A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM SOBRE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM SOBRE A POPULAÇÃO NIGERIANA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Glauciele Dutra Gularte Santa Maria, RS, Brasil 2015

Transcript of A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM SOBRE...

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO

HARAM SOBRE A POPULAÇÃO NIGERIANA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Glauciele Dutra Gularte

Santa Maria, RS, Brasil

2015

A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM

SOBRE A POPULAÇÃO NIGERIANA

Glauciele Dutra Gularte

Monografia realizada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel

em Relações Internacionais pelo curso de Relações Internacionais, da Universidade Federal de Santa Maria.

Orientador: Prof. Dr. Arthur Coelho Dornelles Júnior

Santa Maria, RS, Brasil

2015

Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Relações Internacionais

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia

A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM SOBRE A

POPULAÇÃO NIGERIANA

elaborada por

Glauciele Dutra Gularte

como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Relações Internacionais

COMISSÃO EXAMINADORA

Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr

(Presidente/Orientador)

(UFSM)

Danielle Jacon Ayres Pinto, Dr

(UFSM)

José Renato Ferraz da Silveira, Dr

(UFSM)

Santa Maria, 11 de dezembro de 2015.

AGRADECIMENTOS

Com este trabalho fecha-se um ciclo de muito aprendizado e enriquecimento

intelectual e pessoal, sou grata a todos que de alguma forma me apoiaram até este momento,

serão sempre lembrados.

De forma especial, agradeço a minha família que tanto buscou a minha educação e

sempre a priorizou na minha vida. Sempre reconhecerei os seus esforços! Agradeço a vocês

por sempre acreditar em mim e pelo incentivo constante, isso é muito importante, agradeço

também pela paciência e pelo apoio diário. Busco o crescimento por mim e por vocês. Amo

todos!

Agradeço a todos os professores que nesses anos me transmitiram seus conhecimentos

e contribuíram para o meu aprendizado no curso. Cada um foi importante de alguma forma e

devo, não apenas esse trabalho, mas o meu desenvolvimento intelectual até aqui a vocês.

Agradeço também ao meu orientador, professor Arthur. Quem se mostrou bastante

paciente em compreensivo comigo, sempre com dicas valiosas e precisas. Aprendi muito com

o senhor e esse trabalho não seria possível sem o seu auxílio. Muito obrigada!

Resumo

A ATUAÇÃO DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM SOBRE A

POPULAÇÃO NIGERIANA

AUTORA: GLAUCIELE DUTRA GULARTE

ORIENTADOR: Prof. Dr. ARTHUR COELHO DORNELLES JÚNIOR

Santa Maria, 11 de dezembro de 2015.

Sob a atuação no país do grupo terrorista islâmico Boko Haram, a Nigéria encontra-se

atualmente em uma conjuntura de grande instabilidade. Nesse contexto, o presente trabalho

trata do impacto humano do grupo terrorista Boko Haram na população civil nigeriana,

enfatizando a segurança humana no país. Assim, o trabalho é guiado pela seguinte questão:

como se dá a atuação do Boko Haram em relação à população civil? Como hipótese tem-se: a

ocorrência de crimes contra a humanidade, porém não perpetrados apenas pelo Boko Haram,

mas também pelas forças nacionais de segurança e a violência contra toda a população civil,

usada como ferramenta em benefício dos objetivos do grupo. Com isso, essa pesquisa

pretende, a partir da análise do contexto histórico nigeriano, fazer uma abordagem do

panorama atual do país ressaltando o papel do grupo terrorista islâmico Boko Haram como

desestabilizador social e como agente perpetrador da insegurança humana do país. Os

resultados obtidos dão conta de que os crimes contra a humanidade configuram-se apenas nas

ações do Boko Haram e o uso do terrorismo ocorre contra os diversos grupos da população,

homens, mulheres, crianças, cristãos e muçulmanos.

Palavras-chave: Nigéria. Boko Haram. Segurança Humana

ABSTRACT

THE ACTIVITIES OF BOKO HARAM ON THE NIGERIAN

POPULATION

AUTHOR: GLAUCIELE DUTRA GULARTE TEACHER: Dr. ARTHUR COELHO DORNELLES JÚNIOR

Santa Maria, December 11th

, 2015.

Under the action in the country of the Islamic terror group Boko Haram, Nigeria is

currently in a situation of great instability. In this context, the present work deals with the

human impact of the terrorist group Boko Haram in the Nigerian civilian population,

emphasizing human security in the country. Thus, the work is guided by the following

question: how is the work of Boko Haram towards the civilian population? As a hypothesis

we have: the occurrence of crimes against humanity, but not only perpetrated by Boko Haram,

but also by national security forces and violence against all civilians, used as a tool for the

benefit of the group's goals. Thus, this research aims, based on the analysis of the Nigerian

historical context, making an approach to the current situation of the country highlighting the

role of the Islamic terror group Boko Haram as social destabilizing and perpetrator agent of

human insecurity in the country. The results realize that crimes against humanity constitute

only in the actions of Boko Haram and the use of terrorism occurs against various population

groups, men, women, children, Christians and Muslims.

Keywords: Nigeria. Boko Haram. Human Security.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Taxa de Pobreza na Nigéria................................................................................48

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Maiores grupos étnicos da Nigéria............................................................................41

Figura 2 – Mortes na Nigéria pela violência social, por categoria, 1998 – 2014.....................56

Figura 3 – Número de mortos pelo Boko Haram e pelas forças nacionais 2009 –

2012......................................................................................................................... .................61

Figura 3 – Operações Militares contra o Boko Haram 2015....................................................64

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Princípios da Segurança Humana e Abordagem.....................................................28

SUMÁRIO

Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 .................................................................................................................................. 13

Segurança Internacional, Segurança Humana e Terrorismo............................................................... 13

1.1 Segurança e Segurança Internacional: origens e perspectivas tradicionalistas .......................... 13

1.2 Segurança Internacional: ampliadores e perspectivas críticas .................................................. 20

1.3 Segurança Humana ................................................................................................................. 25

1.4 Terrorismo ............................................................................................................................. 29

CAPÍTULO 2 .................................................................................................................................. 33

Contexto Histórico Nigeriano no Pós Independência, Etnia, Religião e Diferenças entre Norte e Sul 33

2.1 A Nigéria no Pós Independência ............................................................................................. 33

2.1 Etnicidade na Nigéria ............................................................................................................. 40

2.2 Religião na Nigéria................................................................................................................. 43

2.3 Disparidades entre as regiões Norte e Sul ............................................................................... 46

CAPÍTULO 3 .................................................................................................................................. 51

Boko Haram na Nigéria e os Custos Humanos.................................................................................. 51

3.1 Origens e Objetivos do Boko Haram....................................................................................... 51

3.2 Terrorismo como forma de alcançar os objetivos do grupo e Vulnerabilidade da população .... 55

3.3 Vulnerabilidade da população civil nigeriana .......................................................................... 58

3.4 Iniciativas Governamentais e Ajuda Externa ........................................................................... 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 71

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a Nigéria encontra-se com boa parte da sua população em uma

situação socioeconômica de marginalização bastante difícil. País mais populoso do continente

africano e que conta com uma imensa diversidade, linguística, religiosa e regional, a Nigéria

tem dificuldade em encontrar e manter a coesão sobre todo o seu território. Remontando à

guerra civil ocorrida no país em 1960 logo após a declaração de independência do país,

observa-se que este conflito colaborou para o agravamento da divisão social da Nigéria e sua

instabilidade política. Tal instabilidade é um reflexo de condições que favorecem a

insurgência, assim, mesmo sendo o maior produtor de petróleo da África, a Nigéria não

consegue reverter o rendimento proveniente dessa matéria-prima em fortalecimento social e

estatal, com a flagrante pobreza de sua população - 60.9% da população vivia em absoluta

pobreza em 2010 segundo o Escritório Nacional de Estatísticas da Nigéria - a fragilidade e

corrupção estatal, bem como a frágil coesão social entre as diferentes etnias e as diferentes

religiões que formam o país, a realidade social da Nigéria acaba por refletir tais problemas, o

que vem resultando em frustração e conflito. Nessa conjuntura, surge o grupo terrorista

islâmico Boko Haram, mais comumente datado de 2002, este grupo, cujo nome tem como

significado „A civilização ocidental é proibida‟ reflete a difícil situação social da Nigéria,

sobretudo do norte, região onde a pobreza é ainda mais grave. Em 2009, liderado por

Mohamed Yusuf, o grupo sofre um ataque perpetrado pelas forças do governo, no qual Yusuf

acaba sendo morto extrajudicialmente. A partir da perda de seu líder, o grupo dá uma guinada

para a violência realizando seu primeiro ataque terrorista na cidade de Borno, em 2010. No

lugar de Yusuf, Abubakar Shekau passa a liderar o grupo, que tem entre seus objetivos a

formação de um Estado islâmico, ao menos na parte norte do país, e a oposição à

ocidentalização da Nigéria. Como explicitado, a partir de 2009, o grupo passa a intensificar o

uso da violência em suas ações, sobretudo em represália ao assassinato, pelas forças

nacionais, de Yusuf, tendo a população nigeriana como principal alvo. A partir dessa

violência direcionada à população, o Boko Haram e as tropas nacionais, passam a ser agentes

de atos graves de violência e violação de direitos humanos, em um círculo vicioso de

represálias entre ambos.

Quanto aos ataques contra civis, a Anistia Internacional argumenta:

Ataques contra civis demonstram desrespeito do direito à vida. Todos os atos de

violência perpetrados pelo Boko Haram constituem crimes sob a lei nigeriana que as

autoridades devem evitar e reprimir através dos sistemas comuns de aplicação da lei

11

e da justiça penal, de forma compatível com as obrigações de direito internacional

da Nigéria (AMNESTY INTERNATIONAL, 2012, p.10, tradução nossa).

Perante esse preocupante cenário da Nigéria, este trabalho pretende abordar as ações

do grupo terrorista Boko Haram perante a população civil nigeriana, direcionando seu

enfoque à questão da segurança humana do país, procurando saber como ocorre a atuação do

grupo Boko Haram em relação à população. Por segurança humana entende-se a ausência de

ameaças a vários valores humanos fundamentais, entre eles, o mais básico, a segurança física

do indivíduo (HAMPSON, 2008, p. 231). Entre as hipóteses do trabalho estão a de que há a

ocorrência de crimes contra a humanidade na Nigéria, porém estes não são perpetrados apenas

pelo grupo Boko Haram, mas também pelas forças nacionais de segurança. Outra hipótese é

de que a violência ocorre contra toda a população, homens, mulheres e crianças, além de

vítimas diretas dos atentados, a população é utilizada como ferramenta em benefício dos

objetivos do grupo.

Como objetivo geral do trabalho, pretende-se analisar a atuação do Boko Haram na

Nigéria e a situação de vulnerabilidade da população local frente às ameaças impostas pelo

grupo no período de 2003 a 2014. Para isso, será feito primeiramente a conceituação de

segurança humana e terrorismo, passando para a descrição da conjuntura atual da Nigéria,

abordando fatores como, religião e etnia, por fim, pretende-se localizar o Boko Haram nessa

conjuntura, tratando de questões como a ajuda externa a Nigéria.

Com o Boko Haram despertando crescente preocupação internacional, principalmente

por se tratar de um grupo fundamentalista que faz uso de sórdidos mecanismos de ação no

intento de alcançar seus objetivos, estudar como esse grupo atua e sobretudo, evidenciar a

vulnerabilidade a que a população nigeriana está exposta, se faz necessário para que se

esclareça alguns pontos pouco expostos desse complexo contexto, para assim, melhor

compreender a situação em que essa população está inserida e tratar o problema. Para a

academia esse estudo se faz necessário uma vez que é escasso o estudo sobre segurança

humana da Nigéria atual, e para que se compreendam as evidentes limitações do Estado

nigeriano em lidar com a situação em que o país se encontra, bem como para que se avalie o

que tem sido feito até então para a contenção do grupo e do terrorismo dentro deste e,

principalmente devido ao tópico do terrorismo ter sido lançado à linha de frente da

preocupação de segurança internacional nesse início de século, indo, assim, ao encontro dos

interesses dos Estados.

12

Para o melhor desenvolvimento do trabalho, o texto da pesquisa será elaborado através

do método histórico, partindo de uma revisão bibliográfica acerca do tema. Ressalta-se que

não está no escopo desse trabalho apontar soluções definitivas para o terrorismo ou para a

crise da Nigéria, nem esgotar o debate sobre o tema. Assim, essa pesquisa pretende, a partir

da análise do contexto histórico-social nigeriano, fazer uma abordagem do panorama atual do

país ressaltando o papel do grupo terrorista islâmico Boko Haram como desestabilizador

social e como agente perpetrador da insegurança humana na Nigéria.

Dessa forma, iniciaremos o trabalho realizando uma abordagem teórica e histórica dos

principais conceitos pertinentes ao tema do trabalho, a segurança, a segurança internacional, a

segurança humana e o terrorismo. O segundo capítulo procura expor as dinâmicas histórias da

Nigéria no pós-independência bem como os principais elementos identitários do país, a etnia,

a religião e também as disparidades regionais. O terceiro capítulo, por fim, se aterá ao

entendimento do Boko Haram desde a sua origem, passando pelo seu modo de atuação até os

abusos que o grupo comete, adicionado a esse contexto conflituoso tem-se as forças nacionais

de segurança da Nigéria que também cometem abusos, após a exposição da violência

perpetrada por esses agentes, verificaremos se há no país a ocorrência de crimes contra a

humanidade, ainda abordaremos as iniciativas feitas até então para combater o grupo, pelo

governo e através da ajuda externa.

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CAPÍTULO 1

Segurança Internacional, Segurança Humana e Terrorismo

Considerando ser necessário para o melhor entendimento do que será tratado no

decorrer do trabalho, o presente capítulo buscará realizar uma retomada dos estudos de

segurança. Nosso foco centra-se em fazer uma abordagem histórica do desenvolvimento do

conceito de segurança internacional, incluindo as principais contribuições teóricas, as críticas

e os pontos fundamentais que colaboraram para a constituição desse conceito. Para isso, a

primeira seção do capítulo aborda a origem e o processo histórico do conceito de segurança e

também as perspectivas tradicionalistas da concepção de segurança internacional. A segunda

seção trata da ampliação do entendimento de segurança internacional e das suas perspectivas

críticas. Após a apresentação dos pontos fundamentais do arcabouço teórico dos estudos de

segurança internacional, será exposto, na terceira seção do capítulo, o conceito de segurança

humana, incluindo sua institucionalização junto às Nações Unidas. Na última parte deste

capítulo, quarta seção, discutiremos sobre as concepções de terrorismo. Buscaremos expor

alguns de seus aspectos, como o seu histórico recente e sua institucionalização, para que,

através de seu entendimento, se aproxime a discussão do contexto da Nigéria.

1.1 Segurança e Segurança Internacional: origens e perspectivas tradicionalistas

Para iniciarmos a discussão sobre segurança internacional, primeiramente

abordaremos o conceito de segurança que, assim como a própria área de estudos de segurança

internacional, vem passando por transformações significativas ao longo do tempo.

Procuraremos destacar o processo histórico de desenvolvimento do conceito. Como afirma

Amaral (2008, p. 41), “cabe tomar os conceitos como entes portadores de história: não

devemos pressupor que sejamos capazes de definir o que se entende por segurança de forma

universal no tempo e no espaço”. Assim, buscaremos aqui não definir o que é segurança, mas

sim, explorar a noção que vem sendo atribuída ao conceito historicamente.

Referindo-se a imagem que vem à mente quando pensamos na palavra segurança, Bill

McSweeney (1999, p. 13), faz a distinção entre duas. A primeira evoca a imagem de um

objeto sólido, como uma arma, por exemplo, usado para proteção ou defesa contra uma

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intromissão ou um ataque, a segunda imagem denota, por exemplo, um investimento em

propriedades e ações. Segundo o autor, tais imagens, quando asseguradas através do

instrumento de segurança, como a arma ou através dos investimentos, fazem com que o

sentimento de segurança seja garantido, ou seja, dessa forma, nos sentimos defendidos das

ações de outros.

Corroborando o pensamento de McSweeney, Marco Cepik (2001, p. 2) afirma que

“Segurança é uma condição relativa de proteção na qual se é capaz de neutralizar ameaças

discerníveis contra a existência de alguém ou de alguma coisa”. Ambos os autores relacionam

a segurança à sensação de se sentir seguro e à capacidade de neutralizar ameaças. Rothschild

(1995, p. 61), por sua vez, destaca o substantivo do latim “securitas”, o qual em seu uso

clássico primário se refere a “uma condição dos indivíduos, particularmente de tipo interna.

Ele denotava serenidade, tranquilidade de espírito, estar livre de preocupações”. Ole Wæver

(2004, p. 54), também retrata o uso original do termo, mencionando seu uso na língua inglesa,

“As palavras usadas nas línguas inglesas e românicas derivam do romano „securus‟, „se‟

significando „sem‟ e „cura‟ significando „preocupação‟”, indo ao encontro do exposto por

Rothschild quanto à ausência de preocupações. Notamos, assim, que as definições expostas

caracterizam a segurança de forma bastante atrelada ao âmbito das ideias e ao nível

individual, sendo a percepção dos indivíduos o que molda a compreensão que se faz do

conceito de segurança.

Segundo Rothschild (1995. p. 63 e 64), é no contexto da Revolução Francesa, no

século XVIII, que a ideia de segurança individual passa a integrar a arena política. Como

afirma a autora, “foi no período militar da Revolução Francesa, sobretudo, que a segurança

dos indivíduos foi incluída, como uma epigrama político, na segurança da nação”, ela ainda

expõe o pensamento de Rousseau, o qual se aproxima do pensamento de Locke e

Montesquieu, sobre o contrato social ao descrevê-lo como “o resultado do desejo dos

indivíduos por segurança de vida e liberdade”. Acompanhando o pensamento de Rousseau, os

indivíduos, então, transferem parte da sua liberdade ao Estado para obterem, em

contrapartida, sua segurança, que passa a estar sob a tutela do Estado. A autora também

destaca outra mudança significativa à época das Revoluções Napoleônicas, a da “nova ideia

de segurança como principalmente um bem coletivo, a ser assegurado por meios militares e

diplomáticos”. Como conclui Amaral ao se referir as transformações pelas quais passa o

conceito de segurança:

Em suma, no contexto do pensamento político moderno, ocorrem duas importantes

metamorfoses teóricas. Primeiramente, embora a segurança ainda seja concebida

como um objeto dos indivíduos, passa-se a crer que ela somente pode ser alcançada

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por meio de um processo político coletivo. Em segundo lugar, as coletividades

nacionais passam a serem concebidas como entidades dotadas de vontade única,

monolítica, indivisível. (AMARAL, 2008, p. 52, grifo do autor)

Outra abordagem da noção de segurança é apresentada por Williams (2008, p. 6), que

identifica duas filosofias que podem ser atribuídas como forma de compreensão do conceito

de segurança, atreladas ao escopo estatal e político do termo. A primeira está fortemente

ligada ao materialismo e à capacidade do Estado. Esta filosofia percebe a segurança como

uma commoditie e como “praticamente um sinônimo de acumulação de poder”, para estarem

seguros os atores precisam possuir, por exemplo, propriedade, dinheiro e armamento. O poder

aqui é entendido como o caminho para a segurança, quanto mais poder acumulado, sobretudo

militar, mais seguro o ator vai ser. A segunda filosofia, baseia a segurança na ideia de

emancipação, “ou seja, uma preocupação com justiça e provisão de direitos humanos”. Essa

perspectiva ressalta a relação entre os diversos atores dando menos relevância a ideia de

commoditie, destacada pela primeira filosofia.

Ole Wæver (2004, p. 55), estabelece uma relação mais próxima do âmbito político

internacional ao se relacionar com a questão do dilema de segurança, através da noção do

sentido objetivo e subjetivo do conceito. Nas palavras do autor, “Segurança objetiva é o quão

ameaçado você realmente está, e subjetiva é como você percebe (e equivocadamente percebe)

ela [a ameaça]”. O dilema de segurança se encaixa justamente na ideia da subjetividade já que

tal ideia deixa as percepções mais passíveis de interpretações incorretas. McSweeney

argumenta sobre essa questão da seguinte forma:

A percepção dos Estados quanto às intenções dos seus rivais regionais causa sua

escalada da 'segurança' em um instrumento, ou em uma cadeia de instrumentos, e

isso resulta em uma sequência de interações equivocadas, com a consequência de

uma maior insegurança que ninguém desejava. (MCSWEENEY, 1999, p. 14,

tradução nossa1)

Explorando a noção de incerteza que envolve o dilema de segurança, Booth e Wheeler

(2008, p. 134) argumentam que, no contexto das relações internacionais, a condição

existencial de incerteza faz com que governos e os seus tomadores de decisões, por exemplo,

nunca possam ter certeza absoluta sobre os motivos e intenções, sejam estes atuais ou futuros,

daqueles aptos a causar-lhes algum dano no sentido militar. Essa situação se configura no que

os autores chamam de unresolvable uncertainty, ou seja, uma situação de incerteza que não

pode ser resolvida e que se constitui em uma das essências do dilema de segurança.

1 Este e os demais trechos de obras citados ao longo do trabalho foram traduzidos pela autora.

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Um conceito atrelado ao de segurança, e que se faz necessário expor, é o de segurança

nacional. Melhor aprofundado posteriormente, este termo tem como referencial a segurança

do Estado, e conforme expõe Cepik (2001, p. 3), “o termo refere-se a uma dimensão vital da

existência no contexto moderno de sociedades complexas, delimitadas por estados nacionais

de base territorial. No limite, estar seguro nesse contexto significa viver num estado que é

capaz de neutralizar ameaças vitais”. Assim, a segurança nacional se relaciona a capacidade

estatal em suprimir ameaças, sendo incluída, no domínio das Relações Internacionais, na

visão tradicional de segurança. Essa ideia de segurança nacional pode ser ilustrada no

transcorrer do século XVIII em que se observa que, da segunda metade deste século até o fim

das Guerras Napoleônicas em 1815, o conceito de segurança passa a aumentar sua

abrangência, passando, gradativamente, a ser estendido às coletividades sociais e,

posteriormente, ao Estado-Nação (AMARAL, 2008, p. 53).

No início do século XX, mais especificamente no período entre guerras (1919-1939), o

conceito de segurança sofre uma importante mudança. No contexto do fim do primeiro

conflito mundial, as potências vencedoras, como a Inglaterra, por exemplo, modificam a

forma como entendiam e empregavam o conceito. Percebendo desafios de ordem interna que

poderiam desencadear consequências políticas nefastas, “as lideranças políticas que estavam

no poder nestes países pressupunham agora que seria necessário diluir a distinção entre os

âmbitos nacional e internacional com o intuito de se conservar o status quo e a paz nestas

duas esferas” (AMARAL, 2008, p. 54).

Desta forma, cada vez mais o conceito de segurança internacional vai ganhando

espaço e já durante a Guerra Fria observa-se uma transformação no referencial do conceito de

segurança e no de segurança nacional. Segurança, segundo Wæver, passa, nesse período, a

não mais ser usada em termos de “segurança nacional”, mas, sim, como “segurança

internacional”. Como argumenta o autor:

A segurança internacional não nega à segurança nacional; em vez disso, ela supõe

que a verdadeira segurança nacional só pode ser realizada enquanto segurança

internacional, enquanto a segurança internacional não visa segurar algo [de natureza]

internacional, mas o fornecimento de segurança nacional de uma forma saudável.

(Wæver, 2004, p. 59)

Desse modo, entende-se que a visão preponderante na Guerra Fria elevava a ideia de

segurança internacional como uma questão necessária para se obter a segurança dos Estados

de forma individual, ela não era “usada em termos de segurança nacional, mas sim como

segurança internacional” (WAEVER, 2004, p. 59).

17

Assim, com a crescente relevância da ideia de segurança internacional, é que no

decorrer do século XX, após a Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria, ocorre o

advento dos Estudos de Segurança Internacional. Sendo uma invenção predominantemente

anglo-americana, Buzan (2009, p.8) argumenta que esse campo de estudos “floresce a partir

de debates de como proteger o Estado de ameaças internas e externas” no contexto de pós-

conflito mundial. Na obra “Security: A new framework for analysis”, Buzan juntamente com

Wæver e Wilde (1998, p.21), ressalta a importância de se diferenciar o termo segurança usado

no cotidiano daquele tratado no âmbito das relações internacionais. Como argumentado no

livro, “a segurança internacional possui seu próprio distinto significado, mais extremo”, para

os autores “a segurança internacional está mais firmemente enraizada nas tradições de

políticas de poder”. Na década de 1990, Buzan já argumentava que segurança, nesse contexto,

“é uma poderosa ferramenta política que chama atenção para itens prioritários na disputa pela

atenção do governo” (BUZAN, 1991, p. 288).

O campo de estudos de segurança internacional reflete as mudanças ocorridas com o

tempo e devido a isso, como afirmam Buzan e Hansen (2009, p.8), precisar com rigor o que o

campo abarca torna-se uma tarefa complicada, tampouco há consenso sobre qual deve ser a

configuração do campo. Para iniciarmos a abordagem dos estudos de segurança internacional

faz-se necessário ressaltar o lugar que o Estado ocupa nas indagações desse campo, para isso,

retomaremos a ideia de segurança nacional.

Wæver (2004, p. 56) expõe que o termo segurança nacional passa a ser comum no

discurso político a partir do final da década de 1940 e é nos Estados Unidos que vemos a

expressão dessa ideia, com os norte-americanos utilizando o conceito de forma a justificar sua

rivalidade com a URSS, ao mesmo tempo que o expressam com componentes militares e não-

militares. McSweeney (1999, p.20) define o termo dessa forma: “Segurança Nacional era uma

ideia, uma doutrina, e uma instituição concebida para conectar a divisão tradicional entre os

interesses do Estado no exterior e no nível doméstico, e para fundir a cultura cotidiana com a

da defesa do interesse nacional”. Portanto, depreende-se que a preocupação da segurança

nacional era limitada ao Estado e como afirma Williams (2008, p.7), “é mais correto dizer que

o que estava sendo estudado (e protegido) era a “segurança estatal””.

Os estudos de segurança internacional surgem nesse contexto, de conflito bipolar entre

Estados Unidos e URSS e da centralidade do Estado e de seus aspectos militares. Esse campo,

contudo pode ser dividido na sua origem em dois grupos de estudos, sendo eles os Estudos

Estratégicos, nos Estados Unidos e os Estudos para a Paz, na Europa. A tradição norte-

americana dos Estudos Estratégicos, claramente privilegia o âmbito nacional da segurança

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enquanto os estudos europeus partem de uma compreensão mais atrelada ao nível

internacional e direcionada para a promoção da paz. Tais tradições são reflexos das

conjunturas vividas em ambas as regiões, enquanto os Estados Unidos preocupam-se com a

URSS e o desenvolvimento de armas nucleares, a Europa se vê lidando com as adversidades

da ocorrência de duas guerras mundiais em seus domínios (DUQUE, 2009, p. 462).

No contexto de rivalidade que configurava a Guerra Fria, a teoria realista serve de

base para as abordagens desses dois grupos de estudo no período de 1940 a 1980 (MALIK,

2015, p.5). Como argumenta Shahin Malik:

Durante este período, a teoria realista forneceu uma base poderosa para explicar o

comportamento do Estado e a busca pela segurança através de meios militares e não-

militares. Com a força da evidência fornecida pela Guerra Fria, muitos analistas

concluíram que guerra e conflito eram de fato uma característica central do sistema internacional. Neste tipo de sistema, os Estados eram os atores principais, e eles

existiam sob uma condição de anarquia, onde não havia nenhuma autoridade global

capaz de gerir os assuntos mundiais. (MALIK, 2015, p. 5)

Sendo pautado pela teoria realista, o entendimento que se fazia da conjuntura

internacional à época era bastante estreito, considerando apenas os aspectos militares como

passíveis de preocupação de segurança. Vemos, no início da Guerra Fria, uma acirrada

competição em várias frentes entre seus dois competidores, seja no campo ideológico ou

econômico, por exemplo, ou no campo militar, onde neste veio a culminar em uma maior

atenção a capacidade bélica e em uma maior produção de armas nucleares, em ambos os

Estados (MALIK, 2015, p. 5). Como expõe um dos autores clássicos do realismo, Hans J.

Morgenthau (2003, p. 45), a força motriz do mundo “resulta da aspiração das nações por

poder”, assim, as relações entre os Estados são pautadas pelo poder e pelo interesse, segundo

o realismo. O que na Guerra Fria é refletido nesse contexto de forte competição militar. De

forma clara, assim expõe Rios Cordero acerca do entendimento de Morgenthau sobre o

sistema internacional:

O cenário construído por Hans Morgenthau sobre o sistema internacional deixa

entender que a segurança de um estado, segundo a concepção realista, está

intimamente relacionada com a capacidade militar que este estado possui, isto é, que

um estado estará seguro enquanto tenha a capacidade militar suficiente para

responder à altura as políticas de status quo, imperialistas ou de prestígio que os

outros atores do sistema internacional possam vir a adotar. Segurança, portanto,

seria contar com os recursos suficientes para poder ir para a guerra se for preciso, já

que se algum estado quiser ir para a guerra, todos devem estar preparados para tal.

(RIOS CORDERO, 2003. p. 9)

19

Como afirma Malik, em consequência dessa conjuntura, “os Estados foram obrigados

a buscar sua própria segurança e para alcançá-la eles continuamente procuraram aumentar o

seu poder através da melhoria de suas forças armadas, acesso seguro a recursos e equilíbrio

diante de outros Estados” (MALIK, 2015, p.5).

Nesse início de estudos do campo, nos anos 1950 e 1960, época da chamada Idade de

Ouro dos estudos de segurança internacional, é que se dá o período de conformação dos

estudos estratégicos. Como afirmam Buzan e Hansen (2009, p. 67), nesse período, “o

subcampo tornou-se quase exclusivamente dedicado ao estudo das armas nucleares e da

rivalidade bipolar”. Dessa maneira, sumarizando as preocupações dos estudos estratégicos

realistas através do conceito de segurança, os autores argumentam que o conceito dominante

de segurança nos estudos de segurança internacional tem sido o de segurança

“nacional/internacional” e que esse conceito, nas palavras dos autores “[...] define o Estado

como objeto de referência, o uso da força como preocupação central, ameaças externas como

as principais ameaças, a adoção de medidas emergenciais, e estuda segurança através de

epistemologias positivistas e racionalistas [...]” (BUZAN; HANSEN, 2009. p. 21).

Em 1979, tem-se a publicação do livro Theory of International Politics de Kenneth

Waltz, causando grande impacto no meio acadêmico, esta obra firma as bases de outra

vertente do realismo, o neorrealismo ou realismo estrutural. Diferentemente dos realistas

clássicos, os neorrealistas não atribuem a busca por poder à natureza humana, “realistas

estruturais atribuem competição por segurança e conflito interestatal à ausência de uma

autoridade superior aos Estados e à distribuição relativa de poder no sistema internacional”

(DUNNE; SCHMIDT, 2008, p. 91). Como afirma Jatobá (2013, p.28) o propósito principal

do livro do Waltz é apresentar uma teoria sistêmica de política internacional2, as teorias

sistêmicas, segundo Jatobá, “explicam porque as diferentes unidades comportam-se de modo

similar”. Waltz, assim, define a estrutura do sistema internacional a partir de três elementos,

sendo eles: o princípio organizador, a diferenciação de unidades e a distribuição de

capacidades. Para os realistas estruturais, a distribuição relativa de poder no sistema

internacional é a principal variável independente para a compreensão de importantes

2 Em seu livro, Teoria das Relações Internacionais, Daniel Jatobá (2013, p.28) apresenta a distinção que Waltz

realiza entre dois tipos de teorias, “Para Waltz, existem dois tipos de teorias, conforme o nível de análise privilegiado para a identificação das causas dos fenômenos estudados: “as teorias da política internacional que

concentram as causas no nível individual ou nacional são reducionistas; as teorias que concebem as causas como

operando também ao nível internacional são sistêmicas”. Waltz dá preferência às teorias sistêmicas, em

detrimento das teorias reducionistas, que ele considera inadequadas para demonstrar “como a política

internacional pode ser concebida como um domínio distinto do econômico, social, e outros domínios

internacionais que se pode conceber”.

20

resultados internacionais, tais como guerra e paz, políticas de alianças e balança de poder

(DUNNE; SCHMIDT, 2008, p. 91-92).

Considerado historicamente como uma alternativa ao realismo, temos o liberalismo.

Para compreendermos o pensamento desta corrente podemos remontar a Immanuel Kant,

filósofo e grande representante da tradição liberal, ele “ressalta a importância de constituições

republicanas na produção da paz” (NAVARI, 2008, p. 29). Para Kant, Estados republicanos

são mais propensos a terem comportamentos pacíficos que aqueles que não o são, como expõe

Navari:

Ele atribuiu isso [essa propensão] a hábitos de consulta; uma cidadania que teve de

ser consultada antes de ir para a guerra seria pouco provável de endossá-la

facilmente. Ele também atribuiu aos fundamentos legais do estado republicano

porque ele acreditava que um estado construído sobre lei era menos provável de

endossar um comportamento sem lei nas relações internacionais. (NAVARI, 2008,

p.30)

No século XX, à época do final da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento das

Nações Unidas, ocorreu um ressurgimento do sentimento liberal, como aponta Dunne (2008,

p.102). Na década de 1970, assim como o neorrealismo, emerge o neoliberalismo3 e, como

afirmam Boyer, Hudson e Butler (2012, p. 16) este também enfatiza a estrutura do sistema

internacional e concorda com os neorrealistas quanto à ideia de que a competição entre os

Estados em um sistema anárquico causa conflito, porém discorda a respeito do peso da

anarquia na determinação do comportamento das unidades. Desse entendimento, os

neoliberais Robert Keohane e Joseph Nye, destacam-se ao formularem o conceito de

interdependência complexa. Para os autores, esse conceito, “refere-se a uma situação entre um

número de países nos quais múltiplos canais de contato conectam sociedades (ou seja, os

Estados não monopolizam esses contatos); não há hierarquia de questões; e a força militar não

é usada pelos governos para com o outro” (KEOHANE; NYE, 1987, p. 731). Dessa forma,

como argumenta Jatobá (2013, p. 49), “a teoria da interdependência complexa foi a primeira

tentativa de conciliar a perspectiva liberal sobre as possibilidades de cooperação com a visão

realista da importância dos recursos de poder para a conquista de resultados políticos”.

1.2 Segurança Internacional: ampliadores e perspectivas críticas

3 É importante destacar que este neoliberalismo não é o mesmo da teoria econômica, com origem na Escola de

Chicago. O neoliberalismo da teoria econômica (neoclássica) ficou conhecido a partir dos anos 1970 e 1980,

sobretudo por sua influência nos governos Reagan e Thatcher, e nos anos 1990 por sua hegemonia na América

Latina.

21

Segundo Buzan e Hansen (2009, p. 16) “a agenda dos estudos de segurança

internacional começou a ampliar-se com o encaminhamento para o fim da Guerra Fria, e mais

rapidamente após a ideia de “uso da força”4 tornar-se demasiada estreita para a definição

sobre o que se tratava o campo”. Essa limitação do campo, que se referia até então as questões

militares, suscitou nesse contexto, como expõe Malik (2015, p. 5), apelos de acadêmicos para

um realinhamento da disciplina. Conforme o autor:

Entre os defensores iniciais mais notáveis deste foram Richard Ullman e Jessica

Mathews. Na década de 1980 Ullman alegou que, durante todo o período da Guerra

Fria "cada governo em Washington definiu a segurança nacional americana em

termos excessivamente militares", e que isso resultou na relegação das muitas ameaças não militares enfrentadas pelos Estados. Ele [Ullman] passou a comparar as

catástrofes naturais (como terremotos) com o conflito nuclear e ressaltou que o

primeiro poderia ser igualmente devastador. (MALIK, 2015, p. 5)

Assim, entende-se Ullman e Mathews como dois dos precursores da concepção de

uma segurança mais ampla, que incluísse outras ameaças, além daquelas voltadas ao Estado e

focadas no âmbito militar.

Seguindo essa tendência ampliadora, em um contexto de contestação quanto à

adequação das teorias tradicionais a realidade vigente, na mesma década, emerge a corrente

construtivista. Essa corrente tem a sua argumentação embasada na construção social e, como

expõe McDonald (2008, p.59), os construtivistas entendem que o mundo é socialmente

constituído através da interação intersubjetiva, assim, agentes e estruturas são mutuamente

constituídos. Os construtivistas ainda destacam a importância das ideias, como segue o autor,

“os fatores ideacionais como normas, identidade e ideias geralmente são centrais para a

constituição e dinâmica da política mundial”. Dessa forma, no âmbito dos estudos de

segurança, eles entendem ser a segurança uma construção social. Além disso, como

demonstra Duque (2009, p. 469), os construtivistas ao contrário dos tradicionalistas, não

pretendem formular apenas explicações causais, eles têm como pretensão formular

explicações constitutivas, nas palavras da autora, “eles não pretendem apenas dizer como as

coisas são, mas também como elas se tornaram o que são”.

Outra vertente que contesta os padrões de segurança da Guerra Fria é a teoria crítica.

Como afirma Bilgin (2008, p. 89) essa vertente se consolida como escola de pensamento na

década de 1990, no entanto, suas ideias já se faziam presentes há muito mais tempo. O autor

4 Como afirma Buzan e Hansen “Na perspectiva tradicionalista dos estudos de segurança internacional, "uso da

força" era e é definido principalmente como “o uso estatal da força militar" e as ameaças enfrentadas pelos

estados como sendo predominantemente de tipo militar” (BUZAN; HANSEN, 2009, p. 16)

22

também ressalta a diferença desta vertente para a abordagem tradicional, que se dá pelo

tratamento diferente dado ao Estado. O autor demonstra que a abordagem tradicional

privilegia uma visão estado-cêntrica do mundo, enquanto a teoria crítica entende o Estado

como o meio e não o fim da política de segurança. Já no entendimento de McCormack (2010,

p.19), o compromisso que a teoria crítica possui é o de “representar um desafio às relações de

poder contemporâneas” o que implica, segundo a autora, em uma “crítica as abordagens

teóricas tradicionais à segurança, ao realismo com seu foco na segurança do Estado e

indiferença para com a liberdade humana e emancipação, e uma crítica ao estado soberano”.

A ideia de emancipação mencionada é indispensável para a teoria crítica, segundo

define um dos principais representes desta teoria, Ken Booth:

Emancipação é a libertação das pessoas (como indivíduos e grupos) desses

constrangimentos físicos e humanos que lhes impedem de realizar o que eles

livremente escolheriam fazer. Guerra e a ameaça de guerra são uma dessas

restrições, juntamente com a pobreza, a educação deficiente, a opressão política e

assim por diante. Segurança e emancipação são dois lados da mesma moeda.

Emancipação, não poder ou ordem, produz a verdadeira segurança. Emancipação,

teoricamente, é segurança. (BOOTH, 1991, p. 319)

Podemos entender, com isso, que para a teoria crítica a emancipação dos indivíduos

leva à segurança, no entendimento de Buzan e Hansen (2009, p. 206), “a solução da

emancipação no nível da segurança individual tem consequências positivas para a segurança

no nível coletivo”.

Dentro do escopo abrangente dos estudos de segurança, e nesse contexto de ampliação

dos seus objetos de referência5, que surge, na década de 1980, a Escola de Copenhague.

Caracterizada por Duque (2009, p. 475) por ter feito uma profícua síntese tanto das vertentes

tradicionalista e crítica quanto das abordagens realista e construtivista, a Escola de

Copenhague se insere em um meio termo quanto à ampliação do entendimento de segurança,

considerando como objetos de referência outros agentes além do Estado, mas sendo menos

abrangente que teóricos críticos como Booth, por exemplo (BUZAN; HANSEN, 2009, p.

215).

A Escola de Copenhague nasce na Dinamarca no Copenhagen Peace Research

Institute (COPRI), com os seus nomes mais representativos sendo os de Ole Wæver e Barry

Buzan. A Escola, segundo Duque (2009, p. 476-477), “adota uma abordagem interpretativa da

segurança internacional” e entre suas principais contribuições aos estudos de segurança

5 Buzan et al (1998, p. 36) define o conceito da seguinte forma “Objetos de referência: unidades que têm sua

existência ameaçada e possuem uma reivindicação legítima para a sua sobrevivência”.

23

destacam-se: o conceito de securitização, os setores de segurança e a teoria dos complexos

regionais de segurança.

O conceito de securitização, como demonstra a autora, é o mais evidente exemplo de

emprego do construtivismo pela Escola, pois esta vertente entende que “o mundo social é

construído por estruturas e processos intersubjetivos e coletivos” e é nesse entendimento que

o conceito está fundamentado. De acordo com Buzan et al.:

"Segurança" é o movimento que leva a política para além das regras estabelecidas

do jogo e enquadra o problema ou como um tipo especial de política ou como acima

da política. A securitização pode assim ser vista como uma versão mais extrema da

politização. Em tese, qualquer questão pública pode ser localizada no espectro que

vai de [assuntos] não politizados (ou seja, o Estado não lida com isso e não é de

qualquer outra forma uma questão de debate e decisão pública) a politizados (ou

seja, a questão é parte de políticas públicas, exigindo decisão do governo e

alocações de recursos ou, mais raramente, alguma outra forma de governança

pública) até securitizados (ou seja, a questão é apresentada como uma ameaça

existencial, necessitando de medidas de emergência e justificando ações fora dos

limites normais do processo político). (BUZAN et al., 1998, p. 23-24)

Esse deslocamento de um tema para a esfera da segurança é feito através do “ato de

fala”, que consiste no discurso que o ator securitizador, geralmente um representante estatal,

executa, o qual, segundo Duque (2009, p. 478) traz consigo “a demanda de que medidas

sejam tomadas para contrabalançar as ameaças”, tais medidas, no entanto, apenas são

legitimadas após a aceitação da demanda por um público relevante.

Contudo, argumentam Buzan e Hansen (2009, p. 216), a securitização deve ser

evitada, pois securitizar determinado tema nem sempre é positivo. Nesse sentido, os autores

ressaltam o processo de dessecuritização, que pode ser entendido como “o deslocamento de

um tema da modalidade de ameaça-perigo de segurança para o da lógica da política”, para os

autores, fazer de um tema uma questão de segurança pode ser problemático e perigoso, já que

constituído como tal torna-se legítima a suspensão de certos direitos. Ao mesmo tempo,

afirma Duque (2009, p. 481), a dessecuritização torna-se um artificio de limitação à expansão

dos objetos de referência de segurança ao reduzir “a gama de temas com legitimidade

suficiente para pertencerem à agenda de segurança” e ao limitar a expansão demasiada do

conceito de segurança impedindo, dessa forma, que se perca sua qualidade.

Uma segunda importante contribuição da Escola é a sua abordagem da segurança a

partir da concepção de setores de segurança. Essa concepção faz uma distinção entre cinco

setores, sendo eles: setor militar, setor político, setor econômico, setor societal e setor

ambiental. Como coloca Tanno (2003, p. 58), com a percepção de que as agendas e as

24

questões de segurança são construídas por agentes fez-se necessária a elaboração de quadros

analíticos específicos para cada um dos cinco setores, passando-se também a defender que

cada setor possui sua própria lógica.

Na sua exposição sobre os setores Buzan et al. (1998, p. 22-23) os diferenciam

iniciando pelo setor militar o qual possui, usualmente, como objeto de referência o Estado,

mas não se descarta a possibilidade de outras entidades políticas, como as Forças Armadas,

por exemplo, também o serem. O setor político é definido pelo princípio constituinte do

Estado, tais como soberania e ideologia. Os objetos de referência do setor econômico são

mais difíceis de determinar, mas a ocorrência de ameaças existenciais a empresas pode se dar

quando há falências, por exemplo. Sendo difícil de estabelecer limites rígidos que diferenciem

ameaças existenciais das não existenciais, devido a natureza dos objetos de referência, o setor

societal é composto pelas identidades coletivas que podem funcionar independentes do

Estado, como nações e identidades. O setor ambiental, por sua vez, fundamenta-se na

preocupação quanto à relação entre a espécie humana e o restante da biosfera, podendo

abranger uma gama grande de objetos de referência, que podem ir desde a sobrevivência de

espécies de animais até a manutenção do clima planetário.

Assim, vemos que a Escola de Copenhague com o estabelecimento dos cinco setores

de segurança avança na ampliação do conceito de segurança, e como afirma Duque (2009, p.

487), “ainda que os setores militar e político continuem a concentrar a maior parte das

iniciativas de securitização observadas, a expansão da agenda de pesquisa tem o propósito de

fornecer ferramentas teóricas para se lidar com as modificações no conceito de segurança”.

No pós-Guerra Fria, os autores observam uma tendência de regionalização dos

conflitos e, a partir dessa percepção, surge a teoria dos complexos regionais de segurança

(TANNO, 2003, p. 63). Na obra Regions and Powers: The Structure of International Security,

Buzan e Wæver (2003, p. 40) destacam que essa teoria possuir suas raízes no construtivismo,

pois se entende que o sistema regional depende das ações e interpretações de seus atores. Os

autores ainda argumentam que a teoria dos complexos regionais de segurança pode ser

aplicada a qualquer grupo de países, mas que esses não são grupos aleatórios, segundo a

definição de complexos regionais de segurança estes “se definem como subestruturas do

sistema internacional pela intensidade relativa da interdependência de segurança entre um

grupo de unidades, e a indiferença de segurança entre esse conjunto [essas unidades] e

unidades vizinhas” (BUZAN; WAEVER, p.48).

Através da Escola de Copenhague e das vertentes que se propuseram a ampliar o

escopo do debate, notamos que a Guerra Fria, e principalmente seu fim, suscitou importantes

25

questionamentos no campo de estudos de segurança. O aprofundamento e ampliação do

entendimento de segurança advindos desse contexto integram novos elementos ao campo e

como afirma Duque (2009, p. 493) “a vertente abrangente fornece uma nova agenda de

pesquisa ao campo dos estudos de segurança”, a qual, segundo a autora, apresentou um

quadro conceitual e teórico útil para discussões abstratas e estudos, tanto de casos como

comparados.

Assim, a expansão do conceito de segurança apresenta um desenvolvimento gradativo

no âmbito dos estudos de segurança internacional. Com essa expansão ocorrendo na década

de 1990 da seguinte forma:

A ideia onipresente, nos novos princípios da década de 1990, é de segurança em um

sentido "estendido". A extensão tem quatro formas principais. No primeiro, o

conceito de segurança é estendido da segurança das nações para a segurança de

grupos e indivíduos: ela é estendida para baixo, das nações para os indivíduos. Na

segunda, é estendido a partir da segurança das nações para a segurança do sistema

internacional, ou de um ambiente físico supranacional: ele se estende para cima, a

partir da nação para a biosfera. A extensão, em ambos os casos, está nos tipos de

entidades cuja segurança deve ser assegurada. Na terceira operação, o conceito de

segurança é estendido horizontalmente, ou para os tipos de segurança que estão em

questão. Diferentes entidades (como indivíduos, nações e "sistemas") não podem esperar para estarem seguros ou inseguros da mesma forma; o conceito de segurança

é estendido, portanto, do militar para a segurança política, econômica, social,

ambiental ou “humana”. (ROTHSCHILD, 1995, p. 55)

Trataremos a seguir dessa última concepção que Rothschild menciona, a segurança

humana, que centra sua preocupação no ser humano, indo ao encontro da preocupação que

este trabalho se propõe a tratar, a vulnerabilidade a que está exposta a população nigeriana a

partir da atuação do Boko Haram.

1.3 Segurança Humana

O aspecto humano da realidade nigeriana será o principal aspecto explorado neste

trabalho, assim, compreender o conceito de segurança humana e como ele se apresenta nas

relações internacionais e, mais especificamente, nos estudos de segurança internacional é

fundamental para se compreender o que estaremos debatendo ao longo do trabalho. Essa

seção traz uma exposição do aspecto fundamental do conceito no âmbito acadêmico e também

institucional, representado aqui pelas Nações Unidas.

Entre as definições de segurança humana encontra-se a formulada pela Organização

das Nações Unidas (ONU) através da Human Security Unit, que entende o conceito como:

26

Segurança humana é um quadro global para enfrentar ameaças difundidas e

transversais. Reconhecendo que ameaças aos indivíduos e comunidades variam

consideravelmente entre e dentro dos países, e em diferentes pontos no tempo, a

aplicação da segurança humana exige uma avaliação de inseguranças humanas que

seja centrada nas pessoas, abrangente, contextualmente específica e orientada para a

prevenção. (HUMAN SECURITY UNIT, 2014, p.5)

Como expõe a definição acima, a ONU argumenta a favor de uma abordagem

multidimensional que compreenda as ameaças de forma integrada às outras questões que as

desencadeiam. Tais questões estão relacionadas a uma realidade social deficiente que

contribui com o surgimento da ameaça, dessa forma, agir de forma proativa e preventiva

torna-se a melhor forma de assegurar a segurança humana (HUMAN SECURITY UNIT,

2014, p.6). Essa é uma das concepções existentes de segurança humana, que demonstra a

orientação mais ampla que o conceito vem adquirindo nos últimos anos.

A inserção da ideia de segurança humana no âmbito internacional ocorre na década de

1990 com o trabalho de Mahbub Ul Haq. Economista paquistanês, Haq, em seu trabalho na

elaboração, em 1994, do Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) fundamenta o conceito de segurança de uma forma

mais ampla e multi-setorial, destacando a promoção do desenvolvimento como o caminho

para alcançar a segurança humana (TADJBAKHSH, 2009, p. 22).

Pode-se dizer que a segurança humana tem dois aspectos principais. Isso significa,

em primeiro lugar, a segurança de ameaças crônicas como fome, doença e repressão.

E em segundo lugar, significa proteção contra interrupções súbitas e prejudiciais nos

padrões diários de vida, seja em casa, no emprego ou nas comunidades. Tais

ameaças podem existir em todos os níveis de renda e desenvolvimento nacional.

(United Nations Development Program, 1994, p. 23)

Haq pensa a segurança humana orientada para o desenvolvimento, que reconcilie as

demandas dos países do Norte e do Sul e que também democratize as organizações

internacionais (TADJBAKHSH, 2009, p. 11-15). Na visão dos países do sul global, América

Latina e África, a segurança humana é percebida de diferentes formas. Como expõe Sorj

(2005, p. 44), os países latino-americanos defendem uma concepção de segurança humana

específica, contrapondo-se a agenda dos Estados Unidos de defesa da segurança. Os países

africanos, por sua vez, veem esse conceito beneficiando sua possibilidade de negociar apoio

internacional. Assim, em 1994, vemos na concepção de segurança humana a mesma tendência

ampliadora dos estudos de segurança internacional ocorrido nas últimas décadas.

Como afirma a Comission on Human Security (2003, p. 11), “para proteger as pessoas

- o essencial para a segurança humana - seus direitos e liberdades básicas devem ser

preservados”. Assim, distinguem-se a “liberdade do medo” (freedom from fear) e a “liberdade

das necessidades” (freedom from want), tais ideias já haviam sido expostas por Franklin D.

27

Roosevelt no Discurso do Estado da União de 1941, em que o então presidente norte-

americano apresenta quatro objetivos, as quatro liberdades fundamentais, duas destas são

usadas como base para a fundação da ONU, em 1945: a liberdade do medo e a liberdade das

necessidades (TADJBAKHSH, 2009, p. 23). Segundo Schäfer (2012, p. 8), a liberdade do

medo diz respeito à “proteção da integridade física dos seres humanos”, já a liberdade das

necessidades refere-se à provisão de “acesso aos bens e serviços necessários para satisfazer

necessidades materiais e não materiais”.

A abordagem minimalista - a que preconiza a liberdade do medo - é adotada por países

como o Canadá e no trabalho da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania

Estatal (ICISS, na sigla em inglês), onde é desenvolvido o Relatório sobre a Responsabilidade

de Proteger (Responsability to Protect) de 2001, neste país. Essa abordagem se concentra nas

ameaças diretas a segurança e a integridade física dos indivíduos, como conflito armado e

abusos de direitos humanos, por exemplo. A abordagem maximalista, por seu turno, é adotada

pelo PNUD e pelo Japão, por exemplo, e concentra-se em ameaças diretas e indiretas,

objetivas e subjetivas, as quais vêm de entendimentos tradicionais de insegurança,

subdesenvolvimento e abusos de direitos humanos. Essa abordagem também ressalta uma

solução integrada para questões multifacetadas (TADJBAKHSH, 2009, p.20).

Em publicação da UNESCO (2005, p. 118), destaca-se a importância da abordagem de

ação multilateral adotada tanto por Canadá quanto por Japão e, como afirma Peou (2014, p.

54), ambas as abordagens sublinham a necessidade de fortalecer a governança global como

um sistema que assegure e melhore a segurança humana, com a Comissão Internacional sobre

Intervenção e Soberania Estatal, canadense, salientando o papel dos regimes legais globais,

enquanto o PNUD concentra-se mais na governança econômica global.

Marcado pelo trabalho do PNUD de 1994, a concepção de segurança humana tem sua

base institucional fundamentada sobretudo pela ONU. Como afirmam Buzan e Hansen (2009,

p. 203), os estudos em segurança humana possuem a vantagem de serem promovidos a partir

de uma forte base institucional que combina ativismo político e agenda acadêmica. Hampson

(2008, p. 232), por sua vez, destaca que na compreensão da segurança humana, ao se colocar

o indivíduo como o ponto principal de referência, o paradigma de segurança humana entende

que com o indivíduo estando seguro, assim estará, por consequência, a segurança global. No

entendimento da ONU, (Commission on Human Security, 2003, p.2) a segurança humana

complementa a segurança estatal, reforça os direitos humanos e fortalece o desenvolvimento

humano. Para isso, adota-se em seu escopo (Human Security Unit, 2009, p.12) a concepção de

que a segurança humana chama a atenção para uma gama ampla de ameaças a que indivíduos

28

e comunidades estão expostos, “com enfoque nas causas originárias das inseguranças

promovendo soluções centradas nas pessoas, que sejam localmente conduzidas, abrangentes e

sustentáveis”. Assim, podemos distinguir cinco princípios considerados pela ONU na

formação da abordagem da segurança humana, como mostra o quadro a seguir.

Quadro 1- Princípios da Segurança Humana e Abordagem

Centrado nas pessoas

Inclusivo e participatório.

Considera os indivíduos e a

comunidade na definição das

necessidades e vulnerabilidades.

Multi-setorial

Promove o diálogo entre atores-chave

de diferentes setores.

Ajuda a garantir coerência e

coordenação entre setores

tradicionalmente separados.

Abrangente

Considera o amplo espectro de

ameaças, vulnerabilidades e

capacidades.

Análise de atores e setores não

considerados anteriormente

relevantes para o sucesso do projeto.

Desenvolvimento de respostas multi-

setoriais.

Contexto-específico

Concentra-se em um conjunto de

liberdades e direitos sob ameaça em

uma determinada situação.

Identifica as necessidades concretas

da(s) comunidade(s) afetada(s) e

permite o desenvolvimento de

soluções mais adequadas que são

incorporadas nas realidades, nas

capacidades locais e nos mecanismos

de enfrentamento.

Orientado para a prevenção

Identifica riscos, ameaças e perigos, e

aborda suas causas originárias.

Foco em respostas preventivas

através de uma estrutura de prevenção

e empoderamento.

Fonte: Human Security Unit, 2009

A partir da concepção do PNUD de 1994, a ONU desenvolve um aparato institucional

para contemplar a segurança humana e suas ameaças. Podemos, assim, destacar algumas das

principais iniciativas da organização.

29

Em março de 1999, o secretariado da ONU juntamente com o governo do Japão

estabelece a criação do Fundo Fiduciário das Nações Unidas para Segurança Humana, com

uma contribuição inicial de aproximadamente US$ 5 milhões dólares. Em 2001, sob a co-

presidência de Sadako Ogata e Amartya Sen, foi estabelecida a Comissão sobre Segurança

Humana, com a finalidade de promover apoio e maior entendimento sobre segurança humana,

bem como desenvolver o conceito como uma ferramenta operacional. Em 2003, foi criado o

Conselho Consultivo de Segurança cujas finalidades principais eram a de colaborar com o

Secretário-Geral da ONU na propagação do conceito de segurança humana e na gestão do

Fundo Fiduciário. Em 2004, com o objetivo principal de colocar a segurança humana entre as

principais atividades da ONU foi criado o Human Security Unit, assim, em 2010, seguindo

essa tendência de crescimento da concepção de segurança humana junto à ONU, elabora-se o

primeiro relatório do Secretário-Geral sobre Segurança Humana (A/64/701), esse relatório

delineou os princípios e abordagem para o avanço e implementação do conceito como uma

das prioridades da ONU. O segundo relatório do Secretário-Geral (A/66/763) é elaborado em

2012 e propõe um entendimento comum sobre segurança humana baseado nas opiniões

expressas pelos Estados-membros (Human Security Unit, 2009 p. 7-12).

Dessa forma, nota-se que a ONU vem construindo, desde a década de 1990, um

aparato institucional que tem se preocupado de forma crescente em fazer o conceito de

segurança humana protagonista das ações da organização, e através das iniciativas e diálogo

crescente com os Estados-membros demonstra estar sendo bem sucedida. Em publicação do

Human Security Unit (2006, p. 34) afirma-se que as ameaças hoje enfrentadas no mundo não

podem ser resolvidas isoladamente, elas demandam soluções abrangentes, integradas e

centrada nas pessoas, assim, argumenta-se, a ONU desempenha um papel essencial em

“traduzir o conceito de segurança humana para ações concretas”.

Segundo argumentam Buzan e Hansen (2009, p. 205) o que é crucial sobre o debate de

Segurança Humana é que ele mostra o valor da institucionalização (a sua gênese no PNUD e

sua adoção como um conceito por Estados como Noruega e Canadá). Os autores ainda

afirmam que, sim, a Segurança Humana articulou uma ampla agenda, mas que isso também

possibilitou “um ponto de encontro para diversos atores políticos que buscam aumentar o

apoio para questões de desenvolvimento e políticas externas humanitárias”.

1.4 Terrorismo

30

Nesta seção, destacaremos brevemente alguns pontos importantes acerca da temática

do terrorismo, abordaremos aspectos da sua história recente, definições conceituais e sua

institucionalização no âmbito da ONU.

O século XX, período das duas grandes guerras mundiais, conhece uma violência de

proporções e efeitos devastadores, assim, Hobsbawm procurando esclarecer o fator mais

perigoso na geração de tamanha violência, seja por Estados ou por rebeldes, expõe que:

Existe, no entanto, um fator mais perigoso na geração da violência sem limites. É a

convicção ideológica, que desde 1914 domina tanto os conflitos internos quanto os

internacionais, de que a causa que se defende é tão justa, e a do adversário é tão

terrível, que todos os meios para conquistar a vitória e evitar a derrota não só são válidos como necessários. Isso significa que tanto os Estados quanto os insurgentes

sentem ter uma justificativa moral para o barbarismo. (HOBSBAWM, 2007, p. 127,

grifo nosso)

O autor, no entanto, não credita essa “ascensão do megaterror” a “banalidade do mal”,

para ele, ocorre “a substituição dos conceitos morais por imperativos superiores”

(HOBSBAWM, 2007, p. 128). Observa-se, ao longo do século XX, que o terrorismo passa a

ser um instrumento de ação tanto de atores estatais como de não-estatais, suas táticas também

vêm se modificando ao longo das últimas décadas de forma notável. Quanto aos tipos de

ações táticas, tem-se na década de 1960 os ataques à bomba, na década de 1970 ocorrem os

ataques a aviões comerciais e nas décadas de 1980 e 1990 há uma combinação de ataques dos

dois tipos anteriores (SUAREZ, 2012, p. 366).

Quanto à definição do que é terrorismo, uma questão constante é a ausência de

consenso entre os autores. Ajibola (2015, p. 7), de forma sucinta, diz que o terrorismo “é

entendido como sendo uma atividade ilegal e violenta, direcionada, principalmente, aos

governos”. Ekmekci (2011, p. 125), trazendo o debate para o escopo acadêmico das relações

internacionais, expõe que a abordagem convencional trata as organizações terroristas como

atores “não-estatais”, porém, segundo o autor, colocar tais organizações como “não-estatais”

torna-se problemático na medida que a maioria das organizações terroristas são apoiadas e

exploradas por alguns Estados, como no caso do apoio norte-americano ao MEK (Mujahedin-

e-Khalq), do Irã. Com isso, Ekmekci identifica como um dos principais problemas dessa não

inclusão dos Estados como possíveis apoiadores do terror é a possibilidade de atos dos

Estados serem encobertos. Considerando essa questão e o apoio de alguns Estados as

organizações terroristas, o autor afirma “as organizações terroristas vêm sendo a ferramenta

dos “poderosos” tanto quanto o terrorismo tem sido a ferramenta dos fracos” (EKMEKCI,

2011, p. 127).

31

Também devido a essa percepção de que a abordagem convencional carece de

adequação, alguns autores (SEIXAS, 2008; SUAREZ, 2012), destacam a importância de se

considerar o contexto quando se trata de terrorismo. Suarez (2012, p. 22) expõe a necessidade

de uma “análise cultural, histórica e geopoliticamente situada” do terrorismo e que apresente

esse fenômeno como “complexo e multifacetado”.

Uma tendência da ação terrorista neste início de século identificada por Hobsbawm

(2007, p. 131-132) é que esta tornou-se global. O movimento terrorista, segundo ele “opera

conscientemente de maneira transnacional”. Como argumenta o Council on Foreign Relations

(2013, p. 1), devido a fronteiras permeáveis e sistemas internacionais interconectados, como

as comunicações, por exemplo, os grupos terroristas podem alcançar qualquer parte do

planeta. O exemplo mais notável desta tendência é a Al-Qaeda. Este grupo, responsável pelos

atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, possui entre suas principais

características a oposição à influência ocidental e a vontade de formar um califado islâmico

global. Como afirma Hobsbawm (2007, p. 132), sua atuação se dá através de um movimento

descentralizado, em que células pequenas e isoladas podem atuar sem o apoio da população e

sem base territorial. Assim, essa organização foi capaz de se espalhar amplamente, o Boko

Haram é um dos grupos que possui conexões com a Al-Qaeda, também o são a Al-Qaeda no

Magreb Islâmico (AQIM) e o Al-Shabab, na Somália (COUNCIL ON FOREIGN

RELATIONS, 2013, p. 1).

O âmbito institucional do terrorismo tem na ONU a supervisão de dezesseis

convenções que tratam deste tema, incluindo questões como financiamento dos grupos e

armas de destruição em massa, por exemplo. Entre os principais representantes na atuação

contraterrorismo da Organização estão o Conselho de Segurança e o seu Comitê Contra o

Terrorismo. O primeiro tem fortalecido o aspecto legal do contraterrorismo, criando

resoluções vinculativas, o segundo, atua na avaliação dos esforços dos Estados para

implementar as resoluções e avalia lacunas em suas capacidades, por exemplo. No entanto,

vale ressaltar que não há um responsável que possa garantir que os Estados cumpram os

compromissos feitos nas convenções e resoluções6.

Em resolução de 2014 a ONU reafirma, sobre o terrorismo: “terrorismo em todas as

suas formas e manifestações constitui uma das mais sérias ameaças a paz e a segurança

internacional e que todo ato de terrorismo é criminoso e injustificável, independente das suas

motivações, em que ocasião, ou quem o tenha cometido” (UNITED NATIONS SECURITY

6 Ibid., p. 3-4.

32

COUNCIL, Resolution 2133, 2014). Dessa forma, percebe-se que o terrorismo está entre as

principais preocupações da ONU, no entanto, a falta de consenso do âmbito acadêmico sobre

o tema também se faz presente na Organização, pois Estados, sobretudo do sul global,

questionam, por exemplo, a legitimidade do Comitê Contra o Terrorismo, devido o seu

mandato direto do Conselho de Segurança (COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, 2013, p.

3). Assim, da mesma forma que no escopo da segurança humana há aqueles que reivindicam

uma maior democratização das organizações internacionais, o Conselho de Segurança

também pode ter nesse caminho uma forma de aumentar o diálogo e a adesão dos países do

sul.

Em resumo, este capítulo procurou expor algumas das principais contribuições

teóricas acerca dos temas de maior relevância para o trabalho, assim, procuramos trazer

debates sobre segurança, segurança internacional, segurança humana e, por fim, terrorismo.

Dessa forma, será adotado nesse estudo o entendimento de Wæver (2004) sobre a

segurança internacional, o qual a entende como uma ideia relacionada à segurança nacional,

de forma que a segurança internacional complementa a segurança nacional. A abordagem de

segurança humana adotada, por sua vez, será a exposta pela Comission on Human Security

(2003) que entende que para poder proteger as pessoas se faz necessário garantir seus direitos

básicos. Por fim, o entendimento adotado quanto o terrorismo se dará a partir da visão de

Suarez (2012) que destaca a necessidade de considerar o contexto em que o terrorismo está

inserido e a sua complexidade.

Observa-se entre os textos utilizados que na área de relações internacionais, mas não

uma exclusividade sua, há vários posicionamentos e bastante dissenso na compreensão destes

temas. Devemos considerar a mutabilidade das questões tratadas e a contínua adequação do

debate às novas realidades. Com isso, nos encaminharemos para a segunda parte deste

trabalho que discutirá os aspectos históricos da Nigéria, para melhor compreendermos sua

formação e seu contexto atual.

33

CAPÍTULO 2

Contexto Histórico Nigeriano no Pós Independência, Etnia, Religião e

Diferenças entre Norte e Sul

Apresentou-se no capítulo anterior algumas das principais contribuições teóricas que

envolvem o tema do trabalho, esta segunda parte trará o desenvolvimento histórico nigeriano

a partir da sua independência em 1960. Também julgando necessário abarcar algumas

questões fundamentais da realidade do país, nesse sentido faremos uma discussão sobre as

questões étnica, religiosa e social, explorando as disparidades entre as regiões norte e sul,

buscando-se, assim, obter uma melhor apreensão deste país que tem na diversidade uma

característica essencial. Dessa forma, entendendo que a Nigéria está envolta de uma gama

diversa e complexa de fatores, procuraremos esclarecer suas questões fundamentais para que

então possamos compreender sua situação atual de violência em face da atuação do grupo

terroristas Boko Haram no país, posteriormente explorada no capítulo final do trabalho. O

capítulo, assim, abordará na primeira seção a história nigeriana no pós-independência. As três

seções seguintes abordarão respectivamente os aspectos, étnicos, religiosos e as disparidades

entre norte e sul.

2.1 A Nigéria no Pós Independência

Para tratarmos da Nigéria a partir da sua independência em 1960, devemos considerar

os fatores que são importantes para sua configuração. Nono maior país em extensão e o mais

populoso do continente africano, a Nigéria passa por acontecimentos marcantes nas últimas

décadas, dentre eles, dois períodos de governos militares e uma guerra civil, permeados por

disputas por recursos e consolidação nacional e democrática. Não podemos, no entanto, deixar

de observar a ação da Grã-Bretanha até esta data, pois muito do que ocorreu durante a

colonização britânica molda o que vemos hoje na Nigéria. Dessa forma, iniciaremos esta

seção tratando da África, e mais especificamente da Nigéria, ainda sob a colonização, de

modo a fazer uma contextualização para melhor notarmos os desdobramentos refletidos no

período independente.

O início da colonização do continente africano decorre da Conferência de Berlim, que

ocorreu entre os anos de 1884 e 1885, onde as potências coloniais europeias realizaram a

34

divisão do território do continente entre si, discutindo sobre “as terras da África centro-

ocidental, onde franceses, britânicos, portugueses e alemães já marcavam presença havia

algum tempo” (BARBOSA, 2008, p. 162).

É importante destacar que a forma de administração das colônias pelos europeus

variava consideravelmente, das chamadas administração direta à administração indireta, como

aponta Herbst (2000, p. 81) pode-se identificar um espectro referente à administração das

colônias, que vai da administração portuguesa com o sistema mais direto, franceses e belgas

colocando-se em nível intermediário, até o sistema de administração indireta aplicada pelos

britânicos.

A Grã-Bretanha, entre os anos de 1935 a 1945, controlava dezesseis territórios

africanos. Na África Ocidental, eram quatro, Costa-do-Ouro, Gâmbia, Serra-Leoa e Nigéria.

Nessas quatro, a administração ocorria de forma indireta, através dos chefes tradicionais

locais, “principais responsáveis pelos organismos locais” e que “se ocupavam frequentemente

e pessoalmente, da supervisão direta de numerosos aspectos da administração dos negócios”,

vale ressaltar que os ocupantes de tais funções sobreviveriam à independência7.

Elementos importantes a serem destacados nessa conjuntura são os eventos do século

XX, mais precisamente a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Estes tiverem um

impacto essencial na mudança de percepção dos africanos sobre o colonialismo e para o fim

desse sistema. A ocorrência da depressão econômica e a guerra estariam “na raiz das

mudanças que conduziriam à “descolonização” e na base da rápida transferência do poder aos

africanos”, a depressão fez diminuir as possibilidades de provisão pelas potências coloniais

aos territórios africanos e, fez com que os produtores rurais do continente, por exemplo,

vissem seus rendimentos diminuírem, o descontentamento daí originado abre caminho para os

nacionalistas (CROWDER, 2010, p. 92, 104).

A Grã-Bretanha, a partir de uma nova ideia provinda da crise, segundo a qual “o

governo britânico teria a obrigação de assegurar o bem-estar econômico e social das suas

colônias” cria estabelecimentos de ensino que acabam por criar “uma elite com uma

consciência política” que passa a notar as injustiças do sistema colonial, sobretudo em relação

à participação no sistema vigente. (CROWDER, 2010, p. 92, 116,120).

Com a vitória dos aliados na guerra os povos africanos passam a crer na maior

possibilidade de libertação, já que como apontam Suret-Canale e Boahen (2010, p. 191), “a

derrota do fascismo representava o insucesso de uma doutrina fundada sobre o racismo, a

7 CROWDER, 2010, p. 89-97 passim.

35

exaltação da força bruta e a negação dos direitos aos povos em dispor, por eles próprios, do

seu futuro”, assim, como argumentam os autores, “tratava-se, implicitamente, da condenação

do colonialismo”. Um fator importante, que suscitou mais descontentamentos entre os

africanos, foi o fato de que força africana foi utilizada no conflito, com homens e provisões,

para lutar pelos princípios de autonomia defendidos pelo lado vencedor, o que fez os povos da

África Ocidental questionarem o colonialismo e alimentarem sentimentos anticoloniais e

nacionalistas (SURET-CANALE, BOAHEN, 2010, p. 192). Justamente por não verem

refletidos em sua realidade o que pregam as colônias que os dominam, os africanos têm na

Guerra, e anteriormente na Crise de 1929, eventos que trazem para o continente

desdobramentos fundamentais que impulsionam a ascensão do nacionalismo.

Como identificam Suret-Canale e Boahen (2010, p. 196, 199), são três fatores

principais que atestam o fim do colonialismo na África Ocidental britânica: a ascensão do

nacionalismo africano, a atuação dos partidos políticos e dos movimentos nacionalistas e a

reação britânica à essa atuação. Tais partidos, nesse contexto, são caracterizados notadamente

por não serem elitistas e por congregarem militantes das zonas urbana e rural, tendo assim,

bastante apoio entre a população.

Assim, somente na década de 1960, ocorrem nove independências na África

Ocidental, entre elas a da Nigéria. A forma como se deu a independência nos países da África

Ocidental, apontam Suret-Conale e Boahen (2010, p. 205), foi com os britânicos recorrendo

principalmente a meios pacíficos e constitucionais, embora “o emprego da força ou da

violência não estivessem inteiramente fora de cogitação”. Após uma série de conferências,

entre Grã-Bretanha e os partidos nigerianos tem-se a “aceitação, por parte a Grã-Bretanha, das

reinvindicações de independência”.

Dessa forma, vemos que a Grã-Bretanha opta, na África Ocidental, por uma atuação

que concilie as lideranças locais com a dominação inglesa, com a presença de uma elite

ocidentalizada através da educação provida que se depara com um crescente sentimento

nacionalista entre a população nativa. A Nigéria se configura, dessa maneira, em um país que

tenta acomodar sua grande diversidade ao mesmo tempo em que luta pela sua consolidação

estatal a partir do legado deixado pelos colonizadores.

Com isso, antes de explorarmos a Nigéria no pós-independência, precisamos fazer

algumas considerações sobre a ideia de nação e Estado. Como afirma Rossolillo (1998, p.

795, 796), assim como os europeus utilizavam, antes da Revolução Francesa, o termo nação

em referência a toda Europa, aos Estados ou as cidades-Estado, os africanos também o

utilizam hoje para indicar a África, seus Estados e tribos. O autor argumenta que o conceito

36

de nação é geralmente concebido “como um grupo de pessoas unidas por laços naturais e,

portanto, eternos e que, por causa destes laços, se torna a base necessária para a organização

do poder sob a forma do Estado nacional”.

Elaigwu e Mazrui (2010, p. 522,523), por sua vez, identificam os aspectos objetivos e

subjetivos do conceito. Entre os objetivos encontram-se elementos como língua, cultura,

território, organização política e, por vezes, religião, os subjetivos referem-se ao sentimento

comum de identidade e a uma relação de identidade perante o grupo. Referindo-se ao

processo de edificação da nação e seu vínculo com os sentimentos de pertença e fidelidade, os

autores acreditam que esse processo ocorre através da “ampliação do horizonte até o qual os

grupos restringidos reconhecem a sua própria identidade, a ponto de englobar entidades mais

vastas, como o Estado", a aceitação e identificação com o governo central também fazem

parte desse processo.

No caso dos Estados da África no pós-independência, estes estavam configurados da

forma, muitas vezes arbitrária, que os colonizadores os traçaram e assim se mantiveram em

sua maioria, com poucas mudanças em seus desenhos territoriais. Como argumenta Herbst

(2000, p. 139, 103) “os países africanos tomaram como dado seus desenhos nacionais”, os

líderes do continente viam em questões como demografia, etnografia e topografia obstáculos

para se rearranjar os limites estabelecidos, além do mais, como expõe o autor “porque os

estados pré-coloniais não estavam organizados numa base territorial, eles poderiam ter pouca

ressonância em um mundo organizado em torno de limites rígidos”, em opinião contrária a

uma possível volta dos limites pré-coloniais. Assim, opta-se pela manutenção dos limites

firmados pelas potências coloniais.

O processo de edificação dos Estados africanos não se deu sem conflitos, a

“diversidade dos grupos humanos” presente no continente os fez inevitáveis8. Com a Nigéria

não foi diferente, Herbst (2000, p. 150) destaca essa diversidade, argumentando que o país

teve de engajar-se para balancear temores de uma dominação étnica e expansionismo

religioso, situação advinda “da complexa divisão étnica do país acompanhada de polarização

religiosa”. É nesse contexto social que a Nigéria torna-se independente da Grã-Bretanha em

1960, a partir do exposto a seguir, poderemos notar a busca pelo desenvolvimento do Estado e

a tentativa de acomodação dessa diversidade.

Com pouco mais de cinco décadas como um Estado independente, a Nigéria pode ter

sua história política dividida em cinco períodos, como fazem Suberu e Diamond (2002, p.

8 ELAIGWU, MAZRUI, 2010, p. 527.

37

401), a primeira fase, datada a partir da independência em 1960 e com duração de cinco anos,

é conhecida como Primeira República Nigeriana. A segunda fase refere-se ao regime militar

de treze anos, de 1966 a 1979, que sucedeu a primeira fase. Após esse período militar inicia,

em outubro de 1979, a Segunda República, durando até dezembro de 1983. A quarta fase

refere-se ao segundo regime militar, com início na véspera do ano de 1984 e término no ano

de 1999. Por fim, a quinta fase, refere-se ao momento atual, iniciado com o fim do último

período de governo militar.

Através de um ato do Parlamento britânico, em 1º de outubro de 1960 a Nigéria, então,

passa a ser um Estado independente, tendo como líderes Nnamdi Azikiwe, presidente, e

Abubakar Tafawa Belawa, primeiro-ministro (LOVEJOY, 1992, p. 47, 48). Nesse primeiro

momento pós-independência, a situação política do país era a de um governo federal, baseado

em três regiões. Como afirmam Elaigwu e Mazrui (2010, p. 540), “a política etnoregionalista

do país gerou, no quadro de um regime parlamentar, vigorosas regiões governadas por

potentes primeiros-ministros em contraste com um centro de poder enfraquecido”. Assim, na

Primeira República Nigeriana tem-se um fraco poder central que, como argumentam Suberu e

Diamond (2002, p. 402), juntamente com a “[..]estrutura federal etnoregionalista e coalisões

regionais concorrentes geraram uma série de conflitos que culminaram no golpe militar de

1966[...]”.

Com o advento, em 1966, dos militares ao poder, ocorre na Nigéria um agravamento

dos conflitos etnoregionais. Em 1967, eclodiu a Guerra Civil no país, durando até o ano de

1970. Esta tinha um caráter de secessão, com seu epicentro na região da Biafra e demonstrou

a intensidade das rivalidades interétnicas, constituindo-se, no que se refere à identificação

com o governo central, em um desafio “à autoridade do governo central e uma rejeição ao

sentimento de identidade comum” (ELAIGWU, MAZRUI, 2010, p. 524). Com o intuito de

transformar a realidade regionalizada do país para uma estrutura integrada, em 1967, a

Nigéria passa-se a ter doze estados, seis na região sul e seis na região norte. Essa iniciativa

ajudou a malograr as intenções secessionistas, a trazer uma estabilidade de longo prazo, bem

como a atenuar a preponderância da região norte em termos geográficos e demográficos, a

criação de sete novos estados em 1976 veio consolidar essa integração (SUBERU,

DIAMOND, 2002, p. 402).

Essas transformações culminaram, em 1979, no advento da Segunda República, que

estava envolta de boas expectativas. Estas se deviam principalmente ao petróleo que, como

afirma Lovejoy (1992, p. 73, 226) “os preços do petróleo estavam altos, e as receitas estavam

aumentando. Parecia que um desenvolvimento ilimitado era possível”. Este ano coincide com

38

a promulgação da nova constituição nacional, promovida pelos militares e que fazia parte da

estratégia de transição do período de governo militar para o civil, que, com o intuito de evitar

as falhas da Primeira República, tinha como propósito “eliminar a competição política

baseada no sistema de o vencedor pega tudo [system of winner-takes-all, no trecho original],

expandir o consenso político para uma base nacional, eliminando o excesso de centralização

de poder e garantir eleições livres e justas”.

Por essa constituição, como aponta Lovejoy (2002, p. 227), também foi instituído o

sistema presidencial, em substituição ao parlamentar, com o caráter federativo sendo

ressaltado, procurando-se uma distribuição de poder. Assim, evitando que este ficasse restrito

a alguns estados ou grupos étnicos. Suberu e Diamond, no entanto, apontam que, na prática,

as tensões étnicas não foram amenizadas pelo presidencialismo, como demonstram os autores:

O presidencialismo exacerbou a ansiedade política etnoregional na Nigéria. Muitas

suspeitas, disputas e recriminações inter-étnicas, foram geradas na Nigéria pela

percepção de que tal posição singularmente importante cai, ou pode cair, nas mãos

de um político de um grupo étnico rival. (SUBERU, DIAMOND, 2002, p. 412)

Somando-se a isso, o declínio da Segunda República foi fortalecido por fatores como o

fim do boom do petróleo em 1981, pelo declínio da economia devido a sua queda de preço, e

pela corrupção. Assim, o fim da Segunda República era iminente (LOVEJOY, 2002, p. 76).

A eleição seguinte, de 1983, foi marcada por fraude. Envolvendo principalmente o

partido governante da região norte, o NPN (National Party of Nigeria). Esse episódio,

segundo Suberu e Diamond (2002, p. 403) “destruiu a delicada balança institucional partidária

e de interesses étnicos que sustentou o federalismo nigeriano desde o início da República em

1979”.

Nesse contexto de desconfiança, em 1984, os militares usaram a fraude ocorrida nas

eleições como desculpa para retomar o governo. Esse golpe foi liderado por Muhammadu

Buhari, atual presidente nigeriano, cujos laços políticos o vinculam com o norte muçulmano

(LOVEJOY, 2002, p. 76.). Graves abusos caracterizaram o segundo período de governo

militar, que só se encerrou em 1999, entre eles corrupção desmedida, má administração

financeira, anulação das eleições presidenciais de 1993, concentração de poder em uma

oligarquia etno-militar, violações de direitos civis acompanhado da intensificação de

ressentimentos etno-regionais (SUBERU, DIAMOND, 2002, p. 403).

Assim, as medidas tomadas pelos governos militares tiveram consequências notórias

para a Nigéria. Entre elas, destacam-se os novos estados criados, tais reconfigurações que, por

39

fim, deixaram a Nigéria com 36 estados foram idealizadas para “responder a agitações locais

quanto à descentralização econômica e politica”, essa medida, teve, no entanto, entre seus

efeitos, a centralização de poder e de “manipulação do sistema de atribuição de receitas” pelo

governo federal (SUBERU, DIAMOND, 2002, p. 408). Assim, apesar do intento de

descentralização com a criação de mais estados, o período militar operou de forma a

centralizar o poder central em detrimento do poder dos estados, dando maior relevância, pela

via da centralização, à unidade e estabilidade nacionais.

Diante dessa insatisfação com a configuração administrativa do país, o fim do último

período militar e o início do governo civil em 1999 foi de bastante euforia, pois a expectativa

da população nigeriana era de que “a restauração da governança democrática iria acabar e

talvez reverter, a sistemática vandalização e violação das estruturas e processos federais pelos

militares” (SUBERU, DIAMOND, 2002, p. 410). O período de governo civil iniciado em

1999 e atualmente vigente foi inaugurado pelo presidente de origem Yoruba, Olusegun

Obasanjo, que já havia comandado o país entre os anos de 1976 e 1979, durante o período

militar. Apesar do governo civil e as expectativas em sua volta, ainda hoje os governos

nigerianos lutam para combater a corrupção permanente na política do país, ao mesmo tempo

em que ainda lidam com as rivalidades etno-regionais na tentativa de fazer da Nigéria um país

estável apesar de toda sua complexidade.

Os últimos governos, de Goodluck Jonathan e do atual presidente, Muhammadu

Buhari, trazem uma perspectiva mais otimista para a democracia do país, com transições de

governo sem interferências no processo eleitoral e sem a violência registrada em ocasiões

anteriores.

Dessa maneira, percebe-se que o desenvolvimento da Nigéria em termos políticos

ocorre não sem crises e turbulências, concebíveis para um país de tamanha complexidade

populacional e histórica. Passando de um governo central frágil no pós-independência, para o

resoluto poder central do período militar, chegando aos atuais avanços em sua democracia, a

Nigéria, apesar da grave situação politica e social que enfrenta sobretudo na região norte do

país e dos demais desafios na gestão estatal, dá sinais de que vem consolidando seu regime

democrático.

40

2.1 Etnicidade na Nigéria

Devido a grande influência que as questões étnicas desempenham na Nigéria não

podemos desconsiderar esse seu aspecto fundamental. Nessa seção abordaremos a

configuração étnica da Nigéria. Contudo, dada sua imensa gama de grupos étnicos, nos

ateremos principalmente aos grupos preponderantes em sua história, sendo eles o Hausa-

Fulani, o Yoruba e o Igbo, localizados nas regiões norte, sudoeste e sudeste, respectivamente.

Iniciaremos pelos esclarecimentos conceituais dos termos para depois discorrermos sobre a

conformação histórica dos grupos étnicos na Nigéria, ressaltando seus pontos de disputa e

demonstrando que estes são algo constante na sua acomodação.

A Nigéria é reconhecida pela sua extraordinária diversidade, sua grande quantidade de

grupos étnicos é um dos fatores que compõem essa diversidade e ajudam a formar um dos

aspectos da identidade9 do país. Etnicidade é definida segundo Osaghae (1995, p. 11) como o

“emprego e mobilização da identidade étnica e diferença para obter vantagens em situações de

competição, conflito ou cooperação”, como segue o autor, vale ressaltar que, apesar de seu

aspecto competitivo, a etnicidade não é sempre conflituosa. Por outro lado, Levi (1998, p.

449) abordando o conceito de etnia ressalta que “etnia é um grupo social cuja identidade se

define pela comunidade de língua, cultura, tradições, monumentos históricos e territórios”, o

autor destaca que “as relações sociais que derivam do fato de pertencer à mesma etnia criam

interesses coletivos e vínculos de solidariedade caracteristicamente comunitários”.

Ambos os autores tocam em um ponto crucial para se entender como se estabelece a

questão étnica na Nigéria, esta se dá nitidamente pela ideia de representatividade e acesso aos

recursos nacionais, ou seja, é movida em prol dos benefícios e interesses do grupo.

Fundamentada nesses anseios, a relação entre os grupos étnicos no país ocasiona grande

instabilidade, que fica claro, como expõe Odeyemi (2014, p. 1) “em momentos de competição

por ações do bolo nacional e nomeações políticas para altos cargos, controle de recursos, de

liderança dos partidos políticos e cargos ministeriais”.

Os grupos étnicos10

, expressados por Osaghae (1995, p.13) como sendo aqueles que

possuem uma identidade e afinidade em comum que diferencia o “nós” do “deles”, se

9 Identidade é compreendida, para o contexto desse trabalho, como definem Osaghae e Suberu (2005, p.5)

“qualquer atributo de um grupo que forneça reconhecimento ou definição, referência ou afinidade, coerência e

significado para os membros individuais do grupo, agindo individual ou coletivamente”. 10

No uso coloquial da Nigéria, esses grupos eram comumente referidos como “tribos”. Na cultura nacional

emergente no país esse assunto era discutido como “tribalismo”, um termo moralmente condenável cuja

conotação era similar a termos americanos tais como “discriminação”, “racismo” e “preconceito”. Com as

políticas nacionais nigerianas usualmente tendo fomentado a tolerância há, assim, uma campanha de longo prazo

41

apresentam de forma abundante na Nigéria. Segundo afirmam Cohen e Goldman (1992, p. 97)

não há um número definido de grupos étnicos no país, mas estima-se que este número varie

entre 250 a 400. Retratando a conformação regional dos grupos, os autores argumentam:

Os maiores grupos de unidades étnicas conectadas são regionais. A Grã-Bretanha

governou a maior parte da área da atual Nigéria como dois protetorados de 1900 a

1914, os protetorados sul e norte cada um com administrações regionais distintas.

Estas partes foram unidas finalmente sob um único governo colonial da Nigéria em

1914. Mas eles mantiveram as suas autoridades de base regional, divididas depois de 1914 em três unidades regionais. (COHEN, GOLDMAN, 1992, p. 98)

Assim, a regionalização dos grupos étnicos nigerianos ocorre com o sul incluindo a

área ocidental Yoruba e a área oriental Igbo. O norte abrange os falantes da língua Hausa, os

Fulani e os Kanuri. A região do Cinturão do Meio, que se estende da costa leste ao oeste da

região central do país, concentra várias minorias étnicas sem influência política (COHEN,

GOLDMAN, 1992, p. 98, 99). Na ilustração a seguir podemos observar a disposição dos

grupos na Nigéria:

Figura 1- Maiores grupos étnicos da Nigéria

Fonte: Africa Center for Strategic Studies

para a substituição do termo “tribo” ou “tribal” pelo conceito mais universal de etnicidade. (COHEN,

GOLDMAN, 1992, p. 97)

42

A partir dessa configuração étnico-regional e dos laços desenvolvidos entre os

membros de um grupo, cria-se, como afirmam Cohen e Goldman (1992, p. 110), um “forte

senso de destino compartilhado” que fundamenta a organização étnica em torno das questões

políticas. Assim, como argumentam os autores, quando surgem os partidos políticos eles

representam os grupos étnicos de cada região. Com isso, a disputa por cargos públicos

acentuou a competição étnica.

Odeyemi (2014, p. 4, 5) observa a questão da competição étnica, sobretudo a que

ocorre nos países africanos. Segundo o autor, a competição étnica, em particular nos países do

continente, ocorre devido a “grande dependência dos recursos públicos para virtualmente toda

forma de subsistência”. Ter acesso a esses recursos “é crucial aos grupos concorrentes”,

ademais, a “principal razão dos grupos competirem por poder no governo é porque este é

essencialmente onde ocorre a decisão final das políticas de alocação” (dos recursos). Assim,

essa competição por acesso ao governo e aos seus recursos é, para o autor, “usualmente a

causa originária das revoltas civis inter étnicas”.

Apesar da origem dos conflitos étnicos na Nigéria datarem de antes do período

colonial, o colonialismo foi o fator mais importante para os conflitos de identidade no país.

Como argumentam Osaghae e Suberu (2005, p. 15, 16), “por aglomerar os diferentes grupos

nigerianos em uma entidade política culturalmente artificial, por exemplo, os britânicos

estimularam a competição intergrupo e mobilização por poder e recursos no novo Estado,

fomentando, assim, conflitos étnicos.”

A divisão de estrutura federal em três unidades, norte, oeste e leste, feita pelos

colonizadores em 1954, tornou-se uma fértil causadora de tensões etno-regionais. Entre os

desdobramentos causados por essa divisão estão:

A estrutura federal tripartite, em particular, promoveu a hostil hegemonia política da

região norte, dominada pelos Hausa-Fulani, que continha oficialmente mais de

metade da população do país e dois terços de seu território; fomentou o chauvinismo da maioria étnica e secessão ao estabelecer os limites das regiões norte, oeste e leste

em torno das identidades das principais formações étnicas de Hausa-Fulani, Yoruba

e Igbo, respectivamente; abasteceu agitações de minorias étnicas porque negava aos

grupos não Hausa-Fulani, não Yoruba e não Igbo a segurança de suas próprias

regiões; e incentivou um enorme grau de polarização etno-regional conforme a

estrutura etno-regional tripartite desequilibrada (que se tornou ainda mais

estruturalmente desequilibrada com a criação da região Centro-oeste, no sul em

1963) inexoravelmente colapsou em um confronto bipolar norte-sul. (OSAGHAE,

SUBERU, 2005, p. 16)

Entre os episódios que exemplificam tal polarização etno-regional estão “a derrubada

da Primeira República, em 1966, seguido do sangrento golpe etno-militar” e a “tentativa de

43

secessão da região leste, sob a liderança do governador militar Igbo, Odumegwu Ojukwu,

como a República independente da Biafra”, que culminou com a guerra civil. Assim, mesmo

após a divisão em seis zonas geopolíticas do território nigeriano, em 1996, a predominância

dos três principais grupos étnicos determinados na divisão das três unidades permanece

(OSAGHAE, SUBERU, 2005, p. 12,17).

Outro desdobramento que afeta diretamente a juventude do país encontra-se na busca

por protagonismo de seus grupos étnicos. Essa questão se evidencia no surgimento de novos

movimentos étnico-juvenis tais como o Odua Peoples Congress e o Niger Delta Peoples

Volunteer Force. Os autores destacam como fatores determinantes dessa questão a frustração

socioeconômica aliada ao desemprego, o legado de repressão e impunidade estatal desde

1984, e a incapacidade das forças nacionais de segurança de cumprir com as suas obrigações

básicas de proteção (OSAGHAE, SUBERU, 2005, p. 13,14).

Dessa forma, o que se observa do contexto étnico nigeriano é que sua inegável

diversidade não gera por si só as turbulências étnicas que ocorrem no país. Com a organização

das unidades regionais que foram estabelecidas ao longo dos anos acentua-se o

distanciamento entre os grupos, o que faz com que a competição daí suscitada, torne-se a

principal base das tensões, pois está aliada a busca por representatividade e por recursos,

sobretudo dos grupos étnicos maiores, acentuando suas rivalidades. A incapacidade do Estado

em equilibrar a participação dos grupos no âmbito político e de contornar os problemas

sociais que afligem a população torna-se um agravante que faz do cenário étnico nigeriano

palco de constante instabilidade.

2.2 Religião na Nigéria

Entre os aspectos mais importantes que compõem o quadro social da Nigéria, a

religião é um dos indispensáveis a serem debatidos. Nesta seção, buscaremos expor alguns

dos pontos principais das três religiões com mais representação no país, a religião tradicional,

o cristianismo e o islã. Para isso, realizaremos uma abordagem histórica das suas

configurações na Nigéria. Isso se faz necessário para que entendamos a relação da religião

com um dos aspectos fundamentais desse trabalho, o grupo radical Boko Haram,

desenvolvido no norte muçulmano da Nigéria.

A África, diferentemente de outros lugares, relaciona-se com a religião de uma forma

particular. Como colocam Tshishiku, Ajayi e Sanneh (2010, p. 605), a religião “impregna

44

toda a trama da vida individual e comunitária da África”, o que podemos relacionar com o que

os autores identificam como o “problema da religião” quanto à transformação social do

continente. Para eles, este se observa no “vigor do sentimento religioso e da pluralidade de

religiões”. Assim, congregar os diferentes povos com suas diferentes religiões se faz um

desafio para o continente e, da mesma forma, para a Nigéria.

A base religiosa do país, como anteriormente mencionado, assenta-se sob as religiões

tradicional, cristã e islâmica. Com a religião islâmica dominando o norte do país enquanto a

região sul é dominada pela cristã.

Iniciaremos, assim, a exposição das religiões pela religião tradicional. Destaca-se

nessa religião sua estreita relação com a natureza, entendendo-se que:

A religião tradicional africana constituiu, especialmente, em um meio de explorar as

forças da natureza e de sistematizar os novos conhecimentos sobre o ambiente

humano e físico. Em seu desejo de compreender os múltiplos aspectos da natureza e

de fazer frente a eles, o africano identificou várias divindades e instaurou numerosos

cultos (TSHISHIKU, AJAYI, SANNEH, 2010, p. 606).

A religião tradicional apresenta-se como uma doutrina mais aberta e flexível se

comparada ao cristianismo e ao islã. Como afirmam os autores “Ela tolerava a inovação

religiosa como manifestação de um novo saber, sempre esperando interpretar e interiorizar

estes conhecimentos no âmbito da cosmologia tradicional.” Opondo-se ao proselitismo das

religiões cristã e islâmica, as quais argumentam “serem as únicas a terem tido a revelação da

Verdade”, ademais da sua forte concorrência e não aceitação em coexistirem com outras

religiões (TSHISHIKU, AJAYI, SANNEH, 2010, p. 606).

Apesar da majoritária presença do islã e do cristianismo na Nigéria, a religião

tradicional ainda possui uma presença significativa. Entre os fatores que contribuem para a

sua persistência destaca-se a sua relação com os aspectos da saúde, e o serviço dos

curandeiros, como argumentam Tshishiku, Ajayi e Sanneh, “A sociedade tradicional africana

tinha uma visão muito ampla sobre a saúde, envolvendo o bem estar na vida cotidiana”,

muitos cristãos e muçulmanos, inclusive, utilizam dos conhecimentos medicinais da religião

tradicional, contribuindo para assim para a sua persistência (TSHISHIKU, AJAYI, SANNEH,

2010, p. 610).

Com o colonialismo, a religião cristã expande-se no continente. A religião tradicional,

nesse contexto, passa a ser percebida como a religião de uma África subjugada, assim cresce a

adesão ao cristianismo e ao islã. Ao contrário das posições do islã e da religião tradicional, o

cristianismo na África se desenvolve em colaboração ao colonialismo que, ao mesmo tempo,

45

incentivava a adesão de sua doutrina de forma a “alcançarem um mundo em vias de

modernização” (TSHISHIKU, AJAYI, SANNEH, 2010, p. 613).

Na Nigéria, a localização da religião cristã ocorre principalmente na parte sul do país,

com presença em algumas áreas isoladas do norte. A região Yoruba é tradicionalmente

protestante e anglicana, enquanto na região Igbo predomina a igreja católica romana. Um

elemento interessante que se observa no país é a combinação do cristianismo com elementos

naturais do país. Exemplo disso ocorre nos anos 1980 quando músicas e danças africanas

foram introduzidas nas igrejas, “embora alteradas para encaixarem-se nos rituais de origem

europeia” (COHEN, GOLDMAN, 1992, p. 128, 129).

Osaghae e Suberu (2005, p. 11) ainda destacam que, a partir da atuação de órgãos

como a Christian Association of Nigeria (CAN), as igrejas desempenham um “importante

papel como parte integral da sociedade civil nos esforços antimilitares e democratizantes”.

Por fim, completando a composição das principais religiões da Nigéria, temos o islã. O

termo islã significa “submissão a Deus”, assim, “aquele que se submete é muçulmano”. A

religião islâmica origina-se com o profeta Maomé, que em 610 D.C inicia uma série de

pregações concedida a ele por Deus (Allah) através do arcanjo Gabriel. Em 622 D.C, sua

jornada para a cidade de Medina marca o início do calendário muçulmano neste mesmo ano.

Após a sua morte, suas palavras, consideradas como vindas diretas de Deus são organizadas,

dando origem ao Alcorão (COHEN, GOLDMAN, 1992, p. 123, 124).

Na Nigéria, a chegada do islã ocorre no século XII quando “estudiosos e mercadores

do norte da África faziam incursões nas rotas de comércio do deserto do Sahara no que mais

tarde se tornou o norte da Nigéria”. Outra fase relevante para o islã no país ocorre no século

XIX, em 1804, com a jihad de Usman Dan Fodio, “esse profeta islâmico e reformista social

liderou uma grande jihad que em cinquenta anos tirou todos os governantes Hausa dos seus

postos e estabeleceu a hegemonia Fulani na maioria do que hoje é o norte nigeriano”. No país,

a seita islâmica mais comum é a seita Sunita e no seu âmbito as seitas mais proeminentes são

a Quadriyya e a Tijaniyya, com “a maioria dos muçulmanos do norte da Nigéria,

especialmente os cidadãos comuns adotando a Tijanniya, enquanto a Quadriyyas possui mais

aderentes da elite”11

.

Aproximando mais a sociedade da questão religiosa, se faz necessário apontar a

relação dos diferentes grupos da Nigéria frente ao islã, pois esta relação diz muito sobre a

radicalização de alguns segmentos sociais e também da violência atualmente patente no país.

11

ALAO, 2013, p. 6-10 passim.

46

Verificam-se diferenças nas relações dos grupos étnicos com a religião, assim também ocorre

com os grupos Hausa-Fulani no norte e os Yoruba no sul com relação ao islã. Os Yorubas são

mais flexíveis no que diz respeito à religião, assim, também os são com o islã. Essa

diferenciação de postura frente ao islã acarreta algumas implicações que ajudam a

compreender sua radicalização, entre elas estão:

Em primeiro lugar, a adesão estrita às crenças islâmicas faz os Hausa/Fulani

muçulmanos deverem maior fidelidade à sua religião do que à sua etnia ou até

mesmo ao Estado nigeriano, uma situação que os muçulmanos Yoruba, pelo menos

por um tempo muito longo, acharam um pouco difícil de tolerar. Em segundo lugar, isso explica por que, ocasionalmente, os muçulmanos da região norte do país se

consideram "superiores" aos muçulmanos Yoruba, cuja versão do Islã eles acreditam

ser adulterada (ALAO, 2013, p. 11, 12).

Essas duas questões estão presentes na dinâmica atual da Nigéria, fazendo-se nítidas

no grupo Boko Haram que, como veremos, faz uso das lógicas citadas para fundamentar suas

operações, uma das suas principais reinvindicações é justamente pelo retorno ao “verdadeiro

islã”. Poderemos observar o emprego da radicalização de forma mais explícita no próximo

capítulo.

Assim como a etnia a religião é um elemento de extrema importância para os

nigerianos, moldando a relação da sociedade desde antes do território da Nigéria ser como se

apresenta hoje. Notamos a continuidade e flexibilidade da religião tradicional e também a

presença mais forte do cristianismo e do islã, este desenvolvido, sobretudo no norte, possui

uma dinâmica particular que aliada aos grupos étnicos da região se expressa de uma forma

mais acentuada em comparação a religião tradicional ou ao cristianismo.

2.3 Disparidades entre as regiões Norte e Sul

Como vimos pelo exposto até então, na Nigéria, aspectos identitários, como etnia e

religião, com frequência polarizam o país devido aos interesses de seus respectivos grupos. As

diferenças entre as regiões norte e sul observadas na Nigéria refletem em grande medida tais

polarizações e o delineamento territorial a que o país foi submetido. Com isso, nesta seção

buscaremos compreender como se configuraram as disparidades regionais e as tensões que

esta conjuntura oferece a Nigéria.

O delineamento territorial realizado pela Grã-Bretanha teve importante papel na

configuração das diferenciações entre o norte e o sul nigeriano. Conforme demonstrado

47

anteriormente, o arranjo de três unidades realizado pelos britânicos em 1954 foi um fator

desencadeador de agitação etno-regional, entre outras razões por institucionalizar a

hegemonia da região norte. Entre os elementos envolvidos na atuação britânica associados às

disparidades regionais tem-se:

(...) a diferente administração e modernização das seções norte e sul deste estado

colonial. Esta diferenciação engendrou uma enorme fissura geopolítica histórica

entre a hegemonia política do Norte e a ascendência socioeconômica do Sul, que

continua a assombrar a política nigeriana até hoje (SUBERU, DIAMOND, 2002, p.

401).

No âmbito do período de governo militar, priorizou-se o poder do governo central em

detrimento do regional. Refletindo essa postura, a criação de novos estados, a partir de 1967,

acarretou na diminuição da hegemonia geográfica e demográfica do norte, que possuía uma

pequena vantagem populacional. No entanto, a predominância política da região persistiu,

sobretudo no segundo período de governo militar onde a região deteve os quatro mandatos

para governantes. Esse domínio do poder pela região norte representou no período de 1984 a

1999, segundo os autores, um fator que prejudicou o federalismo do país, também

desencadeando “muito alarme, alienação e até paranoia” (SUBERU, DIAMOND, 2002, p.

404, 409).

Essa preocupação referente aos cargos políticos e a representatividade, reflete a

competição que predomina no campo politico nacional. Como afirma Sodipo (2013, p. 4) “os

políticos nigerianos eram, e continuam a ser, dominados pela competição feroz pelos recursos

socioeconômicos e por uma visão do Estado enquanto principal fonte de benefícios”.

Dessa forma, fontes de recursos tais como as provindas do petróleo são alvos de

bastante discussão. Podemos observar essa controvérsia em dois momentos. O primeiro

ocorre pouco tempo após a independência quando da descoberta de grande quantidade de

petróleo comercializável na região leste, o que suscita, a partir da grande quantidade de

receita daí provinda, a agitação das regiões norte e oeste que reivindicavam ao governo

federal “uma nova fórmula de partilha de receitas baseado ou no princípio da necessidade ou

no princípio de desenvolvimento/interesse nacional” (ODEYEMI, 2014, p. 5). O segundo

momento ocorre antes das eleições de 2015 que leva Muhammadu Buhari ao poder, na região

do Delta do Níger, sul do país, com o grupo militante Movimento para a Emancipação do

Níger (MEND, na sigla em inglês) que afirma estar lutando para “garantir que as receitas do

petróleo provenientes da região sejam devolvidas para os moradores da área e para garantir

reparações do governo federal para a poluição ambiental causada por esta indústria” (AFRICA

48

CENTER FOR STRATEGIC STUDIES, 2015). Assim, os recursos provenientes do Estado

aliados a polarização regional faz serem frequentes as agitações em torno de sua distribuição,

perpetuando as rivalidades e trazendo instabilidades ao país.

Em meio a esse jogo de recursos e interesses faz-se presente a corrupção. A ligação

entre corrupção e os Estados africanos, acontece a partir de uma dinâmica interessante. Ao

contrário da Europa que presenciou grandes guerras em seu território e com isso construiu um

sólido elo entre população e Estado sobre a necessidade de arrecadação de impostos frente às

ameaças externas, os Estados africanos com seu longo período de paz não formaram esse elo,

não construindo, assim, um compromisso de provimento, ou seja, uma relação de

compensação entre os representantes do Estado e a população (HERBST, 2000, p. 130, 131).

Na Nigéria, o petróleo, como exposto, tem sido fonte de grandes recursos, tornando-se

um dos principais, se não o principal, alvo da corrupção no país. Essa questão ilustra, assim, a

colocação de Herbst (2000, p. 131) que argumenta, “quando os líderes recebem grandes

quantias de dinheiro sem fazer compromissos com a população local, eles são livres para

gastá-lo de formas não produtivas, especialmente, enriquecendo a si mesmos e a seus

seguidores”. O caso da Nigéria exemplifica esse entendimento, demonstrando que parte

significativa dos ocupantes do poder estatal procura essa função como uma forma de suprir

seus próprios interesses em detrimento dos interesses da sua população.

Assim como a corrupção, outro fator que agrava a situação da Nigéria e destoa entre as

regiões são alguns indicadores sociais, principalmente aqueles envolvendo pobreza. 25,7% da

população nigeriana encontra-se em situação de pobreza extrema12

, quando observamos a

situação por região nota-se a nítida disparidade entre elas. Como demonstra a tabela abaixo:

Tabela 1 – Taxa de Pobreza na Nigéria

Incidência da Pobreza 2012-2013 (% da População)

Nacional 33.1

Central Norte 31.1

Nordeste 50.2

Noroeste 45.9

Sudeste 28.8

12

Human Development Report, 2014, p. 180.

49

Sul Sul 24.4

Sudoeste 16.0

Fonte: Nigeria Economic Report -World Bank, 2014.

Pela tabela, podemos observar que a região norte concentra as piores taxas, com a

porcentagem mais alta da população em situação de pobreza. Essa tendência também ocorre

com fatores como alfabetização entre os jovens, frequência escolar e acesso à água potável

(SODIPO, 2013, p. 4.), com a região norte apresentando índices piores em relação à região

sul. Assim, fica clara a preponderância do Sul em termos de indicadores sociais, com o Norte

possuindo uma situação social mais grave e enfrentando um maior desafio em combater tais

índices, em uma região que atualmente reflete os problemas sociais que vivencia,

demonstrados através da flagrante insatisfação e violência com que se depara a população

local.

Dessa forma, a disparidade entre o norte e o sul nigerianos é um elemento que se pode

observar com facilidade a partir das diferenciações a que as regiões foram submetidas ao

longo dos anos, sejam administrativas, remontando a atuação da Grã-Bretanha ou etno-

regional, com seus grupos e crenças característicos. Nota-se que a preponderância política

desempenhada pelo norte, principalmente durante o período militar, não ocorre no âmbito

social, com o sul apresentando os melhores índices socioeconômicos. A corrupção e as

disputas por poder ajudam a manter as polaridades, reforçando os interesses de cada grupo e

região em detrimento do interesse da nação, assim, as disparidades entre as regiões perpassam

também pelas questões identitárias, étnicas e religiosas, e não pode ser vistas de forma

isolada, já que cada elemento impacta e influencia o outro.

Em síntese, o processo histórico da Nigéria anterior à independência possui forte

influência na configuração política e social do país, que persiste mesmo após o fim do

colonialismo britânico. Uma vez independente, a Nigéria teve de enfrentar desafios relativos à

governança, corrupção e tensões identitárias. Podemos identificar na competição por poder e

representatividade o elemento comum entre as questões étnicas, religiosas e regionais. A

preponderância dessa competição tem dificultado a tarefa de edificação da nação, fazendo

com que, através da politização de tais elementos da identidade nigeriana, seja reforçada a

polarização no país, o que gera um ciclo vicioso de instabilidade. Assim, ao se pensar em uma

alternativa que vise o progresso nacional da Nigéria, deve-se priorizar os fatores que suscitam

50

as instabilidades que como vimos decorrem sobremaneira das dificuldades socioeconômicas e

da atuação individualista e falha dos representantes estatais.

51

CAPÍTULO 3

Boko Haram na Nigéria e os Custos Humanos

Como vimos até então, são vários os fatores que moldam o contexto social nigeriano,

desde sua história até a configuração da sua sociedade, influenciando o cenário atual. Assim,

depois que tratamos destas questões iremos agora verificar como o terrorismo contemporâneo

se desenvolveu na Nigéria, e a partir daí observar como os graves abusos que ocorrem no país

estão presentes não apenas entre os membros do Boko Haram mas também entre os agentes

estatais. Analisaremos se entre tais abusos ocorrem crimes contra a humanidade e se sim,

quais são os seus perpetradores e de que forma eles ocorrem no país, destacando a condição

da população civil nesse cenário de conflito.

Iniciaremos o capítulo expondo como surgiu o Boko Haram e quais são os fatores que

envolvem o seu surgimento, evidenciando no que estão amparadas as suas ideias e quais são

seus objetivos a partir delas. Na segunda parte do capítulo destacaremos o desenvolvimento

das ações terroristas do grupo e os seus alvos. Na terceira parte mostraremos a atuação do

Boko Haram e das forças nacionais nigerianas como geradores dos abusos que ocorrem no

contexto do conflito, para então analisarmos a ocorrência de crimes contra a humanidade no

país. A quarta parte, por fim, discorrerá sobre algumas das iniciativas governamentais para

combater o grupo, adicionados a esse esforço de combate, trataremos da ajuda militar externa

recebida pela Nigéria.

3.1 Origens e Objetivos do Boko Haram

Surgido no norte da Nigéria e, desde 2009, tendo intensificado o uso da violência em

seus atos, o Boko Haram é um grupo terrorista muçulmano que vem aterrorizando a

população nigeriana em nome de seus objetivos, sendo os professados, “livrar o país de seu

governo corrupto e abusivo e instituir o que eles descrevem como pureza religiosa”13

.

O nome real do grupo e pelo qual eles preferem ser chamados é “Jama‟atu Ahlis

Sunna Lidda‟awati Wal-Jihad” (Pessoas comprometidas com a propagação dos ensinamentos

do Profeta e da Jihad). No entanto, as pessoas e a mídia os chamam pelo nome “Boko

Haram”. Este nome é expresso pela composição das línguas hausa e árabe, sua tradução literal

13

Human Rights Watch , 2012, p.5

52

pode ser entendida como a “educação ocidental é proibida”, com o termo “Boko” designando

educação ocidental e “haram” referindo-se a proibida. A apreensão mais adequada do nome,

contudo, revela-se no seu entendimento como “a civilização ocidental é proibida”, pois a

oposição do grupo não se limita a educação ocidental (ADIBE, 2013; HUMAN RIGHTS

WATCH, 2012).

A questão da educação pode ser relacionada à atuação colonial e à importância que a

religião possui sobre a população africana, como anteriormente mencionado. O que vemos no

discurso do Boko Haram quanto a oposição à educação é que o grupo entende que, antes do

colonialismo, o islã era amplamente disseminado pela Nigéria e assim permaneceu até o

domínio colonial no país, isso, na visão deles, “(...) afetou todos os aspectos da vida, em

particular o sistema educacional, erodindo, desse modo, algumas doutrinas do islã”

(AJIBOLA, 2015; MURTADA, 2013).

Com uma história de revoltas, a região norte, onde se desenvolve também o Boko

Haram, presenciou o surgimento, no século XIX, do Califado de Sokoto, liderado por Usman

dan Fodio. Este inicia uma guerra santa “contra o corrupto e o injusto governo Hausa”,

também estabelecendo a sharia na região. A revolta de Fodio acaba sendo suprimida pela

incorporação da região ao domínio britânico. Já no pós-independência, na década de 1980,

surge na região a seita religiosa radical Maitatsine que se opunha a elite dominante do país

considerada corrupta e abusiva, a seita chega ao fim com a atuação do governo militar, então

no poder (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 22).

Nessa região de recorrentes conflitos, nasce Muhammad Yusuf, o criador do Boko

Haram. A data de origem no grupo possui algumas controvérsias. Como expõe Adibe:

(...) a seita foi na verdade iniciada em 1995 como Sahaba e foi inicialmente liderada

por um Lawan Abubakar, que mais tarde partiu para novos estudos na Universidade

de Medina na Arábia Saudita. Yusuf dizia-se ter assumido a liderança da seita após a

saída de Abubakar e imediatamente embarcou em um intensivo e extremamente bem

sucedido recrutamento de membros de tal forma que ele tinha mais de 500.000

membros antes de sua morte. (ADIBE, 2013, p. 11)

Apesar dessa exposição, a crença mais popular é que o grupo foi formado no ano de

2002 por Yusuf, que envolvido com movimentos políticos religiosos em anos anteriores, cria

nesse ano o grupo independente Boko Haram.

No ano de 2003 verificam-se os primeiros relatos de confronto armado com a polícia,

influenciados pela propagação do grupo empreendida por Yusuf. Em seguida, o líder do grupo

“assume o controle da cidade de Borno como o reduto de poder da sua da’wah [propagação] e

continua a incitar a juventude para a jihad, contra a opressão do governo e os alertando contra

53

a educação ocidental e a „modernidade‟”14

(MURTADA, 2013, p. 7). Assim, nos seus anos

iniciais, afirma Onuoha (2013, p. 19), o grupo se consolidou nos estados de Borno, Yobe,

Katsina e Bauchi, região nordeste da Nigéria.

O ano de 2009 se apresenta para o grupo e para o país como o ano em que ocorre a

transformação mais incisiva em termos de violência e reorganização do movimento. Essa

transformação decorre da morte, nesse ano, de Muhammad Yusuf. Os acontecimentos desse

ano iniciam com a confrontação entre seguidores de Yusuf e a polícia. Foi instituída, em

2009, uma nova legislação sobre uso de capacetes para motociclistas, o que fez o governo de

Borno orientar a polícia para que reforçasse o uso desse item, ação parte da chamada

“Operation Flushout”.

Durante a operação, alguns seguidores de Yusuf dirigiam-se a um funeral de

motocicletas, porém sem os capacetes, a polícia os encontrou e os abordou de forma violenta,

o que levou a um violento confronto no funeral. Cerca de dezoito membros do Boko Haram

sofreram ferimentos. Esse episódio gerou grande descontentamento em Yusuf o que o fez

escrever sua “Carta Aberta ao Governo Federal” onde Yusuf “ameaça o governo e demanda

que eles respondam em 40 dias com vistas a uma resolução entre o governo e seu grupo, caso

contrário, „operações da jihad começariam no país as quais apenas Allah será capaz de parar‟”

(MURTADA, 2013, p. 8).

O prazo estipulado por Yusuf encerra-se sem uma resposta do governo, o que leva a

uma série de confrontos entre o grupo e as forças do governo em várias cidades do país. Em

um desses confrontos a polícia ataca uma mesquita, usada por Yusuf para lições e leituras. A

polícia prende Yusuf nesse confronto, em seguida, o líder do Boko Haram é morto em poder

dos policiais15

.

A morte de Yusuf, no entanto, não significou o fim da insurreição. Segundo o porta-

voz do movimento, a morte do seu líder não traria nenhuma mudança em sua agenda e os

estimularia na busca pela implementação dos seus planos. A partir de então, seguem-se duas

mudanças no grupo, a primeira foi a ascensão do novo líder Abubakar Shekau. A segunda

decorre da redefinição das suas táticas, aperfeiçoadas com o intuito de se tornarem mais

violentas (MURTADA, 2013; ONUOHA, 2013).

Quanto ao apoio provido ao grupo em termos de financiamento e pessoal, ele ocorre

de maneira diversificada quanto ao primeiro aspecto, ao passo que quanto ao segundo, o apoio

ocorre refletindo em grande medida a péssima situação social do norte do país. Assim, como

14

O termo jihad significa “luta na via de Deus”. (MAZRUI, 2010, p. 136) 15

Ibid., p. 9.

54

expõe Onuoha (2013, p. 18, 19) o que financia as atividades do grupo são os pagamentos de

cotas pelos seus membros, doações de políticos e oficiais do governo e de outros grupos

terroristas como a Al-Qaeda e o crime organizado. O autor ainda evidencia que o apoio de

pessoal que o Boko Haram recebe é motivado pela crença de que “o Estado nigeriano é um

covil de vícios sociais”, assim, integram o grupo jovens frustrados e pessoas desempregadas

com formação acadêmica, em sua maioria.

As causas que motivaram a emergência do grupo são bastante discutidas nos meios

acadêmico e social, não havendo uma unanimidade entre eles. Das mais recorrentes no debate

destacam-se aqueles que aludem à má governança estatal e aos problemas sociais do país.

Entre os apontados pela Human Rights Watch (2012, p. 10) encontram-se a corrupção

endêmica, a pobreza, como observado anteriormente, mais severa na região norte da Nigéria,

impunidade e violações dos direitos humanos pelas forças de segurança. Ressaltando um fator

que perpassa pela questão econômica, estatal e social, temos a corrupção presente na Nigéria

que, como expõe a Human Rights Watch, através de depoimento de um jornalista nigeriano

que entrevistou antigos líderes do grupo, opera junto ao Boko Haram da seguinte maneira:

A corrupção tornou-se o catalisador para Boko Haram. [Mohammed] Yusuf

[primeiro líder do grupo] teria encontrado dificuldades para ganhar muitas dessas

pessoas se ele estivesse operando em um estado funcional. Mas seu ensinamento foi facilmente aceito porque o ambiente, as frustrações, a corrupção, [e] a injustiça

tornou fértil para a sua ideologia crescer rápido, muito rápido, como um incêndio.

(HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 24).

Assim, como forma de combater esses fatores o grupo tem como objetivos declarados

a imposição de uma identidade islâmica estrita no país e a implementação de uma severa

interpretação da sharia16

(HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 37).

Dessa forma, percebe-se que o Boko Haram emerge de uma região historicamente

instável que, somada ao contexto social deficitário do norte da Nigéria sobretudo, expressa-se

na forma da violência e do radicalismo praticados pelo grupo. Com forte oposição ao

governo, o Boko Haram pretende, através da luta armada, fazer ascender ao país a sharia que,

16

A sharia é o código de leis derivado do Alcorão. No contexto da Nigéria em relação à sharia tem-se “[...]Em

1999, depois das eleições na Nigéria, o governador de Zamfara, Ahmad Sani Yerima, encontrou justificação na

constituição nigeriana para a implementação da sharia em seu estado, em 2001, tornou-se o primeiro governador a implementar a sharia em um estado nigeriano. Ahmad convidou outros estados do norte nigeriano a fazer o

mesmo e alguns estados responderam ao convite e similarmente começaram a implementar as regulações da

sharia. Depois de intensa insistência pública desses estados pela implementação da sharia, cerca de 12 estados

anunciaram a implementação da sharia em seus territórios[...]”. (MURTADA, 2013, p. 5). A Human Rights

Watch (2012, p. 23) mostra que a “sharia foi adicionada pelos governadores dos estados como uma lei paralela

aos códigos penais existentes, e apenas aplicada aos muçulmanos”.

55

segundo seu entendimento, acabaria com a corrupção e a imoralidade presentes no âmbito

estatal atualmente.

A atuação do Estado é crucial para se entender o grupo. Marcado pela corrupção e

inabilidade, o governo federal nigeriano apresenta muitas falhas com relação ao grupo e aos

elementos que possibilitaram sua emergência, nomeadamente a corrupção e a precária

condição social da região norte. Ao executarem Muhammed Yusuf, por exemplo, enquanto

este se encontrava em poder dos agentes da polícia, impossibilita-se que o então líder do

grupo pudesse ir a julgamento e, assim, que se compreendesse, ou ao menos se tentasse

compreender, seus motivos e intenções, de forma que a atuação do governo para suprimir o

grupo pudesse ser aprimorada e mais efetiva.

Na seção a seguir veremos como ocorre a atuação do Boko Haram na tentativa de

alcançar os objetivos do grupo.

3.2 Terrorismo como forma de alcançar os objetivos do grupo e Vulnerabilidade da

população

A segunda parte do capítulo busca explorar a violência do Boko Haram, verificaremos

como o grupo tem atuado na Nigéria nos últimos anos e as arbitrariedades dos seus atos.

Observaremos a diversidade de ataques cometidos pelo grupo bem como a diversidade dos

seus alvos. Os civis, alvo deliberado do grupo, serão enfatizados de modo a se verificar se

ocorrem no país crimes contra a humanidade. Nesses casos, trataremos da atuação não apenas

do Boko Haram, mas também das forças nacionais de segurança da Nigéria.

O ano de 2003 marca o início da utilização da violência, pelo Boko Haram, na busca

pelos seus objetivos. Nesse ano, o grupo ataca postos policiais e prédios públicos no estado de

Yobe. Inicialmente seus alvos centravam-se nos “estabelecimentos e membros da segurança,

líderes comunitários e religiosos, políticos, centros de culto e outros alvos civis”. Com o

tempo o grupo passa a atacar também prédios públicos como mercados, escolas e hospitais e,

mais recentemente, o grupo vem atacando pontos importantes de infraestrutura, tais como

instalações de telecomunicações. (ONUOHA, 2013, p. 17, 20)

Com o conflito entre membros do Boko Haram e forças de segurança que ocasionou a

morte de Muhammed Yusuf e a ascensão de Abubakar Shekau à liderança ocorre, a partir de

2009, uma descentralização e dinamização do grupo. Destaca-se também o intenso

agravamento da violência praticada. Segundo monitoramento feito pela Human Rights Watch,

56

no ano de 2011 o número de mortos por ataques cometidos pelo grupo foi de ao menos 550,

nos primeiros nove meses de 2012 o número de vítimas já chegava aos 815 (ONUOHA, 2013;

HUMAN RIGHTS WATCH, 2012).

A imagem a seguir mostra a evolução do número de vítimas.

Figura 2 – Mortes na Nigéria pela violência social, por categoria, 1998 – 2014

Fonte: Connect SAIS Africa

Percebe-se na imagem o crescimento ocorrido em 2009, um decréscimo devido à

reestruturação do grupo e, a partir de então, uma constante ascensão no número de vítimas.

Em agosto de 2011, o Boko Haram assume responsabilidade pelo bombardeamento da

sede da ONU, em Abuja. O grupo detonou um carro-bomba no local, matando 25 pessoas e

ferindo mais de 100. Segundo a Human Rights Watch (2012, p. 55,56), a escolha do alvo foi

motivada pelo fato de que a ONU representa descrença e devido ao seu apoio ao governo.

O ano de 2013, como afirmam Zenn e Pearson (2014, p. 47-51), marca uma

significativa evolução nas táticas do grupo. Este passa a realizar uma série de sequestros nos

quais fazia uso instrumental das mulheres. Os membros do grupo acusavam as forças de

segurança de aprisionarem suas esposas e filhos e como retaliação cometiam sequestros de

mulheres cristãs e ameaçavam as esposas dos oficiais do governo. Isso gera um ciclo de

prisões de mulheres ligadas ao Boko Haram por parte do governo, e retaliação do grupo em

contra partida, com sequestros de mulheres cristãs. Entre as justificativas que os membros do

grupo encontram para praticar violência contra as mulheres cristãs sobretudo, é que para eles

essa prática serviria para “indicar a diferenciação delas para as mulheres muçulmanas e atingir

os homens cristãos, demonstrando sua inabilidade em proteger as “suas” mulheres”.

57

O rapto de mulheres de maior repercussão cometido pelo grupo ocorreu na cidade de

Chibok em 14 de abril de 2014, quando membros do Boko Haram raptaram 276 estudantes da

Escola Secundária Governamental. Nesse caso, não foi feita discriminação com base na

religião, todas as meninas, incluindo as muçulmanas foram raptadas. O principal objetivo do

grupo ao invadir a escola teria sido “o roubo de uma máquina de fazer tijolo, de alimentos e

outros suprimentos. No entanto, isso aparentemente mudou uma vez que os homens

perceberam que tinham acesso às jovens mulheres e meninas”. O grupo justifica essa prática

pela sua concepção do papel da mulher na sociedade. Segundo relatório da ONU de 2015, o

grupo “submeteu as mulheres e meninas a generalizados e graves abusos, incluindo a

escravidão sexual, a violência sexual, os casamentos forçados, gravidezes forçadas e

conversões forçadas”. Apesar dos esforços em libertar as estudantes apenas 57 das 276

raptadas conseguiram escapar (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015; HUMAN RIGHTS

WATCH, 2014).

Como forma de manter controle sob os territórios ocupados, o Boko Haram também

tem como alvo as casas da população. Como aponta o Relatório do Conselho de Direitos

Humanos da ONU (2015, p. 11), o grupo “sistematicamente destruiu, apropriou, e saqueou

casas durante os ataques”, essa tática era usada pelo grupo para “ganhar o controle sobre o

território e evitar fugitivos de retornar”.

Assim, a forma de atuação e o número de vítimas do grupo só tem se diversificado e

aumentado, como mostra o ano de 2014 ao revelar números surpreendentes. Segundo dados

do Global Terrorism Index de 2015, o número de mortes decorridas do terrorismo global

aumentou em 80% de 2013 para 2014, com o Boko Haram se configurando como o grupo

mais mortal de 2014, com 6644 mortes, superando o Estado Islâmico, com 6073 mortes no

mesmo período (GLOBAL TERRORISM INDEX, 2015, p. 18, 41).

Dessa forma, nota-se que o Boko Haram desde o início das suas operações se

caracteriza como um grupo violento. Com a liderança de Abubakar Shekau as práticas do

grupo tomaram uma direção mais incisiva rumo ao terror, vitimando desde civis a agentes de

segurança e políticos. O grupo determina seu alvo conforme percebe que este não esta em

concordância com as suas ideias, assim, ele dirige-se aos cristãos, as mulheres, aqueles que

não aceitam a conversão ao islã, aos favoráveis ao governo e aos delatores de suas atividades.

Dessa maneira, devido à ampla gama de situações que podem se encontrar fora da sua

concordância, torna-se difícil algum grupo escapar de converter-se em alvo do Boko Haram.

Para atingir esses grupos, o Boko Haram comete inúmeros abusos, perpetrados de

diversas formas, através do uso de bombas, raptos e cerceamento de liberdades. Na parte

58

seguinte destacaremos a vulnerabilidade a que está submetida à população devido a estes

abusos, adicionando ao cenário a atuação arbitrária das forças nacionais de segurança da

Nigéria.

3.3 Vulnerabilidade da população civil nigeriana

Os cidadãos compõem 77% das fatalidades dos ataques do Boko Haram17

,

constituindo-se assim no principal alvo dos ataques do grupo. No entanto, ao analisarmos a

situação da Nigéria observaremos que não apenas o grupo radical perpetra abusos, as suas

forças nacionais, polícia e exército, também são agentes da violência no país. Analisando esse

aspecto do conflito buscaremos observar se há no país a ocorrência de crimes contra a

humanidade a partir da atuação dos dois agentes mencionados. Para isso, destacaremos as

principais situações de violência cometidas contra a população, expondo também as

consequências decorrentes dessas hostilidades.

Encarregado de julgar pessoas acusadas de cometerem sérios crimes de interesse

internacional, o Tribunal Penal Internacional (TPI) através do Estatuto de Roma define no

artigo sétimo o que caracteriza um crime contra a humanidade:

Artigo 7º Crimes contra a humanidade

1. Para efeitos do presente Estatuto, "crime contra a humanidade" significa qualquer

um dos seguintes atos, quando cometidos como parte de um ataque generalizado ou

sistemático dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque:

(a) Assassinato;

(b) Extermínio;

(c) Escravidão;

(d) Deportação ou transferência forçada de população;

(e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação de

normas fundamentais do direito internacional;

(f) Tortura;

(g) Estupro, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização

forçada, ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável;

(h) Perseguição de qualquer grupo ou coletividade identificável por [motivos de]

política, raça, nacionalidade, etnia, cultura, religião, gênero, como definido no

parágrafo 3, ou outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no

direito internacional, em conexão com qualquer ato referido neste parágrafo ou qualquer crime da competência do Tribunal;

(i) Desaparecimento forçado de pessoas;

(j) Crime de apartheid;

(k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, intencionalmente causando grande

sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou para a saúde física ou mental.

(ROME STATUTE OF THE INTERNATIONAL CRIMINAL COURT, 1998, p.

3,4)

17

Ibid., p. 41.

59

A Human Rights Watch (2012, p. 75, 11) também destaca que a agressão deve

“também ser parte de uma política estatal ou "organizacional" para cometer múltiplas

encomendas destes crimes. Organizações não estatais podem ser responsáveis por crimes

contra a humanidade, se eles possuírem um grau suficiente de organização”. Assim, tanto as

forças nacionais quanto o Boko Haram são passíveis de serem enquadrados como agentes de

tais crimes. Ainda segundo a organização, a Nigéria, a partir da sua adesão aos tratados de

direito internacional, assume a responsabilidade de assegurar a proteção de sua população

“esses direitos são garantidos por vários tratados internacionais, incluindo a Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos

Povos, ratificados pela Nigéria.”

Em contraposição aos aspectos preconizados para a proteção da população da Nigéria,

as forças nacionais de segurança têm, sobretudo em retaliação as ações do Boko Haram, feito

uso de práticas que colaboram com a violência observada no país. Como evidencia a Human

Rights Watch:

O governo da Nigéria tem respondido com uma mão pesada à violência do Boko

Haram. Em nome de acabarem com a ameaça do grupo para os cidadãos, as forças

de segurança que compreendem militares, policiais e pessoal de inteligência,

conhecidas como a Força-Tarefa Conjunta (JTF) [Joint Military Task Force, em

inglês], mataram centenas de suspeitos do Boko Haram e membros aleatórios de

comunidades onde os ataques ocorreram. De acordo com testemunhas, a JTF se

envolveu em uso excessivo da força, abuso físico, detenções secretas, extorsão,

incêndio de casas, roubo de dinheiro durante os ataques e execuções extrajudiciais

de suspeitos. (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 9)

Como evidenciado, são diversas as acusações feitas às forças nigerianas. Entre estas,

uma das mais recorrentes são as execuções extrajudiciais. Como afirma relatório da Anistia

Internacional (2012, p. 19), é proibido, pela lei internacional, que autoridades matem alguém

que esteja em seu controle sem que haja um julgamento. Segundo pessoas entrevistadas pela

organização, pessoas desarmadas, deitadas no chão e cooperando com as forças de segurança

foram alvos de tiros a queima roupa disparados pelos agentes de segurança.

Os desaparecimentos forçados também são uma prática verificada, familiares de

presos são impedidos de os visitarem e informados de que eles foram “transferidos”. Segundo

afirma o relatório “desaparecimentos forçados são graves violações de direitos humanos e

facilitam uma série de outras violações, incluindo a tortura e execuções extrajudiciais”. No

caso de incêndio de casas, entende-se que esta seja uma forma de retaliação, pois ocorre após

ataques nas mesmas áreas, essa prática também constitui-se em uma violação de direitos

60

humanos, mais precisamente constituiu-se em uma “violação do direto à moradia adequada”.

(AMNESTY INTERNATIONAL, 2012, p. 27, 30)

Uma parte crucial para a apuração das situações de violação no país é a investigação

desses casos. Porém, alguns obstáculos se colocam nesse processo, segundo a Anistia

Internacional, as pessoas enfrentam dificuldades para realizar denúncias, há uma sensação de

intimidação. As pessoas temem por represálias e há, também, a ocorrência de ameaças para

quem busca saber mais sobre a morte de alguém. Nesse contexto, os abusos da força nacional

têm criado ressentimentos junto à população fazendo com que os nigerianos sintam-se

relutantes em fornecer informações que poderiam ajudar no combate ao Boko Haram.

(AMNESTY INTERNATIONAL, 2012; HUMAN RIGHTS WATCH, 2012).

Como salientamos anteriormente, o Boko Haram vem atacando deliberadamente a

população nigeriana. Entre os grupos alvo estão os cristãos, vistos como descrentes ou infiéis,

membros do grupo, para atingi-los, queimam igrejas, fazem conversões forçadas, atacam

eventos religiosos com artefatos explosivos improvisados (improsived explosive device, IED,

em inglês) e usam homens-bomba, por exemplo. O ataque a alvos cristãos além de causar

mortes também alimenta confrontos sectários em locais já instáveis, ademais, caso se

constituam como limpeza étnica, podem-se constituir em crime contra a humanidade com

base na religião ou etnicidade. O grupo, porém, não se limita a atacar quem pratica uma

religião diferente da sua, muçulmanos também são alvos. Para atacá-los o grupo usa da

justificativa de que eles são contra suas táticas ou ideologia e que cooperam com o governo

em seu combate (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 44-77).

O uso e a violência contra crianças também se encontra entre as hostilidades

cometidas pelo grupo. Segundo relatório da ONU, o Boko Haram recruta crianças para

cometerem ataques, entre eles os de atacar a própria família como forma de demonstrar

lealdade ao grupo, eles também são usados para detonar bombas. Um incidente ocorrido em

maio de 2015 ilustra o emprego das crianças, como exemplifica o relatório, “uma menina em

torno de 12 anos foi usada para detonar uma bomba em uma estação de ônibus no estado

Damaturu, Yobe, matando sete pessoas”. (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015, p. 10)

Assim, é notável a gravidade dos abusos cometidos pelo Boko Haram à população

nigeriana, entre as situações acima referidas todas são graves violações de direitos humanos e

podem se constituir como crimes contra a humanidade. Abaixo podemos notar a distribuição

pelo território nigeriano das mortes cometidas pelo grupo e pelas forças nacionais de

segurança.

61

Dentre os efeitos decorrentes das ações do grupo podemos destacar dois bastante

evidentes. Ao atacar escolas, que pelo entendimento do Boko Haram são consideradas como

aliadas ao governo ou contrárias aos seus objetivos, o grupo produz um grande impacto na

infraestrutura do país e, mais precisamente, na sua educação. Como informa o relatório da

ONU, 338 escolas foram destruídas pelo grupo em um período de apenas dois anos, entre

2012 e 2014, nos estados de Adamawa, Borno e Yobe. Isso agrava ainda mais a educação

especialmente precária do norte, onde encontram-se 6,3 milhões das 10,5 milhões de crianças

fora da escola no país. (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015; HUMAN RIGHTS WATCH,

2012, 2014).

Figura 3 – Número de mortos pelo Boko Haram e pelas forças nacionais 2009 – 2012

Fonte: Human Rights Watch, 2012

Outro efeito direto da atuação do Boko Haram na Nigéria é o grande fluxo de pessoas

deslocadas. Essas pessoas estão divididas entre deslocados internos e refugiados. Até julho de

2015, o número de deslocados internos chegou a 1,3 milhão, com as crianças representando

56% desse número. Milhares de pessoas também se dirigiram aos países vizinhos em busca de

62

refúgio, apenas em um campo de refugiados em Camarões encontravam-se, até 2015, 40.995

refugiados. (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015, p. 4, 5)

A partir das situações expostas e como afirma em relatório o Tribunal Penal

Internacional (2013, p. 21-23), pode-se concluir que as ações perpetradas pelo Boko Haram

atendem ao que se dispõe no artigo 7º do Estatuto de Roma, configurando-se, dessa forma, em

crimes contra a humanidade. Tal conclusão ocorre a partir do entendimento de que o Boko

Haram empreende ataques diretos a população civil, com esta constituindo-se em seu

principal alvo. Os ataques também têm sido generalizados e sistemáticos, arquitetados por um

grupo que pode ser considerado como organizado e que possui uma liderança. Da mesma

forma, os padrões dos seus ataques sugerem que o grupo possui os meios para cometer os

ataques generalizados e sistemáticos necessários para se conformar como um crime contra a

humanidade.

Com relação à atuação das forças nacionais de segurança o relatório é mais cauteloso.

Segundo o exposto, a informação disponível é insuficiente para determinar se ocorre um

ataque contra qualquer população civil. Como coloca o Tribunal Penal Internacional, “não

está claro se a população civil era um objeto principal do suposto ataque ou se os fatos

alegados pela JTF [Força-Tarefa Conjunta, Joint Task Force, em inglês] foram dirigidos

contra um grupo limitado e aleatório de indivíduos” ademais, a informação disponível “não

indica a existência de uma política de Estado para empreender um ataque contra a população

civil”18

.

Dessa forma, podemos observar que as ameaças que infringem a população civil

nigeriana não partem exclusivamente dos membros do Boko Haram, as forças nacionais do

país, representadas pela Força-Tarefa Militar Conjunta, também cometem inúmeros abusos

em suposta resposta aos ataques do Boko Haram, mesmo suas ações não se enquadrando até

então como crimes contra a humanidade, isso suscita um ambiente de muita tensão na região

que concentra os ataques no país, a região norte. Como bem coloca a Human Rights Watch

(2012, p. 10) “ativistas da sociedade civil na Nigéria dizem que os cidadãos comuns temem

tanto o Boko Haram e a JTF, cujas táticas abusivas às vezes fortalecem a narrativa do grupo

islâmico de que está lutando contra a brutalidade do governo”. Assim, associada à corrupção

das forças nacionais esses ataques arbitrários cometidos pelos agentes do Estado apenas dão

sequência ao ciclo de ataques e retaliações que tem sido observado no país, piorando a

situação da população e tornando ineficaz o combate ao grupo.

18

Ibid., p. 28.

63

3.4 Iniciativas Governamentais e Ajuda Externa

Com o problema do terrorismo estabelecido na Nigéria ações para mitigar esse

problema são requeridas. Nesta seção, ressaltaremos algumas das medidas tomadas pelo

governo nigeriano nesse intento. Da mesma forma, a cooperação com outros países também

se mostra necessária expor, assim, trataremos das ajudas regionais e dos principais parceiros

fora da África.

Apesar de sofrer críticas por estar agindo de forma insuficiente frente ao Boko Haram,

o governo nigeriano vem desenvolvendo algumas medidas para coibir o grupo. Como afirma

a Anistia Internacional (2012, p.49) “em 2012, quase 20 por cento dos 4.877 trilhões de nairas

do orçamento da Nigéria foram alocados para a segurança. Destes, 359.7 bilhões de nairas

foram destinados a Defesa; 308.5 bilhões de nairas para a Força Policial da Nigéria”, o gasto

esperado para o ano de 2013 era de 1.055 trilhão de nairas, representando um aumento dos

gastos do governo para esse setor.

No âmbito da força militar de pessoal, em 2011, foi estabelecida a Força-Tarefa

Conjunta (Joint Task Force, JTF, em inglês,) anteriormente abordada, compreendendo “o

pessoal das Forças Armadas nigerianas, a Força Policial da Nigéria (NPF), o Departamento de

Segurança do Estado (DSS), o Serviço de Imigração da Nigéria (NIS) e as Agências de

Inteligência de Defesa (DIA)”, seu objetivo é o de restaurar a lei e a ordem na área onde atua

o Boko Haram, principalmente Maiduguri19

. No mesmo ano, o presidente Goodluck Jonathan

declara estado de emergência em quatro estados da região norte, suspendendo garantias

constitucionais. A declaração teve duração de seis meses, sem apresentar, no entanto, melhora

na segurança. (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 9)

Segundo relatório da ONU de 2015, o governo estabeleceu comitês para analisar as

causas originárias da violência e dos desafios de segurança da região nordeste e também para

fazer recomendações. No ano de 2014 foram criados um “Fundo de Apoio às Vítimas e uma

Iniciativa Presidencial para o Nordeste, para apoiar a reconstrução, recuperação e

desenvolvimento econômico” ainda no mesmo ano, o “Gabinete do Procurador-Geral da

Nigéria criou um setor especializado para lidar com casos relacionados com o terrorismo para

agilizar a tramitação de processos”. (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015, p.15).

19

Ibid., p. 9.

64

A cooperação com outros países no combate ao Boko Haram tem se intensificado na

medida em que a violência e o alcance do grupo vão aumentando. Dessa forma:

Parceiros internacionais da Nigéria, incluindo os Estados Unidos e Reino Unido,

expressaram preocupação sobre a intensificação da violência na Nigéria, as

violações dos direitos humanos e falhas do governo em abordar as causas

subjacentes da violência. (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p.12)

A expansão do grupo em 2013 para além da fronteira nigeriana levou os países

vizinhos a tomarem medidas de cooperação. Assim, surgiu a Força-Tarefa Multinacional

(Multinational Joint Task Force) composta por Benin, Camarões, Chade, Níger e Nigéria.

Esta coalização, aprovada pela União Africana e contando com um contingente de 7500

soldados foi capaz de remover o Boko Haram de territórios antes controlados por ele.

Atualmente, além do nordeste da Nigéria, o grupo atua nas regiões norte do Camarões,

sudoeste do Chade e sudeste do Níger. (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2015, p.3). Na

imagem abaixo pode-se notar as operações das forças nigerianas auxiliada por forças externas

e a distribuição do controle das cidades.

Figura 3 – Operações Militares contra o Boko Haram 2015

Fonte: Stratfor

65

Entre os países que oferecem suporte a Nigéria no combate ao Boko Haram, encontra-

se a França. Os franceses têm oferecido apoio a Força-Tarefa Multinacional, incluindo “voos

de vigilância para monitorar os movimentos dos extremistas, que são lançados a pedido da

Nigéria”. A França tem demonstrado grande empenho em combater o Estado Islâmico, assim,

quando no início desse ano o Boko Haram declarou aliança com esse grupo, o presidente

francês François Hollande afirmou que não se pode priorizar um combate em detrimento do

outro, pois, para ele, o inimigo é o mesmo, o terrorismo. (O‟GRADY, 2015, p. 1, 2).

Outra importante ajuda externa destinada a Nigéria vem dos Estados Unidos. Apesar

da controvérsia verificada devido aos norte-americanos oferecem ajuda no resgate das

estudantes de Chibok, mas não demonstrarem maiores preocupações quanto aos alegados

abusos cometidos pelas forças de segurança nigerianas, os Estados Unidos cooperam com a

Nigéria no caso das estudantes, empregando drones e vigilância aérea para encontrá-las. Em

2014, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos enviou soldados a Nigéria para treinar

um efetivo de 650 militares nigerianos para operações de combate. Como argumenta

Campbell (2014, p. 17, 18) tais treinamentos poderiam aumentar o profissionalismo das

forças nigerianas e, assim, melhorar sua performance.

Dessa maneira, a atuação do governo nigeriano com relação ao Boko Haram parece

carecer de consistência, apesar dos esforços que tem sido feitos, não se observa uma atuação

efetiva e principalmente eficaz por parte do governo. Assim, a retomada de alguns territórios

antes controlados pelo Boko Haram só ocorre de forma mais significativa a partir da atuação

do governo em colaboração com seus países vizinhos que, receando uma maior expansão do

grupo para os seus territórios, veem-se compelidos a atuar no conflito.

Desse modo, o Boko Haram desde o início das suas práticas aplica o terrorismo em

suas atividades. Se antes seus métodos eram mais conservadores, com o início da liderança de

Abubakar Shekau o grupo torna-se mais dinâmico e cruel. Como observado durante este

capítulo e os anteriores, não podemos desassociar o contexto social nigeriano da ascensão e

expansão do grupo. A descrença social que enfrentam os nigerianos, sobretudo os jovens da

região de atuação do grupo, faz com que sua adesão ao radicalismo seja facilitada.

O grupo assim, tira proveito da fragilidade social e também da corrupção e brutalidade

das forças nigerianas para reforçar seus argumentos. Para eles essa situação reforça sua ideia

de que é preciso derrubar o governo nigeriano e colocar no poder um poder baseado na

honestidade e na moralidade, estas, advindas de um governo islâmico que empregue a sharia

no país.

66

Dessa forma, para combater tais aspirações do grupo, as forças nacionais nigerianas

atuam com demasiada violência e arbitrariedade, sem muitas vezes, distinguir quem é

membro do Boko Haram e quem é apenas morador das cidades onde o grupo atua. Com os

embates entre Boko Haram e forças de segurança, as retaliações decorridas e a população civil

como uma vítima recorrente dos grupos, há na Nigéria a ocorrência de crimes contra a

humanidade, como concebido pelo artigo 7º do Tribunal Penal Internacional.

A população civil nigeriana infelizmente encontra-se sem muitas alternativas no

momento, o que reflete o grande número de deslocados e refugiados nigerianos abandonando

suas moradias, se por um lado há a violência do Boko Haram, de outro há a violência da

polícia e do exército e, entre esses fatores, a ausência de um Estado capaz de prover segurança

ou alternativas seguras, o que faz com que a população não confie nas suas forças nacionais

para protegê-la, preferindo buscar uma alternativa fora das suas cidades.

67

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abordando a atuação do grupo Boko Haram na Nigéria este trabalho procurou mostrar

a situação vulnerável em que se encontra a população civil no país. Partindo do pressuposto

de que o grupo ataca deliberadamente a população procurou-se verificar se esta, nesse

contexto de vulnerabilidade e violência, era vítima de crimes contra a humanidade.

Para isso, de forma a aproximar as concepções que estariam relacionadas ao tema do

trabalho, no primeiro capítulo fez-se uma exposição histórico-conceitual das ideias de

segurança, segurança internacional, segurança humana e terrorismo. Observa-se, ao longo do

tempo, o direcionamento do conceito de segurança do âmbito das ideias e individual cada vez

mais em direção ao âmbito político e coletivo. O século XX traz para a área da segurança a

consolidação do conceito de segurança internacional no contexto da Primeira e Segunda

Guerras Mundiais e da Guerra Fria. Assim, nesse período de grandes conflitos mundiais é que

no pós Segunda Guerra tem-se o advento dos Estudos de Segurança Internacional, o qual,

nesse primeiro momento, preocupa-se com a proteção dos Estados, utilizando-se da teoria

realista, limitando suas preocupações as questões militares.

Percebendo-se a limitação da abordagem tradicional de segurança para analisar de

forma completa as dinâmicas então presentes no âmbito da segurança internacional, na década

de 1980 inicia-se a ampliação do conceito de segurança. Destacam-se nesse momento as

teorias crítica e construtivista, juntamente com a Escola de Copenhague, estas proporcionam

um aprofundamento e ampliação do escopo da segurança, adicionando novos temas ao debate.

Seguindo a tendência da ampliação, surge no âmbito internacional a concepção de segurança

humana, que centra seu foco sobre o ser humano através de uma abordagem multi-setorial e

que objetive a promoção do desenvolvimento para a mitigação das ameaças aos indivíduos.

Quanto ao terrorismo destaca-se a sua complexificação no decorrer das décadas, com a

diversificação dos seus ataques e dos seus métodos, assim como a necessidade de se analisar o

contexto em que ele está inserido. A mais recente tendência desse fenômeno também é

ressaltada, sua transnacionalização e seu aspecto global.

Dessa maneira, o primeiro capítulo expõe algumas ideias fundamentais para a

compreensão do que foi abordado no trabalho, podemos identificar nas ideias de segurança

humana e terrorismo, por exemplo, aspectos fundamentais presentes na realidade da Nigéria.

Como se mostrou ao longo do trabalho o aspecto social e a sua precária condição,

especialmente no norte nigeriano, desempenham um papel importante nas tensões da região

norte. Assim, como sugere a concepção de segurança humana, buscar o desenvolvimento se

68

faz importante na medida em que ele colaboraria para a estabilidade, mitigando um aspecto

importante da ansiedade local e preenchendo uma das demandas da população. A

transnacionalidade, observada como a mais recente tendência do terrorismo, também pode ser

observada no Boko Haram. O grupo, desde 2013 tem atuado para além das fronteiras

nigerianas, chegando aos seus países vizinhos, ademais, sua recente declaração de aliança

com o Estado Islâmico suscita preocupações que não se limitam ao Estado nigeriano.

O segundo capítulo destacou os aspectos históricos e a configuração dos principais

aspectos identitários da Nigéria. Assim, pode-se notar a grande inconsistência institucional

nigeriana, que após um breve período de governo civil no pós-independência de 1960, viu

alterar o governo central, muitas vezes por meio de eleições fraudulentas, entre governos civis

e militares. Os aspectos identitários do país são também influenciados pela organização

empregada pela colônia inglesa. A divisão territorial em três unidades foi um fator que

contribuiu para a consolidação etno-religiosa estabelecida entre os três maiores grupos étnicos

do país, Hausa-Fulani, Yoruba e Igbo, assim como contribuiu para a diferenciação entre as

regiões norte e sul. As tensões advindas da questão étnica no país ocorrem principalmente

pela disputa por poder estatal e pela decisão sobre a alocação dos seus recursos. No aspecto

religioso ressalta-se a predominância das religiões tradicional, cristã e islâmica, com o islã e

os Hausa-Fulani sendo os mais inflexíveis dos três. O fator das disparidades regionais reflete

significativamente os dois anteriores, a etnia e a religião, estabelecidas no norte e no sul. O

norte vem tendo durante as últimas décadas um protagonismo político, sobretudo durante os

períodos militares, esse protagonismo porem não diminui os indicadores mais baixos que a

região apresenta em termos sociais, possuindo esta região os mais altos índices de pobreza,

por exemplo. Dessa forma, um aspecto que se destaca nesse no âmbito social da Nigéria é a

constante competição por recursos e representatividade, que permeados pela corrupção e

interesse individual, colaboram para a instabilidade nacional e para a polarização dos grupos.

O terceiro capítulo, insere-se nesse contexto de insatisfação e instabilidade, e trata do

surgimento do Boko Haram no norte nigeriano e do desenvolvimento das ações terroristas do

grupo, bem como da atuação das forças nacionais de segurança e dos abusos cometidos por

ambos. Contrários ao governo que considera corrupto, contra a ocidentalização da Nigéria e

advogando pela implantação da sharia, o grupo vem cometendo inúmeros abusos nessa região

do país em busca dos seus intentos. Entre as diversas causas do surgimento do Boko Haram

com frequência citam-se a debilidade social da região norte, especialmente a pobreza, a má

governança juntamente com a corrupção. O terrorismo empregado vem se desenvolvendo

69

constantemente, com o grupo operando de forma mais dinâmica e ampliando sua gama de

alvos.

Assim, alcançando os objetivos do trabalho, pôde-se analisar a atuação do Boko

Haram na Nigéria bem como a situação de vulnerabilidade da população, através da discussão

dos conceitos de segurança humana e terrorismo, da exposição da conjuntura nigeriana e da

configuração dos elementos principais da sua identidade e através da caracterização do grupo

e de sua origem e de seus objetivos, bem como através da exposição das estratégias para a

realização de tais objetivos.

As hipóteses levantadas quanto à ocorrência de crimes contra a humanidade e a

violência dirigida a toda a população civil foram confirmadas. Há na Nigéria a configuração

de crimes contra a humanidade como formulado e confirmado pelo Tribunal Penal

Internacional, no entanto, ao contrário do sugerido, não são ambos os agentes que se

enquadram como perpetradores desse crime, de forma afirmativa, pode-se atestar que apenas

o Boko Haram comete tal crime, já que, ao contrário das forças nacionais de segurança, o

grupo ataca deliberadamente a população civil de forma generalizada e sistemática. Assim,

também constata-se a violência dirigida a toda a população pelo grupo, com este vitimando

homens, mulheres, crianças, cristãos e muçulmanos.

Um agente perpetrador da violência inesperado e identificado ao longo da pesquisa foi

justamente a força nacional da Nigéria, que ao contrário do imaginado, esta não atua de forma

profissional e com o intento de proteger sua população, não acredita-se que toda a força

nacional esteja envolvida nos abusos evidenciados, mas dado a gravidade das acusações e dos

vários relatos expostos é preocupante a situação em que está inserida a população que, nesse

contexto, não pode confiar em um agente estatal que teoricamente deveria atuar pra lhe

proteger.

Assim, podemos concluir que o Boko Haram de fato atua como um agente

desestabilizador na Nigéria, vitimando todos aqueles que se opõe ao radicalismo praticado

pelo grupo. Emergido de um contexto histórico e social turbulento, o Boko Haram pode ser

entendido como um sintoma dessa situação de turbulência do norte nigeriano, que concentra

os piores índices sociais verificados no país.

Agravada pela corrupção estatal da Nigéria, a polarização das identidades do país atua

de forma a distanciar os grupos e criar constantes cenários de rivalidades étnicas, religiosas e

regionais. Tal corrupção aliada a falta de uma identidade nacional sólida no país colabora para

a visão hostil que possuem os membros do grupo sobre o governo, bem como o seu

argumento de estarem lutando contra o mesmo. Nesse contexto, o grupo encontra em meio

70

aos jovens frustrados e sem perspectiva os seus seguidores. Assim, para que se possa dirimir a

propagação do grupo deve-se atuar sobre as causas que proporcionaram a sua emergência.

Combater as desigualdades regionais e a grave pobreza que atinge a região norte faria com

que os seguidores do grupo não vissem na radicalização uma alternativa. Mas sobretudo, o

combate a corrupção deve ser um dos objetivos, por mais que esta esteja presente nos vários

níveis do Estado nigeriano deve ser ao menos mitigada, de forma que não obstrua da maneira

que vem fazendo o desenvolvimento do país, desviando os recursos advindos do petróleo

principalmente, de serviços fundamentais para a população.

Dessa forma, esse trabalho tem sua relevância na exposição que faz sobre a

vulnerabilidade da população nigeriana. Como verificado durante as pesquisas, são poucos os

trabalhos que tratam da segurança humana, sobretudo da Nigéria, assim, expor a situação em

que se encontra essa população lança luz sobre os crimes e abusos cometidos nesse território

de modo a levar a reflexão sobre os mesmos e aumentar o debate sobre essa grave conjuntura.

Como recomendação de futuras pesquisas nessa área, à luz da expansão recente do

Boko Haram para territórios fora da fronteira nigeriana, pode-se sugerir um debate sobre

expansão do grupo para os países vizinhos, como verificado, o Boko Haram vem infligindo

graves tensões no âmbito da Nigéria, sua atuação em países como o Chade e Camarãoes, por

exemplo pode acarretar em uma desestabilização de toda essa região. Um segundo tópico

pode estar na exploração dos links do grupo com outras organizações terroristas como o

Estado Islâmico e até mesmo o AQIM (Al-Qaeda do Magreb Islâmico) que atua no Magreb e

no Sahel, entre outros, verificando-se a tendência transnacional do terrorismo contemporâneo.

Por fim, esse trabalho em seu intento de verificar a conjuntura em que se encontra a

população civil nigeriana buscou levantar os principais aspectos para que se pudesse obter

uma compreensão contextualizada do processo que ocorre no país. Procurou-se agregar ao

âmbito acadêmico novas contribuições sobre um assunto ainda pouco explorado, sendo

possível, explorar esse tópico sobre outras perspectivas, que também podem contribuir para o

debate acadêmico e social de um tema atual e de grande importância para ambos os meios.

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