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A cor dos têxteis antigos.
Os neutros: beige, castanho e preto
Maria Eduarda M. Araújo
Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa
Texto de apoio ao workshop
Pigmentos e Corantes Naturais na Tinturaria Antiga: Usos e Estruturas
Cento de Arqueologia de Almada
Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa 2012
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Introdução
A utilização pelo Homem de corantes de origem animal, vegetal e mineral, é muito antiga. Uma das
principais utilizações era o tingimento de materiais têxteis com os quais não só fabricavam as suas
vestes mas também produziam tapeçarias com as quais embelezam as habitações. É de cerca de
2600 a. c. o primeiro registo escrito conhecido sobre corantes naturais o qual relata a utilização
destes materiais China para obtenção de tecidos de várias cores.
A observação das cores vibrantes de flores, sementes, bagas, frutos, fez com que o homem
quisesse apropriar-se dessas cores tentando passá-las para o seu meio envolvente, vestuário e
habitação. No entanto a maior parte destes materiais naturais tinha cores pouco persistentes
quando aplicadas em tecidos e desapareciam facilmente com a lavagem ou quando expostas à luz.
De entre este vasto conjunto de substâncias havia contudo algumas que, pelo facto de originarem
cores e resistentes atingiram grande valor económico, levando a cobiça e a guerras, fazendo a sua
posse a fortuna de impérios mas também a desgraça de vários povos.
Nos tempos actuais há a ideia de que os tecidos dos antigos , tanto os que eram utilizados para o
vestuário como o de decoração, tinham uma paleta de cores pouco interessante e monótona, que
consistia quase exclusivamente no branco cru, no beige da estopa e no castanho escuro da lã.
Contudo esta ideia não corresponde à realidade. Para além dos vermelhos, amarelos ou azuis,
também as cores neutras como os castanhos ou o preto eram obtidas por tingimento e muito
valorizadas.
Corantes naturais
Um corante natural é uma substância orgânica corada obtida apenas por processos fisico-químicos
(dissolução, precipitação, entre outros) ou bioquímicos (fermentação) de uma matéria-prima
animal ou vegetal. Esta substância deve ser solúvel num meio aquoso, sendo mergulhado neste
meio o material a tingir, e passando então o corante da solução para as fibras têxteis.
É corrente classificar os corantes têxteis em várias categorias consoante o respectivo modo de
aplicação1, 2, sendo que os corantes naturais pertencem apenas a um dos seguintes grupos:
Corantes directos – são corantes que se agarram directamente às fibras do tecido, em geral
fibras de celulose como o algodão e o linho, sem que estas necessitem de um tratamento especial.
Poucos corantes naturais pertencem a esta categoria. Nos corantes directos pode incluir-se um
grupo particular de corantes, os corantes ácidos. Estes corantes são em geral aplicados num banho
ácido, em virtude de possuírem grupos ionizáveis na sua constituição. Os corantes directos são, em
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geral, adequados para os materiais proteicos de origem animal como a seda e a lã em virtude de
poderem formar ligações iónicas com os resíduos carboxilato da proteína.
Corantes de tina – Este é um grupo especial de corantes aplicado à lã e ao algodão, mas
principalmente a este último. O corante é aplicado numa forma química reduzida, incolor, chamada
de forma leuco, e já depois de aplicado ao tecido é transformado na forma corada por oxidação
com o oxigénio do ar ou por adição de agentes oxidantes. Nas preparações tradicionais com
corantes naturais, como por exemplo o índigo, a forma leuco é obtida por putrefacção da matéria
vegetal em meio levemente básico. A forma leuco é solúvel no meio aquoso básico e penetra no
material a ser tingido. A oxidação com o oxigénio do ar origina a forma corada, insolúvel, que fica
depositada nas fibras do material a tingir. É pelo facto de não haver uma ligação química entre o
corante e a fibra que este vai sendo removido com as lavagens.
Corantes que necessitam de mordentes – esta é uma expressão vasta que se aplica tanto a
corantes que se ligam à fibra através de um composto orgânico (por exemplo os taninos), ou
através de um sal ou hidróxido metálico. A maior parte dos corantes naturais vermelhos e amarelos
estão incluídos nesta categoria.
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Auxiliares no tingimento e mordentes
Substâncias auxiliares no tingimento
A utilização de substâncias auxiliares no tingimento para melhor fixação da cor é muito antiga.
Sabe-se que populações da Índia, da América, do Egipto e da Grécia antiga já usavam o alúmen com
este fim.
Vários compostos, ou misturas de compostos orgânicos, foram sendo usados ao longo dos tempos.
Funcionavam como auxiliares na aplicação dos corantes aos tecidos e fibras.A urina foi utilizada
pelos gregos e romanos no tingimento com púrpura de Tiro e com índigo. Sabe-se que os aztecas
também a utilizaram no tingimento com índigo. O leite de búfalo foi usado pelos hindús no
tingimento com a raiz de xaja (ou ruiva indiana). Óleos vegetais, muitas vezes o azeite rancificado,
foram utilizados no tingimento com o vermelho da Turquia. Este último era um processo
complicado, que chegava a demorar vários meses, em que se utilizavam vários mordentes com o
objectivo de obter uma laca aderente ao tecido, formada por alizarina, alumínio e cálcio, sendo a
função do azeite rançoso a de manter os materiais uniformemente distribuídos sobre a fibra.
Algumas destas substâncias actuavam como dispersantes dos corantes no banho de tingimento,
outras ajudavam-no a penetrar no tecido e outras ainda faziam com que a cor ficasse uniforme. Um
destes produtos era o sabão natural pois fazia com que as fibras ficassem molhadas mais facilmente
ao mesmo tempo que ajudava a dispersar o corante. Tinha no entanto o inconveniente de não
poder ser usado em meios ácidos nem em águas muito duras.
Mordentes
Os mordentes são compostos usados em conjunto com corantes que não se fixam às fibras têxteis
quando aplicados directamente sobre estas.
O termo mordente, do latim mordente, particípio passado do verbo mordere, morder, foi
introduzido em 1920 para caracterizar a complexação de um corante com um metal. O metal
agarra-se à fibra “mordendo-a “ e faz o mesmo ao corante, e deste modo realiza a ligação entre
estas espécies: fibra e corante.
Os mordentes são indispensáveis à industria tintureira uma vez que muitos corantes, quando
aplicados directamente, não ficam fixados à fibra a não ser que se aplique um mordente. Esta
situação dá-se tanto com as fibras de origem vegetal como com as de origem animal.
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O mordente pode ser aplicado previamente, antes do corante, ou pode ser aplicado em conjunto.
Os mordentes afectam a cor do corante, uma vez que o mesmo corante conforme o mordente
empregue dá origem a cores diferentes.
Mordentes inorgânicos
Muitos sais inorgânicos têm sido, e ainda o são, utilizados como mordentes. No entanto o
mordente mais popular foi o alúmen.
O alúmen é um material constituído principalmente por sulfatos duplos formados a partir de
sulfatos de alumínio, ferro e crómio com sulfatos de potássio, sódio e amónio. Na natureza aparece
como sulfato duplo de alumínio e de uma das seguintes bases: sódio, potássio, amónio, magnésio,
manganês ou ferro.
O alúmen de potássio tem a seguinte fórmula química: KAl(SO4)2·12(H2O). Era extraído de jazidas, e
o seu comércio era importante, levando ao enriquecimento de vários estados que o extraíam, como
é o caso do papado de Roma. Os estados italianos de Florença e Génova3 deveram muito da sua
riqueza e poderio económico no período do renascimento, ao comércio do alúmen. O monopólio
da extracção e comercialização do alúmen foi destruído quando cerca do século XVIII foi
descoberta, e iniciada, a produção de alúmen sintético, mais barato, principalmente em Liége
(França). Esta nova indústria leva ao colapso da extracção de alúmen natural.
Este alúmen era muito apreciado pois não provocava alteração na cor dos corantes.
Também podia ser obtido a partir de um mineral de alumínio, a alunita (Figura 1), KAl3(SO4)2(OH)6
por calcinação a 700º e lexiviação deste.
Figura 1 – alunita, minério de alumínio (foto: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Mineraly.sk_-
_alunit_m.jpg)
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Ao contrário dos sais de alumínio os sais de ferro alteram a cor dos corantes, tornando-os mais
escuros. Este é usado como sulfato ferroso (ou vitríolo verde ou “ couperose vert, francês), de
fórmula química Fe2(SO4)3·7H2O.
A 90°C o sulfato ferroso perde água de hidratação de maneira a formar um mono hidrato incolor,
que era também chamado "vitríolo verde", pela sua relação histórica com a produção de ácido
sulfúrico.
Este composto existe em jazidas ou pode ser obtido por oxidação da pirite branca, dissulfureto de
ferro. Era usado para reforçar o tingimento com a falsa púrpura, como a urzela, e para dar um tom
violeta avermelhado a um certo tipo de cohonila cujo tom principal era o vermelho arroxeado. No
Egipto esta falsa púrpura era obtida com a garança ( ou ruiva) submetida a um mordente de alúmen
com um pouco de ferro. No entanto, quando associada a um tanino era utilizado para obter tintura
negra. Esta tintura tem o problema de originar a formação de ácido sulfúrico que é fatal para a seda
e para a lã levando à sua degradação. Na idade média foi proibida a sua utilização no tingimento da
lã de boa qualidade, sendo apenas utilizados para têxteis mais baratos.
Um outro sal de ferro, o acetato de ferro, Fe(CH3COO)3, obtido dissolvendo em ácido acético
limalha, aparas e pedaços de ferro, também era usado e mais apreciado no tingimento da lã e da
seda, por o ácido acético se libertar quando os banhos de tingimento eram aquecidos. Tornava-se
assim mais inofensivo para estes materiais.
Os mordentes de cobre, na forma de acetato e/ou sulfato de cobre (vitríolo azul) foram
principalmente usados com o acetato de ferro para os violeta. Sózinhos modificam os corantes
naturais amarelos para os tons de verde azeitona ou verde bronze.
A utilização do mordente de estanho, cloreto estanhoso, SnCl2, é bastante mais recente, datando
do século XVII. Era principalmente utilizado para avivar o carmim da cochonilha.
A utilização do mordente de crómio é ainda mais recente, datando do século XIX. O composto mais
usado era o dicromato de potássio, K2Cr2 O7. Forma complexos muito estáveis com os corantes e as
fibras têxteis, dando origem a cores muito sólidas à lavagem e à luz. Tem contra a sua utilização o
facto de ser muito tóxico para os trabalhadores que o manipula e de ser altamente poluente.
Para além dos mordentes várias outras substâncias foram também usadas no tingimento dos
tecidos. Funcionavam como auxiliares na aplicação dos corantes aos tecidos e fibras. Algumas
destas substâncias actuavam como dispersantes dos corantes no banho de tingimento, outras
ajudavam-no a penetrar no tecido e outras ainda faziam com que a cor ficasse uniforme. Um destes
produtos era o sabão natural pois fazia com que as fibras ficassem molhadas mais facilmente ao
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mesmo tempo que ajudava a dispersar o corante. Tinha no entanto o inconveniente de não poder
ser usado em meios ácidos nem em águas muito duras.
Mordentes orgânicos
Os mordentes orgânicos mais populares foram os galhotaninos que não são uma espécie química
bem definida mas uma mistura de compostos da família dos taninos hidrolizáveis. Estão presente
na noz de galha, no sumagre, na raiz da ratânia, entre outros. O ácido tânico, um galhotanino, é
muitas vezes usado abusivamente como sinónimo de ácido gálhico ou de ácido digálhico (Figura 2).
Figura 2 – Estruturas dos ácidos gálhico e digálhico
O ácido tânico e outros galhotaninos foram utilizados por vários povos, de vários continentes,
desde os hindús, aos gregos antigos e aos índios americanos sendo muito populares na Europa
medieval.
Os taninos
O nome de tanino provém do francês tanin e inclui uma grande gama de compostos polifenólicos
naturais.
Desde os tempos antigos que são conhecidas substâncias que têm propriedades de fazer a
curtimenta das peles animais obtendo-se deste modo um material flexível e resistente, o cabedal.
Embora a curtimenta das peles seja um processo muito antigo só no século XX, com o
desenvolvimento das técnicas analíticas, foi elucidado o processo que na realidade ocorre: os
taninos promovem o aparecimento de ligações cruzadas entre as fibras de colagénio que formam a
pele.
Na natureza os taninos encontram-se em muitas plantas superiores, como na casca do carvalho e
do castanheiro, e nas folhas do sumagre, etc…
OH
OH
OH
COOH
OOH
OH
OH
OH
OH
O
COOH
ácido gálhico ácido digálhico
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Os taninos são também, como atrás referido, utilizados como mordentes no tingimento de tecidos
São també utilizados na indústria alimentar como antioxidantes.
Os taninos são macromoléculas polifenólicas. O seu peso molecular encontra-se em geral entre os
300 e os 3000 D, embora já tenham sido isoladas moléculas cuja massa molecular é superior a 20
0000 D e que ainda são classificadas como taninos.
Historicamente os taninos são divididos em duas grandes classes: Os taninos hidrolisáveis e os
taninos condensados.
Os taninos hidrolisáveis devem este nome ao facto de, por acção da água quente ou por acção de
enzimas, poderem ser hidrolisados a componentes mais simples. Podem ser formados a partir do
ácido gálico (ou gálhico, ácido 3,4,5 tri-hidroxi-benzóico), os galhotaninos, ou então do ácido
elágico ( lactona do ácido hexa-hidroxi-difenóico), os elagitaninos. O ácido elágico é formado pelo
acoplamento carbono-carbono de duas unidades de ácido gálhico seguida de lactonização
espontânea (Figura 3).
Figura 3 – Estruturas dos ácidos gálico, elágico e hexa-hidroxi-difenóico
O ácido tânico (Figura 4), um dos taninos hidrolizáveis mais simples, é formado por ácido gálico e
glucose, encontrando-se os grupos hidroxilo da glucose esterificados com ácido gálico. Moléculas
mais complicadas são formadas por esta unidade esterificada com outros radicais de ácido gálico.
O OH
OH
OHOH
OOH
OH
O
O
OH
OH
O
O
OH
OHOH
O
OH
OHOH
OH
OH
ácido gálico ácido elágico ácido hexa-hidroxi-difenóico
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Figura 4 – Estrutura de uma pentagaloil-glucose
Uma outra categoria de taninos é a dos taninos condensados, que são formados por unidades de
catequina unidas entre si por ligações carbono-carbono, que se estabeleceram entre o carbono 3
de uma unidade e o carbono 8 de outra unidade de catequina (Figura 5).
Figura 5 – estrutura da catequina e de um tanino condensado
O
OH
OHOH
O
O
O
O
OO
O
OH
OH
OHO
OH
OHOHO
OHOH
OH
OOH
OH
OH
OH
HO
OH
HO
OH
OH
OH
HO
OH
HO
OH
OH
OH
HO
OH
HO
OH
OH
OH
HO
OH
HO
OH
OH
Catequina
3
8
3
8
n
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Estes compostos também são designados por proantocianidinas, pois por cisão oxidativa ( e não
hidrólise) em álcool, a quente, dão origem às antocianidinas (Figura 6).
Figura 6 – Formação de uma antocianidina
Existe ainda um outro tipo de taninos, os taninos complexos, designados inicialmente por “taninos
não clássicos”, em que uma unidade glicosídica está ligada, por uma ligação C-C a uma catequina e
cujos grupos hidroxilo estão esterificados com o ácido gálico e com o ácido elágico. Estes taninos
são parcialmente hidrolisáveis (Figura 7).
Figura 7 – Estrutura de um tanino complexo
OHH
O
OH
OH
OH
OH
OHH
O
OH
OH
OH
OH
OHH
O
OH
OH
OH
OH OH
O
OH
OH
OH
OH
n
+
O
OH
OH
OHO
OH
OHOH
OOH
OHOH
OH
OH OH
OO
OH
HO
OH
OH
OH
OH
O
O
OO
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Alterações na cor provocadas pelo tipo de mordente usado
Como já foi referido, a utilização de mordente pode afectar a cor do corante.
As figuras abaixo são um bom exemplo desta afirmação. Foram realizadas algumas experiências de
tingimento artesanal com garança (ou ruiva dos tintureiros) sobre lã e algodão. Foram usados o
sulfato de ferro, o alúmen, o sulfato de cobre e o sumagre.
Só o mordente, sem o corante
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Os neutros, beige e castanho e preto e as plantas ricas em taninos hidrolisáveis
Os carvalhos
A casca
Os carvalhos são árvores de médio a grande porte que incluem espécies de folha caduca e de folha
perene. Estas últimas encontram-se em geral no sul da Europa enquanto que as primeiras se
encontram mais para o norte. O género a que pertencem, Quercus, inclui árvores que em
português são designadas por nomes correntes que não as permitem associar ao género como seja
o sobreiro, Quercus suber, ou a azinheira, Quercus ilex rotundifólia.
Os carvalhos europeus utilizados em tinturaria são o carvalho roble (sin. carvalho-vermelho, ou
carvalho-alvarinho), Quercus robur (sin. Quercus pedunculata), e o carvalho branco (ou roble
branco), Quercus petraea (sin. Quercus sessiliflora)(Figura 8 e 9). Estas duas espécies são muito
parecidas sendo por vezes estes carvalhos confundidos um com o outro. O roble branco cresce em
solos mais pobres e é um pouco menos robusto . O carvalho roble foi em tempos passados a árvore
dominante nas florestas portuguesas do Minho, Douro litoral e Beiras.
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Figura 8 - Quercus róbur (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Quercus_robur.jpg)
Figura 9 - Quercus petrae (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Quercus_petraea_-
_K%C3%B6hler%E2%80%93s_Medizinal-Pflanzen-118.jpg)
Destes dois carvalhos utiliza-se a casca pulverizada, comercializada na forma de pó.
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A casca é rica em elagitaninos (pedunculagina, vescalagina, castalagina) contendo uma pequena
quantidade de taninos condensados, taninos complexos, catequina, galocatequina, leucocianidina,
leucodelfinidina e outros flavonoides.
Pedunculagin
Vescalagin
A casca, sem mordente, produz um tom beige escuro de folha seca. Com mordentes de ferro
obtêm-se cinzentos e negros resistentes à lavagem e à luz.
Em Portugal existe uma outra espécie de carvalho o Quercus pyrenaica vulgarmente chamado de
rebolo.
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As galhas
O Quercus infectoria (sin. Quercus lusitânica), conhecido como carvalhiça, carvalho-anão,
cerqueiro-bravo é uma espécie natural de Portugal, Espanha e Marrocos. É um pequeno arbusto
que não ultrapassa normalmente os 50 centímetros de altura, sendo encontrado
predominantemente em matas e matagais. Quando infectado por um pequeno insecto, Cynips
gallae tinctoriae, a planta cria uma excrecência, mais ou menos esférica e irregular que envolve os
ovos do insecto. Estas formações, chamadas de galhas, são ricas em taninos hidrolisáveis do tipo
gallotanino. Estas galhas também são conhecidas por: “Turkish gall, Galla tinctoria, Galla halepense,
Galla levantica or Galla quercina.
Figura 10 - Quercus lusitanica (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Quercus_lusitanica_-
_K%C3%B6hler%E2%80%93s_Medizinal-Pflanzen-253.jpg)
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Durante séculas estas galhas, conjuntamente com um mordente de ferro, foram a principal matéria
para tingir de negro a seda. Na Europa, na Idade Média e na Renascença, a maior parte das receitas
para tingir não só a seda como o linho e os tecidos mistos de algodão e linho era baseada na noz de
galha e no ferro. Diminuindo a concentração do mordente de ferro obtinham-se tons variados de
cinzento. Se se usasse o alúmen obtinham-se beiges
Vários outros carvalhos também desenvolvem galhas, que são igualmente ricas em galhotaninos.
As figuras abaixo mostram o resultado das galhas do Q. pyrenaica com os diversos mordentes.
As cúpulas das bolotas
Existe uma variedade de carvalho, Quercus macrolepsis, incorrectamente designado por Q. aegilops
que em linguagem corrente é chamado de valónia, é uma árvore de grande porte, natural da zona
Mediterrânea oriental, ilhas Balcânicas e Ásia Menor (Figura 11).
Figura 11 – Quercus macrolepsis (fonte:
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As cúpulas das glandes dessa árvore, chamadas de valóneas têm sido utilizadas para a obtenção de
uma matéria rica em elagitaninos muito apreciada em tinturaria e em curtumes. Sem mordente
obtem-se um beige acastanhado e com mordente cinzentos e negro(Figura 12).
Figura 12 – Lã pura tingida com extracto do corante natural valónia, marca Hue & Dye. Na
fotografia a partir de cima: mordantada com alumen , modificado som sulfato de ferro, modificado
com ácido cítrico, modificado com carbonato de sódio
(http://dtcrafts.co.uk/dyesFixers/hueAndDye/dy320.html)
Quimicamente o valonado (tannino de valónea) é formado por uma fracção de baixo peso
molecular de taninos hidrolisáveis tais como o ácido flavogalónico, ácido elágico e gálico,
pentagaloilglucose e todo o tipo de produtos de degradação e oxidação dos componentes
importantes de tanino valonea. Além disso, a castalagina e a vescalagina e outros componentes de
maior massa molecular derivados destes compostos constituem componentes importantes.
Ácido flavogalónico
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O castanheiro
O castanheiro, Castanea sativa, é outra das árvores de grande porte rica em taninos.
É uma fonte de elagitaninos (Figura---): castalina, castalagina, vescalagina, kurigalina, chestanino e
acutissimino A.
Em tinturaria utilizava-se a casca, o extracto de tanino e outros sub-produtos.
Com um mordente de ferro era utilizado para tingir a seda de negro, com a vantagem de lhe
conferir corpo que esta tinha perdido com a lavagem. Também era usado para dar um acabamento
lustroso ao algodão.
Figura------O castanheiro
As figuras abaixo mostram o resultado do tingimento com casca de castanheiro e os diversos
mordentes
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Castanheiro e mordentes :lã
Castanheiro e mordentes: lã e algodão
Figura ---- - taninos e polifenóis presentes na casca de castanheiro: 1castalin; 2 castalagin; 3
vescalagin; 4 kurigalin; 5 5-O-galloylhamamelose 4
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Figura ---- continuação - Taninos e polifenóis presentes na casca de castanheiro: 6 (3’5’-dimethoxy-4’-hydroxyphenol)-1-O-beta-D-(6-O-galloyl)glucose; 7 chestanin; 8 acutissimin4
Um arbusto muito especial: o sumagre dos correeiros
O sumagre dos correeiros, Rhus coriaria L., é um arbusto lenhoso, de folhas ovais e frutos redondos
e vermelhos. É uma planta que atinge 1 a 2 metroa quando cultivada mas que em estado
espontâneo pode ter um porte superior atingindo os 3 a 4 metros. Originário do Médio-oriente,
estendeu-se por toda a bacia mediterrânea, sendo cultivado em solos pobres. É cultivado há
centenas de anos na Sicília para obtenção do tanino. Actualmente surge espontâneamente no
norte de Portugal, na zona do Douro, tendo-se tornado uma espécie marginal, infestante de taludes
e zonas não cultivadas. Em Portugal é também conhecido pelos nomes de sumagre vulgar, sumagre
verdadeiro ou sumagre siciliano.
O sumagre era colhido em Agosto. Os ramos eram cortados e postos a secar ao sol. Depoois de seco
era malhado para separar as astes e as folhas que eram moídas em separado, até se obter um pó
fino como farinha. O pó de sumagre era comercializado para as fábricas de curtumes e para as
tinturarias.
Na Península ibérica o sumagre foi utilizado desde os tempos da ocupação árabe, sendo as
primeiras referências escritas do primeiro quartel do século X. A sua produção tinha uma elevada
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importância económica, tendo-se constatado que no sec. XVII as exportações de sumagre através
da barra do Douro eram muito superiores ao do vinho. Parte era vendida para Lisboa mas mais de
metade era exportado para vários portos europeus: ingleses, alemães holandeses e franceses. A
produção de sumagre foi-se extinguindo no país durante os meados do século passado. Em 1964,
em Vila Nova de Foz Coa, o sumagre ainda era um género agrícola próprio. Foi suplantado pelo
sumagre importado da Sicília que entrou no mercado a preços competitivos, pela casca de carvalho
e por produtos químicos de síntese bastante mais baratos.
As folhas de sumagre são ricas em galhotaninos chegando aos 36%. Possui ainda glicósidos dos
flavonóis miricetina, quercetrina e quempferol.
O sumagre era muito utilizado no tingimento da lã, da seda e do algodão e servia sobretudo,
misturado com outros corantes, para para fixar as cores dando-lhes também tons mais escuros.
Misturado com a ruiva produzia o cinzento e com a madeira de sândalo e deferentes mordentes
tons de avelã, bronze e grenat. Conhecido desde a Antiguidade, é mencionado no primeiro tratado
escrito Europeu sobre a arte de tingir onde é mencionado como fonte da tinta para tingir de preto.
No entanto era sobretudo usado para o tingimento da lã, sendo o preto obtido com mordente de
ferro.
Outras árvores, outros compostos: a nogueira
A nogueira, Juglans regia L. é uma árvore de porte majestoso, que pode atingir 10 a 15 m de altura.
Originária da Ásia Menor há já muito tempo que foi aclimatizada nas regiões temperadas da Europa
onde é cultivada pela madeira e pelos frutos.
A matéria corante é obtida a partir das folhas, colhidas no princípio do verão, da casca, quando a
árvore é abatida ou quando os ramos são podados, e ainda do pericarpo dos frutos ainda verdes,
que caíram prematuramente.
O composto responsável pela cor é uma naftoquinona, a juglona (Figura --). Este composto existe
na planta fresca na forma de beta-D-glucopiranósido da hidrojuglona. É particularmente abundante
nas raízes, nos ramos jovens e nos frutos onde representa 6 a 8% do peso seco. Juntamente com
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este composto existe ácido gálhico e elagitaninos, cerca de 3 a 4% nas folhas, que funcionam como
mordentes no tingimento, e ainda flavonoides como a quercetina, quercetrina, hiperóxido,
miricetina, entre outros, que dão nuances de amarelo.
Figura _____________ Estrutura química da juglona
Os diferentes tons de castanho e castanho avermelhado obtidos com a decocção das folhas e da
casca, encontram-se entre as tinturas mais sólidas do reino vegetal, mesmo sem utilização prévia
de mordente.
A figura abaixo apresenta o resultado de uma experiência com cascas de noz e os diversos
mordentes
Bibliografia
1 Mills, J. S.; The organic chemistry of museum objects, Butterworth and Co, London, 1987
2 Guaratini, C. C. I., Zanoni, M. V. B., Química Nova, 2000, 23, 71.
3 Delamare, F.; Guineau , B.; Colour, making and using dyes and pigments, Thames and Hudson Ltd, London, 2000.
4 Olivier Lampire, Isabelle Mila, Maminiaina Raminosoa,Veronique Michon, Catherine Herve du Penhoat, Nathalie
Faucheur, Olivier Laprevote, Augustin Scalbert, Polyphenols isolated from the bark of castanea sativa Mill. Chemical
structures and auto association, Phytochemistry 1998, 49, 623-631
O
Ojugulona
OH
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