Revisão: Moacyr Scliar

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1 REVISÃO: MELHORES CRÔNICAS MOACYR SCLIAR MOACYR SCLIAR: BIOGRAFIA Moacyr Jaime Scliar nasceu a 23 de março de 1937, no hospital da Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre (RS). Seus pais, José e Sara Scliar, oriundos da Bessarábia (Rússia), chegaram ao Brasil em 1904. Filho mais velho do casal, que teve ainda Wremyr e Marili, desde pequeno demonstrou inclinações literárias. O próprio nome Moacyr já é resultado dessa afinidade. Foi escolhido por sua mãe Sara após a leitura de Iracema, de José de Alencar, significando “filho da dor”. Ele próprio dizia: “os nomes são recados dos pais para os filhos e são como ordens a serem cumpridas para o resto da vida”. Em 1943, começou os estudos na Escola de Educação e Cultura, também conhecida como Colégio Iídiche, onde sua mãe chegou a lecionar. Em 1948, transferiu-se para o Colégio Rosário, um ginásio católico. Em 1955, foi aprovado no vestibular de Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1962. Especialista em Saúde Pública e Doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública, exerceu a profissão junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU). Casou-se, em 1965, com Judith Vivien Olivien, com quem tem um filho, Roberto. Foi professor visitante na Brown University (Department of Portuguese and Brazilian Studies) e na Universidade do Texas (Austin), nos Estados Unidos. Freqüentemente é convidado para conferências e encontros de literatura no país e no exterior. Seu primeiro livro, publicado em 1962, foi Histórias de Médico em Formação, contos baseados em sua experiência como estudante. Em 1968 publica O Carnaval dos Animais, contos, que Scliar considera de fato sua primeira obra. Autor de 74 livros em vários gêneros: romance, conto, ensaio, crônica, ficção infanto-juvenil, escreveu, também, para a imprensa. Obras suas foram publicadas em muitos países: Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Inglaterra, Itália, Rússia, Tchecoslováquia, Suécia, Noruega, Polônia, Bulgária, Japão, Argentina, Colômbia, Venezuela, Uruguai, Canadá e outros países, com grande repercussão crítica. Teve textos adaptados para o cinema, teatro, tevê e rádio, inclusive no exterior. Foi, durante 15 anos, colunista do jornal Zero Hora, onde discorria sobre medicina, literatura e fatos do cotidiano. Foi colaborador da Folha de S. Paulo desde a década de 70 e assinou uma coluna no caderno Cotidiano. Duas influências são importantes na obra de Scliar. Uma é a sua condição de filho de imigrantes, que aparece em obras como A Guerra no Bom Fim, O Exército de um Homem Só, O Centauro no Jardim, A Estranha Nação de Rafael Mendes, A Majestade do Xingu. A outra influência é a sua formação de médico de saúde pública, que lhe oportunizou uma vivência com a doença, o sofrimento e a morte, bem como um conhecimento da realidade brasileira. O que é perceptível em obras ficcionais, como A Majestade do Xingu e não-ficcionais, como A Paixão Transformada: História da Medicina na Literatura.

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Material sobre "Moacyr Scliar: Melhores Crônicas", com organização de Luís Augusto Fischer.

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    REVISO: MELHORES CRNICAS MOACYR SCLIAR

    MOACYR SCLIAR: BIOGRAFIA

    Moacyr Jaime Scliar nasceu a 23 de maro de 1937, no hospital da Beneficncia Portuguesa, em Porto Alegre (RS). Seus pais, Jos e Sara Scliar, oriundos da Bessarbia (Rssia), chegaram ao Brasil em 1904. Filho mais velho do casal, que teve ainda Wremyr e Marili, desde pequeno demonstrou inclinaes literrias. O prprio nome Moacyr j resultado dessa afinidade. Foi escolhido por sua me Sara aps a leitura de Iracema, de Jos de Alencar, significando filho da dor. Ele prprio dizia: os nomes so recados dos pais para os filhos e so como ordens a serem cumpridas para o resto da vida.

    Em 1943, comeou os estudos na Escola de Educao e Cultura, tambm conhecida como Colgio Idiche, onde sua me chegou a lecionar. Em 1948, transferiu-se para o Colgio Rosrio, um ginsio catlico.

    Em 1955, foi aprovado no vestibular de Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1962. Especialista em Sade Pblica e Doutor em Cincias pela Escola Nacional de Sade Pblica, exerceu a profisso junto ao Servio de Assistncia Mdica Domiciliar e de Urgncia (SAMDU).

    Casou-se, em 1965, com Judith Vivien Olivien, com quem tem um filho, Roberto.

    Foi professor visitante na Brown University (Department of Portuguese and Brazilian Studies) e na Universidade do Texas (Austin), nos Estados Unidos. Freqentemente convidado para conferncias e encontros de literatura no pas e no exterior.

    Seu primeiro livro, publicado em 1962, foi Histrias de Mdico em Formao, contos baseados em sua experincia como estudante. Em 1968 publica O Carnaval dos Animais, contos, que Scliar considera de fato sua primeira obra.

    Autor de 74 livros em vrios gneros: romance, conto, ensaio, crnica, fico infanto-juvenil, escreveu, tambm, para a imprensa. Obras suas foram publicadas em muitos pases: Estados Unidos, Frana, Alemanha, Espanha, Portugal, Inglaterra, Itlia, Rssia, Tchecoslovquia, Sucia, Noruega, Polnia, Bulgria, Japo, Argentina, Colmbia, Venezuela, Uruguai, Canad e outros pases, com grande repercusso crtica.

    Teve textos adaptados para o cinema, teatro, tev e rdio, inclusive no exterior.

    Foi, durante 15 anos, colunista do jornal Zero Hora, onde discorria sobre medicina, literatura e fatos do cotidiano. Foi colaborador da Folha de S. Paulo desde a dcada de 70 e assinou uma coluna no caderno Cotidiano.

    Duas influncias so importantes na obra de Scliar. Uma a sua condio de filho de imigrantes, que aparece em obras como A Guerra no Bom Fim, O Exrcito de um Homem S, O Centauro no Jardim, A Estranha Nao de Rafael Mendes, A Majestade do Xingu. A outra influncia a sua formao de mdico de sade pblica, que lhe oportunizou uma vivncia com a doena, o sofrimento e a morte, bem como um conhecimento da realidade brasileira. O que perceptvel em obras ficcionais, como A Majestade do Xingu e no-ficcionais, como A Paixo Transformada: Histria da Medicina na Literatura.

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    Cada leitor da obra do Scliar tem seu gnero preferido. Mas todos reconhecem nele, acima de tudo, seja na fico, no ensaio ou na crnica, um estilo altamente humanista, que o torna dono de valores universais, segundo o escritor gacho Luiz Antnio Assis Brasil, para quem a ABL, ao aceit-lo como imortal, fez justia no s ao Rio Grande do Sul, mas tambm ao grande escritor que ele foi, capaz de introduzir na literatura brasileira a contribuio que outros escritores de origem judaica deram literatura mundial. Sua fico insere a temtica do imigrante judeu e urbano no imaginrio da literatura sul-rio-grandense.

    Moacyr Scliar considerado um dos escritores mais representativos da literatura brasileira contempornea. Os temas dominantes de sua obra so a realidade social da classe mdia urbana no Brasil, a medicina e o judasmo. Suas descries da classe mdia eram, frequentemente, inventadas a partir de um ngulo supra-real.

    Faleceu em 27 de fevereiro de 2011, em Porto Alegre, aos 73 anos.

    SOBRE AS MELHORES CRNICAS DE MOACYR SCLIAR

    O autor porto-alegrense e nasceu em 1937. Suas crnicas relatam os costumes e fatos de um povo em determinada poca e possuem a caracterstica fundamental da leveza. A crnica troca a relativa solenidade que cerca a relao dos fatos histricos pela relativa trivialidade que informa o cotidiano. Ela escrita em lngua de dia de semana, sem pompas, com vistas ao leitor apressado e talvez de pouco refinamento. Essa coletnea possui uma linguagem direta e enxuta que regula o ngulo da densidade da sensibilidade necessrios. Moacyr Scliar cronica o mundo a partir de sua personalidade: pai, filho, esposo, dono de bichos, cidado e mdico social.

    Na crnica, como em tudo mais na vida, cada um d o que tem. No caso do cronista, h ainda uma peculiaridade: ele no s transmite o que lhe est na alma, como precisa se despersonalizar ou se desdobrar, sei l, para captar os mistrios e as banalidades do cotidiano. como uma antena (talvez parablica) aberta para o mundo, captando novidades, sempre filtradas atravs de um temperamento e uma histria de vida.

    Quanta complicao para dizer que o cronista Moacyr Scliar, um dos grandes ficcionistas do pas, revela a cada momento em suas crnicas a sua situao de mdico e de judeu, filho de imigrantes, muito orgulhoso de ambas. Essa condio acentua a sua viso crtica da vida e muitas vezes o ngulo irnico, quando no humorstico (humor judaico), como salienta Lus Augusto Fischer no prefcio s Melhores Crnicas Moacyr Scliar, alis recolhidas em livro pela primeira vez.

    Nada mais natural tambm que, como ficcionista autntico, muitas de suas crnicas estejam mais identificadas com a fico do que com a crnica pura, sem fermento. timo. O fermento da imaginao, sobrepondo-se simples observao, muitas vezes tem o dom de cutucar o leitor, de despert-lo para uma outra dimenso da realidade, quando no lan-lo em pleno absurdo.

    O absurdo serve tambm, quase em surdina, para a crtica social, a condenao das vaidades humanas, a reflexo sobre as armadilhas da vida moderna.

    Mas, seja em seus mergulhos no absurdo, seja na captao do cotidiano, o cronista nunca perde o poder de se comunicar com o leitor, atravs de uma linguagem clara, coloquial, sem rebuscamentos, a linguagem do povo, mas depurada por uma rgida disciplina. Como observa Fischer, sua crnica

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    proporciona ao leitor a agradvel sensao de compartilhamento, que temos ao conversar com um parceiro. Pode haver melhor dilogo?

    RESUMO DAS CRNICAS

    Captulo 1 Tipos Humanos

    1 O picareta

    Reflexo sobre o tipo picareta: malandro, sem emprego fixo, entendedor de tudo, malevel, pronto para vender algo e enganar algum. No venal, pernicioso, mas dotado de uma lbia infinitesimal. No entanto, um cidado: come, dorme, tem fome, sonhos e frustraes. noite, liberta-se em sonho para prender-se, de novo, ao amanhecer a uma rotina que para ele tem que ser levada a srio: pasta com papis.

    2 O interino

    Utilizando o jargo mdico, Scliar cria a ideia de que o interino sempre um sub-, aquele que nunca protagoniza. No entanto, ao sair da cadeira o preso poltico deixa um preso interino em seu lugar. Este morto e conseguiu, ironicamente, subir de posto: mrtir titular.

    3 Os emergentes

    Emergentes: a nova classe mdia vazia e ftil. Essa classe, segundo o texto, deseja os 15 minutos de fama ditados por Andy Warhol, estar na capa de revista e ter dinheiro. Seu nico medo: pobreza.

    4 O bloco dos contentes

    O bloco dos contentes parece ser o bloco dos que possuem influncia suficiente para resolver quaisquer problemas. Possuem uma rede de contatos eficiente e ganha o dinheiro com ela, seja aqui ou no exterior. Seriam os polticos, os grandes empresrios...

    5 A casa na rvore

    Parece que o bloco dos contentes ou os emergentes, aqui materializados na personagem Slvia, reaparecem como dissidentes dos lucros e aes que executaram. Slvia foge de casa e vai morar na rvore. No aceita os pais hipcritas. Estes fazem curso sobre como subir em rvores, mas temem que ela tivesse mudado para o Afeganisto. A crnica versa sobre a questo da liberdade.

    6 O amor que ousa dizer seu nome (e exige cama de casal)

    Ironiza o preconceito contra os homossexuais. O casal queria um quarto, mas s havia camas de casal e a gerncia disse que para preservar a moral, o atendente deveria dormir l. Ofendidos, foram embora e o atendente foi dormir com clientes em outros hotis que possuam camas separadas juntaram as camas. Crtica: a orientao sexual no se faz por camas unidas ou separadas e sim por afeto.

    7 Em busca do esquecimento

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    Revela o desejo de um velho de 70 anos em esquecer que esquece coisas. Esquec-las no o incomodam, mas, lembrar que esquece coisas inadmissvel. Pede ao mdico que retire dele esta angstia compulsiva.

    8 No nos deixeis cair em tentao

    Ao assaltar a igreja e roubar um projetor e um aspirador, o bandido no consegue levar as garrafas de vinho. Bebe-as e, embriagado, preso. Reflete criticamente: para que aspirador e projetor diante da crise energtica brasileira?

    9 O rei dos dedos

    Briga entre os dedos. O polegar dizia ser ele o rei porque era grosso. O indicador era temido. O anelar era para anel, mas, havia muitos divrcios. O mnimo era fino, aristocrtico, levantava-se na hora do ch. Rei era o do meio que em riste intimidava os outros.

    10 A paixo virtual

    O homem decepcionado pelo divrcio criou uma imagem ideal de mulher por meio de fotos de sua rede social. Lbio de uma, sobrancelha de outra... O dono do apartamento, ao ver a imagem, disse que conhecia a garota. O rapaz bravo deletou a imagem. A crnica termina com uma crtica a ns: por que Deus no deletou a humanidade? Resposta: porque no tinha computador.

    11 O ltimo hippie

    Crnica que enfoca o determinismo. Ao construir um condomnio, a construtora manteve o ltimo hippie que logo virou atrao para os moradores. Ele comeou a cobrar para se exibir, ganhou dinheiro, e mudou-se para um local luxuoso. Todos os dias voltava l para trabalhar e at criou um projeto para a lei condominial: era proibido aceitar outros hippies ali virou capitalista.

    12 Tatuagem

    Enfermeira brasileira, 42 anos. Pediu ao tatuador que grafasse em seu peito: em caso de parada cardaca, no ressuscitar porque a vida cruel e ingrata. Ele tatuou um corao com ambos os nomes. Vivem juntos at hoje.

    13 Os usos da insnia

    Durante anos, ele sofreu de insnia e decidiu passear noite. Desistiu depois do segundo assalto. Leu no jornal sobre uma promoo no shopping: quem ficasse mais tempo sem dormir ganharia um colcho. No dia do evento, dormiu.

    14 O rei dos mentirosos

    O potoqueiro ganhou o concurso como o rei dos mentirosos. A mulher no acreditou e ele inventou uma histria sobre uma mulher de lingerie preta com a qual fez amor no sof dela. A mulher entrou para o quarto, vestiu uma ligerie preta e fizeram amor no sof. A crnica acaba com ele colocando sua coroa de mentiroso em frente ao espelho.

    15 Metamorfose

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    De tanto imitar o chefe na aparncia cabelo, roupas, gestos Marcelo herdou a empresa. Essa era sua preocupao: manter-se no emprego para a segurana da famlia. Entretanto, sua essncia tambm se modificou: tratava a esposa como o chefe tratava seus funcionrios voc no passa de um traste.

    16 O ltimo concerto

    Retrata a capacidade do ser humano em cumprir promessas. Pavaroti anuncia que aos 70 anos, aposentado, no cantaria nem no chuveiro. O narrador afirma que isso impossvel: cantar, ou emitir um gemido (nota musical) sozinho no banheiro, seria inevitvel. Logo, a msica venceria o artista.

    17 O assaltante em seu labirinto

    O assaltante entra em um restaurante e em uma das saletas abordado por um garom extremamente educado que o parabeniza pela escolha do vinho. Alm disso, indica a melhor carne para acompanhar a bebida. Como nunca foi tratado to bem, desiste do assalto e janta. Quando vem a conta, grita: Isso um assalto e sai correndo em direo rua.

    18 As agruras dos ladres

    O ladro possui um discurso de cidado honesto. Diz que sua profisso difcil, que no possui segurana, frias... Na priso, l a notcia que se refere a ele: assaltante esqueceu de colocar buracos na mscara e preso. Revela que no um idiota, que se tratava de uma aposta e se vencesse, Franz, seu inimigo, sairia da cidade. Diz que, mesmo preso vai continuar treinando para roubar bancos assim, principalmente aquele em que a esposa tem conta e cujo caixa Franz seu combora. A vingana dupla: mata o rival e cumpre a promessa de assaltar com olhos vendados.

    19 Como num filme

    A mulher cleptomanaca: rouba bolsas, tops e meias debaixo de suas roupas. presa porque as cmeras do estabelecimento a filmaram. A crnica apresenta o mundo moderno de George Orwell: as lentes do grande irmo controlador de tudo.

    20 As faces rubras da mentira

    O casal vivia brigando. Desconfiavam da fidelidade um do outro e ento a mulher comprou um detector de mentira. Esse aparelho media o rubor que aparecia no rosto, mas, como a mulher sempre se maquiava, nunca a denunciou. O rapaz se divorciou e casou-se com outra. Est sempre a procura de maquiagem masculina.

    21 Lutando pela indenizao

    A esposa era trada e leu a notcia sobre o fato de um no cumprimento do dbito conjugal geral indenizao. Teve uma ideia: obrigar o marido a transar todo dia, duas vezes por dia. Ele fez porque no queria pagar penso. Apaixonou-se pela esposa novamente e esto juntos at hoje.

    22 Rindo por dentro

    O funcionrio maltratado foi ao enterro do chefe autoritrio. A certa hora, uma mosca pousa sobre a testa do patro e isso causa uma enorme vontade de rir no subordinado. Ele segura o riso, tem um enfarte e morre. A crnica nos ensina a necessidade do perdo para no sermos vtimas de ns mesmos.

    23 Confisso de um abstmio

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    Ironiza a quantidade de bebida e o amor que os homens delegam a ela. Tornou-se abstmio e sofreu preconceito. Estava sob constante viglia por medo de recada. No entanto, no se comedia com as mulheres.

    24 Os lugares onde se salva a ptria

    O autor revela o nosso cotidiano e a nossa preocupao em corrigir os problemas do Brasil em frases retricas e sem efeito real. Percebe isso em espaos cotidianos, como o calado carioca, que sofre o problema da chuva, que causa disperso das pessoas e interrompe o dilogo. Prova de que o mundo ainda /ser um espao degenerado de difcil evoluo.

    Captulo 2 Escrever/Ler

    1 Ai, gramtica. Ai, vida.

    Excelente metalinguagem sobre o paralelo entre a vida e a pontuao. Se o escritor for competente, cria bons retratos de cada fase da vida por meio da adequada pontuao: exclamao para a infncia, travesso para a puberdade, interrogao para a adolescncia, aposto para os adultos, ponto final para o homem maduro e reticncias para o dissimulado.

    2 Estes jovens entrevistadores e seus fanticos gravadores

    Final romntico. O autor fala de sua pacincia e cuidado quando entrevistado por jovens alunos que mal sabem utilizar um gravador antigo. Mas o autor sabe que, se no agir assim, a fratura intelectual de toda uma gerao ser inevitvel.

    3 Aos olhos da mestra

    Reflexo sociolgica sobre os alunos da frente: CDF Cu de ferro, em analogia ao Duque de Caxias. A outra reflexo sobre os alunos do fundo: malandros. Mas, independentemente dos tipos de alunos, o amor professora supera todas as barreiras.

    4 Primeiro caderno

    Relato sobre a triste vida de um primeira caderno: amado no princpio do ano e desprezado, jogado pela janela, no ltimo. Mas o ciclo se reinicia com o fim das frias.

    5 A primeira cartilha

    Queres ler? o nome da cartilha que alfabetizou Moacyr. Era uruguaia e trazia informaes tambm para o professor. Primeira lio: uva. Na atualidade, j pai, ele pergunta se o filho quer ler para sentir o gosto da uva e do vinho que arrebatam a fantasia de escrever.

    6 A arte de roubar livros

    Roubar livros um fetiche nacional. Poucos devolvem os livros emprestados, mas nosso narrador no conseguiu furtar o 18 de Brumrio, de Karl Marx. A crtica se insere no futuro: Marx perdeu um leitor, a revoluo sofreu um retardo e ficou mais um livro para ser queimado em 64. Aluso Ditadura militar.

    7 Roedor Literrio

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    Somente o Mickey Mouse goza de relativa simpatia pelos humanos. Um rato habitava sua biblioteca pessoal e ele o matou com uma vassoura. A vida dura para os camundongos simpticos ou intelectuais. O camundongo metfora do prprio escritor.

    8 Direito das mulheres: crnica

    Ironiza a atitude impotente das mulheres diante das baratas, seres superiores a elas outra ironia. O autor critica os dois seres.

    Anticrnica

    Resposta da barata e acusao firme: ela diz que Moacyr no reconhece a importncia das mulheres da sua vida: me, namoradas e esposa. Ele tambm no revelou que possui medo de baratas e por isso era assassino para se autoafirmar.

    9 Teclados

    O autor narra o sucesso de se teclar em um piano, capaz de flutuar em caso de enchente; e o insucesso de se teclar em mquina de escrever, fadada a naufragar em qualquer situao. Reflete sobre o quanto rdua, s vezes solitria e pouco reconhecida a vida de um escritor.

    10 Paixo redigida

    A mulher analfabeta pede a Jorge, o escritor de cartas, que escreva uma sobre amor. Ela dita, abre seu corao de forma lrica. Pediu que no escrevesse o destinatrio. No outro dia, Jorge encontra a carta endereada a ele. Seu nome foi escrito com muita dificuldade... Ela nunca mais apareceu e ele queria que voltasse para que a tecel o ensinasse mais sobre o amor.

    11 A alma do negcio

    Relata a vida de um professor frustrado que trabalha vendendo TCCs na internet. Fica rico, mas sua conscincia no descansa: haver um dia em que o brilhantismo de sua tese dar louros, glrias e reconhecimento a outro e nunca a ele.

    12 As letras no banheiro

    Francisco possua priso de ventre e lia no banheiro. Importou rolos de papel higinico timbrados em ingls. Certo dia, com diarreia, teve que jogar, sem ler, as lies de Poe e Holmes no lixo. A partir da, s lia fora do banheiro, para no sofrer desiluso.

    13 Os livros como paixo

    O velho de 85 anos rouba livros, por isso foi proibido de entrar nas bibliotecas. Ento, ele sonha em ganhar na loteria e comprar a biblioteca para continuar roubando seus prprios livros. Mas no h tempo: com 85 anos ele, o tempo, se foi e no se preocupa com livros e nem com pessoas.

    14 Estranhas histrias de escritores

    Cada escritor tem sua mania: escrever de p, deitado, com quarto fechado, com a roupa suja de tinta... Muitos possuem angstias: o branco, o esquecimento a maior delas, pois, simboliza fracasso. A ltima parte do texto o estranho destino deles: esquecidos no trem, no txi, comidos pelo cachorro, jogados fora por empregadas...

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    15 Um ritual da vida literria

    O ttulo faz referncia noite de autgrafos. O lanamento de um livro algo solene, mas, tenso para o autor: pode haver vrios leitores, poucos, pode esquecer o nome, pode assinar para que os livros fiquem na prateleira...

    Captulo 3 Absurdo

    1 A noite em que os hotis estavam cheios

    Um casal no conseguia arrumar um quarto de hotel e isso simboliza o preconceito. Quando arrumaram uma pensozinha barata, no demorou muito, apareceram os trs reis magos. E foi a que o gerente percebeu que tinham hspedes importantes vindos de Belm de Nazar.

    2 Os quinze minutos de fama

    Narra cada um dos 15 minutos de fama idealizados por Andy Warhol. 1 - surpresa, 2 - dvida, 3 - constatao de provas, 4 - reafirmao, 5 - otimismo, 6 - planejamento, 7 - organizao, 8 - xtase, 9 - cansao, 10 - irritao, 11 - suspeio, 12 - apreenso, 13 - ansiedade, 14 - frustrao e 15 - volta realidade. A curva descendente: 15 minutos de fama; nenhum de felicidade.

    3 A cor dos juros

    Critica o excesso de juros, o preconceito, a dificuldade poltica de administrar essas aes. Um branco pagaria pouco juro, o negro mais. Um aparelho foi criado para calcular e calculou um juro negativo para o albino.... Soluo: elevar os juros para todos, inutilizar os aparelhos e combater o preconceito.

    4 Salto no escuro

    Para discutir a relao homem/esposa/apago, a crnica lana mo de uma empregada bastante eficiente em administrar o consumo de energia. Nervosa, a patroa se separa do marido e o homem se casa com a funcionria, desejosa agora de comprar um lustre novo: 24 luzes.

    5 Os guerrilheiros da luz contra os traficantes de energia

    Usa o jargo ligado ao trfico de drogas para se referir ao trfico de energia eltrica criada pelo texto, que prejudicou o comrcio legal de velas. Ironia incapacidade governamental de criar polticas de gerao de energia e de conteno do crime organizado.

    6 Parafuso frouxo

    Crnica em formato de transmisso radiofnica. O locutor vibra com a possibilidade do apago recorde, porm, um funcionrio percebe o problema. No auge da emisso semelhante a de um jogo de futebol no sabemos se o trabalhador apertou o parafuso (clmax da narrativa), mas podemos deduzir: houve uma queda de energia na emissora.

    7 As surpresas de um ano novo

    Foi espancada quando a para um encontro amoroso iniciado por uma seduo por meio de uma carta de um admirador que queria comear bem o ano de 2004.

    8 Trofu e sonho

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    Relato de um homem que possui um trofu do Flamengo: aps vrias leses, ele, da arquibancada saiu para representar o time. A taa foi o pagamento pelo gol. Tudo isso metfora para explicar a crise financeira do time que tem que se desfazer do objeto para pagar credores.

    9 O preo da longevidade

    Para mostrar que o trabalhador paga impostos abusivos, o velho de 72 anos deve pagar 50% a mais em um bordel que fornecia descontos para aposentados e ele ainda no era.

    10 Deus em partculas

    Um jovem l num jornal que cientistas suos encontraram a plula de Deus. Isso desencadeou um projeto megalomanaco: eternizar-se no poder do Brasil, qui do mundo. Vai at a Europa, rouba caixinha e a perde. Reflete sem perceber: e se um bandido a encontrasse? A crnica revela a incapacidade de nos perceber como pessoas ruins ou sobre o existencialismo frustrado.

    11 Cerveja, Carnaval e Mquina de lavar

    Um homem sozinho produz algo importante, porm, a ausncia da mulher provoca a perda de uma grande ideia resolve fazer cerveja na mquina de lavar. Fez. Logo aps, ps as roupas para testar a velha funo da mquina e dormiu. Sonhou que as roupas estavam bbadas e danavam carnaval.

    12 Uma mo lava a outra

    Cibertransao. Em formato de carta, um empresrio prope Michelle, moa que criou um site a fim de arrecadar fundos para aumentar seus seios financiar a cirurgia, contando que ela, turbinada, utilizasse os sutis produzidos por ele a fama acima de tudo, junto ao dinheiro.

    13 No pas do orgasmo

    Para mostrar a falta de liberdade e a transgresso para obt-la, a crnica cria um servio de espionagem para saber quem tem orgasmo: S.I.O Servio de Informaes do Orgasmo. Mas, a oposio criou o M.O.L Movimento pelo Orgasmo Livre. Aluso ao Estado totalitrio e ao desejo de democracia.

    14 A mais antiga das profisses, o mais novo dos negcios

    Para refletir sobre especulaes do mercado de aes, a crnica utiliza o fio condutor sexual: uma empresa de preservativos resolve disponibilizar seus papis na bolsa, porm um jornalista revela que as informaes ( fatos, locais dos bordis, estrutura) so falsas. Os dados foram adulterados. Aps isso a empresa faliu. Vide OLX Eike Batista.

    15 Em busca do ouro

    Na festa da empresa serviam champanhe com partculas de ouro. A fim de enriquecer bebeu muito, foi indelicado com a esposa do patro e foi demitido. Espcie de emplastro Brs Cubas: o que lhe daria lucro, deu-lhe prejuzo.

    16 O fundo do poo

    Conto freudiano: sua empresa ia mal e por isso sonhava que estava em um poo escuro. E usava uma corda para sair. No conseguiu, largou a corda e no fundo achou uma argola. Puxou, era outro poo.

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    17 Voto zero

    Para versar sobre o egosmo narcisista, mais uma inverso: o dono do partido queria em vez de mais votos, menos votos voto zero. Para isso, pediu que os companheiros votassem nos adversrios. Porm, termina refletindo se teria capacidade, mesmo sabendo que no venceria as eleies de deixar de votar nele mesmo.

    18 Em busca do voto zero

    No anteprojeto de eleger-se deputado, o cidado busca o voto zero para marcar sua existncia no Guines Book. Nem sua famlia, nem os conhecidos, nem ele votaram nele mesmo. Porm, uma pessoa em um bairro distante votou estragando seus planos. Viveu o resto de seus dias em busca desse traidor.

    19 Economia vista desde o banheiro

    Ironiza a incapacidade das equipes econmicas em preverem e administrarem as crises. A crise se vale de um indicador: o rolo de papel higinico o cientista percebeu que de 40 metros, o tamanho se reduziu para 20, para 5... e por isso interrompeu os investimentos no Brasil. Ironia: a priso de ventre do funcionrio que enviava os rolos normalizou a entrega, mas j era tarde.

    Captulo 4 Bichos

    1 Os pssaros (verso brasileira)

    No conseguiu assistir ao filme Os pssaros com seu pai. Aps ser preso num nibus com 168 aves silvestres criou essa histria para o policial desde ento, sargento, eu tenho sido perseguido por pssaros.

    2 A hora e a vez do macaco

    Notcia de jornal: Cingapura, no discurso de Toni Tan possui macacos inteligentes e espertos. Aqui no Brasil, macaco levanta carro, mico algo ruim. Ento deveramos mudar para l para sermos valorizados. A crnica versa sobre a compreenso melhor do Brasil: ame-o ou deixe-o. A valorizao do cidado menor em solo ptrio.

    3 O destino bate porta

    Por ter sido salvo por uma fmea de canguru sem uma relao contratual, apaixonou-se platonicamente. Isso instabilizou a relao entre ele e sua esposa. Mas seria esse o motivo do fim, ou s um marco para uma relao frustrada? Como voc mesmo contou, Dolly teve de bater repetidamente na porta para que voc abrisse. Quando ele passou mal, a esposa foi indiferente.

    4 Homem-aranha

    A esposa se mudou e as aranhas no apenas pareciam vontade no apartamento como se reproduziram: 260. O marido sofreu uma metamorfose: ficou mais peludo e movia-se lentamente como se tivesse patas e no pernas. A crnica revela o determinismo.

    5 Ovos e emergncia

  • 11

    Crnica sobre como criar mentiras absurdas. Ao ser pego, no aeroporto, com 58 ovos de aves raras, obvio que o cidado ser preso. O que se ironiza a criatividade na tentativa de se manter livre. Dizer que colecionador; dizer que iria a um baile fantasia, dizer que era para a coleo do filho...

    6 A inconstncia dos felinos

    O rapaz leu no jornal que o gato Tinker, na Inglaterra, recebeu uma boa herana de sua dona. Resolveu treinar sua gata Samatha para seduzir o herdeiro e ento administrar sua fortuna. A gata se engravidou de um vira-lata no Brasil e fugiu. Os gatos so pouco confiveis assim como os humanos.

    7 A ferocidade dos ces

    O homem era humilhado pela esposa e pelo vizinho (Fernandes). Era chamado de babaca, de intil. Resolveu comprar um Rotweiler principalmente por causa do vizinho mas uma manchete o desanimou: cadela salva mulher e filha do ataque de dois Rotweilers e um Pitbull. Tira o lixo da cozinha rosnando baixinho para a esposa.

    8 O protesto dos felinos

    Os gato Tom, Flix, de Botas, fizeram uma manifestao: no ronronaram por um ms devido ao fato da Light (empresa energtica paulista) combater energia ilegal utilizando o nome de gato. Crtica comunidade defensora dos animais que protege o nome do bicho e esquece da sociedade.

    9 O mosquito da vingana

    Uma quadrilha rouba indumentrias da fundao nacional da sade e, disfarada, apresenta-se como agente contra a dengue. Aps um roubo, um jovem teve crise de conscincia. Sonhou que em seu julgamento o mosquito pousava na balana da condenao e ele iria para o inferno. por isso que resolve roubar uma farmcia: deseja repelentes.

    10 A cegueira da cincia

    Dois cientistas rivais. Um queria saber sobre o que o outro pesquisava criou um rato espio no qual um chip estava acoplado. O inimigo criou uma foto de um gato, capaz de proteger seu laboratrio. No coquetel, ao conversarem ironicamente o outro percebe que tem que criar um co. A crnica reflete sobre tica e biotica.

    11 Mundo co

    Para dar tema a uma escritora norte-americana, um assistente de jornal contratou um amigo, treinador de cachorros, para que os ces ficassem em frente a essas mquinas de frango assado. Atentos como telespectadores. Optou por ces em vez de crianas famintas porque cachorro no rouba. Crtica imprensa marrom e indiferena social.

    12 Paixo extica

    Preocupados com a extino de pandas, cientistas quiseram criar filmes porns para incit-los. No deu certo, porm funcionrio viu a fita e ficou perdidamente apaixonado pela fmea. Uma funcionria teve uma ideia: maquiar a esposa dele como panda e tudo voltou ao normal. Os animais so autnticos, os humanos no: precisam de estmulos.

    13 Prova de amor

  • 12

    (As mulheres se doam bem mais que os homens). A princesa beijou o sapo e este virou prncipe. Casaram, porm ele estava apaixonado por uma r e pediu esposa que lhe libertasse beijando-o de novo. Ela o faz e nunca mais comeu r provenal para respeitar o amor do ex-marido.

    Captulo 5 Homem e mulher

    1 Filosofia de vero

    Crnica filosfica sobre a passagem do tempo. Tempo rpido igual a felicidade e vida curta; tempo lento igual a angstia e vida longa. Deseja ser torturado em uma ditadura para alongar a vida e chegar eternidade, mas pensa que se conseguisse, ficaria feliz e tudo acabaria. Na praia, pede moa do lado que lhe passe bronzeador - notou que o tempo foi muito rpido.

    2 A mulher do papai noel

    Mostra como as coisas so vistas pelo avesso. Papai noel saiu para trabalhar e a esposa ficou s, resignada sem noite de natal e fadada a isso. Nunca realizaria seus sonhos ou ganharia presentes, pois sua vida tambm de doao. Ajudar o papai noel sem ser reconhecida.

    3 Cumplicidade

    A cumplicidade narrada como algo muito superior ao amor existente em um casal. E ampliada para a humanidade. Ainda que seja utopia, ela permite tal coisa: sonhar em conjunto com uma irmandade mais humana.

    4 Amor & Raquetes

    Que seja eterno. Citando Vinicius, a crnica relata a dificuldade de amar em estado totalitrio. Os tenistas chineses foram impedidos de namorar e, para no perderem os laos, criaram cdigos com a raquete. No jogo, como foram adversrios, combinaram que independente de quem vencesse, deveriam colocar a raquete no corao o amor vence a fora bruta da ditadura.

    5 Dois maravilhosos eletrodos

    O marido acusa a mulher de ser frgida e a fora a ser cobaia de um mdico que fabrica orgasmos por meio de eletrodos. Ela vai Nova Yorque, conhece um rapaz gentil no voo e tem com ele vrios orgasmos. O marido grato, at hoje, ao mdico e aos eletrodos.

    6 A bordo dos nossos sonhos

    Preocupado com a velhice e com quem cuidaria dele, o homem de meia idade resolveu procurar sua cara-metade em um cruzeiro. Encontrou uma senhora distinta, bonita e cheia de jias. Fizeram amor e ele nunca mais a viu no pde ter um final feliz porque seu pacote era econmico.

    7 Rastreando a traio

    Juca era um malandro adltero. Quando lanou celular com G.P.S. Helena comprou um para rastre-lo. Ele, por sua vez, sempre que queria vagabundear, deixava seu aparelho com um funcionrio Francisco. Um dia, a amante de Juca no foi e ele voltou para a casa esquecendo-se do celular que rastreava traio a mulher estava dormindo, o celular na cabeceira da cama e Francisco do lado.

    8 [email protected]

  • 13

    A relao de Anselmo e Adlia reavivada a partir de um software que espiona o outro. Ao digitar mensagem de amor para [email protected], o marido descobre que o e-mail era dela e as mensagens dela eram para ela mesma. Arrependido, transforma seu cime em desvelos.

    9 A luta do amor

    O conto ironiza a violncia contra a mulher invertendo a situao: o homem apanha, por duas vezes ao assediar a moa. Na ltima, ela o imobiliza e o beija casaram. Sntese da mulher moderna: quer o homem, mas no quer ser submissa. Sempre que quer transar, chama a mulher para a briga.

    10 At que o leo os separe

    O marido, obcecado por questes legais, sugeriu fazer a declarao do imposto de renda separados. A esposa aceitou sem problemas. Ele pede ao contador uma cpia da declarao dela e descobre que ela possui duas fontes de renda e ganha mais que ele. Uma ele desconhecia: ela trabalhava na empresa Erotex. Ficou feliz porque a esposa no sonegou os impostos.

    11 A incgnita na equao

    Ironia cincia inglesa que cria uma frmula para a felicidade: P + 5e + 3A (P caractersticas pessoais, E caractersticas da existncia e A autoestima). O narrador acusa sua infelicidade companheira, insensvel aos afetos dele. Mas prope fazer vestibular de matemtica para entend-la melhor e am-la sempre.

    12 Cinto de Castidade

    Uma moa encontrou num site um rapaz. Marcaram de tomar um drinque no apartamento dele, porm, ela estava com um cinto de castidade eletrnico importado da Coreia e esqueceu a senha. Ele digitou a data de aniversrio de uma ex o aparelho desbloqueou. Aqui, a priso ideolgica e no fsica.

    13 Ele (ex-ela) e ela (ex-ele)

    Um casal resolve mudar de sexo e decide continuar junto. Brigam do mesmo jeito. Isso mostra que uma mudana externa em nada implica uma mudana interna.

    14 Esta extica planta, a vingana

    Um homem triste pelo fim do relacionamento deseja criar uma planta carnvora para engolir a ex. Isso demanda tempo e esforo. Muitas leituras, workshops. Seu sadismo substitudo pelo masoquismo: cria um afeto pela tal planta como que querendo doar-se a ela.

    15 O beijo n 485

    Toda tcnica direcionada a realizar o prazer ou atingir a felicidade inspida. O livro que compraram possua 484 tcnicas de beijos. Ela sonhava com o 485.

    16 Direito ao orgasmo

    A mulher deseja mudar para o Piau. Aps ter pedido ao homem que a ajudasse a ter um, pelo menos um orgasmo. Eles tinham 20 anos de casado. O marido diz que sim, dia 29 de fevereiro orgasmo de 4 em 4 anos. Ela queria todos os anos. Foi acusada de feminista e por isso fugiu para o Piau, pois l, havia o dia do orgasmo.

  • 14

    17 O espao do amor

    Os velhinhos no hospital geritrico transavam no armrio, cpsula do amor. O armrio era pequeno porque sabiam que o amor no precisa de espao e sim de tempo amaram-se por longa vida.

    18 Os roncos da paixo

    Outra crnica sobre o amor que soa, s vezes, estranho. Um casal brigava tanto que acabou se separando. Motivo: o ronco do marido. A esposa gravou e ofendido, ele fugiu de casa. Ela agora poderia dormir vontade, mas no consegue: tem que colocar o udio do ronco para adormecer. As brigas fazem parte do relacionamento e s sentimos o amor quando no o temos.

    19 A inimiga do carnaval

    Dona Almerinda era avessa ao carnaval. Protestou, xingou, at que um dia acordou seu marido Gervsio e impeliu-o a acabar com o ensaio da escola de samba. Ele relutou. Demorou para retornar e ao busc-lo viu que ele aderiu festa: danava com uma mulata. A derrota foi dupla. Voltou pra casa solitria.

    Captulo 6 Vida diria

    1 O filho da empregada

    A diferena social entre o filho da patroa e o filho da empregada, que brincam o dia todo minimizada quando dormem, exaustos, em frente TV. Os sonhos de garotos dormindo so sempre sonhos de garotos dormindo no h contaminao, malcia ou reconhecimento de suas fronteiras.

    2 O dia seguinte

    A empregada, de confiana, fez uma festa enquanto os patres estavam na praia. Voltaram mais cedo, participaram da confraternizao: beberam, cantaram, riram, e at agradeceram. No outro dia, a empregada foi demitida: o amor propriedade sempre maior.

    3 No meu tempo era melhor (era mesmo?)

    Crnica filosfica sobre a frase no meu tempo que era bom. Explica que o homem que pensa assim, o saudosista, um insatisfeito e que tempo bom pode existir em qualquer poca desde que haja entendimento, respeito e dilogo entre pais e filhos.

    4 Os imprevistos usos do preservativo

    Um pescador cortou o dedo com anzol, foi farmcia e comprou preservativo para proteger o dedo. Assim, no molhando, poderia continuar seu ofcio. A dona da farmcia, uma viva jovem como ele admirou-se do fato ele comprou mais 20 e convidou-a para jantar. O amor acontece quando menos planejamos.

    5 Limpando gavetas

    No fim das eleies, os velhos funcionrios devem ceder seus espaos aos novos. Isso geral uma sesso nostalgia limpar gavetas. Clips, balas, remdios, cartas, cartes, bilhetes, h muito esquecidos. Tudo contribui para a melancolia: at o cafezinho frio. o retrato de uma vida vazia de escritrio e o medo da renovao.

  • 15

    6 Trs casacos e suas histrias

    Primeiro casaco: experimentou, foi a outras lojas, voltou, pagou caro. Segundo casaco: comprou numa garage sale 5 dlares, poderia ser de um morto. O brasileiro no se importa. Terceiro casaco: comprou na loja popular flenes. Concluso: Deus existe e d planto na seo de casacos.

    7 A festa paulistana

    Foram de nibus de Porto Alegre para So Paulo. A cidade comemorava 450 anos. Os meninos ficaram empolgados com a escada rolante e isso mostra a poca: anos 80/90. So Paulo era o retrato das contradies brasileiras: dinmica e criativa, mas, suja, violenta e congestionada.

    8 A arte de lavar pratos

    Reflexo factual brincalhona: lavar pratos no h curso, campeonato, mestrado, valorizao... mas temos que faz-lo porque sempre bom colocar a vida em pratos limpos.

    9 Senha

    Reflexo cmica: a fila do lado anda sempre mais rpida e no caixa eletrnico h sempre um senhor que esquece a senha. Nesta crnica, a senha era o aniversrio do velho, que seria no dia seguinte. Ensaiaram um parabns mas, (reflexo sria) na fila do banco as pessoas tem muita pressa.

    10 No banco do lado

    Para discutir sobre os congestionamentos cria-se a ideia de estar no banco de passageiros. A vantagem que esse lugar d direito a palpitar sobre o processo de conduo do veculo. Nesta crnica, aps morrer, queria sentar no banco ao lado de Deus para dar palpite no modo de organizao do trnsito e congestionamento dos anjos (Anjos = pessoas).

    11 Ponto de fuga

    O que faz um casal no domingo de manh na cama? Conversam. Falam sobre os filhos, fofocas, coisas descompromissadas. Buscam neste momento, o prazer do socialismo. A cama o ponto de fuga do casal assoberbado.

    12 Quem tem medo da empregada?

    As empregadas esto em falta e as amigas preferiram se ajudar: uma limpava a casa da outra. Um dia, a troca acabou e a amizade tambm. Motivo: cimes do marido, outra instituio que a mulher preza mais que a prpria casa.

    13 Vida: o filme

    Mostra que todo segmento social: padre, operrio, assaltante... passvel de ser reproduzido no cinema. Logo, nossa vida um filme sem direito a reprise e sem final feliz. Este, s o cinema vive.

    Captulo 7 Violncia Urbana

    1 Carta a um assaltante

  • 16

    Ironicamente o narrador pede ao ladro, no que interrompa seu ofcio, mas que o faa como antigamente, simples e sem violncia. E se quiser ler essa crnica, que no roubasse o jornal, pois, ele tinha um exemplar de sobra para ced-lo.

    2 Carta a um jovem que foi assaltado

    Crnica consolo. Afirma que o ladro rouba somente coisas materiais e que isso trivial. O que no pode acontecer o jovem deixar de pensar movido pelo medo de ser roubado. Afinal, ladro no rouba corao.

    3 No mentirs

    Ladres roubam trs caixas eletrnicos, mas somente dois cabem na Fiorino. Fazem o sorteio a partir da idade do mais jovem 18 anos. Contam at 18 mirando as caixas. Esta fica, disse o lder. Ao checarem, perceberam que as escolhidas no possuam dinheiro. O mais novo confessa que tinha 16. A malograda ao se d em ironia ao que acontece na prtica: o uso de menores para roubo ou trfico.

    4 Os problemas do transporte areo

    Ironia. Os presos, aps fugirem do presdio, enviaram uma carta ao diretor da Infraero reclamando das qualidades do voo, do helicptero, da falta da sala vip...

    5 No calmo mundo dos bonecos

    A polcia teve uma ideia: criar bonecos de palha para vigiar os presos. Os presos tiveram uma ideia: criar bonecos de palha para os policiais vigiarem. Assim, dentro da calma e do respeito, tem-se o presdio ideal.

    6 O crime no compensa. Quando terceirizado.

    Bandidos sequestradores decidiram que o melhor seria terceirizar suas aes. Para isso, deveriam institucionalizar a profisso, pois, os candidatos reclamavam da falta de garantia: frias, salrios, auxlios mdicos... A discusso se acalora e o chefe em escrpulo de legalidade decide se entregar polcia. Era melhor ser preso a ser patro. Aluso s dificuldades de ser um mdio empresrio.

    7 Histrias de celulares na priso: 1. Gosto no se discute.

    Histria idiota de como convencer algum de que um celular em po francs de fato um sanduche em uma priso. Narra o que o preso faz para ser beneficiado com o aparelho.

    8 Histrias de celulares na priso: 2. A portadora

    A mulher foi flagrada, pela revista policial, com celular na vagina. Era para seu namorado. Furioso, o rapaz escreveu o nmero de telefone para que ela explicasse porque ele no ligou diretamente: era o nmero do telefone da amante.

    9 Tudo por um bolo

    Assaltantes roubaram um bolo e foram presos. Eles escrevem uma ameaa que se realizar daqui a 365 dias. Voltaro casa para festejar o aniversrio de um dos amigos. Eles exigem bolo de chocolate e vinho. Esto certos da impunidade.

  • 17

    10 Nostalgia do sequestro

    Por medo de um sequestro, um homem passa a mudar de vida abandonaria a ostentao. Trocaria seu carro de luxo, sua manso e seu relgio por uma vida simples. Certa vez, no semforo, presenciou um sequestro de um antigo concorrente. No viu direito porque o sinal abriu e ele acelerou. Ficou livre do sequestro, mas sentiu-se culpado. Vide tema de 10 dias no Cortio, de Ivan Jaff.

    11 O sono dos justos e outros sonhos

    Dois sequestradores dormem e sonham que receberiam um resgate milionrio. Enquanto isso, o refm fugia.

    12 Onde todos os tneis se encontram

    Fugitivos do Carandiru cavavam um tnel. Fugitivos de outro presdio tambm. Ambos se encontraram no submundo e continuam cavando com medo de encontrarem um terceiro grupo. Aluso ao excesso de marginalidade e fragilidade das prises.

    Captulo 8 - Famlia

    1 Controle remoto

    Reflete sobre a criao dos filhos por um controle remoto. A viso de Scliar a mesma. Toda forma de controle retira a emoo do inusitado. Se o boto fast forward for apertado, os filhos seriam pais, e os pais avs, e a morte seria um fato. Melhor ento, curtir o momento.

    2 O filho mais velho (uma queixa)

    Tenso entre irmo mais velho e mais novo. Conta a triste trajetria de um filho, num dia rodeado de ateno e noutro, destronado.

    3 O filho mais moo (outra queixa)

    Foco no caula: chega atrasado, os quartos esto ocupados, as roupas e os brinquedos foram dos irmos, no quer comer no come, outra pessoa.

    4 Me, por incrvel que parea s uma

    Pode ser que cientistas consigam encontrar um material para criar mes. Pode ser que consigam fazer uma me rob muito parecida, mas, muito difcil fazer uma me como a nossa: particular.

    5 Piet

    Linda crnica que relata a morte da me do autor: cncer. H uma analogia com o quadro Piet de Michelngelo, porm ao inverso. Na pintura, a me ergue o filho crucificado. Na vida, o filho tenta se reerguer sem a me e clama por Piet(piedade) a todos.

    6 Um filho e seu pai

    Utiliza a carta de Kafka a seu pai para abordar o trauma do filho em relao a seu genitor. Porm, termina analisando uma foto do pai de Kafka (forte e elegante) antes do autor morrer e outra foto

  • 18

    depois de morto (o pai estava fraco, definhado). Afirma ser isso um eu te amo. Fim da crnica: Beto Scliar: no fcil ser seu pai. Beto Scliar, muito bom ser seu pai.

    7 Em homenagem ao dia das mes O regimento interno da famlia Tal como visto pelas prprias mes

    Homenagem aos tipos familiares no formato de linguagem jurdica. Artigo primeiro: sobre famlia; segundo: sobre pai; terceiro: filho. Enquanto estes apontam fatos negativos, o artigo quarto, dedicado me, afirma s o positivo: doao, abdicao, amor.

    8 Deixe a luz acesa, pai.

    O pai se irrita porque o filho pediu para que deixasse a luz do quarto acesa. Ele apaga e no conseguiu dormir pensando no seu medo desemprego. Levanta, pensando no filho, acende a luz e s assim consegue dormir: ajudando os seus a combater os seus prprios medos.

    9 A mamadeira das duas da manh

    Pela escala de revezamento a vez do pai levantar s duas da manh. O beb chora, o pai deixa a mamadeira cair, faz outra, o beb chora, o beb chora, o beb chora. Mama, chora. De sbito faz silncio: hora de dormir. O pai volta para o quarto, mas, so sete da manh. Sai para trabalhar, olha para o beb e ele est dormindo.

    10 - prova dgua

    Reflete a negao dos garotos em relao ao banho. Eles preferem ser demnios correndo com a cara preta pelo playground a sarem cheirosos e arrumados do banheiro sinnimo de priso.

    11 Vou-me embora desta casa.

    Menino de quatro anos brigo: s deixa de querer ir embora quando o pai afirma que trar um trenzinho quando for ao centro da cidade. Relata a eterna negociao entre pai e filho.

    12 Aos sons do amor

    Crnica que gira em torno da letra M, que originou me ama Miriam Maria Mama. Pena que crescemos e aprendemos a letra D de dinheiro e o T de traio. Mas possvel regenerarmos se lembrarmos que M o som tambm presente na palavra amor.

    13 Quando eu tinha a tua idade

    Usar essa frase fragmentao. querer que o filho tenha a sua imagem e semelhana em uma poca diferente. O melhor seria dizer quando eu tinha a tua idade, eu era uma criana como tu. E era bom.

    14 O destino tatuado

    O filho pede dinheiro ao pai para tatuar o nome Patrcia sua namorada. O pai nega, h brigas, cansado libera o dinheiro. O rapaz tatua um corao e nome no bceps. Ela termina o namoro e ele tem de novo que recorrer ao pai. Pedido negado. S lhe resta procurar outra Patrcia. Ainda bem que no tatuou Fredegunda, pois seria mais difcil encontrar.

    15 O manifesto dos sem netos

  • 19

    Verdadeiro tratado revolucionrio o MSN movimento dos sem neto reivindica seu direito primeiro: netos para desarrumar a casa, assaltarem a geladeira, rolarem pelo cho... Enfim netos para serem tambm as crianas que eles no foram com os filhos.

    16 A me de Eva

    Eva no teve a quem recorrer e por isso, deu a luz sozinha. Teve que criar e perdoar, aguentando as dores do mundo sem se queixar. a me exemplo.

    17 O olhar da criana sobre o mundo

    Excelente paralelo entre o olhar infantil e o olhar adulto. Este, fixo, interesseiro e seletivo; aquele, despretensioso, puro e ingnuo, com vontade de captar tudo. Bom seria se a cincia desenvolvesse culos com lentes de crianas. Resta aos adultos, a velhice com seu sonho: voltar a ser criana.

    18 Ns, os rfos

    Nunca estamos preparados para a morte dos pais. Varia o grau de instruo, idade, estatus social e sempre diremos ao enterrar aqueles que amamos: pai, porque me abandonastes?

    19 A chave da casa

    Morava com a me. Aos dezoito anos pediu a chave de casa e ela concedeu, porm, nunca foi utilizada porque ela sempre o esperava para abrir a porta. A velha morreu, ele encontrou uma esposa com sorriso semelhante e foram morar na mesma casa brigavam muito. Um dia saiu para a farra e voltou s cinco, mas, no conseguiu usar a chave: a esposa mudou as fechaduras. Separaram-se e a casa ficou com ela.

    20 Vida e controle

    Pedro era rfo e pobre, mas, imitava qualquer voz. Um dia, um rapaz de sua idade, o contratou para ficar com seu celular por trs dias, para atender famlia. Pai, me, irm, cunhado ligavam muito e ele queria fazer uma aventura. Negcio fechado. Quando voltou, Pedro no quis receber, s pediu que se pudesse falar outras vezes com a famlia, seria timo para ter a sensao que o jovem no queria: ser amado por algum.

    21 Comeando a vida sexual

    Um filho de 23 anos sexualizado pediu aos pais que voltavam do cinema, que passeassem por mais duas horas porque estava com outra namorada nova. Constrangidos, saram. Foram para um motel e liberaram toda a libido reprimida. De manh, a bronca do filho: onde estavam? Os pais silenciaram-se: h coisas no sexo que os jovens nem sempre entendem. Seria o afeto?

    22 A poligamia no mais aquela

    Obrigado, em julgamento, a escolher somente uma entre suas cinco mulheres, o homem pede ao juiz que corte o seu corpo em cinco partes e distribua a cada uma. Fez isso esperando um primeiro protesto para decidir-se melhor. Nenhuma se manifestou e ele se divorciou de todas alegando que a poligamia no mais aquela.

    23 Os brinquedos em seu limbo

  • 20

    Os pais morreram e os brinquedos da filha (ursos, bonecas...) ficaram guardados no sto, no limbo. Ela se casou e o marido quis desfazer-se dos brinquedos. Recusa-se a ser de novo, criana. Enquanto isso os brinquedos a esperam calmamente. A crnica metfora da morte: o que a vida se no brincamos?

    24 Ano novo, vida nova

    O filho mais velho no possua registro e por isso, no tinha data de aniversrio. Escolheu ele prprio a data do ano novo, que significativa para todos. Passou a existir aps isso.

    25 Nomes e produtos

    Rosana tinha inveja da cunhada, Camila. Rosana teve um beb e registrou-o com o nome do produto a ser criado pela empresria cunhada: Mix. A empresa faliu e vrias outras faliram. A cada tentativa, de um nome diferente, Rosana trocava o nome da filha: Mix, Alva, Kela, Trina e Gula (bolacha recheada). No novo ramo, Camila venderia sandlias Thespis e anunciou o nome cunhada. A inverso dessa estratgia era para quebrar a concorrncia que j usava esse nome. Mas, no deu certo. A marca do concorrente foi solidificada.

    26 Dinheiro e sexo

    A mulher, insatisfeita com seus afazeres domsticos, pede o divrcio e recebe uma indenizao. Monta um negcio, prospera, paga o marido para fazer sexo duas vezes por semana. Ele deseja process-la porque isso configura vnculo empregatcio: ele quer frias e 13 salrio.

    27 Planeta dos nossos sonhos

    Um jovem quer sair com uma garota e o pai no lhe empresta o carro. Ele liga o CPU e l a manchete em que h um planeta cujo ano dura 24 horas. Ele sonha em ir para l, voltar mais velho, e exigir a chave do carro. Mas como ir to longe, se nem o carro do pai ele pode usar? Metfora dos sonhos hiperblicos dos adolescentes.

    28 A volta do falecido

    Existem pessoas que passam despercebidas at no seio familiar: inexistncia domstica. Um tio sai de casa e ao voltar se depara com um velrio. Sua sobrinha, achou que ele tivesse morrido (a polcia a chamou ao necrotrio para identificar o corpo) devido sua semelhana com o defunto. No entanto, o defunto era careca e o tio cabeludo.

    29 Nomes condicionam destinos

    O pai chamava-se ltimo. Por causa de sua m sorte escolheu o nome de um cavalo campeo para batizar seu filho. A esposa ficou furiosa e se separaram. O dono do cavalo, comovido, passou a ajudar a famlia, mas s at o cavalo machucar. Cavalo e menino ficaram amigos, afinal, tinham o mesmo nome.

    30 Um abrigo para o corao

    Um casal de velhos leu no jornal que havia um abrigo para velhos espancados. Ela diz que seria capaz de bater nele se ele quisesse ir para l. O ancio afirma que este ato porque ela no o ama. A velha confirma, do-se as mos, e pensam a mesma coisa: um dia, algum criaria um abrigo para velhos casais espancados pela vida.

    31 Tormentos no tem idade

  • 21

    A me insistia para ele dormir na casa de um amigo, Jorge. Mas, amanh estou fazendo 50 anos. E acho que quem faz 50 anos tem o direito de passar a noite em casa com a sua me, no verdade? Outro edipiano.

    32 As meias de nossos filhos

    Um pai foi jogar basquete e ao calar as meias viu que levou as do filho. Calou-as e ficou gratificado com o presente do dia dos pais: servir indica que o filho cresceu e o pai est aliviado.

    33 Minha me no dorme enquanto eu no chegar

    A insnia dos pais eterna e incurvel. A dos filhos tambm. Por isso o ttulo da msica est correto. Outro edipiano.

    34 Um pai adotivo

    A tristeza de ter perdido o pai como a de no poder ter filhos s minimizada quando o narrador afirma que tambm passou por isso e que, como pai adotivo daquele que sofre (o leitor), cria-se um pai e um filho para se completarem. A relao famlia no precisa ser consanguneo.

    35 Pais e filhos: as mtuas chantagens

    Chantagem dos pais: como tua bananinha que eu te levo no parque, toma teu banho que eu compro uma revista, se passares de ano te compro uma bicicleta... Chantagem dos filhos: comea com um choro. Se eu no ganhar uma prancha nova nunca mais arrumo meu quarto.

    Quando crescem e se tornam pais, continuam chantageando: Ns vamos viajar e deixar o Ricardinho com vocs duas semanas, vocs no vo bancar os avs omissos, vo?. Os avs aceitam essa doce vingana, pois, todo av ama indiscutivelmente o neto.

    SELEO DE CRNICAS

    O ultimo hippie

    Protesto na Dinamarca pede preservao de comunidade hippie. Milhares de pessoas realizaram um protesto em Copenhague neste sbado para manifestar apoio famosa comunidade hippie Christiania, localizada na capital dinamarquesa. A multido reunida no local protestou contra os planos do governo de construir um conjunto residencial de luxo na rea ocupada pela comunidade. Mundo Online, 30.ago.2003

    Os protestos foram inteis, e o conjunto residencial comeou mesmo a ser construdo. Os hippies foram, pois, desalojados e acabaram se dispersando pela cidade.

    Um apenas permaneceu: hbil concesso da companhia responsvel pelo empreendimento, que procurava ganhar o apoio da opinio pblica mantendo um hippie como residente. Era um homem idoso, que aderira ao movimento nos anos 60. A ele, pouco importava o lugar em que residisse. Queria ficar em paz, fumando sua maconha e cantarolando velhas melodias de Bob Dylan.

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    Mas em paz no ficaria. To logo o conjunto residencial foi concludo, o homem tornou-se objeto da curiosidade geral. Os moradores, sobretudo as crianas, reuniam-se em torno precria cabana em que vivia (cuja porta estava sempre aberta) e ali ficavam a observ-lo, como se fosse um curioso animal.

    A princpio, o velho hippie no deu muita importncia quela movimentao toda, aos jocosos comentrios. Com o tempo, porm, aquilo comeou a incomod-lo. A seu pedido a administrao do conjunto residencial construiu uma cerca que impedia a aproximao dos curiosos. Que, no entanto, no desistiam. Queriam ver o estranho morador de qualquer jeito. Um deles perguntou ao hippie quanto cobraria para permitir a passagem pela cerca.

    Aquilo deu ao homem uma ideia. J na semana seguinte, ele estava vendendo os ingressos, que, embora caros, eram disputados pelos moradores e por outros visitantes, que vinham at de longe.

    O velho hippie est rico. Pouca gente sabe disso, mas ele j nem mora no conjunto residencial. Com o dinheiro que ganhou, comprou uma enorme casa num outro condomnio, este de luxo. Num carro com motorista, chega sua cabana de madrugada, veste as suas antigas roupas e passa o dia ali, fumando maconha e cantarolando velhas melodias de Bob Dylan. noite, depois que os visitantes se foram, regressa para sua casa, onde lhe aguarda trabalho: faz parte da direo do condomnio. Da qual membro atuante. Recentemente props a introduo de um artigo no regulamento, proibindo a admisso ao local de hippies ou de quaisquer outros tipos estranhos.

    A paixo redigida

    Tecel usa servio "Escreve cartas" para dar notcias ao irmo: programa gratuito lanado ontem em So Paulo oferece auxlio para analfabetos. Cotidiano, 23.out.2001

    Ela queria mandar uma carta para o irmo, e foi assim que Jorge a ficou conhecendo: era empregado de um servio que prestava ajuda a pessoas iletradas. No era bem o que gostaria de fazer; na verdade, seu sonho era tornar-se escritor, e tinha at um romance na gaveta, uma melanclica histria de amor que os editores sistematicamente haviam recusado. Assim, para prover o po de cada dia, aceitara aquela tarefa. At ento se desempenhara com burocrtica eficincia, procurando no tomar conhecimento dos dramas que se revelavam em cada missiva.

    Mas a mulher, por alguma razo, captou sua simpatia. Escrita a carta, ela voltou muitas vezes; aparentemente era apegada quele distante irmo, a quem contava tudo. Jorge, como um bblico escriba, ia registrando tudo. Um dia ela lhe fez um pedido surpreendente: queria que ele escrevesse uma carta de amor. Jorge estranhou: at ento ela no falara em namorado, muito menos em namorado distante. Mas ele estava ali para atender a solicitaes, no para investigar a vida alheia. Perguntou a quem se dirigia a carta. Ela no entendeu: como, a quem? Preciso saber o nome da pessoa a quem voc vai escrever, explicou. Ela hesitou, embaraada; por fim, decidiu:

    - Deixe em branco o lugar para o nome.

    Foi o que ele fez. Mas isso no resolvia o problema: ela confessou que nunca tinha escrito uma carta de amor, que no sabia o que dizer. Jorge tratou de ajud-la: abra seu corao, fale de seus sentimentos, imagine aquilo que voc diria se ele estivesse perto de voc.

    E ela falou. Abriu o corao, como ele tinha recomendado. Foi como se uma represa se abrisse, deixando escapar uma torrente incontrolvel de emoes: voc tudo para mim, eu no posso viver

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    sem voc, eu preciso de voc. Jorge chegou a ficar perturbado. Pela primeira vez estava vendo a tecel como uma mulher. E no era feia ela, era at bem bonita, com um rosto doce, ainda que vincado pelo sofrimento.

    Terminou de escrever, entregou-lhe o papel, ela agradeceu e foi embora. No dia seguinte, ao chegar para o trabalho, ele encontrou sobre sua mesa um envelope. Abriu-o, e ali estava a carta que tinha escrito. Agora com destinatrio. Em letras trmulas, hesitantes, estava o nome que ela, sem dvida, tinha copiado da plaqueta que, sobre a mesa, o identificava: Jorge.

    Nunca mais voltou. Mas ele tem esperana de encontr-la. Quer que ela lhe ensine como se escreve sobre o amor.

    No Pas do Orgasmo

    Ditadura do orgasmo inibe prazer. Segundo especialistas, a supervalorizao do orgasmo cria ansiedade e pode inibir o desejo. Para eles, o casal tem de buscar o prazer. Equilbrio, 31.jan.2002

    O Pas do Orgasmo j foi governado por uma requintada aristocracia, depois passou a ser uma imperfeita democracia. Agora, denunciam contestadores, o regime pode ser caracterizado como uma espcie de despotismo -ainda que esclarecido, sustentado que por uma modernssima tecnologia. O Servio de Informaes do Orgasmo (SIO) controla a vida dos casais como uma espcie de Big Brother. Como?

    Periodicamente um casal, escolhido de maneira inteiramente aleatria, chamado sede do SIO, um soturno prdio situado no centro da capital. Este chamado, diga-se de passagem, compulsrio, tem de ser atendido. Chegando ao local, o homem e a mulher so recebidos por corteses funcionrios, que os levam Cmara de Testes. Trata-se de um compartimento completamente isolado tanto do ponto de vista acstico como visual, onde existe uma cama -confortvel, king size, com lenis de cetim. Um cientista, vestindo avental branco, explica ao casal que eles devero ter um orgasmo, cujos parmetros -durao, intensidade, grau de prazer proporcionado- sero cuidadosamente avaliados, verdade que para fins exclusivamente estatsticos: o fracasso, de qualquer tipo, no implicar punio. O xito, sim, gerar recompensa: frias pagas em resort exclusivo.

    Os dois despem-se, deitam-se. Eletrodos so afixados tanto ao homem como mulher. Tendo como pano de fundo musical uma suave cano, o cientista que conduz a investigao vai dando instrues: espera-se, por exemplo, que o casal chegue ao orgasmo grau 12 (h uma escala de orgasmos) em 18 minutos, nestes includos as carcias prvias. Soa uma campainha e pronto, comeou a corrida ao orgasmo. Em geral, os casais no perdem muito tempo com os prolegmenos, ou considerandos, e tentam partir direto para os finalmentes. Um erro, mas este s poder ser discutido a posteriori. De qualquer modo, o ato tem incio, e a uma gravao vai anunciando o tempo: "Faltam cinco minutos... Faltam trs minutos... Faltam 57 segundos..." Como num filme de suspense -aqueles em que o protagonista luta contra o relgio tentando desativar a bomba-, o homem e a mulher se esforam. Em geral, obtm xito, e emergem da Cmara de Testes felizes, sob aplausos.

    Mas uma nova e inquietante tendncia tem sido observada. No raro, casais que saem do prdio tm se dirigido a um dos numerosos motis clandestinos surgidos nas imediaes. O assunto j passou da rea cientfica para a poltica. O governo estuda a possibilidade de tratar-se de mais uma campanha do

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    Movimento pelo Orgasmo Livre (MOL). Se isso for verdade, anunciam-se severas penas para os transgressores.

    A guerra da cincia

    Implantaram um chip nas costas de um rato... De um laptop os cientistas orientavam o animal. O rato passou a agir como um rob. Um rato teleguiado. Puseram-no dentro de um labirinto e ele no teve dificuldades para chegar at a sada. Ilustrada (Marcelo Coelho), 15.mai.2002

    Os dois eram cientistas famosos. Os dois volta e meia estavam nas manchetes de jornais. E os dois competiam. No s pela glria. Competiam pelas verbas, pelos recursos necessrios para sustentar os imensos laboratrios que ambos administravam e onde as mais avanadas pesquisas eram feitas. E, por causa dessa competio, ambos guardavam rigoroso segredo acerca de seus projetos. Nada, nenhuma informao podia vazar, enquanto as pesquisas estivessem em andamento. E, como se pode imaginar, o sonho de cada um deles era descobrir o que o outro estava pesquisando. Como faz-lo? O suborno de algum funcionrio ou mesmo de um assistente seria a resposta bvia, mas aquilo lhes repugnava. No poderiam usar os mtodos da espionagem industrial, uma espcie de guerra suja entre empresas. Seria grosseiro demais.

    Finalmente um deles leu a notcia sobre o rato-rob e teve um estalo: ali estava a soluo. Um mtodo fcil, sobretudo porque ele tambm trabalhava com roedores. Pegou um deles, implantou um chip em seu dorso, e pronto, tinha um animalzinho teleguiado. E capaz de executar inclusive tarefas complexas.

    Logo o rato teleguiado estava cumprindo a misso. Atravs do esgoto chegava ao laboratrio rival. De l roubava documentos e disquetes. Mais: era capaz de ligar o computador, de acessar programas e de armazen-los em seu prprio chip. E, supremo requinte, era capaz tambm de introduzir vrus nos bem protegidos sistemas do adversrio.

    Que logo se deu conta da situao. Sim, os seus projetos estavam sendo roubados e implementados pelo inimigo -que no se pejava de falar a respeito imprensa. Mas como o fazia? Durante semanas quebrou a cabea. Nem ele, nem os colaboradores atinavam com a forma pela qual estavam sendo roubados. At que a secretria deu-lhe a pista. Chegando ao laboratrio mais cedo, ela ouvira l dentro um rudo esquisito: como o de um rato correndo, disse.

    Rato! Agora sim, o cientista sabia de que maneira estavam ocorrendo os furtos. Mais: sabia como resolver o problema.

    No dia seguinte, o rival aguardou o rato-rob, que deveria retornar com um disquete. Horas passaram e nada, o bicho no apareceu. Mandou outro rato-rob. Que tambm no voltou. Um terceiro, um quarto -o estoque de roedores se esgotou. Todos haviam sumido.

    Na mesma noite, os dois cientistas encontraram-se num coquetel. E aquele que tinha sido roubado chamou o outro para um canto. Queria lhe mostrar algo, "o melhor antdoto contra espionagem cientfica", em suas palavras.

    Era a foto de um gato. Um gato comum, desses que andam pelos telhados miando. Mas nenhum rato lhe escapa, garantiu o cientista, com um sorriso. O outro no disse nada. Estava pensando num co-rob, capaz de espantar qualquer gato.

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    Rastreando a traio

    Celular monitora localizao de usurio: sistemas de rastreamento permitem fornecer servios

    personalizados. Informtica, 22.out.2003

    Quando o sistema que permitia localizar uma pessoa atravs do celular foi lanado no Brasil, a mulher

    de Juca, Helena, vibrou. Durante muitos anos vivera atormentada pela suspeita de que o marido a traa.

    Suspeita que jamais conseguira confirmar, entre outras razes porque Juca era um notvel mentiroso e

    respondia s inquiries dela com convincentes narrativas: "Eu sei, querida, que so trs da manh e

    que voc est atrs de mim desde as sete. Mas voc nem imagina o que aconteceu. Eu estava saindo do

    escritrio..." Seguia-se a historieta: mal sbito (felizmente sem gravidade), assalto, sequestro. Ou

    verses mais benignas: o encontro com um velho amigo, com um papo to bom que o fizera esquecer

    da hora.

    A surgiu o telefone celular. Helena comprou um para o marido, mas isso no o tornou mais localizvel.

    Ele atendia a ligao, dizia que estava em reunio com um cliente, e como podia ela saber que no era

    verdade?

    Agora, porm, a tecnologia oferecia uma soluo definitiva para o seu problema. O celular rastreador

    emitia um sinal, mediante o qual ela podia facilmente localizar o marido; no precisava sequer falar com

    ele. De imediato comprou o aparelho.

    Mas no contava com a esperteza de Juca. Ele no reclamou por ter de usar o dispositivo que permitiria

    a Helena rastre-lo; ao contrrio, disse que aquilo representava um grande alvio. Se tivesse um

    problema cardaco, por exemplo, ela poderia localiz-lo num hospital. Mas, to logo passou a andar com

    o aparelho, arranjou um jeito de neutraliz-lo: um portador.

    Era um empregado do escritrio, Francisco. Este rapaz, simptico, inteligente, prestativo, ficou

    encarregado de andar com o celular e mant-lo em lugares aceitveis; por exemplo, o prprio escritrio.

    Ou ento o escritrio de um amigo de Juca.

    Uma nova era se iniciou ento na vida do conquistador. Que agora se sentia livre como um pssaro.Tudo

    o que tinha a fazer era avisar a Francisco que sumiria das seis da tarde at meia-noite. O rapaz ia para

    um dos lugares pr-combinados e ali ficava, portando o celular.

    Esta histria poderia se prolongar indefinidamente. Mas ento o destino interveio. Uma das namoradas

    de Juca no compareceu a um encontro. Aborrecido, resolveu ir para casa. E j estava entrando, quando

    se deu conta: esquecera de recuperar o celular que ficara com Francisco.

    Mas isso no seria necessrio. O prprio Francisco estava ali na cama, com Helena. Na mesa de

    cabeceira, o celular. Que, de alguma forma, cumpria seu papel: rastreava a traio.