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Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
PENSACOM BRASIL – São Bernardo do Campo, SP – 16 a 18 de novembro de 2015
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A experiência narrativa no Survival Horror:
uma análise do jogo eletrônico The Evil Within 1
Genio NASCIMENTO
2
Fabiana GUERRA3
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP
RESUMO
A proposta desse trabalho é analisar a experiência narrativa no jogo eletrônico The Evil
Within, do gênero survival horror. Para isso, vamos levantar algumas teorias dos
Games Studies, focando na Narratologia, conforme proposta de análise de Marie-Laure
Ryan. Também vamos repassar algumas especificidades teóricas dos jogos do gênero
horror, especialmente o subgênero “horror de sobrevivência”. Uma vez ancorados
nessas teorias, vamos verificar no jogo mencionado os aspectos convergentes e, se for o
caso, os aspectos divergentes que o jogo apresenta em relação a essas teorias.
PALAVRAS-CHAVE
Jogo eletrônico; survival horror; narrativa.
INTRODUÇÃO
Os jogos eletrônicos, como uma mídia interativa (imagens, sons, movimentos e
textos), permitem inúmeras abordagens de estudos, dependendo de qual elemento se
quer destacar. Dentre essas possibilidades, há uma clara divisão entre dois principais
grupos de teóricos que visam abordar apenas um dos lados possíveis: os ludólogos e os
narratólogos. Para os simpatizantes da ludologia, não é preciso haver uma história para
que o jogo funcione enquanto jogo. Segundo Aarseth, um dos teóricos da ludologia, não
é necessário conhecer outros jogos para ser um expert em xadrez, mas para entender um
romance é necessário ter estudado vários outros (AARSETH, 2004, p.48)4. O ponto é
que os ludólogos acreditam não ser possível enquadrar um jogo em uma teoria narrativa
similar às outras mídias, como literatura, quadrinhos, cinema etc.; já para os
1 Trabalho para conclusão da disciplina “Tópicos Especiais para Processos Midiáticos na Cultura Audiovisual (VOV)
- 201523.00004.01”.
2 Mestrando (RA: 20745261) de Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi - UAM, email:
3 Mestranda da Audiovisual na Universidade Anhembi Morumbi - UAM, email: [email protected]
4 Tradução nossa para o trecho: “You can be an expert chess player without playing any other game, but to
understand even a single novel you will need to have studied numerous others.”
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narratólogos, como Marie-Laure Ryan (2005), os jogos têm uma forma de narrativa, já
que ela entende uma narrativa é uma espécie de imagem mental criada pelo leitor a
partir de um texto ou qualquer outra mídia. Em sua definição:
A narrativa é o uso de sinais, ou de um médium, que evoca na mente
do destinatário a imagem de um mundo concreto que evolui com o
tempo, em parte por causa de acontecimentos aleatórios, e em parte
por causa das ações intencionais de agentes inteligentes individuados
(RYAN, 2005).
Ou seja, não é uma forma particular que define uma narrativa, mas sim as
imagens mentais que ela é capaz de produzir na mente do leitor/espectador/jogador.
Sendo assim, utilizaremos essa definição da autora para justificar uma analise da
narratividade do jogo The Evil Within.
No livro Avatars of Story, Marie-Laure Ryan (2006, p. 200-2003) indica sete
possíveis tópicos para a análise da narrativa em um jogo, listados aqui de forma
resumida:
1. Investigar o uso heurístico da narrativa. Criando um jogo de história é uma
maneira eficiente de facilitar o processo de aprendizagem, em vez de listar uma
série de regras abstratas;
2. Explorar os vários papéis e manifestações de narrativa (cut scenes e
background information que introduz o jogo; caixa de texto; cut scenes que
seguem uma conclusão com êxito; micronarrativas contadas por personagens
não jogáveis etc.);
3. Descrever os vários tipos estruturais da narrativa do jogo (narrativas de
progressão, emergentes, de descoberta);
4. Investigar como a história do jogo é revelada de forma dinâmica para o
jogador (top-down, por meio de cut scene e outras ferramentas, ou seja, já vem
pronta; ou botton-up, por meio da ação do jogador);
5. Identificar o mundo ficcional e seus objetos contra as regras do jogo (internos
e ligados às regras, internos e não ligados às regras e externos)5;
5 Tradução nossa para “1. Investigate the heuristic use of narrative; 2. Explore the various roles and manifestations of
narrative in computer games; 3. Describe the various structural types of game narrative; 4. Investigate how the game
story is dynamically revealed to the player; 5. Map the fictional world and its objects against the rules of the game; 6.
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6. Avaliar a ligação entre jogabilidade e narrativa;
7. Perguntar se as regras e os eventos que eles criam são consistentes com o
mundo ficcional.
A proposta deste artigo é, portanto, analisar esses elementos narrativos no jogo
eletrônico do subgênero survival horror The Evil Within. Ressaltamos, para evitar
qualquer confusão, que o aspecto a ser analisado como narrativo é o material e não o
semiótico. Informamos também que neste trabalho utilizaremos a designação jogos
eletrônicos para os termos games ou videogames.
O HORROR ARTÍSTICO E O JOGO DE HORROR6
Para Noel Carrol, autor do livro A Filosofia do Horror ou Paradoxos do
Coração (2009), o horror pode ser dividido em dois tipos: o horror natural e o horror
artístico. O ‘horror natural’ é causado por um acontecimento na “vida real”, como o
exemplo dado pelo autor: "Estou horrorizado com a perspectiva de um desastre
ecológico" (CARROL, 1990, p.12)7. Já o ‘horror artístico’ é o sentimento
desencadeando diante de formas de expressão artística, restrito ao imaginário do
monstro, o que difere do horror natural. Na mesma linha, Robim Wood, define como
regra básica para um filme do gênero a normalidade ser ameaçada por um monstro8.
Esse monstro pode ser um vampiro, um gorila gigante, um invasor extraterrestre, uma
massa gosmenta ou uma criança possuída (WOOD, 1985). Laura Cánepa (2008),
citando Carrol (1990), observa que há algumas particularidades que devem ser
observadas para caracterizar o horror artístico, ou seja,
“há um fator catalisador para isso: a presença, nessas obras, de (pelo
menos uma) figura monstruosa. Mas não se trata de qualquer monstro:
afinal, há muitas histórias com monstros que não provocam medo.
Para que eles protagonizem histórias genuinamente de horror, devem
provocar medo e aversão aos personagens não monstruosos e, assim,
Evaluate the connection between gameplay and narrative; 7. Ask whether the rules and the events they create are
consistent with the fictional world;” 6 Optamos por utilizar nesse artigo apenas o termo ‘horror’, mas entendemos que em alguns contextos ‘terror’ e
‘horror’ são expressões similares.
7 Tradução nossa para o trecho: “I am horrified by the prospect of ecological disaster.”
8 “Normality is threatened by the Monster (WOOD, 1985)”, no original.
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indicar ao espectador o caráter horrorífico da narrativa” (CANEPA,
2008, p.12).
Embora Robim Wood se refira especificamente ao cinema, a teoria pode ser
transportada para os jogos eletrônicos. Sendo assim, elementos como um monstro que
perturba a ordem do jogo e o fato de pelo menos um personagem sentir medo, faz com
que um jogo possa ser identificado como do gênero de horror.
Os primeiros jogos que utilizaram de características que podemos identificar
como sendo de ‘horror artísticos’ não eram propriamente jogos de horror e sim de
aventura, como o Mystery House, criado por Roberta e Ken Williams em 1980 para o
Apple II, cuja história era baseada em uma novela de Agatha Christie. Esses jogos de
horror utilizavam de informações escritas na tela para poder evocar medo nos jogadores,
já que a tecnologia da época (praticamente apenas blocos de pixels) dificultava
possíveis emoções visuais.
Fig. 1 – Capa e cena do jogo Mystery House (imagem retirada do site ireofpurgatory.com)
Em 1981, a Atari lança o Haunted House ou ‘Casa Mal Assombrada’, um jogo
de labirinto com claros elementos de horror, como o cenário ser totalmente escuro,
permitindo vermos apenas os olhos do jogador. Além de que o avatar do jogo
enfrentava monstros como fantasma, morcego e tarântula. Considerado por muitos,
como Christopher Buecheler em artigo publicado na antiga e extinta revista GameSpy9,
9 BUECHELER , Christopher. Hawnted House. An Atari 2600 classic... and the true progenitor of survival horror?,
2002. Disponível em: <http://archive.is/lvx6a#selection-401.0-401.21>. Acessado em: 06/12/2015
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como o primeiro jogo do subgênero “survival horror”. Em 1982, sai um game portátil
pela Bandai, que trazia o “terror” no nome: Terror House.
Fig. 2 – Capa e cena do jogo Haunted House (imagem retirada do site ireofpurgatory.com)
Os jogos de horror evoluíram desde então, passando por diversas etapas, como
listado por Bernard Perron (2009), o horror partiu de uma aventura gráfica como
Mystery House para
(...) o horror mais evidente, da Infocom, The Lurking Horror (Dave
Lebling, 1987), com a paródia de horror de Maniac Mansion (Ron
Gilbert, 1987), para Alone in the Dark (Frédérick Raynal, 1992), para
Resident Evil (Shinji Mikami, 1996), ao Silent Hill (Keiichiro
Toyama, 1999), para FEAR: First Encounter Assault Recon (Craig
Hubbard , 2005), ao Dead Space (Brett Robbins, 2008). (PERRON,
2009, p.15)10
O SUBGÊNERO SURVIVAL HORROR
No artigo "Genre and Game Studies: Toward a Critical Approach to Video Game
Genres", Thomas Apperley (2006)11
divide os estudos de gêneros de games como Jogos
de Simulação (jogos que simulam sports, voos e corridas, e jogos que simulam a
10 Tradução nossa para “The horror games kept going from there, from one of the first graphical adventures Mystery
House (Roberta Williams and Ken Williams, 1980), to the more overt horror of Infocom's The Lurking Horror (Dave
Lebling, 1987), to the horror parody of Maniac Mansion (Ron Gilbert, 1987), to Alone in the Dark (Frédérick Raynal,
1992), to Resident Evil (Shinji Mikami, 1996), to Silent Hill (Keiichiro Toyama, 1999), to F.E.A.R.: First Encounter
Assault Recon (Craig Hubbard, 2005), to Dead Space (Brett Robbins, 2008).”
11 APPERLEY, Thomas. Genre and game studies: toward a critical approach to video game genres. In: Simulation &
Gaming. Vol. 37, No. 1, March 2006, p.6-23
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dinâmica de centros, cidades e pequenas vilas); Jogos de Estratégias (que podem ser
divididos em dois subgêneros: estratégia em tempo real e estratégia por turnos); Jogos
de Ação (divididos em dois subgêneros: jogos de primeira pessoa ou de terceira pessoa);
Jogos de Aventura ou RPG (role-playing games). No entanto, o autor argumenta que a
maioria dos jogos pertence a mais de um desses gêneros. Partindo desse conceito,
Perron (2009, p.32) indica que os jogos temáticos de horror surgiram em uma grande
variedade de gêneros lúdicos:
(…) jogos de ação side-scrolling (Castlevania e Akumajo Dracula X:
Chi No Rondo, Konami, 1986/1993; Alien Storm, Sega, 1990; a serie
Splatterhouse, Namco); galerias de tiros (a série House of the Dead,
Sega; Space Gun, Taito, 1990; Corpse Killer, Digital Pictures, 1994) e
atiradores em primeira pessoa (Blood, Monolith, 1997; Clive Barker's
Undying, Dreamworks Interactive, 2001); jogos de luta (a série Mortal
Kombat, Midway); aventuras de textos (The Lurking Horror) e
aventuras de ponto e clique (I Have No Mouth and I Must Scream,
Cyberdreams, 1994; Call of Cthulhu: Shadow of the Comet,
Chaosium, 1993); jogos role-playing (Diablo; Parasite Eve, Square,
1998) e pelo menos um MMORPG (Requiem: Bloodymare, Gravity,
2007); até mesmo alguns de corrida / jogos de combate veicular
(Carmageddon, Stainless Software, 1997; Twisted Metal Black,
Incognito, 2001) e jogos de estratégia (a série Dungeon Keeper by
Bullfrog) fazem uso de temas de horror”(PERRON, 2009, p.32)12
.
Mas, ainda segundo Perron, foi com o lançamento do jogo Resident Evil em
1996, pela Capcom, que um novo rótulo genérico passou a ser conhecido e utilizado: o
horror de sobrevivência. Havia no jogo uma tela de introdução onde estava escrito
“Bem-vindo ao mundo do horror de sobrevivência” (idem). Logo, o survival horror
passou a ter uma atenção especial por parte dos pesquisadores de jogos eletrônicos, os
games studies. Richard J. Hand descreve o survival horror como "geralmente entendido
como sendo um jogo em que o jogador conduz um personagem individual através de um
12 Tradução nossa para “side-scrolling action games (Castlevania e Akumajo Dracula X: Chi No Rondo, Konami,
1986/1993; Alien Storm, Sega, 1990; the Splatterhouse series, Namco); shooting galleries (the House of the Dead
series, Sega; Space Gun, Taito, 1990; Corpse Killer, Digital Pictures, 1994) and first-person shooters (Blood,
Monolith, 1997; Clive Barker's Undying, Dreamworks Interactive, 2001); fighting games (the Mortal Kombat series,
Midway); text-adventures (The Lurking Horror) and point-and-click adventure games (I Have No Mouth and I Must
Scream, Cyberdreams, 1994; Call of Cthulhu: Shadow of the Comet, Chaosium, 1993); role-playing games (Diablo;
Parasite Eve, Square, 1998) and at least one MMORPG (Requiem: Bloodymare, Gravity, 2007); even some
racing/vehicular combat games (Carmageddon, Stainless Software, 1997; Twisted Metal Black, Incognito, 2001) and
strategy games (the Dungeon Keeper series by Bullfrog) make use of horror themes.”
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ambiente estranho e hostil, onde as probabilidades estão altamente contra o avatar"13
(HAND apud PERRON, 2009, 48). Já para a pesquisadora Ana Narciso (2013), da
Universidade do Porto,
“(...) o survival horror engloba conteúdos estranhos e perturbadores
sendo que o seu principal objetivo não é ganhar, mas sim sobreviver.
Ao longo de todo o desenvolvimento da narrativa, o jogador depara-se
com o horror sob a forma de estado emocional que sempre o
acompanha. Terá então de superar situações e mistérios que à partida
são desconhecidos mas que, ao longo da narrativa, são desvendados”.
(NARCISO, 2013, p. 2).
Fig. 3 – Capa e cena do jogo Resident Evil (imagem retirada do site nakian.rimmer.sk)
Como vimos nas descrições acima, o survival horror apresenta algumas
características que o diferencia dos demais subgêneros dos jogos de horror. Para
identifica-lo, usaremos uma divisão proposta por Evan Ack (2010), do site Racket Boy,
com os seguintes elementos:
Elementos de Horror – Fantasmas, Zumbis, Demônios ou criaturas similares,
que visam impressionar pelo terror.
Escassez de recursos - O herói principal tem suplementos limitados, ou
simplesmente não existem elementos suficientes para permitir ao jogador se
sentir confiante, ao contrário de jogos de ação, onde você não sofrem tais
deficiências.
13 Tradução nossa para "generally understood to be a game in which the player leads an individual character through
an uncanny and hostile environment where the odds are weighed heavily against the avatar".
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Apresentação de histórias – Jornais, textos ou áudios. Pense em Amnesia:
The Dark Descent, L4D ou outro título onde você segue topando com sobras
de personagens anteriores.
Suspense - Causado pelo ambiente lúgubre, criaturas estranhas, ou estando
em menor número e cercado.
Evitar o combate - fugir ao invés de lutar, planejar cuidadosamente ao invés
de só ir para frente, armas em punho.
THE EVIL WITHIN
Fig. 4 – Capa e cena do jogo The Evil Within (imagem retirada do site fortalezavermelha.com.br)
The Evil Within é um dos jogos que passaram pelas mãos de Shinji Mikami,
criador da famosa série Resident Evil. Desenvolvido pela Tango Gamework e publicado
pela Bethesda Softworks, estreou em outubro de 2014. O jogo busca a pureza do gênero
survival horror, onde podemos encontrar os elementos acima citados por Evan Ack
(2010) como características principais do gênero: poucos recursos, criaturas
assustadoras, ambientes sinistros e uma trama complexa.
O enredo traz a história de um detetive chamado Sebastian Castellanos que, com
alguns companheiros policiais, chegam a uma assustadora cena de assassinato em massa
dentro de um hospital psiquiátrico. Sem saber o que causou aquela carnificina,
Sebastian e seus companheiros começam a investigar. Ao verificar as imagens do
circuito de segurança, ele percebe que o que está por trás do ataque é uma força
misteriosa/sobrenatural. Em seguida, ele é atacado e perde a consciência. Após
Sebastian recobrar a consciência, percebemos que ele está dependurado de ponta cabeça
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em uma sala junto com outros corpos, onde uma espécie de açougueiro corta os
cadáveres. Aqui, o jogador passa a controlar o personagem para iniciar sua
fuga/sobrevivência.
Fig. 5 – Detetive Sebastian Castellano (imagem retirada do site fortalezavermelha.com.br)
O jogo oferece apenas uma possibilidade de história, ou seja, tem uma narrativa
linear. Jogado em terceira pessoa, o jogo faz uso do sistema de cobertura, ou seja,
possibilita que o personagem possa usar obstáculos fixos ou móveis para evitar danos.
Como característica do gênero, a ideia é evitar o combate. Há escassez de munições e de
armas. O jogo permite interação com elementos dos cenários, além da possibilidade de
utilizar objetos como arma e criar armadilhas. Em alguns momentos, é necessário
resolver puzzles para continuar. Os oponentes são monstros que variam de formas
humanas, como o principal antagonista (Ruvik), a criaturas bizarras e gigantescas, como
Heresy, que se alimenta de seu próprio excremento.
ANÁLISE
Utilizando a proposta de análise indicada por Marie-Laure Ryan (2006), iremos
apontar os momentos em que o jogo converge com a teoria, reforçando a sua
característica narratológica.
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1. Investigar o uso heurístico da narrativa.
No jogo, a narrativa é utilizada para indicar as regras, sendo que muitas vezes
isso acontece de forma intuitiva. Uma das reclamações do jogo é de que o início chega a
ser confuso pela falta de informações, indicando a grande necessidade de o jogador
descobrir por conta própria a forma de jogar. O jogo não utiliza de um tutorial para
ensinar as regras para o jogador.
2. Explorar os vários papéis e manifestações de narrativa
The Evil Whitin é um jogo com uma narrativa nada óbvia. Ao longo do
desenvolvimento da trama, muitas cut scenes mostram ou sugerem fragmentos de
histórias dos personagens de forma geral, inclusive personagens secundários. Esses
backgrounds nos ajudam a montar o que seria a trajetória narrativa anterior ao início do
jogo de personagens, como é o caso de Ruben Victoriano (Ruvik), principal antagonista
do jogo. Um homem de 37 anos que apresenta numerosas cicatrizes e lesões devido a
diversas queimaduras que sofreu quando criança. Mentalmente desequilibrado, passou
por diversas experiências científicas e experimentos sobre a mente humana. Ruvik
possui o poder de se teletransportar e não pode ser atingido por balas na maior parte do
jogo. Outro personagem que conseguimos identificar a história por meio de recursos
extras do jogo é Lucy Victoriano, irmã mais velha de Ruvik. Lucy se mostra como uma
antagonista secundária, aparecendo diversas vezes no jogo perseguindo Sebastian e
muitas vezes ela toma formas monstruosas. Mas sempre sendo possível identificá-la.
Nada sobre ela é contado diretamente. Temos fragmentos de falas de Ruvik que
sugerem que ela é sua irmã mais velha e que adorava um vestido vermelho. Ele também
deixa indícios de que ela morreu no incêndio do celeiro. No Artbook do jogo é sugerido,
inclusive, que ela possuía uma ligação amorosa com o irmão. Essas pontas soltas na
trama serão completadas por DLC´s do jogo que já estão sendo lançados. Já temos
disponível uma história paralela de Juli Kidman, parceira de Sebastian, e protagonista
secundária, até onde sabemos. Também já existe uma DLC do personagem The Keeper,
um ser assustador, humanoide, que se assemelha a um açougueiro com um cofre na
cabeça. Outro background importante aparece nesse DLC, já que, aparentemente, The
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Keeper é fruto da mente atormentada de Ruvik, que mistura suas lembranças de raiva
com o cofre onde guardava suas pesquisas. Portanto, podemos notar que a trama é mais
complexa do que podemos imaginar ao início do jogo. E seus desdobramentos
continuam a serem explorados em conteúdos extras, como DLC e artbooks, além de,
possivelmente, uma continuação.
3. Descrever os vários tipos estruturais da narrativa do jogo
No conceito de Jasper Jull (2005: 72-73), em uma ‘narrativa de progressão’ o
enredo do jogo segue uma estrutura que se desenvolve de uma forma linear, começando
normalmente com uma sequência introdutória, onde há uma apresentação da história,
definindo o mundo do jogo, os protagonistas e, principais adversários, e algum evento
que irá perturbar o equilíbrio inicial. A partir dessa introdução, os estágios são
apresentados como unidades independentes que, normalmente, não são possíveis de
serem puladas.
O jogo The Evil Within segue uma narrativa de progressão. Não há possibilidade
do jogador alterar a sequência do jogo, apesar das peças narrativas serem fragmentadas.
Para seguir adiante no jogo é necessário seguir as regras. Um fato interessante no jogo é
que o conjunto de regras não é sempre o mesmo e, de alguma maneira, o jogador pode
interagir, apesar de ser de forma discreta. Ou seja, muitas vezes, para passar para o
próximo capítulo do jogo é necessário encontrar um artefato, como uma chave, por
exemplo. Essa chave pode estar escondida na cena, atrás de alguma porta que não foi
explorada, ou pode estar com um dos inimigos, que não necessariamente você precisa
matar para avançar. Porém, quando chega a um portão ou a um enigma, o jogo lhe
obriga a voltar e procurar o item que você não percebeu anteriormente. Mas nem toda
fase é assim. Em alguns momentos, para seguir em frente é necessário matar um chefão
ou fugir dele. As regras não são iguais em todas as fases. Além disso, há a possibilidade
do jogador escolher se quer ou não melhorar seu personagem. Conforme há uma
progressão no jogo, o protagonista acumula itens e quando encontra um espelho no
cenário, pode viajar para outra dimensão. Nessa outra dimensão, o personagem se
encontra em um ambiente seguro e neutro, que aparentemente é o Hospital Psiquiátrico
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de Beacon. Lá ele se encontra com a enfermeira Tatiane Gutierrez e pode se sentar em
uma cadeira de upgrade, melhorando suas habilidades de acordo com itens coletados.
Isso, claramente, afeta o gameplay. Porque se o jogador coleta mais itens e faz o
upgrade mais rápido, com certeza poderá enfrentar mais personagens e ficará menos
tempo fugindo. Com mais rapidez nas etapas, o jogador poderá coletar mais itens e
consiguirá ter acesso a chaves e enigmas com mais facilidade.
4. Investigar como a história do jogo é revelada de forma dinâmica para o
jogador
A narrativa é top-down, toda por meio de cut scenes. Durante a ação, o
personagem segue apenas as regras: encarando os elementos de horror, fugindo e se
esquivando de monstros, enfrentando chefões, explorando as cenas em busca de itens e
desvendando enigmas. Mas, de forma geral, durante essa ação, não há desdobramentos
significativos na narrativa. Porém, para os jogadores mais atentos, algumas pistas da
narrativa são deixadas no cenário.
Fig. 7 – House - um dos ambientes do jogo (imagem retirada do site thegeekiverse.com)
5. Identificar o mundo ficcional e seus objetos contra as regras do jogo
O mundo ficcional do jogo é extremamente complexo, como mencionamos
acima. Cheio de detalhes e com histórias que se cruzam e complementam. Muitas cenas
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cheias de detalhes que não tem interação com o personagem. Ambientes ricos em
enigmas e todos diretamente ligados às regras.
6. Avaliar a ligação entre jogabilidade e narrativa
A jogabilidade depende inteiramente da narrativa, já que é por meio da narrativa
e de seus elementos extras (cut scenes, por exemplos) que tomamos conhecimento da
história e do que o personagem precisa fazer para avançar no jogo. Podemos perceber
que sem um desses dois elementos, o jogo não existiria.
7. Perguntar se as regras e os eventos que eles criam são consistentes com o
mundo ficcional
Sim. O mundo ficcional do jogo se passa quase todo dentro de um hospital
psiquiátrico. A loucura, pelo contexto, é parte indispensável do jogo. Seu antagonista
apresenta sérios distúrbios psiquiátricos. Logo, o jogo flertar com o sobrenatural, com
monstro e com elementos fantásticos está dentro do esperado para esse tipo de universo.
CONCLUSÃO
Após a análise das características do jogo, baseada na teoria de Marie-Laure
Ryan, foi possível perceber que a narrativa é um elemento central à jogabilidade,
definindo como a experiência do jogador ocorrerá dentro do mundo ficcional do jogo.
Ainda segundo a autora, “ao falarmos de ‘narrativa’ ou ‘mundo ficcional’, estes termos
capturam uma dimensão dos videogames que a ludologia não pode mais ignorar: a
emoção de imergir alguém em uma realidade alternativa” (RYAN, 2006, p.200)14
.
Sendo assim, o The Evil Within nos mostra que sua narrativa é extremamente
importante para o desenrolar do jogo. Partindo da interação, característica intrínseca de
14 Tradução nossa para “But whether we speak of “narrative” or of “fi ctional world,” these terms capture a
dimension of video games that ludology cannot ignore any longer: the thrill of immersing oneself in an alternative reality” (RYAN, 2006, p.200).
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um jogo, a narratividade nos permite vivenciar uma história, mesmo que essa história
seja pré-determinada. Mas mais que isso, o jogo nos permite movimentarmos dentro
dessa história, tendo assim uma visão privilegiada dos acontecimentos. Sem contar que
as experiências interativas são capazes de gerar intensas emoções no jogador.
Com isso, temos a satisfação de finalizar essa análise, deixando as questões que
possivelmente ficaram abertas para uma próxima pesquisa, já que a intenção nunca foi
de esgotar o assunto, mas sim de abrir caminhos para futuras análises.
REFERÊNCIAS
AARSETH, Espen. A narrative Theory of Games. In: Foundations of Digital Games
Conference Proceedings, 2012, p. 129-133.
AARSETH, Espen. Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature. Baltimore: The John
Hopkins University Press, 1997. Disponível em: <http://www.hf.uib.no/cybertext/Ergodic.htm>
Acessado em: 05/12/2015
ACK, Evan. Survival Horror Games & Franchises that defined the genre. In: Racket Boy. 2010.
Disponível em: <http://www.racketboy.com/retro/survival-horror/suvival-horror-games-fran
chises-that-defined-the-genre>. Acessado em: 27/10/2015
ANDRADE, Luiz Adolfo de; FALCÃO, Thiago (Eds.). Realidade Sintética: Jogos
Eletrônicos, Comunicação e Experiência Social. São Paulo: Scortecci, 2012.
APPERLEY, Thomas. Genre and game studies: Toward a critical approach to video game
genres. In: Simulation & Gaming. Vol. 37 No. 1, March 2006, p.6-23
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