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FICHA PARA CATÁLOGO PRODUÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICA

Título: EJA: O RETRATO DE SUA HISTÓRIA E A IMPORTÂNCIA DA LEITURA TRAÇANDO CAMINHOS SOB O OLHAR DA LITERATURA

Autor Maria Cristina Ferreira da Silva

Escola de Atuação CEEBJA Fazenda Rio Grande

Município da escola Fazenda Rio Grande

Núcleo Regional de Educação Área Metropolitana Sul

Orientador Ubirajara Inácio de Araújo

Instituição de Ensino Superior UFPR

Disciplina/Área (entrada no PDE) Ensino e Aprendizagem de Leitura / Língua Portuguesa

Produção Didático-pedagógica Caderno Temático

Relação Interdisciplinar

(indicar, caso haja, as diferentes disciplinas compreendidas no trabalho)

Público Alvo

Professores

Localização

CEEBJA Fazenda Rio Grande

Avenida Brasil, 1540- Jardim Eucaliptos- Fazenda Rio Grande

Apresentação:

Este caderno temático tem como objetivo organizar temas como: importância da leitura, dos textos literários, dos gêneros textuais, a história da EJA e a diversidade etária. Os referidos temas envolvem reflexões sobre a importância da leitura de textos literários no universo da educação de jovens e adultos, que trabalha com um sujeito sócio-histórico-cultural com conhecimentos e experiências acumuladas. A história da educação de jovens e adultos vem como pano de fundo para resgatar as lutas, perdas e conquistas que esse público teve ao longo dessa trajetória histórica e política que motiva o professor a trabalhar buscando na literatura uma alternativa para tornar o ensino significativo.

Palavras-chave ( 3 a 5 palavras) Leitura.Texto literário. Educação de Jovens e Adultos. Diversidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMA EDUCACIONAIS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

CADERNO TEMÁTICO

EJA: O RETRATO DE SUA HISTÓRIA E A IMPORTÂNCIA DA LEITURA

TRAÇANDO CAMINHOS SOB O OLHAR DA LITERATURA

CURITIBA

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMA EDUCACIONAIS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

EJA: O RETRATO DE SUA HISTÓRIA E A IMPORTÂNCIA DA LEITURA TRAÇANDO CAMINHOS SOB O OLHAR DA LITERATURA

CURITIBA

2011

Caderno Temático apresentado como

material didático do PDE sob a

orientação do professor: Ubirajara

Inácio de Araújo

Professor PDE: Maria Cristina

Ferreira da Silva

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................4

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................6 UNIDADE I – BREVE HISTÓRICO DA EJA ................................................................................7 UNIDADE II – POR QUE LER NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS É TÃO SÉRIO ? ................................................................................................................................................….18 UNIDADE III – SABER SIGNIFICATIVO: LEITURA E LITERATURA NO CAMINHO DO

ALUNO ......................................................................................................................................23

UNIDADE IV – GÊNERO COMO CATEGORIA A PARTIR DE ARISTÓSTELES .....................31

UNIDADE V -- DIVERSIDADE ETÁRIA UMA PEDRA NO CAMINHO DO SABER ................37

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

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APRESENTAÇÃO

Professor, muitas vezes recebemos os alunos na Educação de Jovens e Adultos e

nosso semblante se enche de vivacidade, pois estamos recebendo um filho pródigo,

que não pôde terminar os seus estudos, porque as suas necessidades ou escolhas não

permitiram que concluísse a sua trajetória escolar no tempo normal ou idade escolar

apropriada. São homens e mulheres de 20, 30, 40, 50 anos ou mais, voltando para a

sala de aula, buscando no resgate do passado uma alternativa para conquistar um

espaço na sociedade que lhes garanta sustento, oportunidade ou simplesmente a

concretização de um sonho: terminar os estudos. Às vezes, a nossa alegria em

trabalhar com um público tão interessado deixa-nos perplexos e angustiados: o que

vou ensinar ou priorizar para um público tão especial, que merece ter acesso a tudo?

Podemos nos posicionar achando que há possibilidades de acertar com base em uma

proposta de Cagliari (2004) quando afirma que a atividade fundamental desenvolvida

pela escola para a formação dos alunos é a leitura. É muito mais importante saber ler

do que escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado

para a leitura. Se um aluno não se sair bem em outras atividades, mas for um bom

leitor, penso que a escola cumpriu em grande parte sua tarefa. Se, porém, outro aluno

tiver excelentes notas em tudo, mas não se tornar um bom leitor, sua formação será

profundamente defeituosa e terá menos chances no futuro do que aquele que, apesar

das reprovações, se tornou um bom leitor.

Não cabe aqui julgar o que é mais importante, ler ou escrever, mas nos direcionemos, à

necessidade de dar maior incentivo à leitura para os alunos da EJA, público carente de

escolarização, por consequência carentes de leitura. Esses alunos, são profundamente

comprometidos com o compromisso de apreender o que nós, como professores, temos

a responsabilidade de ensinar. Ao conduzir essa trajetória tendo como prioridade

apresentar e apontar as preferências literárias, temos a possibilidade de trazer através

da beleza de algumas obras a oportunidade de navegarmos em inúmeras leituras que

podem firmar as novas marcas enquanto leitor.

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

O presente material didático é um Caderno Temático, composto de cinco unidades

temáticas, que abordam a história da Educação de Jovens e Adultos, a importância da

leitura e literatura para a EJA, a relevância do texto literário, um estudo a respeito dos

gêneros e uma breve reflexão sobre a diversidade etária. Todos os assuntos voltados

para o trabalho do professor. As bordas deste caderno trazem fragmentos de textos

literários e imagens de autores que farão parte da coletânea apresentada para os

alunos que indicarão as suas preferências. Os temas abordados no Caderno Temático

fazem parte do projeto de implementação: Leitura de textos literários: desafio das

diferentes faixas etárias na Educação de Jovens e Adultos, trabalho do PDE 2010-

2012.

Maria Cristina Ferreira da Silva

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

INTRODUÇÃO

ara a formação de indivíduos críticos, comprometidos com a sociedade e

capazes de mudá-la, é necessário que eles estejam motivados para a busca

do conhecimento adquirido na vida, nas escolas e, sobretudo, no

aperfeiçoamento que passa pela formação de leitores. Ao se trabalhar com jovens e

adultos, esse compromisso em incentivar a leitura passa a ser ainda mais necessário,

pois são pessoas que já participam da sociedade ativamente e podem, na sua

condição de cidadão, ter reavivada a importância da leitura em sua vida, uma vez que

se constata um desinteresse enorme por leitura e, muitas vezes, a falta de um trabalho

mais direcionado na escola para esse fim contribui para o fato de termos nela um

público que não aprendeu ou não gosta de ler o mundo. Paulo Freire (2009, p. 11)

aponta para o reconhecimento de que a leitura do mundo precede sempre a leitura da

palavra e a leitura da palavra escrita implica na ampliação da possibilidade de leitura do

mundo.

O caderno temático “EJA: O retrato de sua história e importância da leitura

traçando caminhos sob o olhar da literatura” tem como objetivo a reflexão sobre a

história da EJA, analisando as mudanças das diretrizes e legislação, para reavivar a

importância do incentivo à leitura para a sociedade e, nessa modalidade de ensino,

apresentar o texto literário como incremento a sua formação. É objetivo também

apontar as discussões sobre os gêneros dos textos, procurando estabelecer as novas

concepções desse tema, que tem preocupado diversos autores, soltando as amarras

que ficaram pelo percurso da história.

Este material não encerra as intermináveis discussões sobre a importância da leitura e

as dificuldades em mantê-la no decorrer da vida dos estudantes, quer seja dos textos

mais simples ou dos literários.

P

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

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UNIDADE I: BREVE HISTÓRICO DA EJA

a educação brasileira, desde a colonização portuguesa, podemos ver um

foco restrito dos processos de alfabetização voltados principalmente às

numerosas iniciativas que não valorizaram a educação de adultos e a

manteve por décadas em um status de completa indiferença, quando se pensa em uma

educação de qualidade.

Historicamente, quando se fala em educação, observa-se o domínio da cultura branca,

cristã, masculina e alfabetizada sobre índios, mulheres, negros e analfabetos.

Realidade esta constatada pelo Censo Nacional de 1890, que apresentava a existência

de 85,21% de “iletrados” na população total brasileira, conforme Paiva (1983) apud

Diretrizes Curriculares de EJA.

Para a educação dentro do contexto de emergente desenvolvimento urbano industrial e

sob forte influência europeia, são aprovados projetos de lei tratando da obrigatoriedade

da educação de adultos. Referendada pela Lei Saraiva de 1882, que torna a educação

como forma de ascensão social, e esta incorporada à Constituição Federal de 1891

inviabilizava o voto ao analfabeto, e só alistava-se como eleitor ou candidato quem

dominasse a técnica de escrever e ler. Nesse período republicano, fica claro a

educação sendo alvo não de se educar para aumentar o conhecimento da população,

garantindo qualidade de ensino, mas a educação vista como trampolim de interesses

da elite, para se manter no poder com aval de meros conhecedores das letras de seus

próprios nomes.

Em 1925, através da Reforma João Alves, o ensino noturno para jovens e adultos

começa a se estabelecer, atendendo aos interesses da classe dominante que, por volta

de 1930, inicia uma mobilização junto a organismos sociais e civis contra o

N

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

analfabetismo que também tinha como objetivo aumentar o número de eleitores.

Segundo Moura (2006), a década de 40 pode ser considerada um período áureo para a

educação de adultos, pois aconteceram inúmeras iniciativas políticas e pedagógicas,

tais como a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário - FNEP; a criação

do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), incentivando e realizando

estudos na área; o surgimento das primeiras obras especificamente dedicadas ao

ensino Supletivo; lançamento da CEEAA - Campanha de Educação de Adolescentes e

Adultos, por meio da qual houve uma preocupação com a elaboração de material

didático para adultos e a realização de dois eventos fundamentais para a área: o 1º

Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1947, e o Seminário

Interamericano de Educação de Adultos, de 1949.

As expectativas de que essas iniciativas e empreendimentos pudessem propiciar

reflexões e encaminhamentos teórico-metodológicos não se concretizaram, pois

segundo Paiva (1983), no 1º Congresso, os representantes dos diversos estados

preocuparam-se com discussão sobre a qualificação profissional dos professores do

ensino Supletivo e a elaboração de material didático adequado aos alunos e vinculado

à vida da comunidade. Desse modo, as experiências educativas apresentadas pelos

grupos comprometidos com ideais socialistas e promotores de mobilização voltada

para a criação de Universidade Popular não chegaram sequer a fazer parte dos Anais

do Congresso.

A ineficácia dessa proposta demonstra que a oferta sistemática de alfabetização para

adultos do ensino Supletivo continuava sendo desenvolvida como uma prática

semelhante às desenvolvidas com crianças, de forma que não somente os

procedimentos e recursos metodológicos eram transplantados, mas também toda a

prática era transplantada. Beisiegel (1974), apud Soares (2006), declara que, ao fazer

um análise do material didático elaborado para orientar os trabalhos do ensino

Supletivo, nesse período, constata-se que há uma verdadeira identidade entre os

conteúdos destinados às crianças. E não só os conteúdos eram os mesmos, as

escolas, as salas e todo o corpo docente, técnico, administrativo que atendiam às

crianças passaram a atender, à noite, classes de educação de adultos. O ensino

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

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Supletivo, ao depender fundamentalmente de todas as instalações e pessoal

administrativo e docente do ensino primário infantil, definiu-se como uma réplica do

ensino infantil.

O período pós-Segunda Guerra Mundial é fortemente marcado por campanhas

nacionais de alfabetização em massa, realizadas pelo governo federal de forma

centralizada, assistemática, descontínua e assistencialista, visando atender a

população do meio rural. Algumas outras ofertas de escolarização limitaram-se a

atender o ensino primário e, na década de 60, iniciou-se o curso ginasial para dar

prosseguimento ao curso primário.

Já no início da década de 60, a preocupação com a cidadania, aflorada pela

mobilização de vários movimentos sociais, abriu espaços para mais trabalhos voltados

à educação de jovens e adultos, entre eles, conforme cita Ribeiro, (2001) temos: a) o

grande trabalho de educação popular de Paulo Freire, que concebia o ato pedagógico

como uma práxis social e política, mas que ficou restrito às proximidades dos grandes

centros urbanos; b) o Movimento de Educação de Base criado em 1961, durante a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e articulado ao sistema Paulo Freire em

1963 que, embora pretendesse atingir um número grande de comunidades distantes,

apresenta um sistema radioeducativo padrão, o que dificultou a consideração da

situação local do letramento; c) os Centros Populares de Cultura surgiram em 1961, no

Rio de Janeiro, que adotaram um trabalho sistemático de alfabetização de adultos em

1963, sob a influência do Movimento de Cultura Popular; d) o Movimento de Cultura

Popular do Recife (PE), que visava integrar o educando à vida cultural e política do

país, por intermédio do qual Paulo Freire lançou o embrião de suas experiências com

educação de adultos; e) a Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler, em

Natal (RN), que, abandonando a alfabetização tradicional, adotou o sistema de ensino

de Paulo Freire e estabeleceu o intercâmbio com o Movimento de Cultura Popular de

Pernambuco.

O início da execução do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), de janeiro a abril de

1964, pelo governo federal, também marcou época e tinha como objetivo constituir uma

política nacional de alfabetização em todo o país e, para coordenar essa proposta,

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

Paulo Freire e suas propostas de educação popular tomavam forças.

Os questionamentos da ordem capitalista passaram a fazer partes de todas as

experiências de educação e cultura popular, o que fomentou a articulação de

organizações sociais que queriam as reformas de Base, dentro do governo de João

Goulart. Essa preocupação aparece na afirmação de Paiva:

... a multiplicação dos programas de alfabetização de adultos, secundada pela organização política das massas, aparecia como algo especialmente ameaçador aos grupos direitistas; já não parecia haver mais esperança de conquistar o novo eleitorado […] a alfabetização das massas adultas pelos programas promovidos a partir dos anos 60 aparecia como um perigo a estabilidade do regime, para a preservação da ordem capitalista. Difundindo novas ideias sociais, tais programas poderiam tornar o processo político incontrolável por parte dos tradicionais detentores do poder e a ampliação dos mesmos poderia até provocar uma reação popular importante a qualquer tentativa mais tardia de golpe das forças conservadoras. (PAIVA,1983, p. 259)

Com o golpe militar de 1964, a realização de outras experiências de programas de

escolarização para jovens e adultos ficou suprimida. Três anos depois do golpe, foi

criado o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), que fortalecia os padrões

capitalistas de produção e consumo voltados para a população urbana, uma vez que

não havia proposta pedagógica que pudesse conter a migração rural-urbana, muito

intensificada nesse período.

Somente em 1971, a Lei de Reforma nº 5.692/71 atribui um capítulo para o ensino

supletivo e recomenda aos Estados atender jovens e adultos.

Capítulo IV

Do Ensino supletivo

Art.24 - O ensino supletivo terá por finalidade

a) Suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não tenham

seguido ou concluído na idade própria;

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

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b) Proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou

atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte.

Parágrafo único - O ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados

nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos

de Educação.

Art.25 - O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a

iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional definida em lei

específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de

conhecimentos.

§1º - Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às

suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam.

§2º - Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de

rádio, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam

alcançar o maior número de alunos.

Art.26 - Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do

núcleo-comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao

prosseguimento de estudos em caráter regular, e poderão, quando realizados para o

exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau, abranger somente o mínimo

estabelecido pelo mesmo Conselho.

§1º - Os exames a que se refere este artigo deverão realizar-se:

Ao nível de conclusão do ensino de 1º grau, para os maiores de 18 anos;

Ao nível de conclusão do ensino de 2º grau, para os maiores de 21 anos;

§2º - Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos oficiais ou

reconhecidos, indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos

de Educação.

§3º - Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um sistema de

ensino, ou parte deste, de acordo com normas especiais baixadas pelo respectivo

Conselho de Educação.

Art.27- Desenvolver-se-ão, ao nível de uma ou mais das quatro últimas séries do

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

LIGIA FAGUNDES TELLES

ensino de 1º grau, cursos de aprendizagem, ministrados a alunos de 14 a 18 anos, em

complementação da escolarização regular, e, a esse nível ou de 2º grau, cursos

intensivos de qualificação profissional.

Parágrafo único - Os cursos de aprendizagem e os de qualificação darão direito a

prosseguimento de estudos quando incluírem disciplinas, áreas de estudos e atividades

que os tornem equivalentes ao ensino regular, conforme estabeleçam as normas dos

vários sistemas.

Art.28- Os certificados de aprovação em exames supletivos e os relativos à conclusão

de cursos de aprendizagem e qualificação serão expedidos pelas instituições que os

mantenham.

O Parecer nº 699/72 foi elaborado para dar fundamentação ao que seria a doutrina de

ensino superior. Nesse sentido, ele viria a "detalhar" os principais aspectos da Lei nº

5.692, no que tange ao ensino supletivo, facilitando sua compreensão e orientando sua

execução.

Com a redemocratização em 1985, a "Nova República" extinguiu o MOBRAL e criou a

Fundação Educar. Houve uma descentralização de suas atividades, e algumas

iniciativas conduzidas pelas prefeituras municipais e instituições da sociedade civil

receberam apoio técnico e financeiro da Fundação. A organização da Comissão de

elaboração das Diretrizes Curriculares Político Pedagógica que norteariam os trabalhos

agora direcionados ao ensino de 1º grau para os jovens e adultos ficou a cargo do

Ministério da Educação, em 1986.

Segundo Moura (2006), a partir da metade da década de 80, algumas prefeituras de

municípios brasileiros tomam a educação dos adultos como uma de suas prioridades.

Passam a dar à área um tratamento próprio, reestruturando as secretarias de educação

no sentido de incluir coordenações de educação de jovens e adultos, definindo os seus

espaços nas escolas, investindo na capacitação dos professores e do corpo técnico

administrativo e elaborando proposta pedagógica específica.

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

É nesse período que o processo de descentralização dos recursos começa a ser

pensado com o CONSED (Conselho de Secretários de Educação) e a UNDIME (União

dos Dirigentes Municipais), que criaram Fóruns para se colocar em prática as diretrizes

de uma política educacional que atendesse com recursos próprios a demanda de

alfabetização e escolarização da educação de jovens e adultos, até então

concentrados no MEC.

No estado do Paraná são criados os CES (Centro de Estudos Supletivos), que hoje se

denominam CEEBJAS (Centros Estaduais de Educação Básica para Jovens e Adultos),

e NAES (Núcleos Avançados de Ensino Supletivo) descentralizados no atendimento de

EJA, nas diversas regiões do estado. Dentro das descentralizações são criados os

Postos Avançados do CEEBJAs (PACs) e os convênios entre as empresas públicas ou

privadas para a escolarização de funcionários dentro do próprio local de trabalho

chamados TCTs (Termos de Cooperação Técnica).

Na década de 90, iniciam-se projetos de escolarização voltados a educandos em

privação de liberdade nas unidades penitenciárias e nas unidades sociais oficiais. Há

também convênios com organizações não-governamentais, ofertando a alfabetização

de jovens e adultos no meio urbano, rural e indígena.

A UNESCO instituiu 1990, como Ano Internacional da Alfabetização, e a oportunidade

de se ter inúmeros trabalhos voltados à educação poderiam ser mais bem direcionados

para atender também a educação de adultos, uma vez que a Declaração Mundial sobre

Educação para Todos que tinha como título: Satisfação das Necessidades Básicas de

Aprendizagem, no artigo 5º, propõe que as necessidades básicas de aprendizagem de

jovens e adultos são diversas, e devem ser atendidas mediante uma variedade de

sistemas. Os programas de alfabetização são indispensáveis, dado que saber ler e

escrever constitui-se em uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda o

fundamento de outras habilidades vitais. A alfabetização na língua materna fortalece a

identidade e a herança cultural. Este panorama, não significou nada para o Brasil, pois

a Fundação Educar, responsável pela EJA dentro do MEC, que supervisionava as

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

instituições e secretarias que recebiam recursos para a Educação de Jovens e Adultos

foi extinta neste mesmo ano, pelo governo Collor, se omitindo do cenário de

financiamento de EJA. Com essa atitude vários programas de atendimentos a esses

jovens e adultos foram cessados.

Nessa década de 90, continua-se constatando uma pobreza de produção teórica aliada

a uma miserável política de ações conforme relata a autora:

Esse quadro permite que, em pleno final de século, observe-se o paradoxo: enquanto as sociedades avançam em passos galopantes em direção às tecnologias cada vez mais sofisticadas, na área da educação, e particularmente da alfabetização, vive-se a “idade da pedra”. Convive-se com práticas, que em sua maioria, desenvolvem-se mais a partir da intuição, do voluntarismo e do compromisso político, do que baseadas em referenciais teóricos sólidos e consistentes. (MOURA, 2006, p. 35)

Segundo a Declaração Mundial de Educação para Todos (UNICEF, 1991), mais de um

terço dos adultos do mundo não tem acesso ao conhecimento impresso, às novas

habilidades tecnológicas que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a

perceber e adaptar-se às mudanças sociais e culturais; e mais de 100 milhões de

crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões,

apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais.

Com esse panorama de equívocos e vergonha na educação brasileira, que até então

não concebeu a educação de jovens e adultos como uma política séria, de

compromissos voltados a uma educação de qualidade tem uma possibilidade de

mudança. O governo federal recebe uma pressão do Banco Mundial e o Fundo

Monetário Internacional definindo políticas educacionais em que a educação era o

principal determinante da competitividade entre países e este governo se vê obrigado a

apresentar uma resposta rápida para atender essa pressão internacional apresentando

a LDB 9394/96.

Nesse cenário, é promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

Lei nº 9394/96, passando a EJA a ser considerada uma modalidade de ensino da

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

.

educação básica, tendo etapas de ensino fundamental e médio, conforme a seção V da

LDB:

Seção V

Da Educação de Jovens e Adultos

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.

§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

§ 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.741, de 2008)

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.

§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:

I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos;

II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.

§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

Com a Lei aprovada, começam as manobras para a aprovação da Ementa 14, que

deixa por terra uma conquista mal começada, pois, ao tirar a obrigatoriedade de

ensino fundamental aos que não tiveram acesso na idade correta, e ainda sem ter o

compromisso de eliminar o analfabetismo em 10 anos, suprime-se também o recurso

financeiro para esse fim. Como se isso não bastasse, nessa mesma ementa, cria-se o

Fundo de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de valorização

do Magistério (FUNDEF), regulamentado pela Lei 9424/96, na qual é vetada a

contabilização das matrículas do Ensino Fundamental nos curso de educação de

Jovens e Adultos, para fins de recursos. Esse veto inviabilizou a inclusão da demanda

de educação de jovens e adultos no financiamento da educação básica, evidenciando o

descaso para o atendimento desta demanda (Zanetti, 1998).

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

Muitas discussões acontecem antes e depois da Conferência Internacional de

Educação de Adultos (CONFINTEA), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na

Alemanha e vários Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJAs) e

Encontros Paranaenses de Jovens e Adultos (EPEJAs). Amadurecem-se as discussões

até culminar com a promulgação das Diretrizes Nacionais para a Educação de Jovens

e Adultos (DNEJA), em 10 de maio de 2000, que ressaltam a EJA como direito,

deslocando a ideia de compensação e substituindo-a pelas de reparação e equidade.

Com a inclusão da educação de jovens e adultos no Plano Nacional de Educação em

2001, é que se compreende que a EJA deva fazer parte de uma oferta de formação

equivalente às oito séries do ensino fundamental, reconhecendo a necessidade de

produção de material didático, técnicas pedagógicas apropriadas, além da formação

docente. (BRASIL, 2001).

Ao acompanhar a história da educação de jovens e adultos, deparamo-nos com uma

luta ainda longe de cessar, afinal só nessa última LDB, atribuiu-se a necessidade da

EJA ser também uma modalidade de ensino com necessidades específicas. As

pessoas que precisam dessa modalidade de ensino existem aos milhões e crescem a

cada ano, mas a lentidão governamental para efetivar as ações propostas nessa

trajetória de luta continuam a soar como descaso. Em 2001, por exemplo, se anunciou

por meio do Plano Nacional de Educação a necessidade de material didático para este

público e só no final de 2010 os livros didáticos chegaram aos estabelecimentos que

ofertam esta modalidade de ensino e só para o ensino fundamental. São dez anos de

espera.

Nesse ritmo, é bem provável que todas as discussões realizadas até aqui cairão no

esquecimento, sem efetivação, pois com a chegada do novo Plano Nacional de

Educação e o que se anuncia no projeto de lei 8035/2010 apresentado para discussão

em 2011 retrocederemos na história e nas conquistas até então alcançadas.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases Nº 5692/71. Brasília, 1971.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases Nº 9394/96. Brasília, 1996.

BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a educação de jovens e

adultos. Brasília, 2000.

BRASIL, Plano Nacional de Educação. Brasília, 2001.

MOURA, Tania Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens

e adultos: contribuições de Freire, Ferreiro e Vygostsky.- 4. ed. rev. ampl. Maceió:

EDUFAL, 2006.

RIBEIRO, Vera Masagão. Educação de jovens e adultos: novos leitores, novas

leituras. Campinas, São Paulo. Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil,

São Paulo: Associação Educativa 2001.

PAIVA, Vanilda P . Educação Popular e Educação de Adultos. 5. ed. São Paulo:

Loyola, 1983.

PARANÁ. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares da

Educação de Jovens e Adultos; Curitiba, 2005.

ZANETTI, Maria Aparecida. As políticas educacionais recentes para a educação de

jovens e adultos. In: Educação de jovens e adultos na empresa: “novos” e “velhos”

olhares se entrecruzam- estudo de caso de uma empresa metal mecânica que oferece

escolarização básica para seus trabalhadores. 1998. Dissertação de Mestrado.

Universidade Federal do Paraná. Curitiba

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

LIGIA FAGUNDES TELLES

UNIDADE II:

POR QUE LER NA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS É TÃO SÉRIO?

o acompanharmos a trajetória da história da educação de jovens e adultos, é

possível perceber que, muitas vezes, as políticas públicas não deram conta

nem de oferecer com dignidade a alfabetização e escolarização para o

jovem e adulto, muito menos possibilitaram pensar e efetivar planejamentos e

currículos ou material didático para esse público, os quais oportunizassem o acesso à

leitura dos alunos, que muitas vezes durante a história se viram com resquícios da

educação infantil, ou do currículo nenhum para currículo algum, sem a menor

possibilidade de acesso ao mundo das leituras e interação com a literatura. Somente

com Paulo Freire é que se começou a pensar na alfabetização de adultos e na

importância do ato de ler com um pouco mais de decência, como se pode ver nestas

palavras do educador:

Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não pode prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e o contexto. (FREIRE, 2009, pág.11).

A LDBEN nº 9394/96, em seu artigo 37, declara que “a educação de jovens e adultos

será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino

fundamental e médio na idade própria”, sendo característica dessa modalidade de

ensino a diversidade do perfil do educando, com relação à idade, ao nível de

escolarização em que se encontram, à situação sócio-econômica e cultural, às

ocupações e à motivação pela qual procuram a escola.

A

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

Segundo Soares (1986), o educando passa a ser visto como sujeito sócio-histórico-

cultural, com conhecimentos e experiências acumuladas, para os quais é necessário

que a Educação de Jovens e Adultos proporcione atendimento, aproveitando outras

formas de socialização, como expressão da cultura própria. Incentivar a leitura,

valorizando a vivência e as preferências dos alunos, pode ser uma maneira de

conseguir desenvolver a sua competência discursiva com a ampliação de

conhecimentos adquiridos e a reconstrução de seus próprios discursos.

O aluno dessa modalidade de ensino, muitas vezes, tem a escola como único espaço

para leitura, devido ao intenso trabalho e à família, e não conseguem, pela falta de

prática, dedicar uma atenção especial para o desenvolvimento da leitura. Como diz

Geraldi (1994), “numa sociedade onde a leitura não é uma prática social, ler na sala de

aula para construir possibilidades, construir significações, torna-se perigosa subversão.

Lutar por ela, onde se está, contra o status quo”. A escola não pode se eximir desse

trabalho, uma vez que esse aluno trabalhador necessita de ações voltadas à motivação

e à conscientização para a importância da leitura dos diversos textos literários.

Trabalhar o texto literário envolve dimensões universais, individuais, sociais e

históricas, mas de forma peculiar, ele veicula uma forma específica de comunicação

que evidencia um uso especial de discurso, colocado a serviço da criação artística

reveladora.

A literatura, que nasce nas primeiras civilizações com o objetivo de resguardar rituais

religiosos, constitui-se em manifestação cultural dos povos que expressam tanto as

aspirações individuais quanto o conjunto de tradições e saberes. Sendo assim, ela é

um reflexo fiel do humano, ou seja, há um diálogo entre o espírito subjetivo do autor e

o elemento social determinado pelas circunstâncias históricas e ideológicas. Daí o fato

de esse tipo de texto admitir diferentes interpretações. Na obra literária, revelam-se

realidades que, mesmo vinculadas a elementos de natureza individual ou de época,

atingem espaços de universalidade, contribuindo com o público de jovens e adultos

que, já tendo uma vivência de mundo, podem tornar seus conhecimentos mais

significativos.

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

.

Sabe-se que a leitura deve ser compreendida como um ato dialógico, interlocutivo, que

envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e

ideológicas, conforme direcionam as Diretrizes Curriculares (2008, p. 56). Essa leitura

gera conhecimento, induz à atitude e analisa valores que, diante da elaboração de

significados associados ao próprio saber, ampliam conhecimentos, uma vez que “o

texto é uma potencialidade significativa, mas que necessita da mobilização do universo

de conhecimentos do outro, o leitor, para ser atualizado” (Perfeito, 2005, p. 54-55).

A literatura traz significação ao mundo, atrelada ao desenvolvimento cultural, torna-se

de extrema importância à intensificação de trabalhos que valorizem e estimulem as

leituras que acompanham, mascaram, retratam ou brincam com a história da

humanidade.

É preciso considerar ainda que só há literatura onde existe um povo e, consequentemente, o desenvolvimento de uma cultura. A matéria literária é cultural. O artista da palavra retira do mundo elementos que, convenientemente organizados, podem representar totalidades e constituir uma afirmação cuja força e coesão não se encontram ao alcance dos profanos. (PROENÇA, 2007, p. 36).

Nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa do Paraná,

(2008, p. 74), prevê-se que, para o ensino e prática de leitura, é importante avaliar o

contexto de sala de aula, as experiências de leituras dos alunos, os seus horizontes e

expectativas e as sugestões sobre os textos que gostariam de ler, para, então, oferecer

textos mais complexos, que possibilitem ampliar as leituras dos educandos. Para os

alunos jovens e adultos, pesa ainda a desvalorização dos conhecimentos adquiridos ao

longo de sua vida. Na escola, o saber medir da costureira desaparece, a forma de

calcular do pedreiro é de pouca precisão, o jeito de falar do povo é visto como cheio de

erros gramaticais. Na mistura das mais diferentes idades, na diversidade de

conhecimento, esses grandes moradores do mundo tiveram pouco ou quase nenhum

acesso ao universo literário, e é papel da escola proporcionar-lhes uma sensibilização

para a volta e permanência qualitativa no mundo da leitura, para passarem a

reconhecer que esse é o caminho para se tornarem leitores do mundo. Sabe-se que

ações como essa não põem um ponto final no assunto, mas servem de inquietações

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

Charles Perrault

que não pode ser desconsideradas ou esquecidas pelos educadores. À luz de Pedro

Demo (2003), faz-se necessário lembrar que o professor deve estar aberto à

experimentação. Busca-se, pela experimentação, enxergar verdadeiramente o

resultado do que se propõe.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei de diretrizes e bases 9394/96. Brasília, 1996.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 6. ed. Campinas, São Paulo, 2003.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 50.

ed. São Paulo. Cortez, 2009.

PARANÁ. Diretrizes curriculares da educação básica.Língua Portuguesa. Curitiba:

SEED, 2008.

PROENÇA, Filho Domício. A linguagem literária. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,

1986.

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

UNIDADE III:

SABER SIGNIFICATIVO: LEITURA E

LITERATURA NO CAMINHO DO ALUNO

Literatura, tanto oral quanto escrita, tem-se tornado companheira

inseparável do homem, durante sua trajetória histórica. Desde a literatura de

informação, que marcou o início de nossa história, usa-se a literatura,

também, como marca do tempo, eternização do momento, como diz Bosi (1994, p. 13),

referindo-se aos escritos sobre a descoberta do Brasil: “graças a essas tomadas diretas

de paisagem, do índio e dos grupos sociais nascentes, que captamos as condições

primitivas de uma cultura que só mais tarde poderia contar com o fenômeno da

palavra-arte”.

Todo texto literário, cada um dentro das suas especificidades, vai atingir um

determinado público e, ao oferecer várias possibilidades de leitura, pode fazer o leitor

firmar o seu gosto inicial ou se aventurar por outras leituras, pouco ou nunca vistas,

mas que podem melhorar muito o conhecimento do indivíduo, enquanto leitor. O texto

poético oferece ao leitor uma alternativa para pensar a língua, muitas vezes, é

carregado de musicalidade por causa das rimas, expressa emoções e reflexões

pessoais. A exemplificação abaixo deixa claro esse aspecto ao falar de texto que faz

pensar e refletir:

Morder o fruto amargo e não cuspir

Mas avisar aos outros quanto é amargo,

Cumprir trato injusto e não falhar

Mas avisar aos outros quantos é injustos

Sofrer o esquema falso e não ceder

Mas avisar aos outros o quanto é falso;

Dizer também que são coisas mutáveis...

E quando em muitos a noção pulsar

Do amargo e injusto e falso por mudar

A

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

Charles Perraul

Então confiar à gente exausta o plano

De um mundo novo e muito mais humano.

(Campos, 2003, p. 89)

Na literatura, as possibilidades de se trabalhar tendo como pano de fundo

personagens, dentro de um determinado tempo e espaço, com um narrador presente

ou não, nos colocam diante de um enredo, nos apresentam ações e discursos que

podem fazer parte de um romance, que normalmente é mais longo, em prosa, e

envolve vários personagens; ou um conto, que apresenta uma estrutura narrativa mais

curta e normalmente há uma célula dramática, que contém um conflito, numa só ação.

O conto atende a um leitor voltado ao universo literário dentro de uma narrativa de

formação, transmite experiência e conduz à reflexão. Nas fábulas, a narrativa é de

estrutura simples, curta, e apresentam-se histórias com objetivo de passar os princípios

éticos e morais. A crônica apresenta uma fotografia de palavras, por meio da qual se

faz uma descrição de um fato que os outros não vivenciaram, mas que não deixa de

ser um objeto de reflexão. Uma maneira inteligente de registrar um momento.

Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimento prévios, a sua

formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem. Praticar a

leitura em diferentes contextos requer ações permanentes, diversificadas, qualitativas,

prazerosas e carregadas de significado. Para o jovem e adulto, a relação de significado

é ainda mais complexa, uma vez que essa clientela precisa ver renascer, à luz dos

saberes, uma prática de leitura abandonada há anos. São homens e mulheres que, à

margem dos saberes formais e da vida cotidiana, veem-se novamente nos bancos

escolares, enfrentando as diversidades, produzindo culturas e afirmando identidades

carregadas de tradições e criações como pouca ou nenhuma forma de leitura no seu

cotidiano.

Na Educação de Jovens e Adultos, concebem-se os mesmos conhecimentos básicos

da modalidade regular, nos níveis fundamental e médio, porém o encaminhamento

metodológico é diferenciado, considerando o educando da EJA, ou seja, o tempo

curricular, ainda que diferente daquele estabelecido para o ensino regular, contempla o

mesmo conteúdo. Isso se deve ao fato de que os educandos de idade preferencial

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A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha De onde vens assim Tão suja de terra Cheirando a jasmim A saia com mancha De flor carmesim E os brincos da orelha Fazendo tlintlin? Minha mãe querida Venho do jardim Onde a olhar o céu Fui, adormeci. Quando despertei Cheirava a jasmim Que um anjo esfolhava Por cima de mim...

Vínicius de Moraes AS PÉROLAS

A ociosidade, a miserável ociosidade daqueles interrogatórios. ‘Você está bem?’ O sorriso postiço. ‘Estou bem’. A insistência era necessária. ‘Bem mesmo?’ Oh Deus. ‘Bem mesmo.’ A pergunta exasperante: ‘Você quer alguma coisa?’ A resposta invariável: ‘Não quero nada.’

‘Não quero nada, isto é, quero viver. Apenas viver, minha querida, viver...’ Com um movimento brando, ele ajeitou a cabeça no espaldar da poltrona. Parecia simples, não? Apenas viver.

LIGIA FAGUNDES TELLES

acima de 18 anos possuírem bagagem cultural e de conhecimentos adquiridos em

outras instâncias sociais, e a escola não é o único espaço de produção e socialização

dos saberes. Assim é possível tratar o conteúdo de formas e tempos diferenciados,

tendo em vista a experiência de vida dos educandos.

... as próprias histórias de vida dos alunos são elementos importantes como pontes para a reconstituição da vida política, econômica e social do país. Quem viveu nos últimos 30, 40, 50, 60 anos é testemunha de pedaços importantes da história, e o olhar singular de cada adulto pode transformar-se, também em material pedagógico significativo. (Moll, 2004, p. 15)

Podemos dizer que as memórias são matéria-prima fundamental para quem trabalha

com educação de jovens e adultos e associar leituras levando em consideração as

preferências do leitor é torná-las significativas para esses alunos. Diante de sua

experiência de vida, podem começar a ver na leitura uma possibilidade de trabalhar e

aprimorar os seus conhecimentos de mundo. É preciso incentivar a leitura por meio de

projetos em um conjunto de ações que apoiam a escola na democratização do acesso

ao mundo da Literatura. Isso significa a interação com a cultura escrita e o

desenvolvimento de suas respectivas competências leitoras, colaborando para a

democratização de um de nossos mais valiosos patrimônios culturais: a escrita. A

compreensão de que a leitura da palavra escrita, como ensina Paulo Freire, é

impossível desencarnada ou descontextualizada da leitura de mundo, ou seja, o que

está escrito tem um valor semântico, as palavras não têm um significado único,

dependendo da contextualização os significados podem variar, por isso para a leitura,

não basta só ler a palavra escrita, precisamos interpretar o que estamos lendo e o

conhecimento de mundo ajuda na interpretação.

Nessa perspectiva, vale lembrar que o professor, ao trabalhar com o aluno jovem e

adulto, por muitas vezes, tenta facilitar ou simplificar o que se tem como proposta de

trabalho de leitura, tornando o conteúdo superficial e pouco significativo, pois algumas

vezes esse aluno tem uma bagagem cultural extremamente rica e ali pouco valorizada,

quando na verdade deveria partir das percepções do aluno e suas linguagens,

procurando ser simples sem se tornar simplista:

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

No momento em que você se torna simplista no seu relacionamento com os camponeses, com operários, ou com os alunos na sala de aula, isso significa que você parte do princípio de que eles são inferiores a você. Você age como se eles fossem incapazes de compreendê-lo [...] a linguagem simplista reduz o objeto de estudo à caracterização de si mesmo. Ao desvalorizar o objeto de estudo, você acaba desvalorizando a audiência. E desvalorizando a audiência a que você se dirige é elitismo (Freire, 1987b, p. 183)

Ler é começar a ver, é identificar símbolos e expressões escritas carregadas de

significado, sendo necessário familiarizar-se com diferentes tipos de texto produzidos

em diversas esferas sociais: jornalística, artística, judiciária, científica, didático-

pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, etc. O professor deve dar

condições para o desenvolvimento de uma atitude crítica, provocando os alunos para

que realizem leituras significativas, sendo atuantes nas práticas de letramento da

sociedade. Cada texto tem uma intenção e é preciso ler o texto além do texto,

enxergando e decodificando as entrelinhas.

A leitura tem ocupado um espaço de certo privilégio, pois a língua portuguesa e as

outras disciplinas acadêmicas a usam com o objetivo da transmissão de cultura e de

valores para todas as gerações. Isso porque a escola, utilizando os textos (registros

verbais) em suas práticas de criação do conhecimento, foi e ainda é a principal

instituição responsável pela inserção e participação de pessoas no mundo da escrita.

Mas, especificamente a leitura, enquanto modo peculiar de interação entre os homens

e as gerações, coloca-se no centro dos espaços discursivos escolares,

independentemente da disciplina ou área de conteúdo. Se o espaço da leitura nos

currículos de língua portuguesa pode ser identificado facilmente, fazer com que sua

aplicabilidade seja plena, trazendo resultados, é uma polêmica que ainda não se

concretizou em ações certeiras e eficazes que deem conta de preencher o imenso

vazio, até que se alcancem os objetivos educacionais. Para avaliar a leitura, devem-se

levar em conta as estratégias que os alunos usam para compreensão do texto, o

sentido construído, as relações dialógicas entre textos, relação de causa e

consequência, reconhecimento de posicionamento ideológico no texto, localização de

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

informações explícitas e implícitas, argumentação etc. Importante também lembrar que

há diferenças de leituras de mundo, e o que o aluno traz como repertório de

experiência deve ampliar o horizonte de expectativas numa reflexão para compreensão

do texto.

Produzir textos a partir das leituras é passar para o papel a sua visão de mundo. O

aperfeiçoamento da escrita se faz a partir da produção de diferentes gêneros, por meio

de experiências sociais, tanto individual como coletivamente vividas. “A escrita, na

diversidade de seus usos, cumpre funções comunicativas socialmente específicas e

relevantes” (Antunes, 2003, p. 47). Na produção escrita, é necessário que o sujeito se

posicione, interagindo com as práticas de linguagem da sociedade. No campo didático,

é conveniente que se analise e reflita sobre os aspectos formais da literatura para que

se encontrem caminhos para essas atividades, com inúmeras possibilidades de

interpretação e coragem para a produção escrita, experienciando inclusive, a

linguagem escrita na esfera digital.

Considera-se aqui, a importância do espaço social ao avaliar a obra que passa a ser

entendida, fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra. Nessa

perspectiva, Antônio Cândido (2006, p. 30) relata que, para o sociólogo, a arte é social

nos dois sentidos. Primeiro porque depende da ação de fatores do meio, que se

exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e em segundo, produz sobre os

indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou

reforçando neles o sentimento de valores sociais. Isso decorre da própria natureza da

obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os

receptores de arte. Em contraposição à atitude tradicional e unilateral, que considerava

de preferência a ação do meio sobre o artista, vem-se esboçando na estética e na

sociologia de arte uma atenção mais viva para esse dinamismo da obra, que esculpe

na sociedade as suas esferas de influência, cria o seu público, modificando o

comportamento. A literatura sendo em relação as obras, um sistema vivo, age uma

obra sobre a outra e sobre os leitores. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer

público; nem este é passivo homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito.

Nesse sentido, Candido, 2006, p. 82 afirma que há um diálogo mais ou menos vivo

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

entre criador e público. Essa situação é complicada porque a obra realizada exerce

uma ação tanto sobre o público, no momento da criação e na posteridade, quanto

sobre o autor, a cuja realidade se incorpora em acréscimos, e cuja fisionomia espiritual

se define através dela. O autor procura falar sob o ponto de vista de que a produção da

obra literária deve ser inicialmente encarada como referência à posição do escritor e à

formação do público. Se a obra é mediadora entre o autor e o público, este é mediador

entre o autor e a obra, na medida em que o autor só adquire plena consciência da obra

quando ela lhe é mostrada através da reação de terceiros. Para o autor, o público é a

condição necessária para o escritor conhecer a si próprio, pois esta revelação da obra

é a sua própria revelação.

Em Proença, (2007, p. 49), o autor traz o enfoque para o texto literário que se vincula,

como foi assinalado, a um universo sociocultural e as dimensões ideológicas; sua

natureza envolve mutações no tempo e no espaço; ele tem uma língua como ponto de

partida e de chegada; as línguas acompanham as mudanças culturais; mudam as

vontades das pessoas, os povos, a linguagem: a literatura manifestação cultural de que

é parte, integrante e altamente representativa. A literatura traz marca de uma

variabilidade específica, seja em relação aos discursos individuais, seja em termos de

representatividade cultural. Ao caracterizar-se, segundo o mesmo autor, no texto

literário um uso específico e complexo da língua, os signos linguísticos, as frases, as

sequências assumem, em função do contexto em que se integram, significado variado

e múltiplo.

A literatura na verdade, cria significantes e funda significados. É um desvio mais ou

menos acentuado em relação ao uso linguístico comum. Em termos literários, por

exemplo, assegurada a coerência do conjunto em que inseríssemos a afirmação teriam

sentido frases como “ a flor de nossa rua comeu todos os medos” ou “ a flor expulsou

todos os monstros” e, fora desse âmbito sintático-vocabular, o autor lembra de versos

como “Um supremíssimo cansaço/íssimo, íssimo,/cansaço” de Fernando Pessoa, em

que se vê, se fere, em nome da expressividade poética, a norma morfológica do idioma

no seu cotidiano.

Ao trabalharmos a questão do texto literário temos que estar abertos a experienciar a

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

imaginação, pois como se pode ver em Proença, (2007, p. 4), o texto literário realmente

significativo ultrapassa os limites do codificador para nos atingir, por força do mistério

da criação em literatura, com mensagens capazes de revelar muito da condição

humana. Caracteriza um mergulho na direção do ser individual, do ser social, do ser

humano.

Em Zilberman, (2008, p. 22), temos levantada a problemática sobre a crise no ensino

da literatura que atribui a falta de leitura por partes dos estudantes e o

desconhecimento do patrimônio literário nacional como ponto fundamental para essa

crise. Mas essa carência determina outras, a não assimilação da norma linguística

impede o entendimento dos textos; o desinteresse pela matéria dificulta a continuidade

do processo de leitura e, portanto, a aquisição do saber; a ausência de domínio da

expressão oral impossibilita a reprodução do que foi lido, o desdobramento do

processo de comunicação do que foi lido, o desdobramento do processo de

comunicação e a verbalização das próprias necessidades, que comprometem a

atuação do aluno dentro e fora da escola.

Segundo a mesma autora compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão

de um patrimônio já constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela formação

do leitor. A execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não como o

resultado satisfatório do processo de alfabetização e decodificação de matéria escrita,

mas como atividade propiciadora de uma experiência única com o texto literário. A

literatura se associa então à leitura, do que advém a validade dessa.

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REFERÊNCIAS

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2006.

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontros e interação. São Paulo: Parábola,

2003.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

MICHELETTI, Guaraciara. Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da

ficção. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

MOLL, Jaqueline. Educação de Adultos. Porto Alegre: Mediação, 2004.

MOURA, Tânia Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens

e adultos. Contribuições de Freire, Ferrreiro e Vygostsky. 4.ed. ver. Ampl. Maceió,

EDUFAL, 2006.

PROENÇA, Filho Domício. A linguagem literária. 8.ed.- São Paulo: Ática, 2007.

ZILBERMAN, Regina. Literatura e pedagogia: ponto & contaponto./ Regina

Zilbeman, Ezequiel Theodoro da Silva. 2.ed. São Paulo: Global, 2008.

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

UNIDADE IV:

GÊNERO COMO CATEGORIA A PARTIR

DE ARISTÓSTELES

ara Aristóteles e Platão, já desde o início da literatura era necessário dividir a

literatura em tipologias que serviriam para apresentar as especificidades dos

textos e as diferenças entre as obras literárias que se apresentavam naquele

momento: o lírico, o épico e o dramático. Como explica Chiappini, 2003, no gênero

lírico, veem-se obras em que só fala o autor; no dramático, obras em que só falam os

personagens e, no épico, obras em que o autor e as personagens falam igualmente

tendo direito à palavra.

Segundo Chiappini (2003), Staiger (1996) teria analisado essa tipologia dando uma

interpretação essencialmente temporal a esses gêneros, fazendo a seguinte relação: o

lírico trataria do presente e a ele corresponderia a categoria da “recordação”; o épico

trataria o passado e a ele corresponderia a categoria da “apresentação”; e o dramático

trataria do futuro e a ele corresponderia a categoria da “tensão”.

Com o tempo, essas categorias, que passaram a dizer respeito, segundo Marcuschi

(2011, p. 17) as categorias literárias bastante sólidas, foram se ampliando e

subdividindo até entrarem em crise com a crítica do romantismo à estética clássica.

Hoje a noção de gênero ampliou-se para toda a produção textual. Com isso, é inegável

que a reflexão sobre gênero textual seja na atualidade tão relevante quanto necessária,

tendo em vista ser ele tão antigo quanto a linguagem, já que vem essencialmente

envolto em linguagens.

Para Bazerman (1994) apud Marcuschi (2011), parece impossível estabelecer

taxonomias e classificações duradouras, quando do interesse em identificar e

classificar gêneros, pois eles são o que as pessoas reconhecem como gêneros a cada

momento do tempo, seja pela denominação, institucionalização ou regularização. Os

P

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gêneros são rotinas sociais de nosso dia a dia. O que não pode acontecer é se

estabelecer estruturas rígidas demais nem estruturas estanques nessa relação, pois o

importante é que se estabeleçam como formas culturais e cognitivas de ação social

corporizadas de modo particular na linguagem e assim veremos os gêneros como

entidades dinâmicas.

Na atualidade, temos uma grande variedade de teorias de gêneros e, levando em conta

que essa noção é essencialmente flexível e variável, bem como seu componente

crucial, a linguagem varia e se modifica a todo momento, adapta-se, renova-se e

multiplica-se, há uma tendência a observar os gêneros pelo seu lado processual,

interativo, cognitivo, evitando a classificação e a postura estruturais, como relata

Marcuschi (2011, p. 19)

Avaliando esse aspecto de interatividade dos gêneros, o referido autor aponta para a

necessidade de entender que se precisa ter sensibilidade para se enquadrarem os

gêneros dos textos que se apresentam, pois não se pode tomá-los como se fossem

peças que refletem as estruturas sociais. Uma definição de Miller (1984, p. 52) para

gênero, citado em Marcuschi, afirmaria mais uma vez esse pensamento: “uma

definição retoricamente sadia de gênero deve ser criada, não na sua substância ou na

forma do discurso, mas na ação que é usada para executá-lo”. O gênero é muito mais

que uma forma, é uma ação social tipificada, que se dá na recorrência de situações

que o tornam reconhecível.

Com os estudos para caracterizar os gêneros, vê-se o grande esforço em apontar

caminhos que justifiquem o desnecessário engessamento desse assunto. A noção de

gênero envolve aspectos linguísticos, discursivos, sociointeracionais, históricos,

pragmáticos, e outros nos quais se observa a sua ligação com as atividades humanas

em todas as esferas e chegam a dar margem às marcas de autoria e estilos próprios.

Diante dessa posição, Faraco faz uma referência quanto ao gênero analisando Bakhtin:

Para Bakhtin, os gêneros do discurso e atividades são mutuamente constitutivos. Em outras palavras, o pressuposto básico da elaboração de Bakthin é que o agir humano não se dá

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

independente da interação; nem o dizer fora do agir. Numa síntese, podemos afirmar que, nessa teoria, estipula-se que falamos por meio de gêneros no interior de determinada esfera da atividade humana. Falar não é, portanto, apenas atualizar um código gramatical num vazio, mas moldar o nosso dizer às formas de um gênero no interior de uma atividade. (Faraco, 2009, p. 112)

Para usar Bakhtin, dentro da atividade pedagógica, será preciso mais uma vez

entender que os gêneros são entidades plásticas, ele são dinâmicos, fluem um do outro

e pelo fato de circularem dentro da sociedade apresentam os mais variados suportes e

as mais variadas maneiras, exercendo uma função sociocognitiva que lhe permite lidar

com as relações humanas em que a linguagem está presente.

Observe o quadro abaixo que exemplifica as relações textuais segundo Marcuschi:

Gráfico 2. Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita.

Nesse gráfico, apresenta-se o contínuo dos gêneros no contexto da Fala e da Escrita,

sublinhando o “balão” intermediário que representa gêneros tidos como “mistos”.

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

Os gêneros textuais sugerem, como destacamos até agora, serem parte constitutiva da

sociedade em seus habitats típicos e não somente fatos linguísticos. Com isso, pode-

se dizer que eles não preexistem como formas acabadas, mas são categorias

operativas, instrumentos globais de ação social e cognitiva.

Para Kress (2003, p. 89-90) apud Marcuschi (2011, p. 25), “a mobilidade dos gêneros

permite dizer que caminhamos para uma “hibridação” ou “mesclagem” de gêneros de

tal ordem que podemos chegar a uma situação em que não mais haja “categorias de

gêneros puros e sim apenas fluxo”. Contudo, seria inadequado considerar a mistura de

gêneros como evidência da ausência de gênero. Ainda trabalhando a questão da

preexistência, o que se observa é que, quando passamos de um gênero a outro, ou

inserimos um no outro, na fala ou na escrita, estamos falando de hibridação e

mesclagem, respectivamente. A teoria de gêneros, de acordo com o mesmo autor “ não

serve tanto para a identificação de um gênero como tal e sim para a percepção de

como o funcionamento da língua é dinâmico e, embora sempre manifesto em textos,

nunca deixa de se renovar nesse processo.”

A relação e a necessidade de trabalhar esta temática neste caderno se deve ao fato de

que em sala de aula serão trabalhados diversos textos de gêneros diferentes e o

professor deve estar refletindo sobre as teorias dos gêneros da atualidade, uma vez

que o trabalho de Marcuschi explora a dinamicidade, a situacionalidade, a historicidade

e a plasticidade dos gêneros para mostrar que eles não são classificáveis como formas

puras, nem podem ser catalogados de maneira rígida. Devem ser vistos na relação

com as práticas sociais, os aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as

tecnologias, as atividades discursivas e no interior da cultura. Eles mudam, fundem-se,

misturam-se para manter sua identidade funcional com inovação organizacional. Hoje a

tendência é observar os gêneros pelo seu lado dinâmico. Essa reflexão, mesmo

trabalhando com o texto literário, não tem como passar desapercebida pela sala de

aula, uma vez que haverá sempre um gancho de comparação, de observação entre o

texto literário e não-literário, levando em conta a cultura de nossos alunos, em que as

retomadas para se partir do que os alunos já concebem como texto, acontecem a todo

momento. O fato de entender que a circulação dos gêneros textuais na sociedade

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torna-se um aspecto fascinante, segundo Marcuschi, (2011, p. 25) , “pois mostra como

a própria sociedade se organiza em todos os aspectos. E os gêneros são a

manifestação mais visível desse funcionamento que eles ajudam a constituir,

envolvendo crucialmente a linguagem, atividades enunciativas, intenções e outros

aspectos. Basta tomar um setor de uma atividade humana ou uma célula social para

observar o que ocorre ali.”

Nas Diretrizes Curriculares de EJA, (2005, p. 39), afirma-se que pensar as práticas de

significação que se devem gerar na escola, impõe estar atento à dinâmica das relações

sociais com o objetivo de “democratizar o saber, a cultura e o conhecimento, bem como

conduzir o educando a aprender o significado social e cultural do símbolos construídos,

tais como as palavras, as ciências, as artes, os valores, dotados da capacidade de

propiciarnos meios de orientação, de comunicação e de participação” ( Arroyo, 2001, p.

114)

Quando citamos anteriormente que os gêneros se manifestam nas relações sociais e

na cultura, mais uma vez marcamos a importância desse assunto para a reflexão dos

professores que trabalham com EJA, pois a cultura e conhecimento são produzidos nas

e pelas relações sociais. Desse modo, o currículo não pode ser pensado fora dessas

relações. Nessa perspectiva, de acordo com Silva (2002, p. 13), o currículo, tal como a

cultura, é compreendido como prática de significação, e como tal, vinculado à prática

produtiva, às relações sociais e de poder, enfim, uma prática que produz identidades

sociais. A lógica disciplinar que hierarquiza e fragmenta o conhecimento, limita a

possibilidade de uma aprendizagem reflexiva, crítica e , portanto, significativa.

A cultura compreende, portanto, “desde a mais sublime música ou obra literária, até as

formas de destruir a si mesmo e as técnicas de tortura, a arte, a ciência, a linguagem,

os costumes, os hábitos de vida, os sistemas morais, as instituições sociais, as

crenças, as formas de trabalhar” (Sacristan, 2001, p. 105). Como elemento da

mediação humana, torna-se objeto da educação que se traduz em atividade curricular.

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REFERÊNCIAS

CHIAPPINI, Ligia (Coord). Gêneros do Discurso na Escola: mito, conto, cordel,

discurso político, divulgação científica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

KARWOSKI, Acir Mario, Beatriz Gaydeczka, Karim Siebeneicher Brito (Org.); Luiz

Antônio Marcuschi...[et al.]. Gêneros textuais: reflexão e ensino. 4. ed. São Paulo:

Parábola Editorial, 2011.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

UNIDADE V:

DIVERSIDADE ETÁRIA UMA PEDRA NO CAMINHO DO SABER

ob a perspectiva de Oliveira (1999, p. 1), ao tratar da especificidade etária dos

alunos da educação de jovens e adultos, a mesma relata que, para esse

público, não se pode só ver a questão da diferença da idade e sim uma

especificidade cultural, uma vez que essa educação diz respeito a um determinado

grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos

culturais da sociedade contemporânea. Esse tipo de aluno normalmente não é

profissional procurando qualificação, ou tentando o mundo universitário, e sim migrante

que chega às grandes metrópoles proveniente de área rural, com baixo nível de

instrução, com passagem curta e não sistematizada pela escola, trabalhando em

ocupações urbanas não qualificadas. Esse aluno é excluído da escola, porém

geralmente incorporado aos cursos supletivos em fase mais adiantadas da

escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino fundamental ou

mesmo o ensino médio. É um aluno ligado ao mundo urbano, envolvido em atividades

de trabalho e lazer relacionadas à sociedade letrada, escolarizada e urbana. Três

fatores contribuem para a definição de seu lugar social: a condição de não-criança, a

condição de excluído da escola e a condição de membro de determinado grupo

cultural.

No exemplo citado pela mesma autora, relatando sobre um artigo de Palácios que

exemplifica a produção em psicologia a respeito do desenvolvimento humano, o autor

considera que após a adolescência, a idade adulta tem sido tradicionalmente encarada

como período de estabilidade e ausência de mudanças, e enfatiza a importância de se

considerar a vida adulta como etapa substantiva do desenvolvimento. Enfatiza também

a importância na definição da vida adulta: “Se cada período da vida é suscetível de se

identificar com uma série de papéis, atividades e relações, não cabe dúvida de que a

S

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

entrada no mundo do trabalho e a formação de uma unidade familiar própria são

identificadas como papéis, atividades e relações da maior importância a partir do final

da adolescência [...] [A forma como esses dois fenômenos ocorrem] e as expectativas

em torno deles são claramente dependentes em relação a fatores históricos, culturais e

sociais.” (Palácios, 1995, p. 315)

No que diz respeito ao funcionamento intelectual do adulto, o mesmo autor relata que

“as pessoas humanas mantêm um bom nível de competência cognitiva até uma idade

avançada. Os psicólogos, segundo esse mesmo autor estão mais convencidos de que

o que determina o nível de competência cognitiva das pessoas mais velhas não é tanto

a idade em si mesma, mas diversos fatores como: o nível de saúde, o nível educativo e

cultural, a experiência profissional e o tônus vital da pessoa ( sua motivação e seu bem

estar psicológico...).” (Palácios, 1995, p. 312)

Não é a idade que determina o sucesso escolar ou não deste público. O adulto traz

consigo experiências, conhecimentos acumulados através do tempo, reflexões do

mundo, de si mesmo e dos outros que demonstram, em seus ambientes de

aprendizagem, habilidades ou dificuldades dependendo do contexto que vier. Segundo

Oliveira (1999, p. 4), a compreensão da psicologia do adulto pouco escolarizado, objeto

de interesse da área de educação de jovens e adultos, acaba sendo baseada em

diversas suposições: “supõe que certos hábitos, valores e práticas culturais não

estejam ainda plenamente enraizadas nos aprendizes e, dependendo da idade, eles

sabem ou não; supõe que certos modos de transmissão de conhecimentos e

habilidades seriam mais apropriados; supõe que certos aspectos do jargão escolar

estariam dominados pelos alunos em cada momento do percurso escolar.”

Essas e outras suposições, segundo a mesma autora, podem colocar os jovens e

adultos em situações bastante inadequadas para o desenvolvimento de processos de

real aprendizagem. De certa forma, é como se a situação de exclusão da escola

regular fosse, em si mesma, potencial geradora do fracasso na situação escolar de

escolarização tardia. Na verdade, os altos índices de evasão e repetência nos

programas de educação de jovens e adultos indicam falta de sintonia entre essa escola

e os alunos que se servem dela. Não podemos desconsiderar, a esse respeito, fatores

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se

deparavam com ele.

Charles Perrault

de ordem socioeconômica que acabam por impedir que os alunos se dediquem

plenamente a seu projeto pessoal de envolvimento nesses programas.

Um segundo ponto a ser mencionado, no que diz respeito à especificidade dos jovens

e adultos como sujeitos de aprendizagem relacionada com o processo de exclusão da

escola regular, é o fato de que a escola funciona com base em regras específicas e

com uma linguagem particular, que deve ser conhecida por aqueles que nela estão

envolvidos. Essas inquietações têm levado alguns autores a investigar alguns aspectos

sobre a forma de pensar de letrados e não letrados.

... parece haver um acordo sobre a existência de uma diferença entre formas letradas e não letradas de pensamento; é importante reiterar, entretanto, que essa diferença não está claramente definida na literatura, não apenas pela falta de investigações mais específicas a respeito do funcionamento cognitivo dos grupos 'pouco letrados', mas também pela ausência de uma teoria consistente sobre os processos intelectuais dos adultos plenamente inseridos na sociedade letrada. Nesse sentido, a modalidade de pensamento à qual se opõe o pensamento denominado pouco letrado é, em grande medida, uma construção derivada do senso comum". (Oliveira, 1995, p. 157, apud Oliveira, 1999)

O público atendido na EJA mostra a diversidade etária, e um conflito de gerações pode

acontecer, Oliveira (1999, p. 4) destaca que, “ao se falar de um jovem abstrato, não

localiza historicamente qual é esse jovem, que convive, pelo menos parcialmente, com

pessoas de idade mais avançada em cursos escolares destinados àqueles que não

puderam seguir o caminho da escolaridade regular, e que constitui objeto da área

denominada „educação de pessoas jovens e adultas‟.” As escolas que atendem a

educação de jovens e adultos vivem essa problemática desde que, por determinação

judicial os alunos a partir dos quinze anos podem frequentar a educação de jovens e

adultos, até então, direcionadas a alunos maiores de dezoito anos. São alunos, na sua

maioria, excluídos do ensino regular por reprovação, evasão, idade, trabalho, mas sem

maturidade para frequentar as turmas de EJA, que por ter o tempo reduzido de carga

horária das disciplinas matriculadas, necessitam que os alunos tenham compromisso,

autonomia e disciplina para conseguirem concluí-las. Esses alunos convivem com

pessoas bem mais velhas, com objetivos diferentes e muitas vezes o jovem não

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respeita o tempo escolar diversificado, causando profundos desgastes para o público

que realmente precisam dos bancos escolares para galgar a sua permanência no

mercado de trabalho, que a escolaridade lhe dará.

Na história, no século XIX, a juventude emerge como um tema ou categoria geracional

socialmente reconhecida, “empurrando a infância para trás e a maturidade para frente”.

Ariès (1981, p. 47) relata que “não havia um palavra para designar o adulto, e as

pessoas passavam sem transição de juvenes a senes”.

Antes do século XVIII, essa falta de designação ou reconhecimento de determinadas

categorias etárias também se dava, mas em ordem inversa em relação à velhice. Essa

categoria etária não era respeitada, “era a idade do recolhimento, dos livros, da

devoção e da caduquice” (Ariès, 1981, p. 48). Nesse sentido, para o autor a velhice

desapareceu. Um vieux (um velho) é uma expressão francesa utilizada como gíria quer

em um sentido pejorativo ou protetor, que foi substituída pela expressão “homem de

certa idade” e por “senhores e senhoras bem conservados”. Desse modo, o autor

argumenta que o entendimento moral e biológico acerca da velhice é suplantado pela

ideia tecnológica de conservação.

Sobre isso conclui Ariès:

Assim, a ausência da adolescência ou desprezo pela velhice, de um lado, ou, de outro, o desaparecimento da velhice, ao menos como degradação, e a introdução da adolescência exprimem reação da sociedade diante da duração da vida. O prolongamento da idade média na vida retirou do não-ser anterior espaços da vida que os sábios bizantinos e da Idade Média haviam nomeado, embora não existissem nos costumes. E a linguagem moderna tomou emprestados esses velhos vocábulos, originalmente apenas teóricos, para designar realidades novas. (Ariès, 1981,p. 48-49)

Segundo Ribas (2006, p. 24), a periodização da vida está presente como elemento de

representação e organização social nas diversas sociedades, mas não do mesmo

modo e sentido. O que se considera como infância, juventude, adultidade ou velhice

tem mudado ao longo do tempo, e, da mesma forma, variam em diferentes culturas.

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LENDA Conta a Lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari, o Deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na floresta, ela atacou e matou a pobre criança.

O BARBA AZUL

Era uma vez um homem muito rico, possuía muitas propriedades, todas com belíssimos palácios, na cidade e no campo. Tudo que tinha dentro de seus palácios era belo e suntuoso, suas baixelas eram de ouro e prata, as cadeiras eram estofadas com tapeçarias, as carruagens recobertas de ouro. Mas apesar de toda sua riqueza ele tinha uma tristeza, sua barba era azul, e isso o tornava tão feio que todas as mulheres e moças fugiam quando se deparavam com ele.

Charles Perrault

Na afirmação de Bordieu (1983, p. 113), “o fato de falar de jovens como se fossem uma

unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar esses

interesses a uma idade definitiva biologicamente, já constitui uma manipulação

evidente”, há uma importante reflexão, pois temos que analisar pelo menos as

diferenças entre as juventudes, já que não podemos colocar todos os jovens num único

pacote. Essa relação de analisar diferenças deve estar presente aos analisarmos as

demais categorias geracionais, uma vez que as diferenças intra e inter gerações

(idosos, adultos e jovens) não ocorrem só entre distintas gerações, mas também entre

gerações específicas. Ao reconhecer essa diversidade e aceitar o desafio de motivar a

leitura talvez se possa sair do quadro em que se encontram muitas de nossas escolas:

A leitura também não tem obtido o merecido valor [nas aulas de Língua Portuguesa]. É como se escrever e ler fossem atos distintos, completamente dissociáveis. [...] A leitura, enquanto mera atividade de descodificação da língua, muito pouco representa. No entanto, a partir do momento em que se pode descobrir que se lê muito mais do que aquilo que as letras dizem, começa-se a descobrir a língua como elemento social. A leitura vai intermediar o ato de comunicação no sentido de que porá à disposição do falante um leque de possibilidades informativas. É justamente esse papel da leitura que não se tem abordado na escola.” (ARAÚJO, Ubirajara Inácio de, p. 49)

Ao abordamos essa problemática, nossa intenção é a reflexão sobre a diversidade

etária presentes nas turmas de EJA, que não pode ser esquecida para que consigamos

garantir uma aprendizagem significativa. Entretanto, talvez não tenhamos idade certa

ou errada para estudar, pouca ou muita idade para querer aprender, pouco ou muito

trabalho para ensinar. Lloret (1997) apud Ribas , 2006 põe em dúvida o que chamamos

de idade:

Mais que ter uma idade, pertencemos a uma idade. Os anos têm e nos fazem. Fazem que sejamos crianças, jovens, adultos ou velhos, e isso, apesar de relativa flutuação das fronteiras culturais, legislativas ou administrativas nos situa a uns e outros em grupos socialmente definidos. O continuum de um processo existencial próprio fica assim parcialmente em uma sucessiva subscrição a grupos de idade que nos marcam determinadas práticas cotidianas, certas possibilidades sociais e uma margem cuja pertença ou não pertença devemos assumir. (LLORET, 1997, p.12)

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NA FILA - Olha a fila [ ] Olha a fila [ ] Tem gente furando aí. - Tanta pressa só pra ver um caixão... - Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. - Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que tá lá dentro [ ] - A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em tanta coisa que o Go... - Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro Segundo [ ] - Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é o segundo, é o primeiro. E segundo: a inauguração do viaduto foi ontem. Esta fila é para ver o caixão de Dom Pedro. Luís Fernando Veríssimo

O ANÃO NO TELEVISOR Ser um anão e viver dentro de um televisor ainda que seja um televisor gigante, em cores- é terrível; mas tem pelo menos uma vantagem: quando o aparelho está desligado a gente pode observar através da tela, cenas interessantes. E sem que ninguém veja- quem é vai reparar num televisor desligado?... Olhar é o que faço durante o dia. Á noite...Bom. Moacyr Scliar

Sabemos, na prática que os conflitos entre gerações fazem parte do cotidiano na

educação de jovens e adultos, encontremos na literatura e no trabalho caminhos para

uma aprendizagem que valorize o ser humano. Na perspectiva de Marta Moraes (2009,

p. 11), lembremos de Saint- Exupèry (1988) : “Precisamos lançar pontes através da

noite”. Na noite civil que nos envolve, cabe aos educadores de decisão e fé promover a

reengenharia da educação. Sem salvacionismo. Assim como o esporte e a música, a

leitura é capaz de transformar alunos, professores e familiares. Sejamos agentes dessa

possibilidade de navegar pelo oceano de leituras em qualquer idade.

Ao final, deste caderno deixemos nos embalar por um fragmento da obra de Marta

Moraes que conduzirá nossa reflexão sobre leitura:

Sempreviva

Em todo bairro não havia jardim como o de sua casa. Misturavam-se em desordem as

cores, assim como se desordenavam tamanhos, espessuras e tons de verde. Num

canto comprimiam-se as espadas-de-são-jorge, num verde sarapintado de brancos e

cremes, lembrando aquela linda e invejada camisa de seda de tia Joana. Ao lado,

sorridentes, as margaridas abriam-se em redondas dentaduras da mais preciosa

brancura num canteiro. Quando o vento balançava, pareciam cumprimentar girassóis,

grávidos de amarelo e sementes, tão compenetrados em sua função diária de vigiar e

perseguir o sol.

Precisava, lembrou, pedir à mãe que lhe explicasse melhor porque os girassóis

daquele quadro, exposto no escritório do pai, eram ao mesmo tempo tão parecidos e

tão diferentes de seu jardim.

... A menina gostava da opulenta simplicidade das hortênsias: velhas senhoras, cheias

de curvas, aprumadas e solitárias.

... Entre tanta exuberância, o lugar preferido da menina não era coberto de flores, mas

de folhas. A sombra da acácia imperial cobria a rede multicolorida de algodão resistente

que, no calor das tardes sem compromisso, velava as leituras proveitosas e o sono

relaxante.

... Entre os fios do tecido da rede passaram os risos incontidos, a surpresa e o

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O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço.

Cora Coralina

Incenso fosse música Isso de quere ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminsky

suspense.. e os anseios de versos e personagens.. mas tardes na rede entre livros e

leituras eram realmente fagueiras....Carinhosamente envolve a imagem da menina que

lê sob a árvore protetora..e a guarda num recanto reservado e secreto da memória...

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REFERÊNCIAS

BORDIEU.Pierre. A juventude é apenas uma palavra. In Bordieu, Pierre. Questões de

Sociologia. Tradução: Jeni Vaitsman. Rio de Janeiro: Ed.Marco Zero Limitada,1983.

Costa, Marta Moraes. Sempreviva, a leitura. Curitiba: Aymará, 2009.

OLIVEIRA, Marta Khol. Jovens e Adultos como sujeito de conhecimento e a

aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, n.12, 1999.

RIBAS, Maria Guiomar de Carvalho. Música na Educação de Jovens e Adultos: um

estudo sobre práticas musicais entre gerações. Tese de Doutorado em Música.

Universidade do Rio Grande do Sul.Porto Alegre, 2006.