UNIVERSIDADE PARANAENSE CURSO DE DIREITO HARISSON …€¦ · 4.ª A(X) B( ) 5.ª A( ) B( )...
Transcript of UNIVERSIDADE PARANAENSE CURSO DE DIREITO HARISSON …€¦ · 4.ª A(X) B( ) 5.ª A( ) B( )...
1
UNIVERSIDADE PARANAENSE
CURSO DE DIREITO
HARISSON FELIPE DA SILVA
(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO
UMUARAMA
2017
2
HARISSON FELIPE DA SILVA
(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO
Artigo apresentado ao Curso de Direito da
Universidade Paranaense – UNIPAR, como
exigência parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Alessandro Dorigon.
UMUARAMA
2017
3
Autor:
Nome: Harisson Felipe da Silva
Curso: Direito RA: 00166904
CPF: 081.098.579-90 RG: 10.780.502-8
End. Res.: Rua Olímpia, 750, Centro, Maria Helena/PR.
Fone: (044) 98421-5667 E-mail: [email protected]
Professor Orientador:
Nome: Alessandro Dorigon
Titulação: Mestre em Direito
End. Res.: Av. Pres. Castelo Branco, nº 3806, Sala 503, Umuarama-PR
Fone: (44) 3622-2081 E-mail: [email protected]
4
FICHA DE AVALIAÇÃO DO TRABALHO DE CURSO
Critérios: Considerando que a supressão da apresentação oral do Trabalho de Curso (TC)
não significa critérios aleatórios para atribuição da nota pelo Professor Orientador, relaciona-
se as questões de avaliação de acordo com o artigo 18 do Regulamento Geral das
Atividades de Elaboração do Trabalho de Curso do Curso de Graduação em Direito, as
quais deverão servir de parâmetros orientadores para atribuição da nota.
I Etapa - análise do levantamento bibliográfico (mínimo de cinco obras) realizado pelo aluno
em consonância com o tema proposto e discutido com o Professor Orientador, com peso de
até 1,0 (um vírgula zero) na composição da nota final;
II Etapa - linhas gerais do desenvolvimento do trabalho com base no levantamento
bibliográfico, elaboração do Resumo Expandido e apresentação na Mostra de Trabalhos
Científicos do Curso de Direito, com peso de até 3,0 (três vírgula zero) na composição da nota
final;
III Etapa - término do desenvolvimento do trabalho conforme item anterior, com peso de até
2,0 (dois vírgula zero) na composição da nota final;
IV Etapa - introdução e conclusão do trabalho, com peso de até 2,0 (dois vírgula zero) na
composição da nota final;
V Etapa - análise geral do trabalho: conteúdo e apresentação escrita (organização sequencial,
relevância do tema e correção gramatical) do trabalho, de acordo com as normas para
publicação, com peso de até 2,0 (dois vírgula zero) na composição da nota final;
UNIVERSIDADE PARANAENSE Curso de Direito – Umuarama – Unidade - Sede
5
NOTA FINAL DO TC
APROVADO
REPROVADO
TÍTULO DO ARTIGO
(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO
O trabalho será encaminhado para publicação pelo
professor orientador?
SIM
NÃO
ACADÊMICO(A): Harisson Felipe da Silva
R.A. 00166904
SÉRIE/TURMA 4.ª A(X) B( )
5.ª A( ) B( )
PERÍODO Matutino X
Noturno
ORIENTADOR: Alessandro Dorigon
Observação: Todos os campos deste formulário são de preenchimento obrigatório.
Umuarama, 31/10/2017.
Alessandro Dorigon
Professor Orientador
6
Aos meus familiares e namorada,
que me incentivaram e apoiaram
na concretização do trabalho de
curso, e que, consequentemente,
estão juntos comigo na realização
de um sonho, que é a formação
acadêmica.
7
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, por ter proporcionado força para ultrapassar todas as
barreiras para chegar onde estou.
Aos meus pais, irmã e namorada pelo amor e incentivo, os quais foram de grande
importância para a realização e conclusão do presente trabalho.
Ao meu orientador Prof. Me. Alessandro Dorigon pelo suporte imprescindível e
paciência.
À Universidade Paranaense pela oportunidade de concluir o curso.
E a todos os demais que, de alguma maneira, participaram da realização desse
trabalho, o meu muito obrigado.
8
(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a temeridade da decisão do
Superior Tribunal de Justiça que entendeu pela descriminalização do crime de desacato por
estar em desconformidade com o artigo 13 do Pacto São José da Costa Rica. Em síntese, o
crime de desacato está previsto no artigo 331 do Código Penal, o qual atribui a pena de
detenção de seis meses a um ano para qualquer pessoa que desacatar funcionário público no
exercício da função ou em razão dela. Para a Corte Superior, esse artigo fere o Princípio da
Liberdade de Expressão, previsto tanto no ordenamento jurídico como na Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário
desde 1994. O referido artigo do Diploma Internacional menciona que toda pessoa tem o
direito à liberdade de pensamento e de expressão. A Comissão Interamericana de Direitos
Humanos recomendou aos Estados-Membros, cujo sistema jurídico exista a tipificação do
crime de desacato ou semelhantes, que procedam a revogação ou reforma, a fim de adaptar
aos instrumentos internacionais. Entretanto, é evidente que a tese defendida pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e Superior Tribunal de Justiça não possui suporte
jurídico, haja vista que da mesma forma que a liberdade de pensamento e de expressão, a
honra e a dignidade humana são direitos tutelados pela Carta Maior. Assim, diante do
Princípio da Proporcionalidade, a preservação da honra e imagem predominam a liberdade de
expressão. É evidente que se o referido entendimento do Tribunal Superior adquirir o efeito
erga omnes, a ordem pública estará em jogo, pois, inegavelmente, trará prejuízos ao
desempenho da atividade administrativa e danos graves ao andamento da Administração.
PALAVRAS-CHAVE: Desacato. Direitos. Princípios. Liberdade de Expressão. Liberdade de
Pensamento.
(UN) CONSTITUTIONALITY OF THE CONTEMPT CRIME
ABSTRACT: This article aims to demonstrate the temerity of the decision issued by the
Brazilian Superior Court of Justice that has understood for the decriminalization of the
contempt crime for not being accordingly to article 13 of the Pact of San José, Costa Rica. In
short, the mentioned crime is provided in article 331 of Brazilian Penal Code, which has
attributed the penalty of imprisonment from six months to a year for any person who
contempt a civil servant when he/she is in function or because of it. For the Superior Court,
this article is against the Freedom of Expression Principle, provided in the legal order and in
the American Convention on Human Rights (Pact of San José, Costa Rica), the one in which
Brazil is signatory since 1994. The referred article of the International Diplomas mentions
that every single person has the right to freedom of thought and expression. The Inter-
American Commission on Human Rights has recommended to the Member-States, whose
legal system has the typification of contempt crime or similar, to revoke or reform that,
adapting it to the international tools. However, it is evident that the thesis defended by the
Commission and the Superior Court of Justice does not have legal support, once it determines
that freedom of expression and thought, honor and human dignity are protected by the
Constitution. Thus, before the Principle of Proportionality, the preservation of honor and
image predominate the freedom of expression. It is evident that the mentioned understanding
of the Superior Court to acquire the erga omnes effects, the public order will be at stake
because it will bring undeniably damages to the performance of the administrative activity
and serious damages to the development of the Administration.
KEYWORDS: Contempt. Rights. Principles. Freedom of Expression. Freedom of Thought.
1
1 INTRODUÇÃO
No final do ano de 2016, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no
sentido de que o crime de desacato seria incompatível com a Convenção Americana de
Direitos Humanos, também conhecida como Pacto São José da Costa Rica, da qual o Brasil é
signatário desde 1992.
A decisão foi dada em um processo em que o agente subtraiu para si, mediante grave
ameaça, uma garrafa de conhaque. Diante do fato, a polícia foi acionada e ao chegarem ao
local, o agente, por intermédio de gestos e palavras, cometeu o crime de desacato.
Em síntese, o Ministro Ribeiro Dantas usou como fundamento que o dispositivo
previsto no Código Penal Brasileiro atacaria o direito à liberdade de expressão e pensamento
prevista tanto no artigo 13 do Pacto como na Constituição Federal de 1988.
Outrossim, o Ministro menciona que o desacato traria certa desigualdade entre o
particular e o funcionário público, o que é inaceitável em um Estado Democrático de Direito.
Data venia, evidente que a decisão é temerária, no sentido de que deixou de analisar
os requisitos essenciais para existência do delito de desacato.
2
2 DO CRIME DE DESACATO
2.1 Conceito e objeto jurídico
Trata-se de disposto previsto no capítulo II do Código Penal, nominado “Dos crimes
cometidos por particulares contra a administração pública”, tipificado no artigo 331, o qual
dispõe, in verbis: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”
(BRASIL, 1940).
Sobre o dispositivo em tela, conceitua o jurista Fernando Capez (2012, p. 01):
Tutela-se mais uma vez a dignidade, o prestígio, o respeito devidos à função
pública31, de modo a possibilitar o regular exercício da atividade administrativa.
Sabemos que o funcionário público representa a vontade estatal. Para que dê fiel
execução aos atos funcionais, é necessário que o prestígio e a autoridade da função
pública sejam resguardados. Qualquer ato de violência ou qualquer ato ultrajante
praticado contra o funcionário público prejudica o regular andamento da própria
Administração Pública, de forma que, se não houvesse essa proteção legal,
prejudicado estaria o desempenho da atividade administrativa.
No mesmo entendimento, Cleber Masson (2017, p. 1.182-1.183) explica:
O bem jurídico penalmente protegido é a Administração Pública, especialmente no
tocante ao desempenho normal, à dignidade e ao prestígio da função exercida em
nome do Estado. Secundariamente, também se resguarda a honra do funcionário
público.
Ou seja, o tipo penal in comento almeja diretamente a proteção do prestígio da
administração pública e, indiretamente, a honra do funcionário público.
Trata-se também de um delito doloso, no qual o agente busca o resultado, conhecido
como dolo direito, ou assume o risco de produzir o crime (dolo eventual); de forma livre,
pode ser executado de qualquer forma ou meio; comissivo, “nada mais é que a realização
(ação) de uma conduta desvaliosa proibida pelo tipo penal incriminador. Viola um tipo
proibitivo.” (CUNHA, 2015, p. 164). No entanto, pode ser praticado via omissão imprópria,
nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal (BRASIL, 1940); instantâneo, segundo Rogério
Sanches Cunha (2015, p. 161) “aquele que se consuma em momento determinado
(consumação imediata), sem qualquer prolongação”; monossubjetivo, é o caso de crime que
há possibilidade de ser cometido por um indivíduo ou vários outros, configurando o concurso
eventual de agentes; unissubsistente ou plurissubsistente, pode ser um quanto o outro. No
3
tocante à forma unissubsistente, tem-se que a conduta no momento de cometer o delito não
pode ser fracionada, ou seja, conclui-se em apenas um ato. Já no caso plurissubsistente, tem-
se que deve ser analisado no caso concreto, verificando-se a possibilidade ou não do
fracionamento do iter criminis; e, por fim, transeunte, aquele crime que não deixa vestígios.
2.2 Sujeitos do crime
2.2.1 Sujeito ativo (agente).
O crime é considerado comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa, até
mesmo por funcionários públicos, consoante entendimento consolidado pela Sexta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2009):
PENAL E PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME DE DESACATO
PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA OUTRAS PESSOAS
NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA – POSSIBILIDADE. NULIDADE POR
SER DADA VISTA À ACUSAÇÃO APÓS A RESPOSTA DEFENSIVA –
DEFESA QUE FOI OUVIDA EM SEGUIDA – CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA GARANTIDOS – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – NULIDADE NÃO
DECLARADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE –
INDÍCIOS DE AUTORIA E DA EXISTÊNCIA DO CRIME – FIGURA TÍPICA –
INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. ORDEM
DENEGADA.
É possível a prática do crime de desacato por funcionário público contra pessoa no
exercício de função pública, pois se trata de crime comum em que a vítima imediata
é o Estado e a mediata aquela que está sendo ofendida.
Quando é dada vista ao Ministério Público, ainda que sem previsão legal, mas, logo
em seguida, é ouvida a defesa, garantidos estão o contraditório e a ampla defesa, não
ocorrendo qualquer prejuízo que enseje declaração de nulidade.
Só se tranca uma ação penal quando, de plano, se verifica a ausência de provas da
existência do crime, indícios da autoria, atipicidade da conduta ou uma causa
extintiva da punibilidade.
Ordem denegada.
Outrora, o Estatuto da Advocacia em seu artigo 7º, § 2º (BRASIL, 1994), previa a
imunidade do advogado, no pleno exercício da advocacia em relação aos crimes de difamação
(art. 139, CP), injúria (art. 140, CP) e desacato (art. 331, CP). Todavia, o mencionado
dispositivo legal foi alvejado por críticas e Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Uma das
ações foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB – a qual obteve êxito
com a declaração de inconstitucionalidade da expressão “desacato” do texto normativo
(BRASIL, 2006).
4
2.2.2 Sujeito passivo (ofendido)
Tanto o Estado como o funcionário público são vítimas desse delito, aquele de
maneira direta e este de modo indireto. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha (2015, p. 777)
leciona que: “Não apenas o Estado, mas também o servidor ofendido será vítima (secundária)
do crime de desacato, vez que maculado na sua honra profissional”. E continua: “Lembramos,
porém, que funcionário público vítima é somente aquele assim considerado pelo art. 327,
caput, do CP, não abrangendo o equiparado” (CUNHA, 2015, p. 777).
Em relação funcionário, passa-se ao item abaixo.
2.2.2.1 Funcionário público
Diferentemente do previsto no Direito Administrativo, no qual a caracterização do
funcionário público é, em regra, dividida em funcionários públicos, empregados públicos,
servidores ocupantes de cargo em comissão e servidores temporários, a ciência criminal
seguiu entendimento dispondo conceito mais amplo e unitário de funcionário público,
consoante prevê o artigo 327, § 1º do Código Penal (BRASIL, 1940):
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em
entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada
ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
Verifica-se com a breve leitura do artigo que, para fins criminais, o funcionário é todo
aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, ainda que de forma transitória.
Observa-se, ainda, que o § 1º (BRASIL, 1940) equipara a funcionário público quem
exerce cargo, função ou emprego em entidade paraestatal (sociedades de economia mista,
fundações instituídas pelo Poder Público, autarquia e empresas públicas) e, também, para
empresa prestadora de serviços contratada (concessionárias) ou conveniada para execução de
atividade típica da administração.
2.3 Conduta
5
O desacato consiste em:
[...] no emprego de violência (lesões corporais ou vias de fato), na utilização de
gestos ofensivos, no uso de expressões caluniosas, difamantes ou injuriosas, enfim,
todo ato que desprestigie, humilhe o funcionário, de forma a ofender a dignidade, o
prestígio e o decoro da função pública. (CAPEZ, 2015, p. 521).
Todavia, para que esse crime ocorra, “faz-se necessária a presença do funcionário
público, não se exigindo, contudo, seja a ofensa proferida face a face bastando que, de alguma
forma, possa escutá-la, presenciá-la, enfim, que seja por ele percebida” (GRECO, 2017, p.
01).
Percebe-se que não há a configuração do crime de desacato quando a ofensa é
proferida na ausência do funcionário público, ou por via telefônica, ou até mesmo pela
imprensa. Nesses referidos casos, o ofensor responderá pelos crimes contra honra, previstos
nos artigos 138, 139 e 140, com a majorante prevista no artigo 141, II, todos do Código Penal.
E, em algumas situações, haverá a responsabilização pelo delito de ameaça, descrito no artigo
147 do Código Penal (BRASIL, 1940).
É nesse sentido que o Superior Tribunal (BRASIL, 2000) decidiu da seguinte forma:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA.
FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. AÇÃO PÚBLICA
CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. ART. 145, PARÁGRAFO ÚNICO,
CÓDIGO PENAL. FORMALIDADE. DEFESA (SÚMULA Nº 523-STF). PENA
ALTERNATIVA. REFORMATIO IN PEJUS. AUSÊNCIA. I - O art. 145,
parágrafo único, do Código Penal, prevê que nos casos de crimes contra a honra,
estes cometidos contra funcionário público em razão das suas funções, procede-se
mediante representação do ofendido. II - A representação dispensa requisitos
formais específicos, bastando a demonstração inequívoca da intenção de ver
deflagrada a persecução penal (RT 627/365). III - Se, em exame próprio da via de
habeas corpus, não se vislumbra, de pronto, sequer a deficiência concreta da defesa,
incabível anular-se o feito por falta de assistência profissional para o paciente. IV -
Embora se refira a "penas alternativas", não se pode concluir que a sentença tenha
facultado ao réu escolher qual das duas penas restritivas de direitos iria cumprir.
Writ indeferido
O professor Rogério Sanches Cunha (2015, p. 778) leciona que:
É pressuposto do crime que a ofensa seja praticada na presença do servidor vítima,
isto é, que o ofendido esteja no local do ultraje, vendo, ouvindo ou de qualquer outro
modo tomando conhecimento direto do que foi dito. Assim, deixa de haver desacato
(mas apenas delito contra a honra) insulto por telefone (RT 377/238); imprensa (RT
429/352); por escrito, em Razões de recurso (RT 534/324) etc.
6
Não se pode olvidar também que para caracterização do delito de desacato, as ofensas
devem ser proferidas em desfavor do funcionário público in officio (no exercício da função)
ou propter officium (em razão dela), ou seja, o dolo de profanar tem que ter ligação com as
funções exercidas e, diretamente, atinjam a administração pública.
É mister ressaltar que independe do local no qual o funcionário público se encontra in
officio, ou seja, um delegado de polícia e um promotor de justiça não são achincalhados
apenas nas dependências da delegacia ou do fórum.
Além disso, o funcionário público não precisa estar necessariamente em exercício da
função para ser desacatado, basta que a ofensa seja dirigida propter officium, podendo, usando
as mesmas autoridades citadas acima, o delegado de polícia ou o promotor de justiça serem
desacatados em uma reunião de condomínio ou em uma panificadora.
2.4 Ação penal
Trata-se de uma ação penal de iniciativa pública incondicionada, a qual tem como
titular o Ministério Público (CPP, art. 24; CP, art. 100; CF, art. 129, I). A título de exceção,
temos os casos comentados acima, nos quais o funcionário público não está presença no
momento do ultraje. Neste caso, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 145 do Código
Penal (BRASIL, 1940), será mediante representação do ofendido.
Diante da pena de detenção de 6 (seis) a 1 (um) anos, a competência para julgar a
causa é do Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95).
Destarte, é cabível ao crime todas as medidas de benefício para o infrator dispostas em
Lei, tais como a suspensão condicional do processo, bem como a transação penal.
Com relação à suspensão condicional do processo, tem-se que é cabível, haja vista que
a pena mínima atribuída a este crime é inferior a um ano, devendo a mencionada medida ser
oferecida pelo Ministério Público pelo prazo de no mínimo dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja respondendo outro procedimento ou não tenha sido condenado por outro
crime, consoante dispõe o artigo 89, caput, da Lei dos Juizados Especiais - 9.099/95
(BRASIL, 1995).
Já no instituto da transação penal, observa-se que é cabível pelo fato de o desacato ser
um crime de ação penal pública incondicionada, podendo, neste caso, o Ministério Público
propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, conforme mencionado.
7
3 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO SAN JOSÉ DA
COSTA RICA)
Tem-se que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos desde
1992, vindo a adentrar no ordenamento jurídico brasileiro a partir do Decreto Lei 678/1992,
ainda no mandato de Fernando Henrique Cardoso como Ministro das Relações Internacionais.
Com a vinda da Emenda 45/2004, todos os diplomas internacionais ratificados
anteriormente a ela, ou seja, que não passaram por um rito especial previsto no artigo 5º, § 3º,
da Constituição Federal, possuem caráter supralegal, que, em regra, tem um efeito paralisando
em relação às outras normas do ordenamento jurídico, com exceção da Carta Maior.
Necessário faz-se trazer ao estudo os precedentes que concluíram pelo caráter
supralegal conferido aos Diplomas Internacionais ratificados pelo Brasil relacionados aos
Direitos Humanos. Veja-se a ementa do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2009) e do
Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2009), respectivamente:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO
DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO
DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NOVEL POSICIONAMENTO
ADOTADO PELA SUPREMA CORTE. 1. A Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em seu art. 7º, § 7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a
hipótese do devedor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre
direcionou-se no sentido da constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da Carta de 1.988,
o qual prevê expressamente a prisão do depositário infiel. Isto em razão de o referido
tratado internacional ter ingressado em nosso ordenamento jurídico na qualidade de
norma infraconstitucional, porquanto, com a promulgação da constituição de 1.988,
inadmissível o seu recebimento com força de emenda constitucional. Nesse sentido
confiram-se os seguintes julgados da Suprema Corte: RE 253071 - GO, Relator
Ministro MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 29 de junho de 2.006 e RE
206.482 - SP, Relator Ministro MAURICIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ de 05 de
setembro de 2.003. 2. A edição da EC 45/2.004 acresceu ao art. 5º da CF/1.988 o §
3º, dispondo que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados , em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais", inaugurando novo panorama nos acordos internacionais relativos a
direitos humanos em território nacional. 3. Deveras, "a ratificação, pelo Brasil, sem
qualquer reserva do pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica,
(art , 7º, 7), ambos do ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do
depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre
direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando
abaixo da constituição, porém acima da legislação infraconstitucional com ele
conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o
art. 1.287 do Código civil de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em
relação ao art. 652 do novo Código Civil (Lei 10.406/2002)." (voto proferido pelo
Ministro GILMAR MENDES, na sessão de julgamento do Plenário da Suprema
Corte em 22 de novembro de 2.006, relativo ao Recurso Extraordinário n.º 466.343 -
SP, da relatoria do Ministro CEZAR PELUSO). 4. A Constituição da Republica
Federativa do Brasil, de índole pós-positivista, e fundamento de todo o ordenamento
8
jurídico, expressa, como vontade popular, que a República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu
ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. 5. O Pretório Excelso,
realizando interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu
considerável mudança acerca do tema em foco, assegurando os valores supremos do
texto magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico julgamento
do Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, Relator MIn. Cezar Peluso, reconheceu
que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária,
ostentando status normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica
às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída
de validade, máxime em face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação
às normas infra-legais autorizadoras da custódia do depositário infiel. Isso significa
dizer que, no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de
Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do
direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da
regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas
de invalidade. 6. No mesmo sentido, recentíssimo precedente do Supremo Tribunal
Federal, verbis: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO
JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA
INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU
CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE
JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL,
AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no
sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária,
independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário
(convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial.
Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS
DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO
BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante
dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção
dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e
as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º).
Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos
no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de
supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui
hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos
humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE
MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos
informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação
judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da
Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder
Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso
compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências,
necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e
políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade
contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS
FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO
DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua
atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de
direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como
aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos),
consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa
humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder
Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais
favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se
9
acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima
eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de
direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais,
notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos
direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o
respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do
Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra
mais favorável à proteção efetiva do ser humano. (HC 96772, Relator (a): Min.
CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, PUBLIC 21-08-
2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811) 7. Precedentes do RHC 26.120/SP">STJ:
RHC 26.120/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 15/10/2009; HC 139.812/RS, Rel. Ministro
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe
14/09/2009; AgRg no Ag 1135369/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 28/09/2009; RHC
25.071/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe
14/10/2009; EDcl no REsp 755.479/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 11/05/2009; REsp 792.020/RS,
Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe
19/02/2009; HC 96.180/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 18/12/2008, DJe 09/02/2009) 8. Recurso especial desprovido. Acórdão
submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da
medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão
constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º,
2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE
nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário
infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.
Verifica-se que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça usou como fundamento o
artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH, alegando que o crime de
desacato infringe os limites da liberdade de expressão disposto no mencionado artigo, que
assim dispõe:
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito
compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda
natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma
impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura
prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela
lei e ser necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o
abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências
radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem
por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e
opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo
exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência,
10
sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da
guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)
Ademais, como outro fundamento, o Superior Tribunal de Justiça usou o relatório de
1995 elaborado pela Comissão Interamericana de Direito Humanos – CIDH, o qual, em
síntese, menciona que as leis de desprezo (crime de desacato) tornam o homem (funcionário
público) em uma pessoa intocável.
Veja-se:
Cualesquiera sean las consecuencias de acciones basadas en una determinada
ideología [...] y cualquiera sea el juicio de valor que merezca ese tipo de ideas,
resulta claro que las ideologías no se pueden erradicar como se elimina una
enfermedad epidémica o un vicio social grave, si se quiere que sobrevivan los
principios básicos de un sistema democrático representativo de gobierno... Es
inadmisible que, por el mero hecho de sostener o difundir una determinada
ideología, el hombre se transforme en una especie de "intocable", a quien se
considera legítimo negar...la libre expresión de su pensamiento y enviarlo a la
cárcel1 (OEA, 1995).
Destarte, entretanto, veja-se que mesmo com todos os fundamentos presentes na
mencionada decisão há de se falar que se trata de uma decisão temerária, consoante
fundamentos abaixo explanados.
1 Quaisquer que sejam as consequências de ações com base em uma ideologia particular [...] e qualquer que seja
o juízo de valor digno de tais ideias, é claro que as ideologias não pode ser erradicada como uma epidemia da
doença ou um vício social grave é eliminado Se você quiser sobreviver os princípios básicos de um sistema
democrático representativo de governo. Ele é inaceitável que, por uma questão de manter ou propagar uma
ideologia particular, o homem torna-se uma espécie de "intocável", que é considerada legítima para negar ... a
livre expressão do pensamento e enviá-lo para a cadeia.
11
4 DAS RAZÕES DA TEMERIDADE
In initio, é mister transcrever a emenda gerada com a decisão da 5ª Turma do Superior
Tribunal (BRASIL, 2016), a qual decidiu pela descriminalização do crime de desacato, ex vi:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,
DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO
DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.
SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356
DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o
Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,
ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto
litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e
1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo
Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do
princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou
grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para
o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado
malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o
veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo
Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para
suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,
c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de
outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou
limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de
4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do
art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro
LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no
Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos
humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda
lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos
humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no
plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,
em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à
liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido
contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A
adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo
Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,
por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não
invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,
até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v.
Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São
José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas
internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei
veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na
verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica
do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula
mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as
12
leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões
consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível
de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos
princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a
transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,
sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos
fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais
adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,
composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e
a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -
personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo
em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre
funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida
capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de
expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a
CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo
abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação
criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de
outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso
na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso
especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a
condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).
Deste modo, passa-se a expor os fundamentos em razão da declaração de
incompatibilidade do delito de desacato com o direito à liberdade de expressão e pensamento.
4.1 Crime comum
Como visto anteriormente, é pacífico o entendimento, tanto na jurisprudência como na
doutrina, que qualquer pessoa pode cometer o crime de desacato, seja particular ou
funcionário público. Assim, não há se falar em glorificação do funcionário, sendo que este
está propício a cometer o referido delito.
4.2 Competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH
Outrossim, consoante o disposto no artigo 41 do Pacto de São José da Costa Rica
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969), a CIDH tem como principal
função a defesa dos direitos humanos. E, para tanto, possui as seguintes atribuições:
a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América;
b. formular recomendações aos governos dos Estados membros, quando o
considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos
direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais,
bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos;
13
c. preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o
desempenho de suas funções;
d. solicitar aos governos dos Estados membros que lhe proporcionem
informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;
e. atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos
Estados Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões
relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o
assessoramento que eles lhe solicitarem;
f. atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua
autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e
g. apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados
Americanos.
Como pode ser verificado, os relatórios elaborados pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos não possuem qualquer caráter decisório, razão pela qual não existe
obrigatoriedade em segui-los.
4.3 Possibilidade de existência de normas para responsabilização ulterior
Não obstante, o próprio artigo 13, a e b, da Convenção Americana de Direitos
Humanos (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969) dispõe o direito à
Liberdade de Expressão:
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
[...]
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura
prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela
lei e ser necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas.
[...] (original sem grifo)
Destarte, o próprio dispositivo usado como fundamento da decisão também menciona
que poderão existir normas que responsabilizem os agentes que ultrapassem os limites do
mencionado direito, e para assegurar a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da
moral e saúde públicas, bem como a reputação dos demais indivíduos.
Portanto, de acordo com o já exposto, tem-se que o delito do desacato tem como
objetivo direto a proteção do prestígio da administração pública, o que engloba o as situações
do item b e, indiretamente, a honra do funcionário público, aglomerando-se a circunstância do
item a, lembrando que o tipo penal leciona que o funcionário público deva estar no exercício
da função ou em razão dela.
14
4.4 Direito não absoluto
Inegavelmente que a liberdade de expressão e pensamento não é direito absoluto, até
porque nenhum direito pode ser considerado absoluto. Nesse sentido, leciona Daniel
Sarmento (2014, p. 257) que “A liberdade de expressão não constitui um direito absoluto. De
acordo com o famoso exemplo invocado pelo juiz norte-americano Oliver Wendell Holmes,
esta liberdade não vai ao ponto de proteger a pessoa que grita ‘fogo!’ no interior de um
cinema lotado.”
No exemplo, observa-se que o exercício do mencionado direito entra em conflitos com
outros direitos fundamentais ou bens jurídicos coletivos que são tutelados pela Constituição
Federal.
Em relação ao referido conflito, Sarmento (2014, p. 257) leciona que “devem ser
equacionados mediante uma ponderação de interesses, informada pelo princípio da
proporcionalidade, e atenta às peculiaridades de cada caso concreto.” E o continua: “Na
resolução destas colisões, deve-se partir da premissa de que a liberdade de expressão situa-se
num elevado patamar axiológico na ordem constitucional brasileira, em razão da sua
importância para a dignidade humana e a democracia” (SARMENTO, 2014, p. 257).
Verifica-se pelo ensinamento do Jurista que o direito de se expressar é fundamental
para garantir a dignidade humana e a democracia, todavia, poderá aquele direito ser
restringido quando se visa a proteção de outros direitos fundamentais, os quais possuem a
mesma relevância constitucional, com base no Princípio da Proporcionalidade.
É mister trazer ao caso a decisão do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2003) em
julgamento que ficou famoso por sua polêmica, no qual o tribunal decidiu que a dignidade da
pessoa humana prevaleceria sobre a liberdade de expressão e pensamento, senão vejamos pela
ementa abaixo transcrita:
HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO.
RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA
CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM
DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de
idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei
7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo
sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).
2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são
uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a
exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça
15
humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma
humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela
segmentação da pelé, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras
características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há
diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça
e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de
conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que,
por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do
núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam
raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características
suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os
padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo
contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático.
Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos
princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na
respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio
social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal
por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento
infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos
multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí
compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas
de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na
pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia,
"negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988
impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da
ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei
memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8.
Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos,
sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-
constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição
Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que
regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da
norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países
organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente
adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem
segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara
dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos
que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as
regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de
racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas,
que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime
nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o
holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo
judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista,
reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita
conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na
equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso,
um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação
que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus,
que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o
acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem
como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode
abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam
ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem
ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria
Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de
liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um
direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como
sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da
pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a
16
imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a
memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o
esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente
respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais
podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos
do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de
torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se
como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a
reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e
histórica não mais admitem. Ordem denegada.
Já em relação ao conflito da liberdade de expressão com o direito à honra, Daniel
Sarmento (2014, p. 257-258) traz como um dos critérios mínimos para solução dessas
colisões as manifestações agressivas e irônicas: “Embora manifestações agressivas ou irônicas
também estejam compreendidas ao âmbito da proteção da liberdade de expressão, estas
costumam impor um dano maior ao direito à honra, nem sempre constitucionalmente
justificado.”
Trazendo-se o ensinamento acima, tem-se que o desacato possui tipificação legal a fim
de evitar que o exercício extrapolado de um direito cause um dano maior à honra. Há pessoas
que abusam desse direito fundamental, utilizando-o com o intuito de achincalhar,
menosprezar, humilhar o funcionário público.
Destarte, levando-se em consideração a fundamentação acima, fica evidente que ao
analisar-se o conflito que o direito à liberdade de expressão e pensamento causam em relação
à honra e dignidade da pessoa humana, estes prevalecem o Princípio da Proporcionalidade.
4.5 Impossibilidade de aplicação dos crimes contra honra
A decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trouxe em um de seus
fundamentos a responsabilização ulterior dos agentes que incidem no delito de desacato. Para
tanto, mencionou a existência dos crimes contra honra, aplicando-se a majorante por ser
funcionário público, descrita no artigo 141, inciso II, o Código Penal (BRASIL, 1940).
Todavia, ousa-se descordar, haja vista que o crime de desacato objetiva diretamente a
proteção do prestígio da administração pública e indiretamente a proteção à honra do
funcionário público.
Ao contrário disso, ou seja, realizando a descriminalização do desacato e aplicando os
crimes contra honra, haveria uma inversão das vítimas, passando o funcionário público a ser a
vítima direta dos crimes contra honra e a mesma inversão ocorreria com a administração
17
pública, razão pela qual seria inviável a aplicação dos crimes contra honra nesse caso.
4.6 Decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça
Em 24 de maio de 2017, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu
que não haveria a possibilidade de aplicação do disposto tanto no artigo 13 da Convenção
Americana de Direitos Humanos como no relatório da Comissão Interamericana de Direito
Humanos, ou seja, entendeu que o desacato continua sendo crime. E com essa decisão, deu-se
origem à ementa abaixo reproduzida:
HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO DO ART.
306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO E DOS ARTS. 330 E 331 DO CÓDIGO
PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO
DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
(PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA
ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE
DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH).
AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE
HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO
AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO.
PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO
PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO
NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME
DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS
EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL.
INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO TÃO
LOGO QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. WRIT NÃO
CONHECIDO. 1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo
promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar
com observância obrigatória e integral do Estado. 2. Quanto à natureza jurídica das
regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de
que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto,
sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status
de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais
normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta.
Precedentes. 3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as
funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter
decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que
a CIDH não possui função jurisdicional. 4. A Corte Internacional de Direitos
Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é
a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu
respectivo Estatuto. 5. As deliberações internacionais de direitos humanos
decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem
resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira
revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter "moral",
podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos,
porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos
direitos humanos. 6. Com efeito, as recomendações expedidas pela CIDH não
18
possuem força vinculante, mas tão somente "poder de embaraço" ou "mobilização
da vergonha". 7. Embora a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já tenha
se pronunciado sobre o tema "leis de desacato", não há precedente da Corte
relacionada ao crime de desacato atrelado ao Brasil. 8. Ademais, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos se posicionou acerca da liberdade de
expressão, rechaçando tratar-se de direito absoluto, como demonstrado no Marco
Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. 9. Teste tripartite.
Exige-se o preenchimento cumulativo de específicas condições emanadas do art.
13.2. da CADH, para que se admita eventual restrição do direito à liberdade de
expressão. Em se tratando de limitação oriunda da norma penal, soma-se a este rol a
estrita observância do princípio da legalidade. 10. Os vetores de hermenêutica dos
Direitos tutelados na CADH encontram assento no art. 29 do Pacto de São José da
Costa Rica, ao passo que o alcance das restrições se situa no dispositivo
subsequente. Sob o prisma de ambos instrumentos de interpretação, não se
vislumbra qualquer transgressão do Direito à Liberdade de Expressão pelo teor do
art. 331 do Código Penal. 11. Norma que incorpora o preenchimento de todos os
requisitos exigidos para que se admita a restrição ao direito de liberdade de
expressão, tendo em vista que, além ser objeto de previsão legal com acepção
precisa e clara, revela-se essencial, proporcional e idônea a resguardar a moral
pública e, por conseguinte, a própria ordem pública. 12. A CIDH e a Corte
Interamericana têm perfilhado o entendimento de que o exercício dos direitos
humanos deve ser feito em respeito aos demais direitos, de modo que, no processo
de harmonização, o Estado desempenha um papel crucial mediante o
estabelecimento das responsabilidades ulteriores necessárias para alcançar tal
equilíbrio exercendo o juízo de entre a liberdade de expressão manifestada e o
direito eventualmente em conflito. 13. Controle de convencionalidade, que, na
espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de acordo com a doutrina,
"compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu,
vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo
Estado e em vigor no território nacional." 14. Para que a produção normativa
doméstica possa ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla
compatibilidade vertical material. 15. Ainda que existisse decisão da Corte (IDH)
sobre a preservação dos direitos humanos, essa circunstância, por si só, não seria
suficiente a elidir a deliberação do Brasil acerca da aplicação de eventual julgado no
seu âmbito doméstico, tudo isso por força da soberania que é inerente ao Estado.
Aplicação da Teoria da Margem de Apreciação Nacional (margin of appreciation).
16. O desacato é especial forma de injúria, caracterizado como uma ofensa à honra e
ao prestígio dos órgãos que integram a Administração Pública. Apontamentos da
doutrina alienígena. 17. O processo de circunspeção evolutiva da norma penal teve
por fim seu efetivo e concreto ajuste à proteção da condição de funcionário público
e, por via reflexa, em seu maior espectro, a honra lato sensu da Administração
Pública. 18. Preenchimento das condições antevistas no art. 13.2. do Pacto de São
José da Costa Rica, de modo a acolher, de forma patente e em sua plenitude, a
incolumidade do crime de desacato pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos em
que entalhado no art. 331 do Código Penal. 19. Voltando-se às nuances que deram
ensejo à impetração, deve ser mantido o acórdão vergastado em sua integralidade,
visto que inaplicável o princípio da consunção tão logo quando do recebimento da
denúncia, considerando que os delitos apontados foram, primo ictu oculi, violadores
de tipos penais distintos e originários de condutas autônomas. 20. Habeas Corpus
não conhecido. (BRASIL, 2017).
É válido ressaltar que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é formada pela
junção da quinta e sexta turmas, as quais têm competência para matéria penal, como por
exemplo, crimes em geral, federalização de crimes contra direitos humanos etc.
Pelo fato de o Tribunal Superior ser competente para exercer o controle de
convencionalidade, o desacato continua sendo considerado típico, antijurídico e culpável.
19
5 CONCLUSÃO
Diante do demonstrado no trabalho, conclui-se que, data venia, existe temeridade na
decisão proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, haja vista que com a
tipificação do delito já se observa agressões com destinatário os funcionários públicos,
obviamente que sem ela a situação seria bem pior.
Ademais, pelo que foi demonstrado, da mesma maneira que a liberdade de expressão e
pensamento, a honra e a dignidade da pessoa humana também são direitos fundamentais
tutelados pela Carta Magna. Destarte, diante do Princípio da Proporcionalidade, tem-se que a
preservação da honra e da dignidade da pessoa humana prevalecem sobre a liberdade de
expressão.
Outrossim, o crime de desacato é considerado comum, ou seja, qualquer pessoa pode
cometer, até mesmo o funcionário público, consoante decisões do Superior Tribunal de
Justiça, logo, não há se falar em personificação da vítima indireta do delito. E inegavelmente
que a aplicação dos crimes contra honra para a responsabilização ulterior dos agentes não é o
mais adequado para o caso, uma vez que ocorrerá a inversão das vítimas, passando o
funcionário público figurar como vítima direta e a administração pública com vítima direta.
Evidentemente que com a aplicação do entendimento pela descriminalização do
desacato virão diversos prejuízos, tais como danos graves e irreversíveis ao desempenho da
atividade administrativa, colocando-se em jogo a ordem pública.
Todavia, com a vinda da decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
tem-se que o delito em comento continua sendo típico, antijurídico e culpável.
20
6 REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1127/DF, Rel.
Marco Aurélio, 17.05.2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo427.htm>. Acesso em: 15
jul. 2017.
______. Decreto-Lei no 2.848, de 07.12.1940. Institui o Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 12.946/MG, Rel. Felix Fischer,
05.09.2000. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8939460/habeas-
corpus-hc-69552-pr-2006-0241993-5/inteiro-teor-14107951>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 82.424/RS, Rel. Moreira Alves,
17.09.2003. Disponível em:
<http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfJurisprud
encia_pt_br&idConteudo=185077&modo=cms>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 104.921/SP, Rel. Jane Silva,
21.05.2009. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8733937/habeas-
corpus-hc-89530-sp-2007-0203413-0>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 379.269/MS, Rel. Reynaldo Soares
da Fonseca, 24.05.2017. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/474450253/habeas-corpus-hc-379269-ms-2016-
0303542-3/inteiro-teor-474450262>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Lei no 8.906, de 04.07.1994. Institui o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8906.htm>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 914.253/SP, Rel. Luiz Fux,
02.12.2009. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8606935/recurso-
especial-resp-914253-sp-2006-0283913-8/inteiro-teor-13677531>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.640.084/SP, Rel. Ribeiro
Dantas, 15.12.2016. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/424970279/recurso-especial-resp-1640084-sp-
2016-0032106-0/inteiro-teor-424970313>. Acesso em: 15 jul. 2017.
_______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466.343/SP, Rel. Cezar
Peluso, 03.12.2008. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444>. Acesso em:
15 jul. 2017.
CAPEZ, F. Curso de direito penal: parte especial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 3.
CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
21
_______. Manual de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017 v.
3.
MASSON, C. R. Código Penal Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2014.
OEA. Organização dos Estados Americanos. Capítulo V: Informe sobre la compatibilidade
entre las leyes de desacato y la convencion americana sobre derechos humanos Disponível
em: <http://cidh.oas.org/annualrep/94span/cap.V.htm#_ftn3>. Acesso em: 16 set. 2017.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos
Humanos: Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.
Acesso em: 15 out. 2017.
SARMENTO, D. Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J. J. G.; MENDES, G. F.;
SARLET, I. W.; STRECK, L. L. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva/ Almedina, 2013. p. 257-258.