Download - Caderno C: Entrevista Lázaro Ramos

Transcript
Page 1: Caderno C: Entrevista Lázaro Ramos

Fábio TrindadeDA AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

Muitos podem nem se lem-brar, mas o cômico seriado Se-xo Frágil, exibido na Globo en-tre 2003 e 2004, foi o responsá-vel por dar visibilidade nacio-nal e consagrar a carreira degrandes atores da atualidade,entre eles Wagner Moura, Bru-no Garcia e Lázaro Ramos. Es-te último, um jovem baiano deSalvador, já tinha — assim co-mo seus colegas — trabalhosimportantes no currículo, en-tre eles o aclamado filme Mada-me Satã (2002), que lhe rendeuo prêmio de melhor ator noGrande Prêmio do Cinema Bra-sileiro. Lázaro, desde então, te-ve papéis importantes na TV,entre eles Foguinho, da novelaCobras & Lagartos, pelo qualfoi indicado ao Emmy de me-lhor ator em 2007. Mesmo as-sim, o cinema sempre foi o fo-co principal do ator, tendo par-ticipado de quase 30 produ-ções. O mais recente deles é OVendedor de Passados, adapta-ção do romance homônimo doescritor angolano José EduardoAgualusa.

Caderno C — Você é umator que realmente investe nacarreira no cinema, algo relati-vamente raro no Brasil. Porquê?

Lázaro Ramos — Eu não seise tenho resposta exata para is-so. Entrei no cinema como umapaixonado. Antes de fazer ci-nema eu já ia muito ao cine-ma, sonhava em fazer, masnunca imaginei que seria possí-vel. Comecei a fazer com pes-soas que foram determinantespra mim: o (cineasta) Karim (Aï-nouz), de Madame Satã, JorgeFurtado (O Homem que Copia-va, Meu Tio Matou um Cara,entre outros), Sérgio Machado,(diretor) de Cidade Baixa, en-fim... se for citar todo mundo.Isso me fez me apaixonar pelocinema que esses cineastas es-tavam fazendo, que é um cine-ma curioso por um brasileironão oficial. Isso por si só já saide uma cartilha, porque todosesses cineastas falam de um ou-tro tipo de Brasil. E eu me ape-guei a isso. Mais recentemente,pela primeira vez na minha car-reira, decidi que queria fazerum cinema que falasse sobre ohomem comum contemporâ-neo. Isso foi uma decisão toma-da em 2012. Os filmes que fiznaquele ano, O Vendedor dePassados e Orquestra de Helió-polis (também de Sérgio Macha-do, que será lançado no fim des-te ano), falam exatamente des-se homem. Então, talvez a res-posta seja que não estou na fór-

mula do mercado, estou na fór-mula da consistência de qualutilidade o meu trabalho podeter dentro do cinema. E achoque é um investimento que va-le a pena. A maioria dos filmesque eu fiz são os primeiros fil-mes dos cineastas. Madame Sa-tã é o primeiro filme de Karim,O Homem que Copiava é o pri-meiro do Jorge, o Cidade Baixaé o primeiro filme do SérgioMachado, o Cafundó é o pri-meiro filme do Paulo Betti. Éum investimento em uma coi-sa que não tem muito uma fór-mula, mas que me deixa muitofeliz porque o cinema mereceprojetar a diversidade que temno País, e essa diversidade tam-bém significa diversidade de es-tilos. O Brasil é tanta coisa, por-que a gente tem que investir sóem um gênero?

Falando em diversidade, oBrasil está produzindo muitosfilmes que fogem da comédia,já que o gênero representaapenas 15% da produção to-tal. Mesmo assim, todos os fil-mes, com exceção das comé-dias, sofrem na distribuição,para achar seu público. Comovocê vê isso?

A primeira coisa que tenhopara dizer é que acho maravi-lhoso o público brasileiro ir aocinema para assistir comédiabrasileira. O público está apega-do, está indo assistir, gosta, seidentifica, e acho isso maravi-lhoso. Eu acho que o maior pro-blema não é esse. O problemada gente é que o filme nacionalque mais tem público é Tropade Elite 2, que fez 14 milhõesde espectadores, num país de200 milhões de habitantes. Émuita gente sem ir ao cinema,sem ver os filmes. Claro que de-pois vamos falar da quantida-de de salas, que são poucas, amaneira de difundir, de divul-gar e ter atenção, ou da impren-sa ou conseguir uma estratégiaque faça com que o filme en-contre seu público. É um gran-de desafio. Acho que a respostaa isso seja sempre a resposta ar-tística, contar uma história bemcontada, porque o público, emalgum momento, vai. Talvez noprimeiro momento, na sala decinemas, ele não vá, mas de-pois vai com certeza. Sabe porquê? Porque Saneamento Bási-co é um filme que fiz e gostomuito e não foi bem nos cine-mas. Mas é um dos filmes queeu fiz que mais é assistido. Vejoisso pela quantidade de pessoas

que comentam. Ele foi visto on-de? No cinema on demand, naTV aberta, na TV por assinatu-ra. Talvez a gente precise am-pliar a nossa visão para enten-der que se o público está aces-sando mais as comédias no ci-nema, a gente tem que enten-der quais são as outras estraté-gias que podem fazer o filme en-contrar seu público nas outrasplataformas que são oferecidas.O filme não morre, ele fica.

Sempre que eu faço umapauta, no cinema, no teatro,na TV, enfim, que tem um pro-tagonista negro, sempre sur-gem perguntas em coletivas so-bre ser o protagonista e ser ne-gro. Isso aconteceu tambémna coletiva de O Vendedor dePassados...

Pois é, perguntam por exem-plo como é ser um médico ne-gro. De vez em quando eu res-pondo: nunca fui um médicoverde (risos).

Pois é. E as pessoas ainda in-

sistem nisso, talvez a socieda-de precise mudar muito aindapara essas perguntas acaba-rem. De qualquer forma, co-mo você se sente tendo quesempre responder sobre essetema?

É uma pergunta que aindanão tem resposta. Às vezes davontade de responder: vocênão pergunta isso para um atorbranco quando ele está fazendoqualquer personagem. Mas euacho que isso vem por causa deuma invisibilidade do negro ain-da na nossa cultura. Se for anali-sar, apesar de ter tido um cresci-mento enorme, e a minha histó-ria é uma prova disso, em al-guns casos, eu acho, inclusive,que eu sou uma exceção quecomprova a regra. Porque eutrabalho constantemente, te-nho feito trabalhos de projeção,tenho tido investimento dosprodutores e diretores de deter-minados papéis que não são es-critos exatamente para um atornegro, como o próprio Vende-dor.... Então é essa invisibilida-de que chama a atenção e fazcom que as pessoas pergun-tem. Claro que às vezes é um sa-co ter que responder sobre issosempre, mas acho que é uma fe-rida aberta ainda na nossa socie-dade, então a gente fala e con-versa sobre isso, sabendo sem-pre que tem um olhar diferen-ciado e que o ideal é que acabeem algum momento.

E já que você falou de pa-péis e investimento, você játem projeto novo na TV, no ca-so a minissérie Mr. Brau, queterá, inclusive, a Taís Araújono elenco. O que já dá para fa-lar sobre isso?

Ainda não começamos a gra-var, mas não posso falar nadadessa minissérie. É uma minis-série sobre família, sobre um ca-sal de músicos, feito por mim epela Taís, mas eles pediram pa-ra a gente não falar sobre elaporque como a estreia é só nosegundo semestre, eles não es-tão querendo dar muita aten-ção para isso ainda. Querem se-gurar o quanto podem.

Bom, mas sobre contrace-nar novamente com a TaísAraújo você pode, afinal, issotem acontecido bastante. Pelojeito, não querem mais se des-grudar na TV?

(Risos) Quase isso. A gente es-tá muito mais maduro para tra-balhar juntos. A gente sempregostou muito, mas agora tem al-

go que a gente conquistou quefaz a diferença, que é entenderque, às vezes, o trabalhar juntosignifica somente se divertir jun-to. Em algum momento, nos tra-balhos que a gente fez junto,uma peça e uma novela, a gen-te ficava tentando ocupar umafunção de cuidador e diretorum do outro. E, às vezes, não.Às vezes é só elogiar que já estámais na função. A gente já é ma-rido e mulher, já tem diretor eprodutor, um monte gente paraajudar. É bom deixar só comeles.

Enquanto você divulgava OVendedor de Passados, vocêdisse que todo mundo tem al-go na vida que gostaria de terfeito diferente. O que você gos-taria de ter feito diferente?

Para criar o personagem, eupensei em um monte de coisa,mas depois eu vi que tudo ficouna nostalgia. Tem pessoas queeu perdi que não queria ter per-dido, que queria que tivesseconvivido comigo um poucomais. Tem pessoas que esta-vam do meu lado e que, agora,acho que não aproveitei a convi-vência deles e passou. E não fa-lo nem de pessoas que morre-ram. Depois que eu me mudeida Bahia, pensei, pôxa, essaspessoas estavam do meu lado eeu não aproveitei mais elas.Mas ficou na nostalgia. Achoque a vida é assim mesmo. In-clusive o fato de não ter aprovei-tado determinadas pessoas fezcom que, no meu presente, euvalorize muito quem esta domeu lado. Eu acho que é isso,um passado imperfeito faz comque você melhore o futuro tam-bém se você estiver atento a is-so.

Em algum festival recente,noticiaram que você tinha ditoque a teledramaturgia precisa-va se inspirar nos bons seria-dos. É isso mesmo?

Rapaz, eu não falei exata-mente isso. A menina que escre-veu isso entendeu errado. Oque eu tinha dito é que gostomuito da inquietação e do vigorque as séries têm. Falei deBreaking Bad, do spin-off da sé-rie, o Better Call Saul, que eugosto muito. Acho que no Brasila gente já está investindo nisso.Quando você vai ver o FelizesPara Sempre?, Dupla Identida-de, Amores Roubados, tem umainquietação, uma proposta amais. Eu acho que o público es-tá buscando isso principalmen-

te porque a nossa disputa hojeem dia com relação a dramatur-gia não é só TV aberta com TVaberta, é com TV fechada tam-bém. O público tem acesso e es-tá vendo este tipo de dramatur-gia e quer ver mais, então a gen-te está experimentando isso.

Você tem vontade de fazerséries desse tipo, com tempora-das, episódios longos, que de-moram dias para ser gravados,enredos mais elaborados?

Tenho muita vontade, tantoque fico assistindo e estudandoas coisas que eles plantam naprimeira temporada e só resol-vem na quarta. Eu adoro esse ti-po de dramaturgia. Vi tardia-mente o Breaking Bad, agora es-tou vendo Better Call Saul, ado-ro Episodes, que é com o MattLeBlanc, How to Get Away withMurder, Scandal... Eu vejo demadrugada, depois que os fi-lhos dormem, eu adoro ficarvendo.

Recentemente você codiri-giu a peça Campo de Batalha,que inclusive ainda está emtemporada pelo Brasil. Preten-de fazer mais coisas do tipo,ou dirigir mais?

Esta é a quinta peça que eudirijo. E posso dizer que a ten-dência mesmo é que eu vire di-retor. Estou sentindo isso cadadia mais que passa. Nunca voudeixar de ser ator, mas o ritmovai diminuir bastante porqueeu tenho sentido um prazer eum conforto dirigindo que paramim é uma novidade, tem medado uma paixão grande. Essapeça, Campo de Batalha, é domesmo autor de uma outra pe-ça que eu dirigi que chamavaNamíbia, Não, que circulou bas-tante também. Acho mesmoque a tendência é essa, o futuroé esse.

A falta de dramaturgiasmais trabalhadas é o que te fazpensar assim?

É porque eu acho que, comoator, você pega o sonho de ou-tra pessoa e defende como sefosse seu. O diretor e o produ-tor têm a possibilidade de pro-por alguns sonhos para a tur-ma que é um pouco diferentedo sonho do autor. E essa auto-ria me interessa muito, porquetem alguns momentos da pro-fissão que você vira muito pa-pagaio. Claro que à vezes as pa-lavras desse papagaio, as pala-vras que o ator vira, são pala-vras nobres e muito importan-tes. Mas tenho sonhos que que-ro falar e o diretor é quem pos-sibilita isso.

Posso dizer que atendência mesmoé que eu virediretor. Estousentindo isso cadadia mais quepassa. Nunca voudeixar de ser ator,mas o ritmo vaidiminuir bastanteporque eu tenhosentido um prazere um confortodirigindo que paramim é umanovidade”

O problema dagente é que ofilme nacional quemais tem público éTropa de Elite 2,que fez 14 milhõesde espectadores,num país de 200milhões dehabitantes. Émuita gente sem irao cinema, semver os filmes.”

Lázaro Ramos durante a pré-estreia, em São Paulo, de O Vendedor de Passados, adaptação do livro homônimo dirigida por Lula Buarque de Hollanda

O cinema mereceprojetar adiversidade quetem no País, e essadiversidadetambém significadiversidade deestilos. O Brasil étanta coisa, porquea gente tem queinvestir só em umgênero?”

LÁZARO RAMOS esteve no elenco de longas de estreia de diversos diretores brasileiros; sua última INCURSÃO no gênero foiem O Vendedor de Passados, exibido recentemente no cinema; na entrevista abaixo, o ator fala sobre dramaturgia,

PRECONCEITO racial, o projeto de uma MINISSÉRIE e seus planos de privilegiar trabalhos de direção

Divulgação

Sobre o homem comum

CampinasQUINTA-FEIRA 11 / 06 / 2015

CORREIO POPULAR