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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO JOÃO DAMASIO DA SILVA NETO A CIDADE ESPÍRITA EM PALMELO (GO): Comunicação entre sistemas simbólicos Goiânia 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

JOÃO DAMASIO DA SILVA NETO

A CIDADE ESPÍRITA EM PALMELO (GO):

Comunicação entre sistemas simbólicos

Goiânia

2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

JOÃO DAMASIO DA SILVA NETO

A CIDADE ESPÍRITA EM PALMELO (GO):

Comunicação entre sistemas simbólicos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás como requisito para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Área de concentração: Comunicação, cultura e cidadania. Linha de pesquisa: Mídia e cultura. Orientador: Dr. Luiz Antonio Signates Freitas.

Goiânia

2016

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação de mestrado à Vânia Arantes Damo (Dona Vânia),

grande referência de luz na Terra para mim e para tantos que tiveram e têm a

oportunidade de seu convívio.

Fazendo esta homenagem a ela, tenho certeza de que a faço em sintonia e

em nome de palmelinos, de espíritas, de amigos, de familiares e de todos aqueles

que por meio dela foram e/ou são beneficiados ou puderam beneficiar alguém...

conhecendo-a como médium, amiga, professora, palestrante, pessoa, enfim, como

espírito de luz, qualquer seja a definição que se aplique a este conceito.

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AGRADECIMENTOS

Como Edgar Morin, sparsa colligo (eu reúno o disperso). Me considero feito

de uma calma contradição que respira e traga ares de vários sopros. Gosto de viver

internamente toda a ventania que representa viver junto de pessoas como as que

agradeço por me doarem muitos pares de asas, vivenciando voos de crenças,

ceticismos e sublimações os mais diversos na intimidade da experiência de respirar

– especialmente nestes dois anos de mestrado cavoucando um objeto de pesquisa

que representa também muito do meu próprio inconsciente religioso e identitário.

A toda a família sanguínea em nome de meus pais, Sueli da Penha Lenza

Silva e Enilson Damasio da Silva, pelo chão onde estar e ser abraçado após cada

experiência de voo aberto. Mãe, pai, amo muito vocês! Do mesmo modo, não

deixaria de mencionar os padrinhos Lêda Maria Lenza da Silva e Wilson Damasio da

Silva, que são como segundos pais.

Aos professores e colegas pesquisadores em nome das professoras doutoras

Maria Francisca Magalhães Nogueira e Irene Dias Machado, que muito colaboraram

nesta pesquisa desde os exames de qualificação e de defesa, e também em nome

daqueles que foram meus orientadores de pesquisa na minha ainda curta carreira

acadêmica, aos quais me considero extremamente vinculado por vivenciar suas

ideias e terem se tornado amigos: Os professores doutores Luiz Signates (orientador

de mestrado) e Marcus Minuzzi (orientador da graduação em jornalismo), que me

deram asas diferentes, com as quais agora começo a experiência do sparsa colligo.

Acrescento ainda agradecimentos às respectivas esposas deles, que são minhas

amigas e que muito considero, Nayane Signates e Sílvia Goulart.

Aos tantos e inúmeros amigos, em nome daqueles com quem partilhei ideias,

angústias e afagos sobre esta pesquisa, como é o caso de alguns que nem sabem

quanto me ajudaram: Adriane Campos, Jéssica Lane, Carlo Rafael, Jordana

Caetano, Rose Matheus, Cleide Aparecida Rodrigues, Marlos Pedrosa, Abdul

Muchingeca, Bianca Maranhão, Yago Sales, Veneranda; Deusimar Gonzaga e

Patrick Oliveira. Quem os conhece sabe que são referências variadas e representam

muitos outros grupos de amigos, de estudos, de mestrado e de projetos.

Ao professor doutor Eduardo Yuji Yamamoto, por rápidas, mas inspiradoras,

conversas em eventos de pesquisa em comunicação, que muito me esclareceram.

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Agradeço a Deus, aos palmelinos e a todos os participantes desta pesquisa,

desde o informante ao potencial leitor crítico desta dissertação, citando o nome da

professora Liberalina Teodoro de Rezende, dos colegas pesquisadores sobre

Palmelo, Larisse Aguiar Resende, Rosalina, Thiago Santos, Daniel Hipólito e Edison

Carvalho e dos entrevistados nesta pesquisa: Yashira, Mirtes Borges Guimarães,

Pastora Antonieta, Augusto, Barsanulfo Zaruh, Ingrid Rios, Prefeito Lúcio, Padre

Guilherme Contart, Vânia Arantes Damo, Leonardo Guimarães e Pastor Aroldo.

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– Mas Deus é a razão de ser de tudo o que é nobre, belo,

heroico. Se tivessem um Deus...

– Meu jovem amigo, a civilização não tem nenhuma

necessidade de nobreza ou de heroísmo. Essas coisas são

sintomas de incapacidade política (...).

Diálogo entre o Selvagem e Mustafá Mond no Admirável

Mundo Novo – Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo

Esses conceitos acompanham o ser humano desde tempos

pré-históricos e ainda irrompem em nossa consciência ao

menor estímulo.

O homem moderno afirma que pode perfeitamente passar sem

eles (...). Por que privar-nos de crenças que se mostram

salutares em nossas crises e dão um certo sentido a nossas

vidas?

Carl Gustav Jung, em O homem e seus símbolos

Os símbolos representam tentativas naturais na reconciliação e

união dos elementos antagônicos da psique.

Carl Gustav Jung, em O homem e seus símbolos

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RESUMO

Esta pesquisa se refere à Palmelo (GO), a única cidade no mundo fundada em torno de um centro espírita. Feita de simbolismo, a realidade de uma “cidade espírita” é aqui estudada sob a ótica comunicacional para saber até que ponto os sistemas simbólicos da cidade e da religião se comunicam. Com aparato antropológico, este trabalho revisa e faz ajustes à história da cidade, descreve seus espaços materiais e imaginários e analisa, por meio de entrevistas em profundidade, observação de eventos e análise da legislação local, como a identidade espírita promove a mediação entre os sistemas simbólicos em três âmbitos de comunicação: a sociedade, a comunidade e a cultura. A interpretação dos sistemas simbólicos a partir dessa ambiência indica que a identidade espírita em Palmelo promove uma mediação que imagina e reconhece a cidade e permite a flexibilidade da religiosidade contemporânea a despeito de movimentos de assimilação e institucionalização do espiritismo na cidade, garantindo assim a existência autônoma desses sistemas simbólicos enquanto garante uma hegemonia produzida pela ação comunicacional, produtora de símbolos. Palavras-chave: 1. Sistemas simbólicos. 2. Comunicação. 3. Espiritismo. 4. Cidade. 5. Palmelo.

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RESUMÉ

Cette recherche concerne la seule ville bâtie autour d’un centre spirite dans le monde, la ville de Palmelo (GO). L’accent est mis sur le symbolisme composant la réalité d’une “ville spirite”. Nous envisageons la recherche sur le prisme communicationnel afin de comprendre dans quelle mesure les systèmes symboliques de la ville et de la religion se communiquent. Nous proposon une démarche anthropologique à l’étude de la ville. De ce fait, nous remettons en cause l’histoire de cette dernière tout en réalisant la description des changements dans ses espaces matériels et imaginés. Par l’analyse de la législation local, des entretiens réalisés et l’observation des événements, nous constatons que l’identité spirite exerce une fonction médiatrice parmi les systèmes symboliques em trois zones de communication: la société, la communauté et la culture. C’est porquoi l’interprétation des systèmes symboliques pointe que l’identité spirite de Palmelo execute une sorte de médiation qui dévoile et imagine la ville autrement. En dépit des mouvements entraînant l’assimilation et l’institutionalisation du Spiritisme, cela met em scène la flexibilité religeuse contemporaine dans la ville, aussi bien qu’il assure l’autonomie de l’existance de ces systèmes symboliques. C’est là où l’hégémonie acquise par l’action communicationnelle demeure à créer des symboles.

Mots-clés:

1. Systèmes symboliques. 2. Communication. 3. Spiritisme. 4. Village. 5. Palmelo.

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SUMÁRIO

Lista de fotografias e imagens ................................................................................... 16

Lista de quadros ........................................................................................................ 17

Lista de gráficos ........................................................................................................ 18

Lista de siglas ............................................................................................................ 19

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16

2. A COMUNICAÇÃO DOS SISTEMAS SIMBÓLICOS ............................................. 25

2.1. “Entre” sistemas simbólicos, a identidade cultural .......................................... 40

2.2. Técnicas de pesquisa em Análise Cultural ..................................................... 44

Excurso: O método de pesquisa e o estudo da própria cultura .............................. 49

3. A HISTÓRIA DE PALMELO E A CHEGADA DO ESPIRITISMO EM GOIÁS ........ 57

3.1. A história de uma cidade goiana até seu espiritismo ...................................... 58

3.2. A história do espiritismo até a cidade dos espíritas ........................................ 74

3.3. O movimento espírita palmelino ...................................................................... 85

4. OS ESPAÇOS PRODUZIDOS PELOS SISTEMAS SIMBÓLICOS ....................... 99

4.1. Como a religião acontece na pequena cidade .............................................. 100

4.2. Cidade material: a dimensão simbólica da cidade ........................................ 116

4.3. Cidade espiritual: o sistema simbólico religioso em Palmelo ........................ 134

5. OS TRÊS ÂMBITOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE SISTEMAS SIMBÓLICOS EM

PALMELO ............................................................................................................... 147

5.1. Âmbito de comunicação da sociedade: condição socioeconômica, legislativa e

patrimonial ........................................................................................................... 152

5.1.1. Demografia e características da população espírita palmelina .................. 154

5.1.2. Hegemonia espírita na lei orgânica do município ....................................... 157

5.1.3. Patrimônio cultural: entre a neutralização do hegemônico e o estigma da

loucura ................................................................................................................. 159

5.1.4. Um museu entre o visitante e o turista ....................................................... 167

5.1.5. Considerações parciais no âmbito de comunicação da sociedade ............ 171

5.2. Âmbito de comunicação da comunidade: aberturas e fechamentos da

communitas .......................................................................................................... 172

5.2.1. O cotidiano espírita em Palmelo ................................................................ 178

5.2.2. Comunicabilidade religiosa ........................................................................ 183

5.2.3. Outras faces da comunidade ..................................................................... 192

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5.2.4. Considerações parciais no âmbito de comunicação da comunidade ......... 195

5.3. Âmbito de comunicação da cultura: as identificações glocais em Palmelo ... 197

5.3.1. Identificação espírita palmelina .................................................................. 199

5.3.2. Identificação espírita diante de outras religiosidades em Palmelo ............. 203

5.3.3. Identificação espírita palmelina diante do movimento espírita brasileiro .... 210

5.3.4. Identificações glocais na sociedade palmelina........................................... 217

5.3.5. Considerações parciais no âmbito de comunicação da cultura ................. 223

6. A CIDADE ESPÍRITA EM PALMELO .................................................................. 225

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 246

ANEXOS ................................................................................................................. 254

ANEXO A – Mensagem de Eurípedes Barsanulfo, psicografada por Francisca

Borges Gomide em 1956 ..................................................................................... 254

APÊNDICES ............................................................................................................ 256

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista .................................................................. 256

APÊNDICE B – Lista de entrevistados ................................................................. 258

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LISTA DE FOTOGRAFIAS E IMAGENS

Foto 1 - Entrada da cidade de Palmelo ................................................................... 118

Foto 2 - Mapa da cidade de Palmelo ....................................................................... 119

Foto 3 - Igrejas evangélicas em Palmelo ................................................................ 120

Foto 4 - Centro Espiritualista Antônio de Oliveira Rios (CEAOR) ............................ 122

Foto 5 - Médium Antônio de Oliveira Rios incorporado ao espírito "doutor Ricardo

Stein" em procedimento cirúrgico habitual .............................................................. 123

Foto 6 - Centro Espírita Luz da Verdade (CELV) .................................................... 125

Foto 7 - Centro Social Espírita André Luiz .............................................................. 126

Foto 8 - Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima .................................................. 127

Foto 9 - Algumas das opções de hospedagem em Palmelo ................................... 129

Foto 10 - Instituições educacionais em Palmelo ..................................................... 130

Foto 11 - Da esquerda para a direita e de cima para baixo - Lar Espírita Hilda Vilela,

Hospital Municipal Saulo Gomes, Dispensário São Vicente de Paula e Prefeitura . 131

Foto 12 - Estátuas da Dona Chiquinha e do Seu Jerônymo localizadas nas praças

“Central” e “do Sanatório”, respectivamente............................................................ 133

Foto 13 - Ilustração da Colônia Nova Esperança .................................................... 139

Foto 14 - Cristal instalado onde seria o ponto geodésico do planeta em Palmelo .. 141

Foto 15 - Parte de uma das três voçorocas no município de Palmelo .................... 144

Foto 16 - CELV com paisagem obliterada por tenda em 2015 ................................ 165

Foto 17 - Palestra na Semana Espírita de Palmelo, no dia 22 de julho de 2015 .... 186

Foto 18 - "Chá fraterno" para confraternização ao final da noite na Semana Espírita,

no dia 22 de julho de 2015. ..................................................................................... 187

Foto 19 - Missa campal junto à praça central da cidade de Palmelo ...................... 188

Foto 20 - Ritualidade de entrada das autoridades convidadas na missa campal .... 189

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Relações culturais da religião na “cidade espírita”. ................................ 36

Quadro 2 – Correlação entre as dimensões de análise da cidade (LEFEBVRE, 1999)

com as relações externas de análise cultural da religião (Quadro 1 – WILLIAMS,

1992) ......................................................................................................................... 37

Quadro 3 – Categorias analíticas: Âmbitos de comunicação entre sistemas

simbólicos.................................................................................................................. 39

Quadro 4 – Temas previstos pelo roteiro das entrevistas em profundidade. ............ 45

Quadro 5 – Leitura sobre turismo religioso em Palmelo. ......................................... 167

Quadro 6 – Programação do Centro Espírita Luz da Verdade ................................ 178

Quadro 7 – Quadro analítico dos eventos espírita e ecumênico analisados em

Palmelo ................................................................................................................... 185

Quadro 8 – Enquadramento do perfil e da função dos entrevistados. ..................... 198

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Nível de instrução da população palmelina - População palmelina x

Espíritas palmelinos ................................................................................................ 155

Gráfico 2 - Nível de instrução dos espíritas - Brasil x Palmelo ................................ 156

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LISTA DE SIGLAS

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CEAOR – Centro Espírita Antônio de Oliveira Rios

CEFAK – Centro Espírita Fraternidade Allan Kardec

CELV – Centro Espírita Luz da Verdade

CEMEI – Centro Municipal de Educação Infantil

CFN – Conselho Federativo Nacional

CONCAFRAS-PSE – Confraternização das Campanhas de Fraternidade Auta de

Souza e Programa Social Espírita

EFAS – Encontro Fraterno Auta de Souza

FEB – Federação Espírita Brasileira

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

MEB – Movimento Espírita Brasileiro

ONU – Organização das Nações Unidas

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

SODEAS – Sociedade de Divulgação Espírita Auta de Souza

TCLE – Termo de Compromisso Livre e Esclarecido

UEG – Universidade Estadual de Goiás

UnB – Universidade de Brasília

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1. INTRODUÇÃO

Às margens da Rodovia Estadual GO-020, entre os quilômetros 20 e 25,

o trevo da pequena cidade de Palmelo (GO) oferece acesso não apenas às

pacatas ruas deste que é o segundo menor município do Estado de Goiás1,

mas também – e principalmente – às vias de comunicação entre a estrutura

(física e simbólica) de uma cidade e a religiosidade espírita. Neste trevo, além

da escultura de uma pomba branca como símbolo da paz, lê-se a inscrição:

“PALMELO – A CIDADE ESPÍRITA DO BRASIL”.

Ainda que não seja estranha a ideia de que as cidades se formam em

torno de uma igreja e de que, nos primeiros agrupamentos humanos, “várias

aldeias se reuniam em torno de um templo (religioso) e os comerciantes

(agricultores e artesãos em sua maioria) se estabeleciam ao seu redor”

(RIBEIRO, 2013, p. 18), Palmelo é, certamente, a única cidade no mundo que

tem sua fundação vinculada ao espiritismo.

A doutrina espírita, codificada pelo pedagogo francês Allan Kardec a

partir de 18572, chega e rapidamente se dissemina no Brasil junto ao pacote de

influências europeias (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009), ao qual se pode incluir

a própria noção das cidades planejadas, tendo em Paris um exemplo. Segundo

Lefebvre (2001), industrialização e urbanização – dois processos erigidos nas

revoluções registradas pela história da Europa – são as duas noções

preliminares para entender a cidade moderna. Altamente receptivo às

modernidades vindas desse continente, o Brasil assimila tanto uma doutrina

que pretende unir fé e razão, quanto uma ideia de urbanidade. Mas faz isso a

seu modo. A doutrina – que se pretende ciência, filosofia e religião – se

converte definitivamente à práxis religiosa e o planejamento urbano se dissolve

na superpopulação das pretensas cidades planejadas, gerando toda uma

conflitualidade de subdesenvolvimento, contemporaneamente estudada, acerca

dos espaços urbanos e da globalização (CORREA, 1999).

1 O título de menor município goiano pertence à Anhanguera, na fronteira com o Estado de

Minas Gerais (IBGE, 2016). 2 Em 1857, fora publicada a obra fundante do espiritismo, “O Livro dos Espíritos”, que seria

completado por pelo menos outros quatros livros, compondo o pentateuco kardequiano. Este assunto será tratado detidamente no capítulo 3.

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Segundo Aubrée e Laplantine (2009, p. 291), o espiritismo pronuncia

uma “brasilodisseia”, através de uma “epopeia mítica” que assegura o

“transplante da ‘árvore do evangelho’, da Palestina para o Brasil, passando

pela Franca”3. Se pensarmos desde o povo eleito de Israel, pode-se dizer que

é próprio da narrativa religiosa se vincular ao território. E com o espiritismo não

é diferente, mas sua história começa junto à efervescência científica do século

XIX e chega ao Brasil junto aos primeiros problemas urbanos da modernidade.

Esse dado contextual inculca que, enquanto doutrina, o espiritismo não só

constrói narrativas territorialmente flexíveis (a missão do evangelho é

transplantada entre continentes), como também imagina a cidade. É o que

apresenta Luiz da Silva (2012) ao identificar correlações entre a narrativa da

cidade espiritual “Nosso Lar” e os anseios da cidade material que ela recobre, o

Rio de Janeiro, antiga capital brasileira, por onde também chegaram algumas

das primeiras pessoas trazendo a doutrina espírita.

Em Palmelo, o espiritismo não apenas imagina uma cidade ou cria uma

“palmelodiceia”4 (embora também se possa dizer isso), mas lhe serve, de fato,

como mito fundador e base simbólica em que se ergue a cidade, construída e

emancipada durante as décadas de 1920 a 1960, mesmo período do

planejamento e da construção da capital federal brasileira, Brasília (DF). Conta-

se popularmente 5 que Juscelino Kubitschek (considerado o fundador de

Brasília) e Jerônymo Candinho (considerado o fundador de Palmelo) tornaram-

se amigos de ideal desde que o primeiro visitara Palmelo, pois ambos estavam

desbravando o interior do Brasil para a construção de uma capital, pelo que

Kubitschek teria dito algo como: “Candinho, eu construo a capital federal do

Brasil, mas você constrói a capital espírita do mundo”.

3 “Humberto de Campos, por intermédio de Chico Xavier, conta a história nos seguintes termos:

“a árvore do Evangelho” foi plantada na Palestina uma primeira vez. Depois de um longuíssimo período de obscurantismo, Jesus enviou ao mundo um número muito grande de Espíritos superiores, elegendo em seguida um francês, chamado de ‘o Consolador’ – Allan Kardec – afim de recolher as mensagens destes últimos. Os preconceitos da época, e sobretudo do continente europeu, impediram que se obtivesse os resultados esperados. Um brasileiro foi escolhido, então, pelo Anjo Ismael (o mensageiro de Deus): o doutor Bezerra de Menezes, encarregado de realizar a antiga missão civilizatória num país jovem e cheio de futuro, o Brasil” (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. 292). 4 Trocadilho com a noção de “brasilodiceia” em Aubrée e Laplantine (2009).

5 O autor desta pesquisa ouviu essa história pelo menos três vezes no tempo de pesquisa, por

fontes diversas que a narraram espontaneamente: uma historiadora em Palmelo, um militante espírita em Brasília e um professor estudioso das religiões em Goiânia.

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As ruas e os limites de Palmelo denotam um planejamento, ainda que na

escala de uma pequena cidade. O planejamento urbano de Palmelo se

identifica pela ação de Jerônymo Cândido Gomide, seu maior líder político e

espiritual na história. Guimarães (2014) anota que a partir do local de

construção do Centro Espírita Luz da Verdade, Jerônymo teria contratado

engenheiros para construir o Sanatório Espírita Eurípedes Barsanulfo, o

Colégio Eurípedes Barsanulfo e o Dispensário São Vicente de Paula, as mais

antigas instituições palmelinas, cada uma em um ponto limite do que hoje é a

cidade. As habitações foram construídas dentro desses limites, formando um

quadrado de onze por onze ruas retas. Também segundo Carvalho, Borges e

Nunes (2006, p. 36) tais instituições “são construções planejadas e executadas

com doações adquiridas por meio do Centro Espírita Luz da Verdade, através

do Sr. Jerônymo Candido Gomide”. Palmelo assume, assim, essa dupla

herança da França nos moldes da cultura brasileira: o espiritismo e a cidade

planejada.

Mas religião e cidade não vieram juntas pela via europeia. Aliás, o

projeto de racionalidade identificado e teorizado por Max Weber (2000) aponta

para a secularização6 da sociedade. Enquanto a religião pertence ao domínio

de tipo “comunitário”, a cidade desenvolve-se no domínio de tipo “societário”.

Este é um dos motivos pelos quais constituem sistemas diferenciados e tornou-

se viável a elaboração da questão-problema que esta pesquisa responde: Até

que ponto a cidade pode ser vinculada a um sistema religioso? Tanto a cidade

quanto a religião constituem seus sistemas simbólicos. A religião é entendida

como um sistema simbólico (BERGER, 1992) e a cidade, pelo menos,

contendo uma dimensão simbólica (LEFEBVRE, 2001).

Então, dito de outro modo, o que se quer saber é: até que ponto os

sistemas simbólicos se comunicam? A hipótese é de que, se é corrente o título

de “cidade espírita”, os sistemas simbólicos se comunicam pelo menos ao

ponto de produzir tal representação, o que não se faz sem o concurso da ação

humana. Mas não se espera deste trabalho uma comprovação de hipótese,

como já é comum nas pesquisas sociais e humanas, que não apresentam

6 “Deslocamento da religião para a esfera das preocupações individuais, não públicas”, a partir

de uma intensa valorização da razão como valor fundamental da modernidade (MARTINO, 2012b).

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dados com o nível de abstração que garante a objetividade e o valor de

verdade das ciências exatas (DUARTE, 2010). Este trabalho se posiciona no

marco teórico da hermenêutica, com o método da interpretação.

Toda interpretação pretende alcançar evidência. Mas nenhuma interpretação, por mais evidente que seja quanto ao sentido, pode pretender, como tal e em virtude desse caráter de evidência, ser também a interpretação causal válida. Em si, nada mais é do que uma hipótese causal de evidência particular (WEBER, 2000, p. 7).

Além de tender à evidência, pois em todo texto teórico há uma pretensão

de universalidade necessária à relevância do trabalho, a interpretação é

entendida por Gadamer (2003, p. 12) não apenas como um método de estudo,

mas como base da compreensão, que é o modo de ser-no-mundo. Assim, “o

conhecimento histórico e a epistemologia das ciências humanas compartilham

com a natureza fundamental da existência humana”. Mas, de modo ainda mais

específico, direcionada aos sistemas simbólicos, a interpretação permite

desenvolver uma abordagem cultural própria. No âmbito dos sistemas (ou das

estruturas) sociais, há toda uma problemática de ordem comunicacional

(tratada no próximo capítulo), mas esta torna-se ainda mais específica e exata

quando se acrescenta o “simbólico”.

O número 6, escrito, imaginado, disposto numa fileira de pedras ou indicado num programa de computador, é um símbolo. A cruz também é um símbolo, falado, visualizado, modelado com as mãos quando a pessoa se benze, dedilhado quando pendurado numa corrente, e também é um símbolo a tela "Guernica" ou o pedaço de pedra pintada chamada "churinga", a palavra "realidade" ou até mesmo o morfema "ing". Todos eles são símbolos, ou pelo menos elementos simbólicos, pois são formulações tangíveis de noções, abstrações da experiência fixada em formas perceptíveis, incorporações concretas de ideias, atitudes, julgamentos, saudades ou crenças. Iniciar o estudo da atividade cultural — uma atividade na qual o simbolismo forma o conteúdo positivo — não é abandonar a análise social em troca de uma caverna de sombras platónicas, entrar num mundo mentalista de psicologia introspectiva ou, o que é pior, de filosofia especulativa, e lá vaguear eternamente numa neblina de "Cognições", "Afeições", "Volições" e outras entidades nebulosas. Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros; são tão públicos corno o casamento

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e tão observáveis como a agricultura (GEERTZ, 2008, p. 68, grifos nossos).

Assim, apoiado em Geertz (2008), é possível entender a cultura como

sistema simbólico, constituindo toda materialidade da ação perante sua

significação. Sodré (1983, p. 17) afirma a cultura a partir de “práticas de

organização simbólica, de produção social de sentido, de relacionamento com

o real. A delimitação da estrutura cultural (...) vai implicar em estabelecer as

condições de admissão de um fenômeno como elemento de cultura”. Admite-

se, pois, que a “cidade espírita” aparece como um elemento de cultura. Assim,

os antropólogos dizem que, ainda que se tenda à universalidade teórica, é

preciso dizer não das culturas como um todo ou das cidades como um todo,

mas de determinada cultura e determinada cidade. Ao contrário de uma busca

por leis naturais na sociedade, interpreta-se o dado histórico e cultural.

O que interessa ao conhecimento histórico não é saber como os homens, os povos, os Estados se desenvolvem em geral mas, ao contrário, como este homem, este povo, este Estado veio a ser o que é; como todas essas coisas puderam acontecer e encontrar-se aí (GADAMER, 2003, p. 24).

Já existem várias monografias sobre Palmelo. A primeira – ou pelo

menos a mais conhecida – é da professora Ms. Liberalina Teodoro de Rezende

Arantes, hoje responsável por orientar ou participar da banca de avaliação de

grande parte dos trabalhos produzidos no curso de história da Universidade

Estadual de Goiás – Unidade Pires do Rio (UEG) sobre Palmelo. A maioria

destes trabalhos foi e continua sendo produzida por universitários palmelinos

neste curso. Outros, no curso de geografia ou em especializações. Mas há

casos como o de Santos (2014), que reside no Distrito Federal e realizou sua

pesquisa sobre a geografia da religião na cidade espírita pela Universidade de

Brasília (UnB).

No ano de 2001, as professoras Célia Lúcia Leite de Assis e Maria de

Fátima Godoi realizaram um trabalho com proposta similar à nossa. Elas

trataram dos “aspectos religioso e político” de Palmelo. Mas, como é ressaltado

por Rezende (2008, p. 64), “no trabalho não há uma correlação entre estes dois

aspectos, eles são abordados separadamente (...) com a intenção de discutir a

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‘figura’ do Sr. Jerônymo, que foi ao mesmo tempo líder religioso e político na

comunidade”. E o nosso interesse, na presente dissertação, é justamente

estudar o vínculo entre esses aspectos (ou sistemas simbólicos). Além disso,

não utilizamos a categoria da política de modo estrito, mas da cidade

(urbanidade).

Muitos dos trabalhos consultados repetem a história a partir das mesmas

bibliografias originárias sem, contudo, acrescentar a contribuição analítica das

demais produções. A abordagem mais utilizada é a histórica e, especialmente,

a história oral. Alguns outros abordam o espaço. À medida do recorte para

nosso problema de pesquisa, tentaremos expor um estado da arte da pesquisa

histórica e geográfica sobre Palmelo, fazendo dialogar as bibliografias

disponíveis sobre a cidade, relacionando-as à história do espiritismo e à

história de Goiás. Para o que nos consta, a presente dissertação é o primeiro

trabalho da área da comunicação sobre Palmelo. Nosso interesse parte das

abordagens histórica e espacial, fazendo-lhes a revisão e se encaminha para o

estudo do vínculo social, ou seja, das ações de comunicação entre dois

sistemas simbólicos (que também tem lógicas específicas e internas de

comunicação).

A ciência da comunicação é conhecida por estudar as mídias e as

práticas nelas envolvidas (o jornalismo, a publicidade, a propaganda e as

relações públicas), mas a mídia não guarda a ontologia da comunicação. Há

comunicação antes do advento das mídias como as conhecemos atualmente e

a mesma não existe apenas no âmbito midiático, que apenas a atualiza em

uma nova ambiência para a vida em sociedade, um novo bios 7 . É uma

dificuldade interna interessante ao próprio campo da comunicação a definição

de saber o que é especificamente comunicacional. Uma das abordagens

possíveis é de que comunicação “é como se dá o vínculo, a atração social,

como é que as pessoas se mantêm unidas, juntas socialmente” (SODRÉ,

2001). Decorre daí que “trabalhar o conceito de vínculo social, sem decorrer

7 “Esse novo bios é a sociedade midiatizada enquanto esfera existencial capaz de afetar as

percepções e as representações correntes da vida social, inclusive de neutralizar as tensões do vínculo comunitário” (SODRÉ, 2007, p. 21). O bios midiático faz com que os sistemas (política, religião, economia etc) funcionem com a lógica da mídia (informação e capitalismo). Este conceito de bios midiático é apresentado por Sodré com considerável repercussão como reflexão filosófica em adendo aos três gêneros de existência (bios) aristotélicos: política, conhecimento e sentidos.

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em sociologia ou psicologia, e, ao mesmo tempo, debruçar-se sobre as trocas

simbólicas, sem decorrer em linguística, é estudar comunicação” (SIGNATES,

2004, p. 11).

Sem dúvidas, a mídia é a instituição simbólica de comunicação por

excelência, operando sobre a informação segundo a lógica de mercado

(capitalismo). Mas, neste mesmo sentido, não é a religião também uma

instituição simbólica na qual, ao invés da informação, se opera com o dogma e

os rituais? Trabalhamos com a hipótese de que é defensável dizer que a

religião é um profícuo campo de estudos para a comunicação na medida em

que ela nos permite perceber com clareza a circulação simbólica, as

interações, os conflitos e os diálogos que se estabelecem na mediação que

promovem. Assim, a religião e a mídia funcionam de modo similar em termos

comunicacionais. Isto porque, segundo Thompson (2001, p. 25), a igreja e a

mídia figuram no mesmo quadro das relações de poder: são instituições de

poder simbólico.

A religião constitui um dos espaços sociais mais interessantes que existem, nas sociedades contemporâneas, para o estudo dos problemas da comunicabilidade humana. Dentre as chamadas instituições de poder simbólico (THOMPSON, 2002), são as instituições religiosas, e não as propriamente comunicacionais, como as mídias em geral, aquelas onde o problema da comunicabilidade, numa perspectiva habermasiana, encontram seus mais sérios riscos e suas mais desafiadoras possibilidades (SIGNATES, 2013, p. 39).

Nesta perspectiva, a comunicação é a ciência do comum, ou seja, “do

ordenamento simbólico do mundo” (SODRÉ, 2014, p. 9). Aparentemente

diferencia-se, mas serve-se, da antropologia à medida que se debruça mais

sobre as trocas simbólicas que sobre a descrição densa das culturas (ou

sistemas simbólicos). Essas definições de comunicação e cultura delimitam o

olhar teórico a partir do qual se busca responder: até que ponto há

comunicação entre os sistemas simbólicos da religião e da cidade? Trata-se de

buscar – na realidade social, comunitária e cultural – até onde a lógica e o

funcionamento da religião se vincula à lógica e ao funcionamento da cidade de

Palmelo. Assim, o dado cultural de uma “cidade espírita” em Palmelo pode ser

considerado um caso limite ou típico dessa comunicação, que, apesar de

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encontrar similaridades em cidades santuários vinculadas ao catolicismo, como

Trindade em Goiás (TAVARES, 2014), Fátima em Portugal e Aparecida em

São Paulo (ROSA, 2015), é única nos termos do movimento social espírita.

Esta introdução constitui o primeiro capítulo ao apresentar objetivamente

a pesquisa. Para entender a “organização simbólica” da realidade apresentada,

o segundo capítulo trata da metodologia da pesquisa, partindo da escolha dos

conceitos sob a abordagem dos estudos em Comunicação para a definição do

trabalho empírico por meio das técnicas de pesquisa utilizadas: entrevista em

profundidade, análise documental e observação direta. O que se argumenta

neste capítulo é que a análise cultural (COIRO-MORAES, 2015; WILLIAMS,

1992) é o método que conjuga técnicas de interpretação simbólica, permitindo

organizar a pesquisa a partir dos conceitos de cidade (LEFEBVRE, 1999; 2001)

e de religião (BERGER, 1985; GEERTZ, 2008). Entre os dois sistemas

simbólicos, vê-se também a identidade cultural religiosa (HALL, 2006;

OLIVEIRA, 2015) que testemunha sua comunicação no âmbito de

comunicação entre sistemas, traduzidos nesta dissertação por meio dos três

modos de compreender as identidades em conflito, enunciados por Godelier

(2012): sociedade, comunidade e cultura.

Deste modo, em termos empíricos, nossas técnicas de pesquisa

permitem analisar o documento da Lei Orgânica do Município, observar os

espaços da cidade e dois eventos religiosos, além de aprofundar os temas por

meio de entrevistas em profundidade com os sujeitos moradores e visitantes,

espírita e não-espíritas em Palmelo, selecionados não a partir de uma

quantificação, mas da representatividade dos vários atores sociais encontrados

e da saturação dos dados das treze entrevistas realizadas.

O terceiro capítulo faz a revisão da história de Palmelo. Dialeticamente,

inclui-se também uma breve revisão da história do espiritismo em uma linha do

tempo capaz de chegar ao modo como se forma um movimento espírita nesta

cidade.

Pode-se dizer que o quarto capítulo apresenta os símbolos de que os

sistemas se valem para existir e se comunicar. Pontualmente, o que se faz é a

descrição tão densa quanto possível dos espaços que testemunham a ação

simbólica, pois que foram produzidos historicamente. Assim, também trabalha-

se uma perspectiva dialética para entender como a religião acontece na

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pequena cidade (destacando a especificidade das pequenas cidades diante da

globalização como pequenos centros): primeiro a descrição dos espaços da

cidade propriamente ditos e, depois, a descrição de uma cidade espiritual

contígua à Palmelo. Na verdade, esses espaços fornecem acesso aos

sistemas simbólicos.

Todos os capítulos abordam diretamente os dados colhidos em campo,

mas o quinto capítulo é o que realiza a análise cultural por meio do que

defendemos serem os três âmbitos de comunicação entre sistemas simbólicos

(sociedade, comunidade e cultura), atentando, em cada um deles às relações

internas e externas do sistema religioso para com a cidade de Palmelo. Neste

caso, o que se denomina como “âmbitos” corresponde, até certo ponto, aos

modos de compreensão definidos por Godelier (2012) e, até certo ponto, às

dimensões de interpretação da cidade proposta por Lefebvre (1999), que as

denomina “simbólica, paradigmática e sintagmática”. Williams (1992) é quem

propõe analisar as relações internas e externas em cada relação – em nosso

caso, na comunicação entre sistemas simbólicos.

O sexto e último capítulo apresenta as considerações finais acerca do

que vem a ser a cidade espírita em Palmelo, acumulados os dados

encontrados em campo e confrontados com a teoria de comunicação sobre

sistemas simbólicos.

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2. A COMUNICAÇÃO DOS SISTEMAS SIMBÓLICOS

Este capítulo responde pela metodologia da pesquisa, que deve integrar

os conceitos operativos na pesquisa e as técnicas suficientes ao rigor possível

e exigido na elaboração de um texto científico, a partir de parâmetros de

abordagem e de análise (COIRO MORAES, 2015) condizentes à disciplina

científica e ao seu objeto teórico. Vários pensadores, de Nietzsche a Edgar

Morin, afirmam o método como caminho que se faz caminhando. Por isso, o

objetivo deste capítulo é nomear nosso método (formas de abordagem e de

análise) em torno do que entendemos sobre a comunicação e a interpretação

dos sistemas simbólicos, respectivamente, nossa disciplina e nosso objeto

teórico. Porquanto, é a partir dessa ideia que pretendemos explorar as relações

que vinculam a cidade de Palmelo ao espiritismo. Ou seja, durante todo o

trabalho, a cidade e a religião são referidas como sistemas simbólicos.

A disciplina da Comunicação nos serve de base e modo de olhar à

medida que tematizamos os sistemas simbólicos a partir de suas possibilidades

de comunicação. Mas o que são e de quais sistemas tratam esta pesquisa? De

antemão, é preciso fixar a ideia de que o conceito de sistemas simbólicos é

uma forma de entender a cultura. Isso significa que, para todos os efeitos, a

cultura:

denota um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (GEERTZ, 2008, p. 66).

A ideia de sistemas é utilizada para explicar a cultura ou seus modos de

comunicação. Para entender sua conotação, é interessante assinalar de onde

vem esse termo. Por um lado, e a princípio, trata-se de uma metáfora

proveniente da física e da cibernética, ciências exatas que explicam as leis e

modos de funcionamento de algo no mundo. No caso da física, as leis da

natureza, quando identificadas, garantem uma constância objetiva acerca do

que constitui, por exemplo, o sistema astronômico (o modo como funcionam e

se relacionam os astros e os planetas) ou o sistema eletromagnético (com a

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descoberta do raio X). No caso da cibernética, todo hardware8 é operado a

partir das possibilidades oferecidas por seu software (ou sistema operacional).

Assim, o sistema é sempre metáfora para o modo de funcionamento da

natureza, da máquina ou, como se verá, da sociedade. Assim, todo sistema

existe em função de algo.

Por outro lado, significa um modo de estruturar. O sistema é o que

contém as estruturas. E é isto o que trouxe a ideia de sistema para as ciências

sociais a partir de teóricos que pensaram a sociedade a partir de “estruturas”

ou “sistemas”. Segundo Signates (2009, p. 58-59), as chamadas teorias de

sistemas sociais podem ser agrupadas em “três modelos”: o modelo

mecanicista (que atribui à sociedade o mesmo modo de funcionamento por

meio de leis naturais e que, atualmente, nos legaram a noção de espaço,

tratada como espaço social em nosso quarto capítulo), o modelo organicista

(proveniente dos sistemas biológicos, que veem a sociedade como um

organismo vivo) e o modelo processual (mais próprio ao pensamento autônomo

das ciências sociais, que veem as estruturas da sociedade funcionando em

processos de interação entre as pessoas e as instituições). As teorias de

sistemas sociais ganham originalidade e relevância, sobretudo, a partir da

capacidade explicativa que adquirem em autores como Talcott Parson, Niklas

Luhmann e Jürgen Habermas.

Cada um (dos três modelos) forneceu, em sua época, o marco de referência sobre o qual se construiu o modelo sistêmico a partir do qual se procurou enxergar as condições dentro das quais as sociedades surgiam e funcionavam. Esse movimento culminou, nos últimos cinquenta anos, com diversas teorizações, dentre as quais ganharam especial relevo as de três autores principais: Talcott Parsons e Niklas Luhmann, funcionalistas sistêmicos que utilizaram, em alto grau de sofisticação, o modelo organicista, e Jürgen Habermas, um dos mais atuais e prestigiados teóricos da vertente crítica, que constrói sua teoria processual de sistemas a partir de um intenso diálogo crítico com aqueles autores (SIGNATES, 2009, p. 59-60).

8 O hardware é a parte física de um aparato tecnológico, enquanto o software é sua parte

lógica. Assim, em um computador pessoal, o aparelho físico (monitor e gabinete) é o hardware e o sistema operacional (Windows, Linux, Onix) é o software. Sem sistema, o computador não funciona.

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Algumas das noções simpáticas a estas teorias de sistemas sociais

aparecem em nosso trabalho, como a ideia de espaço (capítulo 4) e a noção de

que os sistemas se abrem ou se fecham à comunicação a partir de suas

lógicas de funcionamento internas e externas (capítulo 5).

Retomando as teorias que explicam a cultura a partir da ideia de

sistemas, também nos parece possível dizer que o fazem a partir da herança

do funcionalismo e da ideia de que a sociedade é uma estrutura (às vezes com

característica de ter sido estruturada pelas pessoas e, outras vezes, de

estruturar a ação das pessoas).

A cidade, por exemplo, que vislumbramos neste trabalho principalmente

a partir de Lefebvre (2001; 2006), teria uma dimensão simbólica (cultural)

estruturada junto às dimensões paradigmática (o lugar ou espaço) e

sintagmática (as práticas sociais).

Já a religião, é considerada desde os fundadores da sociologia moderna

como uma estrutura estruturante (BOURDIEU, 2009), capaz de construir e

manter a realidade social, pelo menos simbolicamente. Afinal, segundo Berger

(1985, p. 55), “a religião serve, assim, para manter a realidade daquele mundo

socialmente construído no qual os homens existem nas suas vidas cotidianas”.

Geertz (2008) é ainda mais preciso para definir a religião como estrutura ou

sistemas de símbolos:

Uma religião é: (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de atualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GEERTZ, 2008, p. 67).

O desenvolvimento teórico das noções de cidade e de religião como

sistemas simbólicos serão tratados adiante, junto à apresentação do universo

empírico (os dados históricos, geográficos e comunicacionais sobre Palmelo).

Ao dizer sobre as possibilidades de comunicação entre estes sistemas

simbólicos, estamos entendendo a comunicação como operador da cultura. Um

dado cultural acontece nos moldes em que se comunicam os agentes (ou os

sistemas) que o efetivam.

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As teorias de sistemas sociais – principalmente a desenvolvida por

Luhmann e, no campo brasileiro da comunicação, por Ciro Marcondes Filho –

apregoam a incomunicabilidade entre sistemas. A questão que Luhmann

(2005, p. 33) coloca é saber “que sociedade é essa que descreve a si mesma e

ao mundo dessa maneira (por meio de operações de fechamento em

sistemas)?”, para o que os meios de comunicação são centrais.

Apesar de Luhmann (2005) elaborar o trocadilho “a realidade dos meios

de comunicação” em um de seus livros (para referir-se à realidade que os

meios de comunicação constroem ou à realidade que lhes é própria), o

conceito de comunicação deste autor não se limita também à noção de mídia.

Pode-se dizer que a comunicação, para Luhmann (2005), é o processo próprio

aos sistemas sociais. Afinal, os sistemas não são palpáveis de outro modo:

eles são feitos de comunicação, inclusive – e principalmente – os sistemas

simbólicos de que tratamos neste trabalho. Assim, “a noção de comunicação,

em Luhmann, não é residual, mas central para sua teoria. A comunicação é

exatamente aquilo de que os sistemas sociais são feitos” (SIGNATES, 2009, p.

77).

Ou seja, quando falamos que a sociedade está estruturada (ou

sistematizada) em cidade, política, religião, direito, mídia etc., tudo isto funciona

em suas lógicas internas por um processo que se chama comunicação e são

capazes de se conjugar em uma sociedade em geral porque a sociedade é

vista como um sistema de sistemas ou ainda um processo comunicacional de

processos comunicacionais.

Com a centralidade da comunicação nesta teoria, o que se obtém é a

tese da incomunicabilidade (LUHMANN, 2005). Cada sistema é altamente

improvável e incomunicável, já que possui lógicas internas de funcionamento

extremamente especializadas. Por exemplo, a religião cristã lida com o código

sagrado da bíblia e, para com ela se comunicar, é preciso ter acesso,

conhecimento e posição de fala legitimada diante do mesmo código. Não há

comunicação entre este sistema e um outro, como o jurídico, também dotado

de lógica interna (autônoma, autocriada e complexa, como todo sistema). Um e

outro sistema não são apenas incomunicáveis entre si, mas foram também

improváveis, pois tiverem que se provar complexos o suficiente para se

autonomizarem como um sistema especializado dentro do sistema social.

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Isto quer dizer que os sistemas, em suas lógicas, são desafiados por

algo ainda mais complexo que eles, que é seu entorno, também conhecido

como o ambiente do sistema. O sistema precisa interagir com seu entorno para

existir. Em geral, o entorno são as pessoas e os outros sistemas ou, ainda, o

ambiente externo ao sistema, qualquer seja ele.

Sistemas são eventos neguentrópicos e autopoiéticos, isto é, capazes de se auto-organizar e se autocriar, e, por isso, altamente improváveis. Sua sobrevivência depende radicalmente da capacidade de interagir com o seu entorno ou ambiente, o qual é, sempre, mais complexo do que o sistema (SIGNATES, 2009, p. 74-75).

Assim, a incomunicabilidade dos sistemas sociais é um problema

legítimo colocado por estes teóricos e que permite alcançar definitivamente

nosso problema de pesquisa. Para nós, a existência de uma “cidade espírita” é

uma evidência dessa comunicação pouco provável entre dois sistemas

simbólicos – o da cidade e o da religião. Esta pesquisa explora até que ponto o

sistema simbólico da religiosidade espírita se comunica com a dimensão

simbólica da cidade de Palmelo.

Com base na teoria luhmanniana, a cidade e a religião constituem

lógicas de funcionamento próprias no território palmelino (como se verá

descrito no capítulo 4). Constituem sistemas simbólicos. A forte presença da

religiosidade espírita a coloca como um sistema e, para sua hegemonia, todo o

resto (a sociedade palmelina, a legislação, a educação e até mesmo a cidade

como um todo) serve de entorno para seu sistema. Do mesmo modo, a

dimensão simbólica da cidade constitui um sistema que tem a própria

religiosidade espirita em seu entorno, em seu ambiente. À medida que um

sistema serve de entorno ao outro, ambos forjam fronteiras até certo “ponto” –

o ponto em que se comunicam os dois sistemas.

A tensão, enfim, é que, para existir, os sistemas precisam romper sua

improbabilidade e se comunicar – ou seja, constituir seu sistema próprio.

Existindo, como é óbvio já que a cidade e sua religião predominante existem,

precisam garantir-se como um todo, como um sistema de comunicação, que

compreende sua lógica de funcionamento e seus símbolos. Mas essa

religiosidade espírita não existe a despeito da cidade, ela é ocorre na cidade de

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Palmelo e, para que isso fosse possível, o sistema religioso transpôs as

fronteiras da cidade. A cidade de Palmelo, desde a construção de seus

espaços sociais, transpôs as barreiras do sistema religioso para agregar seus

símbolos que a constituem até os dias atuais. Desse modo, contudo, a religião

deixa de ter sua lógica apenas para seu sistema e a cidade deixa de funcionar

apenas para seus cidadãos. Os dois sistemas acabam por serem ameaçados e

invadidos em suas lógicas próprias e específicas. A “cidade espírita” é um risco

à sobrevivência da cidade como cidade e da religião espírita como espírita,

pois os submete mutuamente. Assim, a tensão pressuposta neste trabalho de

pesquisa é que os sistemas simbólicos são dependentes de comunicação, mas

a comunicabilidade é o que os ameaça. Por isso, é legítimo questionar: até que

ponto os sistemas simbólicos se comunicam?

Se se quiser, isto configura, respectivamente, a hipótese e o problema

de pesquisa. Ainda que, segundo Duarte (2010, p. 63), “a noção de hipótese,

típica da pesquisa experimental e tradicional, tende a ser substituída pelo uso

de pressupostos, um conjunto de conjecturas antecipadas que orienta o

trabalho de campo”. O que apresentamos aqui são esses pressupostos.

Limita-se este trabalho a uma especificidade. Interessa o que se refere

aos sistemas simbólicos, ou seja, à cultural, conforme entendida por Geertz

(2008), que pode ser melhor apreendida como uma dimensão (prioritária) da

sociedade.

Bourdieu (2009) sustenta que os sistemas simbólicos possuem

qualidades de comunicação e de poder. A assertiva deste autor está em

convergir as orientações teóricas que entendem a cultura em sua qualidade de

instrumento de consenso (como Kant e Durkheim) e as que entendem a cultura

em sua qualidade de instrumento de poder (como Marx e Weber). Adotamos

aqui esta dupla noção: os sistemas simbólicos têm qualidades de comunicação

e de poder; de estrutura e de estruturante; de fato e de representação. Assim, a

cultura, entendida como sistemas simbólicos, é sempre um ato por si e um

dado de representação.

O que Bourdieu pretende é retificar a teoria do consenso por uma concepção teórica capaz de revelar as condições materiais e institucionais que presidem à criação e à transformação de aparelhos de produção simbólica cujos bens

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deixam de ser vistos como meros instrumentos de comunicação e/ou conhecimento (MICELI in BOURDIEU, 2009, p. XII).

A abordagem que estuda a comunicação entre sistemas simbólicos –

como instrumento de consenso e de poder – também se justifica a partir do

universo empírico que acessamos na cidade de Palmelo, que são os símbolos

da religião na cidade, em sua materialidade e sua significação. Ou ainda, em

termos de ação e de representação.

Uma vez que o comportamento humano é visto como ação simbólica (maioria das vezes; há duas contrações) – uma ação que significa, como a fonação na fala, o pigmento na pintura, a linha na escrita ou a ressonância na música, - o problema se a cultura é uma conduta padronizada ou um estado da mente ou mesmo as duas coisas juntas, de alguma forma perde o sentido (GEERTZ, 2008, p. 8).

Espera-se ter claro, até aqui, que a existência de uma “cidade espírita”,

como representação, em Palmelo, é encarada como um dado cultural a ser

interpretado sob a perspectiva de que, em alguma medida (a ser detalhada

nesta pesquisa) os símbolos religiosos são comunicados na estrutura da

cidade. A comunicação entre sistemas simbólicos, nestes termos, depende de

um certo Construcionismo, ou seja, as estruturas sociais são construídas ou

constroem relações na cidade e na religião. “As duas asserções, a de que a

sociedade é o produto do homem e a de que o homem é o produto da

sociedade não se contradizem. Refletem, pelo contrário, o caráter

inerentemente dialético do fenômeno social” (BERGER, 1985, p. 15-16).

A dinâmica da vida social é extremamente complexa e as referências

para sua leitura também. Assim, a interpretação dos sistemas simbólicos

sempre apreende uma perspectiva, mas ela é sempre e apenas uma

perspectiva ou conexão de sentido possível. A segurança metodológica de uma

interpretação é seu caráter atual e/ou explicativo. Segundo Weber (2000, p. 6),

a compreensão pode ser atual (de modo cabal) ou explicativa (referente aos

motivos), mas significa sempre a “apreensão interpretativa do sentido ou da

conexão de sentido”. Nesta dissertação, a cidade espírita é a conexão de

sentido vislumbrada na atualidade da cidade de Palmelo.

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O método para uma interpretação da comunicação entre sistemas

simbólicos solicita alguma precisão, como já ressaltado, para garantir algum

estado de cientificidade nos termos da disciplina e do objeto em questão (a

comunicação e os sistemas simbólicos). Sabemos que a existência dos

símbolos é tanto material quanto significativa (ou subjetiva). Assim, nosso

método precisa partir de uma abordagem que compreenda a materialidade do

símbolo (por exemplo, um objeto como a cruz) e sua significação

contextualizada (na cultura ocidental cristã, a morte do Cristo Jesus e a

consequente remissão dos pecados do mundo). Pode-se dizer que um sistema

simbólico é a cultura que, ao fundo, liga a cruz ao Cristo.

Acreditamos que esta visão, que articula a cultura como sistemas

simbólicos (GEERTZ, 2008 e WILLIAMS, 1992) para interpretar a comunicação

entre a dimensão simbólica da cidade (LEFEBVRE, 2001; 2006) e o sistema

religioso (BERGER, 1985), é compatível com o método de abordagem do

materialismo cultural, que culmina, segundo Coiro Moraes (2015) no método de

análise cultural.

Tal abordagem provém do marxismo, reinterpretado nos estudos

culturais a partir de Williams (1992) e na sociologia da vida cotidiana com

Lefebvre (2001; 2006) e não constitui um passo-a-passo de técnicas, mas uma

perspectiva contemporânea de interpretar as práticas e a produção da cultura.

Em outro termo, de interpretar os sistemas simbólicos.

O marxismo dogmático combatido por Lefebvre também o é por

Williams. Para Williams, uma análise mais precisa das instituições e das

relações retém “toda a extensão da classificação provisória de instituições e

tipos de relações, como instrumentos para análises específicas, e não trabalhar

com as fórmulas (pré-sociológicas) de (...) ‘a superestrutura cultural’ e ‘a base

econômica’” (WILLIAMS, 1992, p. 55).

Na convergência contemporânea, com a deliberada ampliação e entrelaçamento dos sentidos de cultura, (...) embora seja um tipo de sociologia que coloca sua ênfase em todos os sistemas de significações, está necessária e fundamentalmente preocupado com as práticas e a produção culturais manifestas (WILLIAMS, 1992, p. 14, grifos nossos).

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33

O legado metodológico de uma análise cultural, entendida sob a filiação

de um materialismo histórico, cultural e dialético, nos termos de autores não

dogmáticos como Williams e Lefebvre, mantém a abordagem dialética

adequada aos termos do objeto de estudo e a análise da comunicação

historicamente adequada e localizada em termos da complexidade ‘possível’

(como possível de já ser dito e como possibilidade de dizer utopicamente, por

exemplo, com base no ideal da abertura e do diálogo).

De modo inocente, em todos os momentos, persistia-nos a dúvida sobre

utilizar o materialismo para estudar uma “cidade espírita”. Essa preocupação foi

suprida com a leitura dos textos estudados acerca do fenômeno religioso,

principalmente em Berger (1985), sociólogo contemporâneo também

influenciado por um marxismo não-dogmático, envolto na compreensão que

outras vertentes (weberiana e durkheimiana) lhe imputam, quando este indica,

mesmo para a teologia, um ateísmo metodológico como modo de apreender a

cultura. Este ateísmo que se assume na ciência materialista é o modo, na

verdade, de reconhecer o papel de estrutura significante que a religião assume

na sociedade. Para isso, “só se pode lidar com as projeções religiosas

enquanto projeções, como produtos da atividade e da consciência humanas”

(BERGER, 1985, p. 112).

Além disso, a própria doutrina codificada por Allan Kardec converge,

neste ponto, com o ideal do materialismo histórico (vindo de Marx). Pois ambos

pretendem, positivamente, ir às coisas concretas, combatendo um materialismo

mecanicista, que não reconhecia sequer o papel dos símbolos na sociedade.

Coiro Moraes (2015) coloca a análise cultural como método de análise

subjacente ao materialismo cultural, propalado por Williams com a prevalência

da comunicação e da linguagem para o estudo da cultura. Para a autora, a

análise cultural como método de análise: 1) é política; 2) é conjuntural; 3)

trabalha com estruturas de sentimento (experiência) e; 4) articula produção e

consumo. Tais apontamentos são como que princípios que induzem ao

trabalho de desenhar a análise cultural a partir de cada pesquisa a que se

refere. Na verdade, “a análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é

pior, quanto mais profunda, menos completa” (GEERTZ, 2008, p. 20). Por isso,

delimita-se um âmbito e uma abordagem para análise.

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Segundo Geertz (2008, p. 16), “o locus do estudo não é o objeto de

estudo. Os antropólogos não estudam as aldeias (tribos, cidades,

vizinhanças...), eles estudam nas aldeias”. Ou seja, o local do estudo não é o

objeto de estudo, mas é lá que se encontram os símbolos (materialidade e

significação) que constituem os sistemas simbólicos. Assim, nossa metodologia

se encaminha muito próxima a uma microscopia do conhecimento etnográfico,

pois:

as ações sociais são comentários a respeito de mais do que elas mesmas; (...) Fatos pequenos podem relacionar-se a grandes temas, as piscadelas à epistemologia, ou incursões aos carneiros à revolução, por que eles são levados a isso (GEERTZ, 2008, p. 17).

Nesta pesquisa, portanto, o que se observa e se analisa em Palmelo são

as ações sociais (por meio de sua história no terceiro capítulo e de sua

espacialidade no quarto capítulo) para ter acesso a “mais do que elas

mesmas”: os sistemas simbólicos e suas possibilidades de comunicação. Mas

como estruturar detidamente essas possibilidades? Como saber até que ponto

estes dois sistemas simbólicos – da cidade e da religião – se comunicam, a

partir da evidência da “cidade espírita”?

Partindo do pressuposto da teoria de sistemas sociais de Luhmann

(2005), cada sistema é feito de comunicação e, portanto, apresenta uma lógica

interna operando seus próprios símbolos. Mas, para existir, além de manter sua

ordem interna, precisam se comunicar (abrir suas fronteiras ao seu entorno),

ainda que isso signifique riscos à própria sobrevivência.

Para Signates (2009, p. 78), “a comunicação, portanto, na teoria de

sistemas de Luhmann, tem um caráter técnico, é feita de código, num

binarismo sem ética, que trabalha na escolha entre afirmação e negação”. O

que se nota, assim, é a ausência de um humanismo. O caminho de Signates

em busca deste humanismo (da ética) o levou a Habermas. Também é ao

marxismo contemporâneo que chegamos, mas com maior ênfase junto à

antropologia, como é preciso agora delinear.

Como visto, um sistema (ou uma estrutura) se comunica por uma

dinâmica que pode ser entendida por meio de aberturas e fechamentos. Ao

abrir-se, permite sua própria transformação pela ação de outro sistema. Ao

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fechar-se, passa a ser identificável, mas torna-se incomunicável. Se, por um

lado, nos baseamos nesses pressupostos da teoria de sistemas; à inspiração

de autores como Habermas (2012) e Santos (2010), tentamos considerar não

apenas as estruturas, mas também a ação humana que nelas concorre. “Hoje,

sendo incorreto abandonar de todo a ideia de estrutura, é necessário pluralizar

as estruturas a fim de desenvolver teorias que privilegiem a abertura dos

horizontes de possibilidades e a criatividade da ação” (SANTOS, 2010, p. 39).

Habermas (2012) propõe um par teórico de ordem analítica, entendendo

a ação comunicativa na relação sistema/mundo da vida. Santos (2010) propõe

os conceitos de “espaços estruturais” e de “modos de produção do poder”.

Nesta dissertação, para entender até que ponto se comunicam cidade e

religião, adotamos a categoria antropológica dos sistemas simbólicos

articulando-os com a ação humana. Primeiro, faremos isso ao revisar a história

da cidade e do espiritismo, com destaque ao movimento dos atores locais.

Depois, descreveremos os espaços produzidos por estes atores, que fornecem

acesso aos símbolos compartilhados na noção de cidade espírita. Só então é

que analisaremos até que ponto esses dois sistemas se comunicam.

Ajustada a este humanismo, utilizamos o método da análise cultural.

Heidegger (1967, p. 68) defendeu que, no humanismo, o que deve estar em

jogo é “a Essência Histórica do homem” e identificou essa essência com o

materialismo histórico, pois “a Essência do materialismo não está na afirmação

de que tudo é apenas e somente matéria e sim numa determinação metafísica,

segundo a qual, todo ente aparece como material de trabalho”

(HEIDEGGER, 1967, p. 65, grifo nosso). Ainda que um estudo da cultura não

seja o estudo do Ser, mas do ente, optamos pelas categorias da análise

cultural afeitas à antropologia por acreditar em seu humanismo, que articula “as

dimensões simbólicas” à “ação social”:

Olhar as dimensões simbólicas da ação social — arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum — não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas; é mergulhar no meio delas (GEERTZ, 2008, p. 21).

À noção estrutural dos sistemas, ajuntamos a observância da ação

social. Assim, se Luhmann nos faz ver que cada sistema tem uma organização

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interna e precisa comunicar-se externamente, buscamos também a

“organização social da cultura em termos de suas instituições e formações”

(WILLIAMS, 1992, p. 205). Pensando na comunicação entre os dois sistemas,

Williams (1992) permite elaborar a identificação dos agentes sociais

respectivos às estruturas internas e externas da “cidade espírita”, no quadro a

seguir.

Quadro 1 – Relações culturais da religião na “cidade espírita”.

Categorias Agentes

Organização interna

Associados Médiuns

Coletivo Moradores

Identificação Visitantes

Relações externas

Especializadas Espíritas

Alternativas Instituições

Contestadoras Igrejas

Elaborado pelo autor, com base em Williams (1992, p. 68-70).

Internamente, o sistema social que dá vida à “cidade espírita” reúne

associados ou membros que dão corpo ao sistema, o que identificamos com os

médiuns9. Mas a coletividade da cidade espírita são os moradores de Palmelo

por todos estarem igualmente envolvidos na dinâmica da cidade. Além disso,

há constante presença de visitantes que ocupam o papel de identificação.

Externamente, as relações especializadas acerca da “cidade espírita” se

observam entre os espíritas que decidem sobre o movimento espírita local, as

relações alternativas, ou seja, de outra ordem que não a religiosa, se observam

a partir das diversas instituições na sociedade palmelina e o papel de

contestação da ordem, quando existente, parte de outras instituições religiosas

na cidade, como as igrejas.

Esses pressupostos constituem uma análise prévia, importante para

delimitar que tipo de relações serão investigadas. Se um e outro sistema

simbólico serve de entorno para o outro, é no espaço das relações externas

que se investiga a comunicação entre os dois.

9 Em Palmelo, há um médium para cada sete habitantes (G1, 2013).

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O espaço das relações externas constitui, pode-se dizer, o entorno ou

ambiente do sistema. O entorno do sistema religioso é tudo que lhe é externo,

inclusive a cidade. O entorno do sistema citadino é tudo que lhe é externo,

inclusive a religião que predomina em seu território. É entre o sistema e seu

entorno que ocorrem as possibilidades de comunicação. É preciso apreender

uma estrutura para o entorno ou ambiente estudado.

No que se refere à cidade, Lefebvre (1999, p. 82) separa três dimensões

para análise: paradigmática, sintagmática e simbólica. Estas três categorias

lefebvrianas não correspondem, mas implicam no mesmo conjunto de relações

externas que identificamos com Williams (1992), como se pode observar no

quadro a seguir.

Quadro 2 – Correlação entre as dimensões de análise da cidade (LEFEBVRE, 1999)

com as relações externas de análise cultural da religião (Quadro 1 – WILLIAMS, 1992)

Dimensões de análise

da cidade (Lefebvre,

1999)

Definição

Correspondência com

a análise cultural da

religião (Williams,

1992)

Paradigmática A cidade é o lugar da

mediação

As instituições que

compõem a sociedade

palmelina participam na

mediação religiosa

Sintagmática A cidade é o lugar do

habitar

As demais instituições

religiosas fazem parte

da experiência do

habitar a cidade

Simbólica A cidade tem um nível

estratégico

As relações

especializadas entre

espíritas correspondem

a este nível

Elaborado pelo autor, com base em Lefebvre (1999) e Williams (1992).

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As relações esboçadas no quadro acima são de responsabilidade da

imaginação teórica desenvolvida como instrumental para este trabalho.

Lefebvre e Williams não se correspondem, mas imaginamos ser possível

elaborar uma correspondência ainda mais por se tratarem de dois autores de

mesma matriz teórica, o marxismo contemporâneo.

O que Lefebvre (1999) chama de dimensão paradigmática se refere ao

papel que a cidade exerce de ser o lugar da diversidade e, portanto, da

mediação entre diferenças. Ela é paradigmática porque concebe a sociedade

de acordo com o paradigma social vigente. O que vige é a modernidade

organizada por meio de instituições que, burocráticas, ordenam as relações

sociais as mais diversas no mesmo território, o que correspondemos às

relações externas ao nível das instituições em Williams (1992).

Sobre a dimensão sintagmática, Lefebvre (1999) relaciona um dado da

experiência: o habitar, que tende a todas as práticas de uma comunidade e,

portanto, pode-se relacionar com as relações contestadoras entre as

instituições religiosas na cidade, conforme Williams (1992).

A dimensão simbólica, de maior interesse aqui, refere-se à cultura, um

nível estratégico e significativo que, na “cidade espírita”, se deve às ações dos

espíritas ou, conforme Williams (1992), às relações externas especializadas na

atividade cultural em questão.

Relacionadas triadicamente as categorias de Lefebvre e Williams,

caminharemos para o modo como nomearemos estas correlações para os fins

desta dissertação.

O primeiro entendimento que temos ao levantar o problema da “cidade

espírita” é de que se trata de uma questão de identidade. A cidade de Palmelo

está sendo identificada com a religiosidade espírita. O antropólogo Maurice

Godelier (2012) publicou um livro sobre “três modos de entender as identidades

em conflito” e interessa-lhe o modo como surgem novos modelos sociais.

Esses três modos são a sociedade, a comunidade e a cultura, categorias que

vemos representar os tipos de relações externas que formam o ambiente do

sistema da “cidade espírita” e, com ressalvas possíveis, também as dimensões

da cidade.

Chamaremos estas categorias de âmbitos, em uma alusão ao conceito

luhmanniano de “ambiente do sistema”. O âmbito da sociedade será aquele em

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que se discute o que decorre entre as instituições palmelinas e contém a

mediação que a cidade, por ser cidade, elabora com as pessoas. O âmbito da

comunidade faz referência à experiência do habitar ou às diversas experiências

comunitárias possíveis em Palmelo. O âmbito da cultura é aquele que relaciona

os símbolos e as estratégias que suscitam convocando a identidade cultural.

Entendemos, por fim, que a sociedade, a comunidade e a cultura são três

modos de compreender o entorno do sistema simbólico que se constitui na

“cidade espírita”. São, por isso, ambientes. Estes ambientes desafiam e

ameaçam constantemente o sistema da “cidade espírita”, enquanto são

forjadas e rompidas fronteiras entre a cidade e a religião – o que ocorre

precisamente nos ambientes da sociedade, da comunidade e da cultura.

O que, para esta pesquisa, criamos como âmbitos de comunicação

(sociedade, comunidade e cultura) entre a religião e a cidade, pode ser

representado, finalmente, no quadro a seguir que resume a categorização

elaborada para esta pesquisa:

Quadro 3 – Categorias analíticas: Âmbitos de comunicação entre sistemas simbólicos.

Âmbitos de

comunicação entre

sistemas simbólicos

Dimensões de análise

da cidade

(LEFEBVRE, 1999)

Análise cultural da

religião

(WILLIAMS, 1992)

Sociedade Dimensão paradigmática Relações

internas

Relações

externas Comunidade Dimensão sintagmática

Cultura Dimensão simbólica

Elaborado pelo autor, com base em Godelier (2012), Lefebvre (1999) e Williams

(1992).

Conforme o quadro acima, o trabalho de análise está assim estruturado:

são explicitamente analisados os três âmbitos de comunicação e,

implicitamente, em cada âmbito, são observadas as relações internas e as

relações externas que, ao capítulo final, serão melhor destacadas na análise.

Já ressaltamos que esses âmbitos de comunicação entre os dois

sistemas simbólicos lidam com uma informação tipicamente identitária. A

“cidade espírita” é uma identidade. Veremos que a identidade espírita é a

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própria mediação simbólica e representa o “entre” dos sistemas. A seguir,

entenderemos que esse “entre” não é estático, pois a identidade não é uma

noção acabada, mas um conceito relacional.

2.1. “Entre” sistemas simbólicos, a identidade cultural

Um dos modos de entender a comunicação é dizer que ela é o “vínculo

social”, “é como se dá o vínculo, a atração social, como é que as pessoas se

mantêm unidas, juntas socialmente” (SODRÉ, 2001). No entendimento dos

sistemas simbólicos, perscrutamos até que ponto se comunicam a religião e a

cidade. Ou seja, como se vinculam suas estruturas? Seja no âmbito da

sociedade, da comunidade ou da cultura na cidade de Palmelo, a “cidade

espírita” é uma representação que existe como identidade. Afirma-se que a

cidade é “espírita”.

Para fins metodológicos desta dissertação, “sociedade”, “comunidade” e

“cultura” são âmbitos dos sistemas em análise para a interpretação do vínculo

que há entre cidade e religião. O objetivo agora é esclarecer que tipo de

“vínculo” opera entre sistemas simbólicos. A “identidade” pode corresponder ao

vínculo presente nos três âmbitos acima propostos? Em certa medida, é esta a

perspectiva que defendemos.

A identidade é um tema moderno, pois surge com a noção de indivíduo

ou de sujeito na modernidade. Segundo Santos (2010, p. 137), a communitas

medieval oferecia o ideal da coletividade em uma racionalidade que aspira aos

contratos sociais de Rousseau para a modernidade, mas o projeto moderno do

Iluminismo venceu pela via da autonomização do homem como sujeito racional

capaz de, em termos extremos, dominar o mundo. Pelo menos o seu mundo,

sua cultura.

Dotado de cultura e autonomia, o homem adquire identidade. Ao

contrário do vínculo natural, sua identidade é cultural, é o “próprio ser conforme

apreendido reflexivamente pela pessoa em relação à sua biografia” (GIDDENS

apud CASTELLS, 1999, p. 27). Mas a teoria de identidade já nasce

problemática, pois a identidade cultural é percebida não quando as pessoas se

agrupam em comunidades (identidade essencialista), mas quando elas se

deslocam, quando estão em movimento (identidade não essencialista). É o que

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Habermas informa ao diferenciar a identidade arcaica da moderna, segundo

suas racionalidades próprias:

Em grande medida, os membros de sociedades arcaicas vinculam sua própria identidade aos detalhes do saber coletivo miticamente estabelecido e às minúcias formais das prescrições rituais. Quanto menos eles dispõem de uma concepção de mundo formal que lhes possa garantir a identidade da realidade natural e social em face das múltiplas interpretações de uma tradição cultural secularizada, tanto menos cada indivíduo pode se amparar em uma concepção formal do eu capaz de assegurar identidade própria em face de uma subjetividade autonomizada e posta em movimento (HABERMAS, 2012, p. 107-108).

Diversas frentes antropológicas, sociológicas e psicológicas abordaram

a identidade cultural e suas transformações na modernidade tardia. Não é

necessário revisá-las aqui, mas considerar-lhe o saldo. Stuart Hall (2006)

distingue três concepções de identidade no que se refere à posição do sujeito

na sociedade. Seguindo sua terminologia, o sujeito do Iluminismo é “totalmente

centrado, unificado e dotado das capacidades de razão, consciência e de ação,

cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior”. O sujeito sociológico, mais

complexo, “era formado na relação com ‘outras pessoas importantes para ele’,

que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos

mundos que ele/ela habitava”, “preenche o espaço entre o ‘interior’ e o ‘exterior’

– entre o mundo pessoal e o mundo público”, “costura o sujeito à estrutura”

(HALL, 2006, p. 12). Já o sujeito da modernidade tardia descentraliza a

sociedade ao assumir diferentes identidades contextuais.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2006, p. 13).

Em última análise, a identidade cultural sofre de “confrontações culturais

globais” que, para Hall (2006, p. 84, 108), coincidem com a modernidade. O

paradoxo é que as identidades não são apenas descentradas na modernidade

tardia, aliás, elas só são pensadas e problematizadas a partir daí. Por isso,

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acreditamos que só é possível defender um conceito de identidade não

essencialista, ou seja, que não seja baseado em uma cultura provedora da

essência do sujeito. Por outro lado, o sujeito não está solto no mundo e retira

dele seus significados cambiantes. Por isso, Hall (2011) afirma que o sujeito,

ao ser interpelado pela sociedade, toma sua posição-de-sujeito.

De modo que o movimento característico da identidade cultural acima

assinalado se baseia nessa dialética: o sujeito é interpelado e toma sua

posição-de-sujeito. Ou seja, ele é questionado e se define. A ele são atribuídas

identidades, mas ele também as elege. Ele possui heteroidentidade e

autoidentidade.

Entre identidades atribuídas e eletivas, o conceito de identidade cultural

não essencialista é um conceito relacional. Se “a identidade é sempre uma

negociação entre uma ‘autoidentidade’, definida por si mesmo, e uma

‘heteroidentidade’, definida pelos outros” (OLIVEIRA, 2015, p. 32), a

complexidade de uma “identidade relacional” se amplia. Envolve a eleição do

sujeito e a atribuição social, ambas convocando negociações simbólicas em

que “torna-se inaceitável a concepção de culturas superiores e inferiores”

(OLIVEIRA, 2015, p. 28).

Identidade hoje não é mais uma questão de ontologia, mas de tornar-se. Por muito tempo pensamos a identidade numa dimensão essencialista e por isso entendida como uma dimensão estável e pronta. (...) Esta concepção encontra seu pressuposto no conceito de cultura que tem se baseado em concepções estáticas (OLIVEIRA, 2015, p. 26).

Desse modo, uma “cidade espírita” não deve ser analisada como uma

essência ou como uma cultura estática. Sua dinâmica, a ser observada aqui

sob a perspectiva da comunicação entre os sistemas de símbolos da religião e

da cidade, considera a recontextualização global, mas também a

particularidade local das culturas contemporâneas. A identidade é uma questão

de tornar-se, portanto, deve ser tratada sempre como identificação.

O clima geral das revisões é que o processo histórico de descontextualização das identidades e de universalização das práticas sociais é muito menos homogêneo e inequívoco do que antes se pensou, já que com ele concorrem velhos e novos

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processos de recontextualização e de particularização das identidades e das práticas (SANTOS, 2010, p. 144).

Nas categorias de sociedade, comunidade e cultura entendemos os

âmbitos em que se pode observar a recontextualização das práticas e das

representações sociais. Um dos fatores que exemplificam isso é a

reemergência contemporânea da religiosidade, que confronta a secularização

weberiana. Luc Ferry e Marcel Gauchet (2008) debateram se “vivemos a ‘morte

de Deus’ ou, ao contrário, o retorno do religioso?”, uma questão que mantém

opiniões divididas atualmente. No que se refere ao nosso objeto de estudo,

anota-se que “desde o inicio da fundação de Palmelo, em 1929, a identidade

do povo palmelino esteve ligada a religiosidade” (CARVALHO, BORGES e

NUNES, 2006, p. 35).

Assim, o que é que vincula estes sistemas simbólicos? Justamente estes

que estão no centro da tensão moderna entre as formas da cidade moderna e

a mutação do religioso? Em última análise será decisivo compreender a

identidade (leia-se identificação) dos agentes atuantes nas relações internas e

externas do sistema simbólico da religião e daqueles presentes na dimensão

simbólica da cidade. Em todo o trabalho, o pressuposto é o de que a ação

comunicativa desses sujeitos, nas teias de significado (sistemas simbólicos) em

que se encontram, é responsável pela vinculação social.

O vínculo é como que uma cristalização. E a identidade cultural “é a

cristalização no interior de um indivíduo das relações sociais e culturais no seio

das quais ele/ela está engajado(a) e que ele/ela é levado(a) a reproduzir ou a

rejeitar” (GODELIER, 2012, p. 53).

A Análise Cultural para o estudo do vínculo identitário entre sistemas

simbólicos é a opção metodológica deste trabalho. O que se pode esperar

dela? De par com o viés antropológico já exposto, o que se espera da Análise

Cultural é aquela “descrição densa” dos diversos materiais empíricos

(bibliográficos, etnográficos e documentais) que permitam abstrair deles um

modelo interpretativo válido para aquilo que nos interessa: a identidade cultural

nos âmbitos da comunicação entre sistemas simbólicos.

No percurso até lá foram utilizadas algumas técnicas de pesquisa,

conjugadas sob a perspectiva da análise cultural.

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44

2.2. Técnicas de pesquisa em Análise Cultural

O que se apresenta a seguir é a fundamentação das técnicas utilizadas

em campo e o enquadramento prático que elas possibilitaram no recorte

empírico da pesquisa.

A análise cultural aqui empreendida funcionou aos moldes da etnografia

ou, como prefere Geertz (2008), da “descrição densa”, “um processo de

interpretação que pretende - e espera-se que consiga - dar conta das

estruturas significantes que estão por trás e dentro do menor gesto humano”

(TRAVANCAS, 2010, p. 98).

Segundo Travancas (2010, p. 101), o trabalho etnográfico tem três

etapas principais: o levantamento bibliográfico que forneça um conhecimento

prévio acerca da realidade estudada (o que fazemos neste trabalho a partir da

revisão histórica de Palmelo no terceiro capítulo), a elaboração de um diário de

campo (que nos permitiu entre fotografias e anotações gerar o quarto capítulo,

sobre como a religião acontece na cidade a partir de seus espaços produzidos)

e, por fim, a entrada no “campo”, a “inserção do pesquisador no grupo” (o que

fizemos com a finalidade da realização de observação direta de dois eventos

significativos e na realização de entrevistas em profundidade, que são os dois

instrumentos citados pela autora). Dentro da etnografia como análise cultural,

nossa descrição se deu utilizando, de modo integrado em todos os capítulos,

as técnicas de entrevista em profundidade, a observação direta e a análise

documental.

A entrevista em profundidade é uma “técnica qualitativa que explora um

assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de

informantes para analisa-las e apresenta-las de forma estruturada” (DUARTE,

2010, p. 62).

Como as perguntas das entrevistas em profundidade “permitem explorar

um assunto ou aprofundá-lo, descrever processos e fluxos, compreender o

passado, analisar, discutir e fazer prospectivas” (DUARTE, 2010, p. 63),

diluímos os dados colhidos tanto ao abordar a história de Palmelo, quanto na

análise da comunicação entre sistemas simbólicos, aprofundando o tema da

cidade espírita.

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Em nosso trabalho, seguindo a tipologia proposta por Duarte (2010, p.

65-66), realizamos 13 (treze) entrevistas semi-abertas, com questões semi-

estruturadas a partir de um roteiro (Apêndice A). Neste caso, “a lista de

questões desse modelo tem origem no problema de pesquisa e busca tratar da

amplitude do tema”.

Uma vantagem desse modelo é permitir criar uma estrutura para comparação de respostas e articulação de resultados, auxiliando na sistematização das informações fornecidas por diferentes informantes. O roteiro de questões-chave serve, então, como base para a descrição e análise em categorias (DUARTE, 2010, p. 67).

Portanto, partimos da questão-problema (até que ponto o sistema

simbólico da religiosidade espírita se comunica com a dimensão simbólica da

cidade de Palmelo?) para elaborar questões em torno dos temas: História,

imagem da cidade, relação do espiritismo com outros campos, imaginário

espírita e movimento espírita local. Cada entrevista seguiu seu roteiro próprio a

partir do lugar de fala de cada entrevistado e da relação dialogal que se

estabelecia.

Quadro 4 – Temas previstos pelo roteiro das entrevistas em profundidade.

Tem

a História Cidade Religião e

outros

campos

Imaginário

espírita

Movimento

espírita

Qu

es

tõe

s a

bo

rdad

as História

oral

Imagem

de

Palmelo

Diálogo inter-

religioso

Imagem do

espiritismo

Realização da

CONCAFRAS

História

pessoal

com

Palmelo

Relação do

espiritismo

com outros

campos

Cidade

espiritual

Corrente

magnética e

assuntos

específicos

Elaborado pelo autor.

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O roteiro das entrevistas foi elaborado, testado e ajustado no decorrer da

primeira entrevista, realizada com a historiadora e professora aposentada,

Mirtes Borges Guimarães, que, além de ajudar no direcionamento das

questões relevantes, forneceu acesso a dados históricos e suas impressões

como moradora de Palmelo, filha do Sr. Gentil Lourenço Borges, importante

personagem na história da cidade, como se verá no decorrer do trabalho. A

amostra também se formulou a partir da seleção de informantes capazes de

responder acerca dos temas acima tabulados.

A amostra, em entrevistas em profundidade, não tem seu significado mais usual, o de representatividade estatística de determinado universo. Está mais ligada à significação e à capacidade que as fontes têm de dar informações confiáveis e relevantes sobre o tema de pesquisa (DUARTE, 2010, p. 68).

Como “boa parte da validade da pesquisa está associada à seleção”,

cuidou-se de selecionar perfis variados em Palmelo, a fim de que expressem

“visões e relatos diversificados sobre os mesmos fatos” (DUARTE, 2010, p. 68-

69). Inicialmente, prevíamos a tabulação dos perfis entre moradores e

visitantes, espírita e não espíritas, mas a contingência da busca pelos dados da

pesquisa tornaram mais complexos e específicos os informantes (que ainda

podem ser tabulados no enquadramento previsto, mas sem justificativa no

contexto da amostra). Seguimos, assim o critério ex-post10.

Dentre os treze entrevistados, constam os seguintes perfis: o prefeito da

cidade, o padre, o presidente do centro espírita, dois pastores evangélicos, a

presidente de um centro espiritualista, cinco moradores, dois visitantes (um

espírita e uma não-espírita). Como representantes oficiais, a maioria dos

entrevistados foi tratada nominalmente em comum acordo. Apenas os dois

visitantes foram mencionados anonimamente, em termo de consentimento livre

e esclarecido (TCLE).

Entendemos a entrevista como uma situação de interação. Houve ampla

abertura e boa vontade por parte de todos os entrevistados, que definiram o

local e o horário da entrevista de acordo às suas disponibilidades. A maioria foi

realizado nos lares dos entrevistados, uma delas na residência do entrevistador

10

A amostra é definida após a pesquisa, segundo a densidade de dados analíticos, ou seja, pela saturação de sentidos percebida pelo pesquisador.

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e outras nos hotéis em que os visitantes se hospedavam. Todas as entrevistas

foram devidamente gravadas em áudio sem interrupções dignas de nota e, em

seguida, foram transcritas.

A entrevista pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado. As informações são obtidas através de um roteiro de entrevista constando de uma lista de pontos ou tópicos previamente estabelecidos de acordo com uma problemática central e que deve ser seguida. O processo de interação têm quatro componentes que devem ser explicitados, enfatizando-se suas vantagens, desvantagens e limitações. São eles: a) o entrevistador; b) o· entrevistado; c) a situação da entrevista; d) o instrumento de captação de dados, ou roteiro de entrevista (HAGUETTE, 2010, p. 81).

Assim, durante a entrevista, partimos de questões gerais após a

anotação de dados básicos e a apresentação da pesquisa para a exploração

das informações colhidas por meio de diversos estímulos, como a contradição,

a concordância, a solicitação de aprofundamento ou a qualificação do dado

com outras informações para validação. Tudo isso recomendado por Duarte

(2010, p. 73), desde que saturados os sentidos originalmente emitidos pelos

entrevistados.

A análise dos dados tem uma inspiração bakhtiniana sem, contudo,

aplicar a técnica de Análise de Discurso propriamente dita. Essa inspiração se

dá pela similaridade da relação de pesquisa com uma situação de

comunicação. Considera-se que os métodos em comunicação devem se

preocupar com esse humanismo.

O pesquisador do campo das ciências humanas está, portanto, transitando no terreno das descobertas, das revelações, das tomadas de conhecimento, das comunicações, das produções de sentido entre o eu e o outro (SOUZA, ALBUQUERQUE, 2012, p. 110).

Junto a esta técnica, utilizamos da observação direta para balizar dados

de entrevistas com situações da vida cotidiana. Além disso, na observação, o

pesquisador está “atento ao seu papel no grupo. Deve observar e saber que

também está sendo observado e que o simples fato de estar presente pode

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alterar a rotina do grupo ou o desenrolar de um ritual” (TRAVANCAS, 2010, p.

103). Essa situação de observação, nos termos próprios desta pesquisa será

justificada em um excurso, a seguir.

Em complemento às entrevistas e à observação direta, inserimos a

análise documental, que “compreende a identificação, a verificação e a

apreciação de documentos para determinado fim” (MOREIRA, 2010, p. 276).

Nesta pesquisa, os documentos para análise emergiram a partir das

entrevistas. Foram três os documentos: 1) a Lei Orgânica do município de

Palmelo em suas duas versões (uma originária de 1990 e uma atualizada e

promulgada no de ano de 2011) em que constam referências ao nosso tema; 2)

jornais de época fornecidos pela historiadora Mirtes Borges Guimarães como

fontes complementares e comprobatórias das entrevistas e; 3) uma mensagem

psicografada em 1956 pelo espírito Eurípedes Barsanulfo por meio da médium

Francisca Borges Gomide acerca do planejamento espiritual de Palmelo,

material fornecido pelo Sr. Augusto Batista de Souza em entrevista.

A análise documental, muito mais que localizar, identificar, organizar e avaliar textos, som e imagem, funciona como expediente eficaz para contextualizar fatos, situações, momentos. Consegue dessa maneira introduzir novas perspectivas em outros ambientes, sem deixar de respeitar a substância original dos documentos (MOREIRA, 2010, p. 276).

Todas estas técnicas foram demandadas durante a realização da

pesquisa de campo para compor ao máximo aqueles critérios que nos

permitem, mais do que descrever os dados, elaborar uma “descrição densa”,

que apreende, interpretativamente, a informação de fundo que constituem os

sistemas simbólicos.

A maior parte do que precisamos para compreender um acontecimento particular, um ritual, um costume, uma ideia, ou o que quer que seja está insinuado como informação de fundo antes da coisa em si mesma ser examinada diretamente (GEERTZ, 2008, p. 7).

Percebemos que a descrição densa, com o trabalho etnográfico o mais

completo possível, permite uma análise cultural mais elaborada, naqueles

termos destacados por Coiro Moraes (2015).

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Excurso: O método de pesquisa e o estudo da própria cultura

Se o método é o caminho, um excurso é como que um caminho

desviado, nem sempre necessário, mas nem por isso dispensável. A discussão

de método de pesquisa, para mim, é incompleta se não trato a questão de

método que mais se apresentou durante toda a pesquisa, desde a elaboração

do projeto. Pesquisei a “cidade espírita” sendo espírita e médium em Palmelo,

descendente de uma das três famílias conhecidas pela fundação da cidade, fui

criado no local e a maior parte da minha família habita a cidade. O objetivo

deste excurso é discutir até que ponto a experiência do pesquisador

necessariamente participante na cultura em estudo também se torna dado de

pesquisa. Se se tratasse de um estudo em meu ambiente de trabalho, eu talvez

não colocasse a questão. O faço porque se trata de uma questão de

identidade, que nem sempre permite fugir da primeira pessoa do singular no

texto dissertativo.

Este não é um caso incomum. Ainda que se considere um ideal de

conhecimento pesquisar e conhecer o outro e o diferente como um ganho

pessoal nítido, o ato de pesquisar um objeto tão próximo é comum e

desafiador. Aliás, muitos acadêmicos palmelinos pesquisaram a história de

Palmelo, como se pôde anotar na introdução deste trabalho. Afinal, por que

escolher outro objeto de estudos qualquer se o que está próximo aparece tão

instigante? No caso dos historiadores, estudar a história local parece ser mais

do que uma escolha temática, pois se configura quase como uma tarefa de

casa.

Na presente pesquisa, é o estudo dos símbolos e da identidade cultural

o que ganha vulto. A comunicação entre sistemas simbólicos é um tema de

base antropológica e, de algum modo, envolve a experiência do pesquisador

no modo como aparecem os dados de pesquisa. Travancas (2010, p. 99)

recorda que a partir dos desenvolvimentos realizados pela Escola de Chicago,

a etnografia deixava de mergulhar apenas na cultura exótica de pessoas

distantes, consideradas primitivas, para “desenvolver trabalhos sobre a sua

cidade, os seus bairros, os seus habitantes e as suas profissões”.

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Podemos tratar duas questões: a) a experiência do trabalho

interpretativo nas etapas de coleta e análise dos dados e b) a perspectiva de

pesquisa do próprio mundo religioso.

a) A experiência do trabalho interpretativo

Fundamentamos a interpretação como método a partir de Gadamer

(2003), autor que enuncia não somente que as ciências sociais e humanas

partilham do modo de ser do homem no mundo, o que implica na

compreensão, mas também que há sempre uma pré-compreensão. É esta pré-

compreensão do pesquisador que interfere no próprio método de interpretação,

que não é senão um “comportamento reflexivo diante da tradição” (GADAMER,

2003, p. 19).

A compreensão implica sempre uma pré-compreensão que, por sua vez, é prefigurada por uma tradição determinada em que vive o intérprete e que modela os seus preconceitos. Assim, todo encontro significa a ‘suspensão’ de meus preconceitos (GADAMER, 2003, p. 13).

A pré-compreensão a que Gadamer (2003, p. 17) se refere não se limita

a uma ou outra cultura, mas ao próprio fato moderno de uma consciência

histórica, o que ele identifica como um “privilégio do homem moderno de ter

plena consciência da historicidade de todo presente e da relatividade de toda

opinião”. Isso significa, dentre outras coisas, que dispomos de instrumentos

para interpretar um dado histórico, independentemente de pertencermos a

determinado momento dessa história.

A consciência histórica permite relativizar o papel de pertencimento do

pesquisador, desde que este não seja desconsiderado. Todo o trabalho foi

escrito sob esta noção. É sobre o caráter e a possibilidade científica das

ciências humanas que Gadamer fala. De modo mais estrito à antropologia,

Velho (2013) aponta o caráter da subjetividade em nossas pesquisas.

Parece-me que Clifford Geertz ao enfatizar a natureza de interpretação do trabalho antropológico chama atenção de que o processo de conhecimento da vida social sempre implica um grau de subjetividade e que, portanto, tem um caráter aproximativo e não definitivo (VELHO, 2013, p. 75).

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O ideal de definição de leis, aliás, não pertence às ciências sociais e

humanas. Mas, minimamente, aparece na forma de uma tentativa de

neutralidade desejável, por exemplo, na realização de nossas entrevistas.

Conforme Duarte (2010, p. 71), “o modelo neutro faz do entrevistador um

transmissor de estímulos positivos, buscando impessoalidade e equilíbrio na

relação”.

O ideal de neutralidade, contudo, é surpreendido quando, nas

entrevistas, as referências aparecem por causa da presença do pesquisador,

como se pode observar na narrativa da pastora Antonieta:

É quando eles vieram era na época do seu Jerônimo Candinho: a cidade estava começando, né. A cidade estava começando, havia o centro espírita. O centro espírita era lá embaixo, no lugar que ele é mesmo, mas só que era bem assim, ele era feito com pau a pique, ele era feito... Não tinha aquela estrutura que tem hoje, mas era naquele local embaixo ali. O dispensário era ali naquela casa onde é do Divane, onde ele mora, era o dispensário. Então era o começo de tudo, né, e Palmelo era uma fazenda, né, foi criado o Espiritismo da Fazenda Palmelo, tem a história de Palmelo que fala a respeito disso. Então, quando o meu pai veio para cá mais a minha mãe, eles ajudaram no início do Espiritismo aqui. Meu pai, por exemplo, vamos dizer assim era o braço direito do Presidente Jerônimo Candinho. Ele, a minha mãe, e havia outros, né. Seus parentes mesmo, eram o Leozinho Branquinho, era Dorcelino, naquela época, a Dona Orosa, o Seu João Damásio, eram os braços direitos do Jerônimo Candinho. No início, nesse período aí (Antonieta Rosa Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

A referência utilizada pela pastora para informar onde era o Dispensário

foi “naquela casa onde é do Divane, onde ele mora”. Esta referência seria

informada de outro modo, caso o Divane não fosse meu primo. Além disso,

menciona no grupo de iniciadores do espiritismo pessoas por serem meus

parentes. Seriam lembrados não fosse a presença deste pesquisador? Nada

disso é imprevisto já que

o foco não está na fala do sujeito da pesquisa tomada isoladamente, mas a cena dialógica que se estabelece entre o pesquisador e seu outro, produzindo sentidos, acordos e negociações sobre o que pensam sobre um determinado assunto, em um contexto definido por atos de falas recíprocas (SOUZA, ALBUQUERQUE, 2012, p. 115).

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Essa discussão, contudo, lembra também o problema antropológico do

exótico versus o familiar. Afinal, quando estudamos o familiar, como é meu

caso, estamos mesmo estudando algo familiar? O trabalho de pesquisa

decompõe e recompõe toda a realidade e o pesquisador vê o que não via, sem

contudo deixar de reconhecer o familiar. Trata-se, de todo modo, de um ganho

de conhecimento.

Da Matta já situou com propriedade a trajetória antropológica de transformar o ‘exótico em familiar e o familiar em exótico’ (...). (...) O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido, e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido. No entanto, estamos sempre pressupondo familiaridades e exotismos como fontes de conhecimento ou desconhecimento, respectivamente (VELHO, 2013, p. 71-72).

Para Velho (2013), é preciso estudar o familiar sem paranoias,

consciente de que nosso conhecimento é modesto. Aliás, defende o estudo do

familiar e do cotidiano como relevantes para o balanceamento diante das

grandes transformações sociais. O estudo da vida cotidiana é afeito a todo

nosso referencial teórico, como principalmente é o caso de Lefebvre (1999).

De qualquer forma o familiar, com todas essas necessárias relativizações, é cada vez mais objeto relevante de investigação para uma antropologia preocupada em perceber a mudança social não apenas ao nível das grandes transformações históricas mas como resultado acumulado e progressivo de decisões e interações cotidianas (VELHO, 2013, p. 79).

Velho (2013, p. 86) afirma ainda não crer “que o estudo da própria

sociedade seja uma heresia dentro da trajetória da reflexão antropológica, mas

(...) é uma tarefa a ser assumida com todos os riscos e desgastes que

envolve”. Podemos dizer, a partir desta pesquisa, que os desgastes são tanto

de ordem científica, como a dificuldade em garantir a objetividade necessária

ao trabalho, como também de ordem pessoal, quando a tomada de posição de

sujeito na própria sociedade, que é também a sociedade pesquisada sofre

alterações.

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No depoimento do médium Augusto, por exemplo, o pesquisador é

mencionado, junto a outros nomes, como o futuro da atual hegemonia espírita

em Palmelo.

Olha, Palmelo existe, um homem sucede o outro. Hoje nós estamos sucedendo o Jerônimo Candinho, só tem eu, a Cecília, a dona Orosa e o Gentil, discípulos dele ainda atuante. Entendeu? Eu com 78 anos, Dona Orosa com 90, seu Gentil com 93, a Cecília acho que com 75 parece, então nós estamos aí atuantes. Mudou muito daquela época para cá, e eu vejo então que daqui para frente como está surgindo você, o Leonardo, outros jovens, eu venho de um Espiritismo assim fluindo normalmente e procurando evoluir mais e mais, no conhecimento, entendeu? Na tecnologia, no tratamento espiritual, né (Augusto Batista de Souza, 17 de dezembro de 2015).

Isso pode ser interpretado, conforme Hall (2006), como uma

interpelação, que solicita uma tomada de posição do sujeito: ser o sujeito-

pesquisador ou o sujeito-ator. Não é possível fugir nem de uma e nem de outra

posição.

Além disso, outras referências pessoais são anotadas em quase todas

as entrevistas. Na entrevista com a presidente de uma casa espiritualista,

Ingrid Rios, a mesma referencia amigos em comum como fator de sua iniciação

no movimento umbandista.

Na verdade, assim, eu sou espiritualista, mas a gente tem um segmento muito forte na Umbanda Sagrada, que é onde tudo iniciou pra mim, então assim eu sou espiritualista, devido assim que, eu acredito em forças maiores, né, então, eu sou espiritualista, mas a gente tem essa linha ai de estar seguindo os ensinamentos da Umbanda Sagrada. E eu comecei a ser umbandista em 2010, quando eu conheci o Maurício (risos). Foi, foi pelo Maurício, quando eu conheci o Maurício e fui convidada a ir no centro da Vani aqui em Palmelo. E ai, na verdade assim, a Vani e a Ni elas sempre, elas fizeram parte da minha vida desde que eu nasci, quando junto ai com a dona Deraldina, já falecida. Mas assim, que eu fui apresentada mesmo, que eu fui interessada em conhecer e procurei entender, estudar, foi a partir de 2010, quando eu comecei a frequentar na Vani e a partir dai a Umbanda Sagrada me ganhou. Foi amor à primeira vista (risos) (Ingrid Di Angelis Sousa e Rios, 17 de dezembro de 2015).

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Já na entrevista com a médium Vânia Arantes Damo, o apelido de

infância do pesquisador é usado.

Olha, Joãozinho, uma das coisas que eu tenho aprendido com a doutrina espírita. É que a gente não deve dizer isso: 'eu não aceito, eu não acredito, isso é impossível'. A doutrina espírita tem me ensinado que aquilo que eu não aceito acontece também (Vânia Arantes Damo, 18 de dezembro de 2015).

Outros fatores podem ser mencionados como, por exemplo, para o

acesso fácil a hóspedes nos hotéis da cidade, com a finalidade de entrevistar

visitantes, foi inevitável a apresentação, por parte dos proprietários dos hotéis

como jovem morador, espírita e “médium da casa”.

b) Pesquisa do próprio mundo religioso

Como médium no Centro Espírita Luz da Verdade, já atuei na equipe

que auxilia os trabalhos da psicografia com a médium Vânia Arantes Damo,

dando informações a respeito das colônias espirituais, dentre outros assuntos.

Neste trabalho, narramos a cidade espírita e a cidade espiritual, mudando a

perspectiva discursiva acerca dos mesmos. Além disso, dados de ordem

pessoal também aparecem aqui.

Com a base teórica do materialismo histórico, buscamos em Berger

(1985) o caráter ateu da metodologia para lidar com o plano empírico da

religião. Ou seja, lidar com os símbolos, “como produtos da atividade e da

consciência humanas”. Assim se define o ateísmo metodológico:

Em todas as duas manifestações, a religião constitui uma projeção imensa de significados humanos na amplidão vazia do universo, projeção essa que, na verdade, volta como uma outra realidade para assombrar os que a produziram. Não é preciso dizer que, no âmbito do quadro de referência de uma teoria científica, é impossível fazer qualquer declaração, positiva ou negativa, acerca do status ontológico último de uma tal realidade. No âmbito desse quadro de referência, só se pode lidar com as projeções religiosas enquanto projeções, como produtos da atividade e da consciência humanas; e tem-se de colocar rigorosamente entre parênteses a questão de se saber se essas projeções podem ser também algo mais que projeções (ou, mais exatamente, se elas podem referir-se a algo além do mundo humano no qual elas empiricamente se originaram). Em outras palavras, qualquer

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pesquisa sobre assuntos religiosos que se limitar ao que está disponível empiricamente tem necessariamente que estar baseada num ateísmo metodológico. Mas, mesmo com essa restrição metodológica inevitável, uma outra observação deve ser feita mais uma vez: a religião mostra em profundidade, na história humana, a urgência e a intensidade da busca do homem por um significado (BERGER, 1985, p. 112, grifos nossos).

Por outro lado, Geertz (2008) ressalta que “um dos maiores problemas

metodológicos ao escrever cientificamente sobre religião é deixar de lado, ao

mesmo tempo, o tom do ateu da aldeia e o do pregador da mesma aldeia”

(GEERTZ, 2008, p. 89).

Por fim, foram possíveis encontros dialogais ao nível das experiências

religiosas, como se notará no depoimento do pastor Aroldo, utilizado no texto

dissertação a seguir.

Ai eu fui convidado pra poder ir visitar essa pessoa que estava sendo velada lá no Centro lá e quando eu cheguei, eu tinha curiosidade de entrar lá dentro, e quando eu cheguei eu tive a oportunidade de visitar lá, conhecer, o local né, e também poder estar dirigindo uma oração lá dentro, mas eu senti assim realizado com essa visita minha lá e pude ver assim a... o acolhimento das pessoas, né, a Leide e o João me tratou muito bem. E eu pude ver que nós... tem como nós convivermos, você ta entendendo, cada um respeito o seu espaço, sem poder ta afrontando ninguém. É o que eu tenho procurado fazer aqui em Palmelo, né, não estar confrontando, respeitando a religião de cada um. Sei que a cidade tem essa tradição, né. E eu, da moda do outro, eu estou aqui pra falar de Jesus. Eu não estou aqui pra falar de placa de religião, não vim pra cá com essa intenção. Eu vim pra cá falar de Jesus e de Jesus ninguém vai me cercar de falar não. Não é verdade? (Aroldo José Trindade, 19 de dezembro de 2015).

A experiência marcante do pastor que pela primeira vez entrou em um

centro espírita e se sente realizado por ter podido dirigir uma oração neste

espaço veio de encontro à experiência do pesquisador, dado que a oração a

que se refere se deu no momento do velório de um tio, Laézio Lenza. O

momento de partilha e comoção vindo do cotidiano na cidade provoca então

dupla experiência, a religiosa e a percepção da importância deste dado para o

diálogo interreligioso.

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De modo geral, pesquisar a “cidade espírita” me fez aproximar mais da

leitura do movimento espírita como um todo, mas também me custou o

afastamento “metodológico” das atividades espíritas em Palmelo. Parece

simples, mas foi uma marca quase instintiva deixar de realizar palestras

espíritas, diminuir a frequência de visitas à cidade (ao invés de ampliar a

propósito da pesquisa), diminuir consideravelmente o meu trabalho mediúnico,

que efetuo ativamente desde os 14 anos de idade. Enfim, foi inevitável

questionar as próprias bases religiosas, mas também o de perceber mais

detidamente a representatividade de Palmelo e seu lugar na história pelo

símbolo de “cidade espírita”.

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3. A HISTÓRIA DE PALMELO E A CHEGADA DO ESPIRITISMO EM GOIÁS

O objetivo desta dissertação é entender até que ponto se comunicam os

sistemas simbólicos da cidade e da religiosidade espírita a pretexto do caso

específico da cidade espírita em Palmelo. Mas o que se quer dizer quando se

diz que Palmelo é a cidade espírita, cidade da paz ou ainda a capital do

espiritismo no Brasil? O argumento deste capítulo é que há um movimento

espírita justificado historicamente na cidade e que não se pode dissecar seus

significados sem extrair seus símbolos da história que o produziu.

Contar a história de Palmelo é também contar uma parte da história do

espiritismo em Goiás e, para os historiadores da região, também a história do

espiritismo é um trecho marcante da história de Palmelo, marcante a ponto de

fundá-la, realizá-la e representá-la como cidade. Enquanto o espiritismo se

instalava no Goiás do início do século XIX, sobre as terras da atual Palmelo se

construía um dos primeiros centros espíritas do Estado, aquele que deu origem

à cidade.

Rezende (2008), ao contribuir para a compreensão da história regional,

analisou criticamente as monografias realizadas durante cinco anos no curso

de história da universidade mais próxima a Palmelo11 e concluiu que “este

município não se enquadra nos padrões de ocupação dessa região”.

Palmelo é uma cidade com um histórico bastante diferenciado das demais, pois os estudos já realizados revelam que ela é uma das poucas cidades no Brasil que surgiu em torno de um Centro Espírita, o “Centro Espírita Luz da Verdade” (CELV), fundado em 09 de fevereiro de 1929, por um grupo de fiéis adeptos aos princípios da Doutrina Espírita (REZENDE, 2008, p. 15).

O primeiro passo para entendermos o vínculo entre a religiosidade

espírita e a cidade de Palmelo é identificar em que momento da história

regional isto se deu inicialmente e que tipo de relações propiciou. Ainda que se

possa falar em marcos ou eventos que registram os acontecimentos

11

Universidade Estadual de Goiás – Unidade Pires do Rio. Há uma extensa produção de textos monográficos – alguns citados durante esta dissertação – sobre história, política, religião, turismo e patrimônio de Palmelo e suas instituições, produzidos nesta IES, a maioria assinados por estudantes palmelinos orientados e/ou arguidos pela professora e historiadora Ms. Liberalina Teodoro de Rezende.

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tipicamente históricos, importa considerar a noção de contexto. O objetivo

deste capítulo é, portanto, reconhecer o contexto através da história do lugar

que, segundo a historiadora Mirtes Borges Guimarães, aparece por vezes

fragmentada e controversa entre documentações e histórias orais. Neste

sentido, propõe-se aqui o diálogo entre os avanços dos historiadores locais

com relação à história de Goiás e do espiritismo.

Para Guimarães (2014), a história de Palmelo deve ser contada em três

fases: antes, durante e depois do líder político e espiritual da cidade, Jerônymo

Candinho. Aqui, contudo, propomos outro tipo de recorte para dialogar com

aquele: opta-se por contar a história da cidade até seu espiritismo e a do

espiritismo até a cidade espírita, culminando em uma primeira conclusão deste

trabalho: a de que essa história testemunha um movimento espírita palmelino,

ou ainda uma subcorrente do movimento espírita brasileiro (MEB).

3.1. A história de uma cidade goiana até seu espiritismo

Em resumo, o que se sabe é que a região em que se localiza Palmelo já

era conhecida e explorada territorialmente desde os primeiros movimentos da

colonização no Estado de Goiás, dada sua proximidade com Santa Cruz de

Goiás, antiga povoação que, cogita-se, já foi até capital do Estado, antes da

Cidade de Goiás, durante um dia, conforme Paraguassú (2009).

O período colonial na região é conhecido e destacado na história já na

fase de maior ocupação habitacional do território goiano por mandatários

portugueses. Segundo Polonial (2013), o período colonial em Goiás data entre

1500 e 1822, “mas só no século XVIII, com a mineração, iniciou-se a ocupação

efetiva do território goiano pelos portugueses”, de modo que as “terras do

Anhanguera12” já eram conhecidas em vários locais – sendo que um deles

pode ser a região a que se refere este texto – tanto pela possível presença

indígena 13 no local, quanto, posteriormente, por habitações híbridas de

12

Goiás é conhecida como “terra do Anhanguera”, personagem considerado desbravador das terras goianas. 13

No que se refere à Palmelo, só se pode especular pela presença indígena por indicativos como o nome do “Ribeirão Caiapó”, que banha a cidade, pesquisa que não será empreendida nesta dissertação. Um interesse futuro, contudo, não é descartado, principalmente se se avaliar uma hipótese frágil, mas humildemente levantada pelo professor Dr. Maurício Ribeiro da Silva (UNIP-SP), durante nossa apresentação de trabalho sobre a “cidade espírita” na X Conferência

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portugueses mineradores. Sabe-se que o ouro de Santa Cruz de Goiás foi

fartamente explorado.

Mas é nesta segunda metade do século XVIII, no final do período

colonial em direção ao período imperial goiano do século XIX (1822-1889) que

as terras de onde Palmelo está localizada hoje foram cedidas ao capitão

Caetano Teixeira de Sampaio, designado, segundo Guimarães (2014, p. 1),

“como Comandante de Ordenanças, em Santa Cruz de Goiás com a missão de

assegurar a fidelidade dos naturais da terra a Portugal, assim garantindo o

domínio lusitano no interior de sua então colônia”.

Na condição de comandante militar, capitão Caetano teria adquirido

terras em toda a região, tanto que a história da cidade de Pires do Rio, há 14

quilômetros de Palmelo, também é contada a partir deste personagem. Seu

bisneto, Lino Teixeira de Sampaio, gerou toda uma tradição em torno deste

sobrenome familiar ao fundar a ferrovia da cidade – que nomeou a “região da

estrada de ferro”.

Uma das terras do capitão Caetano foi o atual território de Palmelo. No

local, ele construiu um engenho com grande quantidade de escravos, segundo

Guimarães (2014). O “Engenho Palmela” foi assim nomeado em homenagem à

vila portuguesa de Palmela, de onde o capitão Caetano era originário, no

distrito de Setúbal, região de Lisboa, em Portugal.

Na região, o capitão Caetano ficou conhecido como “Senhor Palmelo”,

sendo assim referido em anotações históricas documentadas com Guimarães

(2014), especificamente em fascículos de outro personagem importante, o

capitão Gervásio. Não se registra, na bibliografia consultada, o motivo pelo qual

o topônimo “Engenho” é referido por “Fazenda”, mas pode-se suspeitar de que

seja artifício eufêmico sobre o primeiro nome, tão ligado à escravatura, já que

“na época, nunca se usava o vocábulo Fazenda para designar propriedade

rural” (HIPÓLITO, 2015, p. 13). Além disso, com o passar do tempo, o caráter

de Engenho de escravos pode ter se modificado e assumido a conformação do

que se denomina correntemente por Fazenda.

Brasileira de Comunicação Eclesial (Eclesiocom) no dia 27 de agosto de 2015 em São Paulo. Para o professor, as regiões favorecidas pelo advento de curas espirituais no Brasil estão ligadas à presença indígena mais recente na história, como as terras de interior goiano. Para o futuro, talvez seja possível abordar a questão sob o tríplice aspecto do multiculturalismo, seguindo Baumann, conforme descobre Oliveira (2015): etnicidade, religião e nação.

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De todo modo, a história reconstituída até aqui pretende somar à

constatação decretada por Siqueira (2006) de um equívoco narrativo acerca da

origem do nome e, portanto, de uma raiz fundacional da fazenda. É que tanto a

Câmara Municipal de Palmelo (no site oficial e em documentos como a Lei

Orgânica do Município), como a descrição formal adotada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o livro amplamente utilizado nas

aulas de História de Palmelo, assinado por Paes (1992) consideram que “esta

área pertenceu à fazenda do Barão de Palmela (guarda-mor do Imperador D.

Pedro II)” (CÂMARA MUNICIPAL DE PALMELO, 2015).

É provável que ‘antigos’ moradores, de fato aí ainda há pouco chegados, desconhecedores da história – mesmo a oral – da região, tenham relatado, deturpadamente, a presença ali de um Barão de Palmela, tal e qual diz o povo: ‘Ouviu o galo cantar, mas não sabe onde’, porque os antigos do lugar falavam da Fazenda Palmela e, velhos registros, de Engenho Palmela (SIQUEIRA, 2006, p. 75).

Siqueira (2006, p. 83) conclui que “nunca existiu, no Brasil, um Barão de

Palmela, proprietário de terras nas proximidades de Santa Cruz de Goiás, mas,

sim, um duque português com esse título, que jamais esteve em Goiás”. Em

que esta informação contribui? No entendimento mais aprofundado da

dinâmica territorial e cultural dos primórdios da cidade de Palmelo, que não

nasceu de um barão, mas “nasceu de um centro espírita, assim como a maioria

das cidades brasileiras nasceu e cresceu à sombra de uma capela católica e,

poucas delas, de um templo protestante”.

Passada a geração do capitão Caetano, seus descendentes herdavam,

cada um, partes de suas propriedades. Dois bisnetos dele estão no campo de

visão desta narrativa histórica: assim como Lino Teixeira de Sampaio herdara

as terras em que se produziu a estação ferroviária em Pires do Rio, Joaquim

Nunes da Silva herdara a sede da Fazenda Palmela.

Entre lacunas históricas, Siqueira (2006) reconstitui também o período

de modernização e urbanização da “região da estrada de ferro”, da qual a

cidade de Pires do Rio é o eixo. Povoação rural e estradas para carros de boi

acompanham o fluxo comercial e de trabalho que se estabelecia para a

construção da estrada de ferro. Com a independência do Brasil, vários fluxos

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foram liberados e as diligências daqueles que constituíam a população

brasileira nascente em sua própria lógica autônoma enquanto país passaram a

circular no mesmo movimento de apropriação de terras.

Dentre estes fluxos, chegaram a Palmelo famílias paulistas que são

figuras marcadas na história de Palmelo em busca de terra, conduzidos

provavelmente pela prosperidade prometida pelas terras de Goiás. Se Agnelo

Morato escrevera um livro de grande referência como “De Sacramento a

Palmelo”14, talvez seja necessário considerar antes o que viera de Franca / São

Paulo a Palmelo. De todo modo, o fluxo espacial acompanha enquanto

antecede o ritmo da “Marcha para o oeste”15.

Além dos herdeiros da terra, os Nunes, chegaram principalmente as

famílias Branquinho e Damásio. Outras famílias chegaram à mesma época ou

logo em seguida, tendo adquirido terras, como é o caso da família Gonçalves e

da família Paula, além de outras, menos documentadas pelos historiadores. As

relações de parentesco nunca foram abandonadas pela antropologia e, nesta

pesquisa, se percebe também a importância da dinâmica parental na formação

social.

Desde o início do século XIX o chão de Palmela passa também ser habitado por algumas famílias paulistas, atraídas pela excelente qualidade das terras dentre elas, as famílias Branquinho e Damásio, que logo estabeleceram uma convivência fraterna com a família Nunes, descendente do Comandante Caetano, convivência essa estreitada através de laços matrimoniais, o que originou uma população quase familiar às margens do Ribeirão (GUIMARÃES, 2014, p. 1).

Como afirma a historiadora Mirtes Borges Guimarães, em entrevista, “na

época, falar de uma ou de outra família era difícil porque sempre podia ter um

ou outro vinculado”. Muitos personagens atuam em diferentes palcos do

mesmo enredo 16 . Mas, tratando-se de Palmelo, não existe até aqui, nem

14

Livro amplamente citado nos textos acadêmicos sobre Palmelo, referência também seguida recentemente por Santos (2014) ao estudar a geografia da religião em Palmelo sob a influência de Jerônymo Candinho, que veio da cidade de Sacramento (MG) a Palmelo (GO). 15

Campanha de povoamento e desenvolvimento de Goiânia, recém-criada capital do Estado de Goiás, que em 1930 recebia os novos moradores vindos do sudeste do país “para o oeste”. 16

As historiadoras consultadas, no que se refere às personagens das famílias fundadoras de Palmelo no período que sucede a herança das terras pelos bisnetos do capitão Caetano até os dias atuais foram Guimarães (2014) e Rezende (1999), fontes originárias para as demais.

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cidade, nem espiritismo. Tudo se passava na movimentada católica Santa Cruz

de Goiás ou nas ferrovias de Pires do Rio.

Quando se trata de nomes assumidos como personagens importantes

em uma história, sempre é efetuado algum tipo de recorte a partir do interesse

do pesquisador. Inevitavelmente. No caso deste trabalho, destaca-se apenas

alguns dos personagens com os quais é defensável argumentar uma coesão

na formação da cidade de Palmelo e no vínculo com o espiritismo. Enquanto

Joaquim Nunes da Silva, sua esposa Vitalina Pereira da Silva e seus

descendentes herdavam e ocupavam as terras da Fazenda Palmela,

chegavam a Santa Cruz de Goiás as primeiras pessoas das famílias

Branquinho e Damásio, que ajudariam a conformar o aspecto cultural do então

futuro território palmelino, assim como a família Paula, que chega

posteriormente.

Ideias chegavam na mala dos migrantes da região de Franca, no Estado

de São Paulo. É possível destacar a confluência de algumas delas, como o

trabalho homeopático do capitão Gervásio em uma região sem acesso à

medicina de seu tempo e o protagonismo de seu neto, Josino Cândido

Branquinho; a chegada de um homem espírita chamado Francisco de Paula

que conhecera o trabalho de Eurípedes Barsanulfo em Sacramento (MG) e

realizava o culto do evangelho no lar em suas propriedades com seus criados;

e as muitas estórias de aparição de negros escravos, do barulho de panelas

batendo, dentre outros fenômenos, tratados numa cosmogonia como aquela do

surgimento do espiritismo com os fenômenos de assombração nos Estados

Unidos da América17 e de mesas girantes18 e dançantes na França; ambos

eventos precedentes à codificação da doutrina espírita.

Em ordem aparentemente cronológica, vê-se que o capitão Gervásio

fora homem de grande influência regional, referência na área da saúde, tendo

trazido ao povo a possibilidade de cura das doenças por meio da homeopatia

aprendida desde as terras paulistas.

Nesta dissertação, as várias trajetórias de vida não serão retratadas sob o intuito de não se perder a linha coesiva do vínculo social (o contexto). 17

Assunto tratado a seguir, no próximo intertítulo, em que se relaciona a história geral do espiritismo. 18

WANTUIL (2007).

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Entre as famílias, destacam-se a do capitão Gervásio, que fixou moradia num lugar chamado Chapada da Fazenda Palmela. Este chefe de família era um exímio manipulador de fórmulas homeopáticas e logo que se instalou nesta região, começam a procura-lo em busca de alívio pelos medicamentos homeopáticos que receitava. Neste período, os sertanejos santacruzanos não contavam com atendimento médico e buscavam a cura de seus males em benzedeiras e raizeiros, fazendo com que este novo tipo de tratamento se propagasse pela região, trazendo muitos sertanejos à procura de seus conhecimentos, alguns vindos de regiões mais distantes e, como meios de transporte da época eram precários, muitos ficavam dias na casa do Capitão, e outros se arranchavam em barracas de lonas até que o tratamento se consumasse (REZENDE, 1999, p. 359).

Já havia, portanto, certa peregrinação pela cura extramedicinal no futuro

território palmelino. Neto de Gervásio, Josino Cândido Branquinho (conhecido

como Bode) inspirava-se nas atividades homeopáticas do avô e chegou a

fundar uma farmácia nas paragens do Ribeirão Caiapó, atendendo aos

tropeiros e passantes entre a estrada de ferro e as vias para a antiga capital,

Cidade de Goiás. Ao atender a todos os necessitados de medicação, por

vezes, Josino reunia as comadres e os compadres para a realização de um

passe19 para curar também espiritualmente quem necessitasse. A farmácia e a

linha de passe 20 estavam inauguradas e existem até os dias atuais, com

poucas diferenças.

Em sequência, quando a família Paula chega à cidade em busca de

propriedades para cultivo e pecuária, é Francisco de Paula um nome de

referência. Já sendo o primeiro espírita, pelo que se conhece, a chegar na

região, ele conhecia Eurípedes Barsanulfo e seu trabalho na educação e no

tratamento de pessoas obsidiadas em Sacramento (MG), desde quando levou

sua sogra para ser curada pelo médium. Nas terras que se tornariam uma nova

cidade, suas propriedades recém-adquiridas eram espaços para a realização

frequente do culto do evangelho no lar, típica prática espírita. Diante de

fenômenos de grande alvoroço na região como a aparição de negros mortos no

recente período de escravidão ali e barulhos inexplicáveis e assustadores, é

Francisco de Paula quem busca ajuda de médiuns de Sacramento para

19

Promoção da cura por meio da imposição de mãos. 20

Na linha de passe, os médiuns visitam seus pacientes para a realização de preces e aplicação dos passes.

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amenizar a situação no entendimento de que se tratavam de fenômenos

mediúnicos. Ele, tendo aprendido um certo método de trabalho utilizado por

Eurípedes Barsanulfo, aplicara pela primeira vez na região a “linha, fazendo os

transportes 21 , porque o Seu Francisco sabia como trabalhar”, segundo a

historiadora entrevistada Mirtes Borges Guimarães.

Com essas primeiras atividades, as características rituais até hoje

presentes em Palmelo são instaladas e formam um grupo de trabalho simpático

à crença espírita. Josino, o Bode, neto do capitão Gervásio, foi o primeiro a

empreender a implantação de um centro espírita nessa região que, fortemente

católica, rejeitava a ideia. Houve a tentativa, mas não a fundação de uma casa

espírita em Santa Cruz à época22.

No inicio do século XX, Josino Cândido Branquinho (vulgo Bode), um dos descendentes da família Branquinho, residente em Santa Cruz e membro de um grupo simpático à crença, enceta esforços para fundar um Centro Espírita naquela localidade, em terreno doado pelo intendente da comuna. Mas, a sociedade santacruzana não vê com bons olhos tal iniciativa (GUIMARÃES, 2014, p. 1).

Acrescido a esta movimentação, dois fortes casos de cura espiritual

marcam o começo da cidade. Apesar de o mito fundador ser um caso de cura

do “fogo selvagem” (pênfigo foliáceo), registrou-se outro antes dele. O primeiro

foi do próprio Bode:

Seu Josino teve um problema de saúde. Ele praticamente ficou cego, né? Ai ele já, a fama de Jerônymo Candinho já corria lá em Caldas Novas, aqui, em Goiandira... Então ele já era conhecido na região. Ai, o Seu Josino foi lá em Caldas Novas, lá na Fazenda do Pico. Ouvia falar e foi em busca de socorro pra sua visão. Foi o primeiro contato (Mirtes Borges Guimarães, 06 de dezembro de 2015).

Parte daqueles católicos santacruzanos eram os membros da família

Damásio. Como explica Mirtes, “os Damásios, já eram mais uma família

21

Nome dado à “transferência” de fluídos ou espíritos maus para um estado melhor por meio da vibração coletiva. 22

O que só veio a ocorrer atualmente, muitos anos depois, com a fundação do Posto de Assistência Jerônymo Candinho (que funciona como um centro espírita, mas atendido pelos trabalhadores espíritas de outra localidade – no caso os médiuns de Palmelo se deslocam semanalmente para uma reunião pública em Santa Cruz).

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católica, num é, que as raízes eram bem católicas. Seu Elias, Seu Antônio

Damásio, tudo eram pessoas católicas, num é?”. Ocorre que um dos filhos de

Antônio Damásio, chamado Dorcelino Damásio da Silva, contraiu uma doença

apelidada de “fogo selvagem”, trata-se do caso mais conhecido como mito

fundador das curas espirituais relacionadas à Palmelo. Conforme já registrado,

o primeiro caso deve ter sido, na verdade, o de Josino, que buscou Jerônymo

Candinho na Fazenda do Pico em Caldas Novas quando estava quase cego. O

segundo foi o caso de Dorcelino. Isto no que se refere àquelas curas

promovidas por Jerônymo Candinho, que logo seria o “pai de Palmelo”.

Um dos descendentes desta família (Damasio), Dorcelino Damásio da Silva, sofria a doença ‘fogo selvagem’ (Pênfigo Foliáceo) e, em busca de cura, procurava socorro aqui e ali, descobrindo assim, no município de Caldas Novas, Goiás, um curador espírita de nome de Jerônymo Cândido Gomide, sendo beneficiado pelo tratamento mediúnico realizado por este homem e sua esposa, Francisca Borges Gomide (REZENDE, 1999, p. 360).

Santos (2014, p. 47) acaba se equivocando brevemente neste ponto ao

dizer que “esta instituição foi inaugurada em 1929 por Dorcelino Damásio da

Silva e teve como presidente a figura de Jerônymo Cândido Gomide”. Nem

Dorcelino inaugurou o Centro Espírita Luz da Verdade (provavelmente nem

mesmo doou as terras, que pertenceriam à família Nunes), nem Jerônymo o

presidiu inicialmente.

Ocorre que este caso de cura espiritual foi o marco de comunicação

entre as goianas fazendas do Pico (município de Caldas Novas) e Palmela

(município de Pires do Rio). As demais famílias que se relacionavam formando

os primeiros laços de parentesco geradores de uma comunidade na região da

futura cidade começaram a se relacionar com a família Gomide, vinda de

Sacramento a Palmelo.

Neste período também são visitados (os Gomide) pelos irmãos José Cândido Branquinho e Jonas Gervásio Branquinho, netos do capitão Gervásio, nasce assim uma afinidade entre estes homens, passando a estar sempre em comunicação, criando um laço de afetividade com Jerônymo Candinho, bem como com a doutrina espírita que ele professava (REZENDE, 1999, p. 360).

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Dois fatores concomitantes unem todas essas famílias: a busca por

terras e o vínculo direto ou indireto com a cura espiritual. Retoricamente, é

possível crer que se trata do vínculo entre cidade e religião. Mas tanto a cidade

é mais do que território, quanto a religiosidade é mais que cura espiritual. Esta

transcendência é perceptível não apenas conceitualmente, mas

simbolicamente. É a relação entre os sistemas simbólicos da cidade

(sociológica e geográfica) e da religião (cultural e antropológica) que se

articulam de modo único nos primórdios da história de uma cidade espírita.

Se o território urbano de Santa Cruz de Goiás à época não concebia um

centro espírita no local, isso veio a ocorrer na zona rural. Sob a organização

deste grupo, formado principalmente por membros das famílias Branquinho e

Damásio, que já se reunia informalmente em Santa Cruz e visitava Jerônymo

Candinho em Caldas Novas, além da recepção influente da família espírita

Paula na região e da homeopatia e linha de passe, promovidas pelo ‘Bode’,

funda-se um centro espírita em terra doada pela família Nunes.

Sob tantas teias, mas principalmente pela orientação de Jerônymo

Candinho aos fazendeiros da região da Fazenda Palmela, funda-se o Centro

Espírita Luz da Verdade (CELV) em 9 de fevereiro de 1929. Na ocasião, este

templo era “um rancho de pau-a-pique (...). Seu primeiro presidente foi Josino

Cândido Branquinho, que integrou os trabalhos de cura homeopática com os

trabalhos mediúnicos realizados nesta casa espírita” (REZENDE, 1999, p. 360).

Tudo, segundo se relata, orientado espiritualmente, mas registrado sob nomes

e graus de parentesco.

Quando o grupo da fazenda Palmela necessita de uma orientação para a criação do Centro Espírita, Jeronymo Candinho recorre à mediunidade de sua esposa, que psicografa uma mensagem do espírito Santo Agostinho que indica o nome do centro e todas as diretrizes para a edificação do Centro Espírita “Luz da Verdade”, nasce no dia 09 de fevereiro de 1929, “num ranchinho de pau a pique coberto com palhas de palmeiras da região”, em um terreno que fazia parte da fazenda doado por Filemon Nunes da Silva e Orestes Nunes da Silva, filhos de dona Vitalina Pereira da Silva proprietária da referida fazenda. Tendo por fundadores Josino Cândido Branquinho, Filemon Nunes da Silva, Joaquim Gomes de Menezes, Gervásio Branquinho Primo, Jonas Branquinho,

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67

Gervásio Cândido Branquinho e João Borges (GUIMARÃES, 2014, p. 4).

Neste período, como ocorriam disputas religiosas no território até então

católico, Jerônymo Candinho orienta e o grupo registra o Centro Espírita Luz da

Verdade no Cartório do Segundo Ofício na Comarca de Ipameri (GO).

Conforme Rezende (1999, p. 360), “a predominância religiosa era da Igreja

Católica, a qual perseguiu e tentou dar fim ao centro espírita, que já era

procurado por muitos romeiros desde as décadas de 1910-1920”. Mas, com a

fundação do CELV, o espiritismo adquire campo e inverte o sentido da disputa

religiosa. Mais tarde, no território palmelino, é a Igreja Católica que não é bem

vista e acaba sendo construída em território santacruzano. Mas isso só se deu

após a emancipação, que teve em Jerônymo Candinho um “líder religioso e

político” (ASSIS e GODOI, 2001).

Jerônymo Candinho e sua esposa foram alunos de Eurípedes

Barsanulfo no Colégio Allan Kardec, o primeiro educandário espírita, localizado

em Sacramento (MG). Como fiel discípulo, Candinho assume para si os passos

de Eurípedes Barsanulfo como educador e curador, acrescendo sua

característica de desbravador de terras, pela qual é lembrado por vezes em

comparação ao “Anhanguera”, por ser um “bandeirante do espiritismo no sertão

goiano” (REZENDE, 1999). Veio descontente às terras goianas, para seguir o

pai no fim da vida. Por onde passava, arrastava certa quantidade de pessoas e

fundava um centro espírita e uma escola.

Demorou adquirir propriedade, evitava falar em Espiritismo, mas, era sempre solicitado a socorrer pessoas obsedadas e enfermas. Quanto mais relutava para sair da fama de curandeiro, mais se via envolvido. Inicia aí a sua missionária jornada em prol do Espiritismo nas terras do Anhanguera, sob a égide de seu mestre (Eurípedes Barsanulfo), cujo espírito o orientava através da mediunidade de Francisca Borges Gomide, sua esposa (GUIMARÃES, 2014, p. 2-3).

Nascido em 20 de janeiro de 1888, Candinho23 trabalhara em atividades

escolares e de assistência social e espiritual junto a Eurípedes Barsanulfo, seu

23

A biografia de Jerônymo Candinho pode ser consultada com mais detalhes em Assis e Godoi (2001), Guimarães (2014) e Rezende (1999).

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mestre que o orientava em tudo, até no casamento24, e que, segundo o próprio

médium, continuou a orientá-lo inclusive na concepção do espaço da cidade de

Palmelo. Foi o caso da orientação das primeiras construções, que limitaram a

cidade em torno de um possível ponto geodésico do planeta25.

Com as boas relações entre fazendas e com grande número de

processos judiciários por curandeirismo (causas nas quais venceu), Candinho

foi convidado e se instalou com a família na Fazenda Palmela no ano de 1936.

Portanto, já havia sete anos de história do Centro Espírita Luz da Verdade

construído e funcionando, além de outros tantos anos antes de atividades

curativas na farmácia do ‘Bode’ ou nos cultos de Francisco de Paula. Ainda

assim, “com a chegada de Jerônymo a Palmelo, cresce o número de pessoas

procurando tratamento no centro” (REZENDE, 1999, p. 363).

A ocupação da cidade se deu à medida que chegavam pessoas em

busca de cura e fixavam moradia, sendo ajudadas para esta finalidade. O

CELV tornava-se uma casa espírita localizada próximo a uma fonte de

subsistência natural, a água do Ribeirão Caiapó; que atendia a necessidade de

pouso e cura a tantos passantes na estrada que existia em seu rumo ligando a

região de Catalão até a Cidade de Goiás e que hoje, pelo uso de carros de boi,

tornou-se uma enorme voçoroca (CASSETI, 1987/1988); e que se transmutava

em centro espírita, sanatorinho e escola.

O CELV oferecia tratamentos espirituais e, em seu entorno,

propriedades eram doadas a novos moradores. Mas outros espaços eram

produzidos. A necessidade educacional dos que ali habitavam fora suprida pela

fundação da primeira escola palmelina, a “Escola São Vicente de Paula, que

funcionava no Centro Espírita Luz da Verdade (1937-1938)”. Mais tarde esta

escola seria substituída por outra maior, mas antes que isso acontecesse, até o

padre santacruzano, um dos senhores mais antigos da região atualmente,

relata ter estudado nesta escola, sendo o professor o presidente do centro

espírita: “Minha primeira escola foi uma escola que seria, de fato, o centro

espírita com o professor Josino. Ele tinha o apelido de Bode, né? Ele era o

24

Conta-se que Dona Chiquinha era uma das pacientes que eram tratadas e estudavam no Colégio Allan Kardec, com Eurípedes Barsanulfo, que teria dito a Jerônymo: ‘Candinho, cuide bem dela, porque será sua esposa’, o que lhe parecera um absurdo, já que ela se apresentava em quadro obsessivo. Mas foi o que se passou. Quando ela foi curada, Candinho e Chiquinha viveram juntos até que a morte dela os separou. 25

Assunto tratado no próximo capítulo.

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professor da época e eu como menino saía aqui da fazenda e ia lá para

estudar no centro. A minha primeira escola foi lá” (Padre Guilherme).

Quase uma década antes da escola, porém, e antes da chegada de

Jerônymo Candinho, concomitante à fundação do CELV, houve a criação de

um sanatorinho pela demanda crescente de pessoas em estado de obsessão e

de loucura que apartavam no povoado em formação. Borges (2004, p. 18)

assegura que “o Sanatório Eurípedes Barsanulfo ou Casa Espírita Eurípedes

Barsanulfo, teve seu início juntamente com o Centro Espírita Luz da Verdade

no ano de 1929, dando origem também à cidade de Palmelo”. Na verdade, o

local era chamado de “sanatorinho ou cadeinha”, pois se resumia a uma

pequena cela “onde ficavam amarrados – ou não – os indivíduos mais

agressivos e que necessitavam de tratamento espiritual contínuo”26.

Devido ao grande número de pessoas com transtornos mentais em estágios bem avançados, faz-se necessário a ampliação do ambiente, pois as pequenas celas ou cadeinha não suportava o número de pacientes. Então construíram um pequeno sanatório de Alvenaria, ainda junto ao Centro Espírita Luz da Verdade (BORGES, 2004, 21).

A lógica de povoação e ampliação da população deu-se tal qual Quinn

(2000) teoriza: com o estímulo das condições da (agri)cultura ou da

subsistência de apropriação de um território, amplia-se a população. E, no caso

de Palmelo, surgiam “pessoas de todos os tipos e lugares (...) em busca de

tratamento espiritual, portadores de deficiências físicas e mentais, obsediados,

esquizofrênicos, dependentes químicos etc” (BORGES, 2004, p. 21), o que

caracterizou Palmelo não apenas como “cidade espírita”, mas também como

“cidade dos doidos”, o que, simbolicamente interpretado foi considerado por

Carvalho, Borges e Nunes (2006) como termo pejorativo.

26

Segundo a história popular, a “cadeinha” começou mesmo antes de construída a casa espírita no local. Quando se erguia um muro durante um dia, ao amanhecer ele aparecia derrubado. Descoberto, o homem que impedia a continuidade da construção do rancho que abrigaria o centro espírita fora amarrado em um pau-brasil. Concomitante à construção, ele era alimentado e recebia tratamento espiritual, já que se considerava que isso era um caso de obsessão, mas só fora solto assim que o rancho estava concluído. Considerado como um importante caso de cura, este homem se tornou o primeiro vigia (guarda) do centro espírita. Seguindo a trilha de relatos, este homem foi Zé Preto (pai de Dona Nigrinha, importante curandeira que deixou descentes na região – hoje trabalhadoras da Umbanda e do Espiritismo na cidade).

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70

Um novo prédio do sanatório fora “construído na parte alta da cidade,

desmembrando-se do Centro Espírita Luz da Verdade, mas mantido como

departamento deste (...). O novo prédio foi inaugurado em 22 de julho de 1953”

(BORGES, 2004, p. 22). Houve adaptações, mudanças administrativas e

sanitárias, mas não nos termos da continuidade do tratamento espiritual, até

que por volta de década de 1990 a casa deixasse de receber internos em

estado agudo, passando à administração psiquiátrica, e em 2003 fosse fechado

devido à impossibilidade de atendimento às normas da vigilância sanitária e por

conta da luta antimanicomial27.

Inúmeras construções – as principais da cidade até os dias atuais –

foram realizadas com a chegada de Jerônymo Candinho, enquanto Palmelo

ainda era um povoado.

Empreendedor como era, construiu grandes obras no pequeno “Povoado de Palmelo” antes de sua emancipação politica, como o Dispensário São Vicente de Paula, Grupo Escolar de Palmelo, Sanatório Espírita Eurípedes Barsanulfo, e iniciou a construção do Colégio Estadual Eurípedes Barsanulfo e outras (GUIMARÃES, 2014, p. 6).

Líder espiritual tipicamente sertanejo, Jerônymo lidava com todos os

perfis de pessoas encontrados meio às cidades nascentes no sudeste do

interior goiano. Como numa obra de João Guimarães Rosa, Rezende (1999, p.

361) narra que, por onde passava, estava “cercado de homens valentes e

destemidos, de revólver na cintura, carabina na cabeça dos arreios de suas

montarias, faca brilhando na cintura, muita ignorância, analfabetismo, além de

verminose e obsessões de todo tipo”. Além disso, ao chegar em Palmelo, a

paragem de viajantes não era apenas por parte dos senhores, mas

principalmente de tropeiros e migrantes, muitos sem recursos para cuidar da

saúde e que eram auxiliados na construção de suas moradas. De modo que a

cidade de Palmelo nunca apresentou tendência ao desenvolvimento econômico

ainda que tenha sido fundada por fazendeiros e com certa facilidade e visão

política.

27

A história do Sanatório em Palmelo, bem como uma revisão de sua relação com a loucura e a luta antimanicomial é elaborada em detalhes e documentos pela historiadora Borges, 2004.

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(...) a perspectiva de desenvolvimento de Palmelo é praticamente nula, tendo em vista que o modo de produção vigente (capitalismo) tem por princípio básico a obtenção de lucro, ao passo que a caracterização da cidade como centro de irradiação espírita a impede, há um processo de contradição que torna necessário a percepção da íntima relação existente entre o que a cidade é de fato e aquilo que ela não é. Isto quer dizer que a perspectiva nula em relação ao desenvolvimento de Palmelo que se dá porque esta quanto a sua forma de organização se opõe ao modelo desenvolvimentista proposto pelo sistema capitalista (ASSIS e GODOI, 2001, p. 60).

A visão e a articulação política de Jerônymo Candinho se destaca em

qualquer contexto, tendo gerado perseguições e disputas por onde passou. Em

Palmelo, obteve êxito em praticamente todas suas empreitadas políticas desde

antes da rápida emancipação da cidade, pela qual foi o responsável, não sem

envolvimento direto da espiritualidade ou da religiosidade. Ele mesmo narra

que uma de suas contendas era com o prefeito de Pires do Rio, Taciano

Gomes de Melo, que o perseguia em sua visão por estar obsediado28, dado

que se comprovaria quando este ficou doente e decadente em pouco tempo,

tendo mandado chamar Candinho que o curara da obsessão, cativando mútuo

apoio político. Candinho como vereador em Pires do Rio e Taciano como

deputado eleito sob o apoio de Candinho formaram a estrutura política

necessária para a emancipação de Palmelo, que teria Jerônymo como primeiro

prefeito eleito29.

Entrei na política, e pronto. Fui o primeiro prefeito eleito do município de Palmelo. Quando aconteceram esses casos, o prefeito de Pires do Rio – GO combateu muito minha pessoa, querendo arrasar o Espiritismo. Porém, em triste decadência, ficou preso de uma obsessão muito pronunciada. Um dia mandou me chamar e fizemos as pazes. Tratei dele e orei para que se equilibrasse. Tempos depois ele se apresentou como candidato a Deputado Estadual e nós ajudamos a elegê-lo (Jerônymo Candinho In: MORATO, 1989).

Segundo Assis e Godoi (2001, p. 35), “a emancipação política de

Palmelo se deve ao decreto-lei elaborado e apresentado pelo deputado

Taciano Gomes de Melo”. Fica latente que a emancipação de Palmelo se deu,

28

Significa que forças ocultas influenciavam o prefeito de Pires do Rio à época. 29

Antes, João Marciano Rosa (João Ferrugem) fora prefeito por um ano até que as eleições fossem convocadas.

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portanto, pela articulação política de Candinho com os políticos locais, tendo

apoio (e votos) dos que eram beneficiados pela cura em Palmelo. “O deputado

foi muito relevante para Palmelo, foi responsável pelo projeto de Lei Estadual

nº 908, 13 de novembro de 1953, que eleva Palmelo da categoria de povoado

para município sem passar pela categoria de distrito, separando-o de Pires do

Rio-GO” (ASSIS e GODOI, 2001, p. 52). A única correção a se fazer é que

Palmelo passou sim pela categoria de distrito, ainda que por pouquíssimo

tempo, conforme Guimarães (2014):

Com um olhar visionário viu na politica o caminho para a emancipação do Povoado, se elegendo vereador por Pires do Rio. O povoado chegou à categoria de Distrito quatro meses antes de sua emancipação politica, que ocorreu em 13 de novembro de 1953, pela lei Estadual nº 908. Foi o Primeiro Prefeito eleito e autor do Decreto que cognominou Palmelo “Cidade da Paz” em 27 de setembro de 1956 (GUIMARÃES, 2014, p. 6).

Desse modo, o primeiro prefeito eleito de Palmelo fora não apenas o

responsável pela maior parte da população que chegava ao local e pelas curas

proporcionadas a eles, mas também pela orientação de criação e registro de

um dos primeiros centros espíritas em Goiás, pela emancipação daquela que

ficaria conhecida como cidade espírita ou cidade da paz e pela construção das

mais importantes obras e instituições que funcionam em Palmelo até os dias

atuais. Conclui-se que Jerônymo Candinho se constitui, portanto, como a

referência simbólica matricial para os sistemas citadino e religioso de Palmelo.

Em sua sequência, dois de seus filhos foram prefeitos em Palmelo. Os

demais prefeitos foram eleitos – alguns mais de uma vez – dentre os nomes

das famílias Branquinho e Damasio, com poucas exceções, nos tempos

recentes. Apenas os dois últimos prefeitos eleitos até os dias atuais não são

espíritas, mas católicos. Contudo, trata-se de homens nascidos e criados na

região, com numerosa família na cidade. O atual prefeito (2013-2016) foi

entrevistado nesta pesquisa e afirma que o vínculo do espiritismo com a

administração pública permanece, de certo modo.

Eu respeito todas as religiões, sempre ajudo. Inclusive, eu hoje ajudo muito o centro espírita, muito mais do que a qualquer outra religião. A gente tem funcionário para ajudar na

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manutenção do centro, a gente ajuda nas reuniões quando eles pedem, sempre ajuda. CONCAFRAS, por exemplo, todos os anos quando tem CONCAFRAS eu sempre ajudei no transporte. Na medida do possível, nós estamos sempre dispostos a ajudar na medida do que damos conta. Eu não tenho medo de falar que as minhas ajudas para a religião, hoje, eu procuro ajudar todas, mas a que eu mais ajudo é o centro, independendo se é católico ou não (Antônio Lúcio de Rezende, 18 de dezembro de 2015).

Assim como ocorre com a CONCAFRAS-PSE 30 , promovida pelo

movimento em torno da Sociedade de Divulgação Espírta Auta de Souza

(SODEAS), Palmelo recebe diversas influências das vertentes religiosas do

movimento espírita brasileiro (MEB). Mas, nunca se fixou a nenhuma delas até

então. O perfil de trabalho de Jerônymo Candinho, herdado, segundo a história

oral e os registros de Morato (1989), de Eurípedes Barsanulfo, elaborou um

perfil único de entendimento e trabalho das obras de Allan Kardec,

principalmente em torno do que se denominou posteriormente como “corrente

magnética” 31 , além de outros trabalhos diferenciais que serão melhor

relacionados a seguir na conformação da história do espiritismo em seu

desenvolvimento em Palmelo.

30

CONCAFRAS-PSE: Confraternização das Campanhas de Fraternidade Auta de Souza e Promoção Social Espírita. Evento anualmente promovido no período do carnaval pelo movimento da SODEAS. Trata-se de uma das maiores reuniões espíritas do Brasil, sendo o maior evento assistencial religioso do país, quiçá do mundo. Com 60 anos de existência, realizou sua primeira edição na cidade espírita nos dias 6 a 9 de fevereiro de 2016, recebendo um número de visitantes superior à metade da população de Palmelo. 31

As curas em Palmelo, no que se refere aos casos de obsessão, se dão pelo método da corrente magnética: a produção de uma linha fluídica espiritual para o atendimento coletivo de muitos espíritos simultaneamente, que se incorporam aos médiuns, sentados em semicírculo de mãos dadas, para receberem boas energias e serem doutrinados ou encaminhados por um médium que dirige o trabalho orientando espíritos e médiuns (SOCIEDADE DE DIVULGAÇÃO ESPÍRITA AUTA DE SOUZA, 2012). O rito da corrente magnética pode ser assim descrito: os médiuns de incorporação sentam-se (ou alinham-se de pé) em semicírculo (ou em linha reta, a depender do local e da quantidade de médiuns), onde permanecem até o final. Em dado momento, o dirigente do trabalho convida os espíritos que “passarão” pela corrente magnética e todos os médiuns, ligados pelas mãos começam a incorporar estes espíritos ao mesmo tempo. Enquanto isso, o dirigente da corrente doutrina os espíritos e menciona palavras de ordem como “passem”, “sejam assistidos por caridade”. Transcorridos alguns minutos, os médiuns vão se acalmando e o dirigente encerra o trabalho da corrente solicitando aos médiuns passistas que “isolem” os médiuns de incorporação, ou seja, apliquem o passe. Este tipo de trabalho foi originado em Palmelo e atualmente é difundido pela SODEAS, com algumas diferenças. Nos centros espíritas coligados à SODEAS nem sempre a mediunidade é pública. Além disso, neles não há doutrinação, ou seja, os espíritos não falam. Ao contrário, em Palmelo, há um misto em que os espíritos vão “passando” e os médiuns manifestam calafrios e grunhidos, mas ao mesmo tempo um ou outro médium de psicofonia permite que os espíritos se manifestem. Em Palmelo, este rito é sempre público e não ocorre apenas dentro do centro espírita, basta que haja médiuns de incorporação e um dirigente. A FEB não incorpora esse rito.

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3.2. A história do espiritismo até a cidade dos espíritas

Os pioneiros do espiritismo em Palmelo são também os pioneiros do

espiritismo em Goiás, sem exclusividade. A história do espiritismo ou seus

elementos centrais estão abaixo relacionados até culminar na chegada desta

doutrina em terras goianas e sua conformação espacial e ideológica em

Palmelo, reconhecendo não apenas o forte vínculo religioso da cidade, mas

apresentando a cidade como um ideal espírita32, em acordo com a observação

de Luiz da Silva (2012) acerca da idealização em torno de Nosso Lar, cidade

espiritual descrita por André Luiz / Chico Xavier, no período de ampla

urbanização no Brasil. Este imaginário será tratado no próximo capítulo,

relacionando, juntamente, a materialidade da cidade de Palmelo.

O século XIX na França herda e representa grande parte do que se

conceituou como modernidade, período em que a razão ganha credibilidade

sobre a fé e acaba propiciando uma forma de existência e efervescência desta

última em pleno estopim da secularização: a codificação da doutrina espírita na

segunda metade desse século por Allan Kardec. Da ciência à religião, entre

França e Brasil, o espiritismo desenvolve uma discursividade própria em torno

do que denomina fé raciocinada. Este tópico do trabalho compreende os

elementos que podem compor essa identidade espírita, considerado o

concurso do tempo no desenvolvimento do movimento social espírita.

Marion Aubrée e François Laplantine (1990) relacionam o espiritismo ao

movimento estadunidense conhecido como espiritualismo moderno, que lançou

o estranhamento e a atenção sobre fenômenos de ordem não material e,

portanto, não explicados cientificamente, mas espiritualmente.

É principalmente na segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, que vão surgir estas novas religiões espiritualistas. E a América não espera. Manda imediatamente missões para a Europa: os mórmons (a partir de 1837), os cristaldelfos (em 1848), o ‘modern spiritualism’ (1852), o Adventismo (1874), o ‘Zion’s Watch Tower’, que se tornará os ‘Testemunhas de Jeová’ (1879), a ‘Christian Science’ (1879) (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 30).

32

LUIZ DA SILVA (2012).

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A obra fundante do espiritismo, O Livro dos Espíritos (1857) 33 , é

apresentada sob a discursividade científica, demarcando conceitos e

apresentando seus fundamentos enquanto uma “filosofia espiritualista”. A obra,

antes de reunir perguntas e respostas ditadas pelos espíritos sobre a origem, a

constituição, as consequências morais e futuras do mundo espiritual, se

delonga exegeticamente em nome da cientificidade que pretende desde as

definições mais basilares. “Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o

Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos

ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou,

se quiserem, os espiritistas” (KARDEC, 2003, p. 13).

Os fenômenos narrados quando se trata da origem do espiritismo se

referem prioritariamente às Irmãs Fox e às mesas girantes. Em 28 de março de

184834, em Hydesville, Nova Iorque, nos Estados Unidos, Kate e Margareth Fox

– irmãs com sete e dez anos respectivamente – notam ruídos, deslocamento

de objetos e outros efeitos físicos sem causa material em sua residência. Em

três dias, as irmãs já se comunicavam percebendo uma inteligência na causa

de todos aqueles fenômenos, pois obtinham respostas como a repetição de

batidas ou respostas a partir de códigos também em forma de pancadas. O

fenômeno foi se tornando conhecido na vizinhança que também passou a

presenciar o fato. Por meio do diálogo estabelecido, as irmãs Fox foram

informadas de que a fonte dos fenômenos era o espírito de um homem

assassinado naquela residência anos antes. O esqueleto fora encontrado e o

crime no local confirmado, o que gerou evidência quanto à comunicação com

espíritos.

Já as mesas girantes foram fenômenos que reuniram e chamaram a

atenção de muitas pessoas na França. Tratava-se de mesas que giravam e

dançavam em reuniões públicas, promovendo verdadeiros espetáculos.

No momento em que surgem as primeiras experiências das mesas, na França os meios científicos e religiosos começam a se questionar. Que crédito se deve dar a estas manifestações que se tornam objeto de enorme interesse e de discussões

33

A codificação espírita considera o pentateuco kardeciano: O livro dos espíritos (1857), O livro dos médiuns (1861), O evangelho segundo o espiritismo (1864), O céu e o inferno (1865) e A gênese (1868). 34

FEBNET, 2016.

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apaixonadas? Quem dá às mesas força para levitar? Os demônios? A eletricidade? A sugestão? Os mortos? (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 33).

Segundo os autores, tais fenômenos chamaram a atenção de grandes

nomes entre artistas e intelectuais e foram renegados por outros, certos da

razão positivista recém-nascida, dentre eles, o pedagogo Hippolyte Léon

Denizard Rivail (1804-1869), de influência rousseauniana, discípulo de Jean-

Henri Pestalozzi. Por meio do contato com pesquisas sobre magnetismo e

sonambulismo, Rivail é convidado a presenciar os fenômenos que julgava

charlatanice. Após alguns contatos, passa a pesquisar os fenômenos sob a

premissa alegada na publicação que resulta de tais pesquisas experimentais,

“O livro dos espíritos” (2003, p. 48): “A razão diz que um efeito inteligente há de

ter como causa uma força inteligente”.

Kardec (pseudônimo adotado para diferenciar sua obra precedente

como pedagogo das publicações como codificador da doutrina espírita), com

espírito positivo, trata de retirar o caráter mistificador dos fenômenos alheios às

causas materiais no escopo de uma ciência espírita. Segundo ele, “as

comunicações entre o mundo espírita e o mundo corpóreo estão na ordem

natural das coisas e não constituem fato sobrenatural” (2003, p. 48).

Apesar de conservar a preocupação científico-metodológica, Kardec se

direciona aos temas de origem religiosa desde O livro dos espíritos e O livro

dos médiuns, contudo se abre ainda mais ao campo religioso nas publicações

seguintes. O evangelho segundo o espiritismo é a obra mais exemplar neste

sentido.

Assim, se recorrermos ao Evangelho, como o título do livro de Kardec indica explicitamente, o Evangelho segundo o Espiritismo, ele será reinterpretado a partir de um pensamento que busca conciliar o que, desde o século XVIII, parece inconciliável: o espírito religioso do cristianismo e o espírito leigo das Luzes (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 68).

Aubrée e Laplantine (2009) explicam o movimento de Kardec por uma

necessidade de alinhamento e legitimação junto ao catolicismo, religião

dominante, ocorrendo a partir daí negociações diversas de sentido. De todo

modo, o espiritismo, conservando algumas características de laicidade,

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pretendia servir de conhecimento a todos e não apenas aos espíritas. A

história, contudo, legitima o espiritismo como religião, adquirindo

institucionalidades próprias e sistemas internos de coesão e pureza doutrinária,

processo ocorrido, se não antes, principalmente no Brasil.

Quando chega “no Brasil da época, as crenças populares oscilavam

entre o culto dos santos católicos e o recurso aos rituais mágicos de origem

indígena ou africana” (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 137). Logo, encontra

campo fértil para assimilação tanto pelo viés de importação cultural da Europa

e dos Estados Unidos no país em modernização, quanto pelo pluralismo de

crenças e culturas já presentes no país.

Para Aubrée e Laplantine (2009), o nome de Adolfo Bezerra de Menezes

será o principal responsável pela consolidação de um espiritismo religioso e

unificado em torno da Federação Espírita Brasileira (FEB). “Bezerra contribuirá

a dar ao espiritismo kardecista seu caráter de ‘religião das classes médias’,

distinguindo-o do ‘baixo espiritismo’ que florescia, então, em todos os bairros

do Rio” (2009, p. 156).

A ideia central de um movimento espírita se encontra na crença da

evolução espiritual por meio das várias oportunidades de reencarnação como

mote para o progresso social do planeta e da humanidade. Junto à ideia

central, ocorre a movimentação social de organização do campo religioso e das

trocas simbólicas e afirmações identitária rumo à unificação e pureza

doutrinária, o que será firmado no que veremos adiante ser o Pacto Áureo,

afastando toda espécie de ritualidades como as da Umbanda.

O kardecismo se apresentava, portanto, no Brasil, nos últimos anos do século XIX, principalmente como uma religião de letrados, com a qual se identificavam os que viam na educação para todos (encarnados e desencarnados) o motor do progresso social e humano. No entanto, na época de Bezerra, tratava-se, antes de mais nada, de afirmar a identidade kardecista. Ele foi, sem nenhuma dúvida, o artífice de tal afirmação (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 156).

Além de Bezerra e do movimento em torno da FEB, Eurípedes

Barsanulfo e Chixo Xavier são dois nomes mineiros de destaque enquanto

médiuns brasileiros que direcionaram a história do espiritismo no país com

suas obras. Inclusive, Eurípedes Barsanulfo terá especial influência na história

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do espiritismo em Palmelo, dado que Jerônymo Cândido Gomide, seu aluno,

fora o principal nome dessa história, tendo aplicado em Palmelo o que

aprendera com o mineiro.

Segundo Arribas (2013, p. 5), atualmente, o espiritismo “é reconhecido

como religião, e uma religião declaradamente praticada por aproximadamente

quatro milhões de pessoas, isso sem contar os chamados ‘simpatizantes’, que

giram em torno de 18 milhões (ou seja, quase 10% da população)”.

A autora estudou a acentuação do caráter religioso do espiritismo, o que

auxilia este trabalho a selecionar os elementos que compõem uma identidade

espírita, levando em consideração a história e até mesmo a geografia do

espiritismo entre os fenômenos relatados nos Estados Unidos, a codificação na

França e a disseminação religiosa no Brasil. O interessante em Arribas é sua

consideração, ao mesmo tempo, de fatores internos ao campo religioso espírita

e de fatores externos que exerceram forte influência na negociação de

símbolos do espiritismo na sociedade brasileira. Assim, a autora enumera três

principais conclusões, ligadas a uma abertura à igreja católica, à proclamação

da república e ao modo como a consciência coletiva dos sujeitos que se

identificam espíritas interpreta a doutrina:

(1) a igreja católica teve papel relevante ao entreabrir as portas de um diálogo religioso, concedendo dessa forma um espaço de atuação para os primeiros espíritas. Mas foi com a (2) Proclamação da República, e consequentemente com a instauração de um país laico, que possibilitou a liberdade de culto, que muitos espíritas começaram a se beneficiar da nova situação, sobretudo para se livrarem das acusações e da mira policial. Mas sem dúvida foi (3) um tipo de apropriação subjetiva de parte dos espíritas que fez a grande diferença. Não podemos ignorar que internamente ao movimento espírita um grupo considerável e de peso içava, sem peias, a grande bandeira espírita da caridade, ressaltando o lado religioso de sua doutrina. Foram eles que conseguiram ganhar a disputa interna e a primazia do discurso espírita (ARRIBAS, 2013, p. 13).

Além dos elementos relacionados à condição de religiosidade do

espiritismo no Brasil, pode-se acentuar ainda outras contribuições sobre a

identidade espírita. Ao tratar de cismas religiosos em torno do espiritismo (o

que pode muito bem ser equiparado a suturas possíveis de uma identidade

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cultural religiosa), Signates destaca, além de cismas internos, a filiação à

identidade cristã.

Ora, cristãos eram todos os primeiros espíritas, inclusive o professor lionês Allan Kardec, e, mesmo se estabelecendo em parâmetros dogmáticos diferentes daqueles admitidos pelas igrejas cristãs em geral, os espíritas até hoje, em sua maioria, reivindicam para si a filiação à identidade cristã (SIGNATES, 2013, p. 44).

Os cismas internos identificados por Signates – as discordâncias

doutrinárias como a conscienciologia e as diferenças rituais como a umbanda –

, “todos ganharam identidade própria”, a alguma distância do que precisa ser

considerado no âmbito de uma identidade espírita. Aliás, é preciso sim

considerar que tais dissidências ou cismas são componentes da identidade

espírita.

Em texto anterior, Signates (2001, p. 2) delimitou também “dois

parâmetros definidores da identidade espírita”: a pureza doutrinária a partir dos

textos de Allan Kardec e de Chico Xavier, preservados pela institucionalidade

federativa, e a pretensão antiritualista de vinculação com a razão científica do

Iluminismo, como garantido pelos cismas internos acima relacionados.

Tais elementos arrolados até aqui poderão ser sintetizados

considerando o confronto de tipo identitário sobre o qual refletimos

anteriormente:

A identidade espírita assim delimitada se refere a uma fidelidade ideológica, diferente da identidade vinculada a uma territorialidade, como é o caso quando se diz de uma “cidade espírita”. Neste caso, cabe lançar o questionamento acerca da inferência que essa territorialidade promove na identidade espírita. Em termos nacionais, por exemplo, o espiritismo conforme conhecido no Brasil volta-se muito mais a uma identidade religiosa, enquanto o concebido em seio originário europeu desfazia de práticas religiosas em busca de cientificidade (DAMASIO, 2015, p. 14).

Em resumo, “se dependesse da vontade de seu fundador, o espiritismo

seria uma movimentação de caráter filosófico-científico constantemente

envolvida em um contínuo debate com as ciências e religiões” (SIGNATES,

2013, p. 43). O movimento da história e da geografia entre França e Brasil

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mostra diferentes apropriações, na trilha da identificação religiosa,

principalmente pelo papel fundamental de ícones do espiritismo brasileiro como

Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulfo e Chico Xavier.

Constatou-se, a partir de Arribas (2013) e Signates (2013), que a

identidade espírita brasileira se forma (1) no espaço ideológico concedido pela

igreja católica, (2) a partir da liberdade de culto e práticas rituais na laicidade

brasileira, (3) na apropriação subjetiva por parte dos espíritas, (4) por suturas

ou cismas com a religiosidade cristã e com dissidências dos rituais espíritas,

(5) no vínculo reivindicado com o cristianismo, (6) na institucionalização do

espiritismo pela FEB, sob os critérios de pureza doutrinária e unificação (Pacto

Áureo) e (7) na pretensão anti-ritualista de vínculo com o estudo e a

racionalidade científica. A esses atributos, também é possível acrescentar, com

Aubrée e Laplantine (2009), (8) a prática da caridade em obras sociais e (9) a

prática terapêutica e as curas espirituais/mediúnicas. Apesar de que outras

características podem ser arroladas, essas nove mencionadas já são

suficientes para delimitar o qualificativo “espírita” e dizer de seu vínculo a uma

cidade.

Dentre estes fatores, é possível destacar o que se denominou “Pacto

Áureo”, documento assinado em 1949 em prol da unificação do movimento

espírita no país. Segundo Aubrée e Laplantine (2009, p. 197), entre as décadas

de 1920 e 1930, desiludidos do espiritismo kardecista o ‘revivificavam’

“acrescentando-lhe certas práticas mágicas em que entravam elementos de

origem indígena e afro-brasileira”, o que culminaria em “uma nova doutrina, à

qual se deu o nome de umbanda, substantivo de origem banto que significa

‘arte de curar’”. Somente na década de 1940 é que isso se oficializou, mas, por

conta das confusões (indesejadas pelos kardecistas) entre espiritismo e

umbanda, o MEB acabou gerando um documento como o Pacto Áureo,

reunindo instituições federativas que firmaram acordo pelo afastamento

definitivo de práticas rituais – o que deliberava-se justamente por conta da

separação com a Umbanda –, contra a ritualização da mediunidade, pelo

aprofundamento do estudo, pela fiscalização da literatura espírita e, enfim, pelo

que Signates (2013) denomina como institucionalização de suas práticas.

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Estas (instituições que assinaram o Pacto Áureo) se engajavam resolutamente no sentido de uma unidade quanto às práticas de ensino da doutrina e das técnicas mediúnicas e quanto à ética subsequente na condução das sessões de invocação dos Espíritos e das obras beneficentes ligadas a cada centro (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 198-199).

O marco que o Pacto Áureo representa será retomado para entender

como a identidade espírita palmelina chega a se diferenciar da eletiva

identidade espírita brasileira (decretada neste pacto), já que, em Palmelo, há

mediunidade pública e ritos específicos que, em geral, se aproximam da

Umbanda, ainda que nos dias atuais os espíritas palmelinos sofram um

processo de breve assimilação a partir de uma forte aproximação da SODEAS

na cidade, alterando aqui e ali sua programação semanal, inserindo atividades

de estudo e caridade, dentre outras características. O interessante é que, para

isso, há uma moeda de troca: Um movimento como o da SODEAS assimila e

difunde fortemente a prática ritual da corrente magnética, específica de

Palmelo, mas que se tornou distintivo também de grandes centros federados à

SODEAS. Voltaremos a esta análise adiante, no tratamento do movimento

espírita palmelino.

Já se observou que o espiritismo é uma doutrina cujo movimento social

a justifica culturalmente, desde o misticismo presente nas manifestações em

berço estadunidense dos principais movimentos espiritualistas do mundo,

passando e se fixando em caráter cientificista na Europa moderna, como é o

caso do espiritismo devidamente codificado por Allan Kardec, e sua chegada e

apropriação em terras brasileiras, onde, com Bezerra de Menezes, Chico

Xavier, Eurípedes Barsanulfo, dentre outros nomes, ganha vulto o caráter

religioso, abraçado pelo ecumenismo brasileiro institucionalizado na identidade

do católico deste país. Entre sincretismos e recomposições, os espíritas

brasileiros se dividem entre os que constituem a Umbanda e os que

promoverão sua separação definitiva com os ritos desta religião.

Ainda no século XIX o espiritismo alcança adeptos no Brasil, ele adentra o território brasileiro em 1865 através dos portos de Salvador e Rio de Janeiro e vai se fixando como uma religião bastante relevante graças a importantes médiuns e expoentes do espiritismo (BRUZADELLI, 2008, p. 137).

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A doutrina espírita no Brasil se apropria tanto que chega a fornecer um

sentido espiritual para os dados históricos do país para a devida recepção da

doutrina do consolador prometido35. Uma narrativa assim é complexamente

elaborada em diversos livros da literatura espírita, com a centralidade do livro

intitulado “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho”, assinado pelo

espírito Emmanuel e pelo médium Chico Xavier.

A narrativa mitológica e romântica explicita a presença de espíritos superiores no comando de vários dos grandes acontecimentos históricos da nação, como o descobrimento e a abolição da escravatura, entre outros. Ainda acaba vinculando o Brasil, sua origem e história, aos mais importantes fatos do mundo ocidental, tendo como berço desse país a própria Europa, aspecto bastante apreciado pela elite de um país periférico como o Brasil (BRUZADELLI, 2008, p. 137).

Como se pode observar com Bruzadelli (2008), o imaginário brasileiro

recepciona bem a mitologia espírita justamente por sua afinidade e o desejo de

ser europeu. No mesmo sentido, é defensável dizer que o imaginário do sertão

goiano também escreveu uma mitologia espírita própria que, sentidas as

necessidades medicinais em meio ao desenvolvimentismo, é afeita ao ideário

da construção de uma cidade idealmente espírita. Mas, partindo da identidade

espírita brasileira, que espiritismo é esse que se constitui no interior goiano?

Partindo da dinâmica espacial é possível perceber que a recepção do

espiritismo em Goiás não foi amplamente pacífica, mas se deu nos becos da

Cidade de Goiás, ao mesmo tempo em que se dava no desbravamento de

terras sob processos jurídicos acerca do curandeirismo no sudeste goiano.

Segundo Louzada (2011, p. 247), “a religião espírita Kardecista (...) alcançara o

Estado de Goiás ainda no século XIX, contexto em que foi registrada a

presença desta religião, bem como a grande hostilidade dos cidadãos em

relação a ela, no município de Goiás”.

Os primeiros centros espíritas chegaram ao território goiano de modo

descentralizado por diversas e particulares origens na primeira metade do

século XX, mas não há dúvidas de que seu percurso veio com a exploração de

35

O espiritismo se autodenomina o consolador prometido enviado por Jesus, como a terceira revelação de Deus. Ao invés dos mandamentos de Moisés e do retorno do próprio Cristo, colocam-se as comunicações dos espíritos e do “Espírito de Verdade” como o retorno prometido por Jesus para consolar e revelar aos homens o que ainda não havia podido sê-lo.

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terras por parte de fazendeiros do sudeste brasileiro. Dos onze primeiros

centros espíritas do Estado, Louzada (2011) destaca dois matriciais: o Centro

Amigo dos Sofredores na Cidade de Goiás em 1924 e o Centro Espírita Luz da

Verdade em Palmelo em 1929. Mas há registros de centros espíritas no Estado

desde 1909.

(...) entre os anos de 1909 e 1940 foram fundados em Goiás onze centros espíritas Kardecistas nas cidades de Catalão; Anápolis; Itauçu; Caldas Novas; Ipameri; Corumbaíba e Jataí. Sendo que, neste mesmo período foi institucionalizado o centro ‘Amigo dos Sofredores’ (1924), bem como foi fundado em uma área rural goiana o ‘Centro Espírita Luz e Verdade’ que, posteriormente, originaria a cidade espírita de Palmelo (LOUZADA, 2011, p. 247).

Dez anos depois dos primeiros movimentos na Cidade de Goiás e em

Palmelo, o espiritismo chega à nova capital do Estado, Goiânia. A Cidade de

Goiás abriga o primeiro centro espírita registrado juridicamente.

(...) a primeira entidade espírita juridicamente regulamentada data de 1924, chamando-se Centro Espírita ‘Amigo dos Sofredores’, ainda em Goiás, a antiga capital do Estado, casa que enfrentou por diversas vezes a hostilidade da sociedade vilaboense e outros segmentos religiosos da cidade (CASTRO apud BRUZADELI, 2008, P. 140).

Já a cidade de Palmelo se destaca pela rota rural de sua formação em

torno de um centro espírita, conforme consta em Bruzadeli (2008), mas

também em qualquer historiador do espiritismo em Goiás.

Outro fato interessante do espiritismo kardecista em Goiás é a fundação do Centro Espírita “Luz da Verdade”, na região rural do Estado, que dará início ao primeiro Município espírita do mundo, Palmelo. Diferentemente de qualquer outra cidade, Palmelo surge em decorrência às atividades de um grupo espírita (BRUZADELI, 2008, p. 140).

Palmelo aparece no capítulo sobre “Perseguições políticas e religiosas”

na literatura da historiadora santacruzana, Fátima Paraguassu (2009).

O Senhor Jerônymo Candim (sic), criador de um Centro Espírita em sua propriedade rural, Município de Caldas Novas,

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sofreu perseguição obstinada de médicos, padres e políticos. Foi processado por prática ilegal da medicina. Mudou-se para a Fazenda Palmela, nascendo dela a cidade de Palmelo. Ficou Cristianópolis (Protestante), Santa Cruz (Católica) e Palmelo (Espírita). Hoje há diálogo entre os segmentos religiosos e todos têm seu espaço (PARAGUASSU, 2009, p. 19).

A ideia de que cada religião tem seu espaço materializado como uma

cidade na região é interessante porque denota o papel estruturante da religião

na demarcação do poderio simbólico por meio da apropriação do impróprio36.

Aliás, não é estranha a formação de uma cidade em torno de uma instituição

religiosa, desde a antiguidade até, atualmente, principalmente no que se refere

às igrejas católicas. Ocorre que, aparente e habitualmente, este tipo de

formação se dá porque preexiste um povoado de exploração formando

habitações e a igreja se instala junto a outros artifícios econômicos que

desenvolvem e emancipam uma cidade. No caso de Palmelo, primeiro veio a

instituição religiosa, depois as habitações da então fazenda. E a emancipação

vem motivada e estabelecida pelo movimento espírita.

A ideia de região dividida entre protestantismo, catolicismo e espiritismo

também é desenvolvida por Jardim (2004), para quem Santa Cruz é a cidade

do meio do caminho. O autor faz uma descrição para afirmar que há uma

distância cultural enorme entre três cidades que, juntas, distam menos de 50

quilômetros entre si ao longo da rodovia estadual GO-020.

Aliás, a expressão ‘no meio do caminho’ lhe é bastante apropriada. Santa Cruz é o meio do caminho entre as cidades de Cristianópolis e Palmelo. Dista mais ou menos 30 km da primeira e 5 km da segunda. Mas a distância entre elas é muito maior que a distância física. Cristianópolis é a cidade dos ‘crentes’ e Palmelo a cidade dos espíritas. Como? Exatamente assim. A maioria da população de Cristianópolis pertence a algum tipo de religião protestante pentecostal. Inclusive um recente governador do Estado de Goiás e ex-senador da República, nascido em Cristianópolis, é protestante.

36

O espaço comum é impróprio e originário (communitas), não pertence a ninguém. O modo pelo qual o homem dele se apropria é “sujando-o”, não apenas com sólidos, mas também com meios suaves como os símbolos, os escritos, as imagens e a identidade. Segundo o filósofo contemporâneo Michel Serres (2001, p. 71), “o próprio crescimento da apropriação se torna o PRÓPRIO do Homem. Os animais, é verdade, se apropriam de seu território pela sujeira, mas de maneira fisiológica e local. Homo se apropria do mundo físico global com seus dejetos duros e do mundo global pelos dejetos dos meios suaves”.

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E a outra cidade, Palmelo, é habitada por uma maioria de seguidores do kardecismo. Palmelo tem algumas pousadas e pequenos hotéis, uns poucos restaurantes e seus moradores, ao primeiro pedido, transformam suas casas em hospedarias, pois o número de pessoas que buscam algum tipo de tratamento ou contato espiritual com seus entes e parentes falecidos é grande. O turismo religioso movimenta sua tímida economia. Nos fins de semana ou feriados prolongados, a cidade é tomada por ônibus de outros municípios de Goiás e, com relativa frequência, de outros Estados. A cidade do meio do caminho, Santa Cruz de Goiás, tem predominância de católicos. Daí a Festa do Divino Espírito Santo ser sua maior expressão de fé religiosa popular. Aliás, como em grande parte das cidades brasileiras mineiras, paulistas, goianas, matogrossenses, etc (JARDIM, 2004, p. 21).

Conforme Carvalho, Borges e Nunes (2006, p. 51), “os primeiros

moradores dessa região foram os pioneiros não só da religião espírita nesta

localidade, como foram no Estado. Desta maneira foram pioneiros na fundação

de uma cidade que surgiu devido aos adeptos do espiritismo”. O arauto do

espiritismo na região, Jerônymo Candinho pode ser considerado um desses

pioneiros junto às famílias paulistas porque “antes de mudar-se definitivamente,

ele já freqüentava os trabalhos espíritas em um rancho de palha construído as

margens do Córrego Caiapó”. As histórias do espiritismo e da cidade culminam

indicando o que podemos chamar a partir de agora de movimento espírita

palmelino.

3.3. O movimento espírita palmelino

A dinâmica territorial justifica e espacializa o espiritismo, fornecendo

elementos de onde retirar uma noção de movimento espírita palmelino. A

princípio, esta ideia surge quando a historiadora Mirtes Borges Guimarães

fornece algumas pistas através da identificação de pontos fundamentais no

trabalho do líder espiritual e político da comunidade que formaria Palmelo: a

linha de médiuns (corrente magnética, voltada aos espíritos), o exame de raio-x

espiritual (voltado aos pacientes) e o exame de áurea (voltado aos médiuns).

São três pontos fundamentais no trabalho de Jerônymo Candinho aqui. Que é o perfil de Palmelo. É o quê? A linha de médium, o exame do raio-x, que antes falava exame de enfermo e o trabalho, como que é, o trabalho, o exame de

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áurea. São as três pilastras. Isso não pode ser mexido. Não deveria ser mexido (Mirtes Borges Guimarães, 06 de dezembro de 2015).

Um movimento social, em ampla acepção, é feito de “ações coletivas

com um determinado propósito cujo resultado, tanto em caso de sucesso como

se fracasso, transforma os valores e instituições da sociedade” (CASTELLS,

1999, p. 20). De modo estrito, o movimento a que nos referimos cria, mantém e

transforma valores e instituições da sociedade, mas com suas finalidades e

modos de atividades religiosas. A estes elementos se dedicam as palavras

seguintes.

Parece relevante descrever o perfil de trabalho espírita desenvolvido

pelos dirigentes espíritas mais conhecidos em Palmelo. Relacionaremos a

seguir os líderes religiosos que ocuparam o cargo de presidente do Centro

Espírita Luz da Verdade até os dias atuais, com cargo quase sempre vitalício

apesar de ocorrerem eleições anualmente (até 1957) e trienalmente (após

1957): Josino Candido Branquinho (1929-1932), Jonas Branquinho (1933-

1937), Jerônymo Cândido Gomide (1938-1939 / 1942-1981), Gervásio Cândido

Branquinho Primo (1940-1941), Bortolo Damo (1982-2007), Gentil Lourenço

Borges (2008-2010) e Barsanulfo Zaruh da Costa (2011 até os dias atuais).

Deve-se relacionar, entre estes, o papel de outros médiuns como Salu José

Martins, no cargo de vice-presidente.

Características da liderança de Bode (1929-1932) e de Jonas

Branquinho (1933-1937). Nos termos em que os historiadores colocam, é

possível se referir aos períodos de presidência de Josino e de Jonas como uma

pré-história do espiritismo na região. Ele protagoniza e centraliza o perfil de

Palmelo entre a homeopatia herdada de seu avô, Gervásio, e os ensinamentos

espíritas. O perfil de cura de doenças e amparo aos passantes é sua marca

registrada.

Características da liderança de Jerônymo Candinho (1936-1981). Tendo

aprendido ritos específicos com Eurípedes Barsanulfo e desenvolvido uma

trajetória pessoal e própria como líder espiritual por onde passou fundando

centros espíritas, nomeadamente Goiandira e Caldas Novas, Jerônymo

Candinho seguiu na liderança da casa espírita e do movimento espírita na

cidade desde que chegou à cidade de Palmelo, por ser o médium mais

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procurado na localidade. Sua liderança emergia gerando algumas

animosidades, mas que não o impediram de construir e inaugurar as mais

importantes instituições da cidade e estabelecer o ritmo de trabalho no local,

envolvendo toda a comunidade. O vínculo e o desenvolvimento do espiritismo

em Palmelo não se explicam apenas por Candinho, mas tampouco se explicam

sem ele. Seu perfil de trabalho era centralizado na cura desobsessiva liberando

os pacientes de espíritos malfeitores por meio da linha de incorporação ou

corrente magnética e pelo receituário mediúnico. Dona Chiquinha, sua esposa,

completa seu perfil de trabalho por ter sido uma importante médium psicógrafa,

que escrevia as orientações dos espíritos para Jerônymo e seu grupo, além de

trazer o noticiário espiritual. Jerônymo foi quem por mais tempo permaneceu na

direção da casa. De 1936 a 1981 só houve interrupção entre 1940 e 1941

quando Gervásio Cândido Branquinho Primo assumiu a direção.

Seguindo uma linha cronológica, mas fugindo do ordenamento a partir

dos presidentes do CELV, é importante destacar a liderança espiritual e as

características de Antônio Rio que, entre 1985 e 1990, pôde ser considerado a

maior liderança espiritualista da cidade, a despeito e em paralelo ao movimento

espírita promovido pelo CELV. Fora do âmbito do espiritismo kardecista, mas

vinculado à cidade espírita, podemos considerar este líder pouco lembrado na

história de Palmelo. Antônio de Oliveira Rios foi um jovem médium conhecido

como “Novo Arigó” 37 , que promoveu o período de maior mobilização de

pessoas de diversos lugares do mundo a Palmelo. Trata-se de um capítulo

extra da história do espiritismo na região. Chegando obsidiado, fora tratado e

curado por Jerônymo Candinho, mas não chegou a trabalhar em sua equipe,

tendo fundado seu próprio centro espiritualista com a única finalidade da

realização de cirurgias espirituais, amplamente registradas em vídeo por

pessoas de todas as partes do mundo, material que pode ser acessado com

facilidade pela rede social YouTube. Antônio foi considerado um médium

indisciplinado e muito corajoso, além de humilde, realizando trabalhos sociais

para com a comunidade. Não há registros bibliográficos de como era o

relacionamento das lideranças do CELV para com ele, mas um centro está

37

José Arigó foi um médium de grande mobilização e conhecimento no Brasil na década de 1980 por realizar cirurgias cortando com uma faca, incorporado ao doutor Fritz, espírito que se identifica como médico alemão. Antônio também incorporava um médico alemão, doutor Ricardo, para o mesmo fim.

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localizado em frente ao outro. O movimento em busca de Antônio só cessou

com seu trágico falecimento por picadas de abelhas africanas em uma fazenda.

Características da liderança de Bortolo Damo (1982-2007). A sucessão

de Candinho, após seu óbito, se deu por Bortolo Damo, um médium italiano

que fugira do período de guerras mundiais em seu país natal chegando a

Palmelo em grave estado de obsessão por ver espíritos constantemente. De

origem católica, chegou a Chico Xavier que o orientou a buscar Palmelo, aonde

chegou e ficou até seu falecimento, tendo trabalhado por 28 anos como líder

espiritual que receitava medicamentos, trabalhava com vidência espiritual e

efeitos físicos realizando cirurgias espirituais, junto a outros médiuns por ele

dirigidos. Seguiu o perfil de Candinho até mesmo no fato de sua esposa, Vânia

Antes Damo, ser médium de psicografia e também servir de referência, assim

como Dona Chiquinha, na orientação espiritual ao grupo espírita.

Características da liderança de Gentil Lourenço Borges (2008-2010). O

caso do “senhor Gentil” é particularmente interessante: além de ter presidido o

CELV por três anos, com o perfil de transição e continuidade ao Damo, ele

vivenciou a direção da casa espírita por mais tempo do que qualquer outro

médium do CELV. Atuou com Candinho, Damo e, atualmente, com Barsanulfo,

sendo responsável ora pelo Sanatório, ora por outras instituições espíritas na

cidade, como o Dispensário São Vicente de Paula, ao qual se dedica ainda

hoje integralmente, lúcido, com quase um século de vida.

Características da liderança do Barsanulfo (2011 até os dias atuais).

Com a morte de Bortolo Damo, um dos médiuns que se destacava

organizativamente, como orador e liderança espiritual ascendente era

Barsanulfo Zaruh da Costa, de família tradicional na cidade. Um terço da rede

de hotéis e pensões na cidade pertence a irmãs suas. É eleito o presidente do

CELV em circunstâncias diferentes de seus antecessores. Apesar da

mediunidade de intuição aguçada, da incorporação e da cura, Barsanulfo não é

médium que realiza cirurgias espirituais, mas coordena a corrente magnética e

é apoiado diretamente por um médium de referência nos trabalhos originados

com Candinho (exame de áurea, raio-x espiritual e cirurgias espirituais),

conhecido como “Seu Lázaro”, atualmente ativo, além da assistência de Gentil

Lourenço Borges e Salu José Martins na vice-presidência da casa. Destacou-

se o que já era uma realidade: Palmelo não se sustenta sobre os ombros de

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um só médium, mas de uma coletividade. Como se trata da atual direção do

movimento espírita palmelino, suas características deverão ser escritas

criticamente transcorridos alguns anos, mas já é possível notar que marca uma

diferença crucial de contato e inferência maior de um grupo do movimento

espírita brasileiro no movimento palmelino, a SODEAS. O que será tratado

adiante. Além disso, no que se refere ao perfil das lideranças religiosas, a

movimentação aparente é de, na classificação weberiana, o perfil do presidente

do CELV passou de “profeta” para “sacerdote”38, o que demarca o movimento

de institucionalização. No lugar da importância da magia, a importância da

instituição. Ou seja, o líder não precisa mais ser o que detém “poderes

espirituais”, mas aquele que bem administra o capital simbólico amparado por

aqueles “poderes espirituais”.

A doutrina espírita é a codificação recebida por Allan Kardec. O

movimento espírita, iniciado com Kardec ou com aqueles que o precederam no

interesse espiritualista, seguiu no Brasil os passos conformados por Bezerra de

Menezes e Chico Xavier, além de Eurípedes Barsanulfo, referência menos

mencionada globalmente, mas a mais adequada localmente para o caso de

Palmelo. Considera-se, pelas entrevistas colhidas nesta pesquisa, que o

movimento espírita de Palmelo é carregado de símbolos próprios, ainda que

relacionados diretamente aos símbolos do movimento espírita brasileiro. Aliás,

esta relação se dá espacialmente. O autor desta pesquisa residiu no

cruzamento das ruas “Allan Kardec”, nomeada em homenagem ao codificador

da doutrina espírita, e “Aluísio Aéssio Gomide”, nomeada em homenagem a um

dos ex-prefeitos da cidade, filho de Jerônymo Candinho, o “Pai de Palmelo”. Se

uma praça da cidade leva o nome de “Maria Madalena”, mentora espiritual

deste campo segundo o espiritismo, uma outra praça se denomina “Francisca

Borges Gomide”, nome da esposa de Jerônymo. Na cidade, portanto, cruzam e

fundem-se os símbolos locais e globais em torno do espiritismo.

A enumeração de características visíveis da liderança espiritual na

cidade de Palmelo seguiu a cronologia dos presidentes do CELV (incluindo o

fator Antônio de Oliveira Rios, que não fora presidente desta instituição, mas é

figura deveras importante para o movimento espírita local), a referência

38

A denominação de “sacerdote” não é comum no espiritismo. Aqui, é utilizada de passagem como balizamento a partir da teoria de religião assinada por Max Weber (2000).

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temporal dos entrevistados e dos documentos e bibliografias consultadas. A

historiadora Mirtes Borges Guimarães menciona um “ditado” de Candinho:

“Palmelo é a pedra bruta39” e considera que se deve observar as direções que

conformaram a história do espiritismo em Palmelo:

Isso... A história do espiritismo. Porque antes a gente tinha um comando, não é? Por exemplo, Jerônymo Candinho. Eu vivi Jerônymo Candinho! Não é? Depois... Damo! Que seguiu a mesma linha. Então, tinha um controle, queira ou não queira, na cidade. Mesmo que é emancipada, tem sua ala política, mas a comunidade Luz da Verdade, que é o centro espírita, era muito forte (Mirtes Borges Guimarães, 06 de dezembro de 2015).

Nem todos os ritos espíritas em Palmelo convergem com a conformação

institucional do espiritismo no Brasil, ponto delicado desta história. Sabe-se que

o espiritismo brasileiro é marcado por aquilo que se chamou de Pacto Áureo,

em 1949, para a unificação do movimento espírita no país, uma consolidação

oficial dos centros espíritas diferenciando-os de outras vertentes espiritualistas.

Palmelo, porém, está na liminaridade, pois assume todos os compromissos

áureos, mas desenvolveu ritos próprios que passaram a inspirar a formação de

outros centros espíritas no país. Signates (2013) já sinalizou suficientemente o

campo de cismas e disputas simbólicas no interior do campo espírita brasileiro.

Seguindo a classificação deste autor, Palmelo não seria problematizado como

será a seguir, pois não representa de modo algum uma cisão com o movimento

federativo. Mesmo assimilado e integrado, identificamos certa conflitualidade

presente, que o posiciona ao menos como uma subcorrente.

A presença da FEB em Palmelo se dá por meio de estudos que estes

realizam na cidade, pelo intercâmbio esporádico entre mocidades espíritas e

por eventualidades espíritas em Palmelo em que são convidados

representantes da FEB. A presença da SODEAS, um grupo que tem crescido

no país, assimilado pela FEB, se dá no apoio e divulgação acerca da corrente

39

Quer dizer que Palmelo tem uma origem única que converge, mas não se assimila por uma ou outra corrente espiritualista ou religiosa, pois atende a todos na atividade curativa sem exceção.

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magnética, método ritualístico de desobsessão originado em Palmelo,

enquanto prática dentro de um centro espírita40.

As diferenças entre os dois movimentos parecem se limitar às suas

frentes de trabalho. O movimento da SODEAS poderia ser comparado a uma

vertente “carismática” do espiritismo com relação ao padrão adotado pela

Federação Espírita Brasileira a partir das obras de Allan Kardec e Chico Xavier.

O movimento adota e divulga amplamente as rotas de ampla divulgação

espírita, a obra de Jean-Baptiste Roustaing e Pietro Ubaldi junto à codificação

kardequiana e a adoção de práticas como a corrente magnética surgida em

Palmelo, contestada pelas pessoas vinculadas à FEB. Segundo Signates

(2013, p. 45), este movimento está entre as instituições que, “por não

confrontarem diretamente as orientações da Federação Espírita Brasileira,

foram toleradas ou mesmo assimiladas pelas instituições federativas

vinculadas ao sistema hegemônico”.

Apesar da assimilação ideológica entre FEB e SODEAS, é possível

notar no ambiente de Palmelo certo interesse mútuo e divergente sobre a

“cidade espírita” e, atualmente, este pende para uma apropriação sem

precedentes por parte do movimento da SODEAS na cidade, a exemplo de

mudanças na programação das atividades do CELV segundo o programa

daquele movimento, a construção de um museu histórico do espiritismo e da

cidade capitaneado por este grupo e a realização da CONCAFRAS-PSE em

fevereiro de 2016, como já relatado.

Um depoimento em que fica nítida a problematização assumida nesta

dissertação é o que se segue, aquele que entende Palmelo como a “pedra

bruta”, com um acoimável valor de preservação comunitária embutido, mas

com dado relevante acerca da transformação do perfil de trabalho do

movimento espírita palmelino ao longo dos períodos de atividades das

lideranças espíritas locais.

O Seu Jerônymo, na época dele, pra você ver, hoje, com a corrente magnética, com essa linha de incorporação, a Federação não aceita, num é? Pra você ver, o Seu Jerônymo

40

Apesar da origem em Palmelo, defendem e tentam demonstrar o uso do magnetismo desde Jesus, passando por Kardec e Eurípedes Barsanulfo em diversas encarnações que teria vivido e estudiosos como Deleuze, Du Potet, Cahagnel, dentre outros espíritas e não-espíritas (SOCIEDADE DE DIVULGAÇÃO ESPÍRITA AUTA DE SOUZA, 2012).

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jamais permitiu. A Federação, o Centro aqui não era registrado na Federação. Porque ele jamais permitia, porque pra ele registrar o centro pela Federação do Estado de Goiás e Federação Brasileira, ele teria que seguir o método da Federação. Mas o forte dele pra cura era o trabalho coletivo da desobsessão, que é a linha de incorporação. Então, como a Federação não adotava esse método, ele não podia ser registrado na Federação, mas ele tinha uma boa convivência, porque eles vinham tudo aqui... hora que o trem lá apertava eles corriam aqui. Né? Quantos deles, presidente da Federação, que libertou aqui? Doutor Cássio mesmo... com a esposa, filho, num é? Mas, então, se respeitavam. Isso que a gente percebe hoje. Se respeitavam. Não foi como o grupo da Auta de Souza. Então, eles pegaram, eles entraram num momento frágil, assim que o Damo desencarnou. Porque com o Damo também, ele jamais permitiu. O Damo era firme dentro dos princípios da linha, da visão do Seu Jerônymo. Mesmo que ele modernizava alguma coisa, mas os três pilares ele não mexia. Ai eles pegaram justamente o momento da fragilidade que entrou essa nova diretoria, que já tava envolvendo as questões financeiras, problema do sanatório, certo? Fechamento do sanatório, essas coisas tudo... eles já estavam encampando esse grupo que hoje é a diretoria. E eu mesmo fui. Eu era assídua nos estudos da Auta de Souza. Eu não perdia um. Certo? Mas depois eu fui percebendo que ta fugindo do perfil. Então, se fugir do perfil nosso aqui... Certo? A gente respeita tudo, mas... (Mirtes Borges Guimarães, 06 de dezembro de 2015).

O receio de que as práticas tradicionais do espiritismo na cidade seja

ofuscado em suas origens ritualísticas pelo programa de um movimento

brasileiro consolidado é legítimo na medida em que se trata de uma

apropriação institucional no campo do espiritismo brasileiro sobre um ritmo

comunitarista, que tende a ser preservado ou pervertido.

Um apanhado histórico como o que foi empreendido neste capítulo, na

dialética da história da cidade até seu espiritismo e da história do espiritismo

até sua cidade, nos permite falar de um “movimento espírita palmelino”,

conceito que se formula a partir de três características centrais: além de não

corresponder totalmente às práticas rituais de nenhuma vertente do movimento

espírita brasileiro, tais práticas se desenvolvem em todo o espaço produzido da

cidade e as mesmas servem de referência e orientação para a fundação de

outras casas espíritas no país, que organizam excursões, reuniões de estudo

no local ou entram em contato para receberem orientação espiritual nessa

cidade. Se admitido, este movimento seria consideravelmente dialógico por não

ser fundado a partir de um cisma originário, mas por preceder e guardar

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relações de intimidade doutrinária com o movimento febiano e ser amplamente

agregado, apoiado e divulgado pela SODEAS.

Apesar do argumento comum de que a doutrina espírita é uma só, o

movimento social que a conforma mais ou menos na base da codificação

kardequiana apresenta cisões ou cismas, conforme assinalaram Amorim (2012)

e Signates (2013), dado comum na constituição das religiões (novas religiões

por vezes surgem a partir de cismas diante de uma institucionalidade que a

precede).

O Espiritismo, como de modo geral todas as demais religiões, desde o seu surgimento empenha-se pela coesão de sua doutrina e afiliados (...). De maneira oposta à pretendida por Kardec, o Espiritismo seguiu sua trajetória dividido em vários grupos, longe de se caracterizar como uma doutrina monolítica (AMORIM, 2012, p. 119).

Amorim (2012) assinala que as cisões no movimento espírita brasileiro

no início do século XX se deram especialmente em continuidade à oposição

francesa já antiga (século XIX) das teses de Allan Kardec e Jean-Baptiste

Roustaing, ambos com pretensão de análise do evangelho de Jesus Cristo.

Como todos os grupos em disputa simbólica adotavam Kardec, pode-se dizer

que a cisão se dava em torno de Roustaing. Houve várias tentativas,

principalmente na promoção de reuniões e congressos, com o objetivo de

unificar o movimento espírita brasileiro (MEB), o que só veio a ocorrer com o já

mencionado Pacto Áureo, que teve como principais determinações a criação do

Conselho Federativo Nacional (CFN), que passou a reunir as mais diversas e

independentes instituições espíritas e em torno de duas obras de Kardec como

referência unânime: O livro dos espíritos e O livro dos médiuns.

Após inúmeras reuniões entre os dirigentes espíritas de várias federações e uniões de níveis estadual e nacional, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, durante a realização nessa cidade do Segundo Congresso da Confederação Espírita Pan-americana (Cepa), em outubro de 1949, foi assinado um acordo para tentar pôr fim ás históricas divergências que ocorriam no Movimento Espírita, o qual posteriormente passou a ser conhecido como Pacto Áureo, reunião denominada pela revista O Reformador: ‘o evento de mais alta significação da história do espiritismo brasileiro’ (AMORIM, 2012, p. 123).

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Signates (2013, p. 44) elabora a tipologia dos cismas como episódios

radicais ou ainda limites comunicacionais no interior do campo religioso.

“Observando o movimento espírita brasileiro, identificamos dois tipos

fundamentais de cismas: os que decorrem de discordância doutrinárias e os

que derivam de diferenças práticas, rituais ou políticas”. Chega ainda a

relacionar um terceiro tipo de cisma: “o cisma interno, que decorre de lutas

específicas e se desenvolve como disputa pela própria identidade espírita”.

Neste último caso, o autor relaciona “cismas integrados e os não integrados”.

Interessa para este trabalho saber que a SODEAS é um caso de cisma interno

integrado, que adquire uma espécie de “subidentidade”.

Ser um cisma interno integrado significa que há uma espécie de disputa

simbólica (cisma) no próprio âmbito institucional da religião (interno), mas que é

assimilado (ou integrado) pelas formas institucionais. Ou seja, aceita-se e

convive-se – às vezes de modo dissimulado – com práticas nem sempre

convergentes segundo a institucionalidade religiosa.

Seguindo este raciocínio, a afirmação do conceito de um “movimento

espírita palmelino” é extremamente relativa, mas útil para a proposta deste

trabalho. Não existe em Palmelo discordância doutrinária ou institucional para

com a vertente hegemônica do espiritismo brasileiro, aquela integrada pela

SODEAS e capitaneada pela FEB. O que há são práticas específicas de

Palmelo que lhe fornecem também uma espécie de “subidentidade localizada”,

pois a cidade é a referência espacial e informacional deste “movimento espírita

palmelino”.

Além de tudo, o Centro Espírita Luz da Verdade (CELV) não abarca um

grupo organizado com o propósito de criar um movimento próprio, pois, a

princípio, é apenas mais um centro espírita no Estado de Goiás. O fato de ser

um centro espírita e não uma entidade federativa não o invalida enquanto

movimento específico. A SODEAS foi fundada em 30 de novembro de 1986

como um centro espírita, “uma instituição espírita que tivesse uma

característica diferenciada das demais casas espíritas daquela ocasião. Uma

casa que pudesse abrigar trabalhadores de diversas frentes de trabalho, que

tivessem a coragem de levar o consolo aos seus irmãos mais necessitados,

Page 97: A CIDADE ESPÍRITA EM PALMELO (GO): Comunicação entre ...£o_Damasio.pdfComunicação entre sistemas simbólicos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação

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além fronteira”41. Assim, torna-se uma espécie de movimento federativo espírita

paralelo.

Enfim, o conceito de movimento espírita palmelino é proposto aqui por

sua relevância para esta pesquisa. Trata-se de entender que a história da

cidade de Palmelo em torno do CELV surge com uma dinâmica própria aquém

ou, no máximo, em paralelo às demais frentes de desenvolvimento da doutrina

espírita em Goiás e no país, e que produziu uma cidade inscrevendo nela os

espaços e as práticas cotidianas, como se verá no próximo capítulo. Além

disso, é responsável por práticas rituais originárias, como a corrente magnética

e o tratamento em linhas de médiuns que percorrem a cidade, o que não se vê

em nenhum outro lugar do mundo, pelo que nos consta. Por mais que pareça

muito pretencioso elevarmos as práticas espíritas em Palmelo à condição de

“movimento espírita palmelino”, seu efeito é mais modesto. A constatação aqui

é a de que 1) ou se considera que há um movimento espírita palmelino, 2) ou

se considera que Palmelo representa o movimento espírita brasileiro ao ser

denominado “cidade espírita”. Portanto, a hipótese necessária para

interpretarmos como os sistemas simbólicos da religião e da cidade se

comunicam na cidade espírita é a de que Palmelo desenvolveu uma identidade

própria (“subidentidade localizada”) e autorreferente acerca da doutrina

espírita, algo que a médium Dona Vânia chamou de “espiritismo autêntico. O

espiritismo que fala do evangelho”.

Eu creio que ele é o espiritismo autêntico. O espiritismo que fala do evangelho. Porque o espiritismo sem o evangelho, que é a moral cristã, ele fica apenas uma ciência e uma filosofia, onde todos podem ingressar e às vezes não tem aquele despertar do sentimento, do fazer, do realizar. Então, Palmelo além de oferecer a doutrina espírita como ciência, como filosofia, tem no evangelho esse caminho da promoção. É onde o médium aprende a se doar. Ele vai doar o seu tempo, o seu trabalho, vai se dedicar a uma causa, vai ajudar as pessoas que vem em busca de conforto, de consolo. Então, vejo diferenciado nesse sentido. Não melhor, porque doutrina espírita é igual em qualquer lugar, mas vejo Palmelo puxando por esse lado, do evangelho. É, associando mais o ensinamento de Jesus a essa filosofia e ciência, que, por si só, vai caminhar a fazer o progresso da humanidade (Vânia Arantes Damo, 18 de dezembro de 2015).

41

Disponível em: <http://www.autadesouza.com/centro-espirita/historico-do-centro-espirita>. Acesso em: 07 jan. 2016.

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96

Outros dados colhidos em campo reforçam esta tese. Uma visitante, que

se afirmava católica com grande simpatia para com o espiritismo, afirmou que

“não é a primeira vez (que vem a Palmelo). Há um ano e meio eu conheci com

um grupo de espíritas, eu tinha curiosidade de conhecer a cidade justamente

pelo fato de já estar estudando a doutrina há três anos e meio” (Visitante 2, 18

de dezembro de 2015).

Para um visitante espírita de Brasília, que declarou ir à Palmelo por

motivo de estudo sobre a prática da corrente magnética, o modelo

desenvolvido na cidade é fundador e influenciou outras casas espíritas.

Vim conhecer o lugar onde iniciou-se o trabalho com corrente magnética. Foi aqui em Palmelo que iniciou um trabalho aqui de um antigo fundador da casa que era o Doutor Gilson veio aqui em Palmelo com Jerônymo Candinho ver, estudar, aprender como que era o trabalho com corrente magnética e levou o trabalho para Brasília que hoje algumas casas já adotam o trabalho de corrente magnética disseminando isso através do nosso centro lá em Brasília. O CEFAK que é o Centro Espírita Fraternidade Allan Kardec onde eu participo (Visitante 1, 05 de dezembro de 2015).

O morador de Palmelo e orador espírita Augusto Batista de Souza (17

de dezembro de 2015) afirma que “aqui é a única cidade do Brasil e do mundo

que tem a chamada corrente magnética. (...) Jerônimo Candinho dizia ‘Se

Eurípedes fazia desse jeito, eu faço também’, e está até hoje a corrente

magnética”.

A constatação de um movimento com identidade própria também

aparece na voz do jovem médium e palestrante espírita, Leonardo Guimarães

de Assis. Para ele, a prática da corrente magnética, sempre referida pelas

fontes orais da presente pesquisa, é um dos principais fatores que demarcam a

identidade palmelina frente ao movimento espírita brasileiro. De quebra, ele

ainda relaciona elementos tradicionais que asseguram uma identidade do

espiritismo praticado em Palmelo.

Por conta da corrente magnética, que até um tempo atrás, acreditava que a corrente magnética era utilizada em todos os centros espíritas, e eu descobri que não é, o pessoal mais próximo que realiza uma corrente magnética seria aquela

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sessão de mesa redonda em que um médium através da psicofonia, da passagem a um espírito e eles se comunica, mas toda a organização aqui é bem diferenciada como um todo pelos centros espíritas que eu já visitei, acho bem diferente mesmo, até mesmo, só pra complementar essa resposta, pela questão de ainda se prezar muito pela tradição, porque centro espírita até hoje, preserva-se em algumas reuniões as mulheres sentadas de um lado e os homens de outro, tem muitas pessoas que questionam isso, mas, se a gente pensar que o centro espírita ele foi tombado, é um patrimônio histórico, então acho que seria interessante preservar esse tipo de situação, então tem muitas coisas que desde a época de fundação eram realizadas, preservou-se, então acho que por isso, se afasta de certa maneira daquilo que foi estabelecido pela federação espírita e até mesmo pelo grupo Auta de Souza, acredito que isso (Leonardo Guimarães de Assis, 18 de dezembro de 2015).

Na condição de voz oficial, o atual presidente do Centro Espírita Luz da

Verdade, Barsanulfo Zaruh da Costa, ressalta a unidade da doutrina espírita,

mas concorda e relativiza a variedade de movimentos por serem feitos por

pessoas. Por fim, o presidente destaca que há “uma forma diferenciada” em

Palmelo, ligada ao cotidiano.

Não, o Espiritismo é um só. Em qualquer lugar que se vá o Espiritismo é um só, não tem como diferenciar, é uma doutrina. Em questão do movimento espírita cada lugar, cada lugar, e cada Centro Espírita têm as suas particularidades. Em Palmelo não ia ser igual a todos os outros, assim como os outros não seriam igual a Palmelo por mais que tente se copiar esse movimento, ele é feito por pessoas. E como nenhuma pessoa é igual a outra, o movimento em si também não será, mas há uma aurificação no sentido de que o ideal é o mesmo em todos os lugares. Mas são particularidades que tem em Palmelo, que trazem uma forma diferenciada porque aqui trabalha-se todos os dias, né. Por vários motivos, mas não que a doutrina seja diferente aqui ou em outros lugares (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

Até aqui, o que se discute é o fluxo histórico das ideias que permitem

lançar a hipótese de um “movimento espírita palmelino” 42 . A materialidade

deste movimento a partir e além da história é o tema do próximo capítulo, que

42

O conceito de “movimento” é sociológico: se refere à dinâmica social. Serve de definição mencioná-lo, conforme Gohn (2010, 39), como “uma forma de estruturação de relações sociais”, acrescentando a especificidade da instituição religiosa espírita (atuação simbólica) em lugar dos pressupostos dos movimentos sociais clássicos ou políticos (identidade, opositor e projeto). Assim, queremos dizer de um “movimento social espírita palmelino”.

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aborda o cotidiano de Palmelo por meio de seus espaços material e espiritual,

apresentando-o descritiva e imageticamente como subsídio para a análise de

uma cidade que abriga um movimento espírita identificado por sua edificação,

suas práticas tradicionais e suas espacialidades concretas (territoriais,

materiais) e informacionais (imaginárias), com finalidades que não constituem

cismas, mas uma subcorrente da versão oficial de espiritismo brasileiro.

Como se pôde observar, ao que tudo indica, este movimento passa

atualmente por um processo de assimilação por conta da presença constante

da SODEAS na localidade e da administração atual do CELV, que se abre a

este movimento com maior intensidade do que ocorria anteriormente.

Hall (2007) define a identidade cultural e seus períodos (moderno,

sociológico e da modernidade tardia) justamente quando se percebe sua não

essencialidade, ou seja, no período conhecido como modernidade tardia, que

ele denomina como pós-moderno. Assim também, a percepção de distinção de

um movimento espírita palmelino próprio vem registrada nesta dissertação no

momento em que, ao que tudo indica, ocorre o referido movimento de

assimilação pelo MEB, pelas vias de atuação da SODEAS.

Ressalta-se, porém, a importância de considerar a distinção de um

movimento espírita palmelino agora, pelo menos no que se refere a ele como

origem da corrente magnética, ritualidade que aparece como moeda de troca

assimilada pela SODEAS e pelas instituições espíritas a ela vinculadas. O

movimento espírita palmelino demarca o retorno da mediunidade pública

(ponderadamente) e de um rito como o da corrente magnética a esta parcela

do MEB.

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99

4. OS ESPAÇOS PRODUZIDOS PELOS SISTEMAS SIMBÓLICOS

Única cidade espírita de Goiás, do Brasil ou do mundo, Palmelo é

referenciada espacialmente por aquilo que produz e que a produziu: a crença e

a atividade espírita, em suma, por seu movimento espírita. O espaço, diz

Lefebvre (2006), é uma “produção social” e não uma abstração43, por isso é

possível localizá-lo na vida cotidiana: Palmelo é aquela cidade dos espíritas.

Mas o que é que esse movimento espírita palmelino produziu? Quais são os

espaços que o testemunham?

Para o objetivo de compreender como se dá o vínculo entre os sistemas

simbólicos da religião e da cidade não se deve entender a cidade espírita como

uma representação dada, como se só interessasse sua existência a despeito

das relações sociais que foram capazes de criá-la e das que, hoje, a

transformam e mantém.

Seguindo o exemplo de Brandão (1985, p. 8), é preciso saber “como a

religião acontece em uma cidade do interior do Brasil”. Não nos contentamos

com a descrição de que Palmelo surgiu em torno de um centro espírita. Por

mais que esta informação seja verdadeira, é mais correto pensar (e daí

problematizar) que Palmelo produziu-se (e continua produzindo) em torno de

um centro espírita, como constatado a partir de sua história. Também por isso

constitui um movimento espírita próprio.

Este capítulo trata da produção da cidade espírita em termos espaciais

e, portanto, simbólicos, já que o espaço é significativo, conforme Lefebvre

(2006). De modo objetivo, este capítulo é uma “descrição densa” (GEERTZ,

2008) relacionando os espaços da cidade com atenção especial aos espaços

religiosos, tanto porque constituem a especificidade desta pesquisa, como

porque são lugares que não deixariam de ser descritos por qualquer

pesquisador que trate de Palmelo, uma cidade com forte vínculo de

religiosidade. A espacialidade trata, assim, dos dados do cotidiano.

43

O espaço dos matemáticos e dos físicos, que todos aprendemos mais ou menos na escola ao calcular quantos metros terei de caminhar para ir da sala de aula ao banheiro, é uma abstração porque não existe concretamente. O que existe é a “sala de aula”, o “banheiro” e o “corredor”. Estes são espaços concretos que podemos localizar adequadamente porque foram assim produzidos: em comunicação, conforme Lefebvre (2006) e outros autores contemporâneos como Bollnow (2008). Esta discussão não será desenvolvida nesta dissertação se não no que se refere à constituição do espaço da cidade.

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100

Perscrutaremos, teoricamente, como a religião acontece na pequena

cidade. Em seguida, descreveremos os espaços nas perspectivas dos sistemas

simbólicos em análise: o citadino e o religioso. Separamos aqui a descrição da

cidade material, mostrando as ruas, os prédios das instituições de poder

simbólico e os espaços públicos; e a descrição da cidade espiritual, relatando a

descrição mediúnica e o imaginário em torno de uma colônia espiritual

localizada sobre a cidade material. A tese deste capítulo é a de que os espaços

da cidade fornecem acesso aos sistemas simbólicos da cidade e da religião,

pois permitem ver como a religião acontece na pequena cidade de Palmelo.

4.1. Como a religião acontece na pequena cidade

As cidades sempre estiveram vinculadas às instituições religiosas, sem

que se pensasse como é que a religião acontece nos espaços construídos

como cidades. A complexidade do tema exigiria um esforço de recuperação

das concepções de religião e de cidade ao longo do tempo, já que, de um lado,

as concepções religiosas nem sempre se conformaram nos termos

institucionais de uma modernidade demarcada pelo deslocamento do lugar da

fé da esfera pública para a privada (secularização). De outro lado, também é

relevante considerar que só no começo deste milênio é que a cidade se tornou

o lugar prioritário de habitação e agrupamento humano44 e a perspectiva da

Organização das Nações Unidas (ONU) é de que somente por volta do ano de

2030 é que esta será a realidade de todos os países, incluindo os

subdesenvolvidos. Este é um dos motivos pelos quais Lefebvre (2001) afirma

que a urbanização não é um dado completo, mas sim um processo (inevitável,

segundo o autor, mas ainda não alcançado).

A religião a que nos referimos nesta dissertação – o espiritismo – surge

e chega ao Brasil no século XIX e a cidade em análise – Palmelo – é fruto do

século XX. Portanto, temos um tema contemporâneo e moderno. É importante

visitar os traçados das cidades e das religiões na história do pensamento

filosófico e cultural, mas interessa diretamente a concepção atual e corrente

segundo o olhar que lançamos: As cidades “são centros de vida social e

44

No ano de 2008 é que, pela primeira vez, a população mundial urbana se igualou e passaria a superar a população rural em quantidade (ONU apud RIBEIRO, 2013).

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política onde se acumulam não apenas as riquezas como também os

conhecimentos, as técnicas e as obras” (LEFEBVRE, 2001, p. 4). As religiões

são “empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmos sagrado” e

fornecem “uma estabilidade que deriva de fontes mais poderosas do que os

esforços históricos dos seres humanos” (BERGER, 1985, p. 38).

Com base nestas concepções, trazidas por autores contemporâneos,

que atualizam o pensamento social marxista e weberiano, é que se torna

legítimo estranhar e buscar entender as possibilidades de comunicação entre o

sistema (modo de funcionamento) da cidade e o sistema da religião em cidades

como Palmelo. Isto porque, se observarmos bem, a teoria geral diz que a

cidade funciona de modo muito diferente da religião. Constituem sistemas

distintos. E ainda que no centro de toda cidade exista uma igreja, esta

dificilmente é capaz de atribuir uma identidade específica à cidade, como se

encontra em Palmelo, mas também nos casos católicos de Trindade em Goiás

(TAVARES, 2014), de Fátima em Portugal e de Aparecida em São Paulo

(ROSA, 2015) e outras ocorrências de “cidades-santuário” ou qualquer nome

que se dê às hierofanias45 nas cidades.

Tanto Tavares (2014) quanto Rosa (2015) problematizam a

reconfiguração do campo religioso a partir da inserção dos dispositivos

midiáticos, o que acreditamos ser parte do processo entendido no conceito de

midiatização, que é o modo de ser da comunicação na sociedade atual. Mas, a

fundo, “o que hoje experimentamos como ‘comunicação’ pode ser definido

como o processo simbólico (...) de organização das trocas vitais no plano da

elaboração do comum humano” (SODRÉ, 2014, p. 284). Nos casos destes dois

autores e colegas de pesquisa, é possível entender que se preocupam com o

processo simbólico pelo qual a religião responde tendo seu modo de

organização transformado pelos dispositivos midiáticos.

Esta preocupação de fundo, sob a mesma concepção de comunicação,

é o que direciona esta dissertação. Para o estudo de Palmelo, faz pouco

sentido buscar a centralidade que os dispositivos midiáticos ganham em

Trindade e Aparecida. Isso nos permite perceber que o “comum humano” ao

45

Santos (2014, p. 64) defende uma hierofania (manifestação do sagrado no espaço) particular em Palmelo. “A manifestação do sagrado acontece na cidade de Palmelo de forma singular em virtude da Doutrina Espírita, bem como do socorro prestado em seu nome”.

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qual nos dirigimos (uma pequena cidade de interior goiano com forte sentido

religioso comunitário) solicita outros termos para entender o “processo

simbólico de organização” da vida cotidiana em Palmelo. Assim, diferente de

saber como a religião é reconfigurada nas cidades, é preciso entender como

ela acontece hegemonicamente na pequena cidade.

Retomando o estranhamento do vínculo entre cidade e religião na

modernidade, em termos comunicacionais, trabalha-se com a ideia de que a

cidade, segundo Lefebvre (2001), organiza seus símbolos tendendo à

diversidade das relações sociais centralizada na acumulação histórica,

enquanto a linguagem da religião, de acordo com Berger (1985), é a

estabilidade do ser independente da história, em outro termo, é o dogma.

Este é o pensamento que justifica a diferenciação ideal entre os tipos

societário e comunitário. No primeiro caso (societário), a relação social

acontece por meio de ajustes funcionais de interesses, orientados a valores ou

a fins. No segundo caso, esta relação (comunitária) é orientada pela tradição e

pelo pertencimento subjetivo.

Uma relação social denomina-se ‘relação comunitária’ quando e na medida em que a atitude na ação social – no caso particular ou em média ou no tipo puro – repousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente) ao mesmo grupo. Uma relação social denomina-se ‘relação associativa’ quando e na medida em que a atitude na ação social repousa num ajuste ou numa união de interesses racionalmente motivados (com referência a valores ou fins). A relação associativa, como caso típico, pode repousar especialmente (mas não unicamente) num acordo racional, por declaração recíproca. Então a ação correspondente, quando é racional, está orientada: a) de maneira racional referente a valores, pela crença no compromisso próprio; b) de maneira racional referente a fins pela expectativa da lealdade da outra parte (WEBER, 2000, p. 25).

Adiante, contudo, ressaltaremos como Habermas (2012) supera essa

dicotomia de Weber (2000), posicionando a orientação ao entendimento por

meio da ação comunicativa e não determinada como meios para atingirem fins

(teleologia). Em contrapartida, na verdade, para além da tipologia weberiana,

não é incomum o vínculo entre cidade e religião nem na antiguidade e na Idade

Média, nem entre cidade e espiritismo na modernidade, como veremos logo

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adiante. Pelo contrário, o surgimento das cidades é atribuído, por um lado, à

agricultura e, por outro, à sociabilidade em torno dela, que se dá no comércio e

na religião.

A cidade é, sem dúvida, um modo de vida – uma cultura. Assim, uma

imaginação como a do escritor Daniel Quinn (2000) idealiza que deve haver

outros modos de vida possíveis e que a humanidade, de alguma forma,

escolheu o seu ao desenvolver a agricultura e a noção de trabalho, fonte de

estabilidade, propriedade e poder. É o que se encontra em um discurso do

personagem anticristo “B” em diálogo com o padre laurenciano Jared Osborne:

Há cerca de dez mil anos, as pessoas que haviam vivido no Crescente Fértil durante dezenas de milhares de anos começaram a viver de uma outra forma, a forma que chamamos ‘o modo de vida do Pegador’. (...) Elas não começaram a viver de uma outra forma porque estavam morrendo de fome [como a explicação padrão forja], porque pessoas que estão morrendo de fome não inventam modos de vida, assim como pessoas que estão caindo de um avião não fabricam pára-quedas. E sua nova maneira de viver não foi adotada por ser tão maravilhosa e por representar apenas um próximo passo – inevitável – a ser dado. O que esses fundadores de nossa cultura inventaram basicamente para nós foi a noção de trabalho. Criaram um modo trabalhoso de viver – mais trabalhoso jamais visto neste planeta (QUINN, 2000, p. 101).

O personagem “B” é considerado um “anticristo” também porque

relaciona o modo de vida do agricultor ao ímpeto de dominar povos e

territórios, presente no cristianismo, religião que não se contenta em apanhar

seu modo de vida em comunidade, mas que tem a necessidade de ir, de dois

em dois, pregar a palavra de Deus, cultivando-a (tarefa do agricultor). Além

disso, são os cristãos que afirmam: “Viverás do suor do seu trabalho”. O

personagem atribui o problema da (des)humanidade nas cidades a essa

herança – a cultura. Mais que um conceito, a cultura surge, então, como

dominação e hegemonia. Afinal, a cultura de um lugar é a cultura que se tornou

predominante. Em um juízo de valor, quem tem cultura é o erudito.

Mas, toda dominação exige um grau de negociação social, excetuando

os estados de guerra já vivenciados no planeta em que a linguagem corrente é

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de ordem bélica. Nas cidades, a negociação é originariamente comercial,

política e simbólica, pois são as formas que assumem a sociabilidade.

A sociabilidade foi a mola propulsora para a ‘invenção’ das cidades. Foi o impulso da sociabilidade que se manifestou na Antiguidade para o surgimento das cidades, e pode ser observado, principalmente, no comércio e na religião. Se a produção agrícola e as técnicas desenvolvidas impulsionaram o início das primeiras cidades, próximas ao Oriente Médio, a sociabilidade foi imprescindível para seu progresso, visto que o comércio com as cidades vizinhas era uma importante atividade para a economia local (RIBEIRO, 2013, p. 14-15).

As primeiras cidades, ao que parece, surgem em torno das cheias dos

rios, desenvolvendo agricultura e comércio, seu primeiro pilar. Em seguida, o

âmbito cultural é formado pela religião ou por uma cosmogonia e o âmbito

político se configura para a gestão coletiva do espaço. Desse modo, uma

cidade teria, pelo menos, estas três dimensões fundadoras. Já consideramos o

político ao falar da história da cidade. O aspecto econômico será analisado no

quinto capítulo. Mas o item presente em toda esta dissertação é o cultural, o

âmbito dos sistemas simbólicos e, portanto, dos significados comunicados.

Em um breve parêntese, há, contudo, algo a destacar no que se refere

ao objeto de pesquisa da cidade espírita em Palmelo. Toda cidade tem sua

dimensão simbólica e, via de regra, a religião a constitui. Nem por isso as

cidades são vinculadas a uma identidade cultural específica. O sistema

religioso, em Palmelo, extrapola o limite da dimensão cultural da cidade (ou a

própria dimensão cultural ganha importância capital) e se vincula à própria

cidade como um todo, em alguma medida. Isto será detidamente defendido no

próximo capítulo.

Criada a cultura (a nossa cultura), as formações humanas que hoje

constituem cidades foram diferentemente concebidas ao longo do tempo.

Lefebvre (2001, p. 30-31) informa que “o Logos da Cidade grega não pode se

separar do Logos filosófico”, pois “os filósofos pensaram a cidade”. Já na Idade

Média, “a teologia subordina a si a filosofia. Esta última não medita mais sobre

a Cidade”. Na Modernidade, o real se reconhece racional, saindo do âmbito

filosófico e caminhando, com Marx, para o âmbito do trabalho cultural e das

forças produtivas. Essas mudanças práticas na relação da filosofia com a

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cidade ocorrem porque “a cidade tem uma história; ela é a obra de uma

história, isto é, de pessoas e de grupos bem determinados que realizam essa

obra nas condições históricas” (LEFEBVRE, 2001, p. 47).

Assim, de modo geral, sabe-se que a religião na cidade antiga guarda

relações de mútua constituição, o que se intensifica ao nível feudal na Idade

Média. Mas, para a era moderna, o fenômeno da secularização é o que emerge

de dentro da racionalidade medieval.

A Igreja deixa de exercer o monopólio cultural, mas é a partir dela que começam algumas mudanças, como o surgimento das universidades e a transformação de escolas monásticas em centros de estudos inovadores. Além disso, novas manifestações surgem nos campos da arquitetura e literatura, dando tons mais humanistas à cultura, desvinculando-a dos valores religiosos (RIBEIRO, 2013, p. 21).

Como um “deslocamento da religião para a esfera das preocupações

individuais, não públicas”, a partir de uma intensa valorização da razão como

valor fundamental do sujeito (MARTINO, 2012b), a secularização se coloca

entre as cidades medievais e as cidades modernas, gerando a

incomunicabilidade simbólica com a religião. A crença na razão como valor

fundamental e na essencialidade do sujeito do conhecimento sobre o mundo

relegam à religião e à toda a Idade Média o estigma da irracionalidade.

É neste período de efervescência do positivismo que o já mencionado

movimento espiritualista norteamericano chega ao continente europeu,

reinserindo na cultura toda uma ordem de fenômenos antigos, agora

reinterpretados – manifestações físicas não explicadas, comunicação com os

mortos etc. – que serão investigados por diversos estudiosos e sistematizados

especialmente em uma doutrina dotada de demarcados valores morais por

Allan Kardec (AUBRÉE; LAPLANTINE, 1990).

O surgimento do espiritismo na França do século XIX nasce, sobretudo,

sob o argumento da fé raciocinada. Fica claro que o modo mais eficaz de

surgimento e efervescência de uma nova crença religiosa neste contexto de

descrença geral é o pretenso vínculo com a razão. Surge, portanto, em meio ao

processo de secularização, uma religião dentro do escopo de visão positivista.

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Atualmente, por exemplo, o movimento espírita pan-americano46 e seu entorno

afirmam a opção por um “espiritismo laico”, voltado ao debate hermenêutico -

questionador ou comprobatório - das teses espíritas.

Seja pelas vertentes que se autodenominam científicas ou filosóficas, na

teorização acerca de um mundo melhor a partir de valores caros ao espiritismo

(fraternidade, diálogo, caridade etc.) ou de práticas de comunicação com o

mundo espiritual, seja pelas vertentes religiosas que, crentes na evolução pela

reencarnação e pela lei do progresso dos mundos, imaginam e relatam suas

colônias espirituais; em todo caso, o espiritismo, como ideologia positiva, é

altamente vinculado à ideia moderna de cidade. Uma ideologia que Lefebvre

(2001) define como a do urbanista que se vê como um “médico do espaço”. Foi

a partir do texto de Luiz da Silva (2012) que percebemos a afeição que o

espírita tem por uma cidade “curada” e harmoniosa. Para o espírita, o mundo

material é apenas uma cópia imperfeita do que há no mundo espiritual, rumo

ao qual a humanidade vai se aprimorando.

Se essa referência serve para o espiritismo brasileiro como um todo, há

também pelo menos três exemplares da vinculação das cidades com o

imaginário espírita. Um deles será tratado adiante em detalhes na publicação

do livro “Moradas Espirituais – Visita a vinte colônias espirituais” pela

importante médium palmelina Vânia Arantes Damo no ano de 2002, em que se

narra não apenas a existência de cidades espirituais, como as características

do mundo espiritual no espaço da cidade de Palmelo.

O segundo exemplo encontrado reside no próprio ideário de construção

da cidade de Palmelo, ato intencional desde a construção dos espaços até a

emancipação da cidade, atribuído corretamente a Jerônymo Candinho.

Relações deste líder político e religioso com outros políticos, como o deputado

piresino Taciano Gomes de Melo, se repetem. A construção de Palmelo se deu

no mesmo período da construção de Brasília. Inúmeras fontes contam que

Juscelino Kubitschek, o presidente da república idealizador da nova capital

federal, visitara, se tratara espiritualmente e se tornara amigo de Candinho ao

identificar nele um visionário por também imaginar uma capital, “a capital

espírita do mundo”.

46

Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), organização da qual não participam as entidades religiosas do movimento espírita brasileiro.

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107

O último exemplo vem de um olhar de fora para dentro. Em 2013, os

artistas Kasper Akhøj e Tamar Guimarães – o primeiro é dinamarquês e a

segunda é brasileira, mas vive no exterior – produziram um vídeo documental

de arte contemporânea que circula atualmente em festivais47 de arte mundo a

fora, intitulado “A família do Capitão Gervásio”48 no qual “captaram na cidade

de Palmelo, no interior de Goiás, imagens de sessões de cura no Centro

Espírita Luz da Verdade”49.

O filme resultante, A familia do Capitão Gervásio, intercala as imagens de Palmelo com outras de detalhes da arquitetura moderna brasileira, gravadas em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. A partir dessa construção, o filme relaciona nossas cidades modernas com as vinte cidades astrais mapeadas no território brasileiro por uma médium de Palmelo e descritas como “iguais àquelas existentes na Terra, mas infinitamente mais perfeitas”. Na projeção ou visão dos próprios artistas, ambas as cidades aspirariam aos mesmos ideais, como uma espécie de ectoplasma ou projeção do porvir. Desse modo, passado, presente e futuro convergem em uma elaborada noção de existência, sonho e realidade50.

Note-se a relação de que, para os artistas, “ambas as cidades

aspirariam aos mesmos ideais”. O imaginário espírita em uma das menores

cidades do mundo aspira ao mesmo ideal das maiores e mais modernas

cidades. Assim, são variadas e fortes as fontes que constatam o vínculo de um

imaginário espírita das cidades.

Verificado o modo como a religião se concebe na cidade em geral e,

especificamente, como o espiritismo imagina suas cidades com exemplos

abstraídos da própria cidade de Palmelo, é preciso voltar um pouco para saber

que tipo de cidade é essa cidade contemporânea que abriga e se deixa

produzir como símbolo religioso. Ao fundo, o que se visualiza novamente é a

relação entre cultura e civilidade.

47

O filme foi primeiramente exibido na 31ª Bienal de São Paulo, com o tema “Como falar de coisas que não existem”. http://www.31bienal.org.br/pt/ 48

A obra não está disponível publicamente, pois, segundo a autora, ainda percorre festivais. Há, porém, uma versão apenas com imagens gravadas em Palmelo como produto de agradecimento dos artistas à população que foi mostrada para alguns moradores na cidade e que estará disponível publicamente na internet após a visualização pelos médiuns. Disponível em: https://vimeo.com/137937620. Acessado em: 15 jan. 2016. 49

AKHØJ; GUIMARÃES, 2016. 50

Idem, ibidem.

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108

Assim como Ribeiro (2013), muitos autores relacionam cultura e

civilidade a partir da categoria da multiculturalidade e de uma de suas

abordagens, a interculturalidade; características que servem à cidade

contemporânea pelo pluralismo cultural nelas encontrado. Estes conceitos

surgem para justificar e relativizar a cultura em tempos de globalização,

entendidos como demarcadores dos processos que emergiram com maior

força na Revolução Industrial, como o desenvolvimento das comunicações

entre diferentes regiões, pelas vias dos transportes e da imprensa,

teleologicamente orientados pela gestão unificada dos territórios e das

produções. Ou, ainda, conforme Correa (1999, p. 43), como a “fase superior da

espacialidade capitalista”, que concretizou-se no Brasil por meio de fatores

como industrialização, urbanização, maior estratificação social, crescente

circulação de mercadorias, reestruturação agrícola, incorporação de novas

áreas aos processos produtivos, entrada de grandes corporações em toda

organização empresarial e mudanças na distribuição da produção. Este curso,

em constante mutação gera uma complexidade cultural interpretada naqueles

termos do multiculturalismo e da interculturalidade, como uma forma de

entender e reconhecer a presença de diversas outras culturas.

Ao fundo, reluz a perspectiva que aplica a relação da cidade com sua

dimensão simbólica ao quadro da cidade como o espaço da diversidade, ainda

que persista uma identidade hegemônica com as quais se negocia o valor

cultural. Via de regra, tais noções servem para descrever as metrópoles, a

partir das quais a história das sociedades é narrada. Mais recentemente é que

se considera o âmbito local. “Nesta encruzilhada (entre o local e o global), (...)

as migrações ‘glocais’ criam identidades hifenizadas e/ou diaspóricas

ancoradas em comunidades, lugares, regiões, nações, continentes e culturas

outras” (OLIVEIRA, 2015, p. 49). Ainda que não se trate do mesmo assunto,

Lefebvre (2001) define que a cidade promove uma mediação entre a ordem

próxima (que em alguma medida se ancora no local) e a ordem distante (que

em alguma medida se ancora no global). O que se destaca é a ideia de

mediação.

A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto (...), [mas] as transformações da cidade não são os

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resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade (...) se situa num meio termo, a meio caminho entre aquilo que se chama de ordem próxima (relações dos indivíduos em grupos mais ou menos amplos, mais ou menos organizados e estruturados, relações desses grupos entre eles) e a ordem distante, a ordem da sociedade, regida por grandes e poderosas instituições (Igreja, Estado), por um código jurídico formalizado ou não, por uma ‘cultura’ e por conjuntos significantes (LEFEBVRE, 2001, p. 46).

Para Lefebvre (2001), portanto, o papel da cidade é o de sistema com

caráter de mediação entre as duas ordens – a próxima e a distante, a local e a

global, a tradicional e a moderna, a comunitária e a societária. “Se comparo a

cidade a um livro, a uma escrita (a um sistema semiológico), não tenho o direito

de esquecer seu caráter de mediação” (LEFEBVRE, 2001, p. 48). Também o

papel da cultura, segundo Geertz (2008, p. 4), é o de sistema interpretável

semioticamente em seu caráter de mediação, colocando o homem em suas

teias de significado.

Na tensão glocal, define-se a cultura. Ainda assim, nessa relação,

olhando para Palmelo, percebemos que há muito de global nas teorias e pouco

de local que não seja marcado pelo tradicionalismo ou pelo tribalismo, ambas

noções dispensáveis no ocidente contemporâneo. Não nos servem as noções

de metrópole, cidade industrializada, urbanidade e centro político, tampouco

usufruímos de categorias como cultural local, comunidades, favelas, tribos e

aldeias (ainda que globais). Isto simplesmente porque é preciso falar sobre as

pequenas cidades. Encontrar os próprios termos de sua história. Das mais de

cinco mil cidades brasileiras, aproximadamente quatro mil são pequenas

cidades. “Em toda parte as pequenas cidades são numerosas. As formulações

teóricas ratificam esta constatação, conforme aparece tanto na regra ordem -

tamanho de cidades (...), como na clássica teoria dos lugares centrais”

(CORREA, 1999, p. 45).

Os esforços de reflexão empreendidos sobre o urbano e a cidade têm, preferencialmente, privilegiado as grandes cidades. De fato, estas caracterizam-se por uma maior complexidade, não apenas funcionais, mas também em termos de sua estrutura social, organização interna e dinâmica espacial. No que tange às atividades, não se trata apenas da ampliação daquelas já existentes, mas, em decorrência da escala a que chegaram, do aparecimento de novas atividades, aspecto que

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não se verifica, ou se verifica em menor grau, nas cidades menores (CORREA, 1999, p. 45).

Mas o que são pequenas cidades? Não há consenso ainda sobre os

critérios que definem uma cidade, muito menos sobre os que definem uma

pequena cidade. É a extensão espacial? É o censo demográfico? É a

densidade populacional? É a ausência de meios de produção industrial? É a

renda per capita? É a organização política e econômica das regiões? Tudo isso

pode ser um indicativo, mas nenhum destes pode ser cabalmente considerado.

Mesmo “do ponto de vista da Geografia, o debate metodológico sobre as

pequenas e médias cidades é constituído, ainda, por poucos estudos se

comparado às metrópoles” (CASTILHO, 2009, p. 161). Esta é uma visão

comum e ratificada por trabalhos recentes e próximos do universo empírico que

abordamos, como é o caso das pesquisas de Castilho (2009) e, mais ainda, de

Resende e Maria da Silva (2015).

A maioria das pesquisas realizadas discorre sobre cidades metropolitanas e médias. Só recentemente os pesquisadores de diversas ciências começaram a explorar o estudo das cidades pequenas e sua importância dentro do contexto social e econômico da urbanização brasileira (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 6).

Não é possível fugir do âmbito conceitual, mas, para ampará-lo, é

possível recorrer à pragmática das pesquisas que têm sido realizadas acerca

de pequenas cidades, que trazem este conceito a partir do contexto a que se

referem, que também é o nosso: as pequenas cidades goianas.

Alguns estudiosos de cidades goianas, como Deus (2002b) e Olanda (2008), afirmam que as pequenas cidades de Goiás, pelo contexto populacional desta Unidade da Federação, poderiam ser classificadas como aquelas com população abaixo dos 20 mil habitantes. Arrais (2004) já prefere chamar “pequenos municípios” àqueles com população abaixo dos 10 mil habitantes. Os critérios seguem a lógica da cada autor. Apesar da limitação desse critério, como bem apresenta, que é quantitativo, reconhecemos a sua importância enquanto indicador dessas cidades. A interpretação seria outro passo, inclusive, de fundamental importância (CASTILHO, 2009, p. 29).

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Ressalta-se que, apesar de quaisquer critérios quantitativos - sem

dúvidas, atendidos por Palmelo - o autor se refere à interpretação como passo

de fundamental importância. Não é difícil saber que Palmelo é uma pequena

cidade, dado seu contexto, sua história, sua extensão territorial, sua povoação

e economia. Além, é claro, de aspectos culturais já observados na história da

cidade, como a percepção comum de que “as elites locais desempenham

papeis nas pequenas e médias cidades que acabam por influenciar o

desenvolvimento e as relações socioespaciais das mesmas” (CASTILHO,

2009, p. 155).

Como é que se resolve o impasse da ausência de teorias específicas

para as pequenas cidades se os termos principais para a teoria de cidade,

conforme Lefebvre (2001), são a urbanização e a industrialização, tão pouco

notáveis para o pesquisador das cidades pequenas? Ora, para a analise

cultural, é suficiente a anotação de que “não somente as grandes metrópoles

são, em nossos dias, cidades globais; as mais pequenas cidades também o

são” (CASTILHO, 2009, p. 108). Se a industrialização não é uma evidência do

espaço urbano em Palmelo, por exemplo, a globalização das comunicações é.

A pequena cidade não é um complexo isolado e nem uma aldeia que

desenvolve uma cultura não-ocidental.

Se não há um critério definidor consensual acerca das pequenas

cidades, há pelo menos características bem ensaiadas do modo como

acontecem. Para Resende e Maria da Silva (2015, p. 7), a relação da cidade

com seu centro e o modo de relação entre os habitantes e seu entorno serve

de parâmetro para uma afirmação sobre as pequenas cidades.

As cidades pequenas não possuem áreas centrais especializadas e, na maioria das vezes, seus centros são espaços de residências, pequenos comércios e lazer próximos a uma praça central. As residências costumam ser próximos à área central e há uma relação de vizinhança entre as pessoas. A cidade pequena também mantém uma relação com o entorno rural (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 7).

Nos termos da globalização enunciados acima, as pequenas cidades

surgem como novos centros locais, dotados de características próprias, que

não apenas resistem comunitariamente, mas se integram amplamente ao

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espaço globalizado, ainda que de um modo específico, pois “as cidades

pequenas se completam com outras dentro do estabelecimento da rede

urbana, muitas estão dependentes dos serviços das cidades médias e

metropolitanas” (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 7).

Entre os impactos oriundos da globalização sobre o urbano serão consideradas, de um lado, a criação de novos centros e, de outro, as alterações funcionais ou refuncionalização dos pequenos centros preexistentes. (...) A globalização, que se manifesta de diferentes modos em razão de suas demandas e de suas contradições, e por intermédio de diversos agentes, e não exclusivamente das grandes corporações, cria novos núcleos urbanos em áreas que passam a integrar o espaço globalizado (CORREA, 1999, p. 47-48).

Correa (1999) relaciona dois exemplos de pequenas cidades na

globalização, a partir de monografias de terceiros. O primeiro é sobre o novo

centro urbano de Inúbia Paulista, que funciona como reservatório de força de

trabalho regional. O segundo é sobre a refuncionalização do centro urbano de

Matão, que se tornou um caso de “cidade no campo”, uma cidade que dá apoio

aos processos produtivos rurais.

Em ambos, a globalização induz aquilo que Nogueira (2009) comentava

como “continuum rural-urbano”. Isto porque a maioria das pequenas cidades

goianas e brasileiras guardam esta afinidade cidade-campo. Nos casos

analisados por Correa (1999) e também no estudo de Castilho (2009) sobre as

goianas Ceres e Rialma, encontram-se casos típicos em que tal afinidade

gerou uma identidade funcional para essas pequenas cidades (ou seja, para

esses centros locais).

Há inúmeros exemplos de pequenas cidades que se especializaram produtivamente, reinserindo-se de modo singular na rede urbana globalizada por intermédio de atividades que lhes fornecem identidade funcional, afirmando, em outra escala, o seu caráter de lugar (CARLOS, 1996, MASSEY, 1997): máquinas agrícolas, confecções, móveis, bordados, artefatos mecânicos etc. (CORREA, 1999, p. 51).

Trabalho semelhante, também de contribuição da geografia, já foi

recentemente realizado sobre Palmelo. A identidade funcional que emerge do

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meio rural nas pequenas cidades de Ceres e Rialma (CASTILHO, 2009), na

versão de Palmelo, emerge de seu movimento espírita. As autoras que

respondem por esta tese, em recente artigo, são Resende e Maria da Silva

(2015, p. 7) ao afirmarem que “a religião espírita foi responsável pelo

surgimento da cidade e até hoje está fortemente enraizada nas relações

urbanas”.

Diferente da maioria das cidades brasileiras que tiveram origem por causa de uma capela e buscavam seu desenvolvimento econômico na indústria, mineração e agropecuária, Palmelo-GO esteve ligada à religiosidade e seu povoamento ocorreu em torno do Centro Espírita Luz da Verdade (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 10).

Resende e Maria da Silva (2015) revisam a história de Palmelo focando

as transformações de ordem urbanística, que denotam aspectos da

comunicação que se origina no sistema simbólico da religião e estrutura suas

relações na dependência da cidade. Portanto, os apontamentos a seguir no

campo religioso, educacional, da assistência, da saúde e da economia provém

do trabalho realizado pelas autoras mencionadas.

No aspecto interreligioso, lembram que “a formação do espaço urbano

ainda mantém as relações sociais geradas pela religião espírita, embora outras

religiões tenham presença no local e modifiquem a cidade com a construção de

igrejas” (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 10).

No âmbito educacional, as autoras apontam que o Colégio Eurípedes

Barsanulfo, construído por Jerônymo Candinho, nasce espírita, mas anos mais

tarde é repassado ao poder público municipal e, depois, ao estadual, pelas

dificuldades econômicas encontradas pela instituição espírita em sua

manutenção à época. Atualmente, na mesma rua e logo ao lado já há um

prédio no estilo sobradinho 51 mantido por doações e voluntariado em que

funciona a Escola Espírita Jerônymo Candinho.

A Escola Professora Olita Gonçalves de Freitas, como uma das

primeiras escolas da cidade, já não existe mais. Em seu prédio funcionou

recentemente o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e,

atualmente, é um Centro de Convivência Social do município.

51

Prédio que conjuga térreo e primeiro andar.

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114

Também o Lar Espírita Hilda Vilela, carregado de histórias de vida, de

crianças ali acolhidas e criadas, mantidas pela doação e pelo trabalho espírita,

atualmente é uma creche do município52 , mas que sob orientação espírita

continua com a abertura para acolher crianças que necessitam de moradia. A

casa pertence aos espíritas e a manutenção da creche é que é municipal. “As

crianças que moraram no Lar permaneceram ali até se tornarem adultas,

algumas casaram-se e residem no município de Palmelo-GO, outras

conseguiram empregos em outras cidades e se mudaram” (RESENDE; MARIA

DA SILVA, 2015, p. 11).

Ainda no âmbito das casas de assistência, o lar para idosos, Dispensário

São Vicente de Paula, foi criado e sempre mantido pelo Centro Espírita Luz da

Verdade, sob a direção de Gentil Lourenço Borges, hoje, ainda em constante

atividade, com mais de 90 anos de idade.

No campo da saúde, o Sanatório Espírita Eurípedes Barsanulfo, que

surge junto ao Centro Espírita na cidade e sofre inúmeras transformações ao

longo do tempo encerrou suas atividades no ano de 2003 principalmente pelo

advento da legislação antimanicomial no país, mas em parte de seu prédio

(alugado pela prefeitura) funciona o Centro de Atendimento Psicossocial

(CAPS), que fornece atendimento a toda a região. Neste aspecto, a cidade de

Palmelo pode ser considerada um centro regional.

No aspecto econômico, destacam o fator das várias pensões

construídas ao longo do tempo por causa do elevado fluxo de pessoas na

cidade em busca de tratamento espiritual. Atividade que se mantém. “Os hotéis

e pensões junto com os órgãos públicos são as principais fontes de trabalho”

(RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 17).

Como se pôde notar, há o intercâmbio entre obras e instituições espíritas

e do poder público municipal em Palmelo. Algumas vezes, houve a concessão

de espaços entre ambos, em outras o centro espírita vende ou aluga as

estruturas que construiu a partir de trabalho próprio e doações e, ainda em

outros casos, a gestão compartilhada de diversos espaços que funcionam sob

investimentos mútuos. Desse modo, “o Estado é o maior agente produtor do

52

CEMEI: Centro Municipal de Educação Infantil.

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espaço urbano, mas em Palmelo-GO pode-se identificar um novo agente, o

espiritismo” (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 18).

Além disso, Resende e Maria da Silva (2015, p. 18) chegam a observar

efeitos socioespaciais que promoções espíritas como a realização da

CONCAFRAS-PSE em fevereiro de 2016 provocaram na cidade mesmo anos

antes de sua realização.

A CONCAFRAS-PSE, que se realizará em 2016, tem motivado novos investimentos materializados diretamente no espaço urbano. Assim, pode-se afirmar que a cidade sofre forte influência da religião espírita e, consequentemente, atua na produção e reprodução do espaço urbano (RESENDE; MARIA DA SILVA, 2015, p. 18).

Os imóveis da cidade foram ampliados ou reformados, assim como os

hotéis e pensões (alguns dobraram de tamanho) e o valor dos imóveis variou e

elevou-se consideravelmente. Não existe um estudo ou estimativa acerca

desse dado, que é um tanto incerto, pois não há ação imobiliária na cidade. Os

alugueis e vendas ocorrem pelos próprios moradores, de modo disforme, mas

por registro pessoal deste autor pode-se dimensionar que uma residência

específica, por exemplo, que custava em média 40 mil reais há cinco ou seis

anos, atualmente chegou ao valor de 150 mil reais.

Em concordância com o trabalho de Resende e Maria da Silva (2015),

pode-se dizer que Palmelo é uma espécie de novo centro urbano sob a lógica

cultural religiosa espírita. O que nos cabe adiantar é prosseguir a nossa própria

descrição densa (etnografia) dos espaços que informam como a religião

acontece na cidade de Palmelo. E, de modo a contribuir com o arcabouço

teórico sobre a cidade espírita em Palmelo, contar com a noção de movimento

espírita palmelino como esse agente produtor dos espaços e propor uma

análise da comunicação entre os sistemas simbólicos partindo tanto da

estrutura e da dimensão simbólica da cidade como da análise cultural

específica da religiosidade espírita local.

Tendo acesso a trabalhos produzidos sobre a expansão urbana de

Palmelo motivada pelo espiritismo, podemos partir para a materialidade

produzida e sua consequente análise nos termos próprios da comunicação

entre os sistemas simbólicos. “Quaisquer que sejam, ou onde quer que esteja

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esses sistemas de símbolos ‘em seus próprios termos’, ganhamos acesso

empírico a eles inspecionando os acontecimentos e não arrumando entidades

abstraídas em padrões unificados” (GEERTZ, 2008, p. 13).

Mas como visualizar isso? Geertz (2008) fala dos acontecimentos e a

geografia aponta para a importância dos espaços, produzidos socialmente, que

informam adequadamente como tais relações se concretizam publicamente.

Então, os sistemas simbólicos são abstrações alcançadas por meio de uma

microscopia da análise cultural, de ordem material. “Qualquer generalidade que

consegue alcançar surge da delicadeza de suas distinções, não da amplidão

das suas abstrações” (GEERTZ, 2008, p. 18).

Até o momento, neste capítulo, deu-se o tratamento teórico do modo

como a religiosidade espírita acontece em Palmelo, produzindo espaços, sem,

contudo, separar as devidas dimensões simbólicas. A atenção agora se

desdobra tratando desses espaços, separando as perspectivas de análise da

dimensão simbólica da cidade (o que se apelida como cidade material) e do

sistema simbólico da religião (com foco na descrição da cidade espiritual).

4.2. Cidade material: a dimensão simbólica da cidade

A divisão entre matéria e espírito, corpo e alma, objeto e sujeito se

tornou clássica, se não desde os gregos, pelo menos desde o ocidente com o

positivismo, a ideologia moderna e o espiritismo. A cidade material é o

composto de suas construções, seus contornos, traçados e limites geográficos.

Trata-se de conceber aqui o produto, de reconhecer a obra da cidade.

“Impossível pensar a cidade e o humano modernos, enquanto obras (no

sentido amplo e forte da obra de arte que transforma seus materiais) sem de

início concebê-los como produtos” (LEFEBVRE, 2006, p. 4-5).

A noção de uma cidade material se completa em seus aspectos sociais

ou mesmo funcionais: para quê servem os lugares que construímos? Assim, a

cidade tem uma dupla morfologia: “prático-sensível ou material, de um lado, e

social do outro” (LEFEBVRE, 2001, p. 60). O espaço é, ele mesmo, qualitativo,

significativo. A noção lefebvriana de cidade é mais complexa, mas, para a

finalidade do momento optamos por explorar essa dimensão descritiva dos

espaços físicos de Palmelo.

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Neste primeiro momento, considera-se uma noção como a adotada por

Bitoun e Miranda (2009), para quem a reunião e a orientação dos vários

fenômenos e atividades de um território servem como noção auxiliar na

compreensão da cidade. A dinâmica vai do território para a cidade e vice-versa

e interessa na medida em que informa sobre o desenvolvimento regional.

Pode-se sustentar que cidade consiste no conjunto de população, atividades e infraestruturas sociais, culturais e econômicas concentradas em território delimitado e relativamente pequeno, orientadas para a produção de valor e de meios de reprodução do trabalho (BITOUN e MIRANDA, 2009).

A abordagem aqui realizada é moldada pelo interesse antropológico e

qualitativo. A atenção se volta mais aos dados que saltam do objeto empírico –

as imagens que a cidade oferece, seus contornos, sua funcionalidade e o lugar

de cada construção no espaço da cidade, o que se completará na descrição da

cidade espiritual ganhando sentido e na descrição das condições

socioeconômicas da população adequando o devido status sociológico do

objeto. “O método consiste em superar tanto a descrição (ecológica) quanto a

análise (funcional, estrutural) sem aliás superá-las, a fim de tender para a

apreensão do concreto – do drama urbano (...)” (LEFEBVRE, 2001, p. 126).

Antes de tudo, a consideração essencial é de que Palmelo é uma cidade

como qualquer outra. Aliás, trata-se de uma pequena cidade do interior de

Goiás, a segunda menor deste estado, com menos de três mil habitantes. A

cidade ocupa 59 km² do cerrado localizado à margem direita do Ribeirão

Caiapó, distando cinco quilômetros de Santa Cruz de Goiás, antiga cidade do

período colonial com importante papel na história de Palmelo; 14 quilômetros

de Pires do Rio, que responde pela microrregião; e 126 quilômetros de Goiânia,

capital do Estado de Goiás.

Percorrida pelos quilômetros 20 a 25 na rodovia estadual GO-020, as

ruas de acesso à cidade centralizam-se na escultura de uma pomba branca

com a inscrição “Palmelo – A cidade espírita do Brasil” (Foto 1). A ave

simboliza a paz. O lugar também é conhecido como “cidade da paz”, modo

ecumênico de dizer da forte religiosidade na cidade.

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Foto 1 - Entrada da cidade de Palmelo

Fonte: Damasio, 2015.

O mapa da cidade (Foto 2) mostra seu planejamento urbano. Segundo a

historiadora Mirtes Borges, em entrevista, o planejamento da cidade se deu

pensando em um triângulo a partir das instituições, construídas antes mesmo

da fundação da cidade, por Jerônymo Candinho: o Centro Espírita Luz da

Verdade, localizado na primeira rua da cidade; o Sanatório (hoje fechado) e o

Colégio Estadual Eurípedes Barsanulfo na penúltima rua e o Dispensário São

Vicente de Paula do outro lado da rodovia.

A cidade de Palmelo é considerada a capital espírita do Brasil, pois como se sabe já surgiu com essa função, onde seu espaço foi traçado e distribuído conforme o surgimento das entidades que hoje, porém, compõem a paisagem do meio urbano do município (ASSIS e GODOI, 2001, p. 63-64).

São onze ruas horizontais divisando outras onze ruas verticais.

Considera-se que Palmelo é divido em três setores ou bairros: o Setor Central

(que abrange toda a região à margem esquerda da GO-020), a Vila Dionísio

Lopes e a Vila José Guanabara. O território do município se limita próximo à

área urbana, envolvendo algumas propriedades rurais no entorno.

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Foto 2 - Mapa da cidade de Palmelo

Fonte: Google Maps, 2015.

O caráter religioso da cidade de Palmelo é acentuado não apenas pela

sua fundação em torno de um centro espírita. Há, na cidade, praticamente uma

instituição religiosa instalada por rua. Do total de 18 casas religiosas, dez são

evangélicas, cinco são umbandistas ou espiritualistas, duas são espíritas

kardecistas e uma igreja católica.

Chama a atenção a presença de igrejas evangélicas de diversas

denominações, templos que se instalaram na cidade em sua história recente.

Segundo Paes (1992), no começo da década de 1990, existiam duas igrejas

evangélicas na cidade, a Assembleia de Deus e a Igreja de Cristo. A relação do

protestantismo com a cidade espírita mereceria por si só uma pesquisa

apropriada. Acompanhando o movimento brasileiro, a presença evangélica é

tipicamente notada como um movimento crescente em Palmelo:

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Há uma grande variedade de movimentos protestantes na cidade. O que se nota em Palmelo é um movimento ascendente da fé evangélica. Além das evangélicas de missão, as instituições que se destacam na vertente Pentecostal são a Assembleia de Deus, a Congregação Cristã do Brasil e a Deus é Amor (SANTOS, 2014, p. 64).

Foto 3 - Igrejas evangélicas em Palmelo

Fonte: Damasio, 2015.

Atualmente, as dez igrejas de denominações evangélicas presentes em

Palmelo (Foto 3) são:

Assembleia de Deus Madureira;

Assembleia de Deus Missão;

Assembleia de Deus Semear;

Congregação Cristão no Brasil;

Igreja Adventista dos Santos dos Últimos Dias;

Igreja de Cristo Ministério Nova Terra;

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Igreja Deus é Amor;

Igreja Evangélica O Poder da Fé em Jesus;

Igreja Presbiteriana Ebenézer;

Igreja Videira.

Santos (2014) destaca a representatividade da Umbanda na cidade

mencionando um templo religioso, o mais antigo, já registrado por Paes (1992).

(...) a Umbanda, religião genuinamente brasileira é representada em Palmelo pelo Centro Espírita São Jorge Guerreiro e Maria Madalena. Fundado na década de 90, pelo médium José Teixeira, conhecido como Zezinho, o centro tornou-se referência pelas atividades de atendimento espiritual gratuito desenvolvidos na cidade (SANTOS, 2014, p. 63).

Mas sabe-se da presença de pelo menos mais quatro casas (totalizando

cinco) em que se desenvolvem ritos desta religião. Três delas já são

tradicionais e se localizam nas residências de suas líderes, sendo conhecidas

pelos seus próprios nomes, relacionados abaixo. A outra, recém-inaugurada,

no dia 19 de dezembro de 2015, é o Centro Espiritualista Antônio de Oliveira

Rios (CEAOR, Foto 4), no mesmo local em que o médium homenageado

trabalhou durante seis anos, promovendo o maior fluxo de pessoas em busca

de cirurgias espirituais em Palmelo, o que ocorreu entre 1985 e 1990.

Os templos umbandistas ou espiritualistas presentes em Palmelo

atualmente são:

Centro Espírita São Jorge Guerreiro e Maria Madalena

Centro Espiritualista Antônio de Oliveira Rios (CEAOR)

Centro da Dona Helena

Centro da Narcisa

Centro da Vani

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Foto 4 - Centro Espiritualista Antônio de Oliveira Rios (CEAOR)

Fonte: Damasio, 2015.

Antônio de Oliveira Rios ficou conhecido por realizar cirurgias espirituais

com corte e presença de sangue como em qualquer cirurgia médica, realizadas

pelo espírito do doutor Ricardo Dwaness Stan, médico alemão que teria

trabalhado durante a Segunda Guerra Mundial. As cirurgias em Palmelo

ocorriam em um ambiente que simulava o campo de guerra, com macas

espalhadas e pessoas deitadas em colchões no chão, ocasião formada

também pela enorme procura que vinha de vários estados brasileiros e de

outros países. Ele era apelidado de “Novo Arigó”53. Há na internet considerável

quantidade de vídeos que registram como as cirurgias ocorriam, bem como

entrevistas concedidas pelo médium e pelo espírito em questão.

53

Referência à José Arigó, médium paulista de grande vulto internacional entre as décadas 1950 e 1970.

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Foto 5 - Médium Antônio de Oliveira Rios incorporado ao espírito "doutor Ricardo

Stein" em procedimento cirúrgico habitual

Fonte: John Kurtis, 10 jul. 1990/Folhapress54

O CEAOR, fundado em homenagem a Antônio, é presidido pela médium

Ingrid Di Angelis Sousa e Rios, de 26 anos, filha do médium falecido em 1990.

Ingrid não conviveu com o pai, que faleceu antes que completasse dois anos

de idade. Ainda assim, ela diz que se orgulha bastante do pai e acaba sendo

sempre reconhecida como “a filha do Antônio”. Para ela, as curas propiciadas

por Antônio superam seus possíveis erros, nomeadamente: o médium era

criticado por efetuar cobranças, pelo que fora advertido inclusive por Chico

Xavier. O médium faleceu por picadas de abelhas africanas em uma fazenda

da região.

Infelizmente foi um médium indisciplinado, né? Um médium que perdeu a oportunidade que a espiritualidade preparou pra ele e isso eu sei, eu tenho consciência. Porém, o mais importante pra mim e que eu me orgulho é as pessoas que ele ajudou. É as vidas que ele salvou. Sabe? As pessoas vinham pra cá desacreditadas, desacreditadas... que ia morrer. Ai ele... ele não, porque ele foi só um instrumento. Mas ele como instrumento e o doutor Ricardo tiveram um trabalho muito bonito em Palmelo e pôde ai arrastar multidões e, inclusive, além de arrastar multidões, no mais é, ter salvado vidas, né (Ingrid Di Angelis Sousa e Rios, 17 de dezembro de 2015).

54

Disponível em: http://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2014/11/1548495-medium-opera-com-sangue-e-tem-morte-prevista-por-chico-xavier.shtml. Acessado em 04 jan. 2016.

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124

O trabalho no referido Centro é hoje retomado sob o comando da

mesma equipe espiritual denominada Grupo da Paz, inclusive sob a

coordenação do mesmo espírito, doutor Ricardo, informa Ingrid. Mas o trabalho

não tem o mesmo perfil. Não há cirurgias espirituais com corte e o grupo segue

os ritos da Umbanda Sagrada de modo híbrido ao estudo de obras kardecistas

e a práticas como Apometria, Cromoterapia, Reiki e a realização de trabalhos

sociais diversos. Uma curiosidade é que quase a totalidade da atual equipe de

médiuns do CEAOR é formada por jovens entre 19 e 29 anos que, juntos,

reformaram a sede do centro a partir de uma campanha na internet.

Os demais centros de Umbanda não são registrados em foto nesta

dissertação por existirem nos locais privados das casas de seus dirigentes e

não como locais públicos. Todos são relevantes no contexto de análise da

“cidade espírita” principalmente porque, em geral, os médiuns responsáveis por

estes centros também participam do CELV e tem lugar como médiuns

reconhecidos pelas curas na região. Destaca-se a história de Antônio porque

foi o médium que mais mobilizou pessoas a Palmelo em seu período (1985 a

1990).

Em geral, os trabalhos que tratam de Palmelo sob o viés espírita não

mencionam ou apenas se referem ao médium Antônio, protagonista de

inúmeras curas espirituais em Palmelo; ou aqueles textos que falam de Antônio

mal se referem à tradição kardecista que originou Palmelo. Este foi o motivo

pelo qual, neste trabalho, opta-se por relacioná-lo com maior ênfase. Adiante,

ainda será abordada a dialogicidade inter-religiosa.

Prosseguindo a descrição dos espaços religiosos, há dois centros

espíritas kardecistas em Palmelo, sendo também as duas instituições religiosas

mais antigas da cidade.

Centro Espírita Luz da Verdade (CELV)

Centro Social Espírita André Luiz

O primeiro foi fundado em 1929 e será tratado com primazia neste

trabalho por ser ele o centro em torno do qual a cidade produziu-se.

Primeiramente era um rancho, passando a “centrinho” e depois a Centro. É a

instituição religiosa que coordena outras importantes instituições na cidade,

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que são seus departamentos, como o Lar Espírita Hilda Vilela, o Dispensário

São Vicente de Paula e a Escola Espírita Jerônymo Candinho.

Foto 6 - Centro Espírita Luz da Verdade (CELV)

Fonte: http://www.panoramio.com/photo/75321522

O segundo (o Centro Social Espírita André Luiz) fora fundado em um

momento de dissidência, mas fora reassimilado pelo CELV. O Centro Social

Espírita André Luiz, enquanto espaço, tornou-se centro de convivência e local

para realização de diversas atividades, desde hospedagens e tratamentos até

atividades como a realização de velórios.

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Foto 7 - Centro Social Espírita André Luiz

Fonte: Damasio, 2015.

Por fim, mas com o devido destaque, a igreja católica. Construída em

1958 no município de Santa Cruz de Goiás, mas em seu limite com o município

de Palmelo, a Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima é a segunda instituição

com o maior número de adeptos na cidade. Ainda que localizadas no âmbito de

convivência palmelina, tanto a igreja quanto a casa do padre pertenciam ao

território do município vizinho durante muitos anos, o que se comenta ser por

motivos da hegemonia do espiritismo em Palmelo. Mas o recente trabalho do

historiador Daniel Hipólito55 argumenta que o boato não procede, segundo o

padre. E, se procede, não se refere às lideranças religiosas.

A construção da capela começou em 1958, nas terras doadas pelo Pai do Padre Guilherme, o mesmo diz desconhecer o boato de que a igreja foi construída as margens de Palmelo porque senhor Jeronimo Candinho não permitia a entrada de outra religião na cidade (HIPÓLITO, 2015, p. 5).

Segundo o historiador, “na construção da igreja houve uma tentativa,

não dos líderes espiritas, mas dos seguidores da doutrina, de não deixar com

que a mesma fosse erguida”. O padre Guilherme afirma que era “preconceito

55

Sobre a relação entre o espiritismo e o catolicismo em Palmelo, especificamente sobre a história de instalação da Igreja Nossa Senhora de Fátima, ver Hipólito (2015).

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para com a religião católica que ainda não tinha sido vencido e que moradores

da cidade tentaram destruir os alicerces da igreja para que a mesma não fosse

levantada” (HIPÓLITO, 2015, p. 12).

Foto 8 - Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima

Fonte: Damasio, 2015.

Contudo, por mais que aparentemente seja muita instituição religiosa

para pouco território até aqui relacionado, o espaço religioso é ainda mais

amplo, o que se deve às atividades espíritas na cidade. As ruas são tomadas

diariamente pelo que se denomina “linha de médiuns”, que visita hotéis,

pensões, pousadas, dormitórios, casas de apoio e casas particulares com a

finalidade de realizar orações e tratamentos espirituais. Os hotéis são

considerados “braços articuladores” do movimento espírita local:

Os hotéis e pousadas tornam-se verdadeiros braços articuladores do fluxo turístico espiritual. Os estabelecimentos de hospedagem funcionam como prontos-socorros e são ocupados principalmente por pessoas que buscam auxílio para as enfermidades do corpo e da alma (SANTOS, 2014, p. 49).

Atualmente há, pelo menos, dez locais destinados à hospedagem na

cidade. Destes, dois são gratuitos para os visitantes que não podem pagar ou

que optam por estas casas (Casa de Apoio e Espaço de Amor), mantidas por

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pessoas que se agrupam na cidade com o objetivo de receber e auxiliar os que

chegam à cidade com a finalidade de serem tratados espiritualmente. Com

exceção dos dormitórios, todos os demais locais são, paralelamente, os locais

onde são realizadas as cirurgias espirituais, além de cultos diários (ou vários

cultos ao dia) e trabalhos de atendimento de emergência (quando alguém

chega com quadros obsessivos, se sente mal ou solicita uma prece, os

médiuns mais próximos são chamados pelos proprietários dos hotéis).

Casa de Apoio

Dormitório da Paz

Dormitório Palmelo

Espaço de Amor

Hotel Globo

Hotel Minas Goiás

Hotel Palmelo

Pensão Rosa

Pensão Palmelo

Pousada Maria Madalena

Mesmo os moradores, para serem operados espiritualmente, procuram

esses locais de hospedagem, pagando ou não. As diárias individuais variam de

40 a 80 reais. Além das cirurgias nos quartos de hóspedes, a participação em

tratamentos simples nos salões, corredores e quartos dos hotéis é livre e

gratuita para qualquer pessoa, independente da hospedagem. É como chegar

no horário marcado para o culto na igreja e entrar.

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Foto 9 - Algumas das opções de hospedagem em Palmelo

Fonte: Damasio, 2015.

A linha de médiuns, contudo, também realiza os chamados “trabalhos

particulares”, que são os atendimentos mediúnicos a pacientes fixos,

acamados e que não podem se locomover até o centro espírita ou aos locais

de hospedagem. Além disso, a qualquer hora do dia, os médiuns podem ser

solicitados para realizar uma prece com passe, incorporação de espíritos e

quadros de vidência nas casas, nas escolas, no hospital ou onde houver um

pedido, seja urgente ou não (caso de preces de sétimo dia ou outra data de

desencarne, batismos, preces em benefício de alguém à distância, de

enfermos internados em hospitais ou simplesmente de alguém que se

identifique com algum problema espiritual ou de saúde). Para esta dinâmica

normalmente o mínimo é um médium que dirija a prece e dois ou mais médiuns

que atuem no passe, na incorporação e/ou no tratamento. Sobram relatos de

médiuns que deixaram as panelas no fogão para participar de alguma destas

preces.

A maioria das instituições públicas em Palmelo também recebem os

trabalhos mediúnicos frequentemente, ainda que em datas específicas com

eventos ecumênicos, com a presença de padre e pastores, além de algum

palestrante espírita. O Lar Espírita Hilda Vilela, o Dispensário São Vicente de

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Paula, a Escola Espírita Jerônymo Candinho, o Colégio Estadual Eurípedes

Barsanulfo e o Hospital Municipal Saulo Gomes estão entre estas instituições.

Há dias e horários programados semanalmente (ou mais de uma vez por

semana) em que tais atividades acontecem.

Foto 10 - Instituições educacionais em Palmelo

Fonte: Damasio, 2015.

Nas instituições educacionais, a referência religiosa promove

interferências culturais diretas no cotidiano do espaço escolar, como é o caso

da realização diária da oração do Pai Nosso no início das aulas, vista como

tradição instaurada desde Jerônymo Candinho. Ainda que a presença das

denominações católica, espírita e evangélica seja uma constante nos eventos

sociais promovidos pela escola, tais como formaturas e comemorações

específicas, a primazia do cotidiano é espírita. Conforme relata Santos (2014),

semanalmente há um culto espírita realizado no espaço da escola. Ainda que

facultativo, ele revela a ritualização que reatualiza o sentido organizador do

espiritismo e da religiosidade no Colégio Estadual Eurípedes Barsanulfo. Além

disso, a única escola particular no município é a Escola Espírita Jerônymo

Candinho.

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Quanto à metodologia educacional, na escola não se fala em uma religião específica ou realiza-se apologia ao Espiritismo, mas vive-se a religiosidade diariamente, a escola tem alunos de todas as religiões. Há abertamente o discurso religioso cristão que se comprova na prece diária, momento em que é feita a oração do Pai Nosso. Às quartas–feiras, é feita a prece na sala dos professores e todos são convidados a receberem o passe do grupo de médiuns do CELV. A participação é facultativa e, segundo o relato da antiga coordenadora da escola, Maria Madalena Dias, há também um Culto ecumênico mensal, herança do fundador da cidade (SANTOS, 2014, p. 66).

Foto 11 - Da esquerda para a direita e de cima para baixo - Lar Espírita Hilda Vilela,

Hospital Municipal Saulo Gomes, Dispensário São Vicente de Paula e Prefeitura

Fonte: Damasio, 2015.

Há quatro praças públicas na cidade, enumeradas conforme são

denominadas pela população:

Praça Central (Francisca Borges Gomide)

Praça do Centro Espírita (Maria Madalena)

Praça do Sanatório (Jerônymo Candinho)

Praça da Vila

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As três primeiras se referem a nomes do espiritismo, assim como

metade das ruas da cidade (chamadas Allan Kardec, Emmanuel etc) e, nesta

última, que está localizada já na rodovia, há o único outdoor da cidade, mantido

pelo Centro Espírita Luz da Verdade, anunciando a cidade espírita e/ou alguma

mensagem com a imagem de Jesus Cristo.

Santos (2014) também ressalta esta característica que ele estuda como

fenômeno que caracteriza uma hierofania notada no cotidiano palmelino e

relaciona alguns outros exemplos não apenas no que se refere aos topônimos

palmelinos, mas também à construção dos espaços como o formato da escola

com a letra “E” de Eurípedes (Barsanulfo):

A própria estruturação urbana revela as marcas da Doutrina Espírita e da sacralização promovida por ela. Sem a presença de templos suntuosos, a hierofania pode ser notada ao analisar-se o cotidiano, como por exemplo, os nomes das ruas e avenidas da cidade. Uma das principais recebe o nome de Allan Kardec, o codificador do Espiritismo. Outra avenida recebeu o nome de Emmanuel, um espírito que ficou conhecido por orientar os trabalhos do médium mineiro Chico Xavier. Outra marca da referência espiritual no meio urbano é a Praça Maria Madalena, personagem importante do Evangelho de Jesus e que, segundo os relatos mediúnicos, permanece orientando os trabalhos da cidade espírita. O colégio municipal recebeu o nome do mentor e professor de Jeronymo, um dos mais notáveis médiuns brasileiros e grande expoente do Espiritismo no Brasil. A escola foi fundada pelo CELV e tem a forma da letra E inicial do nome de Eurípedes, porém, foi cedida ao estado que passou administra-la (SANTOS, 2014, p. 65).

As duas principais praças da cidade homenageiam com estátuas o casal

que orientou a construção de Palmelo e guiou o perfil de trabalho espírita

próprio da cidade: Francisca Borges Gomide (Dona Chiquinha) e Jerônymo

Candido Gomide (Jerônymo Candinho). A primeira data de 1972, pela iniciativa

do executivo municipal na administração de Antônio de Pádua Gomide, filho do

casal. A segunda data de 2008, pela iniciativa de visitantes espíritas vindos de

Angola e a colaboração da população.

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133

Foto 12 - Estátuas da Dona Chiquinha e do Seu Jerônymo localizadas nas praças

“Central” e “do Sanatório”, respectivamente

Fonte: Damasio, 2015.

Mesmo diante de indícios através dos espaços aqui registrados, que

constituem símbolos nítidos de um sistema religioso na cidade, Lefebvre (2001,

p. 56) afirma que “a cidade não pode ser concebida como um sistema

significante, determinado e fechado enquanto sistema”. Por isso, ele propõe

que a cidade não é um sistema simbólico, mas pode-se nela identifica uma

dimensão que responde pelo sistema simbólico.

Atualmente, tornando-se centro de decisão ou antes agrupando os centros de decisão, a cidade moderna intensifica, organizando-a, a exploração de toda a sociedade (não apenas da classe operária como também de outras classes sociais não dominantes). Isto é dizer que ela não é um lugar passivo da produção ou da concentração dos capitais, mas sim que o urbano intervém como tal na produção (nos meios de produção) (LEFEBVRE, 2001, p. 57).

Em acordo com o autor, pode-se refletir que, se o que constitui a religião

como um sistema simbólico é sua “ousada tentativa de conceber o universo

inteiro como humanamente significativo” (BERGER, 1985, p. 41), o mesmo não

se pode dizer da cidade. Aliás, o lugar que a religião ocupa na cidade é

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justamente na dimensão simbólica desta, conforme esclarece Brandão (1985).

Obviamente que, nas demais dimensões da cidade (paradigmática e

sintagmática, segundo Lefebvre, 1999), a religião também está presente, mas

ainda como sistema simbólico.

Parece-nos ser mais viável falar de espaços religiosos que se tornaram importantes para suas respectivas comunidades não tanto em função de sua doutrina fundante, mas porque se transformaram em locais de nomia, pertencimento e de relações solidárias, igualitárias e pacíficas que podem sobreviver às realidades (OLIVEIRA, 2015, p. 49).

Os espaços da “cidade material” compõem-se como esses locais de

nomia para a comunidade a partir de uma religiosidade. Percebe-se que a

cidade é o lugar onde a religião fornece uma referência fixa. Não que a religião

não esteja aberta às teias do multiculturalismo (OLIVEIRA, 2015), mas “o

urbano é assim, mais ou menos, a obra dos citadinos em lugar de se impor a

eles como um sistema: como um livro já acabado” (LEFEBVRE, 2001, p. 66). É

que, para este autor, uma visão utópica deve ser admitida como pressuposto: a

produção da cidade não pode transformá-la em um produto, mas em uma obra

(como as obras de arte). A cidade “não pode colocar-se senão do ponto de

vista do encontro, da simultaneidade, da reunião, ou seja, dos traços

específicos da forma urbana” (LEFEBVRE, 1999, p. 42).

Os espaços produzidos em Palmelo pela ação de um movimento social

espírita conduzem a uma consideração importante: eles fornecem acesso aos

símbolos dessa sociedade, permitindo entrever não apenas a predominância

espírita, mas a força do vínculo religioso na cidade.

4.3. Cidade espiritual: o sistema simbólico religioso em Palmelo

Com a modernidade, “a tensão íntima entre o postulado religioso e as

realidades do mundo não diminui, mas aumenta” (WEBER, 2000, p. 386). Isso

se dá porque, conforme lembra Geertz (2008, p. 67), não é uma novidade

afirmar que “a religião ajusta as ações humanas a uma ordem cósmica

imaginada e projeta imagens da ordem cósmica no plano da experiência

humana” (GEERTZ, 2008, p. 67). Então, a questão que se coloca agora é

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sobre a ordem cósmica que o espiritismo é capaz de estabelecer com a relação

à Palmelo.

Se a cidade de Palmelo é toda marcada pela religiosidade desde a

fundação até o cotidiano e, especificamente, se “o espaço da ‘cidade espírita’ é

demarcado e diferenciado pelo simbolismo que possui” (SANTOS, 2014, p. 69),

ela acaba por concretizar um ideal espírita, ou melhor, uma utopia segundo as

percepções de Luiz da Silva (2012) sobre a cidade espiritual Nosso Lar.

Percebe-se que a cidade espiritual Nosso Lar pode ser considerada uma utopia, uma espécie de paraíso cristão relido pela mentalidade espírita brasileira da primeira metade do século XX. Nesse sentido, Nosso Lar é tanto a ‘Jerusalém celeste’ quanto o inverso da cidade terrestre, nesse caso, o Rio de Janeiro da década de 1940, sobre a qual Nosso Lar se localizaria (LUIZ DA SILVA, 2012, p. 7).

Seguindo uma terminologia que é utilizada por Lefebvre (2001), tratamos

até aqui da topia (do que é tópico, do lugar e do nome que se dá ao lugar,

como a topografia e a toponímia) ao descrever os espaços da cidade material.

E, agora, o foco é abordar a utopia (ou seja, conforme a definição de Lefebvre

para esta palavra, como obra idealizada e pertencente aos moradores no que

se refere à sua cidade e aos espíritas no que se refere à sua religião). Assim,

topia e utopia dizem respeito ao mesmo objeto, porém a topia é entendida

como produto (existe uma cidade à qual se atribui a nomia espírita) e a utopia é

entendida como obra (existe uma cidade espírita como obra – imaginada e em

partes realizada – dos espíritas).

A própria cidade espírita já poderia ser abordada como utopia, mas ela

existe, ao menos no campo da representação e do espaço constituído pelos

sistemas simbólicos da cidade e da religião, o que será problematizado em

termos de sua vinculação, manutenção e transformações (Capítulos 4 e 5

deste trabalho). Porém, este item da dissertação perscruta o que não é

topográfico: o tema é a utopia. É que a cidade espírita tem uma cidade

espiritual.

O aspecto espiritual de Palmelo é abordado aqui como realidade

simbólica e como narrativa sobre a qual, a exemplo de Luiz da Silva (2012),

efetuaremos interpretações de valor (simbólico). A princípio, pode-se

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considerar duas esferas narrativas comuns tanto no que se pode perceber

pelas entrevistas em profundidade realizadas no trabalho de campo desta

pesquisa quanto na bibliografia consultada: por um lado, há uma explicação

sobre a fundação de Palmelo orientada pelo plano espiritual, ou seja, os

espíritos orientavam as lideranças locais desde a necessidade de construção

de um centro espírita na região até a localização da casa de oração e das

entidades educacionais e assistenciais, tais elementos já foram considerados;

por outro lado, há informações acerca de uma Colônia Espiritual56 denominada

“Nova Esperança”, localizada sobre a cidade de Palmelo. É tal qual Nosso Lar,

narrada por Chico Xavier, sobre a cidade do Rio de Janeiro.

Enquanto Nosso Lar foi revelada pela via da psicografia 57 de Chico

Xavier em narrativas pelo espírito André Luiz, a Nova Esperança foi narrada

em livro58 pela médium Vânia Arantes Damo (Dona Vânia)59, através de visitas

que ela mesma afirma ter realizado não apenas a esta Colônia Espiritual, mas

a vinte delas localizadas sobre vários pontos no Brasil. As visitas teriam

ocorrido sistematicamente durante nove meses por meio de desdobramento

onírico60, guiado pelo espírito Joaninha Darque61.

No livro, define-se: “Cidades espirituais, para onde vão os espíritos, após

o seu desencarne. Segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, de

Francisco da Silveira Bueno, 9ª edição, ‘Colônia é um grupo de imigrantes que

se estabelecem em terra estranha’” (DAMO, 2004, p. 9).

Sob a consideração de Kardec (2011, p. 78-79, perguntas 35 e 36)

acerca da infinidade do espaço universal, de que “não há o vácuo. O que te

parece vazio está ocupado por matéria que te escapa aos sentidos e aos

instrumentos”, o livro defende que há também uma grande quantidade dessas

56

O nome que os espíritas dão às cidades espirituais ou cidades onde moram e vivem os espíritos desencarnados. 57

Escrita mediúnica, ocasião em que, segundo os espíritas, o médium escreve sob o comando de um espírito, seja mecanicamente, semimecanicamente ou intuitivamente. 58

DAMO (2004). 59

Médium psicógrafa, moradora de Palmelo, ex-esposa de Bortolo Damo (ex-presidente do Centro Espírita Luz da Verdade, falecido). A médium foi entrevistada nesta pesquisa. 60

Um desdobramento onírico é similar a um sonho lúcido, mas neste caso o espírito se desdobra do corpo e se relaciona diretamente com o mundo espiritual, conscientemente, recordando-se claramente do que lhe ocorrera, ao acordar em seguida no corpo físico. 61

Joaninha Darque é o espírito que, segundo a médium, a assistiu durante seus trabalhos como psicógrafa e na pesquisa sobre as cidades espirituais. Joaninha fora homenageada com seu nome em uma escola infantil em Palmelo, criada por Dona Vânia.

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cidades espirituais em todo o planeta, já que a demanda por moradia também

assola a todos os espíritos que não estão no plano terreno.

Existe, na crosta planetária, uma infinidade de Colônias: as que já se fizeram conhecidas e os milhares de Colônias desconhecidas. Considerando-se que a população planetária gire em torno de trinta bilhões de espíritos, dos quais estejam reencarnados, aproximadamente, dez bilhões (estatisticamente, consideram-se 6.200.000.000 de habitantes na Terra, reencarnados), estariam, no plano espiritual, vinte bilhões de espíritos. As Colônias variam de vinte a quinhentos mil habitantes, na sua maioria. Raríssimas Colônias têm mais de um milhão de habitantes. Fazendo-se a divisão, por aproximação, conclui-se a quantidade de Colônias Espirituais (DAMO, 2004, p. 11-12).

É possível observar que a lógica estatística e espacial, para os espíritas,

é a mesma tanto na cidade material quanto na cidade espiritual. Aliás, elas

convergem e se explicam. Menos de um terço dos espíritos que vivem no

planeta Terra estão vivos no mundo material e a densidade populacional no

mundo espiritual, para ser adequadamente suprida, também se organiza em

pequenas e grandes cidades.

O livro é estruturado, contendo em cada capítulo uma Colônia Espiritual,

apresentando uma localização aproximada de onde, no plano físico, essas

cidades estariam localizadas. Em seguida, o relato da médium descreve o

espaço geográfico, a finalidade da cidade espiritual – via de regra para

tratamento, estudo e arte – a paisagem do lugar e as vias de acesso e

funcionalidades. Por fim, há uma ilustração da Colônia desenhada sob sua

descrição.

A Colônia Nova Esperança é a quinta a ser descrita no livro. Ao contrário

da referência da cidade material como segundo menor município goiano, a

cidade espiritual localizada sobre Palmelo “poderia ser chamada de ‘Colônia da

Estatística Planetária’, devido à sua importantíssima função, na catalogação de

todos os espíritos que entram, que saem e que permanecem no orbe

planetário” (DAMO, 2004, p. 35). Um quadro de controle geral que lembra tanto

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o conforto que a esperança de que Deus está no controle de tudo seja

concreto, quando a antiutopia de um admirável mundo novo62.

Dado colhido em campo corrobora com a noção de que a cidade

espiritual é vista como um modelo para a cidade material. Da primeira vêm as

influências que são materializadas e produzidas no mundo terreno, segundo a

experiência de uma moradora como a Yashira, artista plástica radicada em

Palmelo desde 1979, ao comentar que acredita na existência da Colônia Nova

Esperança por já ter visitado espiritualmente outras duas:

Já vi, já ouvi falar, nunca fui nela, não sei como é, acredito que tenha. Eu sei que eu já fui bem com certeza é no Nosso Lar. E um outro espaço que eu fui que eu não sei onde foi, que as ruas eram tudo mar de pérola e as árvores eram tudo brilhante igual a árvore de natal. É de lá que tiraram a ideia para fazer as nossas árvores de natal (Yashira).

Luiz da Silva (2012) entende que Nosso Lar é, em determinado aspecto,

o oposto da cidade material a que se sobrepõe, na medida em que supre as

principais demandas do Rio de Janeiro naquele período, como o saneamento

básico, o transporte eficiente, o trabalho devidamente regulado e justo, dentre

outras utopias das cidades no ideal do processo de urbanização. Processo este

que, segundo Lefebvre (2001), é convocado pela industrialização e ainda não

está completo. Assim, ele também considera – e assume – um aspecto utópico

em seu pensamento, anotado mesmo como base metodológica para o estudo

da cidade.

Pode-se considerar que a utopia em direção à urbanização também é

revelada nos termos da Colônia Nova Esperança, que, além de cuidar da

“estatística planetária”, apenas nasce nas proximidades de Palmelo,

“estendendo-se nas direções de Pires do Rio, Ipameri e Caldas Novas”, mas se

estende “subindo, depois, em ‘espiral’, até se perder no infinito” (DAMO, 2004,

p. 35). Assim, a cidade espiritual também é o oposto da cidade material em um

aspecto central: o tamanho da cidade. Enquanto uma se limita a uma área de

58,959 km² (conforme o IBGE63), a outra “se estende ao infinito”. Além disso,

62

Uma sociedade de hipercontrole com controle da natalidade e do condicionamento em classes sociais, que não conta se não com ilhas de poucos sujeitos desajustados do sistema (HUXLEY, 2014). 63

IBGE, 2016.

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“possui vários postos de socorro e atendimento espalhados por vários lugares

da Crosta Terrena” e há também um “setor de anotações” que é “fantástico”.

Segundo Damo (2014, p. 37), “parece uma cidade dentro de outra. Mantém

interligações no sentido vertical, onde as informações são repassadas, ou do

Infinito para a Terra, ou da Terra para o Infinito”.

Foto 13 - Ilustração da Colônia Nova Esperança

Fonte: Damo, 2004, p. 39 – fotografada.

Deste modo, a sociedade é ordenada simbolicamente pela religião.

Encontra-se, na descrição da cidade espiritual, um laço comum. Segundo

Sodré (2014, p. 201), o laço comum “é, portanto, o comum que ‘cola’ a cidade e

permite ao indivíduo transpor os limites da dualidade para a comunicação com

o anônimo social, dentro da forma representativa atinente a cada comunidade

particular”. E o laço particular da comunidade espírita em Palmelo se dá nos

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mesmos moldes da utopia espírita de Nosso Lar. Nas palavras de Luiz da Silva

(2012, p. 29): “Se a sociedade precisa de mecanismos que assegurem sua

continuidade, a religião sempre desempenhou papel importante nisso”. É nisso

que consiste a utopia espírita como modelo para a cidade material.

Percebemos que a cidade espiritual Nosso Lar é, sem dúvida, uma forma de representação do paraíso, uma utopia celeste. É uma representação que possui elementos do imaginário católico, como já vimos, mas que incorpora valores do mundo contemporâneo, como a valorização do trabalho. Assim, ela pode ser encarada como modelo espiritual e sagrado, de urbanização e de modernidade. Nosso Lar deveria servir de modelo para as cidades materiais tal qual a capital federal o seria para as demais cidades brasileiras. Se, como repetidamente já afirmamos, ela pode ser uma releitura do Jardim do Éden, então podemos ver nela também a representação das cidades planejadas da época, inclusive o ideal das ‘cidades-jardins’. Transporte público rápido e eficiente por meio do ‘aerobus’, ruas amplas, limpas e arborizadas, edifícios públicos imponentes, residências confortáveis e graciosas fazem parte de Nosso Lar, mas também de qualquer utopia de planejamento urbano (LUIZ DA SILVA, 2012, p. 23).

As comprovações da conexão entre a cidade de Palmelo e a “parte

baixa” da Colônia Nova Esperança se dariam em torno de dois dados contidos

nas narrativas cotidianas, aferidas por meio de entrevistas em profundidade

com moradores, sobre os efeitos físicos provocados pela presença da cidade

espiritual na localidade. São dois dados do espaço que conjugam a cidade

material e a espiritual.

Em primeiro lugar, a informação de que na cidade haveria um ponto

geodésico64 ou geomagnético65 do planeta. Conta-se que assim que Jerônymo

Candinho delimitou (sob orientação espiritual) os três locais que até hoje

concentram a área urbana palmelina (conforme já mencionado: Centro Espírita

Luz da Verdade, Dispensário São Vicente de Paula e Colégio Estadual

Eurípedes Barsanulfo ao lado do Sanatório Eurípedes Barsanulfo), os

engenheiros chamados para a realização das obras teriam acusado problemas

com a bússola em um ponto específico. Depois, teriam identificado que ali

64

Ou “marco geodésico” como é denominado pela geodésia, ciência que estuda a forma e a dimensão do planeta em contraste com o campo de gravidade. A geodésia se interessa, por exemplo, pelo Sistema de Posicionamento Global (GPS) (IBGE, 2015). 65

Provavelmente uma apropriação popular para “geodésico”. Consta também em mensagens psicografadas sobre o assunto, mas nenhuma delas explica o termo.

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existe um ponto geodésico do planeta. Para a historiadora Mirtes Borges, era a

espiritualidade trabalhando Palmelo em um ponto de convergência:

Porque tudo encaminhou, tudo foi a coisa trabalhada pela espiritualidade, por quê? Palmelo é o ponto de convergência. Palmelo é um dos pontos geodésicos do planeta Terra, num é? Onde se convergem as energias. Então, por isso, a importância da espiritualidade (Mirtes Borges, 06 de dezembro de 2015).

De narrativa singular, Yashira descreve o ponto como um campo, ou

melhor, como uma “usina nuclear psíquica”. O mesmo sentido de convergência

de energias ligada a termos e aspectos de legitimação em torno de um caráter

pretensamente científico.

A sensibilidade de quem está em Palmelo é tão variada que depois de 36 anos que estou aqui, de tantas e tantas outras descobertas, eu descobri que Palmelo é uma cidade usina nuclear psíquica. Palmelo é. Se não souber mexer nessa usina, é como eu te falei, não tem utilidade estar em Palmelo. Porque sai pior do que entrou, e vice versa, se você souber a manutenção da usina vai ser maravilhoso porque essa usina a manutenção são todos os livros espíritas que nós temos de Allan Kardec, a ciência. A ciência do espírito, não é? (Yashira, 05 de dezembro de 2015).

Foto 14 - Cristal instalado onde seria o ponto geodésico do planeta em Palmelo

Fonte: Palmelo News, 2016 www.palmelonews.wix.com/news

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Há uma bibliografia, de cunho historiográfico, mencionada pelo jovem

médium Leonardo Guimarães que explica como se deu a descoberta do ponto

geodésico em Palmelo. O entrevistado cita outros pontos similares no planeta e

destaca o fato de Jerônymo Candinho ter escolhido justamente um ponto

geodésico do planeta para a construção de uma casa de tratamentos de

transtornos mentais, como era o Sanatório. Por isso, na opinião dos

engenheiros, o líder da comunidade era ocultista ou cientista.

É muito interessante essa questão do ponto geodésico, que na década de 70, segundo o livro “De Sacramento a Palmelo”, o engenheiro veio trabalhar no hospital e aí ele fazendo algumas atividades no sanatório, os equipamentos dele apontaram para um ponto geomagnético e ai ele conversando com o Sr. Jerônimo ele disse que, ele questionou Sr. Jerônimo se ele era um ocultista ou se ele era um cientista, aí ele perguntou porquê, aí ele respondeu que "bem aqui onde o Sr. foi fundar o seu sanatório, existe um ponto geomagnético, e aí, como nos sabemos, existe um em cabo canaveral nos EUA e em poucas regiões do mundo. Aí até o triângulo das bermudas "né", o triângulo dos tigres, acho que é tigres asiáticos, nas proximidades do Japão, lá no pacífico, então incidentes assim dos mais variados, navios que desaparecem, aviões que desapareceram, coisas assim bem fantásticas (Leonardo Guimarães, 18 de dezembro de 2015).

Segundo a historiadora Mirtes Borges a orientação espiritual é que

guiava metro a metro a construção da cidade nesse sentido, para fechar um

triângulo66: “Você vê que aquela parte velha do dispensário, aquelas casinhas

lá em baixo, era onde era pra ser o dispensário, ai veio a orientação que

precisava subir 50 metros pra cima pra ficar no mesmo alinhamento pra fechar

o triângulo”.

Outro médium da cidade, que trabalhou com Jerônymo Candinho,

Augusto Batista de Sousa, nos apresentou uma mensagem que seria a

comprovação da interferência espiritual sob o nome do espírito Eurípedes

Barsanulfo para o planejamento da cidade em torno deste ponto geodésico.

Eu tenho uma mensagem de 1956 que a Dona Chiquinha recebeu de Eurípedes Barsanulfo, fala que aqui é o centro magnético do planeta, ali onde é a praça do antigo sanatório.

66

Na geodésia, uma rede geodésica trabalha com sistemas triangulares de posicionamento no planeta. Daí a justificativa que circula sobre a construção de Palmelo “fechar um triângulo”.

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Geomagnético ou geofísico. E passou aqui os engenheiros agrônomos foram medir na época, para fazer uma análise, engenheiro para fazer o sanatório. O aparelho deu diferença, então, prova também através da engenharia, baixou, teve diferença sim, depois a Dona Chiquinha recebe essa mensagem dizendo que aqui é o centro geomagnético do planeta, entendeu? (Augusto Batista de Sousa, 17 de dezembro de 2015).

A mensagem de Eurípedes Barsanulfo em 1956 diz: “Palmelo é agora o

ponto convergente da grande luz que se irradia diretamente do coração de

Jesus”. Adiante, se refere especificamente ao ponto geodésico, fazendo com

que a cidade assuma um centro do planeta por isso: “Já imaginastes a

iluminação que sobe em nossas almas quando falamos ao mundo do centro da

Terra, do Centro Geodésico do Planeta?”. A mensagem completa está no

Anexo A deste trabalho.

Uma rápida pesquisa na internet pode mostrar que a discussão sobre o

fundamento da existência ou não de pontos geodésicos em várias cidades é

extensa e aparentemente irresolúvel. Mas é dado concreto de campo desta

pesquisa que o ponto geodésico em Palmelo, na versão dos entrevistados,

serve de explicação a muitos fenômenos de cura e é argumento para

peregrinação. A médium Ingrid Rios concorda:

Eu gosto mundo de ir pro ponto geodésico. Eu quando eu to assim meio nervosa, ansiosa, eu vou pra lá, sento. Ai eu fico olhando sabe. Gosto muito de meditação, gosto de mantra. Ai eu coloco um mantra, assim e vou ouvir e acaba que relaxa, mas aqui assim, eu muda até meu humor. Eu sou outra aqui dentro. Aqui, é, quando fala Palmelo é energia diferente, é... realmente. Aqui é contagioso (Ingrid Rios, 17 de dezembro de 2015).

Se o ponto geodésico deixa dúvidas do ponto de vista da própria

geodésia, mesmo por falta de trabalhos popularizados a respeito, outro aspecto

geográfico foi detidamente estudado e é fenômeno visível que também serve

de justificativa para a existência e relação entre cidade espiritual e cidade

material. Trata-se dos “desbarrancados” ou voçorocas, vistas ao fundo na

paisagem do Centro Espírita Luz da Verdade, ao atravessar o Ribeirão Caiapó.

Grandes erosões que se comparam ao próprio tamanho da área urbana da

cidade existem, segundo os espíritas do local, pela influência do magnetismo

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da Colônia, sendo a voçoroca o ponto geográfico onde se localiza o ponto mais

baixo da cidade espiritual Nova Esperança.

Diversas análises já foram realizadas por pesquisadores e alunos do

curso de geografia da Universidade Estadual de Goiás – Unidade Pires do Rio.

As principais referências no assunto, uma clássica não apenas no que se

refere à região, mas amplamente citado nos estudos sobre voçoroca, Valter

Casseti (1987/1988); e outra contemporânea, que vem realizando trabalhos

sucessivos de acompanhamento bibliográfico e de campo, Carneiro, Paulo e

Melo (2014).

Foto 15 - Parte de uma das três voçorocas no município de Palmelo

Fonte: Carneiro, 2005.

A situação das voçorocas é preocupante para o meio ambiente no local.

Conforme resume Carneiro, Paulo e Melo (2014, p. 201), há um “forte processo

erosivo remontante, enquanto em suas bordas norte e sul encontram-se sulcos

erosivos em evolução quase conectados”.

As pesquisas já realizadas buscaram a causa do fenômeno e

conseguiram realizar inúmeros apontamentos e condicionantes, apesar da

dificuldade de precisão, atribuindo a causa pelo efeito, porque nenhuma das

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variáveis necessárias para tal empreitada era medida ou observada à época de

início das erosões, provavelmente na década de 1920.

Mesmo se valendo das categorias de precipitação, vertente, topografia e

formação de solo com seus respectivos efeitos mapeados, Casseti (1987/1988)

empreendeu breve pesquisa em história oral para aventar a hipótese de que a

principal causa da voçoroca em Palmelo é o que denomina derivação

antropogênica (fatores culturais).

Conforme o Sr. Minervino Damasio da Silva, 82 anos, nascido e criado na região de Palmelo, em entrevista concedida, informou que os ‘desbarrancados’ iniciavam por volta de 1925 e a causa principal foi a abertura de uma estrada de carro de boi (1920), que ligava Palmelo à Estação do Roncador (Estação Ferroviária de Pires do Rio, distante aproximadamente 20 quilômetros da área em questão) (CASSETI, 1987/1988, p. 58).

Deste modo, a abertura de uma estrada para carros de boi com a devida

compactação da terra, relacionada a uma grande quantidade de chuva na

formação do solo (tanto a forma geométrica quanto a textura da terra) é a única

explicação plausível e acordada pelos geógrafos.

Admite-se portanto, que enquanto o grau de compactação da estrutura superficial tenha se constituído do responsável pela redução da infiltração e consequente intensificação do escoamento, favorecido pelas derivações antropogênicas, responsável pela abertura de ravinamentos iniciais, a textura do material subjacente (camada de tabatinga), sobretudo a partir do 2 primeiros metros (na cabeceira), tem sido o maior agravante do processo evolutivo (tanto na vertical quanto na horizontal dos ‘desbarrancamentos’). Deve-se destacar ainda, que apesar do referido teor de argila na camada de tabatinga (de 18,45 a 27,60%), o acréscimo da areia fina (41,80 a 53,35%) parece justificar a elevada friabilidade do material (CASSETI, 1987/1988, p. 63).

Carneiro, Paulo e Melo (2014) trazem as medidas atualizadas. Há três

voçorocas. Duas menores, de até 10 mil metros quadrados de área cada uma e

outra de surpreendentes mais de 60 mil metros quadrados, praticamente

equivalente à metade ou mais do território urbano.

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Diante do acompanhamento geográfico preciso, os espíritas

argumentam a tese de que a causa das voçorocas é o magnetismo da Colônia

Nova Esperança, como se pode observar no relato a seguir:

a questão que eu gosto de comentar muito, da voçoroca, que tem vários estudos do pessoal aqui da Universidade de Pires do Rio, da UEG, que o pessoal veio fazer estudo do solo, pessoal da geografia, e eles não encontram explicação lógica para entender o fenômeno da voçoroca, vulgarmente conhecida como desbarrancada. E aí por quê? Tem toda aquela explicação que houve o desmatamento, passando os carros de boi pra lá e pra cá, começou a criar suturas no solo, e isso com o tempo, com o processo de ... lixiviação foi transformando em cratera, porém, não chegaria a proporção que chegou, aí vem a questão espiritual explicar, porque a base da colônia espiritual nova esperança que é a cidade espiritual daqui de Palmelo, então em função do magnetismo é que aquilo lá foi provocado (Leonardo Guimarães, 18 de dezembro de 2015).

“A religião enquanto sistema simbólico possui sua específica

estruturação, suas regras de um modo diferente de outra, embora existam

articulações entre o campo simbólico religioso e outros campos simbólicos”

(OLIVEIRA, 2015, p. 40). Tanto Palmelo quanto a Colônia Nova Esperança

assimilam uma característica em comum: configuram, na narrativa e no

cotidiano, um espaço de pronto socorro. O texto da Lei Orgânica do Município67

converge com a descrição na entrada do Centro Espírita Luz da Verdade e com

a informação trazida no livro “Moradas espirituais”: Palmelo é “estância de

reequilíbrio físico, mental e espiritual”.

Assim, se na cidade material foi possível entrever a força do vínculo

religioso e quais são os símbolos por ela lançado, agora foi possível perceber

que a cidade espiritual é uma realidade simbólica tão viva quanto a material a

ponto de intervir diretamente – pelo menos no contexto de justificação – na

realidade biológica (caso das voçorocas) e social (caso da legislação local e da

espacialidade que determina). Por isso, “a religião aqui é entendida como um

universo simbólico de significados que legitima a estrutura da sociedade,

modelando-a tanto em termos morais como funcionais” (OLIVEIRA, 2015, p.

43).

67

Lei de 1990, revisada e promulgada em 2011. A convergência com a legislação é analisada em detalhes no Capítulo 4 desta dissertação.

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5. OS TRÊS ÂMBITOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE SISTEMAS

SIMBÓLICOS EM PALMELO

Revisada a história de Palmelo e descritos os espaços que ela produziu,

ainda nos propomos a interpretar até que ponto o sistema religioso se vincula à

dimensão simbólica da cidade. De certo modo, já se torna mais que evidente o

“modo” como isso acontece: um agrupamento humano se formou em torno de

fazendeiros que tiveram intenso contato com eventos e crenças espíritas e,

contingencialmente, este teve força política e religiosa o suficiente para

produzir uma cidade espírita. Em paralelo, há também a narrativa espiritual que

guiou a construção da cidade, em parte explicada e condizente com o

imaginário espírita brasileiro. De todo modo, ainda não respondemos em que

medida o simbolismo religioso está vinculado ao simbolismo da cidade, apenas

reunimos as evidencias deste vínculo social e afirmamos que ele produz uma

realidade. Afinal, enquanto a história explica a dinâmica social originária da

cidade, a descrição dos espaços apresenta seu produto, mas só a

interpretação dos sistemas simbólicos (que fornecem sentido a essa história)

responde, neste capítulo, pela comunicação entre religião e cidade em

diferentes âmbitos. Especificamente, nos referimos a três categorias de

análise: sociedade, comunidade e cultura.

Mas, por que estas três categorias de análise? A análise cultural, como

método de interpretação dos sistemas simbólicos, deixa claros os pressupostos

aqui utilizados para entender até que ponto há comunicação entre as estruturas

da cidade e da religião em um caso evidente como a cidade espírita em

Palmelo. O principal desses pressupostos é de que há estruturas sociais (aqui

entendidas como sistemas) que operam símbolos. E, de modo complementar,

que elas se comunicam ou não a partir das ações sociais. Por isso é que se

destacou um capítulo para entender a história do que denominamos ser o

“movimento espírita palmelino” e outro para descrever os espaços por ele

produzidos. Trata-se, em nossa concepção, da ação social que produz uma

estrutura social.

O interesse comunicacional está nas dimensões simbólicas dessa

estrutura. Nos capítulos anteriores, o trabalho histórico e geográfico

empreendido apresenta e descreve o mais densamente possível as ações e as

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estruturas sociais, encontradas na pesquisa bibliográfica e no trabalho de

observação direta. Agora, retoma-se a ideia de Geertz (2008) ao afirmar que

“as ações sociais são comentários a respeito de mais do que elas mesmas”. Os

dados deste capítulo apresentam esse “mais do que elas mesmas”, ou seja, a

realidade simbólica, o sistema sem o qual as ações sociais não se justificariam

e os espaços se tornariam vários.

Os autores que servem de referência ao aspecto teórico deste trabalho

tem, em alguma medida, raiz marxista. O modelo clássico de interpretação

desta vertente sociológica é a dualidade entre base (econômica) e

superestrutura (cultural), a partir do qual a análise cultural dependeria das

relações materiais e econômicas de produção como determinantes da cultura.

Com esse modelo, poderíamos explicar que, em Palmelo, os donos da terra é

que determinaram a predominância de uma cultura espírita no local, seja

doando as terras e os materiais para a produção dos espaços que hoje

abrigam as inúmeras instituições, seja promovendo e participantes de

ritualidades específicas em seus territórios. Mas, por que a religiosidade

espírita e não uma outra forma cultural neste território? De certo modo, a

história aponta que estes mesmos “donos das terras” vieram de lugares

diferentes, com intenções diversas, mas convergiam no valor atribuído ao

curandeirismo ligado ao espiritismo. Então, até que ponto o contrário da

hipótese marxista também não é verdadeiro? A partir das relações culturais,

constituem-se relações econômicas e políticas ao ponto de fundar uma cidade.

Mesmo os autores em que nos baseamos, de raiz marxista, exploram

uma análise cultural fora do modelo dual base/superestrutura, que consideram

dogmático. É o caso de Lefebvre (2001; 2006), que busca a via crítica para

reavivar o marxismo; Berger (1985), que embute noções weberianas para

balancear sua perspectiva dialética e construcionista da realidade; Williams

(1992), que estabelece um modelo de análise próprio a ser utilizado neste

capítulo; e também, em menor grau, de dois autores que colaboram

essencialmente com esta parte da análise, o antropólogo francês Maurice

Godelier (2012) e o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2010).

A alternativa encontrada foi a imaginação teórica de campo apresentada

pragmaticamente por Godelier (2012), ao convergir três modos de

compreender as identidades em conflito, que aqui constituem as três categorias

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de análise dos sistemas simbólicos: comunidade, sociedade e cultura (ao invés

de base e superestrutura). O autor não faz isso separando ou selecionando um

dentre estes três conceitos tão debatidos (e batidos) nas ciências sociais. A

intenção dele é justamente saber até que ponto “esses quatro conceitos ainda

são úteis para a produção de conhecimentos científicos?”. São úteis, diz, em

certas condições: aquelas de explicar as identidades em conflito na criação de

vínculos sociais. Ou seja, “sociedade”, “comunidade” e “cultura” podem se

tornar nossas categorias de análise para descobrir até que ponto a noção de

cidade pode ser vinculada a um sistema religioso.

É de extrema importância notar que estas três categorias são aquilo que

chamamos de “âmbito de comunicação”. Segundo a teoria de sistemas, cada

sistema tem um ambiente do sistema. Em nosso trabalho, estamos chamando

de “sociedade”, “comunidade” e “cultura” os diferentes modos de olhar para

esse “ambiente do sistema”. Por isso, denominamos “o âmbito de comunicação

da sociedade”, “o âmbito de comunicação da comunidade” e o “âmbito de

comunicação da cultura”. Eles são “de comunicação” porque neles avaliamos

as aberturas e fechamentos dos sistemas (da religião e da cidade). Enfim,

nossos “âmbitos de comunicação” configuram uma terminologia própria, atenta

às noções da teoria de sistemas de Luhmann (2005).

O trabalho de campo sugere as mesmas categorias de análise.

Enquadramos as relações formais (patrimônio cultural e histórico da cidade e

as relações com o visitante que começa a ser chamado de turista) ao âmbito

da sociedade; os eventos periódicos observados na cidade (um espírita e um

ecumênico) e as condições de diálogo do espiritismo com outras

denominações religiosas e outros setores da sociedade ao âmbito da

comunidade; e o modo como as diversas identificações se relacionam com a

sociedade e a comunidade na qual se formam ao âmbito da cultura.

Ainda que a lógica econômica a tudo possa fornecer uma explicação

razoável (muitas vezes, a mais razoável), Quinn (2000) lembra que em algum

momento essa (agri)cultura foi criada e Godelier (2012, p. 14) repara que

os humanos não se contentam em viver em sociedade. Eles produzem novas formas de existência social, portanto sociedades, para continuar a viver. E ao transformarem as

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suas maneiras de viver, eles transformam os modos de pensar e de agir, logo a sua cultura.

Diante disso, Godelier (2012, p. 12) elabora uma tese para responder

“como se fabricam sociedades no decorrer da história? Quais são as relações

sociais que reúnem grupos humanos e fazem deles uma sociedade, ou seja,

um Todo que se reproduz e os reproduz?”. Do mesmo modo, em outra escala e

em outra disciplina do conhecimento, esta dissertação pergunta pelas relações

que formulam uma cidade espírita em Palmelo.

Ele defende que comunidade, sociedade e cultura são três modos

possíveis para uma análise compreensiva dos sistemas simbólicos de um

povo. Ao se colocar a questão sobre como as sociedades são criadas, faz isso

a partir de seu relato antropológico sobre os baruia da Papua Nova-Guiné, que

construíram uma sociedade diferenciada das demais em seu território sem

diferenciar relações de parentesco, de produção ou mesmo de identidade

cultural e, até metade do século passado, não tinham contato com o mundo

ocidental. O autor relata várias mudanças e conflitos da identidade baruia que,

mesmo diante da catequização sofrida em contato com o ocidente, recriou e

mantém uma sociedade. Em sua análise Godelier (2012, p. 25) conclui que é a

“natureza das práticas simbólicas” na construção de seus próprios templos

religiosos, junto ao poder político dos ritos de iniciação geracional, que mantêm

as funções de sua estrutura social. Ou seja, chega ao inverso da hipótese de

Marx:

Não são os modos de produção que explicariam a formação das sociedades concretas, mas seria o desenvolvimento ao longo dos séculos de novas formas concretas de poder unindo ou fundindo política e religião que teria provocado as transformações dos modos de produção. Evidentemente, a partir do momento em que aqueles que exercem o poder dependem para existir materialmente daqueles que não o têm, os laços do econômico e do político se tornam recíprocos (GODELIER, 2012, p. 47).

De fato, não consideramos que uma análise sobre Palmelo se dê nos

mesmos termos que uma análise sobre os baruia. É o tipo de análise

antropológica que, em princípio, se dava com vistas às comunidades primitivas.

Por outro lado, a bibliografia traz uma reflexão sobre as cidades voltadas para

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o desenvolvimento urbano, pelo motor da industrialização. Ou seja, há também

certa distância entre essa teoria da cidade e nosso objeto de estudo: uma

pequena cidade do interior goiano. Esta foi uma dificuldade teórica.

A constituição das pequenas cidades ou pequenos centros em tempos

de globalização, conforme Castilho (2009), se dá tanto pelas lógicas de

produção material quanto pelos valores provenientes dos atores hegemônicos.

A vida que se desenvolve nas cidades é uma produção social. É fruto de um movimento contraditório, por isso um espaço de conflitos e lutas mascaradas. No caso dos pequenos centros, além de suprir regiões produtivas com produtos primários e com exército de reserva, eles também aprisionam parte de seus habitantes aos valores que o tornam mais aptos e/ou vulneráveis a aceitarem as ações imputadas pelos atores hegemônicos (CASTILHO, 2009, p. 163).

A descrição histórica e espacial elaborada nos dois primeiros capítulos

estabelece o horizonte empírico concreto com que lidamos: uma cidade com

forte vínculo religioso espírita. Uma constatação assim é importante, mas

aparece como uma realidade estática demais diante das dinâmicas e

conflitualidades pontuadas no tempo e no espaço. Nenhuma realidade é

estática e, mesmo sobre um retrato68, é preciso considerar a complexidade do

que lhe antecedeu, sucedeu e dos elementos objetivos que apresenta.

Assim, este capítulo, exclusivo para a interpretação da cidade espírita

em Palmelo (o sistema religioso na dimensão simbólica da cidade), reúne

principalmente o resultado de entrevistas em profundidade e de análise de

documentos e eventos na cidade, divididos segundo as categorias de análise

“sociedade”, “comunidade” e “cultura”, modos de compreensão sugeridos por

Godelier (2012) que acatamos para neles inserirmos as categorias que

resultam do trabalho de campo, avaliando a comunicação que parte dos

sistemas (religião e cidade) para o ambiente do sistema (categorizado nos três

âmbitos: sociedade, comunidade e cultura).

Afinal, de que é que se fala quando se problematiza a cidade espírita em

Palmelo, ou seja, o vínculo entre a cidade e a religiosidade espírita neste

68

Domènech (2015) recoloca à teoria da imagem e da imagem pública o problema da complexidade. Para ele, um retrato também é uma imagem em movimento já que tem contexto e temporalidade.

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território? Conforme já abordado, as categorias de análise aqui adotadas

(sociedade, comunidade e cultura) sugerem que pode-se buscar tal vínculo 1)

na construção social compreendida legalmente em termos do município, sua

população e seus patrimônios; 2) na comunidade espírita e seus modos de

conviver com aqueles que a procuram em busca de tratamento, com as demais

religiões e com outros campos simbólicos na cidade e; 3) na cultura produzida

como identidade atribuída pelo movimento espírita palmelino à cidade em sua

relação com as várias fontes de identidade do palmelino.

5.1. Âmbito de comunicação da sociedade: condição socioeconômica,

legislativa e patrimonial

“São as relações político-religiosas que integraram grupos humanos de

origens diversas em um Todo que se fez sociedade” (GODELIER, 2012, p. 35).

Pode-se dizer que uma sociedade se funda em torno de formalizações que

produz a partir de suas relações político-religiosas (ou seja, as relações

comunitárias e culturais não deixam de estarem presentes nas relações

societárias). O episódio da emancipação do município de Palmelo marca sua

história sob a liderança ao mesmo tempo política e religiosa de Jerônymo

Candinho, mas esta demarcação assume formas modernas no funcionamento

da cidade.

Neste tópico, no âmbito da sociedade, a transformação das obras da

cidade em patrimônios históricos e culturais, bem como a relação da população

local com estes patrimônios, a forma que tomou a lei orgânica do município sob

as influências da instituição religiosa e as recentes visões sobre turismo em

Palmelo permitem ver como se comunicam os sistemas simbólicos da cidade e

da religião. Trata-se de entender a cidade mais propriamente dita como

sociedade, neste primeiro momento.

A concretização de uma sociedade e, no caso deste trabalho, a

emancipação de um município, não se dá por acaso, nem por prestígio isolado

de um senhor, mas pelas relações político-religiosas que se formam, por meio

de conflitos e diálogos que, nas sociedades modernas, culminam com as

formas institucionais da lei e da burocracia.

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Na tipologia das cidades brasileiras do Observatório das Metrópoles, que

opera com uma abordagem prima entre o território e as redes de cidade,

Palmelo é classificada dentre os municípios com até 20 mil habitantes,

“universo dos menores municípios brasileiros”, “muito mais vinculados a

estratégias de desenvolvimento rural que a políticas de caráter urbano”

(BITOUN e MIRANDA, 2009, p. 99). Mais especificamente, Palmelo é tabulada

como município com menos de 20 mil habitantes, de microrregiões Tipo 1,

Classe D, o que significa que na cidade “a precariedade seria tão generalizada

que asseguraria a homogeneidade” (BITOUN e MIRANDA, 2009, p. 43 e 46).

Neste caso, que se refere à realidade socioeconômica, percebe-se que

os espaços da cidade são adequados a um subdesenvolvimento já relacionado

pelos historiadores locais como recusa ao modo de vida do capitalismo.

Nesta faixa de tamanho populacional, que agrupa 3819 municípios situados fora de aglomerações metropolitanas, as distinções principais remetem a duas variáveis: (...) indicando em que medida a cidade é um agrupamento de trabalhadores rurais ou se desempenha algumas funções urbanas e; a localização dos municípios em regiões rurais mais ou menos prósperas (BITOUN e MIRANDA, 2009, p. 137-138).

Palmelo mantém relações socioeconômicas aos moldes do que

Nogueira (2009, p. 64) identificou como continuum entre cidade e campo, uma

visão mais complexa e atual da ruralidade em solos goianos. Segundo a

autora, “há, em Goiás, como em outros estados brasileiros, cada vez mais

coexistência do caráter urbano com o rural, do ponto de vista espacial – não

englobando toda a dimensão antropológica do espaço (...) – e das atividades

produtivas”.

Destaca-se, a seguir, aspectos em que mais notadamente se pôde

observar o vínculo da religiosidade espírita com a dimensão simbólica da

cidade de Palmelo. Os dados já se apresentam destacados no quadro de

interesse objetivo. Dividimos os dados entre 1) demografia e características da

população espírita palmelina; 2) hegemonia espírita na lei orgânica do

município; 3) patrimônio cultural e o estigma da loucura e; 4) um museu entre o

visitante e o turista.

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5.1.1. Demografia e características da população espírita palmelina

Com população estimada em 2416 pessoas no ano de 2015 e densidade

demográfica de aproximadamente 40 habitantes por quilômetro quadrado,

Palmelo possui uma área de arredondados 59 quilômetros quadrados (IBGE,

2016). Baseado nos índices de longevidade, educação e renda, o Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Palmelo é 0,730, considerado

alto. Outros índices são destacados acerca da qualidade de vida na cidade,

como é o caso da saúde, recentemente considerada a segunda melhor do

Estado de Goiás (G1, 2012). Não há, em Palmelo, uma infraestrutura que

justifique o dado. Há sempre apenas um médico plantonista em um único

hospital municipal. O quadro que eleva a avaliação da cidade na área da saúde

é o caráter preventivo adotado pela população, tanto pelo trabalho dos agentes

de saúde, quanto pela atenção que a população dedica à saúde pela via

alternativa dos tratamentos espirituais.

Segundo o IBGE (2016), a comunidade espírita em Palmelo representa

44% de sua população total, constituindo a cidade brasileira (e, provavelmente,

no mundo) com o maior percentual de adeptos do espiritismo, apesar da

pequena população.

Dentre os espíritas brasileiros, uma característica costuma chamar a

atenção dos jornais ao publicarem notícias acerca do censo demográfico:

“Espíritas tem os melhores indicadores de educação e renda” no país

(ANDRADE, 2012). É o mesmo caso do Judaísmo. Geralmente, estas duas

características estão vinculadas, pois um elevado grau de instrução justifica um

melhor rendimento na maioria dos casos.

Contudo, a tendência seguida pelo nível de instrução dos espíritas em

Palmelo corre na contramão do perfil dos espíritas no país. Enquanto, no

Brasil, os espíritas estão entre os mais instruídos, em Palmelo os espíritas

mantém-se na mediana populacional. Isto é observável tanto na comparação

entre os espíritas palmelinos e a sociedade em que estão inseridos, quanto na

comparação entre espíritas em Palmelo e no Brasil.

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Gráfico 1 - Nível de instrução da população palmelina - População palmelina x

Espíritas palmelinos

Fonte: Dados cruzados no IBGE, 2016

Em termos de Palmelo, o gráfico 1 mostra que o nível de instrução da

população espírita está em faixa mediana com o mesmo índice da população

em geral. Há uma leve tendência de que, assim como no país, os espíritas

sejam maioria com ensino superior completo e minoria sem instrução ou com

ensino fundamental incompleto. Ainda assim, a curva percorrida pelos níveis de

instrução da população palmelina e dos espíritas palmelinos pode ser

equiparada.

Seminstrução e

fundamentalincompleto

Fundamentalcompleto a

médioincompleto

Médiocompleto a

superiorincompleto

Superiorcompleto

Nãodeterminado

54,4%

18,1% 21,0%

6,2%

0,2%

48,9%

13,7%

25,8%

11,3%

0,3%

Nível de instrução da população palmelina - População palmelina x Espíritas palmelinos

População palmelina Espíritas palmelinos

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Gráfico 2 - Nível de instrução dos espíritas - Brasil x Palmelo

Fonte: Dados cruzados no IBGE, 2016

O gráfico 2 mostra o comparativo do nível de instrução dos espíritas

entre os adeptos brasileiros e os fieis palmelinos. Enquanto os espíritas

representam apenas 17,6% da população sem instrução ou com ensino

fundamental incompleto no Brasil, eles representam 48,9% em Palmelo, um

índice notavelmente elevado. No outro extremo, 35,4% dos espíritas brasileiros

têm ensino superior completo e, em Palmelo, eles são apenas 11,3% da

população com este nível de instrução. Neste caso, fica evidente que a curva

deste comparativo é inversamente proporcional entre o Brasil e o município de

Palmelo.

O objetivo destes comparativos estabelecidos entre os espíritas

palmelinos, sua cidade e seu país é compreender que a trajetória e as

características do movimento espírita palmelino diferem daquelas do

movimento espírita brasileiro. Um dos motivos para esta evidência, contudo,

deve ser ponderado: o fato de Palmelo ser uma pequena cidade de tipo

homogêneo pela precariedade (BITOUN e MIRANDA, 2009, p. 46) já é um fator

Sem instruçãoe fundamental

incompleto

Fundamentalcompleto a

médioincompleto

Médiocompleto a

superiorincompleto

Superiorcompleto

Nãodeterminado

17,6%

12,1%

34,6% 35,4%

0,3%

48,9%

13,7%

25,8%

11,3%

0,3%

Nível de instrução dos espíritas - Brasil x Palmelo

Brasil Palmelo

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que diminui as possibilidades de acesso a níveis de instrução mais elevados.

Além disso, os jovens palmelinos que investem em formação acadêmica

geralmente saem da cidade para se formarem e fixam residência para exercer

sua profissão em outro município maior, visto que Palmelo não oferece campo

de trabalho para este perfil da população.

Ainda assim, é possível destacar o fator de que a cultura espírita se

estabelece nessa sociedade, que não tem o mesmo perfil, pelo menos nos

termos dos níveis de instrução, dos adeptos desta doutrina. Desse modo,

pode-se tirar uma primeira conclusão: o vínculo e a representatividade do

espiritismo brasileiro na cidade de Palmelo não se dão pelo nível de instrução.

5.1.2. Hegemonia espírita na lei orgânica do município

As inscrições em uma placa na entrada do Centro Espírita Luz da

Verdade mostram a ligação da religião com a política e a lei na cidade.

PALMELO. Estância de Reequilíbrio Físico, Mental e Espiritual. Conforme Art. 93 da Lei Orgânica do Município. É a única cidade do mundo fundada em função do Espiritismo. Ela teve início no ano de 1929, com a fundação do Centro Espírita “Luz da Verdade”. O Lema da Doutrina Espírita É: “Dar de Graça o que de Graça Receber”. Palmelo procura ser um lugar de Paz e Amor. Seja Bem Vindo (SANTOS, 2014, P. 44).

Além de “cidade espírita”, Palmelo leva o cognome “cidade da paz”,

como em recente - dentre diversas outras - reportagem sobre a cidade (G1,

2013). Dados os fatos que denunciam a imbricação entre política e religião em

Palmelo, faz-se útil analisar a seguir a Lei Orgânica do Município, promulgada

em 27 de julho de 2011.

Nesta primeira e – até hoje, única – atualização da Lei, foi mantida a

referência acima registrada em uma placa na entrada do CELV. No “§ 3º

Conforme Moção de 27 de setembro de 1956, Palmelo adota o codinome de

‘Cidade da Paz’ considerada ainda estância de reequilíbrio físico e espiritual”

(PALMELO, 2011, p. 6).

Logo em seguida, lê-se em dois incisos do parágrafo primeiro do artigo

quarto a preocupação com a preservação da identidade e da tradição e com o

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estímulo à vocação de centro turístico religioso. Exatamente entre estes itens,

camuflam-se outros dois objetivos referentes à cidadania na afirmação de

condições de dignidade e justiça social e da diferença aquém de quaisquer

formas de discriminação. Pode-se afirmar que são os valores da cidade e da

comunidade – conforme os termos desta pesquisa – imbricados na lei.

Art. 4°. O Município concorrerá, nos limites de sua competência, para a consecução dos objetivos fundamentais da República e prioridades do Estado. § 1°- São objetivos prioritários do Município, além daqueles previstos na Constituição do Estado: I- preservar sua identidade, adequando as exigências do desenvolvimento à preservação de sua memória, tradição e peculiaridades; II- oferecer aos seus habitantes condições de vida compatíveis com a dignidade humana, a justiça social e o bem comum; III- estimular a sua vocação de centro turístico religioso. IV- promover o bem a todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, crença e quaisquer outras formas de discriminação (PALMELO, 2011, p. 6).

Seguindo a Constituição Federal, está disposto também que “IX- ao

Município é vedado: a) estabelecer culto religioso ou igreja, subvencioná-los,

embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou com seus

representantes relações de dependência ou de aliança, ressalvada, na forma

da lei, a colaboração de interesse público” (PALMELO, 2011, p. 7), tal

determinação também se aplica ao ensino público, quando até mesmo o ensino

religioso é de matrícula e frequência facultativa.

O artigo 223 da Lei renova o objetivo de incentivo ao turismo na cidade,

com destaque para “aspectos paisagísticos, religiosos, históricos e ecológicos”,

em resumo ao meio ambiente e à religião que é responsável pela maior parte

da história da cidade.

Art. 223. O Município, colaborando com os segmentos do setor, apoiará e incentivará o turismo como atividade econômica, reconhecendo-o como forma de promoção e desenvolvimento social e cultural, com destaque para os aspectos paisagísticos, religiosos, históricos e ecológicos (PALMELO, 2011, p. 79).

Do mesmo modo, o inciso segundo do artigo 224 ressalta a diretriz de

“II- aprimorar e expandir a infra-estrutura turística, priorizando o aspecto

religioso”. Também o tombamento de áreas definidas como monumentos

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religiosos é previsto. “Art. 227. O Município fará o tombamento de áreas locais

e construções, definidas como monumentos naturais, paisagísticos, turísticos e

religiosos, com estudos específicos e justificativas para a conservação e

preservação, na forma da lei” (PALMELO, 2011, p. 80).

Nota-se, assim, que a hegemonia espírita está presente até mesmo nos

termos da lei orgânica do município, mas essa presença está subordinada e

dependente da noção de Estado laico. Portanto, o vínculo com o espiritismo

aparece figurativamente pelo incentivo às ações de turismo segundo a vocação

(espírita) da cidade.

5.1.3. Patrimônio cultural: entre a neutralização do hegemônico e o

estigma da loucura

Para além da lei municipal acima referida, o estabelecimento do

patrimônio histórico e cultural do município fornece novos elementos e para

isso já há estudos realizados, inclusive com visões diferentes lançadas sobre

os mesmos objetos. Um dos trabalhos aponta para a função neutralizadora dos

patrimônios ante a cultura espírita (GONÇALVES DA SILVA, MEDEIROS E

OTONI, 2006) e o outro reclama a ineficiência comunitária dos patrimônios,

estigmatizados por uma representação que correu, por muito tempo, pari passu

à de cidade espírita, aquela que atribui à Palmelo o título de cidades dos

doidos (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006).

Os autores que estudam o tema relacionam os seguintes tombamentos

(todos de ordem material): Delegacia de Polícia (Lei n. 015/97, de 30/04/1997);

Centro Espírita André Luiz (Lei n. 016/97, de 30/04/1997); fachada da

Prefeitura Municipal de Palmelo (Lei n. 017/97, de 30/04/1997); prédio onde

está instalado o Centro de Arte São Francisco (Lei n. 014/96, de 30/12/1996);

painel “Jerônymo e seu povo” (Lei n. 011/94, de 27/04/1994); Colégio Estadual

Eurípedes Barsanulfo (Lei n. 022/97, de 30/04/1997); Escola Estadual Olita

Gonçalves de Freitas (Lei n. 024/97, de 30/04/1997).

Gonçalves da Silva, Medeiros e Otoni (2006) desenvolveram um projeto

de pesquisa sobre o patrimônio histórico e cultural das cidades de Pires do Rio,

Palmelo e Santa Cruz, três cidades vizinhas. Apesar de ser um estudo regional,

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não é comparativo. Cada cidade é estudada particularmente. A predominância

da identidade espírita é mais uma vez observada.

A história de Palmelo, apesar da relação do conflito entre a esfera política e religiosa, tem no seu patrimônio características predominantes do sagrado espírita. Dos treze (13) patrimônios históricos e culturais arrolados por essa pesquisa, oito (8) deles mantém referências aos princípios do espiritismo. Nela o Centro Espírita Luz da Verdade cumpre um importante papel como patrimônio histórico e cultural (GONÇALVES DA SILVA; MEDEIROS; OTONI, 2006, p. 715).

O Centro Espírita Luz da Verdade, no sistema religioso palmelino,

funciona como matriz estruturadora de outros patrimônios. Muitos patrimônios

são tombados por sua relação com o CELV, daí sua função estruturante na

relação entre a organização da cidade e a identidade espírita no local. O

patrimônio cultural de Palmelo é de base espírita, foi construído com recursos e

terras voltados para o espiritismo, vindo de vários lugares, como continua

sendo até hoje. Segundo Carvalho, Borges e Nunes (2006, p. 52), “o

patrimônio cultural de Palmelo, tanto material como imaterial foi construído com

base na prática espírita, esta é uma particularidade que não pode ser negada,

está acima dos preceitos religiosos aqui desenvolvidos posteriormente”.

Apesar de o patrimônio cultural e histórico em Palmelo só cobrir

legalmente aqueles de ordem material, também é possível encontrar as

referências daqueles de ordem imaterial, dentre outros de ordem material, que

não são considerados legalmente. Algumas destas referências espaciais da

cidade são mencionadas no portal da Câmara Municipal de Palmelo:

Os órgãos administrativos e de prestação de serviços, os equipamentos de lazer, cultura, saúde, como as escolas e templos, em sua maioria, encontram-se na parte central da cidade. Envolvendo a Educação, apresentam-se 03 escolas, sendo; Colégio Estadual Eurípedes Barsanulfo, Escola Municipal Joaninha Darque e Escola Particular Jerônimo Candinho, Na área de saúde, há o Centro de Saúde, com a assistência de um médico e um dentista e o Hospital Municipal Saulo Gomes, e CAPS – Centro de Apoio Psicossocial Eurípedes Barsanulfo. Na Assistência Social há: a Casa dos Idosos, Dispensário São Vicente de Paulo, Creche Hilda Vilela, Grupo de Paz Jerônimo Cândido Gomide. A fonte de renda da cidade está ligada ao comércio, ao turismo religioso (a busca da cura do corpo e do espírito), à agropecuária, aos impostos,

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uma indústria de Laticínios, Indústria. Na área de lazer há o Estádio Lico Antônio da Silva. Ginásio de Esporte Elcy Damásio da Silva, Clube Municipal Ivair Alves Teixeira, 04 praças-jardins e o Salão Nobre Jerônimo Cândido Gomide. Na cultura, a cidade conta com uma Biblioteca Pública Municipal, o Museu de Artes Yashira. Na agricultura, planta-se arroz, milho, café e feijão. As Festas Tradicionais são: Festas Juninas (São João) Festa do Manoel do Gato; Festas de Maria Madalena, protetora da cidade, (22/07) o Aniversário de Palmelo (13/11) e /nossa Senhora de Fátima (29 e 30/07). (CÂMARA MUNICIPAL DE PALMELO69).

Estes e outros locais são mencionados por autores como Carvalho,

Borges e Nunes (2006, p. 36) como espaços criados e vinculados ao centro

espírita. As instituições citadas a seguir, “quase em sua totalidade, são

construções planejadas e executadas com doações adquiridas por meio do

Centro Espírita Luz da Verdade, através do Sr. Jerônimo Candido Gomide”.

Palmelo é uma cidade simples, com uma rede de rodovias de acesso as principais cidades do Estado, sua economia baseia-se, basicamente no turismo religioso, uma empresa de Laticínios (Laticínios e Comercio LTDA) e pequenas micro-empresas, sendo a maior empregadora a prefeitura municipal. Possui um hospital Municipal (Saulo Gomes), um CAPS (Centro de apoio Psicosocial). No âmbito educacional, uma escola municipal (Joaninha Darc), e o Colégio Estadual Eurípedes Barsanulfo. Possui ainda uma Creche Municipal (Lar Espírita Hilda Vilela) e um asilo (Dispensário São Vicente de Paula) (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 35 e 36).

O texto destes autores é referenciado na reflexão teórica sobre

patrimônio cultural material e imaterial (sendo que não há patrimônio imaterial

tombado em Palmelo), na legislação dos principais tombamentos (todos ligados

ao espiritismo), na análise espacial, histórica e objetiva do que de fato ocorreu

com os lugares que deveriam ter sido preservados e, por fim, em entrevistas

realizadas com as pessoas diretamente vinculadas aos mesmos.

Para Carvalho, Borges e Nunes (2006), o Centro Espírita Luz da

Verdade e o Sanatório Eurípedes Barsanulfo são a base da cultura palmelina,

pelo menos enquanto seus patrimônios.

69

Disponível em: <http://www.palmelo.go.leg.br/historia/historia-cidade/historico-da-cidade-de-palmelo/>. Acesso em: 02 dez. 2015.

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O patrimônio cultural, sob este aspecto, também é seletivo, pois não se pode preservar tudo que foi edificado/criado pelo homem, mas deve-se preservar os monumentos relevantes da identidade de um grupo. Nesse caso citamos Centro Espírita “Luz da Verdade” e o Sanatório Eurípedes Barsanulfo, fundados em 1929, sendo que o prédio do antigo sanatório já não existe mais. Esses dois monumentos representam a origem da cidade de Palmelo, são a base inicial da identidade dos cidadãos de Palmelo (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 29).

Diferentes visões já são lançadas sobre o patrimônio cultural em

Palmelo. Primeiro, pode-se destacar que a originalidade do olhar de Gonçalves

da Silva; Medeiros e Otoni (2006) com relação ao patrimônio de Palmelo está

em perceber a dinâmica de poder que se instala na negociação simbólica entre

os campos político e religioso, quando o poder público local coopta a

comunidade por meio de uma forma de reconhecimento legal como o

tombamento.

No processo histórico de separação das esferas entre o político e o religioso notou-se que houve preocupação do poder local em reconhecer, através de tombamento, bens patrimoniais histórico e culturais, deixando transparecer o método comum da política, o da cooptação, em relação ao edifício da residência, de onde, cuja proprietária, sempre partiram críticas ao poder local (GONÇALVES DA SILVA; MEDEIROS; OTONI, 2006, p. 715).

As críticas ao poder local a que se referem estes autores são justamente

no sentido de tombar um patrimônio, mas este patrimônio não manter sua

vitalidade histórica, sem ações que o preservem, como o planejamento e o

cuidado com os espaços e o trabalho educativo de visitação e estudo acerca

dos mesmos nas escolas da cidade. O caso específico a que os autores se

referiram, por exemplo, é o do Museu da Yashira, obra na cidade que, por ser

também a residência da Yashira, é cuidada apenas por ela e não por atividades

do poder público.

Neste sentido, a presença de elementos da identidade espírita na lei

orgânica do município também representam ao mesmo tempo uma cessão e

um método de cooptação e convivência do poder público com as imbricações

necessariamente presentes da cultura espírita.

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Em Palmelo, o estudo se revelou importante porque demonstrou sua divisão. Não fosse ele, a ideia de uma cidade espírita passaria sempre a noção de uma cidade coesa em torno de seus ideais. No entanto, os monumentos Pomba da Paz e Centro Espírita Luz da Verdade, indicam a tentativa de desvincular a política da religião. Embora havendo consenso quanto aos fundadores e data de fundação da cidade, aí os patrimônios históricos e culturais, praticamente todos tombados pelo município, se apresentam em sua configuração como predominantemente espírita (GONÇALVES DA SILVA; MEDEIROS; OTONI, 2006, p. 716).

Assim, pode-se notar que há tensionamentos provocados pela presença

da identidade espírita não somente junto, mas imbricada desde a fundação, na

formação da cidade de Palmelo. De acordo com a pesquisa sobre patrimônios

históricos e culturais, o reconhecimento que a política estabelece sobre a

religiosidade espírita é um modo de torna-la objeto cultural e, portanto, exercer

poder neutralizante sobre ela. Do mesmo modo, a identidade espírita se aceita

representar civilmente junto às demais religiões na cidade como forma

procedimental de convivência e manutenção de suas atividades, obtendo assim

o prestígio que a torna hegemônica, legitimada e, no mínimo, autorizada a

representar a cidade pela concessão do poder político.

Diferentemente, Carvalho, Borges e Nunes (2006) consideram que o

patrimônio não se efetivou como tal e, por isso, a memória coletiva do povo

palmelino se perde aos poucos. Se efetivado, o patrimônio ajudaria a manter a

coesão comunitária. Os autores descrevem e analisam os patrimônios culturais

de Palmelo, de modo a evidenciar que os tombamentos não foram e não são

respeitados na prática. Vinculam isto à perda contínua da identidade palmelina

tanto por descaso como por negação do título de “cidade dos doidos”,

provindos, segundo eles, de um desconhecimento da cultura local.

Nas escolas não se ensinam sobre história local, como se a comunidade fosse apartada de suas origens na própria cidade. O que temos pela frente é que, a memória, as tradições, tendem, com o passar dos anos, a cair no esquecimento por motivos vários (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 47).

Os autores buscam na “cultura viva” uma resposta para o que avaliam

ser o descaso com os patrimônios culturais. Conforme já destacado na história

de Palmelo, junto ao centro espírita, surgiu um “sanatorinho” que, ao longo do

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tempo, recebeu e forneceu tratamento a inúmeros portadores de necessidades

especiais e “obsidiados”, como se costumava dizer. O sanatório era junto ao

Centro Espírita – com Jerônymo na cidade passa de cadeinha para sanatório

de alvenaria, depois para sanatório construído e hoje Centro de Atendimento

Psicossocial (CAPS), futuro museu do espiritismo. Uma mutação do espaço

público que será analisada mais adiante.

A cela ou cadeinha, como era conhecido o antigo sanatório, era um ambiente rústico que não possuía condições higiênicas e de salubridade para abrigar tais doentes. No início, segundo antigos moradores, eram apenas pouquíssimas celas com paredes e chão de tábua – casqueiro13. Não havia banheiros, as necessidades fisiológicas eram realizadas sobre um buraco feito na tábua que, por sua vez, se adaptava a outro buraco no chão. Ali muitos deles ficavam amarrados e nús, como precaução para não haver suicídio (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 39).

Tal processo, fez com que várias pessoas nessas condições fossem

levadas à Palmelo até os dias do fechamento do Sanatório. Assim, mais uma

imagem se fixava à cidade. Agora, era a “cidade dos doidos”.

Ao que entendemos de Pollak (1993), o silêncio e esquecimento se impõe muitas vezes para evitar culpas ou lembranças traumatizantes. Nesse sentido o silêncio/esquecimento da sociedade palmelina pode estar relacionada as suas origens e a própria imagem dos rótulos como “cidade dos loucos”, “cidades dos doidos”, como ficou conhecida ao longo de sua existência. O termo pejorativo fez com que a sociedade não despertasse o sentimento de preservação dos monumentos na tentativa consciente ou inconsciente de perder o vínculo com suas origens esquecendo-se do passado, consequentemente construindo outra imagem que não causasse constrangimentos (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 30).

A ineficácia dos tombamentos é reclamada porque as leis que o

assegurariam não se realizam na prática, tanto por falta de pesquisa adequada,

quanto porque “nenhum destes recebeu ou recebe atenção do poder público

para a preservação” (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 42). Há

poucas iniciativas de preservação do patrimônio. Em geral, nota-se que há uma

consciência geral na população dos lugares históricos, mas há pouca ação

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efetiva acerca de sua preservação. Quando há, isso ocorre por parte das

pessoas que se colocam à frente das instituições.

Em nossa pesquisa, conforme depoimento coletado com a historiadora

Mirtes Borges Guimarães, há preocupação com alguns patrimônios, como é o

caso da preservação da fachada do CELV, de modo que em dado momento

submeteu-se ao Patrimônio a solicitação para construção de banheiros anexos

ao CELV. “Nós fazermos aqueles banheiros lá, que foi um anexo, teve que

fazer, teve que pedir permissão lá ao patrimônio histórico pra fazer. (...) A

fachada que não pode mudar, que tem que preservar” (Mirtes Borges

Guimarães). Mas de algum modo ou de outro, há também sua deturpação,

como é o caso da fixação de uma tenda de lanches na frente do CELV, já

presente durante um ano com a finalidade de arrecadação direcionada à

realização da CONCAFRAS em fevereiro de 2016.

Foto 16 - CELV com paisagem obliterada por tenda em 2015

Fonte: Damasio, 2015.

Diante de constatações de descaso, Carvalho, Borges e Nunes (2006)

afirmam que Palmelo tem se tornado uma comunidade sem história.

Entendemos que grande parte do patrimônio foi tombado através de leis municipais que nem se quer nos projetos houve

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uma justificativa do tombamento, como se o tombamento fosse pura e simplesmente um capricho de um ou outro monumento que merecesse ser tombado. Porém não receberam a atenção do poder público e muito menos da comunidade. (...) Sob esta ótica entendemos que o problema está não só na aplicação da legislação, mas também na sociedade que dorme e ignora o patrimônio que possui (CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 64).

Partindo da observação de que o espiritismo é uma doutrina pouco afeita

ao lado material da fé, como os templos bem produzidos ou os patrimônios

suntuosos, pode-se cogitar que os patrimônios espíritas não são preservados

organicamente na cidade porque os espíritas não são atentos a isso.

Empiricamente falando, colhemos depoimento da historiadora Mirtes Borges

que, juntamente a outros agentes espíritas como o atual vice-presidente do

CELV, Salu José Martins, sempre estiveram atentos e vigilantes para a

manutenção dos patrimônios. Porém, como se pôde observar, ocorrem casos

como o da tenda de lanches obliterando a visão da fachada do CELV,

patrimônio constituído, além de não haver publicamente um planejamento

público para a manutenção e a vida dos patrimônios. Não há sequer uma

comunicação de quais sejam os patrimônios tombados na cidade. Ainda que se

possa justificar com a falta de valor que o espírita dá ao dado material de sua

fé, em termos puramente culturais, esta tarefa pertenceria ao poder público,

conforme informam os autores.

Assim, no que se refere às contribuições teóricas já fornecidas sobre o

patrimônio cultural em Palmelo, pode-se considerar que há uma negociação

simbólica em que os espaços produzidos pelo movimento espírita palmelino se

oferecem como patrimônio histórico cultural, abdicando de sua atividade

incisiva no âmbito político como era à época de Jerônymo Candinho, mas

garantindo presença oficial como tradição, como afirmam Gonçalves da Silva,

Medeiros e Otoni (2006). Apesar disso, Carvalho, Borges e Nunes (2006)

defendem que o patrimônio não se efetivou na comunidade e atribuem isso ao

estigma da loucura não combatido pelas ações políticas e educacionais na

cidade. Assim, o vínculo, aqui, se dá pela tradição em termos puramente

formais, sem organicidade e flexibilidade na comunidade.

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5.1.4. Um museu entre o visitante e o turista

Nos últimos anos, após o fechamento do Sanatório Eurípedes

Barsanulfo e em sequência à transição entre as presidências do CELV, com a

aproximação da SODEAS, surgiu a Associação Cidade de Palmelo (antes

denominada Amigos de Palmelo). Sua principal causa é a construção de

Museu Histórico de Palmelo e do Centro de Cultura Jerônymo Candinho,

ambos no território do antigo sanatório. O que tais modificações espaciais

indicam no modo como se vinculam os sistemas religioso e citadino?

Problematizaremos a partir do papel do visitante.

O problema que aqui se vislumbra é a transformação do lugar do

visitante, que recorre à Palmelo tradicionalmente em busca de tratamento

espiritual e que, por isso, pode até ser chamado de “paciente”, mas que diante

de lugares de visitação como um museu, se torna também o turista. Aproveita-

se, aqui, da análise de Gomes (2010, p. 20), que investiga “a infraestrutura, os

atrativos mais procurados, a qualidade do serviço de atendimento ao turista em

Palmelo”, além de identificar as atividades mais procuradas e o motivo da

opção pela cidade.

O quadro abaixo é uma adaptação dos dados colhidos por Gomes

(2010) acerca das motivações, da infraestrutura da cidade, das atividades

religiosas mais procuradas pelos turistas, da qualidade no atendimento e do

olhar lançado sobre o museu e o centro histórico.

Quadro 5 – Leitura sobre turismo religioso em Palmelo.

Item analisado por Gomes (2010) Dado coletado

Motivações - Gosta da vibração da cidade

- Busca por serviços espirituais como

tratamentos

- Acompanha familiares

- Busca pela desobsessão

Infraestrutura da cidade - Os hoteleiros se preocupam com a

infraestrutura da cidade e até de seus

próprios hotéis, mas os visitantes ou

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turistas se preocupam apenas com o

tratamento espiritual, o descanso e a

meditação.

Atividade religiosas mais procuradas

pelos turistas

- Desobsessão

- Psicografia

- Raio-X espiritual

“observamos que as atividades

religiosas mais procuradas pelos

turistas que vem a cidade de Palmelo

são a desobsessão, a psicografia e o

raio x” (GOMES, 2010, p. 30).

Qualidade no atendimento aos

turistas

- Aconchego familiar e íntimo, com

orientação e presença por parte dos

anfitriões.

Olhar sobre a construção do museu e

do centro de cultura

- Servem ao turista espírita

- Mas também ao visitante em busca

de cura, estudo e informações

espirituais

Fonte: Interpretação com base na análise de Gomes (2010).

Gomes (2010, p. 20), considera o turismo religioso como visitas

direcionadas pelo misticismo e pela fé. Para ela, “o turismo é uma relação entre

dois polos (visitante ou turista e visitador ou morador) em um determinado meio

(espaço ou lugar turístico)”. Tratando Palmelo como uma cidade turística, a

autora considera que o turismo religioso se dá tanto pela romaria (visitação

propriamente dita) e pela reparação (por promessa ou à procura de melhorias

na saúde).

De modo oposto, Assis e Godoi (2001) afirmam que o foco específico da

relação do visitante com a cidade de Palmelo é a busca pelo tratamento

espiritual, o que ocorre ainda que este visitante não seja espírita.

A cidade de Palmelo – Goiás, não é propriamente uma cidade turística, mas graças ao seu potencial como estância de

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reequilíbrio físico, mental e espiritual e aos tratamentos feitos através do espiritismo, a cidade recebe diariamente pessoas de várias partes do país e até de outros países que vem a procura de tratamento de saúde (ASSIS e GODOI, 2001, p. 58).

Se, por um lado, Gomes (2010) amplia a noção de turismo religioso, por

outro, retira a especificidade econômico-social do turismo propriamente dito.

Ainda que a movimentação econômica na cidade se dê pela visitação, é

questionável a afirmação de atividades turísticas em Palmelo. Santos (2014),

por exemplo, entendeu os hotéis como “braços articuladores” do movimento

espírita palmelino e não como estruturas turísticas.

Além disso, o fluxo de visitantes em Palmelo é maior que o captado

quantitativa e qualitativamente pelos hotéis da cidade. Há casas de apoio que

são hospedagens sem custos e o fluxo contínuo de familiares e amigos que se

hospedam nas casas das pessoas, bem como aqueles residentes em cidades

vizinhas que fazem parte de muitas atividades na cidade, principalmente vindos

de Santa Cruz de Goiás, Pires do Rio, Orizona e Urutaí, mas também cidades

próximas, mas mais distantes como Ipameri, Catalão e Goiânia.

Quando um visitante entrevistado por Gomes (2010) demonstra

preocupação com relação ao contraste entre o turismo e as atividades

espirituais na cidade, a autora elabora um juízo aparentemente frágil. Para ela,

a preocupação de que “esse aumento (de pessoas) atrapalhe o tratamento, (...)

demonstra a falta de conhecimento sobre a importância e os benefícios dos

Museus e dos Centros de Cultura na atualidade” (GOMES, 2010, p. 39).

eu achei bom o museu de vocês. Mas tem que tomar cuidado para que o turismo não atrapalhe o tratamento espiritual, para que não fique igual em Aparecida, muitos vão por curiosidade, a maioria não reza nem um pai nosso. E daí acaba atrapalhando as pessoas que vem em busca do tratamento e acabam indo embora por conta do tumulto (Luiz Adonai, entrevistado por GOMES, 2010, p. 39).

Para nós, esse dado empírico demonstra, na verdade, a necessidade da

separação categorial entre o turista religioso e o visitante em busca de cura,

estudo e informações espirituais. Além disso, parece legítima a preocupação

do visitante, pois a institucionalização da história da cidade em um museu,

assim como a patrimonialização pode fortalecer, modificar ou descaracterizar a

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dinâmica de hegemonia cultural da cidade. Ou seja, ao invés do que é feito

comunitariamente por informações boca-a-boca sobre tratamentos espirituais e

cura às doenças desacreditadas pela medicina, o registro do que já foi feito,

através da visitação turística.

Não se refuta, contudo, a importância do Museu Histórico de Palmelo

(que não será apenas sobre a cidade, mas sim um museu sobre espiritismo) e

do Centro de Cultura Jerônymo Candinho (que não servirá apenas ao

espiritismo, mas às atividades artísticas, culturais e demais eventualidades na

cidade).

No projeto de restauração e ampliação do prédio do Sanatório Eurípedes

Barsanulfo para instalação do Museu Histórico de Palmelo – Centro de Cultura

Jerônymo Candinho, elaborado pela Associação Cidade de Palmelo, consta

que “o Sanatório Espírita Eurípedes Barsanulfo foi inaugurado em 22 de julho

de 1953” e “ao longo dos anos cerca de 15000 pessoas foram atendidas no

Sanatório de Palmelo, muitas delas depois de curadas permaneceram na

cidade”.

Em novembro de 1922, encerraram-se no prédio antigo, os trabalhos com os internos. Uma nova e ampla edificação foi erguida para tal fim e funcionou até dezembro de 2008. Hoje, o atendimento é feito pelo Centro de Atenção Psicossocial – CAPS e nas residências terapêuticas, mas o Centro Espírita Luz da Verdade mantém ainda o tratamento por corrente magnética, o tratamento fluídico, o passe e esclarecimento doutrinário no Salão de preces do Sanatório (Projeto Anexo In: GOMES, 2010, p. 53).

Desse modo, a instalação de tais empreendimentos pode ser vista como

mais um modo de vinculação entre os sistemas religioso e o citadino. Trata-se,

mais propriamente dito, da ação atual e histórica do movimento espírita

palmelino. Assim como Candinho construía a primeira escola, o primeiro

dispensário, o primeiro centro espírita e o sanatório, as lideranças atuais

constroem um museu e um centro de cultura, junto à já efetiva Escola Espírita

Jerônymo Candinho.

Contudo, enquanto àquela época Candinho e as famílias palmelinas

fundavam uma cidade que receberia milhares de visitantes em busca de

tratamento à desobsessão e à loucura, o movimento atual a transforma e,

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assim, muda o lugar do visitante, que pode ou não ser tratado como turista. A

opção deste trabalho é que este é um processo possível, mas que o visitante

ainda é aquele que busca Palmelo pela fé na cura e a estrutura da cidade não

é ainda pensada com a finalidade turística, pois não há investimentos públicos

na área, ainda que assim seja prevista pela Lei Orgânica do Município.

5.1.5. Considerações parciais no âmbito de comunicação da sociedade

As considerações reunidas sobre o âmbito de comunicação da

sociedade no vínculo entre o sistema simbólico da religiosidade espírita e a

dimensão simbólica da cidade denotam constantes negociações, no passado,

no presente e no futuro de Palmelo.

O aspecto demográfico (com foco no nível de instrução) que destaca os

espíritas brasileiros, não encontra vínculo na cidade de Palmelo. A legislação

local é marcada por indícios do vínculo entre a cidade de Palmelo e o

espiritismo, prevendo investimentos na religião como vocação turística da

cidade, mas tais prevenções não extrapolam o princípio de laicidade.

Concretamente, o reconhecimento legal acerca da importância histórica

do espiritismo na cidade de Palmelo se dá pela constituição de patrimônios

culturais, que exercem uma dupla função: a de negociação simbólica

neutralizando a cultura espírita ao relega-la a um passado, mas, ao mesmo

tempo, a ineficiência dos tombamentos diante de equívocos como o estigma da

“cidade dos loucos” e a falta de ações políticas e educacionais que promovam

na população o acolhimento e o tratamento adequado de seus patrimônios. O

vínculo, aqui, se dá pela tradição em termos puramente formais, sem

organicidade e flexibilidade na comunidade. Ainda assim, a lógica dos

patrimônios reassegura a hegemonia, fornecendo legitimidade à religião

espírita ou, no mínimo, concessão para representar a cidade.

No âmbito das ações de restauração e transformação de um patrimônio

cultural centralizador da história palmelina, o Sanatório Eurípedes Barsanulfo,

em Museu Histórico de Palmelo e Centro de Cultura Jerônymo Candinho,

percebe-se que muda o lugar do visitante, que passa a ser também um turista.

Mas esta é uma realidade em situação de projeto, ainda não concretizada.

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Apenas fornece indicativos de um futuro de maior vínculo da religião ao nível

da sociedade, de modo institucionalizado.

Reunindo os aspectos encontrados por esta pesquisa até aqui, pode-se

afirmar que o vínculo entre os sistemas simbólicos, no que lhe confronta o

âmbito da sociedade, é demograficamente frágil, sendo reconhecido nas

formas da lei por meio de patrimônio cultural material, mas sem a devida

aderência popular. Por meio da ação do movimento espírita palmelino atual,

este vínculo se encaminha para um maior reconhecimento formal do

espiritismo nesta sociedade, principalmente se concretizado o projeto de um

museu sobre o espiritismo no local.

Esta parte da análise no âmbito de comunicação da sociedade se insere

junto aos outros dois âmbitos, a comunidade e a cultura. Os três âmbitos,

conforme denominamos neste trabalho, não são separáveis, se não

analiticamente, como propomos. Afinal, os aspectos comunitários e culturais

estão intrinsecamente ligados entre si e já foram amplamente considerados no

escopo societário abordado até aqui, formando juntos o ambiente de

comunicação (confronto e consenso, abertura e fechamento) entre os sistemas

simbólicos da religião e da cidade.

5.2. Âmbito de comunicação da comunidade: aberturas e fechamentos da

communitas

O par teórico do conceito de sociedade é o de comunidade. Enquanto o

primeiro se refere às ações sociais de ordem racional direcionada a valores ou

fins, o segundo se refere às ações sociais da ordem do pertencimento afetivo

ou tradicional (WEBER, 2000, p. 25). No entanto, faremos dois ajustes teóricos

disponíveis a esta teoria clássica de comunidade para conceber o que

denominamos como nível comunitário da comunicação entre os sistemas

religioso e citadino em Palmelo, a fim de compreender o cotidiano espírita, mas

também sua relação (ou, melhor, sua comunicabilidade) com as demais

expressões religiosas representadas na cidade, bem como com outras faces

comunitárias fortes na cidade.

Tornados categorias de análise ou âmbitos de comunicação dos

sistemas simbólicos nesta pesquisa, a sociedade foi entendida nos termos da

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demografia, da legislação, do patrimônio e da institucionalização; já a

comunidade, a que se refere? À comunidade espírita que é notavelmente

hegemônica nesta sociedade? Aos moradores de Palmelo como um todo?

Àqueles que se reúnem em torno de um movimento espírita brasileiro afeito ao

movimento espírita palmelino? Aos médiuns e trabalhadores da casa espírita?

Afinal, há muitas comunidades? A qual devemos nos referir? Na teoria clássica,

essas possíveis comunidades são determinadas por seus motivos e funções.

O decisivo trabalho empírico-sociológico começa com a pergunta: que motivos determinaram e determinam os funcionários e membros individuais dessa ‘comunidade’ a se comportarem de tal maneira que ela chegou a existir e continua existindo? (WEBER, 2000, p. 11).

Mas, motivos e funções não constituem a ontologia da comunidade, pois

são dados do que acontece “na” comunidade. Nos termos já trabalhados da

sociedade, não bastaria dizer o que acontece nela sem saber o que dela se faz

ou o que a constitui. Neste sentido é que adotamos duas abordagens críticas à

noção weberiana para entender o âmbito da comunidade na comunicação

entre sistemas simbólicos.

O primeiro ajuste teórico, de ordem macrossociológica, buscamos na

teoria de sociedade habermasiana, a Teoria da Ação Comunicativa (TAC), que

se elabora a partir da noção da sociologia compreensiva weberiana de que os

tipos de relação social (por exemplo, sociedade e comunidade) resultam dos

tipos de ação social (por exemplo, ação racional direcionada a fins ou valores

na sociedade e ação emocional direcionada à tradição e ao afeto), mas lhe

dirige uma crítica central para o surgimento de uma das mais recentes teorias

de sociedade.

Segundo Habermas (2012), as ações sociais na teoria de Max Weber,

para serem racionais, devem ser capazes de exercer poder sobre o outro.

Assim, à medida que a racionalização da sociedade se impõe sobre os modos

de existência comunitários, a dominação social ganha campo. A razão vincula-

se ao poder, algo inconcebível para os pensadores que prezam pela

emancipação social. A razão, se vinculada ao poder, torna-se instrumental e

serve apenas aos interesses das classes dominantes. Para reestabelecer a

razão diante de caros valores teóricos como a emancipação, a solução da

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teoria habermasiana é enxergar a ação social como ação comunicativa, voltada

ao consenso à medida que a racionalização social se embrenha. Uma ação

social não é racional à medida que atinge eficiência de dominação, mas à

medida que se consegue chegar a um entendimento entre os sujeitos em

comunicação. Desse modo, a visão habermasiana dispõe amplamente as

finalidades da ação social entre uma “disposição instrumental” e um

“entendimento comunicativo”.

Ora, uma asserção pode ser designada racional somente quando o falante satisfaz a condição necessária para que se alcance o fim ilocucionário, qual seja chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa do mundo com pelo menos mais um participante da comunicação; a ação orientada para um fim, por sua vez, só pode ser designada racional quando o ator satisfaz as condições necessárias para a realização da intenção de intervir no mundo de forma bem-sucedida (HABERMAS, 2012, p. 36-37).

Com base na ideia de que a ação do homem não pode ser sempre uma

ação bem sucedida de dominação sobre o outro, mas sim de mútuo

entendimento (portanto, de comunicação), tem-se uma primeira ruptura que

deveria fazer rever a noção de comunidade. Afinal, em comunicação,

entendimento e consenso, o homem não parece produzir apenas vínculos

associativos, de ordem racional ainda orientados à dominação do outro e os

vínculo comunitários não precisam ser menos racionais. Aliás, pesquisas como

a de Castells (1999), indicam o ressurgimento de formas comunitárias,

formuladas racionalmente, desde os casos de resistência à ordem global e

comunidades de sentido até os casos extremos, menos racionais, dos

fundamentalismos religiosos em vários lugares do mundo.

Para a sociologia, a comunidade sempre foi tratada como um vínculo

perdido diante da sociedade moderna e, por isso, emerge a sensação de seu

ressurgimento contemporâneo como um caso de estranhamento. Mas,

segundo a tese de Yamamoto (2014), as relações sociais (ou seja, a

comunicação) nunca estiveram perdidas. Pesa a crítica dos teóricos franceses

em que este autor se apoia: para eles, quem está perdido são os sujeitos

diante da complexa realidade que criaram.

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Assim emerge o segundo ajuste teórico ao conceito de comunidade. Se,

com Habermas (2012), pode-se notar a disposição instrumental da ação

racional direcionada a fins e valores e não ao entendimento, com Santos

(2010) e Yamamoto (2014) pode-se recorrer à ontologia da comunidade. Ou

seja, o que é o Ser da comunidade, em última instância?

Para Weber (2000, p. 26), “a relação comunitária constitui normalmente,

por seu sentido visado, a mais radical antítese da luta”. E a luta, diz Weber

(2000, p. 23) é um tipo de relação social em que “as ações se orientam pelo

propósito de impor a própria vontade contra a resistência do ou dos parceiros”.

Yamamoto (2014, p. 41) explica que o par teórico desta sociologia se deve a

conceitos clássicos, dois tipos ideais: Sociedade/Comunidade é

Gesellschaft/Gemeinschaft. Esses dois tipos se referem a relações mecânicas

(sociedade) ou orgânicas (comunidade), tendo invertida sua importância de

autor para autor. O que se deve destacar é que isto não é a ontologia da

comunidade, pois não a explica nem a diferencia por si, mas por um tipo ideal

inscrito sob a teoria do desenvolvimento70.

A ontologia da comunidade é a communitas, conforme buscada por

Santos (2010), Yamamoto (2014) e Sodré (2002) na própria etimologia da

palavra: “communitas (cummunus), constituída pelos radicais cum +.munus”

(YAMAMOTO, 2014, p. 28).

Mas, qual a diferença, afinal? Se a Gemeinschaft é uma comunidade

substancializada, a communitas é dessubstancializada, a primeira é o que

chamamos de fechamento e a segunda é a abertura. Uma substância é uma

identidade. Assim, encaminhando para os termos de nossa pesquisa, pode-se

considerar de modo generalizador que em Palmelo há um fechamento

comunitário a partir da substância que é a identidade espírita. Por outro lado,

para que se estabeleça e se mantenha tal hegemonia emergente das disputas

simbólicas já relatadas na história de Palmelo, há a precedência de uma

70

Como consta na metodologia deste trabalho (página 7), este é “o plano de fundo da teoria do desenvolvimento, uma visão europeia carregada pelas promessas (em grande parte não cumpridas, diga-se de passagem) da modernidade”.

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comunidade (um espaço de entendimentos e, por que não, também de

dominação), uma abertura ao munus71.

Direcionando ao objeto comunicacional considerado nesta dissertação, a

saber, o vínculo entre sistemas simbólicos, pode-se aplicar que “para vincular-

se, é preciso que cada um perca a si mesmo, que lhe falte o absoluto domínio

da subjetividade e da identidade em função da abertura para o outro”, dado que

“o vínculo é sem substância física ou institucional, é pura abertura na

linguagem” (SODRÉ, 2007, p. 21).

Portanto, trabalha-se aqui com o conceito de comunidade devidamente

ampliado para fins comunicacionais, em uma ciência do comum (SODRÉ,

2014). Sem se opor à sociedade, a comunidade não é uma substância em

torno da qual se reúnem as pessoas, mas aquilo que não é de nenhuma delas

e que as permite se comunicarem. No que é dogmático, não há abertura para

comunicação. Com base nas revisões realizadas, para nós, a ação social é

comunicativa (HABERMAS, 2012) e o vínculo social ao nível da comunidade é

o espaço precedente de abertura (YAMAMOTO, 2014), no qual a ação

comunicativa pode estabelecer um mundo72.

(Na perspectiva fenomenológica que inspira Habermas) O mundo só conquista objetividade ao tornar-se válido enquanto mundo único para uma comunidade de sujeitos capazes de agir e utilizar a linguagem. (...) (...) As condições de validade das exteriorizações simbólicas remetem a um saber fundamental partilhado intersubjetivamente pela comunidade de comunicação (HABERMAS, 2012, p. 40-41).

Não é capricho teórico tomar uma ampliação do conceito de

comunidade. “A ideia de um mundo produzido por ação humana postula a

necessidade de conceber a communitas em que tal produção ocorre”

(SANTOS, 2010, p. 137).

71

Etimologicamente, munus reúne os significados de dom e de obrigação. Assim, trata-se de um dom obrigatório, uma “doação incondicional”. O ser nasce já lançado em um mundo ao qual necessariamente se doa (YAMAMOTO, 2014, p. 28). 72

Este entendimento é de responsabilidade desta dissertação para os fins de uma descrição do nível da comunidade na vinculação entre sistemas simbólicos. A referência de Habermas (2012) não prevê nem discute a ontologia da comunidade. A referência de Yamamoto (2014; 2015) entende a ação comunicacional como produção de singularidades, produção de diferenças, sem a via discursiva habermasiana, que, em certa medida, é ainda a weberiana.

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177

Communitas, para Boaventura 73 , é o paradigma ou o projeto

sociocultural originário a partir do qual se dão as ações e as estruturas sociais.

O autor compara a comunidade do período medieval com a do período

moderno. Este último oferece uma communitas que “aspira a um equilíbrio

entre a regulação social e a emancipação social”.

Neste período, segundo Santos (2010), o projeto societário vence o

princípio da comunidade. Se a communitas moderna aspira a um equilíbrio

entre as possibilidades de regulação e de emancipação é que este é seu

munus (ou seja, a experiência do sujeito moderno é sua “doação obrigatória”

(munus) ao projeto de equilíbrio entre regulação e emancipação – não

efetivado nos termos de suas promessas). A vitória do projeto societário

significou o que Yamamoto (2014) chama de im-munização, na verdade, a

criação de instituições que, ao invés de valorizar a singularidade do munus, o

im-muniza com instituições, regras, leis. Ou seja, o equilíbrio se perde pela

excessiva regulação.

Assim, conclui-se que o âmbito da comunidade é a communitas,

potência precedente às substâncias, essências ou identidades. Em última

análise, são as relações entre as pessoas e não entre as instituições. É o nível

do vínculo, do que mantém as pessoas juntas em uma sociedade.

Definido o âmbito da comunidade, interessa saber como os sistemas da

religião e da cidade se vinculam nele. Em termos empíricos, a produção dos

espaços em Palmelo, observada no terceiro capítulo já é a feição de uma

comunidade fechada pela ação do sistema religioso com seus símbolos. “A

religião atribui poder às pessoas, diferenciando-as dentro da própria

comunidade, retrata a ordem social, modela a sociedade tanto em termos

morais como funcionais, utilizando-se de símbolos religiosos” (OLIVEIRA,

2015, p. 43). Este funcionamento simbólico da religião se dá já “na”

comunidade.

A cidade, em sua dimensão simbólica, permite entrever os espaços de

abertura, onde se encontra a communitas, como fenômeno da experiência com

a criação de outras dinâmicas culturais no seio desse cotidiano espírita, como

73

Boaventura de Sousa Santos (2010) é um autor que, ao que nos parece, permite integrar a perspectiva da ação comunicativa habermasiana e a pragmática da ontologia da communitas, como pretendido para integrar o nível da comunidade na perspectiva desta dissertação.

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178

novas instituições religiosas atualmente (caso do CEAOR, mencionado no

terceiro capítulo) e a existência de outras faces tradicionais da comunidade,

como a Festa do Mané do Gato, descrita a seguir neste tópico.

Adiante, o detalhamento desta análise 1) no cotidiano espírita, 2) na

comunicabilidade religiosa e 3) em outras faces comunitárias em Palmelo.

5.2.1. O cotidiano espírita em Palmelo

Dentre os menos de três mil habitantes de Palmelo, o CELV conta em

média 300 médiuns, ou seja, há um médium para cada 10 habitantes na

cidade. A rotina espírita local é intensa e todos os dias, independente de

feriados, há trabalhos espíritas acontecendo. As atividades desenvolvidas pelo

CELV estão relacionadas abaixo no formato de programação semanal:

Quadro 6 – Programação do Centro Espírita Luz da Verdade

DOMINGO

08:00 Organização dos nomes para o exame de raio x espiritual

08:00 Posto de Assistência Jerônimo Candinho Santa Cruz de Goiás

08:30 Exame de raio x espiritual

08:30 Campanha da Fraternidade Auta de Souza

08:30 Mocidade Espírita Maria Madalena

12:00 Reunião de Psicopictografia – Pintura Mediúnica

14:00 Ensaio do Grupo Musical

16:00 Último domingo do mês – Prece Maria de Nazaré (pelos Suicidas)

17:30 Reunião de desobsessão por Corrente magnética no Posto de

Assistência em Santa Cruz

18:30 Preparação para os Cursos – Grupo Musical

19:00 Cursos do Centro Espírita Luz da Verdade – Escola Jeronymo Candinho

21:00 Programa Dinâmica Espírita

SEGUNDA-FEIRA

08:30 Sessão mediúnica no Dispensário

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179

12:00 Programa Fé, Amor e Caridade

17:00 Harmonização do ambiente

17:30 Sessão pública no Centro

18:00 Tratamentos e Operações nos hotéis e pensões

18:00 Tratamento fluídico para os enfermos acamados

TERÇA-FEIRA

12:00 Programa Fé, Amor e Caridade

16:50 Sessão mediúnica no salão de preces do Sanatório

17:15 Tratamentos e Operações nos hotéis e pensões

17:15 Tratamento fluídico para os enfermos acamados

20:00 Reunião de estudos no centro (Luiz Sérgio)

QUARTA-FEIRA

08:50 Sessão mediúnica no salão de preces do Sanatório

09:20 Prece no Colégio Eurípedes Barsanulfo

12:00 Programa Fé, Amor e Caridade

16:00 Biblioteca do Centro aberta ao público

17:00 Harmonização do ambiente

17:30 Sessão pública no Centro

18:00 Sessão mediúnica no hospital municipal

QUINTA-FEIRA

08:00 Organização dos nomes para o exame de raio x espiritual

08:30 Exame de raio x espiritual

08:30 Reunião Mediúnica no Dispensário

12:00 Programa Fé, Amor e Caridade

17:00 Aula dos médiuns

16:50 Última quinta – Exame de Aura (médiuns)

20:00 Estudo do Livro dos Espíritos

20:00 Visita Deus, Cristo Caridade

SEXTA-FEIRA

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07:00 Reunião de reconforto para os médiuns

07:30 Sessão mediúnica na Escola Espírita Jerônimo Candinho

12:00 Programa Fé, Amor e Caridade

16:50 Sessão mediúnica no salão de preces do Sanatório

17:15 Tratamentos e Operações nos hotéis e pensões

17:15 Tratamento fluídico para os enfermos acamados

19:00 Reunião de estudos no Salão André Luiz

20:00 Reunião de mentalização para o bem geral

20:00 Última sexta – Reunião mediúnica de tratamento à distância

SÁBADO

07:00 Início do preparo da Sopa Fraterna Bezerra de Menezes

08:00 Posto de Assistência Jeronymo Candinho – Santa Cruz de Goiás

08:30 Passes para as crianças na Evangelização

08:30 Desobsessão por Corrente Magnética

09:00 Evangelização infantil

10:30 Sopa fraterna Bezerra de Menezes

12:00 Psicografia no Centro

16:00 Biblioteca do Centro aberta ao público

17:00 Harmonização do ambiente

17:30 Sessão pública no Centro

18:00 Tratamentos e Operações nos hotéis e pensões

18:00 Tratamento fluídico para os enfermos acamados

20:00 Sessão de desobsessão no Centro

20:00 Culto do Evangelho no Lar – Grupo Musical

SEMANA ESPÍRITA

Janeiro – Comemoração à fundação do Centro Espírita Luz da Verdade

Julho – Homenagem a Maria Madalena – Mentora Espiritual de Palmelo

ENCONTRO FRATERNO AUTA DE SOUZA

Outubro – Homenagem à Jerônimo Candinho

Fonte: www.palmelo.com

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181

Em termos de herança histórica, o cotidiano espírita extrapola mesmo

uma programação intensa como é esta do CELV. Desde a época de Josino

Cândido Branquinho, antes da chegada de Jerônymo Candinho nesta região, já

se realizavam o que hoje ainda se denomina “linha de médiuns” ou “linha de

passes”, ocasiões em que os médiuns se organizam para a realização de

tratamentos espirituais em hotéis e nas residências das pessoas. Aliás, é

comum que os “trabalhos” sejam realizados a qualquer hora do dia, por ocasião

de uma solicitação seja de um morador ou de alguém que chegue

“emergencialmente”. Enfim, o médium em Palmelo é médium a todo momento

e em qualquer lugar, não se restringindo ao período ou ao espaço propiciado

pela instituição espírita.

Diversas atividades, além das mediúnicas acontecem mais com sentido

comunitário do que sob a instituição do centro espírita, envolvendo pessoas

independente da religião. É o caso dos trabalhos assistenciais que ocorrem em

torno da Dona Vânia, que é também a médium de psicografia que escreveu o

livro sobre as Moradas Espirituais. Há, por exemplo, a organização de enxovais

para recém-nascidos ofertando dez enxovais mensais e a doação de fraldas

geriátricas, atendendo 18 usuários na cidade. A médium ressalta o fato de tais

trabalhos surgirem e serem mantidos, de longa data, por “grupos de amigos”.

O enxoval mesmo nós começamos, meu filho mais velho, que hoje está com 43 anos, tinha 3 anos. Então são 40 anos né. A fralda geriátrica já vai pra 5 anos. Começou com o desencarne da Dona Ana, tia da Biracy, porque a gente fez um grupinho pra atender as fraldas pra ele. Ai assim que a gente montou o grupo, ela desencarnou. Ai no lugar dela ficaram 18 pessoas (Vânia Arantes Damo, 18 de dezembro de 2015).

Já ressaltamos que a comunidade não se dá por causa de uma

propriedade (atributo), mas, ao contrário, por uma dívida na economia

(relações): “communitas é o conjunto de pessoas que une não uma

‘propriedade’, mas justamente um dever e uma dívida” (ESPOSITO apud

YAMAMOTO, 2013, p. 75).

Se movidas por um atributo comum como a identidade espírita, as

relações sociais já estariam im-munizadas. Mas as relações, na communitas,

são as relações de “grupos de amigos”, que necessariamente se doam a

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despeito de suas subjetividades. Assim, produzem diferenças mesmo na

condução dos trabalhos vinculados ao espiritismo na cidade. Dona Vânia, ao

comentar sobre o cotidiano espírita em Palmelo afirma o que nos parece ser o

munus que une a todos numa “caminhada”, enquanto “cada um é diferente”.

Para ela, “cada um tem a sua maneira de fazer. E cada equipe espiritual

também tem o seu trabalho a desenvolver. (...) É toda uma situação, só que

cada um é diferente e todos somos iguais nesse contexto ai de caminhada”

(Vânia Arantes Damo, 18 de dezembro de 2015).

O presidente do CELV fornece ainda outra informação acerca do nível

da comunidade no vínculo entre religião e cidade. Conforme já ressaltado

anteriormente, o cotidiano espírita em Palmelo não se desenvolve em torno de

um médium específico, como fora o caso de Chico Xavier em Uberaba (MG) e

como é o caso de João de Deus em Abadiânia (GO). Ainda que tenha sido

protagonizado em certos momentos por médiuns que arrastaram multidões

como Antônio de Oliveiras Rios (comentado no terceiro capítulo), Palmelo, em

seus hábitos cotidianos, tem se sustentado desde suas origens por uma

“coletividade”.

Então, como Palmelo não é uma cidade que se baseia em um personagem para existir nós acreditamos que ela se baseia no coletivo para que ela exista, então, por isso é uma cidade que tem muitos grupos de trabalho, então, acreditamos que Palmelo continuará sendo esse farol que ilumina, que leva paz, conforto, assistência. Que as pessoas às vezes chegam aqui chorando e saem sorrindo. Então acreditamos que esse grupo... Não nos colocamos aqui na condição de uma pessoa que carrega Palmelo, mas na condição um dos colaboradores está junto para que Palmelo exista, então, acreditamos que esse grupo vai manter Palmelo no caminho do bem, para que possa fazer o melhor em benefício da sociedade, da comunidade local e da comunidade brasileira que aqui vem, ou até mesmo mundial (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

Até mesmo o sentido de perda da comunidade diante dos vínculos

societários foi encontrado na voz da historiadora Mirtes Borges Guimarães:

Porque antes... existia assim mais amor à cidade. Não é? Palmelo, hoje, o que a gente percebe, é que como Palmelo é uma cidade de população flutuante, então, não tem raízes. Então no período que eu digo antes, a minha infância e

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juventude, existia aqui realmente os habitantes de Palmelo. As pessoas que, muitos nasceram aqui. Mesmo os que vieram de outras regiões, mas ajudaram na construção. Então tinha um vínculo maior. Agora, hoje o que a gente percebe é outra geração, mas não tem esse mesmo vínculo, porque muito daquelas gerações passadas, já saíram. Já não estão mais aqui. Às vezes vem assim, por períodos, férias, ou mesmo assim, um final de semana. Então não tem aquele vínculo. Então hoje devido esse leque que se abriu muito, né, então o quê que acontece? Tornou-se mais difícil das pessoas que conheceram Palmelo ontem (Mirtes Borges Guimarães, 06 de dezembro de 2015).

Deste modo, pode-se anotar que o cotidiano espírita em Palmelo denota

forte vinculação comunitária não totalmente institucionalizada, ainda que em

constante relação com a identidade espírita e os médiuns do CELV, abrindo

espaço para a existência da communitas, a dívida comum de pessoas que se

encontram e fazem algo porque estão juntas e não porque são ou deixam de

ser espíritas.

5.2.2. Comunicabilidade religiosa

Se a comunidade não se limita à identidade religiosa hegemônica,

também é preciso ver como se relacionam as pessoas de diferentes religiões,

para além do cotidiano espírita. “Comunidade não se identifica com qualquer

traçado cartográfico cujos rígidos contornos delimitam uma substância

(comum) em seu interior.” O comunitário não está limitado e, portanto, está

“apto às individuações as mais diversas” (YAMAMOTO, 2014, p. 69). Ou seja,

ao nível da comunidade, as relações teriam que independer da confissão

religiosa (ao contrário do conceito tradicional, substancialista 74 ). Há várias

formas de analisar a comunicabilidade religiosa e a vimos aqui ao analisar dois

eventos religiosos em Palmelo, complementando com outros dados.

No estudo de comunidades religiosas, Brandão (1985) normalmente

estabelece a junção de duas principais chaves interpretativas. A primeira, com

base sociológica (entenda-se Max Weber e Pierre Bourdieu) é a diferença que

74

Afinal, o que se quer aqui com o conceito de communitas é justamente avaliar o limite da comunidade e não apenas considerar “uma cultura”, no sentido mais antropológico, como sendo “uma comunidade”. Uma comunidade, repetimos, não se dá em torno de uma substância, mas de laços que se formam em comunicação.

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184

se estabelece entre as práticas e funções do sagrado segundo a ordem

legitimadora “dos ricos” e os ritos populares “dos que nada tem”. A segunda é a

base antropológica (entenda-se Roberto Da Matta e Victor Turner) que

diferencia a communitas da estrutura. Isto quer dizer que interessa saber se

uma determinada prática do sagrado 1) é produzida pela classe dominante ou

se o é pela classe trabalhadora e 2) se seu simbolismo está estruturado

socialmente ou se emerge de uma dívida (munus).

No âmbito comunitário, as práticas do sagrado espírita em Palmelo se

difundem diante da chave interpretativa de sua produção por ricos ou pobres.

Esta chave interpretativa serviu bem aos estudos de Brandão (1985) sobre o

catolicismo popular no Brasil e até explicam bem as relações espíritas e

evangélicas nas sociedades católicas. Mas, a hegemonia espírita em Palmelo

não parece se justificar pela imposição cultural dos funcionários religiosos de

uma classe economicamente dominante, nem somente pela manifestação

popular de leigos.

Já a segunda chave interpretativa enunciada pelo autor ilumina a

questão da cidade espírita em Palmelo, nos termos em que vem sendo tratada

nesta dissertação. Observamos o nível da comunidade no vínculo entre os

sistemas simbólicos da cidade e da religião a partir da estruturação social ou

não dos vínculos.

O primeiro problema metodológico que se coloca para este tipo de pesquisa é como constituir e usar indicadores de uma descrição analítica que sirvam a uma estrutura social e a situações ao mesmo tempo tão complexas e aparentemente tão desorganizadas, mas, na verdade, regidas por normas e padrões tão rigidamente estabelecidos de atuação simbólica (BRANDÃO, 1985, p. 168).

Em Palmelo, depois de analisar brevemente dados do cotidiano espírita,

optamos por observar sistematicamente dois eventos, um espírita e outro

ecumênico, a fim de analisar, ao nível da comunidade, como se organizam os

eventos rituais75 espíritas e comparar com o modo como se organizam os

eventos rituais de ecumenismo, o que nos permite analisar que tipo de

mudança ocorre com a simbologia do espiritismo nas duas situações. A

75

Ao dizer eventos rituais nos referimos aos eventos que fogem da prática cotidiana para demarcar um momento especial, como no caso dos ritos de passagem ou de iniciação.

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observação se deu por meio de anotação da sequência ritual, da fotografia dos

eventos e da conversa informal para percepção da experiência comunitária dos

mesmos. Inserimos outros dados (de entrevistas, por exemplo) que

contextualizam todas as denominações religiosas em Palmelo.

Para o estudo do ritual religioso, Brandão (1985, p. 170) desenvolve um

modelo de análise baseado nos tipos de relações, de situações e de

participantes para estabelecer os “conteúdos de valor de troca nas relações

entre os sujeitos envolvidos”. Assim fizemos:

Quadro 7 – Quadro analítico dos eventos espírita e ecumênico analisados em Palmelo

Evento /

Ocasião

Tipos de

relações

Tipos de

situações

Tipos de

participantes

Trocas

simbólicas

(referentes ao

espiritismo)

XXXVII

Semana

Espírita

de

Palmelo

Evento

espírita

Homenagem à

Maria

Madalena,

mentora

espiritual

Moradores e

visitantes

espíritas

Rito de estudo e

reforço ao

movimento

espírita

palmelino

Missa

Campal

Evento

ecumênico

promovido

pela Igreja

Católica

Homenagem à

Maria

Madalena,

padroeira junto

à festa de

Nossa Senhora

de Fátima

Moradores

espíritas e

católicos

A Igreja

Católica adota o

símbolo

(mentora) dos

espíritas

segundo sua

própria exegese

-

Eventos

particulares

esporádicos

Convites

particulares

Pastores

evangélicos

As Igrejas

Evangélicas

criam uma

comunidade à

parte

- Os médiuns

da Umbanda Ritos cotidianos Umbandistas

Uso da

mediunidade e

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186

participam no

Espiritismo

valorização do

campo espiritual

de Palmelo

Elaborado a partir da chave interpretativa de Brandão (1985, p. 165-170).

O evento espírita é a XXXVII Semana Espírita de Palmelo, ocorrida de

19 a 25 de julho de 2015. Este evento é constituído por palestras em tom de

estudo de temáticas espíritas. Participam moradores e visitantes (em número

expressivo, pois ocorre em período de férias escolares nos meses de janeiro e

julho). Trata-se de uma programação de palestras noturnas ministradas por

convidados de outras cidades e que normalmente expressam a satisfação que

têm por estarem na cidade espírita. Junto à palestra, há música e sorteio de

livros, além de aulas de evangelização em separado para as crianças. Ao final

de cada dia, também acontece um momento de confraternização com um “chá

fraterno” oferecido a cada dia por uma pessoa ou família diferente vinculada ao

CELV.

Foto 17 - Palestra na Semana Espírita de Palmelo, no dia 22 de julho de 2015

Fonte: Damasio, 2015.

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187

Entende-se este evento como um rito de estudo e de confraternização

semestral entre os espíritas na cidade de Palmelo. Os temas estudados são

escolhidos ao critério de cada palestrante convidado, portanto, cada noite se

diferencia muito tematicamente. Apesar de ser um evento que ocorre em julho

como uma homenagem à mentora espiritual de Palmelo, Maria Madalena, não

há uma ritualidade específica em louvou à mentora, se não a menção durante

uma prece de abertura ou de encerramento do evento. Assim, a constante

deste evento é a reunião extracotidiana de espíritas para finalidades não

mediúnicas (o que é raro em Palmelo), o que se pode entender como reforço

do movimento espírita palmelino.

Foto 18 - "Chá fraterno" para confraternização ao final da noite na Semana Espírita, no

dia 22 de julho de 2015.

Fonte: Damasio, 2015.

O evento ecumênico é a missa campal que ocorre anualmente em uma

tenda na praça central da cidade, tendo sido registrada e observada no dia 22

de julho de 2015, promovida pela Igreja Católica local em homenagem a Maria

Madalena, mentora espiritual do município, segundo o Centro Espírita Luz da

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Verdade, e também padroeira, conforme recém-definido pela Igreja com a

finalidade de adequação entre as religiões.

Foto 19 - Missa campal junto à praça central da cidade de Palmelo

Fonte: Damasio, 2015.

Na ocasião, a ritualidade católica ocorreu conforme o padrão de uma

missa, atraindo representativa quantidade de moradores. Canções católicas

abrem e encerram o evento, em que é lida uma passagem bíblica, aberta a fala

às autoridades convidadas e presentes, feita a pregação do padre, fornecida a

hóstia aos comungados, que também ofertam o dízimo.

As participações espíritas se deram na presença do presidente do CELV

junto ao padre e no encerramento com uma música cantada pelo grupo musical

Vozes de Palmelo, pertencente ao CELV, após toda a missa ser acompanhada

pelo grupo de música da Igreja. As falas, tanto do padre quanto do pastor se

referem à homenageada, Maria Madalena.

As autoridades presentes sobem à tenda na seguinte ordem: o casal de

festeiros da igreja, o prefeito e a primeira-dama, o presidente do CELV e, por

fim, o padre. De modo que o lugar do representante espírita é junto às

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autoridades convidadas na cidade e, às vezes, divide a autoridade religiosa no

momento de inserção de ritualidade espírita, como é o caso da participação, ao

final, do grupo musical do CELV.

Foto 20 - Ritualidade de entrada das autoridades convidadas na missa campal

Fonte: Damasio, 2015.

Quanto aos símbolos, é interessante notar como são dispostas as

imagens de Maria Madalena, fora da tenda, à esquerda da imagem de Nossa

Senhora de Fátima, que está à frente do púlpito dentro da tenda. A missa

campal serve de abertura para a liturgia que se segue e para a festa católica na

cidade, que, nos anos 2000, passou a homenagear as duas santas, agregando

a mentora espiritual de Palmelo (Maria Madalena), como símbolo em comum

entre as religiões católica e espírita.

Ao final do evento, os católicos sobem a rua principal da cidade em

liturgia até a Igreja Católica Nossa Senhora da Fátima e os espíritas descem a

rua de trás para o Centro Espírita Luz da Verdade, onde já está começando a

Semana Espírita. Ambas as lideranças religiosas solicitam as bênçãos de Deus

para os mútuos eventos que estão promovendo e às suas comunidades.

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190

A participação evangélica não ocorre nesta missa. O pastor Aroldo, da

Assembleia de Deus Semear, afirma em entrevista que se fosse convidado

estaria presente, assim como comparece a outras atividades ecumênicas ou

particulares. “Eu sempre comento que eu não tenho problema com a relação

do outro, eu tento conviver bem, sou bem tratado pelos espíritas, às vezes sou

convidado a participar de reuniões, e eu participo, dirijo até culto às vezes, na

casa de alguns” (Aroldo José Trindade, 19 de dezembro de 2015).

O mesmo se observa na entrevista com a pastora Antonieta, um caso

específico de cidadã palmelina, que foi espírita, filha de um dos famosos

médiuns do CELV (João Ferrugem) e atualmente está à frente de uma igreja

evangélica. Mas ela ressalta que “nem todas as Igrejas evangélicas concordam

com isso que eu estou te falando não. Você entendeu? Muitos me condenam,

evangélicos, pastores, por eu ter essa abertura que eu tenho” (Antonieta Rosa

Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

A relação do imaginário da cidade espírita com a Umbanda é bem

próxima. Muitos médiuns umbandistas também atuam nas reuniões

kardecistas, mas não há ritualidades compartilhados como se fossem religiões

diferentes. Uma visão umbandista sobre a cidade foi encontrada em um

informativo76, que também considera a hierofania de Palmelo ao relacionar a

missão espírita do Brasil como coração do mundo e pátria do Evangelho e de

Palmelo como fruto dessa missão pela via de Eurípedes Barsanulfo, pilar junto

a Chico Xavier e Bezerra de Menezes. Trata-se de um grupo de Brasília que

atua em Palmelo mensalmente com a Umbanda.

Local de refazimento, reflexão, alívio das dores e elevação da alma, Palmelo está localizada acerca de 250 km da capital federal. A pequena cidade guarda uma relação muito estreita com o grupo Ação Cristã Vovô Elvírio, uma vez que a semente foi plantada em nosso dirigente pelo médium José (Zezinho) no Centro Espírita São Jorge Guerreiro e Maria Madalena, localizado na cidade espírita. Após seu desencarne, no ano de 2007, este mesmo grupo assumiu as atividades espirituais do terreiro de Umbanda localizado em Palmelo. Os trabalhos acontecem mensalmente, sempre às sextas-feiras, iniciando-se às 19h30min e com ritualística semelhante a que é promovida nos trabalhos semanais do Distrito Federal (SANTOS, 2014, p. 2).

76

Informativo 03/2014 da Ação Cristã Vovô Elvírio – Estrela Guia de Aruanda, de Luziânia-GO. Material textual impresso.

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191

Em entrevista, a presidente do CEAOR, Ingrid Rios, afirma sua posição

de umbandista a partir das experiências diversas que teve no seio de diversas

instituições religiosas, inclusive como médium do CELV.

Ah, eu acho que rituais. Rituais... porque assim, na verdade, igual eu te expliquei, nós vamos ter o segmento da Umbanda Sagrada, que é uma linha que eu tenho bastante afinidade. Trabalhei no Luz da Verdade, acho que tudo foi válido na minha vida. Todas as correntes que eu já passei, é, trabalhando como médium, me doando, né, acho que tudo foi válido, tudo eu aprendi um pouco. E a diferença assim é que nós vamos ter ai o segmento umbandista. Não vai ser kardecista, porque devido a essa afinidade ai com os pretos velhos, com ciganos, com baianos, tantas linhas lindas maravilhosas, encantadoras da Umbanda. A alegria da Umbanda né? Eu falo aquilo é alegria... você escutar aqueles instrumentos, aquelas palmas... aquilo contagia né (Ingrid Di Angelis Sousa e Rios, 17 de dezembro de 2015).

Contudo, a mesma entrevistada afirma que as relações com evangélicos

e católicos acaba por ser mais fácil do que a relação com os próprios espíritas

por ser filha do médium Antonio de Oliveira Rios, como já ressaltado, um dos

maiores mobilizadores de pessoas em busca de Palmelo durante o período em

que realizou cirurgias espirituais a despeito do CELV. “Eu acho que eu to

sofrendo um bullying na verdade, quando a questão do kardecismo. (...) Eu

acho que eles já tinham um certo preconceito por ser filha do Antônio e tal.

Talvez pode ser até coisa assim da minha cabeça” (Ingrid Di Angelis Sousa e

Rios, 17 de dezembro de 2015).

As análises da comunicabilidade religiosa ao nível da comunidade

consideram a tensão comunicacional própria das religiões, entre o dogma e a

necessidade de comunicar-se. Se, por um lado, precisam manter sua crença,

por outro precisam abrir a communitas para outras singularidades a fim de

garantir sua hegemonia ou mesmo sua existência não-hegemônica.

Há correspondência entre os sistemas de crenças, as práticas religiosas e a estrutura social da comunidade. A religião atribui poder às pessoas, diferenciando-as dentro da própria comunidade, retrata a ordem social, modela a sociedade tanto em termos morais como funcionais, utilizando-se de símbolos religiosos (OLIVEIRA, 2015, p. 43).

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192

Sob o olhar da comunicabilidade entre os espíritas e as pessoas de

outras religiões nessa comunidade, pode-se destacar que 1) os espíritas têm

eventos estruturados que reafirmam suas identidades; 2) os católicos

recentemente se abriram fazendo concessões simbólicas aos espíritas ao

convergir com eles a homenagem à Maria Madalena como mentora espiritual e

padroeira da cidade, o que se atualiza anualmente em um evento ecumênico,

no qual não são convidados representantes evangélicos; 3) os evangélicos

participam de eventos específicos junto à comunidade espírita, mas mantém

uma comunidade própria e independente da simbologia espírita; 4) por fim, os

umbandistas se abrem à participação ritual, não diferenciando a mediunidade

espírita de suas práticas, ainda que se perceba que as instituições

umbandistas não são consideradas estruturalmente pelos espíritas.

A dinâmica de aberturas e fechamentos comunitários aqui funciona sob

a hegemonia espírita. De algum modo, todas as religiões se ocupam em

alguma medida de responder à sua presença em uma cidade espírita. Assim,

pode-se dizer, com Brandão (1985, p. 198), que este é um caso em que “a

communitas sobreexiste nos interstícios da estrutura e, em aspectos

relevantes, opõe-se a ela, produzindo uma outra ordem”.

5.2.3. Outras faces da comunidade

Se os cristãos costumam dizer que “nem só de pão (material) vive o

homem”, agora é preciso considerar que nem só das religiões vive Palmelo. As

outras faces da comunidade em Palmelo aqui tratadas também tem um traço

de religiosidade, mas não estruturados como um corpo doutrinário. Se puder

haver um correspondente em Palmelo das religiosidades populares estudadas

por Brandão (1985), este correspondente é a Festa do Mané do Gato.

Os antropólogos sempre chamam a atenção para as relações de

parentesco como estruturantes das comunidades. No caso de Palmelo, ainda é

bem possível observar a presença do parentesco como estruturante. Se há

famílias fundadoras, há também os batismos como ritos de iniciação e de

vínculo parental. Os batismos feitos durante a Festa do Mané do Gato pela

Dona Nicola são mais populares e considerados que os batismos da igreja e do

centro espírita, que também são sempre realizados. Enquanto os primeiros são

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193

os batismos de apadrinhamentos diversos e ao gosto popular, os segundos são

os batismos de nascimento.

Atualmente, a festa a que se refere Dona Nicola em entrevista realizada

por outra pesquisa77 vai se esvaindo. Nos primeiros anos, ela narra que a festa

organizada por seu filho foi crescendo e tornou-se tradicional. Nos últimos

anos, tal festa ganhou apoio e foi ampliada unindo-se à festa da prefeitura. Já

neste último ano de 2015, não chegou a ocorrer pela primeira vez desde o

surgimento. Pelo que se sabe, a festa não aconteceu porque a prefeitura não

tinha mais recursos para ajudar, o organizador da festa já envelheceu um

pouco e não busca outros recursos no comércio da região com tanta facilidade

como fazia anteriormente e, além disso, uma querela com um hotel junto à

praça central (o Hotel Palmelo), fez com que a festa fosse transferida de lugar,

sendo proibida no lugar tradicional porque estaria atrapalhando os pacientes

que são atendidos em cirurgias espirituais dentro dos hotéis. A festa deveria

ocorrer do outro lado da cidade. O que não chegou a acontecer neste ano.

A festa no primeiro ano, feiz tipo uma arapuquinha piquininha e cando ele pois fogo subiu pra riba, ficou aquele fogão cumpridão todo mundo ajuntou quando chegou tinha acabado. E quando foi no ano da frente feiz outra mais maiorzinha, quando foi no outro ano da frente, já tava fazendo treis ano, aí ele ganhou uma carroça de lenha e feiz uma fogueira boa, aí ele feiz uma fogueira, aí quando era de tarde antes de por fogo, nóis tem que fazer quentão e pipoca, vamo faze mãe ! aí ele foi fazer o quentão e eu rebentei as pipoca, rebentei duas lavaderona grande de pipoca, feiz uma lata de quentão e pois lá, o povo achou bão de mais, beberam tudo, aí vamo faze um batizado, eu ganhei tanto afilhado nesse dia, batizamo a meninada toda, batizando eu mesma sendo a madrinha e quando foi o ano da frente feiz outra fogueira maior aí feiz umas treis lata de quentão, muita pipoca e num sobrou nada traveis não, aí começou todo ano aumenta mais um pouco[...] (Nicola Dias Sales 23/07/2006 apud CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 55-56).

O caso do parentesco se evidencia ainda mais quando ela diz que

cumpadre é mais que irmão e em caso de morte dos pais são os compadres

que são responsáveis pelos filhos. Pelo menos é este o sentido que ela dá ao

batismo que realiza há anos.

77

CARVALHO; BORGES; NUNES, 2006.

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194

Esse batizado é sagrado, ainda no tempo que eu era pequena eu fui batizada na fogueira de São João é sagrado [...] na ultima festa, a muiê batizando um menininho, ela nem tava prestando atenção na criança, oiando prós lado, tava caçando alguma coisa, eu falei pra ela, ou!, o seu batizado que oce ta fazendo é dessa criança aqui ó!, naum é lá fora não, oiando em volta pareceno que ocê ta caçando lá!. Tem que prestar atenção na criança e faze uma oração e pedi a Deus por ela, porque o cumpradesco é acima de irmão [...] se eu sou a madrinha dum menino e deus o livre o guarde, na farta do pai ou da mãe, é obrigação minha cuida da criança [...] (Nicola Dias Sales 23/07/2006 apud CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 56)

E a festa em si, segundo o organizador e fundador, surgia como uma

brincadeira.

[...] foi uma brincadeira que nóis feiz, feiz a fogueirinha pra esquenta fogo, esquenta do frio e o povo junto, aí no próximo ano já começou a repartir o quentão, as pipoca e cada veiz melhorando mais [...] já gosto de festa, e de movimento, aí foi onde eu continuei com essa festa e ninguém deixou parar mais, sempre tinha gente ajudando então eu gosto e não deixei parar (Manuel Campus Sales 29/08/06 apud CARVALHO, BORGES e NUNES, 2006, p. 59).

O caráter comunitário é evidenciado pelos historiadores.

Esse caráter comunitário tem ajudado na sobrevivência da mesma. Assim comenta o entrevistado “...realmente não é fácil você realizar uma festa dessa que fica muito caro, se não for o pessoal com a ajuda do povo da população não dá conta de faze ...” o patrimônio cultural de um povo, caracteriza-se por este envolvimento, ou seja, a participação efetiva na realização de um evento sempre na mesma data, seguindo rituais para sua concretização. Sob esse aspecto o entrevistado nos relata que: A organização começa a partir do dia vinte do mês de maio, que eu vou lá pra praça e peço um litro de pinga pra um, um saquinho de pipoca pro outro, só saio de lá pro dia quinze de junho para arruma outras coisas [...] e no dia quem chega pode ajudar, já tem um equipe que ajuda na parte do almoço, os que for chegando vai ajudando... (29/08/06) (CARVALHO, BORGES e NUNES,2006, p. 60-61).

Escorado nas análises de Carvalho, Borges e Nunes (2006), pudemos

perceber que há outras faces da comunidade, além do vínculo espírita. Aliás,

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esta face apresentada pela Festa do Mané do Gato é uma versão muito mais

próxima do que denominamos communitas ou nível da comunidade.

Na relação com o espiritismo e com a cidade, esta face da comunidade

fica prejudicada. Vimos como um dos hotéis onde são realizadas cirurgias

espirituais elevou uma contenda contra a realização da festa no local de

tradição e como a administração municipal deixou paulatinamente de apoiar a

festa.

5.2.4. Considerações parciais no âmbito de comunicação da comunidade

O que se pode considerar ao nível da comunidade na vinculação entre a

religião e a cidade de Palmelo? Perscrutamos 1) o fechamento comunitário que

a identidade espírita promove no que se pôde dizer de um cotidiano espírita, 2)

as possibilidades de abertura para a comunicabilidade entre as denominações

religiosas de Palmelo e 3) as outras faces comunitárias de ordem tradicional.

O vínculo da religião em Palmelo produz um cotidiano espírita

amplamente programado (ocupa todos os períodos de todos os dias da

semana) e, portanto, estruturado institucionalmente. Mas há também práticas

que denotam um comum entre as pessoas, não subordinado tampouco

independente à estrutura que a identidade espírita proporciona.

Reconhecemos e observamos os principais eventos e ocasiões em que

uma abertura comunitária poderia se produzir no âmbito religioso. Espíritas,

católicos, evangélicos e umbandistas se relacionam em diferentes níveis, mas

há trocas simbólicas e, portanto, comunicabilidade, entre todos, pelo menos no

que se refere à hegemonia espírita. Com os católicos, há recentes formas

estruturadas de diálogo, como é o caso da Missa Campal em homenagem à

Maria Madalena, promovida pela Igreja Católica com a participação do CELV.

Nesta ocasião, a Igreja promove um evento em que atualiza a concessão

realizada há poucos anos de unir a devoção dos católicos perante Nossa

Senhora de Fátima à devoção espírita perante Santa Maria Madalena por meio

de uma exegese particular. São demarcados os momentos de concessão e de

união. Em geral, o evento gera uma experiência comunitária importante, mas é

amplamente demarcado por incomunicabilidades, pois espíritas e católicos tem

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papeis bem definidos na organização do espaço e do tempo e, ao final, se

separam totalmente. Um sobe a rua e outro desce.

Os evangélicos configuram todo um caso à parte. Há muitas igrejas na

cidade (são dez ao total), apesar da representatividade populacional ser

apenas a terceira maior (atrás do espiritismo e do catolicismo, os evangélicos

são 19% da população palmelina78). Não há eventos de ordem religiosa que os

integrem estruturalmente no sistema religioso do espiritismo em Palmelo. Há,

sim, a participação comum em qualquer lugar em eventos de ordem ecumênica

promovidos pelas instituições públicas, como formaturas dentre outras

comemorações na cidade. Também há casos em que convidam-se para orar,

de modo particular, os conhecidos ainda que de religião diferente.

Em grande parte, os umbandistas, como pessoas e médiuns, são

integrados e assimilados no corpo mediúnico espírita. Mas não há nenhum

modo de reconhecimento estrutural ou mesmo comunitário das instituições

espíritas para com as umbandistas. Formam, entretanto, uma comunidade de

crenças.

Outros tipos de manifestações culturais, como a tradicional Festa do

Mané do Gato, formulam sua presença na communitas de modo diferenciado.

O vínculo espírita está nela presente como um dos conflitos, mas configura

símbolos próprios e apropriados por algo que se pode chamar de uma

religiosidade popular, totalmente avessa às estruturas em sistemas

hegemônicos de religião.

De modo que, o que se pode notar é que o vínculo entre religião e

cidade é presente em todo o nível comunitário. Na contramão, há um certo

grau de im-munização promovida por eventos estruturados no seio da

comunidade, mas demarcados por incomunicabilidade diante dos rituais.

Nestes casos, a comunicação religiosa se dá ao nível exegético, que permite

uma estrutura formal de relação de convivência entre as religiões. Pode-se

afirmar, assim, que, de um lado, se “estabelece um hiato de communitas sobre

um espaço de trocas sociais contínuas regidas pelos códigos da estrutura”

(BRANDÃO, 1985, p. 199). Mas, também, de outro, há estruturas em

78

IBGE Cidades. Disponível em: <http://cod.ibge.gov.br/195B>. Acesso em: 05/01/2016.

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197

funcionamento no seio da communitas quando a Igreja Católica cede

exegeticamente a uma simbologia espírita.

5.3. Âmbito de comunicação da cultura: as identificações glocais em

Palmelo

A dinâmica de aberturas e fechamentos comunitários tratada no tópico

anterior é produzida, nas sociedades, pelos processos de identificação.

Normalmente só se diz de uma cultura existente a partir de pessoas que com

ela se identificam. Se os níveis societário e comunitário se referem aos

agrupamentos, o vínculo de um sujeito que as produz pode ser entendido como

sua identidade cultural, que corresponde neste trabalho ao nível da cultura.

Os estudos culturais são extremamente amplos, considerados até

mesmo indisciplinares, mas têm uma trajetória (ou uma genealogia 79 ) que

oferece um ferramental teórico ao mesmo tempo crítico e relativo a partir do

qual se pode dizer do mundo. A crítica desses estudos sugere uma abordagem

equilibrada e, por isso, a posição de um autor como Eagleton (2005, p. 184) é

interessante: é preciso situar a cultura, nos termos do autor, sem “cartas de

direitos humanos ou tratados de comércio”, como denotam as variantes

socialista e capitalista que se apropriam instrumentalmente da cultura. Deste

modo, quaisquer questões materiais têm um lado cultural, aquele observado

nas crenças e identidades, normalmente inconscientes. Assim é que o tópico

da identidade representa o nível da cultura nesta pesquisa.

Ressalta-se que um âmbito da cultura só é aqui concebido em tríade

com os âmbitos da sociedade e da comunidade porque estes dois últimos

conceitos não são considerados em oposição, mas em complementariedade,

como dimensões de uma mesma realidade interpretável. A cultura é um

conceito igualmente complexo e amplo, pois sugere tanto a regulação quanto a

espontaneidade, tanto o dado material (símbolo) quanto o dado espiritual

(sistema).

Se cultura originalmente significa lavoura, cultivo agrícola, ela sugere tanto regulação como crescimento espontâneo. O

79

MARTINO, 2012a.

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cultural é o que podemos mudar, mas o material a ser alterado tem sua própria existência autônoma, a qual então lhe empresta algo de recalcitrância da natureza (EAGLETON, 2005, p. 13).

Os sistemas simbólicos em análise são os da religião e da cidade.

Assim, interessa saber da identidade religiosa (se o sujeito entrevistado é

espírita ou não) e da identidade enquanto cidadania (se o sujeito entrevistado é

morador ou visitante de Palmelo). Por isso, abordamos treze moradores e

visitantes de Palmelo, espíritas e não espíritas, segundo a classificação a

seguir. Buscamos uma representatividade dos diversos papeis sociais

encontrados em campo e não uma equanimidade entre os perfis de moradores

e visitantes, previamente pensados.

Quadro 8 – Enquadramento do perfil e da função dos entrevistados.

Perfil Moradores Visitantes

Espíritas Moradores espíritas (6):

- Presidente do CELV

- Historiadora

- Morador jovem

- Morador antigo

- Duas personalidades locais

Visitantes espíritas (1):

- Visitante 1

Não-espíritas Moradores não-espíritas (5):

- Prefeito

- Padre

- Presidente do CEAOR

- Dois pastores

Visitantes não-espíritas (1):

- Visitante 2

Elaborado pelo autor.

Como vimos desde o capítulo metodológico, as identidades são

atribuídas e eletivas e nunca deixam de ser “identificações” (identidades em

processo). “Identidades são, pois, identificações em curso” (SANTOS, 2010, p.

135). A categoria da identidade tem um papel especial nesta dissertação. Seu

papel é relacional e, além de articular o nível da cultura, também é relativa aos

níveis da sociedade e da comunidade. Oliveira (2015, p. 30) sugere

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adequadamente que “parece ter sentido um conceito de identidade em que a

categoria relacional tenha prioridade em relação à categoria de essência”.

Nas falas dos sujeitos entrevistas, encontramos os índices de sua

identidade cultural e conjugamos às várias relações que lhe atribuem

identidade. Assim como nos demais níveis, ao nível cultural, começaremos

pelas relações internas dos espíritas na produção de sua identidade. A

identificação diante de outras religiosidades, diante do movimento espírita

brasileiro (retomando a posição de um movimento espírita palmelino) e diante

da sociedade palmelina, é tratada logo em seguida.

5.3.1. Identificação espírita palmelina

O que denominamos movimento espírita palmelino aparece agora como

identidade. As narrativas pessoais dos sujeitos entrevistados nesta pesquisa

demonstram como as pessoas estão fortemente vinculadas à Palmelo. Alguns

pelo argumento racional de vínculo afetivo com este movimento espírita, outros

com narrativas espirituais acerca de seu caminho até Palmelo, mas a maioria

repete a história originária do vínculo com a cidade a partir de problemas de

saúde, ou melhor, de obsessão espiritual.

Leonardo Guimarães de Assis é um jovem médium do CELV, atuante

em várias atividades doutrinárias, assistenciais e mediúnicas. Pela via

doutrinária, é palestrante espírita. Ele participa de trabalhos assistenciais como

aqueles em que se organizam doações para famílias necessitadas na cidade,

mas seu vínculo com o movimento espírita especificamente em Palmelo se dá

pelo desenvolvimento mediúnico. Apesar de jovem, ele atua com passe,

incorporação, vidência, psicopictografia e está desenvolvendo a psicografia.

A única coisa que me prende aqui é a doutrina espírita, eu já tentei morar em outra localidade, em 2012 eu tentei morar na Inglaterra, fui pra Londres, mas não foi assim ‘morar’ tanto é que eu falei que morei a vida inteira aqui. Eu passei alguns meses lá, mas a própria questão da mediunidade me fez voltar. Então tudo deu certo até um certo momento, e aí em função de problemas da mediunidade, vidência, incorporação, tudo começou a desandar e eu voltei (Leonardo Guimarães de Assis, 18 de dezembro de 2015).

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200

Leonardo é professor, mestrando em Letras, tem 25 anos e informa que

já frequentou igrejas evangélicas e centros umbandistas, mas que há 14 anos é

espírita e vem desenvolvendo a mediunidade. Como ele, muitas pessoas

chegam ou permanecem em Palmelo pelo vínculo do trabalho mediúnico, que

encontra na cidade uma oportunidade mais fácil de desenvolvimento e

trabalho, já que há reuniões mediúnicas todos os dias e, para se tornar

médium, o caminho é mais ágil que na maioria dos centros espíritas brasileiros.

No caso deste entrevistado, há uma escolha racional de aqui permanecer.

De modo parecido, a médium Vânia Arantes Damo, uma pessoa de

referência na comunidade, elabora uma narrativa para explicar como o destino

a guiou até Palmelo. O trabalho desenvolvido por ela já foi resumidamente

relatado anteriormente, quanto falamos de seu livro sobre as moradas

espirituais e de seu ampliado trabalho assistencial na comunidade.

A história da minha vinda, ela parece ser de um jeito, mas hoje eu reconheço que foi outro jeito. Para mim, no início, eu tinha vindo acompanhar a minha mãe, que veio fazer um tratamento espiritual em Palmelo. Hoje, analisando tudo o que aconteceu, eu penso que foi o contrário. A minha mãe, ela que me trouxe a Palmelo. Porque acabou que eu que fiquei e me casei com o Damo, em 1970. Vim pra morar aqui primeiro, depois ela veio também, mas ela nunca mais teve o problema que a trouxe aqui pela primeira vez, então acho que foi assim uma situação, 'não, você vai ficar doente, procurar esse lugar, vai levar a Vânia junto, pra ela ser sua companhia' e, no final, virou o contrário né? 'Oh, Vânia, você vai acompanhar sua mãe, porque você tem que chegar lá nesse lugar e é lá que está o seu trabalho' (Vânia Arantes Damo, 18 de dezembro de 2015).

Outra personalidade moradora de Palmelo é a conhecida Yashira, uma

ecologista, pacifista e que atua mediunicamente de modo independente, com

meditações e trabalhos próprios em sua residência, que se constitui na verdade

em um verdadeiro monumento ambientalista e em um espaço cultural. Ela

frequenta e acompanha as atividades espíritas na cidade e também elabora

uma narrativa espiritual de sua história de vida tendo como destino a cidade de

Palmelo.

Eu vim para cá em 1979, em novembro de 1979. Eu vi o espaço onde eu trabalho lá fora, essa casa, esses muros todos cheios de hera, silêncio que tem em volta aqui, pra mim o mais

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bonito jardim aqui, pode ir lá fotografar dos quatro lados. Não tem nenhum igual no solário do São Francisco. Pode procurar em Palmelo. Então o que acontece, eu sou a zeladora só desse espaço, mas eu tinha oito anos de idade quando eu vi não a casa física, não sabia que eu era artista, mas aquele espaço que é realizado, que foram realizadas coisas MA-RA-VI-LHO-SAS, meditações maravilhosas debaixo daquelas árvores (Raymunda Luci Sousa – Yashira, 05 de dezembro de 2015).

Essas narrativas denotam uma identidade a partir do vínculo entre a

própria missão religiosa com a cidade de Palmelo. Os casos mais típicos,

contudo, são aqueles em que há, além de uma narrativa de vínculo pessoal por

amor ou escolha, uma narrativa que vincula o elemento da dor, da doença e

das obsessões espirituais, as maiores mobilizadoras do fluxo de pessoas que

chega a Palmelo cotidianamente.

Veja-se o depoimento do morador Augusto Batista de Souza, que viveu

em Palmelo no início da cidade com Jerônymo Candinho, saiu por diversos

motivos e retornou há menos de um ano se envolvendo, como aposentado, em

todas as atividades espíritas possíveis. O médium é palestrante, autor de um

livro recém-lançado com sua autobiografia, atuante nos diversos trabalhos do

CELV. Ele narra, com intensidade, uma história de vida que parte do sofrimento

e da emergência da mediunidade em sua família para a paz adquirida ao

chegar em Palmelo.

Foi, a obsessão gerou lá na época, eclodiu a mediunidade, meu pai era fazendeiro e foi um verdadeiro pânico chamado “A fazenda assombrada”. A fazenda assombrada, o lobisomem, a mula sem cabeça que a gente não tinha conhecimento, então, desestabilizou todo mundo, mas foi um chamamento. Espíritos, donos daquelas terras desencarnaram e não conformavam que tinham desencarnado e ficava perturbando, abria as porteiras, batia, chegava, dormia na rede lá no salão, ele pegava, chegava e sacudia a rede, arrastava espora, entendeu? Batia palma, os cachorros latiam, e minha mãe acendia a lamparina, naquele tempo era lamparina, ele vinha e pshh, apagava a lamparina, encostava na gente aquela energia horrível, terrível, quase me matava de medo. Sofri muito, muito. E eu tenho uma irmã que é uma de efeito físico, ela deitava assim e incorporava e a outra levitava no ar assim e voando igual passarinho no ar. Levitando. Então era um lugar de fenômeno, depois veio para cá, libertou, melhorou todo mundo, voltaram cada um para o seu lugar e eu fiquei em caseiro aqui... (Augusto Batista de Souza, 17 de dezembro de 2015).

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A história deste morador se parece muito com as narrativas originárias

do espiritualismo norteamericano e que chegam do mesmo modo ao período

anterior à codificação do espiritismo na França. A ocorrência de fenômenos

inexplicáveis que encontram uma causa dita racional (os espíritos se

comunicam coerentemente) estrutura as narrativas espíritas.

O presidente do CELV, Barsanulfo Zaruh da Costa, sempre foi espírita e

também vincula sua origem, desde seu nascimento (ou antes dele), à cidade

de Palmelo. No caso dele, não são fenômenos espirituais que o trazem a

Palmelo, mas problemas de saúde durante a gravidez de sua mãe. Graças ao

tratamento espiritual realizado em Palmelo, ele e uma de suas irmãs nasceram.

Todos seus irmãos moram em Palmelo, exceto uma já falecida. Duas delas são

proprietárias de hotéis na cidade.

Minha mãe era católica e teve os três primeiros filhos, e deu o nome de santos católicos, principalmente observando aqueles almanaques que vinham antigamente. Meu pai, Severo Felipe da Costa, tinha um dizer assim ‘casa que tem três Marias nem o diabo pode’, mas quando veio o primeiro filho, veio homem, colocou José, que é pai de Jesus, homenageando o pai de Jesus. Veio a primeira filha, colocou o nome de Maria de Nazaré, e a segunda filha foi Maria Auxiliadora. Minha mãe teve uma quarta gravidez e nesse período ficou doente, e procurou os recursos médicos e não conseguiu nenhum resultado, então, ela estava só, a situação da saúde dela piorando, né, e falaram de Palmelo, que também não é longe daqui. Fica à 60 quilômetros de Palmelo, São Miguel de Passa Quatro. Eles vieram, minha mãe fez tratamento e nasceu a quarta filha, agora ficou como Maria Madalena que é a mentora espiritual de Palmelo. Ela voltou, eu tenho três anos a menos do que a minha irmã, voltaram para São Miguel do Passa Quatro, continuaram morando lá na fazenda, minha mãe teve a quinta gravidez que seria eu, e que a gravidez começou a ter os mesmos problemas, vieram para Palmelo e aqui ela passou parte da gravidez dificuldades, e eu nasci, então quer dizer quando eu nasci já foi uma segunda vez que meus pais conheceram Palmelo. Nasci aqui, mas devido ao tratamento que foi feito, mas não consta nos registros que eu tivesse nascido aqui, consta, porque foi feito o registro, na cidade de Silvânia. Então consta Silvânia porque São Miguel do Passa Quatro era município de Silvânia. E no caso meu pai se preparou, vendeu tudo lá e veio morar aqui na cidade de Palmelo, mas nessa ocasião eu já estava com quase sete anos de idade. Meu irmão já estava aqui estudando e eles vieram e aqui iniciaram uma nova etapa de vida devido ao tratamento espiritual (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

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203

Mas, dentre os moradores, a narrativa de vínculo pessoal com a cidade

por problemas de saúde não aparece apenas nos depoimento dos atuais

espíritas. A pastora da Igreja Evangélica O Poder da Fé em Jesus, Antonieta

Rosa Borges Rezende, é filha de um dos mais conhecidos médiuns que

atuaram nos primeiros anos do espiritismo na cidade, conhecido como João

Ferrugem, e afirma que sua família veio à cidade em busca do trabalho

espiritual, ainda que, para ela, a eficiência destes tratamentos fosse maior

antigamente, ao tempo de sua chegada à cidade.

Bom, meu pai veio para cá casado de pouco com a minha mãe, eles vieram para tratar de um problema de saúde da minha mãe, minha mãe tinha várias feridas na perna, sabe? E ela era doente, e meu pai veio para cá por causa da minha mãe. E aí ele veio para tratar e eles ficaram, e eles foram para o Espiritismo e começaram a trabalhar no Espiritismo. O meu pai e a minha mãe viveram aqui em função do Espiritismo, minha mãe sarou daqueles problemas de saúde e todos nós nascemos aqui, nós somos cinco filhos, né. Todos nós nascemos aqui em Palmelo, todos nós fomos criados dentro do Espiritismo (Antonieta Rosa Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

Antonieta já é evangélica há 20 anos e passou por pelo menos três

denominações diferentes. Atualmente é aposentada e, quando jovem,

participou da Mocidade Espírita Maria Madalena, mas afirma que não chegou a

atuar como médium na casa espírita.

Deste modo, até agora foi possível destacar as narrativas que mostram

a identidade pessoal como um elemento que interliga a identidade espírita à

cidade de Palmelo, seja por escolha própria, por ocorrências delegadas ao

destino ou por manifestações espirituais e problemas de saúde. Estas

narrativas constituem as principais justificativas das relações internas entre os

moradores espíritas, que explicam sua atuação na cidade pela via identitária.

5.3.2. Identificação espírita diante de outras religiosidades em Palmelo

Se olharmos desde a vontade ecumênica apresentada pelo prefeito da

cidade ou pela opinião geral, só relataremos a saudável convivência

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comunitária entre as diversas denominações religiosas presentes em Palmelo.

Mas, para além delas, como já destacado ao nível comunitário, há casos de

abertura social como o surgimento de novas igrejas evangélicas, de

comunicação im-munizante ou institucionalizada como a recente junção de

devoções entre católicos e espíritas e de incomunicabilidade na criação de

mundos diversos. Em paralelo, observa-se também uma linha do tempo nos

conflitos identitários entre as denominações religiosas – de traços nítidos e

marcados por preconceito no passado até a imunização deste pelo reforço da

pluralidade religiosa na cidade.

Para o prefeito de Palmelo, que é católico, a convivência religiosa

sempre foi boa, seja pelos indicativos que os cultos ecumênicos apresentam,

seja pela visão branda de seus moradores. Mas ele acaba se referindo a um

dado temporal que revela que nem sempre foi assim. A construção de Igreja

Católica no limite da cidade pode ter se dado porque ali situava-se um terreno

que fora doado para tal finalidade ou porque, como se conta, não havia

‘espaço’ para uma instituição católica no território espírita.

É, teve uma vez que alterou o limite do município. Quando a igreja foi construída, realmente ela foi construída na divisa. Foi doação lá da família Contart, do padre Guilherme. O pessoal comenta que lá foi feito dentro do município. O pessoal espírita antigamente não concordava em fazer a igreja aqui. Hoje mudou muito, a gente faz encontro, fala culto ecumênico, o pessoal dos centros participa, da Igreja participa, os evangélicos participam. Graças a Deus nós temos uma comunidade muito boa, sabe? Cabeça aberta, visão ampla, aberta, e respeito a cada um, no seu lugar, na sua visão. Eu acho que nós temos que agradecer muito a Deus por ter pessoas como tem aqui em Palmelo (Antonio Lúcio de Rezende, 18 de dezembro de 2015).

O pastor da Assembleia de Deus Semear, Aroldo José Trindade,

concorda com a boa convivência e, para argumentar, relata uma experiência

que, para ele, foi marcante. Ele foi convidado recentemente a dirigir uma

oração durante um velório dentro do centro espírita, lugar que tinha vontade de

conhecer, mas onde nunca havia entrado.

Ai eu fui convidado pra poder ir visitar essa pessoa que estava sendo velada lá no Centro lá e quando eu cheguei, eu tinha curiosidade de entrar lá dentro, e quando eu cheguei eu tive a

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oportunidade de visitar lá, conhecer, o local né, e também poder estar dirigindo uma oração lá dentro, mas eu senti assim realizado com essa visita minha lá e pude ver assim a... o acolhimento das pessoas, né, a Leide e o João me tratou muito bem. E eu pude ver que nós... tem como nós convivermos, você ta entendendo, cada um respeito o seu espaço, sem poder ta afrontando ninguém. É o que eu tenho procurado fazer aqui em Palmelo, né, não estar confrontando, respeitando a religião de cada um. Sei que a cidade tem essa tradição, né. E eu, da moda do outro, eu estou aqui pra falar de Jesus. Eu não estou aqui pra falar de placa de religião, não vim pra cá com essa intenção. Eu vim pra cá falar de Jesus e de Jesus ninguém vai me cercar (sic) de falar não. Não é verdade? (Aroldo José Trindade, 19 de dezembro de 2015).

Experiências como esta podem ser arroladas dentre os “aspectos

contemporâneos do religioso”, fruto “das relações entre religião e modernidade”

(WILLAIME, 2012, p. 102). A despeito da chave interpretativa colocada pela

teoria da secularização (quanto mais a modernidade avançasse, mais o

religioso recuaria), a religiosidade, como expressão da religião, ganhou

flexibilidade ao ponto de um pastor evangélico visitar o centro espírita e, nele,

ser convidado a dirigir um momento de oração, dentre outras ocorrências

atribuídas à modernidade tardia.

Conforme registrado na história de Palmelo, o primeiro intento para o

erguimento de um templo espírita na região não foi visto com bons olhos pelos

moradores do município de Santa Cruz de Goiás, motivo pelo qual esta obra se

concretizou na zona rural, na Fazenda Palmela. Depois, em rápido crescimento

de uma comunidade espírita, com a chegada de Jerônymo Candinho à

Palmelo, o povoado se emancipa e, desta vez, é a construção de um templo

católico que não é visto com bons olhos pelos moradores palmelinos que

queriam preservar a exclusividade de um território espírita, ainda que isto não

tenha partido das lideranças espíritas, conforme relata o próprio padre.

O padre Guilherme, um dos moradores vivos mais antigos da região,

narra o período em que vivenciou o preconceito dos espíritas diante dos

católicos.

Na época havia, de fato, certo preconceito da parte espírita para com a católica e eu acho o católico também tinha lá os seus preconceitos. São dois fatores interessantes, né? É algo assim que se pode constar ou não. Quando nós estudávamos... eu mais o meu irmão mais velho do que eu,

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nós estudávamos aí no centro... o centro tinha como feriado dia santo para eles no sábado e para nós era no domingo. Então havia uma discrepância religiosa e para nós, na época, os professores cobravam 3 mil réis para matrícula dos alunos. Mensalmente a família pagava 3 mil réis, naquele tempo era mil réis. Como nós éramos católicos, chegou no fim do ano e para podermos continuar estudando lá eles queriam que o papai pagasse, ao invés de 3 mil, 10 mil réis porque nós éramos católicos (Guilherme Contart, 18 de dezembro de 2015).

Com o passar do tempo, este preconceito, na opinião do padre, foi se

desfazendo. Se a Igreja Católica fora construída à margem do município de

Palmelo, depois ela foi motivo para a ampliação da linha divisória do município,

passando a integrar o templo que já contava com seus adeptos em Palmelo.

Além disso, o padre narra trocas comunitárias que acalmaram os ânimos de

exclusivismo. Tais trocas permanecem até hoje, simbolicamente (como na

convergência devocional em torno de Maria Madalena) e materialmente (como

no uso do salão da igreja pelos espíritas para a realização da CONCAFRAS na

cidade).

O Palmelo era um tanto pequeno, mas tinha essa influência religiosa e meus pais já tinham mudado para Santa Cruz e a região tinha suas festas religiosas. Muita, geralmente os fazendeiros daqui nas grandes festas de Santa Cruz iam para lá para a assistência religiosa católica. Depois que foi construída a capela, então. Eu, mesmo vivendo fora, vinha aqui fazer as celebrações todas das festas religiosas. E aí eu acho que acabou o preconceito e nas festas religiosas eles usavam o ranchão para a festa de Santa Maria Madalena. E depois os católicos faziam lá também a sua quermesse etc (Guilherme Contart, 18 de dezembro de 2015).

Hoje, para o padre, há diferenças, mas não há mais preconceito entre

católicos e espíritas. Para ele, se há, isto ocorre a partir dos evangélicos. O

padre explica que uma das bandeiras de paz é a convergência devocional em

torno da Santa Maria Madalena, ocorrida por iniciativa do vigário santacruzano,

que exegeticamente articulou a ligação entre as personagens bíblicas Maria

Madalena e Nossa Senhora de Fátima para justificar o vínculo e permitir que a

comunidade amplie-se em torno de uma só devoção.

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Foi melhorando bastante, tanto é que, assim, agora para nós não há preconceito. Não há preconceito, eles me respeitam e eu respeito a todos eles, a parte espírita. Agora, a parte evangélica é mais proselitista, tem lá o seu modo, mas quanto à parte espírita nós temos aquele relacionamento respeitoso, cada um na sua base. Inclusive agora o vigário de Santa Cruz, por ser a Santa Maria Madalena uma das padroeiras do Palmelo, com a consideração também do espiritismo, então constituíram Santa Maria Madalena também como a padroeira da cidade e a padroeira da capela (Guilherme Contart, 18 de dezembro de 2015).

Se a iniciativa foi católica, como se deu a recepção espírita? A

representante espírita para os ritos de uma convergência devocional como esta

foi a Dona Vânia, que já havia realizado estudos espíritas acerca desta

personagem bíblica e demonstra alegria ao rememorar o momento em que,

para ela, “houve uma troca de informações” entre espíritas e católicos. Ela

narra o dia em que foi convidada a falar sobre Maria Madalena na Igreja

Católica, trocando referências entre o Novo Testamento e livros espíritas com o

padre, experiência similar àquela do pastor Aroldo, que foi convidado a orar no

centro espírita.

Na missa campal era só católica e espírita. Resolveu na administração do Afonso, a fazer essa missa aqui na praça central. E quando a igreja aqui ela adotou a Maria Madalena também como santa da igreja. Porque até então era Nossa Senhora de Fátima. Ai eles não sei como que foi o processo, associaram a Maria Madalena, a Nossa Senhora de Fátima. E ai naquele ano eles ganharam um quadro, eu fui na igreja, entrei junto com o quadro da Maria Madalena, pra colocar lá no local onde ele está até hoje, eu acredito. E então a gente viu assim, a ligação. Porque Maria Madalena trabalha com Maria de Nazaré, que é a Nossa Senhora de Fátima. Porque toda Nossa Senhora é a Maria. E, então assim, vai ligando aqui na Terra o que já é ligado lá em cima. Num é? E ai diante disso me convidaram pra falar sobre Maria Madalena. E eu fiquei muito feliz, porque eu me senti assim numa oportunidade. Então, ai, foi uma forma assim, em que a gente, a doutrina espírita, apresentou aos católicos a vida de Maria Madalena, que até então eles não tinham muita noção. E o que mais me deixou feliz foi assim que quando eu estava falando da Maria Madalena. Os que estavam lá, inclusive o padre, ele me olhava assim como 'onde é que você tirou isso?'. E depois ele me perguntou de onde que eu tinha tirado aquilo. E eu ainda falei pra ele, do Novo Testamento, do Evangelho de João, ele fala muito sobre Maria Madalena, e através de Amélia Rodrigues, do livro Primícias do Reino, de Divaldo Pereira Franco. E tem também de Humberto de Campos na Boa Nova. Né, porque eu

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falei isso pra um padre no final... No ano seguinte, na missa, eu voltei a falar, eles me chamaram. Mas, depois, o padre falou tão bonito e a mesmo história da Maria Madalena, sabe? E ele falava e olhava pra mim. Como se diz, houve uma troca de informações. Então, ai, eu achei isso ai muito bom, muito bom mesmo (Vânia Arantes Damo, 18 de dezembro de 2015).

Há esses casos de algum nível de comunicação entre as denominações

religiosas, mas observe-se que, antes e como pré-requisito para o diálogo

religioso, houve disputas e cessões exegéticas para justificar doutrinariamente

que a convergência representa um ganho mútuo, nunca uma abertura segundo

o dogma. Ainda assim, a identificação espírita percorre seus caminhos

narrativos e a católica deslancha por outros, o que se materializa ao final da

missa campal que ocorre anualmente para celebrar o dia de Santa Maria

Madalena, quando os católicos sobem a rua em procissão e os espíritas

descem para a semana espírita.

Daí surge outro dado contido nas entrevistas realizadas. Como é sempre

o mais provável, ainda que persista uma experiência comunitária e inter-

religiosa e existam negociações simbólicas constantemente, cada religião

garante seus espaços de hegemonia na cidade. E isto justamente pela

teoricamente esperada incompatibilidade entre o vínculo de um tipo de

expressão religiosa à cidade, espaço de pluralidade.

Eu acho que a cidade... Do jeito que eu entendi Jesus, entendi São Francisco, entendi Deus, que cada um na sua. Por que eu tenho que ir lá ensinar para você na sua casa como é a sua casa? Se toda televisão, o jornal e os livros estão aí falando. Não tem necessidade. Antigamente talvez tivesse de a gente ir atrás, mas agora não tem necessidade. Então eu acho que é uma cidade fraterna, onde convivem bem (Raymunda Luci Sousa – Yashira, 05 de dezembro de 2015).

Os momentos em que a communitas ressurge são aquelas celebrações

especiais, como nos velórios, na missa campal e em eventos similares, não no

cotidiano das religiões. O que não quer dizer que, enquanto sujeitos e

cidadãos, a convivência saia prejudicada de algum modo. Em geral, na

pequena cidade, o que se encontra, ao contrário da tradição estática dos

períodos pré-modernos, é a percepção de pluralidade próxima, típica da

modernidade tardia.

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Não, dentro da convicção religiosa de cada um é como eu disse, eles tem o seu modo de ver, de analisar a sua doutrina própria, suas celebrações próprias, que celebram pra lá e nós temos a nossa própria celebração própria também. E de vez em quando mistura, quando, por exemplo, falecimento muitas vezes, certas celebrações que os espíritas também participam. Agora, a gente faz questão de ficar bem claro que a gente respeita, mas cada um na sua convicção (Guilherme Contart, 18 de dezembro de 2015).

A chegada ascendente de igrejas evangélicas na cidade demarca um

sintoma dessa pluralidade. Aliás, a explosão desses templos não parece ser

novidade em nenhuma região brasileira. Em Palmelo, a pastora Antonieta

explica que, assim como ela foi espírita e hoje é evangélica, a cidade também

deixou de ser uma cidade com exclusividade espírita.

Palmelo foi uma cidade como é chamada, como é conhecida, foi, porque aqui só tinha O Espíritismo. Não existia outra religião aqui e nem podia entrar. Na minha época de criança mesmo eu participei de muita coisa a respeito disso. Inclusive a Igreja Católica você pode observar que ela é município de Santa Cruz. Ela foi construída no município de Santa Cruz, quem frequentava a Igreja Católica na época que eu era adolescente eram as pessoas que moravam nas fazendas do município de Santa Cruz e que vinham para a Igreja Católica. Então, aqui não tinha Igreja Evangélica, não tinha outra religião a não ser o Espiritismo. Agora hoje não, hoje a cidade é aberta para qualquer religião, hoje existem várias igrejas evangélicas aqui em Palmelo, né. Existem outras denominações, né, aqui (Antonieta Rosa Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

Mesmo o presidente do CELV faz essa diferenciação. A percepção é de

que com o passar do tempo, o valor de cidade aumentou e o grau de

vinculação religiosa espírita diminuiu. O espiritismo está na origem de Palmelo,

“porém (esta) é uma cidade”, como afirma Barsanulfo.

Palmelo é uma cidade de origem espírita, porém é uma cidade. E como cidade ela abriga todas as ideologias, todas as ideias e todas as religiões e a convivência com as outras religiões é de forma pacífica, mas podemos dizer mais do que pacífica quando tem missa a gente pode provar porque quando temos reuniões sociais nós vemos os cultos ecumênicos acontecerem e no mesmo local várias denominações religiosas ali representadas. Então isso é de grande importância porque já não é mais tempo dos homens brigarem por causa da

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religião. É tempo dos homens se abraçarem mesmo que tenham religiões diferenciadas. Então já não há mais guerra dos cem anos, né, hoje nós temos que ter a paz dos mil anos (Barsanulfo Zaruh da Costa, grifo nosso, 17 de dezembro de 2015).

Considerando todas essas posições-de-sujeito (HALL, 2011) em torno

da comunicabilidade entre as identidades espírita e outras denominações

religiosas em Palmelo, percebe-se que há uma boa convivência comunitária,

pois cada instituição consegue manter e respeitar o espaço da outra, com

pouca comunicabilidade, apesar de haverem eventos que, por serem especiais

e extracotidianos, conseguem promover uma negociação simbólica entre as

religiões. No cotidiano, há uma experiência de communitas, porque estas

relações se dão em uma pequena cidade, em que todos se conhecem. Mas

essa experiência já não é a de uma cidade espírita (nos termos da

comunicabilidade religiosa, relegada à história), mas de um povo que se

conhece bem.

5.3.3. Identificação espírita palmelina diante do movimento espírita

brasileiro

Ainda no âmbito das relações exclusivamente religiosas, mas agora

entre o movimento espírita palmelino e o movimento espírita brasileiro, o

objetivo deste tópico é analisar como se dá a identificação espírita na cidade no

que se refere à comunicação 1) do movimento palmelino para o movimento

brasileiro e 2) vice-versa no âmbito do espiritismo.

1) Primeiro, a questão da corrente magnética como uma prática ritual

típica do movimento espírita palmelino é colocada diante do modo como a

Federação Espírita Brasileira e a Sociedade de Divulgação Espírita Auta de

Sousa a recebem. 2) Depois, a partir das relações estabelecidas pela SODEAS

com a direção do CELV analisamos como os espíritas se percebem: sentem

uma interferência administrativa, mas também benefícios econômicos trazidos

à cidade e, ainda assim, consideram o paralelismo das ações da SODEAS

diante da comunidade espírita tradicional em Palmelo.

A corrente magnética é colocada no centro desta discussão

primeiramente porque assim apareceu nas entrevistas aqui catalogadas, mas

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também porque, de fato, esta prática ritual é o principal ponto de discussão

quando os espíritas problematizam Palmelo. Esta prática ritual já foi descrita no

capítulo acerca de história da cidade. Quem concorda, quer conhecer e estudar

essa prática. Quem discorda, deixa de falar em Palmelo para não evidenciar

essa percepção. Obviamente, há também os espíritas que não sabem do que

se trata e os que preferem se abdicar da discussão. Fato é que a prática da

corrente magnética é estruturante dos ritos mediúnicos em Palmelo e esta, em

alguma medida, tem sido propalada e combatida por vertentes do espiritismo

religioso integrado à FEB.

O presidente do CELV explica como vê as discordâncias com o método

da corrente magnética, que partem de membros da FEB. Seu argumento é de

que, se há discordâncias práticas, não há discordâncias doutrinárias. Por isso,

é uma questão a se discutir em termos de movimento espírita e não de doutrina

espírita. Além disso, ele argumenta que, apesar de ser um ritual tradicional em

Palmelo, com base em Jerônymo Candinho e em Eurípedes Barsanulfo, é uma

novidade para o MEB.

Bom, toda ideia nova necessita de um tempo para ser assimilada. A própria Federação Espírita Brasileira quando recebeu os livros que hoje são muito comentados, muito divulgados e muito estudados que são os livros de Ivone do Amaral Pereira ficou parado no Conselho Deliberativo da Federação Espírita Brasileira por mais de vinte e cinco anos. Até que foi divulgado. Mas o pessoal da corrente não esperou esse tempo para divulgar o livro, então divulgou antes. Não esperou que fosse estudado. Então não houve assim na verdade o estudo para deliberar sobre esse assunto. Então, às vezes a gente ouve falar que a Federação é contra. Não, ela não se manifestou a respeito. “Ah, mas eu vi alguns membros”. Bom, eles são pessoas, pessoas podem ser a favor ou contra qualquer ideia porque cada um é livre. Então dentro de uma ciência como é o caso da ciência espírita mesmo dentro da doutrina espírita há divergência. O que não há divergência dentro do Espiritismo é a parte moral, essa é inatacável, inatingível. Mas aqui que concerne ao método de trabalho aí vão ter aqueles que são favoráveis, aqueles que são contrários a determinado método de trabalho. Aí já é uma questão mais de movimento em si, não de doutrina, mas que é um método embasado na doutrina. E vamos dizer assim, às vezes existem outros métodos, e que todos os métodos são bons (risos). O importante são os resultados, e os resultados que a corrente oferece são maravilhosos (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

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No discurso do presidente do CELV sobre o polêmico ponto da corrente

magnética, é possível notar primeiro um reconhecimento de autoridade da

FEB, pelo que se procura justificar qualquer evento que incorra em divergência.

Em segundo lugar, o purismo de que, por se tratar de uma “questão de

movimento” isso não afeta a doutrina, que é “inatacável, inatingível”, assumindo

que há uma discordância, mas sem dar nota dos efeitos dessas divergências

em um tom conciliatório. Por fim, o assunto se encerra com uma espécie de

utilitarismo já que “o importante são os resultados, e os resultados que a

corrente oferece são maravilhosos”. Aliás, todos esses valores

(reconhecimento da institucionalidade da FEB, tom conciliatório, purismo e

utilitarismo) são características que geralmente se legam ao espiritismo

brasileiro, afeito aos valores positivistas.

Uma parcela do MEB, radicada na SODEAS, assimilou e divulga

amplamente (inclusive para fora do país) a prática da corrente magnética.

Publica livros acerca da temática, organiza encontros e cria instituições com a

implantação deste método mediúnico.

O movimento CONCAFRAS é uma reunião dos caravaneiros Auta de Souza, daqueles que fazem a campanha da fraternidade Auta de Souza, mas como reuniam periodicamente no natal para falar da campanha da fraternidade da Auta de Souza, começou a falar de outros temas como é o caso de outras campanhas que é a do posto de assistência, da fundação de centros espíritas. É o Centro Espírita saindo da Casa Espírita para ir à rua e formar novos núcleos de trabalho. Então além do posto de assistência tem a divulgação do livro espírita, as campanhas contra aborto, as campanhas contra eutanásia, as campanhas contra... Na verdade, a gente não fala nem campanha contra o aborto, a gente fala a campanha em defesa da vida (risos). Eu estou falando mas as campanhas são nesse sentido. E aí a CONCAFRAS tomou um volume nacional porque um dos trabalhos que é realizado em Palmelo a corrente magnética tem sido divulgada pelo grupo da CONCAFRAS, então, esse trabalho da corrente magnética realizada aqui na cidade de Palmelo e que surge e está sendo divulgado por esse grupo para o exterior inclusive, e já na capital de Goiás e na capital brasileira que é Brasília, a maioria dos Centros Espíritas já faz a corrente magnética, já aplicam a corrente magnética na terapêutica espírita, na terapêutica do trabalho em si. Então hoje já está também sendo divulgado para outros países. Então, isso aproximou mais Palmelo desse grupo, justamente a corrente magnética que foi divulgada por Jerônimo Candinho

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por mais de 50 anos na prática (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

A partir disso, a identidade espírita palmelina passou a ter ampliado

acesso a esta parcela do MEB. Ainda que este vínculo seja antigo, a presença

mais efetiva da SODEAS em Palmelo é recente, já nos anos 2000, após o

falecimento de Bortolo Damo, último presidente antes da atual direção da casa.

A união dos trabalhadores espírita é um ponto ressaltado tanto pelo

presidente do CELV como por um pastor na cidade ao falar sobre a

CONCAFRAS. O pastor Aroldo chega a considerar que todas as religiões

deveriam promover eventos desse porte.

Se fosse pensar a gente nem traria a CONCAFRAS, mas vamos trazer e vai ser, acredito que vai ser um grande marco para Palmelo porque os nossos trabalhadores estão unidos. Então trouxe uma união para os trabalhadores, então isso vai fazer com que haja e traga um grande benefício (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

Uai, eu acho que toda religião deveria ter essa iniciativa de promover um evento como esse, porque às vezes as próprias religiões tem aquele negócio de dividir. Ou quem vem de longe de qualquer parte, eu acho que isso aí é uma boa iniciativa deles (Aroldo José Trindade, 19 de dezembro de 2015).

Por outro lado, como espírita e moradora de Palmelo, a historiadora

Mirtes Guimarães representa parte da população espírita ao afirmar que “essa

vinda da CONCAFRAS pra Palmelo dispersou muita gente. Não tá acolhendo.

A CONCAFRAS hoje é para as pessoas de fora que moram aqui”.

A questão da corrente magnética é que ajudava a sustentar isso aqui. Na época dele ele não falava corrente magnética. Não. Certo? Isso ai já é uma questão mais científica das pesquisas que o pessoal de Brasília fizeram, lá o doutor Crispim lá, doutor Gilson, né? Ele falava o quê? Linha de incorporação. 'Precisa passar o doente pela linha de incorporação'. Certo? Então ele não... até quando perguntaram ele, que ele sabia fazer, mas não sabia falar. Ele só sabia fazer. E que eles vieram, ficaram um mês aqui pra participar de como ele trabalhava. Né? A partir da visão da prática é que eles chegaram a teoria. Nem professor Eurípedes lá não falava corrente magnética. Era linha. Passar o obsediado, perturbado pela linha. A linha é o quê? O grupo de médiuns. Então, o quê que era isso? É o trabalho de desobsessão no coletivo. Então

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eles libertavam uma quantidade de pessoas, de espíritos, através dessa linha. Num é? (Mirtes Borges Guimarães, 06 de dezembro de 2015).

Com a proximidade da SODEAS para, num primeiro momento pesquisar

sobre a corrente magnética, num segundo momento, divulga-la e, num terceiro

momento, se apropriar ou integrar o movimento espírita palmelino a partir da

presidência do CELV, tornou-se possível a realização da CONCAFRAS em

Palmelo em fevereiro de 2016. Este evento marca um momento de grande

mobilização na cidade, mas também de alguns dissensos. Um deles decorre

pelo aumento da comercialização e dos pedidos de doação na cidade para a

realização do evento num primeiro momento e, noutro, para a construção do

museu do espiritismo em Palmelo (assunto já tratado neste capítulo).

Já este museu seria “particular”. Ao invés de disputar pela hegemonia na

história cultural de Palmelo, o movimento espírita local caminha para uma

autonomia privada que constrói suas próprias obras, mas, neste caso, se não

se escora no poder público, se escora na SODEAS, que conta com arquiteto

voluntário e outros recursos, além do costume de produzir espaços espíritas,

segundo sua própria programação enquanto movimento. Em Palmelo, a ideia

desse museu chega como algo que vem de fora para dentro, mas também de

dentro para fora no campo do espiritismo e não deixaria de ser um instrumento

de comunicação e de divulgação do espiritismo haver um museu sobre o

espiritismo na cidade espírita.

Essa ideia já existe aqui na cidade há algum tempo, mas quando foi falado sobre o espaço que temos veio a ideia de formar e colocar naquele local um museu histórico, então, um centro cultural e não só museu para falar de Palmelo, mas um museu do espiritismo. É particular, então, pode ser um museu para tratar de temas espíritas, então, o museu do espiritismo, Palmelo seria apenas uma parte, mas falaria de Chico Xavier, de Eurípedes Barsanufo, de Allan Kardec, dos principais vultos do Espiritismo. E aí essa ideia foi, vários membros do grupo Auta de Souza também fazem parte, não que seja uma tarefa deles, mas eles também acabam auxiliando de alguma forma (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

Além dessas intervenções pontuais, é possível perceber, de modo

cauteloso, a interferência na programação do CELV. Em Palmelo, os espíritas

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sempre seguiram suas atividades de acordo ao estabelecido por Jerônymo

Candinho. A SODEAS considera-se como um programa e, por isso, tem uma

proposta de programação que implanta nos centros espíritas a ela filiados.

Algumas de suas propostas já modificam a programação de Palmelo, como o

horário de uma ou outra reunião de estudos dos jovens (Mocidade). Mas o

atual presidente do CELV, Barsanulfo Zaruh, garante que não houve mudanças

no aspecto essencial da administração dos trabalhos espíritas em Palmelo.

Bom, o seu Damo deu continuidade ao trabalho do Centro Espírita Luz da Verdade quando o Jerônimo Candinho faltou fisicamente. Então vamos colocar uma outra pessoa que é o seu Gentil que ainda está encarnado, e eu digo que Gentil e Bortolo Damo foram dois pilares para manter firme o trabalho que Palmelo realizou. E nós procuramos manter a mesma linha, ou seja, manter o mesmo posicionamento, manter as mesmas atividades que eles. Algumas mudanças que têm elas não são no vamos assim dizer, na base. Não são basilares. Uma música que é cantada durante as reuniões que mexe na base do trabalho, doar um copo de água fluidificada ao final dos trabalhos também são coisas que não mexe na base do trabalho. Então a base do trabalho nós procuramos manter de pé e sempre dando, vamos assim dizer, seguimento naquilo que foi iniciado que é a parte de assistência espírita, assistência social espírita, no sentido de atender as necessidades que forem necessárias. No estudo procuramos enfatizar o máximo o estudo para que as pessoas possam ter mais conhecimento da doutrina espírita em si. Ter pessoas com conhecimento para que tenham maior facilidade de poder auxiliar e a prática mediúnica que mantemos também da mesma forma que os tratamentos continuam iguais como o exame do raio x como forma de triagem, uma triagem espiritual, água fluidificada, passe, corrente magnética, tratamento fluídico, tratamento fluídico deitado, operações espirituais e a reforma íntima que é através do estudo. Então essa é a base do tratamento (Barsanulfo Zaruh da Costa, 17 de dezembro de 2015).

Yashira considera, de fato, o perfil administrativo da casa espírita

mudou. Mas isso é visto como algo óbvio, normal e até positivo. Preservar a

tradição sem mais justificativas é conceber o tradicionalismo.

Tudo evolui. Agora mesmo tinha uma pessoa ali falando que tem que ser igual ela, que não é agora, não está sendo igual e por isso ele não concorda. Ele concorda com o que já foi, eu falei para ele: ‘meu filho, o que já foi não é mais nada. Já foi, ele fez o tempo dele do tempo passado, mas nós estamos aqui

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no hoje (Raymunda Luci Sousa – Yashira, 05 de dezembro de 2015).

De todo modo, os moradores reconhecem a SODEAS (ou a

CONCAFRAS) como um movimento paralelo no espiritismo brasileiro e,

também, no espiritismo palmelino, em termos de movimento social.

Ela é um movimento paralelo que desenvolve um trabalho muito bonito e tudo, porém a espinha dorsal, o arcabouço, a pirâmide do movimento espírita chama-se Federação Espírita Brasileira e todas as federativas estaduais. Entendeu? (Augusto Batista de Souza, 17 de dezembro de 2015).

Um dos pontos positivos da CONCAFRAS em Palmelo, levantado pela

pastora Antonieta, é o benefício econômico levado à cidade.

Bom, desse tamanho nunca teve, né? Mas eu acho que vai ser muito bom, muitas pessoas diferentes, vai ser bom para a cidade, vai ser em vários setores até no financeiro vai ser bom para quem colocar alguma coisa. Por exemplo, só de falar que eles vem para cá, quantas casas foram construídas? Os hotéis reformados, né. Agora, o que está faltando é a nossa cidade, né, o prefeito da nossa cidade tomar uma atitude e limpar essa cidade, né, dar um ajuda, né. Para que o povo chegue aqui e não veja o tanto que a cidade está abandonada, né, o tanto que a cidade está com as ruas cheias de buracos, precisando de um socorro. A cidade está abandonada, mas eu creio que até lá no final do ano, agora, para esse agora grande movimento que vai ter, eles façam alguma coisa, né, em favor da cidade (Antonieta Rosa Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

Portanto, a principal característica distintiva que eleva Palmelo à

discussão metódica do espiritismo brasileiro não é tanto sua representação

como uma cidade espírita, mas a novidade da aplicação do método da corrente

magnética, que promove certo nível de disputas simbólicas no MEB. A FEB

não se posiciona formalmente, mas alguns de seus membros são contrários. A

SODEAS se apropria e difunde este método e, por tabela, provoca

intervenções no movimento palmelino: ampliação da procura da cidade por

causa da corrente magnética, direcionamento de esforços em atividades

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programadas pela SODEAS em Palmelo (CONCAFRAS, EFAS80), inserção de

atividades econômicas na religião (tenda do lanche na porta do CELV, pedido

de doações nas reuniões), pequenas modificações e ajustes na programação

do centro espírita conforme o padrão do programa da SODEAS e benefícios

econômicos à cidade por meio do incentivo ao turismo, criação de um museu

do espiritismo e estruturação da cidade para a recepção dos caravaneiros na

cidade durante a realização da CONCAFRAS.

O vínculo entre os sistemas simbólicos da cidade e do espiritismo, neste

contexto identitário do espiritismo brasileiro, se dá por meio de breves

mudanças no perfil de trabalho do movimento espírita palmelino, se não na

programação oficial, na mobilização de fieis para a organização das atividades

trazidas pela SODEAS. Em contrapartida, a cidade recebe benefícios nos

termos de um turismo por devoção. O espaço da “cidade espírita” mantém sua

hierofania, mas investe mais na estruturação do projeto de uma parcela do

MEB do que na manutenção da tradição, que, em paralelo, se mantém.

5.3.4. Identificações glocais na sociedade palmelina

Quem é o cidadão da cidade espírita? É o palmelino ou é o espírita?

Trata-se de uma questão abstrata se observarmos a cidadania a Palmelo e o

pertencimento à religiosidade espírita. Mas a representação de cidade espírita

acaba por abrir o espaço de perguntar pelo processo de identificação que

engendra.

Este é o momento em que se perscruta pela identificação do morador,

do visitante, do espírita e do não-espírita. Um primeiro fator, observável no

diálogo empreendido com o Visitante 1, bancário, aposentado de 60 anos,

espírita há 21 anos, residente em Brasília e encontrado no Hotel Minas Goiás

em Palmelo, são os motivos que trazem os visitantes espíritas à cidade, o que

esta pesquisa não pode afirmar quantitativamente, mas se confirma

qualitativamente pela produção de sentido com o público entrevistado e o

trabalho de observação direta.

80

Como versões (bem) menores da CONCAFRAS que ocorrem durante todo o ano promovidos por diversas instituições espíritas país a fora, o EFAS é o “Encontro Fraterno Auta de Souza”.

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- Ah, o Espiritismo eu acho que influencia quase tudo na cidade, né? Porque na realidade o que eu sinto, né, aqui vê um polo espiritual muito forte, então, Palmelo hoje é um centro de procura acho que no Brasil todo de pessoas que querem saber, né? Não só da corrente magnética, mas que vem atrás de informação dos seus entes queridos que desencarnaram. Eu mesmo fiz isso, pedi uma informação do meu pai, e ele através de um médium passou para mim a informação. Eu achei muito legal, fiquei muito feliz.” - Isso foi hoje? - Foi hoje. Aham, já desencarnou há 24 anos. - É a primeira vez que você pega uma psicografia dele? - Sim, eu tinha tido uma informação anterior há anos atrás, mas eu não confiei muito não. Estava um pouco recente, eu estudo um pouco o Espiritismo e sei que com pouco tempo não daria para dar tantas informações como eu recebi não. - E essa de hoje? - Essa de hoje foi muito consistente. Foi bastante consistente. Não falou muito, mas falou o que eu precisava saber. - Tem algum elemento do que falou que você destacaria de importante para ter te dado essa confiança? - Sim, sim. Uma das confianças foi que ele estava em processo de preparação para a reencarnação, ele está apadrinhado por alguns.. Como todos nós que desencarnamos temos um anjo da guarda que vão lá do outro lado nos ajudar, que o processo não é muito fácil. Desencarnar mesmo para o espírita não é muito fácil estar do lado de lá e já estar tudo equilibrado, para mim não é, não vai ser assim, eu acho que não. Não sei. - E o que você achou do trabalho em si da psicografia? - Ah, eu achei um trabalho muito sério, muito confiável e eu acho que a fidedignidade é que eles vão para uma sala preparada, o trabalho da prece, tem todo um trabalho por trás que não fica um público assistindo. Isso é importante porque, é claro, se for um Chico Xavier fica ali todo mundo que não consegue ficar longe porque a aura dele é tão grande que dispara energia para todo mundo, mas nós somos muito comuns, então, um trabalho separado é muito importante (Visitante 1, 05 de dezembro de 2015).

O Visitante 1 é espírita e o que mais o atrai a Palmelo são os benefícios

espirituais que busca, uma carta psicografada e o tratamento propiciado pela

corrente magnética que, apesar de haver em sua cidade, lhe causa curiosidade

pelo fato da origem deste trabalho ter ocorrido em Palmelo. Além disso, este

entrevista assume rigorosamente a interpretação doutrinária espírita na

referência a Chico Xavier como parâmetro, na menção aos índices de

confiabilidade e de ética dos trabalhos e na mansidão com que expressa os

conceitos de paz, energia, dentre outros termos.

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De imediato já é possível assumir a hipótese de que este vínculo entre

espíritas e a cidade de Palmelo constitui identidades glocais (ao mesmo tempo,

globais e localizadas), pois as referências identitárias são globais, mas de

algum modo vinculadas ao local.

O local é concebido de modo conflituoso. Enquanto alguns consideram

que Palmelo é um campo especial de trabalho espírita, outros o consideram no

máximo como uma cidade comum em que há muitos espíritas. A visão de um

campo especial é relatada tanto pela presidente do CEAOR, que era moradora

de Palmelo e hoje vive em Uberlândia (MG), quanto no depoimento da Visitante

2, que não se identifica espírita, mas veio receber tratamento espiritual e ao

final da entrevista revelou ter afinidades com o espiritismo há anos.

Muito diferente. É incrível. Meu marido até fala 'olha, eu não sonho. Mas quando eu chego em Palmelo, eu sonho muito'. E aqui é uma paz muito grande. Eu acho que tem muita coisa pra ser mudada, em questão de espiritismo, é, em questão de pessoas, né, é muito complicado. É difícil mesmo, né. Todo mundo sabe da vida de todo mundo. Mas Palmelo é muito abençoado. Aqui a gente tem uma Colônia em cima da gente. Sabe quantas cidades são privilegiadas de ter isso? Nenhuma né? De ter assim, esse campo todo (Ingrid Di Angelis Sousa e Rios, 17 de dezembro de 2015). Pela cidade ser a cidade dos espíritas, sim é uma cidade diferente. Eu acho assim que uma energia especial, mas assim por ser atendido tanto assim na corrente magnética, por exemplo, eu sinto que o efeito é o mesmo do tratamento, mas assim em relação a cirurgia e a espiritualidade, o lugar é mais propenso para isso. É uma cidade assim, eu senti que é preservada, especial, dentro da doutrina (Visitante 2, 18 de dezembro de 2015).

A ideia de um campo especial da espiritualidade também aparece

mesmo no depoimento da pastora Antonieta. O que se refere tanto a um

sentido comunitário de aconchego em cidade pequena, quanto como cidade da

paz. Uma justificativa para isto é que a pastora já foi espírita, filha de um dos

pioneiros do espiritismo na região.

Bom, viver em Palmelo para quem nasceu aqui é muito bom mesmo com vários problemas que existe em Palmelo, né, hoje. Eu creio que não é fácil viver longe de Palmelo para quem nasceu aqui em Palmelo. Eu mudei duas vezes daqui, mas o meu desejo era voltar para Palmelo. Viver aqui é muito bom, é

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pela paz que tem, pelas amizades que tem, né. Pela, vamo assim dizer, é uma amizade que a gente tem com as pessoas, com vizinhos, né, os parentes também que tem aqui. Então, a gente tem mais segurança a respeito de tanta violência que está tendo nessas cidades grandes, né. Aqui a gente tem liberdade, né, de sentar na porta da rua, de conversar com o vizinho de fora de casa, a gente tem liberdade de sair com as crianças, né. Tem liberdade de deixar o portão destrancado. E não é só isso: o ambiente de Palmelo é assim, que a gente sente o ar diferente. E é muito bom viver aqui (Antonieta Rosa Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

Para o padre Guilherme, assim como para o pastor Aroldo, Palmelo não

é uma cidade especial, mas uma cidade como qualquer outra. Eles não

desconsideram que, para os espíritas, a cidade tem uma significação especial.

Mas, obviamente, não assumem esse valor, já que provém justamente da

hegemonia da discursividade espírita.

Francamente, eu acho Palmelo como a coisa como as outras cidades. Eu não vejo assim que seja de fato um ambiente de paz, de coisa assim, não. Talvez na convivência da comunidade espírita eles possam notar isso no ambiente deles, mas para nós eu vejo, na administração, na política, no modo de agir etc, eu não vejo diferença entre outras cidades. E por aí, Palmelo como uma cidade espírita, nesse modo, do modo que eu com foco não vejo... (Guilherme Contart, 18 de dezembro de 2015). Pra mim não tem diferente de viver em Palmelo e viver em outra cidade, pra mim é a mesma coisa. Não faço acepção de ninguém, procuro conviver com todo mundo, como vivendo em qualquer outro lugar. Pra mim o lugar "não manda nada" o que "manda" é você saber conviver com todo mundo (Aroldo José Trindade, 19 de dezembro de 2015).

Toda essa ideia de um campo especial se refere ao lado religioso e

espiritual. Quando se referem à cidade material, existe a percepção de um

descaso do poder público para com a cidade, que está mal cuidada, mesmo na

proximidade de um evento que receberá tantos visitantes ao mesmo tempo,

como a CONCAFRAS.

Eu acho que Palmelo precisa de um representante político que realmente goste da cidade, porque iniciando né... pra iniciar a conversa. Tem que ter realmente um representante que goste da cidade, porque a cidade merece ser tão linda. Palmelo é tão pitititinha. E tinha tudo pra ser uma cidadem modelo e linda. Eu

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acho que Palmelo merece realmente ter um político que goste, um prefeito que goste dela (Ingrid Di Angelis Sousa e Rios, 17 de dezembro de 2015). Eu acho que a nossa cidade merecia ser linda, a nossa cidade merecia ser muito bem tratada. É uma cidade que é conhecida no mundo, conhecida no Brasil, no mundo, em alguns países fora, né. Eu acho que pelo que a cidade representa, eu acho que ela tinha que ser muito bem cuidada: as ruas, a iluminação, as praças tão abandonadas. Eu acho que deveria cuidar mais da cidade, é isso que eu acho de ruim que está tendo agora (Antonieta Rosa Borges Rezende, 15 de dezembro de 2015).

Neste sentido é que se volta o tema dos benefícios, mas agora também

dos prejuízos que o vínculo da religião na cidade pode apresentar. O prefeito

não nega que a cidade esteja mal cuidada, mas fornece duas justificativas para

isso. A primeira é de que a cidade não tem recursos próprios e depende

daqueles impostos repassados pelo governo federal.

Bom, Palmelo é uma cidade muito pequena, é a segunda menor cidade do Estado de Goiás, tem poucos recursos. A gente, o município vive em torno de recursos do Governo Federal que é o IRPM, CEMES, né, não tem, a renda local nossa é muito pequena. Então, assim, isso dificulta muito a gente fazer uma gestão da forma que a cidade precisa e merece. A gente tenta fazer, usar os poucos recursos que a gente tem tentando acudir as coisas prioritárias, a folha de pagamentos, o emergencial (Antonio Lúcio Rezende, 18 de dezembro de 2015).

A segunda é de que, ao mesmo tempo em que o espiritismo traz

movimento positivo para a economia local, também traz ônus, pois muitas

pessoas se mudam para a cidade sem as devidas condições sociais e acabam

necessitando da assistência social e, principalmente, na área da saúde, já que

a maioria das pessoas que buscam a cidade vem em busca de tratamentos

(ainda que espirituais) para a saúde.

Assim, comércio local, hotel, para o comércio local em si. Se você for pensar em benefício, o que trás é isso perante o comércio. Na verdade, às vezes traz mais consequência, porque você é de Palmelo aqui também, você conhece a realidade nossa, em Palmelo chega muita gente desenganada pela medicina, já com situação de vida bem complicada, chega aqui e não tem recursos e acaba o município tendo que

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assumir essa responsabilidade de saúde pública e várias outras coisas. Transporte, porque apesar de nós termos o hospital, que é limitado, a gente depende muito de atendimento fora do município, em Goiânia, às vezes Pires do Rio, Catalão, nas cidades vizinhas. Isso às vezes tem demanda de transporte, dessas coisas. Então é, analisando por esse lado, tem as vantagens mas também tem as desvantagens. Eu tenho exemplo de famílias de fora que chegaram aqui e hoje estão gerando um custo muito alto para o município em torno de medicação, de tratamento. Mas, na medida do possível a gente tem procurado atender. Esse pessoal que chega aqui através dos kardecistas também traz movimento para a cidade, desenvolvimento para a cidade. Nós temos aqui, você sabe, muitas famílias que conheceram Palmelo, moravam lá fora, trabalhavam lá fora, aposentaram e hoje vieram, construíram, estão construindo e desenvolvendo a cidade. Então, tem as consequências, mas tem as vantagens, também. Faz um giro, né? A cidade tem crescido baseado no centro espírita, na religião. O pessoal vem em busca de tratamento espiritual, de operação, o pessoal chega aqui e se sente bem, já dá um jeitinho de ficar, de morar por aqui, se estabilizar. Tudo isso faz com que a cidade cresça (Antonio Lúcio Rezende, 18 de dezembro de 2015).

Há os palmelinos não espíritas que se sentem em casa. Há os espíritas

não palmelinos que se sentem em casa. O principal motivo de vínculo é

sempre o trabalho mediúnico, para os moradores de Palmelo. Para os

visitantes, ou são vinculados ao MEB e promovem as mudanças anteriormente

mencionadas ou se vinculam pelos benefícios que recebem, principalmente no

destaque que dão aos trabalhos da psicografia e da corrente magnética.

Com base nos depoimentos aqui reunidos, é possível perceber que não

só os moradores, mas também os visitantes da Palmelo, sentem-se

apropriados da cidade; e, dentre os moradores, há os que se mudam por causa

do espiritismo, trazendo benefícios, mas também ônus para a administração

pública municipal. Dessas identidades glocais (espíritas e regionais) surgem

dois conflitos principais: por um lado, se vinculam a um campo especial de

espiritualidade ao estar em Palmelo ou a uma cidade que os acolhe como

qualquer outra; por outro, o vínculo religioso é propositivo e movimenta a

cidade, mas esta se encontra em mal estado de administração, o que não é

negado, mas justificado pelo prefeito pelos poucos recursos que a cidade

recebe. São conflitos de uma cidade que não chega a ser turística, mas que

recebe e é modificada por muitos visitantes se comparada à sua população.

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5.3.5. Considerações parciais no âmbito de comunicação da cultura

Sobre o âmbito cultural, foi possível analisar tanto a presença da

identidade espírita, como sua pertinência relacional diante de outras

religiosidades na cidade, do movimento espírita brasileiro e do modo (glocal)

que assume na sociedade palmelina.

Fica latente a identidade espírita como vínculo entre a religião e a

cidade, seja por uma tomada de posição do sujeito por escolha própria, por

fatores elevados ao destino ou por manifestações espirituais através de

narrativas míticas próprias ou de problemas de saúde que nortearam a busca

pela cura espiritual. Mas para além da força dessas relações internas aos

espíritas em Palmelo, como formas de dizer sobre si mesmos que os une, há

também as relações externas em que os processos de identificação também se

devem ao espiritismo na cidade.

Diante de outras expressões religiosas, há uma boa convivência

comunitária, mas seus espaços são bem delimitados e a comunicação ocorre

de modo institucionalizado por meio de negociações simbólicas nítidas na

realização de eventos em conjunto, já que cada instituição religiosa precisa

manter seu núcleo e seus fieis, mas também se percebe uma convivência a

despeito dessas instituições que é de comunicação. Não se vê muitos limites

entre os ritos de cada religião, pois os praticantes de uma religião muitas vezes

partilham dos cultos de outra, seja na escuta ou na produção dos programas de

rádio ou nas reuniões e atividades que cada religião oferece.

Já no que se refere ao aspecto global do espiritismo na cidade, percebe-

se que a identidade do espírita palmelino chega a uma parcela do movimento

espírita brasileiro, mas também recebe interferências do programa delineado

pela SODEAS, a saber, breves mudanças na programação do centro espírita

com a mobilização de atividades por eles propostas e no investimento direto na

construção de um museu voltado ao turismo religioso.

O que denomina-se como identidades glocais aparece à medida que não

apenas o morador se identifica como um cidadão da cidade espírita. O espírita

que chega a Palmelo muitas vezes estabelece residência, outras vezes passa

a considerar Palmelo para além do que uma cidade representa, como um

“campo especial” pela paz que ali se encontra. Em contrapartida à imagem de

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um lugar de paz, multiplicam-se os depoimentos preocupados com a situação

administrativa da cidade. É consenso, até mesmo pelo prefeito, que a cidade

não está em boas condições de manutenção, pelo menos no período desta

pesquisa. Se bem que Palmelo nunca teve grandes desenvolvimentos, a não

ser pelo impulso inicial em torno de Jerônymo Candinho.

Por fim, é possível considerar que a identidade espírita comunica o

vínculo entre o sistema religioso e a cidade de Palmelo de modo o mais claro

possível, se fazendo obrigatoriamente presente como uma identidade glocal de

inferência nos processos de outras identificações religiosas, nas identificações

ligadas aos espíritas brasileiros e também naquelas dos cidadãos palmelinos.

A identidade espírita acontece como mediação simbólica entre os discursos do

movimento espírita brasileiro, das instituições palmelinas e das demais

expressões religiosas presentes na cidade.

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6. A CIDADE ESPÍRITA EM PALMELO

O estudo sobre a cidade espírita em Palmelo é o estudo de um símbolo

que vincula uma cidade a uma religiosidade específica. Isso significa que o

símbolo “cidade espírita” pertence tanto ao sistema de símbolos religiosos de

uma identidade espírita quanto à dimensão simbólica da cidade de Palmelo. Ao

compartilharem um símbolo – aliás, o símbolo que centraliza as relações

sociais na cidade –, os sistemas simbólicos estão se comunicando. Mas até

que ponto vai esta comunicação?

Partimos da teoria de sistemas sociais de Niklas Luhmann, segundo a

qual a sociedade é formada por sistemas, ou seja, estruturas que têm a dupla

capacidade autônoma de existir e funcionar. Para isso, de modo central, os

sistemas precisam, principalmente, de comunicação. Comunicam-se

internamente para garantir seu próprio funcionamento. Assim, a religião

constitui um sistema que opera segundo os dogmas próprios a cada

denominação. Também a cidade constitui um sistema operando as diferenças

que nela convivem. Outros sistemas constituem o sistema social de Palmelo ou

de qualquer outro lugar, dado que a sociedade é como que um sistema de

sistemas (política, mídia, educação, direito etc). A existência dos sistemas é

altamente improvável, já que significam uma espécie de ordem sobre o mundo

natural (caótico). Ainda assim, eles existem. Para sobreviver, precisam se

garantir lógicos. Assim, também sua comunicação com outras lógicas

representam uma ameaça à lógica interna de um ou de outro sistema. Mas a

representação de “cidade espírita” é como que a união dos dois sistemas a que

nos referimos, a cidade e a religião.

Tratando-se de uma representação tão significativa para os moradores

da cidade e, ao mesmo tempo, para grande parte dos espíritas (mais ainda

para os moradores espíritas), a “cidade espírita” é um símbolo e assim foi

tratado durante toda esta dissertação. Então, ao tratar de sistemas, o fazemos

com uma especificidade: a evidência de comunicação da qual partimos se

refere a sistemas simbólicos.

Os sistemas simbólicos são uma forma de entender aquilo que, a

despeito de tantas formas de conceituar, chamamos de cultura. Assim, para

definir nosso método de análise cultural, convocamos desde os dois primeiros

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capítulos a matriz conceitual de antropólogos como Geertz (2008) e Brandão

(1985). Consideramos que a compreensão metodológica parte do modo

mesmo como somos capazes de introduzir o problema de pesquisa e todo o

trabalho no capítulo 1 e se define conceitualmente no capítulo 2.

Podemos dizer que o caminho desta pesquisa compreendeu a revisão

conceitual acerca da comunicação dos sistemas simbólicos, a revisão histórica

acerca de Palmelo e do espiritismo e as técnicas de observação direta, análise

documental e entrevistas em profundidade. Tais técnicas foram compreendidas

no escopo do materialismo histórico, que considera a materialidade dos

símbolos religiosos (WILLIAMS, 1992) e a construção dos espaços

(LEFEBVRE, 1999). Uma análise cultural é sempre única, pois ao contrário da

característica de descobrir leis universais, própria das ciências naturais e

exatas, as ciências humanas e sociais desvelam a experiência filosófica da

reflexão a partir de consciência histórica, ou seja, do contexto. Assim, interessa

o dado temporalizado e espacializado. Porque não dizer, neste trabalho,

antropologizado.

Pela perspectiva que anunciamos, o primeiro passo, após a revisão

conceitual, foi narrar a história que produziu a realidade agora estudada.

Dialeticamente, narramos a história de Palmelo até o momento atual em que se

mantém seu vínculo com o espiritismo, mas também a história do espiritismo

com os dados que identificamos serem significativos para seu vínculo com a

cidade de Palmelo. Isso foi feito no capítulo 3.

Localizada na região da estrada de ferro, ao sudeste de Goiás, vimos

que a cidade de Palmelo não se enquadra nos padrões históricos de sua

região. Aliás, é a única cidade no mundo, pelo que se tem notícia, que surgiu

em torno de um centro espírita. Antes da construção do Centro Espírita Luz da

Verdade e, portanto, antes da existência da cidade de Palmelo, o território fora

um engenho de escravos, lugar que servia de passagem para os tropeiros que

se dirigiam a Santa Cruz de Goiás ou à Cidade de Goiás, ambas dentre as

primeiras habitações do período colonial neste estado. À cidade, desde o início

do século XIX, chegaram fazendeiros paulistas em busca de terras. Como local

de passagem e pouso, a tradição que alguns deles – Capitão Gervásio e seu

neto Josino Cândido Branquinho – trouxeram do trabalho homeopático já

começava a demarcar a tendência da região à cura espiritual. Outro –

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Francisco de Paula – trazia já o contato com a doutrina espírita pelas vias de

Eurípedes Barsanulfo em Sacramento (MG) e hábitos de culto com o

Evangelho Segundo o Espiritismo.

Pela via das influências de Eurípedes Barsanulfo é que viria mais um,

Jerônymo Candinho. Antes da chegada, em 1936, deste que foi o maior líder

político e espiritual de Palmelo, o CELV já estava fundado (desde 1929) e

habitantes de Palmelo já tinham contato com ele, em busca das curas que

promovia. Disso, surgiram mitos fundadores como a cura da doença conhecida

como “fogo selvagem” em Dorcelino Damásio. Apontamos também como é que

Palmelo fora planejada e construída a partir de instituições espíritas em seus

limites territoriais pela ação matricial de Candinho e dos espíritas da localidade.

Notamos que a predominância católica de Santa Cruz de Goiás

inicialmente afastou os espíritas do centro da cidade. Há aproximadamente

cinco quilômetros dali é que surgira o CELV e, em seu entorno, a cidade de

Palmelo. Dessa vez, era a igreja católica na nova cidade que era construída às

margens (na verdade, em território santacruzano, nas terras doadas pela

família Contart, no limite com o território do município palmelino). Atualmente,

tais conflitualidades aparecem simbolicamente negociadas, como no caso do

acordo exegético entre espíritas e católicos acerca da padroeira/mentora da

cidade no nome de Santa Maria Madalena. Os evangélicos inauguraram uma

dezena de igrejas, vindas das mais diversas fontes, desde ex-espíritas até

novos habitantes da cidade.

Os umbandistas participam da atividade espiritual na cidade em

constante contato com o espiritismo kardecista, já que desde o princípio muitos

médiuns atuam tanto em casas espíritas quanto em casas umbandistas. O

CELV não se vincula à Umbanda, apesar de contar com umbandistas em seu

corpo mediúnico. Os espíritas em Palmelo adotam a discursividade

hegemônica do espiritismo brasileiro que, como se sabe, é demarcada pelas

considerações acordadas no Pacto Áureo (a unificação do espiritismo em torno

da não ritualidade e do estudo da literatura espírita kardecista, com a intensão

separatista com relação à Umbanda e vertentes similares). A despeito disso, a

mediunidade pública, a desobsessão coletiva e o rito da corrente magnética

reaproximam aquelas características que se confundem à Umbanda.

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O espiritismo é uma doutrina com pouco mais de um século e meio de

existência e nasce em seio positivista europeu. De sua obra fundante em 1857

(O Livro dos Espíritos) a pretexto de movimentos espiritualistas anteriores até

sua chegada ao Brasil nos últimos anos do século XIX, sobressaem seus

valores religiosos que o pretendem vincular ao Cristianismo. Em meio a uma

classe de pessoas letradas, em lacuna deixada entre o catolicismo e as

religiões de origem africana no país, ocorre o que Signates (2014) entende

como a institucionalização do espiritismo sob a figura de Bezerra de Menezes e

da Federação Espírita Brasileira.

Na história do espiritismo brasileiro, registramos o papel de agentes

como os médiuns mineiros Chico Xavier e Eurípedes Barsanulfo.

Interessantemente, Chico Xavier, o mais importante médium brasileiro, nunca

se deixou institucionalizar. Suas práticas e seus livros é que, ao contrário,

determinaram muito do que toda instituição espírita faz atualmente. Assim

também podemos observar que as atividades de Eurípedes Barsanulfo em

Sacramento se baseavam plenamente em Kardec, mas assumiam a conotação

ritual própria carregada por discípulos como Jerônymo Candinho, que levou a

corrente magnética à Palmelo como método de doutrinação e desobsessão

coletiva. Assim, Palmelo é como que uma subcorrente do espiritismo brasileiro

que herda tais características, encontrando hoje indícios de institucionalização,

a partir do contato com a parcela do MEB representada pela SODEAS na

realização das CONCAFRAS-PSE país afora. Defendemos, assim, que se

constituiu um movimento espírita palmelino. O sistema religioso ocorre sob

seus padrões rituais e discursivos. Os mesmos padrões que atualmente

começam a ser negociados com uma vertente do espiritismo brasileiro,

diferenciada, mas assimilada pela FEB. A SODEAS divulga amplamente a

corrente magnética e a cidade de Palmelo como capital espírita do Brasil, mas

ao mesmo tempo promove na cidade os efeitos da unificação do espiritismo,

típicas do Pacto Áureo. O momento em que se concretiza a CONCAFRAS-PSE

em Palmelo (fevereiro de 2016) demarca esse ponto de virada em que a

identidade espírita diferencial de Palmelo se deixa esvair sob a tutela da

SODEAS.

Essas relações são estruturais e, portanto, se referem ao sistema

religioso do espiritismo palmelino. Já consideramos que o sistema não só

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depende e é desafiado pelo seu entorno, como também depende da ação

social. Por isso, destacamos o papel de líderes religiosos que, em sua maioria,

despontaram pelos “dons” mediúnicos, caracterizando o perfil weberiano do

“profeta”, como um agente religioso que lidera pelo conhecimento sobrenatural.

No momento em que identificamos historicamente a maior aproximação da

SODEAS na cidade provocando o referido processo de assimilação nota-se

também que a liderança espírita local abranda o perfil do profeta e aproxima o

perfil do sacerdote, aquele agente que bem administra o sistema religioso.

No capítulo 4, elaborou-se uma descrição densa a respeito dos espaços

palmelinos. A “cidade espírita” constitui uma espacialidade própria como

símbolo, pois é dotada de materialidade e de significação. Sua materialidade se

constitui no conceito que se impregna à representação da cultura palmelina e

nos espaços e instituições por ela motivados. Sua significação provém das

práticas rituais que as primeiras famílias espíritas ali estabeleceram e da

narrativa espiritual que, com o tempo, foi se desvelando. Esta é a noção que

nos permite retirar a noção de “cidade espírita” do lugar de uma representação

dada para questionar o modo como esta se produziu.

Demonstramos que uma espacialidade assim não se constitui

avulsamente, mas, pelo contrário, as estruturas simbólicas encontradas se

justificam historicamente. Leão (in HEIDEGGER, 1967, p. 14) diz que “a

Essência da Historia é a dinâmica dessa estruturação”. Defendemos que há um

movimento espírita palmelino porque este se mostra na história construindo a

cidade e construindo uma causa espírita para além dela, desenvolvido com

modos próprios de trabalho ritualístico, que hoje se disseminam entre debates

doutrinários no país e na localidade. Alguns autores contemporâneos chamam

isso de recursividade da cultura.

Além da descrição dos espaços da cidade material, que denotam sua

produção cultural, consideramos largamente os espaços simbólicos

constituídos pela cidade espiritual a que Palmelo, segundo os espíritas, se

vincula, a Colônia Espiritual Nova Esperança. Destacamos, com isto, a partir de

Luiz da Silva (2012), que é próprio do espiritismo idealizar a cidade perfeita,

como fora feito por Chico Xavier com a divulgada cidade espiritual denominada

“Nosso Lar”. Descobrimos, sob diversas fontes (artísticas, populares e

históricas), que o imaginário de cidade que se constitui em Palmelo é similar ao

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de Nosso Lar: uma organização perfeita do mundo espiritual comandando a

vida na Terra, com os mais puros ideais de evolução, tecnologia e

modernidade ainda que em espaços pequenos, como a cidade de Palmelo, que

consideramos como um pequeno centro no mundo globalizado.

Mas que tipo de simbolismo caracteriza o sistema simbólico da “cidade

espírita”? O espiritismo é uma denominação religiosa e o qualificativo “espírita”

é atribuído àqueles que elegem esta identificação. Como se trata obviamente

de uma forma de vínculo social (que também figura como uma definição para o

termo comunicação), esta identidade – sempre relativa e processual – é que

faz a mediação simbólica entre os sistemas da cidade e da religião em

Palmelo. Ou seja, a identidade é o “entre” desta comunicação.

A identidade cultural, a julgar pelo contexto de seus teóricos mais

eminentes, é um tema moderno, que se liga ao sujeito, ou seja, àquele que é

um indivíduo único que elege com o quê se identificar ainda que esteja “sujeito”

às atribuições relegadas pelo meio em que vive, enfim, pela comunidade.

Assim, a identidade já nasce como identificação, como uma identidade possível

em processo, relativa às escolhas e contingências, referências que se

complexificam justamente pelo advento da globalização – que, conforme

ressaltamos durante o trabalho, nos faz considerar Palmelo não como uma

comunidade isolada e resistente ao movimento global, mas como um pequeno

centro, já que a globalização inculca também esta fragmentação e um certo

retorno da identidade, conforme Correa (1999) e Castells (1999).

A partir do momento em que existe uma identidade que gera

pertencimento aos sujeitos, forma-se uma comunidade. Isto é o que as teorias

da modernidade e do desenvolvimento definem. Mas vimos que a identidade

cultural existe enquanto relação, enquanto identificação. A identidade espírita,

enquanto uma essência ou substância, assume o papel de mediar e, porque

não, enclausurar ou promover um fechamento nas relações comunitárias em

Palmelo.

Para a análise que procedemos no capítulo 5, aprofundamos essas

noções. Observamos que aos sistemas simbólicos e à identidade cultural que

lhes faz a mediação se opõem ambientes de comunicação (de relação, que

tornam relativos aqueles sistemas) que ameaçam ao mesmo tempo em que

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são necessários à sua existência, como consta na teoria de sistemas sociais

sob o conceito de “entorno do sistema”.

Por esta razão, à luz da teoria de comunidade em Yamamoto (2014) e

Sodré (2014), podemos reavaliar o conceito de comunidade não como aquilo

que se forma em torno do pertencimento a uma identidade. Apesar da assertiva

deste conceito clássico, acreditamos que a comunidade não é aquele sistema

que se fecha pela identidade (o sistema religioso fechando a cidade à sua

doutrina), mas sim o entorno que desafia essa identidade. A comunidade é o

espaço dessa experiência em que se torna relativa e possível a identificação.

Yamamoto (2014) afirma que, ao modo clássico, a comunidade como

agregação em torno de uma identidade vem da teoria da modernização, um

olhar europeu sobre as realidades tribais e consideradas primitivas. Quanto

mais a sociedade se complexifica, como exposto também na teoria de

sistemas, mais a comunidade perderia sua razão de ser. Santos (2010), de

fato, constatou que o projeto do comunitarismo perdeu para o projeto da

modernização. Isso quer dizer que as formas sociais se burocratizam e se

complexificam cada vez mais no mundo ocidental. Dizer que isto é o fim da

comunidade, enquanto continuam a surgir formas como a de uma “cidade

espírita” na atualidade, me parece ser o dominante, mas não o mais acertado.

Aliás, é por isso que Yamamoto (2014) faz o movimento ontológico de

ampliação do conceito de comunidade, para tratar não apenas dos

agrupamentos que a teoria de modernidade considerou serem formas

primitivas e menos complexas, mas também das sociedades complexas dos

condomínios fechados ou dos territórios fundados (e dos fundamentalizados81)

pela religião – como tanto pode ser o exemplo de Palmelo no primeiro caso,

quanto o de Israel em nível macrossocial no segundo caso.

Em resumo, optamos por entender a comunidade como uma relação de

experiência social, ou seja, como o espaço de comunicação. A comunidade,

assim como a cultura e a sociedade, portanto, são conceitos que agregam uma

variedade de formas e resoluções a partir das diversas escolas teóricas e

disciplinas. Mas se observarmos o aspecto que lhes dá na conjugação à teoria

81

Neologismo para dizer dos fundamentalismos.

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de sistemas, podem ser observados como âmbitos em que se torna possível

analisar a comunicação entre sistemas simbólicos.

Afinal, os símbolos são produtos comunicacionais. A sociedade, para a

teoria de sistemas, é feita de comunicação. A comunidade, como acabamos

por defender, é um espaço de comunicação. A cultura é operada pela

comunicação. E somente os sistemas é que, precisando comunicar-se, feitos

de comunicação, tendem a não se comunicar para que não sejam extintos.

Desse modo, metodologicamente encaminhamos que, se os sistemas da

religião e da cidade se comunicam, eles o fazem na conflitualidade com pelo

menos três âmbitos (que nos servem mais como categorias de análise e que

Godelier (2012) instituiu como sendo três modos de entender as identidades

em conflito): a sociedade, a comunidade e a cultura. Pelo modo como se

articulam à teoria de sistemas, foram denominados como âmbitos de

comunicação entre sistemas simbólicos.

De certo modo, entendemos que o material sobre demografia, legislação

e patrimônio histórico e cultural se referia a um nível de racionalização típico do

que denominamos “âmbito de comunicação da sociedade”. Assim também,

aqueles materiais colhidos no registro dos eventos religiosos e em suas

espacialidades constitutivas indicaram-se como elementos do “âmbito de

comunicação da comunidade”. E, por fim, as questões de identidade cultural,

perscrutadas durante as entrevistas realizadas, corresponderam ao “âmbito de

comunicação da cultura”. Estes âmbitos permitiram ver os limites entre os

símbolos colocados pela cidade e pela religião. Por meio destes âmbitos

analisamos como que aquilo que é compartilhado no entorno dos sistemas

religioso e citadino. Ou seja, pontuamos aspectos que dizem respeito tanto à

religiosidade espírita quanto ao município de Palmelo, mas principalmente que

dizem respeito ao que está entre eles, à sua mediação simbólica. Ressaltamos,

portanto, a especificidade assumida nesta pesquisa: se avaliamos a

comunicação dos sistemas sociais, os fazemos especificamente a partir do que

há de mais comunicacional, o campo simbólico destes sistemas.

Âmbito de comunicação da sociedade

O primeiro âmbito de comunicação que apresentamos foi o da

sociedade. Começamos por apontar a dissociação existente entre o perfil do

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espírita brasileiro e aquele do espírita palmelino. À contramão do perfil de

classe média altamente escolarizada que predomina entre os espíritas no país,

na cidade de Palmelo os adeptos desta religião não se destacam por este

crivo. Os espíritas palmelinos têm o mesmo nível de instrução que o restante

da população local. Assim, o nível da instrução dos espíritas não constitui,

demograficamente, moeda valorada no vínculo entre esta denominação

religiosa e a cidade.

Por outro lado, quando analisamos a incidência política da cultura

espírita na Lei Orgânica do Município, percebemos já o princípio de sua

hegemonia na estrutura social. Entre o primeiro texto da lei datado de 1956 e

sua única atualização em 2011, destacamos a permanência dos enunciados

que reforçam esta hegemonia, mas eufemizados de acordo aos princípios

constitucionais, principalmente àquele do Estado laico. Assim, o que era

definição direta da cidade como lugar espírita manteve-se figurado como

“vocação de centro turístico religioso”. Portanto, afirmamos que o campo do

direito constitui um dos tensionamentos no âmbito de comunicação da

sociedade em que prevalece a hegemonia espírita, ressalvada a

constitucionalidade.

Das garantias asseguradas à vocação religiosa da cidade de Palmelo,

destaca-se o embasamento para a constituição de seu patrimônio cultural.

Registramos o dado de que a maioria dos patrimônios na cidade são espaços

espíritas. Os outros são locais públicos desvinculados da questão cultural,

como é o caso das fachadas da delegacia e da prefeitura municipal.

Dialogamos com análises já empreendidas sobre a questão e, por incrível que

pareça, elas não denunciam o problema da vinculação da religião à cidade. Ao

contrário, Gonçalves da Silva, Medeiros e Otoni (2006) denunciam a criação

desses patrimônios culturais como estratégias políticas para neutralizar o poder

orgânico da religião enquanto se lhe garante o lugar da tradição. Por sua vez,

Carvalho, Borges e Nunes (2006) somam um certo estigma da loucura, que

assombrou a identidade palmelina fazendo o palmelino negar sua cultura. Pela

presença crescente de muitas pessoas com problemas mentais na cidade,

vindas de outras localidades, em busca de cura espiritual no Sanatório

Eurípedes Barsanulfo, Palmelo foi por muito tempo apelidada de “cidade dos

doidos”, o que concorria com a “cidade espírita”, que se firmou mais tarde, com

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o fechamento do Sanatório. Contudo, resultara disso que o povo palmelino

apenas formalizou, mas nunca cuidou de seus patrimônios. Como visto, a

literatura aponta para os patrimônios culturais palmelinos como garantias que,

sim, privilegiam legalmente os espíritas, o que se dá não em defesa desta

doutrina, mas de seu papel histórico na cultura local. Contudo, ambos autores

sentem que o palmelino não cuida de seu patrimônio porque a lei apenas

registra o que não se efetiva. Para nós, a preocupação dos autores é legítima à

medida em que o poder público deve sim se ocupar do patrimônio histórico e

cultural da cidade. Porém, deve-se destacar que, ainda que com o descaso

denunciado, o espiritismo não está sendo obliterado pelo poder público como

parecem sugerir. Pelo contrário, reconhece-se seu prestígio local e fornece-lhe

certa legitimação de ordem cultural ou, minimamente, uma concessão que lhe

autoriza a buscar meios de cuidar de seu patrimônio. Mas este patrimônio

cultural é do município ou dos espíritas? No que se refere aos espíritas,

aventa-se que estes são pouco afeitos culturalmente a tudo que é material, no

que se pode incluir a própria preservação de patrimônios e templos. Como

pôde ser observado, no âmbito de comunicação da sociedade, este é um

aspecto em tensão viva e atual, em que intelectuais e agentes públicos ainda

se posicionam.

Fruto de tais posicionamentos, mas também da abertura do movimento

espírita palmelino ao grupo da SODEAS no movimento espírita brasileiro,

surgiu o projeto para a construção de um Museu do Espiritismo e um Centro de

Cultura Jerônymo Candinho. O projeto é capitaneado pela SODEAS em

parceria com o CELV, não sem dissenções. Analisamos que a cidade de

Palmelo nunca foi vista como uma cidade turística, apesar de isto ser apontado

como vocação da cidade pela Lei Orgânica do Município. Na verdade, sempre

se registrou a figura constante do visitante, que busca a cura espiritual. Com

tais projetos, como demonstra a monografia de Gomes (2010), o visitante

passa a ser turista. Ou, ainda, os dois perfis convivem. Assinalamos há pouco

que o âmbito de comunicação da sociedade palmelina é demarcado pelo

problema da falta de atenção pública a seus patrimônios, mas que isso

constitui um problema atual e agora vimos que, à incisão que representa a

SODEAS, o movimento espírita local age criando outra forma de preservação

histórica (a nosso ver, uma preservação mais particular e religiosa do que de

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ordem pública e municipal, já que o Museu do Espiritismo visa abrigar a história

de Palmelo como um trecho da história da doutrina). De todo modo, o que se

pontua é somente a forma que a hegemonia espírita – garantida – assume.

Consideramos que o âmbito de comunicação da sociedade mais desafia

o sistema simbólico da cidade que o da religião. Apesar de não coincidirem os

perfis dos espíritas brasileiros e palmelinos, o aspecto legal constitui

precedentes para a hegemonia espírita, reconhecendo seu papel histórico na

cidade e promovendo tensionamentos a respeito do modo como o patrimônio

cultural é cuidado. Enquanto o poder público responde com certo descaso

denunciado por estudiosos apesar dos tombamentos, a instituição religiosa não

parece necessariamente atenta com a preservação da história local, mas o

movimento espírita age para transformar mais um espaço espírita na cidade,

um espaço que interfere no lugar do visitante ou do turista nesta sociedade.

Assim, notamos muitas concessões do sistema citadino, mas poucas são

necessárias por parte do sistema religioso. Disso se deduz que o ambiente em

que esta comunicação se dá desafia mais a cidade, enquanto a religião

mantém seus códigos internos, tendendo à incomunicação que, inclusive, não

lhe chama a atenção para a necessidade cultural da prioridade que

representaria seu próprio patrimônio cultural para a cidade.

Âmbito de comunicação da comunidade

O segundo âmbito de comunicação que analisamos foi o da

comunidade. A princípio, ressaltamos que o cotidiano espírita na cidade é

intenso. Todos os dias em todos os períodos de cada dia há atividade espírita

programada em Palmelo. Além disso, há uma série de “trabalhos” não

programados, como quando alguém da comunidade ou algum visitante solicita

a realização de uma prece e os médiuns se organizam para tal em qualquer

local. A prática da caridade também ganha destaque neste cotidiano. Existe a

noção de um dever comum que não necessariamente está institucionalizado

em torno dos espíritas. Neste âmbito, reafirma-se a coletividade das ações

sociais que, contudo, já apresentou vínculo maior, segundo os entrevistados.

Se a identidade espírita é moeda relativa no cotidiano da cidade e

prevalece uma experiência comunitária, no que se trata especificamente da

comunicabilidade religiosa observamos que são demarcados eventos de

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convívio e acordo entre católicos e espíritas como a Missa Campal em

homenagem à Santa Maria Madalena, de iniciativa dos católicos; e eventos de

confraternização extracotidiana entre os espíritas como a semestral Semana

Espírita de Palmelo. De modo menos institucional, há uma relação de

proximidade entre umbandistas e espíritas principalmente em torno do discurso

e da prática mediúnica da cura e do atendimento a todos que chegam à cidade.

Os evangélicos são os que mais templos construíram e convivem com quase

nenhum conflito religioso, ainda que a todo o momento todas as religiões

pareçam ser convocadas a responder pela presença espírita hegemônica na

cidade.

Outras relações foram observadas. Festividades populares como a

Festa do Mané do Gato reorganizam o espaço de acordo às relações de

apadrinhamento e parentesco, pois é nesta festividade que ocorrem batismos

que não os das instituições religiosas já mencionadas. Grande parte da

população local certamente já foi um dia batizada na fogueira pela “Dona

Nicola”, inclusive o autor desta pesquisa. Reafirma-se assim um senso

comunitário.

O âmbito de comunicação da comunidade palmelina remete às

possibilidades de abertura e fechamento, conforme vimos durante a discussão

teórica do trabalho. Pontuamos então que a identidade espírita promove um

fechamento nas possibilidades comunitárias e, em troca, oferece benefícios

com a cura pela mediunidade e as ações de caridade que atendem a todos

independentemente do vínculo religioso. A partir disso, instituições como a

igreja católica forjam uma abertura que demarca momentos de coesão

exegética com o espiritismo, os umbandistas se deixam assimilar e representar

pela ambiência da “cidade espírita” e os evangélicos convivem posicionando a

relevância de suas instituições religiosas a despeito da hegemonia espírita.

Assim, pudemos dizer que o diálogo interreligioso ocorre, mas de modo

diferente com cada denominação. De modo geral, o sistema religioso espírita é

passivo e não se deixa interferir. Institucionalmente, os evangélicos pouco

procuram contato com os espíritas e é a igreja católica quem convida a

instituição espírita para uma demarcação exegética entre as duas. Já os

umbandistas aparecem assimilados como espíritas, não procuram se sobrepor

e tampouco deixam de se identificar. Assim, ocorrem aberturas previstas entre

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as religiões. As formas populares que se distinguem demarcam uma

experiência comunitária de proximidade e dever comum, com pouca

comunicabilidade estruturante das instituições, mas com ampla participação de

praticantes de todas as religiões. Ocorre geralmente o que Brandão (1985, p.

199) com base em Victor Turner, chama de “instante de communitas”. Em

resumo, o cotidiano espírita fecha a estrutura comunitária e as religiões

programam aberturas funcionais em meio a momentos de vinculação alheios a

suas estruturas. Neste âmbito, portanto, observamos que as estruturas

concorrem para maior institucionalização das ações sociais e ameaçam os

instantes comunitários. O sistema religioso é estruturante dessas relações

enquanto se deixa ameaçar pelas formas comunitárias, mas o sistema citadino

é que impõe a necessidade de uma estrutura assim formalizada justamente

porque se vê ameaçado por simbolismos diversos em negociação e que,

formalizados como na Missa Campal, geram alguma estabilidade.

Âmbito de comunicação da cultura

O terceiro e último âmbito de comunicação que separamos para análise

é o da cultura. Primeiro, encontramos na identidade do espírita palmelino o

vínculo de fé gerado pelo sofrimento por questões de doença material ou de

obsessões espirituais. Em segundo plano aparecem identificações por

delegação e planejamento espiritual, como a crença na missão que tem a

desempenhar. E, por fim, aquelas identificações por escolha pessoal da

religião.

Um segundo ponto abordado neste âmbito foi o modo como a identidade

espírita se assume diante de outras denominações religiosas. Observamos

uma convivência saudável e flexível como característica do contemporâneo

religioso, conforme Willaime (2012). Prevalece o valor de que todos têm direito

à cidade.

As relações dessa identidade palmelina com a identidade do espírita

brasileiro foi um dos pontos centrais de toda a análise. Assinalamos que os

espíritas palmelinos assumem toda a discursividade própria do MEB, mas

diverge deste em alguns pontos, sendo os principais deles a prática ritual da

corrente magnética e a preocupação com um território material além do mundo

espiritual. Isso se deu durante toda a história de Palmelo. Consideramos que o

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momento atual é um começo de assimilação em que o sistema religioso local

se abre e é ameaçado em seu modo de funcionamento. Pelo movimento

padrão da institucionalização religiosa nos moldes descritos por Signates

(2013) esta assimilação deve ocorrer.

O último ponto de análise cultural foi a noção de uma identificação

glocal. Trouxemos esta noção à medida que a ideia de uma mediação entre

identidades locais se hifenizam a identificações globais. Essa mediação

simbólica é produzida pela identidade espírita.

Consideramos enfim que o âmbito de comunicação da cultura palmelina

tem justificados motivos de vinculação espírita que, enquanto ambiente para o

sistema da cidade pouco demanda interferências no funcionamento da cidade

já que o direito à cidade se sobrepõe, bastando para isso que este sistema

fornece ao ambiente cultural o reconhecimento. Com relação ao sistema

religioso, esta identidade também deixa ver a força do sistema que lhe

assimila. Se a identidade espírita se afirma fazendo prevalecer o direito à

cidade como obra comum e permitindo ao sistema religioso atuar na

estruturação, temos uma justificativa para o constante tensionamento de

aberturas e fechamentos que promovem uma “cidade espírita”, pois esta

identidade mantém a autonomia dos dois sistemas enquanto hegemoniza sua

mediação.

***

Para estas considerações finais, vamos nos valer de uma sistematização

proposta por Santos (2010) no que se refere a esses três âmbitos (sociedade,

comunidade e cultura) em uma de suas análises da sociedade portuguesa.

Para o autor, 1) os limites entre cultura e Estado não coincidem, 2) “nenhuma

cultura é indiscriminadamente aberta” e 3) “a cultura de um dado grupo social

não é nunca uma essência”. Podemos confirmar essas noções que nos

remetem ao que sempre tivemos em perspectiva ao analisar uma pequena

cidade de interior goiano por meio de uma problemática tão densa como a das

noções da teoria de sistemas sociais. Procuramos conjugar, em todos os

momentos, o que foi possível em termos de sistema e de ação social. “É uma

autocriação, uma negociação de sentidos que ocorre no sistema mundial e

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que, como tal, não é compreensível sem a análise da trajetória histórica e da

posição desse grupo no sistema mundial” (SANTOS, 2010, p. 148).

Aplicadas à cultura palmelina, estas orientações significam muito

sucintamente o seguinte. Em primeiro lugar, a cultura palmelina não se esgota

na cultura dos palmelinos e, vice-versa, a cultura dos palmelinos não se esgota

na cultura palmelina. Em segundo lugar, as aberturas específicas da cultura

palmelina são, por um lado, o espiritismo brasileiro e, por outro, as cidades da

região da estrada de ferro e, até certo ponto, a outra religiosidades. Em terceiro

lugar, a cultura palmelina é a cultura de uma cidade do interior de Goiás, mas

também da única cidade espírita do mundo, assim justificada no trajeto

ideológico desta doutrina da América (do Norte) à Europa e, de volta, à

América (do Sul). Deste modo, compreendemos a comunicação entre sistemas

simbólicos nos três níveis:

1) Sociedade: Localizado mundialmente, como cidade, não apresenta

nenhuma relevância a mais que as mais de três mil pequenas cidades

brasileiras. Como cidade dos espíritas, acaba se tornando um ponto especial

de referência e ideário, mas nem sempre conhecido no meio espírita brasileiro.

2) Comunidade: Quando se abre ao espiritismo brasileiro, torna-se

espaço de apropriação a fim ao imaginário desta doutrina, em negociação

constante com seu movimento espírita próprio; Quando se abre à região

geográfica a que pertence, Palmelo é uma cidade de pouca expressividade

econômica, representada por sua história incomum e sua fama de cidade dos

doidos; Quando se abre a outras religiosidades, é que tem uma tendência ao

cotidiano religioso, ainda que variado em suas crenças e rituais.

3) Cultura: A cultura palmelina é aquela fornecida principalmente pela

representação como cidade espírita, não integrando a totalidade da cultura dos

palmelinos. Já a cultura dos palmelinos é seu cotidiano, intensamente marcado

pela cultura palmelina, mas com inúmeras outras características e fontes

identitárias.

Olhando criticamente, é essa localização cultural pela via do imaginário

espírita sobre a cidade que lhe garante uma hegemonia nas relações

comunicativas sempre necessárias no âmbito político-social e no âmbito

dialogal-religioso. Foi isto o que aquele movimento espírita que fundou Palmelo

fez: agiu politica e socialmente pela emancipação (no âmbito da sociedade),

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negociou antes e negocia atualmente as necessidades espirituais com as

lideranças religiosas da região (no âmbito da comunidade) e se tornou

hegemônico ao dispor de ações e ritos próprios capazes de fornecer e disparar

processos de identificação glocais durante sua história (no âmbito da cultura).

Tomando por base que “pesquisas desenvolvidas com o uso da técnica

de entrevista em profundidade permitem ao analista gerar sugestões e críticas

sobre o tema de estudo” (DUARTE, 2010, p. 81), ressaltamos aquilo que

também foi a perspectiva teórica do trabalho. A cidade é demarcada

hegemonicamente por seu movimento espírita, mas é importante a abertura ao

diálogo e às diversas expressões religiosas, tanto para manter vivo o senso

comunitário (glocal), quanto para a manutenção ou não dessa hegemonia, mas

sem nunca negar-lhe a história, nem que para isso seja necessário reafirmar-se

dentro do próprio movimento espírita contra as assimilações (caso da

SODEAS) ou refutações (caso da FEB) de suas práticas e crenças, pois “o

direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou

de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida

urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 2001, p. 117).

Ao nível de sociedade, comunidade e cultura, pode-se dizer que este é o

vínculo entre sistemas simbólicos. Mas ao nível especificamente religioso, ou

seja, para além da religião como instituição ou como identidade em conflitos,

Palmelo apresenta aquele incontestável vínculo que, a despeito de tanta

secularização, sempre sobreviveu aos tempos: “O sofrimento é o que vincula

os seres humanos”. Já ressaltamos que as muitas histórias ligadas à Palmelo

são histórias em busca da cura física, psicológica e espiritual. Mesmo que se

referindo a outros contextos mais graves, Oliveira (2015, p. 86) faz jus a estas

tantas histórias que ali acontecem, quando diz que “não há dúvida de que lá

onde a dor e o sofrimento são tamanhos, lá as experiências religiosas e éticas

precisam dialogar, discutir e encontrar soluções adequadas para cada contexto

e cultura”.

Consideramos, assim, que como dizia Jung (2008), os símbolos são

sempre uma tentativa de comunicação de opostos. São sempre uma

reconciliação e uma união de elementos antagônicos, uma comunicação de

sistemas incomunicáveis. Assim, a “cidade espírita” em Palmelo é a

comunicação entre os sistemas simbólicos da cidade e da religião.

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A partir da pesquisa realizada, surgem ou ressurgem inquietações e

perspectivas que devem ser apontadas principalmente ao finalizar cursos como

o de mestrado, fase de iniciação no mundo acadêmico. Muito do que se

esboçou a partir dos dados de pesquisa se fez a partir dos pressupostos

teóricos urgidos principalmente das influências teóricas da teoria de sistemas

sociais, da antropologia geertziana e do materialismo histórico. Podemos olhar

para trás e perceber o primeiro como uma fonte conceitual e problematizadora,

o segundo como método concreto e o terceiro como uma espécie de óculos

constituinte do olhar do pesquisador.

Esse cruzamento teórico ofertou muitas possibilidades, mas também

dúvidas que o humanismo contido no materialismo gera a respeito das muitas

considerações a respeito de como se estrutura a sociedade por meio de

sistemas, debate em que ajudam autores como Jürgen Habermas e

Boaventura de Sousa Santos. Qual é mesmo o lugar da história, dos agentes,

das pessoas e das instituições que produzem a realidade simbólica que

identifica a cidade de Palmelo? É no entorno e nos âmbitos de comunicação

que propusemos? É em um ou outro sistema social? Que tipo de comunicação

há entre as pessoas quando os sistemas simbólicos se comunicam? Até que

ponto as pessoas ou as estruturas se condicionam mutuamente?

O problema clássico entre os níveis individual e coletivo remonta à

preocupação exposta pelas teorias de comunidade, resultantes da filosofia que

abria as portas da modernidade com autores como Rosseau. Durante toda a

pesquisa nos corroeu um questionamento sobre este conceito: uma

comunidade é formada por sujeitos ou os constitui enquanto tais? Se se trata

de uma questão ontológica, a tese doutoral de Yamamoto apresenta duas

raízes etimológicas e contextuais: a Gemeinschaft (termo alemão que remete à

comunidade da teoria weberiana, oposta à sociedade moderna) e a

Communitas (termo em latim que remonta o significado arcaico com base nas

ideias contemporâneas do italiano Roberto Esposito, como um comum

humano, como uma experiência originária de ser humano: o ser-com-ai ou

Mitdasein). Tendemos sempre a esta última noção durante esta dissertação por

compreender que a identidade espírita em Palmelo pode até reunir as pessoas

ao seu redor para formar o que normalmente se entende como comunidade,

mas porque e como foi que esta comunidade tornou-se identificável ali, naquela

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cidade, com aquelas pessoas? O humanismo que Martin Heidegger identificara

com maior exatidão no materialismo histórico de Karl Marx faz pensar que a

comunidade não é estrutura.

Antropólogos que nos serviram bibliograficamente como Victor Turner,

Carlos Brandão e talvez Clifford Geertz também concordariam com a oposição

do conceito de comunidade não à sociedade moderna, mas às formas

estruturadas da sociedade, que correspondem ao que Esposito chama de

“imunizadas” (ao contrário de “comunizadas”). Apesar de uma grande

preocupação acerca desta questão nos ter ocupado sempre, ela deixou de ser

o aspecto central da teoria deste trabalho e foi tratada resumidamente na

discussão sobre um dos três âmbitos de comunicação entre sistemas

simbólicos. Ainda assim, pouco da realidade empírica a que nos referimos

solicitava mesmo essa definição conceitual prévia. A ontologia serviu para

alargar as possibilidades reflexivas a respeito do fenômeno comunitário, mas

saber em que medida o mundo empírico solicita um conceito ampliado de

communitas permanece como uma questão aberta.

A realidade simbólica como objeto da comunicação também nos permitiu

cursar um caminho de imaginação teórica. Se a antropologia já estuda a

cultura, se as ciências da religião constituem uma especificidade temática, se a

sociologia já afere o ordenamento que os símbolos invocam, sempre pareceu

necessário um reforço de pensamento para imaginar em que a teoria da

comunicação favorece os questionamentos de pesquisa científica. O que nos

foi possível perceber e permanece como projeto epistemológico é que o campo

e o objeto comunicacional acabam se refletindo passo-a-passo, como uma

ciência reflexiva acerca do comum (Muniz Sodré defende a Comunicação como

ciência do comum). O problema da incomunicação dos sistemas pareceu se

somar muito bem à especificidade do simbólico, mas temos claro que não é

uma questão que ficou resolvida até por não ser o foco do trabalho. Mas

acreditamos que um problema como o nosso solicitaria uma teoria dos

sistemas simbólicos que desvele como é que os símbolos se articulam a

sistemas. Ambos os conceitos nos parecem matérias primas para o campo

comunicacional, mas enquanto os símbolos normalmente são tratados como

fruto de um ou de outro processo da comunicação, os sistemas trazem

essencialmente o problema oposto, o da incomunicabilidade.

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Mas aproximemo-nos mais daquilo que de fato nos compete, a questão

colocada sobre o vínculo entre a identidade espírita e a cidade de Palmelo.

Consideramos realizada uma tarefa de perscrutar o movimento histórico que

deu origem à cidade a partir de inúmeras pesquisas já realizadas por colegas

historiadores da cidade. Toda teoria tem um bocado de pretensão de

universalidade, mas ao buscar por correspondências, lembramo-nos

inicialmente de cidades como Trindade (GO) e Aparecida (SP), as quais estão

sendo pesquisadas também no campo da comunicação e dos estudos de mídia

por colegas mestrandos e doutorandos, ambas as cidades vinculadas ao

catolicismo. Mas o que consideramos como resultado da presente pesquisa foi

justamente que a comunicação entre os sistemas simbólicos tal qual ocorre em

Palmelo é fruto de uma mediação da identidade espírita, que imagina por si um

ideal de cidade e também de religiosidade contemporânea. Assim, agora

podemos nos perguntar por comparativos em nível da religiosidade espírita.

Como é que esta doutrina, seu contexto e suas ideias se relacionam com a

cidade?

Sabemos, conforme os estudos de Marion Aubrée e François Laplantine,

do roteiro geográfico percorrido pelas ideias espiritualistas nos dois últimos

séculos desde os movimentos espiritualistas norteamericanos até os países

europeus e, principalmente, a França, que é berço desta doutrina, até os

países sulamericanos, em especial o Brasil. Então, a identidade espírita tem

variantes tanto históricas quanto espaciais. Em que medida estas várias

possíveis feições de espiritismo puderam se relacionar com o problema urbano,

com a cidade e os agrupamentos humanos? O que é que determina toda esta

relatividade: é o ideário espírita que se vincula à urbanidade ou é o contexto

social que produz e permite brechas em que se encaixa a ideia espírita e

espiritualista? Aliás, é próprio do kardecismo ou há proposições ideológicas

parecidas no contexto que forma o imaginário espiritualista como um todo?

Que tipos de espiritualistas se relacionam com a materialidade que a cidade

fornece? Afinal, é a experiência religiosa um fator que conta para a mobilização

de espíritas na construção de lugares, templos ou uma cidade como Palmelo?

Esta experiência se estende a quais universos religiosos?

Daniel Quinn, escritor de ficção, mas também pensador contemporâneo

de naturalidade estadunidense, coloca a reflexão ecológica imensamente

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atrelada aos dados da religião e à ocupação de territórios na formação de

sociedades. Simplificadamente, ele considera que o problema da cultura é o

modo de vida do agricultor e do cristão. Esta cultura não se contenta em ser

uma cultura. Aliás, sua cultura é a da dominação e, por isso, as relações de

poder sempre podem ser enxergadas e denunciadas a fundo nos estudos

sociais. O que define o agricultor é o domínio sobre o território, que garante

plantio e colheita. O que define o cristão no mundo é a palavra conversão, ou

seja, ele busca que Jesus esteja em todo lugar e quer a todos salvar... com sua

crença em outro mundo. A dominação e o poder como ontologia da cultura

(qualquer cultura que assim identificamos atualmente) nasce quando o ser

humano produz o trabalho de não mais viver e morrer segundo o que o

ambiente lhe oferece, fazendo, com a agricultura, que o ambiente lhe forneça a

subsistência conforme a sua vontade e/ou necessidade. Hoje, este é o status

que Quinn atribui à globalização da cultura, que produz o consumismo,

inclusive o consumismo da cidade. A globalização implica em fazer da cidade

um produto a ser consumido. A “cidade espírita” é para ser visitada pelos que

querem os serviços espíritas. Mas o filósofo francês Henri Lefebvre demonstra

bem como é que o direito humano que todos têm de habitar a cidade depende

de sua natureza como obra do homem, a ser apreciada e vivida, não apenas

consumida. O que faz uma cultura religiosa ter possibilidades de constituir a

obra (comunitária) da cidade e não seu produto (estruturado)? São os

problemas da modernidade e, consequentemente, da secularização que

sempre impõem seu peso à reflexão contemporânea acerca dessa temática.

Como num brainstorm ou tempestade de ideias entre os muitos

possíveis “pesquisadores” (muitos eus) que imagino poder ser em breve, os

questionamentos colocados agora servem de quadro de inquietações. O

projeto a que assim me proponho como pesquisador mestre em comunicação é

1) permanecer atento e refletindo acerca da história contemporânea de

Palmelo, já que identificamos no presente trabalho que o momento atual do

simbolismo da “cidade espírita” é de uma assimilação por uma parcela do

movimento espírita brasileiro e de institucionalização do espiritismo na cidade;

2) expandir a reflexão teórica sobre as relações entre as possibilidades e

relatividades das identificações espíritas acerca dos problemas urbanos e, até,

porque não, políticos no Brasil e/ou em países como a França, que também

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oferece grande material de trabalho; 3) buscar por semelhantes problemas da

vinculação do sistema religioso com outros sistemas sociais e simbólicos e; 4)

especializar o pensamento sobre os modos de ser da comunicação na

religiosidade, entre a riqueza que esta temática oferece em termos de

símbolos, de ação humana e de sistemas sociais.

Afinal, dos sistemas simbólicos pesquisados nesta dissertação de

mestrado, só apreendemos a ideia de que eles não se produzem nem se

mantém sozinhos, dados objetivamente, mas eles se comunicam à medida que

a ação humana opera, pela história, símbolos produtores de uma espacialidade

interessada na obra cultural que é a cidade em que conviverá cada grupo de

cidadãos, ameaçados-mas-dependentes das diferenças que, enfim, geram

comunidades.

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ANEXOS

ANEXO A – Mensagem de Eurípedes Barsanulfo, psicografada por

Francisca Borges Gomide em 1956

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista

1. Imagem de Palmelo

Como é viver em Palmelo?

Por que você veio/vem a Palmelo?

Quando é que há mais gente em Palmelo?

2. Imagem do espiritismo

O que é o espiritismo?

Em que consistem as diferenças com sua religião?

Como o espiritismo chegou a Palmelo?

3. História oral – cidade, família e pessoa

Se fosse para contar a história de Palmelo para alguém, o que não pode

deixar de dizer?

Como foi que você ou sua família tiveram contato com a cidade?

Como você descreve melhor a sua relação com Palmelo?

Quem você citaria como uma referência na cidade? Por quê?

4. Espiritismo e demais campos simbólicos

Em que o espiritismo influência a cidade?

O espiritismo aqui é diferente de outros lugares? Em quê?

5. Diálogo inter-religioso

Como você vê a relação entre as diversas religiões na cidade?

O espiritismo é de algum modo privilegiado?

6. Cidade espiritual

É verdade que há uma Colônia Espiritual sobre Palmelo?

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7. CONCAFRAS

Você está sabendo da realização da CONCAFRAS em fevereiro de

2016? O que você pensa sobre isso?

8. Palmelo amanhã

O que tem de melhor e o que tem de pior em Palmelo?

Como você vê Palmelo daqui 10 anos? E daqui 50 anos?

9. Específicas:

Como é que se dá a corrente magnética?

De onde vem e para quê é indicada?

Por que não é consenso no meio espírita?

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APÊNDICE B – Lista de entrevistados

Nome ou identificação82 Data da entrevista

1 Visitante 1 05/12/2015

Aposentado, 60 anos, espírita, visitante de Palmelo, morador de Brasília.

2 Raymunda Luci Sousa 05/12/2015

Aposentada, 80 anos, espírita, moradora de Palmelo.

3 Mirtes Borges Guimarães 06/12/2015

Historiadora aposentada, moradora de Palmelo.

4 Antonieta Rosa Borges Rezende 15/12/2015

Aposentada, 62 anos, pastora evangélica, moradora de Palmelo.

5 Augusto Batista de Souza 17/12/2015

Aposentado, 78 anos, espírita, morador de Palmelo.

6 Barsanulfo Zaruh da Costa 17/12/2015

Professor, 52 anos, presidente do CELV, espírita, morador de Palmelo.

7 Ingrid Di Angelis Sousa e Rios 17/12/2015

Enfermeira, 26 anos, espiritualista/umbandista, moradora de Uberlândia.

8 Antonio Lucio de Rezende 18/12/2015

Prefeito, 56 anos, católico, morador de Palmelo.

9 Gulherme Contart 18/12/2015

Padre aposentado, 87 anos, católico, morador de Palmelo.

10 Visitante 2 18/12/2015

Aposentada, 55 anos, católica, moradora de Brasília.

11 Vânia Arantes Damo 18/12/2015

Aposentada, 65 anos, espírita, moradora de Palmelo.

12 Leonardo Guimarães de Assis 18/12/2015

Professor, 25 anos, espírita, morador de Palmelo.

13 Aroldo José Trindade 19/12/2015

Pastor, 43 anos, evangélico, morador de Palmelo.

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De acordo ao TCLE, a alguns entrevistados foi garantido o direito ético ao anonimato. A outros, essa premissa não se fez necessária por serem integrantes do meio estudado facilmente identificáveis como figuras públicas no local.

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APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Você/Sr./Sra. está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da

pesquisa intitulada “A cidade espírita em Palmelo”. Meu nome é João Damasio da

Silva Neto, sou o pesquisador responsável e minha área de atuação é Comunicação e

Cultura. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, se você aceitar

fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está impresso em duas vias,

sendo que uma delas é sua e a outra pertence ao pesquisador responsável. Esclareço que

em caso de recusa na participação você não será penalizado(a) de forma alguma. Mas se

aceitar participar, as dúvidas sobre a pesquisa poderão ser esclarecidas pelo pesquisador

responsável, via e-mail ([email protected]) e, inclusive, sob forma de

ligação a cobrar, através do seguinte contato telefônico: (62) 9143-8923. Ao persistirem

as dúvidas sobre os seus direitos como participante desta pesquisa, você também poderá

fazer contato com o orientador da pesquisa, professor pós-doutor Luiz Signates,

docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, na Universidade Federal de

Goiás, pelo telefone (62) 8630-3000.

1. Informações Importantes sobre a Pesquisa:

1.1 A pesquisa intitulada “A cidade espírita em Palmelo” tem como objetivo compreender

como se dá o vínculo entre a identidade espírita e a identidade civil no município de

Palmelo (GO), para o que é muito importante, nesta pesquisa, a participação de moradores,

visitantes, espíritas e não-espíritas. A pesquisa justifica-se por permitir interpretar o papel

da cultura religiosa na formação e no cotidiano da pequena cidade no mundo

contemporâneo, com foco nos aspectos comunicacionais, como o diálogo entre as

instituições religiosas e destas com outros setores da sociedade;

1.2 A participação nesta pesquisa se dá por meio da concessão de entrevista em profundidade,

constituídas por questões abertas que permitem maior liberdade e aprofundamento dos

assuntos tratados tanto por parte do pesquisador como por parte do(a) entrevistado(a). A

entrevista será gravada em aparelho de áudio;

1.3 Não há riscos físicos nem psicossociais referentes à participação na pesquisa, podendo o(a)

entrevistado(a) se recusar a responder quaisquer questões que lhe desagradem;

1.4 Não haverá nenhuma espécie de custos nem pagamentos por nenhuma das partes, sendo a

entrevista realizada no local de preferência do(a) entrevistado(a);

1.5 É garantida a liberdade do(a) participante, que pode se recusar a participar ou retirar o seu

consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma;

1.6 Também é garantido o direito de o participante se recusar a responder questões que lhe

causem constrangimento durante a entrevista;

1.7 O participante tem direito de pleitear indenização (reparação a danos imediatos ou futuros),

garantida em lei, decorrentes da pesquisa, caso sinta-se prejudicado ou enganado;

1.8 Os dados gravados para esta pesquisa serão guardados em banco de dados sigiloso e

poderão ser utilizados novamente pelo próprio pesquisador para publicações futuras e outros

projetos de pesquisa sobre a identidade cultural religiosa espírita em Palmelo, para o que

consente o participante/entrevistado.

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2. Consentimento da Participação na Pesquisa:

Eu, ................................................................................................................., inscrito(a)

sob o RG/ CPF......................................................., abaixo assinado, concordo em

participar do estudo intitulado “A cidade espírita em Palmelo”. Informo ter mais de 18

anos de idade e destaco que minha participação nesta pesquisa é de caráter voluntário.

Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pelo pesquisador(a) responsável João

Damasio da Silva Neto sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos nela envolvidos,

assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação no

estudo. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento,

sem que isto leve a qualquer penalidade. Declaro, portanto, que concordo com a minha

participação no projeto de pesquisa acima descrito.

Palmelo, ........ de ............................................ de ...............

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Assinatura por extenso do(a) participante

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Assinatura por extenso do(a) pesquisador(a) responsável

Testemunhas em caso de uso da assinatura datiloscópica

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