Caderno C: Entrevista Lázaro Ramos

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Fábio Trindade DA AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] Muitos podem nem se lem- brar, mas o cômico seriado Se- xo Frágil, exibido na Globo en- tre 2003 e 2004, foi o responsá- vel por dar visibilidade nacio- nal e consagrar a carreira de grandes atores da atualidade, entre eles Wagner Moura, Bru- no Garcia e Lázaro Ramos. Es- te último, um jovem baiano de Salvador, já tinha — assim co- mo seus colegas — trabalhos importantes no currículo, en- tre eles o aclamado filme Mada- me Satã (2002), que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Grande Prêmio do Cinema Bra- sileiro. Lázaro, desde então, te- ve papéis importantes na TV, entre eles Foguinho, da novela Cobras & Lagartos, pelo qual foi indicado ao Emmy de me- lhor ator em 2007. Mesmo as- sim, o cinema sempre foi o fo- co principal do ator, tendo par- ticipado de quase 30 produ- ções. O mais recente deles é O Vendedor de Passados, adapta- ção do romance homônimo do escritor angolano José Eduardo Agualusa. Caderno C — Você é um ator que realmente investe na carreira no cinema, algo relati- vamente raro no Brasil. Por quê? Lázaro Ramos — Eu não sei se tenho resposta exata para is- so. Entrei no cinema como um apaixonado. Antes de fazer ci- nema eu já ia muito ao cine- ma, sonhava em fazer, mas nunca imaginei que seria possí- vel. Comecei a fazer com pes- soas que foram determinantes pra mim: o ( cineasta) Karim ( Aï- nouz), de Madame Satã, Jorge Furtado (O Homem que Copia- va, Meu Tio Matou um Cara, entre outros), Sérgio Machado, (diretor) de Cidade Baixa, en- fim... se for citar todo mundo. Isso me fez me apaixonar pelo cinema que esses cineastas es- tavam fazendo, que é um cine- ma curioso por um brasileiro não oficial. Isso por si só já sai de uma cartilha, porque todos esses cineastas falam de um ou- tro tipo de Brasil. E eu me ape- guei a isso. Mais recentemente, pela primeira vez na minha car- reira, decidi que queria fazer um cinema que falasse sobre o homem comum contemporâ- neo. Isso foi uma decisão toma- da em 2012. Os filmes que fiz naquele ano, O Vendedor de Passados e Orquestra de Helió- polis ( também de Sérgio Macha- do, que será lançado no fim des- te ano), falam exatamente des- se homem. Então, talvez a res- posta seja que não estou na fór- mula do mercado, estou na fór- mula da consistência de qual utilidade o meu trabalho pode ter dentro do cinema. E acho que é um investimento que va- le a pena. A maioria dos filmes que eu fiz são os primeiros fil- mes dos cineastas. Madame Sa- é o primeiro filme de Karim, O Homem que Copiava é o pri- meiro do Jorge, o Cidade Baixa é o primeiro filme do Sérgio Machado, o Cafundó é o pri- meiro filme do Paulo Betti. É um investimento em uma coi- sa que não tem muito uma fór- mula, mas que me deixa muito feliz porque o cinema merece projetar a diversidade que tem no País, e essa diversidade tam- bém significa diversidade de es- tilos. O Brasil é tanta coisa, por- que a gente tem que investir só em um gênero? Falando em diversidade, o Brasil está produzindo muitos filmes que fogem da comédia, já que o gênero representa apenas 15% da produção to- tal. Mesmo assim, todos os fil- mes, com exceção das comé- dias, sofrem na distribuição, para achar seu público. Como você vê isso? A primeira coisa que tenho para dizer é que acho maravi- lhoso o público brasileiro ir ao cinema para assistir comédia brasileira. O público está apega- do, está indo assistir, gosta, se identifica, e acho isso maravi- lhoso. Eu acho que o maior pro- blema não é esse. O problema da gente é que o filme nacional que mais tem público é Tropa de Elite 2, que fez 14 milhões de espectadores, num país de 200 milhões de habitantes. É muita gente sem ir ao cinema, sem ver os filmes. Claro que de- pois vamos falar da quantida- de de salas, que são poucas, a maneira de difundir, de divul- gar e ter atenção, ou da impren- sa ou conseguir uma estratégia que faça com que o filme en- contre seu público. É um gran- de desafio. Acho que a resposta a isso seja sempre a resposta ar- tística, contar uma história bem contada, porque o público, em algum momento, vai. Talvez no primeiro momento, na sala de cinemas, ele não vá, mas de- pois vai com certeza. Sabe por quê? Porque Saneamento Bási- co é um filme que fiz e gosto muito e não foi bem nos cine- mas. Mas é um dos filmes que eu fiz que mais é assistido. Vejo isso pela quantidade de pessoas que comentam. Ele foi visto on- de? No cinema on demand, na TV aberta, na TV por assinatu- ra. Talvez a gente precise am- pliar a nossa visão para enten- der que se o público está aces- sando mais as comédias no ci- nema, a gente tem que enten- der quais são as outras estraté- gias que podem fazer o filme en- contrar seu público nas outras plataformas que são oferecidas. O filme não morre, ele fica. Sempre que eu faço uma pauta, no cinema, no teatro, na TV, enfim, que tem um pro- tagonista negro, sempre sur- gem perguntas em coletivas so- bre ser o protagonista e ser ne- gro. Isso aconteceu também na coletiva de O Vendedor de Passados... Pois é, perguntam por exem- plo como é ser um médico ne- gro. De vez em quando eu res- pondo: nunca fui um médico verde (risos). Pois é. E as pessoas ainda in- sistem nisso, talvez a socieda- de precise mudar muito ainda para essas perguntas acaba- rem. De qualquer forma, co- mo você se sente tendo que sempre responder sobre esse tema? É uma pergunta que ainda não tem resposta. Às vezes da vontade de responder: você não pergunta isso para um ator branco quando ele está fazendo qualquer personagem. Mas eu acho que isso vem por causa de uma invisibilidade do negro ain- da na nossa cultura. Se for anali- sar, apesar de ter tido um cresci- mento enorme, e a minha histó- ria é uma prova disso, em al- guns casos, eu acho, inclusive, que eu sou uma exceção que comprova a regra. Porque eu trabalho constantemente, te- nho feito trabalhos de projeção, tenho tido investimento dos produtores e diretores de deter- minados papéis que não são es- critos exatamente para um ator negro, como o próprio Vende- dor... . Então é essa invisibilida- de que chama a atenção e faz com que as pessoas pergun- tem. Claro que às vezes é um sa- co ter que responder sobre isso sempre, mas acho que é uma fe- rida aberta ainda na nossa socie- dade, então a gente fala e con- versa sobre isso, sabendo sem- pre que tem um olhar diferen- ciado e que o ideal é que acabe em algum momento. E já que você falou de pa- péis e investimento, você já tem projeto novo na TV, no ca- so a minissérie Mr. Brau, que terá, inclusive, a Taís Araújo no elenco. O que já dá para fa- lar sobre isso? Ainda não começamos a gra- var, mas não posso falar nada dessa minissérie. É uma minis- série sobre família, sobre um ca- sal de músicos, feito por mim e pela Taís, mas eles pediram pa- ra a gente não falar sobre ela porque como a estreia é só no segundo semestre, eles não es- tão querendo dar muita aten- ção para isso ainda. Querem se- gurar o quanto podem. Bom, mas sobre contrace- nar novamente com a Taís Araújo você pode, afinal, isso tem acontecido bastante. Pelo jeito, não querem mais se des- grudar na TV? ( Risos) Quase isso. A gente es- tá muito mais maduro para tra- balhar juntos. A gente sempre gostou muito, mas agora tem al- go que a gente conquistou que faz a diferença, que é entender que, às vezes, o trabalhar junto significa somente se divertir jun- to. Em algum momento, nos tra- balhos que a gente fez junto, uma peça e uma novela, a gen- te ficava tentando ocupar uma função de cuidador e diretor um do outro. E, às vezes, não. Às vezes é só elogiar que já está mais na função. A gente já é ma- rido e mulher, já tem diretor e produtor, um monte gente para ajudar. É bom deixar só com eles. Enquanto você divulgava O Vendedor de Passados, você disse que todo mundo tem al- go na vida que gostaria de ter feito diferente. O que você gos- taria de ter feito diferente? Para criar o personagem, eu pensei em um monte de coisa, mas depois eu vi que tudo ficou na nostalgia. Tem pessoas que eu perdi que não queria ter per- dido, que queria que tivesse convivido comigo um pouco mais. Tem pessoas que esta- vam do meu lado e que, agora, acho que não aproveitei a convi- vência deles e passou. E não fa- lo nem de pessoas que morre- ram. Depois que eu me mudei da Bahia, pensei, pôxa, essas pessoas estavam do meu lado e eu não aproveitei mais elas. Mas ficou na nostalgia. Acho que a vida é assim mesmo. In- clusive o fato de não ter aprovei- tado determinadas pessoas fez com que, no meu presente, eu valorize muito quem esta do meu lado. Eu acho que é isso, um passado imperfeito faz com que você melhore o futuro tam- bém se você estiver atento a is- so. Em algum festival recente, noticiaram que você tinha dito que a teledramaturgia precisa- va se inspirar nos bons seria- dos. É isso mesmo? Rapaz, eu não falei exata- mente isso. A menina que escre- veu isso entendeu errado. O que eu tinha dito é que gosto muito da inquietação e do vigor que as séries têm. Falei de Breaking Bad, do spin-off da sé- rie, o Better Call Saul, que eu gosto muito. Acho que no Brasil a gente já está investindo nisso. Quando você vai ver o Felizes Para Sempre?, Dupla Identida- de, Amores Roubados, tem uma inquietação, uma proposta a mais. Eu acho que o público es- tá buscando isso principalmen- te porque a nossa disputa hoje em dia com relação a dramatur- gia não é só TV aberta com TV aberta, é com TV fechada tam- bém. O público tem acesso e es- tá vendo este tipo de dramatur- gia e quer ver mais, então a gen- te está experimentando isso. Você tem vontade de fazer séries desse tipo, com tempora- das, episódios longos, que de- moram dias para ser gravados, enredos mais elaborados? Tenho muita vontade, tanto que fico assistindo e estudando as coisas que eles plantam na primeira temporada e só resol- vem na quarta. Eu adoro esse ti- po de dramaturgia. Vi tardia- mente o Breaking Bad, agora es- tou vendo Better Call Saul, ado- ro Episodes, que é com o Matt LeBlanc, How to Get Away with Murder, Scandal... Eu vejo de madrugada, depois que os fi- lhos dormem, eu adoro ficar vendo. Recentemente você codiri- giu a peça Campo de Batalha, que inclusive ainda está em temporada pelo Brasil. Preten- de fazer mais coisas do tipo, ou dirigir mais? Esta é a quinta peça que eu dirijo. E posso dizer que a ten- dência mesmo é que eu vire di- retor. Estou sentindo isso cada dia mais que passa. Nunca vou deixar de ser ator, mas o ritmo vai diminuir bastante porque eu tenho sentido um prazer e um conforto dirigindo que para mim é uma novidade, tem me dado uma paixão grande. Essa peça, Campo de Batalha, é do mesmo autor de uma outra pe- ça que eu dirigi que chamava Namíbia, Não, que circulou bas- tante também. Acho mesmo que a tendência é essa, o futuro é esse. A falta de dramaturgias mais trabalhadas é o que te faz pensar assim? É porque eu acho que, como ator, você pega o sonho de ou- tra pessoa e defende como se fosse seu. O diretor e o produ- tor têm a possibilidade de pro- por alguns sonhos para a tur- ma que é um pouco diferente do sonho do autor. E essa auto- ria me interessa muito, porque tem alguns momentos da pro- fissão que você vira muito pa- pagaio. Claro que à vezes as pa- lavras desse papagaio, as pala- vras que o ator vira, são pala- vras nobres e muito importan- tes. Mas tenho sonhos que que- ro falar e o diretor é quem pos- sibilita isso. Posso dizer que a tendência mesmo é que eu vire diretor. Estou sentindo isso cada dia mais que passa. Nunca vou deixar de ser ator, mas o ritmo vai diminuir bastante porque eu tenho sentido um prazer e um conforto dirigindo que para mim é uma novidade” O problema da gente é que o filme nacional que mais tem público é Tropa de Elite 2 , que fez 14 milhões de espectadores, num país de 200 milhões de habitantes. É muita gente sem ir ao cinema, sem ver os filmes.” Lázaro Ramos durante a pré-estreia, em São Paulo, de O Vendedor de Passados, adaptação do livro homônimo dirigida por Lula Buarque de Hollanda O cinema merece projetar a diversidade que tem no País, e essa diversidade também significa diversidade de estilos. O Brasil é tanta coisa, porque a gente tem que investir só em um gênero?” LÁZARO RAMOS esteve no elenco de longas de estreia de diversos diretores brasileiros; sua última INCURSÃO no gênero foi em O Vendedor de Passados, exibido recentemente no cinema; na entrevista abaixo, o ator fala sobre dramaturgia, PRECONCEITO racial, o projeto de uma MINISSÉRIE e seus planos de privilegiar trabalhos de direção Divulgação Sobre o homem comum Campinas QUINTA-FEIRA 11 / 06 / 2015 CORREIO POPULAR

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Fábio TrindadeDA AGÊNCIA ANHANGUERA

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Muitos podem nem se lem-brar, mas o cômico seriado Se-xo Frágil, exibido na Globo en-tre 2003 e 2004, foi o responsá-vel por dar visibilidade nacio-nal e consagrar a carreira degrandes atores da atualidade,entre eles Wagner Moura, Bru-no Garcia e Lázaro Ramos. Es-te último, um jovem baiano deSalvador, já tinha — assim co-mo seus colegas — trabalhosimportantes no currículo, en-tre eles o aclamado filme Mada-me Satã (2002), que lhe rendeuo prêmio de melhor ator noGrande Prêmio do Cinema Bra-sileiro. Lázaro, desde então, te-ve papéis importantes na TV,entre eles Foguinho, da novelaCobras & Lagartos, pelo qualfoi indicado ao Emmy de me-lhor ator em 2007. Mesmo as-sim, o cinema sempre foi o fo-co principal do ator, tendo par-ticipado de quase 30 produ-ções. O mais recente deles é OVendedor de Passados, adapta-ção do romance homônimo doescritor angolano José EduardoAgualusa.

Caderno C — Você é umator que realmente investe nacarreira no cinema, algo relati-vamente raro no Brasil. Porquê?

Lázaro Ramos — Eu não seise tenho resposta exata para is-so. Entrei no cinema como umapaixonado. Antes de fazer ci-nema eu já ia muito ao cine-ma, sonhava em fazer, masnunca imaginei que seria possí-vel. Comecei a fazer com pes-soas que foram determinantespra mim: o (cineasta) Karim (Aï-nouz), de Madame Satã, JorgeFurtado (O Homem que Copia-va, Meu Tio Matou um Cara,entre outros), Sérgio Machado,(diretor) de Cidade Baixa, en-fim... se for citar todo mundo.Isso me fez me apaixonar pelocinema que esses cineastas es-tavam fazendo, que é um cine-ma curioso por um brasileironão oficial. Isso por si só já saide uma cartilha, porque todosesses cineastas falam de um ou-tro tipo de Brasil. E eu me ape-guei a isso. Mais recentemente,pela primeira vez na minha car-reira, decidi que queria fazerum cinema que falasse sobre ohomem comum contemporâ-neo. Isso foi uma decisão toma-da em 2012. Os filmes que fiznaquele ano, O Vendedor dePassados e Orquestra de Helió-polis (também de Sérgio Macha-do, que será lançado no fim des-te ano), falam exatamente des-se homem. Então, talvez a res-posta seja que não estou na fór-

mula do mercado, estou na fór-mula da consistência de qualutilidade o meu trabalho podeter dentro do cinema. E achoque é um investimento que va-le a pena. A maioria dos filmesque eu fiz são os primeiros fil-mes dos cineastas. Madame Sa-tã é o primeiro filme de Karim,O Homem que Copiava é o pri-meiro do Jorge, o Cidade Baixaé o primeiro filme do SérgioMachado, o Cafundó é o pri-meiro filme do Paulo Betti. Éum investimento em uma coi-sa que não tem muito uma fór-mula, mas que me deixa muitofeliz porque o cinema mereceprojetar a diversidade que temno País, e essa diversidade tam-bém significa diversidade de es-tilos. O Brasil é tanta coisa, por-que a gente tem que investir sóem um gênero?

Falando em diversidade, oBrasil está produzindo muitosfilmes que fogem da comédia,já que o gênero representaapenas 15% da produção to-tal. Mesmo assim, todos os fil-mes, com exceção das comé-dias, sofrem na distribuição,para achar seu público. Comovocê vê isso?

A primeira coisa que tenhopara dizer é que acho maravi-lhoso o público brasileiro ir aocinema para assistir comédiabrasileira. O público está apega-do, está indo assistir, gosta, seidentifica, e acho isso maravi-lhoso. Eu acho que o maior pro-blema não é esse. O problemada gente é que o filme nacionalque mais tem público é Tropade Elite 2, que fez 14 milhõesde espectadores, num país de200 milhões de habitantes. Émuita gente sem ir ao cinema,sem ver os filmes. Claro que de-pois vamos falar da quantida-de de salas, que são poucas, amaneira de difundir, de divul-gar e ter atenção, ou da impren-sa ou conseguir uma estratégiaque faça com que o filme en-contre seu público. É um gran-de desafio. Acho que a respostaa isso seja sempre a resposta ar-tística, contar uma história bemcontada, porque o público, emalgum momento, vai. Talvez noprimeiro momento, na sala decinemas, ele não vá, mas de-pois vai com certeza. Sabe porquê? Porque Saneamento Bási-co é um filme que fiz e gostomuito e não foi bem nos cine-mas. Mas é um dos filmes queeu fiz que mais é assistido. Vejoisso pela quantidade de pessoas

que comentam. Ele foi visto on-de? No cinema on demand, naTV aberta, na TV por assinatu-ra. Talvez a gente precise am-pliar a nossa visão para enten-der que se o público está aces-sando mais as comédias no ci-nema, a gente tem que enten-der quais são as outras estraté-gias que podem fazer o filme en-contrar seu público nas outrasplataformas que são oferecidas.O filme não morre, ele fica.

Sempre que eu faço umapauta, no cinema, no teatro,na TV, enfim, que tem um pro-tagonista negro, sempre sur-gem perguntas em coletivas so-bre ser o protagonista e ser ne-gro. Isso aconteceu tambémna coletiva de O Vendedor dePassados...

Pois é, perguntam por exem-plo como é ser um médico ne-gro. De vez em quando eu res-pondo: nunca fui um médicoverde (risos).

Pois é. E as pessoas ainda in-

sistem nisso, talvez a socieda-de precise mudar muito aindapara essas perguntas acaba-rem. De qualquer forma, co-mo você se sente tendo quesempre responder sobre essetema?

É uma pergunta que aindanão tem resposta. Às vezes davontade de responder: vocênão pergunta isso para um atorbranco quando ele está fazendoqualquer personagem. Mas euacho que isso vem por causa deuma invisibilidade do negro ain-da na nossa cultura. Se for anali-sar, apesar de ter tido um cresci-mento enorme, e a minha histó-ria é uma prova disso, em al-guns casos, eu acho, inclusive,que eu sou uma exceção quecomprova a regra. Porque eutrabalho constantemente, te-nho feito trabalhos de projeção,tenho tido investimento dosprodutores e diretores de deter-minados papéis que não são es-critos exatamente para um atornegro, como o próprio Vende-dor.... Então é essa invisibilida-de que chama a atenção e fazcom que as pessoas pergun-tem. Claro que às vezes é um sa-co ter que responder sobre issosempre, mas acho que é uma fe-rida aberta ainda na nossa socie-dade, então a gente fala e con-versa sobre isso, sabendo sem-pre que tem um olhar diferen-ciado e que o ideal é que acabeem algum momento.

E já que você falou de pa-péis e investimento, você játem projeto novo na TV, no ca-so a minissérie Mr. Brau, queterá, inclusive, a Taís Araújono elenco. O que já dá para fa-lar sobre isso?

Ainda não começamos a gra-var, mas não posso falar nadadessa minissérie. É uma minis-série sobre família, sobre um ca-sal de músicos, feito por mim epela Taís, mas eles pediram pa-ra a gente não falar sobre elaporque como a estreia é só nosegundo semestre, eles não es-tão querendo dar muita aten-ção para isso ainda. Querem se-gurar o quanto podem.

Bom, mas sobre contrace-nar novamente com a TaísAraújo você pode, afinal, issotem acontecido bastante. Pelojeito, não querem mais se des-grudar na TV?

(Risos) Quase isso. A gente es-tá muito mais maduro para tra-balhar juntos. A gente sempregostou muito, mas agora tem al-

go que a gente conquistou quefaz a diferença, que é entenderque, às vezes, o trabalhar juntosignifica somente se divertir jun-to. Em algum momento, nos tra-balhos que a gente fez junto,uma peça e uma novela, a gen-te ficava tentando ocupar umafunção de cuidador e diretorum do outro. E, às vezes, não.Às vezes é só elogiar que já estámais na função. A gente já é ma-rido e mulher, já tem diretor eprodutor, um monte gente paraajudar. É bom deixar só comeles.

Enquanto você divulgava OVendedor de Passados, vocêdisse que todo mundo tem al-go na vida que gostaria de terfeito diferente. O que você gos-taria de ter feito diferente?

Para criar o personagem, eupensei em um monte de coisa,mas depois eu vi que tudo ficouna nostalgia. Tem pessoas queeu perdi que não queria ter per-dido, que queria que tivesseconvivido comigo um poucomais. Tem pessoas que esta-vam do meu lado e que, agora,acho que não aproveitei a convi-vência deles e passou. E não fa-lo nem de pessoas que morre-ram. Depois que eu me mudeida Bahia, pensei, pôxa, essaspessoas estavam do meu lado eeu não aproveitei mais elas.Mas ficou na nostalgia. Achoque a vida é assim mesmo. In-clusive o fato de não ter aprovei-tado determinadas pessoas fezcom que, no meu presente, euvalorize muito quem esta domeu lado. Eu acho que é isso,um passado imperfeito faz comque você melhore o futuro tam-bém se você estiver atento a is-so.

Em algum festival recente,noticiaram que você tinha ditoque a teledramaturgia precisa-va se inspirar nos bons seria-dos. É isso mesmo?

Rapaz, eu não falei exata-mente isso. A menina que escre-veu isso entendeu errado. Oque eu tinha dito é que gostomuito da inquietação e do vigorque as séries têm. Falei deBreaking Bad, do spin-off da sé-rie, o Better Call Saul, que eugosto muito. Acho que no Brasila gente já está investindo nisso.Quando você vai ver o FelizesPara Sempre?, Dupla Identida-de, Amores Roubados, tem umainquietação, uma proposta amais. Eu acho que o público es-tá buscando isso principalmen-

te porque a nossa disputa hojeem dia com relação a dramatur-gia não é só TV aberta com TVaberta, é com TV fechada tam-bém. O público tem acesso e es-tá vendo este tipo de dramatur-gia e quer ver mais, então a gen-te está experimentando isso.

Você tem vontade de fazerséries desse tipo, com tempora-das, episódios longos, que de-moram dias para ser gravados,enredos mais elaborados?

Tenho muita vontade, tantoque fico assistindo e estudandoas coisas que eles plantam naprimeira temporada e só resol-vem na quarta. Eu adoro esse ti-po de dramaturgia. Vi tardia-mente o Breaking Bad, agora es-tou vendo Better Call Saul, ado-ro Episodes, que é com o MattLeBlanc, How to Get Away withMurder, Scandal... Eu vejo demadrugada, depois que os fi-lhos dormem, eu adoro ficarvendo.

Recentemente você codiri-giu a peça Campo de Batalha,que inclusive ainda está emtemporada pelo Brasil. Preten-de fazer mais coisas do tipo,ou dirigir mais?

Esta é a quinta peça que eudirijo. E posso dizer que a ten-dência mesmo é que eu vire di-retor. Estou sentindo isso cadadia mais que passa. Nunca voudeixar de ser ator, mas o ritmovai diminuir bastante porqueeu tenho sentido um prazer eum conforto dirigindo que paramim é uma novidade, tem medado uma paixão grande. Essapeça, Campo de Batalha, é domesmo autor de uma outra pe-ça que eu dirigi que chamavaNamíbia, Não, que circulou bas-tante também. Acho mesmoque a tendência é essa, o futuroé esse.

A falta de dramaturgiasmais trabalhadas é o que te fazpensar assim?

É porque eu acho que, comoator, você pega o sonho de ou-tra pessoa e defende como sefosse seu. O diretor e o produ-tor têm a possibilidade de pro-por alguns sonhos para a tur-ma que é um pouco diferentedo sonho do autor. E essa auto-ria me interessa muito, porquetem alguns momentos da pro-fissão que você vira muito pa-pagaio. Claro que à vezes as pa-lavras desse papagaio, as pala-vras que o ator vira, são pala-vras nobres e muito importan-tes. Mas tenho sonhos que que-ro falar e o diretor é quem pos-sibilita isso.

Posso dizer que atendência mesmoé que eu virediretor. Estousentindo isso cadadia mais quepassa. Nunca voudeixar de ser ator,mas o ritmo vaidiminuir bastanteporque eu tenhosentido um prazere um confortodirigindo que paramim é umanovidade”

O problema dagente é que ofilme nacional quemais tem público éTropa de Elite 2,que fez 14 milhõesde espectadores,num país de 200milhões dehabitantes. Émuita gente sem irao cinema, semver os filmes.”

Lázaro Ramos durante a pré-estreia, em São Paulo, de O Vendedor de Passados, adaptação do livro homônimo dirigida por Lula Buarque de Hollanda

O cinema mereceprojetar adiversidade quetem no País, e essadiversidadetambém significadiversidade deestilos. O Brasil étanta coisa, porquea gente tem queinvestir só em umgênero?”

LÁZARO RAMOS esteve no elenco de longas de estreia de diversos diretores brasileiros; sua última INCURSÃO no gênero foiem O Vendedor de Passados, exibido recentemente no cinema; na entrevista abaixo, o ator fala sobre dramaturgia,

PRECONCEITO racial, o projeto de uma MINISSÉRIE e seus planos de privilegiar trabalhos de direção

Divulgação

Sobre o homem comum

CampinasQUINTA-FEIRA 11 / 06 / 2015

CORREIO POPULAR