Vanja Dissertação[1]
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VANJA MARINA PRATES DE ABREU
A CALCULADORA COMO RECURSO DIDTICO NOS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
Campo Grande/MS
2009
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FICHA CATALOGRFICA
Abreu, Vanja Marina Prates A calculadora como recurso didtico nos anos iniciais do ensino
fundamental / Vanja Marina Prates Abreu Campo Grande, MS, 2009. 134 f. 30 cm
Orientador: Luiz Carlos Pais.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Centro de Cincias Humanas e Sociais.
1. Calculadora. 2 Livros didticos. I. Pais, Luiz Carlos. II. Ttulo.
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VANJA MARINA PRATES DE ABREU
A CALCULADORA COMO RECURSO DIDTICO NOS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertao apresentada como exigncia
final para a obteno do grau de Mestre em
Educao Comisso Julgadora da
Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul sob a orientao do Professor Dr. Luiz
Carlos Pais.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
Campo Grande/MS
2009
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COMISSO JULGADORA:
_________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Pais
_________________________________________
Prof. Dr. Francisco Hermes Santos da Silva
_________________________________________
Prof. Dr. Jos Luiz Magalhes de Freitas
_________________________________________
Profa. Dra. Marilena Bittar
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Ao meu esposo Joo Henrique e meus filhos
Marcus Vincius e Camila, pelo amor e estmulo
nos momentos mais estressantes advindos do
processo em que estudo e trabalho se
intercalavam, e pela compreenso que tiveram
quando me ausentei nos momentos necessrios de
estudo. A eles dedico mais esta conquista.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo pela ajuda e pacincia de meu orientador, professor Dr. Luiz
Carlos Pais, por me fazer perceber que fazer matemtica est altura de qualquer um
de ns e pode ser visto como uma ao humana.
Aos colegas de grupo de estudo pelo apoio.
Escola Estadual Adventor Divino de Almeida, na pessoa do Diretor
Professor Inivaldo Gisoato, e Coordenadores, pela compreenso nos momentos de
estudo pelo apoio para que eu pudesse participar nos eventos provenientes da fase de
estudante.
Aos meus pais, por nortearem meu caminho na perspectiva de me fazer uma
pessoa melhor.
Aos meus irmos, por terem me incentivado a trilhar no caminho da
Educao.
Aos Professores Joo Mena e Neila, pelo convite para participar dos
primeiros estudos de grupo, que acabou gerando a necessidade de ingressar neste
Mestrado.
Acima de tudo, agradeo quele que me amparou e me fortaleceu em todos
os momentos de minha vida, provendo sade, equilbrio e sabedoria para as decises
mais difceis, a Jeov todos os crditos.
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RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto a calculadora no Ensino Fundamental. Tm como
base as recomendaes dos instrumentos de regulamentao como os Parmetros
Curriculares Nacionais (PCN) as resenhas e o Guia de Livros Didticos do
PNLD/2007. A fonte primria da pesquisa so os livros didticos do 5 ano do
Ensino Fundamental. O objetivo principal analisar a funo atribuda utilizao
da calculadora em atividades matemticas em livros didticos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental e os objetivos especficos so: 1 Analisar as pontuaes
fornecidas pelos PCN relativas ao uso da calculadora nos anos iniciais do Ensino
Fundamental; 2 Identificar as atividades que fazem uso da calculadora em livros
didticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental; 3 Identificar elementos da
organizao praxeolgica nas atividades matemticas que fazem uso da calculadora
nos livros didticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental; 4 Identificar
tendncias implcitas nas prticas prescritas em atividades com a utilizao da
calculadora em livros didticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Trata-se de
uma pesquisa qualitativa que se utiliza da anlise do contedo para extrair o discurso
expresso nestas fontes de influncia do ensino de Matemtica para o uso da
calculadora. O referencial terico fundamenta-se na Teoria Antropolgica do
Didtico, desenvolvida por Yves Chevallard. Os resultados apontam uma valorizao
da utilizao da calculadora nos livros didticos; tambm mostram organizaes
didticas que enfatizam a construo de praxeologias pelo aluno.
PALAVRAS-CHAVE: Calculadora. Atividades matemticas. Livros didticos.
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ABSTRACT
This research work has the calculator in Elementary School teaching as its object. Its
bases are the recommendations of the regulation instruments such as the National
Curriculum Parameters (NCP) and the reviews and the NCBP/2007 Textbooks
Guide. The primary research source are textbooks from the 5th
grade of Elementary
School. The main aim is to analyze the function attributed to the use of the calculator
in mathematic activities of textbooks used in the early years of the Elementary
School and the specific aims are: Firstly, analyze the scores provided by the NPC
related to the use of the calculator in the early years of the Elementary School
Teaching ; Secondly, identify the activities in which the calculator is used alongside
with textbooks in the early years of the Elementary School Teaching; Thirdly,
identify the elements of the praxeologic organization in the mathematic activities
which use the calculator alongside with textbooks in the early years of the
Elementary School Teaching ; Fourthly, identify implicit trends in the prescribed
practices in activities using the calculator alongside with textbooks in the early years
of the Elementary School Teaching. It is a qualitative research work which uses
content analysis to extract the discourse expressed in these influence sources of
Mathematics teaching to the use of the calculator. The theoretical reference was
grounded on the Anthropological Theory of the Didactical, developed by Yves
Chevallard. The results show an appreciation of the use of the calculator with
textbooks as well as didactic organizations which emphasize the construction of
praxeologies by the learner.
Keywords: Calculator. Mathematic activities. Textbooks.
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LISTA DE ABREVIATURAS
LD Livro Didtico
OD Organizao Didtica
OM Organizao Matemtica
PP Praxeologia Pontual
STE Sala de Tecnologia Educacional
TAD Teoria Antropolgica do Didtico
TM Tcnica Matemtica
L1 Matemtica com o Sarquis
L2 Porta aberta Matemtica
L3 Novo Viver e Aprender Matemtica
L4 Vivencia e construo
L5 Matemtica Para Todos
L6 De olho no Futuro
L7 Idias e Relaes
L8 Matemtica Projeto Presente
L9 Projeto Pitangu
L10 Matemtica do Cotidiano & suas Conexes
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LISTA DE SIGLAS
CESMAF Centro Escolar Sul Mato-grossense Argemiro Fialho
ENEM Encontro Nacional de Educao Matemtica
NTE Ncleo de Tecnologia Educacional
PCN Parmetros Curriculares Nacionais
PNLD Programa Nacional de Livro Didtico
SETAS Secretaria de Estado e Trabalho e Assistncia Social
SPM Sociedade Portuguesa de Matemtica
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Esquema do desenvolvimento da pesquisa .......................................... 50
Figura 2 - PCN de matemtica do Ensino Fundamental - pesquisa
calculadora ........................................................................................ 52
Figura 3 - PCN de matemtica do Ensino Fundamental - pesquisa
calculadoras ....................................................................................... 53
Figura 4 - Guia do PNLD de matemtica do Ensino Fundamental - pesquisa
calculadora ........................................................................................ 56
Figura 5 - Guia do PNLD de matemtica do Ensino Fundamental - pesquisa
calculadoras ....................................................................................... 57
Figura 6 - Representao da funo dos recursos didticos nas relaes
didticas ................................................................................................ 61
Figura 7 - Exemplo de tarefa do grupo T1 - Operaes da aritmtica .................... 71
Figura 8 - Exemplo de tarefa do grupo t2 - Estimativa e Clculo mental .............. 72
Figura 9 - Exemplos de tarefas do grupo: T3 - Problemas e desafios ..................... 74
Figura 10 - Matemtica com o Sarquis-L1 - t257 e t264 (respectivamente) ................. 75
Figura 11 - Esquema representativo do 1 passo da da t264................................... 79
Figura 12 - Imenes L. M. et. al. Matemtica para todos. L5. t298. ........................... 80
Figura 13 - Imenes L. M. et. al. Matemtica para todos. L5. t301. ............................ 81
Figura 14 - Modelo Epistemolgico demonstrado por Gascn (original) ............... 84
Figura 15 - Modelo Epistemolgico demonstrado por Gascn e modificado por
ns ......................................................................................................... 85
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Indicativo das caractersticas e usos da calculadora mostrada nos
PCN .......................................................................................................... 54
Quadro 2 - Indicativo das caractersticas e usos da calculadora mostrada no Guia
do PNLD de Matemtica ......................................................................... 57
Quadro 3 - Explicativo do processo de clculo mental da tcnica 2 da t257 ............... 77
Quadro 4 - Resumo dos esquemas mentais da tcnica 2 da t264 ................................. 78
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO A - Unidades de significado do PCN .......................................................... 88
ANEXO B - Unidades de significados do PNLD ...................................................... 91
ANEXO C - Relao de atividades dos livros didticos usando a calculadora ......... 95
ANEXO D - Tabela de quantificao de tipo de tarefa por livro didtico ................ 129
ANEXO E - Relao dos livros didticos utilizados na pesquisa .............................. 130
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SUMRIO
APRESENTAO ................................................................................................. 14
CAPTULO I - TRAJETRIA EDUCACIONAL E DEFINIO DO
OBJETO DE PESQUISA ....................................................................................... 16
1.1 Minha trajetria como estudante ......................................................................... 16
1.2 Aproximando do meu objeto de pesquisa ........................................................... 17
1.3 A presena da calculadora em sala de aula ......................................................... 18
1.4 Definio do objeto de pesquisa ......................................................................... 19
CAPTULO II - REFERENCIAL TERICO ..................................................... 21
2.1 A calculadora em foco: reviso literria ............................................................. 21
2.2 Um pouco da histria da calculadora .................................................................. 25
2.3 A Teoria Antropolgica do Didtico - TAD ....................................................... 26
2.3.1 Praxeologia ................................................................................................ 27
2.3.1.1 Esquema da Organizao Praxeolgica ......................................... 28
2.3.1.2 Esquema da definio dos quatro termos ...................................... 29
2.3.1.3 Organizao matemtica ................................................................ 29
2.3.1.4 Organizao Didtica ..................................................................... 30
2.3.1.4.1 Linguagem ...................................................................... 31
2.3.1.4.2 Os diferentes registros: objetos ostensivos e objetos
no ostensivos ................................................................. 31
2.4 A calculadora e a TAD ....................................................................................... 34
2.5 A calculadora nos PCN e no Guia do PNLD ...................................................... 36
2.6 A trajetria dos livros didticos .......................................................................... 38
2.6.1 Dos primeiros livros aos livros didticos ................................................... 38
2.6.2 Os livros de matemtica e as novas tendncias ......................................... 40
CAPTULO III - ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA.............. 41
3.1 Aspectos tericos do mtodo .............................................................................. 41
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3.1.1 Anlise de contedo: histria do mtodo ................................................... 41
3.1.2 A composio do mtodo da anlise de contedo ..................................... 43
3.1.3 Aplicaes possveis da anlise de contedo ............................................. 43
3.1.4. A anlise de contedo na educao .......................................................... 44
3.1.5. A anlise de contedo na educao matemtica ....................................... 45
3.1.6 A pertinncia da anlise de contedo TAD ............................................ 46
3.1.7 A anlise de contedo e a calculadora nos livros didticos ....................... 47
3.2 Procedimentos metodolgicos da pesquisa ......................................................... 48
CAPTULO IV - DESCRIES DA ANLISE ................................................. 51
4.1 Anlises dos PCN e do Guia do PNLD .............................................................. 51
4.1.1 Agrupamento das unidades de significados dos PCN em tipos de
contedos: procedimentais, conceituais e atitudinais ................................ 52
4.1.2 Agrupamento das unidades de significados do Guia do PNLD em tipos
de contedos: procedimentais, conceituais e atitudinais ........................... 55
4.1.3 Anlises das confluncias temticas dos PCN e do Guia PNLD ............... 59
4.1.3.1 Recursos didticos (CT1) ............................................................... 60
4.1.3.2 Exerccio da anlise (CT2) ............................................................. 61
4.1.3.3 Atividade (CT3) .............................................................................. 62
4.2.3.4 Conceitos matemticos (CT4) ........................................................ 65
4.2 A calculadora nos livros didticos ...................................................................... 66
4.2.1 Agrupamento das tarefas dos livros didticos ........................................... 68
4.2.2 Operaes da aritmtica (T1) ..................................................................... 70
4.2.3 Estimativa e calculo mental (T2) ................................................................ 72
4.2.4 Problemas e desafios (T3) .......................................................................... 73
4.2.5 Explorando a calculadora (T5) ................................................................... 79
CAPTULO V - ELEMENTOS DE SNTESE .................................................... 82
ANEXOS .................................................................................................................. 87
REFERNCIAS ....................................................................................................... 131
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APRESENTAO
Esta pesquisa tem como objeto a calculadora no Ensino Fundamental. Para
o estudo, definimos como objetivo geral analisar propostas de uso da calculadora em
tarefas matemticas em livros didticos, dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
pelos seguintes objetivos especficos: analisar as orientaes fornecidas pelo
Programa Curricular Nacional (PCN), relativas ao uso da calculadora nos anos
iniciais do Ensino Fundamental; identificar e analisar os tipos de tarefas que fazem
uso da calculadora em livros didticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental;
identificar elementos das organizaes praxeolgicas nas tarefas matemticas que
fazem uso da calculadora nos livros didticos dos anos iniciais do Ensino
Fundamental; identificar as tendncias pedaggicas induzidas em livros didticos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
Um ponto positivo nesta pesquisa o fato de, como pesquisadora tambm
atuar como professora de Sala de Tecnologia Educacional (STE), permitindo o
contato frequente com as prticas docentes de professores de todas as disciplinas do
Ensino Fundamental e Ensino Mdio que fazem uso desta sala. Esta experincia foi
de suma importncia, por possibilitar conhecer a real situao do uso da calculadora
na prtica de muitos professores. Outro fator importante foi a oportunidade de
dialogar com os acadmicos do segundo ano do curso de Pedagogia da UFMS, saber
o que estes acadmicos, assim como os professores que j esto atuando em sala de
aula, pensam sobre o uso da calculadora nas tarefas matemticas de livros didticos.
Para a realizao desse estudo, utilizamos a abordagem antropolgica de
Yves Chevallard (2001) como referncia para a anlise do nosso objeto de pesquisa.
Utilizamos a abordagem da anlise de contedo como referencial metodolgico.
Algumas questes nortearam a pesquisa que desenvolvemos, tais como: possvel
fazer da calculadora uma aliada no estudo da matemtica? Como feita sua
utilizao na resoluo de atividades nos livros didticos? O que dizem os PCN, e o
Guia de Livros Didticos sobre este assunto?
Nossa pesquisa foi organizada em captulos que passamos a descrever a
seguir:
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O primeiro captulo foi dividido em quatro partes, na primeira parte
tratamos da infncia e trajetria como estudante. Na segunda parte abordamos a
trajetria acadmica e profissional. Na terceira parte apresentamos uma reflexo
sobre o uso da calculadora em sala de aula, o que nos motivou a justificar e explicitar
o porqu da pesquisa sobre o uso da calculadora. Na quarta parte fazemos uma breve
definio do nosso objeto de pesquisa.
No segundo captulo, dividimos em seis partes e iniciamos a primeira com a
reviso literria, o que nos permitiu ter uma viso ampliada do nosso objeto em
outras circunstncias na educao. Na segunda parte apresentamos a trajetria da
calculadora, suas evolues e usos. J na terceira parte explicitamos o nosso
referencial terico. Na parte quatro articulamos o uso da calculadora com a TAD
(Teoria Antropolgica do Didtico). Na quinta parte abordamos brevemente o papel
da calculadora na viso dos PCN e guia do PNLD, e, finalmente, encerramos o
captulo com uma breve trajetria histrica dos livros didticos.
O terceiro captulo enfoca os aspectos metodolgicos da pesquisa. Este
captulo foi dividido em duas partes: A primeira parte refere-se aos aspectos tericos
do mtodo, apresentamos o referencial metodolgico desde sua histria, composio
e aplicao, referenciando com pesquisas desenvolvidas na Educao, Educao
Matemtica e sua relao com a TAD e a calculadora. Na segunda parte abordamos
os procedimentos metodolgicos da pesquisa. Neste captulo procuramos mostrar a
existncia de um dilogo do referencial terico e metodolgico que fundamentou a
pesquisa por meio da Teoria Antropolgica do Didtico, proposta por Ives
Chevallard, Mariana Bosch e Josep Gascn.
No quarto captulo procedemos ento descrio da anlise. Este captulo
foi dividido em duas partes. Na primeira parte tratamos da anlise dos PCN e Guia
do PNLD e na segunda parte da anlise dos livros didticos.
No quinto captulo tratamos de alguns elementos de sntese do captulo de
anlise, e tambm abordamos nosso quarto objetivo, que se refere s tendncias
pedaggicas adotadas pelos autores dos livros didticos, e nossa viso sobre os estes.
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CAPTULO I
TRAJETRIA EDUCACIONAL E DEFINIO DO OBJETO DE
PESQUISA
1.1 Minha trajetria como estudante
Meu interesse pela educao no foi por acaso; j na tenra idade quando,
morvamos no Municpio de Ponta Por-MS (uma fazenda em Aral Moreira), meus
pais eram fazendeiros e minha av, juntamente com minha me, desempenhavam o
papel de parteiras. Minha av tambm fazia benzimentos, mas minha me tinha outra
funo interessante. Devido ao fato de poucas pessoas serem alfabetizadas, e,
portanto terem muita dificuldade para escrever cartas e para ler e interpretar
documentos (escrituras, contratos, etc.), minha me ajudava-os nessa funo e eu
ficava observando cada detalhe do que ela fazia, porque algumas vezes ela os
ensinava a ler e escrever. Seu exemplo fez nascer em mim uma determinao de
seguir seus passos. Nas brincadeiras de infncia, por vezes me pegava na posio de
professora frente a outros coleguinhas, fazendo as paredes ou o cho batido de lousa,
usando carvo como giz. Somos de uma famlia de oito irmos, sendo quatro homens
e quatro mulheres. Trs de ns seguiram a carreira do magistrio.
Meus primeiros anos escolares foram em uma escola rural, onde estudavam
alunos de 1 a 4 srie na mesma sala. A escola era muito simples, construda de
madeira com um nico cmodo e varanda que se estendia do beiral do telhado.
Sentvamos em duplas, a sala era dividida em duas fileiras de carteiras com
um corredor central; de um lado, alunos de terceira e quarta srie e do outro lado,
alunos da primeira e segunda srie; Tnhamos um nico professor para todas as
turmas, o senhor Odcio (compadre de meus pais) lecionava todas as disciplinas; ele
andava pela sala com um basto nas mos que era usado para apontar na lousa
durante as explicaes.
Nessa fase de minha vida eu no dava muita importncia para o que era
ensinado, estava na primeira srie, ento tudo era novidade. Mas, quando os colegas
das sries mais adiantadas eram sabatinados (termo muito utilizado na poca) com a
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tabuada ou eram chamados lousa para resolver exerccios matemticos, o temor em
seus olhos era visvel e de certa forma eu tambm ficava apreensiva, pois cedo ou
tarde chegaria a minha vez.
Amizades parte, o professor Odcio era muito dedicado, mas no perdia a
rigidez com seus alunos, pois ele cobrava as tarefas de casa, tomava leituras
coletivas, escrevamos textos e fazamos inmeras contas todos os dias.
Era muito raro ele brigar conosco, normalmente bastava ele dar uma olhada
para entendermos quando alguma coisa estava errada, como conversas paralelas
durante a explanao dele ou durante a leitura de algum aluno.
Quando meus pais mudaram para Campo Grande, tive que refazer a
primeira srie do ensino fundamental porque havia sado sem conclu-la e no havia
documento de transferncia naquela escola. Estudei na E.E. Rui Barbosa, da 1 a 8
srie do Ensino Fundamental; o primeiro ano do ensino mdio na E.E. Maria
Constana de Barros Machado, mas fiz a opo pelo Magistrio em nvel de Ensino
Mdio no CESMAF, e como no poderia deixar de ser, fiz a graduao em
Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
1.2 Aproximando do meu objeto de pesquisa
Iniciei minha trajetria na Educao em 1986, lecionando para turmas de 1
a 4 srie do Ensino Fundamental, na Escola Estadual Arlindo de Andrade Gomes,
por 20 h/a, intercalando a carga horria num segundo turno de 20 h/a numa turma de
pr-escola, em uma das creches do antigo Promosul (atual Secretaria de Estado e
Trabalho e Assistncia Social - SETAS). Pedi exonerao do cargo para cursar a
universidade, retornando por concurso pblico, logo aps a concluso da graduao.
Em 2003 iniciei uma nova trajetria profissional em minha vida: comearia
a partir de ento os preparativos profissionais para atuar na Sala de Tecnologia
Educacional (STE) que estava sendo implantada na Escola Estadual Adventor Divino
de Almeida, assim como em todo o estado de Mato Grosso do Sul. At ento eu
trabalhava com a turma da 4 srie do Ensino Fundamental e sabia que no seria uma
mudana fcil. Para essa nova funo havia outros professores que tambm
pleiteavam a vaga. A Secretaria de Educao (SED/MS) promoveu uma srie de
cursos e tambm uma seleo para que o mais apto pudesse ocupar o cargo.
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A Sala de Tecnologia Educacional (STE) foi implantada em 2004; tomei
posse desde o incio de sua implantao, transferindo meu concurso para este novo
cargo. Nessa nova funo que inclua a preparao dos professores regentes de todas
as disciplinas para que pudessem fazer uso da STE e de seus recursos de forma
pedaggica, foram necessrios cursos especficos. No prximo pargrafo citarei
alguns cursos dos quais participei e minioficinas que ministrei.
Tecnologia na Educao Escolar - 4 Edio; Programa de Formao
Continuada em Mdias na Educao; Curso de Extenso de Informtica Educativa
para Profissionais da Educao; Seminrios de Informtica; O uso Pedaggico da
Tecnologia da Informao e da Comunicao; Integrando e Gerenciando as
Tecnologias nas Escolas; Administrao e Configurao de Hardware; Um fazer
Diferente; Insero das Tecnologias da Informao e da Comunicao na Educao
Especial/Deficincia Visual; Articulando Prticas Pedaggicas; Tipologias Textuais -
Leitura e Produo de Textos Utilizando as TICs; Homepage; Montagem e
Manuteno de Microcomputadores; Minioficinas ministradas: Fazendo Uso de
Webquest; Conhecendo Frontepage; O Blog na Educao; Analisando Software.
Quero ressaltar que, estes cursos no so um fim em si mesmos. Quero dizer
que conforme as tecnologias evoluem, uma nova etapa de treinamentos tem incio.
1.3 A presena da calculadora em sala de aula
estranho lembrar que usvamos a calculadora s escondidas, em uma ou
outra aula de matemtica, um grande erro para aquela poca, mas era assim que s
vezes agamos (era incio de carreira no Magistrio e lecionava para alunos dos anos
iniciais). No lembro sequer de ouvir falar de alguma aula em que a calculadora
estivesse presente por consentimento do professor, menos ainda, que ela estivesse
sendo usada como recurso na resoluo das atividades. Mas j ouvi comentrios em
que a calculadora era usada para colar (colar significava que o aluno pegava o
resultado fornecido pela calculadora porque no sabia tabuada).
O tempo vai passando e vamos ficando mais ousados, vo surgindo aqui e
acol experincias de educadores que se atrevem a romper paradigmas, nesta
perspectiva que pensamos em mostrar o alcance da calculadora e suas possibilidades.
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A tecnologia faz parte da minha trajetria profissional agora, e pensando nela que
estamos, em especial, analisando a calculadora em atividades matemticas
encontradas em livros didticos do 5 ano do Ensino Fundamental. Essa ferramenta,
que rejeitada por alguns, e tida como um recurso fantstico por outros, pode, em
determinados momentos, ser considerada como um gerador de desafios, de
atividades significativas e ldicas.
1.4 Definio do objeto de pesquisa
Evidentemente toda a minha trajetria na educao influenciou a escolha
desta temtica. As atividades com calculadora nos livros didticos de matemtica so
comuns, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Mdio. Entretanto, estudos
especficos sobre o papel da calculadora nas atividades matemticas propostas em
livros didticos so escassos.
Estamos na era da informatizao. As escolas, em sua grande maioria, esto
informatizadas; a calculadora um dos acessrios tecnolgicos que est ao alcance
dos alunos para ser consultado a qualquer momento. Por que ento no programar
aulas especficas para us-las? Para responder a estas perguntas, vou me reportar
minha trajetria profissional, como professora de Sala de Tecnologia Educacional
(STE) na rede pblica de ensino.
Observei que, embora as atividades propostas pelos professores que
planejam suas aulas para serem ministradas na sala de informtica, no prevejam o
uso da calculadora, os alunos a tm utilizado com freqncia na resoluo destas
atividades. Os professores no colocam impedimento quando a calculadora faz parte
da mdia que est sendo utilizada, nem mesmo os pais ou a direo (mesmo que estes
no sejam favorveis ao uso da calculadora), at porque eles no tm controle sobre
isto. Essa dicotomia existente nos diferentes usos deste recurso s demonstra que
muitos professores no compreendem a funo da calculadora nas atividades.
E foi pensando na calculadora nos livros didticos que esta pesquisa foi
conduzida; analisar as diferentes variedades de tarefas propostas nessa fonte que
considerada como de grande influncia na prtica pedaggica.
Diante do exposto, nos vm algumas questes que queremos explicitar, tais
como: possvel fazer do uso da calculadora uma aliada no estudo da matemtica?
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Como sugerida sua utilizao no guia do livro didtico do PNLD/2007? Que papel
a calculadora desempenha nestas atividades?
Considerando tais questes, procuramos desenvolver esta pesquisa que tem
como objeto de investigao a calculadora no Ensino Fundamental. Para o estudo,
desenvolvemos um objetivo geral, que analisar propostas de uso da calculadora em
tarefas matemticas em livros didticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Acreditamos que a experincia como professora, aliada experincia com a
STE e o uso dos recursos tecnolgicos, possa contribuir para ajudar outros
pesquisadores, pois sabemos que nenhuma pesquisa est de fato acabada, so
caminhos que se cruzam, se somam e se abrem para novos horizontes.
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CAPTULO II
REFERENCIAL TERICO
Este captulo contemplar uma viso geral do uso da calculadora em
diversas pesquisas e permitir iniciar um dilogo do nosso objeto de pesquisa com o
referencial terico. Os prximos pargrafos faro um levantamento de algumas
pesquisas que foram desenvolvidas tendo como foco a calculadora.
2.1 A calculadora em foco: reviso literria
Nos prximos pargrafos pretendemos descrever alguns estudos feitos por
outros pesquisadores que envolvem a calculadora, argumentos favorveis e
contrrios sobre seu uso no processo educativo.
O trabalho de Oliveira (1999) consistiu em verificar o pensamento dos
professores nas escolas do Paran-PR sobre a utilizao da calculadora nas aulas de
matemtica. Usou questionrio com 141 professores, de 41 municpios de nove
regies geogrficas da rede pblica e particular. Do universo dos professores
pesquisados, 75% eram da rede Estadual, (com 78,7% de mulheres e 21,7% de
homens), em sua maioria com idades variando de 23 a 32 anos, predominando nas
regies norte Pioneiro e Sudoeste.
Das respostas surgidas no questionrio, uma me chamou muita a ateno: a
de no utilizarem a calculadora por no saberem trabalhar com ela. Observei que tal
resposta representa um nmero muito grande perto de outras questes como:
preferirem trabalhar com os algoritmos tradicionais; no sentiram necessidade da
calculadora nas atividades; os alunos no sabem fazer contas. Entretanto, seja qual
for o caso, no saber usar a calculadora ainda um fato. A pesquisa feita por Oliveira
indica que um dos motivos da calculadora no ser usado por muitos professores,
pode estar na formao inicial destes.
Outro ponto importante mostrado na pesquisa de Oliveira que durante o
curso de licenciatura desses professores, 81,6% informou que em nenhum momento
foi enfocada a possibilidade do uso da calculadora nas aulas de Matemtica,
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comparado com 17,3% que afirmaram o contrrio. Os motivos que mais
prevaleceram foram que A calculadora era um instrumento muito recente e raro e os
professores da Faculdade no tinham afinidade com a calculadora. Outro dado
importante quando perguntado se eles tinham ideia de quantos alunos possuam
calculadora em suas casas, responderam que em mdia 80% possuam. Oliveira
concluiu que 53,9% dos professores pesquisados no usavam a calculadora nas aulas
de matemtica. Afirmou que isto resultado dos reflexos das concepes que eles
tm em relao Matemtica, maneira de ensin-la e dos objetivos do seu ensino.
Usou Thompson (1984, p.105)1 para apoiar sua afirmao.
Outro fator descoberto por Oliveira de que a calculadora vem sendo usado
simplesmente como instrumento de calcular ou como meio auxiliar de clculo, para
aproveitamento de tempo durante as aulas, em detrimento de seu potencial educativo.
A calculadora polmica tambm em outros pases. Para Nuno Crato2,
presidente da Sociedade Portuguesa de Matemtica (SPM), o incentivo utilizao
da calculadora desde os primeiros anos de escola pode ser arriscado, porque faz a
criana perder destreza de clculo. Para ele, deve-se ter limite no uso da calculadora,
ele argumenta que O ensino da Matemtica , sobretudo o ensino do pensamento,
pelo que os elementos essenciais devem continuar a ser o papel e o lpis. Com
relao a isso, Joana Brocardo3, da Direo-Geral de Inovao e Desenvolvimento
Curricular do Ministrio da Educao Portuguesa, defende o uso da calculadora.
Brocardo, em entrevista publicada no Portal do Ministrio da Educao (2007),
explica que A questo usar a calculadora de forma inteligente, do ponto de vista
educativo... que os alunos disponham de um conjunto alargado de formas de calcular,
a mquina calculadora apenas uma delas.
Num artigo publicado por Girardi e Dias (2006 p. 3), sobre as concepes
dos professores de matemtica no uso da calculadora, dentre as vrias concepes
apontadas, segundo as autoras, predominou a opinio na crena de que o uso da
1 O que ns somos, o que pensamos, ns refletimos em nossas aes do dia-dia, no diferente no
contexto escola. Thompson explica que as concepes que os professores tm sobre o ensino da
matemtica pode afetar a eficcia no desenvolvimento de uma aula. Por exemplo, numa aula onde
haja interao com os alunos o professor que decide quanto ao melhor modo de usar a calculadora
e far isso da forma que ele acredita ser melhor. 2 Em entrevista intitulada - Matemtica: uso de calculadora no ensino bsico divide professores e
especialistas. Disponvel em: .
Acessado em: 21 abr. 2008. 3 Nessa entrevista, fica claro que da forma como a calculadora est disponibilizada, quase
impossvel deter seu uso. Entrevista com Joana Brocardo. Disponvel em: . Acesso em: 21 abr. 2008.
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calculadora antes do domnio das quatro operaes e da tabuada prejudica o
raciocnio do aluno. Esta autora, em sua dissertao de mestrado, faz um estudo em
que o uso da calculadora aparece na oitava srie4, trabalhando com juros simples e
compostos, pois acredita que desta forma no prejudica o raciocnio matemtico
envolvido. Esta pesquisadora tem como estratgia o clculo mental nas proposies
feitas pelos alunos por meio de estimativas, para posteriormente serem analisadas
usando a calculadora. A autora acredita que se o aluno no consegue estimar, o uso
da calculadora seria em vo. Sua pesquisa tambm investigou as opinies tanto de
docentes quanto de alunos no quesito uso da calculadora, assim como a proposio
de metodologias para se trabalhar os juros simples e compostos na oitava srie do
Ensino Fundamental.
Silva (1982) e vila (2004, apud SCHIFFL, 2006) concordam que
importante decorar a tabuada mesmo usando a calculadora. Argumentam que saber a
tabuada no s exerccio da memria e em situaes cotidianas, mas, para facilitar
na realizao de clculos mesmo que a calculadora esteja em uso. vila (2004)
categoriza a importncia da memria em qualquer instncia profissional. Girardi
(2006) chama a ateno para o uso indevido da calculadora no desenvolvimento do
raciocnio. Argumenta que um programa voltado para a preparao de professores
para usar a calculadora, em paralelo com o ensino do clculo mental, poderia
resolver boa parte do problema.
Para Girardi e Dias (2006), o uso da calculadora precisa estar dentro de um
contexto ordenado, e para dar credibilidade a este argumento ela cita Silva (1989, p.
3): Contribuir para um ensino da matemtica em que a nfase seja colocada na
compreenso, no desenvolvimento de diversas formas de raciocnio e na resoluo de
problemas. Outros autores que tambm fazem um dilogo favorvel ao uso da
calculadora so Ubiratan DAmbrosio (2003, apud FEDALTO, 2006 p.10) e Bigode
(apud FALZETTA, 2003), que concordam que usar a calculadora permite a
resoluo de problemas reais.
Fedalto (2006 p.17), para contextualizar tecnologia argumenta que um
instrumento tecnolgico s vezes, so tomados como sinnimo de tecnologia [...]
tecnologia o conhecimento e no o objeto que resulta dele. Ferreira (2004, p. 192
apud FEDALTO, 2006, p.17), Medeiros e Medeiros (1993, p. 8 apud FEDALTO,
4 Estamos usando a nomenclatura utilizada na poca na pesquisa.
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2006, p. 18), vo mais longe, agregando at distribuio, comercializao de bens e
servios no conjunto das tecnologias. Para Chevallard (2001), tecnologia uma
forma de fazer algo baseado em uma teoria.
A pesquisa de Fedalto (2006, p. 8) consiste em compreender algumas
facetas da relao entre o professor de Matemtica e o conhecimento de sua
disciplina em situaes onde a calculadora poderia ser utilizada como recurso
durante suas aulas no Ensino Mdio, para favorecer a compreenso de conceitos,
algoritmos, e auxiliar na resoluo de problemas. Ele observou e entrevistou
professores da rede pblica de escolas do Paran, em aulas de matemtica. O
pesquisador fez tambm algumas comparaes interessantes, por exemplo: ele
argumenta que as tecnologias esto mais acessveis, e tambm no mercado de
trabalho, e ainda assim muitas pessoas no conseguem fazer clculos. O autor
argumenta, perguntando onde estariam os motivos que justificam a dificuldade de
muitas pessoas em realizar clculos. Ora, se a calculadora no vem sendo usada
adequadamente pelas escolas, onde ento est o erro? Podemos dizer que est no uso
do instrumento, ou na forma como o ensino vem ocorrendo? O acesso calculadora
no significa o fim do ensino das operaes no formato como as conhecemos, ou
seja, como uma atividade escolar ao contrrio, significa um recurso a mais para se
pensar na resoluo de um problema, ou mesmo para se construir situaes-
problemas com a calculadora, Fedalto (2006 p.48) acrescenta que a calculadora
pode ser inserida nas sries iniciais do Ensino Fundamental, no em lugar do
clculo com lpis e papel, mas como instrumento de descoberta e realizao de
estimativas.
Concordamos com este autor quando ele diz que a utilizao da
calculadora em sala de aula requer um conhecimento prvio de suas possibilidades e
limitaes e os alunos devem saber o porqu est sendo permitido e com quais
objetivos (FEDALTO, 2006 p.10). Como ento saber quando usar, e
principalmente, como usar? Mais uma vez entra o papel do professor na
intermediao como facilitador no ensino-aprendizagem. Ora, o gerndio aqui
caberia perfeitamente. Poderamos responder assim: pesquisando, criando,
selecionando, trocando ideias com outros professores, sobre atividades que melhor se
adaptem situao de sua sala de aula, promovendo discusses entre os alunos.
Acreditamos que dessa forma podemos ampliar nosso universo do saber matemtico
e tornar nossas aulas com mais qualidade na aprendizagem dos alunos.
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E ento, possvel fazer da calculadora uma aliada no estudo da
matemtica? Como feita sua utilizao na resoluo de atividades nos livros
didticos? O que dizem os PCN, e o Guia de Livros Didticos sobre este assunto?
Antes de responder a estas questes, que permearam esta pesquisa, faz-se necessrio
conhecer um pouco da histria da calculadora: quem a inventou e com que objetivo,
uma vez que ela no um objeto especfico da educao, mas pode ser utilizada com
objetivos educativos, como um recurso nas aulas de matemtica. Afinal, no
podemos nos apropriar desse recurso sem ao menos conhecer um pouco da sua
histria.
2.2 Um pouco da histria da calculadora
A calculadora tem seu percurso histrico, explica Olga Martins5, ela relata
que a calculadora foi criada em 1642, por um filsofo e matemtico francs, Blaise
Pascal, filho de um cobrador de impostos que, entediado em observar seu pai com
clculos interminveis, resolveu ajud-lo construindo uma mquina de somar e
subtrair de 8 algarismos, que foi chamada de Pascaline. Mais tarde, o filsofo e
matemtico alemo Gottfried Wilhelm Von Leibniz aperfeioou o invento a partir de
1671, que alm de somar e subtrair, multiplicava, dividia e extraa a raiz quadrada. O
ingls Charles Babagge, em 1822, preocupado com os erros contidos nas tabelas
matemticas de sua poca, construiu um modelo para calcular tabelas de funes
(logaritmos, funes trigonomtricas, etc.) que chamou de mquina das diferenas. O
operador s precisava iniciar a cadeia de operaes, e a seguir a mquina tomava seu
curso de clculos, preparando totalmente a tabela prevista. Herman Hollerith,
funcionrio do departamento de estatstica dos Estados Unidos, aplicou o principio
do carto perfurado com 12 linhas e 80 colunas calculadora, devido necessidade
de processar e gravar grandes quantidades de informaes do senso de 1890. Depois
do sucesso, abriu sua prpria empresa, associando-se mais tarde com dois scios e
fundando a IBM, famosa no mundo da computao. Tambm fazem parte da histria
5 Contedo extrado da pgina da profa. Dra. Olga Maria Pombo Martins, do Centro de Filosofia das
Cincias da Universidade de Lisboa (CFCUL), Seminrio Temtico Licenciatura em Ensino da
Matemtica da FCUL. Disponvel em: .
Acesso em: 2 jun. 2009.
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da calculadora o baco e a rgua de clculo, ambos ainda amplamente utilizados em
sala de aula. O baco se constitui de um recurso milenar e funcional.
Existem calculadoras de todos os tipos e com funes diversas. Mas a
calculadora que tratamos nesta pesquisa a convencional, com teclas das quatro
operaes, porcentagem, raiz quadrada, memria, sinal de igualdade, ponto,
ligar/desligar e limpar o visor. As calculadoras s passaram a ser utilizadas em larga
escala a partir do incio do sculo XX.
A seguir, tentaremos articular o nosso objeto de pesquisa com a teoria
antropolgica do didtico.
2.3 A Teoria Antropolgica do Didtico - TAD
Estamos entendendo Antropologia como aquilo que inerente essncia
humana, ou seja, as atitudes comuns que acontecem em qualquer sociedade, como
por exemplo, o ato de se casar, que acontece nas sociedades desde as mais primitivas
s mais modernas, assim tambm a matemtica uma atividade humana comum a
qualquer civilizao. A antropologia diversifica seu campo de estudo, existe a
antropologia poltica, religiosa, e outra, em que seus campos de estudos so poltica e
religio, respectivamente. Em nosso caso, a antropologia do didtico, cujo objetivo
estudar o professor e o aluno diante de um problema matemtico.
A Teoria Antropolgica do Didtico teve por idealizador Yves Chevallard.
Historicamente ela se desenvolveu a partir da dcada de 1980, junto com a
Transposio Didtica de Guy Brosseau. Nesse sentido, podemos compreender
algumas premissas fundamentais que fazem parte dos pressupostos6 da TAD, a
atividade matemtica tal como se realiza nas instituies. A teoria antropolgica tem
como ponto de partida um universo em que tudo objeto, as pessoas, as instituies,
as coisas materiais, seus pensamentos e as noes que se utilizam em uma
instituio. A relao que uma pessoa tem com uma instituio mediada pelo saber
(entendemos que essas relaes so atividades humanas que resultam do
assujeitamento desse indivduo instituio).
6 Extrado das discusses do estudo do livro Estudar Matemticas: o elo perdido entre o ensino e a
aprendizagem, no Grupo de Pesquisa em Histria da Educao Matemtica Escolar, coordenado
pelo prof. Dr. Luiz Carlos Pais, UFMS.
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Partimos do princpio de que toda prtica institucional pode ser analisada de
diferentes pontos de vista e de diferentes maneiras, por meio de um sistema de
tarefas relativamente bem definidas que se desdobram no fluxo da prtica. Isto quer
dizer que qualquer ao humana pode ser vista e analisada por diferentes filosofias,
sob um olhar de ngulos diferentes, visto que cada instituio possui filosofias
diferentes.
Os prximos pargrafos sero importantes para a compreenso da estrutura
da TAD. Mas antes precisamos saber sobre a origem da principal palavra que d
sentido teoria, a palavra praxeologia.
2.3.1 Praxeologia
O entendimento dado por Kotarbinski (1965 apud SWIATKIEWICZ, 1997)
sobre este termo justifica a grafia utilizada nesta pesquisa, devido s variaes
encontradas, conforme passamos a explicitar.
O termo praxeologia foi introduzido primeiramente por Alfred Espinas
(SWIATKIEWICZ, 1997, p. 638), por volta de 1890, entendida por ele como a
cincia sobre as formas e as regras gerais de atuao no mundo dos seres que podem
se movimentar. Mas foi Kotarbinski (1965) quem destacou o termo praxeologia em
sua obra Praxiology, an Introducion to the Science ofEfficiente Action, Oxford,
1965. Segundo esse autor, praxeologia tem grafia, na Lngua Portuguesa, com i
(Praxiologia) tal como grafado em Ingls (Praxiology) e em Italiano
(Prassiologia). Em outras lnguas, entretanto, o i substitudo pelo e, como o
caso de Praxologie em Francs. Para Swiatkiewicz (1997), a praxeologia, grafada
com e, pertence ao conjunto das cincias prticas, e a grafia com i uma
variante do original em polaco, da mesma forma que uma variante da verso
original em Ingls e que em Polons (Prakseologii), lngua onde a palavra se
originou, grafada com e. Este autor inclui outros nomes (Ludwig von Mises e
George Hostelet) como autores da teoria sobre a ao humana e que demarcaram
diversas praxeologias. Fizemos a opo por praxeologia grafada com e para
mantermos a coerncia da linha francesa que adotamos.
Para Kotarbinski, praxeologia uma cincia comportamental porque se
refere a um caso particular do comportamento humano, a ao. Tal ao, para o
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28
autor, um comportamento motivado pela livre vontade e realizado com um
propsito definido, logo, uma prxis. O estudo dessa prxis a praxeologia, e esta
palavra aparece pela primeira vez em uma publicao datada de 1882 em Paris.
Como teoria praxeolgica ela foi fundada por Alfred Espinas, em 1890 ou 1897, em
um artigo tambm publicado na Frana. Outros autores como Eugeniusz Slucki
(1926 apud SWIATKIEWICZ, 1997), economista e matemtico, de origem polonesa,
tambm faz uma abordagem da temtica em sua obra. Embora muitos autores
tratassem do tema em suas obras, ainda assim no havia uma repercusso esperada.
Foi somente com Kotarbinski, em 1910, que se popularizou a palavra e a teoria como
a conhecemos atualmente, como um estudo sobre o bom trabalho.
A palavra praxeologia constituda de duas palavras de origem grega,
prxis, que significa a prtica de uma determinada tarefa, e logos, que indica o
estudo. Para Yves Chevallard, praxeologia uma organizao que articula um bloco
prtico-tcnico (saber-fazer) e um bloco tecnolgico-terico (saber). As praxeologias
podem se constituir em qualquer instituio, ou seja, onde houver ao. Instituio
no sentido dado por Chevallard pode ser a escola ou o livro didtico (onde se estuda
esse objeto). A abordagem praxeolgica , portanto, um modelo para anlise da ao
humana, ela investiga a atividade matemtica como ela se realiza nas instituies.
Para isso ela cria modelos baseados numa unidade praxeolgica de anlise, so as
organizaes matemticas.
Estes modelos epistemolgicos e cientficos so formados por: Tarefas,
Tcnicas, Tecnologias e Teoria.
2.3.1.1 Esquema da Organizao Praxeolgica
Organizao [T/] - Prtico-tcnico - Saber - fazer [prxis]
Praxeolgica [/] - Tecnolgico-terico- saber [logos]
Para o entendimento do esquema acima, podemos dizer que uma obra7, por
exemplo, equao do 1 grau criada para atender a um currculo escolar, uma
grande estrutura que possui uma Organizao Matemtica. As praxeologias
7 Segundo Chevallard (2001 p. 117) as obras so um conjunto de saberes construdos por uma
sociedade sempre em resposta a uma necessidade.
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29
constitudas pelos quatro elementos (esquema abaixo) so as especificidades que
mostram como funcionam as prticas de resoluo da equao do 1 grau. Este
conjunto de praxeologias forma uma Organizao Praxeolgica.
2.3.1.2 Esquema da definio dos quatro termos
Praxeologia
Essas noes permitem a modelizao das prticas sociais em geral e das
atividades matemticas em particular. Uma atividade matemtica possui uma
praxeologia, ou seja, tem um tipo de tarefa (T), uma ou mais tcnicas () de
resoluo, tem uma tecnologia () que explica como aplicar a tcnica e uma teoria
() que d sentido tecnologia. Uma organizao matemtica est associada a uma
organizao didtica, quer dizer que o professor, ou autor do livro didtico,
reconstri as noes e conceitos da organizao matemtica ao aluno ou leitor.
2.3.1.3 Organizao matemtica
Chevallard (1999) descreve uma Organizao Matemtica em termos de
tipos de tarefas, tcnicas, tecnologia e teoria relativas a um objeto matemtico, estes
quatro elementos formam uma praxeologia, ou seja, prticas e argumentos.
A tarefa evoca uma ao, um modo de realizar algo que se divide em
gnero, por exemplo: calcular, demonstrar, construir. Portanto, ela definida a partir
de um verbo.
A tcnica indica um modo de fazer que pode ter singularidades prprias
de quem executa a ao. Uma tcnica pode resolver um ou vrios tipos de tarefas,
tambm pode acontecer que uma tcnica necessite ser reestruturada para dar conta do
tipo de problema que se quer resolver.
Tipo de Tarefa = T - Indica um tipo de exerccio identificado numa
praxeologia, contendo ao menos um exerccio t.
Tipo de Tcnica = - Indica uma maneira de fazer ou realizar um tipo de exerccios T.
Tecnologia = - Indica um discurso racional que justifica e explica a
tcnica , para realizar os exerccios do tipo T. Teoria = - Tem a funo de justificar e tornar compreensvel uma
tecnologia .
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30
A tecnologia trata do discurso que interpreta e justifica a tcnica. Toda e
qualquer tcnica, pertencente ou no matemtica, exige uma tecnologia. No existe
tcnica sem uma tecnologia, ou seja, uma explicao de como algo foi feito.
A teoria - sempre associada a uma tcnica e uma tecnologia - um discurso
amplo que serve para interpretar e justificar a tecnologia. Por exemplo, tarefa:
multiplicar dois nmeros usando a calculadora (2 x 4) =, a tcnica consiste em digitar
o nmero dois, digitar a tecla x, digitar o nmero quatro, digitar a tecla =. A
tecnologia sistema de numerao decimal e a teoria que esta tarefa exemplificada
pertence ao estudo da aritmtica.
Podemos dizer que uma Organizao Matemtica nos fornece instrumentos
para o estudo das atividades matemticas por meio das praxeologias. Uma atividade
matemtica tem sua especificidade praxeolgica matemtica e didtica, porque
envolve o saber matemtico desenvolvido por uma instituio e o modo como ela
ensina sua prtica. Atravs desse conjunto, torna-se possvel a compreenso e
aplicao desta atividade, a sua razo de existir. As atividades matemticas escolares
tm um objetivo que serem compreendidas, interpretadas e resolvidas pelo aluno8.
2.3.1.4 Organizao didtica
As organizaes didticas se relacionam com as organizaes matemticas,
pois em cada medida ligada dimenso didtica existem implcitos saberes
matemticos. As organizaes didticas tm um carter intencional e institucional,
trata-se das aes mobilizadas no sentido de explicar uma organizao matemtica, o
como se d esse estudo.
Argumentos articulados com recursos tambm fazem parte da
organizao didtica, porque esto servindo para explicar a matemtica. A forma
como alguns autores conduzem uma determinada tarefa, recorrendo a explicaes
extras aos professores, usando as margens do livro didtico; o modo como a
8 Em seu texto Implicit Mathematics: Its impact on societal needs and demands, Chevallard diz que a
matemtica produtora de mais matemtica, na engenharia, ela utilizada para produzir mais
conhecimento e know-how de um tipo diferente (em eletrnica por exemplo, o produto gerado
precisou de conhecimentos matemticos). Ele chamou de matemtica implcita todos os objetos
materiais ou imateriais que, segundo ele, trazem em si cristalizados a matemtica. Mas, no caso da
matemtica escolar, ela no nem usada, nem produzida: ensinada e aprendida. Disponvel em:
. Acesso em: 5 mai.
2009. (Traduo nossa).
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31
institucionalizao9 de um contedo feito, por exemplo: no incio da apresentao
do contedo, ou aps, se deixado a cargo do professor ou do aluno. Outra forma de
percebermos como a matemtica explicada em livros didticos, atravs dos
recursos grficos, ilustraes, desenhos, figuras, fotos, um colorido que diferencie o
formato da fonte, nos casos em que o autor quer chamar a ateno para determinados
assuntos ou explicao da tarefa.
2.3.1.4.1 Linguagem
Existem diferentes tipos de linguagem e podemos classific-las como: no-
verbal, que envolve gestos, msica, imagens e a linguagem verbal, que pode ser oral
ou escrita. Estas modalidades se constituem como semiticas, entendidas aqui como
sistemas de signos cujos significados so gerados e compartilhados socialmente.
O conhecimento matemtico dado dentro de um sistema de representao
semitico, e que possibilita variadas representaes, como por exemplo, na lngua
materna, lgebra, em forma de desenho, figura, foto, esquemas grficos ou frmula.
Segundo Duval (apud PEDROSO; FLORES, 2007, p. 3), algumas
representaes particulares de signos (matemticos), podem ser convertidas em
representaes equivalentes num outro sistema semitico, podendo tomar
significaes diferentes pelo sujeito que as utiliza.
Na linguagem, podem ocorrer termos como comparar, observar, pintar, ou
recortar, usados de formas diversas e que foram apropriadas pela matemtica para a
apresentao de uma determinada tarefa, dando-lhe sentido e compreenso.
2.3.1.4.2 Os diferentes registros: objetos ostensivos e objetos no ostensivos
A TAD defende que a atividade matemtica faz uma articulao entre
diferentes registros ostensivos. O termo ostensivo definido como tendo sua origem
no latim ostendere (apresentar com insistncia) e so aqueles objetos que podem ser
percebidos pelos rgos do sentido. Considera-se como ostensivo todo objeto que
9 A institucionalizao o momento de determinar de maneira precisa em que consiste a organizao
matemtica, neste momento que buscam diferenciar os elementos que sero integrados de maneira
definitiva nessa organizao de acordo com a cultura de uma determinada instituio escolar. No
caso de livros didticos o momento de sistematizao.
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32
pode ser percebido pelo sujeito. So objetos materiais ou objetos dotados de certa
materialidade como: escrita, grafismo, som, ou mesmo o gesto que usamos como
meio de expresso Chevallard e Bosch (2001).
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o estudo da aritmtica usando a
calculadora pode ser feito por meio de diferentes tcnicas de resoluo das tarefas,
em que cada uma delas ativa uma pluralidade de registros ostensivos.
Os objetos no ostensivos (ideias, conceitos, axiomas, crenas) so aqueles
objetos que existem no plano de uma instituio. Estes podem ser evocados por meio
da manipulao de certos ostensivos apropriados, ocorrendo a coexistncia de objetos
ostensivos e no-ostensivos, por meio do que chamamos dialtica do ostensivo e do
no ostensivo. Os objetos no-ostensivos so elaborados a partir da manipulao de
objetos ostensivos, ao mesmo tempo em que esta manipulao controlada por
objetos no-ostensivos.
interessante observar que essa dimenso ostensiva talvez mais
expressiva na maioria das atividades propostas nos livros didticos dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, do que o trabalho direto com a dimenso no-ostensiva. Os
aspectos sensoriais (perceptivos) so mais explorados nos livros didticos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, em comparao com os livros didticos das sries
finais, onde um aluno teria maior facilidade de abstrao, exemplo: um aluno das
sries iniciais compreende facilmente a visualizao de meia ma, a metade de uma
ma, mas teria dificuldade em entender a representao 2
1 da ma. Esse fato
justifica a presena constante de objetos ostensivos: ilustraes, cores, personagens
ou outro objeto ostensivo qualquer que se faa presente nas pginas impressas dos
livros didticos. Outra presena constante o uso de jogos e desafios, essa ludicidade
atrai o interesse dos alunos para a resoluo das tarefas, [...] so instrumentos
importantes para que elas conheam a si mesmos os outros e o seu ambiente social
Bittar e Freitas (2005, p. 37). Segundo os autores:
[...] os jogos permitem ao professor analisar e avaliar os seguintes aspectos:
compreenso - facilidade para entender o processo do jogo assim como o
autocontrole e o respeito a si prprio; facilidade - possibilidade de construir
uma estratgia; possibilidade de descrio - capacidade de comunicar o
procedimento seguido e a maneira de atuar; estratgia utilizada -
capacidade de comparar as previses ou hipteses (BITTAR; FREITAS,
2005 p. 37).
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33
A centralidade atribuda atividade matemtica, cujas razes se nutrem na
abordagem construtivista, exige que no haja uma defesa prioritria de um tipo de
ostensivo em detrimento de outros. Assim, ao realizar nossa pesquisa, no
consideramos que o registro atravs de uma perspectiva (desenho de uma balana)
seja concebido como mais importante do que o registro da linguagem materna
(palavra medida de massa). Em outros termos, trata-se de valorizar diferentes
maneiras de representar o conhecimento aritmtico e, ao analisar tais noes em
nvel dos anos iniciais, talvez possamos destacar o que existe l de especfico.
Chevallard e Bosch (1999) defendem que objeto ostensivo e objeto no-
ostensivo so sempre institucionais, a existncia deles no depende da atividade de
uma nica pessoa, mas so unidos por uma dialtica que consideram os no -
ostensivos como emergentes da manipulao dos ostensivos e, ao mesmo tempo,
como meios de domnio dessa manipulao. A presena simultnea de diferentes
registros ostensivos a invariante da prtica matemtica, o papel semitico dos
ostensivos, ou seja, seu poder de produzir um sentido no pode ser separado de sua
funo instrumental, isto , de sua capacidade de se integrar nas manipulaes
tcnicas, tecnolgicas e tericas. Observa Bosch e Chevallard (1999, p. 14):
A fonction smiotique des ostensifs, leur capacit produire du sens, ne
peut en effet tre spare de leur fonction instrumentale, de leur capacit
sintgrer dans des manipulations techniques, technologiques, thoriques. Nous essayerons de prciser cette double fonction des ostensifs en
prsentant le type danalyses que cette distinction nous permet de raliser. Mais, avant cela, nous caractriserons les diffrents objets ostensifs par le
registre (oral, crit, graphique, gestuel, matriel) auquel ils appartiennent,
distinction motive par le fait que la fonction attribue spontanment aux
objets ostensifs dpend de la matire dont ils se composent.
Com base nesse entendimento, consideramos a recomendao de que o
ensino da aritmtica com situaes problemas, usando a calculadora, deve se orientar
por tarefas que valorizem simultaneamente esses dois aspectos (papel semitico e
funo instrumental), sendo um de natureza da comunicao (funo semitica) e
outro de natureza mais pragmtica, isto , usado como ferramenta na resoluo de
exerccios ou problemas. Portanto, em uma nica atividade encontramos, ao mesmo
tempo, o conceito, o desenho (representando o conceito), entre outros aspectos. Nesta
relao, o papel da visualizao e da manipulao do concreto fundamental para o
desenvolvimento cognitivo do aluno.
-
34
Acreditamos que a manipulao de um objeto ostensivo, mediante a
resoluo de uma determinada tarefa, favorece a construo do conhecimento que
pode ser expresso por meio de um discurso tecnolgico ou terico, e este permite
materializar as explicaes e justificativas necessrias ao desenvolvimento das
tarefas.
O uso da calculadora pode ser entendido como [...] aquilo que est
relacionado com o estudo e com a ajuda para o estudo da matemtica
(CHEVALLARD, 2001, p.46, o grifo nosso). Como podemos articular o uso da
calculadora entre os dois blocos, prtico-tcnico (saber-fazer) e o bloco tecnolgico-
terico (saber), mencionados no tpico Organizao Praxeolgica? Ora, se a
calculadora ser uma ajuda no estudo da matemtica, entende-se que h uma
organizao praxeolgica implcita neste uso dela. Embora seu (da calculadora)
objetivo primrio no seja de aspectos especficos do processo de estudo da
matemtica (CHEVALLARD, 2001, p. 46), mas a apropriao dela permite no s
a realizao de atividades matemticas pelos alunos (matemtica conhecida), como o
trabalho do prprio matemtico (criar matemtica nova).
Independente de quem faa uso da calculadora, haver sempre um tipo de
tarefa especfico que solicita seu uso; uma tcnica que so os passos precisos de
como ela ser usada; uma tecnologia que explica a tcnica; e uma teoria que justifica
e d amparo tecnologia. Portanto, de nada adiantaria usar a calculadora, quando
no sabe o que fazer com ela. Uma dificuldade pode ocorrer tanto pela no
compreenso da tarefa em si quanto pela falta de conhecimento da funo das teclas
da calculadora.
2.4 A calculadora e a TAD
A matemtica faz parte do cotidiano e das atividades humanas, por meio de
aes simples que podemos definir aqui como sendo algumas aes dirias de contar,
medir, localizar, at as mais complexas, nas relaes de produo e servios. Sendo
ela de suma importncia, devido ao seu alcance, resta-nos como educadores um
envolvimento maior no sentido de promover sua aprendizagem com todos os
recursos que esto disponveis, no menosprezando sua eficcia.
-
35
Como j vimos, a TAD fala de objetos ostensivos e no ostensivos.
Entendemos que a calculadora um objeto ostensivo devido sua materialidade e
por possuir elementos manipulveis perceptveis aos nossos sentidos. Ao mesmo
tempo, est implcito a no ostensividade, que so as ideias os conceitos matemticos
institucionalizados, que no podem ser percebidos por si ss, mas relacionados
ao manipulativa de suas teclas. Por exemplo, multiplicao, adio, diviso
e subtrao so conceitos matemticos, portanto, so objetos no ostensivos. Mas a
materialidade destes conceitos identificados em qualquer linguagem, palavras
escritas, sonoras, quanto simblica representada pelos sinais de +, -, x e so
objetos ostensivos.
A articulao entre os objetos ostensivos e no ostensivos e a capacidade de
integrar as tcnicas, tecnologias e teorias, que far toda a diferena na elaborao
de atividades matemticas, porque o que importa para a TAD a atividade
matemtica, pois ela est situada no centro das atividades humanas.
El punto crucial al respecto, del que se descubrirn poco a poco las
implicaciones, es que la TAD sita la actividad matemtica, y en
consecuencia la actividad del estudio em matemticas, en el conjunto de
actividades humanas y de instituciones sociales (CHEVALLARD, 1999
p. 1).
Nos postulados da teoria antropolgica, aes como andar, danar, teclar
numa calculadora, so atividades humanas que poderamos classific-las de
elementares, embora essas aes necessitem de noes espaciais, lateralidade,
temporalidade e outras que envolvam movimento, ainda assim uma viso muito
redutiva e particularista. A TAD se contrape a este pensamento porque podemos
diferenciar as atividades matemticas das atividades humanas elementares. As
atividades matemticas necessitam de tcnicas para serem resolvidas e uma tcnica
precisa de uma tecnologia que se justifica atravs de uma teoria. Falando em
tcnicas, algumas so melhores (mais eficazes) do que outras por ter um
embasamento terico mais consolidado.
El postulado de base de la TAD es contrario a esta visin particularista
del mundo social: se admite en efecto que toda actividad humana
regularmente realizada puede describirse con un modelo nico, que se
resume aqu con la palabra de praxeologa. Antes incluso de examinar lo
que se denomina as, se debe sealar que se parte pues de uma hiptesis
que no especifica de ninguna manera la actividad matemtica entre las
actividades humanas: las matemticas debern ver reconocidas su
especificidad de otra manera (CHEVALLARD, 1999, p.2).
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Chevallard (1999) ressalta que quando acionamos uma tcnica estamos
manipulando um ostensivo que est intimamente relacionado com um no ostensivo.
Na prtica seria como estarmos resolvendo uma tarefa matemtica usando uma
calculadora como ostensivo, aplicando uma tcnica em busca do resultado. Parece
to simples pegar uma calculadora e sair resolvendo qualquer tarefa matemtica,
entretanto, se o tipo de tarefa apresentado tiver algumas complexidades que exijam
conhecer alguns conceitos matemticos, no ser o fato de estar usando a calculadora
que levar ao aprendizado esperado.
2.5 A calculadora nos PCN e no Guia do PNLD
Nossa opo em usar os Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica
de 1997, e o Guia do Programa Nacional do Livro Didtico 2007, justifica-se porque
acreditamos que estas instituies so resultados de pesquisas, um trabalho de equipe
que tem credibilidade entre muitos educadores, sendo referenciados em diversas
obras acadmicas.
O incentivo ao uso da calculadora no algo novo. Os PCN orientam para o
seu uso em diferentes situaes de aprendizagem, com atividades que apresentem
desafios e que oportunizem ao aluno verbalizar ou escrever todo procedimento que
usou. Segundo os PCN, o critrio de seleo de contedos no pode ter relevncia
somente a lgica interna da matemtica. Sendo assim, o estudo da matemtica deve
se articular com outras reas do conhecimento e com o cotidiano social.
O contedo curricular no Ensino Fundamental est organizado em quatro
blocos: nmeros, geometria, medidas e tratamento da informao. Neste contexto, o
uso da calculadora est sempre inserido em um desses blocos, os PCN exemplificam-
na em atividades envolvendo nmeros e operaes.
Situao exploratria e de investigao que se tornaria imprpria sem o
uso de calculadora, poder-se-ia imaginar um aluno sendo desafiado a
descobrir e a interpretar os resultados que obtm quando divide um
nmero sucessivamente por dois (se comear pelo 1, obter 0,5; 0,25;
0,125; 0,0625; 0,03125; 0,015625). Usando a calculadora, ter muito mais
condies de prestar ateno no que est acontecendo com os resultados e
de construir o significado desses nmeros (BRASIL, 1997, p. 34).
Outra situao a possibilidade de encadeamento de ideias nas atividades
exploratrias com a calculadora, por exemplo, aps o aluno perceber as regras do
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sistema decimal, os PCN aconselham outras possibilidades envolvendo medidas e o
tratamento da informao: alm da explorao dessas escritas pelo uso da
calculadora, os alunos tambm estabelecero relao entre elas e as representaes
referentes ao sistema monetrio e aos sistemas de medida (BRASIL, 1997, p. 68).
O Guia do PNLD afirma que os livros didticos de matemtica devem se
adequar como instrumentos de trabalho do professor, contemplando contedos que
requerem estratgias para desenvolver vrias competncias cognitivas como
observao, compreenso, argumentao, organizao, comunicao de idias
matemticas, planejamento, memorizao entre outras (BRASIL, 2007, p. 19)
inconcebvel pensar em uma rotina escolar sem o uso de algum tipo de
recurso tecnolgico, classifico aqui recurso tecnolgico do giz ao computador.
Embora o computador e a calculadora j faam parte da realidade de muitas escolas,
o computador est presente nas atividades dos alunos, mas o mesmo no acontece
com a calculadora. No nosso dia-a-dia no ficamos dependendo de lpis e papel para
resolver situaes-problemas, fazemos opo pelo uso da calculadora, devido sua
rapidez e eficcia. Porque ento deixamos de inclu-la nas aulas de matemtica?
claro que pode ocorrer o desconforto da no dominao do seu uso, o que at
natural. As outras invenes tecnolgicas tambm geraram este desconforto nas
pessoas, como, por exemplo, operar um caixa eletrnico, o telefone ou o carro.
O processo evolutivo das tecnologias to rpido que quando conseguimos
compreender a que se destinam, logo surge uma nova tecnologia. Queremos dizer
que, antes que uma tecnologia seja interiorizada, seu uso seja bem concebido, sua
funcionalidade explorada em diversas situaes, ainda assim no fcil antever seus
efeitos. Por que seria diferente quanto ao uso da calculadora?
Outro fator importante que o Guia do PNLD indicou a incidncia do uso
da calculadora prevista nos livros didticos, em maior ou menor grau, dependendo de
cada autor. Por se tratar de um instrumento muito utilizado pelos professores,
consideramos importante falar um pouco do processo histrico pelo qual os livros
didticos tambm passaram.
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2.6 A trajetria dos livros didticos
Os livros didticos, na forma como os conhecemos, tm uma histria que
perpassa tambm pela histria do ensino em suas nuanas e contradies. Nos
prximos pargrafos, explicitaremos como era o ensino no Brasil numa poca
anterior ao uso dos livros didticos.
O ensino pela oralidade precedeu o ensino dentro dos padres conhecidos
atualmente, um exemplo dele o mtodo mtuo de Lancaster10
, institudo em 1827,
por D. Pedro I. Este mtodo consistia primeiro na educao das corporaes
militares, e depois era reproduzido na populao, pelo ensino em massa. Este mtodo
baseava-se no ensino oral, no uso refinado e constante da repetio e, principalmente,
na memorizao, porque se acreditava que por meio dessa educao, inibiria-se a
preguia e a ociosidade do educando tornando-os dceis.
Os primeiros livros no Brasil tm sua histria, ela ser considerada no
prximo pargrafo, iniciaremos com os livros no didticos at culminar com os
didticos. O livro didtico tem despertado grande interesse entre os pesquisadores
que o tem analisado sob vrias perspectivas. Antes de sua implantao, na forma
como o conhecemos, ele passou por vrios processos que vo desde os primeiros
livros (no didticos) trazidos para o Brasil pelos jesutas at o livro didtico do
aluno.
2.6.1 Dos primeiros livros aos livros didticos
Desde os jesutas j se fazia uso de livros como suporte para as atividades
docentes. Os livros entravam no Brasil vindos da Europa, trazidos pelos padres da
Companhia de Jesus ou pelo rei, atendendo s solicitaes dos jesutas. Os acervos
das bibliotecas escolares eram formados por doaes11
ou compra. Entretanto, a
produo e circulao de livros no Brasil s ocorreram com a chegada da Famlia
Real, por volta de 1808, com a instalao da primeira Imprensa Rgia. Devido ao
alto ndice de analfabetismo, no havia interesse em ampliar e divulgar as produes
10
Contedo discutido no Grupo de Pesquisa em Histria da Educao Matemtica Escolar
(GPHEME) coordenado pelo prof. Dr. Luiz Carlos Pais, UFMS. 11
Doao e esmola eram sinnimos no Brasil colnia e ocorria quando um jesuta morria e seus livros
eram inventariados e doados s instituies escolares.
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literrias. Foi somente com o desenvolvimento econmico dos grandes plos como
So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que faziam riqueza atravs da agricultura
e da indstria, que os livros passaram a ter importncia. A nova burguesia passa a
fazer uso das novas bibliotecas que comearam a surgir no Brasil.
As bibliotecas tinham publicaes variadas que iam do literrio aos
pequenos livros de bolso. Nessa nova expanso, as editoras comearam a se
interessar por um livro de sada fcil: os livros didticos. Alguns autores se
destacaram nessa rea, Antonio Trajano12
foi um deles.
Os livros de matemtica traziam contedos diferentes quando se tratava do
ensino para as meninas. A Lei de 15 de outubro de 1827 deixava claro o que os
meninos e as meninas poderiam estudar em matemtica. O Artigo 6 dessa Lei dizia
que aos meninos haveria o ensino das quatro operaes de aritmtica, a prtica de
quebrados, os decimais e proporo, e as noes gerais de geometria. O artigo 12
dizia que deveria ser excluda a noo de geometria e o ensino da aritmtica quando
o ensino da matemtica fosse destinado s meninas. O ensino da matemtica para
elas se resumia s quatro operaes. Nessa poca, o ensino das prendas domsticas
era valorizado.
Os livros didticos tambm passaram por censura antes de sua
institucionalizao oficial, comisses foram organizadas no sentido de resolver
impasses internos. Na dcada de 1970, qualquer livro publicado deveria passar pela
verificao prvia da Polcia Federal, a este rgo caberia analisar a existncia de
qualquer material que ferisse a moral e os bons costumes.
Foram criados programas que visavam ao atendimento de estudantes
carentes, selecionados em todo o pas, mas foi somente na dcada de 1980, que
professores da rede pblica de ensino ocuparam o lugar das comisses encarregadas
dessa seleo e assumiram a tarefa de escolher os livros didticos. Entretanto,
somente a partir de 1995 que o Programa Nacional de Livros Didticos foi institudo.
O Guia do PNLD inicia com o processo de avaliao das obras didticas, pelo MEC,
cujos resultados so encaminhados periodicamente aos professores.
12
A Aritmtica Elementar Ilustrada, destinada ao ensino primrio, com 1 edio em 1879, teve sua
136 edio posta em circulao em 1958.
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2.6.2 Os livros de matemtica e as novas tendncias
Com a reformulao do ensino de Matemtica, os livros didticos tambm
sofreram mudanas. Essa modernizao teve seu embrio em Euclides Roxo. Ele
pleiteava um ensino com orientaes metodolgicas diferente do tradicional,
defendia a ideia de valorizar a subjetividade da aprendizagem, o interesse do aluno e
o seu nvel de desenvolvimento cognitivo. Muito do que Roxo pregava hoje consta
nos PCN como regras para avaliao dos livros didticos, ou ainda a articulao
entre os blocos de contedos. Pais (2007) considera os livros didticos como fortes
fontes de influncia, portanto, fazem parte da vulgata13
, pois seus contedos sofreram
o rigor da anlise de instituies de controle e regulamentao.
Segundo Pais (2007), uma tendncia muito forte nos livros didticos atuais
em comparao com os mais antigos, so as estratgias indutiva-dedutiva que,
segundo o autor, consiste na verificao ou realizao de procedimentos
experimentais antes de obter uma concluso lgica. Um exemplo a resoluo de
problemas que pode ser usado para se iniciar um contedo novo. Neste caso, as
questes induzidas do problema que sero o tema gerador da aprendizagem.
Ao caracterizar o ensino da matemtica como rea do conhecimento, os
PCN coloca a calculadora, assim como outros recursos didticos, inserida com maior
relevncia em situaes que elevam o exerccio da anlise e da reflexo frente da
atividade matemtica.
Recursos didticos como jogos, livros, vdeos, calculadoras,
computadores e outros materiais tm um papel importante no processo de
ensino e aprendizagem. Contudo, eles precisam estar integrados a
situaes que levem ao exerccio da anlise e da reflexo, em ltima
instncia, a base da atividade matemtica (BRASIL, 1997 p. 19).
Outra caracterstica importante, segundo o Guia do PNLD, so que os livros
didticos devem trazer para o ambiente escolar a informao e o conhecimento
matemtico, contextualizado com as prticas sociais. Entretanto, este conhecimento
no vem na forma como foram produzidos, eles so modificados e adaptados ao
ensino de determinado contedo.
13
Vulgata no sentido dado por Chervel, um exemplo so os livros didticos que na forma como esto
organizados, os termos, os conceitos, a sequncia, parecem dizer a mesma coisa, esta organizao
foi chamada de o fenmeno da vulgata. Extrado das discusses do grupo de pesquisa.
Coordenador: prof. Dr. Luiz Carlos Pais, UFMS.
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CAPTULO III
ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA
Este captulo foi construdo com o objetivo de mostrar a aplicao do
referencial metodolgico ao nosso objeto de pesquisa, que est embasado na anlise
de contedo proposta por Laurence Bardin (2008). Dividimos o captulo em duas
partes. A primeira parte refere-se aos aspectos tericos do mtodo e a segunda parte
trata dos procedimentos metodolgicos da pesquisa, que so apresentadas a seguir.
3.1 Aspectos tericos do mtodo
Iniciamos com uma retomada histrica que contextualiza e define o que
anlise de contedo. Embora o campo de pesquisa utilizando a anlise de contedo
seja vasto, vamos delimitando aos poucos sua extenso, principiando da utilizao
dela na Educao, com exemplos de pesquisas desenvolvidas por educadores de
modo geral. Depois, trataremos da anlise de contedo na Educao; anlise de
contedo na Educao Matemtica; a pertinncia da anlise de contedo com a TAD;
em seguida, a anlise de contedo e a calculadora.
3.1.1 Anlise de contedo: histria do mtodo
Pretendemos, neste captulo, falar um pouco da histria da Anlise de
Contedo, com base nos estudos de Laurence Bardin. O que Anlise de Contedo?
um conjunto de instrumentos metodolgicos em constante aperfeioamento, que
se aplicam a discursos (contedos e continentes) extremamente diversificados
Bardin (2008, p.11). O objetivo da anlise de contedo buscar indicadores
quantitativos ou qualitativos (pertinente ao objeto de pesquisa) por meio da descrio
do contedo das mensagens. Atravs de procedimentos sistemticos, o pesquisador
coleta as informaes de que necessita, trabalha os dados coletados, faz inferncias e
finalmente interpreta tendo como ltima instncia seus conhecimentos sobre o
resultado.
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O mtodo de anlise surgiu da necessidade de sistematizar discursos de
contedos diversos numa poca de grande exploso comunicacional. Bardin relata
que historicamente, o que precedeu a anlise de contedo foi a hermenutica e a
retrica. A primeira estudava as modalidades de expresso e a segunda analisava o
encadeamento das ideias do discurso e a formalidade das regras. Um exemplo de
pesquisa baseado neste tipo de anlise ocorreu em 1640, na Sucia. O que se
pretendia nessa pesquisa era verificar se os hinos religiosos poderiam ter efeitos
nefastos sobre os Luteranos. Posteriormente, o mtodo foi adquirindo um aspecto
mais rigoroso, mostrado na pesquisa que analisou as expresses de emoes e de
linguagem no Livro de xodo, com preparao textual e classificao temtica de
palavras-chave Bardin (2008, p.16).
Durante o perodo da primeira e segunda guerras mundiais, nos Estados
Unidos, o jornalismo fez uso da anlise de contedo em pesquisa quantitativa para
medir o grau de sensacionalismo e layout de jornais, culminando este tipo de
pesquisa com anlise de contedos subversivos em jornais e revistas (dcada de 40 e
50). Aps esse perodo, houve uma complementao na normatizao dos
procedimentos metodolgicos pelos americanos. No ps-guerra, houve um perodo
de desencanto demonstrado entre os prprios pesquisadores (Berelson, Janis,
Lasswell, Leites, Lerner, Pool), que somente foi reativado quando da convocao
pelo Social Science Research Council1s Committee on Linguistics and Psychology
para estudos da Psicolingustica. Novas perspectivas metodolgicas foram surgindo,
com a contribuio de outras cincias, e a anlise de contedo foi se renovando e
tomando novos formatos metodolgicos e epistemolgicos, esta ltima concebida em
modelo representacional (onde a mensagem permite indicadores vlidos de anlise,
revelado por meio de itens lexicais), e instrumental (onde a mensagem no
importante, mas seu contexto e circunstncias). No metodolgico h o impasse entre
o quantitativo (mede a frequncia em que surgem certas caractersticas do contedo
analisado) e o qualitativo (presena ou ausncia de alguma caracterstica do contedo
analisado).
Com o grande boom das tecnologias computacionais, novas formas
lingusticas passaram a fazer parte do processo de crescimento da anlise de
contedo, por exemplo: O uso do computador facilitou investigaes estatsticas, que
promoveram adaptaes, tanto na mquina quanto no mtodo de pesquisa; outra
influncia veio da semitica e da lingustica, com seus objetos representados atravs
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da imagem, tipografia e msica; teorias da psicanlise e do estruturalismo tambm
contriburam para a anlise de contedo.
3.1.2 A composio do mtodo da anlise de contedo
A metodologia composta de etapas bem definidas cronologicamente. Uma
fase refere-se pr-anlise, que corresponde organizao do material envolvido na
pesquisa, preparao e escolha documental, formulao de hipteses ou dos objetivos
e a elaborao de indicadores que sero trabalhados na fase final de interpretao. A
prxima fase refere-se explorao do material j previamente organizado na fase
anterior, estabelecer cdigos, decompor, enumerar de acordo com o que se pensou
nessa organizao. A ltima etapa a interpretao dos resultados obtidos. Este o
momento de aplicar a regra, de condensar o resultado em tabelas, quadros, aplicar-
lhes percentuais, fazer inferncias, enfim, sistematizar o estudo e submet-los
validao.
3.1.3 Aplicaes possveis da anlise de contedo
Para cada um dos casos e para muitos outros, as cincias humanas
facultam um instrumento: a anlise de contedo de comunicaes. Esta
tcnica, ou melhor, estas tcnicas implicam um trabalho exaustivo com as
suas divises, clculos e aperfeioamentos incessantes do mtier
(BARDIN, 2008, p. 29).
Com estas palavras, Laurence Bardin qualifica a anlise de contedo como
um instrumento metodolgico, ou como ela mesma diz no um instrumento, mas,
um leque de apetrechos Bardin (2008, p. 33) eficaz no desenvolvimento de
pesquisas em diversas reas do conhecimento, onde h comunicao. A aplicao da
anlise de contedo muito vasta, compreende desde a anlise de documentos aos
objetivos dos investigadores, com variantes nos procedimentos, dependendo do tipo
de comunicao (escrito, como em manuais escolares, livros, cartas, literaturas,
textos jurdicos, panfletos, anncios diversos de revistas, jornais, ordens de servios;
na oralidade, vista em entrevistas, novelas, narrativas de histrias diversas; icnicos
em geral, como em sinalizao de trnsito, cinema, pinturas, cartazes, televiso,
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fotonovelas, a linguagem dos vesturios), enfim, onde possvel identificar que h
uma mensagem por trs de algo escrito, oral ou icnico.
3.1.4 A anlise de contedo na educao
Muitas pesquisas em Educao foram desenvolvidas utilizando a anlise de
contedo como metodologia. Vamos a alguns exemplos:
Esta pesquisa prope-se a analisar a produo acadmica, veiculada em
teses e dissertaes produzidas em universidades pblicas da regio
sudeste, [...]. Para esse empreendimento, adotamos a abordagem
metodolgica qualitativa, de natureza bibliogrfica/documental,
privilegiando a anlise de contedo, uma vez que nossa pesquisa foi
realizada com base em acervo documental (dissertaes e teses)
(SANTOS, 2008, p.