O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL E O
SUJEITO ATIVO DA RELAO JURDICA TRIBUTRIA DO
IMPOSTO SOBRE CIRCULAO DE MERCADORIAS
(ICMS) NAS OPERAES REALIZADAS PELA INTERNET
Thas Gaspar1
RESUMOO presente trabalho investiga qual o local de ocorrncia das operaes de circulao de mercadorias realizadas pela Internet, a fim de identificar o sujeito ativo na relao jurdica tributria delas surgida. Alm da anlise do fato capaz de gerar a tributao por ICMS (critrio material) nesses casos, o foco principal a anlise do estabelecimento empresarial, considerando o contexto virtual em que est inserido. Defende-se que o ambiente virtual onde so realizadas essas operaes (websites), na realidade, forma o estabelecimento como um todo de uma determinada empresa, pois faz parte da estrutura por ela disponibilizada para a venda de seus produtos. Tal afirmativa feita luz das disposies normativas contidas na Lei Complementar n 87/96, uma vez que em seu artigo 11, 3, no h qualquer ressalva quanto estrutura fsica para a formao do estabelecimento empresarial. Partindo da premissa da capacidade do estabelecimento empresarial estender-se a tantos lugares quantos forem os locais em que acessado (ubiquidade), considera-se ocorrida a operao no local onde o adquirente a realiza, pois, nesse caso, o estabelecimento a ele se apresenta virtualmente. Consequentemente, uma vez definido o local de ocorrncia da operao, define-se qual o Estado Federado competente para a tributao da operao por meio do ICMS.
1 Procuradora do Estado do Mato Grosso do Sul
98 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
Palavras-Chave: circulao, mercadoria, estabelecimento virtual, ICMS.
ABSTRACTThe present paper investigates the place where transactions of goods circulation carried out through the Internet occur. It aims to come to a conclusion about who would charge the tribute/tax derived from those transactions. Besides the considerations about the act able to generate this charge (material aspect), the main focus is the analysis of what can be called corporation, considering its virtual context. It is defended that the virtual environment where such transactions take place (websites), are in fact part of the corporations themselves, since it was made available by the companies in order to sell their products. Such evaluating is made according to the Act (Lei Complementar) n 87/96, because its article 11, paragraphe 3rd. does not state the need of a physical structure to forme the business. Considering the capacity the corporation have to extend itself to all the places that its website might be accessed from (ubiquity), the transactions is considered to have occurred where the buyers (shoppers) are. After all the corporation is presented to them virtually. As a consequence, once the place where the transaction occurs is defined, it is possible to determine which State is allowed to charge taxes on this operations.
Key-Words: transactions, circulation, goods, virtual corporation, ICMS.
INTRODUO: A REALIDADE VIRTUAL
Atualmente, inegvel que a realidade atual no se resume mais ao ambiente
fsico. O uso cotidiano de computadores, Internet em geral, redes sociais, websites, etc., torna
cada vez mais comum a realizao de compras de produtos em ambientes virtuais,
transpondo-se a sistemtica tradicional de loja fsica para uma loja virtual, o que nos faz
indagar acerca da repercusso tributria envolvida nessas operaes.
Nesse sentido, a compra de produtos, seja ela realizada de forma fsica ou virtual,
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conceitualmente uma operao de circulao de mercadoria, apta a ensejar a tributao por
meio de ICMS (Imposto Sobre Circulao de Mercadoria e Servio). Dessa forma, partindo-
se dessa premissa, sero analisadas as peculiaridades da concretizao desta sorte de
operaes, a fim de se analisar se o local onde so ofertados os produtos, quais sejam, os
stios eletrnicos, correspondem ou no tradicional conceituao de estabelecimento
empresarial.
Esta anlise, em um momento seguinte, viabilizar a definio de qual local de
ocorrncia da operao jurdica de circulao de mercadoria, diferenciando-se a circulao
jurdica da fsica, no intuito de se precisar o que determinante para a ocorrncia da operao
e o que apenas afeto s necessidades de logstica da compra realizada pela Internet.
Por fim, definido o local da ocorrncia da operao de circulao de mercadoria,
poder-se- afirmar quem o sujeito ativo dessa relao jurdica tributria.
1 A REGRA-MATRIZ DE INCIDNCIA TRIBUTRIA
A regra-matriz de incidncia tributria corresponde a uma estrutura lgica, cuja
finalidade expressar o contedo de uma determinada norma tributria. Entretanto, no
qualquer ilao empreendida pelo intrprete que leva construo de uma regra-matriz de
incidncia tributria. Esta, como a prpria nomenclatura denuncia, limita-se construo
normativa atinente definio de uma tributao propriamente dita, ou seja, a uma hiptese
normativa de imposio tributria. Nesse sentido, segundo CARVALHO, a construo da
regra-matriz de incidncia um instrumento metdico que organiza o texto bruto do direito
positivo, propondo a compreenso da mensagem legislada num contexto comunicacional bem
concebido e racionalmente estruturado, subproduto da teoria da norma jurdica2.
A regra-matriz decompe a estrutura lgica da norma jurdica tributria. Parte-se
da premissa que toda norma jurdica implica em um juzo hipottico, em que dois ou mais
sujeitos se vinculam e se relacionam por um vnculo dentico, se ocorrido o fato nela previsto.
2CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio, linguagem e mtodo. So Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 146.
100 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
Assim, alcana-se a estrutura do antecedente e do consequente da norma, em que o fato
hipoteticamente previsto o antecedente, ao passo que o resultado relacional entre os sujeitos
classifica-se como consequente. Portanto, no antecedente tem-se a descrio do fato jurdico
capaz e apto a ensejar a tributao, com a descrio de todas as condies para tanto. Nesse
tocante, necessrio definir qual o fato tributvel, qual a ao ou fato que denuncia signos
presuntivos de riqueza e as delimitaes da ocorrncia do fato no tempo e no espao. Assim,
identificam-se o critrio material, o critrio espacial e o critrio temporal. Por outro lado,
traduzindo-se no aspecto dentico da norma, o consequente traz a relao intersubjetiva e a
quantificao dos deveres objeto da relao. Nele se enquadram os critrios pessoal e
quantitativo. Aquele com a definio do sujeito passivo e ativo e este com a apurao do valor
devido com fulcro na base de clculo de alquota.
Fazendo uso mais uma vez da lio de CARVALHO, temos que:
[...] o critrio material o ncleo do conceito mencionado na hiptese normativa. Nele h referncia a um comportamento de pessoas fsicas ou jurdicas, condicionado por circunstncias de espao e de tempo, de tal sorte que o isolamento desse critrio, para fins cognoscitivos, claro, antessupe a abstrao das condies de lugar e de momento estipuladas para a realizao do evento. J o critrio espacial o plexo de indicaes, mesmo tcitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ao h de acontecer. O critrio temporal, por fim, oferece elementos para saber, com exatido, em que preciso instante ocorre o fato descrito3.
A funcionalidade da regra-matriz de incidncia tributria, portanto, situa-se na
condio oferecida ao intrprete de, com maior preciso, identificar a subsuno de um fato
hiptese normativa, de modo a ser capaz de aplicar a regra geral e abstrata situaes
concretas, o que, consequentemente, originar a regra individual e concreta. Ao final do
processo, pode-se dizer que, a partir do evento previsto hipoteticamente na norma tributria,
instaura-se o liame obrigacional, por meio do qual uma pessoa, na qualidade de sujeito
ativo, ser detentora do direito subjetivo de exigir de outra, chamada de sujeito passivo, o
cumprimento de determinada prestao pecuniria.
A hiptese de incidncia tributria a descrio normativa abstrata do evento
3CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio, linguagem e mtodo. So Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 147/150.
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objeto de tributao, ao passo que a concretude do evento nela descrito que ensejar o
surgimento de uma relao jurdica tributria propriamente dita. justamente essa descrio
do evento contida abstratamente na hiptese de incidncia que corresponde ao critrio
material da regra-matriz de incidncia tributria (antecedente da norma).
Por outro lado, o elemento pessoal da regra-matriz de incidncia tributria situa-se
no consequente da norma. Significa dizer que, constatados e concretizados os elementos
previstos no antecedente da norma, uma consequncia advir. Essa consequncia justamente
a formao da relao jurdica tributria. Tal consequncia instaura-se entre duas pessoas e
resulta no dever de pagamento de um determinado valor. Portanto, no consequente da norma,
encontram-se os elementos pessoal e quantitativo da regra-matriz de incidncia tributria.
com essa completude que se instaura o carter dentico, segundo o qual as relaes so
necessariamente intersubjetivas. o consequente normativo que impe relao jurdica
tributria o dever de cumprimento, a compulsoriedade, em decorrncia da concretizao do
vnculo obrigacional.
Assim, pode-se afirmar que tanto os elementos componentes do antecedente
quanto os elementos componentes do consequente so necessrios e indispensveis para a
formao da relao jurdica tributria, pois da conjugao deles que se extrai o vnculo
jurdico entre duas pessoas, em que uma obrigada a dar uma quantia em dinheiro a ttulo de
tributo e outra tem o dever de exigir o mesmo pagamento.
Portanto, a regra-matriz de incidncia permite que se identifiquem todos os
elementos da relao jurdica. Por meio dela, possvel identificar um critrio material
(comportamento), condicionado no tempo (critrio temporal) e no espao (critrio espacial),
entre duas ou mais pessoas (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critrio quantitativo,
representativo do objeto da relao (base de clculo e alquota). A partir da identificao
desses elementos extrai-se o vnculo obrigacional entre as partes.
1.1 A regra-matriz de incidncia tributria do Imposto Sobre Circulao de
Mercadorias ICMS
102 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
Ao distribuir as competncias tributrias entre os entes federados, a Constituio
Federal declarou caber aos Estados a instituio e cobrana do Imposto sobre Circulao de
Mercadorias e Servios (ICMS), incluindo-se nestes os de transporte interestadual e
intermunicipal e os de comunicao. o que dispe o artigo 155, II, da Constituio Federal.
Porm, em razo da necessidade inafastvel de delimitao do tema, nesta oportunidade
somente ser tratada a espcie tributria atinente circulao de mercadorias (ICMS-
Mercadoria), sendo a seguir expostos os elementos componentes da respectiva regra-matriz de
incidncia tributria.
1.1.1 Critrio material
A Constituio Federal, em seu artigo 155, foi expressa em prever que o ICMS o
imposto incidente sobre a circulao de mercadorias. Esta , portanto, a sua materialidade. Em
outras palavras, esta ao definida como critrio material da regra-matriz de incidncia
tributria do Imposto Sobre Circulao de Mercadorias. Resta a indagao do que seja
circulao e do que seja mercadoria.
Iniciando a explanao por esta ltima, tem-se que mercadoria, como a prpria
nomenclatura denuncia, o objeto de mercancia, objeto do mercado. o produto apto a sofrer
negociaes, a ser objeto de transaes. Afirma-se isso para diferenciar do objeto estanque.
Quando o objeto atinge essa condio estanque deixou de ser considerado um objeto de
comrcio para se tornar propriedade de algum, tendo atingido o final da cadeia na qual foi
inserido. A fim de exemplificar tal diferenciao, CARRAZZA afirma que uma caneta quando
presente em uma loja, por exemplo, objeto de comrcio, sendo apta a ser adquirida,
comercializada e sofrer transaes. Por outro lado, a caneta pertencente a uma pessoa
continua apresentando as mesmas caractersticas do objeto em si, mas est fora do comrcio.
Nesse caso, o objeto apresenta a mesma natureza fsica, mas diferencia-se em sua natureza
jurdica, pois no sofre circulao mercantil4.
Sendo assim, pode-se afirmar que mercadoria, para fins tributrios, ser o que for
4Carrazza, Roque Antonio. ICMS. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 42/43.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 103
considerado como tal pelo Direito Comercial, pois o ramo do Direito que regula a prtica
das coisas do comrcio.
Pelo prprio conceito de mercadoria, extrai-se que a circulao apta a ensejar a
tributao por meio de ICMS aquela em que h transferncia de domnio, de propriedade de
uma pessoa para outra. Se a mercadoria o objeto que est posto no comrcio, supe-se ser
necessria a transferncia de propriedade do bem, j que justamente este o escopo da
atividade comercial.
Logo, a operao que corresponde hiptese de incidncia do imposto tratado a
que acarreta transferncia de propriedade de uma pessoa para outra, com alterao de
titularidade.
Nesse tocante, ATALIBA afirma:
[...] Circular significa para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurdicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria, a circunstncia de algum deter poderes jurdicos de disposio sobre a mesma, sendo ou no seu proprietrio (disponibilidade jurdica).[...]5.
E acrescenta:
[...] circulao, tal como constitucionalmente estabelecido, (art.155, I, b), h de ser jurdica, vale dizer, aquela na qual ocorre a efetiva transmisso dos direitos de disposio sobre a mercadoria, de forma tal que o transmitido passe a ter poderes de disposio sobre a coisa (mercadoria).[...]6
Conclui-se, portanto, que o critrio material do ICMS-Mercadoria a
transferncia jurdica de uma mercadoria de uma pessoa para outra. Logo, somente a
circulao jurdica ser hbil a ensejar dita tributao. Na hiptese de deslocamento
meramente fsico de alguma mercadoria, pode-se dizer que houve circulao, mas no
5Apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributrio: Constituio e Cdigo Tributrio luz da doutrina e da jurisprudncia . Porto Alegre: Livraria do Advogado, Editora ESMAFE, 2009, p. 341/342.6Apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributrio: Constituio e Cdigo Tributrio luz da doutrina e da jurisprudncia . Porto Alegre: Livraria do Advogado, Editora ESMAFE, 2009, p. 342.
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circulao jurdica e, assim sendo, no ensejar a cobrana do ICMS-Mercadoria. Por outro
lado, havendo a transferncia de titularidade de um produto de uma pessoa outra a outra, por
si s, haver a incidncia do ICMS nesta espcie, ainda que no haja deslocamento fsico do
objeto transferido. O ato determinante para a caracterizao do critrio material do ICMS-
Mercadoria justamente a transferncia de titularidade no a alternncia de local fsico do
produto. Por conseguinte, pode-se afirmar que quando se evoca o termo circulao, est-se
referindo exatamente circulao jurdica da mercadoria, com a implicao de sua
transferncia de titularidade, independentemente de ter havido ou no circulao fsica que a
acompanhe.
1.1.2 Critrios temporal, espacial, pessoal e quantitativo
No obstante identifique o evento apto a ser objeto de tributao, o critrio
material, por si s, no capaz de provocar a formao de uma relao jurdica tributria, pois
a ao isoladamente considerada nada mais do que um mero evento, um simples agir
ocorrido, ainda sem qualquer repercusso jurdica. Somente com a completude das
caractersticas particulares que envolvem esse evento que se poder falar em formao da
relao jurdica tributria. Para tanto, necessrio saber onde e quando o evento ocorreu, quais
pessoas esto envolvidas e qual a repercusso econmica que provoca.
Isso porque, tratando-se de relao jurdica, foroso reconhecer a presena
vinculada de dois sujeitos, ou seja, o liame obrigacional que enseja o surgimento do dever de
prestar uma prestao por parte do devedor e o direito subjetivo do credor de exigir o
cumprimento dessa mesma prestao. Alm disso, considerando que a tributao envolve
necessariamente uma prestao pecuniria em favor do credor, imprescindvel se mostra a
estipulao do valor devido.
So nessas particularidades que se expressam os critrios temporal, espacial,
pessoal e quantitativo da regra-matriz de incidncia tributria do ICMS-Mercadoria.
Os critrios temporal e espacial, juntamente com o critrio material, definem os
contornos fticos do evento. Delimitam quando e onde ocorreu o evento juridicamente
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relevante para fins de tributao. Ambos tm como principal caracterstica definir qual a
legislao vigente para a uma determinada situao. Especialmente em relao ao ICMS,
como todos os Estados Federados so, potencialmente, capazes de instituir e cobrar o tributo,
somente com a delimitao de espao e tempo que se identificar a legislao aplicvel ao
caso. Dessa forma, a partir do momento em que se identificar que o evento ocorreu no mbito
territorial de um determinado Estado Federado, a legislao local que ser aplicvel e,
consequentemente, como ser melhor visto a seguir, ser este Estado Federado o sujeito ativo
da relao jurdica tributria.
Alm disso, no somente a definio de qual legislao ser aplicvel que
relevante para a formao da regra-matriz de incidncia tributria e, consequentemente, da
relao jurdica tributria. Quando definido o local da ocorrncia do fato e, por conseguinte,
de qual a legislao estadual aplicvel, passa-se indagao da aplicao da lei no tempo
(tempus regit actum). Isso porque a data da ocorrncia do evento que determinar qual a
lei aplicvel.
O critrio pessoal da regra-matriz de incidncia tributria indica quais so as
pessoas envolvidas na relao jurdica tributria.
A sujeio passiva guarda pertinncia com as pessoas que realizaram ou mantm
relao com a ocorrncia do fato correspondente ao critrio material da regra-matriz de
incidncia tributria. Desse modo, na espcie tributria em anlise, ser o sujeito passivo da
relao jurdica tributria aquele que promover a circulao de mercadorias. Quem der ensejo
repercusso econmica do evento previsto abstratamente na norma geral que estar
obrigado ao recolhimento do tributo.
J o sujeito ativo ser a pessoa capaz de exigir o tributo. Para tanto, somente quem
a Constituio Federal definiu como capazes de instituir e cobrar tributos que podem ser
intitulados de sujeitos ativos de relaes jurdicas tributrias. No caso do ICMS, a
competncia prevista na Constituio Federal genrica, ou seja, concedida a todos os
Estados Federados, de tal sorte que a todos eles autorizada a instituio e cobrana do
ICMS. Logo, todos os entes federados podem ser, em tese, sujeitos ativos do ICMS. Porm,
tal considerao situa-se apenas no plano da competncia tributria.
106 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
A concretude dessa competncia ser alcanada a partir do momento em que se
identificar o local onde tiver ocorrido a circulao de mercadoria. Trata-se de uma delimitao
territorial, demonstrando-se, assim, que os critrios componentes da regra-matriz de
incidncia interagem entre si, em uma relao dinmica, no escopo de definir uma relao
jurdica tributria. Essa verificao somente ter lugar na anlise do caso concreto, na medida
em que ele que denuncia o local onde realmente ocorreu a circulao de mercadorias. Sendo
assim, a partir do momento em que se identificar onde ocorreu a circulao de mercadoria,
so os limites territoriais do Estado Federado respectivo que determinaro qual o ente
poltico sujeito ativo da relao jurdica tributria.
Por outro lado, o critrio quantitativo viabiliza a identificao do valor objeto da
relao jurdica tributria, a ser pago pelo sujeito passivo ao sujeito ativo. Com isso, tem-se o
valor da prestao pecuniria. De acordo com o conceito legal trazido pelo artigo 3 do
Cdigo Tributrio Nacional, para ser exigvel a prestao deve ser expressa em valor
pecunirio, ou seja, deve ser expressa em moeda corrente no pas. o critrio quantitativo que
determina esse valor, por meio da conjugao da base de clculo com a alquota.
No caso do ICMS-Circulao, partindo-se da delimitao do critrio material da
regra-matriz de incidncia tributria, a base de clculo ser o valor da operao de circulao
de mercadoria, uma vez que a circulao de mercadoria o evento determinante e importante
para a definio deste tributo. Sendo assim, o valor dessa operao que servir de parmetro
para o clculo do tributo devido. E a alquota, por fim, ser aquela definida pela legislao de
cada sujeito ativo que especifica qual o percentual relevante dessa base de clculo a ser
despendido pelo sujeito passivo.
Cabe frisar que a base de clculo somente ensejar uma legitimidade de
mensurao em termos tributrios se estiver em perfeita compatibilidade com o critrio
material, ou seja, se o parmetro considerado para definir a grandeza do tributo estiver de
acordo com as delimitaes da definio do critrio material. Assim, no caso do ICMS-
Mercadoria, no de se admitir que a base de clculo seja incidente sobre outra referncia que
no a prpria circulao de mercadoria. Se a circulao de mercadorias o evento que
determina a tributao, essa manifestao de riqueza que deve ser considerada relevante
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para a quantificao do tributo. Se assim no for, o critrio material da regra-matriz de
incidncia tributria estar sendo desvirtuado, o que no se pode admitir.
Nesse sentido, uma vez identificados os critrios componentes da regra-matriz de
incidncia tributria do ICMS-Mercadoria, de maneira geral, pode-se dizer que correspondem
s premissas iniciais para se analisar, posterior e especificamente, alguns critrios
componentes da regra-matriz de incidncia tributria do ICMS relativo a operaes de
circulao de mercadorias realizadas pela Internet, principalmente os critrios espacial e
pessoal, levando-se, ainda, em considerao, o conceito de estabelecimento trazido a seguir.
2 CONCEITO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
Conforme j exposto acima, os critrios formadores da regra-matriz de incidncia
tributria do imposto em tela demonstram que a sua ocorrncia concreta se d no plano do
comrcio. Partindo da premissa necessria de que mercadoria o objeto posto no comrcio,
ou seja, apto a sofrer alteraes de titularidade inseridas em uma cadeia econmica, bem
como a de que o significado do termo circulao significa justamente a transferncia de
titularidade de que objeto a mercadoria, pode-se afirmar que os fatos que ensejam esta sorte
de tributao esto imprescindivelmente atrelados vida empresarial.
Por isso, em regra, a pessoa que realizar o fato imponvel, isto , aquele
correspondente descrio do critrio material da regra-matriz de incidncia tributria, ser
empresrio, pois ele quem pratica as operaes de circulao, ele quem coloca as
mercadorias disposio das negociaes e transaes que culminaro na dita circulao e,
em outras palavras, na sua circulao entre pessoas de forma sucessiva.
Sendo assim, tem-se que, em regra, o comerciante o sujeito passivo do imposto
em estudo.
Consequentemente, a estrutura empregada para a realizao de tal desiderato h
de estar inegavelmente inserida no contexto empresarial de constituio, formao,
apresentao e concretizao de sua atividade. E nesse cenrio encontra-se presente o
108 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
estabelecimento empresarial.
Nesse sentido, a partir do momento em que se destaca uma atividade empresarial
como apta a ensejar a tributao de determinadas situaes no plano concreto, mister se faz
observar as disposies normativas respectivas, tanto em relao ao ramo do Direito
correspondente, qual seja, o Direito Empresarial, quanto ao Direito Tributrio, j que este
que sedia a obrigatoriedade do pagamento do tributo e o surgimento da relao jurdica
tributria.
A propsito, o artigo 966 do Cdigo Civil reza que considera-se empresrio
quem exerce profissionalmente atividade econmica organizada para a produo ou a
circulao de bens ou de servios. V-se, assim, que a definio contida no direito privado
para o que seja atividade empresarial apresenta a mercancia como seu objeto, ou seja, a
atividade destinada a colocar em prtica a circulao de mercadorias.
Para o exerccio de tal atividade, o mesmo Cdigo Civil prev que se considera
estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exerccio da empresa, por
empresrio, ou por sociedade empresria (artigo 1.142).
J no Direito Tributrio propriamente dito, essa conceituao legal relevante
quando se analisa a concretizao da situao ftica a ensejar o surgimento da relao jurdica
tributria.
De incio, quando a Constituio Federal outorgou competncia aos entes
federados para a instituio e cobrana do ICMS, no especificou detalhes da formao da
relao jurdica tributria, como, por exemplo, o seu aspecto espacial e temporal. Limitou-se a
dispor sobre a materialidade do tributo, determinando quais so suas hipteses imponveis,
por meio da redao do inciso II, do artigo 155, segundo o qual compete aos Estados e ao
Distrito Federal instituir impostos sobre operaes relativas circulao de mercadorias e
sobre prestaes de servios de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicao,
ainda que as operaes e as prestaes se iniciem no exterior, alm da transmisso causa
mortis e doao, de quaisquer bens ou direitos e propriedade de veculos automotores,
previstos nos incisos I e III, respectivamente.
Nesse sentido, ao tempo em que o Constituinte explicitou apenas a competncia
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tributria, permitiu que a lei complementar se ocupasse da definio dos elementos da relao
jurdica tributria, consoante consigna o artigo 146, III, da Constituio Federal. Os elementos
da relao jurdica so justamente os critrios formadores da regra-matriz de incidncia
tributria, na medida em que so eles que fornecem os contornos da obrigao de pagamento
do tributo por parte do sujeito passivo em favor do sujeito ativo e do direito subjetivo deste de
cobrar o valor da referida prestao frente ao sujeito passivo, nas condies de tempo, lugar e
quantidade extradas da descrio normativa aplicada ao contexto ftico apresentado.
Em perfeita compatibilidade com o Cdigo Civil, a Lei Complementar n 87/96,
lei geral em matria de ICMS, prescreve que contribuinte qualquer pessoa, fsica ou
jurdica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial,
operaes de circulao de mercadoria ou prestaes de servios de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicao, ainda que as operaes e as prestaes se iniciem no
exterior (artigo 4).
A lei complementar, invocando os mesmos elementos contidos na prescrio de
direito privado, define a atividade empresarial de comrcio, cujo cerne a prpria circulao
de mercadorias, como a hiptese imponvel do tributo em estudo.
Doutro norte, tratando da ocorrncia da operao de circulao de mercadoria,
prescreve:
Art. 11. O local da operao ou da prestao, para os efeitos da cobrana do imposto e definio do estabelecimento responsvel, :I - tratando-se de mercadoria ou bem:a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrncia do fato gerador;b) onde se encontre, quando em situao irregular pela falta de documentao fiscal ou quando acompanhado de documentao inidnea, como dispuser a legislao tributria;c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o ttulo que a represente, de mercadoria por ele adquirida no Pas e que por ele no tenha transitado; d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada fsica;[...] 7
Da leitura do artigo 11 da Lei Complementar n 87/96, depreende-se que esto
7As demais alneas no foram transcritas por no guardarem pertinncia com o ponto de vista jurdico analisado no trabalho.
110 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
elencados nas alneas do inciso I indicaes correspondentes ao critrio espacial do ICMS-
Mercadorias, uma vez que definem onde ocorre a circulao de mercadorias, invocando
sempre o estabelecimento como referncia.
Logo, a fim de saber com exatido qual local de ocorrncia do fato imponvel,
necessrio precisar a conceituao do que seja estabelecimento, o que veiculado pela mesma
lei em seu pargrafo terceiro, cuja redao a seguinte:
Artigo 11 [...] 3 Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento o local, privado ou pblico, edificado ou no, prprio ou de terceiro, onde pessoas fsicas ou jurdicas exeram suas atividades em carter temporrio ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:I - na impossibilidade de determinao do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operao ou prestao, encontrada a mercadoria ou constatada a prestao;II - autnomo cada estabelecimento do mesmo titular;III - considera-se tambm estabelecimento autnomo o veculo usado no comrcio ambulante e na captura de pescado; IV - respondem pelo crdito tributrio todos os estabelecimentos do mesmo titular.
Extrai-se da conceituao legal que o parmetro determinante para a definio de
estabelecimento a prpria realizao da atividade de circulao de mercadoria. A lei
considera relevante para definir o que seja estabelecimento justamente o abrigo da realizao
da atividade de circulao de mercadoria. Sendo esta a materialidade do tributo, a essncia
para efeito de definio de estabelecimento ser justamente a identificao do local onde seja
exercida tal atividade. Isso porque, o estabelecimento justamente o local que abriga o
comrcio. No caso, o objeto de anlise a circulao de mercadorias, de tal sorte que o
estabelecimento o local onde se d tal circulao.
Para tanto a lei no considera relevante a forma como esse estabelecimento
formado ou composto. No interessa para a lei se prprio ou se fsico. Para que seja
considerado estabelecimento basta que seja o local onde se operacionaliza a circulao de
mercadorias, basta que seja a estrutura que fornece suporte para que a atividade se realize,
independentemente da forma como essa estrutura concretizada.
A respeito do assunto GRECO expe:
[...] Nesse sentido, a ideia de estabelecimento supe o exerccio de uma atividade
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econmica, profissional ou empresarial, vale dizer, a reunio de elementos objetivos (coisas, bens, estruturas, etc.) e subjetivos (pessoas na qualidade de dirigentes, funcionrios, agentes, clientes, fornecedores etc.) que encontram no exerccio da empresa seu critrio aglutinador. [...] Pode-se assumir, para fins da presente anlise, que estabelecimento conceito em que, na atualidade, o elemento funcional assume relevncia, para no dizer predominncia. Relevncia, pois h quem sustente que at mesmo um vendedor ambulante possui um estabelecimento comercial e, nesta hiptese, no se pode dizer que os elementos fsicos formem a parte principal de tal caracterizao. O principal, nesse caso, a clientela, o desenvolvimento do negcio, da atividade de produo ou distribuio de bens e riqueza, a intermediao, enfim, o exerccio de uma atividade econmica ou profissional que possa ser considerada como representativa de uma unidade ou contexto do relacionamento econmico e social. A isso se acrescente que o Cdigo Civil de 2002 trouxe, no seu artigo 1.142, uma definio de estabelecimento, assim entendido todo complexo de bens organizado, para exerccio da empresa, por empresrio, ou por sociedade empresria. Note-se a reunio nesta definio de trs elementos: (a) bens de qualquer natureza (vale dizer, abrangendo corpreos e incorpreos); (b) a organizao, como elemento funcional ligado sua correlao e interao; e (c) a finalidade consistente no exerccio da empresa8.
Sendo assim, considerando os conceitos legais de estabelecimento e a veiculao
legal do critrio espacial do ICMS-Mercadoria pela Lei Complementar n 87/96, resta-nos
indagar e esclarecer qual ou o que estabelecimento nas operaes de circulao de
mercadorias realizadas pela Internet.
2.1 Conceito de estabelecimento empresarial virtual
Nas operaes realizadas pela Internet tem-se a utilizao de uma modalidade
diversa de estabelecimento em relao aos convencionalmente considerados, compostos por
um prdio e instalaes mveis ocupadas por diversas pessoas com diviso de tarefas. Ao
invs, as operaes so realizadas de acordo com diversas peculiaridades e especificidades
tcnicas e tecnolgicas, pois so realizadas sobretudo em um ambiente tecnolgico.
Consoante exposto acima, estabelecimento o local, privado ou pblico, edificado
ou no, prprio ou de terceiro, onde pessoas fsicas ou jurdicas exeram suas atividades em
8GRECO, Marco Aurlio. Estabelecimento Tributrio e Sites de Internet. In: LUCCA, Newton de. SIMO FILHO, Adalberto. Direito & Internet: aspectos relevantes. So Paulo: Editora Quartier Latin, 2005, p. 340.
112 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
carter temporrio ou permanente. Logo, extrai-se do conceito legal ora trazido que a
estrutura fsica no requisito essencial para a configurao do estabelecimento. A norma
expressa em dizer que o estabelecimento pode ser formado por um local edificado ou no.
Ainda da anlise do mesmo conceito legal, extrai-se que o essencial para a
caracterizao de um local como estabelecimento empresarial o exerccio da atividade em
carter temporrio ou permanente. Portanto, o que determina a definio do que seja
estabelecimento a atividade em si e no a forma como estruturado o local destinado ao
exerccio da atividade.
No caso das operaes realizadas pela Internet, tem-se que o adquirente realiza a
operao por meio de seu prprio computador, escolhendo o produto a ser adquirindo e
pagando o respectivo preo por meio de uma transao eletrnica, como, por exemplo,
emisso de boleto bancrio ou mediante operao por carto de crdito. Desse modo, torna-se
desnecessria a presena fsica do usurio em um ponto, loja ou estabelecimento empresrio
para que adquira o produto escolhido. A compra feita de forma autnoma, via sistema
tecnolgico.
Pode-se dizer, portanto, que o adquirente no comparece fisicamente em um
estabelecimento do alienante. o alienante que comparece virtualmente perante o usurio.
Para empresas que atuam conectadas rede mundial de computadores, o estabelecimento no
meramente fsico. Passa ele a ser uma realidade sobretudo virtual. Logo no incorreto
admitir a existncia do estabelecimento virtual, que nada mais do que o prprio website. o
estabelecimento que atua no espao ciberntico, to real quanto qualquer outro
estabelecimento clssico, conforme afirma PERON9.
Realidade virtual significa dizer que um estabelecimento dessa natureza capaz
de funcionar de forma autnoma em qualquer computador que a ele esteja conectado. Cada
uma das pessoas que o acessa tem condies de realizar operaes, usufruindo das
ferramentas disponibilizadas. No ambiente virtual, quando o adquirente acessa os links
disponibilizados, a fim de pesquisar e escolher o produto desejado, em um site de compras,
9PERON, Waine Domingos. Estabelecimento empresarial no espao ciberntico. Dissertao de Mestrado. So Paulo: Faculdade Autnoma de Direito (FADISP), 2009, p. 20.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 113
por exemplo, como se estivesse transitando em meio a diversas prateleiras dispostas em um
ambiente fsico. A finalidade a mesma, porm apresentada sob outra roupagem.
Nessa nova realidade, o estabelecimento empresarial no corresponde a um
prdio, mas sim ao ambiente virtual, no qual o estabelecimento da empresa se tele-
transporta para o computador de todas as pessoas que o estejam acessando em um
determinado momento. Com efeito, a nova realidade permite que uma mesma empresa esteja
presente para diversas pessoas simultaneamente, mediante o acesso concomitante de todas
elas.
No se trata, portanto, de uma ciso de estabelecimento, mas sim de uma
conquista de ubiquidade empresarial para todas aquelas pessoas jurdicas que esteja insertas
nesse contexto.
Com isso, tem-se que tanto o estabelecimento fsico tradicional quanto o
estabelecimento virtual possuem a mesma funcionalidade, sendo que diferenciam-se apenas
na forma de acesso. Nesse sentido, COELHO afirma que o tipo de acesso ao estabelecimento
empresarial define a classificao deste. Quando feito por deslocamento no espao, fsico;
quando por transmisso e recepo eletrnica de dados, virtual 10.
Tecnicamente, ento, tem-se que o Direito hodierno no mais se satisfaz com a
conceituao clssica de estabelecimento, no sentido de se identificar um endereo fsico e
com instalaes concretas. Hoje, graas s novas tecnologias existentes, possvel que uma
empresa alcance ao mesmo tempo diversos usurios. No se trata mais de enderear uma
empresa por rua ou avenida, mas sim por www.
De acordo com essa realidade, pode-se afirmar que o estabelecimento dessas
empresas inicia-se no local onde estejam localizados seus equipamentos, tais como servidores,
computadores, modens, etc, bem como seus tcnicos, e estende-se at o computador do
usurio que esteja acessando o servio on line em um determinado momento. Nessa lgica, se
apenas um usurio estiver on line somente uma extenso haver, ao passo que se milhares de
usurios conectarem-se concomitantemente, o estabelecimento se estender em tantos quantos
10COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. So Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 32.
114 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
forem os usurios conectados. Trata-se de uma espcie de mobilidade de estabelecimento
diante da possibilidade de navegao em rede.
Assim, virtualmente considerado, o estabelecimento da empresa inserta no
contexto em tela estar presente em cada uma das residncias de seus usurios, de modo que a
partir do momento em que um usurio acessa um website, passa a adentrar em seu
estabelecimento, de tal sorte que se pode dizer que no caso de empresas que operam pela rede
mundial de computadores ocorre uma particularidade nesse tocante: o ato praticado pelo
adquirente para atingir a oferta da empresa limita-se ao acesso de seus produtos no ambiente
virtual, ao passo que o prprio estabelecimento da prestadora desloca-se virtualmente para o
computador do usurio, permitindo que ele tenha acesso oferta de forma integral.
Isso se d porque o servio viabilizado em um ambiente virtual opera-se por meio
de uma conexo, em que um dos extremos est no start dado pela empresa e, como a prpria
denominao evoca, o incio da operao, enquanto que no outro extremo est o usurio,
cujo acesso exaure a conexo empreendida. Assim, tem-se que so dois fatos que se enlaam e
formam o acesso completo, sendo que se inicia junto empresa e finda-se junto ao usurio.
Trata-se de uma cadeia, impossvel de ser cindida, pois caso contrrio estar sendo
interrompido o acesso do usurio aos produtos ofertados pela empresa.
Portanto, nesse caso, quando se fala que atransao oorre no ambiente virtual,
com a oferta, escolha e comprande um produto, pode-afirmar que h aquisio de mercadorias
por parte do usurio no website. E por wesbite entende-se o prprio estabelecimento
comercial, j que nele que a mercadoria se encontra e em seu ambiente que a transao se
consolida. Todavia, esse estabelecimento no corresponde estrutura fsica. Tal
estabelecimento o estabelecimento virtual e variar de localidade conforme o domiclio do
adquirente seja situado em um ou em outro Estado. O estabelecimento virtual o instrumento
que promove a funcionalidade empresa a fim de viabilizar a compra e venda de mercadorias
no espao ciberntico, na medida em que que apresenta a prpria empresa aos usurios da
Internet. Logo, se o website pode ser considerado um estabelecimento e se tem a capacidade
de se estender a tantos lugares quantos forem os acessoscrealizados, pode-se afirmar que o
estabelecimento se localiza em cada um desses lugares. Significa dizer que o estabelecimento
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 115
virtual apresenta duas novas caractersticas: a mobilidade e a ubiquidade.
Nesse caso, o site acaba por funcionar como o ambiente escolhido pelas partes
para operacionalizar certas transaes, prestar determinados servios ou viabilizar o
fornecimento de determinados bens na prpria rede virtual (se forem bens virtuais) ou atravs
dela (se bens tangveis tradicionais), como explica GRECO11.
Tal concepo vai ao encontro perfeito do conceito legal de estabelecimento
contido no pargrafo 3, do artigo 11, da Lei Complementar n 87/96. Na medida em que o
dispositivo no elege a estrutura fsica como requisito essencial para a caracterizao do
estabelecimento, no h impedimento legal para que o website disponibilizado na rede
mundial de computadores seja considerado estabelecimento das empresas vendedoras. Ainda
que seja necessria uma estrutura fsica para a sua funcionalidade, tais como computadores,
servidores, tcnicos, etc, a operacionalizao ocorre em tantos lugares quantos forem os
adquirentes que acessem as ofertas disponibilizadas on line, de tal sorte que inafastvel a
extenso do estabelecimento desta estrutura fsica incipiente para o ambiente virtual.
Quando se trata da anlise de operaes de circulao de mercadorias tal
diferenciao mais clara ainda, pois justamente no ambiente virtual que a oferta
realizada. no ambiente virtual que o produto est posto venda, sendo que a estrutura fsica
no passa de um suporte para viabilizar a operacionalizao da venda em si, ou seja, da
circulao de mercadoria propriamente dita. Logo, se a prpria atividade, qual seja, a
circulao de mercadorias, correspondente ao critrio material da regra-matriz de incidncia
tributria do imposto ora tratado, que determinante para definir o que seja estabelecimento,
no h como negar que o ambiente virtual o seja.
Tratando-se de operao realizada pela Internet, quando o adquirente realiza o
acesso ao website da empresa vendedora como se adentrasse fisicamente em uma loja e, da
mesma forma, escolhe o produto e o adquire. Por conseguinte, se assim o , no ambiente
virtual que a operao de circulao demercadorias realizada. onde se desenvolve a
11GRECO, Marco Aurlio. Estabelecimento Tributrio e Sites de Internet. In: LUCCA, Newton de. SIMO FILHO, Adalberto. Direito & Internet: aspectos relevantes. So Paulo: Editora Quartier Latin, 2005, p. 342.
116 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
atividade empresria perante o pblico internauta.
Nesse sentido, PERON explica:
[...] Assim, o empresrio que emprega um website como ferramenta aparelhada para projetar sua atividade no espao ciberntico, concebe um verdadeiro estabelecimento virtual, com funcionalidade autnoma a qualquer outro estabelecimento existente no plano fsico, mesmo em relao quele designado legalmente para ser sua base fsica, ou endereo material, para recebimento de notificaes. Nesse contexto, o website atua como estabelecimento que disponibiliza para a clientela internauta o acesso aos produtos e servios ofertados pela empresa. Esse estabelecimento virtual constitui-se como instrumento por meio do qual a empresa se manifesta no espao ciberntico. Ao pblico internauta, o website que revela e d funcionalidade empresa no espao ciberntico. Assim, temos que o website empregado como instrumento para o exerccio da empresa um verdadeiro estabelecimento empresarial virtual, a porta de entrada da empresa pela Internet. Assim, tanto o website como o estabelecimento material a ele ligado (aquele que lhe confere as bases fsicas e o endereo) so dois estabelecimentos distintos e inconfundveis que compem a empresa12.
A hiptese aqui versada refere-se ao ICMS sobre a circulao de mercadorias, de
modo que o foco de anlise da questo deve ser a prpria circulao de mercadorias. Nesse
tocante, quando se fala em acesso do adquirente ao website da empresa vendedora, com o
intuito de adquirir as mercadorias disponibilizadas, pode-se dizer que nele que elas se
situam. Logo, quando se analisa a circulao de mercadorias, no website da empresa que
esto situadas as mercadorias, pois atravs dele que o adquirente a elas tem acesso, as
escolhe e as compra. Se assim no fosse, no seria possvel a realizao da operao de
circulao de mercadorias. no contexto virtual que a operao de circulao de mercadorias
se realiza e se exaure, na medida em que pelo website que se opera a aquisio do produto,
ou, em outros termos, a circulao de mercadorias.
Logo, a sistemtica inerente s operaes de circulao de mercadorias realizadas
pela Internet encontra-se em consonncia com a disposio contida na Lei Complementar n
87/96 no que se refere ao conceito de estabelecimento. Isso porque, de acordo com seu artigo
11, 3 o estabelecimento prescinde de uma forma fsica para se apresentar como tal. Basta
que nele se realizem as operaes de circulao de mercadorias. Portanto, se as operaes em
12PERON, Waine Domingos. Estabelecimento empresarial no espao ciberntico. Dissertao de Mestrado. So Paulo: Faculdade Autnoma de Direito (FADISP), 2009, p 74.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 117
anlise ocorrem no ambiente virtual do stio eletrnico da empresa vendedora, ele o seu
estabelecimento.
V-se que referido dispositivo, quando menciona a existncia fsica da mercadoria
no estabelecimento para sua configurao como tal, o faz de forma subsidiria em relao ao
local onde se realizam as operaes. O dispositivo em tela expresso em preconizar que o
estabelecimento o local conde ocorrem as operaes de circulao de mercadorias ou onde
estas estejam armazenadas. Porm, as duas referncias o local onde ocorrem as operaes
de circulao de mercadorias e o local onde estejam estas armazenadas no se encontram
em igualdade. Referido dispositivo elenca uma ordem preferencial para a configurao
conceitual do estabelecimento, elegendo em primeiro lugar o local onde tenha sido efetuada a
operao ou prestao (inciso I, primeira parte). Apenas de forma subsequente que elenca o
local onde seja encontrada a mercadoria ou constatada a prestao (inciso I, parte final).
Desse modo, quando ocorridas as operaes de circulao de mercadorias por
meio de acesso a stio eletrnico, este considerado o estabelecimento da pessoa responsvel
pela venda do produto.
3 OS CRITRIOS ESPACIAL E PESSOAL (SUJEIO ATIVA) DA
REGRA-MATRIZ DE INCIDNCIA TRIBUTRIA DO IMPOSTO
SOBRE CIRCULAO DE MERCADORIAS (ICMS) NAS OPERAES
REALIZADAS PELA INTERNET
Partindo do exposto at o momento, tem-se que a relevncia de se alcanar a
conceituao de estabelecimento empresarial nas operaes realizadas pela Internet a
possibilidade de se definir o local onde ocorrem estas operaes e, por consequncia, qual o
sujeito ativo da relao jurdica tributria, ou seja, o ente federado competente para cobrar o
tributo nas operaes desta natureza.
No captulo anterior, definiu-se o website como estabelecimento do alienante da
mercadoria posta em circulao. Desse modo, a partir do momento em que se define o
118 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
website como estabelecimento do alienante, passa ele a representar tambm o local da
operao da circulao de mercadoria.
Isso porque o artigo 11, da Lei Complementar n 87/96, dispe:
Art. 11 O local da operao ou da prestao, para os efeitos da cobrana do imposto e definio do estabelecimento responsvel, :I - tratando-se de mercadoria ou bem:a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrncia do fato gerador;[...]c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o ttulo que a represente, de mercadoria por ele adquirida no Pas e que por ele no tenha transitado; [...]
No caso, quando se fala em operao de circulao de mercadoria realizada pela
Internet, partindo-se da premissa fixada acima de que o website o prprio estabelecimento,
possvel afirmar que no momento do acesso ao mesmo, a mercadoria nele se situa, ou seja,
enquanto houver oferta de um produto por meio de website, porque est disponvel para
compra por este canal. Logo, na terminologia empregada pelo dispositivo legal em anlise,
tem-se que o fato gerador ocorre no momento da compra, ou seja, quando se operacionaliza a
circulao jurdica da mercadoria, com a transferncia de titularidade da empresa vendedora
para o consumidor adquirente. Nesse sentido, se o fato gerador ocorre no momento em que se
acessa o website para finalizar a compra, pode-se afirmar que no website propriamente dito
que a mercadoria se encontra.
Tal afirmativa se sustenta porque, conforme se exps no captulo precedente, o
website o local onde se tem acesso mercadoria, onde esta escolhida e adquirida, de modo
que inafastvel a concluso de que o prprio website o local onde ocorre a operao de
circulao de mercadoria. Da mesma forma, sendo o website o local onde a operao
concluda, pode-se afirmar que o local onde ocorre a transferncia de titularidade, consoante
preceitua a alnea c do inciso I, do dispositivo legal em foco.
No entanto, a determinao de que o website o local onde a operao de
circulao de mercadoria ocorre no suficiente para se definir o critrio espacial da regra-
matriz de incidncia tributria do ICMS quando se fala em ambiente virtual, pois, como j
dito, o estabelecimento, quando na Internet, pode se apresentar em diversos locais ao mesmo
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 119
tempo.
Nesse vagar, fixou-se a premissa da ubiquidade do estabelecimento empresarial,
pois capaz de se apresentar em tantos lugares quantos forem os acessos realizados.
Tratando-se o website como uma extenso do estabelecimento empresarial, fixou-se o
entendimento de que em cada acesso a ele realizado, est-se diante de uma extenso do
prprio estabelecimento, de modo que este estar presente em tantos lugares quantos forem os
acessos feitos em locais distintos.
Porm, cada acesso uma nica operao, pois cada qual ensejar uma nica
oportunidade de circulao de mercadoria. Sendo assim, o critrio espacial variar conforme o
local de acesso por parte dos adquirentes. Cada acesso promove uma extenso do
estabelecimento, de tal sorte que, se a operao de circulao de mercadoria for concluda,
estar-se- diante da fixao de um critrio espacial. E tal sistemtica se repetir tantas vezes
quantos forem os acessos que resultarem em operaes de circulao de mercadorias. claro
que no basta que o acesso seja estabelecido para que se tenha fixado o critrio material. Para
tanto imprescindvel que desse acesso resulte a circulao jurdica de mercadorias.
Dessa forma, pode-se dizer que em relao a uma nica empresa alienante que
disponibilize um website de vendas na Internet surjam, ao mesmo tempo, diversas operaes
de circulao de mercadoria, em diversos Entes Federados concomitantemente, sendo que, na
medida em que cada operao corresponde a um critrio espacial, cada um deles ter um
sujeito ativo diferente. Este definido a partir do local de ocorrncia da operao. Se esta
ocorreu em seu territrio, ele o Estado competente para cobrar o ICMS correspondente.
O fundamento principiolgico em questo o de que os recursos decorrentes da
tributao devem ser direcionados ao local onde tenha sido promovida a gerao da riqueza
econmica (princpio do destino), de modo que se a riqueza, em termos econmicos, foi
gerada no territrio de um determinado Estado, ele que far jus ao bnus tributrio da
decorrente.
Sendo assim, em tese, possvel que este estabelecimento esteja presente em
diversos Estados Federados concomitantemente. Todos esses Estados Federados so,
potencialmente, sujeitos ativos do tributo, que variaro de acordo com a localidade onde se
120 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
encontrar o adquirente. Ou seja, a definio variar de acordo com o local do domiclio ou de
acesso do adquirente. Portanto, cada uma das entidades federadas somente estar autorizada a
cobrar ou exigir o ICMS-Mercadoria nas operaes realizadas pela Internet relativamente aos
adquirentes situados em seus respectivos territrios, exaurindo-se nele a tributao. No se
trata, portanto, de se tributar o mesmo fato por diversas entidades federadas, mas sim de as
definir como sujeitos ativos da relao jurdica tributria conforme o destino da circulao
jurdica da mercadoria. So diversos fatos tributveis ocorrendo concomitantemente.
Tendo em vista que dentro dessa realidade a empresa alienante tem a possibilidade
de potencialmente estar presente no domiclio de todas as pessoas com acesso Internet,
viabiliza-se a ocorrncia de diferentes conexes simultneas, o que reflexo e consequncia
da ubiquidade inerente ao ambiente virtual.
Dessa forma, o sujeito ativo da relao jurdica tributria nas operaes de
circulao de mercadorias realizadas pela Internet ser o Estado onde estiver sido estabelecida
a conexo pelo adquirente da mercadoria no momento em que realizar juridicamente a
operao de circulao de mercadoria por este canal.
3.1 A entrega (circulao fsica) da mercadoria ao adquirente nas operaes
de circulao realizadas pela Internet
Por outro lado, muito se discute a respeito da eventual necessidade de entrega do
produto no domiclio do adquirente. Nesse sentido, muitos defendem que, havendo
necessidade de armazenamento de mercadorias para posterior entrega aos adquirentes, o
estabelecimento da empresa vendedora seria o local onde estejam situadas fisicamente as
mercadorias. Porm, entende-se que esta no seja a melhor interpretao.
No caso, o critrio material da regra-matriz de incidncia tributria do imposto em
anlise, como j exposto no primeiro captulo, j se exauriu quando ocorrida a operao no
ambiente virtual, pois foi nesse momento que a titularidade da mercadoria passou do
vendedor para o adquirente. De acordo com a premissa estabelecida no referido captulo, o
critrio material se d quando ocorre a transferncia jurdica da mercadoria em favor do
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 121
adquirente. Logo, a partir do momento em que ocorre a compra, opera-se a circulao jurdica
de mercadoria, exaurindo-se, assim, o critrio material.
O fato de ser necessrio o envio da mercadoria ao domiclio do adquirente
questo absolutamente indiferente caracterizao do critrio material, pois neste no est
inserido ou considerado. Tanto que no ato de realizao da compra so cobrados dois preos
diversos, um correspondente aquisio da mercadoria, que nada mais do que a sua
circulao jurdica, e outro correspondente ao frete do produto at o seu destino final. Esta
operao autnoma. operao que se insere na cadeia de circulao de mercadorias, de
maneira que a aquisio, ou circulao jurdica, da mercadoria pelo website corresponde ao
primeiro fato tributvel por ICMS-Mercadoria, ao passo que o transporte da mercadoria do
armazm da empresa vendedora ao endereo do comprador corresponde a fato tributvel do
ICMS-Transporte.
Quando se considera o transporte da mercadoria adquirida ao domiclio do
comprador, est-se diante de uma mera circulao fsica de mercadoria, realizada unicamente
para atender a uma necessidade logstica de entrega da mercadoria ao seu destinatrio final, j
que a ao determinante para a configurao do critrio material da regra-matriz de incidncia
tributria circular mercadoria. Por conseguinte, a circulao jurdica o quanto basta para
a configurao da hiptese imponvel do ICMS-Mercadoria. Diante dessa peculiaridade pode-
se dizer que a tradio da coisa no se aplica ao Direito Tributrio no sentido de ensejar e
concluir a transferncia da propriedade. Esta, por si s, j ocorre desde quando a operao de
circulao de mercadoria se realiza.
Logo, quando no h entrega imediata da mercadoria ao seu destinatrio,
configuram-se realizados dois fatos distintos e autnomos para efeito tributrio: o primeiro,
correspondente circulao jurdica da mercadoria, concluda com a venda em si, enseja a
tributao por meio do ICMS-Mercadoria, ao passo que o segundo, correspondente ao
respectivo transporte, enseja a tributao por meio do ICMS-Transporte.
A respeito CARRAZZA eaxpe:
[...]Na verdade, a sada da mercadoria apenas o momento em que a lei considera nascida a obrigao de pagar o ICMS. Este tributo surge, como vimos, quando ocorre a operao mercantil. A sada uma simples decorrncia da transmisso da
122 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
titularidade da mercadoria. quanto se exterioriza tal transmisso. De qualquer modo, desde que ocorra a operao mercantil, o tributo devido, ainda que a mercadoria no transitar pelo estabelecimento do transmitente.[...]13.
Pode-se afirmar, portanto, que o aspecto fsico da circulao de mercadoria
absolutamente irrelevante para a configurao da hiptese de incidncia do ICMS-
Mercadoria, sendo que a necessidade de armazenamento ou entrega da mercadoria
absolutamente irrelevante para a composio dos elementos formadores da relao jurdica
tributria.
Alm disso, no h bice algum para que existam diversos estabelecimentos
fsicos destinados ao armazenamento da mercadoria. Tal estruturao, por exemplo, poderia
ser empregada no caso de um website de grande porte, que dispe de diversos depsitos ao
longo do territrio nacional, a fim de melhor atender demanda resultante do seu acesso. A
adoo de diversos estabelecimentos apenas teria o condo de facilitar ou otimizar as
necessidades de logstica do referido website. Nem por isso, se poder falar em identidade de
estabelecimentos ou que esses estabelecimentos que correspondem, na realidade, ao
estabelecimento da empresa. Isso porque a operao de circulao de mercadoria exauriu-se
quando realizada diretamente no website, de tal sorte que o uso desses estabelecimentos
fsicos nada mais so do que instrumentos utilizados em operaes subsequentes de transporte
da mercadoria, ocorridas como consequncia e desdobramento da operao de circulao de
mercadoria anterior, objeto de outra relao jurdica tributria, a de incidncia de ICMS sobre
operao de transporte.
Assim, segundo PERON:
[...] Nota-se que, mesmo nos casos em que h um estabelecimento fsico na retaguarda do website, que armazene as mercadorias vendidas neste e as remete em seguida ao contratante, o negcio mercantil j foi totalmente realizado por meio eletrnico. neste local, virtual, que as partes se relacionam, discutem volume, cor, espcie da mercadoria, preo, condies e pagamento e, finalmente, pactuam a transao. Todo o negcio jurdico avenado no estabelecimento virtual. As partes envolvidas manifestam no website o interesse recproco pela contratao da compra/venda. E, de modo totalmente virtual, ocorre entre elas a operao mercantil de circulao
13Carrazza, Roque Antonio. ICMS. So Paulo: Malheiros, 2009, p.135/136.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 123
(jurdica) de mercadorias, nica que interessa para fins de incidncia do ICMS[...] Notemos, pois, que, inclusive sob a tica da hiptese de incidncia do ICMS, temos que o website capaz de desenvolver toda a operao mercantil, quebrando o paradigma de que somente pelos estabelecimentos fsicos tal circunstncia era possvel. Nessa situao, ao contrrio, o estabelecimento fsico secundrio, servindo apenas como um despachante da mercadoria comercializada pelo estabelecimento virtual.[...] A posterior entrega da mercadoria ato de mera execuo do contrato, que, em sua essncia, j se encontra avenado de modo consensual por meio do website.Bem se v que, portanto, no a circulao fsica da mercadoria que define o negcio de compra e venda firmada entre as partes. A entrega da mercadoria mera consequncia de uma relao mercantil j pactuada via internet, por meio do estabelecimento virtual14..
A fim de ilustrar o exposto, supondo que uma pessoa domiciliada na cidade de
Salvador adquira um determinado produto, por meio de acesso ao website www.xxx.com.br,
cuja empresa mantenedora dispe de um armazm de estocagem no Rio de Janeiro, de onde a
mercadoria sai para ser entregue ao comprador, por uma transportadora contratada. Nesse
caso, a partir do momento em que houve a aquisio pela pessoa domiciliada em Salvador,
restou configurada a hiptese imponvel do ICMS-Mercadoria, sendo desde j devido o
tributo ao Estado onde tenha ocorrido a operao, ou seja, na Bahia. Isso porque, como vimos,
o estabelecimento, apresentado de forma virtual sob a roupagem de um stio eletrnico,
estende-se at o domiclio do comprador. Aps, quando da entrega da mercadoria, tendo a
empresa vendedora contratado um servio de transporte para entrega da mercadoria,
promoveu ela a concretizao da hiptese imponvel do ICMS-Transporte, sendo este devido
ao Estado onde tenha sido realizada a operao, ou seja, Rio de Janeiro. Logo, tratam-se de
duas operaes autnomas, sendo que para cada uma delas h um sujeito ativo diverso.
3.2 Consideraes finais: a interpretao da norma jurdica
Extrai-se do presente trabalho que o conceito de estabelecimento empresarial
virtual, como sendo aquele onde se realizam as operaes de circulao de mercadorias
14PERON, Waine Domingos. Estabelecimento empresarial no espao ciberntico. Dissertao de Mestrado. So Paulo: Faculdade Autnoma de Direito (FADISP), 2009, p. 88/90.
124 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
ocorridas na Internet, encontra respaldo legal no artigo 11, pargrafo 3 da Lei Complementar
n 87/96. Alm disso, constatou-se tambm que referido dispositivo est em consonncia com
o artigo 1.142, do Cdigo Civil, na medida em que nenhum deles exige a estrutura fsica
empresarial para a definio, ou configurao, o que seja o respectivo estabelecimento.
Sendo assim, considerando que todos os parmetros necessrios encontram-se
previstos na norma, no h que se falar em outra sorte de interpretao seno a literal. A
propsito da metodologia de interpretao da norma tributria, o Cdigo Tributrio Nacional
veicula disposies expressas, em seu Captulo IV (Interpretao e Integrao da Legislao
Tributria), formado pelos artigos 107 a 112, dos quais o 108 e 110 so transcritos a seguir,
por apresentarem maior pertinncia ao estudo.
Art. 108. Na ausncia de disposio expressa, a autoridade competente para aplicar a legislao tributria utilizar sucessivamente, na ordem indicada:I - a analogia;II - os princpios gerais de direito tributrio;III - os princpios gerais de direito pblico;IV - a equidade. 1 O emprego da analogia no poder resultar na exigncia de tributo no previsto em lei. 2 O emprego da equidade no poder resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.[...]Art. 110. A lei tributria no pode alterar a definio, o contedo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituio Federal, pelas Constituies dos Estados, ou pelas Leis Orgnicas do Distrito Federal ou dos Municpios, para definir ou limitar competncias tributrias.
V-se que somente na ausncia de disposio legal expressa sobre determinado
assunto que estar autorizado o emprego da analogia, dos princpios gerais de direito
pblico e da equidade. Logo, a contrario sensu, tem-se que, se houver disposio expressa na
legislao tributria, somente a interpretao literal autorizada. E nem poderia ser diferente,
pois se o texto legal suficiente para a compreenso da matria, a ponto de ser capaz de
exaurir os elementos formadores do instituto em estudo, nem mesmo necessidade h de se
empregar outra forma de interpretao.
Portanto, diante da conceituao de estabelecimento empresarial contida no artigo
11, 3 da Lei Complementar n 87/96, na medida em que apresenta os elementos necessrios
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para tanto, o quanto basta para o trabalho do intrprete, sendo despicienda qualquer imerso
em outro ramo do Direito ou em qualquer ilao alm da literalidade da norma.
Alm disso, porque a norma tributria suficiente para a definio do
estabelecimento empresarial, ainda que virtual, despicienda tambm a imerso do intrprete
no ramo do Direito Privado correspondente para a construo adequada do instituto. Porm,
quando se fala da invocao dos institutos privado pelo intrprete da norma tributria,
necessrio no se olvidar que, com isso, no autorizada a alterao de sua definio, o
contedo e o alcance de institutos, conceitos e formas quando utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituio Federal, pelas Constituies dos Estados, ou pelas Leis
Orgnicas do Distrito Federal ou dos Municpios, para definir ou limitar competncias
tributrias.
No caso, o estabelecimento empresarial, embora no seja um instituto empregado
pela norma expressamente para a definio de competncia, relevante, como visto, para a
definio da ocorrncia da operao de circulao de mercadoria e, consequentemente, da
definio do sujeito ativo da relao jurdica tributria correspondente. Portanto, pode-se dizer
que empregado implicitamente pelo Direito para a definio de uma competncia tributria.
Tanto que a concluso do presente trabalho foi a de que o sujeito ativo da relao jurdica
tributria do ICMS-Mercadoria nas operaes realizadas pela Internet aquele onde se situa o
adquirente da mercadoria quando acessa o website da empresa vendedora e nele adquire
mercadorias.
Sendo assim, se o instituto em tela o estabelecimento empresarial encontra
amparo na legislao privada, no poderia a norma tributria empregar sentido ou definio
diversa, mormente para o fim de definir competncia. No entanto, a disposio trazida pela
Lei Complementar n 87/96, em seu artigo 11, 3 absolutamente condizente com o
disposto no artigo 1.142 do Cdigo Civil, j que em ambos dispensada a estrutura fsica para
a formao ou conceituao do estabelecimento empresarial, de modo que no h que se falar
em vcio ou inadequao da norma tributria nesse tocante.
Logo, a construo conceitual em torno do estabelecimento empresarial, quando
apresentado sob a roupagem de stio eletrnico, est de acordo tanto com a disposio legal
126 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
propriamente dita a seu respeito, quanto de acordo com a sistemtica de interpretao da
norma tributria veiculada pelo Cdigo Tributrio Nacional.
Por conseguinte, no h bice legal algum para a considerao de que o website
disponibilizado pela empresa vendedora , na realidade, seu prprio estabelecimento
empresarial, sendo que o local da operao onde se situa o adquirente no momento em que
realiza o respectivo acesso e nele adquire mercadorias (operao de circulao de
mercadoria), o que, por consequncia, determina que o sujeito ativo da relao jurdica
tributria respectiva o Estado Federado em que tal acesso se realizar.
CONCLUSO
No transcorrer deste trabalho buscou-se definir qual o sujeito ativo da relao
jurdica tributria nas operaes de circulao de mercadorias realizadas pela Internet. Para
tanto partiu-se inicialmente da exposio acerca da regra-matriz de incidncia tributria deste
tributo, pois nela que se encontram todos os elementos necessrios para a formao da
relao jurdica desta natureza.
Nesse sentido, foi primeiramente analisada a regra-matriz de incidncia tributria
em si, salientando a sua pertinncia ao estudo e, posteriormente, analisada a regra-matriz de
incidncia tributria em si, relativamente s operaes de circulao de mercadorias em geral.
A partir das especificidades desta, passou-se ao estudo da regra-matriz de incidncia tributria
do ICMS referente s operaes de circulao de mercadorias realizadas pela Internet.
A partir da foi possvel precisar o local de ocorrncia dessas operaes e,
consequentemente, definir o sujeito ativo da relao jurdica tributria correspondente.
A construo conceitual foi embasada na conceituao legal do estabelecimento
empresarial, partindo da premissa de que as disposies normativas pertinentes, quais sejam,
o artigo 11, 3 da Lei Complementar n 87/96 e artigo 1.142 do Cdigo Civil, no erigem a
estrutura fsica como requisito para a configurao do estabelecimento empresarial. Ambas
partem do pressuposto de que o que fundamenta a caracterizao do estabelecimento
empresarial a estrutura colocada em funcionamento para a realizao da atividade desta
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natureza. Logo, tudo o que esteja envolvido no desenvolvimento da atividade empresarial,
ser considerado estabelecimento, independentemente de ser tangvel fisicamente.
Sendo assim, na medida em que o stio eletrnico disponibilizado por uma
determinada empresa para a compra e venda de seus produtos na Internet, pode ser
considerado estabelecimento, uma vez que corresponde a um meio destinado ao atendimento
da atividade empresarial em si. Dessa forma, outra premissa foi estabelecida: a de que o
website tambm estabelecimento empresarial, com a especificidade de que tem a capacidade
de transpor-se para tantos locais quantos forem os acessos a ele realizados. Alcana-se, assim,
a ubiquidade do estabelecimento empresarial, a ponto de se poder dizer que quando
acessado um website por um adquirente de mercadoria, o estabelecimento a ele se transpe, se
estende, de maneira virtual, mas no menos real.
As realidades fsica e virtual passam a ter na atualidade o mesmo peso e valor.
Ambas so verdadeiras, sendo ambas capazes de ensejar o surgimento de direitos e
obrigaes. Diante dessa realidade, mostra-se imprescindvel analisar qual local de
ocorrncia das operaes de circulao de mercadorias pela Internet para posteriormente se
precisar qual o sujeito ativo da relao jurdica da surgida.
Nesse vagar, com base nas premissas estabelecidas acerca do estabelecimento
empresarial apresentado sob a forma de stio eletrnico chegou-se concluso de que o local
da operao de circulao de mercadorias, de acordo, inclusive, com o artigo 11, da Lei
Complementar n 87/96, especialmente em seu inciso I, alneas a e c, justamente o local
onde feito o acesso pelo adquirente, ou seja, o local da operao coincide com o local onde
esteja adquirente quando do acesso ao stio eletrnico com a realizao da operao de
circulao jurdica da mercadoria.
Desse modo, a partir do momento em que definido o local da operao, pode-se
dizer qual o sujeito ativo da relao jurdica tributria da surgida. Se a operao realizada
no local onde se situa do adquirente, ou, em outras palavras, onde realizado o acesso que
culmine na aquisio da mercadoria, o Estado Federado que abriga esta operao que ser
legitimado para cobrar o ICMS de circulao de mercadoria nas operaes realizadas nesses
moldes. Portanto, o sujeito ativo da relao jurdica em relao s operaes de circulao de
128 Thas GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relao... p. 97-129
mercadorias realizadas pela Internet o Estado Federado onde tiver sido realizado o acesso
que resultou na aquisio da mercadoria, pois esta operao corresponde justamente
circulao jurdica da mercadoria, critrio material da regra-matriz de incidncia tributria,
capaz de caracterizar a incidncia do tributo em tela.
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