotidiano torna-se espaço e tempo significativos.
Nesse sentido, a experiência vivida é matéria-prima a partir da qual
os jovens articulam sua própria cultura, 1 aqui entendida enquanto
conjunto de crenças, valores, visão de mundo, rede de significados e
expressões simbólicas da inserção dos indivíduos em determado nível da
totalidade social, que terminam por definir a própria natureza humana
(VELHO, 1994). Em outras palavras, os alunos já chegam à escola com um
acúmulo de experiências vivenciadas em múltiplos espaços, através das
quais podem elaborar uma cultura própria, um "óculos" pelo qual vêem,
sentem e atribuem sentido e significado ao mundo, à realidade onde se
inserem. Não há, portanto, um mundo real, uma realidade única, preexistente à
atividacie mental humana, como afirma SACRISTÁN (1994, p.70)
O mundo real não é um contexto fixo, não é só nem
principalmente o universo físico. O mundo que rodeia o desenvolvimento do
aluno é, hoje, mais que nunca, uma clara construção social onde as
pessoas, objetos, espaços e criações culturais, políticas ou sociais
adquirem um sentido peculiar, em virtude das coordenadas sociais e
historicas que determinam sua configuração. Há múltiplas realidades,
como há múltiplas formas de viver e dar sentido à vida (Tradução minha).
Nessa perspectiva, nenhum indivíduo nasce homem, mas
constitui-se e se produz como tal, dentro do projeto de humanidade do
seu grupo social, num processo contínuo de passagem da natureza para
a cultura, ou seja, cada indivíduo, ao nascer, vai sendo construído e vai
se construindo enquanto ser humano. Mas como se dá esta produção
numa sociedade concreta?
102
Quando qualquer um daqueles jovens nasceu, inseriu-se numa
sociedade que já t inha uma existência prévia, histórica, cuja estrutura
não dependeu desse sujeito, portanto, não foi produzida por ele. São as
macroestruturas que vão apontar, a principio, um leque mais ou menos
definido de opções em relação a um destino social, seus padrões de
comportamento, seu nível de acesso aos bens culturais etc. Vai definir as
experiências que cada um dos alunos teve e a que têm acesso. Assim, o
gênero, a raça, o fato de serem filhos de trabalhadores desqualificados,
grande parte deles com pouca escolaridade, entre outros aspectos, são
dimensões que vão interferir na produção de cada um deles como sujeito
social, independentemente da ação de cada um.
Ao mesmo tempo, porém, existe um outro nível, o das interações
dos indivíduos na vida social cotidiana, com suas próprias estruturas,
com suas características próprias. É o nível do grupo social, onde os
indivíduos se identificam pelas formas próprias de vivenciar e interpretar
as relações e contradições, entre si e com a sociedade, o que produz
uma cultura própria. É onde os jovens percebem as relações em que
estão imersos, apropriam-se dos significados que se lhes oferecem e os
reelaboram, sob a limitação das condições dadas, formando, assim, sua
consciência individual e coletiva (ENGUITA, 1990). Nesse sentido, os
alunos vivenciam experiências de novas relações na família,
experimentam morar em diferentes bairros, num constante reiniciar as
relações com grupos de amigos e formas de lazer. Passam a trabalhar
muito cedo em ocupações as mais variadas. Alguns ficam com o
salário, outros – a maioria, já o dividem com a família. Aderem a
religiões diferentes, pentecostais, católicos, umbandistas etc. O lazer é
bem diferenciado, quase sempre restrito, devido à falta de recursos.
São essas experiências, entre outras, que constituem os alunos
como indivíduos concretos, expressões de um gênero, raça, lugar e
papéis sociais, de escalas de valores, de padrões de normalidade. É
um processo dinâmico, criativo, ininterrupto, em que os indivíduos vão
lançando mão de um conjunto de símbolos, reelaborando-os a partir
das suas interações e opções cotidianas. Dessa forma, esses jovens
que chegam à escola são o resultado de um processo educativo amplo,
2. Para uma discussão detalhada sobre este
processo de formação, ver o texto “A
educação do aluno trabalhador, uma
abordagem alternativa”.
(DAYRELL, 1992)
103
que ocorre no cotidiano das relações sociais, quando os sujeitos fazem-
se uns aos outros, com os elementos culturais a que têm acesso, num
diálogo constante com os elementos e com as estruturas sociais onde
se inserem e as suas contradições. 2Os alunos podem personificar
diferentes grupos sociais, ou seja, pertencem a grupos de indivíduos
que compartilham de uma mesma definição de realidade, e interpretam
de forma peculiar os diferentes equipamentos simbólicos da
sociedade. Assim, apesar da aparência de homogeneidade, expressam
a diversidade cultural: uma mesma l inguagem pode expressar
múltiplas falas.
Nessa medida, a educação e seus processos é compreendida
para além dos muros escolares e vai ancorar-se nas relações sociais:
São as relações sociais que verdadeiramente educam, isto é,
produzem os indivíduos em suas realidades singulares e mais
profundas. Nenhum indivíduo nasce homem. Portanto, a educação tem
um sentido mais amplo, é o processo de produção de homens num
determinado momento histórico (DAYRELL, 1992, p.2).
A educação, portanto, ocorre nos mais diferentes espaços e
situações sociais, num complexo de experiências, relações e
aiividades, cujos limites estão lixados pela estrutura material e
simbólica da sociedade, em determinado momento histórico. Nesse
campo educativo amplo, estão incluídas as instituições (família, escola,
igreja etc.), assim como também o cotidiano difuso do trabalho, do bairro,
do Iazer etc.
O campo educativo onde os jovens se inserem como habitantes
de uma sociedade complexa, urbana e industrial, apresenta uma ampla
diversidade de experiências, marcadas pela própria divisão social do tra-
balho e das riquezas, o que vai delinear as classes sociais. Constitui, a
princípio, dois conjuntos culturais básicos, numa relação de oposição
104
complementar, e expressam uma das dimensões da heterogeneidade cul-
tural na sociedade moderna: a oposição cultura erudita x cultura popular.
A diversidade cultural, no entanto, nem sempre pode ser
explicada apenas pela dimensão das classes sociais. É preciso levar em
conta uma heterogeneidade mais ampla, "fruto da coexistência,
harmoniosa ou não, de uma pluralidade de tradições cujas bases
podem ser ocupacionais, étnicas, religiosas etc." (VELHO, 1987, p.l6),
que faz com que os indivíduos possam articular suas experiências em
tradições e valores, construíndo identidades cujas fronteiras simbólicas
não são demarcadas apenas pela origem de classe.
Porém, nos adverte Eunice DURHAM (1984): tratar a
heterogeneidade cultural no âmbito de uma mesma sociedade é
qualitativamente diferente de tratá-la entre diversas sociedades. Em outras
palavras, quando procuramos compreender a cultura xavante, por
exemplo, estamos lidando com diferenças que expressam manifestações
de uma mesma capacidade humana criadora, fruto de um procsso histórico
independente. Outra coisa é lidar com alguma expressão da cultura popular, a
linguagem, por exemplo, em que a diversidade não é apenas a expressão
de particularidades do modo de vida, mas aparece como "manifestações
de oposições ou aceitações que implicam num constante reposicionamento
dos grupos sociais na dinâmica das relações de classe" (Idem, p.35). A
diversidade cultural na sociedade brasileira tembém é fruto do acesso
diferenciado às informações, às instituições que asseguram a distribuição
dos recursos materiais, culturais e políticos, o que promove a utilização
distinta do universo simbólico, na perspectiva tanto de expressar as
especidades das condições de existência, quanto de formular interesses
divergentes. Dessa forma, a heterogeneidade cultural também tem uma
conotação político-ídeológica.
Essa mesma diversidade está presente na elaboração e na
expressão dos projetos individuais dos alunos, onde a escola se inclui. A
noção de projeto é entendida como uma construção, fruto de escolhas
racionais, conscientes, ancoradas em avaliações e definições de realidade,
EUNICE RIBEIRO HURHAM
Possui Graduação em Ciências Sociais, pela Universidade de São
Paulo (1954), Mestrado em Ciência Social
(Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1964) e
Doutorado em Ciência Social (Antropologia
Social) pela Universidade de São
Paulo (1967). Atualmente é professor titular da Universidade
de São Paulo. Tem experiência na área de
Antropologia, com ênfase em Antropologia
Urbana, atuando principalmente nos
seguintes temas: obra etnográfica, Bronislaw
Malinowski.
105
representando uma orientação, um rumo de vida (VELHO, 1987). Um
projeto é elaborado e constando em função do processo educativo, como
evidenciamos acima, sempre no contexto do campo educativo ou de um
"campo de possibilidades", ou seja, no contexto sócio-histórico-cultural
concreto, onde se insere o indivíduo, e que circunscreve suas possibilidades
de experiências. Com isso, afirmamos que todos os alunos têm, de uma
forma ou de outra, uma razão para estar na escola, e elaboram isto de uma
forma mais ampla ou mais restrita, no contexto de um plano de futuro.
Um outro aspecto do projeto é a sua dinamicidade, podendo ser
reelaborado a cada momento. Um fator que interfere nesta dinamicidade é a
faixa etária e o que ela possibilita enquanto vivência. Essa variável remete ao
amadurecimento psicológico, aos papéis socialmente construídos, ao
imaginário sobre as fases da vida. Concretamente, as questões e
interrogações postas por um adolescente serão muito diferentes das de um
jovem de 18 anos e, mais ainda, de um adulto de 30 anos. Um adolescente,
por exemplo, está às voltas com sua identidade sexual, com seu papel no
grupo: o que é ser homem? O que é ser mulher? Pode estar perplexo diante
dos diferentes modelos sociais de homem e mulher que lhe são passados
pelos meios de comunicação de massa, pelos colegas no trabalho, pela
família. Certamente, seu projeto individual vai espelhar este momento que vive.
Portanto, os alunos que chegam à escola são sujeitos sócio-
culturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais
amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre
existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de
possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos.
O que implicam estas considerações a respeito da diversidade
cultural dos alunos?
Um primeiro aspecto a constatar é que a escola é polissêmica, ou
seja, tem uma mult ipl icidade de sentidos. Sendo assim, não
podemos considerá-la como um dado universal, com um sentido único,
principalmente quando este é definido previamente pelo sistema ou
106
pelos prolessores. Dizer que a escola é polissêmica implica levar em conta
que seu espaço, seus tempos, suas relações podem estar sendo
significadas de forma diferenciada, tanto pelos alunos, quanto pelos
professores, dependendo da cultura e projeto dos diversos grupos sociais
nela existentes.
Sobre o significado da escola, as respostas são variadas: o lugar
de encontrar e conviver com os amigos; o lugar onde se aprende a ser
"educado"; o lugar onde se aumentam os conhecimentos; o lugar onde se
tira diploma e que possibilita passar em concursos. Diferentes significados
para um mesmo território certamente irão influir no comportamento dos
alunos, no cotidiano escolar, bem como nas relações que vão privilegiar.
Um segundo aspecto é a articulação entre a experiência que a
escola oferece, na forma como estrutura o seu projeto político-
pedagógico, e os projetos dos alunos. Se partíssemos da ideia de que a
experiência escolar é um espaço de formação humana ampla, e não
apenas transmissão de conteúdos, não teríamos de fazer da escola um
lugar de reflexão (refletir, ou seja, voltar sobre si mesmo, sobre sua
própria experiência) e ampliação dos projetos dos alunos?
Essa questão torna-se mais presente quando levamos em conta
as observações de Gilberto Velho:
[...] Quanto mais exposto estiver o ator a experiências diversificadas, quanto mais tiver de dar conta de ethos e visões de mundo contrastantes, quanto menos fechada for sua rede de relações ao nível do seu cotidiano, mais marcada será a sua autopercepção de individualidade singular. Por sua vez, a essa cons-ciência da individualidade, fabricada dentro de uma experiência cultural específica, corresponderá uma maior elaboração de um projeto (VELHO, 1987, p. 32).
107
A escola não poderia ser um espaço de ampliação de
experiências? Considerando-se principalmente a realidade dos alunos
dos cursos noturnos, a escola não poderia estar ampliando o acesso,
que lhes é negado, a experiências culturais significativas ?
Pensando no exemplo do adolescente em crise, referido
anteriormente, podemos nos perguntar também sobre quais lugares ele
possui para refletir sobre .suas questões e angústias pessoais. Quais
espaços e momentos podem contribuir para que ele se situe em relação
ao mundo em que vive? A família, nestes tempos pós-modernos, tem
dado conta de responder a demandas desse nível? São questões que
remetem a uma reflexão sobre a função social da escola e seu papel no
processo de formação de cidadãos. Essa discussão torna-se cada vez
mais urgente, principalmente se levarmos em conta, como Vicente BARRETO
(1992), que o domínio moral situa-se na ordem da razão, da qual a
educação é o instrumento, na sociedade democrática. Quando essa
ordem de valores éticos é rompida ou não é transmitida às novas
gerações, instala-se a violência, tornando inviável a vida social, política e
cultural.
Tais implicações desafiam os educadores a desenvolverem
posturas e instrumentos metodológicos que possibilitem o
aprimoramento do seu olhar sobre o aluno, como "outro", de tal forma
que, conhecendo as dimensões culturais em que ele é diferente, possam
resgatar a diferença como tal, e não como deficiência. Implica buscar
uma compreensão totalizadora desse outro, conhecendo "não apenas o
mundo cultural do aluno mas a vida do adolescente e do adulto em seu
mundo de cultura, examinando as suas experiências cotidianas de
participação na vida, na cultura e no trabalho". (BRANDÃO, 1986,
p.139).Tal postura nos desafia a deslocar o eixo central da escola para o
aluno, como adolescentes e adultos reais. Como nos lembra
Malinowski, para compreender o outro, é necessário conhecê-lo.
108
AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES EDUCATIVAS DO ESPAÇO ESCOLAR
O som estridente da campainha volta a soar, avisando, pela
segunda vez, que é hora de iniciar o turno. São 18h 35min e os alunos
continuam entrando pelo portão gradeado, deixando as cadernetas
com a servente. Entram sozinhos, em grupos, e dirigem-se para um
grande pátio coberto em frente à cantina. É grande a algazarra, som
de vozes, risos, gritos. Uns param no pátio, conversando em grupos,
brincando com outros; alguns seguem direto, pelos corredores, para a
sala de aula.
Vista de dentro, a escola ocupa um grande espaço. É formada
por dois grandes blocos. Um menor, com salas da administração, de
professores, uma biblioteca e uma sala um pouco maior, transformada
em auditório. Lá um pequeno pátio descoberto entre os dois blocos:
um pouco mais escuro é o lugar preferido dos poucos casais do
namorados. Um casal que está se beijando num canto é repreendido
pela servente: o namoro é proibido na escola.
O outro bloco tem um grande pátio coberto, que termina na
cantina e em dois longos corredores laterais, que dão acesso às salas
de aulas. Nesse pátio, existem 4 mesas grandes, baixas, de madeira,
para os alunos "tomarem a merenda". Grupos sentam-se sobre as
mesas, fazendo delas uma arquibancada. Conversam entre si, mexem
com os outros, brincam com as meninas que passam. Umas param e
ficam também a conversar. Nesses momentos, misturam-se alunos de
diferentes turmas. É perceptível um "clima" diferente daquele de
quando estão fora da escola.
O corredor do lado direito é limitado pelo muro alto que cerca a
escola; já o do lado esquerdo dá para um desnível, com uma quadra de
futebol embaixo, nesse momento, vazia. Há um movimento pelos
corredores e, na frente das salas, alguns alunos esperam a chegada dos
professores. No meio do bloco há um pequeno corredor que liga os dois
109
lados, onde estão os banheiros. Parece ser um lugar próprio para
qualquer transgressão, matar aula, por exemplo, pois, além de mais
escondido, pemite uma boa visão de quem se aproxima.
No seu conjunto, o espaço físico é rígido, retangular, frio, pouco
estimulante. As paredes são lisas, sem nenhum apelo. Apenas há, perto da
cantina, cartazes anunciando festas e alguns avisos da escola. Logo os
professores começam a passar pelo pátio e alguns alunos vão procurar um ou
outro professor. Com o sinal efelivo do começo das aulas, os alunos
encaminham-se para as salas e o pátio fica vazio.
A ARQUITETURA DA ESCOLA
A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras.
Desde a forma da construção até a localização dos espaços, tudo é
delimitado formalmente, segundo princípios racionais que expressam
uma expectativa de comportamento dos seus usuários. Nesse
sentido, a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das
pessoas, na definição das funções para cada local. Salas,
corredores, cantina, pátio, sala dos professores, cada um destes
locais têm uma função definida a priori. O espaço arquitetônico da
escola expressa uma determinada concepção educativa.
Um primeiro aspecto que chama atenção é o seu isolamento
do exterior. Os muros demarcam claramente a passagem entre duas
realidades: o mundo da rua e o mundo da escola, como que a tentar
separar algo que insiste em se aproximar. A escola tenta fechar-se
em seu próprio mundo, com suas regras, ritmos e tempos.
O território é construído de forma a levar as pessoas a um
destino, através dos corredores. Chega-se às salas de aula, o locus
central do educativo. Assim, boa parte da escola é pensada para
uma locomoção rápida, contribuindo para a disciplinação. A
110
biblioteca fica num canto do prédio, espremida num espaço reduzido.
Nenhum local, além da sala de aula, é pensado para atividades
pedagógicas. Da mesma forma, a pobreza estética, a falta de cor, de
vida, de estímulos visuais, deixam entrever a concepção educativa
estreita, confinada à sala de aula e à instrução, tal como afirmamos
anteriormente.
Os alunos, porém, apropriam-se dos espaços, que a rigor,
não lhes pertencem, recriando neles novos sentidos e suas próprias
formas de sociabilidade. Assim, as mesas do pátio tornam-se
arquibancadas, pontos privilegiados de observação do movimento. O
pátio torna-se lugar de encontro, de relacionamentos. O corredor,
pensado para locomoção, é também utilizado para encontros, onde
muitas vezes os alunos colocam cadeiras em torno da porta. O
corredor do fundo torna-se o local da transgressão, onde ficam
escondidos aqueles que "matam" aulas. O pátio do meio é re-
significado como local do namoro. É a própria força transformadora
do uso efetivo sobre a imposição restritiva dos regulamentos. Fica
evidente que essa re-significação do espaço, levada a efeito pelos
alunos, expressa sua compreensão da escola e das relações, com
ênfase na valorização da dimensão do encontro.
Dessa forma, para os alunos, a geografia escolar e, com isso,
a própria escola, tem um sentido próprio, que pode não coincidir com
o dos professores e mesmo com os objetivos expressos pela
instituição. Mas não só os alunos re-significam o espaço; também os
professores o fazem. Uma das professoras dessa escola descrita,
ocasionalmente, em dias de muito calor, leva seus alunos para as
mesas do pátio, fazendo dali uma sala de aula, para o prazer de
todos.
Essa questão, no entanto, é pouco discutida entre os
educadores. Não se leva em conta que a arquitetura é o cenário onde se
desenvolve o conjunto das relações pedagógicas, ampliando ou limitando
suas possibilidades. Mesmo que os alunos, e também professores, o re-
111
signifiquem, existe um limite que muitas vezes restringe a dimensão
educativa da escola. É muito comum, por exemplo, professores
desenvolverem pouco trabalho de grupo com seus alunos, em nome de
dificuldades, tais como: tamanho da sala, carteiras pesadas etc. Uma
discussão sobre a dimensão arquitetônica é importante em um projeto de
escola que se proponha a levar em conta as dimensões sócio-cullurais do
processo educativo. Ao mesmo tempo, é preciso estarmos atentos à forma
como os alunos ocupam o espaço da escola e fazermos desta observação
motivo de discussões entre professores e alunos. Atividades, como essas,
poderiam contribuir, e muito, para desvelar e aprofundar a polissemia da
escola.
A DIMENSÃO DO ENCONTRO
As cenas descritas evidenciam que a escola é essencialmente
um espaço coletivo de relações grupais. O pátio, os corredores, a sala
de aula, materializam a convivência rotineira de pessoas. No momento
em que os jovens cruzam o portão gradeado, ocorre um "rito de
passagem", pois passam a assumir um papel específico, diferente
daquele desempenhado em casa, tanto quanto no trabalho, ou mesmo
no bairro, entre amigos. Neste sentido, os comportamentos dos sujeitos,
no cotidiano escolar, são informados por concepções geradas pelo
diálogo entre suas experiências, sua cultura, as demandas individuais e
as expectativas com a tradição ou a cultura da escola.3
A forma das relações entre os sujeitos vai variar também,
dependendo do momento em que ocorrem, seja fora ou dentro da
escola, fora ou dentro da sala, numa clara relação entre tempo e espaço.
O recreio é o momento de encontro por excelência, além de ser o da
alimentação. Os alunos de diferentes turmas misturam-se, formando
grupos de interesse. Enquanto uns merendam, outros, quase sempre
rapazes, sentam-se sobre as mesas no pátio. Alguns grupos de moças
ficam andando por ali, num footing pelo pátio; outros ficam em sala ou
pelos corredores, em pequenos grupos. É também comum haver grupos
3. Para FORQUIN (1993), a cultura da
escola são suas características de vida própria, seus ritmos e ritos, suas linguagens,
seu imaginário, seu regime peculiar de
produção e gestão de símbolos. Como
expressão da cultura, também é dinâmica, se
efetivado de fato quando os sujeitos se
apropriam desse imaginário e o
reelaboram no seu cotidiano. É isso que faz de cada escola, e nesta, de cada turno,
uma experiência peculiar.
112
menores nas salas jogando truco. É o momento da fruição da afetividade,
quando os alunos ficam mais soltos, conversam, discutem, paqueram.
Há um clima diferente entre o encontro no início das aulas, e o
da hora da saída, quando as relações tornam-se mais fugazes, com
mais avisos, recados, combinações. Em cada um destes momentos,
predomina um tipo de relação, com comportamentos e atitudes próprios,
regras e sanções.4
Em qualquer um dos lugares mencionados, o tempo é sempre
curto para um fluir das relações. Na medida em que a escola não
incentiva o encontro ou, ao contrário, dificulta a sua concretização, ele dá-
se sempre nos curtos espaços de tempo permitidos ou em situações de
transgressão. Assim, as relações tendem a ser superficiais, com as
conversas girando em torno de temas como paqueras, comentários sobre
alguma moça ou rapaz, programas de televisão. Durante a observação,
nunca tive oportunidade de presenciar alguma conversa que aprofundasse
mais algum tema.
A sala de aula também é um espaço de encontro, mas com
características próprias. É a convivência rotineira de pessoas com
trajetórias, culturas, interesses diferentes, que passam a dividir um mesmo
território, pelo menos por um ano. Sendo assim, formam-se sub-grupos,
por afinidades, interesses comuns etc. É a formação de "panelinhas",
quase sempre identificadas por algum dos estereótipos correntes: a turma
da bagunça, os C.D.F, os mauricinhos. A ocupação dos territórios, muitas
vezes, coincide com os comportamentos dos grupos: a turma da bagunça
tradicionalmente ocupa o fundo da sala, tornando-se a "turma de trás";
os CDF ocupam as cadeiras da frente, é a "turma do gargarejo". Com as
conversas e brincadeiras ocorrendo preferencialmente no interior de
cada um deles, cada grupo tem regras e valores próprios. Ao mesmo
tempo, há vários alunos "soltos", que parecem não se ligar a nenhum dos
grupos, ou porque não se identificam, ou porque, de alguma forma, são
excluídos. Interfere aqui a mobilidade dos alunos entre escolas. Na sala
de aula observada, de 26 alunos, 10 haviam chegado nesse último ano.
4. Refletindo sobre as diferentes formas de interação entre os alunos destes
com o ambiente no cotidiano escolar,
MACLAREN (1991, P.131) classifica
como “estados de interação” os
diferentes estilos de relação. Identifica
quatro estilos básicos de “esquina de rua”, “estudante”,
“santidade” e” de casa”. Em cada um
deles identifica conjuntos,
organizados de comportamentos,
dos quais os emerge um sistema de práticas vividas.
113
Outro fator que interfere nos agrupamentos são os critérios de enturmacão,
levados a efeito pela escola. A tendência é separar as turmas anualmente,
desfazendo as "panelinhas", separando os "bagunceiros", numa lógica
que privilegia o bom comportamento em detrimento da possibilidade de
um aprofundamento dos contatos. Se em cada ano as turmas são mistu-
radas, há um reiniciar constante das relações, dificultando o seu desen-
volvimento. Mais uma vez a escola expressa a lógica instrumental.
De qualquer forma, o cotidiano na sala de aula reflete uma
experiência de convivência com a diferença. Independente dos
conteúdos ministrados, da postura metodológica dos professores, é um
espaço potencial de debate de idéias, confronto de valores e visões de
mundo que interferem no processo de formação e educação dos alunos.
Ao mesmo tempo, é (mas poderia ser muito mais) um momento de
aprendizagem de convivência grupal, onde as pessoas estão lidando
constantemente com as normas, os limites e a transgressão. Como
lembra BRANDÃO (1986, p.121), a sala de aula
[...] funciona não como o corpo simples de alunos e professores regidos por princípios igualmente simples que regram a chatice necessária das atividades pedagógicas. A sala de aula organiza sua vida a partir de uma complexa trama de relações de aliança o conluios, de imposição de normas e estratégias individual ou coletivas de transgressão, de acordos. A própria atividade escolar, como o dar aula, fazer prova, era apenas um breve corte, no entanto, poderoso e impositivo, que interagia, determinava relações e era determinado por relações sociais, ao mesmo tempo internas e externas aos limites da norma pedagógica.
Em cada um desses espaços e momentos, a vivência do tempo
é específica. Assim, o tempo do recreio é sempre curto, passa rápido,
com vários eventos ocorrendo ao mesmo tempo e os alunos podendo
envolver-se com todos eles. Já o tempo na sala de aula tende a ser
longo, ligado ao lazer, um contínuo "transformar a impaciência em
hábito", num claro processo de disciplinação.
114
Podemos dizer que a escola se constitui de um conjunto de
tempos e espaços ritualizados. Em cada situação, há uma dimensão
simbólica, que se expressa nos gestos e posturas acompanhados de
sentimentos. Cada um dos seus rituais possui uma dimensão
pedagógica, na maioria das vezes, implícita, independente da
intencionalidade ou dos objetivos explícitos da escola. É o que muitos
autores entendem como "currículo oculto" (SILVA, 1994). Os diferentes
comportamentos dos alunos, a relação com os professores, a semana
de provas são exemplos desses rituais escolares.
Além desses, há um outro tipo de rituais, ligados às datas
comemorativas. São momentos mais intensos, que demandam um
investimento maior dos professores e um maior envolvimento dos
alunos. Alguns servem para fortalecer emocionalmente alunos e/ou
professores: é o caso da Semana do Estudante, do Dia dos Professores
ou Dia das Mães. Outros funcionam para tentar injetar uma renovação
do compromisso com as motivações e valores dominantes: é o caso da
Semana da Pátria. E, ainda, outros enfatizam a memória coletiva, ativando
lembranças que manifestam a tradição de um grupo: como é o caso das
festas juninas. Todos eles são momentos que garantem a reprodução de
valores considerados universais na nossa cultura, contribuindo, de
alguma forma, na construção dos elementos de uma "identidade
nacional".
Vista por esse ângulo, a escola torna-se um espaço de encontro
entre iguais, possibilitando a convivência com a diferença, de uma
forma qualitativamente distinta da família e, principalmente, do trabalho.
Possibilita lidar com a subjetividade, havendo oportunidade para os
alunos falarem de si, trocarem idéias, sentimntos. Potencialmente,
permite a aprendizagem de viver em grupo, l idar com a diferença,
com o confito. De uma forma mais restrita ou mais ampla, permite o
acesso aos códigos culturais dominantes, ncessários para se disputar um
espaço no mercado de trabalho.
Tomaz Tadeu da Silva
Tomaz Tadeu da Silva é P.h.d. pela Stanford
University (1984). Atualmente é professor
colaborador do Programa em Pós-
Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Seu último (2007) trabalho publicado é a tradução da Ética, de Spinoza (Autêntica). Publicou mais de 30 artigos em periódicos
especializados, 30 capítulos de livros e 25 livros. Atua na área de educação, com ênfase em Teoria do Currículo.
Em seu Currículo Lattes, os termos mais
frequentes na contextualização da
produção científica são: currículo, diferença, Deleuze, Foucault,
neoliberalismo, Estudos Culturais, identidade e pós-
modernismo.
115
Olhar a instituição escolar pelo prisma elo cotidiano permite vislum-
brar a dimensão educativa presente no conjunto das relações sociais que
ocorrem no seu interior. A questão que se coloca é que esta dimensão
ocorre predominantemente pela prática usual dos alunos, à revelia da
escola, que não a potencializa. Os tempos que a escola reserva para
atividades de socialização são mínimos, quando não reprimidos.
Comentando sobre esse aspecto, principalmente na ótica dos alunos
BRANDÃO (1986, p.119) afirma:
“Aos olhos do observador formal esta face tribal, desbragada e
não visivelmente estruturada, ocorre como inexistente, ou são
simplesmente profanas e profanadoras o bastante para não serem
considerados. No entanto, na dinâmica cotidiana da sala de aula e
mesmo da vida da escola, este conjunto absolutamente ordenado,
regrado e criativo de práticas escolares, autônoma e
transgressivelmente pedagógicas, interagia com as "atividades
planejadas". Em boa medida, sempre foi da interaçao justamente entre
este lado livre e permissivo da iniciativa discente, e os mecanismos
pedagógicos de controle docente, que a própria vida real da escola se
cumpria como uma realidade social culturalmente existente, e não
apenas pedagógica e formalmente pensada.
A DIMENSÃO DO CONHECIMENTO NA ESCOLA
Às 18h 35min chego à porta da sala. A sala está vazia: dentro,
três meninas cochichando num canto, quatro rapazes no fundo
discutindo futebol. No dia anterior houve jogo do Atlético. Os quatro
restantes estão calados. São onze alunos de uma turma de vinte e
seis.
A professora S., de Geografia, chega, cumprimenta os alunos;
eles respondem, mas pouca coisa muda, os alunos continuam do mesmo
jeito. Ela diz que vai continuar com a matéria, a geografia da América
do Norte. Começa a escrever um "resumo" no quadro, a respeito da
colonização dos EUA. Num primeiro momento, os alunos movimentam-
116
se: pegam os cadernos, abrem, e começam a escrever. Mas não
demoram cinco minutos começa a desconcentração na sala, gerando
uma situação comum a quase todas as aulas: apenas os alunos que
estão na primeira fila copiam silenciosos. O restante inicia um movimento
de escrever no caderno, por pouco tempo. Param, conversam com os
colegas dos lados, voltam a copiar. Um aluno levanta, vai até outra
carteira. Outro pede uma caneta emprestada. Ao meu lado, José
começa a conversar com Angela, sentada na sua frente, sobre beijos,
abraços, numa brincadeira de sedução. Brincadeira, porque há uma
regra implícita de não se namorar alguém da própria sala. Do outro lado,
Vander liga o wallkman e fica escutando rádio; logo depois empresta
um dos fones para Sheila escutar uma música. Às vezes, entabulam
alguma discussão, mas sem nenhuma relação com o que se passa na
sala.
A cada aluno que vai chegando, até às 18h 50min, altera-se o
clima: sempre alguém tem algum comentário, algum recado para
aquele que chega. Em quinze minutos chegaram sete alunos, mesmo
assim, fica evidente como o primeiro horário é sempre esvaziado.
Maria levanta a voz e "ordena" que todos tragam as cartolinas
para a festa do Haloween. Parece ter uma liderança na turma. A
professora S. continua escrevendo no quadro, sem alterar-se com o
zum zum zum. Para os alunos, a atividade parece ser uma obrigação,
que eles cumprem para se verem livres. A maioria expressa um tédio
que é compensado pelo clima de "ti ti ti" que eles próprios criam em
sala. Tudo é motivo de brincadeira: entra uma abelha na sala e
começa uma pequena confusão para tirá-la: "olha a picadura deste
bicho, einh!" grita Celso, lá de trás. A "turma de trás", correspondendo
às imagens criadas, é sempre mais barulhenta e desafiadora.
Proessora S. acaba de copiar, coloca seu caderno na mesa e
começa a andar pela sala. No fundo, pára na carteira de José e
pergunta por que ele não está copiando. Ele, sério, diz que está com
um problema na mão, devido a um acidente na fábrica e que Maria
117
está copiando para ele. S. aceita a desculpa. Ele me vê observando a
conversa e pisca para mim, dando a entender que conseguiu enrolar a
professora.
S. começa a explicar a matéria: a explicação baseia-se no
resumo que está no quadro. Não desperta a atenção da turma. Todos
estão calados, mas poucos prestam atenção no que ela fala:
continuam a copiar, desenham, ficam quietos, ouvem música.
S. faz a chamada pelos números da lista. Soa o sinal avisando
o fim da aula. S. despede-se, dizendo que continua a explicação na
terceira aula daquele mesmo dia. O horário é significativo: 4 aulas de
quarenta minutos cada. Nesse dia, os alunos terão Geografia, Educação
Artística, Geografia, Matemática. Chamou-me a atenção o fato de S.
não tocar no assunto do eclipse, que ocorreria naquela noite.
Essa aula servirá de modelo ao fazermos algumas considerações.
Num primeiro momento, observar a sala de aula é constatar o óbvio, a
"chatice" de uma rotina asfixiante, onde pouca coisa muda. O que é uma
sala de aula? Uma turma de alunos, uns interessados e bem comportados,
outros nem um pouco interessados, em constante bagunça. Os
professores, uns mais envolvidos que outros, mais criativos ou tediosos. Os
processos terminam sendo muito parecidos: ensinar a matéria. Mas se
apurarmos o olhar, por trás desta aparente obviedade, existe uma dinâmica
e complexa rede de relações entre os alunos e destes com os
professores, num processo contínuo de acordos, conflitos, construção de
imagens e estereótipos, num conjunto de negociações, onde os próprios
atores, alunos e professores, parecem não ter a consciência da sua
dimensão. Essa rede aparece como relações naturalizadas, óbvias, de
qualquer sala de aula.
Um aspecto que chama a atenção são os papéis de aluno e de
professor. Esses papéis não são dados, mas sim construídos, nas relações
no interior da escola, onde a sala de aula aparece como o espaço
118
privilegiado. Na construção do papel de aluno, entra em jogo a identidade
que cada um veio construindo, até aquele momento, em diálogo com a
tradição familiar, em relação com a escola, e com suas experiências
pessoais em escolas anteriores. É um diálogo com estereótipos socialmente
criados, que terminam por cristalizar modelos de comportamento, com os
quais os alunos passam a se identificar, com maior ou menor proximidade: o
"bom aluno"; o "mau aluno", o "doidão"; o "bagunceiro"; o "tímido", o
"esforçado". Concorre para essa escolha a tradição que a própria escola e
seus professores mantêm, relacionada com uma concepção de aluno,
naquele espaço. Em cada situação, a turma vai lançando mão desses
elementos do imaginário escolar e os reelabora a partir da situação
específica de cada um. A construção do papel desses jovens, como
alunos, vai dando-se, assim, na concretude das relações vivenciadas, com
ênfase na relação com os professores. É esse mesmo entrecruzamento de
modelos que constrói os diferentes "tipos" de professores e demais sujeitos
da escola.
Na relação entre professor e aluno, existe um discurso e um
comportamento de cada professor que termina produzindo normas e
escalas de valores, a partir das quais classifica os alunos e a própria
turma, comparando, hierarquizando, valorizando, desvalorizando. Dessa
forma, a turma, como um todo, e os alunos, em particular, podem ter uma
reação própria a cada professor, dialogando, negando ou assumindo a sua
imagem. Nessa construção de imagens e estereótipos, mesmo sendo fruto
das relações entre alunos e professores, o discurso e a postura destes têm
uma influência muito grande, interferindo diretamente na produção de
"tipos" de alunos e da própria turma.
Uma turma pode ser "bagunceira" ou "fraca" para uns professores e
não o ser para outros, mas certamente isto interfere na auto-imagem, e ela
pode assumir de fato o "tipo" ou abrir o conflito com o professor. Na escola
observada, por exemplo, os professores comparavam duas turmas de 8ª série,
uma delas considerada pior que a outra. Falavam disso constantemente,
quando havia algum problema, quase sempre ligado à disciplina. Os alunos,
quando se referiam a essa imagem negativa, expressavam um certo
ressentimento, quase a dizer que se sentiam rejeitados. Assim, cada turma
119
pode ter uma especificidade em relação às demais. E mais, com cada
professor pode ter uma reação diferenciada, dependendo da forma como se
constroem as relações.
É significativo também que, nesse jogo de papéis, as imagens cria-
das quase sempre se refiram a um dos aspectos cognitivos (bom e mau
aluno, inteligente e preguiçoso, responsável e irresponsável etc.) e aos
comportamentos em sala, expressão da lógica instrumental, que, como
vimos anteriormente, representa o aluno reduzido a sujeito cognoscente,
mas de forma mecânica.
Nessa criação de imagens e papéis, onde geralmente se expressam
com mais clareza os preconceitos e racismos existentes nas relações, são
comuns imagens ligadas à cor ou à raça, e mesmo a questões sexuais, com
ênfase no homossexualismo e na prostituição.
De uma forma ou de outra, a construção dessas auto-imagens
interfere, e muito, no desempenho escolar da turma e do aluno, refletindo
também no seu desempenho social, em outros espaços além da escola. Existe
uma dimensão educativa nas relações sociais vivenciadas no interior da
instituição, nesse processo de produção de imagens e estereótipos, que
interfere na produção da subjelividade de cada um dos alunos, de forma
positiva ou negativa. Um jovem, taxado de "mau aluno", assumindo ou não o
estereótipo, tende a se ver assim e deixar-se influenciar por esse rótulo, que
se torna um elemento a mais na produção de sua subjetividade. Aliada a outros
fatores, como as repetências constantes (numa turma de 26 alunos, 18 já
tinham tomado pelo menos uma bomba), ou a desqualificação no trabalho,
contribuem, no seu conjunto, para produzir, no caso desses jovens
trabalhadores, uma subjetividade inferiorizada.
Um segundo eixo de questões refere-se ao cotidiano das aulas e à
relação com o conhecimento. No dia a dia das relações entre professor e
alunos, parecem existir dois mundos distintos: o do professor, com sua
matéria, seu discurso, sua imagem; e o dos alunos, com sua dinâmica. Os
120
dois mundos às vezes se tocam, se cruzam mas, na maioria das vezes,
permanecem separados.
Para boa parte dos professores, não todos, é verdade, a sala se
reduz a uma relação simples e linear entre eles e seus alunos, regida por
princípios igualmente simples. Como descrevemos no início deste
trabalho, os alunos são vistos de forma homogênea, com os mesmos
interesses e necessidades, quais sejam, o de aprender conteúdos para
fazer provas e passar de ano. Cabe, assim, ao professor, ensinar, transmitir
esses conteúdos, materializando o seu papel. O professor parece não
perceber ou não levar em conta a trama de relações e sentidos existentes
na sala de aula. O seu olhar percebe os alunos apenas enquanto seres de
cognição e, mesmo assim, de forma equivocada: sua maior ou menor
capacidade de aprender conteúdos e comportamentos; sua maior ou
menor disciplina.
Imerso nessa visão estreita da educação, dos processos educativos,
do seu papel como educador e, sobretudo do aluno, o professsor não
percebe a dimensão do conjunto das relações que se estabelecem ali na
sua frente, na sala de aula. Deixa, assim, de potencializar a apren-
dizagem, já em curso, de uma das dimensões humanas, ou seja, do
grupo, das relações sociais e seus conflitos.
Diante da aula, a pergunta imediata poderia ser: quais são os objetivos
desta unidade? Qual a relação que existe com a realidade dos alunos? O que
e em que este tema acrescenta algo ou é importante para cada um deles? Em
nenhum momento, a professora ou qualquer outra professora explicitou os
objetivos específicos da matéria que está ensinando. O professor não diz e
os alunos também não perguntam. Parece que a resposta está implícita: o
conhecimento é aquele consagrado nos programas e materializado nos
livros didáticos. O conhecimento escolar reduz-se a um conjunto de
informações já construídas, cabendo ao professor transmiti-las e, aos
alunos, memorizá-las. São descontextualizadas, sem uma intencionalidade
explícita e, muito menos, uma articulação com a realidade dos alunos. No
caso desses conteúdos, por exemplo, os jovens são “bombardeados”
121
constantemente pela indústria cultural, com elementos da cultura
americana: roupas, gírias, atividades de lazer etc. Não seria o caso de
estabelecer relações entre as duas realidades? De analisar essas relações, a
partir do que os próprios alunos já sabem sobre aquele país? O que se
questiona não é tanto o conteúdo escolar em si, apesar das muitas
aberrações existentes, mas a forma como é entendido e trabalhado
pelo professor. Da forma como está posto, o conhecimento escolar
deixa de ser um dos meios através dos quais os alunos podem se
compreender melhor, compreender o mundo físico e social onde se
inserem, contribuindo, assim, na elaboração de seus projetos.
Também podemos nos perguntar se a escola, mais do que enfatizar a
transmissão de informações, cada vez mais dominadas pelos meios
de comunicação de massa, não deveria se orientar para contribuir na
organização racional das informações recebidas e na reconstrução
das concepções acríticas e modelos sociais recebidos.
Os professores, na sua maioria, presos que estão a esta forma
de lidar com os conteúdos, deixam de se colocar como expressão de
uma geração adulta, portadora de um mundo de valores, regras,
projetos e utopias a ser proposto aos alunos. Deixam de contribuir no
processo de formação mais amplo, como interlocutores desses alunos,
diante das suas crises, dúvidas, perplexidades geradas pela vida
cotidiana.
Cabe perguntar: está havendo, nesse caso, um processo de
aprendizagem? Se levarmos em conta a noção de aprendizagem
significativa, a resposta é não. Na concepção desenvolvida por
SALVADOR (1994), o aluno aprende quando, de alguma forma, o
César Coll Salvador é Diretor do Departamento de Psicologia Evolutiva e professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona, Espanha. Lá foi o Coordenador da reforma do ensino de1990, a Renovação Pedagógica. O modelo desenvolvido por ele e sua equipe inspirou mudanças na educação de diversos países, inclusive do Brasil. Como consultor do Ministério da Educação (MEC) entre 1995 e 1996, colaborou na elaboração dos nossos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados em 1997.
122
conhecimento se torna significativo para ele, ou seja, quando estabelece
relações substantivas e não arbitrárias entre o que se aprende e o que
já conhece. É um processo de construção de significados, mediado por
sua percepção sobre a escola, o professor e sua atuação, por suas
expectativas, pelos conhecimentos prévios que já possui. A
aprendizagem implica, assim, estabeIecer um diálogo entre o
conhecimento a ser ensinado e a cultura de origem do aluno.
E aqui retomamos a discussão sobre a diversidade cultural.
Tanto a Antropologia, quanto a Psicologia e a Linguística, entre outras
áreas das Ciências Sociais, já constataram a relação íntima existente
entre a cultura de origem, os sentimentos e emoções, e as suas
expressões ou, em outras palavras, a relação íntima entre a
construção de um universo simbólico e a dimensão cognitiva, como
evidencia Basil BERNSTEIN (1971, p.28). Este autor mostra também que
a cognição se expressa nos diferentes usos da linguagem, relacionando-
a às diferenças de classes sociais: "A receptividade de uma forma
particular de estrutura da língua determina a maneira como são
construídas as relações com os ojbjetos e a orientação para uma
manipulação própria das palavras." Quando afirmamos a existência de
BASIL BERNSTEIN
Autor da teoria sobre os impedimentos sociais no aprendizado e sobre o papel que a comunicação linguística desempenha em uma sociedade estruturada em classes, sua obra teve grande influência na reforma educacional de países como Chile e México. Basil Bernstein nasceu em Londres, filho de uma família de imigrantes judeus. Em 1947, foi estudar Ciências Sociais na London School of Economics, curso trocado depois pelo de Sociologia. Sem qualquer ajuda econômica, foi obrigado a trabalhar para continuar os estudos. Em 1960, conseguiu uma bolsa de pesquisa em Fonética no University College de Londres, instituição na qual posteriormente faria seu Doutorado em Lingüística. Dois anos depois, ingressou no Instituto de Educação, assumindo o cargo de professor-adjunto de Sociologia da Educação. Alguns meses mais tarde era promovido a professor, sendo em 1967 nomeado catedrático e diretor do Departamento de Pesquisa Sociológica. Foi nessa época que escreveu duas de suas obras mais importantes: Estudos Teóricos para uma Sociologia da Linguagem (1971) e Estudos Aplicados (1973). Suas pesquisas culminaram com a publicação de A Estrutura do Discurso Pedagógico, em 1997.
123
uma diversidade cultural entre os alunos, implica afirmar que, numa
mesma sala, podemos ter uma diversidade de formas de articulação
cognitiva. Dessa forma, para a aprendizagem efetivar-se, é
necessário levar em conta o aluno em sua totalidade, retomando a
questão do aluno como um sujeito sócio-cultural, quando sua cultura,
seus sentimentos, seu corpo, são mediadores no processo de ensino e
aprendizagem.
Além da postura pedagógica dos professores, cabe também
nos perguntarmos pela qualidade dos conhecimentos, dos conteúdos
ministrados na escola. O que observamos, em grande parte das aulas
assistidas, das mais diferentes matérias, é que o que é oferecido aos
alunos é uma versão empobrecida, diluída e degradada do
conhecimento. A falta de acesso dos alunos a um corpo de
conhecimentos significativos, com coerência interna, que possibilite um
diálogo com sua realidade, aliada a uma postura pedagógica estreita,
pode ser uma das causas centrais do fracasso da escola,
principalmente daquela dirigida às camadas populares.
Vista num outro ângulo, a aula, para os alunos, parece ser uma
provação necessária para atingir a meta, que é ter notas para passar
de ano. O que dá sentido e motivação são as notas, os possíveis
pontos que vão ganhar com cada uma das atividades passadas pelo
professor. Nosso período de observação foi o 4° bimestre, e as
conversas dominantes entre os alunos eram a respeito dos pontos
necessários para passar em cada uma das matérias, aquelas em que
precisavam mais ou, menos e – felicidade – aquelas nas quais não
precisavam de nenhum ponto. Nesses casos, nem era mais necessário
frequentar as aulas. O conteúdo é encarado como um meio para o
verdadeiro fim: passar de ano. E a escola também tende a se tornar
um meio para outro fim: o diploma e, com ele, a esperança de um
emprego melhor, ou uma certa estabilidade ocupacïonal.
Se os alunos têm essa percepção das aulas e dos conteúdos é
porque ela, assim, veio sendo construída nas experiências escolares.
124
Mais do que "alienação" dos alunos, como muitos professores gostam de
afirmar, é fruto da própria cultura escolar. Mas no cotidiano da sala de
aula, mesmo tendo estes objetivos, as alunos vão produzindo estratégias
próprias, para suportar a "chatice necessária" das aulas. O que parece
mesmo ajudar a passar o tempo são as conversas e brincadeiras, o
ritmo alternado de concentração e desconcenlração. A intensidade e o
grau de envolvimento nas aulas vão depender do papel que se assume
como aluno. Na sala, tem desde aqueles que não dão uma palavra,
ficando quietos praticamente todo o período, até os que não param ou
que ficam escutando rádio pelo walkman.
Os estudantes tendem a criar um mundo próprio, mais ou
menos permeável, dependendo de cada professor e da relação que
ele cria com a turma. Poucos conseguem tocar efetivamente a turma.
Nesse sentido, ficam reduzidas as passibilidades educativas. O cotidiano
evidencia a pouca ênfase na criação de hábitos necessários ao trabalho
intelectual. Os professores não conseguem (e muitas vezes não preten-
dem) disciplinar minimamente os alunos, por exemplo, na atenção, na
concentração. Nas aulas, não estimulam o exercício das capacidades de
abstração, de questionamento, de articulação entre fatos etc. Em suma,
não há uma intencionalidade naquilo que seria uma das funções
centrais da escola, que são as habilidades básicas necessárias ao
processo de construção de conhecimentos. Parece que o que é
aprendido, neste nível, o é individualmente, sem uma intencionalidade,
por parte dos professores ou da escola.
Junto a esta dimensão do conhecimento, um outro elemento
fundamental na escola são as alividades extra-classe. O próprio nome já
indica que são atividades realizadas fora dos marcos do que são
considerados efetivamente pedagógicos. Talvez por isso mesmo, nelas,
o prazer e o lúdico são permitidos. Nessas atividades, nem todos os
alunos, e muito menos o conjunto dos professores, participam. São
momentos quando fica mais explícita a noção de uns e outros a respeito
da escola, sua função, suas dimensões educativas. Para muitos alunos, e
também professores, as atividades extra-classe são perda de tempo,
"penduricalhos" pedagógicos, que pouco acrescentam à dimensão
125
educativa central, que é a transmissão de conteúdos, o "ensino forte", no
dizer de muitos alunos.
Presenciamos um destes eventos, a festa do Halloween,
coordenada pelas professoras de Inglês, Português e Educação Física.
Cada turma teve de preparar alguma alividade para apresentar, à noite, além
de contribuir na confecção da ornamentação: vampiros, aranhas e
morcegos de cartolina. A preparação deu-se em uma semana, mudando
o clima da escola, de um cotidiano monótono, para uma excitação
significativa. Durante a semana, o recreio era o momento em que cada
turma ensaiava sua apresentação e, nas aulas, os alunos organizam-se. No
dia, a comunidade lotou o anfiteatro, evidenciando uma predisposição a
participar de atividades culturais. As apresentações, na sua maioria, foram
coreografias coletivas de dança. Era visível o envolvimento e interesse de
boa parte dos alunos. O fato de uma turma produzir uma coreografia,
ensaiar, dividir responsabilidades, brigar com aqueles que não queriam se
envolver, produzir as fantasias, ficar tensa na véspera da apresentação,
apresentar e ser aplaudida, é uma experiência educativa intensa. Não
deixa de significar um resgate da capacidade de criar, expressar, de
potencializar as capacidades que quase nunca são estimuladas no cotidiano
destes jovens.
Ao mesmo tempo, chama a atenção o fato da escola não
aproveitar esses momentos e situações para ampliar seu trabalho
educativo, relacionando tais ações ao cotidiano da sala de aula, aos
conteúdos, ampliando o acesso dos alunos aos bens e expressões
culturais. O que foi apresentado foi criação apenas dos alunos, sem
nenhuma orientação ou acréscimo por parte dos professores. Apesar
daqueles professores que promoveram a festa trabalharem de alguma
forma com o tema em suas aulas, havia uma desconexão entre o
conteúdo da sala e o extra-classe. Mas, mesmo com esses limites, uma
atividade como esta aponta para a riqueza pedagógica dessas
situações, contribuindo, através do prazer, para o reforço da auto-
estima, do sentimento de ser criativo, para o fortalecimento do
sentimento de grupo entre os alunos e os professores. Aponta também
126
para o potencial da escola como um espaço de cultura e lazer para o
próprio bairro.
Um último aspecto a ser analisado diz respeito à estrutura da
escola. A forma como a escola se organiza, como divide os tempos e
espaços, pouco leva em conta a realidade e os anseios dos alunos. Há
aí um deslocamento: a escola parece organizar-se para si mesma,
como se a instituição em si tivesse algum sentido. Exemplo claro deste
deslocamento é o horário de início das aulas. Se grande parte dos
alunos dessa escola são trabalhadores, iniciar as aulas às 18h 30min irá
resultar em não menos de 50% do infrequência diária no primeiro
horário. Isso evidencia a falta de sensibilidade de colocar a organização
da escola em função daqueles que são sua razão do existir, ou seja, os
alunos.
Finalizando, vimos construindo, ao longo deste texto, um determinado
olhar sobre a instituição escolar, apreendida enquanto espaço sócio-
cultural. Neste sentido, buscamos apreender alunos e professores como
sujeitos sócio-culturais, ou seja, sujeitos de experiências sociais que são
feitas reproduzindo e elaborando uma cultura própria. Na escola,
desempenham um papel ativo no cotidiano, definindo de fato o que a
escola é, enquanto limite e possibilidade, num diálogo ou conflito constante
com a sua organização. Portanto, vimos definindo a escola como uma insti-
tuição dinâmica, polissêmica, fruto de um processo de construção social
Nesta ótica, ressaltamos aspectos e dimensões presentes no
cotidiano escolar, que muitas vezes nos passam despercebidos,
aparecem como "naturalizados" ou óbvios, que nada acrescentam aos
"objetivos educacionais". Buscamos desvelar como os atores lidam na
escola com o espaço, o tempo e seus rituais cotidianos. Concluímos
que os atores vivenciam o espaço escolar como uma unidade sócio-
cultural complexa, cuja dimensão educativa encontra-se também nas
experiências humanas e sociais ali existentes. Os alunos parecem
vivenciar e valorizar uma dimensão educativa inportante em espaços o
tempos que geralmente a Pedagogia desconsidera: os momentos do
127
encontro, da afelividade, do diálogo. Independente dos objetivos explícitos
da escola, vem ocorrendo no seu interior uma multiplicidade de situações e
conteúdos educativos, que podem e devem ser potencializados. É
fundamental que os profissionais da escola reflitam mais detidamente a
respeito dos conteúdos e significados da forma como a escola se organiza
e funciona no cotidiano.
Acreditamos que a escola pode e deve ser um espaço de formação
ampla do aluno, que aprofunde o seu processo de humanização,
aprimorando as dimensões e habilidades que fazem de cada um de nós
seres humanos. O acesso ao conhecimento, às relações sociais, às
experiências culturais diversas, podem contribuir, assim, como suporte no
desenvolvimento singular do aluno como sujeito sócio-cultural, e no
aprimoramento de sua vida social.
Tornam-se necessários a ampliação e o aprofundamento das
análises que, como essa, buscam apreender a escola na sua dimensão
cotidiana, apurando o nosso olhar sobre a instituição, seu fazer e seus
sujeitos, contribuindo, assim, para a problematização da sua função social.
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Ferdinan Francisco do Nascimento
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Nasceu em Teresina – Piauí. É
Bacharel e Licenciado em Ciências
Sociais, pela Universidade Federal do
Piauí. É especialista em Educação,
Políticas Públicas e Desenvolvimento
Sustentável pela mesma Universidade.
Foi Professor substituto da disciplina Sociologia da Educação, do
Centro de Ciências da Educação da UFPI e da Universidade
Estadual do Piauí (UESPI). É professor do Curso de Especialização
em Gestão da Escola de Gestores do MEC (ministério da Educação).
É professor de Sociologia da rede pública e do sistema privado de
ensino.