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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCACcedilAtildeO
TESE DE DOUTORADO
VISITAS DE ESTUDANTES A MUSEUS FORMACcedilAtildeO HISTOacuteRICA PATRIMOcircNIO E
MEMOacuteRIA
Autora Elizabeth Aparecida Duque Seabra
Orientadora Profa Dra Ernesta Zamboni
Tese de Doutorado apresentada agrave Comissatildeo de Poacutes-graduaccedilatildeo da Faculdade de
Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo na aacuterea de concentraccedilatildeo de Educaccedilatildeo
Conhecimento Linguagem e Arte
Campinas
2012
ii
iii
iv
Elton e Teresa
todo o amor que houver nessa vida
v
AGRADECIMENTOS
Agrave professora Ernesta Zamboni pela felicidade de ser sua orientanda participar de seu grupo
de pesquisa e de seu conviacutevio Pela dedicaccedilatildeo com a qual conduz o trabalho acadecircmico e o
cuidado com o ensino de histoacuteria
Agraves professoras do grupo Memoacuteria Maria do Carmo Martins Maria Carolina Boveacuterio
Galzerani Heloiacutesa Helena Pimenta Rocha e Vera Luacutecia Sabongi De Rossi com as quais tive o
prazer de compartilhar minha formaccedilatildeo na Unicamp Agrave professora Cristiani Bereta e ao professor
Miacutelton Joseacute de Almeida pela leitura e indicaccedilotildees quando do exame de qualificaccedilatildeo Agrave professora
Simone Maria Rocha e ao professor Julio Emiacutelio Pereira Diniz que me possibilitaram ampliar as
leituras teoacutericas e metodoloacutegicas desse trabalho ao me receberem como aluna em suas disciplinas
acadecircmicas na UFMG
Aos colegas orientandos da professora Ernesta Zamboni Elaine Marta Tadeu Halferd
Juliana e Valeacuteria pela convivecircncia em Campinas que incluiu discussotildees sobre os limites da
pesquisa e a ampliaccedilatildeo de meus horizontes de expectativas quanto agrave vida cotidiana
Agraves diversas pessoas e instituiccedilotildees como bibliotecas puacuteblicas e museus que possibilitaram
ao longo dos quatro anos a pesquisa bibliograacutefica e documental Registro em nome de todas as
contribuiccedilotildees um agradecimento a Ana Paula Soares Pacheco que natildeo me conhece mas me
enviou de Salvador um livro que esperava ansiosamente para concluir um argumento da tese
Ao pessoal da Faculdade de Pedro Leopoldo a quem devo aleacutem do carinho nos quase dez
anos de conviacutevio profissional a existecircncia dessa pesquisa sobre as visitas a museus Foi em Pedro
Leopoldo que nasceu o desejo de investigar a praacutetica de visitas e a elaboraccedilatildeo do projeto de
doutorado Agradeccedilo a Edna Marta Siuacuteves aos colegas professores Marcos Lobato Geovacircnia
Luacutecia dos Santos Geraldo Magela Mangnini Rafael Machado Cristiane de Castro e Almeida
Juacutenia Sales Pereira Rogeacuterio Pereira Arruda Andreacutea Casa Nova Maia Shirley Aparecida de
Miranda Joseacute Eustaacutequio de Brito Juacutenia Carolina Mariza Guerra de Andrade Ilza Gualberto
Eunice Esteves Humberto Catuzzo e outros que viveram os dias de formulaccedilatildeo e reformulaccedilatildeo
de projetos pedagoacutegicos trabalhos de campo atividades acadecircmicas cientiacuteficas e culturais e
que talvez natildeo desejem serem lembrados por isso
vi
Aos alunos das vaacuterias turmas do Curso de Histoacuteria da Faculdade de Pedro Leopoldo e em
especial da uacuteltima turma de histoacuteria que concluiu a licenciatura em 2008 Eles satildeo os sujeitos
instituiacutedos por essa pesquisa Eacute agrave memoacuteria dos estudantes que quero prestar meu agradecimento
na forma de registro institucional de tese
Aos amigos de ontem e hoje Silvana Flaacutevia Dulce Santuza Cynthia Rogeacuterio Cristiane
Juacutenia Nara Wanderley Miacuteria Miacuteriam e Meire Ao pessoal de casa pai matildee irmatildeo irmatildes
sobrinhas sobrinhos cunhada cunhados vizinhos sempre interessados em como estatildeo indo as
minhas coisas
Aos professores e alunos do Curso de Histoacuteria do Unibh em especial aos professores
Rogeacuterio Arruda e a professora Ana Cristina Lage com os quais tive o prazer de compartilhar um
reencontro com o sabor discutir historiografia agraves sextas-feiras agrave noite
vii
Vista do Salatildeo do seacuteculo XIII do Museu dos Monumentos Franceses
Gravada por Jean Baptiste Reacuteville e Jacques Lavalleacutee Paris 1816
ldquoA mais forte impressatildeo da infacircncia [] foi o Museu dos monumentos franceses tatildeo
desastrosamente destruiacutedos Foi laacute e em nenhuma outra parte que pela primeira vez tive a viva
impressatildeo da histoacuteria Ocupava aqueles tuacutemulos com minha imaginaccedilatildeo sentia aqueles mortos
atraveacutes do maacutermore e natildeo era sem algum terror que penetrava sob aquelas aboacutebodas baixas
onde jaziam Dagobert Chilpeacuteric e Freacutedeacutegonderdquo
Jules Michelet O Povo 1a Ediccedilatildeo Paris 1866
viii
RESUMO
O objetivo central da tese eacute analisar em que medida praacuteticas escolares de visitas a museus podem
romper com os saberes disciplinares e pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de
um conhecimento experiencial a ser mobilizado no ensino de histoacuteria Do ponto de vista teoacuterico
a pesquisa toma a ideia de visitante como um espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) e a
produccedilatildeo da cultura como um modo de vida comum perpassada pelas ideacuteias e praacuteticas sociais
(WILLIAMS 1969 e 1979) Do ponto de vista empiacuterico investiga-se como um grupo de
estudantes de Licenciatura em Histoacuteria em situaccedilotildees educativas de visita constroem sentidos
diversos para o patrimocircnio para o ensino de histoacuteria e a para a memoacuteria cultural Destacam-se
em especial as praacuteticas vivenciadas pelos visitantes no Museu do Escravo de Belo Vale (MG) e
no Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro
Palavras chave Visitantes de Museus Formaccedilatildeo Histoacuterica Patrimocircnio Memoacuteria Formaccedilatildeo de
Professores
ix
ABSTRACT
The main objective of this thesis is to analyze the extent in that school field trips to museums can
modify established disciplinary and pedagogical knowledge and directly influence the production
of knowledge from experience to be mobilized for the teaching of history From the theoretical
viewpoint this study considers the visitor as an emancipated spectator (RANCIEgraveRE 2010) and
the production of culture as a common way of life and determined by the social ideas and
practices (WILLIAMS 1969 and 1979) From the empirical viewpoint we investigated the way
how history licensure students construct various meanings to the heritage in field trips for the
teaching of history and the cultural memoryThe practices experienced by the visitors to the Slave
Museum in Belo Vale State of Minas Gerais and the National History Museum in Rio de
Janeiro state of Rio de Janeiro are given special emphasis
Keywords Museum Visitors History Formation Heritage Memory Teacher Education
x
Lista de ilustraccedilotildees
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura Production of CultureCultures of
Production Londres Sege 1997 32
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio interno do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006 33
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do Museu Histoacuterico Nacional
2008 33
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em 2011 35
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt Acesso em 2011 37
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila
Belo Vale MG 2006 72
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007 77
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no paacutetio central tendo ao
fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006 79
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da monitora no paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 79
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao tronco no paacutetio interno do
Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 80
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 83
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 84
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677 85
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I Palazzo Vecchio Firenze
1570-1573 86
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias da visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 88
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no Salatildeo (Quatre heures au
Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do Louvre Paris 1847 90
xi
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955 Ilustraccedilatildeo da capa de
The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros)
Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell 92
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962 Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo
produzida para a ediccedilatildeo do Saturday Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular 92
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus
visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009 98
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade de Belo Vale 110
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos visitantes 111
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm 113
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
Disponiacutevel em lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso em 2011 114
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo desconhecido Museu do Escravo
Belo Vale 2006 116
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 118
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno do Museu do Escravo 2006
119
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute Diegues Museu do
Escravo 2006 120
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil regente de Portugal
Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um
Novo Impeacuterio - A Corte Portuguesa no Brasil2008 p18 123
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Cultura 1957 130
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da Minerva Entrada do Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Cultura IPHAN Guia do Visitante sd 130
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional 132
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio
da Educaccedilatildeo e Cultura 1957 133
xii
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 134
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo Mundo um novo impeacuterio
A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 140
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro
2008 143
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
148
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 150
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave Exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 152
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio Janeiro 2008 152
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A metroacutepole nos troacutepicos
Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
154
xiii
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica 9
11- Memoacuteria e narrativas de visitas 13
12 - A presenccedila de estudantes 19
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica 25
14- Circuito e circularidade cultural 30
15- Visitantes de museus espectadores emancipados 39
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes 45
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico 45
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus 54
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos 58
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade 63
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes 71
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes 82
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal 82
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus 88
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus 94
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos 99
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais 109
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais 109
42 - O escravo e o museu 113
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo 115
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo 117
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees 122
xiv
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio 122
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros 134
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo 142
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica 149
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 158
DOCUMENTOS 165
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 168
ANEXOS 188
1
INTRODUCcedilAtildeO
A descriccedilatildeo feita historiador Jules Michelet (1798-1874) de sua visita na infacircncia ao
Museu dos Monumentos Franceses e seu encontro com a histoacuteria ldquovivardquo da Franccedila continua
estimulando reflexotildees sobre os efeitos de sentidos dos museus para a histoacuteria a memoacuteria e o
patrimocircnio A visatildeo de Michelet a respeito dos tuacutemulos de maacutermore dos heroacuteis meroviacutengios
remete aos vaacuterios sentimentos provocados em noacutes visitantes pelo Panteatildeo dos Inconfidentes na
cidade de Ouro Preto Tambeacutem evoca os sentidos puacuteblicos da existecircncia do mausoleacuteu imperial
inaugurado por Getuacutelio Vargas em 1939 na catedral de Satildeo Pedro de Alcacircntara em Petroacutepolis
Rio de Janeiro onde estatildeo os tuacutemulos de D Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina
O Museu dos Monumentos franceses organizado por Alexandre Lenoir teve curta
duraccedilatildeo Ele existiu no conturbando periacuteodo entre 1795 e 1816 Contudo o efeito que a visita a
esse museu exerceu sobre o menino Michelet e em sua concepccedilatildeo de Histoacuteria parece duradouro
o uso da imaginaccedilatildeo para que os mortos ganhem vida
Meu encontro com os museus natildeo pode ser comparado ao relatado pelo historiador da
Revoluccedilatildeo Francesa Sequer fui a um museu quando crianccedila Minha relaccedilatildeo mais proacutexima com
essas instituiccedilotildees e com o imaginaacuterio que as cercam se aproxima da escolha da Histoacuteria como
campo profissional Foi durante a graduaccedilatildeo em histoacuteria que me aproximei dos museus como
visitante e pude posteriormente como professora de Histoacuteria no ensino fundamental e superior
experimentar diferentes instituiccedilotildees museais acompanhando grupos de estudantes muitos deles
tambeacutem visitando um museu pela primeira vez
Nas praacuteticas de visita ouvi e vi diversas vezes o encantamento e a decepccedilatildeo dos
estudantes diante do patrimocircnio monumentalizado Ao percorrer pela primeira vez ruas e becos
da cidade de Ouro Preto em 1994 um estudante de 14 anos cursando o ensino fundamental em
uma escola puacuteblica de Belo Horizonte olhava deslumbrado e me disse que nunca havia
imaginado que uma ldquocidade histoacutericardquo fosse igual agrave favela onde morava cheia de morros e casas
apertadas Outra estudante do curso de licenciatura em Histoacuteria da Faculdade onde trabalhava ao
visitar o Museu Imperial se mostrava bastante incomodada e escreveu posteriormente em seu
relatoacuterio de visita em 2005 que lhe parecia que soacute havia milionaacuterios em Petroacutepolis Ningueacutem
falava de quem construiu o palaacutecio quem trabalhou laacute dentro servindo a famiacutelia imperial como
2
se vestiam as empregadas que lavavam as ricas porcelanas e limpavam os quartos mobiliados
suntuosamente se existia alguma capelinha ou ldquocentro de macumbardquo onde os negros se reuniam
No seu relato a aluna lembra que historiadores como Marcos A da Silva jaacute falavam dos riscos de
se trabalhar com o ldquopatrimocircnio histoacutericordquo afastado do cotidiano do ensino de histoacuteria Ningueacutem
falou disso laacute no Museu relatou a visitante Os guias os materiais impressos soacute falam dos preccedilos
das casas das joacuteias e vestimentas da famiacutelia imperial concluiu Maria da Conceiccedilatildeo Machado
Viana em seu Relatoacuterio de Visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis em 2005
O objeto desta pesquisa parte desse lugar do visitante que problematiza suas vivecircncias
evidencia crenccedilas expressa opiniotildees e amplia sua formaccedilatildeo histoacuterica e profissional em diaacutelogo
com as praacuteticas educativas que ocorrem em ambientes natildeo escolares como os museus
O interesse por esse tipo de investigaccedilatildeo surgiu desses momentos em que a visita
provocava o encontro de uma histoacuteria viva com os visitantes possibilitando emergir questotildees que
interpelavam os sujeitos colocando-os em accedilatildeo posicionando-os em relaccedilatildeo aos museus ao
ensino de histoacuteria agrave historiografia e agraves praacuteticas de memoacuteria Diante dos museus e colocados em
situaccedilotildees de interaccedilatildeo os visitantes-estudantes eram capazes de se reconhecerem reciprocamente
como parceiros protagonistas numa situaccedilatildeo de troca
A pesquisa para o doutoramento eacute esse esforccedilo para construir uma narrativa a partir dos
vestiacutegios deixados pelos visitantes Busco articular o tempo de minha proacutepria formaccedilatildeo de meu
exerciacutecio profissional como professora de Histoacuteria e da minha atual condiccedilatildeo de pesquisadora na
aacuterea de educaccedilatildeo Eacute do lugar do presente que pretendo materializar meu objeto de pesquisa as
visitas educativas a museus tomadas como foco para a anaacutelise dos usos do patrimocircnio cultural
pelos visitantes
Procuro nesse trabalho reunir numa narrativa (RICOEUR 2010 p2-3) as vozes muacuteltiplas
e dispersas dos visitantes numa siacutentese escrita criando uma nova pertinecircncia capaz de dar novos
sentidos e referecircncias para o patrimocircnio musealizado Um movimento de fixar e conservar rastros
que satildeo escassos pegadas que satildeo poucas pois a visita pensada pela loacutegica da ldquoconservaccedilatildeordquo
dos museus natildeo deve deixar marcas nos pisos originais natildeo deve deixar sobras do consumo de
alimentos nas aacutereas comuns como jardins natildeo se deve fotografar as exposiccedilotildees e nem carregar
objetos durante o trajeto de visita guiada pelos museus
3
O visitante que procuro constituir pela pesquisa sente necessidade de se expressar de
tornar-se presenccedila Os efeitos de sentido natildeo lhes vecircem automaticamente do passado das
reminiscecircncias individuais mas do investimento que ele faz no seu presente a partir de sua
condiccedilatildeo de estudante para tornar presenccedila o que soacute existe como ausecircncia Para minha sorte as
visitas que acompanhei natildeo foram silenciosas Haacute uma escassez momentacircnea de palavras
adequadas para nomear sentimentos de maneira profunda natildeo haacute excessos aparentes no visitante
ele fala posteriormente no ocircnibus na sala de aula da falta que o calou O visitante olha e faz
suas opccedilotildees diante da narrativa do museu quase como uma imposiccedilatildeo da dimensatildeo do
esquecimento entendido como parte constitutiva do trabalho de memoacuteria ele quer registrar sua
presenccedila e sua opiniatildeo
O encontro de visitantes e museus eacute cheio de lapsos e apagamento dos rastros como de
qualquer praacutetica cultural que se queira narrar depois de decorrido o tempo da accedilatildeo O auto-retrato
formativo dos visitantes eacute sempre de itineracircncias e erracircncias nunca um quadro completo Se o
traccedilado a ser esboccedilado eacute histoacuterico o museu mostra-se nessa pesquisa como um lugar habitado por
corpos hierarquias sociais econocircmicas religiosas e culturais mas que tambeacutem insistem em se
tornar utopia e imagens que teimam em povoar provisoriamente a imaginaccedilatildeo
A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita emergir um campo de
investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em relaccedilatildeo ao saber histoacuterico
a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante
permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo
como o passado permanece como passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa
experiecircncia temporal essa vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que
experimentada abre o potencial de futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
A problematizaccedilatildeo das situaccedilotildees de visita a museus justifica-se por contribuir para uma
reflexatildeo sobre o ensino de histoacuteria como aacuterea de pesquisa e estreitar os viacutenculos com a produccedilatildeo
do conhecimento histoacuterico As visitas a museus podem propiciar um tipo de formaccedilatildeo histoacuterica
dialoacutegico principalmente com a cultura visual e material
Do ponto de vista teoacuterico e metodoloacutegico eacute importante apontar como os museus se
apresentam como um ldquocampo de forccedilasrdquo capaz de romper com os saberes disciplinares e
4
pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de um conhecimento experiencial a ser
mobilizado no ensino de histoacuteria
O contato de estudantes-visitantes com o patrimocircnio cultural musealizado amplia a
compreensatildeo das linguagens expositivas e educativas dos museus a relaccedilatildeo entre objetos
museais seus significados e os coacutedigos mais amplos de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo cultural (HALL
1997 2003)
Diferentemente dos postulados que entendem o ldquodiscurso pedagoacutegicordquo como aquele a ser
transmitido e recebido que se constitui pela recontextualizaccedilatildeo de outros discursos o
conhecimento escolar eacute aqui entendido como um trabalho coletivo um texto em aberto que exige
a participaccedilatildeo de alunos e professores e natildeo uma mercadoria a ser reproduzida e consumida
pelos estudantes (SANTOS 1994 p31)
A pesquisa tem como tema central a anaacutelise das dinacircmicas e interaccedilotildees entre estudantes
em visitas educativas a instituiccedilotildees museais Visitas essas que se concretizam nas accedilotildees dos
visitantes frente agraves linguagens expositivas presentes nos museus nas concepccedilotildees de memoacuteria
patrimocircnio e histoacuteria dos visitantes e na produccedilatildeoelaboraccedilatildeo de sentidos e seus usos do
patrimocircnio cultural sempre considerando questotildees relativas agraves subjetividades identidades
profissionais experiecircnciatrajetoacuteria de vida formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
A premissa inicial de trabalho postula que estudantes ao visitarem museus tornam-se parte
constitutiva do movimento de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo dos conhecimentos de seus acervos
Entende-se que as experiecircncias vividas pelos sujeitos profissionais dos museus e visitantes
possibilitam mobilizar e atualizar saberes dos profissionais dos museus e saberes daqueles que
visitam museus
A justificativa para essa abordagem baseia-se em certo consenso de que a formaccedilatildeo para o
ensino de histoacuteria pode ser potencializada pelo uso de espaccedilos culturais como os museus A
cultura escolar como afirmam Marcos Silva e Selva Guimaratildees Fonseca natildeo pode ser entendida
como um fenocircmeno isolado caracterizada exclusivamente pelo conjunto de saberes elaborado ao
redor da proacutepria praacutetica de ensino mas como aquela que ldquomanteacutem laccedilos permanentes com outros
espaccedilos culturaisrdquo Na visatildeo destes autores estes laccedilos vatildeo desde a formaccedilatildeo de professores
(universidade) passando pela produccedilatildeo erudita com que estes profissionais tiveram e continuam
5
a ter contato (artigos livros) e pela divulgaccedilatildeo de saberes (livros didaacuteticos cursos exposiccedilotildees
simpoacutesios) elaborados naqueles mesmos espaccedilos (SILVA E FONSECA 2007 p8)
Os museus estatildeo incluiacutedos nesse universo de saberes e satildeo aqui privilegiados por
propiciarem natildeo um ldquolugar de memoacuteriardquo mas ldquoentre-lugaresrdquo para a formaccedilatildeo histoacuterica de
professores e alunos Os museus encontram-se nas fronteiras dos espaccedilos fiacutesicos e processos
formais e natildeo formais1 de educaccedilatildeo
As visitas a museus satildeo uma possibilidade de ampliaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e
profissional para aleacutem do espaccedilo escolar e ao mesmo tempo de trazer para o cotidiano de
formaccedilatildeo muacuteltiplas dimensotildees histoacutericas poliacuteticas e culturais Situaccedilotildees de visita a museus
permitem investigar nesse caso a hipoacutetese da circularidade da cultura Articulam-se reflexotildees
sobre as experiecircncias proacuteprias ao campo de trabalho docente em Histoacuteria aos saberes elaborados
no campo da museologia identificando a circulaccedilatildeo dupla de saberes especiacuteficos elaborados nos
dois campos distintos de um universo conceitual a outro e retornando ao campo profissional de
forma sistematizada
Estudantes de graduaccedilatildeo compotildeem o puacuteblico de museus seja nas visitas espontacircneas
como aponta pesquisa sobre perfil de puacuteblico-visitantes2 seja como participantes de visitas
escolares organizadas Eacute essa a situaccedilatildeo a ser explorada pela pesquisa os sujeitos em situaccedilotildees
educativas de visita elaboram e explicitam sentidos acerca dos acervos das instituiccedilotildees
museoloacutegicas analisam e confrontam discursos historiograacuteficos e formulam novos problemas e
possibilidades de interpretaccedilatildeo do patrimocircnio cultural musealizado
O campo e os procedimentos de investigaccedilatildeo nessa pesquisa privilegiam os relatos
escritos e fotograacuteficos e recolhas documentais feitas pelos proacuteprios estudantes durante as visitas
aos museus A anaacutelise dos documentos produzidos pelos museus como cataacutelogos materiais
pedagoacutegicos folhetos informativos e orientaccedilotildees instucionais satildeo utilizados nos dois recortes
1 Alguns especialistas defendem que a educaccedilatildeo realizada em museus difere da educaccedilatildeo formal por seu caraacuteter natildeo
cumulativo natildeo apresentando conteuacutedos organizados numa sequumlecircncia como o curriacuteculo escolar Ver Park Fernandes e Carnicel (Org) 2007 p 203-210 2 Pesquisa realizada em 2005 pelo Observatoacuterio de Museus e Centros Culturais em 11 Museus do Rio de Janeiro
com visitantes selecionados por amostragem ao final da visita entre natildeo participantes de visitas escolares
organizadas constatou que este puacuteblico eacute altamente escolarizado chegando a 475 que declararam ter concluiacutedo o
ensino superior 237 o superior incompleto e 24 o ensino meacutedio restando apenas 48 que cursou ateacute o
fundamental completo Paralelo agrave escolaridade o dado referente agrave ocupaccedilatildeo encontrou entre aqueles que declaram
natildeo exercer atividade remunerada 53 de estudantes Ver Observatoacuterio 2006
6
propostos pela anaacutelise a partir do diaacutelogo que estabelecem com a compreensatildeo dos visitantes e
seus quadros de leitura Assim a leitura posta pelos museus entra em circulaccedilatildeo e eacute explorada na
forma de diferentes praacuteticas de confronto de recusa de usos e de valorizaccedilatildeo pelos visitantes
Para promover as leituras dos visitantes sobre os museus analiso os relatos dos
licenciandos em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte
em visita a diferentes instituiccedilotildees A escolha das visitas decorreu de diversos procedimentos de
anaacutelise experimentados ao longo da pesquisa e que consideram tanto os limites aparentes dessas
fontes quanto as possibilidades dadas e permitidas Foram muitas idas e vindas em relaccedilatildeo ao
repertoacuterio ou indiacutecios documentais produzidos pelos estudantes e disponiacuteveis para o uso nessa
pesquisa A abundacircncia de material e de museus visitados pelo grupo de estudantes aponta o
papel da instituiccedilatildeo formadora na produccedilatildeo dessas fontes O estiacutemulo agraves atividades de visitas abre
possibilidades de ampliaccedilatildeo do repertoacuterio ou do arquivo com vestiacutegios brutos desorganizados
um turbilhatildeo de personagens incidentes perguntas sem respostas Praacuteticas tradicionais de leitura
dos museus e novas leituras convivem nos relatoacuterios O uso e a valorizaccedilatildeo de diferentes
princiacutepios de anaacutelise sua articulaccedilatildeo e coerecircncia interna satildeo materializadas pelo grupo de
estudantes e datildeo suporte a um acervo de memoacuterias escritas e fotograacuteficas das visitas elaborado na
perspectiva de um grupo especiacutefico de visitantes
Ao utilizar os relatos dos estudantes de licenciatura em Histoacuteria como fonte para o estudo
das experiecircncias de formaccedilatildeo cria-se uma opccedilatildeo e alternativa para compreendermos os
imbricamentos entre os discursos das instituiccedilotildees formadoras as narrativas de museus e os
estudantes-visitantes com suas histoacuterias de vida suas motivaccedilotildees crenccedilas escolhas de percurso
e atitudes durante a visita A construccedilatildeo de narrativas das visitas permite agrave pesquisa a partir de
experiecircncias localizadas e pessoais interrogar sobre o contato sociocultural de um grupo
especiacutefico de visitantes com outros grupos e temporalidades mais amplas
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo histoacuterica dos sujeitos frente agrave
experiecircncia de contato com os museus Os relatos dos visitantes entendidos como a principal
fonte documental para esse trabalho permitem discutir como um grupo ou um mesmo estudante
vecirc diferentes museus Como faz a leitura de cada um deles e encontra as diferenccedilas entre as
narrativas de cada museu Esse conjunto documental possibilita explorar complexas relaccedilotildees do
7
processo vivo dinacircmico e ativo de construccedilatildeo de conhecimentos e ensino de histoacuteria em especial
dos conceitos de cultura memoacuteria e patrimocircnio
A organizaccedilatildeo final do trabalho busca combinar em cada capiacutetulo dois movimentos ndash
discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas e a anaacutelise das fontes ou relatos dos visitantes O texto final
da tese eacute composto de cinco capiacutetulos No primeiro capiacutetulo eacute apresentado o tema central da
pesquisa visitas a museus Discute-se o papel das visitas de estudantes a museus para a formaccedilatildeo
histoacuterica Eacute proposta uma anaacutelise das visitas a partir dos relatos dos visitantes centrada em uma
noccedilatildeo de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos que promova uma ruptura com as ideacuteias de
representaccedilatildeo e recepccedilatildeo da cultura Satildeo articulados os referenciais teoacutericos e conceitos que
fundamentam a anaacutelise
No segundo capiacutetulo eacute retomado o debate sobre os puacuteblicos de museu e apresentado o
recorte empiacuterico da pesquisa constituiacutedo por um grupo de 15 estudantes de licenciatura em
Histoacuteria de uma Faculdade particular na regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte que realizaram
visitas entre 2005 e 2008 Satildeo caracterizadas as praacuteticas de formaccedilatildeo e produccedilatildeo de
conhecimentos a partir dos registros dos visitantes Um questionaacuterio uma entrevista oral no
formato de grupo focal e fotografias produzidas pelos proacuteprios visitantes durante as visitas satildeo os
trecircs instrumentos de produccedilatildeo de dados
O terceiro capiacutetulo faz uma ligaccedilatildeo entre os dois primeiros e os dois uacuteltimos capiacutetulos
Apresenta um balanccedilo bibliograacutefico que tem por objetivo indicar eixos de discussatildeo presentes no
campo museal e produzir um exerciacutecio metodoloacutegico que contribua para explicitar a dinacircmica de
interaccedilatildeo e construccedilatildeo de sentidos pelos visitantes professores e alunos em visitas agraves duas
instituiccedilotildees museais que seratildeo destacadas nos capiacutetulos quatro e cinco Satildeo abordadas as questotildees
relativas agrave historicidade dos museus os campos e conceitos a ele relacionados a atualidade do
tema nas pesquisas acadecircmicas Estas referecircncias analiacuteticas visam definir um quadro teoacuterico-
conceitual e sistematizar as discussotildees em torno do conceito de museu
No capiacutetulo quatro eacute apresentada uma reflexatildeo sobre a visita realizada no segundo
semestre de 2006 ao Museu do Escravo em Belo Vale (MG) Satildeo confrontados os relatos escritos
e fotograacuteficos produzidos pelos visitantes e argumenta-se que os estudantes ao visitarem este
museu histoacuterico tornam-se parte constitutiva do processo de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo das
informaccedilotildees de seu acervo
8
O quinto capiacutetulo enfatiza a criacutetica do mesmo grupo de estudantes que visita em 2008 a
exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional ldquoUm novo mundo um novo Impeacuterio a Corte Portuguesa
no Brasil ndash 1808-1822rdquo O capiacutetulo procura refazer o percurso dos visitantes considerando duas
referecircncias o discurso expositivo do museu e a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes A partir da
situaccedilatildeo de visita e da formaccedilatildeo procuramos entender como os visitantes descrevem analisam
interpretam e fundamentam suas escolhas e gostos A visita ao Museu Histoacuterico Nacional
possibilitou abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o
patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus pelos visitantes
A pesquisa se integra agraves questotildees discutidas pela aacuterea de concentraccedilatildeo Educaccedilatildeo
Conhecimento Linguagem e Arte e pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo agrave
medida que busca investigar a produccedilatildeo de conhecimentos em suas articulaccedilotildees com as praacuteticas e
discursos empreendidos por instituiccedilotildees como os museus e as interaccedilotildees construiacutedas pelos
sujeitos em situaccedilotildees de visita escolar a estas instituiccedilotildees
9
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica
Visita ao museu
No dia 26 de setembro de 2005 fomos ao museu Abiacutelio Barreto em Belo
Horizonte A visita foi bem interessante e totalmente diferente do que eu imaginava porque em minha mente o museu era um local em que as pessoas iam para ver coisas
velhas Durante e apoacutes a visita minha visatildeo mudou por completo percebi que um
historiador tem vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos A partir de
uma montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes
dependendo da maneira que esse material foi exposto como fizemos na dinacircmica
O museu tambeacutem desenvolve um trabalho diferente dos que eu jaacute visitei Ao
mesmo tempo em que eles estatildeo preservando a memoacuteria da cidade estatildeo tambeacutem
integrando o objeto ao cotidiano da sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo
Horizonte era apenas um arraial chamado Curral Del Rei o iniacutecio do avanccedilo
tecnoloacutegico e ateacute os dias de hoje Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para virar
objeto museoloacutegico A organizaccedilatildeo eacute oacutetima Na sede do museu satildeo desenvolvidos vaacuterios
trabalhos como projetos restauraccedilatildeo de materiais etc Gostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuterias O visitante ao inveacutes de ir para visitar somente o
casaratildeo faz um circuito por toda a aacuterea do museu A exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que
queiram ver
Como temos visto em nosso curso principalmente em Teoria II o historiador
trabalha em cima de perguntas (segundo Annales) e os objetos que vimos podem nos dar
vaacuterios tipos de respostas A visita ao museu foi uma aula praacutetica de como se fazer
Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes3 Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
Belo Horizonte MG Curso de Histoacuteria 2ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG
2005)
O relato de Maria Joseacute Mendes sintetiza de maneira particular sua experiecircncia4 de visita a
um museu e aborda conteuacutedos histoacutericos e historiograacuteficos anaacutelises sentimentos valores O
relato da estudante eacute polifocircnico no sentido que lhe atribui Clifford (1988) uma produccedilatildeo que
reuacutene numa escrita proacutepria aproximaccedilotildees pessoais estrateacutegias de aprendizagem escolar
enredos acontecimentos significados muacuteltiplos e modos de negociar e apresentar questotildees
impliacutecitas quadros e tramas mais amplas
3 A visitante eacute uma aluna do curso de Licenciatura em Histoacuteria do Instituto Superior de Educaccedilatildeo da Faculdade
Pedro Leopoldo na regiatildeo metropolitana de BH fez parte da turma que visitou diversos museus e seu relatoacuterio
compotildee o conjunto de narrativas de visitas a museus analisados nessa pesquisa 4 Para Dewey (2010 p90-91) as partes constitutivas da experiecircncia satildeo emocional praacutetica e intelectual A
experiecircncia eacute um todo diversificado um fluxo cujos diferentes atos e episoacutedios mesclam-se e fundem-se
Intercacircmbio e fusatildeo satildeo contiacutenuos
10
O registro da visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto feito por Maria Joseacute Mendes eacute uma
praacutetica de escrita que se configura em plano de produccedilatildeo mais restrito como um relatoacuterio de
avaliaccedilatildeo de um trabalho escolar Todavia colocados os contornos mais abrangentes das
condiccedilotildees de produccedilatildeo desse tipo de narrativa se reconhece uma praacutetica de formaccedilatildeo que avalia
situaccedilotildees do cotidiano escolar
As narrativas de visitantes como a da estudante acima satildeo consideradas fontes
documentais para essa pesquisa sobre a formaccedilatildeo histoacuterica que reivindica um lugar para os
sujeitos frente agraves grandes narrativas histoacutericas como as dos museus As situaccedilotildees vividas nas
visitas escolares a museus retomadas ao longo do capiacutetulo pela narrativa de Maria Jose Mendes
satildeo referecircncias para a reflexatildeo sobre o protagonismo do visitante que interroga o museu e confere
mobilidade agraves suas narrativas expositivas Esse tipo de registro tambeacutem aponta indiacutecios dos usos
do patrimocircnio cultural pelos visitantes e da aprendizagem em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo histoacuterica aberta
pelas visitas aos museus
A visitante em questatildeo eacute parte de um grupo5 no qual me incluo como professora e que
como ela mesma indica com o uso do verbo na primeira pessoa do plural fomos ao museu para
realizar uma atividade curricular atribulados por vaacuterios condicionantes de velocidade e aparatos
tecnoloacutegicos proacuteprios da cultura contemporacircnea Maria Joseacute Mendes eacute uma das alunas do curso
de licenciatura em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo
Horizonte Minas Gerais que nessa condiccedilatildeo de ldquoexperiecircnciardquo empreende com seus colegas
visitas planejadas a museus6 Eacute uma jovem estudante membro de uma ldquoaudiecircncia histoacuterica e
situadardquo mas que responde tambeacutem agraves expectativas de visitante inscritas nas atividades
educativas do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto que passou por projeto de revitalizaccedilatildeo entre 1993
e 20037
Enquanto os museus satildeo entendidos como autoridades por suas funccedilotildees sociais e
histoacutericas de produtores de memoacuteria de patrimocircnio e de preferencial para a leitura dessa
5 Uma caracterizaccedilatildeo do grupo de visitantes e das visitas efetivamente realizadas seraacute apresentada e discutida no segundo capiacutetulo 6 As visitas a museus arquivos bibliotecas empresas ambientes naturais e outros locais satildeo realizadas como
disciplinas acadecircmicas com uma dimensatildeo praacutetica e ou como Atividades Acadecircmicas Cientiacuteficas por diversas
instituiccedilotildees de ensino superior da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte como a PUC-MG UNIFEMM Ver
Fonseca (2009) e Pereira (2007) 7 Ver balanccedilo do ldquoprocesso de revitalizaccedilatildeordquo do MHAB organizado por sua diretora Thais Pimentel e publicado em
2004 (PIMENTEL 2004)
11
materialidade o visitante luta para instituir-se e produzir sentidos em presenccedila daquela instacircncia
reguladora e autorizada de recursos O visitante no uso de recursos variados de linguagem cria
uma situaccedilatildeo de disputa e inibe certas manifestaccedilotildees trazidas pelos museus
O visitante diante dos cenaacuterios especiacuteficos de cada museu cria categorias de anaacutelise
analogias identifica contradiccedilotildees contrastes e diferenccedilas Enquanto o museu traz uma memoacuteria
histoacuterica instituiacuteda os visitantes tornam as experiecircncias de visita memoraacuteveis
A abordagem metodoloacutegica dessa pesquisa concebe as visitas como um ldquotrabalho de
campordquo no sentido que lhe atribui Alba Zaluar (1986 p107) A antropoacuteloga natildeo estabelece uma
separaccedilatildeo entre investigador e investigados e nem correlaciona uma maior objetividade da anaacutelise
com uma maior despersonalizaccedilatildeo dos sujeitos O conhecimento para ela eacute um ldquoencontro de
subjetividadesrdquo atos gestos enunciados e natildeo simplesmente um coacutedigo a ser decifrado ou um
levantamento de significados em seus contextos (ZALUAR 1986 p109) Assim como o
trabalho de campo8 soacute pode ser delimitado pelos processos de tomada de decisatildeo do pesquisador
e as estrateacutegias adotadas em meio aos conflitos por quem participa da accedilatildeo as visitas escolares a
museus natildeo podem ser entendidas apenas no sentido e da perspectiva da recepccedilatildeo
Os visitantes natildeo satildeo meros espectadores das propostas elaboradas pelos museus9 Os
visitantes satildeo atores levados a tomar decisotildees e princiacutepios geradores de novas praacuteticas A visita eacute
relacionada a outras que jaacute fizeram e satildeo consideradas como parte de sua formaccedilatildeo de futuros
professores de histoacuteria Visitar um museu eacute analisaacute-lo como fonte para visitas futuras
acompanhando seus proacuteprios alunos
O foco no visitante examina como ele se sente ou natildeo estimulado a construir sua proacutepria
narrativa da visita e quais suas estrateacutegias de inclusatildeo nos museus Como se posiciona e acessa
seus arquivos pessoais e memoacuterias e os confronta agravequeles reunidos no museu tais como objetos
textos imagens dispositivos de interatividade o percurso ou ainda os coletados e reunidos como
parte do trabalho de sistematizaccedilatildeo da visita
Do ponto de vista empiacuterico a pesquisa mostra de que forma durante um curso de
formaccedilatildeo superior eacute possiacutevel abandonar modelos transmissivos de ensino e apostar em estrateacutegias
8 Ver Roteiro do trabalho realizado no Rio de Janeiro em 2008(Anexo C) 9 Em geral a elaboraccedilatildeo de propostas educativas eacute responsabilidade dos setores educativos dos museus e de
especialistas (consultores pesquisadores) O puacuteblico eacute convocado a responder aos modelos propostos (recepccedilatildeo)
12
de produccedilatildeo de conhecimento que tenham impacto sobre a profissionalizaccedilatildeo docente em histoacuteria
e os processos mais gerais de produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico e formaccedilatildeo histoacuterica
Um passo importante eacute reconhecer que esse conhecimento histoacuterico se apresenta sob a
forma de imagens crenccedilas convicccedilotildees metaacuteforas regras e princiacutepios de orientaccedilatildeo para a vida
praacutetica profissional Nesse sentido essa pesquisa tem mais interesse nos sujeitos e suas agecircncias
do que na histoacuteria das instituiccedilotildees museais
A pesquisa parte de uma reflexatildeo sobre os relatos de visita a museus constituindo a partir
deles narrativas que fazem dialogar conceitos e experiecircncias que se produzem no campo dos
museus e em suas relaccedilotildees com a escola estabelecendo possibilidades e limites para a abordagem
do proacuteprio visitante
O registro de Maria Joseacute Mendes eacute uma referecircncia inicial para a reflexatildeo e produccedilatildeo por
parte do proacuteprio visitante de saberes Podem ser identificados pelos relatos os diversos saberes
que compotildeem a formaccedilatildeo histoacuterica conhecimentos de caraacuteter disciplinar ou historiograacutefico que
compotildee a matriz disciplinar da histoacuteria saberes curriculares ou relativos a objetivos meacutetodos e
estrateacutegias de ensino saberes pedagoacutegicos relacionados agraves concepccedilotildees de educaccedilatildeo e os saberes
praacuteticos da experiecircncia10
Entendo que as visitas natildeo se constituem no simples cumprimento de um programa de
educaccedilatildeo patrimonial oferecido por museus eou escolas ou ainda em passeios turiacutesticos
realizados por escolha dos visitantes individualmente A presenccedila de estudantes em museus estaacute
relacionada a uma praacutetica de visitas e agrave formaccedilatildeo histoacuterica
Procuro nesse primeiro capiacutetulo articular referenciais teoacutericos distintos para fundamentar
a anaacutelise das praacuteticas de visitas a museus Autores como Paul Ricoeur Hans Ulrich Gumbrecht
Joumlrn Ruumlsen Raymond Williams Stuart Hall e Jacques Ranciegravere satildeo convocados e oferecem
contribuiccedilotildees para a ampliaccedilatildeo da abordagem deste objeto especiacutefico e a criacutetica ao sentido de
transmissatildeo da cultura e agrave representaccedilatildeo como um sentido fixo A narrativa (RICOEUR 2010
p9) a produccedilatildeo de presenccedila (GUMBRECHT 2010 p 82) e a formaccedilatildeo histoacuterica (RUumlSEN
2010 p59) assim como os conceitos de cultura (WILLIAMS 1969 e 1979) e circuito de cultura
(HALL 1997 e 2003) e ainda o de espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) fundamentam a
10A discussatildeo sobre os saberes que compotildee a formaccedilatildeo do profissional de histoacuteria no Brasil eacute realizada por Selva
Guimaratildees Fonseca dentre outros autores Ver Fonseca (1997) Silva e Fonseca (2007) e Fonseca e Zamboni (2008)
13
anaacutelise teoacuterica e metodoloacutegica do uso social dos museus em visitas educativas e aproximam o
foco da investigaccedilatildeo os museus vistos pelos seus visitantes
11- Memoacuteria e narrativas de visitas
Um primeiro movimento dessa pesquisa eacute examinar como os visitantes engendram
memoacuterias a partir de visitas a museus A memoacuteria eacute entendida como uma accedilatildeo de atualizaccedilatildeo de
conceitos uma ldquoviagem no tempo com direito a ida e voltardquo A memoacuteria eacute rememoraccedilatildeo a partir
do presente e o sujeito um ldquotecelatildeo de memoacuterias agrave medida que narra a si mesmo como uma
autografia cujas vaacuterias vidas se entrelaccedilam em diversos tempos e espaccedilos numa dinacircmica
imprevisiacutevel do lembrar e esquecer da perda e da dispersatildeordquo (GALZERANI 2002 p63)
Rememorar significa trazer o passado vivido como opccedilatildeo de questionamento das relaccedilotildees
e sensibilidades sociais existentes tambeacutem no presente uma busca atenciosa relativa aos rumos a
serem construiacutedos no futuro Esse conceito de memoacuteria articulado ao de narrativa traz uma
abertura coletiva para as dimensotildees sensiacuteveis e o questionamento da concepccedilatildeo absoluta de
verdade (GALZERANI 2002 p68)
Os registros escritos e visuais11
dos visitantes satildeo tomados como memoacuterias e narrativas
no sentido atribuiacutedo por Ricoeur como um desenho da ldquoexperiecircncia temporalrdquo que realiza uma
ldquosiacutentese do heterogecircneordquo uma ldquonova congruecircncia no agenciamento dos incidentesrdquo (RICOEUR
2010 p2)
Em Tempo e Narrativa Ricoeur (2010) desenvolve a ideia de uma tripla dimensatildeo da
narrativa histoacuterica descrita como um tempo vivido e ainda natildeo configurado um tempo narrado
ou o mundo como um texto e o tempo refigurado ou o mundo do leitor Haacute uma dimensatildeo da
vida vivida e natildeo narrada que passa pela trama e chega ao mundo final do leitor seja pelas
intenccedilotildees do autor pelos sentidos da obra ou as percepccedilotildees do leitor Essas travessias satildeo
circulares e a experiecircncia da temporalidade nunca eacute o triunfo da ordem haacute discordacircncias
violecircncia da interpretaccedilatildeo redundacircncias e histoacuterias natildeo contadas (RICOEUR 2010 p124-132)
Assim Ricoeur (1991) transpotildee um limiar no qual o aparente conflito entre explicaccedilatildeo e
compreensatildeo eacute ampliado A linguagem que era considerada apenas como discurso passa a ser
11 As fotografias satildeo produzidas juntamente com os relatoacuterios escritos Inicialmente natildeo faziam parte da anaacutelise mas
se mostraram essenciais agrave pesquisa
14
considerada nos limites do que afeta o escrito a polissemia a ambiguidade e obras inteiras de
discurso falado como poemas ensaios e com a dimensatildeo da experiecircncia (RICOEUR 1991
p163) Eacute como dimensatildeo da experiecircncia que se explicitam os campos de confrontaccedilatildeo e
negociaccedilatildeo e se daacute a primeira ancoragem para as narrativas puacuteblicas e oficiais e as narrativas e
memoacuterias pessoais ou autobiograacuteficas Para Ricoeur os graus de convergecircncia ou natildeo entre a
memoacuteria coletiva e as memoacuterias autobiograacuteficas indicam niacuteveis de identificaccedilatildeo pessoal e os
significados elevados ou natildeo de siacutembolos como bandeiras e hinos
Essa temaacutetica da accedilatildeo discutida por Ricoeur (1991) ajuda a evidenciar as diferentes
formas de inscriccedilatildeo da memoacuteria na historiografia e nos museus e entender o diaacutelogo entre
culturas (museus e escolas) comparando situaccedilotildees e tipos de atividades (regimes de accedilatildeo)
assentadas em uso de recursos culturais de fundo comum
A narrativa para Ricoeur se daacute como articulaccedilatildeo temporal da accedilatildeo Uma ficcionalizaccedilatildeo
da histoacuteria na forma como contamos o passado e uma historizaccedilatildeo da ficccedilatildeo que eacute a forma como
trabalhamos o imaginaacuterio Na descriccedilatildeo da funccedilatildeo narrativa se articulam as noccedilotildees de mimese e
intriga Enquanto a mimese eacute uma representaccedilatildeo criativa da accedilatildeo a intriga eacute o agenciamento de
fatos sujeitos e cenaacuterios ou seja os elementos estruturantes da proacutepria narrativa
Assim como a metaacutefora viva a narrativa produz efeitos de sentido e remete
simultaneamente a um fenocircmeno de inovaccedilatildeo semacircntica Enquanto a metaacutefora produz uma nova
pertinecircncia por meio de uma atribuiccedilatildeo impertinente que se manteacutem viva porque percebemos sua
espessura e resistecircncia ao emprego usual das palavras e a sua incompatibilidade com a
interpretaccedilatildeo literal (que seria considerada bizarra) a narrativa trabalha no mesmo plano da
invenccedilatildeo semacircntica ao criar uma intriga que eacute uma obra de siacutentese
Percebe-se a constituiccedilatildeo de uma intriga na narrativa de Maria Joseacute Mendes O relato de
visita ao museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto reuacutene em um quadro referencial fontes de procedecircncia
diversas a experiecircncia presencial no museu as demandas da formaccedilatildeo escolar e as interpelaccedilotildees
do acervo do museu Esse tipo de relato eacute tomado na pesquisa como uma imagem de contornos
mais abrangentes dos elementos evidenciados em vaacuterios outros relatos do grupo de visitantes Ele
sintetiza dados de pesquisa e conteuacutedos proacuteprios agraves situaccedilotildees de visitas assim como debates
sobre o uso do patrimocircnio cultural que proveacutem tanto da escola que promove a visita quanto dos
acervos dos museus Pretendo explicitar ao longo da anaacutelise o processo de elaboraccedilatildeo dos relatos
15
evidenciando as linhas mais gerais as texturas dos relatos as repeticcedilotildees de temas as imagens
recorrentes e natildeo propriamente os estilos pessoais e singulares de cada visitante
Para Ricoeur (1975) a questatildeo da narrativa eacute como configurar a experiecircncia temporal
vivida A narrativa eacute o dinamismo integrador que transforma um diverso de incidentes numa
histoacuteria una e completa Eacute a capacidade de reconfiguraccedilatildeo da experiecircncia temporal confusa em
funccedilatildeo de um referencial
A narrativa natildeo eacute soacute o ato jaacute inscrito eacute o ldquoconjunto das operaccedilotildees atraveacutes das quais uma
obra surge a partir do fundo opaco do viver do agir e do padecer para ser dada por um autor a
um leitor que a recebe e muda assim o seus agirrdquo (RICOEUR 1975 p31) Eacute a narrativa que
configura a mediaccedilatildeo entre a preacute-configuraccedilatildeo do campo praacutetico (vivido o antes) o estado da
experiecircncia (o tempo configurado o durante) e a praacutetica que lhe eacute posterior (tempo refigurado o
depois)
A visitante Maria Joseacute Mendes demarca uma temporalidade e natildeo uma simples cronologia
para a visita Seu texto comeccedila com uma data o dia da visita que marca um antes um durante e
um depois Em sua escrita esse antes eacute caracterizado pela imaginaccedilatildeo satildeo ideias que estavam em
sua mente anteriores agrave visita O que ela relata eacute o que aconteceu durante e apoacutes a visita suas
ideias a respeito dos museus mudaram por completo
No entanto o proacuteprio Ricoeur lembra que o relato eacute um ldquoato de testemunharrdquo que difere
do discurso Eacute como uma ldquonarrativa autobiograacutefica autenticada de um acontecimento passadordquo e
agrave medida que o narrador estaacute implicado na cena narradavivida gera uma suposta confiabilidade e
uma suspeita sobre o que ele diz (RICOEUR 2007 p172)
A confianccedila ou desconfianccedila em relaccedilatildeo ao testemunho traz o narrador para o mundo
puacuteblico e da criacutetica aos testemunhos A presenccedila no local da ocorrecircncia inerente ao ato de
testemunhar impotildee uma referecircncia de lugar e de tempo passado ao testemunho mas natildeo lhe
confere legitimidade em relaccedilatildeo ao aqui e agora O testemunho precisa ser autenticado e
acreditado por vaacuterias grandezas comparadas ateacute seu arquivamento (visibilidade e escrita)
(RICOEUR 2007 p175)
Testemunho e narrativa guardam traccedilos de escrituralidade comuns Todavia cada um traz
elementos especiacuteficos relativos ao lugar que os gerou e recebeu Como ldquorastros documentaisrdquo
narrativas e testemunhos estatildeo ligados ao lugar social que os produziram (CERTEAU 1982
16
p64) Esse debate amplia a noccedilatildeo de testemunho que passa a incluir todo e qualquer ldquovestiacutegiordquo
e interessa a essa pesquisa agrave medida que fundamenta uma abordagem que natildeo separa os relatos
escritos dos fotograacuteficos Para Ricoeur a ideia de indiacutecio inclui o testemunho oral ou escrito os
vestiacutegios natildeo verbais como as impressotildees digitais e arquivos fotograacuteficos que testemunham por
seu mutismo (RICOEUR 2007 p 185) O diaacutelogo de Ricoeur nesse caso eacute diretamente com
Carlo Ginzburg (1987) estabeleceu no interior da noccedilatildeo de rastro o conceito de documento em
toda a sua envergadura A raiz comum entre testemunho e indiacutecio eacute a noccedilatildeo de rastro Haacute uma
relaccedilatildeo de complementaridade entre testemunho e indiacutecio para Ricoeur
Decorre dessa ampliaccedilatildeo documental uma seacuterie de analogias relacionando grafia e pintura
no sentido de impressatildeo e evocaccedilatildeo Pode-se dizer tambeacutem que relatos escritos e fotograacuteficos satildeo
complementares na narrativa das visitas aos museus O lugar da fotografia nos relatos eacute
semelhante ao da escrita Ambas configuram ldquomensagens e maneiras de dizer e pensar que
aderem uma agrave outrardquo (RICOEUR 2007 p178)
O primeiro plano dos relatos principalmente das fotografias eacute marcado pela iniciativa
individual em preservar seus proacuteprios rastros os rastros de sua atividade Para Ricoeur essa
iniciativa inaugura o ato de fazer histoacuteria ou a primeira operaccedilatildeo de constituiccedilatildeo de um arquivo a
primeira mutaccedilatildeo historiograacutefica de uma memoacuteria viva Constituiacutedo como testemunho esse
primeiro plano pode ser invocado por algueacutem e desloca-se do seu autor para ser recolhido como
ldquoprova documentalrdquo Marc Bloch lembra Ricoeur coloca a questatildeo dos testemunhos em termos
de rastros de vestiacutegios do passado (testemunhos natildeo-escritos) e depois dos indiacutecios (Ginzburg)
que fazem parte da operaccedilatildeo de observaccedilatildeo histoacuterica com relaccedilatildeo aos ldquotestemunhos do tempordquo
(BLOCH 2002 p69) A consequecircncia desse argumento eacute que nem toda histoacuteria vivida eacute narrada
mas toda a historiografia eacute narrativa
A ambiccedilatildeo da narrativa histoacuterica eacute refigurar a condiccedilatildeo histoacuterica e de elevar seu estatuto
ao de bdquoconsciecircncia histoacuterica‟ Esse processo de reconfiguraccedilatildeo do tempo embora se
pretenda totalizante ocorre como mediaccedilatildeo imperfeita entre o futuro como horizonte de
expectativas o passado como tradiccedilatildeo e o presente como surgimento intempestivo
(RICOEUR 1975 p31)
17
A narrativa histoacuterica produzida pelos historiadores eacute uma construccedilatildeo que cria enredos
com elementos presentes na vida e o mundo refigurado da cultura com uma noccedilatildeo ampla de
produtora de sentidos e identidades12
Em A memoacuteria a histoacuteria o esquecimento Ricoeur (2007 p380) apresenta uma soluccedilatildeo
distinta dos historiadores dos Annales (Le Goff Pierre Nora) para o problema da narrativa e do
tempo histoacuterico na articulaccedilatildeo memoacuteria-histoacuteria Ao retomar o conceito de historicidade que
surge na filosofia alematilde do seacuteculo XIX e de histoacuteria Ricoeur identifica como se configurou a
oposiccedilatildeo entre uma histoacuteria como singular coletivo que
ldquoliga as histoacuterias especiais sob um conceito comum enquanto conhecimento narrativa e
ciecircncia histoacuteria e o nascimento do conceito de histoacuteria como coletivo singular sob o qual
se reuacutene o conjunto das histoacuterias particulares marca a conquista da maior distacircncia
concebiacutevel entre a histoacuteria una e a multiplicidade ilimitada das memoacuterias individuais e a
pluralidade das memoacuterias coletivasrdquo (RICOEUR 2007 p315)
Essa mudanccedila cria um sentido de histoacuteria universal um objeto total e um sujeito uacutenico A
memoacuteria eacute vista com desconfianccedila e descredenciada enquanto a histoacuteria problematiza os
testemunhos religiosos e a memoacuteria coletiva (crenccedilas) e se propotildee a representar o passado no
presente A autonomia da histoacuteria se afirma nos Annales que natildeo devem mais nada a
rememoraccedilatildeo e recorrem agrave introduccedilatildeo de novas exigecircncias retoacutericas por vias extramemoriais A
noccedilatildeo de fonte se liberta da noccedilatildeo de testemunho ldquoConstroacutei-se um passado que ningueacutem pode
lembrar [] A histoacuteria deixou de ser parte da memoacuteria e a memoacuteria se tornou parte da histoacuteriardquo
(RICOEUR 2007 p399)
Ricoeur investe em redefinir as relaccedilotildees entre histoacuteria e memoacuteria na contemporaneidade e
reconhecer os ldquotraccedilos da memoacuteria e do esquecimento que permanecem os menos sensiacuteveis agraves
variaccedilotildees resultantes de uma histoacuteria dos investimentos culturais da memoacuteriardquo (2007 p 398)
Frente agrave tese da escola dos Annales de subordinaccedilatildeo da memoacuteria agrave histoacuteria e a uma literatura da
crise da memoacuteria Ricoeur responde com a hipoacutetese das ldquopotencialidades mnemocircnicas
dissimuladas pelo cotidianordquo cujo histoacuterico contado e o mnemocircnico experimentado se recruzam
(2007 p401)
12 Isabel Barca e Mariacutelia Gago (2004 p29-39) discutem o papel das narrativas histoacutericas e seus usos educacionais na
constituiccedilatildeo de um pensamento histoacuterico entre os jovens portugueses
18
ldquo[] o desespero do que desaparece a impotecircncia para acumular a lembranccedila e arquivar
a memoacuteria o excesso de presenccedila de um passado para sempre irrevogaacutevel a fuga
desnorteada do passado e o congelamento do presente a incapacidade de esquecer e a
incapacidade de se lembrar do acontecimento a uma boa distacircnciardquo (RICOEUR 2007
p401)
Ricoeur aponta que a dinacircmica do esquecimento e da lembranccedila gera tanto uma crise da
memoacuteria quanto um horror agrave histoacuteria ou da presenccedila e da ausecircncia de referecircncias em relaccedilatildeo ao
passado e ao presente A ldquoexperiecircncia viva do reconhecimentordquo redefine a dimensatildeo nostaacutelgica e
as relaccedilotildees memoacuteria e histoacuteria Ricoeur define como ldquooperaccedilatildeo historiadorardquo toda a accedilatildeo que vai
dos arquivos aos textos publicados Para ele um livro de histoacuteria eacute um documento aberto agrave
reinscriccedilatildeo e submetido agrave revisatildeo contiacutenua O que Michel de Certeau (1982 p94) chama de
operaccedilatildeo escrituraacuteria ou uma fase da representaccedilatildeo histoacuterica Ricoeur acredita que atravessa
todos os momentos da escrita da histoacuteria do niacutevel documental ou seleccedilatildeo das fontes ao niacutevel
explicativo-compreensivo com a escolha dos modos concorrentes e as variaccedilotildees de escala da
narrativa (RICOEUR 2007 p249)
Para Ricoeur representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo estatildeo juntas em toda a operaccedilatildeo de
visualizaccedilatildeo das coisas ausentes do passado ou ainda na tripla aventura que vai do
arquivamento agrave explicaccedilatildeo e representaccedilatildeo Para o autor haacute um embate entre duas escritas para
gerar na histoacuteria um modo literaacuterio da escrituralidade (narrativa) Uma primeira escrita eacute dos
arquivos (memoacuteria) e outra dos historiadores (histoacuteria) ldquoA explicaccedilatildeocompreensatildeo encontra-se
assim enquadrada por duas escritas uma escrita anterior e uma escrita posterior Ela reconhece a
energia da primeira e antecipa a energia da segundardquo (RICOEUR 2007 p 148)
A coerecircncia da narrativa confere visibilidade e busca legitimidade para a encenaccedilatildeo do
passado que daacute a ver Haacute um jogo entre a remissatildeo da imagem e a coisa ausente Uma narrativa
natildeo se parece com os acontecimentos que ela narra Haacute uma prefiguraccedilatildeo uma configuraccedilatildeo e
refiguraccedilatildeo da imagem criada pela amplidatildeo da narrativa e por seu alcance (RICOEUR 2007 p
292)
Em Ricoeur como o problema da memoacuteria natildeo aparece em oposiccedilatildeo agrave histoacuteria pode-se
considerar que em relaccedilatildeo agraves visitas presenciais a museus as imagens da memoacuteria e da histoacuteria
atravessam tanto os relatos dos visitantes quanto a narrativa do museu Ou ainda que as imagens
de museu produzidas pelos visitantes e aquelas produzidas pelos proacuteprios museus podem ser
19
analisadas em um circuito de cultura no qual museu e visitantes tem ambos poder de
representaccedilatildeo
O relato da estudante em visita ao Museu Abiacutelio Barreto coloca o museu em outro
circuito o da proacutepria escola ao fazer uma releitura do sentido e das marcas deixadas pelo museu
quando de sua passagem pelo casaratildeo e suas atividades O depois da visita eacute vivido como uma
nova temporalidade que constitui outro museu imaginado com referecircncia ao durante e ao antes
da visita
12 - A presenccedila de estudantes
As abordagens sobre aprendizagem em ambientes que tratam do patrimocircnio da arte e da
histoacuteria priorizam ora os museus ora as escolasvisitantes A superaccedilatildeo dessas anaacutelises
fragmentaacuterias ou dicotocircmicas implica em refletir sobre os conceitos trabalhados no proacuteprio
campo museoloacutegico e formativo como as ideias de patrimocircnio memoacuteria e histoacuteria
Discutir o estatuto do conhecimento produzido pelos visitantes de museus eacute um ponto de
partida para a reflexatildeo sobre os sentidos das praacuteticas culturais que perpassem museus e escolas
Outra dimensatildeo da pesquisa eacute a ampliaccedilatildeo das reflexotildees teoacutericas e metodoloacutegicas sobre as
competecircncias culturais ou a formaccedilatildeo histoacuterica em especial suas dimensotildees esteacuteticas e poliacuteticas
desencadeadas a partir das visitas
Gumbrecht (1998 e 2010) ao discutir sobre a produccedilatildeo de presenccedila sugere um repertoacuterio
de anaacutelise cultural que busca discernir os efeitos de presenccedila e os efeitos de sentido Ele distingue
uma ldquocultura de presenccedilardquo de uma ldquocultura de sentidordquo O que diferencia uma da outra e
interessa a esta anaacutelise das visitas a museus eacute o papel do sujeito ou subjetividade que ocupa
lugar central na cultura de sentido mas que soacute eacute considerado efetivamente em seu corpo como
parte da existecircncia das coisas numa cultura de presenccedila
A decorrecircncia dessa distinccedilatildeo entre sentido e presenccedila eacute que o conhecimento produzido
numa cultura de sentido soacute pode ser legitimado por um sujeito em seu ato de interpretar o mundo
Jaacute na cultura de presenccedila o conhecimento legiacutetimo eacute apresentado se manifesta ele natildeo vem
diretamente do esforccedilo individual para interpretar e criar um sentido Os objetos se impotildeem ao
sujeito e sua vontade eacute confrontada pela presenccedila
20
Na visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto eacute a presenccedila dos objetos catalogados como
histoacutericos que cria um olhar diferente para esses objetos Eacute o visitante que presente no museu
confere sentidos aos objetos que vecirc expostos e entende que a mudanccedila na ordem de organizaccedilatildeo e
apresentaccedilatildeo cria uma nova visualidade para os objetos
Essa polecircmica sobre presenccedila e sentido eacute um alerta para os perigos do afastamento do
corpo das marcas de produccedilatildeo de sentido proacuteprias agrave modernidade ocidental que assume uma
oposiccedilatildeo entre sujeito (puro espiacuterito) e objeto (pura materialidade) Para Gumbrecht essa
oposiccedilatildeo levou o sujeito a assumir a posiccedilatildeo de observador de um mundo de objetos no qual se
inclui o seu proacuteprio corpo Se por um lado o ganho dessa visatildeo eacute uma demanda constante de
interpretaccedilatildeo de outro promove-se uma perda ou ldquodesmaterializaccedilatildeo da culturardquo transformando
o mundo em ldquorepresentaccedilatildeordquo (GUMBRECHT 2010 p 75-8)
Interessa-nos destacar tambeacutem nesta perspectiva apontada por Gumbrecht os limites da
ideia de representaccedilatildeo13
como capaz de compensar as deficiecircncias de ldquoexpressatildeordquo Ele considera
que como ldquonenhuma das muacuteltiplas representaccedilotildees pode jamais pretender ser mais adequada ou
epistemologicamente superior a todas as outrasrdquo cria-se uma ldquocrise de consciecircncia provocada
pelas muacuteltiplas representaccedilotildeesrdquo (GUMBRECHT 2010 p 82) Para o autor eacute a presenccedila como
uma dimensatildeo fiacutesica e de tangibilidade14
que estaacute em tensatildeo com o princiacutepio da representaccedilatildeo
A partir da ideia de presenccedila pode-se inferir que nas visitas aos museus se produz um
fluxo temporal em que no momento presente o passado e o futuro se encontram Por meio deste
movimento no tempo a ldquoconsciecircnciardquo do visitante eacute transformada por uma rede de relaccedilotildees que
expressam uma nova impressatildeo de estar presente no mundo
Os objetos dos museus tomam novos sentidos atualizados pelo visitante Natildeo eacute soacute a
exposiccedilatildeo propriamente dita que chama a atenccedilatildeo do visitante mas toda a organizaccedilatildeo do espaccedilo
que se apresenta face a face como um circuito os projetos o edifiacutecio e o proacuteprio trabalho de
musealizaccedilatildeo ldquoGostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuteriasrdquo afirma a
visitante Maria Joseacute Mendes em presenccedila da reserva teacutecnica do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
A imagem de estantes giratoacuterias evocada pelo relato da estudante possibilita ampliar o uso
13 A criacutetica agrave representaccedilatildeo e agrave recepccedilatildeo eacute apresentada ao longo do texto e se fundamenta em autores como Ricoeur
(2007 p295-6) Raymond Williams (1969 e 1979) Stuart Hall (1997 e 2003) e Ranciegravere (2010) 14 As visitas em questatildeo satildeo presenciais e nisso se distinguem inicialmente de outras praacuteticas de memoacuteria que
incluem o uso de recursos tecnoloacutegicos para acesso agrave distacircncia (natildeo-presenccedila) aos museus e exposiccedilotildees
21
estritamente funcional dado pelo museu a esse objeto que natildeo faz parte da coleccedilatildeo mas que lhe
daacute suporte e deve facilitar a limpeza e armazenamento fiacutesico dos objetos museais Elevada ao
plano da narrativa de visita a ideia de girar deixa seu sentido meramente instrumental e ganha o
tom poeacutetico de mexer e revolver objetos que a funccedilatildeo museal possui Haacute um deslocamento pode-
se afirmar que natildeo haacute distinccedilatildeo para o gosto da visitante entre o que estaacute nas estantes e as
proacuteprias estantes O objeto museal eacute o proacuteprio mobiliaacuterio do museu e sua accedilatildeo de preservaccedilatildeo
natildeo aquelas coisas velhas que guarda O movimento das estantes eacute compartilhado com prazer
pelo olhar da visitante e coloca a cultura do museu em circulaccedilatildeo
A cultura de presenccedila eacute descrita por Gumbrecht como uma cosmologia em que ldquoos seres
humanos querem relacionar-se com a cosmologia envolvente pela inscriccedilatildeo de si mesmos ou
seja de seus proacuteprios corpos nos ritmos dessa cosmologiardquo (2010 p108-109) A accedilatildeo se faz
como ldquomagiardquo ou seja a praacutetica de tornar presentes coisas que estatildeo ausentes e ausentes coisas
que estatildeo presentes A cultura da presenccedila sugere abordar as situaccedilotildees de visita como epifanias
cujos efeitos de presenccedila e sentido satildeo efecircmeros Ou ainda com uma temporalidade espacial
descrita como um evento que surge do nada e irrompe com os sentidos estabelecidos
Estes efeitos da presenccedila podem ser observados nos relatos dos visitantes De um lado o
museu pode ser considerado como um sentido jaacute instituiacutedo um trabalho concluiacutedo que pretende
ser universal mas que esgotou sua potecircncia criadora e que portanto soacute afeta o visitante
mobilizando-o a uma criacutetica agraves suas concepccedilotildees e exposiccedilotildees Do outro lado a presenccedila no
museu provoca os sentidos dos visitantes e cria princiacutepios de tensatildeo com a ideia de representaccedilatildeo
dominante da proacutepria histoacuteria presente no museu e no visitante Ou ainda a presenccedila investe-se
de uma funccedilatildeo encantatoacuteria capaz de tornar as coisas ausentes presentes e vice-versa
(GUMBRECHT 2010 p14)
Gumbrecht desenvolve aleacutem de uma criacutetica agrave representaccedilatildeo uma ressalva quanto agrave noccedilatildeo
de que a mateacuteria se estabilizaria ao longo do tempo sendo capaz de produzir um efeito de
fronteira de fixidez e superfiacutecie Na tentativa de inverter e devolver a ldquocoisidaderdquo agrave consciecircncia e
a ldquoaparecircnciardquo ao corpo como condiccedilatildeo na qual o mundo nos eacute dado e apresentado aos sentidos
22
ele se coloca em tensatildeo com a abordagem interpretativa15
Pensando que a relaccedilatildeo com os
artefatos culturais nunca eacute uma simples atribuiccedilatildeo de sentido e que coisas estatildeo perto ou longe
de nossos corpos Gumbrecht aponta que a relaccedilatildeo cotidiana com o mundo faz esquecer e implica
uma camada diferente de sentido (2010 p85-88)
O trabalho de visitas a museus permite um contato com os objetos histoacutericos uma
frequumlentaccedilatildeo que cria interaccedilotildees explicita diferenccedilas e aproximaccedilotildees culturais O visitante
dialoga questiona a mensagem expositiva e pode elaborar sentidos diversos dos apresentados
pelos museus
Vale ressaltar que para o autor a presenccedila natildeo vem sem apagar os sentidos que a
representaccedilatildeo gostaria de designar seus fundamentos a sua origem e seus temas A presenccedila natildeo
eacute uma presenccedila realmente existente ela se apresenta em permanente condiccedilatildeo de ldquotemporalidade
extremardquo eacute suacutebita de caraacuteter efecircmero surge e desaparece como eacute caracteriacutestico da experiecircncia
esteacutetica que se torna evidente e evanescente ao mesmo tempo (GUMBRECHT 2010 p83)
A experiecircncia esteacutetica se localiza a certa distacircncia do mundo cotidiano e produz diversas
figuras temporais Natildeo existe um resultado previsiacutevel oacutebvio ou tiacutepico que a experiecircncia esteacutetica
acrescenta ao cotidiano A visita a museus pode ser vista como um ldquoacontecimento de verdaderdquo
um evento que nos faz ver as coisas de ldquoum modo diferente do habitualrdquo como relata Maria Joseacute
Mendes diante do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto Entrar em um museu eacute entrar numa paisagem
e exercitar uma performance
estar dentro dessa paisagem eacute um requisito fundamental para restabelecer o
enraizamento do histoacuterico devir Ter uma substacircncia (corpo) ocupar um espaccedilo implica
na possibilidade de revelar um movimento multidimensional vertical (balanccedilo) e
horizontal (ideia aspecto) O movimento de balanccedilo eacute um suster-se ali-em si mesmo
Uma dimensatildeo horizontal eacute ser percebido dentro da situaccedilatildeo bdquoser revelado‟ e natildeo bdquorepresentado‟ (GUMBRECHT 2010 p86-100)
Seguindo as indicaccedilotildees de Gumbrecht sobre o princiacutepio da presenccedila a relaccedilatildeo do visitante
de museu com o passado eacute diferente da ideacuteia de nostalgia de viagem no tempo de
15 Paul Ricoeur em Do texto agrave accedilatildeo amplia o termo interpretaccedilatildeo associando-o ao sentido de apropriaccedilatildeo cuja
finalidade eacute a luta contra a distacircncia cultural A interpretaccedilatildeo aproxima equaliza torna contemporacircneo e semelhante
torna proacuteprio o que era estrangeiro (RICOEUR 1991 p156)
23
restabelecimento ou de retrocesso16
O passado entendido pelo autor como produto da cultura eacute
caracterizado por sua materialidade e possibilidade de usos em cenaacuterios de simultaneidade de
referecircncias Haacute uma presenccedila do passado que eacute incorporado e um presente da accedilatildeo
Parece ser este o sentido da orientaccedilatildeo para a accedilatildeo que a visitante observa em seu uacuteltimo
comentaacuterio sobre a visita ao Museu Abiacutelio Barreto Maria Joseacute Mendes articula duas formas de
ver a histoacuteria o que foi visto no museu e o que foi visto no seu curso de licenciatura em Histoacuteria
As consequecircncias de suas observaccedilotildees no museu a levam a concluir que o historiador a partir dos
Annales trabalha com perguntas que os objetos vistos respondem Logo para Maria Joseacute
Mendes a operaccedilatildeo historiograacutefica parece se completar A visita mobiliza a formaccedilatildeo do objeto
imaginaacuterio e as mudanccedilas de perspectivas da visitante Eacute possiacutevel tambeacutem caracterizar a visita ao
museu como uma ldquoexperiecircncia esteacuteticardquo ou seja como uma dimensatildeo viva que oscila entre os
efeitos de sentido e os efeitos de presenccedila A visitante se potildee no museu numa condiccedilatildeo de
ldquoinsularidaderdquo e de predisposiccedilatildeo para a ldquointensidade concentradardquo para uma tensatildeo produtiva
que oscila simultaneamente entre sentido e presenccedila diferente de suas atividades cotidianas
(GUMBRECHT 2010 p 136)
O Museu prevecirc a participaccedilatildeo do visitante e estabelece tambeacutem um horizonte de
expectativas culturais e histoacutericas em relaccedilatildeo ao receptor Essas expectativas dos museus em um
dado momento encontram desapontam ou antecipam o horizonte de expectativas do visitante O
conhecimento do visitante eacute atualizado agrave medida que em presenccedila do patrimocircnio musealizado
reformulam-se suas expectativas e ele reinterpreta o que foi visitado A experiecircncia esteacutetica
realiza-se no visitante Eacute o que afirma Maria Joseacute Mendes ao visitar o Museu Histoacuterico Abiacutelio
Barreto em Belo Horizonte com seus colegas Ela imaginava outro tipo de museu se
surpreendeu durante e apoacutes a visita e mudou sua mente por completo o museu natildeo era um local
que as pessoas iam para ver coisas velhas Percebeu no museu algo ineacutedito um historiador tem
vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 200517
)
Durante a visita o estudante confronta suas expectativas com o que encontrou no Museu
Mudou de opiniatildeo sobre o que era um museu a partir daquela visita Outros visitantes conforme
16 A expressatildeo futuro passado de Koselleck (2006 p21) eacute uma categoria explicativa da dinacircmica dos tempos
histoacutericos que dialoga com a dimensatildeo da presenccedila discutida por Gumbrecht 17 Os relatoacuterios de visita produzidos pelos estudantes e utilizados na tese seratildeo citados individualmente
mencionando-se o nome do autor
24
exploraremos no capiacutetulo seguinte tambeacutem reconhecem o papel da visita ao Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto na mudanccedila em suas concepccedilotildees de museu
A visitante cria um enredo proacuteprio para a visita e organiza um repertoacuterio que serve de
pano de fundo para sua narrativa Maria Joseacute Mendes atualiza seus conhecimentos ao declarar
que o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto realiza um trabalho diferente dos museus que ela jaacute havia
visitado laacute no museu eles preservam a memoacuteria da cidade e integram o objeto ao cotidiano da
sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo Horizonte era apenas um arraial chamado
Curral Del Rei Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para ser objeto museoloacutegico (Maria Joseacute
Mendes Fipel 2005)
Outras observaccedilotildees podem ser feitas a partir do relato da visitante Uma delas eacute que os
museus natildeo satildeo depoacutesito (lugar de memoacuteria) Cada visita a um museu situa temporalmente cada
um dos visitantes pois possibilita que eles momentaneamente se distanciem de sua imersatildeo no
tempo presente e participem de experiecircncias de outras temporalidades
A perspectiva adotada por cada museu se define concretamente no processo de
resignificaccedilatildeo do visitante que converte a cada olhar os artefatos expostos em objetos histoacutericos
O museu por sua vez eacute quem forccedila o visitante a exercer sua atividade produtiva a posicionar-se
O Museu coloca em jogo a produtividade do visitante ao estimular suas capacidades A visita
exercitada torna-se tambeacutem um prazer para o visitante uma aula praacutetica de como fazer Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
A experiecircncia vivida nas visitas aos museus oferece graus distintos de intensidade Aleacutem
da experiecircncia puramente fiacutesica resultante da presenccedila os visitantes investem em objetos de
fasciacutenio que comeccedilam por ativaacute-los e convocaacute-los a se integrar no circuito do museu O museu se
apresenta como ldquorelevacircncia impostardquo ndash objetos que desviam nossa atenccedilatildeo das rotinas diaacuterias em
que estamos envolvidos e nos separam delas A presenccedila de determinados objetos da experiecircncia
a nos convidar para a serenidade isto eacute a estarem ao mesmo tempo concentrados e disponiacuteveis
sem deixarem que a concentraccedilatildeo se calcifique na tensatildeo de um esforccedilo (GUMBRECHT 2010
p 132)
A visitante Maria Joseacute Mendes percebe no museu o trabalho com diferentes tipos de
objetos e como o museu cria um tipo de objeto especiacutefico retirado do cotidiano e transformado
em objeto museoloacutegico No Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a visitante percebe a operaccedilatildeo
25
museal para criar um passado para a cidade de Belo Horizonte chamado Curral Del Rei cuja
narrativa estaacute associada ao iniacutecio agrave fundaccedilatildeo da nova capital A presenccedila como fenocircmeno
efecircmero pode ser discutida tambeacutem nas fotografias18
dos visitantes desde a entrada nos museus
como desejo e expectativas durante o percurso interno das exposiccedilotildees como reaccedilotildees agraves
condiccedilotildees especiacuteficas da cultura de sentido ateacute a saiacuteda dos locais quando se configura uma
ausecircncia ou o desaparecer da presenccedila A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita
emergir um campo de investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em
relaccedilatildeo ao saber histoacuterico a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica
A partir das dinacircmicas e interaccedilotildees experimentadas e interpretadas pelos estudantes em
visitas a museus pretende-se discutir como se daacute o aprendizado histoacuterico e a formaccedilatildeo histoacuterica
na perspectiva que lhe atribui Ruumlsen (2007 p104) enquanto a capacidade de constituiccedilatildeo de uma
narrativa de sentido
A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade
temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo como o passado permanece como
passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa experiecircncia temporal essa
vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que experimentada abre o potencial de
futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
Para Ruumlsen (2007 p95) a formaccedilatildeo histoacuterica pode ser entendida sob dois aspectos
primeiro como saber histoacuterico siacutentese da experiecircncia com a interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo para a
vida praacutetica e segundo como processo de socializaccedilatildeo e individuaccedilatildeo que trata da dinacircmica de
formaccedilatildeo da identidade histoacuterica O autor observa que o aprendizado histoacuterico natildeo acontece
apenas no ensino de histoacuteria mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos
aprendizes A formaccedilatildeo histoacuterica se opotildee criticamente agrave unilateralidade agrave especializaccedilatildeo
excessiva e agrave fragmentaccedilatildeo do saber cientiacutefico Eacute uma competecircncia que articula niacuteveis cognitivos
18 Muitas fotografias ficaram reservadas agrave circulaccedilatildeo restrita e apresentadas a pequenos grupos e professores Outras figuram em aacutelbuns e siacutetios virtuais Seus produtores diretos decidem se as compartilham ou natildeo com outras pessoas
com amigos familiares ou ambientes virtuais Foram selecionadas aquelas que aparecem nos relatoacuterios de avaliaccedilatildeo
apresentados pela turma
26
e formas e conteuacutedos cientiacuteficos ao seu uso praacutetico Essas competecircncias de formaccedilatildeo estatildeo
relacionadas simultaneamente ao saber agrave praacutexis e agrave subjetividade Para o autor eacute a carecircncia de
orientaccedilatildeo do sujeito que vincula saber e agir (RUumlSEN 2007 p110)
Ruumlsen (2007) caracteriza de forma inspiradora o aprendizado histoacuterico e o papel produtivo
do sujeito na histoacuteria Para ele haacute um duplo movimento algo objetivo torna-se subjetivo um
conteuacutedo da experiecircncia de ocorrecircncias temporais eacute apropriado simultaneamente um sujeito
confronta-se com essa experiecircncia que se objetiva nele (RUumlSEN 2007 p106) A apropriaccedilatildeo da
histoacuteria transforma um dado objetivo um acontecimento que ocorreu no tempo passado em
realidade da consciecircncia em algo subjetivo Desse ponto de vista o sujeito constitui sua
subjetividade afirma a si proacuteprio ao aprender a dimensatildeo temporal do passado interpretado em
seu presente A formaccedilatildeo consegue efetivar a articulaccedilatildeo entre objetividade e subjetividade
realizar a passagem do dado objetivo agrave apropriaccedilatildeo subjetiva e da busca subjetiva de afirmaccedilatildeo
ao entendimento objetivo Nas palavras de Ruumlsen (2007 p110) haacute uma intensificaccedilatildeo dos
pressupostos subjetivos ao manejar de forma cognitiva o passado contrapondo-se agrave alteridade do
passado reconhecendo o estranho e assim descobrir-se como proacuteprio (histoacuteria como vida)
Para Reinhart Koselleck (2006 p308-314) um movimento semelhante ao da formaccedilatildeo
histoacuterica de Ruumlsen pode ser observado no trabalho com as categorias histoacutericas de espaccedilo de
experiecircncia e horizonte de expectativa Ambas estatildeo interligadas e se ocupam da questatildeo do
tempo histoacuterico Ao entrelaccedilar passado e futuro dirigem as accedilotildees concretas no movimento social
e poliacutetico
Koselleck (2006 p309-310) afirma que a experiecircncia eacute o passado atual aquele no qual
os acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados Jaacute a expectativa eacute ao mesmo
tempo ligada agrave pessoa e ao interpessoal tambeacutem se realiza no hoje eacute futuro presente voltado
para o ainda-natildeo para o natildeo experimentado para o que apenas pode ser previsto
A experiecircncia possibilita tornar presente os acontecimentos passados e avaliaacute-los
Contudo sem o horizonte de expectativas o espaccedilo da experiecircncia eacute vago Eacute o horizonte de
expectativas que manteacutem em aberto o espaccedilo para o futuro (KOSELLECK 2006 p313)
Para Ruumlsen (2007 p110) o processo de aprendizado e apropriaccedilatildeo da experiecircncia
histoacuterica se daacute por meio de trecircs operaccedilotildees experiecircncia interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo O
aprendizado histoacuterico produz a ampliaccedilatildeo da experiecircncia do passado humano aumentando a
27
competecircncia de interpretaccedilatildeo dessa experiecircncia e reforccedilando a capacidade de inserir e utilizar as
interpretaccedilotildees histoacutericas no quadro de orientaccedilatildeo da vida praacutetica
Ao discutir sobre o aprendizado histoacuterico e a apropriaccedilatildeo histoacuterica pelo presente no
sentido de uma memoacuteria viva o proacuteprio Ruumlsen indica que a histoacuteria faz parte da cultura poliacutetica e
se apresenta como elementos identitaacuterios e nacionais Para o autor as diretrizes curriculares para o
ensino de histoacuteria os monumentos e as exposiccedilotildees satildeo exemplos dessa dimensatildeo histoacuterica vivida
de forma natildeo escolar Para Ruumlsen estas histoacuterias estatildeo presentes nas circunstacircncias da vida
concreta mas permitem tambeacutem lanccedilar pontes ao aprendizado de experiecircncias histoacutericas e de
futuro (RUumlSEN 2007 p107)
A perspectiva teoacuterica aberta por Ruumlsen articula as questotildees relativas ao ensino de histoacuteria
aos fundamentos da ciecircncia da histoacuteria A contribuiccedilatildeo de Ruumlsen eacute recompor o campo do ensino
com o que chamamos de dimensatildeo da pesquisa19
Em primeiro lugar ele afasta uma concepccedilatildeo
de didaacutetica como algo externo agrave produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico pelos especialistas Para
Ruumlsen a didaacutetica natildeo eacute mera aplicaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo nem meacutetodo de ensino indiferente aos
mecanismos especiacuteficos do trabalho cognitivo da histoacuteria Os impulsos advindos do ensino e do
aprendizado de histoacuteria natildeo podem ser dispensados na ciecircncia da histoacuteria A teoria da histoacuteria se
faz para Ruumlsen sob a reflexatildeo sobre as carecircncias de orientaccedilatildeo existencial e das formas de
apresentaccedilatildeo Essas carecircncias satildeo sobretudo de ordem poliacutetica e esteacutetica As funccedilotildees praacuteticas do
saber histoacuterico satildeo tatildeo necessaacuterias quanto o processo cientiacutefico de conhecimento (RUumlSEN 2007
p122)
Para Ruumlsen o saber histoacuterico desempenha funccedilotildees na vida cultural do tempo presente Ele
defende que no trabalho do historiador forma e funccedilatildeo natildeo se separam Essa separaccedilatildeo eacute feita
pela tradiccedilatildeo retoacuterica da historiografia dando agrave teoria da histoacuteria o poder de cuidar das regras da
escrita historiograacutefica e da poeacutetica normativa o como escrever Com a cientificizaccedilatildeo da
historiografia a Histoacuteria passou a cuidar das regras da pesquisa histoacuterica e o aspecto da forma
ficou sendo externo agrave especializaccedilatildeo A didaacutetica da histoacuteria nas duas tradiccedilotildees historiograacuteficas
ficou de fora da composiccedilatildeo da disciplina especializada A didaacutetica eacute vista hoje como mera
aplicaccedilatildeo pedagoacutegica um referente externo do saber histoacuterico (RUumlSEN 2007 p11)
19 Haacute uma vasta bibliografia acadecircmica desde a deacutecada de 1980 que discute o ensino de histoacuteria no Brasil e dentre
outros temas a articulaccedilatildeo ensino e pesquisa a avaliaccedilatildeo criacutetica aos curriacuteculos e programas oficiais e articulaccedilatildeo de
grupos de pesquisa Ver Nadai(1993) e Caimi (2001)
28
O museu pode ser interrogado nesse mesmo sentido e deixar de ser considerado um
recurso metodoloacutegico para se tornar parte do aprendizado histoacuterico como fonte tema de pesquisa
e produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos e educacionais
Ruumlsen (2007 p87) reuacutene teoria e didaacutetica ao indicar que formas e funccedilotildees do saber
histoacuterico fazem parte da matriz disciplinar da ciecircncia histoacuteria Ao reinscrever a didaacutetica no campo
da Histoacuteria como praacutetica de ciecircncia aponta para a funccedilatildeo praacutetica do saber histoacuterico Essa funccedilatildeo
praacutetica tem efeito sobre o processo de conhecimento influenciando nas perguntas iniciais que os
historiadores fazem ou seja na praacutexis historiograacutefica e tambeacutem possui uma funccedilatildeo de orientaccedilatildeo
praacutetica para a vida
Em Histoacuteria Viva Ruumlsen (2007) contribui para a formulaccedilatildeo de questotildees que articulam de
maneira praacutetica os campos da histoacuteria e da educaccedilatildeo pensando no ensino de histoacuteria20
O olhar
criacutetico do autor sobre a teoria da histoacuteria dirige-se em seguida para os processos elementares e
gerais de constituiccedilatildeo narrativa de sentido responde agraves carecircncias de orientaccedilatildeo e torna o saber
histoacuterico vivo (RUumlSEN 2007 p14)
O que Ruumlsen (2010 p59) chama de ldquoconsciecircncia histoacutericardquo eacute esse uso praacutetico do saber
histoacuterico que suscita questotildees sobre as funccedilotildees culturais das narrativas histoacutericas Ou seja as
questotildees praacuteticas da formaccedilatildeo e saber histoacuterico vatildeo aleacutem da ldquoteoria da histoacuteriardquo e recolocam o
problema da validade discursiva desse campo como ciecircncia especializada aleacutem de questionar o
que os historiadores fazem quando propotildeem formataccedilotildees historiograacuteficas da vida cultural de seu
tempo ou quais procedimentos adotam quando atuam nela
A leitura de Ruumlsen inspira a reflexatildeo sobre o sentido que as narrativas e exposiccedilotildees dos
museus possuem na vida cultural de uma sociedade e como elas se transformam em saberes
histoacutericos Ao entender como o visitante realiza movimentos que colocam em circulaccedilatildeo os
sentidos das narrativas de museus eacute possiacutevel investigar mecanismos poliacuteticos e esteacuteticos que
continuam sendo selecionados nessas narrativas e que as transportam do passado para o presente
No relato de Maria Joseacute Mendes pode ser vista essa operaccedilatildeo de construccedilatildeo de sentidos
proacuteprios agraves narrativas histoacutericas A visitante entende a dinacircmica museal natildeo em seu caraacuteter
instrumental mas como princiacutepio criador de versotildees histoacutericas A visitante do Museu Histoacuterico
20 Essas articulaccedilotildees tambeacutem satildeo discutidas pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo da Unicamp Ver
Zamboni (2007) e Zamboni e outros (2008)
29
Abiacutelio Barreto participa de uma dinacircmica que a leva a compreender que ldquoa partir de uma
montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes dependendo da
maneira como esse material foi expostordquo (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005) A operaccedilatildeo de
montagem e desmontagem eacute experimentada pela visitante que relaciona o procedimento do
museu com o procedimento dos historiadores em suas pesquisas e associa a ideia de deciframento
do que estaacute preservado e exposto ao trabalho de composiccedilatildeo realizado anteriormente
Outra questatildeo em relaccedilatildeo aos visitantes inspirada em Ruumlsen eacute discutir ateacute que ponto o
modo de narrar histoacuterias dos museus eacute utilizado na vida dos visitantes Ou seja como a maneira
argumentativa dos museus afeta a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes Ou no limite se visitar
museus influencia ou natildeo na forma de narrar a histoacuteria e viver o tempo presente
No relato de Maria Joseacute Mendes as dimensotildees da histoacuteria e da vida estatildeo presentes A
visita muda sua concepccedilatildeo de museu e de histoacuteria Ela traz da vivecircncia no museu para sua
concepccedilatildeo de histoacuteria a dimensatildeo material dos objetos e aproxima sua nova visatildeo de museu da
historiografia Como futura profissional da histoacuteria ela pode usar um novo arsenal o museu e sua
metodologia de trabalhar os objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
Em relaccedilatildeo agrave vida Maria Joseacute Mendes manteacutem sua condiccedilatildeo de visitante durante todo seu
relato mas faz um convite ldquoa exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que queiram verrdquo Essa abertura das
portas do museu ao puacuteblico reconhecida pela visitante implica em considerar que os
destinataacuterios na praacutexis museoloacutegica natildeo satildeo apenas os especialistas Mas a visitante parece
indicar que o lugar no qual se localiza essa praacutetica soacute atinge os que ldquoquerem verrdquo e nem todo
mundo quer ver o que tem em um museu Relacionado a uma forma de constituiccedilatildeo especiacutefica de
rdquonarrativa de sentidordquo o museu natildeo eacute igual ao conjunto da vida praacutetica Eacute preciso ir ateacute o museu e
querer vecirc-lo
Querer ver e ver de diferentes maneiras implica em reconhecer a heterogeneidade e a
diversidade que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica e as relaccedilotildees concretas dessa formaccedilatildeo no que se
refere a percursos graus de autonomia condiccedilotildees de trabalho docente diferenccedilas culturais e
enormes desigualdades sociais e econocircmicas reconhecer que professores e alunos dos diferentes
niacuteveis de ensino podem ser sujeitos histoacutericos agrave medida que constituem coletivamente para si
proacuteprios um tempo e espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimentos tempo e espaccedilo que incluam a
reflexatildeo e accedilatildeo sobre suas proacuteprias demandas e necessidades de formaccedilatildeo
30
14- Circuito e circularidade cultural
Feitas as consideraccedilotildees sobre as narrativas a presenccedila e a formaccedilatildeo histoacuterica a questatildeo a
ser enfrentada eacute como analisar as interaccedilotildees que emergem das accedilotildees dos sujeitos na produccedilatildeo de
novos significados para os bens culturais sem cair numa abordagem que prioriza as estruturas ou
as mediaccedilotildees institucionais que atuam com poder formativo e instrucional indicando roteiros de
interaccedilatildeo sobre os receptores ndash colocados no final do processo educativo
Algumas bases teoacutericas jaacute foram estabelecidas principalmente ao se discutir o conceito de
cultura de presenccedila para caracterizar a relaccedilatildeo com os museus Cabe sistematizar um pouco mais
a criacutetica agrave recepccedilatildeo e agrave representaccedilatildeo estabelecida pela ampliaccedilatildeo do conceito de cultura
realizada por Raymond Williams (1969 e 1979) e posteriormente alargada pela ideia de circuito
da cultura de Stuart Hall (1997 e 2003)
O debate teoacuterico em torno do conceito de cultura promovido por Raymond Williams
(1969 e 1979) e posteriormente os sentidos e usos que adquire pelos chamados Estudos
Culturais na criacutetica e reexame das relaccedilotildees entre comunicaccedilatildeo e sociedade articulam a dinacircmica
os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees e irresoluccedilotildees as inovaccedilotildees e mudanccedilas reais que se
produzem na proacutepria cultura em planos mais amplos a partir de um objetoproduto especiacutefico
rompendo com os paradigmas da recepccedilatildeo e representaccedilatildeo
Para Williams o cultural natildeo eacute mero reflexo ou tem papel residual nas anaacutelises O cultural
ocupa o lugar central eacute o lugar para onde se deve olhar pois permite ver a experiecircncia o modo
de vida indissoluacutevel na praacutetica em geral real material as formas dominantes residuais
(passado memoacuteria) e emergentes
Williams propotildee um meacutetodo de entendimento dos fenocircmenos da cultura como as
condiccedilotildees de vida comum tanto as normas quanto o vivido praacuteticas cotidianas natildeo cristalizadas
A cultura natildeo tem uma hierarquia fixa um dentro e um fora natildeo pode ser definida como alta ou
baixa A cultura eacute vista como experiecircncias efetivas e troca entre agentes natildeo redutiacuteveis aos
objetos (coisas) mas a todo um modo de vida comum A cultura eacute ordinaacuteria ou seja eacute
perpassada pelas ideias e praacuteticas sociais Assim em seu meacutetodo eacute possiacutevel pensar a estrutura da
experiecircncia ou as relaccedilotildees sociais mais amplas dentro de um caso particular
31
Outra contribuiccedilatildeo significativa de Williams (1992 p311) para a anaacutelise de nosso objeto
especiacutefico eacute a criacutetica ao sentido de transmissatildeo da cultura Para o autor soacute podemos pensar em
transmissatildeo se entendermos a comunicaccedilatildeo como a remessa de um sentido uacutenico Entretanto
para ele a recepccedilatildeo e resposta que completam a comunicaccedilatildeo dependem de fatores outros que
natildeo as teacutecnicas
A comunicaccedilatildeo se daacute como experiecircncia de agentes troca entre interlocutores Mas natildeo
vivemos em um mundo de iguais Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma
linguagem comum Haacute claramente uma dimensatildeo poliacutetica uma vontade de poder expressa nas
hierarquias postas As regras e valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem
as relaccedilotildees entre visitantes e museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Entretanto cabe
perguntar sobre quais formas de interlocuccedilatildeo podem emergir em um cenaacuterio de visita a uma
exposiccedilatildeo O Museu propotildee o rompimento com o caraacuteter transmissivo da cultura ou reitera os
padrotildees de uma cultura alta e autorizada e outra baixa O visitante pode fazer esse movimento de
interpretaccedilatildeo contraacuterio ao sentido prioritaacuterio do museu atribuindo um excesso de sentido poliacutetico
e esteacutetico agrave exposiccedilatildeo ou ele sempre elabora seu percurso de leitura com as matrizes e
referencias culturais da exposiccedilatildeo
Chega-se tambeacutem a outro movimento de ampliaccedilatildeo do sentido de cultura e da proacutepria
ideia de representaccedilatildeo como algo fixo Stuart Hall (1997 e 2003) ao formular a ideia de circuito
da cultura substitui o modelo teoacuterico que separava emissormensagemreceptor por estrutura
complexa de relaccedilotildees produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos mas interligados
produccedilatildeo circulaccedilatildeo distribuiccedilatildeoconsumo reproduccedilatildeo
Hall relaciona as praacuteticas culturais com formas e condiccedilotildees especiacuteficas Cada momento do
circuito remete ou re-envia ao outro produccedilatildeo-distribuiccedilatildeo-produccedilatildeo Formas simboacutelicas
especiacuteficas satildeo produtos de cada momento do circuito mas tambeacutem datildeo passagem a outros
significados e mensagens (signos-veiacuteculos) Podemos pensar a produccedilatildeo cultural como
instrumentos materiais (meios) organizados como praacuteticas e analisar a troca comunicativa na
forma discursiva da mensagem em suas formas visuais (imagens) e no seu proacuteprio discurso
expositivo (textonarrativa) e nas atividades propostas de interaccedilatildeo com o leitor (atividades
pedagoacutegicas)
32
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura
Production of CultureCultures of Production Londres Sege 1997
A anaacutelise cultural proposta por Suart Hall (2003) supera um modelo inicial de
codificaccedilatildeodecoficaccedilatildeo e passa a considerar que se as regras formais do discurso (sentido
preferencial) e a linguagem estatildeo em dominacircncia elas satildeo concretizadas na mensagem como
linguagem Ao serem decodificadas elas satildeo apropriadas e para que tenham efeito satisfaccedilam
necessidades ou tenha um uso pela audiecircncia haacute graus de assimetria e autonomia em relaccedilatildeo aos
coacutedigos da fonte e do receptor
Apresentadas a seguir as figuras 3 e 4 satildeo fotografias produzidas por um mesmo grupo
de estudantes de licenciatura em Histoacuteria21
em visita a dois diferentes museus o Museu do
Escravo em Belo Vale MG e o Museu Histoacuterico Nacional na cidade do Rio de Janeiro e
possibilitam aproximar o tema das visitas a museus agraves contribuiccedilotildees de Raymond Williams (1969
e 1979) e Stuart Hall (1997 2003 e 2008) entendidas como matriz teoacuterica de um movimento mais
amplo de anaacutelise cultural
21 O perfil do grupo seraacute apresentado no capiacutetulo seguinte
33
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do
Museu Histoacuterico Nacional 2008
Na figura 2 satildeo apresentadas duas fotografias de visitantes chegando ao Museu do
Escravo e dirigindo-se ao pavilhatildeo interno de exposiccedilotildees Em ambas fotografias os visitantes
estatildeo de costas para o fotoacutegrafo caminham apressadamente Os corpos dos visitantes estatildeo
enquadrados pela arquitetura do museu Numa primeira aproximaccedilatildeo pode-se pensar que os
visitantes satildeo receptores ou consumidores das representaccedilotildees das significaccedilotildees e valores do
museu
O conceito de circuito da cultura operacionalizado por Hall (1997) evidencia que as
questotildees que envolvem a anaacutelise de um produto ou praacutetica cultural natildeo se limitam apenas ao
lugar de sua representaccedilatildeo especiacutefica mas que todos os momentos da elaboraccedilatildeo da cultura
(produccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo representaccedilatildeo e identidade) estatildeo associados e se articulam As
34
fotografias dos visitantes apresentam os museus a partir da visita e do olhar dos proacuteprios
visitantes que se colocam dentro da cultura dos museus
O conceito de circularidade da cultura amplia o eixo do olhar sobre as praacuteticas e
artefatos culturais de modo a buscar outras institucionalidades sensibilidades subjetividades
produccedilotildees simboacutelicas e a abandonar uma visatildeo que separa definitivamente as identidades e
posiccedilotildees dos sujeitos em produtores e receptores Entrar nos museus eacute entrar num circuito e
colocar em circulaccedilatildeo seus sentidos e representaccedilotildees prioritaacuterias
Vistas novamente as fotografias da visita ao Museu do Escravo apontam um engajamento
dos sujeitos natildeo apenas pelo vieacutes do consumo Seus trajes coloridos se destacam das paredes
brancas e o museu tanto pode ver visto como o enquadramento central da cena quanto o cenaacuterio
de fundo para a accedilatildeo dos visitantes Haacute produccedilatildeo de um referencial identitaacuterio para o grupo e um
compartilhamento dessa representaccedilatildeo o que nos leva de volta agrave ideia de que os sujeitos se
constituem na cultura e que o consumo cultural se configura tambeacutem como praacutetica de produccedilatildeo
cultural
Na fotografia destacadas da visita ao Museu Histoacuterico Nacional (figura 3) os visitantes
esperam do lado de fora do museu o momento da visita A partir do modelo de circuito da cultura
podemos localizar inicialmente as representaccedilotildees de museu no acircmbito da regulaccedilatildeo Nesta
imagem dos visitantes dificilmente poderiacuteamos pensar numa simples transmissatildeo da cultura
mesmo em desigualdade de condiccedilotildees Antes mesmo de entrar pelo portatildeo principal haacute uma troca
de olhares entre museu e visitante que comeccedila com o registro dos rituais e ritmos estabelecidos
pelo museu O que pode ser visto e as maneiras de vecirc-las
A comunicaccedilatildeo entre museus e visitante se daacute como experiecircncia de agentes troca entre
interlocutores Natildeo haacute transmissatildeo de cultura do museu para o visitante Eacute o visitante que elabora
uma representaccedilatildeo de si mesmo e do museu E natildeo parece supor a igualdade de condiccedilotildees para as
produccedilotildees de cada agente Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma linguagem
comum entre museus e visitantes Na fotografia do Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) haacute uma
dimensatildeo poliacutetica (regulaccedilatildeo) uma vontade de poder expressa nas hierarquias postas As regras e
valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem as relaccedilotildees entre visitantes e
museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Haacute um guarda agrave porta do MHN que soacute se abriraacute no
horaacuterio determinado A fotografia registra o momento da espera Fica em aberto a pergunta sobre
35
as formas de interlocuccedilatildeo possiacuteveis num cenaacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional vencido o
momento da espera
As fotografias apontam que os visitantes produzem sentidos para a cultura a partir das
visitas que aconteceram ao longo da trajetoacuteria de formaccedilatildeo acadecircmica desse grupo especiacutefico Os
dois museus escolhidos foram visitados em momentos distintos da formaccedilatildeo dos estudantes22
O
Museu do Escravo em Belo Vale-MG visitado em 2006 e o Museu Histoacuterico Nacional no Rio
de Janeiro visitado em 2008
Os dois museus selecionados apresentam propostas expositivas conteuacutedos distintos e
estavam relacionados agraves atividades acadecircmicas desenvolvidas pelos professores do curso de
Licenciatura em Histoacuteria Cada museu se autorepresenta ao definir contemporaneamente sua
ldquomissatildeordquo no Cadastro Nacional de Museus promovido recentemente pelo Instituto Brasileiro de
Museus (IBRAN) oacutergatildeo subordinado ao Ministeacuterio da Cultura com base na Poliacutetica Nacional
de Museus de 200323
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em
2011
22 Desenvolvo nos capiacutetulos quatro e cinco uma anaacutelise da experiecircncia museal de um mesmo grupo de visitantes a
esses dois diferentes museus o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional 23
Ver httpwwwmuseusgovbrsbmcnm_conhecaosmuseushtm Acesso em 2010
36
O Museu do Escravo24
eacute vinculado ao poder puacuteblico municipal e estaacute localizado desde
1988 em um casaratildeo construiacutedo ao lado da igreja matriz de Belo Vale como reacuteplica de um
edifiacutecio colonial especialmente para abrigar o acervo do museu A tipologia do acervo eacute
apresentada de forma ampla e abrange antropologia etnografia arqueologia artes visuais
ciecircncias naturais histoacuteria natural e histoacuteria A missatildeo do Museu do Escravo eacute registrar e
preservar a histoacuteria do negro escravo no Brasil mostrando e valorizando seu trabalho arte e
cultura (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional tambeacutem uma instituiccedilatildeo puacuteblica federal localizada na
cidade do Rio de Janeiro foi o uacuteltimo museu visitado pelo grupo de estudantes de licenciatura em
Histoacuteria em 2008 quando cursavam os uacuteltimos periacuteodos da graduaccedilatildeo Fundado em 1922 o MHN
teve suas primeiras coleccedilotildees formadas com transferecircncias do Museu Nacional do Arquivo
Nacional da Biblioteca Nacional e do antigo Museu de Artilharia Hoje reuacutene um
acervo de mais de 264332 itens entre os quais a maior coleccedilatildeo de numismaacutetica da
Ameacuterica Latina O conjunto arquitetocircnico que abriga o museu desenvolveu-se a partir do
Forte de Santiago na Ponta do Calabouccedilo um dos pontos estrateacutegicos para a defesa da
cidade do Rio de Janeiro O Museu Histoacuterico Nacional manteacutem em 9557 metros
quadrados de aacuterea aberta ao puacuteblico galerias de exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias aleacutem da biblioteca especializada em Histoacuteria do Brasil Histoacuteria da Arte Museologia e
Moda do Arquivo Histoacuterico com documentos manuscritos aquarelas ilustraccedilotildees e
fotografias (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional define sua missatildeo a partir do conceito de ldquonacionalrdquo O
museu eacute uma instituiccedilatildeo permanente a serviccedilo da sociedade e de seu desenvolvimento que
adquire conserva pesquisa e divulga as evidecircncias representativas da histoacuteria brasileira
(IBRAN 2010)
24 Segundo material de divulgaccedilatildeo o Museu foi criado em Congonhas do Campo nas dependecircncias da Basiacutelica do
Senhor Bom Jesus Em 1977 foi transferido para a Fazenda da Boa Esperanccedila em Belo Vale e oficializado atraveacutes
de Lei Municipal nordm 50475 de 10 de abril Em 13 de Maio de 1988 primeiro centenaacuterio da aboliccedilatildeo foi inaugurado
o preacutedio atual em estilo colonial projetado por Paulo Bojanic
37
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt
Acesso em 2011
Nas duas imagens oficiais dos museus (figuras 4 e 5) os edifiacutecios satildeo isolados do
cenaacuterio urbano nos quais estatildeo localizados natildeo haacute qualquer referecircncia ao entorno Tambeacutem natildeo
se observa nas imagens nenhuma intervenccedilatildeo voltada ao visitante como placas de sinalizaccedilatildeo ou
propaganda indicando o nome do Museu como se locomover e serviccedilos tais como
estacionamento portatildeo de entrada e outras instalaccedilotildees puacuteblicas As imagens ressaltam a
grandiosidade da arquitetura exibida de maneira estaacutetica realccedilando as restauraccedilotildees das fachadas
iluminadas de forma atraente e sedutora
A imagem produzida pelos museus confronta-se com as fotografias dos visitantes Nos
dois museus visitados encontram-se possibilidades de rompimento com o caraacuteter transmissivo da
cultura mas tambeacutem configuraccedilotildees que reiteram os padrotildees de cultura hierarquizada ndash alta e
autorizada e outra baixa e desautorizada O visitante pode fazer o movimento de atribuiccedilatildeo de
sentido poliacutetico e esteacutetico agraves exposiccedilotildees e museus Ele substitui o tempo de espera pelo inusitado
do percurso de visita a mais uma exposiccedilatildeo
As fotografias do momento da chegada aos dois museus apontam que os visitantes criam
um circuito proacuteprio para a cultura O registro do visitante estabelece um diaacutelogo com o plano da
cultura que estaacute nos museus O visitante orienta o museu a fazer escolhas e cada museu produz a
38
si mesmo agrave medida que se expotildee ao visitante No Museu do Escravo (Figura 2) os visitantes
chegam rapidamente agrave entrada e comeccedilam a explorar de maneira espontacircnea o espaccedilo interno Os
estudantes parecem natildeo precisar de ldquoguiasrdquo ou orientaccedilotildees Querem ver o que tem laacute dentro
Circulam
Na chegada ao Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) o museu tem uma loacutegica proacutepria
parece fechado ao visitante Eacute muito organizado dizem os visitantes e essa organizaccedilatildeo parece
se expressar nos rituais de espera para entrar no seguranccedila que guarda a portaria nas orientaccedilotildees
de um ldquoguiardquo tambeacutem estudante de Histoacuteria Circulam visitam vaacuterias exposiccedilotildees sem correrias
retornam ao local da entrada (saiacuteda)
Assim pode-se considerar que satildeo os museus que constroem um puacuteblico um visitante e
lhes atribui caracteriacutesticas de idade escolaridade gecircnero articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute
um museu O museu se apresenta em primeira pessoa em cada material produzido e endereccedilado
aos visitantes Os visitantes nessas fotografias tambeacutem tentam controlar a sua auto-representaccedilatildeo
frente agrave arquitetura dos museus que se impotildee desde os portotildees de entrada
Posicionados historicamente frente agrave arquitetura dos dois museus as fotografias satildeo
tentativas dos visitantes de se apresentarem refletirem sobre si mesmos e natildeo apenas se
moldarem aos padrotildees e expectativas da representaccedilatildeo dominante Haacute nas imagens uma
reflexibilidade dos sujeitos (identidade no sentido de Hall) frente agrave arquitetura museal ou a
forma cultural dominante que entretanto natildeo se impotildee de maneira paciacutefica (regulaccedilatildeo) O
visitante tem uma atitude de produccedilatildeo cultural de conhecer o museu habitar de certo modo esse
espaccedilo (consumo) restabelecendo a centralidade da cultura ou o reiniacutecio do circuito com uma
nova representaccedilatildeo ao tornar o museu significativo visiacutevel e tangiacutevel para si mesmo
As fotografias permitem configurar um espaccedilo da vivecircncia (ou evento) 25
nas quais estatildeo
circunscritas as atividades que foram objeto do interesse dos visitantes e foram estruturadas tendo
como referecircncia a ideacuteia de performance movimento e foco natildeo apenas presentes nos museus
mas escolhidos e recortados pelos visitantes As fotografias apresentam desde a entrada no museu
(desejo expectativas de presenccedila) com o nascimento da proacutepria presenccedila o durante o percurso
interno e as reaccedilotildees agraves condiccedilotildees especiacuteficas da cultura museal contemporacircnea
25 Mauad (1996 p13-14) propotildee uma metodologia para o trabalho com fotografias que considera cada unidade
cultural que deve ser analisada sob os aspectos do espaccedilo fotograacutefico espaccedilo geograacutefico espaccedilo do objeto espaccedilo da
figuraccedilatildeo e espaccedilo da vivecircncia
39
predominantemente uma cultura de sentido e a saiacuteda dos museus a ausecircncia o desaparecer da
presenccedila e o surgimento dos efeitos de presenccedila que podem ser vividos jaacute na ausecircncia
15- Visitantes de museus espectadores emancipados
A abordagem desta pesquisa difere da perspectiva da recepccedilatildeo26
agrave medida que as visitas a
museus e os visitantes satildeo considerados espectadores emancipados e natildeo apenas consumidores
das propostas educativas elaboradas pelos consultores e especialistas de museus A relaccedilatildeo entre
o puacuteblico e os museus eacute recoberta de muacuteltiplas temporalidades Entendo o museu como
instituiccedilatildeo local fiacutesico produtor de conhecimento arena poliacutetica promotor de identidades
espaccedilo de construccedilatildeo de memoacuterias de educaccedilatildeo que reuacutene caracteriacutesticas que povoam o
imaginaacuterio social desde o final do seacuteculo XVIII O museu como ideia e instituiccedilatildeo resiste na
contemporaneidade e assume diferentes usos Eacute esse o conceito de museu puacuteblico moderno que
permeia essa pesquisa desde a formulaccedilatildeo do projeto passando pela delimitaccedilatildeo das fontes ateacute a
sistematizaccedilatildeo das primeiras anaacutelises das visitas
Assim como o conceito de museu eacute marcado pela historicidade ou a adaptaccedilatildeo a
diferentes momentos a imagem de um puacuteblico de museus tambeacutem remete a diferentes praacuteticas
ligadas aos museus pesquisa accedilotildees patrimoniais educativas expositivas colecionismos que
implicam em atrair diferentes grupos para frequumlentar e produzir esses espaccedilos poeacuteticos e
poliacuteticos
Falar dos museus como sujeitos eacute apresentaacute-los como um campo proacuteprio de produccedilatildeo de
conhecimentos e como tal fundadores de princiacutepios e loacutegicas como um tipo especial de
instituiccedilatildeo cultural O museu se coloca como sujeito cultural com processos de legitimaccedilatildeo e
criteacuterios de autoridade capazes de nortear a construccedilatildeo de sentidos poliacuteticos do que seja o proacuteprio
museu e por conseguinte sobre a relaccedilatildeo do museu com outros campos como o patrimocircnio a
memoacuteria a educaccedilatildeo e a histoacuteria
Dimensotildees histoacutericas poliacuteticas esteacuteticas sociais e institucionais concorrem para a
definiccedilatildeo do campo museal Diferentes contribuiccedilotildees e leituras transformam de maneira
26 Considero as pesquisas de recepccedilatildeo aquelas que tomam o puacuteblico de museus sob a perspectiva da ldquorelaccedilatildeo de
transposiccedilatildeo definida como a adaptaccedilatildeo da temaacutetica do museu ou da exposiccedilatildeo - feita pelo inteacuterprete - para o
visitanterdquo (MARANDINO ALMEIDA E VALENTE 2009 p22)
40
constante o conhecimento museoloacutegico Museoacutelogos historiadores jornalistas poliacuteticos e
cidadatildeos comuns compartilham dessa produccedilatildeo Tambeacutem na condiccedilatildeo de sujeito de praacuteticas
culturais especiacuteficas cada museu eacute lido por diferentes agentes histoacutericos Enquanto agente
puacuteblico o museu se daacute ver e se submete a leituras conflitantes A leitura de populares e de
especialistas se apresenta cada vez que o museu abre suas portas ao puacuteblico Em cada exposiccedilatildeo
em cada visita o museu se atualiza
Compreender a historicidade dos puacuteblicos ou visitantes de museus implica por
consequumlecircncia em analisar como diferentes sujeitos se fazem presentes nas poliacuteticas e poeacuteticas
destas instituiccedilotildees e como fazem usos variados destes espaccedilos puacuteblicos Almeida (2004 e 2005) e
Marandino (2009) estudiosas de puacuteblico de museus no Brasil indicam que a presenccedila do
visitante nos museus eacute registrada desde fins do seacuteculo XVIII Com interesses variados
colecionadores filoacutesofos poliacuteticos criacuteticos e artistas preocuparam-se em conhecer o puacuteblico de
museus e tecer consideraccedilotildees sobre o uso que faziam da instituiccedilatildeo Os proacuteprios museus
fornecem dados sobre os visitantes para oacutergatildeos estatais aos quais estatildeo subordinados e no iniacutecio
do seacuteculo XX foram realizados os primeiros estudos acadecircmicos nos EUA sobre puacuteblicos de
museus e comportamentos de visita (MARANDINO 2009)
Na segunda metade do seacuteculo XX os proacuteprios profissionais dos museus comeccedilam a se
interessar por esse tema de pesquisa assim como empresas puacuteblicas e privadas para fins de
avaliaccedilatildeo Na deacutecada de 1980 haacute um duplo interesse nos estudos de puacuteblicos como campo de
estudo das praacuteticas sociais e culturais e com finalidades de orientar investimentos econocircmicos e
poliacuteticas puacuteblicas
A reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre museus e visitantes nem sempre eacute pautada pela
preocupaccedilatildeo com o entendimento do papel social de ambos os atores Como afirma Koptke
pesquisadora do campo da museologia ldquoa negociaccedilatildeo do sentido de uso deriva de situaccedilotildees cuja
dinacircmica necessita ser analisada do ponto de vista de seus usuaacuterios para melhor compreendermos
como e para que existam os museusrdquo (KOPTKE 2005 p191)
Pesquisas de puacuteblico ou de recepccedilatildeo servem agrave negociaccedilatildeo de recursos e fundos tanto
privados quanto puacuteblicos e conquistam credibilidade social Veja-se o exemplo de investimentos
em tecnologias digitais que implicam em ampliaccedilatildeo do acesso e aumento do nuacutemero de visitantes
41
e se autojustificam pois um visitante virtual que acessa o site do museu e solicita um serviccedilo
equivale a um visitante presencial nos relatoacuterios de gestatildeo
Do ponto de vista acadecircmico a criacutetica agraves instituiccedilotildees museais considerando aspectos tais
como o acesso os produtos e valores culturais a elas associados jaacute identificados em escritos
como os de Valery (1931) reveste-se de maior amplitude em fins do seacuteculo XX em aacutereas como a
sociologia a antropologia a histoacuteria e os estudos culturais Trecircs seacuteculos de histoacuteria das
instituiccedilotildees museais satildeo revisitados por estudos empiacutericos e quantitativos que estabelecem dados
sobre condiccedilotildees de acesso e uso dos puacuteblicos tanto no plano relacional das trocas e negociaccedilotildees
quanto no plano institucional de valores e imagens A visita e o visitante satildeo objetos de inqueacuteritos
em diferentes museus Ao estudar o visitante essas pesquisas problematizam o papel dos museus
na sociedade e as percepccedilotildees sociais de suas accedilotildees Fala-se de puacuteblico ou puacuteblicos de uma
determinada atividade cultural Nos museus o lugar do puacuteblico estaacute associado ao visitante ou
usuaacuterio e as investigaccedilotildees sobre os puacuteblicos vecircm se consolidando juntamente com outros temas
como a educaccedilatildeo e a histoacuteria em museus
Os estudos de puacuteblico segundo Esquenazi (2006) foram se estabelecendo desde a deacutecada
de 1930 quando investigadores norte-americanos comeccedilam a se interessar por traccedilos da recepccedilatildeo
dos meios de comunicaccedilatildeo massivos sob a suspeita de que o puacuteblico seria uma comunidade
provisoacuteria ou um conjunto de pessoas mais ou menos dispersas que se identificavam com as
personalidades que lhes eram apresentadas pelas transmissotildees de raacutedio Os inqueacuteritos entretanto
demonstrariam que as escolhas poliacuteticas e a opiniatildeo popular eram mais influenciadas por
personalidades locais influentes do que por recomendaccedilotildees veiculadas pela miacutedia
Esquenazi (2006) faz um balanccedilo dos estudos de puacuteblico e estabelece um mapa conceitual
das concepccedilotildees do que seja um puacuteblico a partir das pesquisas socioloacutegicas realizadas ao longo do
seacuteculo XX Satildeo identificadas sete concepccedilotildees de puacuteblico o puacuteblico ativado pela obra delimitado
pelos inqueacuteritos suscitado pelas estrateacutegias comerciais pela estratificaccedilatildeo social por
configuraccedilotildees culturais pelas interaccedilotildees sociais e por situaccedilotildees simboacutelicas O autor chega a essa
tipologia a partir da anaacutelise de obras e autores apontando possibilidades abertas pelas
interpretaccedilotildees e limites das abordagens
Interesse de pesquisa semelhante ocorre na Franccedila em fins dos anos de 1950 quando
Andreacute Malraux ministro do General de Gaulle acreditava que bastavam boas condiccedilotildees para que
42
se constituiacutesse um puacuteblico apreciador de obras de arte Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2003)
numa pesquisa com o puacuteblico frequumlentador de museus de arte em quatro paiacuteses europeus
publicada na forma de livro com o tiacutetulo O amor pela arte apontaram que boa vontade
presumida natildeo bastava para a constituiccedilatildeo de um puacuteblico de museus Bourdieu e Darbel levantam
a hipoacutetese de que cada domiacutenio de praacuteticas culturais eacute estruturado por habitus legitimados pela
condiccedilatildeo de classe e condiccedilotildees de vida A frequecircncia a museus estaacute relacionada ao estatuto
social A probabilidade de um operaacuterio visitar um museu eacute quarenta vezes inferior agrave possibilidade
de visita de um quadro superior em escolaridade e renda
Os estudos recentes sobre o puacuteblico realizados pelos proacuteprios museus parecem ter se
afastado das perspectivas criacuteticas de Diderot Baudelaire Proust e Valery27
As pesquisas satildeo em
sua grande maioria instrumentais e fundamentadas pelas teorias da recepccedilatildeo Satildeo inqueacuteritos das
expectativas preacutevias dos aspectos que mais atraem os visitantes para determinados setores do
museu e dos conhecimentos preacutevios dos puacuteblicos Com base nesses inventaacuterios elaboram-se
programas redimensionam-se as ofertas de serviccedilos e promovem-se reformas Em geral satildeo
trabalhos preparados pelas proacuteprias equipes dos museus e especialistas consultores
pesquisadores e o puacuteblico convocado a responder aos modelos propostos
Esse paradigma da recepccedilatildeo tambeacutem vem sendo questionado com as pesquisas
historiograacuteficas sobre as praacuteticas culturais como as de Michel de Certeau (1994) e Roger Chartier
(1998) que analisam as praacuteticas de leitura e apontam para o papel produtivo dos leitores em
relaccedilatildeo ao livro e a leitura Para Certeau (1994) os leitores natildeo satildeo escritores que trabalham no
ldquosolo da linguagemrdquo mas ldquosatildeo viajantes circulam nas terras alheias nocircmades caccedilando por conta
proacutepria atraveacutes dos campos que natildeo escreveram arrebatando os bens do Egito para usufruiacute-losrdquo
As imagens evocadas pelo historiador para caracterizar o leitor satildeo marcadas por efeitos de
deslocamentos que misturam tempos e lugares uma ldquobricolagemrdquo uma relaccedilatildeo com os resiacuteduos
de construccedilotildees e destruiccedilotildees anteriores uma mitologia que se dispersa na duraccedilatildeo e desafia o
tempo disseminado em repeticcedilotildees diferenccedilas memoacuterias e conhecimentos (CERTEAU 1994
p269-270)
27 Discutidas no segundo capiacutetulo
43
Chartier (1998) por sua vez chama a atenccedilatildeo para o fato de que o leitor ldquocaccediladorrdquo que
percorre terras alheias descrito por Certeau natildeo se desloca ou subverte de forma absoluta aquilo
que o livro pretende lhe impor Sua liberdade leitora eacute ldquocercada por limitaccedilotildees derivadas das
capacidades convenccedilotildees e haacutebitos que caracterizam em suas diferenccedilas as praacuteticas de leiturardquo
(CHARTIER 1998 p77)
Do ponto de vista dos estudos filosoacuteficos tambeacutem ampliou-se o espaccedilo do leitor ao
afirmarmos que existe a possibilidade de emergir um novo significado para o texto dependendo
da posiccedilatildeo histoacuterica do leitor e de sua capacidade de diaacutelogo O leitor deixa aos poucos de ser
visto como o receptor passivo das obras e conquista um papel de produtor de sentidos Os
horizontes de expectativas dos leitores e o momento da leitura passam a integrar as anaacutelises da
posiccedilatildeo social do leitor visto como sujeito e natildeo apenas o destinataacuterio das obras sobretudo
literaacuterias28
Essas expectativas deixam de analisar a recepccedilatildeo e atribuir ao leitor um papel passivo
Abrem caminho para que sua accedilatildeo seja vista como um agir e um conhecer
Ser espectador eacute natildeo eacute condiccedilatildeo passiva que devemos transformar em atividade Eacute a
nossa condiccedilatildeo normal Aprendemos e ensinamos agimos e conhecemos tambeacutem
enquanto espectadores que ligam constantemente o que vecircem com aquilo que jaacute viram e
disseram fizeram e sonharam (RANCIEgraveRE 2010 p28)
Jacques Ranciegravere lembra o que eacute aparentemente oacutebvio o visitante produz significados e
natildeo simplesmente processa as informaccedilotildees de forma passiva (espectador emancipado) Essa
emancipaccedilatildeo estaacute associada a uma condiccedilatildeo de atividade e natildeo de passividade das accedilotildees de olhar
A aposta dessa pesquisa eacute que o visitante se insere a partir de sua presenccedila no ldquocircuito
dos museusrdquo A visita a museus se constitui em uma praacutetica cultural que se estabelece por uma
frequumlecircncia a variados museus e permite que o visitante-narrador ldquoencarnadordquo dessacralize a
cenografia do passado encenada pelos museus O uso dos museus pelos visitantes pode superar
assim a mera apropriaccedilatildeo cognitiva das propostas e sensibilidades jaacute existentes nos museus e
visitantes tornando possiacutevel por meio dos relatos escritos fotograacuteficos e orais uma nova
28 Ver COSTA Maacutercia Haacutevila Mocci da Silva Esteacutetica da recepccedilatildeo e teoria do efeito Disponiacutevel emlt
wwwdiaadiaeducacaoprgovbrgtAcesso em17 mar 2011
44
produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de conhecimentos que redefinem os conceitos que circulam em ambos os
campos dos museus e das escolas
45
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes
No primeiro capiacutetulo foram constituiacutedas as principais referecircncias teoacutericas e metodoloacutegicas
para o estudo das situaccedilotildees de visita escolar a museus Delineou-se um panorama da abordagem
investindo nos conceitos de narrativa memoacuteria presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica para criar uma
indumentaacuteria para o visitante emancipado que viaja entre a escola e os museus
Nesse segundo capiacutetulo tambeacutem se observa uma preocupaccedilatildeo com as bagagens para a
viagem propriamente dita providencia-se os documentos as certificaccedilotildees especiacuteficas os roteiros
novos mas tambeacutem se avalia os caminhos jaacute percorridos que estimulam investimentos em novos
caminhos e a seguranccedila do viajante
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico
Eacute quase lugar comum iniciar uma ldquohistoacuteria dos museusrdquo pela evocaccedilatildeo da constituiccedilatildeo de
um espaccedilo dedicado agraves musas e em seguida pelo estabelecimento de uma ligaccedilatildeo estreita com a
constituiccedilatildeo de um espaccedilo ou local fiacutesico dedicado ao estudo ao conhecimento e agrave exposiccedilatildeo
puacuteblica da cultura
A origem dos museus na Franccedila estaacute associada a fatores como a demanda por abertura das
coleccedilotildees renascentistas principalmente de pinturas e esculturas restritas aos colecionadores
prelados cortesatildeos juristas eruditos artistas priacutencipes e monarcas e o museu se coloca como
um herdeiro dos ldquogabinetes de curiosidadesrdquo Na Itaacutelia por sua vez eacute desenvolvido outro
elemento fundador de uma ldquocultura do museurdquo que satildeo as accedilotildees poliacuteticas e a definiccedilatildeo de uma
legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo ao patrimocircnio para assegurar ao museu o lugar de ldquoconservaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeordquo desse patrimocircnio artiacutestico agora de interesse puacuteblico Na Alemanha as origens
dos museus estatildeo associadas agrave abertura das coleccedilotildees privadas e agrave reivindicaccedilatildeo de um lugar para
essa produccedilatildeo no discurso universal da arte Para a institucionalizaccedilatildeo e ideia de museu
contemporacircneo confluem as demandas de ensino e pesquisas (biblioteca) ligadas a transmitir e
permitir a produccedilatildeo de conhecimento e tambeacutem o papel de guardiatildeo da memoacuteria daqueles que se
distinguiram nas atividades do espiacuterito (BREFE 1998 p298-300)
46
Entender esse conceito moderno de museu e seu uso social eacute tarefa bastante complexa e
alvo de inuacutemeros debates contemporacircneos Muitos estudos recentes costumam definir os museus
como ldquolugares de memoacuteriardquo mas trabalham com a histoacuteria das instituiccedilotildees museais a partir de
uma sequecircncia de fases ou uma tipologia que considera apenas os objetos expograacuteficos nos quais
se especializaram os museus Os museus satildeo caracterizados como de artes ciecircncias e histoacuteria e
estas especializaccedilotildees se tornam definidas e imutaacuteveis Numa genealogia dos museus os gabinetes
de curiosidades seriam os precursores dos museus de ciecircncias e arqueologia os antiquaacuterios
dariam lugar aos museus de histoacuteria e as galerias de arte privadas cederiam espaccedilo aos museus
puacuteblicos de arte
Essas analogias parecem congelar a imagem de museu e relacionaacute-la especificamente a
uma dada eacutepoca histoacuterica numa sequumlecircncia evolutiva Os criteacuterios de classificaccedilatildeo ou ldquoetiquetasrdquo
utilizados para os museus estariam dados a partir de um modelo As instituiccedilotildees natildeo seriam
consideradas em suas especificidades poliacuteticas e culturais Em funccedilatildeo de um padratildeo esperado
para os museus em geral um museu especiacutefico eacute julgado pelos estudiosos pelo criteacuterio da
inovaccedilatildeo ou natildeo de suas exposiccedilotildees como se as uacuteltimas tendecircncias da museologia fossem o
paracircmetro uacutenico para todo e qualquer museu
Os estudos sobre museus reuacutenem profissionais de diversas aacutereas como a museologia a
histoacuteria a educaccedilatildeo a comunicaccedilatildeo as artes a arqueologia a sociologia dentre outras Abordam
campos de interesse comuns a diversos pesquisadores tais como o patrimocircnio as identidades
poliacuteticas as miacutedias e novas tecnologias espaccedilo urbano e arquitetura Praacuteticas profissionais e
culturais visitantes educaccedilatildeo e interaccedilatildeo tambeacutem satildeo temas contemporacircneos e emergentes dos
estudos sobre os museus
No Brasil as fontes e a bibliografia sobre a trajetoacuteria dos museus foram marcadas ateacute os
anos de 1940-1950 por produccedilotildees das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas como a revista
Archivos do Museu Nacional editada desde 1876 e obras de referecircncia como os cataacutelogo
publicado por Heloisa Alberto Torres entatildeo diretora do Museu Nacional em 1953 intitulado
Museus do Brasil Outra referecircncia importante do periacuteodo foi a publicaccedilatildeo em 1958 do livro
coordenado e organizado por Guy de Hollanda Recursos Educativos dos Museus Brasileiros
com o apoio da Onicom ndash Organizaccedilatildeo Nacional do Conselho Internacional de Museus Neste
trabalho Hollanda traz um levantamento da situaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo a acervos
47
exposiccedilotildees visitaccedilotildees atividades educativas recursos didaacuteticos organograma pessoal etc
(UNIRIO 2005)
Ao longo do seacuteculo XX obras de intelectuais ligados diretamente ou indiretamente a
museus eou oacutergatildeos governamentais de preservaccedilatildeo como Mario de Andrade (1917) Francisco
Venacircncio Filho (1941) Gustavo Barroso (1946) Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) Joseacute
Valladares (1946) Gilberto Freyre (1979) e Darcy Ribeiro (1955) dentre outros destacam-se na
produccedilatildeo de um pensamento e accedilotildees no campo da museologia e vecircm sendo estudados por
pesquisadores contemporacircneos
Destaco as contribuiccedilotildees de Francisco Venacircncio Filho (1941) Joseacute Valladares (1946) e
Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) que delineiam marcos de interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo museu-
educaccedilatildeo no Brasil e agiram diretamente na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
criaccedilatildeo de museus e na concepccedilatildeo e planejamento de accedilotildees educativas nos museus brasileiros
Estes autores lanccedilam obras nos anos de 1940 que teratildeo influecircncia teoacuterica ateacute os anos de 1970 na
criaccedilatildeo de museus histoacutericos e pedagoacutegicos em Satildeo Paulo29
Entre os anos de 1960-1970 predomina a publicaccedilatildeo de coleccedilotildees de divulgaccedilatildeo sobre os
grandes museus europeus no formato de cataacutelogos vendidos em bancas de jornais e revistas A
pesquisa acadecircmica propriamente dita com a elaboraccedilatildeo de monografias dissertaccedilotildees e teses
com posicionamentos criacuteticos questionadores e reflexivos se intensificou no Brasil a partir dos
anos 1980 e se amplia nas deacutecadas seguintes
Autores como Waldisa Russio Camargo Guarnieri (1977 1980) Maria Margaret Lopes
(1988 e 1993) Maria Ceacutelia Moura Santos (1987 1993 e 1996) Regina Abreu (1996) Cristina
Bruno (1996) Maria Ceciacutelia Lourenccedilo (1997) Mario Chagas (1999 e 2003) Ulpiano Bezerra de
Menezes (1992 1994 2004 2005 e 2007) marcam a riqueza dessa produccedilatildeo e apontam temas
como a institucionalizaccedilatildeo dos museus de ciecircncias as accedilotildees educativas o colecionismo o
patrimocircnio a memoacuteria social a arte e a museologia como outros caminhos de investigaccedilatildeo que
seriam abertos por novas pesquisas e percorridos por novos pesquisadores em universidades do
paiacutes e em cursos no exterior
29 Ver CAMPOS Vinicio Stein Elementos de Museologia 1ordm e 3degvolume se 1970
48
Um levantamento bibliograacutefico realizado pelo CECA30
em 2007 apontava ao mesmo
tempo a abrangecircncia e a dispersatildeo dessa produccedilatildeo sobre os museus A divulgaccedilatildeo dessa
produccedilatildeo bibliograacutefica continuaria em grande parte ligada agraves revistas dos oacutergatildeos oficiais de
patrimocircnio (IPHAN e ICOM) e publicaccedilotildees proacuteprias dos grandes museus centros culturais e de
memoacuteria Algumas poucas divulgadas pelos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de diversas aacutereas que
pesquisam a temaacutetica
Contudo estudos sobre trajetoacuterias de museus brasileiros ou uma chamada historiografia
dos museus vem se aprofundado em abordagens teoacutericas-metodoloacutegicas e temaacuteticas tais como o
papel das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas na elaboraccedilatildeo da cultura material a anaacutelise dos
quadros referenciais que vatildeo se fixando para organizaccedilatildeo de coleccedilotildees e exposiccedilotildees os modelos
organizacionais concepccedilotildees de diretores e profissionais envolvidos em propostas de
musealizaccedilotildees e seus desdobramentos
Em um esforccedilo de leitura e siacutentese dessa bibliografia pode-se indicar trecircs impulsos
poliacuteticos de criaccedilatildeo de museus no Brasil Um primeiro que vai do iniacutecio do seacuteculo XIX ateacute a
deacutecada de 1930 Um segundo momento localizado entre as deacutecadas de 1930 e 1950 e por fim
um terceiro movimento de criaccedilatildeo de museus entre a segunda metade do seacuteculo XX e primeiras
deacutecadas do seacuteculo XXI
No seacuteculo XIX os atos fundadores dos primeiros museus comeccedilando pelo Museu Real
(1818) criado por D Joatildeo VI e aberto ao puacuteblico em 181931
contribuem para a emergecircncia de
uma nova sociabilidade e a redefiniccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico e de um puacuteblico espectador As visitas
ao Museu Real entre 1818 e 1821 eram privileacutegio de curiosos estudiosos e autoridades
A primeira exposiccedilatildeo do Museu Real aberta ao puacuteblico em 1821 tinha a visitaccedilatildeo e o uso
do espaccedilo regulado por uma Portaria Real que definia quem era o visitante digno de frequumlentar o
museu aquele que possuiacutea conhecimentos e qualidades (educados) O ambiente do Museu era de
estudo e contemplaccedilatildeo o visitante deveria manter a calma Presenccedila do guarda de sala (praacutetica
ainda usual) zelava pela ordem e controlava os comportamentos dos visitantes O acesso a
30 O CECA-BRASIL eacute formado pelos membros brasileiros afiliados ao Comitecirc Internacional para Accedilatildeo Educativa e
Cultural (CECA) do Conselho Internacional de Museus (ICOM) Disponiacutevel em lt wwwicomorgbrgt 31
Transformado posteriormente em Museu Imperial e hoje Museu Nacional da quinta da Boa Vista integrado agrave
estrutura acadecircmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ver material produzido pelo proacuteprio Museu
Nacional do RJ e trabalhos sobre a instituiccedilatildeo como LOPES (1997) e CHAGAS (1999)
49
algumas salas era restrito assim como havia dias de abertura e horaacuterios para diferentes puacuteblicos
A prioridade era dada ao visitante estrangeiro e pesquisador (LOPES 1999)
Na deacutecada de 1860 haacute uma diversificaccedilatildeo das instituiccedilotildees que fundam museus No Rio de
Janeiro satildeo criados os Museu do Exeacutercito (1864) e Museu da Marinha (1868) No Paraacute o Museu
Paraense Emiacutelio Goeldi eacute criado como Sociedade Filomaacutetica em 1866 e o Museu Paulista em
Satildeo Paulo em 1895
Essa geraccedilatildeo de museus do seacuteculo XIX ainda que pareccedila regional como o Museu
Paulista satildeo considerados museus nacionais agrave medida que colaboram para a construccedilatildeo ritual e
simboacutelica da naccedilatildeo Curioso notar que essa mesma bibliografia trata pouco ou quase nada sobre
o projeto de criaccedilatildeo do museu do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro instituiacutedo pelo
mesmo decreto de criaccedilatildeo do IHGB em 1838 instalado e aberto atualmente agrave visitaccedilatildeo na sede
do proacuteprio Instituto Histoacuterico no Rio de Janeiro
No iniacutecio do seacuteculo XX esse caraacuteter celebrativo dos museus brasileiros do seacuteculo XIX se
propaga a partir do Rio de Janeiro para estados e museus como o Juacutelio de Castilhos (1903)
Museu Anchieta (1908) no Rio Grande do Sul Pinacoteca Puacuteblica do Estado (1906) em Satildeo
Paulo e o Museu de Arte da Bahia (1918) E chega a criaccedilatildeo por Gustavo Barroso do Museu
Histoacuterico Nacional (MHN) em 1922 (CHAGAS 1999 p36) Um segundo momento de criaccedilatildeo
de museus eacute identificado nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 por iniciativa de empresaacuterios os
chamados Museus de Arte Moderna (MAMs) do Rio de Janeiro (MAM 1948) e Satildeo Paulo
(MASP 1947) e os natildeo instalados ldquomuseus histoacutericos e pedagoacutegicosrdquo em Satildeo Paulo
Ao longo das deacutecadas de 1930-1950 haacute um consideraacutevel impulso na criaccedilatildeo de museus32
a maioria ainda em plena atividade A criaccedilatildeo do Curso de Museus em 1932 vinculado ao MHN
embora inicialmente fosse apenas um aperfeiccediloamento de dois anos e exigisse como preacute-requisito
cinco anos de escolaridade baacutesica eacute considerado pelos pesquisadores de museus como importante
na profissionalizaccedilatildeo do campo e organizaccedilatildeo da museologia Por fim tem-se um terceiro
32 Dentre outras foram criados a Casa de Rui Barbosa ndash RJ (1930) Museu da Veneraacutevel Ordem Terceira de Satildeo Francisco da Penitecircncia ndash RJ (1933) Museu Histoacuterico da Cidade ndash RJ (1934) Museu Nacional de Belas Artes ndash RJ
(1937) Museu da Inconfidecircncia ndash Ouro Preto (1938) Museu da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Gloacuteria do
Outeiro ndash RJ (1939) Museu Imperial ndash Petroacutepolis (1940) Museu das Missotildees ndash RS (1940) Museu Antonio Parreiras
ndash Niteroacutei (1941) Museu Histoacuterico de Belo Horizonte (1943) Museu do Ouro de Sabaraacute (1945) Museu da Veneraacutevel
Ordem Terceira do Carmo ndash RJ (1945) Museu de Arte Moderna de Satildeo Paulo (1946) Museu de Arte Moderna ndash RJ
(1948) Museu do Iacutendio ndash RJ (1953) Museu Oceanograacutefico ndash RS (1953) e Museu Farroupilha ndash PR (1954) (UNIRIO
2007)
50
movimento de criaccedilatildeo de museus que marca as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo
XXI Aleacutem dos museus existentes haacute outro cenaacuterio de aumento do nuacutemero de museus
investimentos dos setores privados na construccedilatildeo de museus e financiamento de projetos culturais
voltados ao turismo cultural e a revitalizaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural de centros
urbanos e industriais e a tecnologias virtuais
Uma das questotildees ao se pensar a historicidade dos museus eacute discutir ateacute que ponto as
trajetoacuterias dos museus brasileiros obedecem eou dialogam com os modelos europeus e latino-
americanos E mais de que forma as trajetoacuterias institucionais ajudam na compreensatildeo das
praacuteticas museais em relaccedilatildeo aos puacuteblicos Autores como Ulpiano Bezerra de Menezes Maria
Margaret Lopes Lilia Moritz Schwarcz e Maria Ceciacutelia Lourenccedilo reuacutenem algumas polecircmicas em
torno da questatildeo da criaccedilatildeo de museus no Brasil a partir do seacuteculo XIX e algumas praacuteticas de
produccedilatildeo e circulaccedilatildeo da cultura museal
Para Ulpiano Bezerra de Menezes (2005 p16) as trajetoacuterias dos museus brasileiros em
especial dos chamados museus histoacutericos foram distintas do paradigma europeu e mais proacuteximas
do modelo norte-americano Para o autor a visatildeo que se consolida a respeito dos museus no
seacuteculo XIX se eacute que pode ser considerada iluminista desemboca numa estetizaccedilatildeo do social e na
transformaccedilatildeo da histoacuteria em espetaacuteculo Os museus brasileiros satildeo mais evocativos e
celebrativos do que os europeus e a funccedilatildeo de produccedilatildeo do conhecimento eacute marginalizada A
memoacuteria eacute reduzida a instrumento de enculturaccedilatildeo paradigmas a priori definidos e que circulam
em vetores sensoriais (MENEZES 2005 p16)
Maria Margaret Lopes em O Brasil descobre a pesquisa cientiacutefica os museus e as
ciecircncias naturais no seacuteculo XIX publicado em 1997 apresenta uma visatildeo distinta dos museus
principalmente daqueles de histoacuteria natural A autora contribui com novas orientaccedilotildees para se
escrever uma historiografia das ciecircncias como praacutetica social e revisita as atividades cientiacuteficas no
Brasil desde a colocircnia inserido-as em uma dinacircmica cultural mais abrangente Daiacute quando
confrontada com uma ldquovasta literatura interdisciplinar internacionalrdquo sobre os aspectos histoacutericos
das instituiccedilotildees museoloacutegicas Lopes aprofunda temas teoacuterico-metodoloacutegicos sobre a histoacuteria dos
museus aspectos comunicativos expositivos educacionais e cientiacuteficos antes pouco
considerados no Brasil e reinscreve os museus numa nova dinacircmica
51
Ao avaliar o debate sobre as origens dos museus nos Estados Unidos Lopes estimula a
reflexatildeo sobre as diferentes fases das histoacuterias dos museus como uma forma ldquoinstigante de pensar
os museus como locais em que a cultura material eacute elaborada exposta comunicada e
interpretadardquo (2005 p15) Uma das questotildees abordadas pela autora eacute a maneira como se
formavam as coleccedilotildees e ateacute que ponto essas coleccedilotildees se relacionavam com a formaccedilatildeo do campo
da Histoacuteria Natural e das ciecircncias modernas e como ajudam na compreensatildeo dos processos
contemporacircneos de construccedilatildeo de museus cientiacuteficos
Lopes apresenta um movimento dos museus de histoacuteria natural no seacuteculo XIX indicando
que se formara em torno do American Association of Museums33
um circuito de intercacircmbio que
incluiacutea comunicaccedilatildeo coleccedilotildees cataacutelogos pesquisadores e disputas cientiacuteficas sociais e poliacuteticas
incluindo museus diferentes tais como o Museu Paulista e o Museu Paraense o Museu
Nacional o Museu de Valparaiso o Museu de La Plata o Museu de Buenos Aires e o Museu da
Costa Rica Um verdadeiro ldquomovimentordquo de museus emerge da anaacutelise de Margaret Lopes (1997
p223-247)
Ao investigar como se datildeo as periodizaccedilotildees e criteacuterios de mudanccedila e permanecircncia nos
ldquosistemas museaisrdquo na Ameacuterica Latina e nos Estados Unidos Margaret Lopes considera que o
panorama mundial dos museus entre as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e as primeiras do seacuteculo
XX apontava que natildeo era tatildeo simples submeter os museus a tipologias anacrocircnicas e classificaacute-
los de acordo com as divisotildees propostas Ela identifica pelas publicaccedilotildees e correspondecircncias
entre diretores de museus que nesse periacuteodo houve a formaccedilatildeo de um ldquocircuito dos museusrdquo
internacional que incluiacutea trocas entre os museus de histoacuteria natural argentino (Museu de La Plata)
e o Bristish Museum no sentido de criar uma nova instituiccedilatildeo que rompia com o ldquogabinete de
curiosidadesrdquo e apontava para a instituiccedilatildeo de um ldquomoderno museu cientiacuteficordquo (LOPES 1997
p323)
Esse novo referencial de museu que se transformava vinculado ao Estado teria uma dupla
funccedilatildeo colaborar com a educaccedilatildeo e com a investigaccedilatildeo cientiacutefica O que natildeo se faria sem certa
tensatildeo que ainda marcaria por muito tempo as discussotildees acerca do conhecimento As coleccedilotildees
seriam divididas uma para a pesquisa outra para exibiccedilatildeo ao puacuteblico leigo Esse referencial
33 Sobre a importacircncia desse movimento Margaret Lopes faz uma leitura criacutetica das contribuiccedilotildees de Laurence Vail
Coleman que publica em 1939 The museum in America a critical study e de Oroz J J que retoma criticamente
Colemam ao discutir a curadoria numa perspectiva tambeacutem histoacuterica Ver Lopes 2005 p15-17
52
vigoraria inclusive no Museu Nacional do Rio de Janeiro ateacute a deacutecada de 1930 (LOPES 2005
p22)
A autora avanccedila na anaacutelise desses intercacircmbios entre os diretores de museus brasileiros e
argentinos e indica como essa discussatildeo contribuiu para a definiccedilatildeo de disciplinas como a
antropologia a paleontologia e arqueologia e ao mesmo tempo aponta as ldquomissotildees cientiacuteficas e
civilizadoras desses museus em fins do seacuteculo XIX (LOPES 2001)
Lilia Schwarcz (2005 p124-126) considera que o surgimento dos museus nacionais de
ldquoetnografiardquo no Brasil a partir da deacutecada de 1870 estaacute relacionado ao estabelecimento de outras
instituiccedilotildees cientiacuteficas apoacutes a vinda da Famiacutelia Real como as faculdades de Medicina e Direito e
aos Institutos Histoacutericos e Geograacuteficos Para ela esses museus satildeo coacutepia dos modelos europeus e
estabeleceram uma praacutetica bastante isolada em relaccedilatildeo aos demais estabelecimentos cientiacuteficos
nacionais Fruto de um saber determinista frente aos modelos evolucionistas e darwinistas sociais
presentes no debate intelectual da eacutepoca procuravam encontrar nas culturas indiacutegenas e africanas
(raccedilas) e na miscigenaccedilatildeo a comprovaccedilatildeo do atraso do paiacutes (SCHWARCZ 2005 p124-126)
As soluccedilotildees apontadas por Lopes e Schwarcz para a questatildeo da circulaccedilatildeo dos modelos de
museu se inscrevem em duas tradiccedilotildees34
de interpretaccedilatildeo historiograacutefica que atribuem pesos
diferentes agrave capacidade de elaboraccedilatildeo e autonomia de um pensamento social brasileiro Enquanto
a pesquisa de Lopes (1997) postula que a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais e culturais implica na
reflexatildeo sobre a histoacuteria das instituiccedilotildees cientiacuteficas e culturais e contribui para a superaccedilatildeo do
passado colonial e a vinculaccedilatildeo aos projetos de modernidade ocidental Schwarcz (2005)
identifica os obstaacuteculos que dificultam e impedem internamente o desenvolvimento de um
pensamento autocircnomo e um desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico da sociedade brasileira
O debate aberto em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees museais pode ser estendido aos visitantes De
que maneira modelos diferentes de museu circulam na cultura e como os visitantes se posicionam
frente a eles Enquanto Lopes (1997) dialoga com o campo cientiacutefico Maria Ceciacutelia Lourenccedilo
(1999) discute a criaccedilatildeo dos Museus de Arte Moderna na deacutecada de 1950 frente ao quadro de
permanecircncias e mudanccedilas da proacutepria histoacuteria da arte e das relaccedilotildees entre o museu modernista a
poliacutetica o poder os intelectuais os artistas as universidades a formaccedilatildeo de puacuteblico e a produccedilatildeo
34 Moema de Resende Vergara discute a constituiccedilatildeo de duas vertentes historiograacuteficas da ciecircncia no seacuteculo XX Ver
VERGARA (2004)
53
de conhecimento A autora oferece algumas imagens de museu que satildeo expressivas de nossa
eacutepoca museu vivo museu escola museu comunitaacuterio museu espetaacuteculo e museu shopping se
enlaccedilam agraves diversas tipologias de projetos socioculturais no cotidiano dos museus
Ao trabalhar o conceito de museu Lourenccedilo (1999) evoca de maneira recorrente a
situaccedilatildeo e trajetoacuteria dos museus de arte brasileiros e aponta duas questotildees A primeira eacute a
distacircncia existente entre o declarado e a praacutetica cotidiana ou seja entre a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees
e seu funcionamento regular e atual A segunda questatildeo eacute a vitalidade das instituiccedilotildees histoacutericas
que mesmo enfrentando problemas para se manterem em funcionamento contribuem na
construccedilatildeo de conceitos recolha de obras e manteacutem o diaacutelogo com as matrizes e valores tambeacutem
expostos
Uma instituiccedilatildeo museal sempre se reinventa em sua proacutepria dinacircmica O acervo de cada
instituiccedilatildeo eacute um exemplo Se o museu possui acervo ou natildeo se recebe um acervo internacional
os valores e pressupostos jaacute inventados sobre esse acervo influenciam na relaccedilatildeo que essa
instituiccedilatildeo estabelece com sua proacutepria condiccedilatildeo e com o puacuteblico Os valores ou criteacuterios de
inclusatildeo e exclusatildeo de acervos nos museus de arte satildeo subjetivos e discutiacuteveis meacuteritos
recebimentos de precircmios internacionais origem social geograacutefica proximidade com o poder
vigente aleacutem de outros que permeiam a cultura como a xenofobia o corporativismo o nepotismo
e mecanismos de troca impliacutecita para angariar proveitos pessoais satildeo as bases para os objetos e
obras adquiridos e expostos nos museus Lourenccedilo natildeo eacute nada otimista quando aos tipos de troca
que podem ocorrer para a formaccedilatildeo de determinados museus que por sua vez manteacutem esse
circuito em aberto ao longo de suas trajetoacuterias (LOURENCcedilO 1999 p20-62)
Ana Claudia Fonseca Brefe (1998) apoacutes um balanccedilo do conceito de museu desde a
renascenccedila ateacute o seacuteculo XIX em diaacutelogo com uma bibliografia francesa conclui que o conceito
de museu vai se adequando a diferentes materialidades e instituiccedilotildees como os gabinetes de
curiosidades que satildeo inicialmente coleccedilotildees privadas se transformam agrave medida que passam a
discutir o uso cientiacutefico e pedagoacutegico de suas coleccedilotildees a abertura ao puacuteblico arquitetura
disposiccedilatildeo dos objetos e objetivos Os debates historiograacuteficos em torno da instituiccedilatildeo museal
tambeacutem partem de interesses do presente relativos a disputas por memoacuterias e patrimocircnio
54
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus
As funccedilotildees de um museu na contemporaneidade satildeo muacuteltiplas fruiccedilatildeo esteacutetica viacutenculos
subjetivos condiccedilotildees de recolhimento e de diaacutelogos culturais multiplicados Entretanto o museu
histoacuterico eacute ao mesmo tempo um espaccedilo de ficccedilatildeo e de confronto mas impera o diaacutelogo quando
enfrenta a questatildeo da multiculturalidade Para Menezes (1994) o museu natildeo eacute enciclopeacutedia de
diversidade cultural Nele imaginaacuterio e imaginaccedilatildeo satildeo campos de forccedila mas os problemas em
relaccedilatildeo agraves praacuteticas dos sujeitos se datildeo de maneira ampla na sociedade e natildeo em abstrato nas
exposiccedilotildees museoloacutegicas
Os usos do potencial da imaginaccedilatildeo nos museus podem ser instrumentalizados numa
ideologia do valor em si dos ldquonovos museusrdquo Esses novos ideaacuterios de museus justificam a
revitalizaccedilatildeo de espaccedilos urbanos que se sobrepotildeem a outros que satildeo desfigurados Ultrapassam-
se as fronteiras culturais da induacutestria do lazer e do retorno do investimento e transcendem os
interesses locais voltando-se para visitantes estrangeiros numa adesatildeo agrave loacutegica de mercado O
proacuteprio museu se apresenta como forma de explorar um imaginaacuterio da cidade com praacuteticas de
utilizaccedilatildeo do seu espaccedilo e de suas forccedilas sociais Os objetos histoacutericos satildeo peccedilas-fetiche
Aleacutem da criacutetica aos museus-mercados Menezes (1994) tambeacutem eacute criacutetico dos museus
teatro da memoacuteria que por sua orientaccedilatildeo paternalista pressupotildee a passividade do espectador e a
hegemonia do paradigma observacional fundamentado na espetacularidade Para ele o
laboratoacuterio de Histoacuteria eacute o museu que torna viaacutevel a produccedilatildeo e socializaccedilatildeo do conhecimento
(MENEZES 1994 p62)
As investigaccedilotildees sobre a educaccedilatildeo histoacuterica em museus tecircm se debruccedilado sobre temas tais
como parcerias institucionais com escolas desenvolvimento de projetos e oferta de serviccedilos
educativos por parte dos museus A pesquisa sobre o ensino tambeacutem ganha forccedila e aponta que as
dimensotildees do processo de ensino- aprendizagem natildeo se reduzem a questotildees teacutecnicas ou de cunho
metodoloacutegico A ldquodidaacutetica da histoacuteriardquo eacute colocada por autores com Ruumlsen (2007) junto agrave ldquoteoria
da histoacuteriardquo
De outro acircngulo as discussotildees sobre o ensino de histoacuteria no Brasil sempre foram
vinculadas a projetos de formaccedilatildeo de uma identidade nacional tendo o Estado como maior
promotor dessa associaccedilatildeo O ensino de histoacuteria e identidade nacional se vincularam nos
55
curriacuteculos de histoacuteria prescritos desde o iniacutecio do seacuteculo XX e se manteacutem nas atuais diretrizes
para o sistema nacional de ensino
A criacutetica teoacuterica e praacutetica aos modelos oficiais tambeacutem se constitui como parte do debate
sobre o ensino de histoacuteria e se faz de maneira institucionalizada por professores de histoacuteria e suas
associaccedilotildees principalmente nos anos de 1960-70 Os professores tomam a discussatildeo sobre a
identidade e a ressignificam A educaccedilatildeo escolar e o ensino de histoacuteria satildeo vistos como espaccedilos
para se pensar identidades e pluralidades culturais pelo vieacutes da diversidade entendida num
quadro de desigualdades sociais e dominaccedilatildeo poliacutetica (SILVA E GUIMARAtildeES 2007 p58)
Este movimento de reflexatildeo em torno das identidades nacionais vem reposicionando a noccedilatildeo
de alteridade frente agraves tendecircncias globalizantes e provoca a reorganizaccedilatildeo curricular que vem se
fazendo na Europa e que reconhece explicitamente a dimensatildeo do estudo do patrimocircnio como
parte essencial da educaccedilatildeo para a cidadania (BARCA 2003 p100)
Ramos (2004 p15) discute que a ida ao espaccedilo museoloacutegico implica necessariamente
efetuar atividades educativas questionamentos e maneiras teoricamente fundamentadas de
aguccedilar a percepccedilatildeo para os objetos das exposiccedilotildees e a vinculaccedilatildeo entre o mundo dos artefatos
Para o citado autor a histoacuteria estaacute presente nos objetos e estes podem ser instrumentos para um
posicionamento no presente Os conflitos com os objetos de uso dos museus (objeto gerador)
produzem cultura fazem a ponte entre a memoacuteria coletiva e individual faz lembrar e ler a
materialidade das coisas na proacutepria problemaacutetica histoacuterica (2004 p19-30)
O foco central da pesquisa sobre visitas educativas a museus neste sentido indicado por
Ramos (2004) aponta para os usos e apropriaccedilotildees do patrimocircnio cultural musealizado As
escolas utilizam posturas investigativas em relaccedilatildeo ao patrimocircnio Muitas praacuteticas escolares de
visitas levantam justificativas quanto agrave relevacircncia de atitudes de avaliaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da
histoacuteria local e aprofundam maneiras de atuar e interagir em relaccedilatildeo a seleccedilotildees de objetos
valores crenccedilas que se processam cotidianamente na sociedade A partir das visitas a museus
questiona-se o conceito de ldquopatrimocircnio histoacutericordquo natildeo como um meio ou recurso para conhecer
ou fazer histoacuteria mas como a proacutepria histoacuteria evidenciada nas persistecircncias visiacuteveis do passado
que o presente outorga valores (HERNANDEZ 2003 p456-458)
O patrimocircnio pode ser considerado a expressatildeo de identidades e sua apropriaccedilatildeo favorece
a construccedilatildeo de valores tais como respeito ao entorno e ao pertencimento a uma comunidade de
56
sentido ou tradiccedilatildeo Pode possibilitar o exerciacutecio de um pensamento criacutetico capaz de situar
historicamente as evidecircncias e dotaacute-las de novos significados sociais poliacuteticos e culturais Por
fim a relaccedilatildeo com o patrimocircnio museal desencadeia accedilotildees de construccedilatildeo do conhecimento
histoacuterico e ampliaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica (GONZALEZ 2004)
A aprendizagem em museus estaacute focada em dois eixos na potecircncia patrimonial de
coleccedilotildees e objetos e na potecircncia comunicativa das instituiccedilotildees em estabelecer planos e programas
puacuteblicos educativos que combinam diversas dimensotildees do cenaacuterio natildeo formal (natildeo escolares) do
museu e aspectos da cultura mais amplos
Pesquisas acadecircmicas sobre educaccedilatildeo em museus satildeo bastante numerosas35
mas natildeo se
constituem em torno de um campo especiacutefico de investigaccedilatildeo organizado em referecircncias teoacutericas
e metodoloacutegicas soacutelidas Predomina o diaacutelogo com vaacuterias aacutereas acadecircmicas o que torna o esforccedilo
para visualizar o conjunto dessa produccedilatildeo ou mesmo avaliar as tendecircncias e perspectivas
adotadas por cada pesquisa um trabalho relativamente difiacutecil De um modo geral as pesquisas
sobre museus parecem obedecer agrave mesma loacutegica das demais temaacuteticas nas poacutes-graduaccedilotildees Ainda
prevalecem as dissertaccedilotildees de mestrado com um aumento dos douramentos entre 1987- 2008 Em
sua quase totalidade satildeo realizadas nas instituiccedilotildees puacuteblicas federais e estaduais e nem sempre
contam com financiamentos de agecircncias de fomento As instituiccedilotildees que possuem maior nuacutemero
de pesquisas satildeo a UNIRIO USP UFMG UNICAMP e FGV-RJ
Os referenciais bibliograacuteficos de cada autor indicam diaacutelogos preferenciais internos agrave sua
aacuterea de conhecimento acadecircmico Entre as autoras citadas ao longo do capiacutetulo temos como
exemplo a combinaccedilatildeo de trecircs formaccedilotildees acadecircmicas distintas e atuaccedilatildeo em museus nas aacutereas de
ciecircncias naturais artes e histoacuteria respectivamente Maria Margaret Lopes (1988) Maria Ceciacutelia
Lourenccedilo (1997) e Ana Claudia Brefe (1998 e 2005) Cada pesquisadora dialoga internamente
com a bibliografia de sua aacuterea especiacutefica
Cada aacuterea acadecircmica que tematiza sobre o Museu tambeacutem o faz a partir de questotildees
especiacuteficas que interferem na proacutepria definiccedilatildeo de museu A histoacuteria como aacuterea acadecircmica pensa
no museu como instituiccedilatildeo como ldquolugar de memoacuteriardquo A antropologia por sua vez concebe o
museu como um campo de pesquisa no qual eacute possiacutevel o trabalho etnograacutefico com coleccedilotildees As
35 Carina Martins Costa (2008) identificou 98 pesquisas acadecircmicas desenvolvidas no Brasil sobre educaccedilatildeo em
museus
57
ciecircncias bioloacutegicas identificam no museu um divulgador do campo cientiacutefico A aacuterea de
comunicaccedilatildeo vecirc o museu como miacutedia veiacuteculo de divulgaccedilatildeo Muitos pesquisadores tambeacutem
utilizam a documentaccedilatildeo existente nos arquivos e acervos iconograacuteficos sem necessariamente
tomarem o proacuteprio museu como objeto de anaacutelise ou mesmo desconsiderando a origem dessas
fontes
O enfoque dessa pesquisa natildeo desconsidera a trajetoacuteria administrativa e cultural de cada
instituiccedilatildeo museoloacutegica e a constituiccedilatildeo de suas respectivas coleccedilotildees Ao contraacuterio estes satildeo
aspectos fundamentais para o entendimento da histoacuteria presente de cada museu embora natildeo
estejam presentes nas exposiccedilotildees puacuteblicas que eles promovem Como demonstram as pesquisas
realizadas por Brefe (2005) acerca do Museu Paulista e Pimentel (2004) sobre o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto a histoacuteria das instituiccedilotildees museais permite estabelecer referecircncias sobre os
padrotildees que se fixaram ou se modificam em suas poliacuteticas de exibiccedilatildeo
A abordagem dos museus pelos usos feitos pelos visitantes por sua vez natildeo pode temer
ou condenar uma apropriaccedilatildeo utilitaacuteria de seus espaccedilos Trabalhar com os usos promovidos pelos
visitantes eacute considerar que as estrateacutegias autorizadas pelas chamadas visitas de estudo ou estudos
do meio36
ainda satildeo centrais tanto para museus quanto para as escolas Nesses casos os setores
educativos definem metodologias especiacuteficas para se explorar os espaccedilos visitados
principalmente um roteiro de observaccedilatildeo elaborado para os professores e que pretende orientar a
visita A visita escolar busca se diferenciar do lazer e do consumo que natildeo satildeo legitimados Os
locais a serem visitados satildeo predeterminados e obedecem a um cronograma e agendamento que
natildeo permitem mudanccedilas ou alternativas
O visitante de museus eacute interpelado duplamente por aquilo que o motiva individualmente
e pela oferta institucional Ele faz escolhas expressa gostos opiniotildees e negocia com os colegas
professores prestadores de serviccedilos Haacute em qualquer visita uma dimensatildeo de cidadania e de
consumo imbricadas
36 Um discurso muito presente nos planejamentos das visitas a locais como praccedilas e museus eacute da formaccedilatildeo de
competecircncias de leitura de fontes visuais ou cenaacuterio para conteuacutedos histoacutericos trabalhados em sala de aula Ver
Bittencourt 2009 p281
58
Um visitante natildeo se reduz a receptor passivo do quadro normativo referente oferecido
pelos museus e pelas escolas37
A negociaccedilatildeo de sentidos se daacute de maneira complexa Durante a
visita ele considera questotildees de acesso processos culturais num amplo quadro de significaccedilatildeo
que implica em novas praacuteticas interpretaccedilotildees e formas de uso dos bens culturais
A anaacutelise das praacuteticas portanto natildeo pode aceitar os limites dos modelos institucionais e
nem a correlaccedilatildeo inexoraacutevel entre capital cultural escolar e habitus como determinantes das
visitas38
Assim cada visita acontece em um quadro normativo referente de processos de
socializaccedilatildeo familiar e escolar e na complexidade da realidade empiacuterica de cada visitante Os
paradoxos da anaacutelise satildeo muacuteltiplos diante da complexidade do problema de pesquisa proposto
A mensagem expositiva dos museus segundo Asensio e Pol (2007) existe na medida em
que eacute recriada por cada visitante Ele a constroacutei a partir de seus conhecimentos preacutevios suas
habilidades cognitivas e sentindo o impacto expositivo atraveacutes de atitudes emoccedilotildees e afetos
Entender as experiecircncias de visita implica em questionar o que cada exposiccedilatildeo oferece ao
visitante e como o visitante distingue suas marcas suas convenccedilotildees e coacutedigos O visitante ao
fazer uma leitura do museu aponta para a poliacutetica inscrita em cada gesto da instituiccedilatildeo e para a
poeacutetica presente na exposiccedilatildeo e que lhe permite sempre manter em aberto o espaccedilo da
significaccedilatildeo
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos
Inverter a ordem dos discursos tomando o puacuteblico-visitante estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria como os sujeitos dos quais se parte para investigar as interfaces entre as dinacircmicas
socioculturais de visita a museus e as dinacircmicas de formaccedilatildeo histoacuterica eacute uma contribuiccedilatildeo
pretendida por essa pesquisa
Duas referecircncias ajudam a estabelecer inicialmente contatos entre o tema das visitas a
museus e da formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes a questatildeo dos sujeitos e da produccedilatildeo de
conhecimentos Eacute possiacutevel compor uma anaacutelise da dinacircmica e diversidade das situaccedilotildees vividas
quando de uma visita e articulando-as a partir das elaboraccedilotildees dos sujeitos envolvidos nessas
37 Assim como os museus as escolas tambeacutem modificam suas abordagens das visitas a museus Ver dentre outros os
trabalhos de Denise Grinspum (2000) e Maria Cristina Carvalho (2005) 38
Ver discussatildeo de Luciana Sepuacutelveda Koptcke (2005 p190)
59
situaccedilotildees de formaccedilatildeo Para que essa articulaccedilatildeo aconteccedila o foco da investigaccedilatildeo satildeo os sentidos
elaborados pelos sujeitos a partir de dentro do proacuteprio processo de formaccedilatildeo em sua
materialidade e de seus significados para os envolvidos na interaccedilatildeo estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria seus professores-formadores e os profissionais de museus
A hipoacutetese teoacuterica sobre a produccedilatildeo de conhecimentos a ser investigada relaciona-se ao
que Bernard Charlot (2000 p68) denomina de ldquonatureza epistecircmica dos saberes dos sujeitosrdquo
definidos como um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a dinacircmica do
desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo em busca do
objeto O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso de si proacuteprio como recurso engaja-se em
atividades movimenta-se produz inteligibilidade e sentidos (CHARLOT 2000 p51-89)
As visitas ainda que marcadas por um ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas por
cada museu permitem aos visitantes uma experiecircncia esteacutetica de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus39
Haacute limites por certo nas possibilidades interpretativas das visitas escolares pois natildeo se
trata de um espaccedilo completamente livre de contingecircncias e aberto a experiecircncias do inteiramente
novo Ainda que extrapole os limites do ambiente escolar a visita a museus guarda muito das
caracteriacutesticas de ldquotrabalho escolarrdquo no sentido que lhe imprime Perrenoud (1994) como parte da
escolarizaccedilatildeo e dos saberes escolares Os visitantes estudantes e professores estatildeo duplamente
limitados pelas suas proacuteprias expectativas e objetivos e tambeacutem por aqueles dos agentes de
museus
Entende-se como narrativa dos museus os pontos de vista expressos na fala de seus
monitores materiais educativos e poliacuteticas dos setores educativos e exposiccedilotildees Em toda a praacutetica
museal se vecirc um visitante ideal e um discurso prescritivo sobre as visitas Os museus de modo
39 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
60
geral e os proacuteprios materiais instrutivos dirigidos aos professores quer por oacutergatildeos de regulaccedilatildeo e
formaccedilatildeo quer por uma bibliografia voltada agrave formaccedilatildeo para o ensino de histoacuteria40
esperam que
os visitantes venham preparados para seu discurso e a forma de expocirc-lo Espera-se que essa
estimulaccedilatildeo tenha sido feita previamente pelo professor que organiza a visita Eacute esperado tambeacutem
que o professor conheccedila o museu e suas exposiccedilotildees antes da visita com seus alunos que trabalhe
materiais e organize atividades em sala de aula sobre o que seraacute visto no museu Durante a visita
haacute a expectativa por parte de muitos museus que o professor oriente os comportamentos a serem
adotados indicando como os alunos devem atentar para as observaccedilotildees dos monitores
garantindo assim a ordem e ao mesmo tempo que a interaccedilatildeo aconteccedila sem atrapalhar o
trabalho daqueles que conduzem a visita O professor deve contemplar as obras e cuidar para que
os alunos tambeacutem o faccedilam Na volta agrave escola os agentes educativos dos museus sugerem que os
professores promovam discussotildees diaacutelogos com a turma recuperando o que foi visto observado
levantando novas hipoacuteteses curiosidades e aprofundando o tema ao mesmo tempo em que
auxilia na organizaccedilatildeo da construccedilatildeo da narrativa sobre a visita
Eacute necessaacuterio ponderar que mesmo com todas essas expectativas criadas em torno do
trabalho de visita escolar ou por elas existirem as visitas a museus podem ser pensadas como
fundadas em estrateacutegias construcionistas da cultura e do conhecimento agrave medida que os visitantes
negociam o sentido da mensagem expositiva de cada museu e de cada objeto de cultura exposto
O visitante constroacutei ele proacuteprio a partir de seus conhecimentos suas habilidades cognitivas e
sentindo o impacto expositivo em suas atitudes emoccedilotildees e afetos
Os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos de conflitos embates entre poliacuteticas e esteacuteticas que
legitimam praacuteticas e vozes mas tambeacutem trocas entre grupos sociais diversos que buscam
expressar ali seus rituais e memoacuterias coletivas Defendo que o museu natildeo se reduz a simples
recurso pedagoacutegico ou fonte histoacuterica utilizado por professores juntamente com visitas teacutecnicas
a arquivos e bibliotecas Os objetivos da visita e de sua anaacutelise natildeo se limitam agrave discussatildeo sobre
praacuteticas de preservaccedilatildeo cujas finalidades seriam promover o contato e conhecimento de
experiecircncias bem sucedidas de preservaccedilatildeo do patrimocircnio cultural Esse formato de programas
governamentais e privados associa atividades de promoccedilatildeo do patrimocircnio cultural com benefiacutecios
40 Algumas dessas visotildees e materiais seratildeo apresentados e discutidos nos capiacutetulos IV e V
61
econocircmicos e turismo sustentado ao considerar o turista um consumidor de lugares coleccedilotildees
saberes e fazeres culturais (MURTA E ALBANO 2005 p17)
Eacute imperativo ressalvar que nem toda a discussatildeo sobre a chamada educaccedilatildeo patrimonial
se reduz a praacuteticas prescritivas e usos instrumentais do patrimocircnio Desde a deacutecada de 1980 satildeo
inuacutemeras as iniciativas que trabalham com as dimensotildees da memoacuteria e da histoacuteria num sentido da
educaccedilatildeo das sensibilidades mais amplo41
O museu eacute concebido nessa pesquisa como um lugar metodoloacutegico siacutetio simboacutelico no
qual o visitante pode ser entendido como sujeito da accedilatildeo museoloacutegica agrave medida que atua
ativamente na significaccedilatildeo dos objetos durante as visitas agraves exposiccedilotildees e situaccedilotildees educativas
elaborando reflexotildees teoacuterico-conceituais sobre o proacuteprio museu e seu acervo e sobre a histoacuteria
Cabe dizer que para investigar os usos que satildeo feitos dos museus pelos visitantes visando
agrave produccedilatildeo de conhecimento eacute preciso abandonar a ideia de um puacuteblico receptor passivo que
apenas olha e natildeo age e buscar entender como se daacute a ressignificaccedilatildeo das poliacuteticas educativas
dos museus ouvindo o que pensam e fazem os sujeitos que participam ou participaram da vida do
objeto dentro e fora do museu e agregaram e agregam a ele significados Tanto aqueles que
atuam como agentes na ressignificaccedilatildeo dos objetos museoloacutegicos seus autoresprodutores e
diversos usuaacuterios ao longo de seu circuito e trajetoacuteria existencial ateacute a chegada no museu Todos
promovem o ldquocontexto musealrdquo pesquisadores que estudam os objetos conservadores
documentalistas museoacutelogos educadores e puacuteblico-visitante
Os proacuteprios museus hoje planejam accedilotildees educativas ldquointerativasrdquo que implicam um
compartilhamento mas muitas vezes natildeo dispensam as ldquomediaccedilotildeesrdquo de uma trilha explicitada
pelo idealizador de uma linguagem proacutepria ndash a da museologia Compreende-se que visitantes e
museus satildeo sujeitos singulares empenhados numa mesma praacutetica Mas ateacute que ponto a agenda de
expectativas do proacuteprio visitante e os embates especiacuteficos que cada aacuterea
disciplinartemaexposiccedilatildeo lhe reserva natildeo o reduzem a um papel mais modesto na relaccedilatildeo com a
produccedilatildeo do conhecimento Espera-se que o visitante reconheccedila e aplique o coacutedigo do emissor
ou agentes da accedilatildeo educativa dos museus ou que ele interprete selecione e se aproprie fazendo
outra produccedilatildeo a partir de seu lugar
41 Ver balanccedilo da discussatildeo sobre educaccedilatildeo patrimonial feita por Nara Ruacutebia de Carvalho Cunha tendo como
referecircncia inicial o Guia Baacutesico de Educaccedilatildeo Patrimonial publicado e distribuiacutedo pelo IPHAN em 1999 em
comparaccedilatildeo a outras praacuteticas como a do museu-escola do Museu da Inconfidecircncia Ver Cunha 2011 p67-81
62
Ao visitarem museus e entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos ali organizados ndash os
objetos o convite agrave interatividade o tema e as miacutedias ndash os visitantes podem romper com os
papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao momento dessa interaccedilatildeo Estaacute muito
presente nas abordagens dos museus o risco da espetacularizaccedilatildeo ou uma visatildeo ingecircnua de que a
interatividade pode ser garantida de antematildeo pelo museu independentemente da accedilatildeo do
puacuteblico
As possibilidades de diaacutelogo com os museus datildeo-se para aleacutem dos aspectos da
comunicaccedilatildeo com o puacuteblico estabelecido pelas proacuteprias instituiccedilotildees (PEREIRA et al 2007) O
acervo de qualquer museu aiacute incluiacutedas as exposiccedilotildees reservas teacutecnicas seu sites materiais de
divulgaccedilatildeo e a proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo dos acervos com seus diversos criteacuterios de
incorporaccedilatildeo preservaccedilatildeo restauraccedilatildeo exposiccedilatildeo e descarte interessam aos visitantes em
formaccedilatildeo Muitos museus ao trabalharem com pressupostos das teorias da recepccedilatildeo42
concebem
o sujeito em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo mas natildeo assumem a interlocuccedilatildeo numa dupla face do processo
de produccedilatildeo de sentido Os museus satildeo os sujeitos comunicantes protagonistas enunciadores e
os visitantes satildeo os destinataacuterios A dicotomia em relaccedilatildeo aos dois poacutelos estaacute mantida Condiccedilotildees
diferentes de produccedilatildeo e condiccedilotildees de reconhecimento marcadas e jaacute estabelecidas pelas esferas
da produccedilatildeo e consumo
Enquanto a produccedilatildeo de conhecimentos ou de uma memoacuteria histoacuterica eacute legitimada
poliacutetica e esteticamente como proacutepria ao campo museal o visitante natildeo eacute reconhecido como parte
dessa produccedilatildeo de sentidos Ele apenas recebe passivamente esse saber especializado O
patrimocircnio cultural eacute aquilo que estaacute laacute no museu e que deve ser reconhecido ou apropriado pelos
visitantes O museu eacute lugar de memoacuteria instituiacuteda da cultura material a ser preservada43
Em muitos museus o professor eacute considerado parte do bloco da audiecircncia denominado
ldquopuacuteblico escolarrdquo Natildeo existem accedilotildees especiacuteficas voltadas para o professor Em geral seu papel
seraacute ajudar na mediaccedilatildeo com os estudantes nas visitas programadas pelos agentes dos museus
Ele natildeo participa da elaboraccedilatildeo da oferta de serviccedilos dos museus escolha de percursos
abordagem conceitual As instituiccedilotildees museais em geral hierarquizam e triangulam a mediaccedilatildeo
42 Ver ESCOSTEGUY 2008
43 Autores como Maacuterio Chagas (2003 p32) tratam da vinculaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de museu e patrimocircnio considerando
que o sentido de preservaccedilatildeo e de posse estaria na raiz tanto da noccedilatildeo de patrimocircnio quanto no museu como
instituiccedilatildeo
63
Eacute preciso um guia do proacuteprio museu para decifrar os coacutedigos do patrimocircnio O professor
responsaacutevel pelos alunos recebe o ldquopacoterdquo oferecido pelos museus Ele o aceita o rejeita
tambeacutem em bloco
A accedilatildeo educativa dentro de muitos museus contemporacircneos eacute vista como parte de suas
funccedilotildees de comunicaccedilatildeo A formaccedilatildeo natildeo tem o mesmo lugar ou status das atividades de
pesquisa e preservaccedilatildeo nas definiccedilotildees oficiais de museu A mediaccedilatildeo tambeacutem eacute vista como uma
funccedilatildeo didaacutetica ou de marketing sem estatuto epistemoloacutegico proacuteprio uma funccedilatildeo de
transposiccedilatildeo e recontextualizaccedilatildeo do saber criada diretamente pelo museu
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade
Bernard Lahire em Homem Plural os determinantes da accedilatildeo (2002) apresenta uma criacutetica
agraves teorias que defendem a homogeneizaccedilatildeo e a unidade do ator e da cultura e defende uma
perspectiva de entendimento do ator social na pluralidade dos mundos e das experiecircncias
contemporacircneas Lahire argumenta que os princiacutepios de socializaccedilatildeo satildeo heterogecircneos e
contraditoacuterios e que vivemos numa multipertenccedila a mundos e submundos sociais nem sempre
compatiacuteveis entre eles e agraves vezes conflituosos (LARIHE 2002 p32)
Para Lahire (2002) natildeo existem configuraccedilotildees sociais homogecircneas tanto cultural quanto
moral e ldquopoucos satildeo os casos que permitiriam falar de um habitus familiar coerente produtor de
disposiccedilotildees gerais inteiramente orientadas na mesma direccedilatildeordquo Os valores simboacutelicos os
esquemas de accedilatildeo introjetados e as praacuteticas satildeo diferentes maneiras de dizer ver fazer e sentir
os repertoacuterios de esquemas de accedilatildeo (de haacutebitos) satildeo conjuntos de siacutenteses de
experiecircncias sociais que foram construiacutedasincorporadas durante a socializaccedilatildeo anterior
nos acircmbitos sociais limitadosdelimitados e aquilo que cada ator adquire
progressivamente e mais ou menos completamente satildeo haacutebitos como sentidos de
pertenccedila contextual (relativa) de terem sido postos em praacutetica Aprendecompreende que
aquilo que se faz e se diz em tal contexto natildeo se faz nem se diz em outro contexto (LAHIRE 2002 p37)
As travessias no espaccedilo social e as matrizes de socialializaccedilatildeo satildeo contraditoacuterias As
visitas aos museus podem ser entendidas como uma dessas travessias entre dois mundos Uma
situaccedilatildeo de encontro cultural forccedilado Um deslocamento do espaccedilo da escola para o espaccedilo do
museu Nesse novo cenaacuterio ou no momento presente da visita os estatutos culturais dos
64
visitantes diluem-se parcialmente Os visitantes reconhecem a visatildeo de histoacuteria dominante no
museu e podem em um segundo movimento recorrer a outros fundamentos historiograacuteficos para
analisar tal estrutura e confrontar com analogias as duas configuraccedilotildees o seu proacuteprio lugar e o
lugar da exposiccedilatildeo (museu)
Lahire (2002) considera que o presente tem mais peso na explicaccedilatildeo dos comportamentos
praacuteticas e condutas se os atores satildeo plurais O passado estaacute aberto de modo diferente segundo a
natureza e a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente A questatildeo central eacute discutir como as experiecircncias
satildeo incorporadas mobilizadas convocadas e despertadas pela situaccedilatildeo presente Ou descrever de
que maneira a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente tecircm um peso na criaccedilatildeo de praacuteticas
A escolha de mais um museu e portanto a anaacutelise simultacircnea de mais de uma visita tem
por finalidade investigar marcas especiacuteficas dessas experiecircncias Assim pode-se encontrar nos
relatos de um mesmo visitante mudanccedilas que dizem respeito agrave adaptaccedilatildeo fuga resistecircncia
inibiccedilatildeo em relaccedilatildeo aos diferentes ambientes visitados Tambeacutem eacute possiacutevel discutir em que
medida os distintos ambientes que o visitante eacute levado a atravessar ativam ou inibem suas
competecircncias habilidades saberes conhecimentos maneiras de dizer e fazer durante as visitas
Dessa maneira a repeticcedilatildeo de visitas ou a visita a diferentes museus reconhece que tal
estrateacutegia pode ter um efeito positivo pois antecipa possibilidades interpretativas do visitante que
constroacutei paracircmetros de interpretaccedilatildeo A visita a mais de um museu causa certa previsibilidade
gera certas expectativas que orientam e selecionam os sentidos produzidos pelos visitantes
A escolha desses visitantes e museus e natildeo outros configurou-se ao longo da pesquisa de
doutorado iniciada em 2008 e foi posterior ao momento das visitas efetivamente realizadas pelo
grupo de estudantes A seleccedilatildeo das situaccedilotildees concretas de visita para a anaacutelise se deu diante de
um repertoacuterio mais amplo de museus visitados pelo grupo ao longo dos quatro anos de formaccedilatildeo
e que possibilitava outras escolhas e anaacutelises
Ao longo do ano de 2008 foram desencadeados trecircs movimentos simultacircneos de produccedilatildeo
da materialidade das visitas Um levantamento da produccedilatildeo dos estudantes jaacute existente na
instituiccedilatildeo formadora ndash a Faculdade de Pedro Leopoldo (FIPEL) ndash sobre as vaacuterias visitas
realizadas entre 1999 e 2008 Em seguida a elaboraccedilatildeo de um inventaacuterio do perfil dos estudantes
de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria (Anexo A) e terceiro a realizaccedilatildeo de uma
65
entrevista coletiva no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 dispostos a
colaborar com a pesquisa para avaliaccedilatildeo da praacutetica de visitas a museus (Anexo B)
Apoacutes levantamento preliminar dos registros escritos e fotograacuteficos44
elaborados pelos
estudantes da FIPEL arquivados na proacutepria instituiccedilatildeo formadora foi necessaacuterio redefinir
recortes desse conjunto de fontes documentais Tanto os suportes elaborados posteriormente
quanto estrateacutegias hipoacuteteses de trabalho e categorias de anaacutelise partiram dessa primeira leitura
documental das praacuteticas de formaccedilatildeo
A sistematizaccedilatildeo do perfil dos estudantes de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria
permitiu caracterizar melhor o proacuteprio grupo e a praacutetica de visitas da instituiccedilatildeo O inqueacuterito
estava dividido em trecircs partes A primeira preocupou-se com dados gerais como idade sexo
atividade remunerada renda familiar A segunda trazia questotildees relativas agrave praacutetica de visitas a
museus e uma terceira que aprofundava as situaccedilotildees de visita tendo em vista imagens e conceitos
de museu memoacuteria patrimocircnio e uma avaliaccedilatildeo dos proacuteprios museus visitados (Anexo A) Esse
levantamento depois de respondido individualmente sem identificaccedilatildeo de nomes foi processado
na forma de graacuteficos possibilitando uma visualizaccedilatildeo dos visitantes como um grupo e as
experiecircncias de visita na instituiccedilatildeo formadora como um conjunto (Anexo B)
O segundo suporte para a materialidade das visitas e visitantes foi uma entrevista coletiva
no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 O debate com o grupo visava
aprofundar e complementar elementos identificados no inventaacuterio e que seriam melhor abordados
na forma da oralidade e da discussatildeo coletiva A decisatildeo metodoloacutegica em produzir esse tipo de
registro para a pesquisa se deu no momento de definiccedilatildeo no recorte empiacuterico da mostra de
visitantes As duacutevidas eram muitas jaacute que se tinha um variado repertoacuterio de relatos individuais e
mesmo algumas siacutenteses produzidas pelas turmas Faltava definir um grupo de referecircncia para a
anaacutelise das visitas e sistematizar uma meta-reflexatildeo dos visitantes sobre o conjunto das visitas e
seus efeitos formativos Essa forma de registro oral (grupo focal) foi utilizada antes da uacuteltima
44 Para Boris Kossoy (2011) a abordagem da fotografia como documento iconograacutefico deve considerar os enredos
culturais que lhe datildeo sentido e natildeo se limitar agrave questotildees teacutecnicas (imagens teacutecnicas) Eacute preciso demonstrar as
construccedilotildees mentais e culturais que datildeo corpo agraves imagens e aprender a desmontaacute-las Disponiacutevel em lt
httpluzeestilowordpresscom20100328entrevista-com-boris-kossoygtAcesso em 31 de marccedilo de 2011 Ver
tambeacutem a discussatildeo de imagem associada agrave narrativa ldquoo quadro narra e a narrativa mostrardquo (RICOEUR 2007
p281)
66
visita realizada pelo grupo ao Rio de Janeiro O debate contou com a participaccedilatildeo de nove
estudantes e foi transcrito As falas foram confrontadas tanto com os relatos anteriores da visita
ao Museu do Escravo (2006) quanto com o trabalho realizado posteriormente agrave visitaccedilatildeo ao
Museu Histoacuterico Nacional (2008) (Anexo C)
Identificar entre os puacuteblicos de museus um conjunto de visitantes e selecionaacute-los para
anaacutelise foi em grande medida organizar estrateacutegias de visibilidade destes visitantes reais Os
criteacuterios de constituiccedilatildeo do corpus documental para a pesquisa foram circunstanciais e definidos
simultaneamente agraves leituras teoacutericas e metodoloacutegicas O visitante historiado eacute uma situaccedilatildeo
relacional uma seacuterie de condiccedilotildees no espaccedilo-tempo como o fato de serem matriculados em uma
mesma instituiccedilatildeo de ensino superior disporem de tempo para viajar recursos financeiros e
disponibilidade para relatar suas experiecircncias de visita
Um dos criteacuterios de escolha dos dois museus apresentados na anaacutelise ndash o Museu do
Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional ndash foi baseado na avaliaccedilatildeo da potecircncia patrimonial de
cada um deles Natildeo era viaacutevel trabalhar com um amplo corpus documental que se constituiacutera
sobre as visitas e visitantes e a seleccedilatildeo implicava em cortes que mantivessem a riqueza da
documentaccedilatildeo produzida Os visitantes assim como os museus visitados constituem coleccedilotildees de
cultura material e as exibem de forma a comunicar sentidos e fazer circular a cultura Os dois
ldquoacervos documentaisrdquo das visitas elaboradas na perspectiva do grupo de visitantes e dos
museus satildeo confrontados
Enquanto os museus possuem criteacuterios de legitimaccedilatildeo da produccedilatildeo da cultura instituiacutedos
a escolha pela anaacutelise da produccedilatildeo feita pelos estudantes tem a possibilidade de ampliar o circuito
da cultura escolar para aleacutem de seus consumidoressujeitos habituais O processo de formaccedilatildeo de
visitantes de museus emerge dos lugares institucionais como a escola e o museu mas operam
uma experiecircncia pedagoacutegica mais abrangente e dispersa
Os relatos escritos e as fotografias satildeo considerados nessa pesquisa como maneiras de dar
significado agraves visitas vivenciadas durante o curso de graduaccedilatildeo em histoacuteria Na elaboraccedilatildeo dos
relatoacuterios os estudantes reconfiguram o percurso da visita reelaboram suas impressotildees
sentimentos e conhecimentos sobre o museu visitado Nos relatos escritos e fotograacuteficos
constroem ldquoexperiecircncias esteacuteticasrdquo conformando
67
estruturas cognitivas quadros normativos marcas de discriminaccedilatildeo e criteacuterios de
avaliaccedilatildeo modos de apreensatildeo do tempo regras de escolha modos de representaccedilatildeo e
esquemas de accedilatildeo jogos de papeacuteis e de categorias da praacutetica afirmaccedilotildees consideradas
verdadeiras e normas tidas por justas crenccedilas e figuraccedilotildees (GUIMARAtildeES E LEAL
2008 p12)
Os visitantes estabelecem modos de significar o vivido de transformar o fato em evento
ou ainda de conformar uma memoacuteria social (RICOEUR 2000) A experiecircncia de visita pode ser
pensada no sentido indicado por Vidal (2010 p726) quando se refere agrave docecircncia como
experiecircncia coletiva
as experiecircncias apesar de uacutenicas natildeo satildeo individuais Remetem a modos coletivos de
entender e validar a docecircncia Indiciam expectativas geracionais constituiacutedas na cultura
nas instituiccedilotildees de formaccedilatildeo na convivecircncia cotidiana com colegas e comunidade e nos
vaacuterios percursos de escolarizaccedilatildeo seguidos (VIDAL 2010 p726)
Os relatos de visita considerados como fontes e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de abordagem e tambeacutem mostram limites agrave anaacutelise Aquilo que aparece no texto da
aluna destacado no iniacutecio do primeiro capiacutetulo como ldquotiacutepicordquo eacute em grande medida um repertoacuterio
repetitivo que se constitui como um ldquogecircnerordquo Nesses relatos tanto a instituiccedilatildeo formadora
quanto cada museu visitado tem um papel significativo para a produccedilatildeo dos relatos Esse eacute um
primeiro ponto a ser considerado na anaacutelise Cada relato existe por estiacutemulos e intenccedilotildees de
produccedilatildeo vindos natildeo diretamente dos sujeitos que como autores resolvem de maneira
espontacircnea registrar suas memoacuterias mas como parte da dinacircmica de formaccedilatildeo acadecircmica e
disciplinas curriculares As escolhas e motivos das visitas aos museus satildeo estabelecidos no
interior do curso de licenciatura em Histoacuteria Haacute tambeacutem um segundo limite e implicaccedilatildeo na
produccedilatildeo dos relatos que eacute a condiccedilatildeo de avaliar a experiecircncia de visita de dentro da situaccedilatildeo
educativa Eacute preciso considerar essa dupla implicaccedilatildeo e explicitar que eu na condiccedilatildeo de
professora da instituiccedilatildeo formadora me encontro diretamente envolvida nesse primeiro
movimento de produccedilatildeo dos registros e elaboraccedilatildeo de uma primeira camada de testemunhos dos
visitantes
Somado ao primeiro limite dos relatos marcado pela historicidade das visitas e horizonte
de expectativa dos visitantes apresenta-se outro de caraacuteter diverso Assumir as marcas de
subjetividade entendidas como os sentidos atribuiacutedos agraves narrativas por cada visitante que se
coloca como autor de suas memoacuterias eacute correr o risco de expor os sujeitos concretos julgando
68
suas atitudes Vale esclarecer que o visitante faz escolhas estabelecendo uma pertinecircncia entre o
vivido e as referecircncias que lhes foram apresentadas pelos acervos e exposiccedilotildees dos museus mas
cria descompassos45
com relaccedilatildeo agraves rotinas e dinacircmicas estabelecidas pelo grupo que acompanha
Outro limite aparente das fontes eacute o apagamento das lembranccedilas ou a memoacuteria entendida
como recordaccedilatildeo As praacuteticas educativas como as visitas aos museus tem uma permanecircncia que
se constroacutei pelos conteuacutedos culturais que engendram Entretanto haacute uma fragilidade dos relatos
de visita onde se destaca muito da instrumentalidade das praacuteticas e das formas que eles adquirem
no acircmbito da cultura escolar
O relato de visita eacute marcado por esse limite da accedilatildeo contra o esquecimento um texto
coletivo que marca as histoacuterias comuns as semelhanccedilas do vivido e a recriaccedilatildeo das lembranccedilas
em memoacuterias coletivas Haacute o risco da banalizaccedilatildeo da experiecircncia uma vez que as narrativas
correspondem a accedilotildees de reflexatildeo produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico e mesmo de um excesso
de expectativas de troca de acuacutemulo e de valorizaccedilatildeo da accedilatildeo empreendida de forma
retrospectiva
Por outro lado o uso dos relatos como fonte e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de romper com algumas prescriccedilotildees A primeira delas eacute atentar para uma dimensatildeo
do testemunho como uma funccedilatildeo de ouvir a narrativa do outro instaurando uma nova histoacuteria do
presente Para Gagnebin (2006) essa operaccedilatildeo de compreender o testemunho engendra a questatildeo
de que o historiador natildeo eacute apenas o coletor dessas lembranccedilas ele realiza uma operaccedilatildeo de
ldquorememoraccedilatildeordquo no lugar da ldquocomemoraccedilatildeordquo Sua atividade historiadora natildeo eacute repetir as
lembranccedilas mas atentar para o esquecido A rememoraccedilatildeo significa atenccedilatildeo com o presente com
as ressurgecircncias do passado no presente e com a accedilatildeo A testemunha natildeo eacute aquele que viu com os
proacuteprios olhos mas tambeacutem aquele que ao ouvir a narraccedilatildeo do outro a aceita e a toma de forma
reflexiva natildeo ajudando a repeti-la indefinidamente mas ousando inventar outra histoacuteria inventar
o presente (GAGNEBIN 2006 p 55-57)
A visita ao museu se constitui em um evento dialoacutegico e polifocircnico que promove sentidos
na interaccedilatildeo ou co-presenccedila dos diversos sujeitos Justamente por esse efeito de interaccedilatildeo
promove diferentes tipos de trabalho com a memoacuteria Pode-se dizer que os relatos das visitas satildeo
45 Parece ser o caso de uma aluna que faz referecircncia agrave existecircncia de uma denominada ldquoSala da Marquesa de Santosrdquo
durante a visita ao Museu Histoacuterico Nacional
69
camadas de memoacuteria-histoacuteria nos quais eacute possiacutevel investigar as formas e conteuacutedos destas
praacuteticas culturais e a construccedilatildeo e uso dessas praacuteticas no ensino de histoacuteria e na formaccedilatildeo
histoacuterica
Os relatos das visitas podem ser utilizados como um iacutendice de atualizaccedilatildeo da memoacuteria
Como possibilidade de reconhecer que pessoas comuns (estudantes e professores) estabelecem
instrumentos capazes de intercambiar experiecircncias temporais complexas e mantecirc-las vivas em
situaccedilotildees de aprendizagem histoacuterica
Os relatos permitem investigar o papel que a memoacuteria cultural e o pensamento histoacuterico
tiveram no processo de formaccedilatildeo de diferentes identidades coletivas A reserva de histoacuterias
trazidas pelos relatos podem vir a ser histoacuterias coletivas narrativas que se voltam para o
coletivo A formaccedilatildeo como processo criativo de devir plural (RUumlSEN 2007 p165)
O destaque no trabalho para dois museus diferentes visitados pelo mesmo grupo de
estudantes tem por objetivo comparar algumas dinacircmicas que a anaacutelise de apenas um caso ou
museu natildeo permitiria Nos diversos museus visitados pelo grupo de estudantes eacute possiacutevel propor
problemaacuteticas muacuteltiplas e complexas sintetizadas pelos momentos de presenccedila dos visitantes
A estrateacutegia de abordagem do material empiacuterico produzido pelos visitantes que satildeo os
relatos escritos e as fotografias comporta natildeo uma preocupaccedilatildeo com a quantidade de variaacuteveis
mas com a variedade de argumentos alternativos levantados ateacute mesmo por um uacutenico estudante
que mobiliza diferentes elementos para dar sentido a visita
Outro aspecto considerado eacute que os relatos se produzem no interior de uma relaccedilatildeo
pedagoacutegica Parte do trabalho escolar a escrita dos relatoacuterios tem por objetivo atender a
exigecircncias e formalidades da cultura escolar Poreacutem na anaacutelise dos relatos haacute uma migraccedilatildeo
desse lugar inicial de produccedilatildeo que visava agrave leitura pelo professor que orientou eou organizou a
visita ao museu para a condiccedilatildeo de fonte de pesquisa mais ampla no campo da Educaccedilatildeo Das
situaccedilotildees de visita existentes em uma determinada instituiccedilatildeo escolar (Faculdade) escolhida
amplia-se o caraacuteter documental do relato e para pensar de maneira mais ampla o papel das
visitas a museus em relaccedilatildeo ao Ensino de Histoacuteria e agrave criaccedilatildeo de uma memoacuteria histoacuterica
Em alguma medida os visitantes na condiccedilatildeo de produtores dos relatos se fixam num
determinado momento da produccedilatildeo Haacute intersubjetividade em toda a elaboraccedilatildeo dos relatos As
observaccedilotildees satildeo projetadas para um professor que tambeacutem participou presencialmente da visita
70
Cada museu com suas exposiccedilotildees e propostas educativas satildeo acionados e mobilizados Por fim o
ato ao mesmo tempo coletivo e individual de percorrer as salas dos museus se coloca como forccedila
que emoldura cada situaccedilatildeo de visita Poreacutem a circulaccedilatildeo desses relatos em outros espaccedilos como
os da anaacutelise empreendida pela pesquisa permite forjar uma ampliaccedilatildeo de sentidos iniciais
Comparar dois momentos de visita em dois espaccedilos distintos permite conexotildees parciais entre os
processos e os lugares em anaacutelise A anaacutelise de cada situaccedilatildeo se faz por analogias e na tomada de
posiccedilatildeo Cada pessoa que relata a faz de maneira incorporada e localizada46
Como afirma Boaventura Souza Santos em texto lido pela turma do curso de licenciatura
em Histoacuteria que relata suas visitas escrever sobre algo implica em posicionar-se em adotar uma
perspectiva E em sua proposta de escrita cientiacutefica o sujeito deve participar se solidarizar ter
prazer Para Santos o conhecimento eacute emancipaccedilatildeo auto-conhecimento postura criacutetica e
reflexiva de avaliaccedilatildeo e reciprocidade (SANTOS 1995 p18-19)
A primeira implicaccedilatildeo de se considerar de maneira situada o conhecimento produzido nas
situaccedilotildees de visita eacute a opccedilatildeo pelos conhecimentos alternativos e dispersos e uma postura de
diaacutelogo que abrange a incompletude cultural natildeo como uma falta mas como parte de todas as
culturas A circulaccedilatildeo dos visitantes pelos muacuteltiplos locais tambeacutem amplia as situaccedilotildees de
formaccedilatildeo cultural multiplica as possibilidades de que diferentes museus podem propiciar a
desestabilizaccedilatildeo de visotildees hegemocircnicas acerca de temas trabalhados no Ensino de Histoacuteria como
a escravidatildeo os personagens histoacutericos e as comemoraccedilotildees O trabalho com visitas a diferentes
museus tambeacutem possibilita tomar trajetoacuterias inesperadas para traccedilar uma formaccedilatildeo cultural
considerada nos proacuteprios limites da experiecircncia compartilhada pelos visitantes A abrangecircncia da
anaacutelise se daraacute agrave medida que estabelecer conexotildees associaccedilotildees relaccedilotildees inesperadas e
aproximaccedilotildees
Os relatos escritos e fotograacuteficos assim como o Grupo focal e os questionaacuterios
individuais possibilitam confrontar como os visitantes elaboram do ponto de vista cognitivo e
simboacutelico atravessam cortam suas ancoragens e circulam entre diferentes mundos como os dos
museus do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional dentre outros
46 Mendes (2003) Perguntar e observar natildeo basta eacute preciso analisar algumas reflexotildees metodoloacutegicas Oficina do
CES 194 Disponiacutevel em lthttpsestudogeralsibucptjspuihandle1031611056gt Acesso em 06 ab 2011
71
Um primeiro sentido da produccedilatildeo dos relatos se daacute numa situaccedilatildeo relacional eacute a
comunicaccedilatildeo e o partilhamento dos sentidos com o professorleitor e os colegas Assim o relato
se faz na riqueza dialoacutegica de vozes presentes e ausentes Ao construir uma narrativa cada
visitante reconstitui o ineditismo da sua visita revive experiecircncias e surpreende-se ele proacuteprio
com suas reaccedilotildees
Ao se conceber os relatos como fonte documental prioritaacuteria agrave pesquisa foram definidos
alguns focos de investigaccedilatildeo O primeiro eacute atentar na leitura dos relatos para os tipos de recursos
que os visitantes mobilizam para argumentar e responder aos dilemas enfrentados durante a
visita Como se posicionam frente aos objetos apresentados pelos museus e como ancoram suas
narrativas pessoais frente agraves narrativas dos museus Haacute um grau de convergecircncia entre a memoacuteria
coletiva exposta nos museus e as memoacuterias pessoais Haacute dimensotildees consensuais ou divergentes e
quais argumentos fundamentam tais posiccedilotildees
Os relatos permitem mudar o foco da visita do museu e da escola para o visitante
Considerando o relato a visita pode ser ldquoguiadardquo pelos visitantes seguir o visitante pelos seus
percursos perspectivas interesses e escolhas Se durante o tempo de realizaccedilatildeo da visita na
condiccedilatildeo de professora fui tambeacutem visitante agora na anaacutelise dos relatos posso propor outros
recortes agrave visita e ao museu a partir do lugar de pesquisadora
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes
Apresento a seguir um perfil dos visitantes elaborado a partir dos dados produzidos entre
os estudantes do curso de Licenciatura em Histoacuteria Escolhi dentre os vaacuterios estudantes e visitas
que foram realizadas ao longo do periacuteodo que trabalhei na Faculdade de Pedro Leopoldo
(FIPEL) estudantes que se prontificaram a ceder suas produccedilotildees textuais e fotografias
voluntariamente Um total de dezessete estudantes compotildee o universo selecionado para anaacutelise
Pude acompanhar esse grupo desde o ingresso na Faculdade ateacute a formatura e as visitas que
realizaram ao longo dessa trajetoacuteria de formaccedilatildeo
Deste grupo de estudantes 11 satildeo do sexo feminino e 06 do sexo masculino Quanto agrave
idade quatorze estudantes tinham entre 21 e 26 anos quando responderam ao instrumento de
pesquisa e os trecircs restantes tinham mais de 28 anos de idade Quando agrave profissatildeo apenas um
72
estudante declarou natildeo exercer atividade remunerada Em relaccedilatildeo agrave declaraccedilatildeo quanto agrave renda
familiar apenas um afirmou possuir renda maior que 10 salaacuterios miacutenimos seis estudantes
declararam entre 4 a 6 salaacuterios miacutenimos e dez entre 7 e 9 salaacuterios miacutenimos
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro
Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila Belo Vale MG 2006
Para este grupo de estudantes se natildeo fosse a praacutetica de visitas a museus promovida pela
Faculdade dificilmente frequumlentariam regularmente esse tipo de instituiccedilatildeo cultural Primeiro a
distacircncia geograacutefica de suas residecircncias desses bens coletivos impede visitas regulares Eles
residem em sua maioria quase absoluta em cidades da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e
cidades proacuteximas sendo que apenas um desses municiacutepios possui museu Trabalham e estudam e
apenas um estudante citou o preccedilocusto das viagens como dificuldade para realizaccedilatildeo das visitas
Natildeo encontramos assim uma correlaccedilatildeo entre renda local de moradia e primeira visita a museus
A escola eacute a grande responsaacutevel pela promoccedilatildeo do conceito de museu que esse grupo
possui A visita escolar aparece como a grande agenciadora do acesso aos museus Nos trecircs
momentos em que satildeo questionados sobre a visita a museus primeiro para indicar a ocasiatildeo da
73
visita segundo com quem foi a primeira vez em um museu e terceiro com quem foi ao museu
nos trecircs uacuteltimos anos a escola aparece como a grande promotora da praacutetica de visita (Ver
graacuteficos no anexo B)
Considerando os dados obtidos permanece a duacutevida sobre qual eacute a escola que promove a
visita escolar ao museu se a escola baacutesica ou a faculdade As afirmaccedilotildees de Warlerson de Melo
Simpliacutecio no grupo focal sobre suas experiecircncias de visita a museus alimenta a duacutevida sobre a
escola que promove a visita Warlerson declara que havia visitado o Museu de Guimaratildees Rosa
quando cursava a 8ordf Seacuterie depois passou na Gruta de Maquineacute que ele natildeo sabe bem se pode ser
citada como Museu Ele natildeo se lembra bem do que foi falado laacute soacute sabe que gostou Visitou e
gostou tambeacutem de uma igreja em Congonhas o Museu de Artes e Ofiacutecios em Belo Horizonte
Viu como se dava o processo de trabalho de uma eacutepoca que natildeo lembra bem qual (ldquoa memoacuteria taacute
curtardquo brinca o estudante) Gostou tambeacutem do Museu do Escravo ldquoeu gosto muito dessa
ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte principalmente na religiatildeordquo
(Warlerson de Melo Simpliacutecio Grupo Focal 2008)
O nuacutemero de vezes que Warlerson visita museus eacute confirmado pelas informaccedilotildees do
grupo que declara ter ido a mais de quatro museus e cita os trecircs uacuteltimos visitados Os mais citados
satildeo o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto em Belo Horizonte o Museu de Artes e Ofiacutecios tambeacutem
em BH e o Museu Imperial de Petroacutepolis Os trecircs museus listados foram locais visitados pela
turma em trabalhos de campo promovidos pelo curso de licenciatura em Histoacuteria
Ao identificarem os museus visitados e a frequumlecircncia a museus vecirc-se novamente que a
visita organizada pela escola aparece como a responsaacutevel pela primeira ida ao museu Ou seja a
primeira vez que visitaram um museu foi durante o curso superior em Histoacuteria Informaccedilotildees
sobre os trecircs uacuteltimos museus visitados tambeacutem permitem identificar outras instituiccedilotildees lembradas
pela turma Museu de Histoacuteria Natural da PUC-MG e Museu do Escravo ambos tambeacutem
visitados em trabalhos com a turma O Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto foi a primeira visita
realizada pela turma quando estavam no primeiro ano do curso Talvez sua lembranccedila por quase
todo o grupo esteja associada a esse acontecimento o primeiro museu visitado
74
Diversos depoimentos47
enfatizam a importacircncia da visita ao Abiacutelio Barreto Fernando
Daniel Fraga Fonseca eacute o primeiro a falar
O Museu que eu mais gostei achei super interessante foi justamente na eacutepoca que a
gente tava entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma
visita ao Museu Abiacutelio Barreto em BH Onde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo
que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava
com ele um laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer
uma exposiccedilatildeo como organizar uma exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada
Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo mostrar aquilo que ta
querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super
interessante assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria (Fernando
Daniel Fraga Fonseca Grupo Focal 2008)
Daniele Paulo Marques completa
Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros
museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles
explicaram pra gente como eacute que eacute feita a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse
material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou natildeo Outro Museu
que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por
mais que assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas
discutir comentar e agraves vezes se faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para
dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito (Daniele Paulo Marques
Grupo Focal 2008)
Outros museus satildeo lembrados como o receacutem inaugurado Museu de Artes e Ofiacutecios mas a
comparaccedilatildeo aponta para o que eles mais se preocupam quando visitam um museu as exposiccedilotildees
embora seis estudantes natildeo definam claramente um foco para a visita
No grupo focal Frederico Levi Amorim faz um detalhamento de que descobriu na visita
ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto mais que suas exposiccedilotildees e como faz uso deste aprendizado
ao longo do curso inclusive na avaliaccedilatildeo de outros museus que visitou como o Museu do
Escravo
O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a
gente fez na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E
logo depois quando eu comecei a fazer o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo
foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a quantidade de pessoas
que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute
47 A opccedilatildeo por apresentar trechos longos da transcriccedilatildeo do debate realizado pelo grupo de estudantes tem por
justificativa manter a loacutegica de argumentaccedilatildeo de cada participante e as marcas das interaccedilotildees entre os componentes e
a oralidade que constituem os relatos
75
muito seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo
quais satildeo os materiais que vatildeo ser expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me
marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me chamou muito a atenccedilatildeo
tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava
meio perdido ali dentro e achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que
pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar o entendimento da exposiccedilatildeo e
para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse entender
tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar (Frederico Levim Amorim Grupo
Focal 2008)
Alguns aspectos da avaliaccedilatildeo de Frederico Amorim sobre o Museu do Escravo satildeo
contestados por Weberton Fernandes da Costa mais agrave frente
(riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o
seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era
estruturado objetos que ao mesmo tempo () visatildeo que tinha do negro mostrando eles
simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa faltou assim
a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro
que tinha na eacutepoca (Weberton Fernandes da Costa Grupo Focal 2008)
Os dados gerados pelo questionaacuterio permitem confrontar algumas afirmaccedilotildees expressas
oralmente pelo grupo e vice-versa No grupo focal as visitas satildeo apontadas como viagens de
conhecimento que ampliam horizontes e repertoacuterios culturais Os museus estatildeo relacionados ao
trabalho com as ldquofontes histoacutericasrdquo e agrave ldquopraacuteticardquo do professor Os estudantes dizem se interessar
pelos museus por conta de seus assuntos e exposiccedilotildees e natildeo pelo aspecto do lazer da diversatildeo
Quando solicitados a associar livremente trecircs palavras a museu a mais citada foi a palavra
ldquomemoacuteriardquo e a segunda ldquohistoacuteriardquo ldquoPassadordquo e ldquopreservaccedilatildeordquo aparecem em terceiro
ldquoConhecimentordquo ldquoculturardquo e ldquopatrimocircniordquo em quarto lugar na associaccedilatildeo de palavras a museu A
partir das palavras relacionadas as exposiccedilotildees e museus visitados podem ser imaginados como
uma alegoria do curriacuteculo Primeiro temos uma forma de exposiccedilatildeo do conhecimento e uma
seleccedilatildeo que obedece a um percurso ou roteiro e que se apresenta no formato de cenaacuterios Os
conteuacutedos dessa seleccedilatildeo feita pelos diferentes museus se datildeo na forma de saberes prescritos ou
seja legitimados socialmente como uma cultura da eacutepoca Essa concepccedilatildeo de cultura se
materializa num acervo exposto e preservado por cada instituiccedilatildeo
Se os visitantes associam a palavra conhecimento aos museus haacute o reconhecimento do
lugar da produccedilatildeo de cultura histoacuterica nos cenaacuterios organizados pelos museus e a hipoacutetese de que
essa produccedilatildeo de conhecimento se faz de maneira complementar com outros materiais de
76
pesquisa e instituiccedilotildees acadecircmicas De outro lado podemos comparar a exposiccedilatildeo e o museu
com os textos acadecircmicos Na lista do que se encontra em um museu aparecem na ordem
objetos cultura e documentos e fotografias em terceiro
Esse jogo de definir o museu com palavras e coisas aparentemente ingecircnuo indica
algumas categorias que foram retomadas nos relatos escritos e fotograacuteficos Para os visitantes o
Museu eacute memoacuteria e histoacuteria mas a memoacuteria natildeo eacute o passado Ela se materializa em objetos em
cultura documentos e fotografias Os museus satildeo agentes produtivos preservam conhecem
comemoram pesquisam dizem as narrativas dos visitantes no Museu do Escravo e no Museu
Histoacuterico Nacional
Por fim ao avaliarem os museus visitados natildeo temos muitas surpresas talvez o retorno ao
iniacutecio do questionaacuterio e agrave pergunta sobre o que eacute mesmo uma visita ao museu O que mais
agradou aos estudantes nos museus satildeo seus conteuacutedos e a organizaccedilatildeo
A identificaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo proacutepria aos museus uma visualidade eacute reforccedilada em
diversos momentos pelos visitantes Haacute na forma de expor objetos e no trabalho dos museus algo
que interessa diretamente a esse grupo Outra questatildeo que chama a atenccedilatildeo eacute a imagem que criam
para a proacutepria visita Eles afirmam que a impressatildeo que tecircm quando deixam o museu eacute de que
saiacuteram de uma sala de aula ou de uma biblioteca
As duas imagens engendradas ndash sala de aula e biblioteca ndash estatildeo relacionadas agrave cultura
escolar entendida como um conjunto de praacuteticas teorias e normas que codificam formas de
regular sistemas linguagens e accedilotildees nos estabelecimentos educativos (ESCOLANO 2005 p42)
Considerando que nos espaccedilos da escola haacute interaccedilotildees e convergecircncias entre cultura empiacuterica
cultura acadecircmica e cultura poliacutetica as praacuteticas de visita satildeo marcadas pelas pautas e orientaccedilotildees
da cultura escolar e da cultura museal que tambeacutem se articula historicamente em suportes
especiacuteficos A pesquisadora Luciana Koptche aponta para essa aproximaccedilatildeo recente entre os
objetivos tecnologias dos museus e a cultura escolar Para a autora os museus contemporacircneos
situam-se entre a catedral a escola o foacuterum a feira e o mercado (KOPTCHE 2005 p189) Em
se tratando de visitas escolares a associaccedilatildeo mais direta era de se esperar eacute com a escola
Assim como os museus satildeo vistos como organizados esse grupo de visitantes tambeacutem se
apresenta de forma organizada aos museus A visita de turismo ou com familiares satildeo raras no
grupo Na visatildeo dos estudantes as visitas tecircm objetivos pedagoacutegicos de ampliar conhecimentos
77
mas ningueacutem aponta se sentiu algum desconforto durante as visitas Interessam-se pelos
conteuacutedos e assuntos das exposiccedilotildees e saem dos museus com a impressatildeo que saiacuteram de uma sala
de aula Fabiana Cristina dos Santos parece resumir o dilema ao analisar a visita ao Museu
Imperial
A experiecircncia em museu o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu
Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute que a nossa visita foi guiada foi
muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o
lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom
foi vocecirc ter uma direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber
por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e
natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim (Fabiana Cristiana dos Santos Grupo focal
2008)
Fabiana Cristina dos Santos aparece na Figura 7 e parece aprisionada Olha atraveacutes da
janela e toma notas Estaacute acompanhada de um lado e de outro por seus colegas O visitante que
faz o registro fotograacutefico estaacute separado de Fabiana pelo vidro Ele estaacute ao lado dos objetos e sabe
que ela estaacute do outro lado da luz A luz refletida no vidro cria a barreira que natildeo permite ver
diretamente as peccedilas o que natildeo impede o diaacutelogo no jogo de espelhos
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a
Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007
78
Outra visitante comenta a respeito da visita ao Museu Histoacuterico Nacional ldquoacredito que
mesmo em exposiccedilotildees que natildeo satildeo tatildeo boas podemos tirar ensinamentos para natildeo cometer os
erros cometidos por outras pessoasrdquo (Michelle Oliveira Xavier Visita ao MHN 2008)
Os visitantes apresentados acima ao entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos culturais
organizados pelos museus rompem com os papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao
momento dessa interaccedilatildeo48
Tomar a ideia de ldquointeraccedilatildeordquo como um suposto um operador
analiacutetico parece possibilitar a integraccedilatildeo de perspectivas que natildeo separam os aspectos orais
escritos e visuais nos processos de produccedilatildeo de objetos culturais
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo dos sujeitos frente agrave experiecircncia
de contato com os museus Definir um grupo de visitantes em diferentes momentos de sua
formaccedilatildeo acadecircmica permite identificar marcas de sociabilidade e sensibilidades como referentes
na produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos O grupo se estabelece como ator ao assumir accedilotildees na
organizaccedilatildeo e definiccedilatildeo das visitas e ao expressar categorias de avaliaccedilatildeo das praacuteticas de visita a
partir de um olhar proacuteprio da experiecircncia
Daniela Jacobucci ao analisar os programas de formaccedilatildeo continuada de professores
realizados por museus de ciecircncias em diversas regiotildees do paiacutes afirma que ldquoindependente da
proposta teoacuterico-metodoloacutegicardquo estes programas ldquooportunizam quatro tipos de experiecircncias aos
professores atualizaccedilatildeo de conteuacutedos produccedilatildeo de material didaacutetico assessoria didaacutetica e
socializaccedilatildeo de conhecimentosrdquo (JACOBUCCI 2010 p437) Os estudantes concordam sempre
haacute algo a aprender com a visita As fotografias a seguir (Figuras 8 9 e 10) configuram a visita ao
Museu do Escravo do ponto de vista de seus visitantes O recorte espacial proposto por Frederico
Amorim organiza a visita em vaacuterios planos de expressatildeo Na primeira foto (Figura 8) temos uma
pessoa do proacuteprio museu responsaacutevel pelas informaccedilotildees ao grupo de visitantes O tronco o
objeto central do paacutetio de exposiccedilatildeo estaacute ao fundo A monitora fala olhando para os visitantes e
de costas para o objeto
48 A ideia de museu como templo distante da experiecircncia de aprendizagem natildeo aparece com grande forccedila nos
relatos dos visitantes
79
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no
paacutetio central tendo ao fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006
Na imagem seguinte (figura 9) a monitora estaacute agrave esquerda do espaccedilo geograacutefico Ela fala e
gesticula com as matildeos O foco satildeo os visitantes que se aproximaram do objeto e estatildeo em atitude
de escuta
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da
monitora no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
80
Na imagem seguinte (figura 10) o grupo maior jaacute se retirou e alguns alunos entre eles o
proacuteprio fotoacutegrafo se fazem registrar junto ao espaccedilo do objeto Tomam a experiecircncia vivida
externamente ndash o objeto imobilizado no espaccedilo do museu com a mediaccedilatildeo da monitora ndash como
uma paisagem um enquadramento O escravo no tronco de mesmo tamanho dos componentes do
grupo eacute centralizado e parece figurar como um dos estudantes que agora sorriem acredito de
prazer pela travessura que faziam
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao
tronco no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
A hipoacutetese sobre a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos nas visitas como a do Museu
do Escravo relaciona-se a um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a
dinacircmica do desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo
em busca da satisfaccedilatildeo do objeto a ser consumido O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso
de si proacuteprio como recurso engaja-se em atividades movimenta-se produz inteligibilidade e
sentidos Ao colocarem-se ao lado da escultura os estudantes natildeo se identificam com o
sofrimento que representa os mortos mas compartilham a presenccedila uns dos outros nesse espaccedilo
que eacute vivo
81
A produccedilatildeo de conhecimentos que se configura a partir das praacuteticas de visita eacute uma
praacutetica cultural na qual os sujeitos se vecircem como capazes de reconfigurar algumas condiccedilotildees de
produccedilatildeo de saberes dominantes Os visitantes fazem a revisatildeo de conhecimentos tradicionais e
percebem pelos ldquoefeitos de sentidordquo e ldquoefeitos de presenccedilardquo uma nova disponibilidade de estar
no mundo e criar formas e conteuacutedos culturais distintos
As visitas ainda que marcadas pelo ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas pelo
museu permitem aos visitantes uma experiecircncia sensiacutevel de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus49
49 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
82
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal
O visitante atualiza o proacuteprio conceito de museu e contribui assim como os especialistas
para a configuraccedilatildeo e teorizaccedilatildeo do campo museal e fundamentaccedilatildeo de uma criacutetica agraves exposiccedilotildees
e seus conteuacutedos A presenccedila nos museus mobiliza a memoacuteria e estimula a imaginaccedilatildeo Esse
movimento de rememoraccedilatildeo coloca os sujeitos em alerta com relaccedilatildeo ao presente Neste
processo de atualizaccedilatildeo dos conceitos estaacute em jogo uma busca coletiva para as dimensotildees
sensiacuteveis e questionamentos
A constante atualizaccedilatildeo de conceitos ou seja a historicidade que se configura como
duraccedilatildeo e mudanccedilas no tempo permite abordar o museu como um ldquogecircnerordquo que possui
regularidades permanecircncias mas que constantemente se reconfigura Eacute desta perspectiva que
apresento o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional visitados nessa pesquisa como
museus histoacutericos que conteacutem em seus acervos e expotildeem aos visitantes diversas concepccedilotildees de
museus aparentemente fora de uso na museologia contemporacircnea
Delinear uma leitura menos datada e historicista dos museus ou uma histoacuteria de museus
que se atualiza nos proacuteprios museus50
eacute resultado do confronto entre a pesquisa bibliograacutefica
sobre museus e as narrativas visuais dos visitantes O esforccedilo de leitura dos relatos e das
fotografias levou a um recorte que entrelaccedila os registros das visitas ao Museu do Escravo
(Figuras 11 e 12) do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) feitos pelos
visitantes e as imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e galeria de
arte de priacutencipes (Figura 14)
Escolhi essas imagens para argumentar como os museus natildeo ficam presos ao passado e se
atualizam pela accedilatildeo dos visitantes E retomar tambeacutem a ideia de circuito e circularidade de
cultura atraveacutes de cinco imagens diferentes
50 Koselleck (1992 p134-145) propotildee uma histoacuteria dos conceitos que se investiga o processo de teorizaccedilatildeo dos
conceitos a partir de fontes documentais e formas verbais com experiecircncias histoacutericas concretas de associaccedilotildees
poliacuteticas e econocircmicas
83
As exposiccedilotildees do Museu do Escravo em Minas Gerais fotografadas por um estudante
(Figuras 11 e 12) e do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) satildeo confrontadas
agraves imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e agrave galeria de arte de
priacutencipes (Figura 14)
O acervo do Museu do Escravo de Belo Vale (MG) inaugurado em 1988 pelo padre da
paroacutequia local Jacques Penido tendo em vista as comemoraccedilotildees do centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da
Escravatura no Brasil pode ser interpretado como recoberto por vaacuterias camadas de sentido de
museu que circulam desde os gabinetes de curiosidade agraves galerias de arte Todo o acervo do
museu estaacute exposto Natildeo haacute uma reserva teacutecnica sequer um inventaacuterio e cataacutelogo das peccedilas
Objetos arqueoloacutegicos satildeo exibidos junto a reproduccedilotildees fotocopiadas de jornais indumentaacuterias
cenograacuteficas de um filme brasileiro e artefatos de culto religioso contemporacircneos Haacute uma
preocupaccedilatildeo em exibir instrumentos de tortura como gargantilhas de ferro mordaccedilas e tamancos
imensos que causam curiosidade e repulsa Tambeacutem satildeo criados cenaacuterios com um pelourinho que
fica no meio do paacutetio central rodeado por uma senzala Outras salas satildeo ocupadas com arte sacra
catoacutelica e peccedilas indiacutegenas
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
84
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Aberto ao puacuteblico o Museu do Escravo natildeo tem materiais impressos e teima em
sobreviver agraves intempeacuteries naturais que desgastam o telhado e agraves mudanccedilas na poliacutetica local
municipal a cada quatro anos51
O Museu do Escravo parece estar em algum tempo entre os gabinetes de curiosidades e os
museus etnograacuteficos Conserva dos gabinetes natildeo apenas uma exposiccedilatildeo natildeo hierarquizada mas
um sentido atribuiacutedo aos objetos que fabricados pelo proacuteprio museu satildeo possuidores de uma
fluidez entre a natureza a arte e o artefato Tanto no gabinete de curiosidades quanto no Museu
do Escravo natildeo importa a histoacuteria do objeto tudo pode ser recolhido e serve ao propoacutesito de
saciar os curiosos Tambeacutem pode ser visto no Museu do Escravo um moderno ldquomuseu
etnograacuteficordquo que cria seu objeto a escravidatildeo a partir de sistemas de classificaccedilatildeo dos escravos
por criteacuterios tais como exoacuteticos simples preacute-alfabetizados primitivos selvagens para fazer a
denuacutencia moral da escravidatildeo O ldquooutrordquo o escravo eacute objeto do olhar dos visitantes mas eacute a
proacutepria visatildeo do museu que eacute avaliada
Considerado a partir da loacutegica dos visitantes o estudo sobre os museus coloca em questatildeo
o proacuteprio conceito de museu durante a visita O visitante questiona ao longo do percurso como o
museu constituiu referecircncias sobre suas proacuteprias funccedilotildees sociais e como estas auto-referecircncias se
expressam nas exposiccedilotildees
51 Ver Folder do Museu do Escravo produzido em 2002 Museus Mineiros Imprensa Oficial do Estado de Minas
Gerais No 14 abril de 2002
85
Entretanto eacute comum que a visita ao museu natildeo acrescente ao visitante informaccedilotildees
sobre o proacuteprio museu Quando muito o museu apresenta um pequeno resumo impresso de sua
trajetoacuteria em seus materiais de divulgaccedilatildeo mas quase nada da histoacuteria de seu acervo princiacutepios
expositivos e outros recursos aleacutem da expografia Fica a cargo do interesse do visitante comum
entender como cada museu reelabora sua memoacuteria ou sua heranccedila e como ele se apresenta aos
seus visitantes Os museus ainda se apresentam como gabinetes de curiosidades (Figura 13)
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677
A imagem acima eacute uma reproduccedilatildeo do cataacutelogo publicado em Bolonha por Lorenzo
Legati para o gabinete de curiosidades de Ferdinando Cospi Cospi era um naturalista italiano que
adquiriu a coleccedilatildeo de Ulisse Aldrovandi (1522-1605) que por sua vez tinha interesse no que hoje
pode ser chamado de botacircnica zoologia e geologia Cospi acrescentou ao museu maravilhas
naturais muitas delas criadas por processos de taxidermia unindo paacutessaros e peixes O Museu
Cospiano tinha centenas de cabeccedilas de aves sereias e um anatildeo que exercia o duplo papel de fazer
parte da coleccedilatildeo e ser guia Conhecida hoje por meio de exposiccedilotildees e cataacutelogos parte dessa
86
coleccedilatildeo eacute exposta atualmente no Museu do Palaacutecio Pozzi em Bolonha52
No entanto no seacuteculo
XVII estava aberta a estudiosos e aristocratas
O lugar de produccedilatildeo da Imagem 14 eacute a esfera privada O tema da imagem tambeacutem esta
ligado ao mundo domeacutestico uma coleccedilatildeo e um colecionador particular Frederico I Hoje o lugar
fiacutesico O studiolo do priacutencipe foi restaurado e aberto agrave visitaccedilatildeo puacuteblica No seacuteculo XVII ficava
proacuteximo aos aposentados iacutentimos do priacutencipe e permitia a entrada de apenas uma pessoa de cada
vez Era uma eacutespeacutecie de compartimento secreto cujo programa iconograacutefico foi idealizado pelo
pintor e arquiteto da corte Giorgio Vasari e sua equipe Este aposento privado permitia preservar
os itens raros da coleccedilatildeo do monarca em armaacuterios inventariar e dar ordem aos itens colecionados
para que pudessem ser encontrados As pinturas encomendadas por Francisco I satildeo realizadas
tambeacutem por Vasari e outros pintores do seacuteculo XVII
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I
Palazzo Vecchio Firenze 1570-1573
52Disponiacutevel em lt httpspecialcollectionslibrarywisceduexhibitschecklistsCabinetsCabinets_title_listhtmlgt
Acesso em 26 jun 2010
87
A escolha da imagem do gabinete de Frederico I (Figura 14) nessa pesquisa cujo tema eacute a
relaccedilatildeo dos visitantes com os museus permite algumas associaccedilotildees Primeiro a ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo poliacutetica-puacuteblica pelo acessovisibilidade a bens culturais antes de uso limitado a um
nuacutemero pequeno pessoas Segundo pela ampliaccedilatildeo dos usos dos objetos chamados artiacutesticos ou
culturais em decorrecircncia das mudanccedilas nos suportes e modos de produccedilatildeo artiacutestica pelos quais
passaram a circular
A gravura do gabinete de curiosidades (Figura 13) e a imagem da galeria do priacutencipe
(Figura 14) apresentam lugares de guarda de coleccedilotildees Os temas e os conteuacutedos das obras satildeo os
objetos colecionados e o lugar onde estatildeo armazenados A coleccedilatildeo do gabinete de curiosidades e
da galeria de priacutencipe define quem tem acesso ao conteuacutedo desses ambientes e pode partilhar da
visibilidade da exposiccedilatildeo Apenas pessoas proacuteximas aos colecionadores
Entretanto ao reproduzir essas duas imagens aqui recoloca-se a questatildeo do lugar do
visitante diante dessas exposiccedilotildees Tanto a exposiccedilatildeo dos gabinetes quanto das galerias satildeo
privadas mas a reproduccedilatildeo por meio do desenho e da pintura as colocam em circulaccedilatildeo fora do
lugares de produccedilatildeo e do controle de seus proprietaacuterios Giorgio Vasari53
o pintor de Frederico I
talvez jaacute apontasse para essa necessidade de ampliaccedilatildeo do circuito do consumo de arte Ele
proacuteprio eacute tido como um dos precursores na produccedilatildeo de uma histoacuteria da arte ilustrada com cenas
da vida dos artistas que se populariza e se manteacutem atual agrave medida que continua sendo
reproduzida para um puacuteblico mais amplo
Do ponto de vista de visitantes contemporacircneos a funccedilatildeo do acervo de um museu natildeo eacute
apenas documental no sentido de fornecer evidecircncias para o trabalho da histoacuteria Para o visitante
ele estaacute diante de uma versatildeo contada pelo museu A coleccedilatildeo de objetos no museu eacute percebida
como natildeo aleatoacuteria O trabalho do museu eacute construir uma mensagem com a exposiccedilatildeo Ainda que
reconheccedila nos objetos e no acervo como um todo documentos de eacutepoca eacute a forma de
apresentaccedilatildeo dos objetos que ainda fornece o status de testemunho mostrando a importacircncia da
materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma
53 Foram lanccediladas recentemente duas obras de VASARI Giorgio Vida de Michelangelo Buonarroti Ed Unicamp
2011 e Vidas dos artistas Martins Fontes 2011
88
de reunir um acervo que pertence ou natildeo a determinado museu lhe confere maior poder de criar
visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Fabiana Cristina dos Santos (Figura 15) que assim
como muitos de seus colegas reuacutene novamente o acervo do museu apoacutes sua visita e recria seu
percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em uma nova exposiccedilatildeo
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias
da visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O mosaico de fotografias confeccionado pela visitante reuacutene elementos dispostos em
diferentes cenaacuterios no interior do preacutedio e a fachada do museu que registra a grade de seguranccedila
um letreiro com o nome do museu e bandeiras hasteadas Fotografias do acervo e natildeo dos
visitantes
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus
Os museus europeus e norte-americanos assumem a partir do seacuteculo XVIII uma relaccedilatildeo
com um novo habitante da cidade o cidadatildeo Algumas medidas para aproximar os viacutenculos entre
museus e cidadatildeos satildeo adotadas agrave medida que tambeacutem se transformam as relaccedilotildees com o
mecenato e o modelo de vinculaccedilatildeo com o Estado para encomenda e financiamento de atividades
89
culturais se consolida As mostras temporaacuterias os chamados salotildees conquistam regularidade e
visibilidade para a produccedilatildeo dos proacuteprios museus Tambeacutem satildeo editadas publicaccedilotildees com a
finalidade de analisar as exposiccedilotildees e direcionar o puacuteblico frequumlentador ndash como a de Diderot que
assume a criacutetica no Correspondence Litteacuteraire entre 1759 e 1781 que culmina com a publicaccedilatildeo
de Ensaios sobre a pintura em 1795 pouco depois da Criacutetica da Faculdade do juiacutezo de Kant
(1790) Iniciava-se um movimento de ampliaccedilatildeo do puacuteblico de apreciadores e de criacuteticos de arte
Diderot vai ser lido e comentado por escritores poetas filoacutesofos ao longo seacuteculo XIX entre eles
por Charles Baudelaire (1821-1867)
A criacutetica aos salotildees de Diderot (Salatildeo de 1765) e Baudelaire (Salotildees de 1846 e 1859)
constitui-se em momentos privilegiados para pensarmos o museu entre os seacuteculos XVIII e XIX
do ponto de vista de seus visitantes A discussatildeo sobre os museus pode ser ampliada no seacuteculo
XX com os visitantes Marcel Proust que publica sua grande obra Em busca do tempo perdido
entre 1913-1927 e Paul Valery cujo texto O problema dos museus eacute publicado pela primeira vez
em 1931 Esse diaacutelogo entre Valery e Proust sobre os museus eacute proposto por Adorno em texto de
1950 Aborda-se assim uma fortuna criacutetica que inicialmente era publicada em pequenos folhetos
e distribuiacuteda agrave porta dos Salotildees e se especializa em jornais da eacutepoca Estes criacuteticos antecipam
abordagens formulam criacuteticas conceitos e criteacuterios valorativos quanto aos fomentos ao gosto e
ao proacuteprio ato de adentrar os museus e visitar coleccedilotildees
90
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no
Salatildeo (Quatre heures au Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do
Louvre Paris 1847
O quadro de Auguste Franccedilois Biard54
pintor francecircs que chegou a vincular-se agrave corte
portuguesa no Brasil e foi professor da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro
apresenta de forma emblemaacutetica a presenccedila dos visitantes no encerramento do Salatildeo anual do
Louvre de 1847 Pessoas se acotovelando curiosos uma profusatildeo de vestes posturas e
expressotildees faciais As imagens expostas nas paredes parecem ter vida falar ao expectador
O grande nuacutemero de curiosos atestava a popularidade das exposiccedilotildees ou Salotildees que
tiveram suas primeiras versotildees no seacuteculo XVII no Palais-Royal restritas a um puacuteblico
selecionado Em 1727 os Salotildees foram abertos ao puacuteblico em nome do rei Luiz XV Junto com a
abertura dos Salotildees iniciou-se a publicaccedilatildeo de cataacutelogos e comentaacuterios descritivos das obras pelo
54 O pintor Auguste Franccedilois Biard nascido em Lyon em 1798 visita o Brasil entre 1858-1860 Eacute nomeado
professor da Academia Imperial de Belas-Artes executa retratos da famiacutelia imperial e membros da corte De volta agrave
Franccedila publica em 1862 publica um relato sobre o Brasil Ver httpwwwitauculturalorgbr
aplicexternasenciclopedia_icindexcfmfuseaction=artistas_biografiaampcd_item=1ampcd_idioma=28555ampcd_verbete
=1271Acesso em 2011
91
perioacutedico Mercure de France Surgiram os primeiros connaisseurs que se colocavam como
mediadores de uma criacutetica e de modelos de apreciaccedilatildeo e consumo da arte
Os elementos da criacutetica que comeccedilavam a se estabelecer culminariam numa nova
distinccedilatildeo entre connaisseurs e curiosos Diderot como criacutetico dos Salotildees aponta a supremacia do
sensiacutevel sobre o visiacutevel e compartilha da ideia de que os museus possuem uma funccedilatildeo educativa
Natildeo soacute para poucos frequentadores como os estudantes de arte que se serviam de uma
aprendizagem visual de estilos e obras mas num sentido universalizante do conhecimento cujos
produtores e consumidores de arte estariam em niacuteveis semelhantes Diderot defende uma
emancipaccedilatildeo do juiacutezo sobre o gosto mediante o julgamento das obras e da pertinecircncia dos temas
O sentimento uma qualidade subjetiva seria usado como criteacuterio pelo puacuteblico para avaliar as
obras Aquelas que lhes chegavam ao coraccedilatildeo despertando simpatia ou coacutelera Comoccedilatildeo
assombro choro coacutelera satildeo emoccedilotildees provocadas pelas obras do Salatildeo de 1765 em Diderot
Assim como para Diderot a descriccedilatildeo das emoccedilotildees eacute fundamental para a criacutetica de arte de
Baudelaire O pintor deveria provocar emoccedilotildees ao espiacuterito sem cair num sentimentalismo
forjado
Ao longo do seacuteculo XIX o puacuteblico dos museus se diversifica socialmente e culturalmente
ao compartilhar experiecircncias artiacutesticas tanto de fruiccedilatildeo quanto de produccedilatildeo Visitar salotildees
grandes exposiccedilotildees universais museus e adquirir objetos artiacutesticos ou mesmo ter aulas de pintura
e desenho faziam parte de haacutebitos culturais de camadas meacutedias e mesmo setores populares O uso
instrumental na induacutestria (ilustradores desenhistas) e a funccedilatildeo de formaccedilatildeo moral da arte
estavam proacuteximas Entretanto as imagens consumidas pelos segmentos populares como as
litogravuras emolduradas e o barulho que faziam nos salotildees satildeo reprovados por autoridades
como o criacutetico de arte agora um especialista em apreciar e julgar a obra
Baudelaire apresenta esse novo lugar da criacutetica que julga a mediocridade do puacuteblico e
pretende lhe dar formaccedilatildeo (informaccedilatildeo e publicidade) sobre as exposiccedilotildees Baudelaire dirige-se
aos compradores pouco instruiacutedos que deveriam ser iniciados na ciecircncia da fruiccedilatildeo Colecionar
arte era vincular-se a uma tradiccedilatildeo de bom gosto e oportunidade de ascensatildeo cultural Implicava
em reconhecimento da sofisticaccedilatildeo e do gosto do Antigo Regime como um padratildeo para os setores
meacutedios emergentes no espaccedilo poliacutetico
92
O especialista conhecedor de arte como apontam as caricaturas de Rockwell (Imagens 17
e 18) habita fisicamente o mesmo lugar que os curiosos e turistas mas se diferenciava deles por
possuiacuterem criteacuterios mais pormenorizados para observar a arte e se manterem em parcerias com
compradores e pintores
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955
Ilustraccedilatildeo da capa de The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo
sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros) Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962
Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo produzida para a ediccedilatildeo do Saturday
Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular
93
Quem olha quem O quadro observado pelo criacutetico na Figura 17 tem vida e lhe olha de
volta O respeitoso senhor vestido em trajes solenes na Figura 18 eacute observado ou observa a
pintura colorida O pintor dos dois personagens propotildee elementos de digressatildeo imaginaccedilatildeo e
simultaneidade do olhar Para ler os quadros o espectador entra num jogo de espelhos sugerido
pelo pintor e percebe-se a si mesmo emoldurado por seu reflexo
Pode-se imaginar que tanto Paul Valery quanto Marcel Proust55
poderia estar entre os
visitantes apresentados nos quadros de Biard (Figura 16) e Rockwell (Figuras 17 e 18) Pode-se
tambeacutem imaginar ouvir a conversa entre os dois visitantes de fins do seacuteculo e iniacutecio do seacuteculo XX
com a ajuda do ensaio Museu Valery-Proust publicado originalmente em 1953 por Adorno
Valery eacute apresentado por Adorno (2005) como um artistaprodutor que cria objetos
poesias um especialista que olha a arte com toda a profundidade do ponto de vista da criaccedilatildeo
lugar do qual recebe sua profundidade O que importava para o poeta era a obra de arte como
objeto de contemplaccedilatildeo E esta se via ameaccedilada pela coisificaccedilatildeo e a indiferenccedila
O museu era o responsaacutevel por essa corrupccedilatildeo e fossilizaccedilatildeo das obras Valery se
horroriza ao caminhar pelas galerias do Louvre que para ele condenava a arte ao passado com
sua super acumulaccedilatildeo e a torna uma questatildeo de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo Para Valery nos diz
Adorno a arte estaacute morta perdeu seu lugar na vida imediata sua relaccedilatildeo com um uso possiacutevel
Vecircnus se transformou em documento e ao visitante era recusada a possibilidade de vagar e errar
pelos museus
Proust na visatildeo de Adorno comeccedila onde Valery silencia na vida poacutestuma das obras e foi
menos ingecircnuo com relaccedilatildeo agrave arte Proust era um consumidor admirador um amante das artes
que estava separado das obras por um fosso Para Adorno era essa a grande virtude de Proust
assumir de forma firme essa postura de consumidor a ponto de transformar essa atitude em um
novo tipo de produtividade A forccedila da contemplaccedilatildeo do interno e do externo culminava em
Proust em produccedilatildeo de lembranccedilas memoacuterias
Para Adorno Proust era melhor visitante de museus que Valery E argumentou Em
Valery o processo de produccedilatildeo artiacutestica e a reflexatildeo sobre esse processo estavam
55 Ver Paul Valery O problema dos Museus Revista do patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional N31 2005 p32-
35 Marcel Proust tem diversas inferecircncias em sua obra Em busca do tempo perdido Satildeo Paulo Abril Cultural 1979
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indissoluvelmente interligados Ele eacute o proacuteprio criteacuterio de julgamento da composiccedilatildeo da obra e da
experiecircncia que se tem por meio dela A criacutetica de Valery eacute conservadora em termos de cultura
pois o uacutenico criteacuterio coincidia com seu proacuteprio juiacutezo de gosto
Jaacute Proust estava livre desse fetichismo de quem fazia ele proacuteprio as coisas e entendia as
obras naquilo que elas tinham de esteacutetico rdquoum fragmento de vida daquele que as contempla um
elemento da proacutepria consciecircnciardquo (Adorno 2005 p179)
Proust tinha acesso a uma camada da obra que pressupunha a sua morte e assim a
sensibilidade para perceber o histoacuterico como paisagem Percebia a erosatildeo que a histoacuteria produzia
nas obras e a capacidade de sobrevivecircncia delas agrave semelhanccedila com o belo e o natural A
decadecircncia das coisas para Proust era uma segunda vida Soacute subsistia aquilo que era mediado
pela recordaccedilatildeo A qualidade esteacutetica era secundaacuteria
Walter Benjamin (2006 p603) tambeacutem convocou a opiniatildeo de Proust sobre os museus
para diferenciar a apreciaccedilatildeo de um quadro colocado de maneira isolada numa sala de jantar e
uma visita ao museu Soacute a sala de museu por sua nudez e seu despojamento de todas as
particularidades pode proporcionar a embriagante alegria dos espaccedilos interiores onde o artista se
retirou para criar
O aspecto caoacutetico do museu desagradava Valery O museu era lugar da barbaacuterie e natildeo de
cultura que tinha um caraacuteter sagrado vivo Jaacute Proust fez a defesa do museu mas era critico em
relaccedilatildeo agrave cultura ou agrave tradiccedilatildeo cultural exposta nos museus que ele experimentava reagia se
contaminando pela vida poacutestuma das obras
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus
O Louvre como modelo de instituiccedilatildeo museal agrega ao sentido moderno de museu a
ideacuteia de instruccedilatildeo puacuteblica contraposta ao museu de curiosidade e frivolidade presente nos
gabinetes de curiosidade e galerias reais O programa poliacutetico de gestatildeo dos bens culturais do
Louvre estava assim completo na Franccedila revolucionaacuteria inventariar e conservar toda a extensatildeo
de objetos que possam servir agraves artes agraves ciecircncias e ao ensino
O tema da apropriaccedilatildeo do patrimocircnio dos legados do passado estaacute presente no museu
francecircs e continua atual na discussatildeo sobre as poliacuteticas de memoacuteria O museu iluminista ou
95
enciclopedista estaacute aberto a todos os domiacutenios do conhecimento Eacute conservatoacuterio local de estudo
e produccedilatildeo do conhecimento
Para Brefe (1998) o museu puacuteblico moderno eacute ineacutedito no sentido de seu conteuacutedo e sua
forma de exposiccedilatildeo As obras herdadas do regime republicano na Franccedila perderam suas antigas
funccedilotildees e relaccedilotildees com o universo poliacutetico e social Era necessaacuterio construir um novo modo pelo
qual seriam lidas e ao mesmo tempo produzir novas imagens de legitimaccedilatildeo da revoluccedilatildeo Com a
radicalizaccedilatildeo do regime a chamada era do terror instalou-se a incompatibilidade entre a
ideologia da revoluccedilatildeo e obras de arte e monumentos do Antigo Regime seguida de uma onda de
ataques com a destruiccedilatildeo e depredaccedilatildeo de siacutembolos da realeza do feudalismo e do despotismo
O museu surge como o lugar que ldquodesacraliza e neutraliza os siacutembolos e imagens fazendo-os ou
ascender ou reduzindo-os ao estatuto de objetos culturaisrdquo (BREFE 1998 p307)
Haacute uma nova dimensatildeo poliacutetica para o museu Seu papel eacute estrateacutegico em relaccedilatildeo agrave
justificativa cultural do poder O museu ao conservar aquelas obras inventa um sentido para o
patrimocircnio evitando expor de maneira expliacutecita os siacutembolos nelas contidos sua ideologia Ele
destroacutei natildeo a obra de arte mas a mostra a partir do que a cultura do museu julga pertinente O
museu participa ativamente da mudanccedila do estatuto do objeto Ele perde suas significaccedilotildees
anteriores e entra num novo dispositivo simboacutelico uma memoacuteria outorgada
Os museus tambeacutem oferecem duas contribuiccedilotildees para se redefinir a dimensatildeo poliacutetica no
sentido de puacuteblica na Franccedila A primeira eacute a defesa da universalidade do patrimocircnio agrave medida
que se elabora uma lista de obras canocircnicas que servem de referecircncia a todas as naccedilotildees europeacuteias
a partir do legado do patrimocircnio francecircs A segunda contribuiccedilatildeo eacute identificar uma dimensatildeo
histoacuterica na cultura um passado cuja existecircncia justifica a conservaccedilatildeo A Revoluccedilatildeo natildeo pode
apagar a histoacuteria ao contraacuterio ela procurou criar uma determinada ldquoconsciecircncia histoacutericardquo como
ponto de partida para um novo recomeccedilo ou regeneraccedilatildeo Haacute uma heranccedila a ser gerida e o museu
eacute instrumento poliacutetico desse direito de dominar a histoacuteria e recolher o patrimocircnio dos seacuteculos ou
o proacuteprio passado
Receptaacuteculo de todas as obras-primas da humanidade jaacute que a Franccedila eacute a paacutetria ideal o
museu neutraliza o discurso da pilhagem que passa a ser visto como repatriamento Abriu-se em
fins do seacuteculo XVIII novo debate natildeo soacute sobre o espaccedilo de exposiccedilatildeo e o que eacute um museu mas
sobre o poder de instituir sentidos que lhe eacute conferido ao sacralizar as obras para aleacutem de seu
96
estatuto de objetos culturais como ldquotesouros conquistadosrdquo Uma nova funccedilatildeo como ldquomemorial
da naccedilatildeordquo ou ldquotemplo da memoacuteriardquo e natildeo apenas de ldquoinstituiccedilatildeo de instruccedilatildeo puacuteblicardquo como
requeriam o projeto enciclopedista eacute que tomou forccedila no seacuteculo XIX
A visualidade nos museus estaacute ligada agrave poliacutetica e agrave capacidade cada vez mais elaborada
de controle racionalcientiacutefico do mundo moderno de teacutecnicas para registrar documentar e
codificar o conhecimento Benedict Anderson (2008 p221) observou que o mundo moderno se
caracteriza pela unidade de visualizar coisas que natildeo satildeo visiacuteveis ou visuais o censo o mapa e o
museu
Para Anderson todo museu pode ser visto como um programa educativo principalmente
porque o museu moderno (seacuteculo XIX) estaacute ligado profundamente a aspectos do poder poliacutetico e
dos sistemas poliacuteticos educacionais modernos Os museus produzem e reproduzem hierarquias
sociais ideologias e tambeacutem assumem um papel na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo
criando legitimidades sociais Ligam-se diretamente ao Estado e apresentam-se como guardiotildees
da tradiccedilatildeo geral e local conferem prestiacutegio aos lugares e objetos Satildeo lugares sem pessoas
desabitados exceto pela frequumlentaccedilatildeo turiacutestica satildeo dessacralizados A dimensatildeo poliacutetica dos
museus se daacute nos materiais produzidos nos censos pictoacutericos do patrimocircnio disponiacutevel As
imagens satildeo reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de
modo que a musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade
nacional
O museu para Anderson eacute uma forma de imaginaccedilatildeo da Histoacuteria e do poder mas a
imaginaccedilatildeo aqui tem um caraacuteter de conservar as formas da histoacuteria de criar comunidades
imaginadas O museu eacute como um ldquoaacutelbumrdquo dos antepassados ao longo do tempo que pode ser
herdado pelos sucessores Um ldquoventriloquista nacionalistardquo um desejo de falar pelos mortos
Guardam entretanto um paradoxo entre sua luta contra o esquecimento (lembranccedila) e a
necessidade do proacuteprio esquecimento mecanismo tiacutepico das genealogias que realizam
ldquofratriciacutedios tranquumlilosrdquo em nome do ldquodever de jaacute ter esquecidordquo A ambiccedilatildeo educativa dos
museus neste caso eacute a dissoluccedilatildeo de conflitos violentos raciais de classes regionais e a
construccedilatildeo de uma nova consciecircncia Haacute a passagem da memoacuteria agrave histoacuteria oficial A narrativa da
ldquoidentidaderdquo da consciecircncia eacute inscrita em um tempo secular uma seacuterie de implicaccedilotildees de
continuidades e esquecimentos da experiecircncia A ldquobiografia da naccedilatildeordquo escrita pelos museus eacute o
97
acuacutemulo das guerras holocaustos mortes violentas que tecircm de ser lembradasesquecidas como
nossas (ANDERSON 2008 p268)
Se para Anderson a memoacuteria eacute hierarquizada no museu por uma poliacutetica de memoacuteria para
Walter Benjamin (2006) o sentido pedagoacutegico da memoacuteria e da narrativa no museu eacute distinto O
museu eacute visto como capaz de problematizar a racionalidade das imagens da histoacuteria Enquanto
Anderson vecirc o museu como um edifiacutecio soacutelido uma instituiccedilatildeo Benjamin vivencia o museu
como um sonho um labirinto imaginaacuterio enraizado na histoacuteria mas (e por essa razatildeo) permite
articular o instante e a duraccedilatildeo num mergulho na proacutepria experiecircncia (sensibilidade)
O museu para Benjamin eacute por definiccedilatildeo moderno mas um novo que sempre existiu
Como afirma Michelet sobre a vista de uma paisagem da Charneca eacute sempre nova e sempre
igual Natildeo eacute a mesma sequer semelhante mas se exprime pelas coisas presentes Uma atitude
que entende o museu como aquele capaz de ressuscitar os mortos ou de tornar a histoacuteria viva
como acontece no percurso de Michelet pelo Museu dos Monumentos Franceses organizado por
Alexandre Lenoir56
e seu encontro com a histoacuteria viva da Franccedila e seus heroacuteis meroviacutengios
O primeiro movimento alegoacuterico de Benjamin eacute transformar o museu em morada do
sonho coletivo em metamorfose do interior O museu eacute um rito de passagem vivecircncia de
transiccedilatildeo caminhada por caminhos fantasmagoacutericos em que as portas cedem e as paredes se
abrem Essa atitude diante dos museus e das obras de arte natildeo eacute meramente contemplativa e nem
um comportamento aacutevido diante de mercadorias expostas O museu para Benjamin mobiliza o
visitante Coloca no cotidiano a utopia coisas que ningueacutem jamais experimentou mas que
deveriam lhes caber
As estrateacutegias de exibiccedilatildeo dos museus e a criaccedilatildeo de novos museus entretanto natildeo satildeo
vistas com ingenuidade por Benjamin Ele faz uma criacutetica das exposiccedilotildees universais e as via
como siacutenteses prematuras que fecham o espaccedilo para o novo e impediam a ventilaccedilatildeo das classes
Para Benjamin os produtos industriais projetados no passado eram organizados segundo
princiacutepios estatiacutesticos e a accedilatildeo de exibiccedilatildeo seria terapecircutica Visava rejuvenescer tonificar
restabelecer recuperar conservar e aperfeiccediloar os encantos da natureza que se definhavam e
morriam
56 O Museu de Lenoir precede agrave abertura do Louvre e teve curta duraccedilatildeo (1795-1816)
98
As exposiccedilotildees universais satildeo criticadas e exemplificam a passagem do caraacuteter efecircmero
que deixam rastros como a Torre Eiffel edificada como o arco de entrada da Exposiccedilatildeo
Universal de 1889 e transformada posteriormente em monumento O tempo de preparo e de
duraccedilatildeo de um empreendimento como uma exposiccedilatildeo guarda esse sentido agudo da histoacuteria Para
que seja compreendido esse tempo o criacutetico e o espectador deveriam operar em si mesmos uma
transformaccedilatildeo que eacute um misteacuterio um fenocircmeno da vontade agindo sobre a imaginaccedilatildeo Ele deve
aprender por si mesmo a participar do meio que deu origem a essa ldquofloraccedilatildeo insoacutelitardquo esse
sentido de ausecircncia em presenccedila de algo Essa emoccedilatildeo na qual o viajante se abandona a si mesmo
e muda sua visatildeo (Benjamin 2006 p236)
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da
exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009
A fotografia de Aleacutecio Andrade acima desperta o sentimento de interioridade do visitante
que resiste ao modelo temporal de museu e sua forma de apresentaccedilatildeo do passado O visitante se
apresenta no presente e se define na relaccedilatildeo com o museu estatildeo envolvidos em presenccedila do
invisiacutevel tem os olhos e os corpos na exposiccedilatildeo criada pelo fotoacutegrafo O cenaacuterio eacute o mesmo dos
Salotildees do seacuteculo XVIII (Figura 19)
99
Os visitantes das fotografias de Aleacutecio Andrade evocam o sentido poeacutetico dos museus que
se apresentam como colecionadores de alegorias e natildeo de siacutembolos (BENJAMIN 2006 p 237-
239) O visitante se transporta para dentro do museu e o acolhe em seu espaccedilo interior Visitar eacute
possuir os objetos eacute utilizaacute-los novamente libertando-os de serem inuacuteteis O alegorista
entretanto diferente do colecionador natildeo reuacutene as coisas afins natildeo estabelece sucessotildees natildeo
empreende uma luta contra a dispersatildeo mas desliga as coisas de seus ldquocontextosrdquo natildeo permite
prever e fixar os significados Abrem-se assim agraves transparecircncias porosidades e a possibilidade de
apropriar do princiacutepio e da forma
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos
A fundaccedilatildeo de museus no Brasil antecede a criaccedilatildeo das universidades Os museus
brasileiros foram durante o seacuteculo XIX o principal loacutecus de produccedilatildeo de cientistas praacuteticas de
preservaccedilatildeo e de uso educacional do patrimocircnio Tambeacutem se formaram como arenas de disputa
por versotildees do passado e campo de elaboraccedilatildeo intelectual criacutetica em relaccedilatildeo a outras instituiccedilotildees
poliacuteticas e culturais57
O Museu Nacional localizado na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro eacute considerado
desde sua inauguraccedilatildeo em 1818 a principal referecircncia de instituiccedilatildeo cultural Nos anos de 1920-
1930 eacute visto como modelo de museu para os intelectuais reformadores da educaccedilatildeo nacional
Outras instituiccedilotildees educativas e culturais como as universidades teratildeo espaccedilo no cenaacuterio
institucional tambeacutem nos anos de 1930 em funccedilatildeo das reformas de ensino de 1927-1930 quando
eacute definido por decreto-lei o Estatuto das Universidades Brasileiras e criada a Universidade do Rio
de Janeiro em 1931 (LEMME 1984 p171)
Escola e museus foram organizados de maneira distinta ao longo do seacuteculo XIX e para se
aproximarem precisavam que fosse elaborado um campo de interseccedilatildeo de atuaccedilatildeo e uma
concepccedilatildeo comum acerca de suas finalidades Diana Vidal (1999 p107-116) chama a atenccedilatildeo
para o significado do museu escolar em fins do seacuteculo XIX seu papel como dispositivo
pedagoacutegico que se define como ldquouma reuniatildeo metoacutedica de coleccedilatildeo de objetos comuns e usuais
57 Margaret Lopes desenvolve importante pesquisa sobre os museus brasileiros e latino americanos no seacuteculo XIX
Ver Lopes 1997 1998 2001 e 2005
100
destinados a auxiliar o professor no ensino de diversas mateacuterias do programa escolarrdquo (VIDAL
1999 p 108)
Entretanto ao longo do seacuteculo XX o movimento de aproximaccedilatildeo entre museus e
educaccedilatildeo natildeo foi nada natural e pressupunha accedilotildees poliacuteticas efetivas para a ampliaccedilatildeo da ideacuteia de
educaccedilatildeo para aleacutem das instituiccedilotildees escolares e de princiacutepios de organizaccedilatildeo mais democraacuteticos
Quanto aos museus era necessaacuterio que fossem concebidos como parte do projeto de educaccedilatildeo
geral ou do povo Essa dupla face da transformaccedilatildeo da concepccedilatildeo e finalidade de museus e
escolas eacute o que vemos no movimento da chamada escola nova e que tem por marco institucional
o ldquoManifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo Novardquo (1932) lanccedilado no calor da Revoluccedilatildeo de 1930
que defendia uma escola promovida pelo Estado laica gratuita e obrigatoacuteria (ESTEVES 1994
p 52-72)
Os trecircs autores escolhidos e apresentados satildeo os primeiros a publicar no Brasil uma
literatura especiacutefica considerando as relaccedilotildees entre museus e educaccedilatildeo Francisco Venacircncio Filho
(1941) Joseacute Valladares (1946) e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) possuem muito em
comum e dialogam entre si citando as pesquisas e publicaccedilotildees de seus contemporacircneos
Participaram juntamente com Everardo Backheuser Heitor Lira da Silva e outros da criaccedilatildeo da
Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo em 1924 Venacircncio Filho acompanharia de perto as reformas
educacionais de Carneiro Leatildeo Fernando de Azevedo Aniacutesio Teixeira Francisco Campos e
Gustavo Capanema Foi superintendente de Ensino Teacutecnico e diretor da Escola Normal Publicou
em 1932 com Jonatas Serrano o livro Cinema e Educaccedilatildeo pela Companhia Melhoramentos
A questatildeo central a ser destacada nessa bibliografia estritamente ldquonacionalrdquo eacute como ela
elabora os princiacutepios da relaccedilatildeo entre os museus europeus e brasileiros Quais paracircmetros de
comparaccedilatildeo satildeo adotados pelos autores brasileiros e quais satildeo os modelos que serviriam agrave obra
reformadora nacional A segunda questatildeo a ser investigada eacute como definem a relaccedilatildeo museus e
educaccedilatildeo qual o papel dos museus e qual o papel da escola Outro ponto que mobiliza eacute o
proacuteprio destinataacuterio desses discursos educativos nos anos de 1930-1940 Como estes autores
dirigiam-se ora especificamente ao puacuteblico escolar (professores e alunos) ora agrave populaccedilatildeo como
um todo ou o ldquopovordquo Como implicam os agentes governo sociedade organizada indiviacuteduos
pela resoluccedilatildeo do ldquoproblema nacional a educaccedilatildeordquo
101
Do ponto de vista das discussotildees teoacutericas e inovaccedilotildees praacuteticas na educaccedilatildeo Diana Vidal
(2000) ressalta que os chamados educadores renovados ndash Lourenccedilo Filho Fernando de Azevedo
dentre outros ndash natildeo soacute acompanhavam os movimentos realizados na educaccedilatildeo europeacuteia e norte-
americana como se utilizavam dessa literatura estrangeira para respaldar sua accedilatildeo educativa no
territoacuterio nacional (VIDAL 2000 p513)
Os autores destacados nesta anaacutelise que discorrem sobre a relaccedilatildeo museus-educaccedilatildeo
utilizam em seus argumentos o recurso ao ldquoestrangeirordquo como via de matildeo dupla Natildeo haacute por
exemplo em Joseacute Valladares (1946) nem em Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) nenhum
deslumbramento com os museus visitados por eles fora do paiacutes Eles natildeo deixam que a seduccedilatildeo e
encantamento com os museus europeus e norte-americanos se sobreponham aos seus propoacutesitos
de avaliar e comparar tendo em vista a melhoria dos museus no Brasil As visitas agraves instituiccedilotildees
estrangeiras e as consideraccedilotildees que explicitam servem ao propoacutesito de reforccedilar certa erudiccedilatildeo e o
conhecimento de causa Natildeo visam simplesmente desqualificar a realidade nacional frente ao
internacional
Assim como as viagens e excursotildees os escolanovistas consideram os museus como
dispositivos de educaccedilatildeo ou materiais pedagoacutegicos a serem utilizados para melhor aparelhar a
escola moderna Em outro sentido os museus satildeo ldquograndes casas de educaccedilatildeo ao alcance de
todos a qualquer momento graccedilas a uma teacutecnica de exposiccedilatildeo e mostruaacuterios em que nenhum
pormenor eacute descuidado desde a arrumaccedilatildeo ateacute a cor e forma dos letreirosrdquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Esse otimismo com relaccedilatildeo ao papel educativo dos museus eacute partilhado por Joseacute
Valladares e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila
Francisco Venacircncio Filho (1894-1946) destacou-se ao longo de sua vida puacuteblica como um
dos colaboradores diretos de Fernando de Azevedo e publica como ldquoprofessor do Instituto de
Educaccedilatildeo do Distrito Federal e livre docente do Coleacutegio Pedro IIrdquo o volume 38 da 3ordf Seacuterie de
Atualidades Pedagoacutegicas da Biblioteca Pedagoacutegica Brasileira com o tiacutetulo Educaccedilatildeo e seu
aparelhamento Moderno brinquedos cinema raacutedio fonoacutegrafo viagens e excursotildees museus e
livros em 1941 pela Companhia Editora Nacional
Para Venacircncio Filho (1941 p13) e outros intelectuais da chamada escola nova a
educaccedilatildeo eacute vida Busca no diaacutelogo e na autoridade de Afracircnio Peixoto (1876-1947) aproximar o
campo que o colega designara como ldquoeducaccedilatildeo orgacircnicardquo e de outra a ldquoescolarrdquo Para o autor o
102
ldquoaparelhamento modernordquo procura eliminar a distacircncia entre ambos os meios de educaccedilatildeo
(VENAcircNCIO FILHO 1941 p13) A educaccedilatildeo formal e a informal estatildeo imbricadas numa
educaccedilatildeo geral para a qual contribuem ldquoos instrumentos que nasceram na escola e transbordaram
dela para a vidardquo e os que ldquovieram de fora para a escola e vatildeo auxiliando colaborando com a sua
obrardquo multiplicando em extensatildeo e intensidade Esses instrumentos que poderiacuteamos chamar de
dispositivos tem uma accedilatildeo extensiacutevel e imprevisiacutevel (VENAcircNCIO FILHO 1941 p14)
A mesma concepccedilatildeo de educaccedilatildeo geral eacute explicitada por Edgar Sussekind de Mendonccedila e
Jose Valladares Mendonccedila em seu texto A extensatildeo cultural nos museus publicado pela
Imprensa Nacional em 1946 compartilha dos pressupostos de Venacircncio Filho e o cita por
diversas vezes Elaborado para concurso de provas58
para ser transferido a pedido da diretora do
Museu Nacional Heloiacutesa Alberto Torres para a receacutem criada Seccedilatildeo de Extensatildeo Cultural do
museu o texto pode ser entendido como sugere o proacuteprio autor como uma carta programa do
novo diretor e da nova seccedilatildeo do Museu
Procedimento comum aos trecircs autores destacados Edgar Sussekind de Mendonccedila (1941)
tambeacutem inicia sua exposiccedilatildeo propondo a inversatildeo na forma de interpretar os termos educaccedilatildeo
supletiva e educaccedilatildeo escolar para definir o campo de atuaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo
Como jaacute enfatizado por Venacircncio Filho o projeto de educaccedilatildeo popular eacute abrangente universalista
e a escola eacute apenas uma das instituiccedilotildees capazes de responder agrave demanda por educaccedilatildeo As
instituiccedilotildees de ensino eacute que satildeo supletivas na visatildeo de Mendonccedila (1941 p9) a educaccedilatildeo extra-
escolar eacute que designa o todo e natildeo aquela educaccedilatildeo intra-escolar A extensatildeo cultural eacute dentro
dessa visatildeo a educaccedilatildeo generalizada e os museus por direito de antiguidade tecircm papel
insubstituiacutevel e preponderante de realizaacute-la
Ao considerar as ldquoexcursotildees e viagensrdquo como ldquomeio pedagoacutegicordquo a primeira questatildeo
levantada satildeo as dificuldades de execuccedilatildeo em ambiente escolar recursos tempo ajustamento de
horaacuterios A sugestatildeo dada pelo autor eacute bastante conciliadora Do ponto vista geral ele defende que
ldquonas viagens se pode rever em breve e rapidamente o que nos legou o passado ou o que nos daacute o
presente em arte em ciecircncia em induacutestria em costumes atraveacutes dos inuacutemeros museus
espalhados pelo mundo inteirordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p15)
58 Segundo informa o proacuteprio autor o texto foi elaborado no prazo de trinta e cinco dias sendo que Mendonccedila
utilizou vinte e cinco para consulta a livros (MENDONCcedilA 1946 p25)
103
Do ponto de vista efetivo o problema eacute como realizar em larga escala viagens de luxo
recreio e de cultura aos Estados Unidos e Europa como fazem os intelectuais escolanovistas Natildeo
eacute simples conciliar os princiacutepios e a accedilotildees Embora deseje defender essa praacutetica ldquoadmiraacutevelrdquo
Venacircncio Filho alerta que na escola eacute preciso uma soluccedilatildeo mais viaacutevel planejar bem expor
previamente aos alunos e propor saiacutedas livres de grupos aos domingos e feacuterias para cultivar o
gosto e o ldquohaacutebito de prazeres sadios e econocircmicosrdquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p117)
As consideraccedilotildees sobre as excursotildees vatildeo se formando a partir de argumentos que juntam a
defesa do interesse da crianccedila e de suas condiccedilotildees para realizar excursotildees no qual cita os
americanos e seu programa de sugestotildees de excursotildees para diferentes idades entre 3 a 5 anos e a
defesa da ldquocultura europeacuteia como o padratildeo de civilizaccedilatildeo frente a ldquogleba nativardquo da ldquopaisagem
exoacuteticardquo da Ameacuterica (VENAcircNCIO FILHO 1941 p120) Cita nesse caso versos de Olavo Bilac e
a replica de Afracircnio Peixoto que exaltam Nova York (VENAcircNCIO FILHO 1941p122)
Os benefiacutecios das viagens parecem se afastar daquelas possibilidades efetivas do trabalho
escolar e o autor estaacute a endereccedilar seus conselhos a um provaacutevel viajante ldquonativordquo supostamente
adulto com pouca familiaridade com viagens e excursotildees e que necessite de orientaccedilotildees para
preparar-se culturalmente para a viagem Nosso autor parece estar plenamente qualificado para
relatar sua vasta experiecircncia cultural com viagens internacionais e ajudar na divulgaccedilatildeo dessa
praacutetica cultural
Quanto aos guias impressos o autor sabe indicar quais satildeo os melhores Em relaccedilatildeo agraves
grandes agecircncias de turismo elas ldquodevem ser utilizadas com inteligecircnciardquo Comprar poucas
lembranccedilas procurar hoteacuteis proacuteximos agraves estaccedilotildees preccedilos acessiacuteveis calcular despesas por dia
cacircmbio escolher os tipos de companheiros de viagem satildeo recomendaccedilotildees importantes Venacircncio
Filho deixa claro seu gosto pelas viagens sonho antes alegria durante e evocaccedilotildees depois
Os museus aparecem como ldquomeacutetodosrdquo um dos pilares para a melhoria da educaccedilatildeo ldquoum
ensino centrado na crianccedila e natildeo no professor e a educaccedilatildeo como preparaccedilatildeo para a vidardquo59
Os
museus ajudariam tambeacutem no ensino da histoacuteria baseada excessivamente em compecircndios e
criticada por seu excesso de memorizaccedilatildeo e acuacutemulo de datas O proacuteprio Jonathas Serrano que
tem seu compecircndio publicado em 1912 e utilizado ateacute 1924 contando com 54 ediccedilotildees explicita jaacute
59 Edgar Sussekind de Mendonccedila tambeacutem questionava a importacircncia exagerada dada agrave escola no ldquoconjunto da tarefa
educacionalrdquo (MENDONCcedilA 1946 p10)
104
em 1918 (4ordf ediccedilatildeo) a criacutetica aos processos de ensino de Histoacuteria exaustivos baseados na
memorizaccedilatildeo Serrano mostrava-se otimista quanto aos ldquoprogressos dos recursos tecnoloacutegicos
como o cinematoacutegrafo que permite ensinar pelos olhos e natildeo apenas e enfadonhamente pelos
ouvidosrdquo (SCHMIDT 2004 p197)
Venacircncio Filho (1941) faz a descriccedilatildeo de vaacuterios museus classificados como mistos de
histoacuteria e ciecircncias como o British Museum e o Louvre mas deteacutem-se na descriccedilatildeo do ldquonosso da
Quinta da Boa Vista em que se resume a natureza de uma vida da regiatildeordquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Dando continuidade a uma tipologia dos museus Venacircncio Filho apresenta como
museu histoacuterico exemplar o Museu do Ipiranga Ao final do capiacutetulo faz consideraccedilotildees raacutepidas
sobre o Museu Goeldi no Paraacute e retoma suas observaccedilotildees sobre o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista e o Museu Paulista Satildeo Paulo Ao longo do capiacutetulo cita a curta existecircncia dos museus
pedagoacutegicos organizados na reforma da instruccedilatildeo puacuteblica do Rio de Janeiro de Fernando
Azevedo (1927-1930) tendo um museu central no entatildeo Distrito Federal dirigido por Everardo
Backheuser (1879-1951) do qual fala no ldquopresente do indicativordquo pois ldquocomo desapareceu
passou para o passadordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Eacute curioso notar que Venacircncio filho natildeo descreve o projeto dos museus pedagoacutegicos nem
mesmo recomenda sua criaccedilatildeo nas salas ou escolas Os modelos de museus estatildeo nos grandes
centros como o Museu de Munich ao qual dedica duas paacuteginas para expor como satildeo os museus
teacutecnicos e sua importacircncia para a educaccedilatildeo popular Dedica tambeacutem uma descriccedilatildeo
pormenorizada do Deustches Museum apresentando as salas as divisotildees das exposiccedilotildees fiacutesica
quiacutemica tempo Cita os museus norte-americanos e avalia dois museus brasileiros o Museu
Nacional (RJ) o Museu Paulista (SP)
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista foi para Venacircncio Filho ldquogrande centro
cientiacutefico do paiacutes do qual partiam os uacutenicos fios de ligaccedilatildeo com o mundo cultordquo Jaacute o Museu
Histoacuterico Nacional eacute exemplar antes e depois da reforma educacional
Ele eacute no resumo de seus mostruaacuterios bdquouma verdadeira miniatura da paacutetria‟ O Museu
atraveacutes de suas divisotildees teacutecnicas realiza a sua missatildeo de conservar pesquisar divulgar e
ensinar dando depois da reforma de 1931 agrave educaccedilatildeo popular uma contribuiccedilatildeo
preciosa para o estudo das ciecircncias naturais (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Ao contraacuterio dos elogios e otimismo quanto ao papel dos museus de histoacuteria natural
explicitados ao Museu Nacional e ao Museu Goeldi Venacircncio Filho faz uma criacutetica a concepccedilatildeo
105
de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional que ldquoainda natildeo adquiriu forma definitiva que
deveria ser a de uma evocaccedilatildeo viva do passado todo do Brasil desde o periacuteodo colonial ateacute os
dias da Repuacuteblicardquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p145) Essa criacutetica fica mais evidente quando
afirma que em se tratando de museus histoacutericos o Museu Paulista eacute ldquonatildeo soacute uacutenico no paiacutes como
pode ser posto em confronto com qualquer outro congecircnere do estrangeirordquo (VENAcircNCIO
FILHO 1941 p145) A descriccedilatildeo que Venacircncio Filho faz do Museu do Ipiranga eacute carregada de
adjetivos ldquoum perfume discreto do passado nacional sem gratildeos de coisas esquecidas e
abandonadasrdquo quadros admiraacuteveis monccedilotildees Pedro Ameacuterico documentos antigos fruto das
pesquisas de Afonso Taunay estaacutetua de Bernardelli coleccedilotildees naturais Venacircncio Filho (1941
p147) termina suas consideraccedilotildees no mesmo ponto no qual iniciou exaltando a capacidade dos
museus em transformarem-se em ldquograndes escolas de educaccedilatildeo popularrdquo
Para Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) a chamada extensatildeo cultural eacute a relaccedilatildeo de
atividades de um museu que permitiria a comunhatildeo da vida e da aula abrangendo todos os
puacuteblicos de todas as idades (MENDONCcedilA 1946 p10) Ao longo da monografia ele vai
explicitando que o museu atua na educaccedilatildeo do povo e a extensatildeo cultural atuaria como um
ldquosistema de iniciaccedilatildeo cientiacutefica e aperfeiccediloamento sem a rigidez dos cursos universitaacuteriosrdquo
(MENDONCcedilA 1946 p 40)
Mendonccedila deixa expliacutecito em seu programa de accedilatildeo que sua grande preocupaccedilatildeo eacute com o
ensino e a ligaccedilatildeo da escola com a vida e para isso assim como Venacircncio Filho ele estaacute
preocupado com a ampliaccedilatildeo do puacuteblico natildeo especializado O museu eacute importante nessa funccedilatildeo
pois estaacute tanto no domiacutenio experimental quanto da documentaccedilatildeo objetiva Entretanto a
materialidade de suas mostras eacute para observaccedilatildeo natildeo para experimentaccedilatildeo A visualizaccedilatildeo eacute um
meacutetodo histoacuterico dos museus e pode ser utilizado no ensino tanto superior quanto na educaccedilatildeo
extra-escolar das classes proletaacuterias A questatildeo natildeo eacute a funccedilatildeo educativa dos museus mas
preparar os museus para as necessidades educativas de seu povo (MENDONCcedilA 1946 p 25)
Para Joseacute Vasconcellos (1946) a questatildeo da localizaccedilatildeo dos museus eacute colocada de modo
semelhante ldquoporque deve ir ao seu encontro o museu tem de saber onde o povo pode ser achado
com mais facilidade Este eacute o problema principal na localizaccedilatildeo dos museusrdquo
(VASCONCELLOS 1946 p99) Ou seja o problema da localizaccedilatildeo dos museus eacute saber onde
estaacute o povo ou como diria o cancioneiro popular ldquotodo artista tem de ir onde o povo estaacuterdquo
106
Mendonccedila assim como Vasconcellos e Venacircncio toma o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista como referecircncia para as consideraccedilotildees sobre os museus brasileiros Apoacutes criticar o
sistema universitaacuterio pelo aristocratismo das faculdades e academias ou ainda os proacuteprios museus
pelo anacronismo ao se voltarem para uma concepccedilatildeo de conservaccedilatildeo estaacutetica o autor se volta
para a defesa dos museus como ldquoestabelecimentos de educaccedilatildeo popularrdquo capazes de responder ao
problema de ldquopreparo meacutedio dos homens de formaccedilatildeo irregularrdquo A teacutecnica de museus eacute capaz de
orientar cientificamente um filme documentaacuterio sobre Canudos citado como exemplo e ao
mesmo tempo promover exposiccedilotildees especiais sobre cultura indiacutegena e cultura negra no Brasil
natildeo existentes no Museu Nacional mas que deveriam ser incluiacutedas por interessar agrave extensatildeo
cultural servindo de ldquoligaccedilotildees entre o palco das generalidades e os bastidores dos especialistas
(MENDONCcedilA 1946 p40-43)
Para Mendonccedila
o fato poreacutem eacute que os museus do Rio de Janeiro provavelmente ainda por longo tempo
funcionaratildeo apenas na imaginaccedilatildeo complementar de alguns de seus visitantes e nas
melhorias de interpretaccedilatildeo pedagoacutegica que os especialistas em colaboraccedilatildeo com os
professores vatildeo conseguindo fazer para alguns interessados e para o puacuteblico em geral
a interessar (MENDONCcedilA 1946 p53)
Se haacute por parte de Edgar Suumlssekind de Mendonccedila certo pessimismo quanto agraves
possibilidades de mudanccedilas na organizaccedilatildeo dos museus descritas por estes mesmos especialistas
da eacutepoca ndash arrumaccedilatildeo iluminaccedilatildeo etiquetas cataacutelogos e exposiccedilotildees ndash ele eacute otimista quanto agraves
atividades de extensatildeo que natildeo dependeriam de recursos diretos de pesquisa e preservaccedilatildeo
propaganda em diversos meios como raacutedio formaccedilatildeo de funcionaacuterios especializados em orientar
visitas palestras conferecircncias guias impressos projeccedilotildees de cinema coleccedilotildees e exposiccedilotildees
escolares Enfim a articulaccedilatildeo e accedilatildeo externas capazes de integrar os museus agrave sua finalidade
democraacutetica
Para explicitar a opiniatildeo de Mendonccedila sobre os museus tradicionais e suas praacuteticas de
exposiccedilatildeo cito dois exemplos a exposiccedilatildeo sobre o centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio no Museu
Nacional e suas criacuteticas agrave concepccedilatildeo de museu do proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional Mendonccedila
natildeo tem nenhuma simpatia pelas comemoraccedilotildees ciacutevicas marcadas por exposiccedilotildees especiais em
museus Ele critica a exposiccedilatildeo de comemoraccedilatildeo ao Centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio realizada pelo
Museu Nacional que legitimada por significado cultural natildeo se justificava como ldquoexposiccedilatildeo
107
especialrdquo Diz o autor ldquoalmejariacuteamos que fosse acompanhado de outras frequentes ditadas natildeo
soacute pela solenidade de datas centenaacuterias mas pelas diuturnas exigecircncias de movimentaccedilatildeo das
coleccedilotildees para maior uso e benefiacutecio puacuteblicosrdquo (MENDONCcedilA 1946 p43)
O Museu Histoacuterico Nacional jaacute criticado por Venacircncio Filho (1941 p145) tambeacutem
recebe as criacuteticas de Mendonccedila
Quanto ao Museu Histoacuterico Nacional instituiacutedo eacute oacutebvio para se relacionar com o patrimocircnio integral da nossa Histoacuteria- a julgar pela dosagem e patenteando na sua
propensatildeo para o raro e o custoso em preciosismo que contraria o princiacutepio de
preferecircncia pelo caracteriacutestico isto eacute pelo mais frequumlente em cada eacutepoca consoante a
boa norma museoloacutegica (MENDONCcedilA 1946 p49)
O Museu Imperial receacutem criado recebe os votos de que possa aliviar-se dos encargos
aristocraacuteticos do Museu Histoacuterico Nacional e trabalhe de forma equitativa o patrimocircnio histoacuterico
do paiacutes (MENDONCcedilA 1946 p49)
Nesta bibliografia dos anos de 1920-1930 se elabora nos discursos educacionais no Brasil
a preocupaccedilatildeo com materiais e meacutetodos que garantissem a ldquoconstruccedilatildeo experimental do
conhecimento pelo estudanterdquo (VIDAL 2000 p498) e os museus satildeo entendidos como parte
importante dos ldquorecursos pedagoacutegicosrdquo disponiacuteveis agrave educaccedilatildeo
Jaacute nos anos de 1950 dois movimentos se encontram um vindo das discussotildees sobre a
escola feita pelos ldquoescolanovistasrdquo nos anos de 1920-1930 e outro que defendia a ampliaccedilatildeo dos
museus numa nova rede que incluiacutea os museus histoacutericos e pedagoacutegicos locais e a criaccedilatildeo de
novos museus pelo poder puacuteblico federal e estadual
A partir dos anos de 1930 se instaura uma polecircmica sobre a relaccedilatildeo escolas-museus que
tem de um lado a defesa dos museus como oacutergatildeos de documentaccedilatildeo com um caraacuteter
conservador no sentido de ser voltado a preservar as tradiccedilotildees (TRIGUEIROS 1956) e de outro
lado o entendimento que os museus satildeo instrumentos de educaccedilatildeo tal como defendia Viniacutecio
Stein Campos (1970) com a criaccedilatildeo dos museus histoacutericos e pedagoacutegicos
A ldquofunccedilatildeo educativardquo dos museus se estabelece nesse sentido entre os extremos da
funccedilatildeo de conservaccedilatildeo e da divulgaccedilatildeo O sentido mais geral das reflexotildees sobre nesse capiacutetulo
sobre movimentos de formaccedilatildeo do puacuteblico nos museus na Europa e Brasil ao longo dos seacuteculos
XIX e XX eacute estabelecer ligaccedilotildees entre os que visitam contemporaneamente os museus e um
sentido de permanecircncia na ldquoformardquo museu Natildeo haacute uma via de matildeo uacutenica que vai dos museus aos
108
visitantes Assim como os visitantes elaboram suas demandas de formaccedilatildeo frente aos acervos e
exposiccedilotildees as instituiccedilotildees e poliacuteticas oficiais de preservaccedilatildeo e memoacuteria tambeacutem promovem
quadros culturais que se completam e se remontam com os museus e suas exposiccedilotildees
A pesquisa sobre o movimento de formaccedilatildeo do puacuteblico e sobre as funccedilotildees educativas dos
museus leva a pensar que a visita ao museu natildeo eacute o lugar da ldquorecepccedilatildeordquo de praacuteticas museoloacutegicas
e nem educativas O visitante se coloca em tracircnsito entre o mundo dos museus e outros mundos
como o das ldquoescolasrdquo e a visita realiza-se como um ldquocircuitordquo Os visitantes falam de suas
experiecircncias de visita como viagens intercalando dinacircmicas socioculturais de formaccedilatildeo docente
e de formaccedilatildeo histoacuterica
109
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais
A visita ao Museu do Escravo natildeo foi um evento isolado para os alunos e nem para a
instituiccedilatildeo formadora Desde o ano de 2000 o Museu do Escravo vinha sendo visitado como parte
das atividades acadecircmicas desenvolvidas por professores e estudantes do curso de licenciatura em
Histoacuteria Nesta ocasiatildeo um total de 21 estudantes60
foi ao Museu a Fazenda Boa Esperanccedila e a
comunidade quilombola da Boa Morte em Belo Vale
Algumas potencialidades do Museu do Escravo jaacute haviam sido levantadas em visitas
anteriores e o trabalho de campo tinha por objetivo articular a narrativa do proacuteprio museu o
discurso dos especialistas em museologia e dos historiadores da escravidatildeo A visita seguiu uma
rotina que envolveu pedido de autorizaccedilatildeo para acesso agrave Fazenda Boa Esperanccedila contatos com a
prefeitura local para agendamento no Museu apresentaccedilatildeo em sala de aula de um histoacuterico da
cidade seus pontos turiacutesticos e atividades culturais (cd-room recortes de jornais e textos projeto
de revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo e outros) elaboraccedilatildeo de um roteiro da visita com horaacuterios
e recomendaccedilotildees sobre formas de registro durante o trabalho Vale destacar que esse natildeo era o
primeiro trabalho dessa natureza realizado pela turma que jaacute havia visitado o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto e outras instituiccedilotildees como o Arquivo da Cidade de Belo Horizonte
O trabalho em Belo Vale teve dois objetivos Primeiro relacionar as visotildees
historiograacuteficas acerca da escravidatildeo colonial discutidas em sala de aula com os acervos
existentes nos locais visitados Segundo discutir a importacircncia da memoacuteria e do patrimocircnio
histoacuterico ao visitar o Museu do Escravo e o conjunto arquitetocircnico da Fazenda Boa Esperanccedila61
60 Visita vinculada agrave disciplina Histoacuteria do Brasil a Ameacuterica Portuguesa 4ordm periacuteodo
61 Belo Vale estaacute localizada na Zona Metaluacutergica de Minas Gerais Distacircncias Moeda - 13 km Congonhas - 42 km
Itabirito - 66 km Ouro Preto - 80 km Belo Horizonte - 86 km e 126 km de Pedro Leopoldo
110
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade
de Belo Vale
Apoacutes a visita os estudantes elaboraram um relatoacuterio individual contendo suas impressotildees
e tendo como referecircncia os objetivos propostos no roteiro inicial Houve discussotildees em sala de
aula sobre aspectos observados Demais materiais como fotografias folders entrevistas e outros
recolhidos ou produzidos durante a visita tambeacutem foram apresentados Por fim a turma elaborou
uma narrativa siacutentese do trabalho que foi apresentado novamente e arquivado na Faculdade Eacute
este relatoacuterio-siacutentese que serve como paracircmetro para a anaacutelise da visita Utilizo como contraponto
o projeto de Revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo elaborado pela Superintendecircncia de Museus de
MG e materiais produzidos para divulgaccedilatildeo do museu jaacute que natildeo haacute nenhum cataacutelogo ou mesmo
inventaacuterio do acervo de objetos do Museu do Escravo
As fotografias selecionadas e apresentadas a seguir apontam o deslocamento realizado
pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do visitante na cultura museal e
a escrita da histoacuteria nos museus
111
Saiacuteda de Pedro Leopoldo-MG Atravessam a Serra do Curral
Depois de Belo Horizonte comeccedila a descida Rios estradas e pontes Chegada a Belo Vale
A Igreja estaacute fechada O Museu do Escravo fica ao lado Foto na entrada
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos
visitantes
112
Apontar em que medida o Museu do Escravo contribuiu para que esses estudantes de
licenciatura em Histoacuteria elaborassem uma narrativa sobre a escravidatildeo articulando as linguagens
historiograacuteficas e museoloacutegicas implicou em mapear duas dimensotildees nas quais o tema da
escravidatildeo se apresentou durante a visita A primeira eacute a narrativa museograacutefica do museu
constituiacuteda por suas exposiccedilotildees A segunda eacute uma meta-narrativa do que deveria ser o Museu do
Escravo a partir de um projeto de revitalizaccedilatildeo A questatildeo central eacute investigar ateacute que ponto as
narrativas museoloacutegicas sejam elas ldquonovasrdquo ou ldquotradicionaisrdquo podem interferir na percepccedilatildeo que
os visitantes tecircm acerca da histoacuteria
Antes da visita os estudantes foram apresentados a um material visual sobre Belo Vale
produzido e distribuiacutedo por uma empresa de informaacutetica que atua na regiatildeo e que traz fotografias
e textos sobre o Museu do Escravo62
Neste material o Museu eacute apresentado como instituiccedilatildeo
uacutenica no paiacutes se constitui num dos mais importantes e completos acervos culturais com peccedilas
referentes agrave escravatura
Uma das estudantes apoacutes a visita registra opiniatildeo semelhante o Museu do Escravo da
Fazenda Boa Esperanccedila eacute o uacutenico museu dedicado exclusivamente ao escravo no Brasil onde
conta com um acervo com uma meacutedia de 4500 peccedilas (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Aparentemente a estudante atribui um sentido indevido agrave localizaccedilatildeo do Museu O Museu
do Escravo natildeo eacute da Fazenda Boa Esperanccedila A informaccedilatildeo correta sobre a localizaccedilatildeo do Museu
jaacute constava do material apresentado agrave turma antes da visita O acervo do Museu era apresentado
como privilegiado O material trazia tambeacutem dados sobre a trajetoacuteria da constituiccedilatildeo desse
acervo Reunido pelo padre Penido de famiacutelia natural da cidade inicialmente em Congonhas do
Campo foi transferido em 1977 para a Fazenda Boa Esperanccedila e municipalizado em 1988 no
centenaacuterio da aboliccedilatildeo com novo preacutedio no centro da cidade
Eacute possiacutevel supor que o desvio da visitante seja tambeacutem um ruiacutedo quanto agrave origem do
acervo e natildeo apenas da localizaccedilatildeo do Museu Quando visitamos a Fazenda Boa Esperanccedila e laacute
natildeo encontramos uma ldquosenzalardquo ou qualquer objeto relativo agrave escravidatildeo abriu-se uma duacutevida
62 Esse material foi adquirido no Museu do Escravo em Belo Vale Foi elaborado por empresa de consultoria
wwwdejorecombr
113
Onde estariam esses objetos Eacute liacutecito supor que foram transferidos para o Museu no Escravo O
que natildeo eacute correto jaacute que o acervo natildeo veio da fazenda
A indefiniccedilatildeo quanto agrave origem do acervo e a natildeo catalogaccedilatildeo e classificaccedilatildeo dos objetos
em exposiccedilatildeo alimenta essa confusatildeo O Museu do Escravo se apresenta como um lugar de
guarda de objetos do passado Entretanto natildeo eacute possiacutevel acessar o acontecido Houve uma perda
irreparaacutevel pela accedilatildeo do tempo e mesmo que o museu se coloque como aquele capaz de reparar o
ldquosentimento de perdardquo fabricando objetos e cenas para dar visibilidade agravequilo que julga ser
pertinente aos habitantes da cidade e aos visitantes continua existindo obstaacuteculos agrave transparecircncia
pretendida pelas exposiccedilotildees museais
42 - O escravo e o museu
As exposiccedilotildees do Museu estatildeo dispostas pelos seis salotildees do Pavilhatildeo 1 um paacutetio interno
onde foi construiacuteda uma espeacutecie de senzala tambeacutem destinada agrave exibiccedilatildeo de acervo (pavilhatildeo
aos fundos) onde destacam-se cenaacuterios museograacuteficos (Figuras 22 e 23)
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale
MG Fonte httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm
Neste cenaacuterio expositivo convivem diferentes objetos instrumentos de castigo coacutepias de
documentos iconograacuteficos objetos de arte afro-brasileira objetos de uso pessoal e salas com
114
utensiacutelios domeacutesticos como louccedilas e armas e arte sacra originaacuteria da Igreja Matriz que estaacute
localizada ao lado do Museu e que foi transferido ao museu por medida de seguranccedila possiacutevel
O pavilhatildeo dos fundos exibe aleacutem de montagens museograacuteficas como de um escravo
sendo castigado em pelourinho indumentaacuteria moradia e utensiacutelios usados na produccedilatildeo do filme
Zumbi - Quilombo dos Palmares doados pelo cineasta Cacaacute Diegues e um tuacutemulo de escravo
desconhecido
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo
Belo Vale MG Fonte Disponiacutevel em
lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso
em 2011
Projetos de revitalizaccedilatildeo63
do Museu do Escravo foram elaborados para redefinir a
conceituaccedilatildeo museoloacutegica e reformulaccedilatildeo dos moacutedulos da exposiccedilatildeo A principal criacutetica dos
especialistas eacute que se estava diante de ldquoum colecionismo assistemaacutetico sem propoacutesitos cientiacuteficos
ou educativosrdquo ou ldquomostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros (JULIAtildeO sd) Contudo em
visita realizada em 2010 as exposiccedilotildees ainda permaneciam com a mesma organizaccedilatildeo
encontrada nas visitas anteriores Em 2006 quando da visita com os estudantes da turma do 4ordm
63 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de Museus
Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
115
periacuteodo foi possiacutevel confrontar as visotildees historiograacuteficas tambeacutem conflitantes entre si de modo a
elaborar no diaacutelogo com o museu uma narrativa acerca do tema escravismo colonial
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo
Enquanto o Museu se apresenta aos visitantes como o uacutenico no gecircnero em todo o Brasil64
reconstituindo cenaacuterios como senzala pelourinho e tuacutemulo de escravo desconhecido se sobrepotildee
outro discurso museoloacutegico na forma de um projeto de revitalizaccedilatildeo Nesse projeto65
o Museu do
Escravo eacute apresentado como
mostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros no qual os objetos se justapotildeem em
arranjos inusitados e sem criteacuterios Desprovido de qualquer conceituaccedilatildeo o caraacuteter
meramente acumulativo do seu acervo parece atender aos anseios de musealizaccedilatildeo de
uma comunidade ciente de seu passado mas pouco instrumentalizada para a preservaccedilatildeo
de seu patrimocircnio Egrave possiacutevel dizer que o Museu do Escravo transita entre um gabinete
de curiosidade que busca dar mostras dos mais diferentes vestiacutegios do passado
abarcando de achados arqueoloacutegicos a exemplares de maacutequinas do seacuteculo XX sem
qualquer abordagem que permita estabelecer nexos entre os mesmos e a praacutetica
museograacutefica comum em museus americanos de simulaccedilotildees de realidades e contextos a exemplo da arquitetura colonial do preacutedio que o sedia da construccedilatildeo da senzala e do
escravo no pelourinho66
(JULIAtildeO sd)
Quanto agrave linguagem museoloacutegica o documento elaborado pela historiadora Letiacutecia Juliatildeo
eacute taxativo
Embora o imponente casaratildeo encontre-se fisicamente preservado natildeo foi adotado
qualquer recurso comunicativo com o intuito de oferecer informaccedilotildees sobre o conjunto
tombado de modo a promover uma mediaccedilatildeo miacutenima entre o puacuteblico e aquele bem
cultural (JULIAtildeO sd)
A proposta apresentada pela Superintendecircncia de Museus da Secretaria Estadual de
Cultura de MG em parceria com associaccedilotildees locais e oacutergatildeos puacuteblicos eacute uma completa
reformulaccedilatildeo do discurso museoloacutegico do Museu do Escravo O acervo disponiacutevel seraacute
reorganizado em sete moacutedulos temaacuteticos 1) Trabalho escravo e sociedade escravista
64 Site do Museu em wwwdejorecombrbelovaleturismo_museuhtm 65 O Projeto natildeo foi executado A exposiccedilatildeo do Museu do Escravo continua ateacute a presente data com a mesma
arrumaccedilatildeo descrita pelos estudantes na visita em 2006 66 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de
Museus Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
116
(instrumentos de trabalho) 2) Cotidiano escravo (vestuaacuterio alimentaccedilatildeo moradia procedecircncia
dos escravos) 3) Relaccedilotildees de poder e dominaccedilatildeo (castigo e estrateacutegias de persuasatildeo) 4) Formas
de resistecircncia escrava (quilombos revoltas violecircncia cotidiana) 5) Religiosidade (diferentes
manifestaccedilotildees) 6) Imagens do negro e da escravidatildeo (preconceito estereoacutetipos mesticcedilagem) e
7) Cultura afro-brasileira
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo
desconhecido Museu do Escravo Belo Vale 2006
Aleacutem dos moacutedulos que indicam a necessidade de uma ldquoabordagem mais completa das
relaccedilotildees de poder na sociedade escravistardquo o ldquonovordquo discurso museoloacutegico propotildee retirar um
grande volume de objetos do acervo em exposiccedilatildeo permanente e montar pequenas exposiccedilotildees
temporaacuterias temaacuteticas Outra medida eacute destinar uma das alas da ldquosenzalardquo agrave reserva teacutecnica Por
fim eacute recomendado avaliar as ldquomontagens museograacuteficasrdquo como a moradia escrava o escravo no
pelourinho e o tuacutemulo do escravo desconhecido e se mantidas informar ao puacuteblico seu caraacuteter de
ldquosimulaccedilatildeordquo A preocupaccedilatildeo com os tempos histoacutericos tambeacutem eacute explicita quanto se trata do
117
proacuteprio preacutedio Eacute preciso informar que a sede eacute recente para evitar equiacutevocos quanto a sua
ldquoautenticidaderdquo
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo
Frente a essas duas narrativas como se comportam os visitantes Quais aspectos foram
aceitos e quais foram refutados pelos estudantes a partir das narrativas museoloacutegicas do museu e
da revitalizaccedilatildeo Como interpelam e satildeo interpelados pelos objetos museograacuteficos Como
relacionam a cultura material com narrativas historiograacuteficas Como modificam suas concepccedilotildees
a partir do contato com a linguagem museoloacutegica Como os visitantes elaboram uma narrativa
sobre a histoacuteria e a escravidatildeo tomando como referecircncia o Museu do Escravo Interessa tambeacutem
perceber como o Museu compreende o seu proacuteprio acervo e como faz uso dele O acervo se
constitui em prova documental ou eacute elaborado em funccedilatildeo da loacutegica museograacutefica
Destaco a seguir algumas impressotildees dos visitantes sobre o Museu do Escravo Para
Weberton Fernandes da Costa
O Museu do Escravo utiliza como metodologia de organizaccedilatildeo uma ideacuteia marxista de
ver a histoacuteria procurando enfatizar quase que exclusivamente a luta de classe ocorrida
entre senhores e escravos ateacute a aboliccedilatildeo da escravatura assinada pela princesa Isabel durante o reinado de DPedro II colocando o negro como viacutetima e com um pobre
coitado Tudo bem que o regime escravocrata implantado pelos portugueses no Brasil
seguido pelos Senhores de Engenho do accediluacutecar e posteriormente pelos Barotildees do Cafeacute foi
abominaacutevel terriacutevel cruel e jamais esquecido pela humanidade No entanto colocaacute-los
somente em tal posiccedilatildeo exposta pelo museu soacute contribui para a proliferaccedilatildeo do racismo
visto que tal abordagem coloca o negro como um ser inferior e sem cultura natildeo produzia
nada e soacute apanhava (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio Trabalho de Campo Belo
Vale 2006)
O estudante faz uma leitura dos objetos e identifica um criteacuterio de organizaccedilatildeo
cronoloacutegico em meio ao que parece aos teacutecnicos da Superintendecircncia de Museus como ldquoarranjos
inusitados e sem criteacuteriosrdquo Ele estabelece uma linha temporal (imaginaacuteria) que liga os objetos
ldquoacumulados para atender aos anseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ao que aparece como
ldquosem qualquer conceituaccedilatildeordquo ao discurso museoloacutegico percebe-se uma poderosa forma de
explicaccedilatildeo da sociedade a teoria marxista Vejamos o que ele chama de marxismo Haacute uma
ecircnfase na luta de classes O lado da dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo certamente se impotildee e o
dominadoexplorado eacute vencido A batalha vista de hoje transforma o vencido em viacutetima em
118
coitado Uma exposiccedilatildeo sobre os escravos organizada sob o eixo da dominaccedilatildeo X resistecircncia faz
uma abordagem da inferioridade do negro na sociedade escravista Nosso aluno faz a criacutetica
historiograacutefica da exposiccedilatildeo e talvez fizesse o mesmo com uma nova organizaccedilatildeo do acervo Ele
natildeo vecirc apenas um ldquogabinete de curiosidades do seacuteculo XIX ele vecirc uma visatildeo de mundo que
permeia de sentido os ldquoanseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ainda que os objetos se
apresentem de maneira bastante caoacutetica os estudantes caccedilam em meio ao palheiro e fazem
reflexotildees atribuindo outros sentidos e interrogando os indiacutecios para construir uma narrativa
imaginar uma histoacuteria Warleson de Melo Simpliacutecio afirma
O que mais me chamou a atenccedilatildeo foram os objetos que eram utilizados como forma de
puniccedilatildeo dos escravos Todos os objetos vistos representavam ali todo o sofrimento que
os escravos passaram Dentre esses objetos havia um que parecia um sapato de ferro
nele havia um espeto que causaria dor no peacute do escravo que tentasse fugir pois este
espeto furaria o peacute do escravo se ele corresse Havia outros objetos tambeacutem que tinha a
mesma funccedilatildeo como por exemplo um outro modelo de sapato com um guizo que faria
barulho quando o escravo andasse impedindo assim sua fuga (Warleson de Melo
Simpliacutecio Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Diferentemente do visitante anterior que leu apenas a dominaccedilatildeo aqui os ldquoinstrumentos
de torturardquo natildeo remetem agrave submissatildeo mas agrave revolta agrave fuga agrave resistecircncia Os vestiacutegios da
119
dominaccedilatildeo falam da resistecircncia Natildeo seriam tantos e tatildeo variados os objetos de castigo se natildeo
houvesse tantas fugas Os escravos natildeo parecem coitados O estudante toma para si a funccedilatildeo de
representaccedilatildeo dos objetos e reencena os gestos contidos na profusatildeo de elementos espalhados
pelos salotildees da exposiccedilatildeo Natildeo eacute necessaacuterio que sejam reorganizados para que falem de maneira
diferente
Outra discussatildeo apresentada eacute sobre a ldquosimulaccedilatildeo de realidades e contextosrdquo Diversos
alunos destacam as reacuteplicas externas como aquelas que mais lhes chamaram a atenccedilatildeo e
justificam suas escolhas Priscila Oliveira dos Santos aponta que
Na parte externa do museu existe uma reacuteplica do corpo de um negro escravo junto ao
tronco onde simula a forma em que os escravos eram maltratados Isto acontecia
principalmente aos domingos que era dia de missas e era dia de folga dos escravos o
que garantiria um puacuteblico maior que os demais dias (Priscila Oliveira dos Santos
Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Mayara Luiz Gurgel de Abreu completa ldquoo que mais me impressionou no museu foi a
reacuteplica em tamanho real de um escravo no tronco que apesar de triste impressiona por ser rica
em detalhes e parecer ser realrdquo
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno
do Museu do Escravo 2006
Diversas fotografias destacam o pelourinho e a senzala Ainda que natildeo haja maiores
indicaccedilotildees e explicaccedilotildees acerca do cenaacuterio natildeo haacute duacutevidas acerca da montagem da simulaccedilatildeo O
discurso do proacuteprio Museu parece direto nesse caso A comunicaccedilatildeo se faz ruiacutedos quanto agrave
120
ldquoautencidaderdquo da cena satildeo recursos de presentificaccedilatildeo claramente entendidos pelos diferentes
alunos Mas nada tatildeo divertido quando brincar no cenaacuterio de Cacaacute Diegues Pode-se ateacute tirar mais
fotografias da turma
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute
Diegues Museu do Escravo 2006
Os estudantes problematizaram os conteuacutedos apresentados pela exposiccedilatildeo do museu
construiacuteram argumentos e procedimentos de interpretaccedilatildeo histoacuterica comprometida com uma
dimensatildeo sensiacutevel e coletiva no presente
Eacute possiacutevel pensar nas fotografias produzidas pelos visitantes de museus como as
apresentadas acima no sentido de Milton Guran (1997) em seu ensaio Fotografar para
descobrir fotografar para contar O corpus fotograacutefico constituiacutedo na pesquisa antropoloacutegica eacute
entendido por Guran como uma sobreposiccedilatildeo de imagens produzidas a partir de imagens
anteriores A anaacutelise destas imagens deve levar em conta o momento da produccedilatildeo e a
especificidade de cada fotografia
Diferentes das fotografias feitas pelo proacuteprio pesquisador ou pelo proacuteprio museu as
fotografias feitas pelos visitantes e assumidas por eles encontram-se impregnadas pelo imaginaacuterio
do proacuteprio grupo ou alguns de seus membros por consequumlecircncia expressa de alguma maneira a
ldquoidentidaderdquo do grupo em questatildeo Enquanto o museu procura uma representaccedilatildeo ldquooriginalrdquo um
espelhamento do que ele possui em seu acervo o visitante coloca-se no jogo da auto-
representaccedilatildeo e transfere para si o poder de espelhamento O visitante compartilha a presenccedila de
um signo e coloca frente ao sentido jaacute traccedilado pelo museu outro rumo uma multiplicaccedilatildeo de
121
conexotildees trajetoacuterias O visitante confere ao sentido imobilizado pelo museu um colorido uma
disposiccedilatildeo para novas referecircncias culturais e dimensotildees poliacuteticas natildeo contidas na matriz
referencial oferecida pelos museus
Cada fotografia oferece os procedimentos de apropriaccedilatildeo do visitante seus gostos uma
esteacutetica uma sensualidade um sentido de presenccedila dos corpos (pessoas ou natildeo) Guran (1997)
aponta que a relaccedilatildeo da fotografia com o imaginaacuterio vai da identidade ndash campo da imaginaccedilatildeo ndash
para a alteridade ndash o lugar dos outros na imaginaccedilatildeo partilhada que o constitui socialmente
No Museu do Escravo estaacute presente a dubiedade do processo de patrimonializaccedilatildeo ou
seja de transformar determinados objetos da cultura material em patrimocircnio histoacuterico O acervo
do Museu do Escravo eacute constituiacutedo pelo colecionismo de um grupo local de objetos ligados
diretamente agrave escravidatildeo e ao trabalho escravo na regiatildeo de Belo Vale Em exposiccedilatildeo no Museu
esses objetos recebem outro tratamento e satildeo articulados num novo espaccedilo de exibiccedilatildeo que inclui
a construccedilatildeo de um local proacuteprio para o circuito e criaccedilatildeo de novos cenaacuterios O uso que os
visitantes fazem dessa exposiccedilatildeo do museu cria novos sentidos para essa memoacuteria histoacuterica Um
desses usos eacute reinscrever esses elementos de uma memoacuteria da escravidatildeo em uma cultura afro-
brasileira contemporacircnea Cria-se assim um circuito no qual as visitas e os visitantes satildeo parte
dos rituais e discursos narrativos do museu e ampliam suas sensibilidades ao mesmo tempo em
que reconhecem no museu um papel formador
122
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio
O Museu Histoacuterico Nacional pode ser considerado como herdeiro de uma tradiccedilatildeo
enciclopeacutedica de museus que desenvolve uma perspectiva de conservaccedilatildeo dos objetos no tempo
No museu ldquohistoacutericordquo o objeto eacute apresentado como um documento seja no cataacutelogo ou nas
exposiccedilotildees ldquoaquele que representa simbolicamente e materialmente a histoacuteriardquo (OLIVEIRA
1998 p68)
Vinculado a um paradigma de preservaccedilatildeo existente desde seacuteculo XV cujo conceito de
uso estaacute relacionado agrave ideia de destruiccedilatildeo o museu funciona como aquela instituiccedilatildeo que defende
o objeto da perda do desgaste e do uso cotidiano Natildeo se admite portanto um uso cultural dos
objetos fora da proteccedilatildeo do museu De um modo geral a relaccedilatildeo do puacuteblico com esse tipo de
museu eacute marcada por essa ambiguumlidade do discurso da conservaccedilatildeo e do patrimocircnio O museu
condena o consumo cultural mas ao mesmo tempo utiliza o status de histoacuterico e de patrimocircnio
como parte de uma induacutestria patrimonial de reapropriaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de determinados
elementos histoacutericos e esteacuteticos (CHOAY 2006 p223)
A atual diretora do Museu Histoacuterico Nacional Vera Luacutecia Bottrel Tostes define a proacutepria
instituiccedilatildeo por era dirigida como uma ldquoinstituiccedilatildeo de memoacuteriardquo aquelas que lutam na linha de
frente contra o esquecimento
Museu Histoacuterico Nacional natildeo poderia omitir-se de participar intensamente das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil
articulando e organizando eventos que visam natildeo apenas celebrar a efemeacuteride mas
trazer agrave luz novas pesquisas sobre singular momento da histoacuteria do Brasil e de Portugal
(TOSTES 2008)
O preacutedio do Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado por sua diretora como anterior agrave
chegada da corte e portanto um lugar adequado ao conhecimento do ldquocontexto histoacutericordquo que
cercou a vinda de D Joatildeo VI e a realizaccedilatildeo de um ldquomemoraacutevel evento histoacuterico-culturalrdquo que
ldquotorna viva a memoacuteria histoacutericardquo (TOSTES 2008)
O Museu Histoacuterico Nacional em suas atuais exposiccedilotildees ainda preserva uma loacutegica
instituiacuteda desde a exposiccedilatildeo de Gustavo Barroso a busca da ldquoautenticidaderdquo em vestiacutegios
123
materiais e um caraacuteter de ldquoverdade comprovadardquo agrave histoacuteria que busca narrar Ou seja na
exposiccedilatildeo apresentada o museu convida os visitantes a natildeo romperem com uma visatildeo de museu-
memoacuteria que considera os objetos como fonte de culto e certificaccedilatildeo da histoacuteria (SANTOS 2006
p50)
A imagem de Dom Joatildeo VI evocada na exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real ressalta a
personalidade do governante em tom quase pessoal o ldquonosso comum priacutencipe regenterdquo e o
acontecimento ndash a vinda da famiacutelia real ndash tecircm uma dupla face que precisa ser igualmente
contemplada os interesses do Brasil e de Portugal A celebraccedilatildeo eacute justamente deste caraacuteter
insoacutelito do acontecimento As comemoraccedilotildees satildeo segundo o cataacutelogo realizadas no Brasil e em
Portugal
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil
regente de Portugal Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807
Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio - A
Corte Portuguesa no Brasil2008 p18
A gravura de Joatildeo Cardini datada de 1807 traz a inversatildeo da figura de Dom Joatildeo VI
priacutencipe do Brasil e regente de Portugal A pergunta a ser feita diante dessa nova imagem poliacutetica
124
do monarca seria se Portugal teria apoacutes 200 anos algo a comemorar em relaccedilatildeo a esse episoacutedio
de sua histoacuteria poliacutetica
O reconhecimento pelo visitante desse gecircnero de museu como habitaccedilatildeo do patrimocircnio eacute
quase imediata Ainda do lado de fora do preacutedio o visitante legitima o museu como patrimocircnio
A estudante Marly Marques Rodrigues diz em seu relatoacuterio de vista ldquoO preacutedio do Museu
Histoacuterico Nacional eacute considerado um dos mais importantes de seu acervo Remonta ao periacuteodo
em que o Brasil era colocircnia de Portugal e os franceses ainda disputavam com os portugueses a
posse da Baia da Guanabara []rdquo Outra visitante apropriando-se de um trecho de um folheto de
divulgaccedilatildeo do museu destaca as concepccedilotildees da instituiccedilatildeo e suas funccedilotildees no momento da visita
Ao trabalhar com as noccedilotildees de memoacuteria histoacuteria e patrimocircnio cultural de forma luacutedica e
educativa o MHN acredita fazer com que o puacuteblico perceba a importacircncia e o papel dos
museus estreitando assim os laccedilos de identidade e afetividade com as instituiccedilotildees
tornando sua presenccedila mais frequumlente e espontacircnea estimulando entre amigos e
familiares a disseminaccedilatildeo dos museus como agentes de mudanccedila e desenvolvimento
(Michelle Oliveira Xavier Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade
Pedro Leopoldo 2008)
A visitante refere-se a uma meta-linguagem do museu Um discurso luacutedico e educativo
sobre a histoacuteria que justificaria as funccedilotildees museais frente a outras instituiccedilotildees de memoacuteria e
patrimocircnio cultural O museu tenta encantar cada visitante para que haja ressonacircncia67
ou seja
para que o poder do objeto exibido alcance um mundo maior e aleacutem de seus limites formais e seja
capaz de evocar em quem os vecirc as forccedilas culturais complexas e as dinacircmicas das quais emergiu
Em seus materiais de divulgaccedilatildeo o Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado como ldquoum
dos mais importantes museus do Brasil com um acervo de milhares de itensrdquo Ligado ao
Ministeacuterio da Cultura atraveacutes do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do
Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional conta com a museoacuteloga Vera Luacutecia Bottrel Tostes na
direccedilatildeo desde 1994
A ideia de preservaccedilatildeo do patrimocircnio nacional estaacute presente no Museu Histoacuterico Nacional
desde sua fundaccedilatildeo em 1922 A museoacuteloga Vacircnia Oliveira (1998) investiga como o conceito de
museu se modifica internamente na proacutepria documentaccedilatildeo e literatura produzida pelo proacuteprio
museu nacional ao longo de sua existecircncia Primeiro como instituiccedilatildeo de guarda das reliacutequias do
67 Gonccedilalves (2005 p15-36) trabalha com essa dimensatildeo da ressonacircncia para entender os objetos culturais e as
estrateacutegias de autenticaccedilatildeo dos objetos
125
passado nacional cultivando os grandes feitos dos heroacuteis nacionais defendida por Gustavo
Barroso ateacute sua morte em 1959 Na deacutecada seguinte a visatildeo de Gustavo Barroso co ntinua sendo
aceita na praacutetica do Museu Nacional o local continua a abrigar objetos ligados aos grandes vultos
da histoacuteria Entre 1979-1992 data limite do estudo da pesquisadora as ideias de museu na
documentaccedilatildeo e no discurso literaacuterio satildeo variadas Uma das referecircncias eacute o movimento da Nova
Museologia que chega ao puacuteblico pela Mesa-Redonda de Santiago organizada pelo ICOM e
referendada em 1984 pela Declaraccedilatildeo do Canadaacute mas que natildeo eacute aceita por todo o campo museal
No Museu Histoacuterico Nacional efetiva-se o peso da tradiccedilatildeo histoacuterica Os objetos tecircm valor
histoacuterico por terem interesse para uma histoacuteria nacional e sua aprendizagem Satildeo reliacutequias raras e
autecircnticas objetos comuns ligados a grandes vultos poliacuteticos e militares que devem ser
recolhidos colecionados e expostos A noccedilatildeo de patrimocircnio atribui uma dimensatildeo quase maacutegica
aos objetos fazendo-os transcender no tempo (CHOAY 2006 p93)
A noccedilatildeo de patrimocircnio ampliada apoacutes a Revoluccedilatildeo Francesa possui sentido de
homogeneizaccedilatildeo de valores Natildeo basta colecionar bens o museu se atribui a funccedilatildeo de servir de
instruccedilatildeo agrave naccedilatildeo reunindo objetos que ensinam o civismo a histoacuteria e outras competecircncias
teacutecnicas Segundo Choay (2006 p 95) museu eacute o nome que se daacute aos depoacutesitos de bens
nacionalizados na Revoluccedilatildeo Francesa e guardam relaccedilatildeo direta com o estabelecimento da
instruccedilatildeo puacuteblica
Para a definiccedilatildeo de patrimocircnio histoacuterico contribuem as motivaccedilotildees de conservaccedilatildeo de
bens condenados o interesse para a histoacuteria a beleza do trabalho e o valor pedagoacutegico Essas
motivaccedilotildees e interesses constituem um valor nacional (educativo) que desencadeiam valores
relativos a conhecimentos especiacuteficos e gerais satildeo testemunhos da histoacuteria permitem construir
uma multiplicidade
Franccediloise Choay (2006) desenvolve um argumento pertinente para se pensar o tipo de
exposiccedilatildeo proposta pelo Museu Histoacuterico Nacional Ao discutir as relaccedilotildees entre os humanismos
e o monumento antigo a autora lanccedila a questatildeo de como eacute um olhar preservador para um objeto
do passado (arte monumento) e como reconhecer esses objetos do passado como monumentos
histoacutericos Para Choay (2006 p34) a apropriaccedilatildeo natildeo eacute um processo de reflexatildeo ou cogniccedilatildeo eacute
um novo valor de uso na vida domeacutestica Os objetos de antiguidade satildeo usados para decoraccedilatildeo
126
das casas preacutedios puacuteblicos e privados os novos valores satildeo atribuiacutedos agrave praacutetica de colecionar tais
objetos prestiacutegio lucro jogo e natildeo simplesmente agrave experiecircncia de beleza (prazer da arte)
O surgimento do chamado monumento histoacuterico se deu em relaccedilatildeo agrave Roma nos seacuteculos
XIV-XV propiciado pelo distanciamento do passado apoiado no projeto de preservaccedilatildeo medieval
Satildeo consideradas atitudes de preservaccedilatildeo a economia e o interesse em reutilizar os edifiacutecios Haacute
tambeacutem um saber literaacuterio que cria uma sensibilidade pelos materiais execuccedilatildeo descriccedilatildeo de
cenas antigas paineacuteis de altares e a admiraccedilatildeo pelo trabalho maravilhoso e a suntuosidade
esteacutetica O valor do patrimocircnio estaacute associado ao maacutegico agrave curiosidade prazer aos olhos Natildeo
tem propriamente um valor histoacuterico eacute modelo para suscitar uma arte de viver e refinamento que
soacute os gregos possuiacuteam (CHOAY 2006 p34-35)
Jaacute os humanistas tomam o patrimocircnio como referente para a interpretaccedilatildeo e estabelecem
condutas relativas agrave heranccedila (legado da antiguidade greco-romana) Ao assumirem uma
perspectiva da alteridade (noacutes somos diferentes deles) os humanistas criam uma distacircncia
simboacutelica Para os humanistas os monumentos da antiguidade vatildeo incorporando as marcas de sua
reutilizaccedilatildeo e a ideacuteia de preservaccedilatildeo comporta novos usos como o deslocamento das colunas de
maacutermore de Roma e a reserva de fragmentos antigos colecionados pelos papas
Nesse movimento do seacuteculo XVIII as medidas de conveniecircncia e interesse histoacuterico
passam a afirmar uma identidade por meio dos monumentos Os tipos de monumentos evocam a
estrutura da vida cotidiana e lanccedilam a memoacuteria para um passado temporal glorioso Essa seria
para Choay a primeira fase do monumento entendido como ldquoantiguidaderdquo e que lanccedila uma
presenccedila visual e uma profunda alteridade com a distacircncia histoacuterica concentrado nas obras e
edifiacutecios da antiguidade do quatrocento
O monumento eacute o sujeito da alegoria do patrimocircnio Ele tem valor de autenticidade
(confirmado pelos livros) eacute testemunho do passado que se consumou eacute arrancado do presente
que o banaliza para fazer a gloacuteria dos seacuteculos que o edificaram Satildeo os humanistas e artiacutefices que
juntos contribuem para a criaccedilatildeo do sentido moderno de patrimocircnio cultural entendido como
heranccedila dos antecessores e legado aos sucessores68
Segundo Choay (2006 p49) os letrados
faziam visitas a Roma mas natildeo lhes interessava os monumentos em si Eles iriam evocar e
68 Gonzalez (2004 p 66) diferencia a concepccedilatildeo francesa da concepccedilatildeo inglesa na formaccedilatildeo do conceito de
patrimocircnio cultural
127
invocar os testemunhos do mundo da escrita suas preocupaccedilotildees eram filosoacuteficas literaacuterias
morais poliacuteticas histoacutericas e natildeo pela forma dos edifiacutecios Jaacute os artiacutefices (homens da arte)
arquitetos e escultores se interessavam propriamente pelas formas dos monumentos
Letrados e artiacutefices do seacuteculo XIV surgem com os amantes e colecionadores da arte antiga
no sentido moderno Os humanistas ensinam a ler e os artiacutefices a ldquover com os olhosrdquo Essa
impregnaccedilatildeo muacutetua marca o territoacuterio da arte articulando-o com a histoacuteria para formar o
monumento histoacuterico Uma vez instituiacutedo o monumento o conhecimento histoacuterico passa a ser o
uacutenico necessaacuterio na compreensatildeo das antiguidades natildeo eacute necessaacuterio mais um julgamento esteacutetico
(CHOAY 2006 p50)
No seacuteculo XIV o monumento histoacuterico soacute pode ser antigo e a arte soacute pode ser antiga ou
contemporacircnea A galeria como espaccedilo fiacutesico de exposiccedilatildeo soacute aparece no seacuteculo XVI A coleccedilatildeo
de arte vai se diferenciando da sala de curiosidades e precede o Museu De caraacuteter privado ela
oferece o exemplo da abertura pela primeira vez ao puacuteblico das coleccedilotildees pontificiais do capitoacutelio
(CHOAY 2006 p50-52)
Pomian (1978 p51) distingue as coleccedilotildees e colecionadores de antiguidades do
quatrocento dos gabinetes de curiosidade (museum de natureza e humanos) da Idade Meacutedia que
sobreviveriam ateacute o Iluminismo A tarefa inicial de preservaccedilatildeo cabia aos papas assim como as
medidas de restauraccedilatildeo proteccedilatildeo e as regras de expropriaccedilatildeo para utilidade puacuteblica Um
monumento histoacuterico ateacute o seacuteculo XIV era constituiacutedo de trecircs discursos perspectiva histoacuterica
perspectiva artiacutestica e outra da conservaccedilatildeo A ambiguumlidade do discurso de conservaccedilatildeo segundo
Pomian eacute ldquotranquumlilizar a consciecircncia e justificar a demoliccedilatildeo realrdquo (POMIAN 1978 p51-86)
A discussatildeo sobre a invenccedilatildeo do monumento histoacuterico e da noccedilatildeo de patrimocircnio tem um
encaminhamento distinto segundo Franccediloise Choay (2006 p144) que pode ser visto em duas
alegorias advindas da ambiguumlidade que ela apontara anteriormente no discurso de conservaccedilatildeo
tranquumlilizar a consciecircncia e justificar a destruiccedilatildeo efetiva A partir do seacuteculo XIX a noccedilatildeo de
patrimocircnio vai comportar trecircs abordagens o monumento histoacuterico a cidade histoacuterica e o museu
histoacuterico As trecircs abordagens vatildeo se desdobrar em figuras distintas Primeiro a figura memorial
que envolve toda a malha do patrimocircnio intangiacutevel a ser protegido Segundo a figura de toda a
cidade como desempenhando o papel de monumento capaz de dar liccedilotildees contra o esquecimento
E terceiro a figura museal uma figura histoacuterica que se destaca pela resposta que eacute capaz de dar
128
ao problema do patrimocircnio No museu e natildeo apenas nele se faz presente a figura museal que
reuacutene um caraacuteter conservador e outro destruidor
A figura museal ameaccedilada de desaparecimento eacute concebida como um objeto raro
fraacutegil precioso para arte e para a histoacuteria e que como as obras conservadas nos museus
deve ser colocada fora do circuito da vida Tornando-se histoacuterica ela perde sua
historicidade (CHOAY 2006 p191)
Choay (2006) aponta que a funccedilatildeo museal natildeo se daacute apenas nos museus O ato de isolar
fragmentos e colocaacute-los lado a lado protegendo o original eacute que os transforma em objetos de
museu Retira-lhes o valor de uso para lhes conferir o valor histoacuterico (museal) Eacute esse valor
histoacuterico que os visitantes reconhecem nos objetos pelo fato de serem expostos em um museu Os
museus satildeo visitados como monumentos como patrimocircnio ou seja como objetos natildeo
consumiacuteveis embora seja reconhecido o seu caraacuteter de produto cultural numa economia de bens
simboacutelicos O museu passa de templo da arte como era o British Museum no seacuteculo XIX para
um museu capaz de proteger todo o patrimocircnio mundial e cultural na Convenccedilatildeo da Unesco de
1972 (CHOAY 206 p216) O proacuteprio museu passa a ser considerado um dos dispositivos do
culto ao patrimocircnio ou uma museificaccedilatildeo de amplos campos e tipos de atividades humanas O
museu que era uma instituiccedilatildeo tornou-se uma mentalidade (CHOAY 2006 p247) e ampliou
seu poder didaacutetico e sua capacidade de
edificar ou captar a duraccedilatildeo e de abrigar o espaccedilo e retardar aiacute seu desdobramento
orientando-o para o sentido o mais capaz de servir de iniciaccedilatildeo agrave alteridade humana o
mais temiacutevel tambeacutem que aprisiona ou liberta e cujo poder criador soacute pode ser
experimentado quando se entrega a ele de forma indissociaacutevel a inteligecircncia e o corpo
(CHOAY 2006 p254)
Natildeo haacute como esperar de um museu histoacuterico uma postura reflexiva e retrospectiva quando
trabalha com a memoacuteria Diferente das perguntas que orientam a escrita da historia pelos
historiadores o discurso do museu mesmo elaborado por especialistas e dentre eles
historiadores renomados natildeo faz a interdiccedilatildeo dos sentimentos morais da reverecircncia e o respeito
ao valor sagrado do passado O museu se coloca no lugar do memorial conservando o culto aos
monumentos do passado situado no presente tem por funccedilatildeo continuar a mobilizar a memoacuteria e
deliberadamente lutar contra a praacutetica do esquecimento promovendo uma co-habitaccedilatildeo
institucionalizada para o patrimocircnio Ao estabelecer um plano de visitas o museu eacute expliacutecito em
129
relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo de proteccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do patrimocircnio Resguardar tornar intocaacuteveis
manter fora do alcance em aacutereas protegidas o culto do patrimocircnio No museu ldquoo visitante estaacute
condenado ao percurso arrastado numa marcha que catapulta as imagens das obras umas sobre as
outras para finalmente quebraacute-las em mil fragmentos (CHOAY 2006 p217)
Haacute no Museu Histoacuterico Nacional uma dimensatildeo que fixa e estabiliza uma determinada
visatildeo da histoacuteria poliacutetica que produz e reproduz hierarquias sociais ideologias e assume um papel
na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo criando legitimidades sociais (ANDERSON 2008
p 208)
Acredito que o Museu Histoacuterico Nacional como instituiccedilatildeo carrega como legado o
sentido poliacutetico de museu moderno tal como definido por Benedict Anderson (2008 p268) Eacute um
museu que se constitui primeiramente como Museu Real e depois como Museu Nacional e hoje
passa pela revisatildeo de seu caraacuteter ldquonacionalistardquo frente agraves novas demandas por representaccedilatildeo de
identidades raciais eacutetnicas de gecircnero e multiculturais69
Ligado diretamente ao Estado o MHN produz materiais e disponibiliza imagens que satildeo
reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de modo que a
musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade nacional70
O Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional publicado em 195771
quando Gustavo
Barroso ainda era seu diretor traz ao puacuteblico as dimensotildees do museu para a eacutepoca Do ponto de
vista do espaccedilo fiacutesico o museu ocupava inicialmente duas salas que davam para a entrada
principal chamada Portatildeo da Minerva (Figura 30) Depois da exposiccedilatildeo de 1922 passou para a
Casa do Trem e outra ala do edifiacutecio Agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo do Guia do Visitante ocupava mais
de quarenta salas galerias escadarias vestiacutebulos arcadas e paacutetios o que natildeo possibilitava exibir
todo o acervo
69 O proacuteprio MHN realiza desde 1990 o projeto Espaccedilo Museu ndash Construccedilatildeo do Saber iniciado pelos museoacutelogos
Mario de Souza Chagas e Ruth Beatriz Silva Caldeira de Andrada voltado para professores e outros profissionais
que procuram o setor educativo do Museu Ver Rodrigues e Gouveia (2006) 70 Santos (2006) analisa a loacutegica expositiva do Museu Histoacuterico Nacional desde sua fundaccedilatildeo em 1922 ateacute a deacutecada
de 1980 e estabelece uma ldquotipologiardquo que o caracteriza sob a gestatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959) como um
museu-memoacuteria entre as deacutecadas de 1960 e 1970 como um museu-narrativa e a exposiccedilatildeo instalada nos anos de
1980 como um museu-siacutentese 71 Santos (2006) e Chagas (2003) realizam importantes anaacutelises sobre o MHN e seu fundador Gustavo Barroso A
escolha do Guia de 1957como referecircncia para anaacutelise tem por objetivo fazer um contraponto entre o Museu deixado
por Barroso (1959) e o visitado em 2008
130
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional
Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da
Minerva Entrada do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da
Cultura IPHAN Guia do Visitante sd
131
O Museu no Guia do Visitante de 1957 jaacute definia que sua funccedilatildeo natildeo era apenas a de
mostruaacuterio de objetos histoacutericos mas tambeacutem de pesquisa em colaboraccedilatildeo com instituiccedilotildees de
cultura imprensa raacutedio cinema e teatro Os ldquoAnais do Museu Histoacuterico Nacionalrdquo72
eram a
traduccedilatildeo desse esforccedilo dos pesquisadores do museu O Museu se apresenta como um estudioso da
histoacuteria em relaccedilatildeo a um puacuteblico que deseja documentar com filmes e peccedilas de fundo histoacuterico O
Museu oferece nesses casos cenaacuterios indumentaacuteria caracterizaccedilatildeo de personagens tradicionais
costumes e ateacute composiccedilatildeo de diaacutelogos
Para a imprensa fornece fotografias objetos e informaccedilotildees de pessoas O museu tambeacutem
oferece curso desde 1932 para preparar teacutecnicos de museus e gabinetes de restauraccedilatildeo de quadros
e objetos de arte Formou um arquivo histoacuterico com fotografias e documentos e uma biblioteca
especializada (GUIA 1957 p13)
Myriam Sepuacutelveda Santos (2006) busca compreender a concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoembutidardquo
nas propostas de Gustavo Barroso e suas afinidades com a histoacuteria trabalhada atualmente no
MHN Para a autora a histoacuteria apresentada e trabalhada pelo MHN na gestatildeo de Barroso era
vinculada agrave questatildeo da ldquonacionalidaderdquo e ao ldquoculto da saudaderdquo entendido como uma perspectiva
de manter viva a tradiccedilatildeo com uma metodologia memorialiacutestica e uma concepccedilatildeo de tempo
descontiacutenuo ignorando as tendecircncias de uma histoacuteria mais atual (SANTOS 2006 p35-6)
O proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional reconhece que a partir da deacutecada de 1960 essa
concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoanacrocircnicardquo levara a uma crise institucional e o afastamento do MHN com
relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo cultural intelectual e artiacutestica (SANTOS 2006 p55) Assim passa a
empreender diversas accedilotildees como a realizaccedilatildeo de Seminaacuterios Internacionais a partir de 1997 e a
proposiccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave ldquocomunicaccedilatildeordquo e ldquoeducaccedilatildeordquo para um puacuteblico mais amplo
notadamente o puacuteblico escolar visando agrave construccedilatildeo da nacionalidade
Trazer o Guia do Visitante de 1957 para a discussatildeo eacute uma espeacutecie de provocaccedilatildeo Uma
revisatildeo na forma de exposiccedilatildeo mudaria a concepccedilatildeo de histoacuteria do museu Essa questatildeo cabe
tambeacutem em relaccedilatildeo ao Museu do Escravo Em que medida uma nova museografia eacute suficiente
para introduzir outras concepccedilotildees de histoacuteria nos museus
72 Myrian Sepuacutelveda Santos (2006 p50-1) indica que O MHN contribui para o estabelecimento de padrotildees de
pesquisa com base em criteacuterios arqueoloacutegicos e filoloacutegicos de documentos e manuscritos que ajudam a consolidar a
ldquomoderna histoacuteriardquo e a diferenciaacute-la dos antigos antiquaacuterios Os Anais do MHN e o Curso de Museus satildeo destaques
dessa poliacutetica da instituiccedilatildeo sob a direccedilatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959)
132
Eacute importante destacar esse aspecto da conservaccedilatildeo do acervo pois no Guia do Visitante
de 1957 a Sala Brasil-Portugal guardava as louccedilas pertencentes a D Joatildeo VI Nas paredes da
sala Brasil-Portugal vecirc-se a evoluccedilatildeo das armas nacionais nos periacuteodos monaacuterquicos nas da Sala
dos Vice-Reis os escudos heraacuteldicos dos quinze Vice-Reis do Estado do Brasil Essa disposiccedilatildeo
dos objetos natildeo existe mais mas o lugar reservado agrave figura de Dom Joatildeo VI jaacute estava
estabelecido definitivamente no Museu Histoacuterico Nacional
A entrada pelo ldquoPortatildeo da Minervardquo jaacute levava a um paacutetio com vaacuterios ldquovultos histoacutericosrdquo
sob as arcadas A primeira dependecircncia a ser visitada eacute chamada de ldquoArcada dos Descobridoresrdquo
Nela estatildeo ldquovultosrdquo que caracterizavam as ldquoeacutepocas e atividades principais da civilizaccedilatildeo
brasileirardquo Nas paredes os brasotildees de D Manuel o Venturoso Pedro Aacutelvares Cabral Pero Vaz
de Caminha e os capitatildees da armada que descobriu o Brasil (GUIA 1957 p17) Para completar o
cenaacuterio e o simbolismo da unidade Brasil e Portugal duas palmeiras imperais plantadas em 1955
a da direita com a terra de todos os Estados e territoacuterios do Brasil e aacutegua do rio S
Francisco pelo presidente Joatildeo Cafeacute Filho a da esquerda com a terra de Portugal areia
da praia de Porto Seguro e aacutegua do Tejo pelo Embaixador portuguecircs Antocircnio de Faria
(GUIA 1957 p20-1)
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico
Nacional
133
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
O conceito de evidecircncia material trabalhado pelo museu natildeo eacute o mesmo utilizado pela
historiografia Enquanto no museu a exposiccedilatildeo visa ldquoilustrarrdquo uma interpretaccedilatildeo historiograacutefica
gerada em outros lugares (textos ensaios livros) a historiografia trata a cultura material como
fonte de pesquisa
Do ponto de vista dos visitantes a funccedilatildeo do acervo natildeo eacute documental e ao mesmo tempo
jaacute eacute uma versatildeo da histoacuteria A forma de apresentaccedilatildeo dos objetos ainda daacute o status de
testemunhos mostrando a importacircncia da materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das
narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma de reunir um acervo que natildeo pertence ao museu
lhe confere maior poder de criar visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Michele Oliveira Xavier que reuacutene novamente o acervo
do museu apoacutes sua visita Ela recria seu percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em
uma nova exposiccedilatildeo
134
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
O percurso da visitante pelo Museu Histoacuterico Nacional cria uma nova coleccedilatildeo agora
pertencente agrave estudante Reunidos em um novo museu imaginaacuterio figuram escadaria de acesso ao
andar superior com a escultura equumlestre de Dom Pedro II de Francisco Manoel Chaves Pinheiro
um veiacuteculo de transporte de traccedilatildeo animal que faz parte da exposiccedilatildeo permanente desde 1925 e
hoje intitulada do ldquoDo moacutevel ao automoacutevel transitando pela histoacuteriardquo dois detalhes da exposiccedilatildeo
que foi visitada pelo grupo uma pena e uma coroa de ouro
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros
A Histoacuteria como disciplina acadecircmica entende e faz uso dos museus para desenvolver
pesquisas sobre a cultura material (arqueologia etnografia histoacuteria da arte) que soacute satildeo possiacuteveis
com pesquisa de campo e consulta a documentaccedilatildeo visual (fotos pinturas objetos
tridimensionais) e coleccedilotildees abrigadas nos museus (SUANO 1986 p75)
A historiografia contemporacircnea tem mostrado interesse pelo tema do patrimocircnio da
memoacuteria e dos museus Principalmente pelas relaccedilotildees entre os museus a naccedilatildeo e a histoacuteria-
135
memoacuteria nacional Dominique Poulot (2011) Pierre Nora (1982 1994) mudam o enfoque em
relaccedilatildeo agrave histoacuteria e as formas de estudar os museus relacionando as instituicotildees culturais com as
estruturas sociais que lhes deram origem e com seu caraacuteter instrumental em relaccedilatildeo aos poderes
constituiacutedos (BREFE 1998 p88)
A exposiccedilatildeo museal passa a ser vista como o principal meio pelo qual o passado eacute
publicado e apresentado A funccedilatildeo central dos museus eacute oferecer aos olhos do puacuteblico uma seacuterie
de procedimentos que pretendem falar diretamente ao visitante usando recursos que podem ser
chamados de ldquoembalagemrdquo dos objetos um cenaacuterio ou cena iluminaccedilatildeo embelezamento
midiaacutetico e escolhas de aspectos pitorescos ou estereoacutetipos (CHOAY 2006 p240)
Os museus tambeacutem procuram valorizar as informaccedilotildees trazidas pelos objetos (obras)
inaugurando uma criacutetica fundada na experiecircncia visual e na apreensatildeo direta das obras e natildeo mais
na leitura de textos Antes mesmo do conteuacutedo de cada exposiccedilatildeo e das particularidades do
acervo de cada instituiccedilatildeo haacute a reivindicaccedilatildeo do museu por tornar puacuteblica uma determinada
coleccedilatildeo e a preservaacute-la
Se haacute uma praacutetica patrimonial por parte dos museus e no caso do Museu Histoacuterico
Nacional essa praacutetica se refere a uma ldquorememoraccedilatildeordquo dos acontecimentos fundadores da naccedilatildeo de
modo a invocar o passado como forma de manter e preservar a identidade de uma comunidade
nacional o museu se coloca como capaz de desenvolver uma grande narrativa nacional
O Museu Histoacuterico Nacional cria formas simboacutelicas dentro de regras mais amplas de
codificaccedilatildeo da linguagem museoloacutegica Isso pode ser explorado tanto no relato escrito pelos
visitantes e em suas fotografias quanto nos impressos produzidos pelo proacuteprio museu voltados a
diferentes puacuteblicos como o cataacutelogo da exposiccedilatildeo e o material educativo voltado agrave comunidade
escolar
O MHN natildeo poderia ficar de fora dos festejos de ldquoum grande acontecimento que marcou a
histoacuteria do Brasilrdquo Festejar as datas nacionais faz parte da agenda do Museu As escolas podem
agendar e fazer visitas especiacuteficas nestas ocasiotildees Aleacutem de ter um acervo o museu nacional tem
por missatildeo dar a conhecer a Histoacuteria do Brasil O MHN fala portanto desse lugar conceituado e
de culto agrave memoacuteria de transmissatildeo agraves novas geraccedilotildees do legado dos antepassados Tambeacutem aqui
entra uma avaliaccedilatildeo do Museu sobre o que guardar preservar e expor satildeo obras raras ineacuteditas
136
originais nunca reunidas ou vistas Soacute um grande Museu pode reunir esse conjunto realizar esse
feito
A narrativa do Museu Histoacuterico Nacional fica mais expliacutecita quando se percebe que essas
comemoraccedilotildees ocorreram de forma mais enfaacutetica no Rio de Janeiro e satildeo divulgadas por
emissora de televisatildeo de projeccedilatildeo nacional dando ecircnfase ao fato de que a vinda da Corte
portuguesa transforma ldquoa nossa cidaderdquo segundo o material educativo em Capital do Impeacuterio
Luso projetando imagens de desenvolvimento econocircmico e poliacutetico comuns na historiografia
brasileira ao longo dos seacuteculos XIX e XX
O esforccedilo do prefeito do Rio de Janeiro empresas privadas e autoridades portuguesas para
criar esse evento cercado de discursos nacionalistas e patrioacuteticos culmina no estabelecimento de
uma comissatildeo oficial para as Comemoraccedilotildees da Chegada de D Joatildeo e da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro que teve por coordenador Alberto da Costa e Silva e contou com a consultoria de Liacutelia
Schwarcz que elaborou um Calendaacuterio das Comemoraccedilotildees marcado por exposiccedilotildees debates
apresentaccedilotildees musicais publicaccedilotildees entre outubro de 2007 a dezembro de 2008 A exposiccedilatildeo do
Museu Histoacuterico Nacional eacute considerada como
a uacutenica exposiccedilatildeo prevista na agenda de eventos do Rio de Janeiro que enfatizaraacute os
aspectos econocircmicos poliacuteticos e culturais da vinda da famiacutelia real portuguesa dando a oportunidade aos brasileiros de conhecerem melhor o contexto histoacuterico que cercou D
Joatildeo VI o primeiro monarca europeu a atravessar o oceano Atlacircntico e o responsaacutevel
pelo estabelecimento da sede do maior impeacuterio das Ameacutericas entrelaccedilando para sempre
a histoacuteria do Brasil e de Portugal (ltwwwriorjgovbrculturasgt Acesso em maio de
2008)
Eacute possiacutevel explorar um pouco mais a ideia de circuito da cultura a partir dos dispositivos
visuais e narrativos propostos pelo Museu Histoacuterico Nacional na exposiccedilatildeo comemorativa dos
duzentos anos da vinda da Famiacutelia Real ao Brasil apresentada no Rio de Janeiro em 2008
Enquanto a visatildeo de histoacuteria apresentada pelo museu implica em ldquocelebrarrdquo no sentido de
ter veneraccedilatildeo pelo passado ou tradiccedilatildeo agrave medida que a cultura eacute exposta ela eacute revestida de outros
sentidos menos transcendentes O visitante resiste culturalmente e estabelece uma distacircncia que o
diferencia do que o museu e sua exposiccedilatildeo estatildeo propondo Ainda que haja um efeito de
encantamento ele natildeo chega a bloquear as imagens circundantes e silenciar tudo em volta do
objeto Os visitantes reconhecem que o museu promove uma das exposiccedilotildees mais importantes
137
sobre a eacutepoca da corte no Brasil que seu acervo eacute enorme mas natildeo deixam de observar a falta de
um tema
Percebi ali uma idealizaccedilatildeo de padratildeo de vida e uma inibiccedilatildeo sobre um tema que
predominava durante todo o seacuteculo XIX a escravidatildeo Natildeo vimos pela cidade sequer
vestiacutegios de que ali viviam em maior porcentagem a populaccedilatildeo escrava que trabalhava
para a coroa Uma espetacularizaccedilatildeo da cultura onde monumentos e documentos ganham valor extraordinaacuterio e perdem muitas vezes em se mostrar o valor real daqueles objetos
principalmente no Museu Histoacuterico Nacional (Priscila Braga Gonccedilalves Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A estudante analisa a exposiccedilatildeo comemorativa do Museu Histoacuterico Nacional a partir de
sua formaccedilatildeo histoacuterica Faz uma criacutetica historiograacutefica e cultural Ela identifica um excesso e
uma falta na abordagem do museu Sobra encenaccedilatildeo e falta um conteuacutedo agraves comemoraccedilotildees da
vinda da famiacutelia real Eacute uma criacutetica que tem por fundamento o que a visitante jaacute estudou sobre a
historiografia brasileira A criacutetica a espetacularizaccedilatildeo da cultura eacute marcada pela forma como o
museu trabalha com os objetos O museu transforma os documentos em monumentos ao atribuir-
lhes um valor extraordinaacuterio ou seja de raridade de curiosidade e natildeo de vestiacutegios ou
testemunhos A histoacuteria do Brasil apresentada pelo Museu Histoacuterico Nacional eacute uma versatildeo
idealizada e excludente em relaccedilatildeo a outras versotildees historiograacuteficas
Embora a ideacuteia de Naccedilatildeo natildeo apareccedila de forma expliacutecita no tiacutetulo da exposiccedilatildeo eacute em torno
desse conceito que se organiza toda a loacutegica do Museu Histoacuterico Nacional73
O Museu Histoacuterico
Nacional continua promovendo comemoraccedilotildees e de certa forma manteacutem viva a tradiccedilatildeo de
transmutaccedilatildeo da memoacuteria coletiva em memoacuteria histoacuterica ao proteger a ldquoheranccedila monumental da
naccedilatildeordquo O museu faz uma revisatildeo dos heroacuteis e aplica uma nova camada de sentido ou valor ao
passado Os valores nacionais introduzidos no presente pelo museu funcionam como uma
pedagogia do civismo uma memoacuteria histoacuterica que eacute mobilizada pelo sentimento de
pertencimento ao nacional um laccedilo com o passado e com a identidade (referecircncia)
Do ponto de vista do museu a exposiccedilatildeo eacute celebrativa mas o poder de escrever a histoacuteria
com objetos soacute se efetiva se as portas do museu estiverem abertas agrave aprendizagem e agraves posturas
investigativas em relaccedilatildeo agraves atitudes do proacuteprio museu no tratamento dos temas da memoacuteria e do
patrimocircnio
73 Bittencourt (2003 p156-7) chama a atenccedilatildeo para a constituiccedilatildeo de outros tipos de museus de histoacuteria nacional
vinculados ao Estado mas voltados para as coisas do ldquopovordquo e da ldquoculturardquo
138
A primeira atitude do grupo de estudantes de graduaccedilatildeo em Histoacuteria em visita agraves
exposiccedilotildees em comemoraccedilatildeo aos duzentos anos da Vinda da Famiacutelia Real Portuguesa ao Brasil eacute
avaliar como o museu apresenta os objetos A trilha deixada pelo museu nos visitantes eacute em um
primeiro plano a aceitaccedilatildeo dos paracircmetros elaborados pela exposiccedilatildeo Entretanto muitos
visitantes fazem ressoar a ideia do museu como aquele que escreve a histoacuteria com os objetos de
seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A novidade na observaccedilatildeo da estudante eacute a criaccedilatildeo de uma referecircncia de identidade
profissional do grupo de visitantes ldquonoacutes historiadoresrdquo O uso do museu histoacuterico eacute pelo que ele
traz de objetos A organizaccedilatildeo a classificaccedilatildeo pode ser feita pelos visitantes que entendem como
funciona a montagem e desmontagem de exposiccedilotildees e podem usar livremente de criteacuterios
diferentes daqueles adotados pelo museu
A concepccedilatildeo de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional estaacute materializada nos
objetos selecionados e dispostos nas exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias Na visita agrave exposiccedilatildeo
comemorativa da vinda da corte portuguesa observa-se que existem acontecimentos fundamentais
na formaccedilatildeo da sociedade brasileira e eles estatildeo estabelecidos pelo Museu como marcos
cronoloacutegicos 1808-1822
A concepccedilatildeo de uma histoacuteria integrada ou ldquomomentos simboacutelicos comuns da histoacuteria do
Brasil e de Portugalrdquo (TOSTES 2000 p7) jaacute vinha sendo trabalhada pelo MHN e foi
apresentada tanto no ldquoSeminaacuterio Internacional D Joatildeo VI um rei aclamado na Ameacutericardquo
realizado em 2000 quanto em duas outras exposiccedilotildees realizadas nas dependecircncias do MHN
como parte das comemoraccedilotildees dos descobrimentos portugueses
A demanda por ldquorememoraccedilatildeordquo desta histoacuteria poliacutetica eacute parte desta visatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Haacute por parte do Museu um reforccedilo da identidade nacional em detrimento de
outras demandas por valorizaccedilatildeo de um patrimocircnio cultural local e regional Esta visatildeo
integradora da cultura presente no Museu Histoacuterico Nacional contrasta com as orientaccedilotildees da
139
Poliacutetica Nacional de Museus de 2003 que define o papel dos museus como ldquodispositivo
estrateacutegico de aprimoramento dos processos democraacuteticosrdquo e a ldquonoccedilatildeo de patrimocircnio cultural do
ponto de vista museoloacutegicordquo implica na ldquorelaccedilatildeo dos diferentes grupos sociais e eacutetnicos com os
diversos elementos da natureza bem como a respeito das culturas indiacutegenas e afrodescendentesrdquo
(BRASIL 2003 p 8)
Reginaldo Santos Gonccedilalves em prefaacutecio ao livro de Myriam Sepuacutelveda dos Santos
(2006) defende que o museu pode ser pensado como um ldquosistema mais ou menos coerente de
relaccedilotildees sociais e culturais variando no tempo e no espaccedilordquo Os museus satildeo como teias de
pensamento nas quais as instituiccedilotildees satildeo discursivamente articuladas As categorias de
pensamento como histoacuteria naccedilatildeo memoacuteria e passado satildeo articuladas em linguagens
museoloacutegicas tipos de objetos materiais formas de colecionismo classificaccedilatildeo e exibiccedilatildeo que
circulam aleacutem dos muros e tem efeitos no cotidiano dos cidadatildeos (GONCcedilALVES apud
SANTOS 2006 p3-4)
O papel formador dos museus eacute dado por esse seu caraacuteter de impor uma determinada
ordem sobre os objetos materiais mediado por categoriais disciplinares da histoacuteria e constituir
uma escrita museoloacutegica No caso do Museu Histoacuterico Nacional Myriam Sepuacutelveda dos Santos
distingue um museu-memoacuteria nos primeiros anos de existecircncia do MHN e um museu-narrativa a
partir dos anos de 1980
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo74
tambeacutem apresenta os objetos histoacutericos pelo fato de que teriam
pertencido a vultos poliacuteticos retratos armas armaduras tronos moacuteveis moedas medalhas A
proposta de exposiccedilatildeo em 2008 pelo MHN se pauta por estes objetos pois no primeiro cataacutelogo
publicado pela instituiccedilatildeo em 1924 jaacute constavam as salas dos Tronos e do Cetro com ldquograndes
peccedilas de mobiliaacuterio pertencentes ao rei D Joatildeo VIrdquo (BITTENCOURT 2003 p158)
Uma exposiccedilatildeo museal em geral tem um custo financeiro e operacional significativo e eacute
viabilizada com parcerias de diversas instituiccedilotildees que contribuem para realizaccedilatildeo do evento O
cataacutelogo da exposiccedilatildeo comemorativa aos duzentos anos da Vinda da Corte Portuguesa ao Brasil
intitulada Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
realizada pelo Museu Histoacuterico Nacional em sua sede no Rio de Janeiro em 2008 registra
74 Os estudantes natildeo tiveram acesso a esse cataacutelogo Ele foi adquirido em momento posterior agrave visita presencial ao
museu
140
agradecimentos a museus de Portugal agrave Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian a bancos a banqueiros e
a instituiccedilotildees de patrimocircnio ligadas ao Ministeacuterio da Cultura do governo brasileiro como o
IPHAN
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo
Mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo traz os textos dos organizadores e suas intenccedilotildees Nenhuma
comemoraccedilatildeo passa incoacutelume pela disputa poliacutetica por memoacuterias e narrativas E esta tensatildeo pode
ser vista jaacute no texto de apresentaccedilatildeo do cataacutelogo intitulado Palavras preacutevias Nele o entatildeo
ministro de Estado da Cultura o muacutesico Gilberto Passos Gil Moreira abre oficialmente a mostra
do Museu Histoacuterico Nacional reconhecendo a vinda da famiacutelia real portuguesa em 1808 como
um evento fundador da ldquoidentidade nacionalrdquo e da ldquonaccedilatildeordquo Entretanto aos olhos do ministro a
chegada da corte eacute uma heranccedila cheia de ldquodor da colonizaccedilatildeo e perversa submissatildeo dos
afrodescendentesrdquo Em seguida volta a reconhecer que essa mesma cultura europeacuteia ou
portuguesa que aqui chegou permitiu que o Brasil se tornasse uma ldquoimensa paacutetria caldeiratildeo para
todas as culturas e berccedilo mesticcedilo de uma nova civilizaccedilatildeo ainda em processordquo
O ministro de um lado parece criticar a ldquogrande narrativa da naccedilatildeordquo que eacute excludente
com os afrodescendentes mas de outro lado conecta a narrativa proposta pelo Museu Histoacuterico
141
Nacional ao sentido que lhe atribui Anderson (2008) como parte da construccedilatildeo de uma
ldquocomunidade imaginadardquo da qual todos fazem parte
Gilberto Gil atribui ao evento comemorado um caraacuteter histoacuterico fundador da
nacionalidade Eacute a vinda da famiacutelia real que daacute iniacutecio e cria uma linha de continuidade um
sentido duradouro de ldquodestino nacionalrdquo que preacute existe e continuaraacute existindo apoacutes a morte dos
sujeitos concretos que dele participaram Em seguida o ministro interpreta a tradiccedilatildeo ou a
heranccedila que nos prende a este passado como uma continuidade poliacutetica uma cultura de longa
duraccedilatildeo da qual ldquoprecisa-serdquo no sentido de Fernando Pessoa (navegar eacute preciso) voltar sempre e
fazer referecircncia jaacute que se constitui como a origem da naccedilatildeo
O Brasil concebido por Gilberto Gil deseja perpetuar a heranccedila portuguesa mas
reconhece que essa heranccedila natildeo foi capaz de unificar os diferentes membros da naccedilatildeo em um soacute
sujeito em termos de homogeneidade cultural Haacute diferenccedilas entre culturas etnias e raccedilas Com a
metaacutefora da antropofagia ldquoque assimila e digere o que chega a ser devolvido em inovaccedilatildeo em
invenccedilatildeo e indiferenccedilardquo o ministro reforccedila a ambiguumlidade do acontecimento (TOSTES 2008
p10)
Entretanto ao revisitar a tradiccedilatildeo portuguesa o ministro natildeo pode deixar de reinventaacute-la
Natildeo haacute um elogio da colonizaccedilatildeo a ecircnfase recai na ldquodor dos afrodescendentesrdquo que a estudante
Priscila Braga Gonccedilalves identificou continuam natildeo sendo representados na exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional
A apresentaccedilatildeo da exposiccedilatildeo comeccedila entatildeo com a cena marcada pela ambiguumlidade A
presenccedila fiacutesica de um afrodescendente que ocupa o cargo poliacutetico de ministro da Cultura de um
governo que denuncia a exclusatildeo social e promove poliacuteticas puacuteblicas de igualdade racial e
representaccedilatildeo de identidades na abertura de numa exposiccedilatildeo que lhe provoca ldquodorrdquo
Jaacute o presidente da Fundaccedilatildeo Colouste Gulbenkian patrocinadora da exposiccedilatildeo Emiacutelio
Rui Vilar ressalta que a exposiccedilatildeo
reuacutene mais 300 peccedilas e documentos ineacuteditos que constituem interessantes e apelativos
testemunhos capazes de transportar o visitante para a eacutepoca que o Rio de Janeiro se
tornou a sede da corte portuguesa e em que as artes europeacuteias entraram em frutuoso
diaacutelogo com o clima acolhedor e com as belas paisagens do Brasil (TOSTES 2008)
142
Em alguma medida esse caraacuteter documental e monumental da exposiccedilatildeo eacute reconhecido
pelos visitantes que tambeacutem descrevem a exposiccedilatildeo como um testemunho de eacutepoca Natildeo por ser
capaz de transportaacute-los para outra eacutepoca mas por estarem em presenccedila de objetos de outra eacutepoca
colocam-se e frente ao passado
Num primeiro momento encontramos uma exposiccedilatildeo muito bacana por sinal que nos
remete aos motivos que levaram a famiacutelia real a vir para o Brasil bem como os objetos
utilizados por ela tais como cadeiras louccedilas armaacuterios vasos buacutessolas etc o que vale a
pena destacar eacute como a exposiccedilatildeo estaacute temporalmente organizada Alguns importantes
momentos satildeo apresentados de forma luacutedica e atrativa (Frederico Levi Amorim
Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O entendimento de que a exposiccedilatildeo eacute uma produccedilatildeo cultural e uma forma de escrita da
histoacuteria tambeacutem aparece em diversos relatos dos visitantes ldquoA exposiccedilatildeo foi pensada de modo a
suscitar no visitante uma visatildeo ampla e criacutetica em relaccedilatildeo agrave histoacuteria e a formaccedilatildeo social brasileira
tirando tambeacutem um pouco daquela visatildeo de D Joatildeo como glutatildeo e bobordquo diz a estudante Marly
Marques Rodrigues
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo
O Museu Histoacuterico Nacional produz tambeacutem um caderno educativo dirigido a crianccedilas e
jovens como parte da exposiccedilatildeo temporaacuteria Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte
Portuguesa no Brasil Nesse material o MHN interpela o puacuteblico em torno do tema das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da vinda da Famiacutelia Real e cria diaacutelogos especiacuteficos na cultura entre
museu e visitantes
O que o Museu Histoacuterico Nacional apresenta eacute mais que uma simples exposiccedilatildeo
temporaacuteria sobre o tema O museu se coloca no lugar daquele que participa da criaccedilatildeo do proacuteprio
evento-comemoraccedilatildeo em torno da data O material educativo convoca um puacuteblico especiacutefico a
participar do calendaacuterio do bicentenaacuterio das ldquocomemoraccedilotildeesrdquo da vinda da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro O MHN constroacutei o proacuteprio acontecimento agrave medida que configura uma narrativa
escolhendo textos imagens e a abordagem que conduz os sentidos para outros sujeitos provaacuteveis
visitantes O Museu indica claramente qual eacute o seu papel na disputa pelas memoacuterias e visotildees de
histoacuteria e como continua protagonizando os acontecimentos
143
O MNH elabora uma narrativa sobre a vinda da famiacutelia real a ser divulgada em um
material educativo para ensinar histoacuteria Cabe na anaacutelise desse material identificar algumas
tensotildees presentes nessa narrativa A primeira eacute identificar um sujeito jaacute inscrito no texto e uma
correspondecircncia imediata entre o que o museu supotildee ser um visitante ideal e aqueles que
efetivamente o visitam que natildeo estatildeo necessariamente em plena sintonia com o proposto pela
exposiccedilatildeo
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo
mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008
Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Esse tipo de material uma cartilha educativa tem por objetivo ampliar os significados do
evento-exposiccedilatildeo para um puacuteblico escolar enquadrando numa moldura o cenaacuterio os personagens
e as fontes que seratildeo oferecidos e criando referecircncias para os estudantes Haacute consequecircncias
poliacuteticas e sociais em termos dos referenciais histoacutericos expressos pelo museu e o grau de
legitimidade dessa seleccedilatildeo feita por esse produtor de cultura autorizado para escrever uma
histoacuteria nacional
Os conteuacutedos e temaacuteticas da cartilha pretendem ensinar histoacuteria Destacam-se
personagens histoacutericos datas e eventos poliacuteticos e administrativos proferidos num tom
144
transmissivo aos jovens estudantes O material possui cinquumlenta paacuteginas num formato de
pequeno caderno (cartilha) com imagens coloridas textos e atividades com espaccedilo para respostas
A capa eacute um desenho sem indicaccedilatildeo de autoria que mistura siacutembolos nacionais como o verde
amarelo bandeiras de Portugal e caravelas indicando a saiacuteda da corte da Europa sua passagem
por Salvador e chegada ao Rio de Janeiro A ligaccedilatildeo entre Portugal e Brasil tambeacutem se faz nas
legendas que associam a chegada da Corte a um novo mundo um novo impeacuterio e a permanecircncia
dessas ligaccedilotildees numa faixa abaixo do mapa escrita em vermelho ldquoPortugal 1808-2008 Brasilrdquo
A cartilha eacute orientada para um puacuteblico e as praacuteticas culturais que permeiam a elaboraccedilatildeo
desse artefato evidenciam o diaacutelogo entre o museu e o visitante tanto nos temas estruturas
narrativas valores culturais e hierarquias A anaacutelise do material produzido pelo museu considera
especificamente como ele constroacutei um puacuteblico um visitante atribuindo-lhe caracteriacutesticas de
idade e escolaridade articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute um Museu Agrave medida que o Museu
dirige-se a um suposto vocecirc que visitou a exposiccedilatildeo e agora lecirc o material elaborado por sua
equipe ele fala fundamentalmente dele mesmo de suas concepccedilotildees de histoacuteria e de memoacuteria
O material educativo define a vinda da famiacutelia real como um evento histoacuterico
significativo e que deve ser comemorado Em seguida o Museu Histoacuterico Nacional como sujeito
de uma narrativa histoacuterica confere ao evento legitimidade e convida a reflexatildeo sobre o tipo de
narrativa que o museu pretende repercurtir e publicizar na exposiccedilatildeo
Haacute na estrutura narrativa do material educativo e no sistema de imagens uma
ldquoconvocaccedilatildeordquo ao visitante e uma indicaccedilatildeo de como deve visitar a exposiccedilatildeo Esta interpelaccedilatildeo
do puacuteblico indica uma posiccedilatildeo fiacutesica e um lugar social Haacute um destinataacuterio para o qual se oferece
ldquoconvidardquo a ver de um ponto de vista particular a construir conhecimentos em certa perspectiva
social e poliacutetica
Ao considerar o material pedagoacutegico produzido pelo MHN eacute possiacutevel mapear trecircs
dispositivos de construccedilatildeo da histoacuteria pelo museu o lugar do qual fala o museu o campo de
disputa sobre as concepccedilotildees de histoacuteria e memoacuteria e as opccedilotildees poliacuteticas e esteacuteticas do museu com
relaccedilatildeo ao campo museal e educacional No primeiro caso o Museu Histoacuterico Nacional
comparece como uma instituiccedilatildeo cultural e se posiciona como sujeito frente agraves comemoraccedilotildees
histoacutericas No segundo aponta no material pedagoacutegico em seu conteuacutedo e forma uma visatildeo
145
especiacutefica acerca da Histoacuteria elaborada dentro do campo museal Por fim se posiciona frente agraves
disputas e debates historiograacuteficos que emergem no campo educativo
O sentido atribuiacutedo agraves comemoraccedilotildees natildeo surge do proacuteprio material educativo mas da
forma como ele eacute apresentado pelas linguagens (escolhas dos produtores) e coacutedigos de
inteligibilidade Eacute nesse trabalho de fechamento e marcaccedilatildeo de fronteiras simboacutelicas entre museu
e visitantes que se definem tanto o que eacute o Museu Histoacuterico Nacional (unidade instaacutevel posiccedilatildeo
de poder praacuteticas de memoacuteria que nomeiam um lugar nacional e histoacuterico para regulaccedilatildeo da
cultura) quanto se configura um puacuteblico visitante que deve reiterar a norma e responder
positivamente agraves mensagens (exposiccedilotildees) regulando a si mesmo sua identidade e subjetividade
internalizando condutas normas regras e modos de ser e pensar sobre o que eacute a histoacuteria e a
memoacuteria
O processo de interpelaccedilatildeo de um personagem preferencial imaginaacuterio (vocecirc) se daacute a
partir de uma temaacutetica organizaccedilatildeo em subitens e atividades que propotildeem uma proximidade com
o visitante Ao mesmo tempo a arquitetura dessa organizaccedilatildeo implica por parte do Museu a
aposta em certos interesses e competecircncias do visitante supostamente uma crianccedila que frequumlente
regularmente a escola baacutesica que foi agrave exposiccedilatildeo com sua professora e colegas que possui uma
famiacutelia (pai matildee avoacutes) moradia fixa mobiliada com mesas e cadeiras e alimentaccedilatildeo adequada
Essas imagens a respeito de seu puacuteblico podem ser inferidas quando em diversas
atividades propostas pede-se que a suposta crianccedila faccedila uma ldquoaacutervore genealoacutegicardquo peccedila ajuda de
seus pais sua famiacutelia Escolhendo essa forma de se dirigir aos visitantes o MHN decide quem
inclui e quem exclui da definiccedilatildeo de puacuteblico e avalia para quem fala preferencialmente um
estudante e provavelmente seu professor que tambeacutem pode usar o material pedagoacutegico
encomendando-lhe o ldquoPara Casardquo endereccedilado pelo Museu
O material didaacutetico em questatildeo guarda relativa autonomia em relaccedilatildeo ao
eventocomemoraccedilatildeo e agraves demais exposiccedilotildees permanentes do Museu agrave medida que circula de
forma mais ampla e indica uma permanecircncia pelo seu formato impresso No entanto a concepccedilatildeo
de histoacuteria presente no material e na proacutepria exposiccedilatildeo75
aponta para uma narrativa que considera
o tempo da chegada da famiacutelia como um marco para o progresso e o prenuacutencio de uma nova
ordem poliacutetica ndash a independecircncia em 1822 ndash que fecha a exposiccedilatildeo Na uacuteltima parte do percurso a
75 Ver chamada no site do proacuteprio wwwmuseuhistoriconacionalcombr chamada para a Exposiccedilatildeo
146
estaacutetua de D Pedro I proclama (com aacuteudio) a Independecircncia do Brasil No caderno didaacutetico uma
fotomontagem reuacutene a estaacutetua de D Pedro I de Rodolfo Bernardelli pertencente ao acervo do
MNH com um balatildeo no qual em primeira pessoa a estaacutetua se diz herdeira do trono de Portugal e
grita ldquoIndependecircncia ou Morterdquo
O caderno indica eventos cujos sujeitos satildeo os membros da Famiacutelia Real Satildeo eles que
asseguram a continuidade com um passado colonial mas marcha rumo agrave histoacuteria nacional A
chave de explicaccedilatildeo histoacuterica eacute a relaccedilatildeo de dependecircncia entre colocircnia e metroacutepole que tambeacutem
aparece em outras exposiccedilotildees do Museu como a ldquoColonizaccedilatildeo e Dependecircnciardquo e ldquoMemoacuteria do
Estado Imperialrdquo76
A memoacuteria para o Museu Histoacuterico Nacional eacute um ldquodeverrdquo tornar presente
celebrar para um puacuteblico cuja idade e escolaridade natildeo identificam as variaacuteveis e os sentidos
manipulados por quem faz a exposiccedilatildeo A versatildeo da Histoacuteria oferecida aos visitantes pode ser
contestada mas o trabalho visual feito pelo Museu natildeo abre muito espaccedilo para interaccedilotildees com os
visitantes
O material dispensa um contanto fiacutesico com o professor o com os agentes do museu As
atividades propostas no material falam diretamente com um ldquoalunordquo dando-lhe instruccedilotildees tais
como desenhar pesquisar interpretar observar relacionar e escrever Os recursos graacuteficos e
visuais tambeacutem se apresentam como dispositivos de credibilidade e atribuiccedilatildeo de autenticidade
No caso do Museu isso eacute feito com referecircncia ao seu acervo embora natildeo indique muitas vezes
no material educativo a procedecircncia da imagem e nem faccedila referecircncias se elas estavam ou natildeo
na exposiccedilatildeo Ao apresentar algumas imagens especiacuteficas o material educativo busca o
reconhecimento de sua autenticidade e de sua raridade usando o fato de pertencerem ao acervo do
museu ou mesmo a uma importante coleccedilatildeo particular O MHN tambeacutem busca se aproximar do
visitante por meio do impacto visual ressaltando o formato as dimensotildees da pintura No material
impresso satildeo criados diversos recursos graacuteficos para facilitar a leitura Textos curtos que
dialogam com o leitor graacuteficos mapas e o uso de siacutembolos relacionados agrave monarquia portuguesa
e famiacutelia de Braganccedila como coroas leques bandeiras cartolas brasotildees que povoam as paacuteginas
do material educativo
No caso do material do MHN a exploraccedilatildeo de objetos bidimensionais (quadros
fotografias documentos escritos) e tridimensionais (esculturas mobiliaacuterio louccedilas moedas
76 Ver folder de divulgaccedilatildeo do MHN e site citado acima
147
brasotildees) presentes na Exposiccedilatildeo eacute obrigatoacuteria A relaccedilatildeo entre o texto e as imagens reproduzidas
e trabalhadas no material impresso natildeo podem ser pensadas dada a proacutepria finalidade dos objetos
museais de maneira apenas ilustrativa Aqui o Museu lanccedila matildeo de toda a discussatildeo sobre a
importacircncia de seu acervo para reforccedilar sua funccedilatildeo e seu lugar junto agraves instituiccedilotildees de memoacuteria
nacionais Ainda que nem todas as imagens sejam acompanhas das devidas referecircncias quanto agrave
procedecircncia (acervo) toda a iconografia proveniente do proacuteprio MHN estaacute devidamente
identificada e classificada O lugar de autoridade do Museu promove uma comparaccedilatildeo entre os
quadros de Geoff Haunt um especialista contemporacircneo em pinturas navais intitulado Chegada
da famiacutelia real em 7 de marccedilo de 1808 feito sob encomenda para Kenneth Light77
em 1999 A
outra reproduccedilatildeo eacute de Cacircndido Portinari Chegada de D Joatildeo agrave Bahia uma tela de 1952 A
terceira eacute a imagem de um Leque comemorativo da chegada da famiacutelia real da coleccedilatildeo Mariano
Procoacutepio
O exerciacutecio de leitura de imagem proposto pelo Material Educativo (Figura 36) considera
que a pintura a oacuteleo sobre tela de Haunt eacute uma ldquopintura histoacuterica documental em que o objetivo
eacute ser fiel como uma fotografia [] natildeo mostra uma interpretaccedilatildeo do artista como no caso da obra
de Portinarirdquo (Material Educativo 2008 p228-29)
77 Estudioso dos diaacuterios de bordo da marinha inglesa que acompanharam a vinda da corte portuguesa ao Brasil no
iniacutecio do seacuteculo XIX
148
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um
novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008 Brasil-
Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
As trecircs obras destacadas pelo Material Educativo natildeo fazem parte do acervo do Museu
Histoacuterico Nacional A primeira pertence a um banco da Bahia a outra eacute parte do acervo do
Museu Mariano Procoacutepio de Juiz de Fora e a terceira eacute da coleccedilatildeo particular de Kenneth Light
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo mais parece um inventaacuterio comentado e ilustrado Natildeo haacute
qualquer texto que discuta a concepccedilatildeo da proacutepria exposiccedilatildeo Eacute no caderno educativo que as
intenccedilotildees de ensino de Histoacuteria do Brasil ficam mais expliacutecitas
Resta explorar um pouco mais como os visitantes negociam com o museu essa visatildeo de
histoacuteria Frente agrave tentativa clara da exposiccedilatildeo de celebrar uma histoacuteria da naccedilatildeo e escrever a
histoacuteria poliacutetica e social expondo os testemunhos histoacutericos materiais que estavam descontiacutenuos
numa narrativa resta indagar como os visitantes se posicionam frente agrave visatildeo do museu e se
conseguem ou natildeo se contrapor a visatildeo da histoacuteria
149
Entender como os visitantes descrevem analisam interpretam e fundamentam uma
narrativa frente ao museu e suas exposiccedilotildees possibilita abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e
poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus
pelos visitantes
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica
Os relatos das visitas contribuem para reorganizar as recordaccedilotildees do acontecimento e
invocar uma memoacuteria do grupo de estudantes que ao produzir e selecionar as imagens
disponibilizadas pelo museu traz agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas que natildeo foram
registradas mas que sustentam a escrita e o conhecimento histoacuterico por eles elaborado
Mesmo uma visita guiada a uma exposiccedilatildeo e uma raacutepida passagem pelas vaacuterias
dependecircncias do Museu Histoacuterico Nacional deixa resiacuteduos entre os visitantes dessa experiecircncia
evanescente A visitante apresenta o que viu
[] por meio de uma visita guiada que nos deixou agrave vontade para apreciar toda a
exposiccedilatildeo que por si soacute nos permite interagir
Ela eacute dividida em nuacutecleos temaacuteticos ou seja separados por temas ou recortes
cronoloacutegicos
A exposiccedilatildeo conta com objetos e documentos de importantes instituiccedilotildees
puacuteblicas e particulares brasileiras e portuguesas muitos dos quais satildeo objetos ineacuteditos
Na visitaccedilatildeo tive a oportunidade de acompanhar desde a situaccedilatildeo na Europa
com as guerras napoleocircnicas que motivaram a vinda da Corte para o Brasil ateacute os
motivos que levaram agrave proclamaccedilatildeo da Independecircncia do Brasil pelo Imperador Pedro I
O nuacutecleo inicial aborda as conquistas de Napoleatildeo na Europa em especial na
peniacutensula Ibeacuterica seguidas de biografia dos personagens envolvidos no conflito- Napoleatildeo Carlos IV D Maria I e Jorge III Atraveacutes de acervo iconograacutefico cedido por
instituiccedilotildees portuguesas
O nuacutecleo seguinte aborda o embarque em Lisboa e as dificuldades enfrentadas
ao longo de 54 dias de travessia do Atlacircntico A chegada agrave Bahia em 22 de janeiro de
1808 estaacute representada pela monumental tela de Cacircndido Portinari bdquoA chegada de D
Joatildeo VI a Salvador‟ gentilmente cedida pelo Banco BBM SA e Associaccedilatildeo Comercial
da Bahia
A exposiccedilatildeo eacute imensa para apreciar todo o seu acervo seria necessaacuterio um dia
inteiro tempo que natildeo tiacutenhamos Poreacutem trata-se de um local que gostaria de prestigiar
se tiver a oportunidade de retornar a cidade do Rio de Janeiro
A organizaccedilatildeo do MHN aleacutem de seu grande acervo com exposiccedilotildees
permanentes e itinerantes utiliza projeccedilotildees aacuteudio visuais em 3D possibilitando uma nova interaccedilatildeo com as exposiccedilotildees que agradam todo o tipo de puacuteblico (Daniele Paulo
Marques Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo
2008)
150
O caraacuteter monumental da exposiccedilatildeo eacute somado aos objetivos didaacuteticos A montagem de
uma linha cronoloacutegica que vai da vinda de Dom Joatildeo VI agrave declaraccedilatildeo de independecircncia por Dom
Pedro I eacute remontada nos textos e fotografias como a abaixo (Figura 37)
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
A visita ao Museu Histoacuterico Nacional realizou-se como um rito coletivo Teve um caraacuteter
performativo O museu jaacute era entendido pelos visitantes como um lugar puacuteblico de debate sobre a
histoacuteria e acreditavam que de certo modo estava mais autorizado do que o campo acadecircmico
(historiografia e faculdade) por trazer um enorme acervo cultural mas que natildeo deixa de causar
confusatildeo entre os visitantes Uma das visitantes cita que viu ldquofotosrdquo das filhas do casal real
utensiacutelios que serviram para a viagem pinturas cartas carimbos e ldquouma reacuteplica da sala de visitas
da Marquesa de Santosrdquo
151
Natildeo se sabe o que a levou a imaginar uma sala da Marquesa de Santos em meio agrave
exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real nem as chamadas fotografias Impressiona nesse caso a
capacidade de criar outro acervo para o museu em meio agrave descriccedilatildeo dos objetos que estavam em
exposiccedilatildeo
Para outros visitantes o Museu Histoacuterico Nacional eacute ldquograndioso muito bem montado e
agradaacutevel agrave visitaccedilatildeo puacuteblica com vaacuterias exposiccedilotildeesrdquo diz o visitante Fernando Daniel Fraga
Fonseca Jaacute a visitante Aline Conceiccedilatildeo Ferreira Gregoacuterio tambeacutem achou que ldquoo acervo eacute
enorme por isso a visita demanda bastante tempo Foi uma exposiccedilatildeo proveitosa poreacutem um
pouco cansativa devido ao tamanho do museurdquo
O museu estabelece no contato com o visitante uma rede de opiniotildees e um quadro de
diferentes reaccedilotildees frente agrave materialidade da praacutetica museal Cada museu possui uma narrativa
distinta e a anaacutelise que o puacuteblico faz da exposiccedilatildeo se inicia com a identificaccedilatildeo das marcas
emitidas por essa fala autorizada A interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelo puacuteblico no confronto entre as
promessas do ldquogecircnero museurdquo e expectativas dos visitantes
A parte que mais gostei foi o museu todo mas a que mais me prendeu a atenccedilatildeo foi a
parte onde se encontra os canhotildees pelo que pude contar contei 48 canhotildees E gostei
tambeacutem das pratarias e da parte da medicina tudo laacute eacute muito bonito e muito bem conservado (Claudilene Aparecida de Almeida Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico
Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
Outra visitante da exposiccedilatildeo tambeacutem inicia seu relato da visita ressaltando o caraacuteter de
documento-monumento do Museu Histoacuterico Nacional Eles destacam o seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo
o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O evento eacute memoraacutevel porque significa um marco na ldquoformaccedilatildeo do Estado nacional
brasileiro com o estabelecimento da sede do governo do mundo portuguecircs em terras tropicaisrdquo O
legado de D Joatildeo VI a ser apresentado na exposiccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de um ldquoImpeacuterio na Ameacutericardquo o
ldquopersonagem que entrelaccedilou para sempre as histoacuterias do Brasil e Portugalrdquo (BOTTREL 2008
p17) Esse ldquodestinordquo eacute a independecircncia assinalam os historiadores portugueses e brasileiros
152
Arno Wheling e Maria Joseacute Wehling que pintam os quadros historiograacuteficos um de 1808 e outro
de 1821 Propotildeem que entre uma data e a outra ocorreram mudanccedilas significativas e irreversiacuteveis
que levaram o Brasil a se distanciar de Portugal a ponto de se tornar independente ou formar
uma nova personalidade poliacutetica
Os visitantes se apresentam em suas fotografias como parte da exposiccedilatildeo e do acervo
(Figuras 38 e 39)
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave
Exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio
Janeiro 2008
153
A exposiccedilatildeo eacute vista como accedilatildeo de difusatildeo nos museus e ocupa contemporaneamente uma
funccedilatildeo ao lado das accedilotildees de pesquisa e preservaccedilatildeo antes vistas como prioritaacuterias A linguagem
visual eacute priorizada e assumida pelos visitantes que elaboram novas imagens e narrativas visuais
sob as formas apresentadas pelo museu O visitante coloca em circulaccedilatildeo a sua proacutepria imagem
como parte da exposiccedilatildeo exercitando sua habilidade analiacutetica e criando novas instacircncias de
produccedilatildeo de sentido na vida cultural diaacuteria
Natildeo haacute uma uacutenica forma de estabelecer a relaccedilatildeo entre visitantes e museus Tambeacutem natildeo
haacute a passagem imediata de um campo ao outro ou uma linguagem uacutenica que pertence ao museu e
outra do visitante Haacute um partilhamento dos coacutedigos simboacutelicos e a criaccedilatildeo de um espaccedilo cultural
de intercacircmbio A matriz cultural do museu eacute avaliada pelos visitantes Satildeo estabelecidas
diferenccedilas mas se institui um novo circuito de cultura
Essas praacuteticas exercitadas pelos visitantes nos museus implicam na ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo de produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico Mesmo entre os visitantes que ficam mais
proacuteximos dos sentidos apresentados pelo museu limitando-se a uma descriccedilatildeo da visita agravequeles
que buscam de forma mais abrangente inserir a narrativa do museu em um cenaacuterio poliacutetico
social cultural mais amplo satildeo sujeitos da produccedilatildeo de novos sentidos para o patrimocircnio
musealizado Satildeo sujeitos de uma nova narrativa agrave medida que buscam compreender como se daacute
a produccedilatildeo do conhecimento cultural e histoacuterico (RUSEN 2005 p192)
Ao selecionarem imagens e reescreverem informaccedilotildees sobre a exposiccedilatildeo os visitantes
demonstram habilidades de reordenar aspectos que lhes chamaram a atenccedilatildeo e passam a circular
em outro circuito para aleacutem do museu
154
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A
metroacutepole nos troacutepicos Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo
Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
A fotografia de Fernando Daniel Fraga Fonseca (Figura 40) eacute aparentemente um misteacuterio
Uma chave que pode solucionaacute-la eacute o conceito de circuito da cultura78
(HALL 1997 2003)
entendido como uma relaccedilatildeo complexa produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos
mas interligados ou seja como praacuteticas conectadas de produccedilatildeo circulaccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo
identidade e representaccedilatildeo que criam formas simboacutelicas e datildeo passagem simultaneamente a
outros movimentos de produccedilatildeo de sentidos
O visitante registra um texto escrito sobre um suporte afixado na parede como parte da
exposiccedilatildeo sobre a corte portuguesa no Brasil no Museu Histoacuterico Nacional O texto tem como
tiacutetulo O desembarque em Salvador que tambeacutem eacute o tiacutetulo de uma obra iconograacutefica exposta A
existecircncia do texto indica que o Museu Histoacuterico Nacional explica esse evento para seus
78 Em certa medida pode-se pensar tambeacutem no conceito de circularidade de culturas definido por Ginsburg
em contraponto ao termo mentalidade a partir de um recorte analiacutetico que considera as diferentes classes sociais e as
influecircncias reciacuteprocas entre a cultura subalterna e a cultura hegemocircnica que se movem de maneira circular
(GINSBURG 1987 p 13)
155
visitantes durante a exposiccedilatildeo Haacute a produccedilatildeo de um sentido que pretende ser fixado mas que
circula em outros suportes a pintura de Portinari e a fotografia do visitante
Nessa pesquisa tanto os museus visitados quanto seus visitantes instituem esses lugares de
significaccedilatildeo Museus e visitantes produzem um circuito histoacuterico e cultural e se posicionam
agenciam criam modos de endereccedilamento da cultura Entretanto na ideacuteia de circuito embora
estejam claros os produtos e os produtores natildeo haacute um sentido prioritaacuterio que desencadeia a accedilatildeo
cultural e portanto as ideias de ldquorecepccedilatildeordquo e ldquoapropriaccedilatildeordquo natildeo estatildeo colocadas ao fim de uma
cadeia de significaccedilatildeo O espectador ou visitante produz o sentido tanto quanto a instituiccedilatildeo que
pretende alojar a memoacuteria do evento com a exibiccedilatildeo puacuteblica de objetos
Acho esse trabalho de extrema relevacircncia para nosso curso e conveniente por causa das
discussotildees atuais O tema eacute muito atual e foi interessante visitar o Rio de Janeiro
justamente agora em que as comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da famiacutelia real
estatildeo acontecendo Para mim foi muito bacana ver outras instituiccedilotildees museoloacutegicas e
exposiccedilotildees de cunho histoacuterico e artiacutestico ateacute mesmo para identificar as diferentes
concepccedilotildees de museu Identificar a intenccedilatildeo da exposiccedilatildeo e o que ela pretende
contar[] Algumas exposiccedilotildees mostram o cotidiano no Brasil as relaccedilotildees e o papel dos
liacutederes e do povo isso tambeacutem eacute relevante As gravuras pinturas documentos objetos
instrumentos dialogam com as exposiccedilotildees no qual estatildeo inseridos e com o proacuteprio
leitor nos fazendo desenhar e nos relacionar muito claramente com o passado (Frederico
Levi Amorim Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro
Leopoldo 2008)
A exposiccedilatildeo enfoca muito a importacircncia da vinda da famiacutelia real para o nosso processo
de emancipaccedilatildeo poliacutetica de Portugal mas esquece de salientar que independentemente
da existecircncia desse episoacutedio ou natildeo nossa economia jaacute era mais forte que a dos lusitanos
nossa elite jaacute natildeo aguumlentava a exorbitante taxaccedilatildeo de impostos sobre nossa produccedilatildeo e
que as ideias de cunho liberal jaacute pairavam sobre nossos ares gerando vaacuterias revoltas por todo o nosso territoacuterio (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
As visitas a museus permitem por em relaccedilatildeo o que Gruzinski (2001) chama de sistemas
culturais diferentes ou a questatildeo das fronteiras culturais e seus hibridismos O contato do visitante
com o museu pode ser pensado natildeo como um ldquocontratordquo mas uma confrontaccedilatildeo que destaca as
formas de temporalidade e historicidade natildeo contidas na noccedilatildeo de cultura europeacuteia e torna
possiacutevel a emergecircncia de um pensamento e praacuteticas inventivas e improvaacuteveis de hibridismo
(GRUZINSKI 2001 p157)
156
As fotografias selecionadas e apresentadas e os trechos dos relatos destacados apontam o
deslocamento realizado pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do
visitante na cultura museal e desenvolvem um capiacutetulo da escrita da histoacuteria nos museus
O relato da visita como praacutetica de memoacuteria e histoacuteria se amplia em uma narrativa que
reorganiza as recordaccedilotildees do acontecimento e invoca uma memoacuteria do grupo de estudantes ao
selecionar as imagens e trazer agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas e interpretadas
muitas natildeo registradas que sustentam uma rede de opiniotildees e formam diferentes quadros de
sentido Os estudantes fazem uma anaacutelise da exposiccedilatildeo praticando a museologia mesmo natildeo
tendo um treinamento especial e sistemaacutetico do ofiacutecio museoloacutegico percebem pensam e
praticam a museologia (CHAGAS 2003 p20) Elaboram um ldquopensamento musealrdquo
identificando marcas deixadas pelos quadros de referecircncia enunciados pelo museu A
interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelos visitantes no confronto com suas expectativas e as promessas
natildeo cumpridas pelo museu
Amplia-se a reflexatildeo sobre o processo de educaccedilatildeo poliacutetica e dos sentidos O debate
historiograacutefico recebe novos elementos das visotildees sobre o museu que se cruzam na cabeccedila dos
visitantes aquilo que os especialistas dizem sobre o museu aquilo que viram no Museu do
Escravo e aquilo que a escola lhes ensinou sobre a histoacuteria da escravidatildeo As disputas satildeo
evidenciadas Eacute necessaacuterio mobilizar conceitos e experiecircncias estabelecendo possibilidades e
limites da abordagem para elaborar narrativas sobre a visita
Pode-se afirmar que na elaboraccedilatildeo dos relatos das visitas emergem uma seacuterie de efeitos
formativos nos estudantes e professoresformadores As visitas desencadeiam perguntas sobre a
identidade verbalizam sentimentos pensamentos aspectos de suas experiecircncias sociais e
estimula a reflexibilidade Os relatoacuterios tambeacutem validam algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida
que operam com a traduccedilatildeo de concepccedilotildees simboacutelicas particulares e localizadas em uma
consciecircncia praacutetica e outra discursiva de caraacuteter mais amplo Tambeacutem permitem reconhecer e
dar visibilidade puacuteblica e social a realidades locais multiculturais e que contribuem para
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo
Ao apresentar de forma ampla o uso feito pelos visitantes da visita ao museu eacute possiacutevel ir
aleacutem da criacutetica aos museus e discutir como os visitantes interpretam propostas expositivas da
157
instituiccedilatildeo visitada em dialoacutego com a heranccedila cultural e as praacuteticas de preservaccedilatildeo da memoacuteria e
do poder Ou em outras palavras como elaboram frente agraves imagens que lhes satildeo apresentadas
uma nova escrita imageacutetica acrescentando criacuteticas e explicitando ambiguidades presentes na
produccedilatildeo do museu
158
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A escrita desta tese teve iniacutecio com a tentativa de encontrar um ldquolugarrdquo que comportasse o
registro de praacuteticas educativas perdidas em meio agraves preocupaccedilotildees em uma instituiccedilatildeo de ensino
superior que encerrava a oferta de cursos de licenciatura Os trabalhos escolares dos alunos em
sua maior parte eram considerados privados e natildeo seriam recolhidos ao arquivo escolar
O local mais provaacutevel das memoacuterias de estudantes e professores seria o esquecimento A
situaccedilatildeo dos documentos escolares laacute encontrados natildeo era muito diferente de outras instituiccedilotildees
educativas A preservaccedilatildeo se limitava a um conjunto de textos legais documentos oficiais
administrativos e pedagoacutegicos Pouco se arquivava dos testemunhos orais dos professores alunos
e funcionaacuterios A biblioteca recebia publicaccedilotildees relatoacuterios teacutecnicos de pesquisa e conclusatildeo de
curso
Estava posta uma crise de memoacuteria os relatos escritos e visuais de visita excediam em
volume e careciam de organizaccedilatildeo Restavam as tentativas de doaccedilatildeo ou descarte O museu ou o
lixo A primeira opccedilatildeo implicou em questionar se os museus visitados teriam algum interesse
nesse tipo de resposta de sua audiecircncia escolar Resolvi apostar no recolhimento dos rastros dar
tratamento aos fragmentos cotidianos da cultura escolar e apresentaacute-los publicamente
Sistematizar a produccedilatildeo dos estudantes e colocaacute-la em circulaccedilatildeo foi o principal
investimento dessa pesquisa A duacutevida era constante esse tipo de fonte documental seria capaz
de sustentar uma anaacutelise a respeito dos sentidos da memoacuteria da histoacuteria e dos museus na cultura
contemporacircnea Espero ter argumentado ao longo do texto que sim Os relatos dos estudantes
indicam que eles foram capazes de ampliar sua formaccedilatildeo histoacuterica ao visitar museus
O processo de pesquisa foi de compartilhamento e conviacutevio com as reflexotildees teoacutericas e
metodoloacutegicas no grupo Memoacuteria Aprendi a exercitar a escrita como condiccedilatildeo de memoacuteria
Cada leitura cada debate constituiu-se em novas aprendizagens vividas e sentidas Escrever e
apresentar resultados parciais tornou a pesquisa possiacutevel
A maior tensatildeo da pesquisa foi delimitar o proacuteprio campo da investigaccedilatildeo delinear as
presenccedilas (estudantes e museus) as concomitacircncias (diaacutelogos admitidos ou criticados na
bibliografia) e as ausecircncias (outras ligaccedilotildees possiacuteveis com a histoacuteria e a educaccedilatildeo)
A busca por criteacuterios e a seleccedilatildeo das situaccedilotildees educativas de visitas envolveu um longo
diaacutelogo com ldquopalavras e coisasrdquo autores e praacuteticas Um jogo de conceitos emaranhados ao
159
mesmo tempo superpostos ndash diversos e abrangentes ndash e lacunares dispersos em livros textos e
instrumentos de sistematizaccedilatildeo de dados
Assim para descrever e avaliar a praacutetica de formaccedilatildeo evitei me referir a um sistema de
interpretaccedilatildeo ou traduccedilatildeo exterior (um horizonte idealizado ou seu suposto inverso uma
abstraccedilatildeo advinda da empiria) Propus-me a mobilizar conceitos disponiacuteveis e discordantes
principalmente de memoacuteria e histoacuteria que circulam ao niacutevel das minhas proacuteprias praacuteticas
apostando em sua emergecircncia a partir de quem falava e das posiccedilotildees dos sujeitos (estudantes) e
dos lugares institucionais (escolas e museus)
O maior desafio para a conclusatildeo desse projeto decorreu da opccedilatildeo que o motivou
inicialmente analisar as situaccedilotildees educativas de visitas a museus a partir da loacutegica da proacutepria
experiecircncia pedagoacutegica Natildeo houve um movimento externo de observaccedilatildeo mas um interesse ou
desejo de saber que veio da aproximaccedilatildeo entre o sujeito que se colocava na condiccedilatildeo de
pesquisador mas estava proacuteximo ao ldquoobjetordquo investigado
Os visitantes considerados na pesquisa natildeo se apresentam como um grupo representativo
segundo criteacuterios socioloacutegicos ou estatiacutesticos como acontece nos estudos de recepccedilatildeo que
avaliam efeitos provocados em determinada audiecircncia Os estudantes na condiccedilatildeo de visitantes
esboccedilam hipoacuteteses difusas acerca do que ocorre durante uma visita escolar Um mesmo visitante
utiliza estrateacutegias diferentes ao longo de sua trajetoacuteria escolar para traccedilar paralelos entre sua vida
e de um personagem histoacuterico Suas atitudes informadas ou desinformadas irocircnicas ou
conformistas dizem mais da criaccedilatildeo de uma cultura comum uma experiecircncia simultaneamente
implicada e distante da cultura predominante nas escolas e museus
A materialidade das praacuteticas de visita surgiu do trabalho com os relatos escritos e visuais
Na leitura dos relatos as operaccedilotildees de narrar proacuteprias da vida praacutetica foram se constituindo
como fundamento e pressuposto do conhecimento histoacuterico escrito por professores e estudantes
A anaacutelise das praacuteticas de visita combinou reflexotildees teoacutericas historiograacuteficas e empiacutericas
Textos imagens e oralidade num mesmo quadro analiacutetico Destaco que tanto as reflexotildees
teoacutericas e historiograacuteficas quando o quadro empiacuterico foram tentativas de abordagem diaacutelogos
recortes possiacuteveis e natildeo implicam na concordacircncia com todos os argumentos dos autores citados
ou um aprofundamento da reflexatildeo sobre cada fonte em particular Procurei explorar de cada obra
160
argumentos ou linhas de interpretaccedilatildeo que interessavam no estudo do tema do visitante de
museus
As fotografias tomaram ao longo da pesquisa uma centralidade maior A anaacutelise do
conteuacutedo dos materiais visuais seu uso durante as visitas e sua circulaccedilatildeo posterior constituiu-se
em um conhecimento experiencial da proacutepria visita As fotografias satildeo relatos visuais construiacutedos
com possibilidades de reproduccedilatildeo e propriedades materiais que influenciam na forma de leitura
de seus conteuacutedos Nas fotografias a visita oscila entre uma viagem de estudo e de turismo Os
estudantes trazem imagens de lugarespaisagens e objetos (sem pessoas) pessoas em
lugarescenaacuteriosobjetos e poucas com pessoas isoladas de cenaacuterios Quando confrontadas agraves
imagens produzidas pelos museus em cataacutelogos e materiais de divulgaccedilatildeo o cenaacuterio eacute destacado
sem a presenccedila de pessoas os objetos satildeo apresentados isolados sem a encenaccedilatildeo da exposiccedilatildeo
Nessa pesquisa selecionei fotografias-chave (amostras) de um quadro mais amplo de
originais Os objetivos dos fotoacutegrafos eram documentar a viagem nem sempre com a finalidade
de exibir as imagens Os relatos entregues para avaliaccedilatildeo trazem um primeiro corte feito pelos
seus produtores diretos os estudantes Era preciso imprimir os arquivos digitais Os viacutedeos e as
repeticcedilotildees satildeo deixados de lado As imagens armazenadas pelos estudantes tambeacutem eram
produzidas com a finalidade de exibiccedilatildeo para familiares e para compor um aacutelbum pessoal As
imagens impressas satildeo utilizadas e socializadas entre o grupo e se repetem em vaacuterios relatoacuterios de
visita A circulaccedilatildeo das imagens dado o seu suporte digital motiva a colaboraccedilatildeo e daacute iniacutecio a
uma narrativa com exerciacutecios de exploraccedilatildeo e descoberta
As fotografias trazem para a pesquisa uma dupla dimensatildeo Eacute marcante seu caraacuteter
documental mas elas natildeo permitem afirmaccedilotildees generalizantes Apresentam eventos especiacuteficos e
a anaacutelise depende das condiccedilotildees de produccedilatildeo e natildeo apenas da narrativa e do conteuacutedo
apresentado A produccedilatildeo das fotografias envolve negociaccedilotildees entre o criador da imagem e as
circunstacircncias sociais e teacutecnicas de produccedilatildeo (autorizaccedilatildeo iluminaccedilatildeo composiccedilatildeo)
Na pesquisa as fotografias tiveram uma primeira entrada com valor documental (dado
visual) que as considera como ato de criaccedilatildeo de um fotoacutegrafo e eacute resultado de condiccedilotildees
especiacuteficas de produccedilatildeo Em quadro mais complexo que esse primeiro de produccedilatildeo das imagens
estaacute a ediccedilatildeo ou os criteacuterios de seleccedilatildeo da pesquisa que reinscrevem as fotografias numa nova
coleccedilatildeo junto a outras que tambeacutem aderem ao plano da anaacutelise
161
As fotografias vieram ao encontro da necessidade de narrar e trazem as intenccedilotildees de
presenccedila como parte da accedilatildeo dos visitantes que se apresentam como o principal conteuacutedo das
imagens Nas fotografias dos visitantes eles compotildeem uma narrativa na qual utilizam os edifiacutecios
e objetos dos museus como um cenaacuterio (enquadramento da accedilatildeo) uma narrativa em que eles
visitantes satildeo os sujeitos Haacute nas fotografias uma biografia uma auto-representaccedilatildeo de si e do
grupo O registro fotograacutefico externaliza aspectos natildeo visiacuteveis e gera conhecimentos sobre as
visitas e visitantes Longe do local de produccedilatildeo as imagens satildeo reelaboradas pela pesquisa com o
propoacutesito de circulaccedilatildeo mais ampla natildeo com o propoacutesito de identificar indiviacuteduos especiacuteficos
mas de projetar mais longe o olhar dos visitantes
As fotografias dos visitantes selecionadas pela pesquisa trazem essa dimensatildeo da
presenccedila Os estudantes se posicionam ao lado direito e esquerdo da escultura do escravo do
tronco abraccedilam Dom Joatildeo VI montam e desmontam as exposiccedilotildees visitadas com criteacuterios de
relevacircncia pessoal Trazem sedimentos das heranccedilas culturais como o ldquoimaginaacuterio do troncordquo que
circunda conceitos de escravidatildeo Colocam clivagens historiograacuteficas como o cotidiano e a vida
privada em museus marcados por exposiccedilotildees de vieacutes poliacutetico e nacionalista
Os referentes oferecidos pelos museus satildeo partilhados ou confrontados Nascem nos
relatos hiacutebridos ediccedilotildees coleccedilotildees em novos formatos Nos museus visitados os estudantes
fotografam o espaccedilo organizado os iacutecones do acervo (pinturas esculturas) e os artefatos da
museologia (desenhos projeccedilotildees e cenaacuterios) Haacute um museu concreto e um museu imaginado
ambos reconstruiacutedos pelos visitantes O visitante faz o uso do museu durante a visita e recria o
lugar dando-lhe outras dimensotildees espaciais
A anaacutelise das visitas ao Museu do Escravo e Museu Histoacuterico Nacional pode ser
entendida como um movimento de circulaccedilatildeo entre o momento efetivo da praacutetica pedagoacutegica e de
formaccedilatildeo e o momento de reflexatildeo na leitura dos relatos jaacute constituiacutedos indicando a construccedilatildeo
de sensibilidades que envolvem todo trabalho com a cultura e uma orientaccedilatildeo para a vida praacutetica
daqueles implicados na dinacircmica das visitas A experiecircncia de visita possui junto a sua dimensatildeo
praacutetica uma qualidade esteacutetica dada natildeo pelo resultado final mas pelo movimentotranscurso da
accedilatildeo Eacute um agir e padecer frente agraves coisas fiacutesicas e imaginadas Une eventos e objetos numa
relaccedilatildeo muacutetua de extensatildeo e profundidade As visitas a museus geram conhecimentos e narrativas
agrave medida que permitem uma aprendizagem pela observaccedilatildeo e pela proacutepria experiecircncia
162
O Museu Histoacuterico Nacional transcende as barreiras do tempo e traz uma loacutegica
museoloacutegica ainda proacutexima do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (IHGB) marcada pela
exaltaccedilatildeo dos feitos grandiosos nas esferas militar e poliacutetica e com pouco interesse pelo
cotidiano O museu resiste ao tempo presente Mas os visitantes natildeo fazem essa leitura e se
colocam na praacutetica de sua atualizaccedilatildeo Representam a si mesmos na exposiccedilatildeo e se apropriam de
seu acervo num arquivo fotograacutefico
No Museu do Escravo ocorre algo semelhante Se eacute legiacutetimo destacar que as praacuteticas de
colecionismo e a exposiccedilatildeo do museu alimentam preconceitos raciais e estereoacutetipos os visitantes
natildeo apenas fizeram a criacutetica dessas praacuteticas como redefiniram eles mesmos a coleccedilatildeo de objetos
curiosos Mais uma vez remontaram o acervo nas suas narrativas escritas e visuais
O procedimento de leitura das exposiccedilotildees que implica em montagem e desmontagem de
coleccedilotildees foi experimentado pelos estudantes no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto ou seja numa
visita a museus O conteuacutedo de uma exposiccedilatildeo tambeacutem eacute utilizado para analisar outras Os
museus satildeo comparados entre si Os criteacuterios satildeo internos (museus) e natildeo externos (escola
historiografia)
O tipo de argumento predominante nas narrativas natildeo vem diretamente de leituras ou
discussotildees teoacutericas embora elas sejam utilizadas como no caso da escravidatildeo Os argumentos
produzidos nas narrativas satildeo configurados na proacutepria experiecircncia que oscila entre ldquoefeitos de
presenccedilardquo por estar dentro do museu ver a exposiccedilatildeo e ldquoefeitos de sentidordquo (o que leu estudou
sobre escravidatildeo histoacuteria do Brasil)
Pode-se concluir que as visitas trouxeram uma seacuterie de efeitos formativos para os
estudantes-visitantes Desencadearam afirmaccedilotildees sobre a identidade profissional verbalizaram
sentimentos e pensamentos sobre o pertencimento cultural ao tempo presente e estimularam a
reflexividade sobre o exerciacutecio da escrita da histoacuteria em museus Os relatoacuterios tambeacutem validaram
algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida que operavam uma ponte entre as concepccedilotildees particulares
e localizadas elaboradas em reaccedilatildeo quase imediata ao contato com o patrimocircnio musealizado e
outra dimensatildeo teoacuterica mais ampla acionada pela leitura e seleccedilatildeo de trechos que recebiam um
novo formato com a pesquisa
Os relatos criaram condiccedilotildees de reconhecimento visibilidade puacuteblica e social a realidades
locais como eacute caso do Museu do Escravo em Belo Vale Minas Gerais Colaboram tambeacutem para
163
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo A visita ensina que os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos onde satildeo
construiacutedas diferentes formas de ver a sociedade e nesse aspecto ajudam a tornar visiacuteveis as
temporalidades
As visitas se apresentam como uma praacutetica de coletar e a nova coleccedilatildeo passa a circular de
maneira tambeacutem inovadora frente ao acervo dos museus Os relatos integram elementos orais
textuais e visuais em um conjunto que dialoga com os valores e significados da cultura dos
museus e da cultura escolar Os visitantes fazem um uso praacutetico dos museus e da historiografia
para elaborar um conhecimento histoacuterico que utiliza novas formas de seleccedilatildeo e organizaccedilatildeo da
memoacuteria
Para ser coerente com o tema tentei apresentar a pesquisa de um modo mais narrativo
menos cronoloacutegico que contasse a histoacuteria dos sujeitos da pesquisa Uma ldquomanufaturardquo que
pudesse se contrapor aos ldquoprodutoresrdquo institucionalizados nos museus e oacutergatildeos de pesquisa
Talvez tenha encontrado ao final uma soluccedilatildeo para a impressatildeo dos visitantes que me
intrigou durante quatro anos Quando saem do museu saiacuteram de uma sala de aula As visitas satildeo
viagens ao interior mas levam para aleacutem dos horizontes fazem experimentar sentimentos de
turista viajante estudante historiadores natildeo importa Satildeo uma viagem pelo espaccedilo (museu) mas
por pouco tempo deve-se manter a cabeccedila no lugar (sala de aula)
A tentativa de entender o visitante como um ldquoespectador emancipadordquo como um viajante
que carrega sua proacutepria bagagem seus emblemas de pertencimento cultural agrave profissatildeo docente e
inclui suas observaccedilotildees sobre os territoacuterios oficiais da memoacuteria implica em considerar que a
exclusatildeo cultural existe de fato e a reivindicaccedilatildeo ao direito de participaccedilatildeo na gestatildeo cultural
implica em afirmar e reconhecer espaccedilos como os dos museus como ldquocasas de pertencimentordquo e
de ldquopresenccedilardquo do visitante
Os visitantes em questatildeo satildeo a expressatildeo desse direito agrave participaccedilatildeo cultural Num
primeiro momento se coloca ainda como um estrangeiro um estudante que faz sua primeira visita
ao museu mas que a partir desse primeiro encontro recebe uma espeacutecie de ldquosenhardquo que lhe
permite adentrar esse mundo dos museus Ser visitante afeta seu desejo no acircmbito da cultura
afeta sua formaccedilatildeo histoacuteria Suas narrativas de visita apontam esses deslocamentos novas
praacuteticas e roteiros de formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
165
DOCUMENTOS
1- Registros de estudantes das atividades de visita a museus
FIPEL ndash FACUDADES INTEGRADAS DE PEDRO LEOPOLDO Instituto Superior de
Educaccedilatildeo de Pedro Leopoldo Relatoacuterios de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto 2ordm
periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2005
______ Relatoacuterio siacutentese do Trabalho de Campo Visita a Belo Vale - MG Museu do
Escravo e Fazenda Boa Esperanccedila 4ordm periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2006
______ Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 7ordm periacuteodo Curso
de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2008
_______ Relatoacuterios individuais de visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis nos anos 2001
2005 2004 e 2007 Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2007
_______ Relatoacuterio final de Estaacutegio Supervisionado Projeto de integraccedilatildeo Museu- Escola
Visita de alunos do Ensino Meacutedio ao Museu Abiacutelio Barreto-BH Curso de Histoacuteria Pedro
Leopoldo 2000
Roteiro de Pesquisa para os Formadores Enviado para os professores que participaram do
trabalho de campo no Rio de Janeiro com a turma do 7ordm periacuteodo e outros 2008
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo
ao Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo com 9 alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria
ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG Feito com a ajuda da professora Cristiane Almeida (assistiu e
tomou notas) Total 7 paacuteginas
Entrevistas monitores-estagiaacuterios na exposiccedilatildeo ldquoFamiacutelia Ferrez novas revelaccedilotildees no Museu de
Artes e Ofiacutecios Belo Horizonte 2008
Diaacuterio de campo Observaccedilatildeo das visitas de trecircs escolas baacutesicas ao Museu de Artes e Ofiacutecios
Belo Horizonte 2008
166
2- Documentos das instituiccedilotildees visitadas
MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL - RJ
MUSEU Histoacuterico Nacional Um novo mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no
Brasil18082008 Brasil-Portugal Setor Educativo 50 paacuteginas 2008
______ Guia do Visitante Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura Rio de Janeiro 1957 36p
______ Informes do setor educativo Impresso 4 paacuteginas
______ Revista Didaacutetica da Exposiccedilatildeo Itinerante 28 paacuteginas 2005
______ Folheto de apresentaccedilatildeo do acervo e das exposiccedilotildees sd
______ Conhecendo o Museu Histoacuterico Nacional sd
TOSTES Vera Luacutecia Bottrel Um novo mundo um novo impeacuterio a corte portuguesa no Brasil
1808-1822 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Curadora Vera Luacutecia Bottrel Tostes curadoria adjunta Lia
Silva Peres Fernandes Rio de Janeiro Museu Histoacuterico Nacional 2008 192p
MUSEU DO ESCRAVO ndash Belo ValeMG
JULIAtildeO Letiacutecia Projeto de Revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de
Cultura de Minas Gerais Superintendecircncia de Museus Disponiacutevel emlt
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Turismo Belo Vale aqui comeccedilou Minas Gerais Administraccedilatildeo 20052008 4 p
Outros documentos
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Nacional de Museus Brasiacutelia 2003 Disponiacutevel em lt WWW museusgovbrgt Acesso em 2008
FIPEL ndash FACUDADES INTEGRADAS DE PEDRO LEOPOLDO Instituto Superior de
Educaccedilatildeo de Pedro Leopoldo ndash Projeto Pedagoacutegico do Curso de Histoacuteria Histoacuteria Pedro
Leopoldo MG 2004
IBRAN- Instituto Brasileiro de Museus Cadastro Nacional de Museus Disponiacutevel em
ltWWWmuseusgovbrgt Acesso em 2010
OBSERVATOacuteRIO de Museus e Centros Culturais I Boletim Pesquisa Piloto Perfil-Opiniatildeo
2005 Onze Museus e seus visitantes Rio de Janeiro e Niteroacutei Ano 01 Agosto 2006
UNIRIO Escola de Museologia SAacute Ivan Coelho de (Coord) Recuperaccedilatildeo e preservaccedilatildeo da
memoacuteria da museologia no Brasil Rio de Janeiro 2007 Disponiacutevel em
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2010
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CeacuteuLOPES Joseacute Manuel Narrativas Histoacutericas e Ficcionais Recepccedilatildeo e Produccedilatildeo para
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Satildeo Paulo Brasiliense 2000 p71-142
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reproduccedilatildeo no seacuteculo XIX brasileiro In Revista Tempo Brasileiro V87 Rio de Janeiro
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___________ Cada coisa em seu lugar Ensaio de interpretaccedilatildeo do discurso de um museu
de histoacuteria Anais do Museu Paulista Anovol 89 n 9 Satildeo Paulo p 151-176
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biograacutefico-narrativa en educacioacuten Revista Electroacutenica de Investigacioacuten Educativa 4 (1)
2002 Diponiacutevel em lt httpredieuabcmxvol4no1contenido-bolivarhtmlgt Acesso em
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seu puacuteblico Editora Zouk 2003
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graduados em histoacuteria da PUC-SP Educ Satildeo Paulo (17) nov1998 p 281-315
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Paulo UNESP Museu Paulista 2005
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meacutetodos Lisboa Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias 1997 (Cadernos
de sociomuseologia n 10)
BRUNO Maria Cristina Oliveira Museologia e museus os inevitaacuteveis caminhos
entrelaccedilados Lisboa Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias 2006
(Cadernos de Sociomuseologia 25)
CAIMI Flaacutevia Eloisa Conversas e controversas o ensino de histoacuteria no Brasil (1980-
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188
ANEXOS
Anexo A- Roteiro de coleta de dados estudantes de licenciatura em Histoacuteria 2008
Total de questionaacuterios respondidosdevolvidos 17 estudantes
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS- UNICAMP
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO ndash DOUTORADO
ALUNA Elizabeth Seabra ORIENTADORA Dra Ernesta Zamboni
Roteiro de pesquisa ldquoAccedilatildeo educativa em museus e formaccedilatildeo docenterdquo
Observaccedilatildeo vocecirc poderaacute marcar mais de uma alternativa ou numeraacute-las de acordo com suas preferecircncias
Parte I-
1-Sexo Masculino ___ Feminino ______ Idade _______anos
2-Exerce atividade profissional remunerada Sim _____Natildeo____
Qual (com precisatildeo)_____________________________
3-Lugar de residecircncia (cidadebairro) ______________________
4-Quantos anos de escolaridade (contando da escola infantil ateacute a atual) _________
5-Costuma praticar alguma atividade recreativa Sim ____ Natildeo _____
Qual_________________
6-Indique aproximadamente em que faixa se situa a renda de sua famiacutelia em Salaacuterios Miacutenimos (e
natildeo apenas do chefe de famiacutelia)
1 a 3 SM ____4 a 6 SM ___7 a 9 SM ____mais de 10 SM ____
Parte II-
7-Vocecirc iraacute visitar um MuseuExposiccedilatildeo
1ordf Vez ____ 2ordf Vez_____ 3ordf Vez _____ 4ordf Vez ____ Acima de 4 vezes _____
8-Quando ouve ou lecirc a palavra MUSEU o que lhe vecircm agrave mente Diga trecircs palavras que vocecirc
associa a museu
1-________________ 2-____________________ 3- _______________
9-Diga trecircs coisas que tem em um museu
1- ________________2-__________________3 - ________________
10-Se vocecirc iraacute visitar pela primeira vez um museuexposiccedilatildeo nova sua ideacuteia eacute ver
1- ____Natildeo tem ideacuteia do que encontraraacute
2- ____O proacuteprio museu 3- ____As exposiccedilotildees especiacuteficas daquele museu
4- ____Participar de atividades culturais (cursos apresentaccedilotildees musicais)
189
Parte III-
11-Quando visitou pela primeira vez um museu
1- Com que idade (aproximadamente)_______
2- Com quem ________________________
3- Em que museu _____________________
4- Em que ocasiatildeo turismo ____ visita familiar____ visita escolar ____ Outros ___
5- Indicar qual________________
12-O que o levou a visitar museusexposiccedilotildees
_____1- Uma visita organizada pela escola
_____2- Recomendaccedilatildeo de algueacutem
_____3- Para acompanhar filhosfamiliaresamigosnamorados _____4- porque tem o costume e interesse em visitar museusexposiccedilotildees
_____5- Outras razotildees (indicar com precisatildeo)_____________________
13-Considerando os uacuteltimos trecircs anos vocecirc foi a museus
1- soacute______ 2- com os filhosfamiacutelia _____ 3- com amigos______
4- com um grupo organizado_______
14-Se jaacute entrou mais de 4 vezes em um museu queira indicar os trecircs uacuteltimos museus que visitou
1 ___________________2___________________3__________________
15-Nos museus visitados o que mais lhe agradou
____ 1-O passeiolazer como um todo
____2- A infra-estrutura o atendimento e serviccedilos de apoio
____ 3- Obras de arte objetos nunca vistos anteriormente
____4- Conteuacutedo e organizaccedilatildeo das exposiccedilotildees
____5- Nada agradou
____ 6- Outros ______________
16-Quais foram as dificuldades encontradas para realizaccedilatildeo das visitas a museus
____ 1- Natildeo acolhimento (funcionaacuterios monitores guias)
____ 2-Custo da visita (ingressodeslocamento)
____ 3- Ritmo da visita e conduccedilatildeo dos monitores
____4- Desconhecimento do tipo de acervo especiacutefico ____5- Dificuldade de acompanhar por falta de informaccedilotildees preacutevias
17-Durante as visitas a museus vocecirc
___1- Sente-se confortaacutevel ___ 2-Amplia seus horizontes de conhecimentos
___3-Interessa-se pelos assuntosexposiccedilotildees ___4- Diverte-se
___ 5-Sente-se desconfortaacutevel apreensivo ___ 6- Outros _____________________
18-Quais as impressotildees vocecirc tem quando sai de um museu
____ 1-Saiu de uma igreja ____ 2-Saiu de uma biblioteca
____ 3-Saiu de um shopping Center ____ 4-Saiu de uma sala de aula
____ 5-Saiu de uma sala de espera ____ 6- Outras imagens Quais _____________________
Parte IV
Deseja continuar colaborando com a pesquisa Sim ( ) Natildeo ( ) Em caso positivo por favor indique
Nome ___________________________
Telefone para contato ________________ e-mail ____________________________
190
Anexo B- Perfil dos visitantes
Graacuteficos elaborados a partir dos questionaacuterios acima Total de 17 estudantes Natildeo foram
elaboradas porcentagens
Graacutefico 1- Ocasiatildeo da visita ao museu
Visita escolar 16 visita familiar 2 turismo 1 outros 1
Graacutefico 2- Com quem visitou o museu a primeira vez
Escola 16 professora da faculdade 4 colegas da faculdade2 pais 2 grupo escolar 1viagem
m famiacutelia 1
191
Graacutefico 3- Com quem foi ao museu nos uacuteltimos anos
Graacutefico 4- Quantas vezes visitou museus
192
Graacutefico 5- Trecircs uacuteltimos museus visitados
Graacutefico 6- Primeira coisa a ver em um museu
193
Graacutefico 7- Como se sente durante a visita
Graacutefico 8 - Palavras associadas a museu
194
Graacutefico 9 - Coisas que tem em museus
Graacutefico 10- O que mais agradou nos museus
195
Graacutefico 11- Impressatildeo quando sai do museu
196
Anexo C
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo no
Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo Participantes Weberton Warleson Aline Tiago Fabiana Frederico Daniele Fernando Claudilene ndash
alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG
Elizabeth Seabra e Cristiane Almeida (assistiu e tomou notas)
Elizabeth ndash EacuteEu jaacute falei na sala dessa teacutecnica do grupo focal e a gente vai trabalhar mais ou menos uma
hora uma hora e pouco e a ideacuteia eacute que cada um procure expressar de forma mais livre se isso eacute possiacutevel em grupo
as opiniotildees conceitos as impressotildees o que achar mais adequadoa gente grava e depois transcreve A gente vai
tratar basicamente de trecircs pontos de natildeo der natildeo for possiacutevel aiacute a gente vecirc se estaacute excedendo muito a gente trata soacute
de dois temas Primeiro eu queria que vocecirc fizessem uma apresentaccedilatildeo falando o que vocecircs acham que deve ser
registrado neacute a respeito da identidade da forma que vocecircs preferirem e jaacute falassem nesse primeiro ponto um pouco
de como eacute que vocecircs vecircem esse trabalho que a gente faz com visitas a campo visitas a museus que aspectos que
detalhes vocecircs destacam desse tipo de trabalho Entatildeo jaacute na apresentaccedilatildeo de forma raacutepida ir pensando nos trabalhos passados o que destacariam falariam dessas visitas esse eacute o primeiro ponto A gente faz uma primeira rodada falando
todo mundo a gente encerrada esse ponto Passa para outro e faz uma segunda rodada Pode ser Entatildeo taacute Eu posso
me apresentarvocecircs me ajudam neacute Eu estou aqui hoje como pesquisadora dessa temaacutetica mas claro as coisas natildeo
se separam sou algueacutem que jaacute vem trabalhando nos uacuteltimos trecircs quatro anos com essa turma as visitas meu nome eacute
Elizabeth
(dificuldade de comeccedilar) hesitaccedilotildees quem comeccedila a falar
Meu nome eacute Weberton estudo na Faculdade de Pedro Leopoldo Bem a respeito de visitas a museus
trabalhos de campo visitas a cidades histoacutericas ()a medida que vocecirc amplia seus horizontes faz vocecirc ter uma outra
visatildeo vocecirc contrasta passa ver na praacutetica o que viu na teoria uma metodologia diferente ver eacute isso
Elizabeth Obrigada natildeo precisa preocupar com o gravador natildeo
Meu nome eacute Warleson eu acho que essas visitas a museus cidades histoacutericas igual o Betatildeo falou o
Weberton falou que amplia os horizontes eu acho tambeacutem que natildeo existe um curso de Histoacuteria ou entatildeo um outro curso de licenciatura sem essas visitas teacutecnicas por que acho que ajuda a gente a compreender melhor a mateacuteria que
a gente estaacute estudando natildeo soacute na teoria mas a gente ta vivenciando ela tambeacutem na praacutetica A mesma coisa eacute como se
a gente tivesse dando aula A gente aprende mais tambeacutem para ta colocando essas visitas essas viagens quando a
gente tiver na sala de aula
Aline Eacute praacute mim o interessante dessas visitas a campo eacute que querendo ou natildeo a sala de aula eacute um espaccedilo
fechado as vezes fica assim cansativo vocecirc acaba natildeo entendendo neacute eacute entende mas natildeo tem aquela visatildeo assim
mais ampla e aiacute vocecirc tendo aquele contato com os locais assim como se diz os objetos histoacutericos eu acho assim
que daacute praacute gente um entendimento melhor Minha opiniatildeo eacute essa natildeo sei eacute para todo mundo pra mim o
entendimento da histoacuteria fica mais faacutecil
Meu nome eacute Tiago eacute no meu entender as visitas aos museus contribuem sim com o nossa aprendizagem
parafrasendo o Warleson em certa medida nos daacute a condiccedilatildeo de sair um pouco da teoria e cair um pouco mais na praacutetica se eu posso dizer assim a gente tem o contato com uma determinada realidade Pra vocecirc trabalhar histoacuteria
noacutes trabalhamos com coisas muito abstratas neacute agrave medida que vocecirc chega num museu e tem contato com
determinadas obras aquilo ali pode te remeter um pouco a respeito daquele determinado periacuteodo e entatildeo eacute por isso eacute
muito importante
Meu nome eacute Fabiana aleacutem de ser como aprendizado tambeacutem eacute uma forma de se entender esse conceito
essa ideacuteia de memoacuteria de se preservar o patrimocircnio a importacircncia que eacute alem de ser acho que eacute isso O estaacutegio
que a gente ta fazendo antes a gente tinha uma visatildeo muito limitada quando vocecirc ta dentro vocecirc comeccedila a entender
como eacute que eacute e o trabalho de campo te abre para isso tambeacutem
Frederico Eu acho que quando a gente tem essa oportunidade na Faculdade de ta realizando esse trabalho
de campo ele vem assim de uma forma a gente reconhecer o valor desses espaccedilos pra gente tambeacutem ta trabalhando
ta utilizando esses espaccedilos na escola que uma coisa que a gente vecirc que as escolas ateacute utilizam esses espaccedilos de
memoacuteria mas natildeo utilizam da maneira correta neacute e isso possibilita pra gente ta reconhecendo esses espaccedilos e taacute aprendendo como a gente pode ta utilizando esses espaccedilos a partir da sala de aula e ta reforccedilando essa parceria da
escola com o museu com espaccedilos de memoacuteria e colocando a questatildeo da memoacuteria da educaccedilatildeo patrimonial da
valorizaccedilatildeo neacute do patrimocircnio
197
Meu nome eacute Daniele eu acho fundamental especificamente num curso de licenciatura enfocando na aacuterea da
histoacuteria vocecirc ter esse diaacutelogo com a questatildeo que eacute falada dentro da Faculdade a questatildeo dos conceitos da histoacuteria
das mudanccedilas e permanecircncias e a ida a campo te possibilita infinitas reflexotildees sobre as questotildees que satildeo
confrontadas dentro da sala de aula E o fundamental natildeo soacute a questatildeo de ver a histoacuteria como abstrato mas muito
mais que isso eacute dar uma nova interpretaccedilatildeo quando vocecirc vai agrave campo Entatildeo abre os horizontes agrave medida que vocecirc
pode confrontar vaacuterias visotildees levando em conta o contexto vaacuterias fontes tambeacutem
Meu nome eacute Fernando Eu tambeacutem acho interessante essa ida a campo porque busca um maior
entendimento daquilo que vocecirc vecirc apenas no papel no texto Quando vocecirc vai a um local a um patrimocircnio histoacuterico
a um museu isso possibilita ta mais perto vocecirc vecirc peccedilas exposiccedilotildees aquilo te remete te leva aquele tempo
Elizabeth Agora natildeo tem jeito neacute Soacute falta vocecirc (riso)
Claudilene Eu acho muito importante essas visitas a campo porque aleacutem da gente ta conhecendo novos lugares a gente aprende vaacuterias coisas sobre o passado com relaccedilatildeo ao presente aquilo que por exemplo quando a
gente foi no Museu do Escravo mesmo aquilo que aquelas pessoas passaram naquela eacutepoca os objetos que estatildeo laacute
representados que usavam nos castigos naqueles escravos eu acho muito interessante a histoacuteria neacute
Elizabeth Obrigada (risos) Olha soacute tem duas outras questotildees vou fazer junto e vocecircs fiquem agrave vontade
para falar mais de uma ou outraporque se tiver algueacutem que natildeo vai ao Rio de Janeiro pode responder mais uma ou
outra Todos vatildeo Haacute bom Por que eacute o seguinte o primeiro eu gostaria que vocecircs tentassem relatar ou descrever
trabalhos que jaacute foram feitos Lembrar da situaccedilatildeo o que viu que tipo de fato de contribuiccedilatildeo esse trabalho trouxe
neacute mas assim tentar lembrar alguma referecircncia dessas visitas e aiacute descrever o que aconteceu o que chamou a
atenccedilatildeo natildeo precisa ser soacute que gostou natildeo pode ser tambeacutem o que achou difiacutecil complicado pode avaliar o que de
fato foi essa visita essa experiecircncia e depois a gente coloca a terceira para encerrar Pode ser Vamos comeccedilar daqui
de novo Alguma visita que vocecirc lembra que participou o que chamou a atenccedilatildeo (repete esclarece ) Claudilene Como eu jaacute falei do Museu do Escravo a representaccedilatildeo das peccedilas Naquele laacute de BH Como
chama (respondem) Abiacutelio Barreto Eacute Abiacutelio Barreto gostei demais Pode falar de outros que eu fui Eu fui tambeacutem
em um (Vocecirc foi sozinha) Fui com minha famiacutelia Famiacutelia trapo Foi todo mundo no museu de JK laacute tambeacutem o
que mais interessante que eu achei laacute foi que ele colocou laacute no museu dele o que ele mais gostava na parte da
culinaacuteria Ele gostava de comida no fogatildeo agrave lenha e tinha um queijo laacute em cima do fogatildeo e de preferecircncia de panela
de barro Isso foi que mais gostei
Elizabeth Quando eacute que vocecirc foi Foi recente
Claudilene Eu fui laacute acho em 1994 Nesse museu em Brasiacutelia Teve um em Caraccedilas que eu fui mas soacute que
laacute de Caraccedilas eacute mais soacute eacute artigos religiosos
Elizabeth Vocecirc foi antes de entrar na Faculdade
Claudilene Antes de entrar na Faculdade Fui de JK em Cordisburgo Daquele escritor Ahm (Guimaratildees Rosa) Eacute Guimaratildees Rosa Eu adoro museu
Elizabeth Obrigada
Fernando O Museu que eu mais gostei achei super interessantefoi justamente na eacutepoca que gente tava
entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma visita ao Museu Abiacutelio Barreto em
BHOnde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito
aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava com ele um
laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer uma exposiccedilatildeo como organizar uma
exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo
mostrar aquilo que ta querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super interessante
assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria
Elizabeth Valeu Fernando
Daniele Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles explicaram pra gente como eacute que eacute feita
a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou
natildeo Outro Museu que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por mais que
assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas discutir comentar e as vezes se
faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito
Elizabeth Obrigada
Frederico O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a gente fez
na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E logo depois quando eu comecei a fazer
o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a
198
quantidade de pessoas que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute muito
seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo quais satildeo os materiais que vatildeo ser
expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me
chamou muito a atenccedilatildeo tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava meio perdido ali dentro e
achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar
o entendimento da exposiccedilatildeo e para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse
entender tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar
Elizabeth Soacute Fred uma pequena intervenccedilatildeo Vocecirc mencionou um estaacutegio e a Fabiana tambeacutem Soacute
rapidamente eu gostaria que vocecirc falasse para que algumas pessoas saibam e registrar vamos dizer assim que
estaacutegio eacute esse que vocecirc ta fazendo Frederico A gente comeccedilou esse ano a partir do dia 08 de janeiro um Estaacutegio institucional supervisionado
pela Faculdade Gente taacute realizando no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto todas as semanas a gente vai
periodicamente E no iniacutecio a gente realizou um trabalho de estudo junto com o setor educativo do museu eacute a gente
trabalha direto com o setor educativo no iniacutecio foi um grupo de estudos e a agora a gente jaacute estaacute comeccedilando a partir
dos atendimentos das intervenccedilotildees que o setor faz com os alunos e a gente ta comeccedilando a aprender para que a gente
possa tambeacutem fazer essas intervenccedilotildees Ta sendo muito bacana porque a gente ta conseguindo fazer essa ligaccedilatildeo da
escola com o museu ateacute mesmo por estar trabalhando no setor educativo do museu Taacute dando para aprender bastante
coisa
Fabiana Aprender tambeacutem a importacircncia que eacute a ligaccedilatildeo da escola com o museu A experiecircncia em museu
o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute
que a nossa visita foi guiada foi muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom foi vocecirc ter uma
direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que
direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim No Abiacutelio Barreto estaacute sendo
fantaacutestica a experiecircncia ainda mais no setor pedagoacutegico que a gente ta trabalhando
Tiago No meu caso natildeo eacute o Museu Abiacutelio Barreto natildeo eacute o Museu Imperial nem o Museu do Escravo
(risos) mas () porque eu natildeo tive a oportunidade de ir ( natildeo gosto nem de lembrar) um museu que se destacou
entre os que jaacute visitei foi o Museu Padre Toledo em Tiradentes eu acho que basicamente quase ningueacutem teve a
oportunidade de visitar num cronograma tatildeo corrido dentro das perspectivas de trabalho de campo que o Geraldo
propocircs Entatildeo ningueacutem parou para ver neacute mas eu tive a sorte de que duas semanas antes eu tinha ido laacute entatildeo eu
fui no museu e notei uma coisa muito interessante que eram vaacuterias peccedilas que remetem ao seacuteculo XVIII mas vaacuterias
peccedilas que natildeo tem uma interlocuccedilatildeo a exposiccedilatildeo natildeo te daacute uma oportunidade de fazer uma ligaccedilatildeo entre elas acho que eles se preocuparam tanto em expor o seacuteculo XVIII uma casa do seacuteculo XVIII mas a gente eu no caso natildeo tive
a oportunidade de perceber a ligaccedilatildeo que tinha
Elizabeth Obrigada Tiago
Aline Bom no meu caso natildeo foi o museu natildeo foi o Arquivo da Cidade de BH Eu achei interessante
porque a gente pode ver laacute como que se daacute o armazenamento dos documentos porque se natildeo tiver esse cuidado ele
acaba perdendo no tempo Entatildeo a gente aprendeu laacute o que eacute interessante guardar como que eacute feita a higienizaccedilatildeo
desse material para poder ser guardado e uma que assim que natildeo me agradou muito foi o Museu de Histoacuteria Natural
da PUC A exposiccedilatildeo era interessante demais mas acho assim que era mais voltado para crianccedila sabe As guias do
dia laacute falavam uma linguagem meio infantil acabou que a gente foi com a disciplina de Histoacuteria da Aacutefrica A
professora precisou intervir porque tava uma coisa assim (intervenccedilatildeo do Colega foi Histoacuteria da Ciecircncia e da
Teacutecnica) Foi da Aacutefrica Natildeo foi terceiro periacuteodo Essa mateacuteria aiacute aiacute a professora pode citar o nome Ela precisou
intervir porque natildeo tava sendo interessante para a gente tava muito mecanizado Ela teve que nortear a coisa para estar de acordo com a nossa disciplina O palaacutecio imperial tambeacutem foi bastante interessante mas tambeacutem natildeo deu
nem para observar direito as peccedilas porque foi muito corrido Eacute isso aiacute
Elizabeth Soacute um segundo sei que vai cansando e a gente comeccedila a falar junto mas depois eu natildeo consigo
fazer a transcriccedilatildeo Entatildeo por favor
Warleson Eu jaacute fui no Museu de Guimaratildees Rosa e na eacutepoca eu tava na 8ordf Seacuterie e gostei bastante de ter
ido depois eu ateacute passei na gruta de Maquineacute que eu natildeo sei se entra aqui se eacute o caso() eu gostei mas natildeo lembro
muito do que foi falado laacute soacute lembro que eu fui Eu gosto muito de visita assim tem uma igreja laacute em Congonhas
tambeacutem que eu jaacute visitei e gostei muito do Museu de Artes e ofiacutecios em BH de como que se dava o processo de
trabalho da eacutepoca da exposiccedilatildeo que eu natildeo lembro o tempo a memoacuteria agora ta curta Eu gostei tambeacutem do Museu
199
do Escravo tambeacutem Eu gosto muito dessa ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte
principalmente na religiatildeo
Elizabeth Soacute uma coisa W Vocecirc mencionou Guimaratildees Rosa mesmo em Congonhas vocecirc foi sozinho
com amigos em grupo com a escola
Warleson Laacute no Museu de Guimaratildees Rosa eu fui com a escola quando tava na 8ordf Seacuterie Em congonhas
foi uma excursatildeo que a gente faz para um parque Parque da Cachoeira que tem laacute aiacute a gente passa nessa igreja para
fazer a visita A igreja na eacutepoca estava em reforma mas a gente podia entrar laacute dentro
Elizabeth Aiacute satildeo amigos
Warleson eacute uma excursatildeo assim um especial
Elizabeth Obrigada
Weberton (riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era estruturado objetos que ao mesmo tempo ()
visatildeo que tinha do negro mostrando eles simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa
faltou assim a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro que tinha na
eacutepoca
Elizabeth A questatildeo do terceiro ponto e nossa uacuteltima rodada eacute a nossa visita ao Rio de Janeiro A visita estaacute
marcada pela ideacuteia da comemoraccedilatildeo dos 200 anos da vinda da famiacutelia real e de propoacutesito tambeacutem a gente escolheu
visitas a algumas das exposiccedilotildees relacionadas a esse evento e certamente a gente vai poder conversar sobre o que
foi fazer laacute Mas eu gostaria que vocecircs falassem pensassem da expectativa da visita claro eu imagino que a
expectativa eacute boa alta mas como vocecircs relacionam a questatildeo da memoacuteria que jaacute abordaram que estaacute presente nos
museus e nestes espaccedilos que a gente costuma visitar e questatildeo da histoacuteria e aiacute a gente pode pensar um pouco no
sentido dessa histoacuteria escrita da historiografia daquela eacute trabalhada nos textos na sala de aula e a questatildeo da comemoraccedilatildeo Como vocecirc fazem vecircem isso comemoraccedilatildeo histoacuteria e memoacuteria Como relaciona isso antes das
visitas Como estaacute na cabeccedila tem relaccedilatildeo natildeo tem Natildeo eacute preciso fazer nenhuma tese mas como vecircm noacutes vamos
para um evento assim uma seacuterie de exposiccedilotildees relacionadas a uma comemoraccedilatildeo Aiacute noacutes estamos tratando da
questatildeo da memoacuteria e da histoacuteria Como vocecircs pensam que isso pode ser organizado pensado Pode ser Agora vou
fazer assim quem quer comeccedilar
Daniele Eu acho assim o interessante eacute porque os professores datildeo uma base muito boa para quando vocecirc
vai para a discussatildeo Por mais que a gente vai num periacuteodo assim com essa intenccedilatildeo Taacute sendo comemorado Eacute
muito importante as visitas em diferentes tempos mas eu acho que deve ter um certo cuidado ter uma visatildeo criacutetica
porque essa comemoraccedilatildeo pode daacute uma organizaccedilatildeo para enaltecer essa comemoraccedilatildeo Analisar mas analisar de
forma criacutetica saber se essa comemoraccedilatildeo tem Natildeo sei se consegui me expressar
Elizabeth algueacutem quer tentar expressar Tiago Na verdade pensar a historicidade do evento Se natildeo fica muito naquele negoacutecio do oba oba se natildeo o
propoacutesito principal se perde e
Frederico Aiacute que entra a questatildeo da memoacuteria Eu acho que nem a D falou ser criacutetico A gente ir assim para
focar o ato de comemoraccedilatildeo O que estaacute sendo comemorado Por que Ir com alguns questionamentos e ter alguns
filtros para natildeo ir muito para o lado do () a valorizaccedilatildeo da memoacuteria e buscar nesses momentos o valor histoacuterico
Tiago E o por que de estar sendo comemorado Na Verdade eacute um fato relevante na histoacuteria do Brasil mas
quais que satildeo as pretensotildees de se fazer essa comemoraccedilatildeo quais as implicaccedilotildees disso
Frederico Eu acho que nem tanto o por que mas como estaacute sendo neacute Como eles estatildeo fazendo isso De
que forma estatildeo representando esse momento Momento a chegada da famiacutelia real como isso estaacute sendo
representado
Elizabeth Na cabeccedila de vocecircs esse momento Chegada da famiacutelia real tem uma ldquoaurardquo tem uma
importacircncia Como vocecircs vecircem isso WebertonSim Mudou os rumos do Brasil porque ateacute entatildeo tinha a vigecircncia do pacto colonial (fim da fita
em um dos gravadores) Tinha o comeacutercio metroacutepolecolocircnia e com a vinda da famiacutelia real a abertura dos portos
favorece uma burguesia colonial natildeo sei se burguesia mas a elite brasileira passou experimentar novos mercados
comeacutercios e e isso eacute importante porque a partir do momento que Portugal abriu os portos a elite brasileira viu que
natildeo era vantagem natildeo aceitou mais e comeccedilou a organizar movimentos civis que vai culminar na Independecircncia do
Brasil
Daniela E isso que o B ta falando eacute justamente a de analisar como foi esse acontecimento e qual a visatildeo
que estaacute sendo repassada nessas exposiccedilotildees Tentar na medida do possiacutevel confrontarneacute
Tiago Aleacutem de um sentido poliacutetico e econocircmico a vinda da famiacutelia real traz um sentido cultural forte
200
Elizabeth Acho que ta encerrando mais algueacutem quer fazer alguma consideraccedilatildeo sobre a expectativa dessa
visita ao Rio o que espera ver o que jaacute viu o jaacute visitou
Frederico Conheccedilo Petroacutepolis
Frederico Questatildeo histoacuterica museus natildeo
Outros concordam
Observaccedilatildeo apenas uma participante disse jaacute conhecer o Rio de Janeiro Niteroacutei
Elizabeth Agradeccedilo a todos a Cristiane e depois retorno
201
Anexo D
ROTEIRO TRABALHO DE CAMPO ndash Rio de Janeiro DATAS Saiacuteda de Pedro Leopoldo 30042008 agraves 2230 (noite - quarta)
Retorno d o Rio de Janeiro 03052008 agraves 1200 horas (tarde- saacutebado)
ATIVIDADE ACADEcircMICA CIENTIacuteFICA E CULTURAL ndash 25 h-
5ordf Feira dia 01052008
Chegada ao Hotel Rio‟s Nice Hotel Rua do Riachuelo 201 Centro CEP 20230-011 Rio de Janeiro Rio
de Janeiro telefone 2297-1155 ndash cafeacute da manhatilde
1000 saiacuteda do Hotel para Visitaccedilatildeo ao Corcovado(Cristo Redentor)
Subida de Trem ao Corcovado Saiacuteda Rua Cosme Velho 513 Zona sul Telefones 24922252 e
22051045 Funcionamento de 8 30 agraves 18 30h saiacuteda a cada meia hora Duraccedilatildeo da viagem cerca de 20 minutos
Preccedilo da passagem R$ 3600(inclui ida e volta) aceita Cartotildees de Creacutedito Velocidade da subida 15 kmh Velocidade
da descida 12 kmh
Som e Luz na Antiga Seacute ndash agendado para o grupo chegar agraves 1000 h fazer a visita guiada ao interior da
Igreja e terminar com o espetaacuteculo agraves 1200 h com efeitos sonoros e iluminaccedilatildeo que conta a histoacuteria da antiga seacute Satildeo
projetadas sombras de personagens como reis e padres nas paredes Valor da entrada R4 600 (inclui a visita ao espetaacuteculo)
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO CARMO DA ANTIGA SEacute
A antiga catedral promovida a Capela Real em 1808 foi palco da sagraccedilatildeo de D Joatildeo VI como rei de
Portugal apoacutes a morte de D Maria I Ali se casaram o futuro D Pedro I e D Leopoldina da Aacuteustria em 6 de
novembro de 1817 Rua 7 de Setembro 14 centro 218176-4182 3a5a 9h17h e saacuteb 11h17h agende com
antecedecircncia
Almoccedilo
Horaacuterio 1600 agendado para o grupo
Visita a EXPOSICcedilAtildeO -RIO DE JANEIRO CAPITAL DE PORTUGAL EXPOSICcedilAtildeO ndash
COMEMORACcedilOtildeES DOM JOAtildeO VI NO RIO - 1808-2008
ART SESC - FLAMENGO Rua Marquecircs de Abrantes 99- Flamengo Sede administrativa (21) 3138-
1020 Arte Sesc (21) 3138-1343 Graacutetis
Exposiccedilatildeo mostra a chegada de D Joatildeo no Brasil A vinda para o Brasil de D Joatildeo priacutencipe regente de
Portugal e de sua comitiva e as radicais alteraccedilotildees sobre os destinos e a vida da colocircnia principalmente sobre os
haacutebitos e costumes da cidade apresentadas de forma abrangente os motivos que levaram agrave transferecircncia da Corte as
principais iniciativas por ele tomadas como a criaccedilatildeo do Banco do Brasil da Imprensa Reacutegia do Jardim Botacircnico e
da Capela Real e a chegada da chamada Missatildeo Francesa composta de arquitetos pintores gravadores e artiacutefices
para citar apenas algumas
Noite ndash livre
6ordf Feira dia 02052008
202
Horaacuterio agendado para o grupo 1000 h MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL Praccedila Marechal Acircncora centro
212550-9220R$ 600 EXPOSICcedilOtildeES ndashUM NOVO MUNDO UM NOVO IMPEacuteRIO A CORTE PORTUGUESA NO BRASIL Seu
acervo muito bem preservado e identificado inclui coleccedilotildees de armas carruagens louccedilas pratarias e objetos
pessoais da eacutepoca da corte Promove a partir de 8 de marccedilo uma das mais importantes exposiccedilotildees sobre o periacuteodo
Horaacuterio agendado para o grupo 930 h Biblioteca Nacional- 15 pessoas Av Rio Branco 219 Centro Telefone
21 2220-9484
Visita guiada agrave seccedilatildeo de Manuscritos Perioacutedicos Microfilmados Obras Raras e outros setores Edifiacutecio projetado por
Francisco Marcelino de Souza Aguiar foi inaugurado em 1910 Em estilo neoclaacutessico com imponente escadaria ateacute
o primeiro andar eacute circundado de colunas coriacutentias Seu acervo comeccedilou a ser reunido no seacuteculo XVIII Nele
destacam-se dois exemplares da Biacuteblia de Moguacutencia impressa em 1462 pelos continuadores de Gutenberg a ediccedilatildeo
dos Lusiacuteadas de 1572 a coleccedilatildeo De Angelis e a coleccedilatildeo Teresa Cristina doaccedilatildeo de D Pedro II
AlmoccediloHoraacuterio agendado 0 Exposiccedilotildees ndash Comemoraccedilotildees Dom Joatildeo VI no Rio de Janeiro 1808-20
O Teatro de Debret Entrada Franca
O Teatro de Debret eacute a maior exposiccedilatildeo jaacute realizada sobre Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pintor
integrante da Missatildeo Artiacutestica Francesa que viveu no Rio de 1816 a 1831 Com 511 obras sendo 346 aquarelas 151
pranchas litograacuteficas e cinco oacuteleos do artista aleacutem de nove trabalhos relacionados com ele a mostra revela o Rio
tanto sede do impeacuterio portuguecircs como do Brasil com todos os seus contrastes e exuberacircncias A mostra integra as
comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da Famiacutelia Real
O edifiacutecio onde hoje funciona a Casa Franccedila-Brasil jaacute foi palco de alguns eventos importantes de nossa histoacuteria Mandado erguer em 1819 por D Joatildeo VI ao arquiteto Grandjean de Montigny integrante da Missatildeo
Artiacutestica Francesa a obra em si jaacute eacute um importante documento Eacute o primeiro registro do estilo neoclaacutessico no Rio
de Janeiro que a partir daiacute invadiu nossa cidade tingindo o barroco de nossas florestas e de nossas casas coloniais
de um tom cosmopolita agrave moda europeacuteia
Noite Livre
Saacutebado dia 03052008 Visita ao Jardim Botacircnico Rua Jardim Botacircnico 1008 Exposiccedilatildeo Orquiacutedeas no Jardim
Centenas de espeacutecies entre elas a primeira espeacutecie nativa do paiacutes trazida pelo rei de Portugal Mostra exposiccedilatildeo
paralela Dom Joatildeo VI e a Exploraccedilatildeo e o Estudo das orquiacutedeas no Brasil que mostra a importacircncia da chegada da
corte para o desenvolvimento botacircnico do paiacutes Entrada R$ 400
Tour pela orla e praias de Copacabana Ipanema e outras
Retorno ndash saacutebado agraves 1200 ndash parada na Serra da Mantiqueira para observaccedilatildeo da paisagem
ii
iii
iv
Elton e Teresa
todo o amor que houver nessa vida
v
AGRADECIMENTOS
Agrave professora Ernesta Zamboni pela felicidade de ser sua orientanda participar de seu grupo
de pesquisa e de seu conviacutevio Pela dedicaccedilatildeo com a qual conduz o trabalho acadecircmico e o
cuidado com o ensino de histoacuteria
Agraves professoras do grupo Memoacuteria Maria do Carmo Martins Maria Carolina Boveacuterio
Galzerani Heloiacutesa Helena Pimenta Rocha e Vera Luacutecia Sabongi De Rossi com as quais tive o
prazer de compartilhar minha formaccedilatildeo na Unicamp Agrave professora Cristiani Bereta e ao professor
Miacutelton Joseacute de Almeida pela leitura e indicaccedilotildees quando do exame de qualificaccedilatildeo Agrave professora
Simone Maria Rocha e ao professor Julio Emiacutelio Pereira Diniz que me possibilitaram ampliar as
leituras teoacutericas e metodoloacutegicas desse trabalho ao me receberem como aluna em suas disciplinas
acadecircmicas na UFMG
Aos colegas orientandos da professora Ernesta Zamboni Elaine Marta Tadeu Halferd
Juliana e Valeacuteria pela convivecircncia em Campinas que incluiu discussotildees sobre os limites da
pesquisa e a ampliaccedilatildeo de meus horizontes de expectativas quanto agrave vida cotidiana
Agraves diversas pessoas e instituiccedilotildees como bibliotecas puacuteblicas e museus que possibilitaram
ao longo dos quatro anos a pesquisa bibliograacutefica e documental Registro em nome de todas as
contribuiccedilotildees um agradecimento a Ana Paula Soares Pacheco que natildeo me conhece mas me
enviou de Salvador um livro que esperava ansiosamente para concluir um argumento da tese
Ao pessoal da Faculdade de Pedro Leopoldo a quem devo aleacutem do carinho nos quase dez
anos de conviacutevio profissional a existecircncia dessa pesquisa sobre as visitas a museus Foi em Pedro
Leopoldo que nasceu o desejo de investigar a praacutetica de visitas e a elaboraccedilatildeo do projeto de
doutorado Agradeccedilo a Edna Marta Siuacuteves aos colegas professores Marcos Lobato Geovacircnia
Luacutecia dos Santos Geraldo Magela Mangnini Rafael Machado Cristiane de Castro e Almeida
Juacutenia Sales Pereira Rogeacuterio Pereira Arruda Andreacutea Casa Nova Maia Shirley Aparecida de
Miranda Joseacute Eustaacutequio de Brito Juacutenia Carolina Mariza Guerra de Andrade Ilza Gualberto
Eunice Esteves Humberto Catuzzo e outros que viveram os dias de formulaccedilatildeo e reformulaccedilatildeo
de projetos pedagoacutegicos trabalhos de campo atividades acadecircmicas cientiacuteficas e culturais e
que talvez natildeo desejem serem lembrados por isso
vi
Aos alunos das vaacuterias turmas do Curso de Histoacuteria da Faculdade de Pedro Leopoldo e em
especial da uacuteltima turma de histoacuteria que concluiu a licenciatura em 2008 Eles satildeo os sujeitos
instituiacutedos por essa pesquisa Eacute agrave memoacuteria dos estudantes que quero prestar meu agradecimento
na forma de registro institucional de tese
Aos amigos de ontem e hoje Silvana Flaacutevia Dulce Santuza Cynthia Rogeacuterio Cristiane
Juacutenia Nara Wanderley Miacuteria Miacuteriam e Meire Ao pessoal de casa pai matildee irmatildeo irmatildes
sobrinhas sobrinhos cunhada cunhados vizinhos sempre interessados em como estatildeo indo as
minhas coisas
Aos professores e alunos do Curso de Histoacuteria do Unibh em especial aos professores
Rogeacuterio Arruda e a professora Ana Cristina Lage com os quais tive o prazer de compartilhar um
reencontro com o sabor discutir historiografia agraves sextas-feiras agrave noite
vii
Vista do Salatildeo do seacuteculo XIII do Museu dos Monumentos Franceses
Gravada por Jean Baptiste Reacuteville e Jacques Lavalleacutee Paris 1816
ldquoA mais forte impressatildeo da infacircncia [] foi o Museu dos monumentos franceses tatildeo
desastrosamente destruiacutedos Foi laacute e em nenhuma outra parte que pela primeira vez tive a viva
impressatildeo da histoacuteria Ocupava aqueles tuacutemulos com minha imaginaccedilatildeo sentia aqueles mortos
atraveacutes do maacutermore e natildeo era sem algum terror que penetrava sob aquelas aboacutebodas baixas
onde jaziam Dagobert Chilpeacuteric e Freacutedeacutegonderdquo
Jules Michelet O Povo 1a Ediccedilatildeo Paris 1866
viii
RESUMO
O objetivo central da tese eacute analisar em que medida praacuteticas escolares de visitas a museus podem
romper com os saberes disciplinares e pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de
um conhecimento experiencial a ser mobilizado no ensino de histoacuteria Do ponto de vista teoacuterico
a pesquisa toma a ideia de visitante como um espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) e a
produccedilatildeo da cultura como um modo de vida comum perpassada pelas ideacuteias e praacuteticas sociais
(WILLIAMS 1969 e 1979) Do ponto de vista empiacuterico investiga-se como um grupo de
estudantes de Licenciatura em Histoacuteria em situaccedilotildees educativas de visita constroem sentidos
diversos para o patrimocircnio para o ensino de histoacuteria e a para a memoacuteria cultural Destacam-se
em especial as praacuteticas vivenciadas pelos visitantes no Museu do Escravo de Belo Vale (MG) e
no Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro
Palavras chave Visitantes de Museus Formaccedilatildeo Histoacuterica Patrimocircnio Memoacuteria Formaccedilatildeo de
Professores
ix
ABSTRACT
The main objective of this thesis is to analyze the extent in that school field trips to museums can
modify established disciplinary and pedagogical knowledge and directly influence the production
of knowledge from experience to be mobilized for the teaching of history From the theoretical
viewpoint this study considers the visitor as an emancipated spectator (RANCIEgraveRE 2010) and
the production of culture as a common way of life and determined by the social ideas and
practices (WILLIAMS 1969 and 1979) From the empirical viewpoint we investigated the way
how history licensure students construct various meanings to the heritage in field trips for the
teaching of history and the cultural memoryThe practices experienced by the visitors to the Slave
Museum in Belo Vale State of Minas Gerais and the National History Museum in Rio de
Janeiro state of Rio de Janeiro are given special emphasis
Keywords Museum Visitors History Formation Heritage Memory Teacher Education
x
Lista de ilustraccedilotildees
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura Production of CultureCultures of
Production Londres Sege 1997 32
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio interno do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006 33
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do Museu Histoacuterico Nacional
2008 33
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em 2011 35
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt Acesso em 2011 37
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila
Belo Vale MG 2006 72
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007 77
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no paacutetio central tendo ao
fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006 79
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da monitora no paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 79
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao tronco no paacutetio interno do
Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 80
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 83
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 84
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677 85
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I Palazzo Vecchio Firenze
1570-1573 86
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias da visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 88
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no Salatildeo (Quatre heures au
Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do Louvre Paris 1847 90
xi
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955 Ilustraccedilatildeo da capa de
The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros)
Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell 92
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962 Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo
produzida para a ediccedilatildeo do Saturday Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular 92
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus
visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009 98
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade de Belo Vale 110
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos visitantes 111
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm 113
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
Disponiacutevel em lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso em 2011 114
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo desconhecido Museu do Escravo
Belo Vale 2006 116
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 118
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno do Museu do Escravo 2006
119
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute Diegues Museu do
Escravo 2006 120
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil regente de Portugal
Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um
Novo Impeacuterio - A Corte Portuguesa no Brasil2008 p18 123
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Cultura 1957 130
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da Minerva Entrada do Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Cultura IPHAN Guia do Visitante sd 130
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional 132
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio
da Educaccedilatildeo e Cultura 1957 133
xii
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 134
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo Mundo um novo impeacuterio
A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 140
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro
2008 143
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
148
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 150
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave Exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 152
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio Janeiro 2008 152
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A metroacutepole nos troacutepicos
Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
154
xiii
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica 9
11- Memoacuteria e narrativas de visitas 13
12 - A presenccedila de estudantes 19
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica 25
14- Circuito e circularidade cultural 30
15- Visitantes de museus espectadores emancipados 39
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes 45
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico 45
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus 54
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos 58
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade 63
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes 71
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes 82
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal 82
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus 88
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus 94
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos 99
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais 109
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais 109
42 - O escravo e o museu 113
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo 115
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo 117
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees 122
xiv
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio 122
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros 134
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo 142
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica 149
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 158
DOCUMENTOS 165
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 168
ANEXOS 188
1
INTRODUCcedilAtildeO
A descriccedilatildeo feita historiador Jules Michelet (1798-1874) de sua visita na infacircncia ao
Museu dos Monumentos Franceses e seu encontro com a histoacuteria ldquovivardquo da Franccedila continua
estimulando reflexotildees sobre os efeitos de sentidos dos museus para a histoacuteria a memoacuteria e o
patrimocircnio A visatildeo de Michelet a respeito dos tuacutemulos de maacutermore dos heroacuteis meroviacutengios
remete aos vaacuterios sentimentos provocados em noacutes visitantes pelo Panteatildeo dos Inconfidentes na
cidade de Ouro Preto Tambeacutem evoca os sentidos puacuteblicos da existecircncia do mausoleacuteu imperial
inaugurado por Getuacutelio Vargas em 1939 na catedral de Satildeo Pedro de Alcacircntara em Petroacutepolis
Rio de Janeiro onde estatildeo os tuacutemulos de D Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina
O Museu dos Monumentos franceses organizado por Alexandre Lenoir teve curta
duraccedilatildeo Ele existiu no conturbando periacuteodo entre 1795 e 1816 Contudo o efeito que a visita a
esse museu exerceu sobre o menino Michelet e em sua concepccedilatildeo de Histoacuteria parece duradouro
o uso da imaginaccedilatildeo para que os mortos ganhem vida
Meu encontro com os museus natildeo pode ser comparado ao relatado pelo historiador da
Revoluccedilatildeo Francesa Sequer fui a um museu quando crianccedila Minha relaccedilatildeo mais proacutexima com
essas instituiccedilotildees e com o imaginaacuterio que as cercam se aproxima da escolha da Histoacuteria como
campo profissional Foi durante a graduaccedilatildeo em histoacuteria que me aproximei dos museus como
visitante e pude posteriormente como professora de Histoacuteria no ensino fundamental e superior
experimentar diferentes instituiccedilotildees museais acompanhando grupos de estudantes muitos deles
tambeacutem visitando um museu pela primeira vez
Nas praacuteticas de visita ouvi e vi diversas vezes o encantamento e a decepccedilatildeo dos
estudantes diante do patrimocircnio monumentalizado Ao percorrer pela primeira vez ruas e becos
da cidade de Ouro Preto em 1994 um estudante de 14 anos cursando o ensino fundamental em
uma escola puacuteblica de Belo Horizonte olhava deslumbrado e me disse que nunca havia
imaginado que uma ldquocidade histoacutericardquo fosse igual agrave favela onde morava cheia de morros e casas
apertadas Outra estudante do curso de licenciatura em Histoacuteria da Faculdade onde trabalhava ao
visitar o Museu Imperial se mostrava bastante incomodada e escreveu posteriormente em seu
relatoacuterio de visita em 2005 que lhe parecia que soacute havia milionaacuterios em Petroacutepolis Ningueacutem
falava de quem construiu o palaacutecio quem trabalhou laacute dentro servindo a famiacutelia imperial como
2
se vestiam as empregadas que lavavam as ricas porcelanas e limpavam os quartos mobiliados
suntuosamente se existia alguma capelinha ou ldquocentro de macumbardquo onde os negros se reuniam
No seu relato a aluna lembra que historiadores como Marcos A da Silva jaacute falavam dos riscos de
se trabalhar com o ldquopatrimocircnio histoacutericordquo afastado do cotidiano do ensino de histoacuteria Ningueacutem
falou disso laacute no Museu relatou a visitante Os guias os materiais impressos soacute falam dos preccedilos
das casas das joacuteias e vestimentas da famiacutelia imperial concluiu Maria da Conceiccedilatildeo Machado
Viana em seu Relatoacuterio de Visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis em 2005
O objeto desta pesquisa parte desse lugar do visitante que problematiza suas vivecircncias
evidencia crenccedilas expressa opiniotildees e amplia sua formaccedilatildeo histoacuterica e profissional em diaacutelogo
com as praacuteticas educativas que ocorrem em ambientes natildeo escolares como os museus
O interesse por esse tipo de investigaccedilatildeo surgiu desses momentos em que a visita
provocava o encontro de uma histoacuteria viva com os visitantes possibilitando emergir questotildees que
interpelavam os sujeitos colocando-os em accedilatildeo posicionando-os em relaccedilatildeo aos museus ao
ensino de histoacuteria agrave historiografia e agraves praacuteticas de memoacuteria Diante dos museus e colocados em
situaccedilotildees de interaccedilatildeo os visitantes-estudantes eram capazes de se reconhecerem reciprocamente
como parceiros protagonistas numa situaccedilatildeo de troca
A pesquisa para o doutoramento eacute esse esforccedilo para construir uma narrativa a partir dos
vestiacutegios deixados pelos visitantes Busco articular o tempo de minha proacutepria formaccedilatildeo de meu
exerciacutecio profissional como professora de Histoacuteria e da minha atual condiccedilatildeo de pesquisadora na
aacuterea de educaccedilatildeo Eacute do lugar do presente que pretendo materializar meu objeto de pesquisa as
visitas educativas a museus tomadas como foco para a anaacutelise dos usos do patrimocircnio cultural
pelos visitantes
Procuro nesse trabalho reunir numa narrativa (RICOEUR 2010 p2-3) as vozes muacuteltiplas
e dispersas dos visitantes numa siacutentese escrita criando uma nova pertinecircncia capaz de dar novos
sentidos e referecircncias para o patrimocircnio musealizado Um movimento de fixar e conservar rastros
que satildeo escassos pegadas que satildeo poucas pois a visita pensada pela loacutegica da ldquoconservaccedilatildeordquo
dos museus natildeo deve deixar marcas nos pisos originais natildeo deve deixar sobras do consumo de
alimentos nas aacutereas comuns como jardins natildeo se deve fotografar as exposiccedilotildees e nem carregar
objetos durante o trajeto de visita guiada pelos museus
3
O visitante que procuro constituir pela pesquisa sente necessidade de se expressar de
tornar-se presenccedila Os efeitos de sentido natildeo lhes vecircem automaticamente do passado das
reminiscecircncias individuais mas do investimento que ele faz no seu presente a partir de sua
condiccedilatildeo de estudante para tornar presenccedila o que soacute existe como ausecircncia Para minha sorte as
visitas que acompanhei natildeo foram silenciosas Haacute uma escassez momentacircnea de palavras
adequadas para nomear sentimentos de maneira profunda natildeo haacute excessos aparentes no visitante
ele fala posteriormente no ocircnibus na sala de aula da falta que o calou O visitante olha e faz
suas opccedilotildees diante da narrativa do museu quase como uma imposiccedilatildeo da dimensatildeo do
esquecimento entendido como parte constitutiva do trabalho de memoacuteria ele quer registrar sua
presenccedila e sua opiniatildeo
O encontro de visitantes e museus eacute cheio de lapsos e apagamento dos rastros como de
qualquer praacutetica cultural que se queira narrar depois de decorrido o tempo da accedilatildeo O auto-retrato
formativo dos visitantes eacute sempre de itineracircncias e erracircncias nunca um quadro completo Se o
traccedilado a ser esboccedilado eacute histoacuterico o museu mostra-se nessa pesquisa como um lugar habitado por
corpos hierarquias sociais econocircmicas religiosas e culturais mas que tambeacutem insistem em se
tornar utopia e imagens que teimam em povoar provisoriamente a imaginaccedilatildeo
A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita emergir um campo de
investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em relaccedilatildeo ao saber histoacuterico
a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante
permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo
como o passado permanece como passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa
experiecircncia temporal essa vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que
experimentada abre o potencial de futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
A problematizaccedilatildeo das situaccedilotildees de visita a museus justifica-se por contribuir para uma
reflexatildeo sobre o ensino de histoacuteria como aacuterea de pesquisa e estreitar os viacutenculos com a produccedilatildeo
do conhecimento histoacuterico As visitas a museus podem propiciar um tipo de formaccedilatildeo histoacuterica
dialoacutegico principalmente com a cultura visual e material
Do ponto de vista teoacuterico e metodoloacutegico eacute importante apontar como os museus se
apresentam como um ldquocampo de forccedilasrdquo capaz de romper com os saberes disciplinares e
4
pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de um conhecimento experiencial a ser
mobilizado no ensino de histoacuteria
O contato de estudantes-visitantes com o patrimocircnio cultural musealizado amplia a
compreensatildeo das linguagens expositivas e educativas dos museus a relaccedilatildeo entre objetos
museais seus significados e os coacutedigos mais amplos de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo cultural (HALL
1997 2003)
Diferentemente dos postulados que entendem o ldquodiscurso pedagoacutegicordquo como aquele a ser
transmitido e recebido que se constitui pela recontextualizaccedilatildeo de outros discursos o
conhecimento escolar eacute aqui entendido como um trabalho coletivo um texto em aberto que exige
a participaccedilatildeo de alunos e professores e natildeo uma mercadoria a ser reproduzida e consumida
pelos estudantes (SANTOS 1994 p31)
A pesquisa tem como tema central a anaacutelise das dinacircmicas e interaccedilotildees entre estudantes
em visitas educativas a instituiccedilotildees museais Visitas essas que se concretizam nas accedilotildees dos
visitantes frente agraves linguagens expositivas presentes nos museus nas concepccedilotildees de memoacuteria
patrimocircnio e histoacuteria dos visitantes e na produccedilatildeoelaboraccedilatildeo de sentidos e seus usos do
patrimocircnio cultural sempre considerando questotildees relativas agraves subjetividades identidades
profissionais experiecircnciatrajetoacuteria de vida formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
A premissa inicial de trabalho postula que estudantes ao visitarem museus tornam-se parte
constitutiva do movimento de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo dos conhecimentos de seus acervos
Entende-se que as experiecircncias vividas pelos sujeitos profissionais dos museus e visitantes
possibilitam mobilizar e atualizar saberes dos profissionais dos museus e saberes daqueles que
visitam museus
A justificativa para essa abordagem baseia-se em certo consenso de que a formaccedilatildeo para o
ensino de histoacuteria pode ser potencializada pelo uso de espaccedilos culturais como os museus A
cultura escolar como afirmam Marcos Silva e Selva Guimaratildees Fonseca natildeo pode ser entendida
como um fenocircmeno isolado caracterizada exclusivamente pelo conjunto de saberes elaborado ao
redor da proacutepria praacutetica de ensino mas como aquela que ldquomanteacutem laccedilos permanentes com outros
espaccedilos culturaisrdquo Na visatildeo destes autores estes laccedilos vatildeo desde a formaccedilatildeo de professores
(universidade) passando pela produccedilatildeo erudita com que estes profissionais tiveram e continuam
5
a ter contato (artigos livros) e pela divulgaccedilatildeo de saberes (livros didaacuteticos cursos exposiccedilotildees
simpoacutesios) elaborados naqueles mesmos espaccedilos (SILVA E FONSECA 2007 p8)
Os museus estatildeo incluiacutedos nesse universo de saberes e satildeo aqui privilegiados por
propiciarem natildeo um ldquolugar de memoacuteriardquo mas ldquoentre-lugaresrdquo para a formaccedilatildeo histoacuterica de
professores e alunos Os museus encontram-se nas fronteiras dos espaccedilos fiacutesicos e processos
formais e natildeo formais1 de educaccedilatildeo
As visitas a museus satildeo uma possibilidade de ampliaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e
profissional para aleacutem do espaccedilo escolar e ao mesmo tempo de trazer para o cotidiano de
formaccedilatildeo muacuteltiplas dimensotildees histoacutericas poliacuteticas e culturais Situaccedilotildees de visita a museus
permitem investigar nesse caso a hipoacutetese da circularidade da cultura Articulam-se reflexotildees
sobre as experiecircncias proacuteprias ao campo de trabalho docente em Histoacuteria aos saberes elaborados
no campo da museologia identificando a circulaccedilatildeo dupla de saberes especiacuteficos elaborados nos
dois campos distintos de um universo conceitual a outro e retornando ao campo profissional de
forma sistematizada
Estudantes de graduaccedilatildeo compotildeem o puacuteblico de museus seja nas visitas espontacircneas
como aponta pesquisa sobre perfil de puacuteblico-visitantes2 seja como participantes de visitas
escolares organizadas Eacute essa a situaccedilatildeo a ser explorada pela pesquisa os sujeitos em situaccedilotildees
educativas de visita elaboram e explicitam sentidos acerca dos acervos das instituiccedilotildees
museoloacutegicas analisam e confrontam discursos historiograacuteficos e formulam novos problemas e
possibilidades de interpretaccedilatildeo do patrimocircnio cultural musealizado
O campo e os procedimentos de investigaccedilatildeo nessa pesquisa privilegiam os relatos
escritos e fotograacuteficos e recolhas documentais feitas pelos proacuteprios estudantes durante as visitas
aos museus A anaacutelise dos documentos produzidos pelos museus como cataacutelogos materiais
pedagoacutegicos folhetos informativos e orientaccedilotildees instucionais satildeo utilizados nos dois recortes
1 Alguns especialistas defendem que a educaccedilatildeo realizada em museus difere da educaccedilatildeo formal por seu caraacuteter natildeo
cumulativo natildeo apresentando conteuacutedos organizados numa sequumlecircncia como o curriacuteculo escolar Ver Park Fernandes e Carnicel (Org) 2007 p 203-210 2 Pesquisa realizada em 2005 pelo Observatoacuterio de Museus e Centros Culturais em 11 Museus do Rio de Janeiro
com visitantes selecionados por amostragem ao final da visita entre natildeo participantes de visitas escolares
organizadas constatou que este puacuteblico eacute altamente escolarizado chegando a 475 que declararam ter concluiacutedo o
ensino superior 237 o superior incompleto e 24 o ensino meacutedio restando apenas 48 que cursou ateacute o
fundamental completo Paralelo agrave escolaridade o dado referente agrave ocupaccedilatildeo encontrou entre aqueles que declaram
natildeo exercer atividade remunerada 53 de estudantes Ver Observatoacuterio 2006
6
propostos pela anaacutelise a partir do diaacutelogo que estabelecem com a compreensatildeo dos visitantes e
seus quadros de leitura Assim a leitura posta pelos museus entra em circulaccedilatildeo e eacute explorada na
forma de diferentes praacuteticas de confronto de recusa de usos e de valorizaccedilatildeo pelos visitantes
Para promover as leituras dos visitantes sobre os museus analiso os relatos dos
licenciandos em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte
em visita a diferentes instituiccedilotildees A escolha das visitas decorreu de diversos procedimentos de
anaacutelise experimentados ao longo da pesquisa e que consideram tanto os limites aparentes dessas
fontes quanto as possibilidades dadas e permitidas Foram muitas idas e vindas em relaccedilatildeo ao
repertoacuterio ou indiacutecios documentais produzidos pelos estudantes e disponiacuteveis para o uso nessa
pesquisa A abundacircncia de material e de museus visitados pelo grupo de estudantes aponta o
papel da instituiccedilatildeo formadora na produccedilatildeo dessas fontes O estiacutemulo agraves atividades de visitas abre
possibilidades de ampliaccedilatildeo do repertoacuterio ou do arquivo com vestiacutegios brutos desorganizados
um turbilhatildeo de personagens incidentes perguntas sem respostas Praacuteticas tradicionais de leitura
dos museus e novas leituras convivem nos relatoacuterios O uso e a valorizaccedilatildeo de diferentes
princiacutepios de anaacutelise sua articulaccedilatildeo e coerecircncia interna satildeo materializadas pelo grupo de
estudantes e datildeo suporte a um acervo de memoacuterias escritas e fotograacuteficas das visitas elaborado na
perspectiva de um grupo especiacutefico de visitantes
Ao utilizar os relatos dos estudantes de licenciatura em Histoacuteria como fonte para o estudo
das experiecircncias de formaccedilatildeo cria-se uma opccedilatildeo e alternativa para compreendermos os
imbricamentos entre os discursos das instituiccedilotildees formadoras as narrativas de museus e os
estudantes-visitantes com suas histoacuterias de vida suas motivaccedilotildees crenccedilas escolhas de percurso
e atitudes durante a visita A construccedilatildeo de narrativas das visitas permite agrave pesquisa a partir de
experiecircncias localizadas e pessoais interrogar sobre o contato sociocultural de um grupo
especiacutefico de visitantes com outros grupos e temporalidades mais amplas
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo histoacuterica dos sujeitos frente agrave
experiecircncia de contato com os museus Os relatos dos visitantes entendidos como a principal
fonte documental para esse trabalho permitem discutir como um grupo ou um mesmo estudante
vecirc diferentes museus Como faz a leitura de cada um deles e encontra as diferenccedilas entre as
narrativas de cada museu Esse conjunto documental possibilita explorar complexas relaccedilotildees do
7
processo vivo dinacircmico e ativo de construccedilatildeo de conhecimentos e ensino de histoacuteria em especial
dos conceitos de cultura memoacuteria e patrimocircnio
A organizaccedilatildeo final do trabalho busca combinar em cada capiacutetulo dois movimentos ndash
discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas e a anaacutelise das fontes ou relatos dos visitantes O texto final
da tese eacute composto de cinco capiacutetulos No primeiro capiacutetulo eacute apresentado o tema central da
pesquisa visitas a museus Discute-se o papel das visitas de estudantes a museus para a formaccedilatildeo
histoacuterica Eacute proposta uma anaacutelise das visitas a partir dos relatos dos visitantes centrada em uma
noccedilatildeo de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos que promova uma ruptura com as ideacuteias de
representaccedilatildeo e recepccedilatildeo da cultura Satildeo articulados os referenciais teoacutericos e conceitos que
fundamentam a anaacutelise
No segundo capiacutetulo eacute retomado o debate sobre os puacuteblicos de museu e apresentado o
recorte empiacuterico da pesquisa constituiacutedo por um grupo de 15 estudantes de licenciatura em
Histoacuteria de uma Faculdade particular na regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte que realizaram
visitas entre 2005 e 2008 Satildeo caracterizadas as praacuteticas de formaccedilatildeo e produccedilatildeo de
conhecimentos a partir dos registros dos visitantes Um questionaacuterio uma entrevista oral no
formato de grupo focal e fotografias produzidas pelos proacuteprios visitantes durante as visitas satildeo os
trecircs instrumentos de produccedilatildeo de dados
O terceiro capiacutetulo faz uma ligaccedilatildeo entre os dois primeiros e os dois uacuteltimos capiacutetulos
Apresenta um balanccedilo bibliograacutefico que tem por objetivo indicar eixos de discussatildeo presentes no
campo museal e produzir um exerciacutecio metodoloacutegico que contribua para explicitar a dinacircmica de
interaccedilatildeo e construccedilatildeo de sentidos pelos visitantes professores e alunos em visitas agraves duas
instituiccedilotildees museais que seratildeo destacadas nos capiacutetulos quatro e cinco Satildeo abordadas as questotildees
relativas agrave historicidade dos museus os campos e conceitos a ele relacionados a atualidade do
tema nas pesquisas acadecircmicas Estas referecircncias analiacuteticas visam definir um quadro teoacuterico-
conceitual e sistematizar as discussotildees em torno do conceito de museu
No capiacutetulo quatro eacute apresentada uma reflexatildeo sobre a visita realizada no segundo
semestre de 2006 ao Museu do Escravo em Belo Vale (MG) Satildeo confrontados os relatos escritos
e fotograacuteficos produzidos pelos visitantes e argumenta-se que os estudantes ao visitarem este
museu histoacuterico tornam-se parte constitutiva do processo de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo das
informaccedilotildees de seu acervo
8
O quinto capiacutetulo enfatiza a criacutetica do mesmo grupo de estudantes que visita em 2008 a
exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional ldquoUm novo mundo um novo Impeacuterio a Corte Portuguesa
no Brasil ndash 1808-1822rdquo O capiacutetulo procura refazer o percurso dos visitantes considerando duas
referecircncias o discurso expositivo do museu e a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes A partir da
situaccedilatildeo de visita e da formaccedilatildeo procuramos entender como os visitantes descrevem analisam
interpretam e fundamentam suas escolhas e gostos A visita ao Museu Histoacuterico Nacional
possibilitou abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o
patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus pelos visitantes
A pesquisa se integra agraves questotildees discutidas pela aacuterea de concentraccedilatildeo Educaccedilatildeo
Conhecimento Linguagem e Arte e pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo agrave
medida que busca investigar a produccedilatildeo de conhecimentos em suas articulaccedilotildees com as praacuteticas e
discursos empreendidos por instituiccedilotildees como os museus e as interaccedilotildees construiacutedas pelos
sujeitos em situaccedilotildees de visita escolar a estas instituiccedilotildees
9
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica
Visita ao museu
No dia 26 de setembro de 2005 fomos ao museu Abiacutelio Barreto em Belo
Horizonte A visita foi bem interessante e totalmente diferente do que eu imaginava porque em minha mente o museu era um local em que as pessoas iam para ver coisas
velhas Durante e apoacutes a visita minha visatildeo mudou por completo percebi que um
historiador tem vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos A partir de
uma montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes
dependendo da maneira que esse material foi exposto como fizemos na dinacircmica
O museu tambeacutem desenvolve um trabalho diferente dos que eu jaacute visitei Ao
mesmo tempo em que eles estatildeo preservando a memoacuteria da cidade estatildeo tambeacutem
integrando o objeto ao cotidiano da sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo
Horizonte era apenas um arraial chamado Curral Del Rei o iniacutecio do avanccedilo
tecnoloacutegico e ateacute os dias de hoje Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para virar
objeto museoloacutegico A organizaccedilatildeo eacute oacutetima Na sede do museu satildeo desenvolvidos vaacuterios
trabalhos como projetos restauraccedilatildeo de materiais etc Gostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuterias O visitante ao inveacutes de ir para visitar somente o
casaratildeo faz um circuito por toda a aacuterea do museu A exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que
queiram ver
Como temos visto em nosso curso principalmente em Teoria II o historiador
trabalha em cima de perguntas (segundo Annales) e os objetos que vimos podem nos dar
vaacuterios tipos de respostas A visita ao museu foi uma aula praacutetica de como se fazer
Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes3 Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
Belo Horizonte MG Curso de Histoacuteria 2ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG
2005)
O relato de Maria Joseacute Mendes sintetiza de maneira particular sua experiecircncia4 de visita a
um museu e aborda conteuacutedos histoacutericos e historiograacuteficos anaacutelises sentimentos valores O
relato da estudante eacute polifocircnico no sentido que lhe atribui Clifford (1988) uma produccedilatildeo que
reuacutene numa escrita proacutepria aproximaccedilotildees pessoais estrateacutegias de aprendizagem escolar
enredos acontecimentos significados muacuteltiplos e modos de negociar e apresentar questotildees
impliacutecitas quadros e tramas mais amplas
3 A visitante eacute uma aluna do curso de Licenciatura em Histoacuteria do Instituto Superior de Educaccedilatildeo da Faculdade
Pedro Leopoldo na regiatildeo metropolitana de BH fez parte da turma que visitou diversos museus e seu relatoacuterio
compotildee o conjunto de narrativas de visitas a museus analisados nessa pesquisa 4 Para Dewey (2010 p90-91) as partes constitutivas da experiecircncia satildeo emocional praacutetica e intelectual A
experiecircncia eacute um todo diversificado um fluxo cujos diferentes atos e episoacutedios mesclam-se e fundem-se
Intercacircmbio e fusatildeo satildeo contiacutenuos
10
O registro da visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto feito por Maria Joseacute Mendes eacute uma
praacutetica de escrita que se configura em plano de produccedilatildeo mais restrito como um relatoacuterio de
avaliaccedilatildeo de um trabalho escolar Todavia colocados os contornos mais abrangentes das
condiccedilotildees de produccedilatildeo desse tipo de narrativa se reconhece uma praacutetica de formaccedilatildeo que avalia
situaccedilotildees do cotidiano escolar
As narrativas de visitantes como a da estudante acima satildeo consideradas fontes
documentais para essa pesquisa sobre a formaccedilatildeo histoacuterica que reivindica um lugar para os
sujeitos frente agraves grandes narrativas histoacutericas como as dos museus As situaccedilotildees vividas nas
visitas escolares a museus retomadas ao longo do capiacutetulo pela narrativa de Maria Jose Mendes
satildeo referecircncias para a reflexatildeo sobre o protagonismo do visitante que interroga o museu e confere
mobilidade agraves suas narrativas expositivas Esse tipo de registro tambeacutem aponta indiacutecios dos usos
do patrimocircnio cultural pelos visitantes e da aprendizagem em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo histoacuterica aberta
pelas visitas aos museus
A visitante em questatildeo eacute parte de um grupo5 no qual me incluo como professora e que
como ela mesma indica com o uso do verbo na primeira pessoa do plural fomos ao museu para
realizar uma atividade curricular atribulados por vaacuterios condicionantes de velocidade e aparatos
tecnoloacutegicos proacuteprios da cultura contemporacircnea Maria Joseacute Mendes eacute uma das alunas do curso
de licenciatura em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo
Horizonte Minas Gerais que nessa condiccedilatildeo de ldquoexperiecircnciardquo empreende com seus colegas
visitas planejadas a museus6 Eacute uma jovem estudante membro de uma ldquoaudiecircncia histoacuterica e
situadardquo mas que responde tambeacutem agraves expectativas de visitante inscritas nas atividades
educativas do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto que passou por projeto de revitalizaccedilatildeo entre 1993
e 20037
Enquanto os museus satildeo entendidos como autoridades por suas funccedilotildees sociais e
histoacutericas de produtores de memoacuteria de patrimocircnio e de preferencial para a leitura dessa
5 Uma caracterizaccedilatildeo do grupo de visitantes e das visitas efetivamente realizadas seraacute apresentada e discutida no segundo capiacutetulo 6 As visitas a museus arquivos bibliotecas empresas ambientes naturais e outros locais satildeo realizadas como
disciplinas acadecircmicas com uma dimensatildeo praacutetica e ou como Atividades Acadecircmicas Cientiacuteficas por diversas
instituiccedilotildees de ensino superior da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte como a PUC-MG UNIFEMM Ver
Fonseca (2009) e Pereira (2007) 7 Ver balanccedilo do ldquoprocesso de revitalizaccedilatildeordquo do MHAB organizado por sua diretora Thais Pimentel e publicado em
2004 (PIMENTEL 2004)
11
materialidade o visitante luta para instituir-se e produzir sentidos em presenccedila daquela instacircncia
reguladora e autorizada de recursos O visitante no uso de recursos variados de linguagem cria
uma situaccedilatildeo de disputa e inibe certas manifestaccedilotildees trazidas pelos museus
O visitante diante dos cenaacuterios especiacuteficos de cada museu cria categorias de anaacutelise
analogias identifica contradiccedilotildees contrastes e diferenccedilas Enquanto o museu traz uma memoacuteria
histoacuterica instituiacuteda os visitantes tornam as experiecircncias de visita memoraacuteveis
A abordagem metodoloacutegica dessa pesquisa concebe as visitas como um ldquotrabalho de
campordquo no sentido que lhe atribui Alba Zaluar (1986 p107) A antropoacuteloga natildeo estabelece uma
separaccedilatildeo entre investigador e investigados e nem correlaciona uma maior objetividade da anaacutelise
com uma maior despersonalizaccedilatildeo dos sujeitos O conhecimento para ela eacute um ldquoencontro de
subjetividadesrdquo atos gestos enunciados e natildeo simplesmente um coacutedigo a ser decifrado ou um
levantamento de significados em seus contextos (ZALUAR 1986 p109) Assim como o
trabalho de campo8 soacute pode ser delimitado pelos processos de tomada de decisatildeo do pesquisador
e as estrateacutegias adotadas em meio aos conflitos por quem participa da accedilatildeo as visitas escolares a
museus natildeo podem ser entendidas apenas no sentido e da perspectiva da recepccedilatildeo
Os visitantes natildeo satildeo meros espectadores das propostas elaboradas pelos museus9 Os
visitantes satildeo atores levados a tomar decisotildees e princiacutepios geradores de novas praacuteticas A visita eacute
relacionada a outras que jaacute fizeram e satildeo consideradas como parte de sua formaccedilatildeo de futuros
professores de histoacuteria Visitar um museu eacute analisaacute-lo como fonte para visitas futuras
acompanhando seus proacuteprios alunos
O foco no visitante examina como ele se sente ou natildeo estimulado a construir sua proacutepria
narrativa da visita e quais suas estrateacutegias de inclusatildeo nos museus Como se posiciona e acessa
seus arquivos pessoais e memoacuterias e os confronta agravequeles reunidos no museu tais como objetos
textos imagens dispositivos de interatividade o percurso ou ainda os coletados e reunidos como
parte do trabalho de sistematizaccedilatildeo da visita
Do ponto de vista empiacuterico a pesquisa mostra de que forma durante um curso de
formaccedilatildeo superior eacute possiacutevel abandonar modelos transmissivos de ensino e apostar em estrateacutegias
8 Ver Roteiro do trabalho realizado no Rio de Janeiro em 2008(Anexo C) 9 Em geral a elaboraccedilatildeo de propostas educativas eacute responsabilidade dos setores educativos dos museus e de
especialistas (consultores pesquisadores) O puacuteblico eacute convocado a responder aos modelos propostos (recepccedilatildeo)
12
de produccedilatildeo de conhecimento que tenham impacto sobre a profissionalizaccedilatildeo docente em histoacuteria
e os processos mais gerais de produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico e formaccedilatildeo histoacuterica
Um passo importante eacute reconhecer que esse conhecimento histoacuterico se apresenta sob a
forma de imagens crenccedilas convicccedilotildees metaacuteforas regras e princiacutepios de orientaccedilatildeo para a vida
praacutetica profissional Nesse sentido essa pesquisa tem mais interesse nos sujeitos e suas agecircncias
do que na histoacuteria das instituiccedilotildees museais
A pesquisa parte de uma reflexatildeo sobre os relatos de visita a museus constituindo a partir
deles narrativas que fazem dialogar conceitos e experiecircncias que se produzem no campo dos
museus e em suas relaccedilotildees com a escola estabelecendo possibilidades e limites para a abordagem
do proacuteprio visitante
O registro de Maria Joseacute Mendes eacute uma referecircncia inicial para a reflexatildeo e produccedilatildeo por
parte do proacuteprio visitante de saberes Podem ser identificados pelos relatos os diversos saberes
que compotildeem a formaccedilatildeo histoacuterica conhecimentos de caraacuteter disciplinar ou historiograacutefico que
compotildee a matriz disciplinar da histoacuteria saberes curriculares ou relativos a objetivos meacutetodos e
estrateacutegias de ensino saberes pedagoacutegicos relacionados agraves concepccedilotildees de educaccedilatildeo e os saberes
praacuteticos da experiecircncia10
Entendo que as visitas natildeo se constituem no simples cumprimento de um programa de
educaccedilatildeo patrimonial oferecido por museus eou escolas ou ainda em passeios turiacutesticos
realizados por escolha dos visitantes individualmente A presenccedila de estudantes em museus estaacute
relacionada a uma praacutetica de visitas e agrave formaccedilatildeo histoacuterica
Procuro nesse primeiro capiacutetulo articular referenciais teoacutericos distintos para fundamentar
a anaacutelise das praacuteticas de visitas a museus Autores como Paul Ricoeur Hans Ulrich Gumbrecht
Joumlrn Ruumlsen Raymond Williams Stuart Hall e Jacques Ranciegravere satildeo convocados e oferecem
contribuiccedilotildees para a ampliaccedilatildeo da abordagem deste objeto especiacutefico e a criacutetica ao sentido de
transmissatildeo da cultura e agrave representaccedilatildeo como um sentido fixo A narrativa (RICOEUR 2010
p9) a produccedilatildeo de presenccedila (GUMBRECHT 2010 p 82) e a formaccedilatildeo histoacuterica (RUumlSEN
2010 p59) assim como os conceitos de cultura (WILLIAMS 1969 e 1979) e circuito de cultura
(HALL 1997 e 2003) e ainda o de espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) fundamentam a
10A discussatildeo sobre os saberes que compotildee a formaccedilatildeo do profissional de histoacuteria no Brasil eacute realizada por Selva
Guimaratildees Fonseca dentre outros autores Ver Fonseca (1997) Silva e Fonseca (2007) e Fonseca e Zamboni (2008)
13
anaacutelise teoacuterica e metodoloacutegica do uso social dos museus em visitas educativas e aproximam o
foco da investigaccedilatildeo os museus vistos pelos seus visitantes
11- Memoacuteria e narrativas de visitas
Um primeiro movimento dessa pesquisa eacute examinar como os visitantes engendram
memoacuterias a partir de visitas a museus A memoacuteria eacute entendida como uma accedilatildeo de atualizaccedilatildeo de
conceitos uma ldquoviagem no tempo com direito a ida e voltardquo A memoacuteria eacute rememoraccedilatildeo a partir
do presente e o sujeito um ldquotecelatildeo de memoacuterias agrave medida que narra a si mesmo como uma
autografia cujas vaacuterias vidas se entrelaccedilam em diversos tempos e espaccedilos numa dinacircmica
imprevisiacutevel do lembrar e esquecer da perda e da dispersatildeordquo (GALZERANI 2002 p63)
Rememorar significa trazer o passado vivido como opccedilatildeo de questionamento das relaccedilotildees
e sensibilidades sociais existentes tambeacutem no presente uma busca atenciosa relativa aos rumos a
serem construiacutedos no futuro Esse conceito de memoacuteria articulado ao de narrativa traz uma
abertura coletiva para as dimensotildees sensiacuteveis e o questionamento da concepccedilatildeo absoluta de
verdade (GALZERANI 2002 p68)
Os registros escritos e visuais11
dos visitantes satildeo tomados como memoacuterias e narrativas
no sentido atribuiacutedo por Ricoeur como um desenho da ldquoexperiecircncia temporalrdquo que realiza uma
ldquosiacutentese do heterogecircneordquo uma ldquonova congruecircncia no agenciamento dos incidentesrdquo (RICOEUR
2010 p2)
Em Tempo e Narrativa Ricoeur (2010) desenvolve a ideia de uma tripla dimensatildeo da
narrativa histoacuterica descrita como um tempo vivido e ainda natildeo configurado um tempo narrado
ou o mundo como um texto e o tempo refigurado ou o mundo do leitor Haacute uma dimensatildeo da
vida vivida e natildeo narrada que passa pela trama e chega ao mundo final do leitor seja pelas
intenccedilotildees do autor pelos sentidos da obra ou as percepccedilotildees do leitor Essas travessias satildeo
circulares e a experiecircncia da temporalidade nunca eacute o triunfo da ordem haacute discordacircncias
violecircncia da interpretaccedilatildeo redundacircncias e histoacuterias natildeo contadas (RICOEUR 2010 p124-132)
Assim Ricoeur (1991) transpotildee um limiar no qual o aparente conflito entre explicaccedilatildeo e
compreensatildeo eacute ampliado A linguagem que era considerada apenas como discurso passa a ser
11 As fotografias satildeo produzidas juntamente com os relatoacuterios escritos Inicialmente natildeo faziam parte da anaacutelise mas
se mostraram essenciais agrave pesquisa
14
considerada nos limites do que afeta o escrito a polissemia a ambiguidade e obras inteiras de
discurso falado como poemas ensaios e com a dimensatildeo da experiecircncia (RICOEUR 1991
p163) Eacute como dimensatildeo da experiecircncia que se explicitam os campos de confrontaccedilatildeo e
negociaccedilatildeo e se daacute a primeira ancoragem para as narrativas puacuteblicas e oficiais e as narrativas e
memoacuterias pessoais ou autobiograacuteficas Para Ricoeur os graus de convergecircncia ou natildeo entre a
memoacuteria coletiva e as memoacuterias autobiograacuteficas indicam niacuteveis de identificaccedilatildeo pessoal e os
significados elevados ou natildeo de siacutembolos como bandeiras e hinos
Essa temaacutetica da accedilatildeo discutida por Ricoeur (1991) ajuda a evidenciar as diferentes
formas de inscriccedilatildeo da memoacuteria na historiografia e nos museus e entender o diaacutelogo entre
culturas (museus e escolas) comparando situaccedilotildees e tipos de atividades (regimes de accedilatildeo)
assentadas em uso de recursos culturais de fundo comum
A narrativa para Ricoeur se daacute como articulaccedilatildeo temporal da accedilatildeo Uma ficcionalizaccedilatildeo
da histoacuteria na forma como contamos o passado e uma historizaccedilatildeo da ficccedilatildeo que eacute a forma como
trabalhamos o imaginaacuterio Na descriccedilatildeo da funccedilatildeo narrativa se articulam as noccedilotildees de mimese e
intriga Enquanto a mimese eacute uma representaccedilatildeo criativa da accedilatildeo a intriga eacute o agenciamento de
fatos sujeitos e cenaacuterios ou seja os elementos estruturantes da proacutepria narrativa
Assim como a metaacutefora viva a narrativa produz efeitos de sentido e remete
simultaneamente a um fenocircmeno de inovaccedilatildeo semacircntica Enquanto a metaacutefora produz uma nova
pertinecircncia por meio de uma atribuiccedilatildeo impertinente que se manteacutem viva porque percebemos sua
espessura e resistecircncia ao emprego usual das palavras e a sua incompatibilidade com a
interpretaccedilatildeo literal (que seria considerada bizarra) a narrativa trabalha no mesmo plano da
invenccedilatildeo semacircntica ao criar uma intriga que eacute uma obra de siacutentese
Percebe-se a constituiccedilatildeo de uma intriga na narrativa de Maria Joseacute Mendes O relato de
visita ao museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto reuacutene em um quadro referencial fontes de procedecircncia
diversas a experiecircncia presencial no museu as demandas da formaccedilatildeo escolar e as interpelaccedilotildees
do acervo do museu Esse tipo de relato eacute tomado na pesquisa como uma imagem de contornos
mais abrangentes dos elementos evidenciados em vaacuterios outros relatos do grupo de visitantes Ele
sintetiza dados de pesquisa e conteuacutedos proacuteprios agraves situaccedilotildees de visitas assim como debates
sobre o uso do patrimocircnio cultural que proveacutem tanto da escola que promove a visita quanto dos
acervos dos museus Pretendo explicitar ao longo da anaacutelise o processo de elaboraccedilatildeo dos relatos
15
evidenciando as linhas mais gerais as texturas dos relatos as repeticcedilotildees de temas as imagens
recorrentes e natildeo propriamente os estilos pessoais e singulares de cada visitante
Para Ricoeur (1975) a questatildeo da narrativa eacute como configurar a experiecircncia temporal
vivida A narrativa eacute o dinamismo integrador que transforma um diverso de incidentes numa
histoacuteria una e completa Eacute a capacidade de reconfiguraccedilatildeo da experiecircncia temporal confusa em
funccedilatildeo de um referencial
A narrativa natildeo eacute soacute o ato jaacute inscrito eacute o ldquoconjunto das operaccedilotildees atraveacutes das quais uma
obra surge a partir do fundo opaco do viver do agir e do padecer para ser dada por um autor a
um leitor que a recebe e muda assim o seus agirrdquo (RICOEUR 1975 p31) Eacute a narrativa que
configura a mediaccedilatildeo entre a preacute-configuraccedilatildeo do campo praacutetico (vivido o antes) o estado da
experiecircncia (o tempo configurado o durante) e a praacutetica que lhe eacute posterior (tempo refigurado o
depois)
A visitante Maria Joseacute Mendes demarca uma temporalidade e natildeo uma simples cronologia
para a visita Seu texto comeccedila com uma data o dia da visita que marca um antes um durante e
um depois Em sua escrita esse antes eacute caracterizado pela imaginaccedilatildeo satildeo ideias que estavam em
sua mente anteriores agrave visita O que ela relata eacute o que aconteceu durante e apoacutes a visita suas
ideias a respeito dos museus mudaram por completo
No entanto o proacuteprio Ricoeur lembra que o relato eacute um ldquoato de testemunharrdquo que difere
do discurso Eacute como uma ldquonarrativa autobiograacutefica autenticada de um acontecimento passadordquo e
agrave medida que o narrador estaacute implicado na cena narradavivida gera uma suposta confiabilidade e
uma suspeita sobre o que ele diz (RICOEUR 2007 p172)
A confianccedila ou desconfianccedila em relaccedilatildeo ao testemunho traz o narrador para o mundo
puacuteblico e da criacutetica aos testemunhos A presenccedila no local da ocorrecircncia inerente ao ato de
testemunhar impotildee uma referecircncia de lugar e de tempo passado ao testemunho mas natildeo lhe
confere legitimidade em relaccedilatildeo ao aqui e agora O testemunho precisa ser autenticado e
acreditado por vaacuterias grandezas comparadas ateacute seu arquivamento (visibilidade e escrita)
(RICOEUR 2007 p175)
Testemunho e narrativa guardam traccedilos de escrituralidade comuns Todavia cada um traz
elementos especiacuteficos relativos ao lugar que os gerou e recebeu Como ldquorastros documentaisrdquo
narrativas e testemunhos estatildeo ligados ao lugar social que os produziram (CERTEAU 1982
16
p64) Esse debate amplia a noccedilatildeo de testemunho que passa a incluir todo e qualquer ldquovestiacutegiordquo
e interessa a essa pesquisa agrave medida que fundamenta uma abordagem que natildeo separa os relatos
escritos dos fotograacuteficos Para Ricoeur a ideia de indiacutecio inclui o testemunho oral ou escrito os
vestiacutegios natildeo verbais como as impressotildees digitais e arquivos fotograacuteficos que testemunham por
seu mutismo (RICOEUR 2007 p 185) O diaacutelogo de Ricoeur nesse caso eacute diretamente com
Carlo Ginzburg (1987) estabeleceu no interior da noccedilatildeo de rastro o conceito de documento em
toda a sua envergadura A raiz comum entre testemunho e indiacutecio eacute a noccedilatildeo de rastro Haacute uma
relaccedilatildeo de complementaridade entre testemunho e indiacutecio para Ricoeur
Decorre dessa ampliaccedilatildeo documental uma seacuterie de analogias relacionando grafia e pintura
no sentido de impressatildeo e evocaccedilatildeo Pode-se dizer tambeacutem que relatos escritos e fotograacuteficos satildeo
complementares na narrativa das visitas aos museus O lugar da fotografia nos relatos eacute
semelhante ao da escrita Ambas configuram ldquomensagens e maneiras de dizer e pensar que
aderem uma agrave outrardquo (RICOEUR 2007 p178)
O primeiro plano dos relatos principalmente das fotografias eacute marcado pela iniciativa
individual em preservar seus proacuteprios rastros os rastros de sua atividade Para Ricoeur essa
iniciativa inaugura o ato de fazer histoacuteria ou a primeira operaccedilatildeo de constituiccedilatildeo de um arquivo a
primeira mutaccedilatildeo historiograacutefica de uma memoacuteria viva Constituiacutedo como testemunho esse
primeiro plano pode ser invocado por algueacutem e desloca-se do seu autor para ser recolhido como
ldquoprova documentalrdquo Marc Bloch lembra Ricoeur coloca a questatildeo dos testemunhos em termos
de rastros de vestiacutegios do passado (testemunhos natildeo-escritos) e depois dos indiacutecios (Ginzburg)
que fazem parte da operaccedilatildeo de observaccedilatildeo histoacuterica com relaccedilatildeo aos ldquotestemunhos do tempordquo
(BLOCH 2002 p69) A consequecircncia desse argumento eacute que nem toda histoacuteria vivida eacute narrada
mas toda a historiografia eacute narrativa
A ambiccedilatildeo da narrativa histoacuterica eacute refigurar a condiccedilatildeo histoacuterica e de elevar seu estatuto
ao de bdquoconsciecircncia histoacuterica‟ Esse processo de reconfiguraccedilatildeo do tempo embora se
pretenda totalizante ocorre como mediaccedilatildeo imperfeita entre o futuro como horizonte de
expectativas o passado como tradiccedilatildeo e o presente como surgimento intempestivo
(RICOEUR 1975 p31)
17
A narrativa histoacuterica produzida pelos historiadores eacute uma construccedilatildeo que cria enredos
com elementos presentes na vida e o mundo refigurado da cultura com uma noccedilatildeo ampla de
produtora de sentidos e identidades12
Em A memoacuteria a histoacuteria o esquecimento Ricoeur (2007 p380) apresenta uma soluccedilatildeo
distinta dos historiadores dos Annales (Le Goff Pierre Nora) para o problema da narrativa e do
tempo histoacuterico na articulaccedilatildeo memoacuteria-histoacuteria Ao retomar o conceito de historicidade que
surge na filosofia alematilde do seacuteculo XIX e de histoacuteria Ricoeur identifica como se configurou a
oposiccedilatildeo entre uma histoacuteria como singular coletivo que
ldquoliga as histoacuterias especiais sob um conceito comum enquanto conhecimento narrativa e
ciecircncia histoacuteria e o nascimento do conceito de histoacuteria como coletivo singular sob o qual
se reuacutene o conjunto das histoacuterias particulares marca a conquista da maior distacircncia
concebiacutevel entre a histoacuteria una e a multiplicidade ilimitada das memoacuterias individuais e a
pluralidade das memoacuterias coletivasrdquo (RICOEUR 2007 p315)
Essa mudanccedila cria um sentido de histoacuteria universal um objeto total e um sujeito uacutenico A
memoacuteria eacute vista com desconfianccedila e descredenciada enquanto a histoacuteria problematiza os
testemunhos religiosos e a memoacuteria coletiva (crenccedilas) e se propotildee a representar o passado no
presente A autonomia da histoacuteria se afirma nos Annales que natildeo devem mais nada a
rememoraccedilatildeo e recorrem agrave introduccedilatildeo de novas exigecircncias retoacutericas por vias extramemoriais A
noccedilatildeo de fonte se liberta da noccedilatildeo de testemunho ldquoConstroacutei-se um passado que ningueacutem pode
lembrar [] A histoacuteria deixou de ser parte da memoacuteria e a memoacuteria se tornou parte da histoacuteriardquo
(RICOEUR 2007 p399)
Ricoeur investe em redefinir as relaccedilotildees entre histoacuteria e memoacuteria na contemporaneidade e
reconhecer os ldquotraccedilos da memoacuteria e do esquecimento que permanecem os menos sensiacuteveis agraves
variaccedilotildees resultantes de uma histoacuteria dos investimentos culturais da memoacuteriardquo (2007 p 398)
Frente agrave tese da escola dos Annales de subordinaccedilatildeo da memoacuteria agrave histoacuteria e a uma literatura da
crise da memoacuteria Ricoeur responde com a hipoacutetese das ldquopotencialidades mnemocircnicas
dissimuladas pelo cotidianordquo cujo histoacuterico contado e o mnemocircnico experimentado se recruzam
(2007 p401)
12 Isabel Barca e Mariacutelia Gago (2004 p29-39) discutem o papel das narrativas histoacutericas e seus usos educacionais na
constituiccedilatildeo de um pensamento histoacuterico entre os jovens portugueses
18
ldquo[] o desespero do que desaparece a impotecircncia para acumular a lembranccedila e arquivar
a memoacuteria o excesso de presenccedila de um passado para sempre irrevogaacutevel a fuga
desnorteada do passado e o congelamento do presente a incapacidade de esquecer e a
incapacidade de se lembrar do acontecimento a uma boa distacircnciardquo (RICOEUR 2007
p401)
Ricoeur aponta que a dinacircmica do esquecimento e da lembranccedila gera tanto uma crise da
memoacuteria quanto um horror agrave histoacuteria ou da presenccedila e da ausecircncia de referecircncias em relaccedilatildeo ao
passado e ao presente A ldquoexperiecircncia viva do reconhecimentordquo redefine a dimensatildeo nostaacutelgica e
as relaccedilotildees memoacuteria e histoacuteria Ricoeur define como ldquooperaccedilatildeo historiadorardquo toda a accedilatildeo que vai
dos arquivos aos textos publicados Para ele um livro de histoacuteria eacute um documento aberto agrave
reinscriccedilatildeo e submetido agrave revisatildeo contiacutenua O que Michel de Certeau (1982 p94) chama de
operaccedilatildeo escrituraacuteria ou uma fase da representaccedilatildeo histoacuterica Ricoeur acredita que atravessa
todos os momentos da escrita da histoacuteria do niacutevel documental ou seleccedilatildeo das fontes ao niacutevel
explicativo-compreensivo com a escolha dos modos concorrentes e as variaccedilotildees de escala da
narrativa (RICOEUR 2007 p249)
Para Ricoeur representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo estatildeo juntas em toda a operaccedilatildeo de
visualizaccedilatildeo das coisas ausentes do passado ou ainda na tripla aventura que vai do
arquivamento agrave explicaccedilatildeo e representaccedilatildeo Para o autor haacute um embate entre duas escritas para
gerar na histoacuteria um modo literaacuterio da escrituralidade (narrativa) Uma primeira escrita eacute dos
arquivos (memoacuteria) e outra dos historiadores (histoacuteria) ldquoA explicaccedilatildeocompreensatildeo encontra-se
assim enquadrada por duas escritas uma escrita anterior e uma escrita posterior Ela reconhece a
energia da primeira e antecipa a energia da segundardquo (RICOEUR 2007 p 148)
A coerecircncia da narrativa confere visibilidade e busca legitimidade para a encenaccedilatildeo do
passado que daacute a ver Haacute um jogo entre a remissatildeo da imagem e a coisa ausente Uma narrativa
natildeo se parece com os acontecimentos que ela narra Haacute uma prefiguraccedilatildeo uma configuraccedilatildeo e
refiguraccedilatildeo da imagem criada pela amplidatildeo da narrativa e por seu alcance (RICOEUR 2007 p
292)
Em Ricoeur como o problema da memoacuteria natildeo aparece em oposiccedilatildeo agrave histoacuteria pode-se
considerar que em relaccedilatildeo agraves visitas presenciais a museus as imagens da memoacuteria e da histoacuteria
atravessam tanto os relatos dos visitantes quanto a narrativa do museu Ou ainda que as imagens
de museu produzidas pelos visitantes e aquelas produzidas pelos proacuteprios museus podem ser
19
analisadas em um circuito de cultura no qual museu e visitantes tem ambos poder de
representaccedilatildeo
O relato da estudante em visita ao Museu Abiacutelio Barreto coloca o museu em outro
circuito o da proacutepria escola ao fazer uma releitura do sentido e das marcas deixadas pelo museu
quando de sua passagem pelo casaratildeo e suas atividades O depois da visita eacute vivido como uma
nova temporalidade que constitui outro museu imaginado com referecircncia ao durante e ao antes
da visita
12 - A presenccedila de estudantes
As abordagens sobre aprendizagem em ambientes que tratam do patrimocircnio da arte e da
histoacuteria priorizam ora os museus ora as escolasvisitantes A superaccedilatildeo dessas anaacutelises
fragmentaacuterias ou dicotocircmicas implica em refletir sobre os conceitos trabalhados no proacuteprio
campo museoloacutegico e formativo como as ideias de patrimocircnio memoacuteria e histoacuteria
Discutir o estatuto do conhecimento produzido pelos visitantes de museus eacute um ponto de
partida para a reflexatildeo sobre os sentidos das praacuteticas culturais que perpassem museus e escolas
Outra dimensatildeo da pesquisa eacute a ampliaccedilatildeo das reflexotildees teoacutericas e metodoloacutegicas sobre as
competecircncias culturais ou a formaccedilatildeo histoacuterica em especial suas dimensotildees esteacuteticas e poliacuteticas
desencadeadas a partir das visitas
Gumbrecht (1998 e 2010) ao discutir sobre a produccedilatildeo de presenccedila sugere um repertoacuterio
de anaacutelise cultural que busca discernir os efeitos de presenccedila e os efeitos de sentido Ele distingue
uma ldquocultura de presenccedilardquo de uma ldquocultura de sentidordquo O que diferencia uma da outra e
interessa a esta anaacutelise das visitas a museus eacute o papel do sujeito ou subjetividade que ocupa
lugar central na cultura de sentido mas que soacute eacute considerado efetivamente em seu corpo como
parte da existecircncia das coisas numa cultura de presenccedila
A decorrecircncia dessa distinccedilatildeo entre sentido e presenccedila eacute que o conhecimento produzido
numa cultura de sentido soacute pode ser legitimado por um sujeito em seu ato de interpretar o mundo
Jaacute na cultura de presenccedila o conhecimento legiacutetimo eacute apresentado se manifesta ele natildeo vem
diretamente do esforccedilo individual para interpretar e criar um sentido Os objetos se impotildeem ao
sujeito e sua vontade eacute confrontada pela presenccedila
20
Na visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto eacute a presenccedila dos objetos catalogados como
histoacutericos que cria um olhar diferente para esses objetos Eacute o visitante que presente no museu
confere sentidos aos objetos que vecirc expostos e entende que a mudanccedila na ordem de organizaccedilatildeo e
apresentaccedilatildeo cria uma nova visualidade para os objetos
Essa polecircmica sobre presenccedila e sentido eacute um alerta para os perigos do afastamento do
corpo das marcas de produccedilatildeo de sentido proacuteprias agrave modernidade ocidental que assume uma
oposiccedilatildeo entre sujeito (puro espiacuterito) e objeto (pura materialidade) Para Gumbrecht essa
oposiccedilatildeo levou o sujeito a assumir a posiccedilatildeo de observador de um mundo de objetos no qual se
inclui o seu proacuteprio corpo Se por um lado o ganho dessa visatildeo eacute uma demanda constante de
interpretaccedilatildeo de outro promove-se uma perda ou ldquodesmaterializaccedilatildeo da culturardquo transformando
o mundo em ldquorepresentaccedilatildeordquo (GUMBRECHT 2010 p 75-8)
Interessa-nos destacar tambeacutem nesta perspectiva apontada por Gumbrecht os limites da
ideia de representaccedilatildeo13
como capaz de compensar as deficiecircncias de ldquoexpressatildeordquo Ele considera
que como ldquonenhuma das muacuteltiplas representaccedilotildees pode jamais pretender ser mais adequada ou
epistemologicamente superior a todas as outrasrdquo cria-se uma ldquocrise de consciecircncia provocada
pelas muacuteltiplas representaccedilotildeesrdquo (GUMBRECHT 2010 p 82) Para o autor eacute a presenccedila como
uma dimensatildeo fiacutesica e de tangibilidade14
que estaacute em tensatildeo com o princiacutepio da representaccedilatildeo
A partir da ideia de presenccedila pode-se inferir que nas visitas aos museus se produz um
fluxo temporal em que no momento presente o passado e o futuro se encontram Por meio deste
movimento no tempo a ldquoconsciecircnciardquo do visitante eacute transformada por uma rede de relaccedilotildees que
expressam uma nova impressatildeo de estar presente no mundo
Os objetos dos museus tomam novos sentidos atualizados pelo visitante Natildeo eacute soacute a
exposiccedilatildeo propriamente dita que chama a atenccedilatildeo do visitante mas toda a organizaccedilatildeo do espaccedilo
que se apresenta face a face como um circuito os projetos o edifiacutecio e o proacuteprio trabalho de
musealizaccedilatildeo ldquoGostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuteriasrdquo afirma a
visitante Maria Joseacute Mendes em presenccedila da reserva teacutecnica do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
A imagem de estantes giratoacuterias evocada pelo relato da estudante possibilita ampliar o uso
13 A criacutetica agrave representaccedilatildeo e agrave recepccedilatildeo eacute apresentada ao longo do texto e se fundamenta em autores como Ricoeur
(2007 p295-6) Raymond Williams (1969 e 1979) Stuart Hall (1997 e 2003) e Ranciegravere (2010) 14 As visitas em questatildeo satildeo presenciais e nisso se distinguem inicialmente de outras praacuteticas de memoacuteria que
incluem o uso de recursos tecnoloacutegicos para acesso agrave distacircncia (natildeo-presenccedila) aos museus e exposiccedilotildees
21
estritamente funcional dado pelo museu a esse objeto que natildeo faz parte da coleccedilatildeo mas que lhe
daacute suporte e deve facilitar a limpeza e armazenamento fiacutesico dos objetos museais Elevada ao
plano da narrativa de visita a ideia de girar deixa seu sentido meramente instrumental e ganha o
tom poeacutetico de mexer e revolver objetos que a funccedilatildeo museal possui Haacute um deslocamento pode-
se afirmar que natildeo haacute distinccedilatildeo para o gosto da visitante entre o que estaacute nas estantes e as
proacuteprias estantes O objeto museal eacute o proacuteprio mobiliaacuterio do museu e sua accedilatildeo de preservaccedilatildeo
natildeo aquelas coisas velhas que guarda O movimento das estantes eacute compartilhado com prazer
pelo olhar da visitante e coloca a cultura do museu em circulaccedilatildeo
A cultura de presenccedila eacute descrita por Gumbrecht como uma cosmologia em que ldquoos seres
humanos querem relacionar-se com a cosmologia envolvente pela inscriccedilatildeo de si mesmos ou
seja de seus proacuteprios corpos nos ritmos dessa cosmologiardquo (2010 p108-109) A accedilatildeo se faz
como ldquomagiardquo ou seja a praacutetica de tornar presentes coisas que estatildeo ausentes e ausentes coisas
que estatildeo presentes A cultura da presenccedila sugere abordar as situaccedilotildees de visita como epifanias
cujos efeitos de presenccedila e sentido satildeo efecircmeros Ou ainda com uma temporalidade espacial
descrita como um evento que surge do nada e irrompe com os sentidos estabelecidos
Estes efeitos da presenccedila podem ser observados nos relatos dos visitantes De um lado o
museu pode ser considerado como um sentido jaacute instituiacutedo um trabalho concluiacutedo que pretende
ser universal mas que esgotou sua potecircncia criadora e que portanto soacute afeta o visitante
mobilizando-o a uma criacutetica agraves suas concepccedilotildees e exposiccedilotildees Do outro lado a presenccedila no
museu provoca os sentidos dos visitantes e cria princiacutepios de tensatildeo com a ideia de representaccedilatildeo
dominante da proacutepria histoacuteria presente no museu e no visitante Ou ainda a presenccedila investe-se
de uma funccedilatildeo encantatoacuteria capaz de tornar as coisas ausentes presentes e vice-versa
(GUMBRECHT 2010 p14)
Gumbrecht desenvolve aleacutem de uma criacutetica agrave representaccedilatildeo uma ressalva quanto agrave noccedilatildeo
de que a mateacuteria se estabilizaria ao longo do tempo sendo capaz de produzir um efeito de
fronteira de fixidez e superfiacutecie Na tentativa de inverter e devolver a ldquocoisidaderdquo agrave consciecircncia e
a ldquoaparecircnciardquo ao corpo como condiccedilatildeo na qual o mundo nos eacute dado e apresentado aos sentidos
22
ele se coloca em tensatildeo com a abordagem interpretativa15
Pensando que a relaccedilatildeo com os
artefatos culturais nunca eacute uma simples atribuiccedilatildeo de sentido e que coisas estatildeo perto ou longe
de nossos corpos Gumbrecht aponta que a relaccedilatildeo cotidiana com o mundo faz esquecer e implica
uma camada diferente de sentido (2010 p85-88)
O trabalho de visitas a museus permite um contato com os objetos histoacutericos uma
frequumlentaccedilatildeo que cria interaccedilotildees explicita diferenccedilas e aproximaccedilotildees culturais O visitante
dialoga questiona a mensagem expositiva e pode elaborar sentidos diversos dos apresentados
pelos museus
Vale ressaltar que para o autor a presenccedila natildeo vem sem apagar os sentidos que a
representaccedilatildeo gostaria de designar seus fundamentos a sua origem e seus temas A presenccedila natildeo
eacute uma presenccedila realmente existente ela se apresenta em permanente condiccedilatildeo de ldquotemporalidade
extremardquo eacute suacutebita de caraacuteter efecircmero surge e desaparece como eacute caracteriacutestico da experiecircncia
esteacutetica que se torna evidente e evanescente ao mesmo tempo (GUMBRECHT 2010 p83)
A experiecircncia esteacutetica se localiza a certa distacircncia do mundo cotidiano e produz diversas
figuras temporais Natildeo existe um resultado previsiacutevel oacutebvio ou tiacutepico que a experiecircncia esteacutetica
acrescenta ao cotidiano A visita a museus pode ser vista como um ldquoacontecimento de verdaderdquo
um evento que nos faz ver as coisas de ldquoum modo diferente do habitualrdquo como relata Maria Joseacute
Mendes diante do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto Entrar em um museu eacute entrar numa paisagem
e exercitar uma performance
estar dentro dessa paisagem eacute um requisito fundamental para restabelecer o
enraizamento do histoacuterico devir Ter uma substacircncia (corpo) ocupar um espaccedilo implica
na possibilidade de revelar um movimento multidimensional vertical (balanccedilo) e
horizontal (ideia aspecto) O movimento de balanccedilo eacute um suster-se ali-em si mesmo
Uma dimensatildeo horizontal eacute ser percebido dentro da situaccedilatildeo bdquoser revelado‟ e natildeo bdquorepresentado‟ (GUMBRECHT 2010 p86-100)
Seguindo as indicaccedilotildees de Gumbrecht sobre o princiacutepio da presenccedila a relaccedilatildeo do visitante
de museu com o passado eacute diferente da ideacuteia de nostalgia de viagem no tempo de
15 Paul Ricoeur em Do texto agrave accedilatildeo amplia o termo interpretaccedilatildeo associando-o ao sentido de apropriaccedilatildeo cuja
finalidade eacute a luta contra a distacircncia cultural A interpretaccedilatildeo aproxima equaliza torna contemporacircneo e semelhante
torna proacuteprio o que era estrangeiro (RICOEUR 1991 p156)
23
restabelecimento ou de retrocesso16
O passado entendido pelo autor como produto da cultura eacute
caracterizado por sua materialidade e possibilidade de usos em cenaacuterios de simultaneidade de
referecircncias Haacute uma presenccedila do passado que eacute incorporado e um presente da accedilatildeo
Parece ser este o sentido da orientaccedilatildeo para a accedilatildeo que a visitante observa em seu uacuteltimo
comentaacuterio sobre a visita ao Museu Abiacutelio Barreto Maria Joseacute Mendes articula duas formas de
ver a histoacuteria o que foi visto no museu e o que foi visto no seu curso de licenciatura em Histoacuteria
As consequecircncias de suas observaccedilotildees no museu a levam a concluir que o historiador a partir dos
Annales trabalha com perguntas que os objetos vistos respondem Logo para Maria Joseacute
Mendes a operaccedilatildeo historiograacutefica parece se completar A visita mobiliza a formaccedilatildeo do objeto
imaginaacuterio e as mudanccedilas de perspectivas da visitante Eacute possiacutevel tambeacutem caracterizar a visita ao
museu como uma ldquoexperiecircncia esteacuteticardquo ou seja como uma dimensatildeo viva que oscila entre os
efeitos de sentido e os efeitos de presenccedila A visitante se potildee no museu numa condiccedilatildeo de
ldquoinsularidaderdquo e de predisposiccedilatildeo para a ldquointensidade concentradardquo para uma tensatildeo produtiva
que oscila simultaneamente entre sentido e presenccedila diferente de suas atividades cotidianas
(GUMBRECHT 2010 p 136)
O Museu prevecirc a participaccedilatildeo do visitante e estabelece tambeacutem um horizonte de
expectativas culturais e histoacutericas em relaccedilatildeo ao receptor Essas expectativas dos museus em um
dado momento encontram desapontam ou antecipam o horizonte de expectativas do visitante O
conhecimento do visitante eacute atualizado agrave medida que em presenccedila do patrimocircnio musealizado
reformulam-se suas expectativas e ele reinterpreta o que foi visitado A experiecircncia esteacutetica
realiza-se no visitante Eacute o que afirma Maria Joseacute Mendes ao visitar o Museu Histoacuterico Abiacutelio
Barreto em Belo Horizonte com seus colegas Ela imaginava outro tipo de museu se
surpreendeu durante e apoacutes a visita e mudou sua mente por completo o museu natildeo era um local
que as pessoas iam para ver coisas velhas Percebeu no museu algo ineacutedito um historiador tem
vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 200517
)
Durante a visita o estudante confronta suas expectativas com o que encontrou no Museu
Mudou de opiniatildeo sobre o que era um museu a partir daquela visita Outros visitantes conforme
16 A expressatildeo futuro passado de Koselleck (2006 p21) eacute uma categoria explicativa da dinacircmica dos tempos
histoacutericos que dialoga com a dimensatildeo da presenccedila discutida por Gumbrecht 17 Os relatoacuterios de visita produzidos pelos estudantes e utilizados na tese seratildeo citados individualmente
mencionando-se o nome do autor
24
exploraremos no capiacutetulo seguinte tambeacutem reconhecem o papel da visita ao Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto na mudanccedila em suas concepccedilotildees de museu
A visitante cria um enredo proacuteprio para a visita e organiza um repertoacuterio que serve de
pano de fundo para sua narrativa Maria Joseacute Mendes atualiza seus conhecimentos ao declarar
que o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto realiza um trabalho diferente dos museus que ela jaacute havia
visitado laacute no museu eles preservam a memoacuteria da cidade e integram o objeto ao cotidiano da
sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo Horizonte era apenas um arraial chamado
Curral Del Rei Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para ser objeto museoloacutegico (Maria Joseacute
Mendes Fipel 2005)
Outras observaccedilotildees podem ser feitas a partir do relato da visitante Uma delas eacute que os
museus natildeo satildeo depoacutesito (lugar de memoacuteria) Cada visita a um museu situa temporalmente cada
um dos visitantes pois possibilita que eles momentaneamente se distanciem de sua imersatildeo no
tempo presente e participem de experiecircncias de outras temporalidades
A perspectiva adotada por cada museu se define concretamente no processo de
resignificaccedilatildeo do visitante que converte a cada olhar os artefatos expostos em objetos histoacutericos
O museu por sua vez eacute quem forccedila o visitante a exercer sua atividade produtiva a posicionar-se
O Museu coloca em jogo a produtividade do visitante ao estimular suas capacidades A visita
exercitada torna-se tambeacutem um prazer para o visitante uma aula praacutetica de como fazer Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
A experiecircncia vivida nas visitas aos museus oferece graus distintos de intensidade Aleacutem
da experiecircncia puramente fiacutesica resultante da presenccedila os visitantes investem em objetos de
fasciacutenio que comeccedilam por ativaacute-los e convocaacute-los a se integrar no circuito do museu O museu se
apresenta como ldquorelevacircncia impostardquo ndash objetos que desviam nossa atenccedilatildeo das rotinas diaacuterias em
que estamos envolvidos e nos separam delas A presenccedila de determinados objetos da experiecircncia
a nos convidar para a serenidade isto eacute a estarem ao mesmo tempo concentrados e disponiacuteveis
sem deixarem que a concentraccedilatildeo se calcifique na tensatildeo de um esforccedilo (GUMBRECHT 2010
p 132)
A visitante Maria Joseacute Mendes percebe no museu o trabalho com diferentes tipos de
objetos e como o museu cria um tipo de objeto especiacutefico retirado do cotidiano e transformado
em objeto museoloacutegico No Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a visitante percebe a operaccedilatildeo
25
museal para criar um passado para a cidade de Belo Horizonte chamado Curral Del Rei cuja
narrativa estaacute associada ao iniacutecio agrave fundaccedilatildeo da nova capital A presenccedila como fenocircmeno
efecircmero pode ser discutida tambeacutem nas fotografias18
dos visitantes desde a entrada nos museus
como desejo e expectativas durante o percurso interno das exposiccedilotildees como reaccedilotildees agraves
condiccedilotildees especiacuteficas da cultura de sentido ateacute a saiacuteda dos locais quando se configura uma
ausecircncia ou o desaparecer da presenccedila A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita
emergir um campo de investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em
relaccedilatildeo ao saber histoacuterico a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica
A partir das dinacircmicas e interaccedilotildees experimentadas e interpretadas pelos estudantes em
visitas a museus pretende-se discutir como se daacute o aprendizado histoacuterico e a formaccedilatildeo histoacuterica
na perspectiva que lhe atribui Ruumlsen (2007 p104) enquanto a capacidade de constituiccedilatildeo de uma
narrativa de sentido
A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade
temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo como o passado permanece como
passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa experiecircncia temporal essa
vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que experimentada abre o potencial de
futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
Para Ruumlsen (2007 p95) a formaccedilatildeo histoacuterica pode ser entendida sob dois aspectos
primeiro como saber histoacuterico siacutentese da experiecircncia com a interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo para a
vida praacutetica e segundo como processo de socializaccedilatildeo e individuaccedilatildeo que trata da dinacircmica de
formaccedilatildeo da identidade histoacuterica O autor observa que o aprendizado histoacuterico natildeo acontece
apenas no ensino de histoacuteria mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos
aprendizes A formaccedilatildeo histoacuterica se opotildee criticamente agrave unilateralidade agrave especializaccedilatildeo
excessiva e agrave fragmentaccedilatildeo do saber cientiacutefico Eacute uma competecircncia que articula niacuteveis cognitivos
18 Muitas fotografias ficaram reservadas agrave circulaccedilatildeo restrita e apresentadas a pequenos grupos e professores Outras figuram em aacutelbuns e siacutetios virtuais Seus produtores diretos decidem se as compartilham ou natildeo com outras pessoas
com amigos familiares ou ambientes virtuais Foram selecionadas aquelas que aparecem nos relatoacuterios de avaliaccedilatildeo
apresentados pela turma
26
e formas e conteuacutedos cientiacuteficos ao seu uso praacutetico Essas competecircncias de formaccedilatildeo estatildeo
relacionadas simultaneamente ao saber agrave praacutexis e agrave subjetividade Para o autor eacute a carecircncia de
orientaccedilatildeo do sujeito que vincula saber e agir (RUumlSEN 2007 p110)
Ruumlsen (2007) caracteriza de forma inspiradora o aprendizado histoacuterico e o papel produtivo
do sujeito na histoacuteria Para ele haacute um duplo movimento algo objetivo torna-se subjetivo um
conteuacutedo da experiecircncia de ocorrecircncias temporais eacute apropriado simultaneamente um sujeito
confronta-se com essa experiecircncia que se objetiva nele (RUumlSEN 2007 p106) A apropriaccedilatildeo da
histoacuteria transforma um dado objetivo um acontecimento que ocorreu no tempo passado em
realidade da consciecircncia em algo subjetivo Desse ponto de vista o sujeito constitui sua
subjetividade afirma a si proacuteprio ao aprender a dimensatildeo temporal do passado interpretado em
seu presente A formaccedilatildeo consegue efetivar a articulaccedilatildeo entre objetividade e subjetividade
realizar a passagem do dado objetivo agrave apropriaccedilatildeo subjetiva e da busca subjetiva de afirmaccedilatildeo
ao entendimento objetivo Nas palavras de Ruumlsen (2007 p110) haacute uma intensificaccedilatildeo dos
pressupostos subjetivos ao manejar de forma cognitiva o passado contrapondo-se agrave alteridade do
passado reconhecendo o estranho e assim descobrir-se como proacuteprio (histoacuteria como vida)
Para Reinhart Koselleck (2006 p308-314) um movimento semelhante ao da formaccedilatildeo
histoacuterica de Ruumlsen pode ser observado no trabalho com as categorias histoacutericas de espaccedilo de
experiecircncia e horizonte de expectativa Ambas estatildeo interligadas e se ocupam da questatildeo do
tempo histoacuterico Ao entrelaccedilar passado e futuro dirigem as accedilotildees concretas no movimento social
e poliacutetico
Koselleck (2006 p309-310) afirma que a experiecircncia eacute o passado atual aquele no qual
os acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados Jaacute a expectativa eacute ao mesmo
tempo ligada agrave pessoa e ao interpessoal tambeacutem se realiza no hoje eacute futuro presente voltado
para o ainda-natildeo para o natildeo experimentado para o que apenas pode ser previsto
A experiecircncia possibilita tornar presente os acontecimentos passados e avaliaacute-los
Contudo sem o horizonte de expectativas o espaccedilo da experiecircncia eacute vago Eacute o horizonte de
expectativas que manteacutem em aberto o espaccedilo para o futuro (KOSELLECK 2006 p313)
Para Ruumlsen (2007 p110) o processo de aprendizado e apropriaccedilatildeo da experiecircncia
histoacuterica se daacute por meio de trecircs operaccedilotildees experiecircncia interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo O
aprendizado histoacuterico produz a ampliaccedilatildeo da experiecircncia do passado humano aumentando a
27
competecircncia de interpretaccedilatildeo dessa experiecircncia e reforccedilando a capacidade de inserir e utilizar as
interpretaccedilotildees histoacutericas no quadro de orientaccedilatildeo da vida praacutetica
Ao discutir sobre o aprendizado histoacuterico e a apropriaccedilatildeo histoacuterica pelo presente no
sentido de uma memoacuteria viva o proacuteprio Ruumlsen indica que a histoacuteria faz parte da cultura poliacutetica e
se apresenta como elementos identitaacuterios e nacionais Para o autor as diretrizes curriculares para o
ensino de histoacuteria os monumentos e as exposiccedilotildees satildeo exemplos dessa dimensatildeo histoacuterica vivida
de forma natildeo escolar Para Ruumlsen estas histoacuterias estatildeo presentes nas circunstacircncias da vida
concreta mas permitem tambeacutem lanccedilar pontes ao aprendizado de experiecircncias histoacutericas e de
futuro (RUumlSEN 2007 p107)
A perspectiva teoacuterica aberta por Ruumlsen articula as questotildees relativas ao ensino de histoacuteria
aos fundamentos da ciecircncia da histoacuteria A contribuiccedilatildeo de Ruumlsen eacute recompor o campo do ensino
com o que chamamos de dimensatildeo da pesquisa19
Em primeiro lugar ele afasta uma concepccedilatildeo
de didaacutetica como algo externo agrave produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico pelos especialistas Para
Ruumlsen a didaacutetica natildeo eacute mera aplicaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo nem meacutetodo de ensino indiferente aos
mecanismos especiacuteficos do trabalho cognitivo da histoacuteria Os impulsos advindos do ensino e do
aprendizado de histoacuteria natildeo podem ser dispensados na ciecircncia da histoacuteria A teoria da histoacuteria se
faz para Ruumlsen sob a reflexatildeo sobre as carecircncias de orientaccedilatildeo existencial e das formas de
apresentaccedilatildeo Essas carecircncias satildeo sobretudo de ordem poliacutetica e esteacutetica As funccedilotildees praacuteticas do
saber histoacuterico satildeo tatildeo necessaacuterias quanto o processo cientiacutefico de conhecimento (RUumlSEN 2007
p122)
Para Ruumlsen o saber histoacuterico desempenha funccedilotildees na vida cultural do tempo presente Ele
defende que no trabalho do historiador forma e funccedilatildeo natildeo se separam Essa separaccedilatildeo eacute feita
pela tradiccedilatildeo retoacuterica da historiografia dando agrave teoria da histoacuteria o poder de cuidar das regras da
escrita historiograacutefica e da poeacutetica normativa o como escrever Com a cientificizaccedilatildeo da
historiografia a Histoacuteria passou a cuidar das regras da pesquisa histoacuterica e o aspecto da forma
ficou sendo externo agrave especializaccedilatildeo A didaacutetica da histoacuteria nas duas tradiccedilotildees historiograacuteficas
ficou de fora da composiccedilatildeo da disciplina especializada A didaacutetica eacute vista hoje como mera
aplicaccedilatildeo pedagoacutegica um referente externo do saber histoacuterico (RUumlSEN 2007 p11)
19 Haacute uma vasta bibliografia acadecircmica desde a deacutecada de 1980 que discute o ensino de histoacuteria no Brasil e dentre
outros temas a articulaccedilatildeo ensino e pesquisa a avaliaccedilatildeo criacutetica aos curriacuteculos e programas oficiais e articulaccedilatildeo de
grupos de pesquisa Ver Nadai(1993) e Caimi (2001)
28
O museu pode ser interrogado nesse mesmo sentido e deixar de ser considerado um
recurso metodoloacutegico para se tornar parte do aprendizado histoacuterico como fonte tema de pesquisa
e produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos e educacionais
Ruumlsen (2007 p87) reuacutene teoria e didaacutetica ao indicar que formas e funccedilotildees do saber
histoacuterico fazem parte da matriz disciplinar da ciecircncia histoacuteria Ao reinscrever a didaacutetica no campo
da Histoacuteria como praacutetica de ciecircncia aponta para a funccedilatildeo praacutetica do saber histoacuterico Essa funccedilatildeo
praacutetica tem efeito sobre o processo de conhecimento influenciando nas perguntas iniciais que os
historiadores fazem ou seja na praacutexis historiograacutefica e tambeacutem possui uma funccedilatildeo de orientaccedilatildeo
praacutetica para a vida
Em Histoacuteria Viva Ruumlsen (2007) contribui para a formulaccedilatildeo de questotildees que articulam de
maneira praacutetica os campos da histoacuteria e da educaccedilatildeo pensando no ensino de histoacuteria20
O olhar
criacutetico do autor sobre a teoria da histoacuteria dirige-se em seguida para os processos elementares e
gerais de constituiccedilatildeo narrativa de sentido responde agraves carecircncias de orientaccedilatildeo e torna o saber
histoacuterico vivo (RUumlSEN 2007 p14)
O que Ruumlsen (2010 p59) chama de ldquoconsciecircncia histoacutericardquo eacute esse uso praacutetico do saber
histoacuterico que suscita questotildees sobre as funccedilotildees culturais das narrativas histoacutericas Ou seja as
questotildees praacuteticas da formaccedilatildeo e saber histoacuterico vatildeo aleacutem da ldquoteoria da histoacuteriardquo e recolocam o
problema da validade discursiva desse campo como ciecircncia especializada aleacutem de questionar o
que os historiadores fazem quando propotildeem formataccedilotildees historiograacuteficas da vida cultural de seu
tempo ou quais procedimentos adotam quando atuam nela
A leitura de Ruumlsen inspira a reflexatildeo sobre o sentido que as narrativas e exposiccedilotildees dos
museus possuem na vida cultural de uma sociedade e como elas se transformam em saberes
histoacutericos Ao entender como o visitante realiza movimentos que colocam em circulaccedilatildeo os
sentidos das narrativas de museus eacute possiacutevel investigar mecanismos poliacuteticos e esteacuteticos que
continuam sendo selecionados nessas narrativas e que as transportam do passado para o presente
No relato de Maria Joseacute Mendes pode ser vista essa operaccedilatildeo de construccedilatildeo de sentidos
proacuteprios agraves narrativas histoacutericas A visitante entende a dinacircmica museal natildeo em seu caraacuteter
instrumental mas como princiacutepio criador de versotildees histoacutericas A visitante do Museu Histoacuterico
20 Essas articulaccedilotildees tambeacutem satildeo discutidas pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo da Unicamp Ver
Zamboni (2007) e Zamboni e outros (2008)
29
Abiacutelio Barreto participa de uma dinacircmica que a leva a compreender que ldquoa partir de uma
montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes dependendo da
maneira como esse material foi expostordquo (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005) A operaccedilatildeo de
montagem e desmontagem eacute experimentada pela visitante que relaciona o procedimento do
museu com o procedimento dos historiadores em suas pesquisas e associa a ideia de deciframento
do que estaacute preservado e exposto ao trabalho de composiccedilatildeo realizado anteriormente
Outra questatildeo em relaccedilatildeo aos visitantes inspirada em Ruumlsen eacute discutir ateacute que ponto o
modo de narrar histoacuterias dos museus eacute utilizado na vida dos visitantes Ou seja como a maneira
argumentativa dos museus afeta a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes Ou no limite se visitar
museus influencia ou natildeo na forma de narrar a histoacuteria e viver o tempo presente
No relato de Maria Joseacute Mendes as dimensotildees da histoacuteria e da vida estatildeo presentes A
visita muda sua concepccedilatildeo de museu e de histoacuteria Ela traz da vivecircncia no museu para sua
concepccedilatildeo de histoacuteria a dimensatildeo material dos objetos e aproxima sua nova visatildeo de museu da
historiografia Como futura profissional da histoacuteria ela pode usar um novo arsenal o museu e sua
metodologia de trabalhar os objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
Em relaccedilatildeo agrave vida Maria Joseacute Mendes manteacutem sua condiccedilatildeo de visitante durante todo seu
relato mas faz um convite ldquoa exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que queiram verrdquo Essa abertura das
portas do museu ao puacuteblico reconhecida pela visitante implica em considerar que os
destinataacuterios na praacutexis museoloacutegica natildeo satildeo apenas os especialistas Mas a visitante parece
indicar que o lugar no qual se localiza essa praacutetica soacute atinge os que ldquoquerem verrdquo e nem todo
mundo quer ver o que tem em um museu Relacionado a uma forma de constituiccedilatildeo especiacutefica de
rdquonarrativa de sentidordquo o museu natildeo eacute igual ao conjunto da vida praacutetica Eacute preciso ir ateacute o museu e
querer vecirc-lo
Querer ver e ver de diferentes maneiras implica em reconhecer a heterogeneidade e a
diversidade que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica e as relaccedilotildees concretas dessa formaccedilatildeo no que se
refere a percursos graus de autonomia condiccedilotildees de trabalho docente diferenccedilas culturais e
enormes desigualdades sociais e econocircmicas reconhecer que professores e alunos dos diferentes
niacuteveis de ensino podem ser sujeitos histoacutericos agrave medida que constituem coletivamente para si
proacuteprios um tempo e espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimentos tempo e espaccedilo que incluam a
reflexatildeo e accedilatildeo sobre suas proacuteprias demandas e necessidades de formaccedilatildeo
30
14- Circuito e circularidade cultural
Feitas as consideraccedilotildees sobre as narrativas a presenccedila e a formaccedilatildeo histoacuterica a questatildeo a
ser enfrentada eacute como analisar as interaccedilotildees que emergem das accedilotildees dos sujeitos na produccedilatildeo de
novos significados para os bens culturais sem cair numa abordagem que prioriza as estruturas ou
as mediaccedilotildees institucionais que atuam com poder formativo e instrucional indicando roteiros de
interaccedilatildeo sobre os receptores ndash colocados no final do processo educativo
Algumas bases teoacutericas jaacute foram estabelecidas principalmente ao se discutir o conceito de
cultura de presenccedila para caracterizar a relaccedilatildeo com os museus Cabe sistematizar um pouco mais
a criacutetica agrave recepccedilatildeo e agrave representaccedilatildeo estabelecida pela ampliaccedilatildeo do conceito de cultura
realizada por Raymond Williams (1969 e 1979) e posteriormente alargada pela ideia de circuito
da cultura de Stuart Hall (1997 e 2003)
O debate teoacuterico em torno do conceito de cultura promovido por Raymond Williams
(1969 e 1979) e posteriormente os sentidos e usos que adquire pelos chamados Estudos
Culturais na criacutetica e reexame das relaccedilotildees entre comunicaccedilatildeo e sociedade articulam a dinacircmica
os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees e irresoluccedilotildees as inovaccedilotildees e mudanccedilas reais que se
produzem na proacutepria cultura em planos mais amplos a partir de um objetoproduto especiacutefico
rompendo com os paradigmas da recepccedilatildeo e representaccedilatildeo
Para Williams o cultural natildeo eacute mero reflexo ou tem papel residual nas anaacutelises O cultural
ocupa o lugar central eacute o lugar para onde se deve olhar pois permite ver a experiecircncia o modo
de vida indissoluacutevel na praacutetica em geral real material as formas dominantes residuais
(passado memoacuteria) e emergentes
Williams propotildee um meacutetodo de entendimento dos fenocircmenos da cultura como as
condiccedilotildees de vida comum tanto as normas quanto o vivido praacuteticas cotidianas natildeo cristalizadas
A cultura natildeo tem uma hierarquia fixa um dentro e um fora natildeo pode ser definida como alta ou
baixa A cultura eacute vista como experiecircncias efetivas e troca entre agentes natildeo redutiacuteveis aos
objetos (coisas) mas a todo um modo de vida comum A cultura eacute ordinaacuteria ou seja eacute
perpassada pelas ideias e praacuteticas sociais Assim em seu meacutetodo eacute possiacutevel pensar a estrutura da
experiecircncia ou as relaccedilotildees sociais mais amplas dentro de um caso particular
31
Outra contribuiccedilatildeo significativa de Williams (1992 p311) para a anaacutelise de nosso objeto
especiacutefico eacute a criacutetica ao sentido de transmissatildeo da cultura Para o autor soacute podemos pensar em
transmissatildeo se entendermos a comunicaccedilatildeo como a remessa de um sentido uacutenico Entretanto
para ele a recepccedilatildeo e resposta que completam a comunicaccedilatildeo dependem de fatores outros que
natildeo as teacutecnicas
A comunicaccedilatildeo se daacute como experiecircncia de agentes troca entre interlocutores Mas natildeo
vivemos em um mundo de iguais Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma
linguagem comum Haacute claramente uma dimensatildeo poliacutetica uma vontade de poder expressa nas
hierarquias postas As regras e valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem
as relaccedilotildees entre visitantes e museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Entretanto cabe
perguntar sobre quais formas de interlocuccedilatildeo podem emergir em um cenaacuterio de visita a uma
exposiccedilatildeo O Museu propotildee o rompimento com o caraacuteter transmissivo da cultura ou reitera os
padrotildees de uma cultura alta e autorizada e outra baixa O visitante pode fazer esse movimento de
interpretaccedilatildeo contraacuterio ao sentido prioritaacuterio do museu atribuindo um excesso de sentido poliacutetico
e esteacutetico agrave exposiccedilatildeo ou ele sempre elabora seu percurso de leitura com as matrizes e
referencias culturais da exposiccedilatildeo
Chega-se tambeacutem a outro movimento de ampliaccedilatildeo do sentido de cultura e da proacutepria
ideia de representaccedilatildeo como algo fixo Stuart Hall (1997 e 2003) ao formular a ideia de circuito
da cultura substitui o modelo teoacuterico que separava emissormensagemreceptor por estrutura
complexa de relaccedilotildees produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos mas interligados
produccedilatildeo circulaccedilatildeo distribuiccedilatildeoconsumo reproduccedilatildeo
Hall relaciona as praacuteticas culturais com formas e condiccedilotildees especiacuteficas Cada momento do
circuito remete ou re-envia ao outro produccedilatildeo-distribuiccedilatildeo-produccedilatildeo Formas simboacutelicas
especiacuteficas satildeo produtos de cada momento do circuito mas tambeacutem datildeo passagem a outros
significados e mensagens (signos-veiacuteculos) Podemos pensar a produccedilatildeo cultural como
instrumentos materiais (meios) organizados como praacuteticas e analisar a troca comunicativa na
forma discursiva da mensagem em suas formas visuais (imagens) e no seu proacuteprio discurso
expositivo (textonarrativa) e nas atividades propostas de interaccedilatildeo com o leitor (atividades
pedagoacutegicas)
32
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura
Production of CultureCultures of Production Londres Sege 1997
A anaacutelise cultural proposta por Suart Hall (2003) supera um modelo inicial de
codificaccedilatildeodecoficaccedilatildeo e passa a considerar que se as regras formais do discurso (sentido
preferencial) e a linguagem estatildeo em dominacircncia elas satildeo concretizadas na mensagem como
linguagem Ao serem decodificadas elas satildeo apropriadas e para que tenham efeito satisfaccedilam
necessidades ou tenha um uso pela audiecircncia haacute graus de assimetria e autonomia em relaccedilatildeo aos
coacutedigos da fonte e do receptor
Apresentadas a seguir as figuras 3 e 4 satildeo fotografias produzidas por um mesmo grupo
de estudantes de licenciatura em Histoacuteria21
em visita a dois diferentes museus o Museu do
Escravo em Belo Vale MG e o Museu Histoacuterico Nacional na cidade do Rio de Janeiro e
possibilitam aproximar o tema das visitas a museus agraves contribuiccedilotildees de Raymond Williams (1969
e 1979) e Stuart Hall (1997 2003 e 2008) entendidas como matriz teoacuterica de um movimento mais
amplo de anaacutelise cultural
21 O perfil do grupo seraacute apresentado no capiacutetulo seguinte
33
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do
Museu Histoacuterico Nacional 2008
Na figura 2 satildeo apresentadas duas fotografias de visitantes chegando ao Museu do
Escravo e dirigindo-se ao pavilhatildeo interno de exposiccedilotildees Em ambas fotografias os visitantes
estatildeo de costas para o fotoacutegrafo caminham apressadamente Os corpos dos visitantes estatildeo
enquadrados pela arquitetura do museu Numa primeira aproximaccedilatildeo pode-se pensar que os
visitantes satildeo receptores ou consumidores das representaccedilotildees das significaccedilotildees e valores do
museu
O conceito de circuito da cultura operacionalizado por Hall (1997) evidencia que as
questotildees que envolvem a anaacutelise de um produto ou praacutetica cultural natildeo se limitam apenas ao
lugar de sua representaccedilatildeo especiacutefica mas que todos os momentos da elaboraccedilatildeo da cultura
(produccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo representaccedilatildeo e identidade) estatildeo associados e se articulam As
34
fotografias dos visitantes apresentam os museus a partir da visita e do olhar dos proacuteprios
visitantes que se colocam dentro da cultura dos museus
O conceito de circularidade da cultura amplia o eixo do olhar sobre as praacuteticas e
artefatos culturais de modo a buscar outras institucionalidades sensibilidades subjetividades
produccedilotildees simboacutelicas e a abandonar uma visatildeo que separa definitivamente as identidades e
posiccedilotildees dos sujeitos em produtores e receptores Entrar nos museus eacute entrar num circuito e
colocar em circulaccedilatildeo seus sentidos e representaccedilotildees prioritaacuterias
Vistas novamente as fotografias da visita ao Museu do Escravo apontam um engajamento
dos sujeitos natildeo apenas pelo vieacutes do consumo Seus trajes coloridos se destacam das paredes
brancas e o museu tanto pode ver visto como o enquadramento central da cena quanto o cenaacuterio
de fundo para a accedilatildeo dos visitantes Haacute produccedilatildeo de um referencial identitaacuterio para o grupo e um
compartilhamento dessa representaccedilatildeo o que nos leva de volta agrave ideia de que os sujeitos se
constituem na cultura e que o consumo cultural se configura tambeacutem como praacutetica de produccedilatildeo
cultural
Na fotografia destacadas da visita ao Museu Histoacuterico Nacional (figura 3) os visitantes
esperam do lado de fora do museu o momento da visita A partir do modelo de circuito da cultura
podemos localizar inicialmente as representaccedilotildees de museu no acircmbito da regulaccedilatildeo Nesta
imagem dos visitantes dificilmente poderiacuteamos pensar numa simples transmissatildeo da cultura
mesmo em desigualdade de condiccedilotildees Antes mesmo de entrar pelo portatildeo principal haacute uma troca
de olhares entre museu e visitante que comeccedila com o registro dos rituais e ritmos estabelecidos
pelo museu O que pode ser visto e as maneiras de vecirc-las
A comunicaccedilatildeo entre museus e visitante se daacute como experiecircncia de agentes troca entre
interlocutores Natildeo haacute transmissatildeo de cultura do museu para o visitante Eacute o visitante que elabora
uma representaccedilatildeo de si mesmo e do museu E natildeo parece supor a igualdade de condiccedilotildees para as
produccedilotildees de cada agente Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma linguagem
comum entre museus e visitantes Na fotografia do Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) haacute uma
dimensatildeo poliacutetica (regulaccedilatildeo) uma vontade de poder expressa nas hierarquias postas As regras e
valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem as relaccedilotildees entre visitantes e
museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Haacute um guarda agrave porta do MHN que soacute se abriraacute no
horaacuterio determinado A fotografia registra o momento da espera Fica em aberto a pergunta sobre
35
as formas de interlocuccedilatildeo possiacuteveis num cenaacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional vencido o
momento da espera
As fotografias apontam que os visitantes produzem sentidos para a cultura a partir das
visitas que aconteceram ao longo da trajetoacuteria de formaccedilatildeo acadecircmica desse grupo especiacutefico Os
dois museus escolhidos foram visitados em momentos distintos da formaccedilatildeo dos estudantes22
O
Museu do Escravo em Belo Vale-MG visitado em 2006 e o Museu Histoacuterico Nacional no Rio
de Janeiro visitado em 2008
Os dois museus selecionados apresentam propostas expositivas conteuacutedos distintos e
estavam relacionados agraves atividades acadecircmicas desenvolvidas pelos professores do curso de
Licenciatura em Histoacuteria Cada museu se autorepresenta ao definir contemporaneamente sua
ldquomissatildeordquo no Cadastro Nacional de Museus promovido recentemente pelo Instituto Brasileiro de
Museus (IBRAN) oacutergatildeo subordinado ao Ministeacuterio da Cultura com base na Poliacutetica Nacional
de Museus de 200323
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em
2011
22 Desenvolvo nos capiacutetulos quatro e cinco uma anaacutelise da experiecircncia museal de um mesmo grupo de visitantes a
esses dois diferentes museus o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional 23
Ver httpwwwmuseusgovbrsbmcnm_conhecaosmuseushtm Acesso em 2010
36
O Museu do Escravo24
eacute vinculado ao poder puacuteblico municipal e estaacute localizado desde
1988 em um casaratildeo construiacutedo ao lado da igreja matriz de Belo Vale como reacuteplica de um
edifiacutecio colonial especialmente para abrigar o acervo do museu A tipologia do acervo eacute
apresentada de forma ampla e abrange antropologia etnografia arqueologia artes visuais
ciecircncias naturais histoacuteria natural e histoacuteria A missatildeo do Museu do Escravo eacute registrar e
preservar a histoacuteria do negro escravo no Brasil mostrando e valorizando seu trabalho arte e
cultura (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional tambeacutem uma instituiccedilatildeo puacuteblica federal localizada na
cidade do Rio de Janeiro foi o uacuteltimo museu visitado pelo grupo de estudantes de licenciatura em
Histoacuteria em 2008 quando cursavam os uacuteltimos periacuteodos da graduaccedilatildeo Fundado em 1922 o MHN
teve suas primeiras coleccedilotildees formadas com transferecircncias do Museu Nacional do Arquivo
Nacional da Biblioteca Nacional e do antigo Museu de Artilharia Hoje reuacutene um
acervo de mais de 264332 itens entre os quais a maior coleccedilatildeo de numismaacutetica da
Ameacuterica Latina O conjunto arquitetocircnico que abriga o museu desenvolveu-se a partir do
Forte de Santiago na Ponta do Calabouccedilo um dos pontos estrateacutegicos para a defesa da
cidade do Rio de Janeiro O Museu Histoacuterico Nacional manteacutem em 9557 metros
quadrados de aacuterea aberta ao puacuteblico galerias de exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias aleacutem da biblioteca especializada em Histoacuteria do Brasil Histoacuteria da Arte Museologia e
Moda do Arquivo Histoacuterico com documentos manuscritos aquarelas ilustraccedilotildees e
fotografias (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional define sua missatildeo a partir do conceito de ldquonacionalrdquo O
museu eacute uma instituiccedilatildeo permanente a serviccedilo da sociedade e de seu desenvolvimento que
adquire conserva pesquisa e divulga as evidecircncias representativas da histoacuteria brasileira
(IBRAN 2010)
24 Segundo material de divulgaccedilatildeo o Museu foi criado em Congonhas do Campo nas dependecircncias da Basiacutelica do
Senhor Bom Jesus Em 1977 foi transferido para a Fazenda da Boa Esperanccedila em Belo Vale e oficializado atraveacutes
de Lei Municipal nordm 50475 de 10 de abril Em 13 de Maio de 1988 primeiro centenaacuterio da aboliccedilatildeo foi inaugurado
o preacutedio atual em estilo colonial projetado por Paulo Bojanic
37
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt
Acesso em 2011
Nas duas imagens oficiais dos museus (figuras 4 e 5) os edifiacutecios satildeo isolados do
cenaacuterio urbano nos quais estatildeo localizados natildeo haacute qualquer referecircncia ao entorno Tambeacutem natildeo
se observa nas imagens nenhuma intervenccedilatildeo voltada ao visitante como placas de sinalizaccedilatildeo ou
propaganda indicando o nome do Museu como se locomover e serviccedilos tais como
estacionamento portatildeo de entrada e outras instalaccedilotildees puacuteblicas As imagens ressaltam a
grandiosidade da arquitetura exibida de maneira estaacutetica realccedilando as restauraccedilotildees das fachadas
iluminadas de forma atraente e sedutora
A imagem produzida pelos museus confronta-se com as fotografias dos visitantes Nos
dois museus visitados encontram-se possibilidades de rompimento com o caraacuteter transmissivo da
cultura mas tambeacutem configuraccedilotildees que reiteram os padrotildees de cultura hierarquizada ndash alta e
autorizada e outra baixa e desautorizada O visitante pode fazer o movimento de atribuiccedilatildeo de
sentido poliacutetico e esteacutetico agraves exposiccedilotildees e museus Ele substitui o tempo de espera pelo inusitado
do percurso de visita a mais uma exposiccedilatildeo
As fotografias do momento da chegada aos dois museus apontam que os visitantes criam
um circuito proacuteprio para a cultura O registro do visitante estabelece um diaacutelogo com o plano da
cultura que estaacute nos museus O visitante orienta o museu a fazer escolhas e cada museu produz a
38
si mesmo agrave medida que se expotildee ao visitante No Museu do Escravo (Figura 2) os visitantes
chegam rapidamente agrave entrada e comeccedilam a explorar de maneira espontacircnea o espaccedilo interno Os
estudantes parecem natildeo precisar de ldquoguiasrdquo ou orientaccedilotildees Querem ver o que tem laacute dentro
Circulam
Na chegada ao Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) o museu tem uma loacutegica proacutepria
parece fechado ao visitante Eacute muito organizado dizem os visitantes e essa organizaccedilatildeo parece
se expressar nos rituais de espera para entrar no seguranccedila que guarda a portaria nas orientaccedilotildees
de um ldquoguiardquo tambeacutem estudante de Histoacuteria Circulam visitam vaacuterias exposiccedilotildees sem correrias
retornam ao local da entrada (saiacuteda)
Assim pode-se considerar que satildeo os museus que constroem um puacuteblico um visitante e
lhes atribui caracteriacutesticas de idade escolaridade gecircnero articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute
um museu O museu se apresenta em primeira pessoa em cada material produzido e endereccedilado
aos visitantes Os visitantes nessas fotografias tambeacutem tentam controlar a sua auto-representaccedilatildeo
frente agrave arquitetura dos museus que se impotildee desde os portotildees de entrada
Posicionados historicamente frente agrave arquitetura dos dois museus as fotografias satildeo
tentativas dos visitantes de se apresentarem refletirem sobre si mesmos e natildeo apenas se
moldarem aos padrotildees e expectativas da representaccedilatildeo dominante Haacute nas imagens uma
reflexibilidade dos sujeitos (identidade no sentido de Hall) frente agrave arquitetura museal ou a
forma cultural dominante que entretanto natildeo se impotildee de maneira paciacutefica (regulaccedilatildeo) O
visitante tem uma atitude de produccedilatildeo cultural de conhecer o museu habitar de certo modo esse
espaccedilo (consumo) restabelecendo a centralidade da cultura ou o reiniacutecio do circuito com uma
nova representaccedilatildeo ao tornar o museu significativo visiacutevel e tangiacutevel para si mesmo
As fotografias permitem configurar um espaccedilo da vivecircncia (ou evento) 25
nas quais estatildeo
circunscritas as atividades que foram objeto do interesse dos visitantes e foram estruturadas tendo
como referecircncia a ideacuteia de performance movimento e foco natildeo apenas presentes nos museus
mas escolhidos e recortados pelos visitantes As fotografias apresentam desde a entrada no museu
(desejo expectativas de presenccedila) com o nascimento da proacutepria presenccedila o durante o percurso
interno e as reaccedilotildees agraves condiccedilotildees especiacuteficas da cultura museal contemporacircnea
25 Mauad (1996 p13-14) propotildee uma metodologia para o trabalho com fotografias que considera cada unidade
cultural que deve ser analisada sob os aspectos do espaccedilo fotograacutefico espaccedilo geograacutefico espaccedilo do objeto espaccedilo da
figuraccedilatildeo e espaccedilo da vivecircncia
39
predominantemente uma cultura de sentido e a saiacuteda dos museus a ausecircncia o desaparecer da
presenccedila e o surgimento dos efeitos de presenccedila que podem ser vividos jaacute na ausecircncia
15- Visitantes de museus espectadores emancipados
A abordagem desta pesquisa difere da perspectiva da recepccedilatildeo26
agrave medida que as visitas a
museus e os visitantes satildeo considerados espectadores emancipados e natildeo apenas consumidores
das propostas educativas elaboradas pelos consultores e especialistas de museus A relaccedilatildeo entre
o puacuteblico e os museus eacute recoberta de muacuteltiplas temporalidades Entendo o museu como
instituiccedilatildeo local fiacutesico produtor de conhecimento arena poliacutetica promotor de identidades
espaccedilo de construccedilatildeo de memoacuterias de educaccedilatildeo que reuacutene caracteriacutesticas que povoam o
imaginaacuterio social desde o final do seacuteculo XVIII O museu como ideia e instituiccedilatildeo resiste na
contemporaneidade e assume diferentes usos Eacute esse o conceito de museu puacuteblico moderno que
permeia essa pesquisa desde a formulaccedilatildeo do projeto passando pela delimitaccedilatildeo das fontes ateacute a
sistematizaccedilatildeo das primeiras anaacutelises das visitas
Assim como o conceito de museu eacute marcado pela historicidade ou a adaptaccedilatildeo a
diferentes momentos a imagem de um puacuteblico de museus tambeacutem remete a diferentes praacuteticas
ligadas aos museus pesquisa accedilotildees patrimoniais educativas expositivas colecionismos que
implicam em atrair diferentes grupos para frequumlentar e produzir esses espaccedilos poeacuteticos e
poliacuteticos
Falar dos museus como sujeitos eacute apresentaacute-los como um campo proacuteprio de produccedilatildeo de
conhecimentos e como tal fundadores de princiacutepios e loacutegicas como um tipo especial de
instituiccedilatildeo cultural O museu se coloca como sujeito cultural com processos de legitimaccedilatildeo e
criteacuterios de autoridade capazes de nortear a construccedilatildeo de sentidos poliacuteticos do que seja o proacuteprio
museu e por conseguinte sobre a relaccedilatildeo do museu com outros campos como o patrimocircnio a
memoacuteria a educaccedilatildeo e a histoacuteria
Dimensotildees histoacutericas poliacuteticas esteacuteticas sociais e institucionais concorrem para a
definiccedilatildeo do campo museal Diferentes contribuiccedilotildees e leituras transformam de maneira
26 Considero as pesquisas de recepccedilatildeo aquelas que tomam o puacuteblico de museus sob a perspectiva da ldquorelaccedilatildeo de
transposiccedilatildeo definida como a adaptaccedilatildeo da temaacutetica do museu ou da exposiccedilatildeo - feita pelo inteacuterprete - para o
visitanterdquo (MARANDINO ALMEIDA E VALENTE 2009 p22)
40
constante o conhecimento museoloacutegico Museoacutelogos historiadores jornalistas poliacuteticos e
cidadatildeos comuns compartilham dessa produccedilatildeo Tambeacutem na condiccedilatildeo de sujeito de praacuteticas
culturais especiacuteficas cada museu eacute lido por diferentes agentes histoacutericos Enquanto agente
puacuteblico o museu se daacute ver e se submete a leituras conflitantes A leitura de populares e de
especialistas se apresenta cada vez que o museu abre suas portas ao puacuteblico Em cada exposiccedilatildeo
em cada visita o museu se atualiza
Compreender a historicidade dos puacuteblicos ou visitantes de museus implica por
consequumlecircncia em analisar como diferentes sujeitos se fazem presentes nas poliacuteticas e poeacuteticas
destas instituiccedilotildees e como fazem usos variados destes espaccedilos puacuteblicos Almeida (2004 e 2005) e
Marandino (2009) estudiosas de puacuteblico de museus no Brasil indicam que a presenccedila do
visitante nos museus eacute registrada desde fins do seacuteculo XVIII Com interesses variados
colecionadores filoacutesofos poliacuteticos criacuteticos e artistas preocuparam-se em conhecer o puacuteblico de
museus e tecer consideraccedilotildees sobre o uso que faziam da instituiccedilatildeo Os proacuteprios museus
fornecem dados sobre os visitantes para oacutergatildeos estatais aos quais estatildeo subordinados e no iniacutecio
do seacuteculo XX foram realizados os primeiros estudos acadecircmicos nos EUA sobre puacuteblicos de
museus e comportamentos de visita (MARANDINO 2009)
Na segunda metade do seacuteculo XX os proacuteprios profissionais dos museus comeccedilam a se
interessar por esse tema de pesquisa assim como empresas puacuteblicas e privadas para fins de
avaliaccedilatildeo Na deacutecada de 1980 haacute um duplo interesse nos estudos de puacuteblicos como campo de
estudo das praacuteticas sociais e culturais e com finalidades de orientar investimentos econocircmicos e
poliacuteticas puacuteblicas
A reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre museus e visitantes nem sempre eacute pautada pela
preocupaccedilatildeo com o entendimento do papel social de ambos os atores Como afirma Koptke
pesquisadora do campo da museologia ldquoa negociaccedilatildeo do sentido de uso deriva de situaccedilotildees cuja
dinacircmica necessita ser analisada do ponto de vista de seus usuaacuterios para melhor compreendermos
como e para que existam os museusrdquo (KOPTKE 2005 p191)
Pesquisas de puacuteblico ou de recepccedilatildeo servem agrave negociaccedilatildeo de recursos e fundos tanto
privados quanto puacuteblicos e conquistam credibilidade social Veja-se o exemplo de investimentos
em tecnologias digitais que implicam em ampliaccedilatildeo do acesso e aumento do nuacutemero de visitantes
41
e se autojustificam pois um visitante virtual que acessa o site do museu e solicita um serviccedilo
equivale a um visitante presencial nos relatoacuterios de gestatildeo
Do ponto de vista acadecircmico a criacutetica agraves instituiccedilotildees museais considerando aspectos tais
como o acesso os produtos e valores culturais a elas associados jaacute identificados em escritos
como os de Valery (1931) reveste-se de maior amplitude em fins do seacuteculo XX em aacutereas como a
sociologia a antropologia a histoacuteria e os estudos culturais Trecircs seacuteculos de histoacuteria das
instituiccedilotildees museais satildeo revisitados por estudos empiacutericos e quantitativos que estabelecem dados
sobre condiccedilotildees de acesso e uso dos puacuteblicos tanto no plano relacional das trocas e negociaccedilotildees
quanto no plano institucional de valores e imagens A visita e o visitante satildeo objetos de inqueacuteritos
em diferentes museus Ao estudar o visitante essas pesquisas problematizam o papel dos museus
na sociedade e as percepccedilotildees sociais de suas accedilotildees Fala-se de puacuteblico ou puacuteblicos de uma
determinada atividade cultural Nos museus o lugar do puacuteblico estaacute associado ao visitante ou
usuaacuterio e as investigaccedilotildees sobre os puacuteblicos vecircm se consolidando juntamente com outros temas
como a educaccedilatildeo e a histoacuteria em museus
Os estudos de puacuteblico segundo Esquenazi (2006) foram se estabelecendo desde a deacutecada
de 1930 quando investigadores norte-americanos comeccedilam a se interessar por traccedilos da recepccedilatildeo
dos meios de comunicaccedilatildeo massivos sob a suspeita de que o puacuteblico seria uma comunidade
provisoacuteria ou um conjunto de pessoas mais ou menos dispersas que se identificavam com as
personalidades que lhes eram apresentadas pelas transmissotildees de raacutedio Os inqueacuteritos entretanto
demonstrariam que as escolhas poliacuteticas e a opiniatildeo popular eram mais influenciadas por
personalidades locais influentes do que por recomendaccedilotildees veiculadas pela miacutedia
Esquenazi (2006) faz um balanccedilo dos estudos de puacuteblico e estabelece um mapa conceitual
das concepccedilotildees do que seja um puacuteblico a partir das pesquisas socioloacutegicas realizadas ao longo do
seacuteculo XX Satildeo identificadas sete concepccedilotildees de puacuteblico o puacuteblico ativado pela obra delimitado
pelos inqueacuteritos suscitado pelas estrateacutegias comerciais pela estratificaccedilatildeo social por
configuraccedilotildees culturais pelas interaccedilotildees sociais e por situaccedilotildees simboacutelicas O autor chega a essa
tipologia a partir da anaacutelise de obras e autores apontando possibilidades abertas pelas
interpretaccedilotildees e limites das abordagens
Interesse de pesquisa semelhante ocorre na Franccedila em fins dos anos de 1950 quando
Andreacute Malraux ministro do General de Gaulle acreditava que bastavam boas condiccedilotildees para que
42
se constituiacutesse um puacuteblico apreciador de obras de arte Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2003)
numa pesquisa com o puacuteblico frequumlentador de museus de arte em quatro paiacuteses europeus
publicada na forma de livro com o tiacutetulo O amor pela arte apontaram que boa vontade
presumida natildeo bastava para a constituiccedilatildeo de um puacuteblico de museus Bourdieu e Darbel levantam
a hipoacutetese de que cada domiacutenio de praacuteticas culturais eacute estruturado por habitus legitimados pela
condiccedilatildeo de classe e condiccedilotildees de vida A frequecircncia a museus estaacute relacionada ao estatuto
social A probabilidade de um operaacuterio visitar um museu eacute quarenta vezes inferior agrave possibilidade
de visita de um quadro superior em escolaridade e renda
Os estudos recentes sobre o puacuteblico realizados pelos proacuteprios museus parecem ter se
afastado das perspectivas criacuteticas de Diderot Baudelaire Proust e Valery27
As pesquisas satildeo em
sua grande maioria instrumentais e fundamentadas pelas teorias da recepccedilatildeo Satildeo inqueacuteritos das
expectativas preacutevias dos aspectos que mais atraem os visitantes para determinados setores do
museu e dos conhecimentos preacutevios dos puacuteblicos Com base nesses inventaacuterios elaboram-se
programas redimensionam-se as ofertas de serviccedilos e promovem-se reformas Em geral satildeo
trabalhos preparados pelas proacuteprias equipes dos museus e especialistas consultores
pesquisadores e o puacuteblico convocado a responder aos modelos propostos
Esse paradigma da recepccedilatildeo tambeacutem vem sendo questionado com as pesquisas
historiograacuteficas sobre as praacuteticas culturais como as de Michel de Certeau (1994) e Roger Chartier
(1998) que analisam as praacuteticas de leitura e apontam para o papel produtivo dos leitores em
relaccedilatildeo ao livro e a leitura Para Certeau (1994) os leitores natildeo satildeo escritores que trabalham no
ldquosolo da linguagemrdquo mas ldquosatildeo viajantes circulam nas terras alheias nocircmades caccedilando por conta
proacutepria atraveacutes dos campos que natildeo escreveram arrebatando os bens do Egito para usufruiacute-losrdquo
As imagens evocadas pelo historiador para caracterizar o leitor satildeo marcadas por efeitos de
deslocamentos que misturam tempos e lugares uma ldquobricolagemrdquo uma relaccedilatildeo com os resiacuteduos
de construccedilotildees e destruiccedilotildees anteriores uma mitologia que se dispersa na duraccedilatildeo e desafia o
tempo disseminado em repeticcedilotildees diferenccedilas memoacuterias e conhecimentos (CERTEAU 1994
p269-270)
27 Discutidas no segundo capiacutetulo
43
Chartier (1998) por sua vez chama a atenccedilatildeo para o fato de que o leitor ldquocaccediladorrdquo que
percorre terras alheias descrito por Certeau natildeo se desloca ou subverte de forma absoluta aquilo
que o livro pretende lhe impor Sua liberdade leitora eacute ldquocercada por limitaccedilotildees derivadas das
capacidades convenccedilotildees e haacutebitos que caracterizam em suas diferenccedilas as praacuteticas de leiturardquo
(CHARTIER 1998 p77)
Do ponto de vista dos estudos filosoacuteficos tambeacutem ampliou-se o espaccedilo do leitor ao
afirmarmos que existe a possibilidade de emergir um novo significado para o texto dependendo
da posiccedilatildeo histoacuterica do leitor e de sua capacidade de diaacutelogo O leitor deixa aos poucos de ser
visto como o receptor passivo das obras e conquista um papel de produtor de sentidos Os
horizontes de expectativas dos leitores e o momento da leitura passam a integrar as anaacutelises da
posiccedilatildeo social do leitor visto como sujeito e natildeo apenas o destinataacuterio das obras sobretudo
literaacuterias28
Essas expectativas deixam de analisar a recepccedilatildeo e atribuir ao leitor um papel passivo
Abrem caminho para que sua accedilatildeo seja vista como um agir e um conhecer
Ser espectador eacute natildeo eacute condiccedilatildeo passiva que devemos transformar em atividade Eacute a
nossa condiccedilatildeo normal Aprendemos e ensinamos agimos e conhecemos tambeacutem
enquanto espectadores que ligam constantemente o que vecircem com aquilo que jaacute viram e
disseram fizeram e sonharam (RANCIEgraveRE 2010 p28)
Jacques Ranciegravere lembra o que eacute aparentemente oacutebvio o visitante produz significados e
natildeo simplesmente processa as informaccedilotildees de forma passiva (espectador emancipado) Essa
emancipaccedilatildeo estaacute associada a uma condiccedilatildeo de atividade e natildeo de passividade das accedilotildees de olhar
A aposta dessa pesquisa eacute que o visitante se insere a partir de sua presenccedila no ldquocircuito
dos museusrdquo A visita a museus se constitui em uma praacutetica cultural que se estabelece por uma
frequumlecircncia a variados museus e permite que o visitante-narrador ldquoencarnadordquo dessacralize a
cenografia do passado encenada pelos museus O uso dos museus pelos visitantes pode superar
assim a mera apropriaccedilatildeo cognitiva das propostas e sensibilidades jaacute existentes nos museus e
visitantes tornando possiacutevel por meio dos relatos escritos fotograacuteficos e orais uma nova
28 Ver COSTA Maacutercia Haacutevila Mocci da Silva Esteacutetica da recepccedilatildeo e teoria do efeito Disponiacutevel emlt
wwwdiaadiaeducacaoprgovbrgtAcesso em17 mar 2011
44
produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de conhecimentos que redefinem os conceitos que circulam em ambos os
campos dos museus e das escolas
45
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes
No primeiro capiacutetulo foram constituiacutedas as principais referecircncias teoacutericas e metodoloacutegicas
para o estudo das situaccedilotildees de visita escolar a museus Delineou-se um panorama da abordagem
investindo nos conceitos de narrativa memoacuteria presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica para criar uma
indumentaacuteria para o visitante emancipado que viaja entre a escola e os museus
Nesse segundo capiacutetulo tambeacutem se observa uma preocupaccedilatildeo com as bagagens para a
viagem propriamente dita providencia-se os documentos as certificaccedilotildees especiacuteficas os roteiros
novos mas tambeacutem se avalia os caminhos jaacute percorridos que estimulam investimentos em novos
caminhos e a seguranccedila do viajante
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico
Eacute quase lugar comum iniciar uma ldquohistoacuteria dos museusrdquo pela evocaccedilatildeo da constituiccedilatildeo de
um espaccedilo dedicado agraves musas e em seguida pelo estabelecimento de uma ligaccedilatildeo estreita com a
constituiccedilatildeo de um espaccedilo ou local fiacutesico dedicado ao estudo ao conhecimento e agrave exposiccedilatildeo
puacuteblica da cultura
A origem dos museus na Franccedila estaacute associada a fatores como a demanda por abertura das
coleccedilotildees renascentistas principalmente de pinturas e esculturas restritas aos colecionadores
prelados cortesatildeos juristas eruditos artistas priacutencipes e monarcas e o museu se coloca como
um herdeiro dos ldquogabinetes de curiosidadesrdquo Na Itaacutelia por sua vez eacute desenvolvido outro
elemento fundador de uma ldquocultura do museurdquo que satildeo as accedilotildees poliacuteticas e a definiccedilatildeo de uma
legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo ao patrimocircnio para assegurar ao museu o lugar de ldquoconservaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeordquo desse patrimocircnio artiacutestico agora de interesse puacuteblico Na Alemanha as origens
dos museus estatildeo associadas agrave abertura das coleccedilotildees privadas e agrave reivindicaccedilatildeo de um lugar para
essa produccedilatildeo no discurso universal da arte Para a institucionalizaccedilatildeo e ideia de museu
contemporacircneo confluem as demandas de ensino e pesquisas (biblioteca) ligadas a transmitir e
permitir a produccedilatildeo de conhecimento e tambeacutem o papel de guardiatildeo da memoacuteria daqueles que se
distinguiram nas atividades do espiacuterito (BREFE 1998 p298-300)
46
Entender esse conceito moderno de museu e seu uso social eacute tarefa bastante complexa e
alvo de inuacutemeros debates contemporacircneos Muitos estudos recentes costumam definir os museus
como ldquolugares de memoacuteriardquo mas trabalham com a histoacuteria das instituiccedilotildees museais a partir de
uma sequecircncia de fases ou uma tipologia que considera apenas os objetos expograacuteficos nos quais
se especializaram os museus Os museus satildeo caracterizados como de artes ciecircncias e histoacuteria e
estas especializaccedilotildees se tornam definidas e imutaacuteveis Numa genealogia dos museus os gabinetes
de curiosidades seriam os precursores dos museus de ciecircncias e arqueologia os antiquaacuterios
dariam lugar aos museus de histoacuteria e as galerias de arte privadas cederiam espaccedilo aos museus
puacuteblicos de arte
Essas analogias parecem congelar a imagem de museu e relacionaacute-la especificamente a
uma dada eacutepoca histoacuterica numa sequumlecircncia evolutiva Os criteacuterios de classificaccedilatildeo ou ldquoetiquetasrdquo
utilizados para os museus estariam dados a partir de um modelo As instituiccedilotildees natildeo seriam
consideradas em suas especificidades poliacuteticas e culturais Em funccedilatildeo de um padratildeo esperado
para os museus em geral um museu especiacutefico eacute julgado pelos estudiosos pelo criteacuterio da
inovaccedilatildeo ou natildeo de suas exposiccedilotildees como se as uacuteltimas tendecircncias da museologia fossem o
paracircmetro uacutenico para todo e qualquer museu
Os estudos sobre museus reuacutenem profissionais de diversas aacutereas como a museologia a
histoacuteria a educaccedilatildeo a comunicaccedilatildeo as artes a arqueologia a sociologia dentre outras Abordam
campos de interesse comuns a diversos pesquisadores tais como o patrimocircnio as identidades
poliacuteticas as miacutedias e novas tecnologias espaccedilo urbano e arquitetura Praacuteticas profissionais e
culturais visitantes educaccedilatildeo e interaccedilatildeo tambeacutem satildeo temas contemporacircneos e emergentes dos
estudos sobre os museus
No Brasil as fontes e a bibliografia sobre a trajetoacuteria dos museus foram marcadas ateacute os
anos de 1940-1950 por produccedilotildees das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas como a revista
Archivos do Museu Nacional editada desde 1876 e obras de referecircncia como os cataacutelogo
publicado por Heloisa Alberto Torres entatildeo diretora do Museu Nacional em 1953 intitulado
Museus do Brasil Outra referecircncia importante do periacuteodo foi a publicaccedilatildeo em 1958 do livro
coordenado e organizado por Guy de Hollanda Recursos Educativos dos Museus Brasileiros
com o apoio da Onicom ndash Organizaccedilatildeo Nacional do Conselho Internacional de Museus Neste
trabalho Hollanda traz um levantamento da situaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo a acervos
47
exposiccedilotildees visitaccedilotildees atividades educativas recursos didaacuteticos organograma pessoal etc
(UNIRIO 2005)
Ao longo do seacuteculo XX obras de intelectuais ligados diretamente ou indiretamente a
museus eou oacutergatildeos governamentais de preservaccedilatildeo como Mario de Andrade (1917) Francisco
Venacircncio Filho (1941) Gustavo Barroso (1946) Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) Joseacute
Valladares (1946) Gilberto Freyre (1979) e Darcy Ribeiro (1955) dentre outros destacam-se na
produccedilatildeo de um pensamento e accedilotildees no campo da museologia e vecircm sendo estudados por
pesquisadores contemporacircneos
Destaco as contribuiccedilotildees de Francisco Venacircncio Filho (1941) Joseacute Valladares (1946) e
Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) que delineiam marcos de interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo museu-
educaccedilatildeo no Brasil e agiram diretamente na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
criaccedilatildeo de museus e na concepccedilatildeo e planejamento de accedilotildees educativas nos museus brasileiros
Estes autores lanccedilam obras nos anos de 1940 que teratildeo influecircncia teoacuterica ateacute os anos de 1970 na
criaccedilatildeo de museus histoacutericos e pedagoacutegicos em Satildeo Paulo29
Entre os anos de 1960-1970 predomina a publicaccedilatildeo de coleccedilotildees de divulgaccedilatildeo sobre os
grandes museus europeus no formato de cataacutelogos vendidos em bancas de jornais e revistas A
pesquisa acadecircmica propriamente dita com a elaboraccedilatildeo de monografias dissertaccedilotildees e teses
com posicionamentos criacuteticos questionadores e reflexivos se intensificou no Brasil a partir dos
anos 1980 e se amplia nas deacutecadas seguintes
Autores como Waldisa Russio Camargo Guarnieri (1977 1980) Maria Margaret Lopes
(1988 e 1993) Maria Ceacutelia Moura Santos (1987 1993 e 1996) Regina Abreu (1996) Cristina
Bruno (1996) Maria Ceciacutelia Lourenccedilo (1997) Mario Chagas (1999 e 2003) Ulpiano Bezerra de
Menezes (1992 1994 2004 2005 e 2007) marcam a riqueza dessa produccedilatildeo e apontam temas
como a institucionalizaccedilatildeo dos museus de ciecircncias as accedilotildees educativas o colecionismo o
patrimocircnio a memoacuteria social a arte e a museologia como outros caminhos de investigaccedilatildeo que
seriam abertos por novas pesquisas e percorridos por novos pesquisadores em universidades do
paiacutes e em cursos no exterior
29 Ver CAMPOS Vinicio Stein Elementos de Museologia 1ordm e 3degvolume se 1970
48
Um levantamento bibliograacutefico realizado pelo CECA30
em 2007 apontava ao mesmo
tempo a abrangecircncia e a dispersatildeo dessa produccedilatildeo sobre os museus A divulgaccedilatildeo dessa
produccedilatildeo bibliograacutefica continuaria em grande parte ligada agraves revistas dos oacutergatildeos oficiais de
patrimocircnio (IPHAN e ICOM) e publicaccedilotildees proacuteprias dos grandes museus centros culturais e de
memoacuteria Algumas poucas divulgadas pelos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de diversas aacutereas que
pesquisam a temaacutetica
Contudo estudos sobre trajetoacuterias de museus brasileiros ou uma chamada historiografia
dos museus vem se aprofundado em abordagens teoacutericas-metodoloacutegicas e temaacuteticas tais como o
papel das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas na elaboraccedilatildeo da cultura material a anaacutelise dos
quadros referenciais que vatildeo se fixando para organizaccedilatildeo de coleccedilotildees e exposiccedilotildees os modelos
organizacionais concepccedilotildees de diretores e profissionais envolvidos em propostas de
musealizaccedilotildees e seus desdobramentos
Em um esforccedilo de leitura e siacutentese dessa bibliografia pode-se indicar trecircs impulsos
poliacuteticos de criaccedilatildeo de museus no Brasil Um primeiro que vai do iniacutecio do seacuteculo XIX ateacute a
deacutecada de 1930 Um segundo momento localizado entre as deacutecadas de 1930 e 1950 e por fim
um terceiro movimento de criaccedilatildeo de museus entre a segunda metade do seacuteculo XX e primeiras
deacutecadas do seacuteculo XXI
No seacuteculo XIX os atos fundadores dos primeiros museus comeccedilando pelo Museu Real
(1818) criado por D Joatildeo VI e aberto ao puacuteblico em 181931
contribuem para a emergecircncia de
uma nova sociabilidade e a redefiniccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico e de um puacuteblico espectador As visitas
ao Museu Real entre 1818 e 1821 eram privileacutegio de curiosos estudiosos e autoridades
A primeira exposiccedilatildeo do Museu Real aberta ao puacuteblico em 1821 tinha a visitaccedilatildeo e o uso
do espaccedilo regulado por uma Portaria Real que definia quem era o visitante digno de frequumlentar o
museu aquele que possuiacutea conhecimentos e qualidades (educados) O ambiente do Museu era de
estudo e contemplaccedilatildeo o visitante deveria manter a calma Presenccedila do guarda de sala (praacutetica
ainda usual) zelava pela ordem e controlava os comportamentos dos visitantes O acesso a
30 O CECA-BRASIL eacute formado pelos membros brasileiros afiliados ao Comitecirc Internacional para Accedilatildeo Educativa e
Cultural (CECA) do Conselho Internacional de Museus (ICOM) Disponiacutevel em lt wwwicomorgbrgt 31
Transformado posteriormente em Museu Imperial e hoje Museu Nacional da quinta da Boa Vista integrado agrave
estrutura acadecircmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ver material produzido pelo proacuteprio Museu
Nacional do RJ e trabalhos sobre a instituiccedilatildeo como LOPES (1997) e CHAGAS (1999)
49
algumas salas era restrito assim como havia dias de abertura e horaacuterios para diferentes puacuteblicos
A prioridade era dada ao visitante estrangeiro e pesquisador (LOPES 1999)
Na deacutecada de 1860 haacute uma diversificaccedilatildeo das instituiccedilotildees que fundam museus No Rio de
Janeiro satildeo criados os Museu do Exeacutercito (1864) e Museu da Marinha (1868) No Paraacute o Museu
Paraense Emiacutelio Goeldi eacute criado como Sociedade Filomaacutetica em 1866 e o Museu Paulista em
Satildeo Paulo em 1895
Essa geraccedilatildeo de museus do seacuteculo XIX ainda que pareccedila regional como o Museu
Paulista satildeo considerados museus nacionais agrave medida que colaboram para a construccedilatildeo ritual e
simboacutelica da naccedilatildeo Curioso notar que essa mesma bibliografia trata pouco ou quase nada sobre
o projeto de criaccedilatildeo do museu do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro instituiacutedo pelo
mesmo decreto de criaccedilatildeo do IHGB em 1838 instalado e aberto atualmente agrave visitaccedilatildeo na sede
do proacuteprio Instituto Histoacuterico no Rio de Janeiro
No iniacutecio do seacuteculo XX esse caraacuteter celebrativo dos museus brasileiros do seacuteculo XIX se
propaga a partir do Rio de Janeiro para estados e museus como o Juacutelio de Castilhos (1903)
Museu Anchieta (1908) no Rio Grande do Sul Pinacoteca Puacuteblica do Estado (1906) em Satildeo
Paulo e o Museu de Arte da Bahia (1918) E chega a criaccedilatildeo por Gustavo Barroso do Museu
Histoacuterico Nacional (MHN) em 1922 (CHAGAS 1999 p36) Um segundo momento de criaccedilatildeo
de museus eacute identificado nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 por iniciativa de empresaacuterios os
chamados Museus de Arte Moderna (MAMs) do Rio de Janeiro (MAM 1948) e Satildeo Paulo
(MASP 1947) e os natildeo instalados ldquomuseus histoacutericos e pedagoacutegicosrdquo em Satildeo Paulo
Ao longo das deacutecadas de 1930-1950 haacute um consideraacutevel impulso na criaccedilatildeo de museus32
a maioria ainda em plena atividade A criaccedilatildeo do Curso de Museus em 1932 vinculado ao MHN
embora inicialmente fosse apenas um aperfeiccediloamento de dois anos e exigisse como preacute-requisito
cinco anos de escolaridade baacutesica eacute considerado pelos pesquisadores de museus como importante
na profissionalizaccedilatildeo do campo e organizaccedilatildeo da museologia Por fim tem-se um terceiro
32 Dentre outras foram criados a Casa de Rui Barbosa ndash RJ (1930) Museu da Veneraacutevel Ordem Terceira de Satildeo Francisco da Penitecircncia ndash RJ (1933) Museu Histoacuterico da Cidade ndash RJ (1934) Museu Nacional de Belas Artes ndash RJ
(1937) Museu da Inconfidecircncia ndash Ouro Preto (1938) Museu da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Gloacuteria do
Outeiro ndash RJ (1939) Museu Imperial ndash Petroacutepolis (1940) Museu das Missotildees ndash RS (1940) Museu Antonio Parreiras
ndash Niteroacutei (1941) Museu Histoacuterico de Belo Horizonte (1943) Museu do Ouro de Sabaraacute (1945) Museu da Veneraacutevel
Ordem Terceira do Carmo ndash RJ (1945) Museu de Arte Moderna de Satildeo Paulo (1946) Museu de Arte Moderna ndash RJ
(1948) Museu do Iacutendio ndash RJ (1953) Museu Oceanograacutefico ndash RS (1953) e Museu Farroupilha ndash PR (1954) (UNIRIO
2007)
50
movimento de criaccedilatildeo de museus que marca as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo
XXI Aleacutem dos museus existentes haacute outro cenaacuterio de aumento do nuacutemero de museus
investimentos dos setores privados na construccedilatildeo de museus e financiamento de projetos culturais
voltados ao turismo cultural e a revitalizaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural de centros
urbanos e industriais e a tecnologias virtuais
Uma das questotildees ao se pensar a historicidade dos museus eacute discutir ateacute que ponto as
trajetoacuterias dos museus brasileiros obedecem eou dialogam com os modelos europeus e latino-
americanos E mais de que forma as trajetoacuterias institucionais ajudam na compreensatildeo das
praacuteticas museais em relaccedilatildeo aos puacuteblicos Autores como Ulpiano Bezerra de Menezes Maria
Margaret Lopes Lilia Moritz Schwarcz e Maria Ceciacutelia Lourenccedilo reuacutenem algumas polecircmicas em
torno da questatildeo da criaccedilatildeo de museus no Brasil a partir do seacuteculo XIX e algumas praacuteticas de
produccedilatildeo e circulaccedilatildeo da cultura museal
Para Ulpiano Bezerra de Menezes (2005 p16) as trajetoacuterias dos museus brasileiros em
especial dos chamados museus histoacutericos foram distintas do paradigma europeu e mais proacuteximas
do modelo norte-americano Para o autor a visatildeo que se consolida a respeito dos museus no
seacuteculo XIX se eacute que pode ser considerada iluminista desemboca numa estetizaccedilatildeo do social e na
transformaccedilatildeo da histoacuteria em espetaacuteculo Os museus brasileiros satildeo mais evocativos e
celebrativos do que os europeus e a funccedilatildeo de produccedilatildeo do conhecimento eacute marginalizada A
memoacuteria eacute reduzida a instrumento de enculturaccedilatildeo paradigmas a priori definidos e que circulam
em vetores sensoriais (MENEZES 2005 p16)
Maria Margaret Lopes em O Brasil descobre a pesquisa cientiacutefica os museus e as
ciecircncias naturais no seacuteculo XIX publicado em 1997 apresenta uma visatildeo distinta dos museus
principalmente daqueles de histoacuteria natural A autora contribui com novas orientaccedilotildees para se
escrever uma historiografia das ciecircncias como praacutetica social e revisita as atividades cientiacuteficas no
Brasil desde a colocircnia inserido-as em uma dinacircmica cultural mais abrangente Daiacute quando
confrontada com uma ldquovasta literatura interdisciplinar internacionalrdquo sobre os aspectos histoacutericos
das instituiccedilotildees museoloacutegicas Lopes aprofunda temas teoacuterico-metodoloacutegicos sobre a histoacuteria dos
museus aspectos comunicativos expositivos educacionais e cientiacuteficos antes pouco
considerados no Brasil e reinscreve os museus numa nova dinacircmica
51
Ao avaliar o debate sobre as origens dos museus nos Estados Unidos Lopes estimula a
reflexatildeo sobre as diferentes fases das histoacuterias dos museus como uma forma ldquoinstigante de pensar
os museus como locais em que a cultura material eacute elaborada exposta comunicada e
interpretadardquo (2005 p15) Uma das questotildees abordadas pela autora eacute a maneira como se
formavam as coleccedilotildees e ateacute que ponto essas coleccedilotildees se relacionavam com a formaccedilatildeo do campo
da Histoacuteria Natural e das ciecircncias modernas e como ajudam na compreensatildeo dos processos
contemporacircneos de construccedilatildeo de museus cientiacuteficos
Lopes apresenta um movimento dos museus de histoacuteria natural no seacuteculo XIX indicando
que se formara em torno do American Association of Museums33
um circuito de intercacircmbio que
incluiacutea comunicaccedilatildeo coleccedilotildees cataacutelogos pesquisadores e disputas cientiacuteficas sociais e poliacuteticas
incluindo museus diferentes tais como o Museu Paulista e o Museu Paraense o Museu
Nacional o Museu de Valparaiso o Museu de La Plata o Museu de Buenos Aires e o Museu da
Costa Rica Um verdadeiro ldquomovimentordquo de museus emerge da anaacutelise de Margaret Lopes (1997
p223-247)
Ao investigar como se datildeo as periodizaccedilotildees e criteacuterios de mudanccedila e permanecircncia nos
ldquosistemas museaisrdquo na Ameacuterica Latina e nos Estados Unidos Margaret Lopes considera que o
panorama mundial dos museus entre as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e as primeiras do seacuteculo
XX apontava que natildeo era tatildeo simples submeter os museus a tipologias anacrocircnicas e classificaacute-
los de acordo com as divisotildees propostas Ela identifica pelas publicaccedilotildees e correspondecircncias
entre diretores de museus que nesse periacuteodo houve a formaccedilatildeo de um ldquocircuito dos museusrdquo
internacional que incluiacutea trocas entre os museus de histoacuteria natural argentino (Museu de La Plata)
e o Bristish Museum no sentido de criar uma nova instituiccedilatildeo que rompia com o ldquogabinete de
curiosidadesrdquo e apontava para a instituiccedilatildeo de um ldquomoderno museu cientiacuteficordquo (LOPES 1997
p323)
Esse novo referencial de museu que se transformava vinculado ao Estado teria uma dupla
funccedilatildeo colaborar com a educaccedilatildeo e com a investigaccedilatildeo cientiacutefica O que natildeo se faria sem certa
tensatildeo que ainda marcaria por muito tempo as discussotildees acerca do conhecimento As coleccedilotildees
seriam divididas uma para a pesquisa outra para exibiccedilatildeo ao puacuteblico leigo Esse referencial
33 Sobre a importacircncia desse movimento Margaret Lopes faz uma leitura criacutetica das contribuiccedilotildees de Laurence Vail
Coleman que publica em 1939 The museum in America a critical study e de Oroz J J que retoma criticamente
Colemam ao discutir a curadoria numa perspectiva tambeacutem histoacuterica Ver Lopes 2005 p15-17
52
vigoraria inclusive no Museu Nacional do Rio de Janeiro ateacute a deacutecada de 1930 (LOPES 2005
p22)
A autora avanccedila na anaacutelise desses intercacircmbios entre os diretores de museus brasileiros e
argentinos e indica como essa discussatildeo contribuiu para a definiccedilatildeo de disciplinas como a
antropologia a paleontologia e arqueologia e ao mesmo tempo aponta as ldquomissotildees cientiacuteficas e
civilizadoras desses museus em fins do seacuteculo XIX (LOPES 2001)
Lilia Schwarcz (2005 p124-126) considera que o surgimento dos museus nacionais de
ldquoetnografiardquo no Brasil a partir da deacutecada de 1870 estaacute relacionado ao estabelecimento de outras
instituiccedilotildees cientiacuteficas apoacutes a vinda da Famiacutelia Real como as faculdades de Medicina e Direito e
aos Institutos Histoacutericos e Geograacuteficos Para ela esses museus satildeo coacutepia dos modelos europeus e
estabeleceram uma praacutetica bastante isolada em relaccedilatildeo aos demais estabelecimentos cientiacuteficos
nacionais Fruto de um saber determinista frente aos modelos evolucionistas e darwinistas sociais
presentes no debate intelectual da eacutepoca procuravam encontrar nas culturas indiacutegenas e africanas
(raccedilas) e na miscigenaccedilatildeo a comprovaccedilatildeo do atraso do paiacutes (SCHWARCZ 2005 p124-126)
As soluccedilotildees apontadas por Lopes e Schwarcz para a questatildeo da circulaccedilatildeo dos modelos de
museu se inscrevem em duas tradiccedilotildees34
de interpretaccedilatildeo historiograacutefica que atribuem pesos
diferentes agrave capacidade de elaboraccedilatildeo e autonomia de um pensamento social brasileiro Enquanto
a pesquisa de Lopes (1997) postula que a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais e culturais implica na
reflexatildeo sobre a histoacuteria das instituiccedilotildees cientiacuteficas e culturais e contribui para a superaccedilatildeo do
passado colonial e a vinculaccedilatildeo aos projetos de modernidade ocidental Schwarcz (2005)
identifica os obstaacuteculos que dificultam e impedem internamente o desenvolvimento de um
pensamento autocircnomo e um desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico da sociedade brasileira
O debate aberto em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees museais pode ser estendido aos visitantes De
que maneira modelos diferentes de museu circulam na cultura e como os visitantes se posicionam
frente a eles Enquanto Lopes (1997) dialoga com o campo cientiacutefico Maria Ceciacutelia Lourenccedilo
(1999) discute a criaccedilatildeo dos Museus de Arte Moderna na deacutecada de 1950 frente ao quadro de
permanecircncias e mudanccedilas da proacutepria histoacuteria da arte e das relaccedilotildees entre o museu modernista a
poliacutetica o poder os intelectuais os artistas as universidades a formaccedilatildeo de puacuteblico e a produccedilatildeo
34 Moema de Resende Vergara discute a constituiccedilatildeo de duas vertentes historiograacuteficas da ciecircncia no seacuteculo XX Ver
VERGARA (2004)
53
de conhecimento A autora oferece algumas imagens de museu que satildeo expressivas de nossa
eacutepoca museu vivo museu escola museu comunitaacuterio museu espetaacuteculo e museu shopping se
enlaccedilam agraves diversas tipologias de projetos socioculturais no cotidiano dos museus
Ao trabalhar o conceito de museu Lourenccedilo (1999) evoca de maneira recorrente a
situaccedilatildeo e trajetoacuteria dos museus de arte brasileiros e aponta duas questotildees A primeira eacute a
distacircncia existente entre o declarado e a praacutetica cotidiana ou seja entre a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees
e seu funcionamento regular e atual A segunda questatildeo eacute a vitalidade das instituiccedilotildees histoacutericas
que mesmo enfrentando problemas para se manterem em funcionamento contribuem na
construccedilatildeo de conceitos recolha de obras e manteacutem o diaacutelogo com as matrizes e valores tambeacutem
expostos
Uma instituiccedilatildeo museal sempre se reinventa em sua proacutepria dinacircmica O acervo de cada
instituiccedilatildeo eacute um exemplo Se o museu possui acervo ou natildeo se recebe um acervo internacional
os valores e pressupostos jaacute inventados sobre esse acervo influenciam na relaccedilatildeo que essa
instituiccedilatildeo estabelece com sua proacutepria condiccedilatildeo e com o puacuteblico Os valores ou criteacuterios de
inclusatildeo e exclusatildeo de acervos nos museus de arte satildeo subjetivos e discutiacuteveis meacuteritos
recebimentos de precircmios internacionais origem social geograacutefica proximidade com o poder
vigente aleacutem de outros que permeiam a cultura como a xenofobia o corporativismo o nepotismo
e mecanismos de troca impliacutecita para angariar proveitos pessoais satildeo as bases para os objetos e
obras adquiridos e expostos nos museus Lourenccedilo natildeo eacute nada otimista quando aos tipos de troca
que podem ocorrer para a formaccedilatildeo de determinados museus que por sua vez manteacutem esse
circuito em aberto ao longo de suas trajetoacuterias (LOURENCcedilO 1999 p20-62)
Ana Claudia Fonseca Brefe (1998) apoacutes um balanccedilo do conceito de museu desde a
renascenccedila ateacute o seacuteculo XIX em diaacutelogo com uma bibliografia francesa conclui que o conceito
de museu vai se adequando a diferentes materialidades e instituiccedilotildees como os gabinetes de
curiosidades que satildeo inicialmente coleccedilotildees privadas se transformam agrave medida que passam a
discutir o uso cientiacutefico e pedagoacutegico de suas coleccedilotildees a abertura ao puacuteblico arquitetura
disposiccedilatildeo dos objetos e objetivos Os debates historiograacuteficos em torno da instituiccedilatildeo museal
tambeacutem partem de interesses do presente relativos a disputas por memoacuterias e patrimocircnio
54
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus
As funccedilotildees de um museu na contemporaneidade satildeo muacuteltiplas fruiccedilatildeo esteacutetica viacutenculos
subjetivos condiccedilotildees de recolhimento e de diaacutelogos culturais multiplicados Entretanto o museu
histoacuterico eacute ao mesmo tempo um espaccedilo de ficccedilatildeo e de confronto mas impera o diaacutelogo quando
enfrenta a questatildeo da multiculturalidade Para Menezes (1994) o museu natildeo eacute enciclopeacutedia de
diversidade cultural Nele imaginaacuterio e imaginaccedilatildeo satildeo campos de forccedila mas os problemas em
relaccedilatildeo agraves praacuteticas dos sujeitos se datildeo de maneira ampla na sociedade e natildeo em abstrato nas
exposiccedilotildees museoloacutegicas
Os usos do potencial da imaginaccedilatildeo nos museus podem ser instrumentalizados numa
ideologia do valor em si dos ldquonovos museusrdquo Esses novos ideaacuterios de museus justificam a
revitalizaccedilatildeo de espaccedilos urbanos que se sobrepotildeem a outros que satildeo desfigurados Ultrapassam-
se as fronteiras culturais da induacutestria do lazer e do retorno do investimento e transcendem os
interesses locais voltando-se para visitantes estrangeiros numa adesatildeo agrave loacutegica de mercado O
proacuteprio museu se apresenta como forma de explorar um imaginaacuterio da cidade com praacuteticas de
utilizaccedilatildeo do seu espaccedilo e de suas forccedilas sociais Os objetos histoacutericos satildeo peccedilas-fetiche
Aleacutem da criacutetica aos museus-mercados Menezes (1994) tambeacutem eacute criacutetico dos museus
teatro da memoacuteria que por sua orientaccedilatildeo paternalista pressupotildee a passividade do espectador e a
hegemonia do paradigma observacional fundamentado na espetacularidade Para ele o
laboratoacuterio de Histoacuteria eacute o museu que torna viaacutevel a produccedilatildeo e socializaccedilatildeo do conhecimento
(MENEZES 1994 p62)
As investigaccedilotildees sobre a educaccedilatildeo histoacuterica em museus tecircm se debruccedilado sobre temas tais
como parcerias institucionais com escolas desenvolvimento de projetos e oferta de serviccedilos
educativos por parte dos museus A pesquisa sobre o ensino tambeacutem ganha forccedila e aponta que as
dimensotildees do processo de ensino- aprendizagem natildeo se reduzem a questotildees teacutecnicas ou de cunho
metodoloacutegico A ldquodidaacutetica da histoacuteriardquo eacute colocada por autores com Ruumlsen (2007) junto agrave ldquoteoria
da histoacuteriardquo
De outro acircngulo as discussotildees sobre o ensino de histoacuteria no Brasil sempre foram
vinculadas a projetos de formaccedilatildeo de uma identidade nacional tendo o Estado como maior
promotor dessa associaccedilatildeo O ensino de histoacuteria e identidade nacional se vincularam nos
55
curriacuteculos de histoacuteria prescritos desde o iniacutecio do seacuteculo XX e se manteacutem nas atuais diretrizes
para o sistema nacional de ensino
A criacutetica teoacuterica e praacutetica aos modelos oficiais tambeacutem se constitui como parte do debate
sobre o ensino de histoacuteria e se faz de maneira institucionalizada por professores de histoacuteria e suas
associaccedilotildees principalmente nos anos de 1960-70 Os professores tomam a discussatildeo sobre a
identidade e a ressignificam A educaccedilatildeo escolar e o ensino de histoacuteria satildeo vistos como espaccedilos
para se pensar identidades e pluralidades culturais pelo vieacutes da diversidade entendida num
quadro de desigualdades sociais e dominaccedilatildeo poliacutetica (SILVA E GUIMARAtildeES 2007 p58)
Este movimento de reflexatildeo em torno das identidades nacionais vem reposicionando a noccedilatildeo
de alteridade frente agraves tendecircncias globalizantes e provoca a reorganizaccedilatildeo curricular que vem se
fazendo na Europa e que reconhece explicitamente a dimensatildeo do estudo do patrimocircnio como
parte essencial da educaccedilatildeo para a cidadania (BARCA 2003 p100)
Ramos (2004 p15) discute que a ida ao espaccedilo museoloacutegico implica necessariamente
efetuar atividades educativas questionamentos e maneiras teoricamente fundamentadas de
aguccedilar a percepccedilatildeo para os objetos das exposiccedilotildees e a vinculaccedilatildeo entre o mundo dos artefatos
Para o citado autor a histoacuteria estaacute presente nos objetos e estes podem ser instrumentos para um
posicionamento no presente Os conflitos com os objetos de uso dos museus (objeto gerador)
produzem cultura fazem a ponte entre a memoacuteria coletiva e individual faz lembrar e ler a
materialidade das coisas na proacutepria problemaacutetica histoacuterica (2004 p19-30)
O foco central da pesquisa sobre visitas educativas a museus neste sentido indicado por
Ramos (2004) aponta para os usos e apropriaccedilotildees do patrimocircnio cultural musealizado As
escolas utilizam posturas investigativas em relaccedilatildeo ao patrimocircnio Muitas praacuteticas escolares de
visitas levantam justificativas quanto agrave relevacircncia de atitudes de avaliaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da
histoacuteria local e aprofundam maneiras de atuar e interagir em relaccedilatildeo a seleccedilotildees de objetos
valores crenccedilas que se processam cotidianamente na sociedade A partir das visitas a museus
questiona-se o conceito de ldquopatrimocircnio histoacutericordquo natildeo como um meio ou recurso para conhecer
ou fazer histoacuteria mas como a proacutepria histoacuteria evidenciada nas persistecircncias visiacuteveis do passado
que o presente outorga valores (HERNANDEZ 2003 p456-458)
O patrimocircnio pode ser considerado a expressatildeo de identidades e sua apropriaccedilatildeo favorece
a construccedilatildeo de valores tais como respeito ao entorno e ao pertencimento a uma comunidade de
56
sentido ou tradiccedilatildeo Pode possibilitar o exerciacutecio de um pensamento criacutetico capaz de situar
historicamente as evidecircncias e dotaacute-las de novos significados sociais poliacuteticos e culturais Por
fim a relaccedilatildeo com o patrimocircnio museal desencadeia accedilotildees de construccedilatildeo do conhecimento
histoacuterico e ampliaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica (GONZALEZ 2004)
A aprendizagem em museus estaacute focada em dois eixos na potecircncia patrimonial de
coleccedilotildees e objetos e na potecircncia comunicativa das instituiccedilotildees em estabelecer planos e programas
puacuteblicos educativos que combinam diversas dimensotildees do cenaacuterio natildeo formal (natildeo escolares) do
museu e aspectos da cultura mais amplos
Pesquisas acadecircmicas sobre educaccedilatildeo em museus satildeo bastante numerosas35
mas natildeo se
constituem em torno de um campo especiacutefico de investigaccedilatildeo organizado em referecircncias teoacutericas
e metodoloacutegicas soacutelidas Predomina o diaacutelogo com vaacuterias aacutereas acadecircmicas o que torna o esforccedilo
para visualizar o conjunto dessa produccedilatildeo ou mesmo avaliar as tendecircncias e perspectivas
adotadas por cada pesquisa um trabalho relativamente difiacutecil De um modo geral as pesquisas
sobre museus parecem obedecer agrave mesma loacutegica das demais temaacuteticas nas poacutes-graduaccedilotildees Ainda
prevalecem as dissertaccedilotildees de mestrado com um aumento dos douramentos entre 1987- 2008 Em
sua quase totalidade satildeo realizadas nas instituiccedilotildees puacuteblicas federais e estaduais e nem sempre
contam com financiamentos de agecircncias de fomento As instituiccedilotildees que possuem maior nuacutemero
de pesquisas satildeo a UNIRIO USP UFMG UNICAMP e FGV-RJ
Os referenciais bibliograacuteficos de cada autor indicam diaacutelogos preferenciais internos agrave sua
aacuterea de conhecimento acadecircmico Entre as autoras citadas ao longo do capiacutetulo temos como
exemplo a combinaccedilatildeo de trecircs formaccedilotildees acadecircmicas distintas e atuaccedilatildeo em museus nas aacutereas de
ciecircncias naturais artes e histoacuteria respectivamente Maria Margaret Lopes (1988) Maria Ceciacutelia
Lourenccedilo (1997) e Ana Claudia Brefe (1998 e 2005) Cada pesquisadora dialoga internamente
com a bibliografia de sua aacuterea especiacutefica
Cada aacuterea acadecircmica que tematiza sobre o Museu tambeacutem o faz a partir de questotildees
especiacuteficas que interferem na proacutepria definiccedilatildeo de museu A histoacuteria como aacuterea acadecircmica pensa
no museu como instituiccedilatildeo como ldquolugar de memoacuteriardquo A antropologia por sua vez concebe o
museu como um campo de pesquisa no qual eacute possiacutevel o trabalho etnograacutefico com coleccedilotildees As
35 Carina Martins Costa (2008) identificou 98 pesquisas acadecircmicas desenvolvidas no Brasil sobre educaccedilatildeo em
museus
57
ciecircncias bioloacutegicas identificam no museu um divulgador do campo cientiacutefico A aacuterea de
comunicaccedilatildeo vecirc o museu como miacutedia veiacuteculo de divulgaccedilatildeo Muitos pesquisadores tambeacutem
utilizam a documentaccedilatildeo existente nos arquivos e acervos iconograacuteficos sem necessariamente
tomarem o proacuteprio museu como objeto de anaacutelise ou mesmo desconsiderando a origem dessas
fontes
O enfoque dessa pesquisa natildeo desconsidera a trajetoacuteria administrativa e cultural de cada
instituiccedilatildeo museoloacutegica e a constituiccedilatildeo de suas respectivas coleccedilotildees Ao contraacuterio estes satildeo
aspectos fundamentais para o entendimento da histoacuteria presente de cada museu embora natildeo
estejam presentes nas exposiccedilotildees puacuteblicas que eles promovem Como demonstram as pesquisas
realizadas por Brefe (2005) acerca do Museu Paulista e Pimentel (2004) sobre o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto a histoacuteria das instituiccedilotildees museais permite estabelecer referecircncias sobre os
padrotildees que se fixaram ou se modificam em suas poliacuteticas de exibiccedilatildeo
A abordagem dos museus pelos usos feitos pelos visitantes por sua vez natildeo pode temer
ou condenar uma apropriaccedilatildeo utilitaacuteria de seus espaccedilos Trabalhar com os usos promovidos pelos
visitantes eacute considerar que as estrateacutegias autorizadas pelas chamadas visitas de estudo ou estudos
do meio36
ainda satildeo centrais tanto para museus quanto para as escolas Nesses casos os setores
educativos definem metodologias especiacuteficas para se explorar os espaccedilos visitados
principalmente um roteiro de observaccedilatildeo elaborado para os professores e que pretende orientar a
visita A visita escolar busca se diferenciar do lazer e do consumo que natildeo satildeo legitimados Os
locais a serem visitados satildeo predeterminados e obedecem a um cronograma e agendamento que
natildeo permitem mudanccedilas ou alternativas
O visitante de museus eacute interpelado duplamente por aquilo que o motiva individualmente
e pela oferta institucional Ele faz escolhas expressa gostos opiniotildees e negocia com os colegas
professores prestadores de serviccedilos Haacute em qualquer visita uma dimensatildeo de cidadania e de
consumo imbricadas
36 Um discurso muito presente nos planejamentos das visitas a locais como praccedilas e museus eacute da formaccedilatildeo de
competecircncias de leitura de fontes visuais ou cenaacuterio para conteuacutedos histoacutericos trabalhados em sala de aula Ver
Bittencourt 2009 p281
58
Um visitante natildeo se reduz a receptor passivo do quadro normativo referente oferecido
pelos museus e pelas escolas37
A negociaccedilatildeo de sentidos se daacute de maneira complexa Durante a
visita ele considera questotildees de acesso processos culturais num amplo quadro de significaccedilatildeo
que implica em novas praacuteticas interpretaccedilotildees e formas de uso dos bens culturais
A anaacutelise das praacuteticas portanto natildeo pode aceitar os limites dos modelos institucionais e
nem a correlaccedilatildeo inexoraacutevel entre capital cultural escolar e habitus como determinantes das
visitas38
Assim cada visita acontece em um quadro normativo referente de processos de
socializaccedilatildeo familiar e escolar e na complexidade da realidade empiacuterica de cada visitante Os
paradoxos da anaacutelise satildeo muacuteltiplos diante da complexidade do problema de pesquisa proposto
A mensagem expositiva dos museus segundo Asensio e Pol (2007) existe na medida em
que eacute recriada por cada visitante Ele a constroacutei a partir de seus conhecimentos preacutevios suas
habilidades cognitivas e sentindo o impacto expositivo atraveacutes de atitudes emoccedilotildees e afetos
Entender as experiecircncias de visita implica em questionar o que cada exposiccedilatildeo oferece ao
visitante e como o visitante distingue suas marcas suas convenccedilotildees e coacutedigos O visitante ao
fazer uma leitura do museu aponta para a poliacutetica inscrita em cada gesto da instituiccedilatildeo e para a
poeacutetica presente na exposiccedilatildeo e que lhe permite sempre manter em aberto o espaccedilo da
significaccedilatildeo
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos
Inverter a ordem dos discursos tomando o puacuteblico-visitante estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria como os sujeitos dos quais se parte para investigar as interfaces entre as dinacircmicas
socioculturais de visita a museus e as dinacircmicas de formaccedilatildeo histoacuterica eacute uma contribuiccedilatildeo
pretendida por essa pesquisa
Duas referecircncias ajudam a estabelecer inicialmente contatos entre o tema das visitas a
museus e da formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes a questatildeo dos sujeitos e da produccedilatildeo de
conhecimentos Eacute possiacutevel compor uma anaacutelise da dinacircmica e diversidade das situaccedilotildees vividas
quando de uma visita e articulando-as a partir das elaboraccedilotildees dos sujeitos envolvidos nessas
37 Assim como os museus as escolas tambeacutem modificam suas abordagens das visitas a museus Ver dentre outros os
trabalhos de Denise Grinspum (2000) e Maria Cristina Carvalho (2005) 38
Ver discussatildeo de Luciana Sepuacutelveda Koptcke (2005 p190)
59
situaccedilotildees de formaccedilatildeo Para que essa articulaccedilatildeo aconteccedila o foco da investigaccedilatildeo satildeo os sentidos
elaborados pelos sujeitos a partir de dentro do proacuteprio processo de formaccedilatildeo em sua
materialidade e de seus significados para os envolvidos na interaccedilatildeo estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria seus professores-formadores e os profissionais de museus
A hipoacutetese teoacuterica sobre a produccedilatildeo de conhecimentos a ser investigada relaciona-se ao
que Bernard Charlot (2000 p68) denomina de ldquonatureza epistecircmica dos saberes dos sujeitosrdquo
definidos como um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a dinacircmica do
desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo em busca do
objeto O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso de si proacuteprio como recurso engaja-se em
atividades movimenta-se produz inteligibilidade e sentidos (CHARLOT 2000 p51-89)
As visitas ainda que marcadas por um ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas por
cada museu permitem aos visitantes uma experiecircncia esteacutetica de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus39
Haacute limites por certo nas possibilidades interpretativas das visitas escolares pois natildeo se
trata de um espaccedilo completamente livre de contingecircncias e aberto a experiecircncias do inteiramente
novo Ainda que extrapole os limites do ambiente escolar a visita a museus guarda muito das
caracteriacutesticas de ldquotrabalho escolarrdquo no sentido que lhe imprime Perrenoud (1994) como parte da
escolarizaccedilatildeo e dos saberes escolares Os visitantes estudantes e professores estatildeo duplamente
limitados pelas suas proacuteprias expectativas e objetivos e tambeacutem por aqueles dos agentes de
museus
Entende-se como narrativa dos museus os pontos de vista expressos na fala de seus
monitores materiais educativos e poliacuteticas dos setores educativos e exposiccedilotildees Em toda a praacutetica
museal se vecirc um visitante ideal e um discurso prescritivo sobre as visitas Os museus de modo
39 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
60
geral e os proacuteprios materiais instrutivos dirigidos aos professores quer por oacutergatildeos de regulaccedilatildeo e
formaccedilatildeo quer por uma bibliografia voltada agrave formaccedilatildeo para o ensino de histoacuteria40
esperam que
os visitantes venham preparados para seu discurso e a forma de expocirc-lo Espera-se que essa
estimulaccedilatildeo tenha sido feita previamente pelo professor que organiza a visita Eacute esperado tambeacutem
que o professor conheccedila o museu e suas exposiccedilotildees antes da visita com seus alunos que trabalhe
materiais e organize atividades em sala de aula sobre o que seraacute visto no museu Durante a visita
haacute a expectativa por parte de muitos museus que o professor oriente os comportamentos a serem
adotados indicando como os alunos devem atentar para as observaccedilotildees dos monitores
garantindo assim a ordem e ao mesmo tempo que a interaccedilatildeo aconteccedila sem atrapalhar o
trabalho daqueles que conduzem a visita O professor deve contemplar as obras e cuidar para que
os alunos tambeacutem o faccedilam Na volta agrave escola os agentes educativos dos museus sugerem que os
professores promovam discussotildees diaacutelogos com a turma recuperando o que foi visto observado
levantando novas hipoacuteteses curiosidades e aprofundando o tema ao mesmo tempo em que
auxilia na organizaccedilatildeo da construccedilatildeo da narrativa sobre a visita
Eacute necessaacuterio ponderar que mesmo com todas essas expectativas criadas em torno do
trabalho de visita escolar ou por elas existirem as visitas a museus podem ser pensadas como
fundadas em estrateacutegias construcionistas da cultura e do conhecimento agrave medida que os visitantes
negociam o sentido da mensagem expositiva de cada museu e de cada objeto de cultura exposto
O visitante constroacutei ele proacuteprio a partir de seus conhecimentos suas habilidades cognitivas e
sentindo o impacto expositivo em suas atitudes emoccedilotildees e afetos
Os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos de conflitos embates entre poliacuteticas e esteacuteticas que
legitimam praacuteticas e vozes mas tambeacutem trocas entre grupos sociais diversos que buscam
expressar ali seus rituais e memoacuterias coletivas Defendo que o museu natildeo se reduz a simples
recurso pedagoacutegico ou fonte histoacuterica utilizado por professores juntamente com visitas teacutecnicas
a arquivos e bibliotecas Os objetivos da visita e de sua anaacutelise natildeo se limitam agrave discussatildeo sobre
praacuteticas de preservaccedilatildeo cujas finalidades seriam promover o contato e conhecimento de
experiecircncias bem sucedidas de preservaccedilatildeo do patrimocircnio cultural Esse formato de programas
governamentais e privados associa atividades de promoccedilatildeo do patrimocircnio cultural com benefiacutecios
40 Algumas dessas visotildees e materiais seratildeo apresentados e discutidos nos capiacutetulos IV e V
61
econocircmicos e turismo sustentado ao considerar o turista um consumidor de lugares coleccedilotildees
saberes e fazeres culturais (MURTA E ALBANO 2005 p17)
Eacute imperativo ressalvar que nem toda a discussatildeo sobre a chamada educaccedilatildeo patrimonial
se reduz a praacuteticas prescritivas e usos instrumentais do patrimocircnio Desde a deacutecada de 1980 satildeo
inuacutemeras as iniciativas que trabalham com as dimensotildees da memoacuteria e da histoacuteria num sentido da
educaccedilatildeo das sensibilidades mais amplo41
O museu eacute concebido nessa pesquisa como um lugar metodoloacutegico siacutetio simboacutelico no
qual o visitante pode ser entendido como sujeito da accedilatildeo museoloacutegica agrave medida que atua
ativamente na significaccedilatildeo dos objetos durante as visitas agraves exposiccedilotildees e situaccedilotildees educativas
elaborando reflexotildees teoacuterico-conceituais sobre o proacuteprio museu e seu acervo e sobre a histoacuteria
Cabe dizer que para investigar os usos que satildeo feitos dos museus pelos visitantes visando
agrave produccedilatildeo de conhecimento eacute preciso abandonar a ideia de um puacuteblico receptor passivo que
apenas olha e natildeo age e buscar entender como se daacute a ressignificaccedilatildeo das poliacuteticas educativas
dos museus ouvindo o que pensam e fazem os sujeitos que participam ou participaram da vida do
objeto dentro e fora do museu e agregaram e agregam a ele significados Tanto aqueles que
atuam como agentes na ressignificaccedilatildeo dos objetos museoloacutegicos seus autoresprodutores e
diversos usuaacuterios ao longo de seu circuito e trajetoacuteria existencial ateacute a chegada no museu Todos
promovem o ldquocontexto musealrdquo pesquisadores que estudam os objetos conservadores
documentalistas museoacutelogos educadores e puacuteblico-visitante
Os proacuteprios museus hoje planejam accedilotildees educativas ldquointerativasrdquo que implicam um
compartilhamento mas muitas vezes natildeo dispensam as ldquomediaccedilotildeesrdquo de uma trilha explicitada
pelo idealizador de uma linguagem proacutepria ndash a da museologia Compreende-se que visitantes e
museus satildeo sujeitos singulares empenhados numa mesma praacutetica Mas ateacute que ponto a agenda de
expectativas do proacuteprio visitante e os embates especiacuteficos que cada aacuterea
disciplinartemaexposiccedilatildeo lhe reserva natildeo o reduzem a um papel mais modesto na relaccedilatildeo com a
produccedilatildeo do conhecimento Espera-se que o visitante reconheccedila e aplique o coacutedigo do emissor
ou agentes da accedilatildeo educativa dos museus ou que ele interprete selecione e se aproprie fazendo
outra produccedilatildeo a partir de seu lugar
41 Ver balanccedilo da discussatildeo sobre educaccedilatildeo patrimonial feita por Nara Ruacutebia de Carvalho Cunha tendo como
referecircncia inicial o Guia Baacutesico de Educaccedilatildeo Patrimonial publicado e distribuiacutedo pelo IPHAN em 1999 em
comparaccedilatildeo a outras praacuteticas como a do museu-escola do Museu da Inconfidecircncia Ver Cunha 2011 p67-81
62
Ao visitarem museus e entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos ali organizados ndash os
objetos o convite agrave interatividade o tema e as miacutedias ndash os visitantes podem romper com os
papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao momento dessa interaccedilatildeo Estaacute muito
presente nas abordagens dos museus o risco da espetacularizaccedilatildeo ou uma visatildeo ingecircnua de que a
interatividade pode ser garantida de antematildeo pelo museu independentemente da accedilatildeo do
puacuteblico
As possibilidades de diaacutelogo com os museus datildeo-se para aleacutem dos aspectos da
comunicaccedilatildeo com o puacuteblico estabelecido pelas proacuteprias instituiccedilotildees (PEREIRA et al 2007) O
acervo de qualquer museu aiacute incluiacutedas as exposiccedilotildees reservas teacutecnicas seu sites materiais de
divulgaccedilatildeo e a proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo dos acervos com seus diversos criteacuterios de
incorporaccedilatildeo preservaccedilatildeo restauraccedilatildeo exposiccedilatildeo e descarte interessam aos visitantes em
formaccedilatildeo Muitos museus ao trabalharem com pressupostos das teorias da recepccedilatildeo42
concebem
o sujeito em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo mas natildeo assumem a interlocuccedilatildeo numa dupla face do processo
de produccedilatildeo de sentido Os museus satildeo os sujeitos comunicantes protagonistas enunciadores e
os visitantes satildeo os destinataacuterios A dicotomia em relaccedilatildeo aos dois poacutelos estaacute mantida Condiccedilotildees
diferentes de produccedilatildeo e condiccedilotildees de reconhecimento marcadas e jaacute estabelecidas pelas esferas
da produccedilatildeo e consumo
Enquanto a produccedilatildeo de conhecimentos ou de uma memoacuteria histoacuterica eacute legitimada
poliacutetica e esteticamente como proacutepria ao campo museal o visitante natildeo eacute reconhecido como parte
dessa produccedilatildeo de sentidos Ele apenas recebe passivamente esse saber especializado O
patrimocircnio cultural eacute aquilo que estaacute laacute no museu e que deve ser reconhecido ou apropriado pelos
visitantes O museu eacute lugar de memoacuteria instituiacuteda da cultura material a ser preservada43
Em muitos museus o professor eacute considerado parte do bloco da audiecircncia denominado
ldquopuacuteblico escolarrdquo Natildeo existem accedilotildees especiacuteficas voltadas para o professor Em geral seu papel
seraacute ajudar na mediaccedilatildeo com os estudantes nas visitas programadas pelos agentes dos museus
Ele natildeo participa da elaboraccedilatildeo da oferta de serviccedilos dos museus escolha de percursos
abordagem conceitual As instituiccedilotildees museais em geral hierarquizam e triangulam a mediaccedilatildeo
42 Ver ESCOSTEGUY 2008
43 Autores como Maacuterio Chagas (2003 p32) tratam da vinculaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de museu e patrimocircnio considerando
que o sentido de preservaccedilatildeo e de posse estaria na raiz tanto da noccedilatildeo de patrimocircnio quanto no museu como
instituiccedilatildeo
63
Eacute preciso um guia do proacuteprio museu para decifrar os coacutedigos do patrimocircnio O professor
responsaacutevel pelos alunos recebe o ldquopacoterdquo oferecido pelos museus Ele o aceita o rejeita
tambeacutem em bloco
A accedilatildeo educativa dentro de muitos museus contemporacircneos eacute vista como parte de suas
funccedilotildees de comunicaccedilatildeo A formaccedilatildeo natildeo tem o mesmo lugar ou status das atividades de
pesquisa e preservaccedilatildeo nas definiccedilotildees oficiais de museu A mediaccedilatildeo tambeacutem eacute vista como uma
funccedilatildeo didaacutetica ou de marketing sem estatuto epistemoloacutegico proacuteprio uma funccedilatildeo de
transposiccedilatildeo e recontextualizaccedilatildeo do saber criada diretamente pelo museu
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade
Bernard Lahire em Homem Plural os determinantes da accedilatildeo (2002) apresenta uma criacutetica
agraves teorias que defendem a homogeneizaccedilatildeo e a unidade do ator e da cultura e defende uma
perspectiva de entendimento do ator social na pluralidade dos mundos e das experiecircncias
contemporacircneas Lahire argumenta que os princiacutepios de socializaccedilatildeo satildeo heterogecircneos e
contraditoacuterios e que vivemos numa multipertenccedila a mundos e submundos sociais nem sempre
compatiacuteveis entre eles e agraves vezes conflituosos (LARIHE 2002 p32)
Para Lahire (2002) natildeo existem configuraccedilotildees sociais homogecircneas tanto cultural quanto
moral e ldquopoucos satildeo os casos que permitiriam falar de um habitus familiar coerente produtor de
disposiccedilotildees gerais inteiramente orientadas na mesma direccedilatildeordquo Os valores simboacutelicos os
esquemas de accedilatildeo introjetados e as praacuteticas satildeo diferentes maneiras de dizer ver fazer e sentir
os repertoacuterios de esquemas de accedilatildeo (de haacutebitos) satildeo conjuntos de siacutenteses de
experiecircncias sociais que foram construiacutedasincorporadas durante a socializaccedilatildeo anterior
nos acircmbitos sociais limitadosdelimitados e aquilo que cada ator adquire
progressivamente e mais ou menos completamente satildeo haacutebitos como sentidos de
pertenccedila contextual (relativa) de terem sido postos em praacutetica Aprendecompreende que
aquilo que se faz e se diz em tal contexto natildeo se faz nem se diz em outro contexto (LAHIRE 2002 p37)
As travessias no espaccedilo social e as matrizes de socialializaccedilatildeo satildeo contraditoacuterias As
visitas aos museus podem ser entendidas como uma dessas travessias entre dois mundos Uma
situaccedilatildeo de encontro cultural forccedilado Um deslocamento do espaccedilo da escola para o espaccedilo do
museu Nesse novo cenaacuterio ou no momento presente da visita os estatutos culturais dos
64
visitantes diluem-se parcialmente Os visitantes reconhecem a visatildeo de histoacuteria dominante no
museu e podem em um segundo movimento recorrer a outros fundamentos historiograacuteficos para
analisar tal estrutura e confrontar com analogias as duas configuraccedilotildees o seu proacuteprio lugar e o
lugar da exposiccedilatildeo (museu)
Lahire (2002) considera que o presente tem mais peso na explicaccedilatildeo dos comportamentos
praacuteticas e condutas se os atores satildeo plurais O passado estaacute aberto de modo diferente segundo a
natureza e a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente A questatildeo central eacute discutir como as experiecircncias
satildeo incorporadas mobilizadas convocadas e despertadas pela situaccedilatildeo presente Ou descrever de
que maneira a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente tecircm um peso na criaccedilatildeo de praacuteticas
A escolha de mais um museu e portanto a anaacutelise simultacircnea de mais de uma visita tem
por finalidade investigar marcas especiacuteficas dessas experiecircncias Assim pode-se encontrar nos
relatos de um mesmo visitante mudanccedilas que dizem respeito agrave adaptaccedilatildeo fuga resistecircncia
inibiccedilatildeo em relaccedilatildeo aos diferentes ambientes visitados Tambeacutem eacute possiacutevel discutir em que
medida os distintos ambientes que o visitante eacute levado a atravessar ativam ou inibem suas
competecircncias habilidades saberes conhecimentos maneiras de dizer e fazer durante as visitas
Dessa maneira a repeticcedilatildeo de visitas ou a visita a diferentes museus reconhece que tal
estrateacutegia pode ter um efeito positivo pois antecipa possibilidades interpretativas do visitante que
constroacutei paracircmetros de interpretaccedilatildeo A visita a mais de um museu causa certa previsibilidade
gera certas expectativas que orientam e selecionam os sentidos produzidos pelos visitantes
A escolha desses visitantes e museus e natildeo outros configurou-se ao longo da pesquisa de
doutorado iniciada em 2008 e foi posterior ao momento das visitas efetivamente realizadas pelo
grupo de estudantes A seleccedilatildeo das situaccedilotildees concretas de visita para a anaacutelise se deu diante de
um repertoacuterio mais amplo de museus visitados pelo grupo ao longo dos quatro anos de formaccedilatildeo
e que possibilitava outras escolhas e anaacutelises
Ao longo do ano de 2008 foram desencadeados trecircs movimentos simultacircneos de produccedilatildeo
da materialidade das visitas Um levantamento da produccedilatildeo dos estudantes jaacute existente na
instituiccedilatildeo formadora ndash a Faculdade de Pedro Leopoldo (FIPEL) ndash sobre as vaacuterias visitas
realizadas entre 1999 e 2008 Em seguida a elaboraccedilatildeo de um inventaacuterio do perfil dos estudantes
de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria (Anexo A) e terceiro a realizaccedilatildeo de uma
65
entrevista coletiva no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 dispostos a
colaborar com a pesquisa para avaliaccedilatildeo da praacutetica de visitas a museus (Anexo B)
Apoacutes levantamento preliminar dos registros escritos e fotograacuteficos44
elaborados pelos
estudantes da FIPEL arquivados na proacutepria instituiccedilatildeo formadora foi necessaacuterio redefinir
recortes desse conjunto de fontes documentais Tanto os suportes elaborados posteriormente
quanto estrateacutegias hipoacuteteses de trabalho e categorias de anaacutelise partiram dessa primeira leitura
documental das praacuteticas de formaccedilatildeo
A sistematizaccedilatildeo do perfil dos estudantes de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria
permitiu caracterizar melhor o proacuteprio grupo e a praacutetica de visitas da instituiccedilatildeo O inqueacuterito
estava dividido em trecircs partes A primeira preocupou-se com dados gerais como idade sexo
atividade remunerada renda familiar A segunda trazia questotildees relativas agrave praacutetica de visitas a
museus e uma terceira que aprofundava as situaccedilotildees de visita tendo em vista imagens e conceitos
de museu memoacuteria patrimocircnio e uma avaliaccedilatildeo dos proacuteprios museus visitados (Anexo A) Esse
levantamento depois de respondido individualmente sem identificaccedilatildeo de nomes foi processado
na forma de graacuteficos possibilitando uma visualizaccedilatildeo dos visitantes como um grupo e as
experiecircncias de visita na instituiccedilatildeo formadora como um conjunto (Anexo B)
O segundo suporte para a materialidade das visitas e visitantes foi uma entrevista coletiva
no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 O debate com o grupo visava
aprofundar e complementar elementos identificados no inventaacuterio e que seriam melhor abordados
na forma da oralidade e da discussatildeo coletiva A decisatildeo metodoloacutegica em produzir esse tipo de
registro para a pesquisa se deu no momento de definiccedilatildeo no recorte empiacuterico da mostra de
visitantes As duacutevidas eram muitas jaacute que se tinha um variado repertoacuterio de relatos individuais e
mesmo algumas siacutenteses produzidas pelas turmas Faltava definir um grupo de referecircncia para a
anaacutelise das visitas e sistematizar uma meta-reflexatildeo dos visitantes sobre o conjunto das visitas e
seus efeitos formativos Essa forma de registro oral (grupo focal) foi utilizada antes da uacuteltima
44 Para Boris Kossoy (2011) a abordagem da fotografia como documento iconograacutefico deve considerar os enredos
culturais que lhe datildeo sentido e natildeo se limitar agrave questotildees teacutecnicas (imagens teacutecnicas) Eacute preciso demonstrar as
construccedilotildees mentais e culturais que datildeo corpo agraves imagens e aprender a desmontaacute-las Disponiacutevel em lt
httpluzeestilowordpresscom20100328entrevista-com-boris-kossoygtAcesso em 31 de marccedilo de 2011 Ver
tambeacutem a discussatildeo de imagem associada agrave narrativa ldquoo quadro narra e a narrativa mostrardquo (RICOEUR 2007
p281)
66
visita realizada pelo grupo ao Rio de Janeiro O debate contou com a participaccedilatildeo de nove
estudantes e foi transcrito As falas foram confrontadas tanto com os relatos anteriores da visita
ao Museu do Escravo (2006) quanto com o trabalho realizado posteriormente agrave visitaccedilatildeo ao
Museu Histoacuterico Nacional (2008) (Anexo C)
Identificar entre os puacuteblicos de museus um conjunto de visitantes e selecionaacute-los para
anaacutelise foi em grande medida organizar estrateacutegias de visibilidade destes visitantes reais Os
criteacuterios de constituiccedilatildeo do corpus documental para a pesquisa foram circunstanciais e definidos
simultaneamente agraves leituras teoacutericas e metodoloacutegicas O visitante historiado eacute uma situaccedilatildeo
relacional uma seacuterie de condiccedilotildees no espaccedilo-tempo como o fato de serem matriculados em uma
mesma instituiccedilatildeo de ensino superior disporem de tempo para viajar recursos financeiros e
disponibilidade para relatar suas experiecircncias de visita
Um dos criteacuterios de escolha dos dois museus apresentados na anaacutelise ndash o Museu do
Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional ndash foi baseado na avaliaccedilatildeo da potecircncia patrimonial de
cada um deles Natildeo era viaacutevel trabalhar com um amplo corpus documental que se constituiacutera
sobre as visitas e visitantes e a seleccedilatildeo implicava em cortes que mantivessem a riqueza da
documentaccedilatildeo produzida Os visitantes assim como os museus visitados constituem coleccedilotildees de
cultura material e as exibem de forma a comunicar sentidos e fazer circular a cultura Os dois
ldquoacervos documentaisrdquo das visitas elaboradas na perspectiva do grupo de visitantes e dos
museus satildeo confrontados
Enquanto os museus possuem criteacuterios de legitimaccedilatildeo da produccedilatildeo da cultura instituiacutedos
a escolha pela anaacutelise da produccedilatildeo feita pelos estudantes tem a possibilidade de ampliar o circuito
da cultura escolar para aleacutem de seus consumidoressujeitos habituais O processo de formaccedilatildeo de
visitantes de museus emerge dos lugares institucionais como a escola e o museu mas operam
uma experiecircncia pedagoacutegica mais abrangente e dispersa
Os relatos escritos e as fotografias satildeo considerados nessa pesquisa como maneiras de dar
significado agraves visitas vivenciadas durante o curso de graduaccedilatildeo em histoacuteria Na elaboraccedilatildeo dos
relatoacuterios os estudantes reconfiguram o percurso da visita reelaboram suas impressotildees
sentimentos e conhecimentos sobre o museu visitado Nos relatos escritos e fotograacuteficos
constroem ldquoexperiecircncias esteacuteticasrdquo conformando
67
estruturas cognitivas quadros normativos marcas de discriminaccedilatildeo e criteacuterios de
avaliaccedilatildeo modos de apreensatildeo do tempo regras de escolha modos de representaccedilatildeo e
esquemas de accedilatildeo jogos de papeacuteis e de categorias da praacutetica afirmaccedilotildees consideradas
verdadeiras e normas tidas por justas crenccedilas e figuraccedilotildees (GUIMARAtildeES E LEAL
2008 p12)
Os visitantes estabelecem modos de significar o vivido de transformar o fato em evento
ou ainda de conformar uma memoacuteria social (RICOEUR 2000) A experiecircncia de visita pode ser
pensada no sentido indicado por Vidal (2010 p726) quando se refere agrave docecircncia como
experiecircncia coletiva
as experiecircncias apesar de uacutenicas natildeo satildeo individuais Remetem a modos coletivos de
entender e validar a docecircncia Indiciam expectativas geracionais constituiacutedas na cultura
nas instituiccedilotildees de formaccedilatildeo na convivecircncia cotidiana com colegas e comunidade e nos
vaacuterios percursos de escolarizaccedilatildeo seguidos (VIDAL 2010 p726)
Os relatos de visita considerados como fontes e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de abordagem e tambeacutem mostram limites agrave anaacutelise Aquilo que aparece no texto da
aluna destacado no iniacutecio do primeiro capiacutetulo como ldquotiacutepicordquo eacute em grande medida um repertoacuterio
repetitivo que se constitui como um ldquogecircnerordquo Nesses relatos tanto a instituiccedilatildeo formadora
quanto cada museu visitado tem um papel significativo para a produccedilatildeo dos relatos Esse eacute um
primeiro ponto a ser considerado na anaacutelise Cada relato existe por estiacutemulos e intenccedilotildees de
produccedilatildeo vindos natildeo diretamente dos sujeitos que como autores resolvem de maneira
espontacircnea registrar suas memoacuterias mas como parte da dinacircmica de formaccedilatildeo acadecircmica e
disciplinas curriculares As escolhas e motivos das visitas aos museus satildeo estabelecidos no
interior do curso de licenciatura em Histoacuteria Haacute tambeacutem um segundo limite e implicaccedilatildeo na
produccedilatildeo dos relatos que eacute a condiccedilatildeo de avaliar a experiecircncia de visita de dentro da situaccedilatildeo
educativa Eacute preciso considerar essa dupla implicaccedilatildeo e explicitar que eu na condiccedilatildeo de
professora da instituiccedilatildeo formadora me encontro diretamente envolvida nesse primeiro
movimento de produccedilatildeo dos registros e elaboraccedilatildeo de uma primeira camada de testemunhos dos
visitantes
Somado ao primeiro limite dos relatos marcado pela historicidade das visitas e horizonte
de expectativa dos visitantes apresenta-se outro de caraacuteter diverso Assumir as marcas de
subjetividade entendidas como os sentidos atribuiacutedos agraves narrativas por cada visitante que se
coloca como autor de suas memoacuterias eacute correr o risco de expor os sujeitos concretos julgando
68
suas atitudes Vale esclarecer que o visitante faz escolhas estabelecendo uma pertinecircncia entre o
vivido e as referecircncias que lhes foram apresentadas pelos acervos e exposiccedilotildees dos museus mas
cria descompassos45
com relaccedilatildeo agraves rotinas e dinacircmicas estabelecidas pelo grupo que acompanha
Outro limite aparente das fontes eacute o apagamento das lembranccedilas ou a memoacuteria entendida
como recordaccedilatildeo As praacuteticas educativas como as visitas aos museus tem uma permanecircncia que
se constroacutei pelos conteuacutedos culturais que engendram Entretanto haacute uma fragilidade dos relatos
de visita onde se destaca muito da instrumentalidade das praacuteticas e das formas que eles adquirem
no acircmbito da cultura escolar
O relato de visita eacute marcado por esse limite da accedilatildeo contra o esquecimento um texto
coletivo que marca as histoacuterias comuns as semelhanccedilas do vivido e a recriaccedilatildeo das lembranccedilas
em memoacuterias coletivas Haacute o risco da banalizaccedilatildeo da experiecircncia uma vez que as narrativas
correspondem a accedilotildees de reflexatildeo produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico e mesmo de um excesso
de expectativas de troca de acuacutemulo e de valorizaccedilatildeo da accedilatildeo empreendida de forma
retrospectiva
Por outro lado o uso dos relatos como fonte e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de romper com algumas prescriccedilotildees A primeira delas eacute atentar para uma dimensatildeo
do testemunho como uma funccedilatildeo de ouvir a narrativa do outro instaurando uma nova histoacuteria do
presente Para Gagnebin (2006) essa operaccedilatildeo de compreender o testemunho engendra a questatildeo
de que o historiador natildeo eacute apenas o coletor dessas lembranccedilas ele realiza uma operaccedilatildeo de
ldquorememoraccedilatildeordquo no lugar da ldquocomemoraccedilatildeordquo Sua atividade historiadora natildeo eacute repetir as
lembranccedilas mas atentar para o esquecido A rememoraccedilatildeo significa atenccedilatildeo com o presente com
as ressurgecircncias do passado no presente e com a accedilatildeo A testemunha natildeo eacute aquele que viu com os
proacuteprios olhos mas tambeacutem aquele que ao ouvir a narraccedilatildeo do outro a aceita e a toma de forma
reflexiva natildeo ajudando a repeti-la indefinidamente mas ousando inventar outra histoacuteria inventar
o presente (GAGNEBIN 2006 p 55-57)
A visita ao museu se constitui em um evento dialoacutegico e polifocircnico que promove sentidos
na interaccedilatildeo ou co-presenccedila dos diversos sujeitos Justamente por esse efeito de interaccedilatildeo
promove diferentes tipos de trabalho com a memoacuteria Pode-se dizer que os relatos das visitas satildeo
45 Parece ser o caso de uma aluna que faz referecircncia agrave existecircncia de uma denominada ldquoSala da Marquesa de Santosrdquo
durante a visita ao Museu Histoacuterico Nacional
69
camadas de memoacuteria-histoacuteria nos quais eacute possiacutevel investigar as formas e conteuacutedos destas
praacuteticas culturais e a construccedilatildeo e uso dessas praacuteticas no ensino de histoacuteria e na formaccedilatildeo
histoacuterica
Os relatos das visitas podem ser utilizados como um iacutendice de atualizaccedilatildeo da memoacuteria
Como possibilidade de reconhecer que pessoas comuns (estudantes e professores) estabelecem
instrumentos capazes de intercambiar experiecircncias temporais complexas e mantecirc-las vivas em
situaccedilotildees de aprendizagem histoacuterica
Os relatos permitem investigar o papel que a memoacuteria cultural e o pensamento histoacuterico
tiveram no processo de formaccedilatildeo de diferentes identidades coletivas A reserva de histoacuterias
trazidas pelos relatos podem vir a ser histoacuterias coletivas narrativas que se voltam para o
coletivo A formaccedilatildeo como processo criativo de devir plural (RUumlSEN 2007 p165)
O destaque no trabalho para dois museus diferentes visitados pelo mesmo grupo de
estudantes tem por objetivo comparar algumas dinacircmicas que a anaacutelise de apenas um caso ou
museu natildeo permitiria Nos diversos museus visitados pelo grupo de estudantes eacute possiacutevel propor
problemaacuteticas muacuteltiplas e complexas sintetizadas pelos momentos de presenccedila dos visitantes
A estrateacutegia de abordagem do material empiacuterico produzido pelos visitantes que satildeo os
relatos escritos e as fotografias comporta natildeo uma preocupaccedilatildeo com a quantidade de variaacuteveis
mas com a variedade de argumentos alternativos levantados ateacute mesmo por um uacutenico estudante
que mobiliza diferentes elementos para dar sentido a visita
Outro aspecto considerado eacute que os relatos se produzem no interior de uma relaccedilatildeo
pedagoacutegica Parte do trabalho escolar a escrita dos relatoacuterios tem por objetivo atender a
exigecircncias e formalidades da cultura escolar Poreacutem na anaacutelise dos relatos haacute uma migraccedilatildeo
desse lugar inicial de produccedilatildeo que visava agrave leitura pelo professor que orientou eou organizou a
visita ao museu para a condiccedilatildeo de fonte de pesquisa mais ampla no campo da Educaccedilatildeo Das
situaccedilotildees de visita existentes em uma determinada instituiccedilatildeo escolar (Faculdade) escolhida
amplia-se o caraacuteter documental do relato e para pensar de maneira mais ampla o papel das
visitas a museus em relaccedilatildeo ao Ensino de Histoacuteria e agrave criaccedilatildeo de uma memoacuteria histoacuterica
Em alguma medida os visitantes na condiccedilatildeo de produtores dos relatos se fixam num
determinado momento da produccedilatildeo Haacute intersubjetividade em toda a elaboraccedilatildeo dos relatos As
observaccedilotildees satildeo projetadas para um professor que tambeacutem participou presencialmente da visita
70
Cada museu com suas exposiccedilotildees e propostas educativas satildeo acionados e mobilizados Por fim o
ato ao mesmo tempo coletivo e individual de percorrer as salas dos museus se coloca como forccedila
que emoldura cada situaccedilatildeo de visita Poreacutem a circulaccedilatildeo desses relatos em outros espaccedilos como
os da anaacutelise empreendida pela pesquisa permite forjar uma ampliaccedilatildeo de sentidos iniciais
Comparar dois momentos de visita em dois espaccedilos distintos permite conexotildees parciais entre os
processos e os lugares em anaacutelise A anaacutelise de cada situaccedilatildeo se faz por analogias e na tomada de
posiccedilatildeo Cada pessoa que relata a faz de maneira incorporada e localizada46
Como afirma Boaventura Souza Santos em texto lido pela turma do curso de licenciatura
em Histoacuteria que relata suas visitas escrever sobre algo implica em posicionar-se em adotar uma
perspectiva E em sua proposta de escrita cientiacutefica o sujeito deve participar se solidarizar ter
prazer Para Santos o conhecimento eacute emancipaccedilatildeo auto-conhecimento postura criacutetica e
reflexiva de avaliaccedilatildeo e reciprocidade (SANTOS 1995 p18-19)
A primeira implicaccedilatildeo de se considerar de maneira situada o conhecimento produzido nas
situaccedilotildees de visita eacute a opccedilatildeo pelos conhecimentos alternativos e dispersos e uma postura de
diaacutelogo que abrange a incompletude cultural natildeo como uma falta mas como parte de todas as
culturas A circulaccedilatildeo dos visitantes pelos muacuteltiplos locais tambeacutem amplia as situaccedilotildees de
formaccedilatildeo cultural multiplica as possibilidades de que diferentes museus podem propiciar a
desestabilizaccedilatildeo de visotildees hegemocircnicas acerca de temas trabalhados no Ensino de Histoacuteria como
a escravidatildeo os personagens histoacutericos e as comemoraccedilotildees O trabalho com visitas a diferentes
museus tambeacutem possibilita tomar trajetoacuterias inesperadas para traccedilar uma formaccedilatildeo cultural
considerada nos proacuteprios limites da experiecircncia compartilhada pelos visitantes A abrangecircncia da
anaacutelise se daraacute agrave medida que estabelecer conexotildees associaccedilotildees relaccedilotildees inesperadas e
aproximaccedilotildees
Os relatos escritos e fotograacuteficos assim como o Grupo focal e os questionaacuterios
individuais possibilitam confrontar como os visitantes elaboram do ponto de vista cognitivo e
simboacutelico atravessam cortam suas ancoragens e circulam entre diferentes mundos como os dos
museus do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional dentre outros
46 Mendes (2003) Perguntar e observar natildeo basta eacute preciso analisar algumas reflexotildees metodoloacutegicas Oficina do
CES 194 Disponiacutevel em lthttpsestudogeralsibucptjspuihandle1031611056gt Acesso em 06 ab 2011
71
Um primeiro sentido da produccedilatildeo dos relatos se daacute numa situaccedilatildeo relacional eacute a
comunicaccedilatildeo e o partilhamento dos sentidos com o professorleitor e os colegas Assim o relato
se faz na riqueza dialoacutegica de vozes presentes e ausentes Ao construir uma narrativa cada
visitante reconstitui o ineditismo da sua visita revive experiecircncias e surpreende-se ele proacuteprio
com suas reaccedilotildees
Ao se conceber os relatos como fonte documental prioritaacuteria agrave pesquisa foram definidos
alguns focos de investigaccedilatildeo O primeiro eacute atentar na leitura dos relatos para os tipos de recursos
que os visitantes mobilizam para argumentar e responder aos dilemas enfrentados durante a
visita Como se posicionam frente aos objetos apresentados pelos museus e como ancoram suas
narrativas pessoais frente agraves narrativas dos museus Haacute um grau de convergecircncia entre a memoacuteria
coletiva exposta nos museus e as memoacuterias pessoais Haacute dimensotildees consensuais ou divergentes e
quais argumentos fundamentam tais posiccedilotildees
Os relatos permitem mudar o foco da visita do museu e da escola para o visitante
Considerando o relato a visita pode ser ldquoguiadardquo pelos visitantes seguir o visitante pelos seus
percursos perspectivas interesses e escolhas Se durante o tempo de realizaccedilatildeo da visita na
condiccedilatildeo de professora fui tambeacutem visitante agora na anaacutelise dos relatos posso propor outros
recortes agrave visita e ao museu a partir do lugar de pesquisadora
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes
Apresento a seguir um perfil dos visitantes elaborado a partir dos dados produzidos entre
os estudantes do curso de Licenciatura em Histoacuteria Escolhi dentre os vaacuterios estudantes e visitas
que foram realizadas ao longo do periacuteodo que trabalhei na Faculdade de Pedro Leopoldo
(FIPEL) estudantes que se prontificaram a ceder suas produccedilotildees textuais e fotografias
voluntariamente Um total de dezessete estudantes compotildee o universo selecionado para anaacutelise
Pude acompanhar esse grupo desde o ingresso na Faculdade ateacute a formatura e as visitas que
realizaram ao longo dessa trajetoacuteria de formaccedilatildeo
Deste grupo de estudantes 11 satildeo do sexo feminino e 06 do sexo masculino Quanto agrave
idade quatorze estudantes tinham entre 21 e 26 anos quando responderam ao instrumento de
pesquisa e os trecircs restantes tinham mais de 28 anos de idade Quando agrave profissatildeo apenas um
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estudante declarou natildeo exercer atividade remunerada Em relaccedilatildeo agrave declaraccedilatildeo quanto agrave renda
familiar apenas um afirmou possuir renda maior que 10 salaacuterios miacutenimos seis estudantes
declararam entre 4 a 6 salaacuterios miacutenimos e dez entre 7 e 9 salaacuterios miacutenimos
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro
Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila Belo Vale MG 2006
Para este grupo de estudantes se natildeo fosse a praacutetica de visitas a museus promovida pela
Faculdade dificilmente frequumlentariam regularmente esse tipo de instituiccedilatildeo cultural Primeiro a
distacircncia geograacutefica de suas residecircncias desses bens coletivos impede visitas regulares Eles
residem em sua maioria quase absoluta em cidades da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e
cidades proacuteximas sendo que apenas um desses municiacutepios possui museu Trabalham e estudam e
apenas um estudante citou o preccedilocusto das viagens como dificuldade para realizaccedilatildeo das visitas
Natildeo encontramos assim uma correlaccedilatildeo entre renda local de moradia e primeira visita a museus
A escola eacute a grande responsaacutevel pela promoccedilatildeo do conceito de museu que esse grupo
possui A visita escolar aparece como a grande agenciadora do acesso aos museus Nos trecircs
momentos em que satildeo questionados sobre a visita a museus primeiro para indicar a ocasiatildeo da
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visita segundo com quem foi a primeira vez em um museu e terceiro com quem foi ao museu
nos trecircs uacuteltimos anos a escola aparece como a grande promotora da praacutetica de visita (Ver
graacuteficos no anexo B)
Considerando os dados obtidos permanece a duacutevida sobre qual eacute a escola que promove a
visita escolar ao museu se a escola baacutesica ou a faculdade As afirmaccedilotildees de Warlerson de Melo
Simpliacutecio no grupo focal sobre suas experiecircncias de visita a museus alimenta a duacutevida sobre a
escola que promove a visita Warlerson declara que havia visitado o Museu de Guimaratildees Rosa
quando cursava a 8ordf Seacuterie depois passou na Gruta de Maquineacute que ele natildeo sabe bem se pode ser
citada como Museu Ele natildeo se lembra bem do que foi falado laacute soacute sabe que gostou Visitou e
gostou tambeacutem de uma igreja em Congonhas o Museu de Artes e Ofiacutecios em Belo Horizonte
Viu como se dava o processo de trabalho de uma eacutepoca que natildeo lembra bem qual (ldquoa memoacuteria taacute
curtardquo brinca o estudante) Gostou tambeacutem do Museu do Escravo ldquoeu gosto muito dessa
ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte principalmente na religiatildeordquo
(Warlerson de Melo Simpliacutecio Grupo Focal 2008)
O nuacutemero de vezes que Warlerson visita museus eacute confirmado pelas informaccedilotildees do
grupo que declara ter ido a mais de quatro museus e cita os trecircs uacuteltimos visitados Os mais citados
satildeo o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto em Belo Horizonte o Museu de Artes e Ofiacutecios tambeacutem
em BH e o Museu Imperial de Petroacutepolis Os trecircs museus listados foram locais visitados pela
turma em trabalhos de campo promovidos pelo curso de licenciatura em Histoacuteria
Ao identificarem os museus visitados e a frequumlecircncia a museus vecirc-se novamente que a
visita organizada pela escola aparece como a responsaacutevel pela primeira ida ao museu Ou seja a
primeira vez que visitaram um museu foi durante o curso superior em Histoacuteria Informaccedilotildees
sobre os trecircs uacuteltimos museus visitados tambeacutem permitem identificar outras instituiccedilotildees lembradas
pela turma Museu de Histoacuteria Natural da PUC-MG e Museu do Escravo ambos tambeacutem
visitados em trabalhos com a turma O Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto foi a primeira visita
realizada pela turma quando estavam no primeiro ano do curso Talvez sua lembranccedila por quase
todo o grupo esteja associada a esse acontecimento o primeiro museu visitado
74
Diversos depoimentos47
enfatizam a importacircncia da visita ao Abiacutelio Barreto Fernando
Daniel Fraga Fonseca eacute o primeiro a falar
O Museu que eu mais gostei achei super interessante foi justamente na eacutepoca que a
gente tava entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma
visita ao Museu Abiacutelio Barreto em BH Onde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo
que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava
com ele um laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer
uma exposiccedilatildeo como organizar uma exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada
Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo mostrar aquilo que ta
querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super
interessante assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria (Fernando
Daniel Fraga Fonseca Grupo Focal 2008)
Daniele Paulo Marques completa
Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros
museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles
explicaram pra gente como eacute que eacute feita a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse
material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou natildeo Outro Museu
que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por
mais que assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas
discutir comentar e agraves vezes se faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para
dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito (Daniele Paulo Marques
Grupo Focal 2008)
Outros museus satildeo lembrados como o receacutem inaugurado Museu de Artes e Ofiacutecios mas a
comparaccedilatildeo aponta para o que eles mais se preocupam quando visitam um museu as exposiccedilotildees
embora seis estudantes natildeo definam claramente um foco para a visita
No grupo focal Frederico Levi Amorim faz um detalhamento de que descobriu na visita
ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto mais que suas exposiccedilotildees e como faz uso deste aprendizado
ao longo do curso inclusive na avaliaccedilatildeo de outros museus que visitou como o Museu do
Escravo
O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a
gente fez na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E
logo depois quando eu comecei a fazer o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo
foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a quantidade de pessoas
que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute
47 A opccedilatildeo por apresentar trechos longos da transcriccedilatildeo do debate realizado pelo grupo de estudantes tem por
justificativa manter a loacutegica de argumentaccedilatildeo de cada participante e as marcas das interaccedilotildees entre os componentes e
a oralidade que constituem os relatos
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muito seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo
quais satildeo os materiais que vatildeo ser expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me
marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me chamou muito a atenccedilatildeo
tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava
meio perdido ali dentro e achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que
pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar o entendimento da exposiccedilatildeo e
para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse entender
tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar (Frederico Levim Amorim Grupo
Focal 2008)
Alguns aspectos da avaliaccedilatildeo de Frederico Amorim sobre o Museu do Escravo satildeo
contestados por Weberton Fernandes da Costa mais agrave frente
(riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o
seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era
estruturado objetos que ao mesmo tempo () visatildeo que tinha do negro mostrando eles
simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa faltou assim
a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro
que tinha na eacutepoca (Weberton Fernandes da Costa Grupo Focal 2008)
Os dados gerados pelo questionaacuterio permitem confrontar algumas afirmaccedilotildees expressas
oralmente pelo grupo e vice-versa No grupo focal as visitas satildeo apontadas como viagens de
conhecimento que ampliam horizontes e repertoacuterios culturais Os museus estatildeo relacionados ao
trabalho com as ldquofontes histoacutericasrdquo e agrave ldquopraacuteticardquo do professor Os estudantes dizem se interessar
pelos museus por conta de seus assuntos e exposiccedilotildees e natildeo pelo aspecto do lazer da diversatildeo
Quando solicitados a associar livremente trecircs palavras a museu a mais citada foi a palavra
ldquomemoacuteriardquo e a segunda ldquohistoacuteriardquo ldquoPassadordquo e ldquopreservaccedilatildeordquo aparecem em terceiro
ldquoConhecimentordquo ldquoculturardquo e ldquopatrimocircniordquo em quarto lugar na associaccedilatildeo de palavras a museu A
partir das palavras relacionadas as exposiccedilotildees e museus visitados podem ser imaginados como
uma alegoria do curriacuteculo Primeiro temos uma forma de exposiccedilatildeo do conhecimento e uma
seleccedilatildeo que obedece a um percurso ou roteiro e que se apresenta no formato de cenaacuterios Os
conteuacutedos dessa seleccedilatildeo feita pelos diferentes museus se datildeo na forma de saberes prescritos ou
seja legitimados socialmente como uma cultura da eacutepoca Essa concepccedilatildeo de cultura se
materializa num acervo exposto e preservado por cada instituiccedilatildeo
Se os visitantes associam a palavra conhecimento aos museus haacute o reconhecimento do
lugar da produccedilatildeo de cultura histoacuterica nos cenaacuterios organizados pelos museus e a hipoacutetese de que
essa produccedilatildeo de conhecimento se faz de maneira complementar com outros materiais de
76
pesquisa e instituiccedilotildees acadecircmicas De outro lado podemos comparar a exposiccedilatildeo e o museu
com os textos acadecircmicos Na lista do que se encontra em um museu aparecem na ordem
objetos cultura e documentos e fotografias em terceiro
Esse jogo de definir o museu com palavras e coisas aparentemente ingecircnuo indica
algumas categorias que foram retomadas nos relatos escritos e fotograacuteficos Para os visitantes o
Museu eacute memoacuteria e histoacuteria mas a memoacuteria natildeo eacute o passado Ela se materializa em objetos em
cultura documentos e fotografias Os museus satildeo agentes produtivos preservam conhecem
comemoram pesquisam dizem as narrativas dos visitantes no Museu do Escravo e no Museu
Histoacuterico Nacional
Por fim ao avaliarem os museus visitados natildeo temos muitas surpresas talvez o retorno ao
iniacutecio do questionaacuterio e agrave pergunta sobre o que eacute mesmo uma visita ao museu O que mais
agradou aos estudantes nos museus satildeo seus conteuacutedos e a organizaccedilatildeo
A identificaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo proacutepria aos museus uma visualidade eacute reforccedilada em
diversos momentos pelos visitantes Haacute na forma de expor objetos e no trabalho dos museus algo
que interessa diretamente a esse grupo Outra questatildeo que chama a atenccedilatildeo eacute a imagem que criam
para a proacutepria visita Eles afirmam que a impressatildeo que tecircm quando deixam o museu eacute de que
saiacuteram de uma sala de aula ou de uma biblioteca
As duas imagens engendradas ndash sala de aula e biblioteca ndash estatildeo relacionadas agrave cultura
escolar entendida como um conjunto de praacuteticas teorias e normas que codificam formas de
regular sistemas linguagens e accedilotildees nos estabelecimentos educativos (ESCOLANO 2005 p42)
Considerando que nos espaccedilos da escola haacute interaccedilotildees e convergecircncias entre cultura empiacuterica
cultura acadecircmica e cultura poliacutetica as praacuteticas de visita satildeo marcadas pelas pautas e orientaccedilotildees
da cultura escolar e da cultura museal que tambeacutem se articula historicamente em suportes
especiacuteficos A pesquisadora Luciana Koptche aponta para essa aproximaccedilatildeo recente entre os
objetivos tecnologias dos museus e a cultura escolar Para a autora os museus contemporacircneos
situam-se entre a catedral a escola o foacuterum a feira e o mercado (KOPTCHE 2005 p189) Em
se tratando de visitas escolares a associaccedilatildeo mais direta era de se esperar eacute com a escola
Assim como os museus satildeo vistos como organizados esse grupo de visitantes tambeacutem se
apresenta de forma organizada aos museus A visita de turismo ou com familiares satildeo raras no
grupo Na visatildeo dos estudantes as visitas tecircm objetivos pedagoacutegicos de ampliar conhecimentos
77
mas ningueacutem aponta se sentiu algum desconforto durante as visitas Interessam-se pelos
conteuacutedos e assuntos das exposiccedilotildees e saem dos museus com a impressatildeo que saiacuteram de uma sala
de aula Fabiana Cristina dos Santos parece resumir o dilema ao analisar a visita ao Museu
Imperial
A experiecircncia em museu o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu
Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute que a nossa visita foi guiada foi
muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o
lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom
foi vocecirc ter uma direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber
por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e
natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim (Fabiana Cristiana dos Santos Grupo focal
2008)
Fabiana Cristina dos Santos aparece na Figura 7 e parece aprisionada Olha atraveacutes da
janela e toma notas Estaacute acompanhada de um lado e de outro por seus colegas O visitante que
faz o registro fotograacutefico estaacute separado de Fabiana pelo vidro Ele estaacute ao lado dos objetos e sabe
que ela estaacute do outro lado da luz A luz refletida no vidro cria a barreira que natildeo permite ver
diretamente as peccedilas o que natildeo impede o diaacutelogo no jogo de espelhos
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a
Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007
78
Outra visitante comenta a respeito da visita ao Museu Histoacuterico Nacional ldquoacredito que
mesmo em exposiccedilotildees que natildeo satildeo tatildeo boas podemos tirar ensinamentos para natildeo cometer os
erros cometidos por outras pessoasrdquo (Michelle Oliveira Xavier Visita ao MHN 2008)
Os visitantes apresentados acima ao entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos culturais
organizados pelos museus rompem com os papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao
momento dessa interaccedilatildeo48
Tomar a ideia de ldquointeraccedilatildeordquo como um suposto um operador
analiacutetico parece possibilitar a integraccedilatildeo de perspectivas que natildeo separam os aspectos orais
escritos e visuais nos processos de produccedilatildeo de objetos culturais
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo dos sujeitos frente agrave experiecircncia
de contato com os museus Definir um grupo de visitantes em diferentes momentos de sua
formaccedilatildeo acadecircmica permite identificar marcas de sociabilidade e sensibilidades como referentes
na produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos O grupo se estabelece como ator ao assumir accedilotildees na
organizaccedilatildeo e definiccedilatildeo das visitas e ao expressar categorias de avaliaccedilatildeo das praacuteticas de visita a
partir de um olhar proacuteprio da experiecircncia
Daniela Jacobucci ao analisar os programas de formaccedilatildeo continuada de professores
realizados por museus de ciecircncias em diversas regiotildees do paiacutes afirma que ldquoindependente da
proposta teoacuterico-metodoloacutegicardquo estes programas ldquooportunizam quatro tipos de experiecircncias aos
professores atualizaccedilatildeo de conteuacutedos produccedilatildeo de material didaacutetico assessoria didaacutetica e
socializaccedilatildeo de conhecimentosrdquo (JACOBUCCI 2010 p437) Os estudantes concordam sempre
haacute algo a aprender com a visita As fotografias a seguir (Figuras 8 9 e 10) configuram a visita ao
Museu do Escravo do ponto de vista de seus visitantes O recorte espacial proposto por Frederico
Amorim organiza a visita em vaacuterios planos de expressatildeo Na primeira foto (Figura 8) temos uma
pessoa do proacuteprio museu responsaacutevel pelas informaccedilotildees ao grupo de visitantes O tronco o
objeto central do paacutetio de exposiccedilatildeo estaacute ao fundo A monitora fala olhando para os visitantes e
de costas para o objeto
48 A ideia de museu como templo distante da experiecircncia de aprendizagem natildeo aparece com grande forccedila nos
relatos dos visitantes
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Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no
paacutetio central tendo ao fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006
Na imagem seguinte (figura 9) a monitora estaacute agrave esquerda do espaccedilo geograacutefico Ela fala e
gesticula com as matildeos O foco satildeo os visitantes que se aproximaram do objeto e estatildeo em atitude
de escuta
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da
monitora no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
80
Na imagem seguinte (figura 10) o grupo maior jaacute se retirou e alguns alunos entre eles o
proacuteprio fotoacutegrafo se fazem registrar junto ao espaccedilo do objeto Tomam a experiecircncia vivida
externamente ndash o objeto imobilizado no espaccedilo do museu com a mediaccedilatildeo da monitora ndash como
uma paisagem um enquadramento O escravo no tronco de mesmo tamanho dos componentes do
grupo eacute centralizado e parece figurar como um dos estudantes que agora sorriem acredito de
prazer pela travessura que faziam
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao
tronco no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
A hipoacutetese sobre a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos nas visitas como a do Museu
do Escravo relaciona-se a um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a
dinacircmica do desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo
em busca da satisfaccedilatildeo do objeto a ser consumido O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso
de si proacuteprio como recurso engaja-se em atividades movimenta-se produz inteligibilidade e
sentidos Ao colocarem-se ao lado da escultura os estudantes natildeo se identificam com o
sofrimento que representa os mortos mas compartilham a presenccedila uns dos outros nesse espaccedilo
que eacute vivo
81
A produccedilatildeo de conhecimentos que se configura a partir das praacuteticas de visita eacute uma
praacutetica cultural na qual os sujeitos se vecircem como capazes de reconfigurar algumas condiccedilotildees de
produccedilatildeo de saberes dominantes Os visitantes fazem a revisatildeo de conhecimentos tradicionais e
percebem pelos ldquoefeitos de sentidordquo e ldquoefeitos de presenccedilardquo uma nova disponibilidade de estar
no mundo e criar formas e conteuacutedos culturais distintos
As visitas ainda que marcadas pelo ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas pelo
museu permitem aos visitantes uma experiecircncia sensiacutevel de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus49
49 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
82
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal
O visitante atualiza o proacuteprio conceito de museu e contribui assim como os especialistas
para a configuraccedilatildeo e teorizaccedilatildeo do campo museal e fundamentaccedilatildeo de uma criacutetica agraves exposiccedilotildees
e seus conteuacutedos A presenccedila nos museus mobiliza a memoacuteria e estimula a imaginaccedilatildeo Esse
movimento de rememoraccedilatildeo coloca os sujeitos em alerta com relaccedilatildeo ao presente Neste
processo de atualizaccedilatildeo dos conceitos estaacute em jogo uma busca coletiva para as dimensotildees
sensiacuteveis e questionamentos
A constante atualizaccedilatildeo de conceitos ou seja a historicidade que se configura como
duraccedilatildeo e mudanccedilas no tempo permite abordar o museu como um ldquogecircnerordquo que possui
regularidades permanecircncias mas que constantemente se reconfigura Eacute desta perspectiva que
apresento o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional visitados nessa pesquisa como
museus histoacutericos que conteacutem em seus acervos e expotildeem aos visitantes diversas concepccedilotildees de
museus aparentemente fora de uso na museologia contemporacircnea
Delinear uma leitura menos datada e historicista dos museus ou uma histoacuteria de museus
que se atualiza nos proacuteprios museus50
eacute resultado do confronto entre a pesquisa bibliograacutefica
sobre museus e as narrativas visuais dos visitantes O esforccedilo de leitura dos relatos e das
fotografias levou a um recorte que entrelaccedila os registros das visitas ao Museu do Escravo
(Figuras 11 e 12) do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) feitos pelos
visitantes e as imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e galeria de
arte de priacutencipes (Figura 14)
Escolhi essas imagens para argumentar como os museus natildeo ficam presos ao passado e se
atualizam pela accedilatildeo dos visitantes E retomar tambeacutem a ideia de circuito e circularidade de
cultura atraveacutes de cinco imagens diferentes
50 Koselleck (1992 p134-145) propotildee uma histoacuteria dos conceitos que se investiga o processo de teorizaccedilatildeo dos
conceitos a partir de fontes documentais e formas verbais com experiecircncias histoacutericas concretas de associaccedilotildees
poliacuteticas e econocircmicas
83
As exposiccedilotildees do Museu do Escravo em Minas Gerais fotografadas por um estudante
(Figuras 11 e 12) e do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) satildeo confrontadas
agraves imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e agrave galeria de arte de
priacutencipes (Figura 14)
O acervo do Museu do Escravo de Belo Vale (MG) inaugurado em 1988 pelo padre da
paroacutequia local Jacques Penido tendo em vista as comemoraccedilotildees do centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da
Escravatura no Brasil pode ser interpretado como recoberto por vaacuterias camadas de sentido de
museu que circulam desde os gabinetes de curiosidade agraves galerias de arte Todo o acervo do
museu estaacute exposto Natildeo haacute uma reserva teacutecnica sequer um inventaacuterio e cataacutelogo das peccedilas
Objetos arqueoloacutegicos satildeo exibidos junto a reproduccedilotildees fotocopiadas de jornais indumentaacuterias
cenograacuteficas de um filme brasileiro e artefatos de culto religioso contemporacircneos Haacute uma
preocupaccedilatildeo em exibir instrumentos de tortura como gargantilhas de ferro mordaccedilas e tamancos
imensos que causam curiosidade e repulsa Tambeacutem satildeo criados cenaacuterios com um pelourinho que
fica no meio do paacutetio central rodeado por uma senzala Outras salas satildeo ocupadas com arte sacra
catoacutelica e peccedilas indiacutegenas
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
84
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Aberto ao puacuteblico o Museu do Escravo natildeo tem materiais impressos e teima em
sobreviver agraves intempeacuteries naturais que desgastam o telhado e agraves mudanccedilas na poliacutetica local
municipal a cada quatro anos51
O Museu do Escravo parece estar em algum tempo entre os gabinetes de curiosidades e os
museus etnograacuteficos Conserva dos gabinetes natildeo apenas uma exposiccedilatildeo natildeo hierarquizada mas
um sentido atribuiacutedo aos objetos que fabricados pelo proacuteprio museu satildeo possuidores de uma
fluidez entre a natureza a arte e o artefato Tanto no gabinete de curiosidades quanto no Museu
do Escravo natildeo importa a histoacuteria do objeto tudo pode ser recolhido e serve ao propoacutesito de
saciar os curiosos Tambeacutem pode ser visto no Museu do Escravo um moderno ldquomuseu
etnograacuteficordquo que cria seu objeto a escravidatildeo a partir de sistemas de classificaccedilatildeo dos escravos
por criteacuterios tais como exoacuteticos simples preacute-alfabetizados primitivos selvagens para fazer a
denuacutencia moral da escravidatildeo O ldquooutrordquo o escravo eacute objeto do olhar dos visitantes mas eacute a
proacutepria visatildeo do museu que eacute avaliada
Considerado a partir da loacutegica dos visitantes o estudo sobre os museus coloca em questatildeo
o proacuteprio conceito de museu durante a visita O visitante questiona ao longo do percurso como o
museu constituiu referecircncias sobre suas proacuteprias funccedilotildees sociais e como estas auto-referecircncias se
expressam nas exposiccedilotildees
51 Ver Folder do Museu do Escravo produzido em 2002 Museus Mineiros Imprensa Oficial do Estado de Minas
Gerais No 14 abril de 2002
85
Entretanto eacute comum que a visita ao museu natildeo acrescente ao visitante informaccedilotildees
sobre o proacuteprio museu Quando muito o museu apresenta um pequeno resumo impresso de sua
trajetoacuteria em seus materiais de divulgaccedilatildeo mas quase nada da histoacuteria de seu acervo princiacutepios
expositivos e outros recursos aleacutem da expografia Fica a cargo do interesse do visitante comum
entender como cada museu reelabora sua memoacuteria ou sua heranccedila e como ele se apresenta aos
seus visitantes Os museus ainda se apresentam como gabinetes de curiosidades (Figura 13)
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677
A imagem acima eacute uma reproduccedilatildeo do cataacutelogo publicado em Bolonha por Lorenzo
Legati para o gabinete de curiosidades de Ferdinando Cospi Cospi era um naturalista italiano que
adquiriu a coleccedilatildeo de Ulisse Aldrovandi (1522-1605) que por sua vez tinha interesse no que hoje
pode ser chamado de botacircnica zoologia e geologia Cospi acrescentou ao museu maravilhas
naturais muitas delas criadas por processos de taxidermia unindo paacutessaros e peixes O Museu
Cospiano tinha centenas de cabeccedilas de aves sereias e um anatildeo que exercia o duplo papel de fazer
parte da coleccedilatildeo e ser guia Conhecida hoje por meio de exposiccedilotildees e cataacutelogos parte dessa
86
coleccedilatildeo eacute exposta atualmente no Museu do Palaacutecio Pozzi em Bolonha52
No entanto no seacuteculo
XVII estava aberta a estudiosos e aristocratas
O lugar de produccedilatildeo da Imagem 14 eacute a esfera privada O tema da imagem tambeacutem esta
ligado ao mundo domeacutestico uma coleccedilatildeo e um colecionador particular Frederico I Hoje o lugar
fiacutesico O studiolo do priacutencipe foi restaurado e aberto agrave visitaccedilatildeo puacuteblica No seacuteculo XVII ficava
proacuteximo aos aposentados iacutentimos do priacutencipe e permitia a entrada de apenas uma pessoa de cada
vez Era uma eacutespeacutecie de compartimento secreto cujo programa iconograacutefico foi idealizado pelo
pintor e arquiteto da corte Giorgio Vasari e sua equipe Este aposento privado permitia preservar
os itens raros da coleccedilatildeo do monarca em armaacuterios inventariar e dar ordem aos itens colecionados
para que pudessem ser encontrados As pinturas encomendadas por Francisco I satildeo realizadas
tambeacutem por Vasari e outros pintores do seacuteculo XVII
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I
Palazzo Vecchio Firenze 1570-1573
52Disponiacutevel em lt httpspecialcollectionslibrarywisceduexhibitschecklistsCabinetsCabinets_title_listhtmlgt
Acesso em 26 jun 2010
87
A escolha da imagem do gabinete de Frederico I (Figura 14) nessa pesquisa cujo tema eacute a
relaccedilatildeo dos visitantes com os museus permite algumas associaccedilotildees Primeiro a ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo poliacutetica-puacuteblica pelo acessovisibilidade a bens culturais antes de uso limitado a um
nuacutemero pequeno pessoas Segundo pela ampliaccedilatildeo dos usos dos objetos chamados artiacutesticos ou
culturais em decorrecircncia das mudanccedilas nos suportes e modos de produccedilatildeo artiacutestica pelos quais
passaram a circular
A gravura do gabinete de curiosidades (Figura 13) e a imagem da galeria do priacutencipe
(Figura 14) apresentam lugares de guarda de coleccedilotildees Os temas e os conteuacutedos das obras satildeo os
objetos colecionados e o lugar onde estatildeo armazenados A coleccedilatildeo do gabinete de curiosidades e
da galeria de priacutencipe define quem tem acesso ao conteuacutedo desses ambientes e pode partilhar da
visibilidade da exposiccedilatildeo Apenas pessoas proacuteximas aos colecionadores
Entretanto ao reproduzir essas duas imagens aqui recoloca-se a questatildeo do lugar do
visitante diante dessas exposiccedilotildees Tanto a exposiccedilatildeo dos gabinetes quanto das galerias satildeo
privadas mas a reproduccedilatildeo por meio do desenho e da pintura as colocam em circulaccedilatildeo fora do
lugares de produccedilatildeo e do controle de seus proprietaacuterios Giorgio Vasari53
o pintor de Frederico I
talvez jaacute apontasse para essa necessidade de ampliaccedilatildeo do circuito do consumo de arte Ele
proacuteprio eacute tido como um dos precursores na produccedilatildeo de uma histoacuteria da arte ilustrada com cenas
da vida dos artistas que se populariza e se manteacutem atual agrave medida que continua sendo
reproduzida para um puacuteblico mais amplo
Do ponto de vista de visitantes contemporacircneos a funccedilatildeo do acervo de um museu natildeo eacute
apenas documental no sentido de fornecer evidecircncias para o trabalho da histoacuteria Para o visitante
ele estaacute diante de uma versatildeo contada pelo museu A coleccedilatildeo de objetos no museu eacute percebida
como natildeo aleatoacuteria O trabalho do museu eacute construir uma mensagem com a exposiccedilatildeo Ainda que
reconheccedila nos objetos e no acervo como um todo documentos de eacutepoca eacute a forma de
apresentaccedilatildeo dos objetos que ainda fornece o status de testemunho mostrando a importacircncia da
materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma
53 Foram lanccediladas recentemente duas obras de VASARI Giorgio Vida de Michelangelo Buonarroti Ed Unicamp
2011 e Vidas dos artistas Martins Fontes 2011
88
de reunir um acervo que pertence ou natildeo a determinado museu lhe confere maior poder de criar
visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Fabiana Cristina dos Santos (Figura 15) que assim
como muitos de seus colegas reuacutene novamente o acervo do museu apoacutes sua visita e recria seu
percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em uma nova exposiccedilatildeo
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias
da visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O mosaico de fotografias confeccionado pela visitante reuacutene elementos dispostos em
diferentes cenaacuterios no interior do preacutedio e a fachada do museu que registra a grade de seguranccedila
um letreiro com o nome do museu e bandeiras hasteadas Fotografias do acervo e natildeo dos
visitantes
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus
Os museus europeus e norte-americanos assumem a partir do seacuteculo XVIII uma relaccedilatildeo
com um novo habitante da cidade o cidadatildeo Algumas medidas para aproximar os viacutenculos entre
museus e cidadatildeos satildeo adotadas agrave medida que tambeacutem se transformam as relaccedilotildees com o
mecenato e o modelo de vinculaccedilatildeo com o Estado para encomenda e financiamento de atividades
89
culturais se consolida As mostras temporaacuterias os chamados salotildees conquistam regularidade e
visibilidade para a produccedilatildeo dos proacuteprios museus Tambeacutem satildeo editadas publicaccedilotildees com a
finalidade de analisar as exposiccedilotildees e direcionar o puacuteblico frequumlentador ndash como a de Diderot que
assume a criacutetica no Correspondence Litteacuteraire entre 1759 e 1781 que culmina com a publicaccedilatildeo
de Ensaios sobre a pintura em 1795 pouco depois da Criacutetica da Faculdade do juiacutezo de Kant
(1790) Iniciava-se um movimento de ampliaccedilatildeo do puacuteblico de apreciadores e de criacuteticos de arte
Diderot vai ser lido e comentado por escritores poetas filoacutesofos ao longo seacuteculo XIX entre eles
por Charles Baudelaire (1821-1867)
A criacutetica aos salotildees de Diderot (Salatildeo de 1765) e Baudelaire (Salotildees de 1846 e 1859)
constitui-se em momentos privilegiados para pensarmos o museu entre os seacuteculos XVIII e XIX
do ponto de vista de seus visitantes A discussatildeo sobre os museus pode ser ampliada no seacuteculo
XX com os visitantes Marcel Proust que publica sua grande obra Em busca do tempo perdido
entre 1913-1927 e Paul Valery cujo texto O problema dos museus eacute publicado pela primeira vez
em 1931 Esse diaacutelogo entre Valery e Proust sobre os museus eacute proposto por Adorno em texto de
1950 Aborda-se assim uma fortuna criacutetica que inicialmente era publicada em pequenos folhetos
e distribuiacuteda agrave porta dos Salotildees e se especializa em jornais da eacutepoca Estes criacuteticos antecipam
abordagens formulam criacuteticas conceitos e criteacuterios valorativos quanto aos fomentos ao gosto e
ao proacuteprio ato de adentrar os museus e visitar coleccedilotildees
90
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no
Salatildeo (Quatre heures au Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do
Louvre Paris 1847
O quadro de Auguste Franccedilois Biard54
pintor francecircs que chegou a vincular-se agrave corte
portuguesa no Brasil e foi professor da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro
apresenta de forma emblemaacutetica a presenccedila dos visitantes no encerramento do Salatildeo anual do
Louvre de 1847 Pessoas se acotovelando curiosos uma profusatildeo de vestes posturas e
expressotildees faciais As imagens expostas nas paredes parecem ter vida falar ao expectador
O grande nuacutemero de curiosos atestava a popularidade das exposiccedilotildees ou Salotildees que
tiveram suas primeiras versotildees no seacuteculo XVII no Palais-Royal restritas a um puacuteblico
selecionado Em 1727 os Salotildees foram abertos ao puacuteblico em nome do rei Luiz XV Junto com a
abertura dos Salotildees iniciou-se a publicaccedilatildeo de cataacutelogos e comentaacuterios descritivos das obras pelo
54 O pintor Auguste Franccedilois Biard nascido em Lyon em 1798 visita o Brasil entre 1858-1860 Eacute nomeado
professor da Academia Imperial de Belas-Artes executa retratos da famiacutelia imperial e membros da corte De volta agrave
Franccedila publica em 1862 publica um relato sobre o Brasil Ver httpwwwitauculturalorgbr
aplicexternasenciclopedia_icindexcfmfuseaction=artistas_biografiaampcd_item=1ampcd_idioma=28555ampcd_verbete
=1271Acesso em 2011
91
perioacutedico Mercure de France Surgiram os primeiros connaisseurs que se colocavam como
mediadores de uma criacutetica e de modelos de apreciaccedilatildeo e consumo da arte
Os elementos da criacutetica que comeccedilavam a se estabelecer culminariam numa nova
distinccedilatildeo entre connaisseurs e curiosos Diderot como criacutetico dos Salotildees aponta a supremacia do
sensiacutevel sobre o visiacutevel e compartilha da ideia de que os museus possuem uma funccedilatildeo educativa
Natildeo soacute para poucos frequentadores como os estudantes de arte que se serviam de uma
aprendizagem visual de estilos e obras mas num sentido universalizante do conhecimento cujos
produtores e consumidores de arte estariam em niacuteveis semelhantes Diderot defende uma
emancipaccedilatildeo do juiacutezo sobre o gosto mediante o julgamento das obras e da pertinecircncia dos temas
O sentimento uma qualidade subjetiva seria usado como criteacuterio pelo puacuteblico para avaliar as
obras Aquelas que lhes chegavam ao coraccedilatildeo despertando simpatia ou coacutelera Comoccedilatildeo
assombro choro coacutelera satildeo emoccedilotildees provocadas pelas obras do Salatildeo de 1765 em Diderot
Assim como para Diderot a descriccedilatildeo das emoccedilotildees eacute fundamental para a criacutetica de arte de
Baudelaire O pintor deveria provocar emoccedilotildees ao espiacuterito sem cair num sentimentalismo
forjado
Ao longo do seacuteculo XIX o puacuteblico dos museus se diversifica socialmente e culturalmente
ao compartilhar experiecircncias artiacutesticas tanto de fruiccedilatildeo quanto de produccedilatildeo Visitar salotildees
grandes exposiccedilotildees universais museus e adquirir objetos artiacutesticos ou mesmo ter aulas de pintura
e desenho faziam parte de haacutebitos culturais de camadas meacutedias e mesmo setores populares O uso
instrumental na induacutestria (ilustradores desenhistas) e a funccedilatildeo de formaccedilatildeo moral da arte
estavam proacuteximas Entretanto as imagens consumidas pelos segmentos populares como as
litogravuras emolduradas e o barulho que faziam nos salotildees satildeo reprovados por autoridades
como o criacutetico de arte agora um especialista em apreciar e julgar a obra
Baudelaire apresenta esse novo lugar da criacutetica que julga a mediocridade do puacuteblico e
pretende lhe dar formaccedilatildeo (informaccedilatildeo e publicidade) sobre as exposiccedilotildees Baudelaire dirige-se
aos compradores pouco instruiacutedos que deveriam ser iniciados na ciecircncia da fruiccedilatildeo Colecionar
arte era vincular-se a uma tradiccedilatildeo de bom gosto e oportunidade de ascensatildeo cultural Implicava
em reconhecimento da sofisticaccedilatildeo e do gosto do Antigo Regime como um padratildeo para os setores
meacutedios emergentes no espaccedilo poliacutetico
92
O especialista conhecedor de arte como apontam as caricaturas de Rockwell (Imagens 17
e 18) habita fisicamente o mesmo lugar que os curiosos e turistas mas se diferenciava deles por
possuiacuterem criteacuterios mais pormenorizados para observar a arte e se manterem em parcerias com
compradores e pintores
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955
Ilustraccedilatildeo da capa de The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo
sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros) Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962
Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo produzida para a ediccedilatildeo do Saturday
Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular
93
Quem olha quem O quadro observado pelo criacutetico na Figura 17 tem vida e lhe olha de
volta O respeitoso senhor vestido em trajes solenes na Figura 18 eacute observado ou observa a
pintura colorida O pintor dos dois personagens propotildee elementos de digressatildeo imaginaccedilatildeo e
simultaneidade do olhar Para ler os quadros o espectador entra num jogo de espelhos sugerido
pelo pintor e percebe-se a si mesmo emoldurado por seu reflexo
Pode-se imaginar que tanto Paul Valery quanto Marcel Proust55
poderia estar entre os
visitantes apresentados nos quadros de Biard (Figura 16) e Rockwell (Figuras 17 e 18) Pode-se
tambeacutem imaginar ouvir a conversa entre os dois visitantes de fins do seacuteculo e iniacutecio do seacuteculo XX
com a ajuda do ensaio Museu Valery-Proust publicado originalmente em 1953 por Adorno
Valery eacute apresentado por Adorno (2005) como um artistaprodutor que cria objetos
poesias um especialista que olha a arte com toda a profundidade do ponto de vista da criaccedilatildeo
lugar do qual recebe sua profundidade O que importava para o poeta era a obra de arte como
objeto de contemplaccedilatildeo E esta se via ameaccedilada pela coisificaccedilatildeo e a indiferenccedila
O museu era o responsaacutevel por essa corrupccedilatildeo e fossilizaccedilatildeo das obras Valery se
horroriza ao caminhar pelas galerias do Louvre que para ele condenava a arte ao passado com
sua super acumulaccedilatildeo e a torna uma questatildeo de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo Para Valery nos diz
Adorno a arte estaacute morta perdeu seu lugar na vida imediata sua relaccedilatildeo com um uso possiacutevel
Vecircnus se transformou em documento e ao visitante era recusada a possibilidade de vagar e errar
pelos museus
Proust na visatildeo de Adorno comeccedila onde Valery silencia na vida poacutestuma das obras e foi
menos ingecircnuo com relaccedilatildeo agrave arte Proust era um consumidor admirador um amante das artes
que estava separado das obras por um fosso Para Adorno era essa a grande virtude de Proust
assumir de forma firme essa postura de consumidor a ponto de transformar essa atitude em um
novo tipo de produtividade A forccedila da contemplaccedilatildeo do interno e do externo culminava em
Proust em produccedilatildeo de lembranccedilas memoacuterias
Para Adorno Proust era melhor visitante de museus que Valery E argumentou Em
Valery o processo de produccedilatildeo artiacutestica e a reflexatildeo sobre esse processo estavam
55 Ver Paul Valery O problema dos Museus Revista do patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional N31 2005 p32-
35 Marcel Proust tem diversas inferecircncias em sua obra Em busca do tempo perdido Satildeo Paulo Abril Cultural 1979
94
indissoluvelmente interligados Ele eacute o proacuteprio criteacuterio de julgamento da composiccedilatildeo da obra e da
experiecircncia que se tem por meio dela A criacutetica de Valery eacute conservadora em termos de cultura
pois o uacutenico criteacuterio coincidia com seu proacuteprio juiacutezo de gosto
Jaacute Proust estava livre desse fetichismo de quem fazia ele proacuteprio as coisas e entendia as
obras naquilo que elas tinham de esteacutetico rdquoum fragmento de vida daquele que as contempla um
elemento da proacutepria consciecircnciardquo (Adorno 2005 p179)
Proust tinha acesso a uma camada da obra que pressupunha a sua morte e assim a
sensibilidade para perceber o histoacuterico como paisagem Percebia a erosatildeo que a histoacuteria produzia
nas obras e a capacidade de sobrevivecircncia delas agrave semelhanccedila com o belo e o natural A
decadecircncia das coisas para Proust era uma segunda vida Soacute subsistia aquilo que era mediado
pela recordaccedilatildeo A qualidade esteacutetica era secundaacuteria
Walter Benjamin (2006 p603) tambeacutem convocou a opiniatildeo de Proust sobre os museus
para diferenciar a apreciaccedilatildeo de um quadro colocado de maneira isolada numa sala de jantar e
uma visita ao museu Soacute a sala de museu por sua nudez e seu despojamento de todas as
particularidades pode proporcionar a embriagante alegria dos espaccedilos interiores onde o artista se
retirou para criar
O aspecto caoacutetico do museu desagradava Valery O museu era lugar da barbaacuterie e natildeo de
cultura que tinha um caraacuteter sagrado vivo Jaacute Proust fez a defesa do museu mas era critico em
relaccedilatildeo agrave cultura ou agrave tradiccedilatildeo cultural exposta nos museus que ele experimentava reagia se
contaminando pela vida poacutestuma das obras
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus
O Louvre como modelo de instituiccedilatildeo museal agrega ao sentido moderno de museu a
ideacuteia de instruccedilatildeo puacuteblica contraposta ao museu de curiosidade e frivolidade presente nos
gabinetes de curiosidade e galerias reais O programa poliacutetico de gestatildeo dos bens culturais do
Louvre estava assim completo na Franccedila revolucionaacuteria inventariar e conservar toda a extensatildeo
de objetos que possam servir agraves artes agraves ciecircncias e ao ensino
O tema da apropriaccedilatildeo do patrimocircnio dos legados do passado estaacute presente no museu
francecircs e continua atual na discussatildeo sobre as poliacuteticas de memoacuteria O museu iluminista ou
95
enciclopedista estaacute aberto a todos os domiacutenios do conhecimento Eacute conservatoacuterio local de estudo
e produccedilatildeo do conhecimento
Para Brefe (1998) o museu puacuteblico moderno eacute ineacutedito no sentido de seu conteuacutedo e sua
forma de exposiccedilatildeo As obras herdadas do regime republicano na Franccedila perderam suas antigas
funccedilotildees e relaccedilotildees com o universo poliacutetico e social Era necessaacuterio construir um novo modo pelo
qual seriam lidas e ao mesmo tempo produzir novas imagens de legitimaccedilatildeo da revoluccedilatildeo Com a
radicalizaccedilatildeo do regime a chamada era do terror instalou-se a incompatibilidade entre a
ideologia da revoluccedilatildeo e obras de arte e monumentos do Antigo Regime seguida de uma onda de
ataques com a destruiccedilatildeo e depredaccedilatildeo de siacutembolos da realeza do feudalismo e do despotismo
O museu surge como o lugar que ldquodesacraliza e neutraliza os siacutembolos e imagens fazendo-os ou
ascender ou reduzindo-os ao estatuto de objetos culturaisrdquo (BREFE 1998 p307)
Haacute uma nova dimensatildeo poliacutetica para o museu Seu papel eacute estrateacutegico em relaccedilatildeo agrave
justificativa cultural do poder O museu ao conservar aquelas obras inventa um sentido para o
patrimocircnio evitando expor de maneira expliacutecita os siacutembolos nelas contidos sua ideologia Ele
destroacutei natildeo a obra de arte mas a mostra a partir do que a cultura do museu julga pertinente O
museu participa ativamente da mudanccedila do estatuto do objeto Ele perde suas significaccedilotildees
anteriores e entra num novo dispositivo simboacutelico uma memoacuteria outorgada
Os museus tambeacutem oferecem duas contribuiccedilotildees para se redefinir a dimensatildeo poliacutetica no
sentido de puacuteblica na Franccedila A primeira eacute a defesa da universalidade do patrimocircnio agrave medida
que se elabora uma lista de obras canocircnicas que servem de referecircncia a todas as naccedilotildees europeacuteias
a partir do legado do patrimocircnio francecircs A segunda contribuiccedilatildeo eacute identificar uma dimensatildeo
histoacuterica na cultura um passado cuja existecircncia justifica a conservaccedilatildeo A Revoluccedilatildeo natildeo pode
apagar a histoacuteria ao contraacuterio ela procurou criar uma determinada ldquoconsciecircncia histoacutericardquo como
ponto de partida para um novo recomeccedilo ou regeneraccedilatildeo Haacute uma heranccedila a ser gerida e o museu
eacute instrumento poliacutetico desse direito de dominar a histoacuteria e recolher o patrimocircnio dos seacuteculos ou
o proacuteprio passado
Receptaacuteculo de todas as obras-primas da humanidade jaacute que a Franccedila eacute a paacutetria ideal o
museu neutraliza o discurso da pilhagem que passa a ser visto como repatriamento Abriu-se em
fins do seacuteculo XVIII novo debate natildeo soacute sobre o espaccedilo de exposiccedilatildeo e o que eacute um museu mas
sobre o poder de instituir sentidos que lhe eacute conferido ao sacralizar as obras para aleacutem de seu
96
estatuto de objetos culturais como ldquotesouros conquistadosrdquo Uma nova funccedilatildeo como ldquomemorial
da naccedilatildeordquo ou ldquotemplo da memoacuteriardquo e natildeo apenas de ldquoinstituiccedilatildeo de instruccedilatildeo puacuteblicardquo como
requeriam o projeto enciclopedista eacute que tomou forccedila no seacuteculo XIX
A visualidade nos museus estaacute ligada agrave poliacutetica e agrave capacidade cada vez mais elaborada
de controle racionalcientiacutefico do mundo moderno de teacutecnicas para registrar documentar e
codificar o conhecimento Benedict Anderson (2008 p221) observou que o mundo moderno se
caracteriza pela unidade de visualizar coisas que natildeo satildeo visiacuteveis ou visuais o censo o mapa e o
museu
Para Anderson todo museu pode ser visto como um programa educativo principalmente
porque o museu moderno (seacuteculo XIX) estaacute ligado profundamente a aspectos do poder poliacutetico e
dos sistemas poliacuteticos educacionais modernos Os museus produzem e reproduzem hierarquias
sociais ideologias e tambeacutem assumem um papel na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo
criando legitimidades sociais Ligam-se diretamente ao Estado e apresentam-se como guardiotildees
da tradiccedilatildeo geral e local conferem prestiacutegio aos lugares e objetos Satildeo lugares sem pessoas
desabitados exceto pela frequumlentaccedilatildeo turiacutestica satildeo dessacralizados A dimensatildeo poliacutetica dos
museus se daacute nos materiais produzidos nos censos pictoacutericos do patrimocircnio disponiacutevel As
imagens satildeo reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de
modo que a musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade
nacional
O museu para Anderson eacute uma forma de imaginaccedilatildeo da Histoacuteria e do poder mas a
imaginaccedilatildeo aqui tem um caraacuteter de conservar as formas da histoacuteria de criar comunidades
imaginadas O museu eacute como um ldquoaacutelbumrdquo dos antepassados ao longo do tempo que pode ser
herdado pelos sucessores Um ldquoventriloquista nacionalistardquo um desejo de falar pelos mortos
Guardam entretanto um paradoxo entre sua luta contra o esquecimento (lembranccedila) e a
necessidade do proacuteprio esquecimento mecanismo tiacutepico das genealogias que realizam
ldquofratriciacutedios tranquumlilosrdquo em nome do ldquodever de jaacute ter esquecidordquo A ambiccedilatildeo educativa dos
museus neste caso eacute a dissoluccedilatildeo de conflitos violentos raciais de classes regionais e a
construccedilatildeo de uma nova consciecircncia Haacute a passagem da memoacuteria agrave histoacuteria oficial A narrativa da
ldquoidentidaderdquo da consciecircncia eacute inscrita em um tempo secular uma seacuterie de implicaccedilotildees de
continuidades e esquecimentos da experiecircncia A ldquobiografia da naccedilatildeordquo escrita pelos museus eacute o
97
acuacutemulo das guerras holocaustos mortes violentas que tecircm de ser lembradasesquecidas como
nossas (ANDERSON 2008 p268)
Se para Anderson a memoacuteria eacute hierarquizada no museu por uma poliacutetica de memoacuteria para
Walter Benjamin (2006) o sentido pedagoacutegico da memoacuteria e da narrativa no museu eacute distinto O
museu eacute visto como capaz de problematizar a racionalidade das imagens da histoacuteria Enquanto
Anderson vecirc o museu como um edifiacutecio soacutelido uma instituiccedilatildeo Benjamin vivencia o museu
como um sonho um labirinto imaginaacuterio enraizado na histoacuteria mas (e por essa razatildeo) permite
articular o instante e a duraccedilatildeo num mergulho na proacutepria experiecircncia (sensibilidade)
O museu para Benjamin eacute por definiccedilatildeo moderno mas um novo que sempre existiu
Como afirma Michelet sobre a vista de uma paisagem da Charneca eacute sempre nova e sempre
igual Natildeo eacute a mesma sequer semelhante mas se exprime pelas coisas presentes Uma atitude
que entende o museu como aquele capaz de ressuscitar os mortos ou de tornar a histoacuteria viva
como acontece no percurso de Michelet pelo Museu dos Monumentos Franceses organizado por
Alexandre Lenoir56
e seu encontro com a histoacuteria viva da Franccedila e seus heroacuteis meroviacutengios
O primeiro movimento alegoacuterico de Benjamin eacute transformar o museu em morada do
sonho coletivo em metamorfose do interior O museu eacute um rito de passagem vivecircncia de
transiccedilatildeo caminhada por caminhos fantasmagoacutericos em que as portas cedem e as paredes se
abrem Essa atitude diante dos museus e das obras de arte natildeo eacute meramente contemplativa e nem
um comportamento aacutevido diante de mercadorias expostas O museu para Benjamin mobiliza o
visitante Coloca no cotidiano a utopia coisas que ningueacutem jamais experimentou mas que
deveriam lhes caber
As estrateacutegias de exibiccedilatildeo dos museus e a criaccedilatildeo de novos museus entretanto natildeo satildeo
vistas com ingenuidade por Benjamin Ele faz uma criacutetica das exposiccedilotildees universais e as via
como siacutenteses prematuras que fecham o espaccedilo para o novo e impediam a ventilaccedilatildeo das classes
Para Benjamin os produtos industriais projetados no passado eram organizados segundo
princiacutepios estatiacutesticos e a accedilatildeo de exibiccedilatildeo seria terapecircutica Visava rejuvenescer tonificar
restabelecer recuperar conservar e aperfeiccediloar os encantos da natureza que se definhavam e
morriam
56 O Museu de Lenoir precede agrave abertura do Louvre e teve curta duraccedilatildeo (1795-1816)
98
As exposiccedilotildees universais satildeo criticadas e exemplificam a passagem do caraacuteter efecircmero
que deixam rastros como a Torre Eiffel edificada como o arco de entrada da Exposiccedilatildeo
Universal de 1889 e transformada posteriormente em monumento O tempo de preparo e de
duraccedilatildeo de um empreendimento como uma exposiccedilatildeo guarda esse sentido agudo da histoacuteria Para
que seja compreendido esse tempo o criacutetico e o espectador deveriam operar em si mesmos uma
transformaccedilatildeo que eacute um misteacuterio um fenocircmeno da vontade agindo sobre a imaginaccedilatildeo Ele deve
aprender por si mesmo a participar do meio que deu origem a essa ldquofloraccedilatildeo insoacutelitardquo esse
sentido de ausecircncia em presenccedila de algo Essa emoccedilatildeo na qual o viajante se abandona a si mesmo
e muda sua visatildeo (Benjamin 2006 p236)
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da
exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009
A fotografia de Aleacutecio Andrade acima desperta o sentimento de interioridade do visitante
que resiste ao modelo temporal de museu e sua forma de apresentaccedilatildeo do passado O visitante se
apresenta no presente e se define na relaccedilatildeo com o museu estatildeo envolvidos em presenccedila do
invisiacutevel tem os olhos e os corpos na exposiccedilatildeo criada pelo fotoacutegrafo O cenaacuterio eacute o mesmo dos
Salotildees do seacuteculo XVIII (Figura 19)
99
Os visitantes das fotografias de Aleacutecio Andrade evocam o sentido poeacutetico dos museus que
se apresentam como colecionadores de alegorias e natildeo de siacutembolos (BENJAMIN 2006 p 237-
239) O visitante se transporta para dentro do museu e o acolhe em seu espaccedilo interior Visitar eacute
possuir os objetos eacute utilizaacute-los novamente libertando-os de serem inuacuteteis O alegorista
entretanto diferente do colecionador natildeo reuacutene as coisas afins natildeo estabelece sucessotildees natildeo
empreende uma luta contra a dispersatildeo mas desliga as coisas de seus ldquocontextosrdquo natildeo permite
prever e fixar os significados Abrem-se assim agraves transparecircncias porosidades e a possibilidade de
apropriar do princiacutepio e da forma
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos
A fundaccedilatildeo de museus no Brasil antecede a criaccedilatildeo das universidades Os museus
brasileiros foram durante o seacuteculo XIX o principal loacutecus de produccedilatildeo de cientistas praacuteticas de
preservaccedilatildeo e de uso educacional do patrimocircnio Tambeacutem se formaram como arenas de disputa
por versotildees do passado e campo de elaboraccedilatildeo intelectual criacutetica em relaccedilatildeo a outras instituiccedilotildees
poliacuteticas e culturais57
O Museu Nacional localizado na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro eacute considerado
desde sua inauguraccedilatildeo em 1818 a principal referecircncia de instituiccedilatildeo cultural Nos anos de 1920-
1930 eacute visto como modelo de museu para os intelectuais reformadores da educaccedilatildeo nacional
Outras instituiccedilotildees educativas e culturais como as universidades teratildeo espaccedilo no cenaacuterio
institucional tambeacutem nos anos de 1930 em funccedilatildeo das reformas de ensino de 1927-1930 quando
eacute definido por decreto-lei o Estatuto das Universidades Brasileiras e criada a Universidade do Rio
de Janeiro em 1931 (LEMME 1984 p171)
Escola e museus foram organizados de maneira distinta ao longo do seacuteculo XIX e para se
aproximarem precisavam que fosse elaborado um campo de interseccedilatildeo de atuaccedilatildeo e uma
concepccedilatildeo comum acerca de suas finalidades Diana Vidal (1999 p107-116) chama a atenccedilatildeo
para o significado do museu escolar em fins do seacuteculo XIX seu papel como dispositivo
pedagoacutegico que se define como ldquouma reuniatildeo metoacutedica de coleccedilatildeo de objetos comuns e usuais
57 Margaret Lopes desenvolve importante pesquisa sobre os museus brasileiros e latino americanos no seacuteculo XIX
Ver Lopes 1997 1998 2001 e 2005
100
destinados a auxiliar o professor no ensino de diversas mateacuterias do programa escolarrdquo (VIDAL
1999 p 108)
Entretanto ao longo do seacuteculo XX o movimento de aproximaccedilatildeo entre museus e
educaccedilatildeo natildeo foi nada natural e pressupunha accedilotildees poliacuteticas efetivas para a ampliaccedilatildeo da ideacuteia de
educaccedilatildeo para aleacutem das instituiccedilotildees escolares e de princiacutepios de organizaccedilatildeo mais democraacuteticos
Quanto aos museus era necessaacuterio que fossem concebidos como parte do projeto de educaccedilatildeo
geral ou do povo Essa dupla face da transformaccedilatildeo da concepccedilatildeo e finalidade de museus e
escolas eacute o que vemos no movimento da chamada escola nova e que tem por marco institucional
o ldquoManifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo Novardquo (1932) lanccedilado no calor da Revoluccedilatildeo de 1930
que defendia uma escola promovida pelo Estado laica gratuita e obrigatoacuteria (ESTEVES 1994
p 52-72)
Os trecircs autores escolhidos e apresentados satildeo os primeiros a publicar no Brasil uma
literatura especiacutefica considerando as relaccedilotildees entre museus e educaccedilatildeo Francisco Venacircncio Filho
(1941) Joseacute Valladares (1946) e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) possuem muito em
comum e dialogam entre si citando as pesquisas e publicaccedilotildees de seus contemporacircneos
Participaram juntamente com Everardo Backheuser Heitor Lira da Silva e outros da criaccedilatildeo da
Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo em 1924 Venacircncio Filho acompanharia de perto as reformas
educacionais de Carneiro Leatildeo Fernando de Azevedo Aniacutesio Teixeira Francisco Campos e
Gustavo Capanema Foi superintendente de Ensino Teacutecnico e diretor da Escola Normal Publicou
em 1932 com Jonatas Serrano o livro Cinema e Educaccedilatildeo pela Companhia Melhoramentos
A questatildeo central a ser destacada nessa bibliografia estritamente ldquonacionalrdquo eacute como ela
elabora os princiacutepios da relaccedilatildeo entre os museus europeus e brasileiros Quais paracircmetros de
comparaccedilatildeo satildeo adotados pelos autores brasileiros e quais satildeo os modelos que serviriam agrave obra
reformadora nacional A segunda questatildeo a ser investigada eacute como definem a relaccedilatildeo museus e
educaccedilatildeo qual o papel dos museus e qual o papel da escola Outro ponto que mobiliza eacute o
proacuteprio destinataacuterio desses discursos educativos nos anos de 1930-1940 Como estes autores
dirigiam-se ora especificamente ao puacuteblico escolar (professores e alunos) ora agrave populaccedilatildeo como
um todo ou o ldquopovordquo Como implicam os agentes governo sociedade organizada indiviacuteduos
pela resoluccedilatildeo do ldquoproblema nacional a educaccedilatildeordquo
101
Do ponto de vista das discussotildees teoacutericas e inovaccedilotildees praacuteticas na educaccedilatildeo Diana Vidal
(2000) ressalta que os chamados educadores renovados ndash Lourenccedilo Filho Fernando de Azevedo
dentre outros ndash natildeo soacute acompanhavam os movimentos realizados na educaccedilatildeo europeacuteia e norte-
americana como se utilizavam dessa literatura estrangeira para respaldar sua accedilatildeo educativa no
territoacuterio nacional (VIDAL 2000 p513)
Os autores destacados nesta anaacutelise que discorrem sobre a relaccedilatildeo museus-educaccedilatildeo
utilizam em seus argumentos o recurso ao ldquoestrangeirordquo como via de matildeo dupla Natildeo haacute por
exemplo em Joseacute Valladares (1946) nem em Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) nenhum
deslumbramento com os museus visitados por eles fora do paiacutes Eles natildeo deixam que a seduccedilatildeo e
encantamento com os museus europeus e norte-americanos se sobreponham aos seus propoacutesitos
de avaliar e comparar tendo em vista a melhoria dos museus no Brasil As visitas agraves instituiccedilotildees
estrangeiras e as consideraccedilotildees que explicitam servem ao propoacutesito de reforccedilar certa erudiccedilatildeo e o
conhecimento de causa Natildeo visam simplesmente desqualificar a realidade nacional frente ao
internacional
Assim como as viagens e excursotildees os escolanovistas consideram os museus como
dispositivos de educaccedilatildeo ou materiais pedagoacutegicos a serem utilizados para melhor aparelhar a
escola moderna Em outro sentido os museus satildeo ldquograndes casas de educaccedilatildeo ao alcance de
todos a qualquer momento graccedilas a uma teacutecnica de exposiccedilatildeo e mostruaacuterios em que nenhum
pormenor eacute descuidado desde a arrumaccedilatildeo ateacute a cor e forma dos letreirosrdquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Esse otimismo com relaccedilatildeo ao papel educativo dos museus eacute partilhado por Joseacute
Valladares e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila
Francisco Venacircncio Filho (1894-1946) destacou-se ao longo de sua vida puacuteblica como um
dos colaboradores diretos de Fernando de Azevedo e publica como ldquoprofessor do Instituto de
Educaccedilatildeo do Distrito Federal e livre docente do Coleacutegio Pedro IIrdquo o volume 38 da 3ordf Seacuterie de
Atualidades Pedagoacutegicas da Biblioteca Pedagoacutegica Brasileira com o tiacutetulo Educaccedilatildeo e seu
aparelhamento Moderno brinquedos cinema raacutedio fonoacutegrafo viagens e excursotildees museus e
livros em 1941 pela Companhia Editora Nacional
Para Venacircncio Filho (1941 p13) e outros intelectuais da chamada escola nova a
educaccedilatildeo eacute vida Busca no diaacutelogo e na autoridade de Afracircnio Peixoto (1876-1947) aproximar o
campo que o colega designara como ldquoeducaccedilatildeo orgacircnicardquo e de outra a ldquoescolarrdquo Para o autor o
102
ldquoaparelhamento modernordquo procura eliminar a distacircncia entre ambos os meios de educaccedilatildeo
(VENAcircNCIO FILHO 1941 p13) A educaccedilatildeo formal e a informal estatildeo imbricadas numa
educaccedilatildeo geral para a qual contribuem ldquoos instrumentos que nasceram na escola e transbordaram
dela para a vidardquo e os que ldquovieram de fora para a escola e vatildeo auxiliando colaborando com a sua
obrardquo multiplicando em extensatildeo e intensidade Esses instrumentos que poderiacuteamos chamar de
dispositivos tem uma accedilatildeo extensiacutevel e imprevisiacutevel (VENAcircNCIO FILHO 1941 p14)
A mesma concepccedilatildeo de educaccedilatildeo geral eacute explicitada por Edgar Sussekind de Mendonccedila e
Jose Valladares Mendonccedila em seu texto A extensatildeo cultural nos museus publicado pela
Imprensa Nacional em 1946 compartilha dos pressupostos de Venacircncio Filho e o cita por
diversas vezes Elaborado para concurso de provas58
para ser transferido a pedido da diretora do
Museu Nacional Heloiacutesa Alberto Torres para a receacutem criada Seccedilatildeo de Extensatildeo Cultural do
museu o texto pode ser entendido como sugere o proacuteprio autor como uma carta programa do
novo diretor e da nova seccedilatildeo do Museu
Procedimento comum aos trecircs autores destacados Edgar Sussekind de Mendonccedila (1941)
tambeacutem inicia sua exposiccedilatildeo propondo a inversatildeo na forma de interpretar os termos educaccedilatildeo
supletiva e educaccedilatildeo escolar para definir o campo de atuaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo
Como jaacute enfatizado por Venacircncio Filho o projeto de educaccedilatildeo popular eacute abrangente universalista
e a escola eacute apenas uma das instituiccedilotildees capazes de responder agrave demanda por educaccedilatildeo As
instituiccedilotildees de ensino eacute que satildeo supletivas na visatildeo de Mendonccedila (1941 p9) a educaccedilatildeo extra-
escolar eacute que designa o todo e natildeo aquela educaccedilatildeo intra-escolar A extensatildeo cultural eacute dentro
dessa visatildeo a educaccedilatildeo generalizada e os museus por direito de antiguidade tecircm papel
insubstituiacutevel e preponderante de realizaacute-la
Ao considerar as ldquoexcursotildees e viagensrdquo como ldquomeio pedagoacutegicordquo a primeira questatildeo
levantada satildeo as dificuldades de execuccedilatildeo em ambiente escolar recursos tempo ajustamento de
horaacuterios A sugestatildeo dada pelo autor eacute bastante conciliadora Do ponto vista geral ele defende que
ldquonas viagens se pode rever em breve e rapidamente o que nos legou o passado ou o que nos daacute o
presente em arte em ciecircncia em induacutestria em costumes atraveacutes dos inuacutemeros museus
espalhados pelo mundo inteirordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p15)
58 Segundo informa o proacuteprio autor o texto foi elaborado no prazo de trinta e cinco dias sendo que Mendonccedila
utilizou vinte e cinco para consulta a livros (MENDONCcedilA 1946 p25)
103
Do ponto de vista efetivo o problema eacute como realizar em larga escala viagens de luxo
recreio e de cultura aos Estados Unidos e Europa como fazem os intelectuais escolanovistas Natildeo
eacute simples conciliar os princiacutepios e a accedilotildees Embora deseje defender essa praacutetica ldquoadmiraacutevelrdquo
Venacircncio Filho alerta que na escola eacute preciso uma soluccedilatildeo mais viaacutevel planejar bem expor
previamente aos alunos e propor saiacutedas livres de grupos aos domingos e feacuterias para cultivar o
gosto e o ldquohaacutebito de prazeres sadios e econocircmicosrdquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p117)
As consideraccedilotildees sobre as excursotildees vatildeo se formando a partir de argumentos que juntam a
defesa do interesse da crianccedila e de suas condiccedilotildees para realizar excursotildees no qual cita os
americanos e seu programa de sugestotildees de excursotildees para diferentes idades entre 3 a 5 anos e a
defesa da ldquocultura europeacuteia como o padratildeo de civilizaccedilatildeo frente a ldquogleba nativardquo da ldquopaisagem
exoacuteticardquo da Ameacuterica (VENAcircNCIO FILHO 1941 p120) Cita nesse caso versos de Olavo Bilac e
a replica de Afracircnio Peixoto que exaltam Nova York (VENAcircNCIO FILHO 1941p122)
Os benefiacutecios das viagens parecem se afastar daquelas possibilidades efetivas do trabalho
escolar e o autor estaacute a endereccedilar seus conselhos a um provaacutevel viajante ldquonativordquo supostamente
adulto com pouca familiaridade com viagens e excursotildees e que necessite de orientaccedilotildees para
preparar-se culturalmente para a viagem Nosso autor parece estar plenamente qualificado para
relatar sua vasta experiecircncia cultural com viagens internacionais e ajudar na divulgaccedilatildeo dessa
praacutetica cultural
Quanto aos guias impressos o autor sabe indicar quais satildeo os melhores Em relaccedilatildeo agraves
grandes agecircncias de turismo elas ldquodevem ser utilizadas com inteligecircnciardquo Comprar poucas
lembranccedilas procurar hoteacuteis proacuteximos agraves estaccedilotildees preccedilos acessiacuteveis calcular despesas por dia
cacircmbio escolher os tipos de companheiros de viagem satildeo recomendaccedilotildees importantes Venacircncio
Filho deixa claro seu gosto pelas viagens sonho antes alegria durante e evocaccedilotildees depois
Os museus aparecem como ldquomeacutetodosrdquo um dos pilares para a melhoria da educaccedilatildeo ldquoum
ensino centrado na crianccedila e natildeo no professor e a educaccedilatildeo como preparaccedilatildeo para a vidardquo59
Os
museus ajudariam tambeacutem no ensino da histoacuteria baseada excessivamente em compecircndios e
criticada por seu excesso de memorizaccedilatildeo e acuacutemulo de datas O proacuteprio Jonathas Serrano que
tem seu compecircndio publicado em 1912 e utilizado ateacute 1924 contando com 54 ediccedilotildees explicita jaacute
59 Edgar Sussekind de Mendonccedila tambeacutem questionava a importacircncia exagerada dada agrave escola no ldquoconjunto da tarefa
educacionalrdquo (MENDONCcedilA 1946 p10)
104
em 1918 (4ordf ediccedilatildeo) a criacutetica aos processos de ensino de Histoacuteria exaustivos baseados na
memorizaccedilatildeo Serrano mostrava-se otimista quanto aos ldquoprogressos dos recursos tecnoloacutegicos
como o cinematoacutegrafo que permite ensinar pelos olhos e natildeo apenas e enfadonhamente pelos
ouvidosrdquo (SCHMIDT 2004 p197)
Venacircncio Filho (1941) faz a descriccedilatildeo de vaacuterios museus classificados como mistos de
histoacuteria e ciecircncias como o British Museum e o Louvre mas deteacutem-se na descriccedilatildeo do ldquonosso da
Quinta da Boa Vista em que se resume a natureza de uma vida da regiatildeordquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Dando continuidade a uma tipologia dos museus Venacircncio Filho apresenta como
museu histoacuterico exemplar o Museu do Ipiranga Ao final do capiacutetulo faz consideraccedilotildees raacutepidas
sobre o Museu Goeldi no Paraacute e retoma suas observaccedilotildees sobre o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista e o Museu Paulista Satildeo Paulo Ao longo do capiacutetulo cita a curta existecircncia dos museus
pedagoacutegicos organizados na reforma da instruccedilatildeo puacuteblica do Rio de Janeiro de Fernando
Azevedo (1927-1930) tendo um museu central no entatildeo Distrito Federal dirigido por Everardo
Backheuser (1879-1951) do qual fala no ldquopresente do indicativordquo pois ldquocomo desapareceu
passou para o passadordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Eacute curioso notar que Venacircncio filho natildeo descreve o projeto dos museus pedagoacutegicos nem
mesmo recomenda sua criaccedilatildeo nas salas ou escolas Os modelos de museus estatildeo nos grandes
centros como o Museu de Munich ao qual dedica duas paacuteginas para expor como satildeo os museus
teacutecnicos e sua importacircncia para a educaccedilatildeo popular Dedica tambeacutem uma descriccedilatildeo
pormenorizada do Deustches Museum apresentando as salas as divisotildees das exposiccedilotildees fiacutesica
quiacutemica tempo Cita os museus norte-americanos e avalia dois museus brasileiros o Museu
Nacional (RJ) o Museu Paulista (SP)
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista foi para Venacircncio Filho ldquogrande centro
cientiacutefico do paiacutes do qual partiam os uacutenicos fios de ligaccedilatildeo com o mundo cultordquo Jaacute o Museu
Histoacuterico Nacional eacute exemplar antes e depois da reforma educacional
Ele eacute no resumo de seus mostruaacuterios bdquouma verdadeira miniatura da paacutetria‟ O Museu
atraveacutes de suas divisotildees teacutecnicas realiza a sua missatildeo de conservar pesquisar divulgar e
ensinar dando depois da reforma de 1931 agrave educaccedilatildeo popular uma contribuiccedilatildeo
preciosa para o estudo das ciecircncias naturais (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Ao contraacuterio dos elogios e otimismo quanto ao papel dos museus de histoacuteria natural
explicitados ao Museu Nacional e ao Museu Goeldi Venacircncio Filho faz uma criacutetica a concepccedilatildeo
105
de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional que ldquoainda natildeo adquiriu forma definitiva que
deveria ser a de uma evocaccedilatildeo viva do passado todo do Brasil desde o periacuteodo colonial ateacute os
dias da Repuacuteblicardquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p145) Essa criacutetica fica mais evidente quando
afirma que em se tratando de museus histoacutericos o Museu Paulista eacute ldquonatildeo soacute uacutenico no paiacutes como
pode ser posto em confronto com qualquer outro congecircnere do estrangeirordquo (VENAcircNCIO
FILHO 1941 p145) A descriccedilatildeo que Venacircncio Filho faz do Museu do Ipiranga eacute carregada de
adjetivos ldquoum perfume discreto do passado nacional sem gratildeos de coisas esquecidas e
abandonadasrdquo quadros admiraacuteveis monccedilotildees Pedro Ameacuterico documentos antigos fruto das
pesquisas de Afonso Taunay estaacutetua de Bernardelli coleccedilotildees naturais Venacircncio Filho (1941
p147) termina suas consideraccedilotildees no mesmo ponto no qual iniciou exaltando a capacidade dos
museus em transformarem-se em ldquograndes escolas de educaccedilatildeo popularrdquo
Para Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) a chamada extensatildeo cultural eacute a relaccedilatildeo de
atividades de um museu que permitiria a comunhatildeo da vida e da aula abrangendo todos os
puacuteblicos de todas as idades (MENDONCcedilA 1946 p10) Ao longo da monografia ele vai
explicitando que o museu atua na educaccedilatildeo do povo e a extensatildeo cultural atuaria como um
ldquosistema de iniciaccedilatildeo cientiacutefica e aperfeiccediloamento sem a rigidez dos cursos universitaacuteriosrdquo
(MENDONCcedilA 1946 p 40)
Mendonccedila deixa expliacutecito em seu programa de accedilatildeo que sua grande preocupaccedilatildeo eacute com o
ensino e a ligaccedilatildeo da escola com a vida e para isso assim como Venacircncio Filho ele estaacute
preocupado com a ampliaccedilatildeo do puacuteblico natildeo especializado O museu eacute importante nessa funccedilatildeo
pois estaacute tanto no domiacutenio experimental quanto da documentaccedilatildeo objetiva Entretanto a
materialidade de suas mostras eacute para observaccedilatildeo natildeo para experimentaccedilatildeo A visualizaccedilatildeo eacute um
meacutetodo histoacuterico dos museus e pode ser utilizado no ensino tanto superior quanto na educaccedilatildeo
extra-escolar das classes proletaacuterias A questatildeo natildeo eacute a funccedilatildeo educativa dos museus mas
preparar os museus para as necessidades educativas de seu povo (MENDONCcedilA 1946 p 25)
Para Joseacute Vasconcellos (1946) a questatildeo da localizaccedilatildeo dos museus eacute colocada de modo
semelhante ldquoporque deve ir ao seu encontro o museu tem de saber onde o povo pode ser achado
com mais facilidade Este eacute o problema principal na localizaccedilatildeo dos museusrdquo
(VASCONCELLOS 1946 p99) Ou seja o problema da localizaccedilatildeo dos museus eacute saber onde
estaacute o povo ou como diria o cancioneiro popular ldquotodo artista tem de ir onde o povo estaacuterdquo
106
Mendonccedila assim como Vasconcellos e Venacircncio toma o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista como referecircncia para as consideraccedilotildees sobre os museus brasileiros Apoacutes criticar o
sistema universitaacuterio pelo aristocratismo das faculdades e academias ou ainda os proacuteprios museus
pelo anacronismo ao se voltarem para uma concepccedilatildeo de conservaccedilatildeo estaacutetica o autor se volta
para a defesa dos museus como ldquoestabelecimentos de educaccedilatildeo popularrdquo capazes de responder ao
problema de ldquopreparo meacutedio dos homens de formaccedilatildeo irregularrdquo A teacutecnica de museus eacute capaz de
orientar cientificamente um filme documentaacuterio sobre Canudos citado como exemplo e ao
mesmo tempo promover exposiccedilotildees especiais sobre cultura indiacutegena e cultura negra no Brasil
natildeo existentes no Museu Nacional mas que deveriam ser incluiacutedas por interessar agrave extensatildeo
cultural servindo de ldquoligaccedilotildees entre o palco das generalidades e os bastidores dos especialistas
(MENDONCcedilA 1946 p40-43)
Para Mendonccedila
o fato poreacutem eacute que os museus do Rio de Janeiro provavelmente ainda por longo tempo
funcionaratildeo apenas na imaginaccedilatildeo complementar de alguns de seus visitantes e nas
melhorias de interpretaccedilatildeo pedagoacutegica que os especialistas em colaboraccedilatildeo com os
professores vatildeo conseguindo fazer para alguns interessados e para o puacuteblico em geral
a interessar (MENDONCcedilA 1946 p53)
Se haacute por parte de Edgar Suumlssekind de Mendonccedila certo pessimismo quanto agraves
possibilidades de mudanccedilas na organizaccedilatildeo dos museus descritas por estes mesmos especialistas
da eacutepoca ndash arrumaccedilatildeo iluminaccedilatildeo etiquetas cataacutelogos e exposiccedilotildees ndash ele eacute otimista quanto agraves
atividades de extensatildeo que natildeo dependeriam de recursos diretos de pesquisa e preservaccedilatildeo
propaganda em diversos meios como raacutedio formaccedilatildeo de funcionaacuterios especializados em orientar
visitas palestras conferecircncias guias impressos projeccedilotildees de cinema coleccedilotildees e exposiccedilotildees
escolares Enfim a articulaccedilatildeo e accedilatildeo externas capazes de integrar os museus agrave sua finalidade
democraacutetica
Para explicitar a opiniatildeo de Mendonccedila sobre os museus tradicionais e suas praacuteticas de
exposiccedilatildeo cito dois exemplos a exposiccedilatildeo sobre o centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio no Museu
Nacional e suas criacuteticas agrave concepccedilatildeo de museu do proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional Mendonccedila
natildeo tem nenhuma simpatia pelas comemoraccedilotildees ciacutevicas marcadas por exposiccedilotildees especiais em
museus Ele critica a exposiccedilatildeo de comemoraccedilatildeo ao Centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio realizada pelo
Museu Nacional que legitimada por significado cultural natildeo se justificava como ldquoexposiccedilatildeo
107
especialrdquo Diz o autor ldquoalmejariacuteamos que fosse acompanhado de outras frequentes ditadas natildeo
soacute pela solenidade de datas centenaacuterias mas pelas diuturnas exigecircncias de movimentaccedilatildeo das
coleccedilotildees para maior uso e benefiacutecio puacuteblicosrdquo (MENDONCcedilA 1946 p43)
O Museu Histoacuterico Nacional jaacute criticado por Venacircncio Filho (1941 p145) tambeacutem
recebe as criacuteticas de Mendonccedila
Quanto ao Museu Histoacuterico Nacional instituiacutedo eacute oacutebvio para se relacionar com o patrimocircnio integral da nossa Histoacuteria- a julgar pela dosagem e patenteando na sua
propensatildeo para o raro e o custoso em preciosismo que contraria o princiacutepio de
preferecircncia pelo caracteriacutestico isto eacute pelo mais frequumlente em cada eacutepoca consoante a
boa norma museoloacutegica (MENDONCcedilA 1946 p49)
O Museu Imperial receacutem criado recebe os votos de que possa aliviar-se dos encargos
aristocraacuteticos do Museu Histoacuterico Nacional e trabalhe de forma equitativa o patrimocircnio histoacuterico
do paiacutes (MENDONCcedilA 1946 p49)
Nesta bibliografia dos anos de 1920-1930 se elabora nos discursos educacionais no Brasil
a preocupaccedilatildeo com materiais e meacutetodos que garantissem a ldquoconstruccedilatildeo experimental do
conhecimento pelo estudanterdquo (VIDAL 2000 p498) e os museus satildeo entendidos como parte
importante dos ldquorecursos pedagoacutegicosrdquo disponiacuteveis agrave educaccedilatildeo
Jaacute nos anos de 1950 dois movimentos se encontram um vindo das discussotildees sobre a
escola feita pelos ldquoescolanovistasrdquo nos anos de 1920-1930 e outro que defendia a ampliaccedilatildeo dos
museus numa nova rede que incluiacutea os museus histoacutericos e pedagoacutegicos locais e a criaccedilatildeo de
novos museus pelo poder puacuteblico federal e estadual
A partir dos anos de 1930 se instaura uma polecircmica sobre a relaccedilatildeo escolas-museus que
tem de um lado a defesa dos museus como oacutergatildeos de documentaccedilatildeo com um caraacuteter
conservador no sentido de ser voltado a preservar as tradiccedilotildees (TRIGUEIROS 1956) e de outro
lado o entendimento que os museus satildeo instrumentos de educaccedilatildeo tal como defendia Viniacutecio
Stein Campos (1970) com a criaccedilatildeo dos museus histoacutericos e pedagoacutegicos
A ldquofunccedilatildeo educativardquo dos museus se estabelece nesse sentido entre os extremos da
funccedilatildeo de conservaccedilatildeo e da divulgaccedilatildeo O sentido mais geral das reflexotildees sobre nesse capiacutetulo
sobre movimentos de formaccedilatildeo do puacuteblico nos museus na Europa e Brasil ao longo dos seacuteculos
XIX e XX eacute estabelecer ligaccedilotildees entre os que visitam contemporaneamente os museus e um
sentido de permanecircncia na ldquoformardquo museu Natildeo haacute uma via de matildeo uacutenica que vai dos museus aos
108
visitantes Assim como os visitantes elaboram suas demandas de formaccedilatildeo frente aos acervos e
exposiccedilotildees as instituiccedilotildees e poliacuteticas oficiais de preservaccedilatildeo e memoacuteria tambeacutem promovem
quadros culturais que se completam e se remontam com os museus e suas exposiccedilotildees
A pesquisa sobre o movimento de formaccedilatildeo do puacuteblico e sobre as funccedilotildees educativas dos
museus leva a pensar que a visita ao museu natildeo eacute o lugar da ldquorecepccedilatildeordquo de praacuteticas museoloacutegicas
e nem educativas O visitante se coloca em tracircnsito entre o mundo dos museus e outros mundos
como o das ldquoescolasrdquo e a visita realiza-se como um ldquocircuitordquo Os visitantes falam de suas
experiecircncias de visita como viagens intercalando dinacircmicas socioculturais de formaccedilatildeo docente
e de formaccedilatildeo histoacuterica
109
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais
A visita ao Museu do Escravo natildeo foi um evento isolado para os alunos e nem para a
instituiccedilatildeo formadora Desde o ano de 2000 o Museu do Escravo vinha sendo visitado como parte
das atividades acadecircmicas desenvolvidas por professores e estudantes do curso de licenciatura em
Histoacuteria Nesta ocasiatildeo um total de 21 estudantes60
foi ao Museu a Fazenda Boa Esperanccedila e a
comunidade quilombola da Boa Morte em Belo Vale
Algumas potencialidades do Museu do Escravo jaacute haviam sido levantadas em visitas
anteriores e o trabalho de campo tinha por objetivo articular a narrativa do proacuteprio museu o
discurso dos especialistas em museologia e dos historiadores da escravidatildeo A visita seguiu uma
rotina que envolveu pedido de autorizaccedilatildeo para acesso agrave Fazenda Boa Esperanccedila contatos com a
prefeitura local para agendamento no Museu apresentaccedilatildeo em sala de aula de um histoacuterico da
cidade seus pontos turiacutesticos e atividades culturais (cd-room recortes de jornais e textos projeto
de revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo e outros) elaboraccedilatildeo de um roteiro da visita com horaacuterios
e recomendaccedilotildees sobre formas de registro durante o trabalho Vale destacar que esse natildeo era o
primeiro trabalho dessa natureza realizado pela turma que jaacute havia visitado o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto e outras instituiccedilotildees como o Arquivo da Cidade de Belo Horizonte
O trabalho em Belo Vale teve dois objetivos Primeiro relacionar as visotildees
historiograacuteficas acerca da escravidatildeo colonial discutidas em sala de aula com os acervos
existentes nos locais visitados Segundo discutir a importacircncia da memoacuteria e do patrimocircnio
histoacuterico ao visitar o Museu do Escravo e o conjunto arquitetocircnico da Fazenda Boa Esperanccedila61
60 Visita vinculada agrave disciplina Histoacuteria do Brasil a Ameacuterica Portuguesa 4ordm periacuteodo
61 Belo Vale estaacute localizada na Zona Metaluacutergica de Minas Gerais Distacircncias Moeda - 13 km Congonhas - 42 km
Itabirito - 66 km Ouro Preto - 80 km Belo Horizonte - 86 km e 126 km de Pedro Leopoldo
110
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade
de Belo Vale
Apoacutes a visita os estudantes elaboraram um relatoacuterio individual contendo suas impressotildees
e tendo como referecircncia os objetivos propostos no roteiro inicial Houve discussotildees em sala de
aula sobre aspectos observados Demais materiais como fotografias folders entrevistas e outros
recolhidos ou produzidos durante a visita tambeacutem foram apresentados Por fim a turma elaborou
uma narrativa siacutentese do trabalho que foi apresentado novamente e arquivado na Faculdade Eacute
este relatoacuterio-siacutentese que serve como paracircmetro para a anaacutelise da visita Utilizo como contraponto
o projeto de Revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo elaborado pela Superintendecircncia de Museus de
MG e materiais produzidos para divulgaccedilatildeo do museu jaacute que natildeo haacute nenhum cataacutelogo ou mesmo
inventaacuterio do acervo de objetos do Museu do Escravo
As fotografias selecionadas e apresentadas a seguir apontam o deslocamento realizado
pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do visitante na cultura museal e
a escrita da histoacuteria nos museus
111
Saiacuteda de Pedro Leopoldo-MG Atravessam a Serra do Curral
Depois de Belo Horizonte comeccedila a descida Rios estradas e pontes Chegada a Belo Vale
A Igreja estaacute fechada O Museu do Escravo fica ao lado Foto na entrada
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos
visitantes
112
Apontar em que medida o Museu do Escravo contribuiu para que esses estudantes de
licenciatura em Histoacuteria elaborassem uma narrativa sobre a escravidatildeo articulando as linguagens
historiograacuteficas e museoloacutegicas implicou em mapear duas dimensotildees nas quais o tema da
escravidatildeo se apresentou durante a visita A primeira eacute a narrativa museograacutefica do museu
constituiacuteda por suas exposiccedilotildees A segunda eacute uma meta-narrativa do que deveria ser o Museu do
Escravo a partir de um projeto de revitalizaccedilatildeo A questatildeo central eacute investigar ateacute que ponto as
narrativas museoloacutegicas sejam elas ldquonovasrdquo ou ldquotradicionaisrdquo podem interferir na percepccedilatildeo que
os visitantes tecircm acerca da histoacuteria
Antes da visita os estudantes foram apresentados a um material visual sobre Belo Vale
produzido e distribuiacutedo por uma empresa de informaacutetica que atua na regiatildeo e que traz fotografias
e textos sobre o Museu do Escravo62
Neste material o Museu eacute apresentado como instituiccedilatildeo
uacutenica no paiacutes se constitui num dos mais importantes e completos acervos culturais com peccedilas
referentes agrave escravatura
Uma das estudantes apoacutes a visita registra opiniatildeo semelhante o Museu do Escravo da
Fazenda Boa Esperanccedila eacute o uacutenico museu dedicado exclusivamente ao escravo no Brasil onde
conta com um acervo com uma meacutedia de 4500 peccedilas (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Aparentemente a estudante atribui um sentido indevido agrave localizaccedilatildeo do Museu O Museu
do Escravo natildeo eacute da Fazenda Boa Esperanccedila A informaccedilatildeo correta sobre a localizaccedilatildeo do Museu
jaacute constava do material apresentado agrave turma antes da visita O acervo do Museu era apresentado
como privilegiado O material trazia tambeacutem dados sobre a trajetoacuteria da constituiccedilatildeo desse
acervo Reunido pelo padre Penido de famiacutelia natural da cidade inicialmente em Congonhas do
Campo foi transferido em 1977 para a Fazenda Boa Esperanccedila e municipalizado em 1988 no
centenaacuterio da aboliccedilatildeo com novo preacutedio no centro da cidade
Eacute possiacutevel supor que o desvio da visitante seja tambeacutem um ruiacutedo quanto agrave origem do
acervo e natildeo apenas da localizaccedilatildeo do Museu Quando visitamos a Fazenda Boa Esperanccedila e laacute
natildeo encontramos uma ldquosenzalardquo ou qualquer objeto relativo agrave escravidatildeo abriu-se uma duacutevida
62 Esse material foi adquirido no Museu do Escravo em Belo Vale Foi elaborado por empresa de consultoria
wwwdejorecombr
113
Onde estariam esses objetos Eacute liacutecito supor que foram transferidos para o Museu no Escravo O
que natildeo eacute correto jaacute que o acervo natildeo veio da fazenda
A indefiniccedilatildeo quanto agrave origem do acervo e a natildeo catalogaccedilatildeo e classificaccedilatildeo dos objetos
em exposiccedilatildeo alimenta essa confusatildeo O Museu do Escravo se apresenta como um lugar de
guarda de objetos do passado Entretanto natildeo eacute possiacutevel acessar o acontecido Houve uma perda
irreparaacutevel pela accedilatildeo do tempo e mesmo que o museu se coloque como aquele capaz de reparar o
ldquosentimento de perdardquo fabricando objetos e cenas para dar visibilidade agravequilo que julga ser
pertinente aos habitantes da cidade e aos visitantes continua existindo obstaacuteculos agrave transparecircncia
pretendida pelas exposiccedilotildees museais
42 - O escravo e o museu
As exposiccedilotildees do Museu estatildeo dispostas pelos seis salotildees do Pavilhatildeo 1 um paacutetio interno
onde foi construiacuteda uma espeacutecie de senzala tambeacutem destinada agrave exibiccedilatildeo de acervo (pavilhatildeo
aos fundos) onde destacam-se cenaacuterios museograacuteficos (Figuras 22 e 23)
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale
MG Fonte httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm
Neste cenaacuterio expositivo convivem diferentes objetos instrumentos de castigo coacutepias de
documentos iconograacuteficos objetos de arte afro-brasileira objetos de uso pessoal e salas com
114
utensiacutelios domeacutesticos como louccedilas e armas e arte sacra originaacuteria da Igreja Matriz que estaacute
localizada ao lado do Museu e que foi transferido ao museu por medida de seguranccedila possiacutevel
O pavilhatildeo dos fundos exibe aleacutem de montagens museograacuteficas como de um escravo
sendo castigado em pelourinho indumentaacuteria moradia e utensiacutelios usados na produccedilatildeo do filme
Zumbi - Quilombo dos Palmares doados pelo cineasta Cacaacute Diegues e um tuacutemulo de escravo
desconhecido
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo
Belo Vale MG Fonte Disponiacutevel em
lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso
em 2011
Projetos de revitalizaccedilatildeo63
do Museu do Escravo foram elaborados para redefinir a
conceituaccedilatildeo museoloacutegica e reformulaccedilatildeo dos moacutedulos da exposiccedilatildeo A principal criacutetica dos
especialistas eacute que se estava diante de ldquoum colecionismo assistemaacutetico sem propoacutesitos cientiacuteficos
ou educativosrdquo ou ldquomostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros (JULIAtildeO sd) Contudo em
visita realizada em 2010 as exposiccedilotildees ainda permaneciam com a mesma organizaccedilatildeo
encontrada nas visitas anteriores Em 2006 quando da visita com os estudantes da turma do 4ordm
63 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de Museus
Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
115
periacuteodo foi possiacutevel confrontar as visotildees historiograacuteficas tambeacutem conflitantes entre si de modo a
elaborar no diaacutelogo com o museu uma narrativa acerca do tema escravismo colonial
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo
Enquanto o Museu se apresenta aos visitantes como o uacutenico no gecircnero em todo o Brasil64
reconstituindo cenaacuterios como senzala pelourinho e tuacutemulo de escravo desconhecido se sobrepotildee
outro discurso museoloacutegico na forma de um projeto de revitalizaccedilatildeo Nesse projeto65
o Museu do
Escravo eacute apresentado como
mostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros no qual os objetos se justapotildeem em
arranjos inusitados e sem criteacuterios Desprovido de qualquer conceituaccedilatildeo o caraacuteter
meramente acumulativo do seu acervo parece atender aos anseios de musealizaccedilatildeo de
uma comunidade ciente de seu passado mas pouco instrumentalizada para a preservaccedilatildeo
de seu patrimocircnio Egrave possiacutevel dizer que o Museu do Escravo transita entre um gabinete
de curiosidade que busca dar mostras dos mais diferentes vestiacutegios do passado
abarcando de achados arqueoloacutegicos a exemplares de maacutequinas do seacuteculo XX sem
qualquer abordagem que permita estabelecer nexos entre os mesmos e a praacutetica
museograacutefica comum em museus americanos de simulaccedilotildees de realidades e contextos a exemplo da arquitetura colonial do preacutedio que o sedia da construccedilatildeo da senzala e do
escravo no pelourinho66
(JULIAtildeO sd)
Quanto agrave linguagem museoloacutegica o documento elaborado pela historiadora Letiacutecia Juliatildeo
eacute taxativo
Embora o imponente casaratildeo encontre-se fisicamente preservado natildeo foi adotado
qualquer recurso comunicativo com o intuito de oferecer informaccedilotildees sobre o conjunto
tombado de modo a promover uma mediaccedilatildeo miacutenima entre o puacuteblico e aquele bem
cultural (JULIAtildeO sd)
A proposta apresentada pela Superintendecircncia de Museus da Secretaria Estadual de
Cultura de MG em parceria com associaccedilotildees locais e oacutergatildeos puacuteblicos eacute uma completa
reformulaccedilatildeo do discurso museoloacutegico do Museu do Escravo O acervo disponiacutevel seraacute
reorganizado em sete moacutedulos temaacuteticos 1) Trabalho escravo e sociedade escravista
64 Site do Museu em wwwdejorecombrbelovaleturismo_museuhtm 65 O Projeto natildeo foi executado A exposiccedilatildeo do Museu do Escravo continua ateacute a presente data com a mesma
arrumaccedilatildeo descrita pelos estudantes na visita em 2006 66 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de
Museus Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
116
(instrumentos de trabalho) 2) Cotidiano escravo (vestuaacuterio alimentaccedilatildeo moradia procedecircncia
dos escravos) 3) Relaccedilotildees de poder e dominaccedilatildeo (castigo e estrateacutegias de persuasatildeo) 4) Formas
de resistecircncia escrava (quilombos revoltas violecircncia cotidiana) 5) Religiosidade (diferentes
manifestaccedilotildees) 6) Imagens do negro e da escravidatildeo (preconceito estereoacutetipos mesticcedilagem) e
7) Cultura afro-brasileira
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo
desconhecido Museu do Escravo Belo Vale 2006
Aleacutem dos moacutedulos que indicam a necessidade de uma ldquoabordagem mais completa das
relaccedilotildees de poder na sociedade escravistardquo o ldquonovordquo discurso museoloacutegico propotildee retirar um
grande volume de objetos do acervo em exposiccedilatildeo permanente e montar pequenas exposiccedilotildees
temporaacuterias temaacuteticas Outra medida eacute destinar uma das alas da ldquosenzalardquo agrave reserva teacutecnica Por
fim eacute recomendado avaliar as ldquomontagens museograacuteficasrdquo como a moradia escrava o escravo no
pelourinho e o tuacutemulo do escravo desconhecido e se mantidas informar ao puacuteblico seu caraacuteter de
ldquosimulaccedilatildeordquo A preocupaccedilatildeo com os tempos histoacutericos tambeacutem eacute explicita quanto se trata do
117
proacuteprio preacutedio Eacute preciso informar que a sede eacute recente para evitar equiacutevocos quanto a sua
ldquoautenticidaderdquo
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo
Frente a essas duas narrativas como se comportam os visitantes Quais aspectos foram
aceitos e quais foram refutados pelos estudantes a partir das narrativas museoloacutegicas do museu e
da revitalizaccedilatildeo Como interpelam e satildeo interpelados pelos objetos museograacuteficos Como
relacionam a cultura material com narrativas historiograacuteficas Como modificam suas concepccedilotildees
a partir do contato com a linguagem museoloacutegica Como os visitantes elaboram uma narrativa
sobre a histoacuteria e a escravidatildeo tomando como referecircncia o Museu do Escravo Interessa tambeacutem
perceber como o Museu compreende o seu proacuteprio acervo e como faz uso dele O acervo se
constitui em prova documental ou eacute elaborado em funccedilatildeo da loacutegica museograacutefica
Destaco a seguir algumas impressotildees dos visitantes sobre o Museu do Escravo Para
Weberton Fernandes da Costa
O Museu do Escravo utiliza como metodologia de organizaccedilatildeo uma ideacuteia marxista de
ver a histoacuteria procurando enfatizar quase que exclusivamente a luta de classe ocorrida
entre senhores e escravos ateacute a aboliccedilatildeo da escravatura assinada pela princesa Isabel durante o reinado de DPedro II colocando o negro como viacutetima e com um pobre
coitado Tudo bem que o regime escravocrata implantado pelos portugueses no Brasil
seguido pelos Senhores de Engenho do accediluacutecar e posteriormente pelos Barotildees do Cafeacute foi
abominaacutevel terriacutevel cruel e jamais esquecido pela humanidade No entanto colocaacute-los
somente em tal posiccedilatildeo exposta pelo museu soacute contribui para a proliferaccedilatildeo do racismo
visto que tal abordagem coloca o negro como um ser inferior e sem cultura natildeo produzia
nada e soacute apanhava (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio Trabalho de Campo Belo
Vale 2006)
O estudante faz uma leitura dos objetos e identifica um criteacuterio de organizaccedilatildeo
cronoloacutegico em meio ao que parece aos teacutecnicos da Superintendecircncia de Museus como ldquoarranjos
inusitados e sem criteacuteriosrdquo Ele estabelece uma linha temporal (imaginaacuteria) que liga os objetos
ldquoacumulados para atender aos anseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ao que aparece como
ldquosem qualquer conceituaccedilatildeordquo ao discurso museoloacutegico percebe-se uma poderosa forma de
explicaccedilatildeo da sociedade a teoria marxista Vejamos o que ele chama de marxismo Haacute uma
ecircnfase na luta de classes O lado da dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo certamente se impotildee e o
dominadoexplorado eacute vencido A batalha vista de hoje transforma o vencido em viacutetima em
118
coitado Uma exposiccedilatildeo sobre os escravos organizada sob o eixo da dominaccedilatildeo X resistecircncia faz
uma abordagem da inferioridade do negro na sociedade escravista Nosso aluno faz a criacutetica
historiograacutefica da exposiccedilatildeo e talvez fizesse o mesmo com uma nova organizaccedilatildeo do acervo Ele
natildeo vecirc apenas um ldquogabinete de curiosidades do seacuteculo XIX ele vecirc uma visatildeo de mundo que
permeia de sentido os ldquoanseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ainda que os objetos se
apresentem de maneira bastante caoacutetica os estudantes caccedilam em meio ao palheiro e fazem
reflexotildees atribuindo outros sentidos e interrogando os indiacutecios para construir uma narrativa
imaginar uma histoacuteria Warleson de Melo Simpliacutecio afirma
O que mais me chamou a atenccedilatildeo foram os objetos que eram utilizados como forma de
puniccedilatildeo dos escravos Todos os objetos vistos representavam ali todo o sofrimento que
os escravos passaram Dentre esses objetos havia um que parecia um sapato de ferro
nele havia um espeto que causaria dor no peacute do escravo que tentasse fugir pois este
espeto furaria o peacute do escravo se ele corresse Havia outros objetos tambeacutem que tinha a
mesma funccedilatildeo como por exemplo um outro modelo de sapato com um guizo que faria
barulho quando o escravo andasse impedindo assim sua fuga (Warleson de Melo
Simpliacutecio Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Diferentemente do visitante anterior que leu apenas a dominaccedilatildeo aqui os ldquoinstrumentos
de torturardquo natildeo remetem agrave submissatildeo mas agrave revolta agrave fuga agrave resistecircncia Os vestiacutegios da
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dominaccedilatildeo falam da resistecircncia Natildeo seriam tantos e tatildeo variados os objetos de castigo se natildeo
houvesse tantas fugas Os escravos natildeo parecem coitados O estudante toma para si a funccedilatildeo de
representaccedilatildeo dos objetos e reencena os gestos contidos na profusatildeo de elementos espalhados
pelos salotildees da exposiccedilatildeo Natildeo eacute necessaacuterio que sejam reorganizados para que falem de maneira
diferente
Outra discussatildeo apresentada eacute sobre a ldquosimulaccedilatildeo de realidades e contextosrdquo Diversos
alunos destacam as reacuteplicas externas como aquelas que mais lhes chamaram a atenccedilatildeo e
justificam suas escolhas Priscila Oliveira dos Santos aponta que
Na parte externa do museu existe uma reacuteplica do corpo de um negro escravo junto ao
tronco onde simula a forma em que os escravos eram maltratados Isto acontecia
principalmente aos domingos que era dia de missas e era dia de folga dos escravos o
que garantiria um puacuteblico maior que os demais dias (Priscila Oliveira dos Santos
Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Mayara Luiz Gurgel de Abreu completa ldquoo que mais me impressionou no museu foi a
reacuteplica em tamanho real de um escravo no tronco que apesar de triste impressiona por ser rica
em detalhes e parecer ser realrdquo
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno
do Museu do Escravo 2006
Diversas fotografias destacam o pelourinho e a senzala Ainda que natildeo haja maiores
indicaccedilotildees e explicaccedilotildees acerca do cenaacuterio natildeo haacute duacutevidas acerca da montagem da simulaccedilatildeo O
discurso do proacuteprio Museu parece direto nesse caso A comunicaccedilatildeo se faz ruiacutedos quanto agrave
120
ldquoautencidaderdquo da cena satildeo recursos de presentificaccedilatildeo claramente entendidos pelos diferentes
alunos Mas nada tatildeo divertido quando brincar no cenaacuterio de Cacaacute Diegues Pode-se ateacute tirar mais
fotografias da turma
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute
Diegues Museu do Escravo 2006
Os estudantes problematizaram os conteuacutedos apresentados pela exposiccedilatildeo do museu
construiacuteram argumentos e procedimentos de interpretaccedilatildeo histoacuterica comprometida com uma
dimensatildeo sensiacutevel e coletiva no presente
Eacute possiacutevel pensar nas fotografias produzidas pelos visitantes de museus como as
apresentadas acima no sentido de Milton Guran (1997) em seu ensaio Fotografar para
descobrir fotografar para contar O corpus fotograacutefico constituiacutedo na pesquisa antropoloacutegica eacute
entendido por Guran como uma sobreposiccedilatildeo de imagens produzidas a partir de imagens
anteriores A anaacutelise destas imagens deve levar em conta o momento da produccedilatildeo e a
especificidade de cada fotografia
Diferentes das fotografias feitas pelo proacuteprio pesquisador ou pelo proacuteprio museu as
fotografias feitas pelos visitantes e assumidas por eles encontram-se impregnadas pelo imaginaacuterio
do proacuteprio grupo ou alguns de seus membros por consequumlecircncia expressa de alguma maneira a
ldquoidentidaderdquo do grupo em questatildeo Enquanto o museu procura uma representaccedilatildeo ldquooriginalrdquo um
espelhamento do que ele possui em seu acervo o visitante coloca-se no jogo da auto-
representaccedilatildeo e transfere para si o poder de espelhamento O visitante compartilha a presenccedila de
um signo e coloca frente ao sentido jaacute traccedilado pelo museu outro rumo uma multiplicaccedilatildeo de
121
conexotildees trajetoacuterias O visitante confere ao sentido imobilizado pelo museu um colorido uma
disposiccedilatildeo para novas referecircncias culturais e dimensotildees poliacuteticas natildeo contidas na matriz
referencial oferecida pelos museus
Cada fotografia oferece os procedimentos de apropriaccedilatildeo do visitante seus gostos uma
esteacutetica uma sensualidade um sentido de presenccedila dos corpos (pessoas ou natildeo) Guran (1997)
aponta que a relaccedilatildeo da fotografia com o imaginaacuterio vai da identidade ndash campo da imaginaccedilatildeo ndash
para a alteridade ndash o lugar dos outros na imaginaccedilatildeo partilhada que o constitui socialmente
No Museu do Escravo estaacute presente a dubiedade do processo de patrimonializaccedilatildeo ou
seja de transformar determinados objetos da cultura material em patrimocircnio histoacuterico O acervo
do Museu do Escravo eacute constituiacutedo pelo colecionismo de um grupo local de objetos ligados
diretamente agrave escravidatildeo e ao trabalho escravo na regiatildeo de Belo Vale Em exposiccedilatildeo no Museu
esses objetos recebem outro tratamento e satildeo articulados num novo espaccedilo de exibiccedilatildeo que inclui
a construccedilatildeo de um local proacuteprio para o circuito e criaccedilatildeo de novos cenaacuterios O uso que os
visitantes fazem dessa exposiccedilatildeo do museu cria novos sentidos para essa memoacuteria histoacuterica Um
desses usos eacute reinscrever esses elementos de uma memoacuteria da escravidatildeo em uma cultura afro-
brasileira contemporacircnea Cria-se assim um circuito no qual as visitas e os visitantes satildeo parte
dos rituais e discursos narrativos do museu e ampliam suas sensibilidades ao mesmo tempo em
que reconhecem no museu um papel formador
122
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio
O Museu Histoacuterico Nacional pode ser considerado como herdeiro de uma tradiccedilatildeo
enciclopeacutedica de museus que desenvolve uma perspectiva de conservaccedilatildeo dos objetos no tempo
No museu ldquohistoacutericordquo o objeto eacute apresentado como um documento seja no cataacutelogo ou nas
exposiccedilotildees ldquoaquele que representa simbolicamente e materialmente a histoacuteriardquo (OLIVEIRA
1998 p68)
Vinculado a um paradigma de preservaccedilatildeo existente desde seacuteculo XV cujo conceito de
uso estaacute relacionado agrave ideia de destruiccedilatildeo o museu funciona como aquela instituiccedilatildeo que defende
o objeto da perda do desgaste e do uso cotidiano Natildeo se admite portanto um uso cultural dos
objetos fora da proteccedilatildeo do museu De um modo geral a relaccedilatildeo do puacuteblico com esse tipo de
museu eacute marcada por essa ambiguumlidade do discurso da conservaccedilatildeo e do patrimocircnio O museu
condena o consumo cultural mas ao mesmo tempo utiliza o status de histoacuterico e de patrimocircnio
como parte de uma induacutestria patrimonial de reapropriaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de determinados
elementos histoacutericos e esteacuteticos (CHOAY 2006 p223)
A atual diretora do Museu Histoacuterico Nacional Vera Luacutecia Bottrel Tostes define a proacutepria
instituiccedilatildeo por era dirigida como uma ldquoinstituiccedilatildeo de memoacuteriardquo aquelas que lutam na linha de
frente contra o esquecimento
Museu Histoacuterico Nacional natildeo poderia omitir-se de participar intensamente das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil
articulando e organizando eventos que visam natildeo apenas celebrar a efemeacuteride mas
trazer agrave luz novas pesquisas sobre singular momento da histoacuteria do Brasil e de Portugal
(TOSTES 2008)
O preacutedio do Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado por sua diretora como anterior agrave
chegada da corte e portanto um lugar adequado ao conhecimento do ldquocontexto histoacutericordquo que
cercou a vinda de D Joatildeo VI e a realizaccedilatildeo de um ldquomemoraacutevel evento histoacuterico-culturalrdquo que
ldquotorna viva a memoacuteria histoacutericardquo (TOSTES 2008)
O Museu Histoacuterico Nacional em suas atuais exposiccedilotildees ainda preserva uma loacutegica
instituiacuteda desde a exposiccedilatildeo de Gustavo Barroso a busca da ldquoautenticidaderdquo em vestiacutegios
123
materiais e um caraacuteter de ldquoverdade comprovadardquo agrave histoacuteria que busca narrar Ou seja na
exposiccedilatildeo apresentada o museu convida os visitantes a natildeo romperem com uma visatildeo de museu-
memoacuteria que considera os objetos como fonte de culto e certificaccedilatildeo da histoacuteria (SANTOS 2006
p50)
A imagem de Dom Joatildeo VI evocada na exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real ressalta a
personalidade do governante em tom quase pessoal o ldquonosso comum priacutencipe regenterdquo e o
acontecimento ndash a vinda da famiacutelia real ndash tecircm uma dupla face que precisa ser igualmente
contemplada os interesses do Brasil e de Portugal A celebraccedilatildeo eacute justamente deste caraacuteter
insoacutelito do acontecimento As comemoraccedilotildees satildeo segundo o cataacutelogo realizadas no Brasil e em
Portugal
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil
regente de Portugal Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807
Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio - A
Corte Portuguesa no Brasil2008 p18
A gravura de Joatildeo Cardini datada de 1807 traz a inversatildeo da figura de Dom Joatildeo VI
priacutencipe do Brasil e regente de Portugal A pergunta a ser feita diante dessa nova imagem poliacutetica
124
do monarca seria se Portugal teria apoacutes 200 anos algo a comemorar em relaccedilatildeo a esse episoacutedio
de sua histoacuteria poliacutetica
O reconhecimento pelo visitante desse gecircnero de museu como habitaccedilatildeo do patrimocircnio eacute
quase imediata Ainda do lado de fora do preacutedio o visitante legitima o museu como patrimocircnio
A estudante Marly Marques Rodrigues diz em seu relatoacuterio de vista ldquoO preacutedio do Museu
Histoacuterico Nacional eacute considerado um dos mais importantes de seu acervo Remonta ao periacuteodo
em que o Brasil era colocircnia de Portugal e os franceses ainda disputavam com os portugueses a
posse da Baia da Guanabara []rdquo Outra visitante apropriando-se de um trecho de um folheto de
divulgaccedilatildeo do museu destaca as concepccedilotildees da instituiccedilatildeo e suas funccedilotildees no momento da visita
Ao trabalhar com as noccedilotildees de memoacuteria histoacuteria e patrimocircnio cultural de forma luacutedica e
educativa o MHN acredita fazer com que o puacuteblico perceba a importacircncia e o papel dos
museus estreitando assim os laccedilos de identidade e afetividade com as instituiccedilotildees
tornando sua presenccedila mais frequumlente e espontacircnea estimulando entre amigos e
familiares a disseminaccedilatildeo dos museus como agentes de mudanccedila e desenvolvimento
(Michelle Oliveira Xavier Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade
Pedro Leopoldo 2008)
A visitante refere-se a uma meta-linguagem do museu Um discurso luacutedico e educativo
sobre a histoacuteria que justificaria as funccedilotildees museais frente a outras instituiccedilotildees de memoacuteria e
patrimocircnio cultural O museu tenta encantar cada visitante para que haja ressonacircncia67
ou seja
para que o poder do objeto exibido alcance um mundo maior e aleacutem de seus limites formais e seja
capaz de evocar em quem os vecirc as forccedilas culturais complexas e as dinacircmicas das quais emergiu
Em seus materiais de divulgaccedilatildeo o Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado como ldquoum
dos mais importantes museus do Brasil com um acervo de milhares de itensrdquo Ligado ao
Ministeacuterio da Cultura atraveacutes do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do
Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional conta com a museoacuteloga Vera Luacutecia Bottrel Tostes na
direccedilatildeo desde 1994
A ideia de preservaccedilatildeo do patrimocircnio nacional estaacute presente no Museu Histoacuterico Nacional
desde sua fundaccedilatildeo em 1922 A museoacuteloga Vacircnia Oliveira (1998) investiga como o conceito de
museu se modifica internamente na proacutepria documentaccedilatildeo e literatura produzida pelo proacuteprio
museu nacional ao longo de sua existecircncia Primeiro como instituiccedilatildeo de guarda das reliacutequias do
67 Gonccedilalves (2005 p15-36) trabalha com essa dimensatildeo da ressonacircncia para entender os objetos culturais e as
estrateacutegias de autenticaccedilatildeo dos objetos
125
passado nacional cultivando os grandes feitos dos heroacuteis nacionais defendida por Gustavo
Barroso ateacute sua morte em 1959 Na deacutecada seguinte a visatildeo de Gustavo Barroso co ntinua sendo
aceita na praacutetica do Museu Nacional o local continua a abrigar objetos ligados aos grandes vultos
da histoacuteria Entre 1979-1992 data limite do estudo da pesquisadora as ideias de museu na
documentaccedilatildeo e no discurso literaacuterio satildeo variadas Uma das referecircncias eacute o movimento da Nova
Museologia que chega ao puacuteblico pela Mesa-Redonda de Santiago organizada pelo ICOM e
referendada em 1984 pela Declaraccedilatildeo do Canadaacute mas que natildeo eacute aceita por todo o campo museal
No Museu Histoacuterico Nacional efetiva-se o peso da tradiccedilatildeo histoacuterica Os objetos tecircm valor
histoacuterico por terem interesse para uma histoacuteria nacional e sua aprendizagem Satildeo reliacutequias raras e
autecircnticas objetos comuns ligados a grandes vultos poliacuteticos e militares que devem ser
recolhidos colecionados e expostos A noccedilatildeo de patrimocircnio atribui uma dimensatildeo quase maacutegica
aos objetos fazendo-os transcender no tempo (CHOAY 2006 p93)
A noccedilatildeo de patrimocircnio ampliada apoacutes a Revoluccedilatildeo Francesa possui sentido de
homogeneizaccedilatildeo de valores Natildeo basta colecionar bens o museu se atribui a funccedilatildeo de servir de
instruccedilatildeo agrave naccedilatildeo reunindo objetos que ensinam o civismo a histoacuteria e outras competecircncias
teacutecnicas Segundo Choay (2006 p 95) museu eacute o nome que se daacute aos depoacutesitos de bens
nacionalizados na Revoluccedilatildeo Francesa e guardam relaccedilatildeo direta com o estabelecimento da
instruccedilatildeo puacuteblica
Para a definiccedilatildeo de patrimocircnio histoacuterico contribuem as motivaccedilotildees de conservaccedilatildeo de
bens condenados o interesse para a histoacuteria a beleza do trabalho e o valor pedagoacutegico Essas
motivaccedilotildees e interesses constituem um valor nacional (educativo) que desencadeiam valores
relativos a conhecimentos especiacuteficos e gerais satildeo testemunhos da histoacuteria permitem construir
uma multiplicidade
Franccediloise Choay (2006) desenvolve um argumento pertinente para se pensar o tipo de
exposiccedilatildeo proposta pelo Museu Histoacuterico Nacional Ao discutir as relaccedilotildees entre os humanismos
e o monumento antigo a autora lanccedila a questatildeo de como eacute um olhar preservador para um objeto
do passado (arte monumento) e como reconhecer esses objetos do passado como monumentos
histoacutericos Para Choay (2006 p34) a apropriaccedilatildeo natildeo eacute um processo de reflexatildeo ou cogniccedilatildeo eacute
um novo valor de uso na vida domeacutestica Os objetos de antiguidade satildeo usados para decoraccedilatildeo
126
das casas preacutedios puacuteblicos e privados os novos valores satildeo atribuiacutedos agrave praacutetica de colecionar tais
objetos prestiacutegio lucro jogo e natildeo simplesmente agrave experiecircncia de beleza (prazer da arte)
O surgimento do chamado monumento histoacuterico se deu em relaccedilatildeo agrave Roma nos seacuteculos
XIV-XV propiciado pelo distanciamento do passado apoiado no projeto de preservaccedilatildeo medieval
Satildeo consideradas atitudes de preservaccedilatildeo a economia e o interesse em reutilizar os edifiacutecios Haacute
tambeacutem um saber literaacuterio que cria uma sensibilidade pelos materiais execuccedilatildeo descriccedilatildeo de
cenas antigas paineacuteis de altares e a admiraccedilatildeo pelo trabalho maravilhoso e a suntuosidade
esteacutetica O valor do patrimocircnio estaacute associado ao maacutegico agrave curiosidade prazer aos olhos Natildeo
tem propriamente um valor histoacuterico eacute modelo para suscitar uma arte de viver e refinamento que
soacute os gregos possuiacuteam (CHOAY 2006 p34-35)
Jaacute os humanistas tomam o patrimocircnio como referente para a interpretaccedilatildeo e estabelecem
condutas relativas agrave heranccedila (legado da antiguidade greco-romana) Ao assumirem uma
perspectiva da alteridade (noacutes somos diferentes deles) os humanistas criam uma distacircncia
simboacutelica Para os humanistas os monumentos da antiguidade vatildeo incorporando as marcas de sua
reutilizaccedilatildeo e a ideacuteia de preservaccedilatildeo comporta novos usos como o deslocamento das colunas de
maacutermore de Roma e a reserva de fragmentos antigos colecionados pelos papas
Nesse movimento do seacuteculo XVIII as medidas de conveniecircncia e interesse histoacuterico
passam a afirmar uma identidade por meio dos monumentos Os tipos de monumentos evocam a
estrutura da vida cotidiana e lanccedilam a memoacuteria para um passado temporal glorioso Essa seria
para Choay a primeira fase do monumento entendido como ldquoantiguidaderdquo e que lanccedila uma
presenccedila visual e uma profunda alteridade com a distacircncia histoacuterica concentrado nas obras e
edifiacutecios da antiguidade do quatrocento
O monumento eacute o sujeito da alegoria do patrimocircnio Ele tem valor de autenticidade
(confirmado pelos livros) eacute testemunho do passado que se consumou eacute arrancado do presente
que o banaliza para fazer a gloacuteria dos seacuteculos que o edificaram Satildeo os humanistas e artiacutefices que
juntos contribuem para a criaccedilatildeo do sentido moderno de patrimocircnio cultural entendido como
heranccedila dos antecessores e legado aos sucessores68
Segundo Choay (2006 p49) os letrados
faziam visitas a Roma mas natildeo lhes interessava os monumentos em si Eles iriam evocar e
68 Gonzalez (2004 p 66) diferencia a concepccedilatildeo francesa da concepccedilatildeo inglesa na formaccedilatildeo do conceito de
patrimocircnio cultural
127
invocar os testemunhos do mundo da escrita suas preocupaccedilotildees eram filosoacuteficas literaacuterias
morais poliacuteticas histoacutericas e natildeo pela forma dos edifiacutecios Jaacute os artiacutefices (homens da arte)
arquitetos e escultores se interessavam propriamente pelas formas dos monumentos
Letrados e artiacutefices do seacuteculo XIV surgem com os amantes e colecionadores da arte antiga
no sentido moderno Os humanistas ensinam a ler e os artiacutefices a ldquover com os olhosrdquo Essa
impregnaccedilatildeo muacutetua marca o territoacuterio da arte articulando-o com a histoacuteria para formar o
monumento histoacuterico Uma vez instituiacutedo o monumento o conhecimento histoacuterico passa a ser o
uacutenico necessaacuterio na compreensatildeo das antiguidades natildeo eacute necessaacuterio mais um julgamento esteacutetico
(CHOAY 2006 p50)
No seacuteculo XIV o monumento histoacuterico soacute pode ser antigo e a arte soacute pode ser antiga ou
contemporacircnea A galeria como espaccedilo fiacutesico de exposiccedilatildeo soacute aparece no seacuteculo XVI A coleccedilatildeo
de arte vai se diferenciando da sala de curiosidades e precede o Museu De caraacuteter privado ela
oferece o exemplo da abertura pela primeira vez ao puacuteblico das coleccedilotildees pontificiais do capitoacutelio
(CHOAY 2006 p50-52)
Pomian (1978 p51) distingue as coleccedilotildees e colecionadores de antiguidades do
quatrocento dos gabinetes de curiosidade (museum de natureza e humanos) da Idade Meacutedia que
sobreviveriam ateacute o Iluminismo A tarefa inicial de preservaccedilatildeo cabia aos papas assim como as
medidas de restauraccedilatildeo proteccedilatildeo e as regras de expropriaccedilatildeo para utilidade puacuteblica Um
monumento histoacuterico ateacute o seacuteculo XIV era constituiacutedo de trecircs discursos perspectiva histoacuterica
perspectiva artiacutestica e outra da conservaccedilatildeo A ambiguumlidade do discurso de conservaccedilatildeo segundo
Pomian eacute ldquotranquumlilizar a consciecircncia e justificar a demoliccedilatildeo realrdquo (POMIAN 1978 p51-86)
A discussatildeo sobre a invenccedilatildeo do monumento histoacuterico e da noccedilatildeo de patrimocircnio tem um
encaminhamento distinto segundo Franccediloise Choay (2006 p144) que pode ser visto em duas
alegorias advindas da ambiguumlidade que ela apontara anteriormente no discurso de conservaccedilatildeo
tranquumlilizar a consciecircncia e justificar a destruiccedilatildeo efetiva A partir do seacuteculo XIX a noccedilatildeo de
patrimocircnio vai comportar trecircs abordagens o monumento histoacuterico a cidade histoacuterica e o museu
histoacuterico As trecircs abordagens vatildeo se desdobrar em figuras distintas Primeiro a figura memorial
que envolve toda a malha do patrimocircnio intangiacutevel a ser protegido Segundo a figura de toda a
cidade como desempenhando o papel de monumento capaz de dar liccedilotildees contra o esquecimento
E terceiro a figura museal uma figura histoacuterica que se destaca pela resposta que eacute capaz de dar
128
ao problema do patrimocircnio No museu e natildeo apenas nele se faz presente a figura museal que
reuacutene um caraacuteter conservador e outro destruidor
A figura museal ameaccedilada de desaparecimento eacute concebida como um objeto raro
fraacutegil precioso para arte e para a histoacuteria e que como as obras conservadas nos museus
deve ser colocada fora do circuito da vida Tornando-se histoacuterica ela perde sua
historicidade (CHOAY 2006 p191)
Choay (2006) aponta que a funccedilatildeo museal natildeo se daacute apenas nos museus O ato de isolar
fragmentos e colocaacute-los lado a lado protegendo o original eacute que os transforma em objetos de
museu Retira-lhes o valor de uso para lhes conferir o valor histoacuterico (museal) Eacute esse valor
histoacuterico que os visitantes reconhecem nos objetos pelo fato de serem expostos em um museu Os
museus satildeo visitados como monumentos como patrimocircnio ou seja como objetos natildeo
consumiacuteveis embora seja reconhecido o seu caraacuteter de produto cultural numa economia de bens
simboacutelicos O museu passa de templo da arte como era o British Museum no seacuteculo XIX para
um museu capaz de proteger todo o patrimocircnio mundial e cultural na Convenccedilatildeo da Unesco de
1972 (CHOAY 206 p216) O proacuteprio museu passa a ser considerado um dos dispositivos do
culto ao patrimocircnio ou uma museificaccedilatildeo de amplos campos e tipos de atividades humanas O
museu que era uma instituiccedilatildeo tornou-se uma mentalidade (CHOAY 2006 p247) e ampliou
seu poder didaacutetico e sua capacidade de
edificar ou captar a duraccedilatildeo e de abrigar o espaccedilo e retardar aiacute seu desdobramento
orientando-o para o sentido o mais capaz de servir de iniciaccedilatildeo agrave alteridade humana o
mais temiacutevel tambeacutem que aprisiona ou liberta e cujo poder criador soacute pode ser
experimentado quando se entrega a ele de forma indissociaacutevel a inteligecircncia e o corpo
(CHOAY 2006 p254)
Natildeo haacute como esperar de um museu histoacuterico uma postura reflexiva e retrospectiva quando
trabalha com a memoacuteria Diferente das perguntas que orientam a escrita da historia pelos
historiadores o discurso do museu mesmo elaborado por especialistas e dentre eles
historiadores renomados natildeo faz a interdiccedilatildeo dos sentimentos morais da reverecircncia e o respeito
ao valor sagrado do passado O museu se coloca no lugar do memorial conservando o culto aos
monumentos do passado situado no presente tem por funccedilatildeo continuar a mobilizar a memoacuteria e
deliberadamente lutar contra a praacutetica do esquecimento promovendo uma co-habitaccedilatildeo
institucionalizada para o patrimocircnio Ao estabelecer um plano de visitas o museu eacute expliacutecito em
129
relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo de proteccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do patrimocircnio Resguardar tornar intocaacuteveis
manter fora do alcance em aacutereas protegidas o culto do patrimocircnio No museu ldquoo visitante estaacute
condenado ao percurso arrastado numa marcha que catapulta as imagens das obras umas sobre as
outras para finalmente quebraacute-las em mil fragmentos (CHOAY 2006 p217)
Haacute no Museu Histoacuterico Nacional uma dimensatildeo que fixa e estabiliza uma determinada
visatildeo da histoacuteria poliacutetica que produz e reproduz hierarquias sociais ideologias e assume um papel
na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo criando legitimidades sociais (ANDERSON 2008
p 208)
Acredito que o Museu Histoacuterico Nacional como instituiccedilatildeo carrega como legado o
sentido poliacutetico de museu moderno tal como definido por Benedict Anderson (2008 p268) Eacute um
museu que se constitui primeiramente como Museu Real e depois como Museu Nacional e hoje
passa pela revisatildeo de seu caraacuteter ldquonacionalistardquo frente agraves novas demandas por representaccedilatildeo de
identidades raciais eacutetnicas de gecircnero e multiculturais69
Ligado diretamente ao Estado o MHN produz materiais e disponibiliza imagens que satildeo
reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de modo que a
musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade nacional70
O Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional publicado em 195771
quando Gustavo
Barroso ainda era seu diretor traz ao puacuteblico as dimensotildees do museu para a eacutepoca Do ponto de
vista do espaccedilo fiacutesico o museu ocupava inicialmente duas salas que davam para a entrada
principal chamada Portatildeo da Minerva (Figura 30) Depois da exposiccedilatildeo de 1922 passou para a
Casa do Trem e outra ala do edifiacutecio Agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo do Guia do Visitante ocupava mais
de quarenta salas galerias escadarias vestiacutebulos arcadas e paacutetios o que natildeo possibilitava exibir
todo o acervo
69 O proacuteprio MHN realiza desde 1990 o projeto Espaccedilo Museu ndash Construccedilatildeo do Saber iniciado pelos museoacutelogos
Mario de Souza Chagas e Ruth Beatriz Silva Caldeira de Andrada voltado para professores e outros profissionais
que procuram o setor educativo do Museu Ver Rodrigues e Gouveia (2006) 70 Santos (2006) analisa a loacutegica expositiva do Museu Histoacuterico Nacional desde sua fundaccedilatildeo em 1922 ateacute a deacutecada
de 1980 e estabelece uma ldquotipologiardquo que o caracteriza sob a gestatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959) como um
museu-memoacuteria entre as deacutecadas de 1960 e 1970 como um museu-narrativa e a exposiccedilatildeo instalada nos anos de
1980 como um museu-siacutentese 71 Santos (2006) e Chagas (2003) realizam importantes anaacutelises sobre o MHN e seu fundador Gustavo Barroso A
escolha do Guia de 1957como referecircncia para anaacutelise tem por objetivo fazer um contraponto entre o Museu deixado
por Barroso (1959) e o visitado em 2008
130
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional
Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da
Minerva Entrada do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da
Cultura IPHAN Guia do Visitante sd
131
O Museu no Guia do Visitante de 1957 jaacute definia que sua funccedilatildeo natildeo era apenas a de
mostruaacuterio de objetos histoacutericos mas tambeacutem de pesquisa em colaboraccedilatildeo com instituiccedilotildees de
cultura imprensa raacutedio cinema e teatro Os ldquoAnais do Museu Histoacuterico Nacionalrdquo72
eram a
traduccedilatildeo desse esforccedilo dos pesquisadores do museu O Museu se apresenta como um estudioso da
histoacuteria em relaccedilatildeo a um puacuteblico que deseja documentar com filmes e peccedilas de fundo histoacuterico O
Museu oferece nesses casos cenaacuterios indumentaacuteria caracterizaccedilatildeo de personagens tradicionais
costumes e ateacute composiccedilatildeo de diaacutelogos
Para a imprensa fornece fotografias objetos e informaccedilotildees de pessoas O museu tambeacutem
oferece curso desde 1932 para preparar teacutecnicos de museus e gabinetes de restauraccedilatildeo de quadros
e objetos de arte Formou um arquivo histoacuterico com fotografias e documentos e uma biblioteca
especializada (GUIA 1957 p13)
Myriam Sepuacutelveda Santos (2006) busca compreender a concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoembutidardquo
nas propostas de Gustavo Barroso e suas afinidades com a histoacuteria trabalhada atualmente no
MHN Para a autora a histoacuteria apresentada e trabalhada pelo MHN na gestatildeo de Barroso era
vinculada agrave questatildeo da ldquonacionalidaderdquo e ao ldquoculto da saudaderdquo entendido como uma perspectiva
de manter viva a tradiccedilatildeo com uma metodologia memorialiacutestica e uma concepccedilatildeo de tempo
descontiacutenuo ignorando as tendecircncias de uma histoacuteria mais atual (SANTOS 2006 p35-6)
O proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional reconhece que a partir da deacutecada de 1960 essa
concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoanacrocircnicardquo levara a uma crise institucional e o afastamento do MHN com
relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo cultural intelectual e artiacutestica (SANTOS 2006 p55) Assim passa a
empreender diversas accedilotildees como a realizaccedilatildeo de Seminaacuterios Internacionais a partir de 1997 e a
proposiccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave ldquocomunicaccedilatildeordquo e ldquoeducaccedilatildeordquo para um puacuteblico mais amplo
notadamente o puacuteblico escolar visando agrave construccedilatildeo da nacionalidade
Trazer o Guia do Visitante de 1957 para a discussatildeo eacute uma espeacutecie de provocaccedilatildeo Uma
revisatildeo na forma de exposiccedilatildeo mudaria a concepccedilatildeo de histoacuteria do museu Essa questatildeo cabe
tambeacutem em relaccedilatildeo ao Museu do Escravo Em que medida uma nova museografia eacute suficiente
para introduzir outras concepccedilotildees de histoacuteria nos museus
72 Myrian Sepuacutelveda Santos (2006 p50-1) indica que O MHN contribui para o estabelecimento de padrotildees de
pesquisa com base em criteacuterios arqueoloacutegicos e filoloacutegicos de documentos e manuscritos que ajudam a consolidar a
ldquomoderna histoacuteriardquo e a diferenciaacute-la dos antigos antiquaacuterios Os Anais do MHN e o Curso de Museus satildeo destaques
dessa poliacutetica da instituiccedilatildeo sob a direccedilatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959)
132
Eacute importante destacar esse aspecto da conservaccedilatildeo do acervo pois no Guia do Visitante
de 1957 a Sala Brasil-Portugal guardava as louccedilas pertencentes a D Joatildeo VI Nas paredes da
sala Brasil-Portugal vecirc-se a evoluccedilatildeo das armas nacionais nos periacuteodos monaacuterquicos nas da Sala
dos Vice-Reis os escudos heraacuteldicos dos quinze Vice-Reis do Estado do Brasil Essa disposiccedilatildeo
dos objetos natildeo existe mais mas o lugar reservado agrave figura de Dom Joatildeo VI jaacute estava
estabelecido definitivamente no Museu Histoacuterico Nacional
A entrada pelo ldquoPortatildeo da Minervardquo jaacute levava a um paacutetio com vaacuterios ldquovultos histoacutericosrdquo
sob as arcadas A primeira dependecircncia a ser visitada eacute chamada de ldquoArcada dos Descobridoresrdquo
Nela estatildeo ldquovultosrdquo que caracterizavam as ldquoeacutepocas e atividades principais da civilizaccedilatildeo
brasileirardquo Nas paredes os brasotildees de D Manuel o Venturoso Pedro Aacutelvares Cabral Pero Vaz
de Caminha e os capitatildees da armada que descobriu o Brasil (GUIA 1957 p17) Para completar o
cenaacuterio e o simbolismo da unidade Brasil e Portugal duas palmeiras imperais plantadas em 1955
a da direita com a terra de todos os Estados e territoacuterios do Brasil e aacutegua do rio S
Francisco pelo presidente Joatildeo Cafeacute Filho a da esquerda com a terra de Portugal areia
da praia de Porto Seguro e aacutegua do Tejo pelo Embaixador portuguecircs Antocircnio de Faria
(GUIA 1957 p20-1)
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico
Nacional
133
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
O conceito de evidecircncia material trabalhado pelo museu natildeo eacute o mesmo utilizado pela
historiografia Enquanto no museu a exposiccedilatildeo visa ldquoilustrarrdquo uma interpretaccedilatildeo historiograacutefica
gerada em outros lugares (textos ensaios livros) a historiografia trata a cultura material como
fonte de pesquisa
Do ponto de vista dos visitantes a funccedilatildeo do acervo natildeo eacute documental e ao mesmo tempo
jaacute eacute uma versatildeo da histoacuteria A forma de apresentaccedilatildeo dos objetos ainda daacute o status de
testemunhos mostrando a importacircncia da materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das
narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma de reunir um acervo que natildeo pertence ao museu
lhe confere maior poder de criar visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Michele Oliveira Xavier que reuacutene novamente o acervo
do museu apoacutes sua visita Ela recria seu percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em
uma nova exposiccedilatildeo
134
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
O percurso da visitante pelo Museu Histoacuterico Nacional cria uma nova coleccedilatildeo agora
pertencente agrave estudante Reunidos em um novo museu imaginaacuterio figuram escadaria de acesso ao
andar superior com a escultura equumlestre de Dom Pedro II de Francisco Manoel Chaves Pinheiro
um veiacuteculo de transporte de traccedilatildeo animal que faz parte da exposiccedilatildeo permanente desde 1925 e
hoje intitulada do ldquoDo moacutevel ao automoacutevel transitando pela histoacuteriardquo dois detalhes da exposiccedilatildeo
que foi visitada pelo grupo uma pena e uma coroa de ouro
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros
A Histoacuteria como disciplina acadecircmica entende e faz uso dos museus para desenvolver
pesquisas sobre a cultura material (arqueologia etnografia histoacuteria da arte) que soacute satildeo possiacuteveis
com pesquisa de campo e consulta a documentaccedilatildeo visual (fotos pinturas objetos
tridimensionais) e coleccedilotildees abrigadas nos museus (SUANO 1986 p75)
A historiografia contemporacircnea tem mostrado interesse pelo tema do patrimocircnio da
memoacuteria e dos museus Principalmente pelas relaccedilotildees entre os museus a naccedilatildeo e a histoacuteria-
135
memoacuteria nacional Dominique Poulot (2011) Pierre Nora (1982 1994) mudam o enfoque em
relaccedilatildeo agrave histoacuteria e as formas de estudar os museus relacionando as instituicotildees culturais com as
estruturas sociais que lhes deram origem e com seu caraacuteter instrumental em relaccedilatildeo aos poderes
constituiacutedos (BREFE 1998 p88)
A exposiccedilatildeo museal passa a ser vista como o principal meio pelo qual o passado eacute
publicado e apresentado A funccedilatildeo central dos museus eacute oferecer aos olhos do puacuteblico uma seacuterie
de procedimentos que pretendem falar diretamente ao visitante usando recursos que podem ser
chamados de ldquoembalagemrdquo dos objetos um cenaacuterio ou cena iluminaccedilatildeo embelezamento
midiaacutetico e escolhas de aspectos pitorescos ou estereoacutetipos (CHOAY 2006 p240)
Os museus tambeacutem procuram valorizar as informaccedilotildees trazidas pelos objetos (obras)
inaugurando uma criacutetica fundada na experiecircncia visual e na apreensatildeo direta das obras e natildeo mais
na leitura de textos Antes mesmo do conteuacutedo de cada exposiccedilatildeo e das particularidades do
acervo de cada instituiccedilatildeo haacute a reivindicaccedilatildeo do museu por tornar puacuteblica uma determinada
coleccedilatildeo e a preservaacute-la
Se haacute uma praacutetica patrimonial por parte dos museus e no caso do Museu Histoacuterico
Nacional essa praacutetica se refere a uma ldquorememoraccedilatildeordquo dos acontecimentos fundadores da naccedilatildeo de
modo a invocar o passado como forma de manter e preservar a identidade de uma comunidade
nacional o museu se coloca como capaz de desenvolver uma grande narrativa nacional
O Museu Histoacuterico Nacional cria formas simboacutelicas dentro de regras mais amplas de
codificaccedilatildeo da linguagem museoloacutegica Isso pode ser explorado tanto no relato escrito pelos
visitantes e em suas fotografias quanto nos impressos produzidos pelo proacuteprio museu voltados a
diferentes puacuteblicos como o cataacutelogo da exposiccedilatildeo e o material educativo voltado agrave comunidade
escolar
O MHN natildeo poderia ficar de fora dos festejos de ldquoum grande acontecimento que marcou a
histoacuteria do Brasilrdquo Festejar as datas nacionais faz parte da agenda do Museu As escolas podem
agendar e fazer visitas especiacuteficas nestas ocasiotildees Aleacutem de ter um acervo o museu nacional tem
por missatildeo dar a conhecer a Histoacuteria do Brasil O MHN fala portanto desse lugar conceituado e
de culto agrave memoacuteria de transmissatildeo agraves novas geraccedilotildees do legado dos antepassados Tambeacutem aqui
entra uma avaliaccedilatildeo do Museu sobre o que guardar preservar e expor satildeo obras raras ineacuteditas
136
originais nunca reunidas ou vistas Soacute um grande Museu pode reunir esse conjunto realizar esse
feito
A narrativa do Museu Histoacuterico Nacional fica mais expliacutecita quando se percebe que essas
comemoraccedilotildees ocorreram de forma mais enfaacutetica no Rio de Janeiro e satildeo divulgadas por
emissora de televisatildeo de projeccedilatildeo nacional dando ecircnfase ao fato de que a vinda da Corte
portuguesa transforma ldquoa nossa cidaderdquo segundo o material educativo em Capital do Impeacuterio
Luso projetando imagens de desenvolvimento econocircmico e poliacutetico comuns na historiografia
brasileira ao longo dos seacuteculos XIX e XX
O esforccedilo do prefeito do Rio de Janeiro empresas privadas e autoridades portuguesas para
criar esse evento cercado de discursos nacionalistas e patrioacuteticos culmina no estabelecimento de
uma comissatildeo oficial para as Comemoraccedilotildees da Chegada de D Joatildeo e da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro que teve por coordenador Alberto da Costa e Silva e contou com a consultoria de Liacutelia
Schwarcz que elaborou um Calendaacuterio das Comemoraccedilotildees marcado por exposiccedilotildees debates
apresentaccedilotildees musicais publicaccedilotildees entre outubro de 2007 a dezembro de 2008 A exposiccedilatildeo do
Museu Histoacuterico Nacional eacute considerada como
a uacutenica exposiccedilatildeo prevista na agenda de eventos do Rio de Janeiro que enfatizaraacute os
aspectos econocircmicos poliacuteticos e culturais da vinda da famiacutelia real portuguesa dando a oportunidade aos brasileiros de conhecerem melhor o contexto histoacuterico que cercou D
Joatildeo VI o primeiro monarca europeu a atravessar o oceano Atlacircntico e o responsaacutevel
pelo estabelecimento da sede do maior impeacuterio das Ameacutericas entrelaccedilando para sempre
a histoacuteria do Brasil e de Portugal (ltwwwriorjgovbrculturasgt Acesso em maio de
2008)
Eacute possiacutevel explorar um pouco mais a ideia de circuito da cultura a partir dos dispositivos
visuais e narrativos propostos pelo Museu Histoacuterico Nacional na exposiccedilatildeo comemorativa dos
duzentos anos da vinda da Famiacutelia Real ao Brasil apresentada no Rio de Janeiro em 2008
Enquanto a visatildeo de histoacuteria apresentada pelo museu implica em ldquocelebrarrdquo no sentido de
ter veneraccedilatildeo pelo passado ou tradiccedilatildeo agrave medida que a cultura eacute exposta ela eacute revestida de outros
sentidos menos transcendentes O visitante resiste culturalmente e estabelece uma distacircncia que o
diferencia do que o museu e sua exposiccedilatildeo estatildeo propondo Ainda que haja um efeito de
encantamento ele natildeo chega a bloquear as imagens circundantes e silenciar tudo em volta do
objeto Os visitantes reconhecem que o museu promove uma das exposiccedilotildees mais importantes
137
sobre a eacutepoca da corte no Brasil que seu acervo eacute enorme mas natildeo deixam de observar a falta de
um tema
Percebi ali uma idealizaccedilatildeo de padratildeo de vida e uma inibiccedilatildeo sobre um tema que
predominava durante todo o seacuteculo XIX a escravidatildeo Natildeo vimos pela cidade sequer
vestiacutegios de que ali viviam em maior porcentagem a populaccedilatildeo escrava que trabalhava
para a coroa Uma espetacularizaccedilatildeo da cultura onde monumentos e documentos ganham valor extraordinaacuterio e perdem muitas vezes em se mostrar o valor real daqueles objetos
principalmente no Museu Histoacuterico Nacional (Priscila Braga Gonccedilalves Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A estudante analisa a exposiccedilatildeo comemorativa do Museu Histoacuterico Nacional a partir de
sua formaccedilatildeo histoacuterica Faz uma criacutetica historiograacutefica e cultural Ela identifica um excesso e
uma falta na abordagem do museu Sobra encenaccedilatildeo e falta um conteuacutedo agraves comemoraccedilotildees da
vinda da famiacutelia real Eacute uma criacutetica que tem por fundamento o que a visitante jaacute estudou sobre a
historiografia brasileira A criacutetica a espetacularizaccedilatildeo da cultura eacute marcada pela forma como o
museu trabalha com os objetos O museu transforma os documentos em monumentos ao atribuir-
lhes um valor extraordinaacuterio ou seja de raridade de curiosidade e natildeo de vestiacutegios ou
testemunhos A histoacuteria do Brasil apresentada pelo Museu Histoacuterico Nacional eacute uma versatildeo
idealizada e excludente em relaccedilatildeo a outras versotildees historiograacuteficas
Embora a ideacuteia de Naccedilatildeo natildeo apareccedila de forma expliacutecita no tiacutetulo da exposiccedilatildeo eacute em torno
desse conceito que se organiza toda a loacutegica do Museu Histoacuterico Nacional73
O Museu Histoacuterico
Nacional continua promovendo comemoraccedilotildees e de certa forma manteacutem viva a tradiccedilatildeo de
transmutaccedilatildeo da memoacuteria coletiva em memoacuteria histoacuterica ao proteger a ldquoheranccedila monumental da
naccedilatildeordquo O museu faz uma revisatildeo dos heroacuteis e aplica uma nova camada de sentido ou valor ao
passado Os valores nacionais introduzidos no presente pelo museu funcionam como uma
pedagogia do civismo uma memoacuteria histoacuterica que eacute mobilizada pelo sentimento de
pertencimento ao nacional um laccedilo com o passado e com a identidade (referecircncia)
Do ponto de vista do museu a exposiccedilatildeo eacute celebrativa mas o poder de escrever a histoacuteria
com objetos soacute se efetiva se as portas do museu estiverem abertas agrave aprendizagem e agraves posturas
investigativas em relaccedilatildeo agraves atitudes do proacuteprio museu no tratamento dos temas da memoacuteria e do
patrimocircnio
73 Bittencourt (2003 p156-7) chama a atenccedilatildeo para a constituiccedilatildeo de outros tipos de museus de histoacuteria nacional
vinculados ao Estado mas voltados para as coisas do ldquopovordquo e da ldquoculturardquo
138
A primeira atitude do grupo de estudantes de graduaccedilatildeo em Histoacuteria em visita agraves
exposiccedilotildees em comemoraccedilatildeo aos duzentos anos da Vinda da Famiacutelia Real Portuguesa ao Brasil eacute
avaliar como o museu apresenta os objetos A trilha deixada pelo museu nos visitantes eacute em um
primeiro plano a aceitaccedilatildeo dos paracircmetros elaborados pela exposiccedilatildeo Entretanto muitos
visitantes fazem ressoar a ideia do museu como aquele que escreve a histoacuteria com os objetos de
seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A novidade na observaccedilatildeo da estudante eacute a criaccedilatildeo de uma referecircncia de identidade
profissional do grupo de visitantes ldquonoacutes historiadoresrdquo O uso do museu histoacuterico eacute pelo que ele
traz de objetos A organizaccedilatildeo a classificaccedilatildeo pode ser feita pelos visitantes que entendem como
funciona a montagem e desmontagem de exposiccedilotildees e podem usar livremente de criteacuterios
diferentes daqueles adotados pelo museu
A concepccedilatildeo de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional estaacute materializada nos
objetos selecionados e dispostos nas exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias Na visita agrave exposiccedilatildeo
comemorativa da vinda da corte portuguesa observa-se que existem acontecimentos fundamentais
na formaccedilatildeo da sociedade brasileira e eles estatildeo estabelecidos pelo Museu como marcos
cronoloacutegicos 1808-1822
A concepccedilatildeo de uma histoacuteria integrada ou ldquomomentos simboacutelicos comuns da histoacuteria do
Brasil e de Portugalrdquo (TOSTES 2000 p7) jaacute vinha sendo trabalhada pelo MHN e foi
apresentada tanto no ldquoSeminaacuterio Internacional D Joatildeo VI um rei aclamado na Ameacutericardquo
realizado em 2000 quanto em duas outras exposiccedilotildees realizadas nas dependecircncias do MHN
como parte das comemoraccedilotildees dos descobrimentos portugueses
A demanda por ldquorememoraccedilatildeordquo desta histoacuteria poliacutetica eacute parte desta visatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Haacute por parte do Museu um reforccedilo da identidade nacional em detrimento de
outras demandas por valorizaccedilatildeo de um patrimocircnio cultural local e regional Esta visatildeo
integradora da cultura presente no Museu Histoacuterico Nacional contrasta com as orientaccedilotildees da
139
Poliacutetica Nacional de Museus de 2003 que define o papel dos museus como ldquodispositivo
estrateacutegico de aprimoramento dos processos democraacuteticosrdquo e a ldquonoccedilatildeo de patrimocircnio cultural do
ponto de vista museoloacutegicordquo implica na ldquorelaccedilatildeo dos diferentes grupos sociais e eacutetnicos com os
diversos elementos da natureza bem como a respeito das culturas indiacutegenas e afrodescendentesrdquo
(BRASIL 2003 p 8)
Reginaldo Santos Gonccedilalves em prefaacutecio ao livro de Myriam Sepuacutelveda dos Santos
(2006) defende que o museu pode ser pensado como um ldquosistema mais ou menos coerente de
relaccedilotildees sociais e culturais variando no tempo e no espaccedilordquo Os museus satildeo como teias de
pensamento nas quais as instituiccedilotildees satildeo discursivamente articuladas As categorias de
pensamento como histoacuteria naccedilatildeo memoacuteria e passado satildeo articuladas em linguagens
museoloacutegicas tipos de objetos materiais formas de colecionismo classificaccedilatildeo e exibiccedilatildeo que
circulam aleacutem dos muros e tem efeitos no cotidiano dos cidadatildeos (GONCcedilALVES apud
SANTOS 2006 p3-4)
O papel formador dos museus eacute dado por esse seu caraacuteter de impor uma determinada
ordem sobre os objetos materiais mediado por categoriais disciplinares da histoacuteria e constituir
uma escrita museoloacutegica No caso do Museu Histoacuterico Nacional Myriam Sepuacutelveda dos Santos
distingue um museu-memoacuteria nos primeiros anos de existecircncia do MHN e um museu-narrativa a
partir dos anos de 1980
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo74
tambeacutem apresenta os objetos histoacutericos pelo fato de que teriam
pertencido a vultos poliacuteticos retratos armas armaduras tronos moacuteveis moedas medalhas A
proposta de exposiccedilatildeo em 2008 pelo MHN se pauta por estes objetos pois no primeiro cataacutelogo
publicado pela instituiccedilatildeo em 1924 jaacute constavam as salas dos Tronos e do Cetro com ldquograndes
peccedilas de mobiliaacuterio pertencentes ao rei D Joatildeo VIrdquo (BITTENCOURT 2003 p158)
Uma exposiccedilatildeo museal em geral tem um custo financeiro e operacional significativo e eacute
viabilizada com parcerias de diversas instituiccedilotildees que contribuem para realizaccedilatildeo do evento O
cataacutelogo da exposiccedilatildeo comemorativa aos duzentos anos da Vinda da Corte Portuguesa ao Brasil
intitulada Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
realizada pelo Museu Histoacuterico Nacional em sua sede no Rio de Janeiro em 2008 registra
74 Os estudantes natildeo tiveram acesso a esse cataacutelogo Ele foi adquirido em momento posterior agrave visita presencial ao
museu
140
agradecimentos a museus de Portugal agrave Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian a bancos a banqueiros e
a instituiccedilotildees de patrimocircnio ligadas ao Ministeacuterio da Cultura do governo brasileiro como o
IPHAN
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo
Mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo traz os textos dos organizadores e suas intenccedilotildees Nenhuma
comemoraccedilatildeo passa incoacutelume pela disputa poliacutetica por memoacuterias e narrativas E esta tensatildeo pode
ser vista jaacute no texto de apresentaccedilatildeo do cataacutelogo intitulado Palavras preacutevias Nele o entatildeo
ministro de Estado da Cultura o muacutesico Gilberto Passos Gil Moreira abre oficialmente a mostra
do Museu Histoacuterico Nacional reconhecendo a vinda da famiacutelia real portuguesa em 1808 como
um evento fundador da ldquoidentidade nacionalrdquo e da ldquonaccedilatildeordquo Entretanto aos olhos do ministro a
chegada da corte eacute uma heranccedila cheia de ldquodor da colonizaccedilatildeo e perversa submissatildeo dos
afrodescendentesrdquo Em seguida volta a reconhecer que essa mesma cultura europeacuteia ou
portuguesa que aqui chegou permitiu que o Brasil se tornasse uma ldquoimensa paacutetria caldeiratildeo para
todas as culturas e berccedilo mesticcedilo de uma nova civilizaccedilatildeo ainda em processordquo
O ministro de um lado parece criticar a ldquogrande narrativa da naccedilatildeordquo que eacute excludente
com os afrodescendentes mas de outro lado conecta a narrativa proposta pelo Museu Histoacuterico
141
Nacional ao sentido que lhe atribui Anderson (2008) como parte da construccedilatildeo de uma
ldquocomunidade imaginadardquo da qual todos fazem parte
Gilberto Gil atribui ao evento comemorado um caraacuteter histoacuterico fundador da
nacionalidade Eacute a vinda da famiacutelia real que daacute iniacutecio e cria uma linha de continuidade um
sentido duradouro de ldquodestino nacionalrdquo que preacute existe e continuaraacute existindo apoacutes a morte dos
sujeitos concretos que dele participaram Em seguida o ministro interpreta a tradiccedilatildeo ou a
heranccedila que nos prende a este passado como uma continuidade poliacutetica uma cultura de longa
duraccedilatildeo da qual ldquoprecisa-serdquo no sentido de Fernando Pessoa (navegar eacute preciso) voltar sempre e
fazer referecircncia jaacute que se constitui como a origem da naccedilatildeo
O Brasil concebido por Gilberto Gil deseja perpetuar a heranccedila portuguesa mas
reconhece que essa heranccedila natildeo foi capaz de unificar os diferentes membros da naccedilatildeo em um soacute
sujeito em termos de homogeneidade cultural Haacute diferenccedilas entre culturas etnias e raccedilas Com a
metaacutefora da antropofagia ldquoque assimila e digere o que chega a ser devolvido em inovaccedilatildeo em
invenccedilatildeo e indiferenccedilardquo o ministro reforccedila a ambiguumlidade do acontecimento (TOSTES 2008
p10)
Entretanto ao revisitar a tradiccedilatildeo portuguesa o ministro natildeo pode deixar de reinventaacute-la
Natildeo haacute um elogio da colonizaccedilatildeo a ecircnfase recai na ldquodor dos afrodescendentesrdquo que a estudante
Priscila Braga Gonccedilalves identificou continuam natildeo sendo representados na exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional
A apresentaccedilatildeo da exposiccedilatildeo comeccedila entatildeo com a cena marcada pela ambiguumlidade A
presenccedila fiacutesica de um afrodescendente que ocupa o cargo poliacutetico de ministro da Cultura de um
governo que denuncia a exclusatildeo social e promove poliacuteticas puacuteblicas de igualdade racial e
representaccedilatildeo de identidades na abertura de numa exposiccedilatildeo que lhe provoca ldquodorrdquo
Jaacute o presidente da Fundaccedilatildeo Colouste Gulbenkian patrocinadora da exposiccedilatildeo Emiacutelio
Rui Vilar ressalta que a exposiccedilatildeo
reuacutene mais 300 peccedilas e documentos ineacuteditos que constituem interessantes e apelativos
testemunhos capazes de transportar o visitante para a eacutepoca que o Rio de Janeiro se
tornou a sede da corte portuguesa e em que as artes europeacuteias entraram em frutuoso
diaacutelogo com o clima acolhedor e com as belas paisagens do Brasil (TOSTES 2008)
142
Em alguma medida esse caraacuteter documental e monumental da exposiccedilatildeo eacute reconhecido
pelos visitantes que tambeacutem descrevem a exposiccedilatildeo como um testemunho de eacutepoca Natildeo por ser
capaz de transportaacute-los para outra eacutepoca mas por estarem em presenccedila de objetos de outra eacutepoca
colocam-se e frente ao passado
Num primeiro momento encontramos uma exposiccedilatildeo muito bacana por sinal que nos
remete aos motivos que levaram a famiacutelia real a vir para o Brasil bem como os objetos
utilizados por ela tais como cadeiras louccedilas armaacuterios vasos buacutessolas etc o que vale a
pena destacar eacute como a exposiccedilatildeo estaacute temporalmente organizada Alguns importantes
momentos satildeo apresentados de forma luacutedica e atrativa (Frederico Levi Amorim
Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O entendimento de que a exposiccedilatildeo eacute uma produccedilatildeo cultural e uma forma de escrita da
histoacuteria tambeacutem aparece em diversos relatos dos visitantes ldquoA exposiccedilatildeo foi pensada de modo a
suscitar no visitante uma visatildeo ampla e criacutetica em relaccedilatildeo agrave histoacuteria e a formaccedilatildeo social brasileira
tirando tambeacutem um pouco daquela visatildeo de D Joatildeo como glutatildeo e bobordquo diz a estudante Marly
Marques Rodrigues
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo
O Museu Histoacuterico Nacional produz tambeacutem um caderno educativo dirigido a crianccedilas e
jovens como parte da exposiccedilatildeo temporaacuteria Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte
Portuguesa no Brasil Nesse material o MHN interpela o puacuteblico em torno do tema das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da vinda da Famiacutelia Real e cria diaacutelogos especiacuteficos na cultura entre
museu e visitantes
O que o Museu Histoacuterico Nacional apresenta eacute mais que uma simples exposiccedilatildeo
temporaacuteria sobre o tema O museu se coloca no lugar daquele que participa da criaccedilatildeo do proacuteprio
evento-comemoraccedilatildeo em torno da data O material educativo convoca um puacuteblico especiacutefico a
participar do calendaacuterio do bicentenaacuterio das ldquocomemoraccedilotildeesrdquo da vinda da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro O MHN constroacutei o proacuteprio acontecimento agrave medida que configura uma narrativa
escolhendo textos imagens e a abordagem que conduz os sentidos para outros sujeitos provaacuteveis
visitantes O Museu indica claramente qual eacute o seu papel na disputa pelas memoacuterias e visotildees de
histoacuteria e como continua protagonizando os acontecimentos
143
O MNH elabora uma narrativa sobre a vinda da famiacutelia real a ser divulgada em um
material educativo para ensinar histoacuteria Cabe na anaacutelise desse material identificar algumas
tensotildees presentes nessa narrativa A primeira eacute identificar um sujeito jaacute inscrito no texto e uma
correspondecircncia imediata entre o que o museu supotildee ser um visitante ideal e aqueles que
efetivamente o visitam que natildeo estatildeo necessariamente em plena sintonia com o proposto pela
exposiccedilatildeo
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo
mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008
Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Esse tipo de material uma cartilha educativa tem por objetivo ampliar os significados do
evento-exposiccedilatildeo para um puacuteblico escolar enquadrando numa moldura o cenaacuterio os personagens
e as fontes que seratildeo oferecidos e criando referecircncias para os estudantes Haacute consequecircncias
poliacuteticas e sociais em termos dos referenciais histoacutericos expressos pelo museu e o grau de
legitimidade dessa seleccedilatildeo feita por esse produtor de cultura autorizado para escrever uma
histoacuteria nacional
Os conteuacutedos e temaacuteticas da cartilha pretendem ensinar histoacuteria Destacam-se
personagens histoacutericos datas e eventos poliacuteticos e administrativos proferidos num tom
144
transmissivo aos jovens estudantes O material possui cinquumlenta paacuteginas num formato de
pequeno caderno (cartilha) com imagens coloridas textos e atividades com espaccedilo para respostas
A capa eacute um desenho sem indicaccedilatildeo de autoria que mistura siacutembolos nacionais como o verde
amarelo bandeiras de Portugal e caravelas indicando a saiacuteda da corte da Europa sua passagem
por Salvador e chegada ao Rio de Janeiro A ligaccedilatildeo entre Portugal e Brasil tambeacutem se faz nas
legendas que associam a chegada da Corte a um novo mundo um novo impeacuterio e a permanecircncia
dessas ligaccedilotildees numa faixa abaixo do mapa escrita em vermelho ldquoPortugal 1808-2008 Brasilrdquo
A cartilha eacute orientada para um puacuteblico e as praacuteticas culturais que permeiam a elaboraccedilatildeo
desse artefato evidenciam o diaacutelogo entre o museu e o visitante tanto nos temas estruturas
narrativas valores culturais e hierarquias A anaacutelise do material produzido pelo museu considera
especificamente como ele constroacutei um puacuteblico um visitante atribuindo-lhe caracteriacutesticas de
idade e escolaridade articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute um Museu Agrave medida que o Museu
dirige-se a um suposto vocecirc que visitou a exposiccedilatildeo e agora lecirc o material elaborado por sua
equipe ele fala fundamentalmente dele mesmo de suas concepccedilotildees de histoacuteria e de memoacuteria
O material educativo define a vinda da famiacutelia real como um evento histoacuterico
significativo e que deve ser comemorado Em seguida o Museu Histoacuterico Nacional como sujeito
de uma narrativa histoacuterica confere ao evento legitimidade e convida a reflexatildeo sobre o tipo de
narrativa que o museu pretende repercurtir e publicizar na exposiccedilatildeo
Haacute na estrutura narrativa do material educativo e no sistema de imagens uma
ldquoconvocaccedilatildeordquo ao visitante e uma indicaccedilatildeo de como deve visitar a exposiccedilatildeo Esta interpelaccedilatildeo
do puacuteblico indica uma posiccedilatildeo fiacutesica e um lugar social Haacute um destinataacuterio para o qual se oferece
ldquoconvidardquo a ver de um ponto de vista particular a construir conhecimentos em certa perspectiva
social e poliacutetica
Ao considerar o material pedagoacutegico produzido pelo MHN eacute possiacutevel mapear trecircs
dispositivos de construccedilatildeo da histoacuteria pelo museu o lugar do qual fala o museu o campo de
disputa sobre as concepccedilotildees de histoacuteria e memoacuteria e as opccedilotildees poliacuteticas e esteacuteticas do museu com
relaccedilatildeo ao campo museal e educacional No primeiro caso o Museu Histoacuterico Nacional
comparece como uma instituiccedilatildeo cultural e se posiciona como sujeito frente agraves comemoraccedilotildees
histoacutericas No segundo aponta no material pedagoacutegico em seu conteuacutedo e forma uma visatildeo
145
especiacutefica acerca da Histoacuteria elaborada dentro do campo museal Por fim se posiciona frente agraves
disputas e debates historiograacuteficos que emergem no campo educativo
O sentido atribuiacutedo agraves comemoraccedilotildees natildeo surge do proacuteprio material educativo mas da
forma como ele eacute apresentado pelas linguagens (escolhas dos produtores) e coacutedigos de
inteligibilidade Eacute nesse trabalho de fechamento e marcaccedilatildeo de fronteiras simboacutelicas entre museu
e visitantes que se definem tanto o que eacute o Museu Histoacuterico Nacional (unidade instaacutevel posiccedilatildeo
de poder praacuteticas de memoacuteria que nomeiam um lugar nacional e histoacuterico para regulaccedilatildeo da
cultura) quanto se configura um puacuteblico visitante que deve reiterar a norma e responder
positivamente agraves mensagens (exposiccedilotildees) regulando a si mesmo sua identidade e subjetividade
internalizando condutas normas regras e modos de ser e pensar sobre o que eacute a histoacuteria e a
memoacuteria
O processo de interpelaccedilatildeo de um personagem preferencial imaginaacuterio (vocecirc) se daacute a
partir de uma temaacutetica organizaccedilatildeo em subitens e atividades que propotildeem uma proximidade com
o visitante Ao mesmo tempo a arquitetura dessa organizaccedilatildeo implica por parte do Museu a
aposta em certos interesses e competecircncias do visitante supostamente uma crianccedila que frequumlente
regularmente a escola baacutesica que foi agrave exposiccedilatildeo com sua professora e colegas que possui uma
famiacutelia (pai matildee avoacutes) moradia fixa mobiliada com mesas e cadeiras e alimentaccedilatildeo adequada
Essas imagens a respeito de seu puacuteblico podem ser inferidas quando em diversas
atividades propostas pede-se que a suposta crianccedila faccedila uma ldquoaacutervore genealoacutegicardquo peccedila ajuda de
seus pais sua famiacutelia Escolhendo essa forma de se dirigir aos visitantes o MHN decide quem
inclui e quem exclui da definiccedilatildeo de puacuteblico e avalia para quem fala preferencialmente um
estudante e provavelmente seu professor que tambeacutem pode usar o material pedagoacutegico
encomendando-lhe o ldquoPara Casardquo endereccedilado pelo Museu
O material didaacutetico em questatildeo guarda relativa autonomia em relaccedilatildeo ao
eventocomemoraccedilatildeo e agraves demais exposiccedilotildees permanentes do Museu agrave medida que circula de
forma mais ampla e indica uma permanecircncia pelo seu formato impresso No entanto a concepccedilatildeo
de histoacuteria presente no material e na proacutepria exposiccedilatildeo75
aponta para uma narrativa que considera
o tempo da chegada da famiacutelia como um marco para o progresso e o prenuacutencio de uma nova
ordem poliacutetica ndash a independecircncia em 1822 ndash que fecha a exposiccedilatildeo Na uacuteltima parte do percurso a
75 Ver chamada no site do proacuteprio wwwmuseuhistoriconacionalcombr chamada para a Exposiccedilatildeo
146
estaacutetua de D Pedro I proclama (com aacuteudio) a Independecircncia do Brasil No caderno didaacutetico uma
fotomontagem reuacutene a estaacutetua de D Pedro I de Rodolfo Bernardelli pertencente ao acervo do
MNH com um balatildeo no qual em primeira pessoa a estaacutetua se diz herdeira do trono de Portugal e
grita ldquoIndependecircncia ou Morterdquo
O caderno indica eventos cujos sujeitos satildeo os membros da Famiacutelia Real Satildeo eles que
asseguram a continuidade com um passado colonial mas marcha rumo agrave histoacuteria nacional A
chave de explicaccedilatildeo histoacuterica eacute a relaccedilatildeo de dependecircncia entre colocircnia e metroacutepole que tambeacutem
aparece em outras exposiccedilotildees do Museu como a ldquoColonizaccedilatildeo e Dependecircnciardquo e ldquoMemoacuteria do
Estado Imperialrdquo76
A memoacuteria para o Museu Histoacuterico Nacional eacute um ldquodeverrdquo tornar presente
celebrar para um puacuteblico cuja idade e escolaridade natildeo identificam as variaacuteveis e os sentidos
manipulados por quem faz a exposiccedilatildeo A versatildeo da Histoacuteria oferecida aos visitantes pode ser
contestada mas o trabalho visual feito pelo Museu natildeo abre muito espaccedilo para interaccedilotildees com os
visitantes
O material dispensa um contanto fiacutesico com o professor o com os agentes do museu As
atividades propostas no material falam diretamente com um ldquoalunordquo dando-lhe instruccedilotildees tais
como desenhar pesquisar interpretar observar relacionar e escrever Os recursos graacuteficos e
visuais tambeacutem se apresentam como dispositivos de credibilidade e atribuiccedilatildeo de autenticidade
No caso do Museu isso eacute feito com referecircncia ao seu acervo embora natildeo indique muitas vezes
no material educativo a procedecircncia da imagem e nem faccedila referecircncias se elas estavam ou natildeo
na exposiccedilatildeo Ao apresentar algumas imagens especiacuteficas o material educativo busca o
reconhecimento de sua autenticidade e de sua raridade usando o fato de pertencerem ao acervo do
museu ou mesmo a uma importante coleccedilatildeo particular O MHN tambeacutem busca se aproximar do
visitante por meio do impacto visual ressaltando o formato as dimensotildees da pintura No material
impresso satildeo criados diversos recursos graacuteficos para facilitar a leitura Textos curtos que
dialogam com o leitor graacuteficos mapas e o uso de siacutembolos relacionados agrave monarquia portuguesa
e famiacutelia de Braganccedila como coroas leques bandeiras cartolas brasotildees que povoam as paacuteginas
do material educativo
No caso do material do MHN a exploraccedilatildeo de objetos bidimensionais (quadros
fotografias documentos escritos) e tridimensionais (esculturas mobiliaacuterio louccedilas moedas
76 Ver folder de divulgaccedilatildeo do MHN e site citado acima
147
brasotildees) presentes na Exposiccedilatildeo eacute obrigatoacuteria A relaccedilatildeo entre o texto e as imagens reproduzidas
e trabalhadas no material impresso natildeo podem ser pensadas dada a proacutepria finalidade dos objetos
museais de maneira apenas ilustrativa Aqui o Museu lanccedila matildeo de toda a discussatildeo sobre a
importacircncia de seu acervo para reforccedilar sua funccedilatildeo e seu lugar junto agraves instituiccedilotildees de memoacuteria
nacionais Ainda que nem todas as imagens sejam acompanhas das devidas referecircncias quanto agrave
procedecircncia (acervo) toda a iconografia proveniente do proacuteprio MHN estaacute devidamente
identificada e classificada O lugar de autoridade do Museu promove uma comparaccedilatildeo entre os
quadros de Geoff Haunt um especialista contemporacircneo em pinturas navais intitulado Chegada
da famiacutelia real em 7 de marccedilo de 1808 feito sob encomenda para Kenneth Light77
em 1999 A
outra reproduccedilatildeo eacute de Cacircndido Portinari Chegada de D Joatildeo agrave Bahia uma tela de 1952 A
terceira eacute a imagem de um Leque comemorativo da chegada da famiacutelia real da coleccedilatildeo Mariano
Procoacutepio
O exerciacutecio de leitura de imagem proposto pelo Material Educativo (Figura 36) considera
que a pintura a oacuteleo sobre tela de Haunt eacute uma ldquopintura histoacuterica documental em que o objetivo
eacute ser fiel como uma fotografia [] natildeo mostra uma interpretaccedilatildeo do artista como no caso da obra
de Portinarirdquo (Material Educativo 2008 p228-29)
77 Estudioso dos diaacuterios de bordo da marinha inglesa que acompanharam a vinda da corte portuguesa ao Brasil no
iniacutecio do seacuteculo XIX
148
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um
novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008 Brasil-
Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
As trecircs obras destacadas pelo Material Educativo natildeo fazem parte do acervo do Museu
Histoacuterico Nacional A primeira pertence a um banco da Bahia a outra eacute parte do acervo do
Museu Mariano Procoacutepio de Juiz de Fora e a terceira eacute da coleccedilatildeo particular de Kenneth Light
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo mais parece um inventaacuterio comentado e ilustrado Natildeo haacute
qualquer texto que discuta a concepccedilatildeo da proacutepria exposiccedilatildeo Eacute no caderno educativo que as
intenccedilotildees de ensino de Histoacuteria do Brasil ficam mais expliacutecitas
Resta explorar um pouco mais como os visitantes negociam com o museu essa visatildeo de
histoacuteria Frente agrave tentativa clara da exposiccedilatildeo de celebrar uma histoacuteria da naccedilatildeo e escrever a
histoacuteria poliacutetica e social expondo os testemunhos histoacutericos materiais que estavam descontiacutenuos
numa narrativa resta indagar como os visitantes se posicionam frente agrave visatildeo do museu e se
conseguem ou natildeo se contrapor a visatildeo da histoacuteria
149
Entender como os visitantes descrevem analisam interpretam e fundamentam uma
narrativa frente ao museu e suas exposiccedilotildees possibilita abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e
poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus
pelos visitantes
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica
Os relatos das visitas contribuem para reorganizar as recordaccedilotildees do acontecimento e
invocar uma memoacuteria do grupo de estudantes que ao produzir e selecionar as imagens
disponibilizadas pelo museu traz agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas que natildeo foram
registradas mas que sustentam a escrita e o conhecimento histoacuterico por eles elaborado
Mesmo uma visita guiada a uma exposiccedilatildeo e uma raacutepida passagem pelas vaacuterias
dependecircncias do Museu Histoacuterico Nacional deixa resiacuteduos entre os visitantes dessa experiecircncia
evanescente A visitante apresenta o que viu
[] por meio de uma visita guiada que nos deixou agrave vontade para apreciar toda a
exposiccedilatildeo que por si soacute nos permite interagir
Ela eacute dividida em nuacutecleos temaacuteticos ou seja separados por temas ou recortes
cronoloacutegicos
A exposiccedilatildeo conta com objetos e documentos de importantes instituiccedilotildees
puacuteblicas e particulares brasileiras e portuguesas muitos dos quais satildeo objetos ineacuteditos
Na visitaccedilatildeo tive a oportunidade de acompanhar desde a situaccedilatildeo na Europa
com as guerras napoleocircnicas que motivaram a vinda da Corte para o Brasil ateacute os
motivos que levaram agrave proclamaccedilatildeo da Independecircncia do Brasil pelo Imperador Pedro I
O nuacutecleo inicial aborda as conquistas de Napoleatildeo na Europa em especial na
peniacutensula Ibeacuterica seguidas de biografia dos personagens envolvidos no conflito- Napoleatildeo Carlos IV D Maria I e Jorge III Atraveacutes de acervo iconograacutefico cedido por
instituiccedilotildees portuguesas
O nuacutecleo seguinte aborda o embarque em Lisboa e as dificuldades enfrentadas
ao longo de 54 dias de travessia do Atlacircntico A chegada agrave Bahia em 22 de janeiro de
1808 estaacute representada pela monumental tela de Cacircndido Portinari bdquoA chegada de D
Joatildeo VI a Salvador‟ gentilmente cedida pelo Banco BBM SA e Associaccedilatildeo Comercial
da Bahia
A exposiccedilatildeo eacute imensa para apreciar todo o seu acervo seria necessaacuterio um dia
inteiro tempo que natildeo tiacutenhamos Poreacutem trata-se de um local que gostaria de prestigiar
se tiver a oportunidade de retornar a cidade do Rio de Janeiro
A organizaccedilatildeo do MHN aleacutem de seu grande acervo com exposiccedilotildees
permanentes e itinerantes utiliza projeccedilotildees aacuteudio visuais em 3D possibilitando uma nova interaccedilatildeo com as exposiccedilotildees que agradam todo o tipo de puacuteblico (Daniele Paulo
Marques Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo
2008)
150
O caraacuteter monumental da exposiccedilatildeo eacute somado aos objetivos didaacuteticos A montagem de
uma linha cronoloacutegica que vai da vinda de Dom Joatildeo VI agrave declaraccedilatildeo de independecircncia por Dom
Pedro I eacute remontada nos textos e fotografias como a abaixo (Figura 37)
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
A visita ao Museu Histoacuterico Nacional realizou-se como um rito coletivo Teve um caraacuteter
performativo O museu jaacute era entendido pelos visitantes como um lugar puacuteblico de debate sobre a
histoacuteria e acreditavam que de certo modo estava mais autorizado do que o campo acadecircmico
(historiografia e faculdade) por trazer um enorme acervo cultural mas que natildeo deixa de causar
confusatildeo entre os visitantes Uma das visitantes cita que viu ldquofotosrdquo das filhas do casal real
utensiacutelios que serviram para a viagem pinturas cartas carimbos e ldquouma reacuteplica da sala de visitas
da Marquesa de Santosrdquo
151
Natildeo se sabe o que a levou a imaginar uma sala da Marquesa de Santos em meio agrave
exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real nem as chamadas fotografias Impressiona nesse caso a
capacidade de criar outro acervo para o museu em meio agrave descriccedilatildeo dos objetos que estavam em
exposiccedilatildeo
Para outros visitantes o Museu Histoacuterico Nacional eacute ldquograndioso muito bem montado e
agradaacutevel agrave visitaccedilatildeo puacuteblica com vaacuterias exposiccedilotildeesrdquo diz o visitante Fernando Daniel Fraga
Fonseca Jaacute a visitante Aline Conceiccedilatildeo Ferreira Gregoacuterio tambeacutem achou que ldquoo acervo eacute
enorme por isso a visita demanda bastante tempo Foi uma exposiccedilatildeo proveitosa poreacutem um
pouco cansativa devido ao tamanho do museurdquo
O museu estabelece no contato com o visitante uma rede de opiniotildees e um quadro de
diferentes reaccedilotildees frente agrave materialidade da praacutetica museal Cada museu possui uma narrativa
distinta e a anaacutelise que o puacuteblico faz da exposiccedilatildeo se inicia com a identificaccedilatildeo das marcas
emitidas por essa fala autorizada A interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelo puacuteblico no confronto entre as
promessas do ldquogecircnero museurdquo e expectativas dos visitantes
A parte que mais gostei foi o museu todo mas a que mais me prendeu a atenccedilatildeo foi a
parte onde se encontra os canhotildees pelo que pude contar contei 48 canhotildees E gostei
tambeacutem das pratarias e da parte da medicina tudo laacute eacute muito bonito e muito bem conservado (Claudilene Aparecida de Almeida Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico
Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
Outra visitante da exposiccedilatildeo tambeacutem inicia seu relato da visita ressaltando o caraacuteter de
documento-monumento do Museu Histoacuterico Nacional Eles destacam o seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo
o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O evento eacute memoraacutevel porque significa um marco na ldquoformaccedilatildeo do Estado nacional
brasileiro com o estabelecimento da sede do governo do mundo portuguecircs em terras tropicaisrdquo O
legado de D Joatildeo VI a ser apresentado na exposiccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de um ldquoImpeacuterio na Ameacutericardquo o
ldquopersonagem que entrelaccedilou para sempre as histoacuterias do Brasil e Portugalrdquo (BOTTREL 2008
p17) Esse ldquodestinordquo eacute a independecircncia assinalam os historiadores portugueses e brasileiros
152
Arno Wheling e Maria Joseacute Wehling que pintam os quadros historiograacuteficos um de 1808 e outro
de 1821 Propotildeem que entre uma data e a outra ocorreram mudanccedilas significativas e irreversiacuteveis
que levaram o Brasil a se distanciar de Portugal a ponto de se tornar independente ou formar
uma nova personalidade poliacutetica
Os visitantes se apresentam em suas fotografias como parte da exposiccedilatildeo e do acervo
(Figuras 38 e 39)
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave
Exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio
Janeiro 2008
153
A exposiccedilatildeo eacute vista como accedilatildeo de difusatildeo nos museus e ocupa contemporaneamente uma
funccedilatildeo ao lado das accedilotildees de pesquisa e preservaccedilatildeo antes vistas como prioritaacuterias A linguagem
visual eacute priorizada e assumida pelos visitantes que elaboram novas imagens e narrativas visuais
sob as formas apresentadas pelo museu O visitante coloca em circulaccedilatildeo a sua proacutepria imagem
como parte da exposiccedilatildeo exercitando sua habilidade analiacutetica e criando novas instacircncias de
produccedilatildeo de sentido na vida cultural diaacuteria
Natildeo haacute uma uacutenica forma de estabelecer a relaccedilatildeo entre visitantes e museus Tambeacutem natildeo
haacute a passagem imediata de um campo ao outro ou uma linguagem uacutenica que pertence ao museu e
outra do visitante Haacute um partilhamento dos coacutedigos simboacutelicos e a criaccedilatildeo de um espaccedilo cultural
de intercacircmbio A matriz cultural do museu eacute avaliada pelos visitantes Satildeo estabelecidas
diferenccedilas mas se institui um novo circuito de cultura
Essas praacuteticas exercitadas pelos visitantes nos museus implicam na ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo de produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico Mesmo entre os visitantes que ficam mais
proacuteximos dos sentidos apresentados pelo museu limitando-se a uma descriccedilatildeo da visita agravequeles
que buscam de forma mais abrangente inserir a narrativa do museu em um cenaacuterio poliacutetico
social cultural mais amplo satildeo sujeitos da produccedilatildeo de novos sentidos para o patrimocircnio
musealizado Satildeo sujeitos de uma nova narrativa agrave medida que buscam compreender como se daacute
a produccedilatildeo do conhecimento cultural e histoacuterico (RUSEN 2005 p192)
Ao selecionarem imagens e reescreverem informaccedilotildees sobre a exposiccedilatildeo os visitantes
demonstram habilidades de reordenar aspectos que lhes chamaram a atenccedilatildeo e passam a circular
em outro circuito para aleacutem do museu
154
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A
metroacutepole nos troacutepicos Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo
Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
A fotografia de Fernando Daniel Fraga Fonseca (Figura 40) eacute aparentemente um misteacuterio
Uma chave que pode solucionaacute-la eacute o conceito de circuito da cultura78
(HALL 1997 2003)
entendido como uma relaccedilatildeo complexa produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos
mas interligados ou seja como praacuteticas conectadas de produccedilatildeo circulaccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo
identidade e representaccedilatildeo que criam formas simboacutelicas e datildeo passagem simultaneamente a
outros movimentos de produccedilatildeo de sentidos
O visitante registra um texto escrito sobre um suporte afixado na parede como parte da
exposiccedilatildeo sobre a corte portuguesa no Brasil no Museu Histoacuterico Nacional O texto tem como
tiacutetulo O desembarque em Salvador que tambeacutem eacute o tiacutetulo de uma obra iconograacutefica exposta A
existecircncia do texto indica que o Museu Histoacuterico Nacional explica esse evento para seus
78 Em certa medida pode-se pensar tambeacutem no conceito de circularidade de culturas definido por Ginsburg
em contraponto ao termo mentalidade a partir de um recorte analiacutetico que considera as diferentes classes sociais e as
influecircncias reciacuteprocas entre a cultura subalterna e a cultura hegemocircnica que se movem de maneira circular
(GINSBURG 1987 p 13)
155
visitantes durante a exposiccedilatildeo Haacute a produccedilatildeo de um sentido que pretende ser fixado mas que
circula em outros suportes a pintura de Portinari e a fotografia do visitante
Nessa pesquisa tanto os museus visitados quanto seus visitantes instituem esses lugares de
significaccedilatildeo Museus e visitantes produzem um circuito histoacuterico e cultural e se posicionam
agenciam criam modos de endereccedilamento da cultura Entretanto na ideacuteia de circuito embora
estejam claros os produtos e os produtores natildeo haacute um sentido prioritaacuterio que desencadeia a accedilatildeo
cultural e portanto as ideias de ldquorecepccedilatildeordquo e ldquoapropriaccedilatildeordquo natildeo estatildeo colocadas ao fim de uma
cadeia de significaccedilatildeo O espectador ou visitante produz o sentido tanto quanto a instituiccedilatildeo que
pretende alojar a memoacuteria do evento com a exibiccedilatildeo puacuteblica de objetos
Acho esse trabalho de extrema relevacircncia para nosso curso e conveniente por causa das
discussotildees atuais O tema eacute muito atual e foi interessante visitar o Rio de Janeiro
justamente agora em que as comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da famiacutelia real
estatildeo acontecendo Para mim foi muito bacana ver outras instituiccedilotildees museoloacutegicas e
exposiccedilotildees de cunho histoacuterico e artiacutestico ateacute mesmo para identificar as diferentes
concepccedilotildees de museu Identificar a intenccedilatildeo da exposiccedilatildeo e o que ela pretende
contar[] Algumas exposiccedilotildees mostram o cotidiano no Brasil as relaccedilotildees e o papel dos
liacutederes e do povo isso tambeacutem eacute relevante As gravuras pinturas documentos objetos
instrumentos dialogam com as exposiccedilotildees no qual estatildeo inseridos e com o proacuteprio
leitor nos fazendo desenhar e nos relacionar muito claramente com o passado (Frederico
Levi Amorim Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro
Leopoldo 2008)
A exposiccedilatildeo enfoca muito a importacircncia da vinda da famiacutelia real para o nosso processo
de emancipaccedilatildeo poliacutetica de Portugal mas esquece de salientar que independentemente
da existecircncia desse episoacutedio ou natildeo nossa economia jaacute era mais forte que a dos lusitanos
nossa elite jaacute natildeo aguumlentava a exorbitante taxaccedilatildeo de impostos sobre nossa produccedilatildeo e
que as ideias de cunho liberal jaacute pairavam sobre nossos ares gerando vaacuterias revoltas por todo o nosso territoacuterio (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
As visitas a museus permitem por em relaccedilatildeo o que Gruzinski (2001) chama de sistemas
culturais diferentes ou a questatildeo das fronteiras culturais e seus hibridismos O contato do visitante
com o museu pode ser pensado natildeo como um ldquocontratordquo mas uma confrontaccedilatildeo que destaca as
formas de temporalidade e historicidade natildeo contidas na noccedilatildeo de cultura europeacuteia e torna
possiacutevel a emergecircncia de um pensamento e praacuteticas inventivas e improvaacuteveis de hibridismo
(GRUZINSKI 2001 p157)
156
As fotografias selecionadas e apresentadas e os trechos dos relatos destacados apontam o
deslocamento realizado pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do
visitante na cultura museal e desenvolvem um capiacutetulo da escrita da histoacuteria nos museus
O relato da visita como praacutetica de memoacuteria e histoacuteria se amplia em uma narrativa que
reorganiza as recordaccedilotildees do acontecimento e invoca uma memoacuteria do grupo de estudantes ao
selecionar as imagens e trazer agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas e interpretadas
muitas natildeo registradas que sustentam uma rede de opiniotildees e formam diferentes quadros de
sentido Os estudantes fazem uma anaacutelise da exposiccedilatildeo praticando a museologia mesmo natildeo
tendo um treinamento especial e sistemaacutetico do ofiacutecio museoloacutegico percebem pensam e
praticam a museologia (CHAGAS 2003 p20) Elaboram um ldquopensamento musealrdquo
identificando marcas deixadas pelos quadros de referecircncia enunciados pelo museu A
interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelos visitantes no confronto com suas expectativas e as promessas
natildeo cumpridas pelo museu
Amplia-se a reflexatildeo sobre o processo de educaccedilatildeo poliacutetica e dos sentidos O debate
historiograacutefico recebe novos elementos das visotildees sobre o museu que se cruzam na cabeccedila dos
visitantes aquilo que os especialistas dizem sobre o museu aquilo que viram no Museu do
Escravo e aquilo que a escola lhes ensinou sobre a histoacuteria da escravidatildeo As disputas satildeo
evidenciadas Eacute necessaacuterio mobilizar conceitos e experiecircncias estabelecendo possibilidades e
limites da abordagem para elaborar narrativas sobre a visita
Pode-se afirmar que na elaboraccedilatildeo dos relatos das visitas emergem uma seacuterie de efeitos
formativos nos estudantes e professoresformadores As visitas desencadeiam perguntas sobre a
identidade verbalizam sentimentos pensamentos aspectos de suas experiecircncias sociais e
estimula a reflexibilidade Os relatoacuterios tambeacutem validam algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida
que operam com a traduccedilatildeo de concepccedilotildees simboacutelicas particulares e localizadas em uma
consciecircncia praacutetica e outra discursiva de caraacuteter mais amplo Tambeacutem permitem reconhecer e
dar visibilidade puacuteblica e social a realidades locais multiculturais e que contribuem para
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo
Ao apresentar de forma ampla o uso feito pelos visitantes da visita ao museu eacute possiacutevel ir
aleacutem da criacutetica aos museus e discutir como os visitantes interpretam propostas expositivas da
157
instituiccedilatildeo visitada em dialoacutego com a heranccedila cultural e as praacuteticas de preservaccedilatildeo da memoacuteria e
do poder Ou em outras palavras como elaboram frente agraves imagens que lhes satildeo apresentadas
uma nova escrita imageacutetica acrescentando criacuteticas e explicitando ambiguidades presentes na
produccedilatildeo do museu
158
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A escrita desta tese teve iniacutecio com a tentativa de encontrar um ldquolugarrdquo que comportasse o
registro de praacuteticas educativas perdidas em meio agraves preocupaccedilotildees em uma instituiccedilatildeo de ensino
superior que encerrava a oferta de cursos de licenciatura Os trabalhos escolares dos alunos em
sua maior parte eram considerados privados e natildeo seriam recolhidos ao arquivo escolar
O local mais provaacutevel das memoacuterias de estudantes e professores seria o esquecimento A
situaccedilatildeo dos documentos escolares laacute encontrados natildeo era muito diferente de outras instituiccedilotildees
educativas A preservaccedilatildeo se limitava a um conjunto de textos legais documentos oficiais
administrativos e pedagoacutegicos Pouco se arquivava dos testemunhos orais dos professores alunos
e funcionaacuterios A biblioteca recebia publicaccedilotildees relatoacuterios teacutecnicos de pesquisa e conclusatildeo de
curso
Estava posta uma crise de memoacuteria os relatos escritos e visuais de visita excediam em
volume e careciam de organizaccedilatildeo Restavam as tentativas de doaccedilatildeo ou descarte O museu ou o
lixo A primeira opccedilatildeo implicou em questionar se os museus visitados teriam algum interesse
nesse tipo de resposta de sua audiecircncia escolar Resolvi apostar no recolhimento dos rastros dar
tratamento aos fragmentos cotidianos da cultura escolar e apresentaacute-los publicamente
Sistematizar a produccedilatildeo dos estudantes e colocaacute-la em circulaccedilatildeo foi o principal
investimento dessa pesquisa A duacutevida era constante esse tipo de fonte documental seria capaz
de sustentar uma anaacutelise a respeito dos sentidos da memoacuteria da histoacuteria e dos museus na cultura
contemporacircnea Espero ter argumentado ao longo do texto que sim Os relatos dos estudantes
indicam que eles foram capazes de ampliar sua formaccedilatildeo histoacuterica ao visitar museus
O processo de pesquisa foi de compartilhamento e conviacutevio com as reflexotildees teoacutericas e
metodoloacutegicas no grupo Memoacuteria Aprendi a exercitar a escrita como condiccedilatildeo de memoacuteria
Cada leitura cada debate constituiu-se em novas aprendizagens vividas e sentidas Escrever e
apresentar resultados parciais tornou a pesquisa possiacutevel
A maior tensatildeo da pesquisa foi delimitar o proacuteprio campo da investigaccedilatildeo delinear as
presenccedilas (estudantes e museus) as concomitacircncias (diaacutelogos admitidos ou criticados na
bibliografia) e as ausecircncias (outras ligaccedilotildees possiacuteveis com a histoacuteria e a educaccedilatildeo)
A busca por criteacuterios e a seleccedilatildeo das situaccedilotildees educativas de visitas envolveu um longo
diaacutelogo com ldquopalavras e coisasrdquo autores e praacuteticas Um jogo de conceitos emaranhados ao
159
mesmo tempo superpostos ndash diversos e abrangentes ndash e lacunares dispersos em livros textos e
instrumentos de sistematizaccedilatildeo de dados
Assim para descrever e avaliar a praacutetica de formaccedilatildeo evitei me referir a um sistema de
interpretaccedilatildeo ou traduccedilatildeo exterior (um horizonte idealizado ou seu suposto inverso uma
abstraccedilatildeo advinda da empiria) Propus-me a mobilizar conceitos disponiacuteveis e discordantes
principalmente de memoacuteria e histoacuteria que circulam ao niacutevel das minhas proacuteprias praacuteticas
apostando em sua emergecircncia a partir de quem falava e das posiccedilotildees dos sujeitos (estudantes) e
dos lugares institucionais (escolas e museus)
O maior desafio para a conclusatildeo desse projeto decorreu da opccedilatildeo que o motivou
inicialmente analisar as situaccedilotildees educativas de visitas a museus a partir da loacutegica da proacutepria
experiecircncia pedagoacutegica Natildeo houve um movimento externo de observaccedilatildeo mas um interesse ou
desejo de saber que veio da aproximaccedilatildeo entre o sujeito que se colocava na condiccedilatildeo de
pesquisador mas estava proacuteximo ao ldquoobjetordquo investigado
Os visitantes considerados na pesquisa natildeo se apresentam como um grupo representativo
segundo criteacuterios socioloacutegicos ou estatiacutesticos como acontece nos estudos de recepccedilatildeo que
avaliam efeitos provocados em determinada audiecircncia Os estudantes na condiccedilatildeo de visitantes
esboccedilam hipoacuteteses difusas acerca do que ocorre durante uma visita escolar Um mesmo visitante
utiliza estrateacutegias diferentes ao longo de sua trajetoacuteria escolar para traccedilar paralelos entre sua vida
e de um personagem histoacuterico Suas atitudes informadas ou desinformadas irocircnicas ou
conformistas dizem mais da criaccedilatildeo de uma cultura comum uma experiecircncia simultaneamente
implicada e distante da cultura predominante nas escolas e museus
A materialidade das praacuteticas de visita surgiu do trabalho com os relatos escritos e visuais
Na leitura dos relatos as operaccedilotildees de narrar proacuteprias da vida praacutetica foram se constituindo
como fundamento e pressuposto do conhecimento histoacuterico escrito por professores e estudantes
A anaacutelise das praacuteticas de visita combinou reflexotildees teoacutericas historiograacuteficas e empiacutericas
Textos imagens e oralidade num mesmo quadro analiacutetico Destaco que tanto as reflexotildees
teoacutericas e historiograacuteficas quando o quadro empiacuterico foram tentativas de abordagem diaacutelogos
recortes possiacuteveis e natildeo implicam na concordacircncia com todos os argumentos dos autores citados
ou um aprofundamento da reflexatildeo sobre cada fonte em particular Procurei explorar de cada obra
160
argumentos ou linhas de interpretaccedilatildeo que interessavam no estudo do tema do visitante de
museus
As fotografias tomaram ao longo da pesquisa uma centralidade maior A anaacutelise do
conteuacutedo dos materiais visuais seu uso durante as visitas e sua circulaccedilatildeo posterior constituiu-se
em um conhecimento experiencial da proacutepria visita As fotografias satildeo relatos visuais construiacutedos
com possibilidades de reproduccedilatildeo e propriedades materiais que influenciam na forma de leitura
de seus conteuacutedos Nas fotografias a visita oscila entre uma viagem de estudo e de turismo Os
estudantes trazem imagens de lugarespaisagens e objetos (sem pessoas) pessoas em
lugarescenaacuteriosobjetos e poucas com pessoas isoladas de cenaacuterios Quando confrontadas agraves
imagens produzidas pelos museus em cataacutelogos e materiais de divulgaccedilatildeo o cenaacuterio eacute destacado
sem a presenccedila de pessoas os objetos satildeo apresentados isolados sem a encenaccedilatildeo da exposiccedilatildeo
Nessa pesquisa selecionei fotografias-chave (amostras) de um quadro mais amplo de
originais Os objetivos dos fotoacutegrafos eram documentar a viagem nem sempre com a finalidade
de exibir as imagens Os relatos entregues para avaliaccedilatildeo trazem um primeiro corte feito pelos
seus produtores diretos os estudantes Era preciso imprimir os arquivos digitais Os viacutedeos e as
repeticcedilotildees satildeo deixados de lado As imagens armazenadas pelos estudantes tambeacutem eram
produzidas com a finalidade de exibiccedilatildeo para familiares e para compor um aacutelbum pessoal As
imagens impressas satildeo utilizadas e socializadas entre o grupo e se repetem em vaacuterios relatoacuterios de
visita A circulaccedilatildeo das imagens dado o seu suporte digital motiva a colaboraccedilatildeo e daacute iniacutecio a
uma narrativa com exerciacutecios de exploraccedilatildeo e descoberta
As fotografias trazem para a pesquisa uma dupla dimensatildeo Eacute marcante seu caraacuteter
documental mas elas natildeo permitem afirmaccedilotildees generalizantes Apresentam eventos especiacuteficos e
a anaacutelise depende das condiccedilotildees de produccedilatildeo e natildeo apenas da narrativa e do conteuacutedo
apresentado A produccedilatildeo das fotografias envolve negociaccedilotildees entre o criador da imagem e as
circunstacircncias sociais e teacutecnicas de produccedilatildeo (autorizaccedilatildeo iluminaccedilatildeo composiccedilatildeo)
Na pesquisa as fotografias tiveram uma primeira entrada com valor documental (dado
visual) que as considera como ato de criaccedilatildeo de um fotoacutegrafo e eacute resultado de condiccedilotildees
especiacuteficas de produccedilatildeo Em quadro mais complexo que esse primeiro de produccedilatildeo das imagens
estaacute a ediccedilatildeo ou os criteacuterios de seleccedilatildeo da pesquisa que reinscrevem as fotografias numa nova
coleccedilatildeo junto a outras que tambeacutem aderem ao plano da anaacutelise
161
As fotografias vieram ao encontro da necessidade de narrar e trazem as intenccedilotildees de
presenccedila como parte da accedilatildeo dos visitantes que se apresentam como o principal conteuacutedo das
imagens Nas fotografias dos visitantes eles compotildeem uma narrativa na qual utilizam os edifiacutecios
e objetos dos museus como um cenaacuterio (enquadramento da accedilatildeo) uma narrativa em que eles
visitantes satildeo os sujeitos Haacute nas fotografias uma biografia uma auto-representaccedilatildeo de si e do
grupo O registro fotograacutefico externaliza aspectos natildeo visiacuteveis e gera conhecimentos sobre as
visitas e visitantes Longe do local de produccedilatildeo as imagens satildeo reelaboradas pela pesquisa com o
propoacutesito de circulaccedilatildeo mais ampla natildeo com o propoacutesito de identificar indiviacuteduos especiacuteficos
mas de projetar mais longe o olhar dos visitantes
As fotografias dos visitantes selecionadas pela pesquisa trazem essa dimensatildeo da
presenccedila Os estudantes se posicionam ao lado direito e esquerdo da escultura do escravo do
tronco abraccedilam Dom Joatildeo VI montam e desmontam as exposiccedilotildees visitadas com criteacuterios de
relevacircncia pessoal Trazem sedimentos das heranccedilas culturais como o ldquoimaginaacuterio do troncordquo que
circunda conceitos de escravidatildeo Colocam clivagens historiograacuteficas como o cotidiano e a vida
privada em museus marcados por exposiccedilotildees de vieacutes poliacutetico e nacionalista
Os referentes oferecidos pelos museus satildeo partilhados ou confrontados Nascem nos
relatos hiacutebridos ediccedilotildees coleccedilotildees em novos formatos Nos museus visitados os estudantes
fotografam o espaccedilo organizado os iacutecones do acervo (pinturas esculturas) e os artefatos da
museologia (desenhos projeccedilotildees e cenaacuterios) Haacute um museu concreto e um museu imaginado
ambos reconstruiacutedos pelos visitantes O visitante faz o uso do museu durante a visita e recria o
lugar dando-lhe outras dimensotildees espaciais
A anaacutelise das visitas ao Museu do Escravo e Museu Histoacuterico Nacional pode ser
entendida como um movimento de circulaccedilatildeo entre o momento efetivo da praacutetica pedagoacutegica e de
formaccedilatildeo e o momento de reflexatildeo na leitura dos relatos jaacute constituiacutedos indicando a construccedilatildeo
de sensibilidades que envolvem todo trabalho com a cultura e uma orientaccedilatildeo para a vida praacutetica
daqueles implicados na dinacircmica das visitas A experiecircncia de visita possui junto a sua dimensatildeo
praacutetica uma qualidade esteacutetica dada natildeo pelo resultado final mas pelo movimentotranscurso da
accedilatildeo Eacute um agir e padecer frente agraves coisas fiacutesicas e imaginadas Une eventos e objetos numa
relaccedilatildeo muacutetua de extensatildeo e profundidade As visitas a museus geram conhecimentos e narrativas
agrave medida que permitem uma aprendizagem pela observaccedilatildeo e pela proacutepria experiecircncia
162
O Museu Histoacuterico Nacional transcende as barreiras do tempo e traz uma loacutegica
museoloacutegica ainda proacutexima do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (IHGB) marcada pela
exaltaccedilatildeo dos feitos grandiosos nas esferas militar e poliacutetica e com pouco interesse pelo
cotidiano O museu resiste ao tempo presente Mas os visitantes natildeo fazem essa leitura e se
colocam na praacutetica de sua atualizaccedilatildeo Representam a si mesmos na exposiccedilatildeo e se apropriam de
seu acervo num arquivo fotograacutefico
No Museu do Escravo ocorre algo semelhante Se eacute legiacutetimo destacar que as praacuteticas de
colecionismo e a exposiccedilatildeo do museu alimentam preconceitos raciais e estereoacutetipos os visitantes
natildeo apenas fizeram a criacutetica dessas praacuteticas como redefiniram eles mesmos a coleccedilatildeo de objetos
curiosos Mais uma vez remontaram o acervo nas suas narrativas escritas e visuais
O procedimento de leitura das exposiccedilotildees que implica em montagem e desmontagem de
coleccedilotildees foi experimentado pelos estudantes no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto ou seja numa
visita a museus O conteuacutedo de uma exposiccedilatildeo tambeacutem eacute utilizado para analisar outras Os
museus satildeo comparados entre si Os criteacuterios satildeo internos (museus) e natildeo externos (escola
historiografia)
O tipo de argumento predominante nas narrativas natildeo vem diretamente de leituras ou
discussotildees teoacutericas embora elas sejam utilizadas como no caso da escravidatildeo Os argumentos
produzidos nas narrativas satildeo configurados na proacutepria experiecircncia que oscila entre ldquoefeitos de
presenccedilardquo por estar dentro do museu ver a exposiccedilatildeo e ldquoefeitos de sentidordquo (o que leu estudou
sobre escravidatildeo histoacuteria do Brasil)
Pode-se concluir que as visitas trouxeram uma seacuterie de efeitos formativos para os
estudantes-visitantes Desencadearam afirmaccedilotildees sobre a identidade profissional verbalizaram
sentimentos e pensamentos sobre o pertencimento cultural ao tempo presente e estimularam a
reflexividade sobre o exerciacutecio da escrita da histoacuteria em museus Os relatoacuterios tambeacutem validaram
algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida que operavam uma ponte entre as concepccedilotildees particulares
e localizadas elaboradas em reaccedilatildeo quase imediata ao contato com o patrimocircnio musealizado e
outra dimensatildeo teoacuterica mais ampla acionada pela leitura e seleccedilatildeo de trechos que recebiam um
novo formato com a pesquisa
Os relatos criaram condiccedilotildees de reconhecimento visibilidade puacuteblica e social a realidades
locais como eacute caso do Museu do Escravo em Belo Vale Minas Gerais Colaboram tambeacutem para
163
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo A visita ensina que os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos onde satildeo
construiacutedas diferentes formas de ver a sociedade e nesse aspecto ajudam a tornar visiacuteveis as
temporalidades
As visitas se apresentam como uma praacutetica de coletar e a nova coleccedilatildeo passa a circular de
maneira tambeacutem inovadora frente ao acervo dos museus Os relatos integram elementos orais
textuais e visuais em um conjunto que dialoga com os valores e significados da cultura dos
museus e da cultura escolar Os visitantes fazem um uso praacutetico dos museus e da historiografia
para elaborar um conhecimento histoacuterico que utiliza novas formas de seleccedilatildeo e organizaccedilatildeo da
memoacuteria
Para ser coerente com o tema tentei apresentar a pesquisa de um modo mais narrativo
menos cronoloacutegico que contasse a histoacuteria dos sujeitos da pesquisa Uma ldquomanufaturardquo que
pudesse se contrapor aos ldquoprodutoresrdquo institucionalizados nos museus e oacutergatildeos de pesquisa
Talvez tenha encontrado ao final uma soluccedilatildeo para a impressatildeo dos visitantes que me
intrigou durante quatro anos Quando saem do museu saiacuteram de uma sala de aula As visitas satildeo
viagens ao interior mas levam para aleacutem dos horizontes fazem experimentar sentimentos de
turista viajante estudante historiadores natildeo importa Satildeo uma viagem pelo espaccedilo (museu) mas
por pouco tempo deve-se manter a cabeccedila no lugar (sala de aula)
A tentativa de entender o visitante como um ldquoespectador emancipadordquo como um viajante
que carrega sua proacutepria bagagem seus emblemas de pertencimento cultural agrave profissatildeo docente e
inclui suas observaccedilotildees sobre os territoacuterios oficiais da memoacuteria implica em considerar que a
exclusatildeo cultural existe de fato e a reivindicaccedilatildeo ao direito de participaccedilatildeo na gestatildeo cultural
implica em afirmar e reconhecer espaccedilos como os dos museus como ldquocasas de pertencimentordquo e
de ldquopresenccedilardquo do visitante
Os visitantes em questatildeo satildeo a expressatildeo desse direito agrave participaccedilatildeo cultural Num
primeiro momento se coloca ainda como um estrangeiro um estudante que faz sua primeira visita
ao museu mas que a partir desse primeiro encontro recebe uma espeacutecie de ldquosenhardquo que lhe
permite adentrar esse mundo dos museus Ser visitante afeta seu desejo no acircmbito da cultura
afeta sua formaccedilatildeo histoacuteria Suas narrativas de visita apontam esses deslocamentos novas
praacuteticas e roteiros de formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
165
DOCUMENTOS
1- Registros de estudantes das atividades de visita a museus
FIPEL ndash FACUDADES INTEGRADAS DE PEDRO LEOPOLDO Instituto Superior de
Educaccedilatildeo de Pedro Leopoldo Relatoacuterios de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto 2ordm
periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2005
______ Relatoacuterio siacutentese do Trabalho de Campo Visita a Belo Vale - MG Museu do
Escravo e Fazenda Boa Esperanccedila 4ordm periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2006
______ Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 7ordm periacuteodo Curso
de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2008
_______ Relatoacuterios individuais de visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis nos anos 2001
2005 2004 e 2007 Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2007
_______ Relatoacuterio final de Estaacutegio Supervisionado Projeto de integraccedilatildeo Museu- Escola
Visita de alunos do Ensino Meacutedio ao Museu Abiacutelio Barreto-BH Curso de Histoacuteria Pedro
Leopoldo 2000
Roteiro de Pesquisa para os Formadores Enviado para os professores que participaram do
trabalho de campo no Rio de Janeiro com a turma do 7ordm periacuteodo e outros 2008
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo
ao Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo com 9 alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria
ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG Feito com a ajuda da professora Cristiane Almeida (assistiu e
tomou notas) Total 7 paacuteginas
Entrevistas monitores-estagiaacuterios na exposiccedilatildeo ldquoFamiacutelia Ferrez novas revelaccedilotildees no Museu de
Artes e Ofiacutecios Belo Horizonte 2008
Diaacuterio de campo Observaccedilatildeo das visitas de trecircs escolas baacutesicas ao Museu de Artes e Ofiacutecios
Belo Horizonte 2008
166
2- Documentos das instituiccedilotildees visitadas
MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL - RJ
MUSEU Histoacuterico Nacional Um novo mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no
Brasil18082008 Brasil-Portugal Setor Educativo 50 paacuteginas 2008
______ Guia do Visitante Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura Rio de Janeiro 1957 36p
______ Informes do setor educativo Impresso 4 paacuteginas
______ Revista Didaacutetica da Exposiccedilatildeo Itinerante 28 paacuteginas 2005
______ Folheto de apresentaccedilatildeo do acervo e das exposiccedilotildees sd
______ Conhecendo o Museu Histoacuterico Nacional sd
TOSTES Vera Luacutecia Bottrel Um novo mundo um novo impeacuterio a corte portuguesa no Brasil
1808-1822 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Curadora Vera Luacutecia Bottrel Tostes curadoria adjunta Lia
Silva Peres Fernandes Rio de Janeiro Museu Histoacuterico Nacional 2008 192p
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188
ANEXOS
Anexo A- Roteiro de coleta de dados estudantes de licenciatura em Histoacuteria 2008
Total de questionaacuterios respondidosdevolvidos 17 estudantes
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS- UNICAMP
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO ndash DOUTORADO
ALUNA Elizabeth Seabra ORIENTADORA Dra Ernesta Zamboni
Roteiro de pesquisa ldquoAccedilatildeo educativa em museus e formaccedilatildeo docenterdquo
Observaccedilatildeo vocecirc poderaacute marcar mais de uma alternativa ou numeraacute-las de acordo com suas preferecircncias
Parte I-
1-Sexo Masculino ___ Feminino ______ Idade _______anos
2-Exerce atividade profissional remunerada Sim _____Natildeo____
Qual (com precisatildeo)_____________________________
3-Lugar de residecircncia (cidadebairro) ______________________
4-Quantos anos de escolaridade (contando da escola infantil ateacute a atual) _________
5-Costuma praticar alguma atividade recreativa Sim ____ Natildeo _____
Qual_________________
6-Indique aproximadamente em que faixa se situa a renda de sua famiacutelia em Salaacuterios Miacutenimos (e
natildeo apenas do chefe de famiacutelia)
1 a 3 SM ____4 a 6 SM ___7 a 9 SM ____mais de 10 SM ____
Parte II-
7-Vocecirc iraacute visitar um MuseuExposiccedilatildeo
1ordf Vez ____ 2ordf Vez_____ 3ordf Vez _____ 4ordf Vez ____ Acima de 4 vezes _____
8-Quando ouve ou lecirc a palavra MUSEU o que lhe vecircm agrave mente Diga trecircs palavras que vocecirc
associa a museu
1-________________ 2-____________________ 3- _______________
9-Diga trecircs coisas que tem em um museu
1- ________________2-__________________3 - ________________
10-Se vocecirc iraacute visitar pela primeira vez um museuexposiccedilatildeo nova sua ideacuteia eacute ver
1- ____Natildeo tem ideacuteia do que encontraraacute
2- ____O proacuteprio museu 3- ____As exposiccedilotildees especiacuteficas daquele museu
4- ____Participar de atividades culturais (cursos apresentaccedilotildees musicais)
189
Parte III-
11-Quando visitou pela primeira vez um museu
1- Com que idade (aproximadamente)_______
2- Com quem ________________________
3- Em que museu _____________________
4- Em que ocasiatildeo turismo ____ visita familiar____ visita escolar ____ Outros ___
5- Indicar qual________________
12-O que o levou a visitar museusexposiccedilotildees
_____1- Uma visita organizada pela escola
_____2- Recomendaccedilatildeo de algueacutem
_____3- Para acompanhar filhosfamiliaresamigosnamorados _____4- porque tem o costume e interesse em visitar museusexposiccedilotildees
_____5- Outras razotildees (indicar com precisatildeo)_____________________
13-Considerando os uacuteltimos trecircs anos vocecirc foi a museus
1- soacute______ 2- com os filhosfamiacutelia _____ 3- com amigos______
4- com um grupo organizado_______
14-Se jaacute entrou mais de 4 vezes em um museu queira indicar os trecircs uacuteltimos museus que visitou
1 ___________________2___________________3__________________
15-Nos museus visitados o que mais lhe agradou
____ 1-O passeiolazer como um todo
____2- A infra-estrutura o atendimento e serviccedilos de apoio
____ 3- Obras de arte objetos nunca vistos anteriormente
____4- Conteuacutedo e organizaccedilatildeo das exposiccedilotildees
____5- Nada agradou
____ 6- Outros ______________
16-Quais foram as dificuldades encontradas para realizaccedilatildeo das visitas a museus
____ 1- Natildeo acolhimento (funcionaacuterios monitores guias)
____ 2-Custo da visita (ingressodeslocamento)
____ 3- Ritmo da visita e conduccedilatildeo dos monitores
____4- Desconhecimento do tipo de acervo especiacutefico ____5- Dificuldade de acompanhar por falta de informaccedilotildees preacutevias
17-Durante as visitas a museus vocecirc
___1- Sente-se confortaacutevel ___ 2-Amplia seus horizontes de conhecimentos
___3-Interessa-se pelos assuntosexposiccedilotildees ___4- Diverte-se
___ 5-Sente-se desconfortaacutevel apreensivo ___ 6- Outros _____________________
18-Quais as impressotildees vocecirc tem quando sai de um museu
____ 1-Saiu de uma igreja ____ 2-Saiu de uma biblioteca
____ 3-Saiu de um shopping Center ____ 4-Saiu de uma sala de aula
____ 5-Saiu de uma sala de espera ____ 6- Outras imagens Quais _____________________
Parte IV
Deseja continuar colaborando com a pesquisa Sim ( ) Natildeo ( ) Em caso positivo por favor indique
Nome ___________________________
Telefone para contato ________________ e-mail ____________________________
190
Anexo B- Perfil dos visitantes
Graacuteficos elaborados a partir dos questionaacuterios acima Total de 17 estudantes Natildeo foram
elaboradas porcentagens
Graacutefico 1- Ocasiatildeo da visita ao museu
Visita escolar 16 visita familiar 2 turismo 1 outros 1
Graacutefico 2- Com quem visitou o museu a primeira vez
Escola 16 professora da faculdade 4 colegas da faculdade2 pais 2 grupo escolar 1viagem
m famiacutelia 1
191
Graacutefico 3- Com quem foi ao museu nos uacuteltimos anos
Graacutefico 4- Quantas vezes visitou museus
192
Graacutefico 5- Trecircs uacuteltimos museus visitados
Graacutefico 6- Primeira coisa a ver em um museu
193
Graacutefico 7- Como se sente durante a visita
Graacutefico 8 - Palavras associadas a museu
194
Graacutefico 9 - Coisas que tem em museus
Graacutefico 10- O que mais agradou nos museus
195
Graacutefico 11- Impressatildeo quando sai do museu
196
Anexo C
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo no
Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo Participantes Weberton Warleson Aline Tiago Fabiana Frederico Daniele Fernando Claudilene ndash
alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG
Elizabeth Seabra e Cristiane Almeida (assistiu e tomou notas)
Elizabeth ndash EacuteEu jaacute falei na sala dessa teacutecnica do grupo focal e a gente vai trabalhar mais ou menos uma
hora uma hora e pouco e a ideacuteia eacute que cada um procure expressar de forma mais livre se isso eacute possiacutevel em grupo
as opiniotildees conceitos as impressotildees o que achar mais adequadoa gente grava e depois transcreve A gente vai
tratar basicamente de trecircs pontos de natildeo der natildeo for possiacutevel aiacute a gente vecirc se estaacute excedendo muito a gente trata soacute
de dois temas Primeiro eu queria que vocecirc fizessem uma apresentaccedilatildeo falando o que vocecircs acham que deve ser
registrado neacute a respeito da identidade da forma que vocecircs preferirem e jaacute falassem nesse primeiro ponto um pouco
de como eacute que vocecircs vecircem esse trabalho que a gente faz com visitas a campo visitas a museus que aspectos que
detalhes vocecircs destacam desse tipo de trabalho Entatildeo jaacute na apresentaccedilatildeo de forma raacutepida ir pensando nos trabalhos passados o que destacariam falariam dessas visitas esse eacute o primeiro ponto A gente faz uma primeira rodada falando
todo mundo a gente encerrada esse ponto Passa para outro e faz uma segunda rodada Pode ser Entatildeo taacute Eu posso
me apresentarvocecircs me ajudam neacute Eu estou aqui hoje como pesquisadora dessa temaacutetica mas claro as coisas natildeo
se separam sou algueacutem que jaacute vem trabalhando nos uacuteltimos trecircs quatro anos com essa turma as visitas meu nome eacute
Elizabeth
(dificuldade de comeccedilar) hesitaccedilotildees quem comeccedila a falar
Meu nome eacute Weberton estudo na Faculdade de Pedro Leopoldo Bem a respeito de visitas a museus
trabalhos de campo visitas a cidades histoacutericas ()a medida que vocecirc amplia seus horizontes faz vocecirc ter uma outra
visatildeo vocecirc contrasta passa ver na praacutetica o que viu na teoria uma metodologia diferente ver eacute isso
Elizabeth Obrigada natildeo precisa preocupar com o gravador natildeo
Meu nome eacute Warleson eu acho que essas visitas a museus cidades histoacutericas igual o Betatildeo falou o
Weberton falou que amplia os horizontes eu acho tambeacutem que natildeo existe um curso de Histoacuteria ou entatildeo um outro curso de licenciatura sem essas visitas teacutecnicas por que acho que ajuda a gente a compreender melhor a mateacuteria que
a gente estaacute estudando natildeo soacute na teoria mas a gente ta vivenciando ela tambeacutem na praacutetica A mesma coisa eacute como se
a gente tivesse dando aula A gente aprende mais tambeacutem para ta colocando essas visitas essas viagens quando a
gente tiver na sala de aula
Aline Eacute praacute mim o interessante dessas visitas a campo eacute que querendo ou natildeo a sala de aula eacute um espaccedilo
fechado as vezes fica assim cansativo vocecirc acaba natildeo entendendo neacute eacute entende mas natildeo tem aquela visatildeo assim
mais ampla e aiacute vocecirc tendo aquele contato com os locais assim como se diz os objetos histoacutericos eu acho assim
que daacute praacute gente um entendimento melhor Minha opiniatildeo eacute essa natildeo sei eacute para todo mundo pra mim o
entendimento da histoacuteria fica mais faacutecil
Meu nome eacute Tiago eacute no meu entender as visitas aos museus contribuem sim com o nossa aprendizagem
parafrasendo o Warleson em certa medida nos daacute a condiccedilatildeo de sair um pouco da teoria e cair um pouco mais na praacutetica se eu posso dizer assim a gente tem o contato com uma determinada realidade Pra vocecirc trabalhar histoacuteria
noacutes trabalhamos com coisas muito abstratas neacute agrave medida que vocecirc chega num museu e tem contato com
determinadas obras aquilo ali pode te remeter um pouco a respeito daquele determinado periacuteodo e entatildeo eacute por isso eacute
muito importante
Meu nome eacute Fabiana aleacutem de ser como aprendizado tambeacutem eacute uma forma de se entender esse conceito
essa ideacuteia de memoacuteria de se preservar o patrimocircnio a importacircncia que eacute alem de ser acho que eacute isso O estaacutegio
que a gente ta fazendo antes a gente tinha uma visatildeo muito limitada quando vocecirc ta dentro vocecirc comeccedila a entender
como eacute que eacute e o trabalho de campo te abre para isso tambeacutem
Frederico Eu acho que quando a gente tem essa oportunidade na Faculdade de ta realizando esse trabalho
de campo ele vem assim de uma forma a gente reconhecer o valor desses espaccedilos pra gente tambeacutem ta trabalhando
ta utilizando esses espaccedilos na escola que uma coisa que a gente vecirc que as escolas ateacute utilizam esses espaccedilos de
memoacuteria mas natildeo utilizam da maneira correta neacute e isso possibilita pra gente ta reconhecendo esses espaccedilos e taacute aprendendo como a gente pode ta utilizando esses espaccedilos a partir da sala de aula e ta reforccedilando essa parceria da
escola com o museu com espaccedilos de memoacuteria e colocando a questatildeo da memoacuteria da educaccedilatildeo patrimonial da
valorizaccedilatildeo neacute do patrimocircnio
197
Meu nome eacute Daniele eu acho fundamental especificamente num curso de licenciatura enfocando na aacuterea da
histoacuteria vocecirc ter esse diaacutelogo com a questatildeo que eacute falada dentro da Faculdade a questatildeo dos conceitos da histoacuteria
das mudanccedilas e permanecircncias e a ida a campo te possibilita infinitas reflexotildees sobre as questotildees que satildeo
confrontadas dentro da sala de aula E o fundamental natildeo soacute a questatildeo de ver a histoacuteria como abstrato mas muito
mais que isso eacute dar uma nova interpretaccedilatildeo quando vocecirc vai agrave campo Entatildeo abre os horizontes agrave medida que vocecirc
pode confrontar vaacuterias visotildees levando em conta o contexto vaacuterias fontes tambeacutem
Meu nome eacute Fernando Eu tambeacutem acho interessante essa ida a campo porque busca um maior
entendimento daquilo que vocecirc vecirc apenas no papel no texto Quando vocecirc vai a um local a um patrimocircnio histoacuterico
a um museu isso possibilita ta mais perto vocecirc vecirc peccedilas exposiccedilotildees aquilo te remete te leva aquele tempo
Elizabeth Agora natildeo tem jeito neacute Soacute falta vocecirc (riso)
Claudilene Eu acho muito importante essas visitas a campo porque aleacutem da gente ta conhecendo novos lugares a gente aprende vaacuterias coisas sobre o passado com relaccedilatildeo ao presente aquilo que por exemplo quando a
gente foi no Museu do Escravo mesmo aquilo que aquelas pessoas passaram naquela eacutepoca os objetos que estatildeo laacute
representados que usavam nos castigos naqueles escravos eu acho muito interessante a histoacuteria neacute
Elizabeth Obrigada (risos) Olha soacute tem duas outras questotildees vou fazer junto e vocecircs fiquem agrave vontade
para falar mais de uma ou outraporque se tiver algueacutem que natildeo vai ao Rio de Janeiro pode responder mais uma ou
outra Todos vatildeo Haacute bom Por que eacute o seguinte o primeiro eu gostaria que vocecircs tentassem relatar ou descrever
trabalhos que jaacute foram feitos Lembrar da situaccedilatildeo o que viu que tipo de fato de contribuiccedilatildeo esse trabalho trouxe
neacute mas assim tentar lembrar alguma referecircncia dessas visitas e aiacute descrever o que aconteceu o que chamou a
atenccedilatildeo natildeo precisa ser soacute que gostou natildeo pode ser tambeacutem o que achou difiacutecil complicado pode avaliar o que de
fato foi essa visita essa experiecircncia e depois a gente coloca a terceira para encerrar Pode ser Vamos comeccedilar daqui
de novo Alguma visita que vocecirc lembra que participou o que chamou a atenccedilatildeo (repete esclarece ) Claudilene Como eu jaacute falei do Museu do Escravo a representaccedilatildeo das peccedilas Naquele laacute de BH Como
chama (respondem) Abiacutelio Barreto Eacute Abiacutelio Barreto gostei demais Pode falar de outros que eu fui Eu fui tambeacutem
em um (Vocecirc foi sozinha) Fui com minha famiacutelia Famiacutelia trapo Foi todo mundo no museu de JK laacute tambeacutem o
que mais interessante que eu achei laacute foi que ele colocou laacute no museu dele o que ele mais gostava na parte da
culinaacuteria Ele gostava de comida no fogatildeo agrave lenha e tinha um queijo laacute em cima do fogatildeo e de preferecircncia de panela
de barro Isso foi que mais gostei
Elizabeth Quando eacute que vocecirc foi Foi recente
Claudilene Eu fui laacute acho em 1994 Nesse museu em Brasiacutelia Teve um em Caraccedilas que eu fui mas soacute que
laacute de Caraccedilas eacute mais soacute eacute artigos religiosos
Elizabeth Vocecirc foi antes de entrar na Faculdade
Claudilene Antes de entrar na Faculdade Fui de JK em Cordisburgo Daquele escritor Ahm (Guimaratildees Rosa) Eacute Guimaratildees Rosa Eu adoro museu
Elizabeth Obrigada
Fernando O Museu que eu mais gostei achei super interessantefoi justamente na eacutepoca que gente tava
entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma visita ao Museu Abiacutelio Barreto em
BHOnde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito
aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava com ele um
laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer uma exposiccedilatildeo como organizar uma
exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo
mostrar aquilo que ta querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super interessante
assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria
Elizabeth Valeu Fernando
Daniele Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles explicaram pra gente como eacute que eacute feita
a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou
natildeo Outro Museu que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por mais que
assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas discutir comentar e as vezes se
faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito
Elizabeth Obrigada
Frederico O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a gente fez
na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E logo depois quando eu comecei a fazer
o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a
198
quantidade de pessoas que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute muito
seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo quais satildeo os materiais que vatildeo ser
expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me
chamou muito a atenccedilatildeo tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava meio perdido ali dentro e
achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar
o entendimento da exposiccedilatildeo e para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse
entender tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar
Elizabeth Soacute Fred uma pequena intervenccedilatildeo Vocecirc mencionou um estaacutegio e a Fabiana tambeacutem Soacute
rapidamente eu gostaria que vocecirc falasse para que algumas pessoas saibam e registrar vamos dizer assim que
estaacutegio eacute esse que vocecirc ta fazendo Frederico A gente comeccedilou esse ano a partir do dia 08 de janeiro um Estaacutegio institucional supervisionado
pela Faculdade Gente taacute realizando no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto todas as semanas a gente vai
periodicamente E no iniacutecio a gente realizou um trabalho de estudo junto com o setor educativo do museu eacute a gente
trabalha direto com o setor educativo no iniacutecio foi um grupo de estudos e a agora a gente jaacute estaacute comeccedilando a partir
dos atendimentos das intervenccedilotildees que o setor faz com os alunos e a gente ta comeccedilando a aprender para que a gente
possa tambeacutem fazer essas intervenccedilotildees Ta sendo muito bacana porque a gente ta conseguindo fazer essa ligaccedilatildeo da
escola com o museu ateacute mesmo por estar trabalhando no setor educativo do museu Taacute dando para aprender bastante
coisa
Fabiana Aprender tambeacutem a importacircncia que eacute a ligaccedilatildeo da escola com o museu A experiecircncia em museu
o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute
que a nossa visita foi guiada foi muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom foi vocecirc ter uma
direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que
direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim No Abiacutelio Barreto estaacute sendo
fantaacutestica a experiecircncia ainda mais no setor pedagoacutegico que a gente ta trabalhando
Tiago No meu caso natildeo eacute o Museu Abiacutelio Barreto natildeo eacute o Museu Imperial nem o Museu do Escravo
(risos) mas () porque eu natildeo tive a oportunidade de ir ( natildeo gosto nem de lembrar) um museu que se destacou
entre os que jaacute visitei foi o Museu Padre Toledo em Tiradentes eu acho que basicamente quase ningueacutem teve a
oportunidade de visitar num cronograma tatildeo corrido dentro das perspectivas de trabalho de campo que o Geraldo
propocircs Entatildeo ningueacutem parou para ver neacute mas eu tive a sorte de que duas semanas antes eu tinha ido laacute entatildeo eu
fui no museu e notei uma coisa muito interessante que eram vaacuterias peccedilas que remetem ao seacuteculo XVIII mas vaacuterias
peccedilas que natildeo tem uma interlocuccedilatildeo a exposiccedilatildeo natildeo te daacute uma oportunidade de fazer uma ligaccedilatildeo entre elas acho que eles se preocuparam tanto em expor o seacuteculo XVIII uma casa do seacuteculo XVIII mas a gente eu no caso natildeo tive
a oportunidade de perceber a ligaccedilatildeo que tinha
Elizabeth Obrigada Tiago
Aline Bom no meu caso natildeo foi o museu natildeo foi o Arquivo da Cidade de BH Eu achei interessante
porque a gente pode ver laacute como que se daacute o armazenamento dos documentos porque se natildeo tiver esse cuidado ele
acaba perdendo no tempo Entatildeo a gente aprendeu laacute o que eacute interessante guardar como que eacute feita a higienizaccedilatildeo
desse material para poder ser guardado e uma que assim que natildeo me agradou muito foi o Museu de Histoacuteria Natural
da PUC A exposiccedilatildeo era interessante demais mas acho assim que era mais voltado para crianccedila sabe As guias do
dia laacute falavam uma linguagem meio infantil acabou que a gente foi com a disciplina de Histoacuteria da Aacutefrica A
professora precisou intervir porque tava uma coisa assim (intervenccedilatildeo do Colega foi Histoacuteria da Ciecircncia e da
Teacutecnica) Foi da Aacutefrica Natildeo foi terceiro periacuteodo Essa mateacuteria aiacute aiacute a professora pode citar o nome Ela precisou
intervir porque natildeo tava sendo interessante para a gente tava muito mecanizado Ela teve que nortear a coisa para estar de acordo com a nossa disciplina O palaacutecio imperial tambeacutem foi bastante interessante mas tambeacutem natildeo deu
nem para observar direito as peccedilas porque foi muito corrido Eacute isso aiacute
Elizabeth Soacute um segundo sei que vai cansando e a gente comeccedila a falar junto mas depois eu natildeo consigo
fazer a transcriccedilatildeo Entatildeo por favor
Warleson Eu jaacute fui no Museu de Guimaratildees Rosa e na eacutepoca eu tava na 8ordf Seacuterie e gostei bastante de ter
ido depois eu ateacute passei na gruta de Maquineacute que eu natildeo sei se entra aqui se eacute o caso() eu gostei mas natildeo lembro
muito do que foi falado laacute soacute lembro que eu fui Eu gosto muito de visita assim tem uma igreja laacute em Congonhas
tambeacutem que eu jaacute visitei e gostei muito do Museu de Artes e ofiacutecios em BH de como que se dava o processo de
trabalho da eacutepoca da exposiccedilatildeo que eu natildeo lembro o tempo a memoacuteria agora ta curta Eu gostei tambeacutem do Museu
199
do Escravo tambeacutem Eu gosto muito dessa ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte
principalmente na religiatildeo
Elizabeth Soacute uma coisa W Vocecirc mencionou Guimaratildees Rosa mesmo em Congonhas vocecirc foi sozinho
com amigos em grupo com a escola
Warleson Laacute no Museu de Guimaratildees Rosa eu fui com a escola quando tava na 8ordf Seacuterie Em congonhas
foi uma excursatildeo que a gente faz para um parque Parque da Cachoeira que tem laacute aiacute a gente passa nessa igreja para
fazer a visita A igreja na eacutepoca estava em reforma mas a gente podia entrar laacute dentro
Elizabeth Aiacute satildeo amigos
Warleson eacute uma excursatildeo assim um especial
Elizabeth Obrigada
Weberton (riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era estruturado objetos que ao mesmo tempo ()
visatildeo que tinha do negro mostrando eles simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa
faltou assim a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro que tinha na
eacutepoca
Elizabeth A questatildeo do terceiro ponto e nossa uacuteltima rodada eacute a nossa visita ao Rio de Janeiro A visita estaacute
marcada pela ideacuteia da comemoraccedilatildeo dos 200 anos da vinda da famiacutelia real e de propoacutesito tambeacutem a gente escolheu
visitas a algumas das exposiccedilotildees relacionadas a esse evento e certamente a gente vai poder conversar sobre o que
foi fazer laacute Mas eu gostaria que vocecircs falassem pensassem da expectativa da visita claro eu imagino que a
expectativa eacute boa alta mas como vocecircs relacionam a questatildeo da memoacuteria que jaacute abordaram que estaacute presente nos
museus e nestes espaccedilos que a gente costuma visitar e questatildeo da histoacuteria e aiacute a gente pode pensar um pouco no
sentido dessa histoacuteria escrita da historiografia daquela eacute trabalhada nos textos na sala de aula e a questatildeo da comemoraccedilatildeo Como vocecirc fazem vecircem isso comemoraccedilatildeo histoacuteria e memoacuteria Como relaciona isso antes das
visitas Como estaacute na cabeccedila tem relaccedilatildeo natildeo tem Natildeo eacute preciso fazer nenhuma tese mas como vecircm noacutes vamos
para um evento assim uma seacuterie de exposiccedilotildees relacionadas a uma comemoraccedilatildeo Aiacute noacutes estamos tratando da
questatildeo da memoacuteria e da histoacuteria Como vocecircs pensam que isso pode ser organizado pensado Pode ser Agora vou
fazer assim quem quer comeccedilar
Daniele Eu acho assim o interessante eacute porque os professores datildeo uma base muito boa para quando vocecirc
vai para a discussatildeo Por mais que a gente vai num periacuteodo assim com essa intenccedilatildeo Taacute sendo comemorado Eacute
muito importante as visitas em diferentes tempos mas eu acho que deve ter um certo cuidado ter uma visatildeo criacutetica
porque essa comemoraccedilatildeo pode daacute uma organizaccedilatildeo para enaltecer essa comemoraccedilatildeo Analisar mas analisar de
forma criacutetica saber se essa comemoraccedilatildeo tem Natildeo sei se consegui me expressar
Elizabeth algueacutem quer tentar expressar Tiago Na verdade pensar a historicidade do evento Se natildeo fica muito naquele negoacutecio do oba oba se natildeo o
propoacutesito principal se perde e
Frederico Aiacute que entra a questatildeo da memoacuteria Eu acho que nem a D falou ser criacutetico A gente ir assim para
focar o ato de comemoraccedilatildeo O que estaacute sendo comemorado Por que Ir com alguns questionamentos e ter alguns
filtros para natildeo ir muito para o lado do () a valorizaccedilatildeo da memoacuteria e buscar nesses momentos o valor histoacuterico
Tiago E o por que de estar sendo comemorado Na Verdade eacute um fato relevante na histoacuteria do Brasil mas
quais que satildeo as pretensotildees de se fazer essa comemoraccedilatildeo quais as implicaccedilotildees disso
Frederico Eu acho que nem tanto o por que mas como estaacute sendo neacute Como eles estatildeo fazendo isso De
que forma estatildeo representando esse momento Momento a chegada da famiacutelia real como isso estaacute sendo
representado
Elizabeth Na cabeccedila de vocecircs esse momento Chegada da famiacutelia real tem uma ldquoaurardquo tem uma
importacircncia Como vocecircs vecircem isso WebertonSim Mudou os rumos do Brasil porque ateacute entatildeo tinha a vigecircncia do pacto colonial (fim da fita
em um dos gravadores) Tinha o comeacutercio metroacutepolecolocircnia e com a vinda da famiacutelia real a abertura dos portos
favorece uma burguesia colonial natildeo sei se burguesia mas a elite brasileira passou experimentar novos mercados
comeacutercios e e isso eacute importante porque a partir do momento que Portugal abriu os portos a elite brasileira viu que
natildeo era vantagem natildeo aceitou mais e comeccedilou a organizar movimentos civis que vai culminar na Independecircncia do
Brasil
Daniela E isso que o B ta falando eacute justamente a de analisar como foi esse acontecimento e qual a visatildeo
que estaacute sendo repassada nessas exposiccedilotildees Tentar na medida do possiacutevel confrontarneacute
Tiago Aleacutem de um sentido poliacutetico e econocircmico a vinda da famiacutelia real traz um sentido cultural forte
200
Elizabeth Acho que ta encerrando mais algueacutem quer fazer alguma consideraccedilatildeo sobre a expectativa dessa
visita ao Rio o que espera ver o que jaacute viu o jaacute visitou
Frederico Conheccedilo Petroacutepolis
Frederico Questatildeo histoacuterica museus natildeo
Outros concordam
Observaccedilatildeo apenas uma participante disse jaacute conhecer o Rio de Janeiro Niteroacutei
Elizabeth Agradeccedilo a todos a Cristiane e depois retorno
201
Anexo D
ROTEIRO TRABALHO DE CAMPO ndash Rio de Janeiro DATAS Saiacuteda de Pedro Leopoldo 30042008 agraves 2230 (noite - quarta)
Retorno d o Rio de Janeiro 03052008 agraves 1200 horas (tarde- saacutebado)
ATIVIDADE ACADEcircMICA CIENTIacuteFICA E CULTURAL ndash 25 h-
5ordf Feira dia 01052008
Chegada ao Hotel Rio‟s Nice Hotel Rua do Riachuelo 201 Centro CEP 20230-011 Rio de Janeiro Rio
de Janeiro telefone 2297-1155 ndash cafeacute da manhatilde
1000 saiacuteda do Hotel para Visitaccedilatildeo ao Corcovado(Cristo Redentor)
Subida de Trem ao Corcovado Saiacuteda Rua Cosme Velho 513 Zona sul Telefones 24922252 e
22051045 Funcionamento de 8 30 agraves 18 30h saiacuteda a cada meia hora Duraccedilatildeo da viagem cerca de 20 minutos
Preccedilo da passagem R$ 3600(inclui ida e volta) aceita Cartotildees de Creacutedito Velocidade da subida 15 kmh Velocidade
da descida 12 kmh
Som e Luz na Antiga Seacute ndash agendado para o grupo chegar agraves 1000 h fazer a visita guiada ao interior da
Igreja e terminar com o espetaacuteculo agraves 1200 h com efeitos sonoros e iluminaccedilatildeo que conta a histoacuteria da antiga seacute Satildeo
projetadas sombras de personagens como reis e padres nas paredes Valor da entrada R4 600 (inclui a visita ao espetaacuteculo)
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO CARMO DA ANTIGA SEacute
A antiga catedral promovida a Capela Real em 1808 foi palco da sagraccedilatildeo de D Joatildeo VI como rei de
Portugal apoacutes a morte de D Maria I Ali se casaram o futuro D Pedro I e D Leopoldina da Aacuteustria em 6 de
novembro de 1817 Rua 7 de Setembro 14 centro 218176-4182 3a5a 9h17h e saacuteb 11h17h agende com
antecedecircncia
Almoccedilo
Horaacuterio 1600 agendado para o grupo
Visita a EXPOSICcedilAtildeO -RIO DE JANEIRO CAPITAL DE PORTUGAL EXPOSICcedilAtildeO ndash
COMEMORACcedilOtildeES DOM JOAtildeO VI NO RIO - 1808-2008
ART SESC - FLAMENGO Rua Marquecircs de Abrantes 99- Flamengo Sede administrativa (21) 3138-
1020 Arte Sesc (21) 3138-1343 Graacutetis
Exposiccedilatildeo mostra a chegada de D Joatildeo no Brasil A vinda para o Brasil de D Joatildeo priacutencipe regente de
Portugal e de sua comitiva e as radicais alteraccedilotildees sobre os destinos e a vida da colocircnia principalmente sobre os
haacutebitos e costumes da cidade apresentadas de forma abrangente os motivos que levaram agrave transferecircncia da Corte as
principais iniciativas por ele tomadas como a criaccedilatildeo do Banco do Brasil da Imprensa Reacutegia do Jardim Botacircnico e
da Capela Real e a chegada da chamada Missatildeo Francesa composta de arquitetos pintores gravadores e artiacutefices
para citar apenas algumas
Noite ndash livre
6ordf Feira dia 02052008
202
Horaacuterio agendado para o grupo 1000 h MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL Praccedila Marechal Acircncora centro
212550-9220R$ 600 EXPOSICcedilOtildeES ndashUM NOVO MUNDO UM NOVO IMPEacuteRIO A CORTE PORTUGUESA NO BRASIL Seu
acervo muito bem preservado e identificado inclui coleccedilotildees de armas carruagens louccedilas pratarias e objetos
pessoais da eacutepoca da corte Promove a partir de 8 de marccedilo uma das mais importantes exposiccedilotildees sobre o periacuteodo
Horaacuterio agendado para o grupo 930 h Biblioteca Nacional- 15 pessoas Av Rio Branco 219 Centro Telefone
21 2220-9484
Visita guiada agrave seccedilatildeo de Manuscritos Perioacutedicos Microfilmados Obras Raras e outros setores Edifiacutecio projetado por
Francisco Marcelino de Souza Aguiar foi inaugurado em 1910 Em estilo neoclaacutessico com imponente escadaria ateacute
o primeiro andar eacute circundado de colunas coriacutentias Seu acervo comeccedilou a ser reunido no seacuteculo XVIII Nele
destacam-se dois exemplares da Biacuteblia de Moguacutencia impressa em 1462 pelos continuadores de Gutenberg a ediccedilatildeo
dos Lusiacuteadas de 1572 a coleccedilatildeo De Angelis e a coleccedilatildeo Teresa Cristina doaccedilatildeo de D Pedro II
AlmoccediloHoraacuterio agendado 0 Exposiccedilotildees ndash Comemoraccedilotildees Dom Joatildeo VI no Rio de Janeiro 1808-20
O Teatro de Debret Entrada Franca
O Teatro de Debret eacute a maior exposiccedilatildeo jaacute realizada sobre Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pintor
integrante da Missatildeo Artiacutestica Francesa que viveu no Rio de 1816 a 1831 Com 511 obras sendo 346 aquarelas 151
pranchas litograacuteficas e cinco oacuteleos do artista aleacutem de nove trabalhos relacionados com ele a mostra revela o Rio
tanto sede do impeacuterio portuguecircs como do Brasil com todos os seus contrastes e exuberacircncias A mostra integra as
comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da Famiacutelia Real
O edifiacutecio onde hoje funciona a Casa Franccedila-Brasil jaacute foi palco de alguns eventos importantes de nossa histoacuteria Mandado erguer em 1819 por D Joatildeo VI ao arquiteto Grandjean de Montigny integrante da Missatildeo
Artiacutestica Francesa a obra em si jaacute eacute um importante documento Eacute o primeiro registro do estilo neoclaacutessico no Rio
de Janeiro que a partir daiacute invadiu nossa cidade tingindo o barroco de nossas florestas e de nossas casas coloniais
de um tom cosmopolita agrave moda europeacuteia
Noite Livre
Saacutebado dia 03052008 Visita ao Jardim Botacircnico Rua Jardim Botacircnico 1008 Exposiccedilatildeo Orquiacutedeas no Jardim
Centenas de espeacutecies entre elas a primeira espeacutecie nativa do paiacutes trazida pelo rei de Portugal Mostra exposiccedilatildeo
paralela Dom Joatildeo VI e a Exploraccedilatildeo e o Estudo das orquiacutedeas no Brasil que mostra a importacircncia da chegada da
corte para o desenvolvimento botacircnico do paiacutes Entrada R$ 400
Tour pela orla e praias de Copacabana Ipanema e outras
Retorno ndash saacutebado agraves 1200 ndash parada na Serra da Mantiqueira para observaccedilatildeo da paisagem
iii
iv
Elton e Teresa
todo o amor que houver nessa vida
v
AGRADECIMENTOS
Agrave professora Ernesta Zamboni pela felicidade de ser sua orientanda participar de seu grupo
de pesquisa e de seu conviacutevio Pela dedicaccedilatildeo com a qual conduz o trabalho acadecircmico e o
cuidado com o ensino de histoacuteria
Agraves professoras do grupo Memoacuteria Maria do Carmo Martins Maria Carolina Boveacuterio
Galzerani Heloiacutesa Helena Pimenta Rocha e Vera Luacutecia Sabongi De Rossi com as quais tive o
prazer de compartilhar minha formaccedilatildeo na Unicamp Agrave professora Cristiani Bereta e ao professor
Miacutelton Joseacute de Almeida pela leitura e indicaccedilotildees quando do exame de qualificaccedilatildeo Agrave professora
Simone Maria Rocha e ao professor Julio Emiacutelio Pereira Diniz que me possibilitaram ampliar as
leituras teoacutericas e metodoloacutegicas desse trabalho ao me receberem como aluna em suas disciplinas
acadecircmicas na UFMG
Aos colegas orientandos da professora Ernesta Zamboni Elaine Marta Tadeu Halferd
Juliana e Valeacuteria pela convivecircncia em Campinas que incluiu discussotildees sobre os limites da
pesquisa e a ampliaccedilatildeo de meus horizontes de expectativas quanto agrave vida cotidiana
Agraves diversas pessoas e instituiccedilotildees como bibliotecas puacuteblicas e museus que possibilitaram
ao longo dos quatro anos a pesquisa bibliograacutefica e documental Registro em nome de todas as
contribuiccedilotildees um agradecimento a Ana Paula Soares Pacheco que natildeo me conhece mas me
enviou de Salvador um livro que esperava ansiosamente para concluir um argumento da tese
Ao pessoal da Faculdade de Pedro Leopoldo a quem devo aleacutem do carinho nos quase dez
anos de conviacutevio profissional a existecircncia dessa pesquisa sobre as visitas a museus Foi em Pedro
Leopoldo que nasceu o desejo de investigar a praacutetica de visitas e a elaboraccedilatildeo do projeto de
doutorado Agradeccedilo a Edna Marta Siuacuteves aos colegas professores Marcos Lobato Geovacircnia
Luacutecia dos Santos Geraldo Magela Mangnini Rafael Machado Cristiane de Castro e Almeida
Juacutenia Sales Pereira Rogeacuterio Pereira Arruda Andreacutea Casa Nova Maia Shirley Aparecida de
Miranda Joseacute Eustaacutequio de Brito Juacutenia Carolina Mariza Guerra de Andrade Ilza Gualberto
Eunice Esteves Humberto Catuzzo e outros que viveram os dias de formulaccedilatildeo e reformulaccedilatildeo
de projetos pedagoacutegicos trabalhos de campo atividades acadecircmicas cientiacuteficas e culturais e
que talvez natildeo desejem serem lembrados por isso
vi
Aos alunos das vaacuterias turmas do Curso de Histoacuteria da Faculdade de Pedro Leopoldo e em
especial da uacuteltima turma de histoacuteria que concluiu a licenciatura em 2008 Eles satildeo os sujeitos
instituiacutedos por essa pesquisa Eacute agrave memoacuteria dos estudantes que quero prestar meu agradecimento
na forma de registro institucional de tese
Aos amigos de ontem e hoje Silvana Flaacutevia Dulce Santuza Cynthia Rogeacuterio Cristiane
Juacutenia Nara Wanderley Miacuteria Miacuteriam e Meire Ao pessoal de casa pai matildee irmatildeo irmatildes
sobrinhas sobrinhos cunhada cunhados vizinhos sempre interessados em como estatildeo indo as
minhas coisas
Aos professores e alunos do Curso de Histoacuteria do Unibh em especial aos professores
Rogeacuterio Arruda e a professora Ana Cristina Lage com os quais tive o prazer de compartilhar um
reencontro com o sabor discutir historiografia agraves sextas-feiras agrave noite
vii
Vista do Salatildeo do seacuteculo XIII do Museu dos Monumentos Franceses
Gravada por Jean Baptiste Reacuteville e Jacques Lavalleacutee Paris 1816
ldquoA mais forte impressatildeo da infacircncia [] foi o Museu dos monumentos franceses tatildeo
desastrosamente destruiacutedos Foi laacute e em nenhuma outra parte que pela primeira vez tive a viva
impressatildeo da histoacuteria Ocupava aqueles tuacutemulos com minha imaginaccedilatildeo sentia aqueles mortos
atraveacutes do maacutermore e natildeo era sem algum terror que penetrava sob aquelas aboacutebodas baixas
onde jaziam Dagobert Chilpeacuteric e Freacutedeacutegonderdquo
Jules Michelet O Povo 1a Ediccedilatildeo Paris 1866
viii
RESUMO
O objetivo central da tese eacute analisar em que medida praacuteticas escolares de visitas a museus podem
romper com os saberes disciplinares e pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de
um conhecimento experiencial a ser mobilizado no ensino de histoacuteria Do ponto de vista teoacuterico
a pesquisa toma a ideia de visitante como um espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) e a
produccedilatildeo da cultura como um modo de vida comum perpassada pelas ideacuteias e praacuteticas sociais
(WILLIAMS 1969 e 1979) Do ponto de vista empiacuterico investiga-se como um grupo de
estudantes de Licenciatura em Histoacuteria em situaccedilotildees educativas de visita constroem sentidos
diversos para o patrimocircnio para o ensino de histoacuteria e a para a memoacuteria cultural Destacam-se
em especial as praacuteticas vivenciadas pelos visitantes no Museu do Escravo de Belo Vale (MG) e
no Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro
Palavras chave Visitantes de Museus Formaccedilatildeo Histoacuterica Patrimocircnio Memoacuteria Formaccedilatildeo de
Professores
ix
ABSTRACT
The main objective of this thesis is to analyze the extent in that school field trips to museums can
modify established disciplinary and pedagogical knowledge and directly influence the production
of knowledge from experience to be mobilized for the teaching of history From the theoretical
viewpoint this study considers the visitor as an emancipated spectator (RANCIEgraveRE 2010) and
the production of culture as a common way of life and determined by the social ideas and
practices (WILLIAMS 1969 and 1979) From the empirical viewpoint we investigated the way
how history licensure students construct various meanings to the heritage in field trips for the
teaching of history and the cultural memoryThe practices experienced by the visitors to the Slave
Museum in Belo Vale State of Minas Gerais and the National History Museum in Rio de
Janeiro state of Rio de Janeiro are given special emphasis
Keywords Museum Visitors History Formation Heritage Memory Teacher Education
x
Lista de ilustraccedilotildees
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura Production of CultureCultures of
Production Londres Sege 1997 32
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio interno do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006 33
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do Museu Histoacuterico Nacional
2008 33
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em 2011 35
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt Acesso em 2011 37
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila
Belo Vale MG 2006 72
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007 77
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no paacutetio central tendo ao
fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006 79
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da monitora no paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 79
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao tronco no paacutetio interno do
Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 80
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 83
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 84
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677 85
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I Palazzo Vecchio Firenze
1570-1573 86
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias da visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 88
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no Salatildeo (Quatre heures au
Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do Louvre Paris 1847 90
xi
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955 Ilustraccedilatildeo da capa de
The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros)
Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell 92
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962 Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo
produzida para a ediccedilatildeo do Saturday Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular 92
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus
visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009 98
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade de Belo Vale 110
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos visitantes 111
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm 113
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
Disponiacutevel em lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso em 2011 114
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo desconhecido Museu do Escravo
Belo Vale 2006 116
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 118
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno do Museu do Escravo 2006
119
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute Diegues Museu do
Escravo 2006 120
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil regente de Portugal
Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um
Novo Impeacuterio - A Corte Portuguesa no Brasil2008 p18 123
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Cultura 1957 130
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da Minerva Entrada do Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Cultura IPHAN Guia do Visitante sd 130
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional 132
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio
da Educaccedilatildeo e Cultura 1957 133
xii
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 134
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo Mundo um novo impeacuterio
A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 140
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro
2008 143
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
148
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 150
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave Exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 152
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio Janeiro 2008 152
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A metroacutepole nos troacutepicos
Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
154
xiii
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica 9
11- Memoacuteria e narrativas de visitas 13
12 - A presenccedila de estudantes 19
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica 25
14- Circuito e circularidade cultural 30
15- Visitantes de museus espectadores emancipados 39
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes 45
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico 45
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus 54
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos 58
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade 63
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes 71
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes 82
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal 82
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus 88
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus 94
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos 99
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais 109
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais 109
42 - O escravo e o museu 113
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo 115
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo 117
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees 122
xiv
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio 122
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros 134
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo 142
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica 149
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 158
DOCUMENTOS 165
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 168
ANEXOS 188
1
INTRODUCcedilAtildeO
A descriccedilatildeo feita historiador Jules Michelet (1798-1874) de sua visita na infacircncia ao
Museu dos Monumentos Franceses e seu encontro com a histoacuteria ldquovivardquo da Franccedila continua
estimulando reflexotildees sobre os efeitos de sentidos dos museus para a histoacuteria a memoacuteria e o
patrimocircnio A visatildeo de Michelet a respeito dos tuacutemulos de maacutermore dos heroacuteis meroviacutengios
remete aos vaacuterios sentimentos provocados em noacutes visitantes pelo Panteatildeo dos Inconfidentes na
cidade de Ouro Preto Tambeacutem evoca os sentidos puacuteblicos da existecircncia do mausoleacuteu imperial
inaugurado por Getuacutelio Vargas em 1939 na catedral de Satildeo Pedro de Alcacircntara em Petroacutepolis
Rio de Janeiro onde estatildeo os tuacutemulos de D Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina
O Museu dos Monumentos franceses organizado por Alexandre Lenoir teve curta
duraccedilatildeo Ele existiu no conturbando periacuteodo entre 1795 e 1816 Contudo o efeito que a visita a
esse museu exerceu sobre o menino Michelet e em sua concepccedilatildeo de Histoacuteria parece duradouro
o uso da imaginaccedilatildeo para que os mortos ganhem vida
Meu encontro com os museus natildeo pode ser comparado ao relatado pelo historiador da
Revoluccedilatildeo Francesa Sequer fui a um museu quando crianccedila Minha relaccedilatildeo mais proacutexima com
essas instituiccedilotildees e com o imaginaacuterio que as cercam se aproxima da escolha da Histoacuteria como
campo profissional Foi durante a graduaccedilatildeo em histoacuteria que me aproximei dos museus como
visitante e pude posteriormente como professora de Histoacuteria no ensino fundamental e superior
experimentar diferentes instituiccedilotildees museais acompanhando grupos de estudantes muitos deles
tambeacutem visitando um museu pela primeira vez
Nas praacuteticas de visita ouvi e vi diversas vezes o encantamento e a decepccedilatildeo dos
estudantes diante do patrimocircnio monumentalizado Ao percorrer pela primeira vez ruas e becos
da cidade de Ouro Preto em 1994 um estudante de 14 anos cursando o ensino fundamental em
uma escola puacuteblica de Belo Horizonte olhava deslumbrado e me disse que nunca havia
imaginado que uma ldquocidade histoacutericardquo fosse igual agrave favela onde morava cheia de morros e casas
apertadas Outra estudante do curso de licenciatura em Histoacuteria da Faculdade onde trabalhava ao
visitar o Museu Imperial se mostrava bastante incomodada e escreveu posteriormente em seu
relatoacuterio de visita em 2005 que lhe parecia que soacute havia milionaacuterios em Petroacutepolis Ningueacutem
falava de quem construiu o palaacutecio quem trabalhou laacute dentro servindo a famiacutelia imperial como
2
se vestiam as empregadas que lavavam as ricas porcelanas e limpavam os quartos mobiliados
suntuosamente se existia alguma capelinha ou ldquocentro de macumbardquo onde os negros se reuniam
No seu relato a aluna lembra que historiadores como Marcos A da Silva jaacute falavam dos riscos de
se trabalhar com o ldquopatrimocircnio histoacutericordquo afastado do cotidiano do ensino de histoacuteria Ningueacutem
falou disso laacute no Museu relatou a visitante Os guias os materiais impressos soacute falam dos preccedilos
das casas das joacuteias e vestimentas da famiacutelia imperial concluiu Maria da Conceiccedilatildeo Machado
Viana em seu Relatoacuterio de Visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis em 2005
O objeto desta pesquisa parte desse lugar do visitante que problematiza suas vivecircncias
evidencia crenccedilas expressa opiniotildees e amplia sua formaccedilatildeo histoacuterica e profissional em diaacutelogo
com as praacuteticas educativas que ocorrem em ambientes natildeo escolares como os museus
O interesse por esse tipo de investigaccedilatildeo surgiu desses momentos em que a visita
provocava o encontro de uma histoacuteria viva com os visitantes possibilitando emergir questotildees que
interpelavam os sujeitos colocando-os em accedilatildeo posicionando-os em relaccedilatildeo aos museus ao
ensino de histoacuteria agrave historiografia e agraves praacuteticas de memoacuteria Diante dos museus e colocados em
situaccedilotildees de interaccedilatildeo os visitantes-estudantes eram capazes de se reconhecerem reciprocamente
como parceiros protagonistas numa situaccedilatildeo de troca
A pesquisa para o doutoramento eacute esse esforccedilo para construir uma narrativa a partir dos
vestiacutegios deixados pelos visitantes Busco articular o tempo de minha proacutepria formaccedilatildeo de meu
exerciacutecio profissional como professora de Histoacuteria e da minha atual condiccedilatildeo de pesquisadora na
aacuterea de educaccedilatildeo Eacute do lugar do presente que pretendo materializar meu objeto de pesquisa as
visitas educativas a museus tomadas como foco para a anaacutelise dos usos do patrimocircnio cultural
pelos visitantes
Procuro nesse trabalho reunir numa narrativa (RICOEUR 2010 p2-3) as vozes muacuteltiplas
e dispersas dos visitantes numa siacutentese escrita criando uma nova pertinecircncia capaz de dar novos
sentidos e referecircncias para o patrimocircnio musealizado Um movimento de fixar e conservar rastros
que satildeo escassos pegadas que satildeo poucas pois a visita pensada pela loacutegica da ldquoconservaccedilatildeordquo
dos museus natildeo deve deixar marcas nos pisos originais natildeo deve deixar sobras do consumo de
alimentos nas aacutereas comuns como jardins natildeo se deve fotografar as exposiccedilotildees e nem carregar
objetos durante o trajeto de visita guiada pelos museus
3
O visitante que procuro constituir pela pesquisa sente necessidade de se expressar de
tornar-se presenccedila Os efeitos de sentido natildeo lhes vecircem automaticamente do passado das
reminiscecircncias individuais mas do investimento que ele faz no seu presente a partir de sua
condiccedilatildeo de estudante para tornar presenccedila o que soacute existe como ausecircncia Para minha sorte as
visitas que acompanhei natildeo foram silenciosas Haacute uma escassez momentacircnea de palavras
adequadas para nomear sentimentos de maneira profunda natildeo haacute excessos aparentes no visitante
ele fala posteriormente no ocircnibus na sala de aula da falta que o calou O visitante olha e faz
suas opccedilotildees diante da narrativa do museu quase como uma imposiccedilatildeo da dimensatildeo do
esquecimento entendido como parte constitutiva do trabalho de memoacuteria ele quer registrar sua
presenccedila e sua opiniatildeo
O encontro de visitantes e museus eacute cheio de lapsos e apagamento dos rastros como de
qualquer praacutetica cultural que se queira narrar depois de decorrido o tempo da accedilatildeo O auto-retrato
formativo dos visitantes eacute sempre de itineracircncias e erracircncias nunca um quadro completo Se o
traccedilado a ser esboccedilado eacute histoacuterico o museu mostra-se nessa pesquisa como um lugar habitado por
corpos hierarquias sociais econocircmicas religiosas e culturais mas que tambeacutem insistem em se
tornar utopia e imagens que teimam em povoar provisoriamente a imaginaccedilatildeo
A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita emergir um campo de
investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em relaccedilatildeo ao saber histoacuterico
a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante
permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo
como o passado permanece como passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa
experiecircncia temporal essa vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que
experimentada abre o potencial de futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
A problematizaccedilatildeo das situaccedilotildees de visita a museus justifica-se por contribuir para uma
reflexatildeo sobre o ensino de histoacuteria como aacuterea de pesquisa e estreitar os viacutenculos com a produccedilatildeo
do conhecimento histoacuterico As visitas a museus podem propiciar um tipo de formaccedilatildeo histoacuterica
dialoacutegico principalmente com a cultura visual e material
Do ponto de vista teoacuterico e metodoloacutegico eacute importante apontar como os museus se
apresentam como um ldquocampo de forccedilasrdquo capaz de romper com os saberes disciplinares e
4
pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de um conhecimento experiencial a ser
mobilizado no ensino de histoacuteria
O contato de estudantes-visitantes com o patrimocircnio cultural musealizado amplia a
compreensatildeo das linguagens expositivas e educativas dos museus a relaccedilatildeo entre objetos
museais seus significados e os coacutedigos mais amplos de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo cultural (HALL
1997 2003)
Diferentemente dos postulados que entendem o ldquodiscurso pedagoacutegicordquo como aquele a ser
transmitido e recebido que se constitui pela recontextualizaccedilatildeo de outros discursos o
conhecimento escolar eacute aqui entendido como um trabalho coletivo um texto em aberto que exige
a participaccedilatildeo de alunos e professores e natildeo uma mercadoria a ser reproduzida e consumida
pelos estudantes (SANTOS 1994 p31)
A pesquisa tem como tema central a anaacutelise das dinacircmicas e interaccedilotildees entre estudantes
em visitas educativas a instituiccedilotildees museais Visitas essas que se concretizam nas accedilotildees dos
visitantes frente agraves linguagens expositivas presentes nos museus nas concepccedilotildees de memoacuteria
patrimocircnio e histoacuteria dos visitantes e na produccedilatildeoelaboraccedilatildeo de sentidos e seus usos do
patrimocircnio cultural sempre considerando questotildees relativas agraves subjetividades identidades
profissionais experiecircnciatrajetoacuteria de vida formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
A premissa inicial de trabalho postula que estudantes ao visitarem museus tornam-se parte
constitutiva do movimento de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo dos conhecimentos de seus acervos
Entende-se que as experiecircncias vividas pelos sujeitos profissionais dos museus e visitantes
possibilitam mobilizar e atualizar saberes dos profissionais dos museus e saberes daqueles que
visitam museus
A justificativa para essa abordagem baseia-se em certo consenso de que a formaccedilatildeo para o
ensino de histoacuteria pode ser potencializada pelo uso de espaccedilos culturais como os museus A
cultura escolar como afirmam Marcos Silva e Selva Guimaratildees Fonseca natildeo pode ser entendida
como um fenocircmeno isolado caracterizada exclusivamente pelo conjunto de saberes elaborado ao
redor da proacutepria praacutetica de ensino mas como aquela que ldquomanteacutem laccedilos permanentes com outros
espaccedilos culturaisrdquo Na visatildeo destes autores estes laccedilos vatildeo desde a formaccedilatildeo de professores
(universidade) passando pela produccedilatildeo erudita com que estes profissionais tiveram e continuam
5
a ter contato (artigos livros) e pela divulgaccedilatildeo de saberes (livros didaacuteticos cursos exposiccedilotildees
simpoacutesios) elaborados naqueles mesmos espaccedilos (SILVA E FONSECA 2007 p8)
Os museus estatildeo incluiacutedos nesse universo de saberes e satildeo aqui privilegiados por
propiciarem natildeo um ldquolugar de memoacuteriardquo mas ldquoentre-lugaresrdquo para a formaccedilatildeo histoacuterica de
professores e alunos Os museus encontram-se nas fronteiras dos espaccedilos fiacutesicos e processos
formais e natildeo formais1 de educaccedilatildeo
As visitas a museus satildeo uma possibilidade de ampliaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e
profissional para aleacutem do espaccedilo escolar e ao mesmo tempo de trazer para o cotidiano de
formaccedilatildeo muacuteltiplas dimensotildees histoacutericas poliacuteticas e culturais Situaccedilotildees de visita a museus
permitem investigar nesse caso a hipoacutetese da circularidade da cultura Articulam-se reflexotildees
sobre as experiecircncias proacuteprias ao campo de trabalho docente em Histoacuteria aos saberes elaborados
no campo da museologia identificando a circulaccedilatildeo dupla de saberes especiacuteficos elaborados nos
dois campos distintos de um universo conceitual a outro e retornando ao campo profissional de
forma sistematizada
Estudantes de graduaccedilatildeo compotildeem o puacuteblico de museus seja nas visitas espontacircneas
como aponta pesquisa sobre perfil de puacuteblico-visitantes2 seja como participantes de visitas
escolares organizadas Eacute essa a situaccedilatildeo a ser explorada pela pesquisa os sujeitos em situaccedilotildees
educativas de visita elaboram e explicitam sentidos acerca dos acervos das instituiccedilotildees
museoloacutegicas analisam e confrontam discursos historiograacuteficos e formulam novos problemas e
possibilidades de interpretaccedilatildeo do patrimocircnio cultural musealizado
O campo e os procedimentos de investigaccedilatildeo nessa pesquisa privilegiam os relatos
escritos e fotograacuteficos e recolhas documentais feitas pelos proacuteprios estudantes durante as visitas
aos museus A anaacutelise dos documentos produzidos pelos museus como cataacutelogos materiais
pedagoacutegicos folhetos informativos e orientaccedilotildees instucionais satildeo utilizados nos dois recortes
1 Alguns especialistas defendem que a educaccedilatildeo realizada em museus difere da educaccedilatildeo formal por seu caraacuteter natildeo
cumulativo natildeo apresentando conteuacutedos organizados numa sequumlecircncia como o curriacuteculo escolar Ver Park Fernandes e Carnicel (Org) 2007 p 203-210 2 Pesquisa realizada em 2005 pelo Observatoacuterio de Museus e Centros Culturais em 11 Museus do Rio de Janeiro
com visitantes selecionados por amostragem ao final da visita entre natildeo participantes de visitas escolares
organizadas constatou que este puacuteblico eacute altamente escolarizado chegando a 475 que declararam ter concluiacutedo o
ensino superior 237 o superior incompleto e 24 o ensino meacutedio restando apenas 48 que cursou ateacute o
fundamental completo Paralelo agrave escolaridade o dado referente agrave ocupaccedilatildeo encontrou entre aqueles que declaram
natildeo exercer atividade remunerada 53 de estudantes Ver Observatoacuterio 2006
6
propostos pela anaacutelise a partir do diaacutelogo que estabelecem com a compreensatildeo dos visitantes e
seus quadros de leitura Assim a leitura posta pelos museus entra em circulaccedilatildeo e eacute explorada na
forma de diferentes praacuteticas de confronto de recusa de usos e de valorizaccedilatildeo pelos visitantes
Para promover as leituras dos visitantes sobre os museus analiso os relatos dos
licenciandos em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte
em visita a diferentes instituiccedilotildees A escolha das visitas decorreu de diversos procedimentos de
anaacutelise experimentados ao longo da pesquisa e que consideram tanto os limites aparentes dessas
fontes quanto as possibilidades dadas e permitidas Foram muitas idas e vindas em relaccedilatildeo ao
repertoacuterio ou indiacutecios documentais produzidos pelos estudantes e disponiacuteveis para o uso nessa
pesquisa A abundacircncia de material e de museus visitados pelo grupo de estudantes aponta o
papel da instituiccedilatildeo formadora na produccedilatildeo dessas fontes O estiacutemulo agraves atividades de visitas abre
possibilidades de ampliaccedilatildeo do repertoacuterio ou do arquivo com vestiacutegios brutos desorganizados
um turbilhatildeo de personagens incidentes perguntas sem respostas Praacuteticas tradicionais de leitura
dos museus e novas leituras convivem nos relatoacuterios O uso e a valorizaccedilatildeo de diferentes
princiacutepios de anaacutelise sua articulaccedilatildeo e coerecircncia interna satildeo materializadas pelo grupo de
estudantes e datildeo suporte a um acervo de memoacuterias escritas e fotograacuteficas das visitas elaborado na
perspectiva de um grupo especiacutefico de visitantes
Ao utilizar os relatos dos estudantes de licenciatura em Histoacuteria como fonte para o estudo
das experiecircncias de formaccedilatildeo cria-se uma opccedilatildeo e alternativa para compreendermos os
imbricamentos entre os discursos das instituiccedilotildees formadoras as narrativas de museus e os
estudantes-visitantes com suas histoacuterias de vida suas motivaccedilotildees crenccedilas escolhas de percurso
e atitudes durante a visita A construccedilatildeo de narrativas das visitas permite agrave pesquisa a partir de
experiecircncias localizadas e pessoais interrogar sobre o contato sociocultural de um grupo
especiacutefico de visitantes com outros grupos e temporalidades mais amplas
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo histoacuterica dos sujeitos frente agrave
experiecircncia de contato com os museus Os relatos dos visitantes entendidos como a principal
fonte documental para esse trabalho permitem discutir como um grupo ou um mesmo estudante
vecirc diferentes museus Como faz a leitura de cada um deles e encontra as diferenccedilas entre as
narrativas de cada museu Esse conjunto documental possibilita explorar complexas relaccedilotildees do
7
processo vivo dinacircmico e ativo de construccedilatildeo de conhecimentos e ensino de histoacuteria em especial
dos conceitos de cultura memoacuteria e patrimocircnio
A organizaccedilatildeo final do trabalho busca combinar em cada capiacutetulo dois movimentos ndash
discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas e a anaacutelise das fontes ou relatos dos visitantes O texto final
da tese eacute composto de cinco capiacutetulos No primeiro capiacutetulo eacute apresentado o tema central da
pesquisa visitas a museus Discute-se o papel das visitas de estudantes a museus para a formaccedilatildeo
histoacuterica Eacute proposta uma anaacutelise das visitas a partir dos relatos dos visitantes centrada em uma
noccedilatildeo de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos que promova uma ruptura com as ideacuteias de
representaccedilatildeo e recepccedilatildeo da cultura Satildeo articulados os referenciais teoacutericos e conceitos que
fundamentam a anaacutelise
No segundo capiacutetulo eacute retomado o debate sobre os puacuteblicos de museu e apresentado o
recorte empiacuterico da pesquisa constituiacutedo por um grupo de 15 estudantes de licenciatura em
Histoacuteria de uma Faculdade particular na regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte que realizaram
visitas entre 2005 e 2008 Satildeo caracterizadas as praacuteticas de formaccedilatildeo e produccedilatildeo de
conhecimentos a partir dos registros dos visitantes Um questionaacuterio uma entrevista oral no
formato de grupo focal e fotografias produzidas pelos proacuteprios visitantes durante as visitas satildeo os
trecircs instrumentos de produccedilatildeo de dados
O terceiro capiacutetulo faz uma ligaccedilatildeo entre os dois primeiros e os dois uacuteltimos capiacutetulos
Apresenta um balanccedilo bibliograacutefico que tem por objetivo indicar eixos de discussatildeo presentes no
campo museal e produzir um exerciacutecio metodoloacutegico que contribua para explicitar a dinacircmica de
interaccedilatildeo e construccedilatildeo de sentidos pelos visitantes professores e alunos em visitas agraves duas
instituiccedilotildees museais que seratildeo destacadas nos capiacutetulos quatro e cinco Satildeo abordadas as questotildees
relativas agrave historicidade dos museus os campos e conceitos a ele relacionados a atualidade do
tema nas pesquisas acadecircmicas Estas referecircncias analiacuteticas visam definir um quadro teoacuterico-
conceitual e sistematizar as discussotildees em torno do conceito de museu
No capiacutetulo quatro eacute apresentada uma reflexatildeo sobre a visita realizada no segundo
semestre de 2006 ao Museu do Escravo em Belo Vale (MG) Satildeo confrontados os relatos escritos
e fotograacuteficos produzidos pelos visitantes e argumenta-se que os estudantes ao visitarem este
museu histoacuterico tornam-se parte constitutiva do processo de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo das
informaccedilotildees de seu acervo
8
O quinto capiacutetulo enfatiza a criacutetica do mesmo grupo de estudantes que visita em 2008 a
exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional ldquoUm novo mundo um novo Impeacuterio a Corte Portuguesa
no Brasil ndash 1808-1822rdquo O capiacutetulo procura refazer o percurso dos visitantes considerando duas
referecircncias o discurso expositivo do museu e a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes A partir da
situaccedilatildeo de visita e da formaccedilatildeo procuramos entender como os visitantes descrevem analisam
interpretam e fundamentam suas escolhas e gostos A visita ao Museu Histoacuterico Nacional
possibilitou abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o
patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus pelos visitantes
A pesquisa se integra agraves questotildees discutidas pela aacuterea de concentraccedilatildeo Educaccedilatildeo
Conhecimento Linguagem e Arte e pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo agrave
medida que busca investigar a produccedilatildeo de conhecimentos em suas articulaccedilotildees com as praacuteticas e
discursos empreendidos por instituiccedilotildees como os museus e as interaccedilotildees construiacutedas pelos
sujeitos em situaccedilotildees de visita escolar a estas instituiccedilotildees
9
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica
Visita ao museu
No dia 26 de setembro de 2005 fomos ao museu Abiacutelio Barreto em Belo
Horizonte A visita foi bem interessante e totalmente diferente do que eu imaginava porque em minha mente o museu era um local em que as pessoas iam para ver coisas
velhas Durante e apoacutes a visita minha visatildeo mudou por completo percebi que um
historiador tem vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos A partir de
uma montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes
dependendo da maneira que esse material foi exposto como fizemos na dinacircmica
O museu tambeacutem desenvolve um trabalho diferente dos que eu jaacute visitei Ao
mesmo tempo em que eles estatildeo preservando a memoacuteria da cidade estatildeo tambeacutem
integrando o objeto ao cotidiano da sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo
Horizonte era apenas um arraial chamado Curral Del Rei o iniacutecio do avanccedilo
tecnoloacutegico e ateacute os dias de hoje Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para virar
objeto museoloacutegico A organizaccedilatildeo eacute oacutetima Na sede do museu satildeo desenvolvidos vaacuterios
trabalhos como projetos restauraccedilatildeo de materiais etc Gostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuterias O visitante ao inveacutes de ir para visitar somente o
casaratildeo faz um circuito por toda a aacuterea do museu A exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que
queiram ver
Como temos visto em nosso curso principalmente em Teoria II o historiador
trabalha em cima de perguntas (segundo Annales) e os objetos que vimos podem nos dar
vaacuterios tipos de respostas A visita ao museu foi uma aula praacutetica de como se fazer
Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes3 Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
Belo Horizonte MG Curso de Histoacuteria 2ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG
2005)
O relato de Maria Joseacute Mendes sintetiza de maneira particular sua experiecircncia4 de visita a
um museu e aborda conteuacutedos histoacutericos e historiograacuteficos anaacutelises sentimentos valores O
relato da estudante eacute polifocircnico no sentido que lhe atribui Clifford (1988) uma produccedilatildeo que
reuacutene numa escrita proacutepria aproximaccedilotildees pessoais estrateacutegias de aprendizagem escolar
enredos acontecimentos significados muacuteltiplos e modos de negociar e apresentar questotildees
impliacutecitas quadros e tramas mais amplas
3 A visitante eacute uma aluna do curso de Licenciatura em Histoacuteria do Instituto Superior de Educaccedilatildeo da Faculdade
Pedro Leopoldo na regiatildeo metropolitana de BH fez parte da turma que visitou diversos museus e seu relatoacuterio
compotildee o conjunto de narrativas de visitas a museus analisados nessa pesquisa 4 Para Dewey (2010 p90-91) as partes constitutivas da experiecircncia satildeo emocional praacutetica e intelectual A
experiecircncia eacute um todo diversificado um fluxo cujos diferentes atos e episoacutedios mesclam-se e fundem-se
Intercacircmbio e fusatildeo satildeo contiacutenuos
10
O registro da visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto feito por Maria Joseacute Mendes eacute uma
praacutetica de escrita que se configura em plano de produccedilatildeo mais restrito como um relatoacuterio de
avaliaccedilatildeo de um trabalho escolar Todavia colocados os contornos mais abrangentes das
condiccedilotildees de produccedilatildeo desse tipo de narrativa se reconhece uma praacutetica de formaccedilatildeo que avalia
situaccedilotildees do cotidiano escolar
As narrativas de visitantes como a da estudante acima satildeo consideradas fontes
documentais para essa pesquisa sobre a formaccedilatildeo histoacuterica que reivindica um lugar para os
sujeitos frente agraves grandes narrativas histoacutericas como as dos museus As situaccedilotildees vividas nas
visitas escolares a museus retomadas ao longo do capiacutetulo pela narrativa de Maria Jose Mendes
satildeo referecircncias para a reflexatildeo sobre o protagonismo do visitante que interroga o museu e confere
mobilidade agraves suas narrativas expositivas Esse tipo de registro tambeacutem aponta indiacutecios dos usos
do patrimocircnio cultural pelos visitantes e da aprendizagem em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo histoacuterica aberta
pelas visitas aos museus
A visitante em questatildeo eacute parte de um grupo5 no qual me incluo como professora e que
como ela mesma indica com o uso do verbo na primeira pessoa do plural fomos ao museu para
realizar uma atividade curricular atribulados por vaacuterios condicionantes de velocidade e aparatos
tecnoloacutegicos proacuteprios da cultura contemporacircnea Maria Joseacute Mendes eacute uma das alunas do curso
de licenciatura em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo
Horizonte Minas Gerais que nessa condiccedilatildeo de ldquoexperiecircnciardquo empreende com seus colegas
visitas planejadas a museus6 Eacute uma jovem estudante membro de uma ldquoaudiecircncia histoacuterica e
situadardquo mas que responde tambeacutem agraves expectativas de visitante inscritas nas atividades
educativas do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto que passou por projeto de revitalizaccedilatildeo entre 1993
e 20037
Enquanto os museus satildeo entendidos como autoridades por suas funccedilotildees sociais e
histoacutericas de produtores de memoacuteria de patrimocircnio e de preferencial para a leitura dessa
5 Uma caracterizaccedilatildeo do grupo de visitantes e das visitas efetivamente realizadas seraacute apresentada e discutida no segundo capiacutetulo 6 As visitas a museus arquivos bibliotecas empresas ambientes naturais e outros locais satildeo realizadas como
disciplinas acadecircmicas com uma dimensatildeo praacutetica e ou como Atividades Acadecircmicas Cientiacuteficas por diversas
instituiccedilotildees de ensino superior da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte como a PUC-MG UNIFEMM Ver
Fonseca (2009) e Pereira (2007) 7 Ver balanccedilo do ldquoprocesso de revitalizaccedilatildeordquo do MHAB organizado por sua diretora Thais Pimentel e publicado em
2004 (PIMENTEL 2004)
11
materialidade o visitante luta para instituir-se e produzir sentidos em presenccedila daquela instacircncia
reguladora e autorizada de recursos O visitante no uso de recursos variados de linguagem cria
uma situaccedilatildeo de disputa e inibe certas manifestaccedilotildees trazidas pelos museus
O visitante diante dos cenaacuterios especiacuteficos de cada museu cria categorias de anaacutelise
analogias identifica contradiccedilotildees contrastes e diferenccedilas Enquanto o museu traz uma memoacuteria
histoacuterica instituiacuteda os visitantes tornam as experiecircncias de visita memoraacuteveis
A abordagem metodoloacutegica dessa pesquisa concebe as visitas como um ldquotrabalho de
campordquo no sentido que lhe atribui Alba Zaluar (1986 p107) A antropoacuteloga natildeo estabelece uma
separaccedilatildeo entre investigador e investigados e nem correlaciona uma maior objetividade da anaacutelise
com uma maior despersonalizaccedilatildeo dos sujeitos O conhecimento para ela eacute um ldquoencontro de
subjetividadesrdquo atos gestos enunciados e natildeo simplesmente um coacutedigo a ser decifrado ou um
levantamento de significados em seus contextos (ZALUAR 1986 p109) Assim como o
trabalho de campo8 soacute pode ser delimitado pelos processos de tomada de decisatildeo do pesquisador
e as estrateacutegias adotadas em meio aos conflitos por quem participa da accedilatildeo as visitas escolares a
museus natildeo podem ser entendidas apenas no sentido e da perspectiva da recepccedilatildeo
Os visitantes natildeo satildeo meros espectadores das propostas elaboradas pelos museus9 Os
visitantes satildeo atores levados a tomar decisotildees e princiacutepios geradores de novas praacuteticas A visita eacute
relacionada a outras que jaacute fizeram e satildeo consideradas como parte de sua formaccedilatildeo de futuros
professores de histoacuteria Visitar um museu eacute analisaacute-lo como fonte para visitas futuras
acompanhando seus proacuteprios alunos
O foco no visitante examina como ele se sente ou natildeo estimulado a construir sua proacutepria
narrativa da visita e quais suas estrateacutegias de inclusatildeo nos museus Como se posiciona e acessa
seus arquivos pessoais e memoacuterias e os confronta agravequeles reunidos no museu tais como objetos
textos imagens dispositivos de interatividade o percurso ou ainda os coletados e reunidos como
parte do trabalho de sistematizaccedilatildeo da visita
Do ponto de vista empiacuterico a pesquisa mostra de que forma durante um curso de
formaccedilatildeo superior eacute possiacutevel abandonar modelos transmissivos de ensino e apostar em estrateacutegias
8 Ver Roteiro do trabalho realizado no Rio de Janeiro em 2008(Anexo C) 9 Em geral a elaboraccedilatildeo de propostas educativas eacute responsabilidade dos setores educativos dos museus e de
especialistas (consultores pesquisadores) O puacuteblico eacute convocado a responder aos modelos propostos (recepccedilatildeo)
12
de produccedilatildeo de conhecimento que tenham impacto sobre a profissionalizaccedilatildeo docente em histoacuteria
e os processos mais gerais de produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico e formaccedilatildeo histoacuterica
Um passo importante eacute reconhecer que esse conhecimento histoacuterico se apresenta sob a
forma de imagens crenccedilas convicccedilotildees metaacuteforas regras e princiacutepios de orientaccedilatildeo para a vida
praacutetica profissional Nesse sentido essa pesquisa tem mais interesse nos sujeitos e suas agecircncias
do que na histoacuteria das instituiccedilotildees museais
A pesquisa parte de uma reflexatildeo sobre os relatos de visita a museus constituindo a partir
deles narrativas que fazem dialogar conceitos e experiecircncias que se produzem no campo dos
museus e em suas relaccedilotildees com a escola estabelecendo possibilidades e limites para a abordagem
do proacuteprio visitante
O registro de Maria Joseacute Mendes eacute uma referecircncia inicial para a reflexatildeo e produccedilatildeo por
parte do proacuteprio visitante de saberes Podem ser identificados pelos relatos os diversos saberes
que compotildeem a formaccedilatildeo histoacuterica conhecimentos de caraacuteter disciplinar ou historiograacutefico que
compotildee a matriz disciplinar da histoacuteria saberes curriculares ou relativos a objetivos meacutetodos e
estrateacutegias de ensino saberes pedagoacutegicos relacionados agraves concepccedilotildees de educaccedilatildeo e os saberes
praacuteticos da experiecircncia10
Entendo que as visitas natildeo se constituem no simples cumprimento de um programa de
educaccedilatildeo patrimonial oferecido por museus eou escolas ou ainda em passeios turiacutesticos
realizados por escolha dos visitantes individualmente A presenccedila de estudantes em museus estaacute
relacionada a uma praacutetica de visitas e agrave formaccedilatildeo histoacuterica
Procuro nesse primeiro capiacutetulo articular referenciais teoacutericos distintos para fundamentar
a anaacutelise das praacuteticas de visitas a museus Autores como Paul Ricoeur Hans Ulrich Gumbrecht
Joumlrn Ruumlsen Raymond Williams Stuart Hall e Jacques Ranciegravere satildeo convocados e oferecem
contribuiccedilotildees para a ampliaccedilatildeo da abordagem deste objeto especiacutefico e a criacutetica ao sentido de
transmissatildeo da cultura e agrave representaccedilatildeo como um sentido fixo A narrativa (RICOEUR 2010
p9) a produccedilatildeo de presenccedila (GUMBRECHT 2010 p 82) e a formaccedilatildeo histoacuterica (RUumlSEN
2010 p59) assim como os conceitos de cultura (WILLIAMS 1969 e 1979) e circuito de cultura
(HALL 1997 e 2003) e ainda o de espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) fundamentam a
10A discussatildeo sobre os saberes que compotildee a formaccedilatildeo do profissional de histoacuteria no Brasil eacute realizada por Selva
Guimaratildees Fonseca dentre outros autores Ver Fonseca (1997) Silva e Fonseca (2007) e Fonseca e Zamboni (2008)
13
anaacutelise teoacuterica e metodoloacutegica do uso social dos museus em visitas educativas e aproximam o
foco da investigaccedilatildeo os museus vistos pelos seus visitantes
11- Memoacuteria e narrativas de visitas
Um primeiro movimento dessa pesquisa eacute examinar como os visitantes engendram
memoacuterias a partir de visitas a museus A memoacuteria eacute entendida como uma accedilatildeo de atualizaccedilatildeo de
conceitos uma ldquoviagem no tempo com direito a ida e voltardquo A memoacuteria eacute rememoraccedilatildeo a partir
do presente e o sujeito um ldquotecelatildeo de memoacuterias agrave medida que narra a si mesmo como uma
autografia cujas vaacuterias vidas se entrelaccedilam em diversos tempos e espaccedilos numa dinacircmica
imprevisiacutevel do lembrar e esquecer da perda e da dispersatildeordquo (GALZERANI 2002 p63)
Rememorar significa trazer o passado vivido como opccedilatildeo de questionamento das relaccedilotildees
e sensibilidades sociais existentes tambeacutem no presente uma busca atenciosa relativa aos rumos a
serem construiacutedos no futuro Esse conceito de memoacuteria articulado ao de narrativa traz uma
abertura coletiva para as dimensotildees sensiacuteveis e o questionamento da concepccedilatildeo absoluta de
verdade (GALZERANI 2002 p68)
Os registros escritos e visuais11
dos visitantes satildeo tomados como memoacuterias e narrativas
no sentido atribuiacutedo por Ricoeur como um desenho da ldquoexperiecircncia temporalrdquo que realiza uma
ldquosiacutentese do heterogecircneordquo uma ldquonova congruecircncia no agenciamento dos incidentesrdquo (RICOEUR
2010 p2)
Em Tempo e Narrativa Ricoeur (2010) desenvolve a ideia de uma tripla dimensatildeo da
narrativa histoacuterica descrita como um tempo vivido e ainda natildeo configurado um tempo narrado
ou o mundo como um texto e o tempo refigurado ou o mundo do leitor Haacute uma dimensatildeo da
vida vivida e natildeo narrada que passa pela trama e chega ao mundo final do leitor seja pelas
intenccedilotildees do autor pelos sentidos da obra ou as percepccedilotildees do leitor Essas travessias satildeo
circulares e a experiecircncia da temporalidade nunca eacute o triunfo da ordem haacute discordacircncias
violecircncia da interpretaccedilatildeo redundacircncias e histoacuterias natildeo contadas (RICOEUR 2010 p124-132)
Assim Ricoeur (1991) transpotildee um limiar no qual o aparente conflito entre explicaccedilatildeo e
compreensatildeo eacute ampliado A linguagem que era considerada apenas como discurso passa a ser
11 As fotografias satildeo produzidas juntamente com os relatoacuterios escritos Inicialmente natildeo faziam parte da anaacutelise mas
se mostraram essenciais agrave pesquisa
14
considerada nos limites do que afeta o escrito a polissemia a ambiguidade e obras inteiras de
discurso falado como poemas ensaios e com a dimensatildeo da experiecircncia (RICOEUR 1991
p163) Eacute como dimensatildeo da experiecircncia que se explicitam os campos de confrontaccedilatildeo e
negociaccedilatildeo e se daacute a primeira ancoragem para as narrativas puacuteblicas e oficiais e as narrativas e
memoacuterias pessoais ou autobiograacuteficas Para Ricoeur os graus de convergecircncia ou natildeo entre a
memoacuteria coletiva e as memoacuterias autobiograacuteficas indicam niacuteveis de identificaccedilatildeo pessoal e os
significados elevados ou natildeo de siacutembolos como bandeiras e hinos
Essa temaacutetica da accedilatildeo discutida por Ricoeur (1991) ajuda a evidenciar as diferentes
formas de inscriccedilatildeo da memoacuteria na historiografia e nos museus e entender o diaacutelogo entre
culturas (museus e escolas) comparando situaccedilotildees e tipos de atividades (regimes de accedilatildeo)
assentadas em uso de recursos culturais de fundo comum
A narrativa para Ricoeur se daacute como articulaccedilatildeo temporal da accedilatildeo Uma ficcionalizaccedilatildeo
da histoacuteria na forma como contamos o passado e uma historizaccedilatildeo da ficccedilatildeo que eacute a forma como
trabalhamos o imaginaacuterio Na descriccedilatildeo da funccedilatildeo narrativa se articulam as noccedilotildees de mimese e
intriga Enquanto a mimese eacute uma representaccedilatildeo criativa da accedilatildeo a intriga eacute o agenciamento de
fatos sujeitos e cenaacuterios ou seja os elementos estruturantes da proacutepria narrativa
Assim como a metaacutefora viva a narrativa produz efeitos de sentido e remete
simultaneamente a um fenocircmeno de inovaccedilatildeo semacircntica Enquanto a metaacutefora produz uma nova
pertinecircncia por meio de uma atribuiccedilatildeo impertinente que se manteacutem viva porque percebemos sua
espessura e resistecircncia ao emprego usual das palavras e a sua incompatibilidade com a
interpretaccedilatildeo literal (que seria considerada bizarra) a narrativa trabalha no mesmo plano da
invenccedilatildeo semacircntica ao criar uma intriga que eacute uma obra de siacutentese
Percebe-se a constituiccedilatildeo de uma intriga na narrativa de Maria Joseacute Mendes O relato de
visita ao museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto reuacutene em um quadro referencial fontes de procedecircncia
diversas a experiecircncia presencial no museu as demandas da formaccedilatildeo escolar e as interpelaccedilotildees
do acervo do museu Esse tipo de relato eacute tomado na pesquisa como uma imagem de contornos
mais abrangentes dos elementos evidenciados em vaacuterios outros relatos do grupo de visitantes Ele
sintetiza dados de pesquisa e conteuacutedos proacuteprios agraves situaccedilotildees de visitas assim como debates
sobre o uso do patrimocircnio cultural que proveacutem tanto da escola que promove a visita quanto dos
acervos dos museus Pretendo explicitar ao longo da anaacutelise o processo de elaboraccedilatildeo dos relatos
15
evidenciando as linhas mais gerais as texturas dos relatos as repeticcedilotildees de temas as imagens
recorrentes e natildeo propriamente os estilos pessoais e singulares de cada visitante
Para Ricoeur (1975) a questatildeo da narrativa eacute como configurar a experiecircncia temporal
vivida A narrativa eacute o dinamismo integrador que transforma um diverso de incidentes numa
histoacuteria una e completa Eacute a capacidade de reconfiguraccedilatildeo da experiecircncia temporal confusa em
funccedilatildeo de um referencial
A narrativa natildeo eacute soacute o ato jaacute inscrito eacute o ldquoconjunto das operaccedilotildees atraveacutes das quais uma
obra surge a partir do fundo opaco do viver do agir e do padecer para ser dada por um autor a
um leitor que a recebe e muda assim o seus agirrdquo (RICOEUR 1975 p31) Eacute a narrativa que
configura a mediaccedilatildeo entre a preacute-configuraccedilatildeo do campo praacutetico (vivido o antes) o estado da
experiecircncia (o tempo configurado o durante) e a praacutetica que lhe eacute posterior (tempo refigurado o
depois)
A visitante Maria Joseacute Mendes demarca uma temporalidade e natildeo uma simples cronologia
para a visita Seu texto comeccedila com uma data o dia da visita que marca um antes um durante e
um depois Em sua escrita esse antes eacute caracterizado pela imaginaccedilatildeo satildeo ideias que estavam em
sua mente anteriores agrave visita O que ela relata eacute o que aconteceu durante e apoacutes a visita suas
ideias a respeito dos museus mudaram por completo
No entanto o proacuteprio Ricoeur lembra que o relato eacute um ldquoato de testemunharrdquo que difere
do discurso Eacute como uma ldquonarrativa autobiograacutefica autenticada de um acontecimento passadordquo e
agrave medida que o narrador estaacute implicado na cena narradavivida gera uma suposta confiabilidade e
uma suspeita sobre o que ele diz (RICOEUR 2007 p172)
A confianccedila ou desconfianccedila em relaccedilatildeo ao testemunho traz o narrador para o mundo
puacuteblico e da criacutetica aos testemunhos A presenccedila no local da ocorrecircncia inerente ao ato de
testemunhar impotildee uma referecircncia de lugar e de tempo passado ao testemunho mas natildeo lhe
confere legitimidade em relaccedilatildeo ao aqui e agora O testemunho precisa ser autenticado e
acreditado por vaacuterias grandezas comparadas ateacute seu arquivamento (visibilidade e escrita)
(RICOEUR 2007 p175)
Testemunho e narrativa guardam traccedilos de escrituralidade comuns Todavia cada um traz
elementos especiacuteficos relativos ao lugar que os gerou e recebeu Como ldquorastros documentaisrdquo
narrativas e testemunhos estatildeo ligados ao lugar social que os produziram (CERTEAU 1982
16
p64) Esse debate amplia a noccedilatildeo de testemunho que passa a incluir todo e qualquer ldquovestiacutegiordquo
e interessa a essa pesquisa agrave medida que fundamenta uma abordagem que natildeo separa os relatos
escritos dos fotograacuteficos Para Ricoeur a ideia de indiacutecio inclui o testemunho oral ou escrito os
vestiacutegios natildeo verbais como as impressotildees digitais e arquivos fotograacuteficos que testemunham por
seu mutismo (RICOEUR 2007 p 185) O diaacutelogo de Ricoeur nesse caso eacute diretamente com
Carlo Ginzburg (1987) estabeleceu no interior da noccedilatildeo de rastro o conceito de documento em
toda a sua envergadura A raiz comum entre testemunho e indiacutecio eacute a noccedilatildeo de rastro Haacute uma
relaccedilatildeo de complementaridade entre testemunho e indiacutecio para Ricoeur
Decorre dessa ampliaccedilatildeo documental uma seacuterie de analogias relacionando grafia e pintura
no sentido de impressatildeo e evocaccedilatildeo Pode-se dizer tambeacutem que relatos escritos e fotograacuteficos satildeo
complementares na narrativa das visitas aos museus O lugar da fotografia nos relatos eacute
semelhante ao da escrita Ambas configuram ldquomensagens e maneiras de dizer e pensar que
aderem uma agrave outrardquo (RICOEUR 2007 p178)
O primeiro plano dos relatos principalmente das fotografias eacute marcado pela iniciativa
individual em preservar seus proacuteprios rastros os rastros de sua atividade Para Ricoeur essa
iniciativa inaugura o ato de fazer histoacuteria ou a primeira operaccedilatildeo de constituiccedilatildeo de um arquivo a
primeira mutaccedilatildeo historiograacutefica de uma memoacuteria viva Constituiacutedo como testemunho esse
primeiro plano pode ser invocado por algueacutem e desloca-se do seu autor para ser recolhido como
ldquoprova documentalrdquo Marc Bloch lembra Ricoeur coloca a questatildeo dos testemunhos em termos
de rastros de vestiacutegios do passado (testemunhos natildeo-escritos) e depois dos indiacutecios (Ginzburg)
que fazem parte da operaccedilatildeo de observaccedilatildeo histoacuterica com relaccedilatildeo aos ldquotestemunhos do tempordquo
(BLOCH 2002 p69) A consequecircncia desse argumento eacute que nem toda histoacuteria vivida eacute narrada
mas toda a historiografia eacute narrativa
A ambiccedilatildeo da narrativa histoacuterica eacute refigurar a condiccedilatildeo histoacuterica e de elevar seu estatuto
ao de bdquoconsciecircncia histoacuterica‟ Esse processo de reconfiguraccedilatildeo do tempo embora se
pretenda totalizante ocorre como mediaccedilatildeo imperfeita entre o futuro como horizonte de
expectativas o passado como tradiccedilatildeo e o presente como surgimento intempestivo
(RICOEUR 1975 p31)
17
A narrativa histoacuterica produzida pelos historiadores eacute uma construccedilatildeo que cria enredos
com elementos presentes na vida e o mundo refigurado da cultura com uma noccedilatildeo ampla de
produtora de sentidos e identidades12
Em A memoacuteria a histoacuteria o esquecimento Ricoeur (2007 p380) apresenta uma soluccedilatildeo
distinta dos historiadores dos Annales (Le Goff Pierre Nora) para o problema da narrativa e do
tempo histoacuterico na articulaccedilatildeo memoacuteria-histoacuteria Ao retomar o conceito de historicidade que
surge na filosofia alematilde do seacuteculo XIX e de histoacuteria Ricoeur identifica como se configurou a
oposiccedilatildeo entre uma histoacuteria como singular coletivo que
ldquoliga as histoacuterias especiais sob um conceito comum enquanto conhecimento narrativa e
ciecircncia histoacuteria e o nascimento do conceito de histoacuteria como coletivo singular sob o qual
se reuacutene o conjunto das histoacuterias particulares marca a conquista da maior distacircncia
concebiacutevel entre a histoacuteria una e a multiplicidade ilimitada das memoacuterias individuais e a
pluralidade das memoacuterias coletivasrdquo (RICOEUR 2007 p315)
Essa mudanccedila cria um sentido de histoacuteria universal um objeto total e um sujeito uacutenico A
memoacuteria eacute vista com desconfianccedila e descredenciada enquanto a histoacuteria problematiza os
testemunhos religiosos e a memoacuteria coletiva (crenccedilas) e se propotildee a representar o passado no
presente A autonomia da histoacuteria se afirma nos Annales que natildeo devem mais nada a
rememoraccedilatildeo e recorrem agrave introduccedilatildeo de novas exigecircncias retoacutericas por vias extramemoriais A
noccedilatildeo de fonte se liberta da noccedilatildeo de testemunho ldquoConstroacutei-se um passado que ningueacutem pode
lembrar [] A histoacuteria deixou de ser parte da memoacuteria e a memoacuteria se tornou parte da histoacuteriardquo
(RICOEUR 2007 p399)
Ricoeur investe em redefinir as relaccedilotildees entre histoacuteria e memoacuteria na contemporaneidade e
reconhecer os ldquotraccedilos da memoacuteria e do esquecimento que permanecem os menos sensiacuteveis agraves
variaccedilotildees resultantes de uma histoacuteria dos investimentos culturais da memoacuteriardquo (2007 p 398)
Frente agrave tese da escola dos Annales de subordinaccedilatildeo da memoacuteria agrave histoacuteria e a uma literatura da
crise da memoacuteria Ricoeur responde com a hipoacutetese das ldquopotencialidades mnemocircnicas
dissimuladas pelo cotidianordquo cujo histoacuterico contado e o mnemocircnico experimentado se recruzam
(2007 p401)
12 Isabel Barca e Mariacutelia Gago (2004 p29-39) discutem o papel das narrativas histoacutericas e seus usos educacionais na
constituiccedilatildeo de um pensamento histoacuterico entre os jovens portugueses
18
ldquo[] o desespero do que desaparece a impotecircncia para acumular a lembranccedila e arquivar
a memoacuteria o excesso de presenccedila de um passado para sempre irrevogaacutevel a fuga
desnorteada do passado e o congelamento do presente a incapacidade de esquecer e a
incapacidade de se lembrar do acontecimento a uma boa distacircnciardquo (RICOEUR 2007
p401)
Ricoeur aponta que a dinacircmica do esquecimento e da lembranccedila gera tanto uma crise da
memoacuteria quanto um horror agrave histoacuteria ou da presenccedila e da ausecircncia de referecircncias em relaccedilatildeo ao
passado e ao presente A ldquoexperiecircncia viva do reconhecimentordquo redefine a dimensatildeo nostaacutelgica e
as relaccedilotildees memoacuteria e histoacuteria Ricoeur define como ldquooperaccedilatildeo historiadorardquo toda a accedilatildeo que vai
dos arquivos aos textos publicados Para ele um livro de histoacuteria eacute um documento aberto agrave
reinscriccedilatildeo e submetido agrave revisatildeo contiacutenua O que Michel de Certeau (1982 p94) chama de
operaccedilatildeo escrituraacuteria ou uma fase da representaccedilatildeo histoacuterica Ricoeur acredita que atravessa
todos os momentos da escrita da histoacuteria do niacutevel documental ou seleccedilatildeo das fontes ao niacutevel
explicativo-compreensivo com a escolha dos modos concorrentes e as variaccedilotildees de escala da
narrativa (RICOEUR 2007 p249)
Para Ricoeur representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo estatildeo juntas em toda a operaccedilatildeo de
visualizaccedilatildeo das coisas ausentes do passado ou ainda na tripla aventura que vai do
arquivamento agrave explicaccedilatildeo e representaccedilatildeo Para o autor haacute um embate entre duas escritas para
gerar na histoacuteria um modo literaacuterio da escrituralidade (narrativa) Uma primeira escrita eacute dos
arquivos (memoacuteria) e outra dos historiadores (histoacuteria) ldquoA explicaccedilatildeocompreensatildeo encontra-se
assim enquadrada por duas escritas uma escrita anterior e uma escrita posterior Ela reconhece a
energia da primeira e antecipa a energia da segundardquo (RICOEUR 2007 p 148)
A coerecircncia da narrativa confere visibilidade e busca legitimidade para a encenaccedilatildeo do
passado que daacute a ver Haacute um jogo entre a remissatildeo da imagem e a coisa ausente Uma narrativa
natildeo se parece com os acontecimentos que ela narra Haacute uma prefiguraccedilatildeo uma configuraccedilatildeo e
refiguraccedilatildeo da imagem criada pela amplidatildeo da narrativa e por seu alcance (RICOEUR 2007 p
292)
Em Ricoeur como o problema da memoacuteria natildeo aparece em oposiccedilatildeo agrave histoacuteria pode-se
considerar que em relaccedilatildeo agraves visitas presenciais a museus as imagens da memoacuteria e da histoacuteria
atravessam tanto os relatos dos visitantes quanto a narrativa do museu Ou ainda que as imagens
de museu produzidas pelos visitantes e aquelas produzidas pelos proacuteprios museus podem ser
19
analisadas em um circuito de cultura no qual museu e visitantes tem ambos poder de
representaccedilatildeo
O relato da estudante em visita ao Museu Abiacutelio Barreto coloca o museu em outro
circuito o da proacutepria escola ao fazer uma releitura do sentido e das marcas deixadas pelo museu
quando de sua passagem pelo casaratildeo e suas atividades O depois da visita eacute vivido como uma
nova temporalidade que constitui outro museu imaginado com referecircncia ao durante e ao antes
da visita
12 - A presenccedila de estudantes
As abordagens sobre aprendizagem em ambientes que tratam do patrimocircnio da arte e da
histoacuteria priorizam ora os museus ora as escolasvisitantes A superaccedilatildeo dessas anaacutelises
fragmentaacuterias ou dicotocircmicas implica em refletir sobre os conceitos trabalhados no proacuteprio
campo museoloacutegico e formativo como as ideias de patrimocircnio memoacuteria e histoacuteria
Discutir o estatuto do conhecimento produzido pelos visitantes de museus eacute um ponto de
partida para a reflexatildeo sobre os sentidos das praacuteticas culturais que perpassem museus e escolas
Outra dimensatildeo da pesquisa eacute a ampliaccedilatildeo das reflexotildees teoacutericas e metodoloacutegicas sobre as
competecircncias culturais ou a formaccedilatildeo histoacuterica em especial suas dimensotildees esteacuteticas e poliacuteticas
desencadeadas a partir das visitas
Gumbrecht (1998 e 2010) ao discutir sobre a produccedilatildeo de presenccedila sugere um repertoacuterio
de anaacutelise cultural que busca discernir os efeitos de presenccedila e os efeitos de sentido Ele distingue
uma ldquocultura de presenccedilardquo de uma ldquocultura de sentidordquo O que diferencia uma da outra e
interessa a esta anaacutelise das visitas a museus eacute o papel do sujeito ou subjetividade que ocupa
lugar central na cultura de sentido mas que soacute eacute considerado efetivamente em seu corpo como
parte da existecircncia das coisas numa cultura de presenccedila
A decorrecircncia dessa distinccedilatildeo entre sentido e presenccedila eacute que o conhecimento produzido
numa cultura de sentido soacute pode ser legitimado por um sujeito em seu ato de interpretar o mundo
Jaacute na cultura de presenccedila o conhecimento legiacutetimo eacute apresentado se manifesta ele natildeo vem
diretamente do esforccedilo individual para interpretar e criar um sentido Os objetos se impotildeem ao
sujeito e sua vontade eacute confrontada pela presenccedila
20
Na visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto eacute a presenccedila dos objetos catalogados como
histoacutericos que cria um olhar diferente para esses objetos Eacute o visitante que presente no museu
confere sentidos aos objetos que vecirc expostos e entende que a mudanccedila na ordem de organizaccedilatildeo e
apresentaccedilatildeo cria uma nova visualidade para os objetos
Essa polecircmica sobre presenccedila e sentido eacute um alerta para os perigos do afastamento do
corpo das marcas de produccedilatildeo de sentido proacuteprias agrave modernidade ocidental que assume uma
oposiccedilatildeo entre sujeito (puro espiacuterito) e objeto (pura materialidade) Para Gumbrecht essa
oposiccedilatildeo levou o sujeito a assumir a posiccedilatildeo de observador de um mundo de objetos no qual se
inclui o seu proacuteprio corpo Se por um lado o ganho dessa visatildeo eacute uma demanda constante de
interpretaccedilatildeo de outro promove-se uma perda ou ldquodesmaterializaccedilatildeo da culturardquo transformando
o mundo em ldquorepresentaccedilatildeordquo (GUMBRECHT 2010 p 75-8)
Interessa-nos destacar tambeacutem nesta perspectiva apontada por Gumbrecht os limites da
ideia de representaccedilatildeo13
como capaz de compensar as deficiecircncias de ldquoexpressatildeordquo Ele considera
que como ldquonenhuma das muacuteltiplas representaccedilotildees pode jamais pretender ser mais adequada ou
epistemologicamente superior a todas as outrasrdquo cria-se uma ldquocrise de consciecircncia provocada
pelas muacuteltiplas representaccedilotildeesrdquo (GUMBRECHT 2010 p 82) Para o autor eacute a presenccedila como
uma dimensatildeo fiacutesica e de tangibilidade14
que estaacute em tensatildeo com o princiacutepio da representaccedilatildeo
A partir da ideia de presenccedila pode-se inferir que nas visitas aos museus se produz um
fluxo temporal em que no momento presente o passado e o futuro se encontram Por meio deste
movimento no tempo a ldquoconsciecircnciardquo do visitante eacute transformada por uma rede de relaccedilotildees que
expressam uma nova impressatildeo de estar presente no mundo
Os objetos dos museus tomam novos sentidos atualizados pelo visitante Natildeo eacute soacute a
exposiccedilatildeo propriamente dita que chama a atenccedilatildeo do visitante mas toda a organizaccedilatildeo do espaccedilo
que se apresenta face a face como um circuito os projetos o edifiacutecio e o proacuteprio trabalho de
musealizaccedilatildeo ldquoGostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuteriasrdquo afirma a
visitante Maria Joseacute Mendes em presenccedila da reserva teacutecnica do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
A imagem de estantes giratoacuterias evocada pelo relato da estudante possibilita ampliar o uso
13 A criacutetica agrave representaccedilatildeo e agrave recepccedilatildeo eacute apresentada ao longo do texto e se fundamenta em autores como Ricoeur
(2007 p295-6) Raymond Williams (1969 e 1979) Stuart Hall (1997 e 2003) e Ranciegravere (2010) 14 As visitas em questatildeo satildeo presenciais e nisso se distinguem inicialmente de outras praacuteticas de memoacuteria que
incluem o uso de recursos tecnoloacutegicos para acesso agrave distacircncia (natildeo-presenccedila) aos museus e exposiccedilotildees
21
estritamente funcional dado pelo museu a esse objeto que natildeo faz parte da coleccedilatildeo mas que lhe
daacute suporte e deve facilitar a limpeza e armazenamento fiacutesico dos objetos museais Elevada ao
plano da narrativa de visita a ideia de girar deixa seu sentido meramente instrumental e ganha o
tom poeacutetico de mexer e revolver objetos que a funccedilatildeo museal possui Haacute um deslocamento pode-
se afirmar que natildeo haacute distinccedilatildeo para o gosto da visitante entre o que estaacute nas estantes e as
proacuteprias estantes O objeto museal eacute o proacuteprio mobiliaacuterio do museu e sua accedilatildeo de preservaccedilatildeo
natildeo aquelas coisas velhas que guarda O movimento das estantes eacute compartilhado com prazer
pelo olhar da visitante e coloca a cultura do museu em circulaccedilatildeo
A cultura de presenccedila eacute descrita por Gumbrecht como uma cosmologia em que ldquoos seres
humanos querem relacionar-se com a cosmologia envolvente pela inscriccedilatildeo de si mesmos ou
seja de seus proacuteprios corpos nos ritmos dessa cosmologiardquo (2010 p108-109) A accedilatildeo se faz
como ldquomagiardquo ou seja a praacutetica de tornar presentes coisas que estatildeo ausentes e ausentes coisas
que estatildeo presentes A cultura da presenccedila sugere abordar as situaccedilotildees de visita como epifanias
cujos efeitos de presenccedila e sentido satildeo efecircmeros Ou ainda com uma temporalidade espacial
descrita como um evento que surge do nada e irrompe com os sentidos estabelecidos
Estes efeitos da presenccedila podem ser observados nos relatos dos visitantes De um lado o
museu pode ser considerado como um sentido jaacute instituiacutedo um trabalho concluiacutedo que pretende
ser universal mas que esgotou sua potecircncia criadora e que portanto soacute afeta o visitante
mobilizando-o a uma criacutetica agraves suas concepccedilotildees e exposiccedilotildees Do outro lado a presenccedila no
museu provoca os sentidos dos visitantes e cria princiacutepios de tensatildeo com a ideia de representaccedilatildeo
dominante da proacutepria histoacuteria presente no museu e no visitante Ou ainda a presenccedila investe-se
de uma funccedilatildeo encantatoacuteria capaz de tornar as coisas ausentes presentes e vice-versa
(GUMBRECHT 2010 p14)
Gumbrecht desenvolve aleacutem de uma criacutetica agrave representaccedilatildeo uma ressalva quanto agrave noccedilatildeo
de que a mateacuteria se estabilizaria ao longo do tempo sendo capaz de produzir um efeito de
fronteira de fixidez e superfiacutecie Na tentativa de inverter e devolver a ldquocoisidaderdquo agrave consciecircncia e
a ldquoaparecircnciardquo ao corpo como condiccedilatildeo na qual o mundo nos eacute dado e apresentado aos sentidos
22
ele se coloca em tensatildeo com a abordagem interpretativa15
Pensando que a relaccedilatildeo com os
artefatos culturais nunca eacute uma simples atribuiccedilatildeo de sentido e que coisas estatildeo perto ou longe
de nossos corpos Gumbrecht aponta que a relaccedilatildeo cotidiana com o mundo faz esquecer e implica
uma camada diferente de sentido (2010 p85-88)
O trabalho de visitas a museus permite um contato com os objetos histoacutericos uma
frequumlentaccedilatildeo que cria interaccedilotildees explicita diferenccedilas e aproximaccedilotildees culturais O visitante
dialoga questiona a mensagem expositiva e pode elaborar sentidos diversos dos apresentados
pelos museus
Vale ressaltar que para o autor a presenccedila natildeo vem sem apagar os sentidos que a
representaccedilatildeo gostaria de designar seus fundamentos a sua origem e seus temas A presenccedila natildeo
eacute uma presenccedila realmente existente ela se apresenta em permanente condiccedilatildeo de ldquotemporalidade
extremardquo eacute suacutebita de caraacuteter efecircmero surge e desaparece como eacute caracteriacutestico da experiecircncia
esteacutetica que se torna evidente e evanescente ao mesmo tempo (GUMBRECHT 2010 p83)
A experiecircncia esteacutetica se localiza a certa distacircncia do mundo cotidiano e produz diversas
figuras temporais Natildeo existe um resultado previsiacutevel oacutebvio ou tiacutepico que a experiecircncia esteacutetica
acrescenta ao cotidiano A visita a museus pode ser vista como um ldquoacontecimento de verdaderdquo
um evento que nos faz ver as coisas de ldquoum modo diferente do habitualrdquo como relata Maria Joseacute
Mendes diante do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto Entrar em um museu eacute entrar numa paisagem
e exercitar uma performance
estar dentro dessa paisagem eacute um requisito fundamental para restabelecer o
enraizamento do histoacuterico devir Ter uma substacircncia (corpo) ocupar um espaccedilo implica
na possibilidade de revelar um movimento multidimensional vertical (balanccedilo) e
horizontal (ideia aspecto) O movimento de balanccedilo eacute um suster-se ali-em si mesmo
Uma dimensatildeo horizontal eacute ser percebido dentro da situaccedilatildeo bdquoser revelado‟ e natildeo bdquorepresentado‟ (GUMBRECHT 2010 p86-100)
Seguindo as indicaccedilotildees de Gumbrecht sobre o princiacutepio da presenccedila a relaccedilatildeo do visitante
de museu com o passado eacute diferente da ideacuteia de nostalgia de viagem no tempo de
15 Paul Ricoeur em Do texto agrave accedilatildeo amplia o termo interpretaccedilatildeo associando-o ao sentido de apropriaccedilatildeo cuja
finalidade eacute a luta contra a distacircncia cultural A interpretaccedilatildeo aproxima equaliza torna contemporacircneo e semelhante
torna proacuteprio o que era estrangeiro (RICOEUR 1991 p156)
23
restabelecimento ou de retrocesso16
O passado entendido pelo autor como produto da cultura eacute
caracterizado por sua materialidade e possibilidade de usos em cenaacuterios de simultaneidade de
referecircncias Haacute uma presenccedila do passado que eacute incorporado e um presente da accedilatildeo
Parece ser este o sentido da orientaccedilatildeo para a accedilatildeo que a visitante observa em seu uacuteltimo
comentaacuterio sobre a visita ao Museu Abiacutelio Barreto Maria Joseacute Mendes articula duas formas de
ver a histoacuteria o que foi visto no museu e o que foi visto no seu curso de licenciatura em Histoacuteria
As consequecircncias de suas observaccedilotildees no museu a levam a concluir que o historiador a partir dos
Annales trabalha com perguntas que os objetos vistos respondem Logo para Maria Joseacute
Mendes a operaccedilatildeo historiograacutefica parece se completar A visita mobiliza a formaccedilatildeo do objeto
imaginaacuterio e as mudanccedilas de perspectivas da visitante Eacute possiacutevel tambeacutem caracterizar a visita ao
museu como uma ldquoexperiecircncia esteacuteticardquo ou seja como uma dimensatildeo viva que oscila entre os
efeitos de sentido e os efeitos de presenccedila A visitante se potildee no museu numa condiccedilatildeo de
ldquoinsularidaderdquo e de predisposiccedilatildeo para a ldquointensidade concentradardquo para uma tensatildeo produtiva
que oscila simultaneamente entre sentido e presenccedila diferente de suas atividades cotidianas
(GUMBRECHT 2010 p 136)
O Museu prevecirc a participaccedilatildeo do visitante e estabelece tambeacutem um horizonte de
expectativas culturais e histoacutericas em relaccedilatildeo ao receptor Essas expectativas dos museus em um
dado momento encontram desapontam ou antecipam o horizonte de expectativas do visitante O
conhecimento do visitante eacute atualizado agrave medida que em presenccedila do patrimocircnio musealizado
reformulam-se suas expectativas e ele reinterpreta o que foi visitado A experiecircncia esteacutetica
realiza-se no visitante Eacute o que afirma Maria Joseacute Mendes ao visitar o Museu Histoacuterico Abiacutelio
Barreto em Belo Horizonte com seus colegas Ela imaginava outro tipo de museu se
surpreendeu durante e apoacutes a visita e mudou sua mente por completo o museu natildeo era um local
que as pessoas iam para ver coisas velhas Percebeu no museu algo ineacutedito um historiador tem
vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 200517
)
Durante a visita o estudante confronta suas expectativas com o que encontrou no Museu
Mudou de opiniatildeo sobre o que era um museu a partir daquela visita Outros visitantes conforme
16 A expressatildeo futuro passado de Koselleck (2006 p21) eacute uma categoria explicativa da dinacircmica dos tempos
histoacutericos que dialoga com a dimensatildeo da presenccedila discutida por Gumbrecht 17 Os relatoacuterios de visita produzidos pelos estudantes e utilizados na tese seratildeo citados individualmente
mencionando-se o nome do autor
24
exploraremos no capiacutetulo seguinte tambeacutem reconhecem o papel da visita ao Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto na mudanccedila em suas concepccedilotildees de museu
A visitante cria um enredo proacuteprio para a visita e organiza um repertoacuterio que serve de
pano de fundo para sua narrativa Maria Joseacute Mendes atualiza seus conhecimentos ao declarar
que o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto realiza um trabalho diferente dos museus que ela jaacute havia
visitado laacute no museu eles preservam a memoacuteria da cidade e integram o objeto ao cotidiano da
sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo Horizonte era apenas um arraial chamado
Curral Del Rei Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para ser objeto museoloacutegico (Maria Joseacute
Mendes Fipel 2005)
Outras observaccedilotildees podem ser feitas a partir do relato da visitante Uma delas eacute que os
museus natildeo satildeo depoacutesito (lugar de memoacuteria) Cada visita a um museu situa temporalmente cada
um dos visitantes pois possibilita que eles momentaneamente se distanciem de sua imersatildeo no
tempo presente e participem de experiecircncias de outras temporalidades
A perspectiva adotada por cada museu se define concretamente no processo de
resignificaccedilatildeo do visitante que converte a cada olhar os artefatos expostos em objetos histoacutericos
O museu por sua vez eacute quem forccedila o visitante a exercer sua atividade produtiva a posicionar-se
O Museu coloca em jogo a produtividade do visitante ao estimular suas capacidades A visita
exercitada torna-se tambeacutem um prazer para o visitante uma aula praacutetica de como fazer Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
A experiecircncia vivida nas visitas aos museus oferece graus distintos de intensidade Aleacutem
da experiecircncia puramente fiacutesica resultante da presenccedila os visitantes investem em objetos de
fasciacutenio que comeccedilam por ativaacute-los e convocaacute-los a se integrar no circuito do museu O museu se
apresenta como ldquorelevacircncia impostardquo ndash objetos que desviam nossa atenccedilatildeo das rotinas diaacuterias em
que estamos envolvidos e nos separam delas A presenccedila de determinados objetos da experiecircncia
a nos convidar para a serenidade isto eacute a estarem ao mesmo tempo concentrados e disponiacuteveis
sem deixarem que a concentraccedilatildeo se calcifique na tensatildeo de um esforccedilo (GUMBRECHT 2010
p 132)
A visitante Maria Joseacute Mendes percebe no museu o trabalho com diferentes tipos de
objetos e como o museu cria um tipo de objeto especiacutefico retirado do cotidiano e transformado
em objeto museoloacutegico No Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a visitante percebe a operaccedilatildeo
25
museal para criar um passado para a cidade de Belo Horizonte chamado Curral Del Rei cuja
narrativa estaacute associada ao iniacutecio agrave fundaccedilatildeo da nova capital A presenccedila como fenocircmeno
efecircmero pode ser discutida tambeacutem nas fotografias18
dos visitantes desde a entrada nos museus
como desejo e expectativas durante o percurso interno das exposiccedilotildees como reaccedilotildees agraves
condiccedilotildees especiacuteficas da cultura de sentido ateacute a saiacuteda dos locais quando se configura uma
ausecircncia ou o desaparecer da presenccedila A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita
emergir um campo de investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em
relaccedilatildeo ao saber histoacuterico a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica
A partir das dinacircmicas e interaccedilotildees experimentadas e interpretadas pelos estudantes em
visitas a museus pretende-se discutir como se daacute o aprendizado histoacuterico e a formaccedilatildeo histoacuterica
na perspectiva que lhe atribui Ruumlsen (2007 p104) enquanto a capacidade de constituiccedilatildeo de uma
narrativa de sentido
A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade
temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo como o passado permanece como
passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa experiecircncia temporal essa
vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que experimentada abre o potencial de
futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
Para Ruumlsen (2007 p95) a formaccedilatildeo histoacuterica pode ser entendida sob dois aspectos
primeiro como saber histoacuterico siacutentese da experiecircncia com a interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo para a
vida praacutetica e segundo como processo de socializaccedilatildeo e individuaccedilatildeo que trata da dinacircmica de
formaccedilatildeo da identidade histoacuterica O autor observa que o aprendizado histoacuterico natildeo acontece
apenas no ensino de histoacuteria mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos
aprendizes A formaccedilatildeo histoacuterica se opotildee criticamente agrave unilateralidade agrave especializaccedilatildeo
excessiva e agrave fragmentaccedilatildeo do saber cientiacutefico Eacute uma competecircncia que articula niacuteveis cognitivos
18 Muitas fotografias ficaram reservadas agrave circulaccedilatildeo restrita e apresentadas a pequenos grupos e professores Outras figuram em aacutelbuns e siacutetios virtuais Seus produtores diretos decidem se as compartilham ou natildeo com outras pessoas
com amigos familiares ou ambientes virtuais Foram selecionadas aquelas que aparecem nos relatoacuterios de avaliaccedilatildeo
apresentados pela turma
26
e formas e conteuacutedos cientiacuteficos ao seu uso praacutetico Essas competecircncias de formaccedilatildeo estatildeo
relacionadas simultaneamente ao saber agrave praacutexis e agrave subjetividade Para o autor eacute a carecircncia de
orientaccedilatildeo do sujeito que vincula saber e agir (RUumlSEN 2007 p110)
Ruumlsen (2007) caracteriza de forma inspiradora o aprendizado histoacuterico e o papel produtivo
do sujeito na histoacuteria Para ele haacute um duplo movimento algo objetivo torna-se subjetivo um
conteuacutedo da experiecircncia de ocorrecircncias temporais eacute apropriado simultaneamente um sujeito
confronta-se com essa experiecircncia que se objetiva nele (RUumlSEN 2007 p106) A apropriaccedilatildeo da
histoacuteria transforma um dado objetivo um acontecimento que ocorreu no tempo passado em
realidade da consciecircncia em algo subjetivo Desse ponto de vista o sujeito constitui sua
subjetividade afirma a si proacuteprio ao aprender a dimensatildeo temporal do passado interpretado em
seu presente A formaccedilatildeo consegue efetivar a articulaccedilatildeo entre objetividade e subjetividade
realizar a passagem do dado objetivo agrave apropriaccedilatildeo subjetiva e da busca subjetiva de afirmaccedilatildeo
ao entendimento objetivo Nas palavras de Ruumlsen (2007 p110) haacute uma intensificaccedilatildeo dos
pressupostos subjetivos ao manejar de forma cognitiva o passado contrapondo-se agrave alteridade do
passado reconhecendo o estranho e assim descobrir-se como proacuteprio (histoacuteria como vida)
Para Reinhart Koselleck (2006 p308-314) um movimento semelhante ao da formaccedilatildeo
histoacuterica de Ruumlsen pode ser observado no trabalho com as categorias histoacutericas de espaccedilo de
experiecircncia e horizonte de expectativa Ambas estatildeo interligadas e se ocupam da questatildeo do
tempo histoacuterico Ao entrelaccedilar passado e futuro dirigem as accedilotildees concretas no movimento social
e poliacutetico
Koselleck (2006 p309-310) afirma que a experiecircncia eacute o passado atual aquele no qual
os acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados Jaacute a expectativa eacute ao mesmo
tempo ligada agrave pessoa e ao interpessoal tambeacutem se realiza no hoje eacute futuro presente voltado
para o ainda-natildeo para o natildeo experimentado para o que apenas pode ser previsto
A experiecircncia possibilita tornar presente os acontecimentos passados e avaliaacute-los
Contudo sem o horizonte de expectativas o espaccedilo da experiecircncia eacute vago Eacute o horizonte de
expectativas que manteacutem em aberto o espaccedilo para o futuro (KOSELLECK 2006 p313)
Para Ruumlsen (2007 p110) o processo de aprendizado e apropriaccedilatildeo da experiecircncia
histoacuterica se daacute por meio de trecircs operaccedilotildees experiecircncia interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo O
aprendizado histoacuterico produz a ampliaccedilatildeo da experiecircncia do passado humano aumentando a
27
competecircncia de interpretaccedilatildeo dessa experiecircncia e reforccedilando a capacidade de inserir e utilizar as
interpretaccedilotildees histoacutericas no quadro de orientaccedilatildeo da vida praacutetica
Ao discutir sobre o aprendizado histoacuterico e a apropriaccedilatildeo histoacuterica pelo presente no
sentido de uma memoacuteria viva o proacuteprio Ruumlsen indica que a histoacuteria faz parte da cultura poliacutetica e
se apresenta como elementos identitaacuterios e nacionais Para o autor as diretrizes curriculares para o
ensino de histoacuteria os monumentos e as exposiccedilotildees satildeo exemplos dessa dimensatildeo histoacuterica vivida
de forma natildeo escolar Para Ruumlsen estas histoacuterias estatildeo presentes nas circunstacircncias da vida
concreta mas permitem tambeacutem lanccedilar pontes ao aprendizado de experiecircncias histoacutericas e de
futuro (RUumlSEN 2007 p107)
A perspectiva teoacuterica aberta por Ruumlsen articula as questotildees relativas ao ensino de histoacuteria
aos fundamentos da ciecircncia da histoacuteria A contribuiccedilatildeo de Ruumlsen eacute recompor o campo do ensino
com o que chamamos de dimensatildeo da pesquisa19
Em primeiro lugar ele afasta uma concepccedilatildeo
de didaacutetica como algo externo agrave produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico pelos especialistas Para
Ruumlsen a didaacutetica natildeo eacute mera aplicaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo nem meacutetodo de ensino indiferente aos
mecanismos especiacuteficos do trabalho cognitivo da histoacuteria Os impulsos advindos do ensino e do
aprendizado de histoacuteria natildeo podem ser dispensados na ciecircncia da histoacuteria A teoria da histoacuteria se
faz para Ruumlsen sob a reflexatildeo sobre as carecircncias de orientaccedilatildeo existencial e das formas de
apresentaccedilatildeo Essas carecircncias satildeo sobretudo de ordem poliacutetica e esteacutetica As funccedilotildees praacuteticas do
saber histoacuterico satildeo tatildeo necessaacuterias quanto o processo cientiacutefico de conhecimento (RUumlSEN 2007
p122)
Para Ruumlsen o saber histoacuterico desempenha funccedilotildees na vida cultural do tempo presente Ele
defende que no trabalho do historiador forma e funccedilatildeo natildeo se separam Essa separaccedilatildeo eacute feita
pela tradiccedilatildeo retoacuterica da historiografia dando agrave teoria da histoacuteria o poder de cuidar das regras da
escrita historiograacutefica e da poeacutetica normativa o como escrever Com a cientificizaccedilatildeo da
historiografia a Histoacuteria passou a cuidar das regras da pesquisa histoacuterica e o aspecto da forma
ficou sendo externo agrave especializaccedilatildeo A didaacutetica da histoacuteria nas duas tradiccedilotildees historiograacuteficas
ficou de fora da composiccedilatildeo da disciplina especializada A didaacutetica eacute vista hoje como mera
aplicaccedilatildeo pedagoacutegica um referente externo do saber histoacuterico (RUumlSEN 2007 p11)
19 Haacute uma vasta bibliografia acadecircmica desde a deacutecada de 1980 que discute o ensino de histoacuteria no Brasil e dentre
outros temas a articulaccedilatildeo ensino e pesquisa a avaliaccedilatildeo criacutetica aos curriacuteculos e programas oficiais e articulaccedilatildeo de
grupos de pesquisa Ver Nadai(1993) e Caimi (2001)
28
O museu pode ser interrogado nesse mesmo sentido e deixar de ser considerado um
recurso metodoloacutegico para se tornar parte do aprendizado histoacuterico como fonte tema de pesquisa
e produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos e educacionais
Ruumlsen (2007 p87) reuacutene teoria e didaacutetica ao indicar que formas e funccedilotildees do saber
histoacuterico fazem parte da matriz disciplinar da ciecircncia histoacuteria Ao reinscrever a didaacutetica no campo
da Histoacuteria como praacutetica de ciecircncia aponta para a funccedilatildeo praacutetica do saber histoacuterico Essa funccedilatildeo
praacutetica tem efeito sobre o processo de conhecimento influenciando nas perguntas iniciais que os
historiadores fazem ou seja na praacutexis historiograacutefica e tambeacutem possui uma funccedilatildeo de orientaccedilatildeo
praacutetica para a vida
Em Histoacuteria Viva Ruumlsen (2007) contribui para a formulaccedilatildeo de questotildees que articulam de
maneira praacutetica os campos da histoacuteria e da educaccedilatildeo pensando no ensino de histoacuteria20
O olhar
criacutetico do autor sobre a teoria da histoacuteria dirige-se em seguida para os processos elementares e
gerais de constituiccedilatildeo narrativa de sentido responde agraves carecircncias de orientaccedilatildeo e torna o saber
histoacuterico vivo (RUumlSEN 2007 p14)
O que Ruumlsen (2010 p59) chama de ldquoconsciecircncia histoacutericardquo eacute esse uso praacutetico do saber
histoacuterico que suscita questotildees sobre as funccedilotildees culturais das narrativas histoacutericas Ou seja as
questotildees praacuteticas da formaccedilatildeo e saber histoacuterico vatildeo aleacutem da ldquoteoria da histoacuteriardquo e recolocam o
problema da validade discursiva desse campo como ciecircncia especializada aleacutem de questionar o
que os historiadores fazem quando propotildeem formataccedilotildees historiograacuteficas da vida cultural de seu
tempo ou quais procedimentos adotam quando atuam nela
A leitura de Ruumlsen inspira a reflexatildeo sobre o sentido que as narrativas e exposiccedilotildees dos
museus possuem na vida cultural de uma sociedade e como elas se transformam em saberes
histoacutericos Ao entender como o visitante realiza movimentos que colocam em circulaccedilatildeo os
sentidos das narrativas de museus eacute possiacutevel investigar mecanismos poliacuteticos e esteacuteticos que
continuam sendo selecionados nessas narrativas e que as transportam do passado para o presente
No relato de Maria Joseacute Mendes pode ser vista essa operaccedilatildeo de construccedilatildeo de sentidos
proacuteprios agraves narrativas histoacutericas A visitante entende a dinacircmica museal natildeo em seu caraacuteter
instrumental mas como princiacutepio criador de versotildees histoacutericas A visitante do Museu Histoacuterico
20 Essas articulaccedilotildees tambeacutem satildeo discutidas pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo da Unicamp Ver
Zamboni (2007) e Zamboni e outros (2008)
29
Abiacutelio Barreto participa de uma dinacircmica que a leva a compreender que ldquoa partir de uma
montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes dependendo da
maneira como esse material foi expostordquo (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005) A operaccedilatildeo de
montagem e desmontagem eacute experimentada pela visitante que relaciona o procedimento do
museu com o procedimento dos historiadores em suas pesquisas e associa a ideia de deciframento
do que estaacute preservado e exposto ao trabalho de composiccedilatildeo realizado anteriormente
Outra questatildeo em relaccedilatildeo aos visitantes inspirada em Ruumlsen eacute discutir ateacute que ponto o
modo de narrar histoacuterias dos museus eacute utilizado na vida dos visitantes Ou seja como a maneira
argumentativa dos museus afeta a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes Ou no limite se visitar
museus influencia ou natildeo na forma de narrar a histoacuteria e viver o tempo presente
No relato de Maria Joseacute Mendes as dimensotildees da histoacuteria e da vida estatildeo presentes A
visita muda sua concepccedilatildeo de museu e de histoacuteria Ela traz da vivecircncia no museu para sua
concepccedilatildeo de histoacuteria a dimensatildeo material dos objetos e aproxima sua nova visatildeo de museu da
historiografia Como futura profissional da histoacuteria ela pode usar um novo arsenal o museu e sua
metodologia de trabalhar os objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
Em relaccedilatildeo agrave vida Maria Joseacute Mendes manteacutem sua condiccedilatildeo de visitante durante todo seu
relato mas faz um convite ldquoa exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que queiram verrdquo Essa abertura das
portas do museu ao puacuteblico reconhecida pela visitante implica em considerar que os
destinataacuterios na praacutexis museoloacutegica natildeo satildeo apenas os especialistas Mas a visitante parece
indicar que o lugar no qual se localiza essa praacutetica soacute atinge os que ldquoquerem verrdquo e nem todo
mundo quer ver o que tem em um museu Relacionado a uma forma de constituiccedilatildeo especiacutefica de
rdquonarrativa de sentidordquo o museu natildeo eacute igual ao conjunto da vida praacutetica Eacute preciso ir ateacute o museu e
querer vecirc-lo
Querer ver e ver de diferentes maneiras implica em reconhecer a heterogeneidade e a
diversidade que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica e as relaccedilotildees concretas dessa formaccedilatildeo no que se
refere a percursos graus de autonomia condiccedilotildees de trabalho docente diferenccedilas culturais e
enormes desigualdades sociais e econocircmicas reconhecer que professores e alunos dos diferentes
niacuteveis de ensino podem ser sujeitos histoacutericos agrave medida que constituem coletivamente para si
proacuteprios um tempo e espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimentos tempo e espaccedilo que incluam a
reflexatildeo e accedilatildeo sobre suas proacuteprias demandas e necessidades de formaccedilatildeo
30
14- Circuito e circularidade cultural
Feitas as consideraccedilotildees sobre as narrativas a presenccedila e a formaccedilatildeo histoacuterica a questatildeo a
ser enfrentada eacute como analisar as interaccedilotildees que emergem das accedilotildees dos sujeitos na produccedilatildeo de
novos significados para os bens culturais sem cair numa abordagem que prioriza as estruturas ou
as mediaccedilotildees institucionais que atuam com poder formativo e instrucional indicando roteiros de
interaccedilatildeo sobre os receptores ndash colocados no final do processo educativo
Algumas bases teoacutericas jaacute foram estabelecidas principalmente ao se discutir o conceito de
cultura de presenccedila para caracterizar a relaccedilatildeo com os museus Cabe sistematizar um pouco mais
a criacutetica agrave recepccedilatildeo e agrave representaccedilatildeo estabelecida pela ampliaccedilatildeo do conceito de cultura
realizada por Raymond Williams (1969 e 1979) e posteriormente alargada pela ideia de circuito
da cultura de Stuart Hall (1997 e 2003)
O debate teoacuterico em torno do conceito de cultura promovido por Raymond Williams
(1969 e 1979) e posteriormente os sentidos e usos que adquire pelos chamados Estudos
Culturais na criacutetica e reexame das relaccedilotildees entre comunicaccedilatildeo e sociedade articulam a dinacircmica
os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees e irresoluccedilotildees as inovaccedilotildees e mudanccedilas reais que se
produzem na proacutepria cultura em planos mais amplos a partir de um objetoproduto especiacutefico
rompendo com os paradigmas da recepccedilatildeo e representaccedilatildeo
Para Williams o cultural natildeo eacute mero reflexo ou tem papel residual nas anaacutelises O cultural
ocupa o lugar central eacute o lugar para onde se deve olhar pois permite ver a experiecircncia o modo
de vida indissoluacutevel na praacutetica em geral real material as formas dominantes residuais
(passado memoacuteria) e emergentes
Williams propotildee um meacutetodo de entendimento dos fenocircmenos da cultura como as
condiccedilotildees de vida comum tanto as normas quanto o vivido praacuteticas cotidianas natildeo cristalizadas
A cultura natildeo tem uma hierarquia fixa um dentro e um fora natildeo pode ser definida como alta ou
baixa A cultura eacute vista como experiecircncias efetivas e troca entre agentes natildeo redutiacuteveis aos
objetos (coisas) mas a todo um modo de vida comum A cultura eacute ordinaacuteria ou seja eacute
perpassada pelas ideias e praacuteticas sociais Assim em seu meacutetodo eacute possiacutevel pensar a estrutura da
experiecircncia ou as relaccedilotildees sociais mais amplas dentro de um caso particular
31
Outra contribuiccedilatildeo significativa de Williams (1992 p311) para a anaacutelise de nosso objeto
especiacutefico eacute a criacutetica ao sentido de transmissatildeo da cultura Para o autor soacute podemos pensar em
transmissatildeo se entendermos a comunicaccedilatildeo como a remessa de um sentido uacutenico Entretanto
para ele a recepccedilatildeo e resposta que completam a comunicaccedilatildeo dependem de fatores outros que
natildeo as teacutecnicas
A comunicaccedilatildeo se daacute como experiecircncia de agentes troca entre interlocutores Mas natildeo
vivemos em um mundo de iguais Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma
linguagem comum Haacute claramente uma dimensatildeo poliacutetica uma vontade de poder expressa nas
hierarquias postas As regras e valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem
as relaccedilotildees entre visitantes e museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Entretanto cabe
perguntar sobre quais formas de interlocuccedilatildeo podem emergir em um cenaacuterio de visita a uma
exposiccedilatildeo O Museu propotildee o rompimento com o caraacuteter transmissivo da cultura ou reitera os
padrotildees de uma cultura alta e autorizada e outra baixa O visitante pode fazer esse movimento de
interpretaccedilatildeo contraacuterio ao sentido prioritaacuterio do museu atribuindo um excesso de sentido poliacutetico
e esteacutetico agrave exposiccedilatildeo ou ele sempre elabora seu percurso de leitura com as matrizes e
referencias culturais da exposiccedilatildeo
Chega-se tambeacutem a outro movimento de ampliaccedilatildeo do sentido de cultura e da proacutepria
ideia de representaccedilatildeo como algo fixo Stuart Hall (1997 e 2003) ao formular a ideia de circuito
da cultura substitui o modelo teoacuterico que separava emissormensagemreceptor por estrutura
complexa de relaccedilotildees produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos mas interligados
produccedilatildeo circulaccedilatildeo distribuiccedilatildeoconsumo reproduccedilatildeo
Hall relaciona as praacuteticas culturais com formas e condiccedilotildees especiacuteficas Cada momento do
circuito remete ou re-envia ao outro produccedilatildeo-distribuiccedilatildeo-produccedilatildeo Formas simboacutelicas
especiacuteficas satildeo produtos de cada momento do circuito mas tambeacutem datildeo passagem a outros
significados e mensagens (signos-veiacuteculos) Podemos pensar a produccedilatildeo cultural como
instrumentos materiais (meios) organizados como praacuteticas e analisar a troca comunicativa na
forma discursiva da mensagem em suas formas visuais (imagens) e no seu proacuteprio discurso
expositivo (textonarrativa) e nas atividades propostas de interaccedilatildeo com o leitor (atividades
pedagoacutegicas)
32
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura
Production of CultureCultures of Production Londres Sege 1997
A anaacutelise cultural proposta por Suart Hall (2003) supera um modelo inicial de
codificaccedilatildeodecoficaccedilatildeo e passa a considerar que se as regras formais do discurso (sentido
preferencial) e a linguagem estatildeo em dominacircncia elas satildeo concretizadas na mensagem como
linguagem Ao serem decodificadas elas satildeo apropriadas e para que tenham efeito satisfaccedilam
necessidades ou tenha um uso pela audiecircncia haacute graus de assimetria e autonomia em relaccedilatildeo aos
coacutedigos da fonte e do receptor
Apresentadas a seguir as figuras 3 e 4 satildeo fotografias produzidas por um mesmo grupo
de estudantes de licenciatura em Histoacuteria21
em visita a dois diferentes museus o Museu do
Escravo em Belo Vale MG e o Museu Histoacuterico Nacional na cidade do Rio de Janeiro e
possibilitam aproximar o tema das visitas a museus agraves contribuiccedilotildees de Raymond Williams (1969
e 1979) e Stuart Hall (1997 2003 e 2008) entendidas como matriz teoacuterica de um movimento mais
amplo de anaacutelise cultural
21 O perfil do grupo seraacute apresentado no capiacutetulo seguinte
33
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do
Museu Histoacuterico Nacional 2008
Na figura 2 satildeo apresentadas duas fotografias de visitantes chegando ao Museu do
Escravo e dirigindo-se ao pavilhatildeo interno de exposiccedilotildees Em ambas fotografias os visitantes
estatildeo de costas para o fotoacutegrafo caminham apressadamente Os corpos dos visitantes estatildeo
enquadrados pela arquitetura do museu Numa primeira aproximaccedilatildeo pode-se pensar que os
visitantes satildeo receptores ou consumidores das representaccedilotildees das significaccedilotildees e valores do
museu
O conceito de circuito da cultura operacionalizado por Hall (1997) evidencia que as
questotildees que envolvem a anaacutelise de um produto ou praacutetica cultural natildeo se limitam apenas ao
lugar de sua representaccedilatildeo especiacutefica mas que todos os momentos da elaboraccedilatildeo da cultura
(produccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo representaccedilatildeo e identidade) estatildeo associados e se articulam As
34
fotografias dos visitantes apresentam os museus a partir da visita e do olhar dos proacuteprios
visitantes que se colocam dentro da cultura dos museus
O conceito de circularidade da cultura amplia o eixo do olhar sobre as praacuteticas e
artefatos culturais de modo a buscar outras institucionalidades sensibilidades subjetividades
produccedilotildees simboacutelicas e a abandonar uma visatildeo que separa definitivamente as identidades e
posiccedilotildees dos sujeitos em produtores e receptores Entrar nos museus eacute entrar num circuito e
colocar em circulaccedilatildeo seus sentidos e representaccedilotildees prioritaacuterias
Vistas novamente as fotografias da visita ao Museu do Escravo apontam um engajamento
dos sujeitos natildeo apenas pelo vieacutes do consumo Seus trajes coloridos se destacam das paredes
brancas e o museu tanto pode ver visto como o enquadramento central da cena quanto o cenaacuterio
de fundo para a accedilatildeo dos visitantes Haacute produccedilatildeo de um referencial identitaacuterio para o grupo e um
compartilhamento dessa representaccedilatildeo o que nos leva de volta agrave ideia de que os sujeitos se
constituem na cultura e que o consumo cultural se configura tambeacutem como praacutetica de produccedilatildeo
cultural
Na fotografia destacadas da visita ao Museu Histoacuterico Nacional (figura 3) os visitantes
esperam do lado de fora do museu o momento da visita A partir do modelo de circuito da cultura
podemos localizar inicialmente as representaccedilotildees de museu no acircmbito da regulaccedilatildeo Nesta
imagem dos visitantes dificilmente poderiacuteamos pensar numa simples transmissatildeo da cultura
mesmo em desigualdade de condiccedilotildees Antes mesmo de entrar pelo portatildeo principal haacute uma troca
de olhares entre museu e visitante que comeccedila com o registro dos rituais e ritmos estabelecidos
pelo museu O que pode ser visto e as maneiras de vecirc-las
A comunicaccedilatildeo entre museus e visitante se daacute como experiecircncia de agentes troca entre
interlocutores Natildeo haacute transmissatildeo de cultura do museu para o visitante Eacute o visitante que elabora
uma representaccedilatildeo de si mesmo e do museu E natildeo parece supor a igualdade de condiccedilotildees para as
produccedilotildees de cada agente Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma linguagem
comum entre museus e visitantes Na fotografia do Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) haacute uma
dimensatildeo poliacutetica (regulaccedilatildeo) uma vontade de poder expressa nas hierarquias postas As regras e
valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem as relaccedilotildees entre visitantes e
museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Haacute um guarda agrave porta do MHN que soacute se abriraacute no
horaacuterio determinado A fotografia registra o momento da espera Fica em aberto a pergunta sobre
35
as formas de interlocuccedilatildeo possiacuteveis num cenaacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional vencido o
momento da espera
As fotografias apontam que os visitantes produzem sentidos para a cultura a partir das
visitas que aconteceram ao longo da trajetoacuteria de formaccedilatildeo acadecircmica desse grupo especiacutefico Os
dois museus escolhidos foram visitados em momentos distintos da formaccedilatildeo dos estudantes22
O
Museu do Escravo em Belo Vale-MG visitado em 2006 e o Museu Histoacuterico Nacional no Rio
de Janeiro visitado em 2008
Os dois museus selecionados apresentam propostas expositivas conteuacutedos distintos e
estavam relacionados agraves atividades acadecircmicas desenvolvidas pelos professores do curso de
Licenciatura em Histoacuteria Cada museu se autorepresenta ao definir contemporaneamente sua
ldquomissatildeordquo no Cadastro Nacional de Museus promovido recentemente pelo Instituto Brasileiro de
Museus (IBRAN) oacutergatildeo subordinado ao Ministeacuterio da Cultura com base na Poliacutetica Nacional
de Museus de 200323
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em
2011
22 Desenvolvo nos capiacutetulos quatro e cinco uma anaacutelise da experiecircncia museal de um mesmo grupo de visitantes a
esses dois diferentes museus o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional 23
Ver httpwwwmuseusgovbrsbmcnm_conhecaosmuseushtm Acesso em 2010
36
O Museu do Escravo24
eacute vinculado ao poder puacuteblico municipal e estaacute localizado desde
1988 em um casaratildeo construiacutedo ao lado da igreja matriz de Belo Vale como reacuteplica de um
edifiacutecio colonial especialmente para abrigar o acervo do museu A tipologia do acervo eacute
apresentada de forma ampla e abrange antropologia etnografia arqueologia artes visuais
ciecircncias naturais histoacuteria natural e histoacuteria A missatildeo do Museu do Escravo eacute registrar e
preservar a histoacuteria do negro escravo no Brasil mostrando e valorizando seu trabalho arte e
cultura (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional tambeacutem uma instituiccedilatildeo puacuteblica federal localizada na
cidade do Rio de Janeiro foi o uacuteltimo museu visitado pelo grupo de estudantes de licenciatura em
Histoacuteria em 2008 quando cursavam os uacuteltimos periacuteodos da graduaccedilatildeo Fundado em 1922 o MHN
teve suas primeiras coleccedilotildees formadas com transferecircncias do Museu Nacional do Arquivo
Nacional da Biblioteca Nacional e do antigo Museu de Artilharia Hoje reuacutene um
acervo de mais de 264332 itens entre os quais a maior coleccedilatildeo de numismaacutetica da
Ameacuterica Latina O conjunto arquitetocircnico que abriga o museu desenvolveu-se a partir do
Forte de Santiago na Ponta do Calabouccedilo um dos pontos estrateacutegicos para a defesa da
cidade do Rio de Janeiro O Museu Histoacuterico Nacional manteacutem em 9557 metros
quadrados de aacuterea aberta ao puacuteblico galerias de exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias aleacutem da biblioteca especializada em Histoacuteria do Brasil Histoacuteria da Arte Museologia e
Moda do Arquivo Histoacuterico com documentos manuscritos aquarelas ilustraccedilotildees e
fotografias (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional define sua missatildeo a partir do conceito de ldquonacionalrdquo O
museu eacute uma instituiccedilatildeo permanente a serviccedilo da sociedade e de seu desenvolvimento que
adquire conserva pesquisa e divulga as evidecircncias representativas da histoacuteria brasileira
(IBRAN 2010)
24 Segundo material de divulgaccedilatildeo o Museu foi criado em Congonhas do Campo nas dependecircncias da Basiacutelica do
Senhor Bom Jesus Em 1977 foi transferido para a Fazenda da Boa Esperanccedila em Belo Vale e oficializado atraveacutes
de Lei Municipal nordm 50475 de 10 de abril Em 13 de Maio de 1988 primeiro centenaacuterio da aboliccedilatildeo foi inaugurado
o preacutedio atual em estilo colonial projetado por Paulo Bojanic
37
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt
Acesso em 2011
Nas duas imagens oficiais dos museus (figuras 4 e 5) os edifiacutecios satildeo isolados do
cenaacuterio urbano nos quais estatildeo localizados natildeo haacute qualquer referecircncia ao entorno Tambeacutem natildeo
se observa nas imagens nenhuma intervenccedilatildeo voltada ao visitante como placas de sinalizaccedilatildeo ou
propaganda indicando o nome do Museu como se locomover e serviccedilos tais como
estacionamento portatildeo de entrada e outras instalaccedilotildees puacuteblicas As imagens ressaltam a
grandiosidade da arquitetura exibida de maneira estaacutetica realccedilando as restauraccedilotildees das fachadas
iluminadas de forma atraente e sedutora
A imagem produzida pelos museus confronta-se com as fotografias dos visitantes Nos
dois museus visitados encontram-se possibilidades de rompimento com o caraacuteter transmissivo da
cultura mas tambeacutem configuraccedilotildees que reiteram os padrotildees de cultura hierarquizada ndash alta e
autorizada e outra baixa e desautorizada O visitante pode fazer o movimento de atribuiccedilatildeo de
sentido poliacutetico e esteacutetico agraves exposiccedilotildees e museus Ele substitui o tempo de espera pelo inusitado
do percurso de visita a mais uma exposiccedilatildeo
As fotografias do momento da chegada aos dois museus apontam que os visitantes criam
um circuito proacuteprio para a cultura O registro do visitante estabelece um diaacutelogo com o plano da
cultura que estaacute nos museus O visitante orienta o museu a fazer escolhas e cada museu produz a
38
si mesmo agrave medida que se expotildee ao visitante No Museu do Escravo (Figura 2) os visitantes
chegam rapidamente agrave entrada e comeccedilam a explorar de maneira espontacircnea o espaccedilo interno Os
estudantes parecem natildeo precisar de ldquoguiasrdquo ou orientaccedilotildees Querem ver o que tem laacute dentro
Circulam
Na chegada ao Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) o museu tem uma loacutegica proacutepria
parece fechado ao visitante Eacute muito organizado dizem os visitantes e essa organizaccedilatildeo parece
se expressar nos rituais de espera para entrar no seguranccedila que guarda a portaria nas orientaccedilotildees
de um ldquoguiardquo tambeacutem estudante de Histoacuteria Circulam visitam vaacuterias exposiccedilotildees sem correrias
retornam ao local da entrada (saiacuteda)
Assim pode-se considerar que satildeo os museus que constroem um puacuteblico um visitante e
lhes atribui caracteriacutesticas de idade escolaridade gecircnero articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute
um museu O museu se apresenta em primeira pessoa em cada material produzido e endereccedilado
aos visitantes Os visitantes nessas fotografias tambeacutem tentam controlar a sua auto-representaccedilatildeo
frente agrave arquitetura dos museus que se impotildee desde os portotildees de entrada
Posicionados historicamente frente agrave arquitetura dos dois museus as fotografias satildeo
tentativas dos visitantes de se apresentarem refletirem sobre si mesmos e natildeo apenas se
moldarem aos padrotildees e expectativas da representaccedilatildeo dominante Haacute nas imagens uma
reflexibilidade dos sujeitos (identidade no sentido de Hall) frente agrave arquitetura museal ou a
forma cultural dominante que entretanto natildeo se impotildee de maneira paciacutefica (regulaccedilatildeo) O
visitante tem uma atitude de produccedilatildeo cultural de conhecer o museu habitar de certo modo esse
espaccedilo (consumo) restabelecendo a centralidade da cultura ou o reiniacutecio do circuito com uma
nova representaccedilatildeo ao tornar o museu significativo visiacutevel e tangiacutevel para si mesmo
As fotografias permitem configurar um espaccedilo da vivecircncia (ou evento) 25
nas quais estatildeo
circunscritas as atividades que foram objeto do interesse dos visitantes e foram estruturadas tendo
como referecircncia a ideacuteia de performance movimento e foco natildeo apenas presentes nos museus
mas escolhidos e recortados pelos visitantes As fotografias apresentam desde a entrada no museu
(desejo expectativas de presenccedila) com o nascimento da proacutepria presenccedila o durante o percurso
interno e as reaccedilotildees agraves condiccedilotildees especiacuteficas da cultura museal contemporacircnea
25 Mauad (1996 p13-14) propotildee uma metodologia para o trabalho com fotografias que considera cada unidade
cultural que deve ser analisada sob os aspectos do espaccedilo fotograacutefico espaccedilo geograacutefico espaccedilo do objeto espaccedilo da
figuraccedilatildeo e espaccedilo da vivecircncia
39
predominantemente uma cultura de sentido e a saiacuteda dos museus a ausecircncia o desaparecer da
presenccedila e o surgimento dos efeitos de presenccedila que podem ser vividos jaacute na ausecircncia
15- Visitantes de museus espectadores emancipados
A abordagem desta pesquisa difere da perspectiva da recepccedilatildeo26
agrave medida que as visitas a
museus e os visitantes satildeo considerados espectadores emancipados e natildeo apenas consumidores
das propostas educativas elaboradas pelos consultores e especialistas de museus A relaccedilatildeo entre
o puacuteblico e os museus eacute recoberta de muacuteltiplas temporalidades Entendo o museu como
instituiccedilatildeo local fiacutesico produtor de conhecimento arena poliacutetica promotor de identidades
espaccedilo de construccedilatildeo de memoacuterias de educaccedilatildeo que reuacutene caracteriacutesticas que povoam o
imaginaacuterio social desde o final do seacuteculo XVIII O museu como ideia e instituiccedilatildeo resiste na
contemporaneidade e assume diferentes usos Eacute esse o conceito de museu puacuteblico moderno que
permeia essa pesquisa desde a formulaccedilatildeo do projeto passando pela delimitaccedilatildeo das fontes ateacute a
sistematizaccedilatildeo das primeiras anaacutelises das visitas
Assim como o conceito de museu eacute marcado pela historicidade ou a adaptaccedilatildeo a
diferentes momentos a imagem de um puacuteblico de museus tambeacutem remete a diferentes praacuteticas
ligadas aos museus pesquisa accedilotildees patrimoniais educativas expositivas colecionismos que
implicam em atrair diferentes grupos para frequumlentar e produzir esses espaccedilos poeacuteticos e
poliacuteticos
Falar dos museus como sujeitos eacute apresentaacute-los como um campo proacuteprio de produccedilatildeo de
conhecimentos e como tal fundadores de princiacutepios e loacutegicas como um tipo especial de
instituiccedilatildeo cultural O museu se coloca como sujeito cultural com processos de legitimaccedilatildeo e
criteacuterios de autoridade capazes de nortear a construccedilatildeo de sentidos poliacuteticos do que seja o proacuteprio
museu e por conseguinte sobre a relaccedilatildeo do museu com outros campos como o patrimocircnio a
memoacuteria a educaccedilatildeo e a histoacuteria
Dimensotildees histoacutericas poliacuteticas esteacuteticas sociais e institucionais concorrem para a
definiccedilatildeo do campo museal Diferentes contribuiccedilotildees e leituras transformam de maneira
26 Considero as pesquisas de recepccedilatildeo aquelas que tomam o puacuteblico de museus sob a perspectiva da ldquorelaccedilatildeo de
transposiccedilatildeo definida como a adaptaccedilatildeo da temaacutetica do museu ou da exposiccedilatildeo - feita pelo inteacuterprete - para o
visitanterdquo (MARANDINO ALMEIDA E VALENTE 2009 p22)
40
constante o conhecimento museoloacutegico Museoacutelogos historiadores jornalistas poliacuteticos e
cidadatildeos comuns compartilham dessa produccedilatildeo Tambeacutem na condiccedilatildeo de sujeito de praacuteticas
culturais especiacuteficas cada museu eacute lido por diferentes agentes histoacutericos Enquanto agente
puacuteblico o museu se daacute ver e se submete a leituras conflitantes A leitura de populares e de
especialistas se apresenta cada vez que o museu abre suas portas ao puacuteblico Em cada exposiccedilatildeo
em cada visita o museu se atualiza
Compreender a historicidade dos puacuteblicos ou visitantes de museus implica por
consequumlecircncia em analisar como diferentes sujeitos se fazem presentes nas poliacuteticas e poeacuteticas
destas instituiccedilotildees e como fazem usos variados destes espaccedilos puacuteblicos Almeida (2004 e 2005) e
Marandino (2009) estudiosas de puacuteblico de museus no Brasil indicam que a presenccedila do
visitante nos museus eacute registrada desde fins do seacuteculo XVIII Com interesses variados
colecionadores filoacutesofos poliacuteticos criacuteticos e artistas preocuparam-se em conhecer o puacuteblico de
museus e tecer consideraccedilotildees sobre o uso que faziam da instituiccedilatildeo Os proacuteprios museus
fornecem dados sobre os visitantes para oacutergatildeos estatais aos quais estatildeo subordinados e no iniacutecio
do seacuteculo XX foram realizados os primeiros estudos acadecircmicos nos EUA sobre puacuteblicos de
museus e comportamentos de visita (MARANDINO 2009)
Na segunda metade do seacuteculo XX os proacuteprios profissionais dos museus comeccedilam a se
interessar por esse tema de pesquisa assim como empresas puacuteblicas e privadas para fins de
avaliaccedilatildeo Na deacutecada de 1980 haacute um duplo interesse nos estudos de puacuteblicos como campo de
estudo das praacuteticas sociais e culturais e com finalidades de orientar investimentos econocircmicos e
poliacuteticas puacuteblicas
A reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre museus e visitantes nem sempre eacute pautada pela
preocupaccedilatildeo com o entendimento do papel social de ambos os atores Como afirma Koptke
pesquisadora do campo da museologia ldquoa negociaccedilatildeo do sentido de uso deriva de situaccedilotildees cuja
dinacircmica necessita ser analisada do ponto de vista de seus usuaacuterios para melhor compreendermos
como e para que existam os museusrdquo (KOPTKE 2005 p191)
Pesquisas de puacuteblico ou de recepccedilatildeo servem agrave negociaccedilatildeo de recursos e fundos tanto
privados quanto puacuteblicos e conquistam credibilidade social Veja-se o exemplo de investimentos
em tecnologias digitais que implicam em ampliaccedilatildeo do acesso e aumento do nuacutemero de visitantes
41
e se autojustificam pois um visitante virtual que acessa o site do museu e solicita um serviccedilo
equivale a um visitante presencial nos relatoacuterios de gestatildeo
Do ponto de vista acadecircmico a criacutetica agraves instituiccedilotildees museais considerando aspectos tais
como o acesso os produtos e valores culturais a elas associados jaacute identificados em escritos
como os de Valery (1931) reveste-se de maior amplitude em fins do seacuteculo XX em aacutereas como a
sociologia a antropologia a histoacuteria e os estudos culturais Trecircs seacuteculos de histoacuteria das
instituiccedilotildees museais satildeo revisitados por estudos empiacutericos e quantitativos que estabelecem dados
sobre condiccedilotildees de acesso e uso dos puacuteblicos tanto no plano relacional das trocas e negociaccedilotildees
quanto no plano institucional de valores e imagens A visita e o visitante satildeo objetos de inqueacuteritos
em diferentes museus Ao estudar o visitante essas pesquisas problematizam o papel dos museus
na sociedade e as percepccedilotildees sociais de suas accedilotildees Fala-se de puacuteblico ou puacuteblicos de uma
determinada atividade cultural Nos museus o lugar do puacuteblico estaacute associado ao visitante ou
usuaacuterio e as investigaccedilotildees sobre os puacuteblicos vecircm se consolidando juntamente com outros temas
como a educaccedilatildeo e a histoacuteria em museus
Os estudos de puacuteblico segundo Esquenazi (2006) foram se estabelecendo desde a deacutecada
de 1930 quando investigadores norte-americanos comeccedilam a se interessar por traccedilos da recepccedilatildeo
dos meios de comunicaccedilatildeo massivos sob a suspeita de que o puacuteblico seria uma comunidade
provisoacuteria ou um conjunto de pessoas mais ou menos dispersas que se identificavam com as
personalidades que lhes eram apresentadas pelas transmissotildees de raacutedio Os inqueacuteritos entretanto
demonstrariam que as escolhas poliacuteticas e a opiniatildeo popular eram mais influenciadas por
personalidades locais influentes do que por recomendaccedilotildees veiculadas pela miacutedia
Esquenazi (2006) faz um balanccedilo dos estudos de puacuteblico e estabelece um mapa conceitual
das concepccedilotildees do que seja um puacuteblico a partir das pesquisas socioloacutegicas realizadas ao longo do
seacuteculo XX Satildeo identificadas sete concepccedilotildees de puacuteblico o puacuteblico ativado pela obra delimitado
pelos inqueacuteritos suscitado pelas estrateacutegias comerciais pela estratificaccedilatildeo social por
configuraccedilotildees culturais pelas interaccedilotildees sociais e por situaccedilotildees simboacutelicas O autor chega a essa
tipologia a partir da anaacutelise de obras e autores apontando possibilidades abertas pelas
interpretaccedilotildees e limites das abordagens
Interesse de pesquisa semelhante ocorre na Franccedila em fins dos anos de 1950 quando
Andreacute Malraux ministro do General de Gaulle acreditava que bastavam boas condiccedilotildees para que
42
se constituiacutesse um puacuteblico apreciador de obras de arte Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2003)
numa pesquisa com o puacuteblico frequumlentador de museus de arte em quatro paiacuteses europeus
publicada na forma de livro com o tiacutetulo O amor pela arte apontaram que boa vontade
presumida natildeo bastava para a constituiccedilatildeo de um puacuteblico de museus Bourdieu e Darbel levantam
a hipoacutetese de que cada domiacutenio de praacuteticas culturais eacute estruturado por habitus legitimados pela
condiccedilatildeo de classe e condiccedilotildees de vida A frequecircncia a museus estaacute relacionada ao estatuto
social A probabilidade de um operaacuterio visitar um museu eacute quarenta vezes inferior agrave possibilidade
de visita de um quadro superior em escolaridade e renda
Os estudos recentes sobre o puacuteblico realizados pelos proacuteprios museus parecem ter se
afastado das perspectivas criacuteticas de Diderot Baudelaire Proust e Valery27
As pesquisas satildeo em
sua grande maioria instrumentais e fundamentadas pelas teorias da recepccedilatildeo Satildeo inqueacuteritos das
expectativas preacutevias dos aspectos que mais atraem os visitantes para determinados setores do
museu e dos conhecimentos preacutevios dos puacuteblicos Com base nesses inventaacuterios elaboram-se
programas redimensionam-se as ofertas de serviccedilos e promovem-se reformas Em geral satildeo
trabalhos preparados pelas proacuteprias equipes dos museus e especialistas consultores
pesquisadores e o puacuteblico convocado a responder aos modelos propostos
Esse paradigma da recepccedilatildeo tambeacutem vem sendo questionado com as pesquisas
historiograacuteficas sobre as praacuteticas culturais como as de Michel de Certeau (1994) e Roger Chartier
(1998) que analisam as praacuteticas de leitura e apontam para o papel produtivo dos leitores em
relaccedilatildeo ao livro e a leitura Para Certeau (1994) os leitores natildeo satildeo escritores que trabalham no
ldquosolo da linguagemrdquo mas ldquosatildeo viajantes circulam nas terras alheias nocircmades caccedilando por conta
proacutepria atraveacutes dos campos que natildeo escreveram arrebatando os bens do Egito para usufruiacute-losrdquo
As imagens evocadas pelo historiador para caracterizar o leitor satildeo marcadas por efeitos de
deslocamentos que misturam tempos e lugares uma ldquobricolagemrdquo uma relaccedilatildeo com os resiacuteduos
de construccedilotildees e destruiccedilotildees anteriores uma mitologia que se dispersa na duraccedilatildeo e desafia o
tempo disseminado em repeticcedilotildees diferenccedilas memoacuterias e conhecimentos (CERTEAU 1994
p269-270)
27 Discutidas no segundo capiacutetulo
43
Chartier (1998) por sua vez chama a atenccedilatildeo para o fato de que o leitor ldquocaccediladorrdquo que
percorre terras alheias descrito por Certeau natildeo se desloca ou subverte de forma absoluta aquilo
que o livro pretende lhe impor Sua liberdade leitora eacute ldquocercada por limitaccedilotildees derivadas das
capacidades convenccedilotildees e haacutebitos que caracterizam em suas diferenccedilas as praacuteticas de leiturardquo
(CHARTIER 1998 p77)
Do ponto de vista dos estudos filosoacuteficos tambeacutem ampliou-se o espaccedilo do leitor ao
afirmarmos que existe a possibilidade de emergir um novo significado para o texto dependendo
da posiccedilatildeo histoacuterica do leitor e de sua capacidade de diaacutelogo O leitor deixa aos poucos de ser
visto como o receptor passivo das obras e conquista um papel de produtor de sentidos Os
horizontes de expectativas dos leitores e o momento da leitura passam a integrar as anaacutelises da
posiccedilatildeo social do leitor visto como sujeito e natildeo apenas o destinataacuterio das obras sobretudo
literaacuterias28
Essas expectativas deixam de analisar a recepccedilatildeo e atribuir ao leitor um papel passivo
Abrem caminho para que sua accedilatildeo seja vista como um agir e um conhecer
Ser espectador eacute natildeo eacute condiccedilatildeo passiva que devemos transformar em atividade Eacute a
nossa condiccedilatildeo normal Aprendemos e ensinamos agimos e conhecemos tambeacutem
enquanto espectadores que ligam constantemente o que vecircem com aquilo que jaacute viram e
disseram fizeram e sonharam (RANCIEgraveRE 2010 p28)
Jacques Ranciegravere lembra o que eacute aparentemente oacutebvio o visitante produz significados e
natildeo simplesmente processa as informaccedilotildees de forma passiva (espectador emancipado) Essa
emancipaccedilatildeo estaacute associada a uma condiccedilatildeo de atividade e natildeo de passividade das accedilotildees de olhar
A aposta dessa pesquisa eacute que o visitante se insere a partir de sua presenccedila no ldquocircuito
dos museusrdquo A visita a museus se constitui em uma praacutetica cultural que se estabelece por uma
frequumlecircncia a variados museus e permite que o visitante-narrador ldquoencarnadordquo dessacralize a
cenografia do passado encenada pelos museus O uso dos museus pelos visitantes pode superar
assim a mera apropriaccedilatildeo cognitiva das propostas e sensibilidades jaacute existentes nos museus e
visitantes tornando possiacutevel por meio dos relatos escritos fotograacuteficos e orais uma nova
28 Ver COSTA Maacutercia Haacutevila Mocci da Silva Esteacutetica da recepccedilatildeo e teoria do efeito Disponiacutevel emlt
wwwdiaadiaeducacaoprgovbrgtAcesso em17 mar 2011
44
produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de conhecimentos que redefinem os conceitos que circulam em ambos os
campos dos museus e das escolas
45
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes
No primeiro capiacutetulo foram constituiacutedas as principais referecircncias teoacutericas e metodoloacutegicas
para o estudo das situaccedilotildees de visita escolar a museus Delineou-se um panorama da abordagem
investindo nos conceitos de narrativa memoacuteria presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica para criar uma
indumentaacuteria para o visitante emancipado que viaja entre a escola e os museus
Nesse segundo capiacutetulo tambeacutem se observa uma preocupaccedilatildeo com as bagagens para a
viagem propriamente dita providencia-se os documentos as certificaccedilotildees especiacuteficas os roteiros
novos mas tambeacutem se avalia os caminhos jaacute percorridos que estimulam investimentos em novos
caminhos e a seguranccedila do viajante
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico
Eacute quase lugar comum iniciar uma ldquohistoacuteria dos museusrdquo pela evocaccedilatildeo da constituiccedilatildeo de
um espaccedilo dedicado agraves musas e em seguida pelo estabelecimento de uma ligaccedilatildeo estreita com a
constituiccedilatildeo de um espaccedilo ou local fiacutesico dedicado ao estudo ao conhecimento e agrave exposiccedilatildeo
puacuteblica da cultura
A origem dos museus na Franccedila estaacute associada a fatores como a demanda por abertura das
coleccedilotildees renascentistas principalmente de pinturas e esculturas restritas aos colecionadores
prelados cortesatildeos juristas eruditos artistas priacutencipes e monarcas e o museu se coloca como
um herdeiro dos ldquogabinetes de curiosidadesrdquo Na Itaacutelia por sua vez eacute desenvolvido outro
elemento fundador de uma ldquocultura do museurdquo que satildeo as accedilotildees poliacuteticas e a definiccedilatildeo de uma
legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo ao patrimocircnio para assegurar ao museu o lugar de ldquoconservaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeordquo desse patrimocircnio artiacutestico agora de interesse puacuteblico Na Alemanha as origens
dos museus estatildeo associadas agrave abertura das coleccedilotildees privadas e agrave reivindicaccedilatildeo de um lugar para
essa produccedilatildeo no discurso universal da arte Para a institucionalizaccedilatildeo e ideia de museu
contemporacircneo confluem as demandas de ensino e pesquisas (biblioteca) ligadas a transmitir e
permitir a produccedilatildeo de conhecimento e tambeacutem o papel de guardiatildeo da memoacuteria daqueles que se
distinguiram nas atividades do espiacuterito (BREFE 1998 p298-300)
46
Entender esse conceito moderno de museu e seu uso social eacute tarefa bastante complexa e
alvo de inuacutemeros debates contemporacircneos Muitos estudos recentes costumam definir os museus
como ldquolugares de memoacuteriardquo mas trabalham com a histoacuteria das instituiccedilotildees museais a partir de
uma sequecircncia de fases ou uma tipologia que considera apenas os objetos expograacuteficos nos quais
se especializaram os museus Os museus satildeo caracterizados como de artes ciecircncias e histoacuteria e
estas especializaccedilotildees se tornam definidas e imutaacuteveis Numa genealogia dos museus os gabinetes
de curiosidades seriam os precursores dos museus de ciecircncias e arqueologia os antiquaacuterios
dariam lugar aos museus de histoacuteria e as galerias de arte privadas cederiam espaccedilo aos museus
puacuteblicos de arte
Essas analogias parecem congelar a imagem de museu e relacionaacute-la especificamente a
uma dada eacutepoca histoacuterica numa sequumlecircncia evolutiva Os criteacuterios de classificaccedilatildeo ou ldquoetiquetasrdquo
utilizados para os museus estariam dados a partir de um modelo As instituiccedilotildees natildeo seriam
consideradas em suas especificidades poliacuteticas e culturais Em funccedilatildeo de um padratildeo esperado
para os museus em geral um museu especiacutefico eacute julgado pelos estudiosos pelo criteacuterio da
inovaccedilatildeo ou natildeo de suas exposiccedilotildees como se as uacuteltimas tendecircncias da museologia fossem o
paracircmetro uacutenico para todo e qualquer museu
Os estudos sobre museus reuacutenem profissionais de diversas aacutereas como a museologia a
histoacuteria a educaccedilatildeo a comunicaccedilatildeo as artes a arqueologia a sociologia dentre outras Abordam
campos de interesse comuns a diversos pesquisadores tais como o patrimocircnio as identidades
poliacuteticas as miacutedias e novas tecnologias espaccedilo urbano e arquitetura Praacuteticas profissionais e
culturais visitantes educaccedilatildeo e interaccedilatildeo tambeacutem satildeo temas contemporacircneos e emergentes dos
estudos sobre os museus
No Brasil as fontes e a bibliografia sobre a trajetoacuteria dos museus foram marcadas ateacute os
anos de 1940-1950 por produccedilotildees das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas como a revista
Archivos do Museu Nacional editada desde 1876 e obras de referecircncia como os cataacutelogo
publicado por Heloisa Alberto Torres entatildeo diretora do Museu Nacional em 1953 intitulado
Museus do Brasil Outra referecircncia importante do periacuteodo foi a publicaccedilatildeo em 1958 do livro
coordenado e organizado por Guy de Hollanda Recursos Educativos dos Museus Brasileiros
com o apoio da Onicom ndash Organizaccedilatildeo Nacional do Conselho Internacional de Museus Neste
trabalho Hollanda traz um levantamento da situaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo a acervos
47
exposiccedilotildees visitaccedilotildees atividades educativas recursos didaacuteticos organograma pessoal etc
(UNIRIO 2005)
Ao longo do seacuteculo XX obras de intelectuais ligados diretamente ou indiretamente a
museus eou oacutergatildeos governamentais de preservaccedilatildeo como Mario de Andrade (1917) Francisco
Venacircncio Filho (1941) Gustavo Barroso (1946) Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) Joseacute
Valladares (1946) Gilberto Freyre (1979) e Darcy Ribeiro (1955) dentre outros destacam-se na
produccedilatildeo de um pensamento e accedilotildees no campo da museologia e vecircm sendo estudados por
pesquisadores contemporacircneos
Destaco as contribuiccedilotildees de Francisco Venacircncio Filho (1941) Joseacute Valladares (1946) e
Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) que delineiam marcos de interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo museu-
educaccedilatildeo no Brasil e agiram diretamente na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
criaccedilatildeo de museus e na concepccedilatildeo e planejamento de accedilotildees educativas nos museus brasileiros
Estes autores lanccedilam obras nos anos de 1940 que teratildeo influecircncia teoacuterica ateacute os anos de 1970 na
criaccedilatildeo de museus histoacutericos e pedagoacutegicos em Satildeo Paulo29
Entre os anos de 1960-1970 predomina a publicaccedilatildeo de coleccedilotildees de divulgaccedilatildeo sobre os
grandes museus europeus no formato de cataacutelogos vendidos em bancas de jornais e revistas A
pesquisa acadecircmica propriamente dita com a elaboraccedilatildeo de monografias dissertaccedilotildees e teses
com posicionamentos criacuteticos questionadores e reflexivos se intensificou no Brasil a partir dos
anos 1980 e se amplia nas deacutecadas seguintes
Autores como Waldisa Russio Camargo Guarnieri (1977 1980) Maria Margaret Lopes
(1988 e 1993) Maria Ceacutelia Moura Santos (1987 1993 e 1996) Regina Abreu (1996) Cristina
Bruno (1996) Maria Ceciacutelia Lourenccedilo (1997) Mario Chagas (1999 e 2003) Ulpiano Bezerra de
Menezes (1992 1994 2004 2005 e 2007) marcam a riqueza dessa produccedilatildeo e apontam temas
como a institucionalizaccedilatildeo dos museus de ciecircncias as accedilotildees educativas o colecionismo o
patrimocircnio a memoacuteria social a arte e a museologia como outros caminhos de investigaccedilatildeo que
seriam abertos por novas pesquisas e percorridos por novos pesquisadores em universidades do
paiacutes e em cursos no exterior
29 Ver CAMPOS Vinicio Stein Elementos de Museologia 1ordm e 3degvolume se 1970
48
Um levantamento bibliograacutefico realizado pelo CECA30
em 2007 apontava ao mesmo
tempo a abrangecircncia e a dispersatildeo dessa produccedilatildeo sobre os museus A divulgaccedilatildeo dessa
produccedilatildeo bibliograacutefica continuaria em grande parte ligada agraves revistas dos oacutergatildeos oficiais de
patrimocircnio (IPHAN e ICOM) e publicaccedilotildees proacuteprias dos grandes museus centros culturais e de
memoacuteria Algumas poucas divulgadas pelos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de diversas aacutereas que
pesquisam a temaacutetica
Contudo estudos sobre trajetoacuterias de museus brasileiros ou uma chamada historiografia
dos museus vem se aprofundado em abordagens teoacutericas-metodoloacutegicas e temaacuteticas tais como o
papel das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas na elaboraccedilatildeo da cultura material a anaacutelise dos
quadros referenciais que vatildeo se fixando para organizaccedilatildeo de coleccedilotildees e exposiccedilotildees os modelos
organizacionais concepccedilotildees de diretores e profissionais envolvidos em propostas de
musealizaccedilotildees e seus desdobramentos
Em um esforccedilo de leitura e siacutentese dessa bibliografia pode-se indicar trecircs impulsos
poliacuteticos de criaccedilatildeo de museus no Brasil Um primeiro que vai do iniacutecio do seacuteculo XIX ateacute a
deacutecada de 1930 Um segundo momento localizado entre as deacutecadas de 1930 e 1950 e por fim
um terceiro movimento de criaccedilatildeo de museus entre a segunda metade do seacuteculo XX e primeiras
deacutecadas do seacuteculo XXI
No seacuteculo XIX os atos fundadores dos primeiros museus comeccedilando pelo Museu Real
(1818) criado por D Joatildeo VI e aberto ao puacuteblico em 181931
contribuem para a emergecircncia de
uma nova sociabilidade e a redefiniccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico e de um puacuteblico espectador As visitas
ao Museu Real entre 1818 e 1821 eram privileacutegio de curiosos estudiosos e autoridades
A primeira exposiccedilatildeo do Museu Real aberta ao puacuteblico em 1821 tinha a visitaccedilatildeo e o uso
do espaccedilo regulado por uma Portaria Real que definia quem era o visitante digno de frequumlentar o
museu aquele que possuiacutea conhecimentos e qualidades (educados) O ambiente do Museu era de
estudo e contemplaccedilatildeo o visitante deveria manter a calma Presenccedila do guarda de sala (praacutetica
ainda usual) zelava pela ordem e controlava os comportamentos dos visitantes O acesso a
30 O CECA-BRASIL eacute formado pelos membros brasileiros afiliados ao Comitecirc Internacional para Accedilatildeo Educativa e
Cultural (CECA) do Conselho Internacional de Museus (ICOM) Disponiacutevel em lt wwwicomorgbrgt 31
Transformado posteriormente em Museu Imperial e hoje Museu Nacional da quinta da Boa Vista integrado agrave
estrutura acadecircmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ver material produzido pelo proacuteprio Museu
Nacional do RJ e trabalhos sobre a instituiccedilatildeo como LOPES (1997) e CHAGAS (1999)
49
algumas salas era restrito assim como havia dias de abertura e horaacuterios para diferentes puacuteblicos
A prioridade era dada ao visitante estrangeiro e pesquisador (LOPES 1999)
Na deacutecada de 1860 haacute uma diversificaccedilatildeo das instituiccedilotildees que fundam museus No Rio de
Janeiro satildeo criados os Museu do Exeacutercito (1864) e Museu da Marinha (1868) No Paraacute o Museu
Paraense Emiacutelio Goeldi eacute criado como Sociedade Filomaacutetica em 1866 e o Museu Paulista em
Satildeo Paulo em 1895
Essa geraccedilatildeo de museus do seacuteculo XIX ainda que pareccedila regional como o Museu
Paulista satildeo considerados museus nacionais agrave medida que colaboram para a construccedilatildeo ritual e
simboacutelica da naccedilatildeo Curioso notar que essa mesma bibliografia trata pouco ou quase nada sobre
o projeto de criaccedilatildeo do museu do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro instituiacutedo pelo
mesmo decreto de criaccedilatildeo do IHGB em 1838 instalado e aberto atualmente agrave visitaccedilatildeo na sede
do proacuteprio Instituto Histoacuterico no Rio de Janeiro
No iniacutecio do seacuteculo XX esse caraacuteter celebrativo dos museus brasileiros do seacuteculo XIX se
propaga a partir do Rio de Janeiro para estados e museus como o Juacutelio de Castilhos (1903)
Museu Anchieta (1908) no Rio Grande do Sul Pinacoteca Puacuteblica do Estado (1906) em Satildeo
Paulo e o Museu de Arte da Bahia (1918) E chega a criaccedilatildeo por Gustavo Barroso do Museu
Histoacuterico Nacional (MHN) em 1922 (CHAGAS 1999 p36) Um segundo momento de criaccedilatildeo
de museus eacute identificado nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 por iniciativa de empresaacuterios os
chamados Museus de Arte Moderna (MAMs) do Rio de Janeiro (MAM 1948) e Satildeo Paulo
(MASP 1947) e os natildeo instalados ldquomuseus histoacutericos e pedagoacutegicosrdquo em Satildeo Paulo
Ao longo das deacutecadas de 1930-1950 haacute um consideraacutevel impulso na criaccedilatildeo de museus32
a maioria ainda em plena atividade A criaccedilatildeo do Curso de Museus em 1932 vinculado ao MHN
embora inicialmente fosse apenas um aperfeiccediloamento de dois anos e exigisse como preacute-requisito
cinco anos de escolaridade baacutesica eacute considerado pelos pesquisadores de museus como importante
na profissionalizaccedilatildeo do campo e organizaccedilatildeo da museologia Por fim tem-se um terceiro
32 Dentre outras foram criados a Casa de Rui Barbosa ndash RJ (1930) Museu da Veneraacutevel Ordem Terceira de Satildeo Francisco da Penitecircncia ndash RJ (1933) Museu Histoacuterico da Cidade ndash RJ (1934) Museu Nacional de Belas Artes ndash RJ
(1937) Museu da Inconfidecircncia ndash Ouro Preto (1938) Museu da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Gloacuteria do
Outeiro ndash RJ (1939) Museu Imperial ndash Petroacutepolis (1940) Museu das Missotildees ndash RS (1940) Museu Antonio Parreiras
ndash Niteroacutei (1941) Museu Histoacuterico de Belo Horizonte (1943) Museu do Ouro de Sabaraacute (1945) Museu da Veneraacutevel
Ordem Terceira do Carmo ndash RJ (1945) Museu de Arte Moderna de Satildeo Paulo (1946) Museu de Arte Moderna ndash RJ
(1948) Museu do Iacutendio ndash RJ (1953) Museu Oceanograacutefico ndash RS (1953) e Museu Farroupilha ndash PR (1954) (UNIRIO
2007)
50
movimento de criaccedilatildeo de museus que marca as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo
XXI Aleacutem dos museus existentes haacute outro cenaacuterio de aumento do nuacutemero de museus
investimentos dos setores privados na construccedilatildeo de museus e financiamento de projetos culturais
voltados ao turismo cultural e a revitalizaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural de centros
urbanos e industriais e a tecnologias virtuais
Uma das questotildees ao se pensar a historicidade dos museus eacute discutir ateacute que ponto as
trajetoacuterias dos museus brasileiros obedecem eou dialogam com os modelos europeus e latino-
americanos E mais de que forma as trajetoacuterias institucionais ajudam na compreensatildeo das
praacuteticas museais em relaccedilatildeo aos puacuteblicos Autores como Ulpiano Bezerra de Menezes Maria
Margaret Lopes Lilia Moritz Schwarcz e Maria Ceciacutelia Lourenccedilo reuacutenem algumas polecircmicas em
torno da questatildeo da criaccedilatildeo de museus no Brasil a partir do seacuteculo XIX e algumas praacuteticas de
produccedilatildeo e circulaccedilatildeo da cultura museal
Para Ulpiano Bezerra de Menezes (2005 p16) as trajetoacuterias dos museus brasileiros em
especial dos chamados museus histoacutericos foram distintas do paradigma europeu e mais proacuteximas
do modelo norte-americano Para o autor a visatildeo que se consolida a respeito dos museus no
seacuteculo XIX se eacute que pode ser considerada iluminista desemboca numa estetizaccedilatildeo do social e na
transformaccedilatildeo da histoacuteria em espetaacuteculo Os museus brasileiros satildeo mais evocativos e
celebrativos do que os europeus e a funccedilatildeo de produccedilatildeo do conhecimento eacute marginalizada A
memoacuteria eacute reduzida a instrumento de enculturaccedilatildeo paradigmas a priori definidos e que circulam
em vetores sensoriais (MENEZES 2005 p16)
Maria Margaret Lopes em O Brasil descobre a pesquisa cientiacutefica os museus e as
ciecircncias naturais no seacuteculo XIX publicado em 1997 apresenta uma visatildeo distinta dos museus
principalmente daqueles de histoacuteria natural A autora contribui com novas orientaccedilotildees para se
escrever uma historiografia das ciecircncias como praacutetica social e revisita as atividades cientiacuteficas no
Brasil desde a colocircnia inserido-as em uma dinacircmica cultural mais abrangente Daiacute quando
confrontada com uma ldquovasta literatura interdisciplinar internacionalrdquo sobre os aspectos histoacutericos
das instituiccedilotildees museoloacutegicas Lopes aprofunda temas teoacuterico-metodoloacutegicos sobre a histoacuteria dos
museus aspectos comunicativos expositivos educacionais e cientiacuteficos antes pouco
considerados no Brasil e reinscreve os museus numa nova dinacircmica
51
Ao avaliar o debate sobre as origens dos museus nos Estados Unidos Lopes estimula a
reflexatildeo sobre as diferentes fases das histoacuterias dos museus como uma forma ldquoinstigante de pensar
os museus como locais em que a cultura material eacute elaborada exposta comunicada e
interpretadardquo (2005 p15) Uma das questotildees abordadas pela autora eacute a maneira como se
formavam as coleccedilotildees e ateacute que ponto essas coleccedilotildees se relacionavam com a formaccedilatildeo do campo
da Histoacuteria Natural e das ciecircncias modernas e como ajudam na compreensatildeo dos processos
contemporacircneos de construccedilatildeo de museus cientiacuteficos
Lopes apresenta um movimento dos museus de histoacuteria natural no seacuteculo XIX indicando
que se formara em torno do American Association of Museums33
um circuito de intercacircmbio que
incluiacutea comunicaccedilatildeo coleccedilotildees cataacutelogos pesquisadores e disputas cientiacuteficas sociais e poliacuteticas
incluindo museus diferentes tais como o Museu Paulista e o Museu Paraense o Museu
Nacional o Museu de Valparaiso o Museu de La Plata o Museu de Buenos Aires e o Museu da
Costa Rica Um verdadeiro ldquomovimentordquo de museus emerge da anaacutelise de Margaret Lopes (1997
p223-247)
Ao investigar como se datildeo as periodizaccedilotildees e criteacuterios de mudanccedila e permanecircncia nos
ldquosistemas museaisrdquo na Ameacuterica Latina e nos Estados Unidos Margaret Lopes considera que o
panorama mundial dos museus entre as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e as primeiras do seacuteculo
XX apontava que natildeo era tatildeo simples submeter os museus a tipologias anacrocircnicas e classificaacute-
los de acordo com as divisotildees propostas Ela identifica pelas publicaccedilotildees e correspondecircncias
entre diretores de museus que nesse periacuteodo houve a formaccedilatildeo de um ldquocircuito dos museusrdquo
internacional que incluiacutea trocas entre os museus de histoacuteria natural argentino (Museu de La Plata)
e o Bristish Museum no sentido de criar uma nova instituiccedilatildeo que rompia com o ldquogabinete de
curiosidadesrdquo e apontava para a instituiccedilatildeo de um ldquomoderno museu cientiacuteficordquo (LOPES 1997
p323)
Esse novo referencial de museu que se transformava vinculado ao Estado teria uma dupla
funccedilatildeo colaborar com a educaccedilatildeo e com a investigaccedilatildeo cientiacutefica O que natildeo se faria sem certa
tensatildeo que ainda marcaria por muito tempo as discussotildees acerca do conhecimento As coleccedilotildees
seriam divididas uma para a pesquisa outra para exibiccedilatildeo ao puacuteblico leigo Esse referencial
33 Sobre a importacircncia desse movimento Margaret Lopes faz uma leitura criacutetica das contribuiccedilotildees de Laurence Vail
Coleman que publica em 1939 The museum in America a critical study e de Oroz J J que retoma criticamente
Colemam ao discutir a curadoria numa perspectiva tambeacutem histoacuterica Ver Lopes 2005 p15-17
52
vigoraria inclusive no Museu Nacional do Rio de Janeiro ateacute a deacutecada de 1930 (LOPES 2005
p22)
A autora avanccedila na anaacutelise desses intercacircmbios entre os diretores de museus brasileiros e
argentinos e indica como essa discussatildeo contribuiu para a definiccedilatildeo de disciplinas como a
antropologia a paleontologia e arqueologia e ao mesmo tempo aponta as ldquomissotildees cientiacuteficas e
civilizadoras desses museus em fins do seacuteculo XIX (LOPES 2001)
Lilia Schwarcz (2005 p124-126) considera que o surgimento dos museus nacionais de
ldquoetnografiardquo no Brasil a partir da deacutecada de 1870 estaacute relacionado ao estabelecimento de outras
instituiccedilotildees cientiacuteficas apoacutes a vinda da Famiacutelia Real como as faculdades de Medicina e Direito e
aos Institutos Histoacutericos e Geograacuteficos Para ela esses museus satildeo coacutepia dos modelos europeus e
estabeleceram uma praacutetica bastante isolada em relaccedilatildeo aos demais estabelecimentos cientiacuteficos
nacionais Fruto de um saber determinista frente aos modelos evolucionistas e darwinistas sociais
presentes no debate intelectual da eacutepoca procuravam encontrar nas culturas indiacutegenas e africanas
(raccedilas) e na miscigenaccedilatildeo a comprovaccedilatildeo do atraso do paiacutes (SCHWARCZ 2005 p124-126)
As soluccedilotildees apontadas por Lopes e Schwarcz para a questatildeo da circulaccedilatildeo dos modelos de
museu se inscrevem em duas tradiccedilotildees34
de interpretaccedilatildeo historiograacutefica que atribuem pesos
diferentes agrave capacidade de elaboraccedilatildeo e autonomia de um pensamento social brasileiro Enquanto
a pesquisa de Lopes (1997) postula que a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais e culturais implica na
reflexatildeo sobre a histoacuteria das instituiccedilotildees cientiacuteficas e culturais e contribui para a superaccedilatildeo do
passado colonial e a vinculaccedilatildeo aos projetos de modernidade ocidental Schwarcz (2005)
identifica os obstaacuteculos que dificultam e impedem internamente o desenvolvimento de um
pensamento autocircnomo e um desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico da sociedade brasileira
O debate aberto em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees museais pode ser estendido aos visitantes De
que maneira modelos diferentes de museu circulam na cultura e como os visitantes se posicionam
frente a eles Enquanto Lopes (1997) dialoga com o campo cientiacutefico Maria Ceciacutelia Lourenccedilo
(1999) discute a criaccedilatildeo dos Museus de Arte Moderna na deacutecada de 1950 frente ao quadro de
permanecircncias e mudanccedilas da proacutepria histoacuteria da arte e das relaccedilotildees entre o museu modernista a
poliacutetica o poder os intelectuais os artistas as universidades a formaccedilatildeo de puacuteblico e a produccedilatildeo
34 Moema de Resende Vergara discute a constituiccedilatildeo de duas vertentes historiograacuteficas da ciecircncia no seacuteculo XX Ver
VERGARA (2004)
53
de conhecimento A autora oferece algumas imagens de museu que satildeo expressivas de nossa
eacutepoca museu vivo museu escola museu comunitaacuterio museu espetaacuteculo e museu shopping se
enlaccedilam agraves diversas tipologias de projetos socioculturais no cotidiano dos museus
Ao trabalhar o conceito de museu Lourenccedilo (1999) evoca de maneira recorrente a
situaccedilatildeo e trajetoacuteria dos museus de arte brasileiros e aponta duas questotildees A primeira eacute a
distacircncia existente entre o declarado e a praacutetica cotidiana ou seja entre a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees
e seu funcionamento regular e atual A segunda questatildeo eacute a vitalidade das instituiccedilotildees histoacutericas
que mesmo enfrentando problemas para se manterem em funcionamento contribuem na
construccedilatildeo de conceitos recolha de obras e manteacutem o diaacutelogo com as matrizes e valores tambeacutem
expostos
Uma instituiccedilatildeo museal sempre se reinventa em sua proacutepria dinacircmica O acervo de cada
instituiccedilatildeo eacute um exemplo Se o museu possui acervo ou natildeo se recebe um acervo internacional
os valores e pressupostos jaacute inventados sobre esse acervo influenciam na relaccedilatildeo que essa
instituiccedilatildeo estabelece com sua proacutepria condiccedilatildeo e com o puacuteblico Os valores ou criteacuterios de
inclusatildeo e exclusatildeo de acervos nos museus de arte satildeo subjetivos e discutiacuteveis meacuteritos
recebimentos de precircmios internacionais origem social geograacutefica proximidade com o poder
vigente aleacutem de outros que permeiam a cultura como a xenofobia o corporativismo o nepotismo
e mecanismos de troca impliacutecita para angariar proveitos pessoais satildeo as bases para os objetos e
obras adquiridos e expostos nos museus Lourenccedilo natildeo eacute nada otimista quando aos tipos de troca
que podem ocorrer para a formaccedilatildeo de determinados museus que por sua vez manteacutem esse
circuito em aberto ao longo de suas trajetoacuterias (LOURENCcedilO 1999 p20-62)
Ana Claudia Fonseca Brefe (1998) apoacutes um balanccedilo do conceito de museu desde a
renascenccedila ateacute o seacuteculo XIX em diaacutelogo com uma bibliografia francesa conclui que o conceito
de museu vai se adequando a diferentes materialidades e instituiccedilotildees como os gabinetes de
curiosidades que satildeo inicialmente coleccedilotildees privadas se transformam agrave medida que passam a
discutir o uso cientiacutefico e pedagoacutegico de suas coleccedilotildees a abertura ao puacuteblico arquitetura
disposiccedilatildeo dos objetos e objetivos Os debates historiograacuteficos em torno da instituiccedilatildeo museal
tambeacutem partem de interesses do presente relativos a disputas por memoacuterias e patrimocircnio
54
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus
As funccedilotildees de um museu na contemporaneidade satildeo muacuteltiplas fruiccedilatildeo esteacutetica viacutenculos
subjetivos condiccedilotildees de recolhimento e de diaacutelogos culturais multiplicados Entretanto o museu
histoacuterico eacute ao mesmo tempo um espaccedilo de ficccedilatildeo e de confronto mas impera o diaacutelogo quando
enfrenta a questatildeo da multiculturalidade Para Menezes (1994) o museu natildeo eacute enciclopeacutedia de
diversidade cultural Nele imaginaacuterio e imaginaccedilatildeo satildeo campos de forccedila mas os problemas em
relaccedilatildeo agraves praacuteticas dos sujeitos se datildeo de maneira ampla na sociedade e natildeo em abstrato nas
exposiccedilotildees museoloacutegicas
Os usos do potencial da imaginaccedilatildeo nos museus podem ser instrumentalizados numa
ideologia do valor em si dos ldquonovos museusrdquo Esses novos ideaacuterios de museus justificam a
revitalizaccedilatildeo de espaccedilos urbanos que se sobrepotildeem a outros que satildeo desfigurados Ultrapassam-
se as fronteiras culturais da induacutestria do lazer e do retorno do investimento e transcendem os
interesses locais voltando-se para visitantes estrangeiros numa adesatildeo agrave loacutegica de mercado O
proacuteprio museu se apresenta como forma de explorar um imaginaacuterio da cidade com praacuteticas de
utilizaccedilatildeo do seu espaccedilo e de suas forccedilas sociais Os objetos histoacutericos satildeo peccedilas-fetiche
Aleacutem da criacutetica aos museus-mercados Menezes (1994) tambeacutem eacute criacutetico dos museus
teatro da memoacuteria que por sua orientaccedilatildeo paternalista pressupotildee a passividade do espectador e a
hegemonia do paradigma observacional fundamentado na espetacularidade Para ele o
laboratoacuterio de Histoacuteria eacute o museu que torna viaacutevel a produccedilatildeo e socializaccedilatildeo do conhecimento
(MENEZES 1994 p62)
As investigaccedilotildees sobre a educaccedilatildeo histoacuterica em museus tecircm se debruccedilado sobre temas tais
como parcerias institucionais com escolas desenvolvimento de projetos e oferta de serviccedilos
educativos por parte dos museus A pesquisa sobre o ensino tambeacutem ganha forccedila e aponta que as
dimensotildees do processo de ensino- aprendizagem natildeo se reduzem a questotildees teacutecnicas ou de cunho
metodoloacutegico A ldquodidaacutetica da histoacuteriardquo eacute colocada por autores com Ruumlsen (2007) junto agrave ldquoteoria
da histoacuteriardquo
De outro acircngulo as discussotildees sobre o ensino de histoacuteria no Brasil sempre foram
vinculadas a projetos de formaccedilatildeo de uma identidade nacional tendo o Estado como maior
promotor dessa associaccedilatildeo O ensino de histoacuteria e identidade nacional se vincularam nos
55
curriacuteculos de histoacuteria prescritos desde o iniacutecio do seacuteculo XX e se manteacutem nas atuais diretrizes
para o sistema nacional de ensino
A criacutetica teoacuterica e praacutetica aos modelos oficiais tambeacutem se constitui como parte do debate
sobre o ensino de histoacuteria e se faz de maneira institucionalizada por professores de histoacuteria e suas
associaccedilotildees principalmente nos anos de 1960-70 Os professores tomam a discussatildeo sobre a
identidade e a ressignificam A educaccedilatildeo escolar e o ensino de histoacuteria satildeo vistos como espaccedilos
para se pensar identidades e pluralidades culturais pelo vieacutes da diversidade entendida num
quadro de desigualdades sociais e dominaccedilatildeo poliacutetica (SILVA E GUIMARAtildeES 2007 p58)
Este movimento de reflexatildeo em torno das identidades nacionais vem reposicionando a noccedilatildeo
de alteridade frente agraves tendecircncias globalizantes e provoca a reorganizaccedilatildeo curricular que vem se
fazendo na Europa e que reconhece explicitamente a dimensatildeo do estudo do patrimocircnio como
parte essencial da educaccedilatildeo para a cidadania (BARCA 2003 p100)
Ramos (2004 p15) discute que a ida ao espaccedilo museoloacutegico implica necessariamente
efetuar atividades educativas questionamentos e maneiras teoricamente fundamentadas de
aguccedilar a percepccedilatildeo para os objetos das exposiccedilotildees e a vinculaccedilatildeo entre o mundo dos artefatos
Para o citado autor a histoacuteria estaacute presente nos objetos e estes podem ser instrumentos para um
posicionamento no presente Os conflitos com os objetos de uso dos museus (objeto gerador)
produzem cultura fazem a ponte entre a memoacuteria coletiva e individual faz lembrar e ler a
materialidade das coisas na proacutepria problemaacutetica histoacuterica (2004 p19-30)
O foco central da pesquisa sobre visitas educativas a museus neste sentido indicado por
Ramos (2004) aponta para os usos e apropriaccedilotildees do patrimocircnio cultural musealizado As
escolas utilizam posturas investigativas em relaccedilatildeo ao patrimocircnio Muitas praacuteticas escolares de
visitas levantam justificativas quanto agrave relevacircncia de atitudes de avaliaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da
histoacuteria local e aprofundam maneiras de atuar e interagir em relaccedilatildeo a seleccedilotildees de objetos
valores crenccedilas que se processam cotidianamente na sociedade A partir das visitas a museus
questiona-se o conceito de ldquopatrimocircnio histoacutericordquo natildeo como um meio ou recurso para conhecer
ou fazer histoacuteria mas como a proacutepria histoacuteria evidenciada nas persistecircncias visiacuteveis do passado
que o presente outorga valores (HERNANDEZ 2003 p456-458)
O patrimocircnio pode ser considerado a expressatildeo de identidades e sua apropriaccedilatildeo favorece
a construccedilatildeo de valores tais como respeito ao entorno e ao pertencimento a uma comunidade de
56
sentido ou tradiccedilatildeo Pode possibilitar o exerciacutecio de um pensamento criacutetico capaz de situar
historicamente as evidecircncias e dotaacute-las de novos significados sociais poliacuteticos e culturais Por
fim a relaccedilatildeo com o patrimocircnio museal desencadeia accedilotildees de construccedilatildeo do conhecimento
histoacuterico e ampliaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica (GONZALEZ 2004)
A aprendizagem em museus estaacute focada em dois eixos na potecircncia patrimonial de
coleccedilotildees e objetos e na potecircncia comunicativa das instituiccedilotildees em estabelecer planos e programas
puacuteblicos educativos que combinam diversas dimensotildees do cenaacuterio natildeo formal (natildeo escolares) do
museu e aspectos da cultura mais amplos
Pesquisas acadecircmicas sobre educaccedilatildeo em museus satildeo bastante numerosas35
mas natildeo se
constituem em torno de um campo especiacutefico de investigaccedilatildeo organizado em referecircncias teoacutericas
e metodoloacutegicas soacutelidas Predomina o diaacutelogo com vaacuterias aacutereas acadecircmicas o que torna o esforccedilo
para visualizar o conjunto dessa produccedilatildeo ou mesmo avaliar as tendecircncias e perspectivas
adotadas por cada pesquisa um trabalho relativamente difiacutecil De um modo geral as pesquisas
sobre museus parecem obedecer agrave mesma loacutegica das demais temaacuteticas nas poacutes-graduaccedilotildees Ainda
prevalecem as dissertaccedilotildees de mestrado com um aumento dos douramentos entre 1987- 2008 Em
sua quase totalidade satildeo realizadas nas instituiccedilotildees puacuteblicas federais e estaduais e nem sempre
contam com financiamentos de agecircncias de fomento As instituiccedilotildees que possuem maior nuacutemero
de pesquisas satildeo a UNIRIO USP UFMG UNICAMP e FGV-RJ
Os referenciais bibliograacuteficos de cada autor indicam diaacutelogos preferenciais internos agrave sua
aacuterea de conhecimento acadecircmico Entre as autoras citadas ao longo do capiacutetulo temos como
exemplo a combinaccedilatildeo de trecircs formaccedilotildees acadecircmicas distintas e atuaccedilatildeo em museus nas aacutereas de
ciecircncias naturais artes e histoacuteria respectivamente Maria Margaret Lopes (1988) Maria Ceciacutelia
Lourenccedilo (1997) e Ana Claudia Brefe (1998 e 2005) Cada pesquisadora dialoga internamente
com a bibliografia de sua aacuterea especiacutefica
Cada aacuterea acadecircmica que tematiza sobre o Museu tambeacutem o faz a partir de questotildees
especiacuteficas que interferem na proacutepria definiccedilatildeo de museu A histoacuteria como aacuterea acadecircmica pensa
no museu como instituiccedilatildeo como ldquolugar de memoacuteriardquo A antropologia por sua vez concebe o
museu como um campo de pesquisa no qual eacute possiacutevel o trabalho etnograacutefico com coleccedilotildees As
35 Carina Martins Costa (2008) identificou 98 pesquisas acadecircmicas desenvolvidas no Brasil sobre educaccedilatildeo em
museus
57
ciecircncias bioloacutegicas identificam no museu um divulgador do campo cientiacutefico A aacuterea de
comunicaccedilatildeo vecirc o museu como miacutedia veiacuteculo de divulgaccedilatildeo Muitos pesquisadores tambeacutem
utilizam a documentaccedilatildeo existente nos arquivos e acervos iconograacuteficos sem necessariamente
tomarem o proacuteprio museu como objeto de anaacutelise ou mesmo desconsiderando a origem dessas
fontes
O enfoque dessa pesquisa natildeo desconsidera a trajetoacuteria administrativa e cultural de cada
instituiccedilatildeo museoloacutegica e a constituiccedilatildeo de suas respectivas coleccedilotildees Ao contraacuterio estes satildeo
aspectos fundamentais para o entendimento da histoacuteria presente de cada museu embora natildeo
estejam presentes nas exposiccedilotildees puacuteblicas que eles promovem Como demonstram as pesquisas
realizadas por Brefe (2005) acerca do Museu Paulista e Pimentel (2004) sobre o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto a histoacuteria das instituiccedilotildees museais permite estabelecer referecircncias sobre os
padrotildees que se fixaram ou se modificam em suas poliacuteticas de exibiccedilatildeo
A abordagem dos museus pelos usos feitos pelos visitantes por sua vez natildeo pode temer
ou condenar uma apropriaccedilatildeo utilitaacuteria de seus espaccedilos Trabalhar com os usos promovidos pelos
visitantes eacute considerar que as estrateacutegias autorizadas pelas chamadas visitas de estudo ou estudos
do meio36
ainda satildeo centrais tanto para museus quanto para as escolas Nesses casos os setores
educativos definem metodologias especiacuteficas para se explorar os espaccedilos visitados
principalmente um roteiro de observaccedilatildeo elaborado para os professores e que pretende orientar a
visita A visita escolar busca se diferenciar do lazer e do consumo que natildeo satildeo legitimados Os
locais a serem visitados satildeo predeterminados e obedecem a um cronograma e agendamento que
natildeo permitem mudanccedilas ou alternativas
O visitante de museus eacute interpelado duplamente por aquilo que o motiva individualmente
e pela oferta institucional Ele faz escolhas expressa gostos opiniotildees e negocia com os colegas
professores prestadores de serviccedilos Haacute em qualquer visita uma dimensatildeo de cidadania e de
consumo imbricadas
36 Um discurso muito presente nos planejamentos das visitas a locais como praccedilas e museus eacute da formaccedilatildeo de
competecircncias de leitura de fontes visuais ou cenaacuterio para conteuacutedos histoacutericos trabalhados em sala de aula Ver
Bittencourt 2009 p281
58
Um visitante natildeo se reduz a receptor passivo do quadro normativo referente oferecido
pelos museus e pelas escolas37
A negociaccedilatildeo de sentidos se daacute de maneira complexa Durante a
visita ele considera questotildees de acesso processos culturais num amplo quadro de significaccedilatildeo
que implica em novas praacuteticas interpretaccedilotildees e formas de uso dos bens culturais
A anaacutelise das praacuteticas portanto natildeo pode aceitar os limites dos modelos institucionais e
nem a correlaccedilatildeo inexoraacutevel entre capital cultural escolar e habitus como determinantes das
visitas38
Assim cada visita acontece em um quadro normativo referente de processos de
socializaccedilatildeo familiar e escolar e na complexidade da realidade empiacuterica de cada visitante Os
paradoxos da anaacutelise satildeo muacuteltiplos diante da complexidade do problema de pesquisa proposto
A mensagem expositiva dos museus segundo Asensio e Pol (2007) existe na medida em
que eacute recriada por cada visitante Ele a constroacutei a partir de seus conhecimentos preacutevios suas
habilidades cognitivas e sentindo o impacto expositivo atraveacutes de atitudes emoccedilotildees e afetos
Entender as experiecircncias de visita implica em questionar o que cada exposiccedilatildeo oferece ao
visitante e como o visitante distingue suas marcas suas convenccedilotildees e coacutedigos O visitante ao
fazer uma leitura do museu aponta para a poliacutetica inscrita em cada gesto da instituiccedilatildeo e para a
poeacutetica presente na exposiccedilatildeo e que lhe permite sempre manter em aberto o espaccedilo da
significaccedilatildeo
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos
Inverter a ordem dos discursos tomando o puacuteblico-visitante estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria como os sujeitos dos quais se parte para investigar as interfaces entre as dinacircmicas
socioculturais de visita a museus e as dinacircmicas de formaccedilatildeo histoacuterica eacute uma contribuiccedilatildeo
pretendida por essa pesquisa
Duas referecircncias ajudam a estabelecer inicialmente contatos entre o tema das visitas a
museus e da formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes a questatildeo dos sujeitos e da produccedilatildeo de
conhecimentos Eacute possiacutevel compor uma anaacutelise da dinacircmica e diversidade das situaccedilotildees vividas
quando de uma visita e articulando-as a partir das elaboraccedilotildees dos sujeitos envolvidos nessas
37 Assim como os museus as escolas tambeacutem modificam suas abordagens das visitas a museus Ver dentre outros os
trabalhos de Denise Grinspum (2000) e Maria Cristina Carvalho (2005) 38
Ver discussatildeo de Luciana Sepuacutelveda Koptcke (2005 p190)
59
situaccedilotildees de formaccedilatildeo Para que essa articulaccedilatildeo aconteccedila o foco da investigaccedilatildeo satildeo os sentidos
elaborados pelos sujeitos a partir de dentro do proacuteprio processo de formaccedilatildeo em sua
materialidade e de seus significados para os envolvidos na interaccedilatildeo estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria seus professores-formadores e os profissionais de museus
A hipoacutetese teoacuterica sobre a produccedilatildeo de conhecimentos a ser investigada relaciona-se ao
que Bernard Charlot (2000 p68) denomina de ldquonatureza epistecircmica dos saberes dos sujeitosrdquo
definidos como um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a dinacircmica do
desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo em busca do
objeto O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso de si proacuteprio como recurso engaja-se em
atividades movimenta-se produz inteligibilidade e sentidos (CHARLOT 2000 p51-89)
As visitas ainda que marcadas por um ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas por
cada museu permitem aos visitantes uma experiecircncia esteacutetica de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus39
Haacute limites por certo nas possibilidades interpretativas das visitas escolares pois natildeo se
trata de um espaccedilo completamente livre de contingecircncias e aberto a experiecircncias do inteiramente
novo Ainda que extrapole os limites do ambiente escolar a visita a museus guarda muito das
caracteriacutesticas de ldquotrabalho escolarrdquo no sentido que lhe imprime Perrenoud (1994) como parte da
escolarizaccedilatildeo e dos saberes escolares Os visitantes estudantes e professores estatildeo duplamente
limitados pelas suas proacuteprias expectativas e objetivos e tambeacutem por aqueles dos agentes de
museus
Entende-se como narrativa dos museus os pontos de vista expressos na fala de seus
monitores materiais educativos e poliacuteticas dos setores educativos e exposiccedilotildees Em toda a praacutetica
museal se vecirc um visitante ideal e um discurso prescritivo sobre as visitas Os museus de modo
39 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
60
geral e os proacuteprios materiais instrutivos dirigidos aos professores quer por oacutergatildeos de regulaccedilatildeo e
formaccedilatildeo quer por uma bibliografia voltada agrave formaccedilatildeo para o ensino de histoacuteria40
esperam que
os visitantes venham preparados para seu discurso e a forma de expocirc-lo Espera-se que essa
estimulaccedilatildeo tenha sido feita previamente pelo professor que organiza a visita Eacute esperado tambeacutem
que o professor conheccedila o museu e suas exposiccedilotildees antes da visita com seus alunos que trabalhe
materiais e organize atividades em sala de aula sobre o que seraacute visto no museu Durante a visita
haacute a expectativa por parte de muitos museus que o professor oriente os comportamentos a serem
adotados indicando como os alunos devem atentar para as observaccedilotildees dos monitores
garantindo assim a ordem e ao mesmo tempo que a interaccedilatildeo aconteccedila sem atrapalhar o
trabalho daqueles que conduzem a visita O professor deve contemplar as obras e cuidar para que
os alunos tambeacutem o faccedilam Na volta agrave escola os agentes educativos dos museus sugerem que os
professores promovam discussotildees diaacutelogos com a turma recuperando o que foi visto observado
levantando novas hipoacuteteses curiosidades e aprofundando o tema ao mesmo tempo em que
auxilia na organizaccedilatildeo da construccedilatildeo da narrativa sobre a visita
Eacute necessaacuterio ponderar que mesmo com todas essas expectativas criadas em torno do
trabalho de visita escolar ou por elas existirem as visitas a museus podem ser pensadas como
fundadas em estrateacutegias construcionistas da cultura e do conhecimento agrave medida que os visitantes
negociam o sentido da mensagem expositiva de cada museu e de cada objeto de cultura exposto
O visitante constroacutei ele proacuteprio a partir de seus conhecimentos suas habilidades cognitivas e
sentindo o impacto expositivo em suas atitudes emoccedilotildees e afetos
Os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos de conflitos embates entre poliacuteticas e esteacuteticas que
legitimam praacuteticas e vozes mas tambeacutem trocas entre grupos sociais diversos que buscam
expressar ali seus rituais e memoacuterias coletivas Defendo que o museu natildeo se reduz a simples
recurso pedagoacutegico ou fonte histoacuterica utilizado por professores juntamente com visitas teacutecnicas
a arquivos e bibliotecas Os objetivos da visita e de sua anaacutelise natildeo se limitam agrave discussatildeo sobre
praacuteticas de preservaccedilatildeo cujas finalidades seriam promover o contato e conhecimento de
experiecircncias bem sucedidas de preservaccedilatildeo do patrimocircnio cultural Esse formato de programas
governamentais e privados associa atividades de promoccedilatildeo do patrimocircnio cultural com benefiacutecios
40 Algumas dessas visotildees e materiais seratildeo apresentados e discutidos nos capiacutetulos IV e V
61
econocircmicos e turismo sustentado ao considerar o turista um consumidor de lugares coleccedilotildees
saberes e fazeres culturais (MURTA E ALBANO 2005 p17)
Eacute imperativo ressalvar que nem toda a discussatildeo sobre a chamada educaccedilatildeo patrimonial
se reduz a praacuteticas prescritivas e usos instrumentais do patrimocircnio Desde a deacutecada de 1980 satildeo
inuacutemeras as iniciativas que trabalham com as dimensotildees da memoacuteria e da histoacuteria num sentido da
educaccedilatildeo das sensibilidades mais amplo41
O museu eacute concebido nessa pesquisa como um lugar metodoloacutegico siacutetio simboacutelico no
qual o visitante pode ser entendido como sujeito da accedilatildeo museoloacutegica agrave medida que atua
ativamente na significaccedilatildeo dos objetos durante as visitas agraves exposiccedilotildees e situaccedilotildees educativas
elaborando reflexotildees teoacuterico-conceituais sobre o proacuteprio museu e seu acervo e sobre a histoacuteria
Cabe dizer que para investigar os usos que satildeo feitos dos museus pelos visitantes visando
agrave produccedilatildeo de conhecimento eacute preciso abandonar a ideia de um puacuteblico receptor passivo que
apenas olha e natildeo age e buscar entender como se daacute a ressignificaccedilatildeo das poliacuteticas educativas
dos museus ouvindo o que pensam e fazem os sujeitos que participam ou participaram da vida do
objeto dentro e fora do museu e agregaram e agregam a ele significados Tanto aqueles que
atuam como agentes na ressignificaccedilatildeo dos objetos museoloacutegicos seus autoresprodutores e
diversos usuaacuterios ao longo de seu circuito e trajetoacuteria existencial ateacute a chegada no museu Todos
promovem o ldquocontexto musealrdquo pesquisadores que estudam os objetos conservadores
documentalistas museoacutelogos educadores e puacuteblico-visitante
Os proacuteprios museus hoje planejam accedilotildees educativas ldquointerativasrdquo que implicam um
compartilhamento mas muitas vezes natildeo dispensam as ldquomediaccedilotildeesrdquo de uma trilha explicitada
pelo idealizador de uma linguagem proacutepria ndash a da museologia Compreende-se que visitantes e
museus satildeo sujeitos singulares empenhados numa mesma praacutetica Mas ateacute que ponto a agenda de
expectativas do proacuteprio visitante e os embates especiacuteficos que cada aacuterea
disciplinartemaexposiccedilatildeo lhe reserva natildeo o reduzem a um papel mais modesto na relaccedilatildeo com a
produccedilatildeo do conhecimento Espera-se que o visitante reconheccedila e aplique o coacutedigo do emissor
ou agentes da accedilatildeo educativa dos museus ou que ele interprete selecione e se aproprie fazendo
outra produccedilatildeo a partir de seu lugar
41 Ver balanccedilo da discussatildeo sobre educaccedilatildeo patrimonial feita por Nara Ruacutebia de Carvalho Cunha tendo como
referecircncia inicial o Guia Baacutesico de Educaccedilatildeo Patrimonial publicado e distribuiacutedo pelo IPHAN em 1999 em
comparaccedilatildeo a outras praacuteticas como a do museu-escola do Museu da Inconfidecircncia Ver Cunha 2011 p67-81
62
Ao visitarem museus e entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos ali organizados ndash os
objetos o convite agrave interatividade o tema e as miacutedias ndash os visitantes podem romper com os
papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao momento dessa interaccedilatildeo Estaacute muito
presente nas abordagens dos museus o risco da espetacularizaccedilatildeo ou uma visatildeo ingecircnua de que a
interatividade pode ser garantida de antematildeo pelo museu independentemente da accedilatildeo do
puacuteblico
As possibilidades de diaacutelogo com os museus datildeo-se para aleacutem dos aspectos da
comunicaccedilatildeo com o puacuteblico estabelecido pelas proacuteprias instituiccedilotildees (PEREIRA et al 2007) O
acervo de qualquer museu aiacute incluiacutedas as exposiccedilotildees reservas teacutecnicas seu sites materiais de
divulgaccedilatildeo e a proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo dos acervos com seus diversos criteacuterios de
incorporaccedilatildeo preservaccedilatildeo restauraccedilatildeo exposiccedilatildeo e descarte interessam aos visitantes em
formaccedilatildeo Muitos museus ao trabalharem com pressupostos das teorias da recepccedilatildeo42
concebem
o sujeito em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo mas natildeo assumem a interlocuccedilatildeo numa dupla face do processo
de produccedilatildeo de sentido Os museus satildeo os sujeitos comunicantes protagonistas enunciadores e
os visitantes satildeo os destinataacuterios A dicotomia em relaccedilatildeo aos dois poacutelos estaacute mantida Condiccedilotildees
diferentes de produccedilatildeo e condiccedilotildees de reconhecimento marcadas e jaacute estabelecidas pelas esferas
da produccedilatildeo e consumo
Enquanto a produccedilatildeo de conhecimentos ou de uma memoacuteria histoacuterica eacute legitimada
poliacutetica e esteticamente como proacutepria ao campo museal o visitante natildeo eacute reconhecido como parte
dessa produccedilatildeo de sentidos Ele apenas recebe passivamente esse saber especializado O
patrimocircnio cultural eacute aquilo que estaacute laacute no museu e que deve ser reconhecido ou apropriado pelos
visitantes O museu eacute lugar de memoacuteria instituiacuteda da cultura material a ser preservada43
Em muitos museus o professor eacute considerado parte do bloco da audiecircncia denominado
ldquopuacuteblico escolarrdquo Natildeo existem accedilotildees especiacuteficas voltadas para o professor Em geral seu papel
seraacute ajudar na mediaccedilatildeo com os estudantes nas visitas programadas pelos agentes dos museus
Ele natildeo participa da elaboraccedilatildeo da oferta de serviccedilos dos museus escolha de percursos
abordagem conceitual As instituiccedilotildees museais em geral hierarquizam e triangulam a mediaccedilatildeo
42 Ver ESCOSTEGUY 2008
43 Autores como Maacuterio Chagas (2003 p32) tratam da vinculaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de museu e patrimocircnio considerando
que o sentido de preservaccedilatildeo e de posse estaria na raiz tanto da noccedilatildeo de patrimocircnio quanto no museu como
instituiccedilatildeo
63
Eacute preciso um guia do proacuteprio museu para decifrar os coacutedigos do patrimocircnio O professor
responsaacutevel pelos alunos recebe o ldquopacoterdquo oferecido pelos museus Ele o aceita o rejeita
tambeacutem em bloco
A accedilatildeo educativa dentro de muitos museus contemporacircneos eacute vista como parte de suas
funccedilotildees de comunicaccedilatildeo A formaccedilatildeo natildeo tem o mesmo lugar ou status das atividades de
pesquisa e preservaccedilatildeo nas definiccedilotildees oficiais de museu A mediaccedilatildeo tambeacutem eacute vista como uma
funccedilatildeo didaacutetica ou de marketing sem estatuto epistemoloacutegico proacuteprio uma funccedilatildeo de
transposiccedilatildeo e recontextualizaccedilatildeo do saber criada diretamente pelo museu
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade
Bernard Lahire em Homem Plural os determinantes da accedilatildeo (2002) apresenta uma criacutetica
agraves teorias que defendem a homogeneizaccedilatildeo e a unidade do ator e da cultura e defende uma
perspectiva de entendimento do ator social na pluralidade dos mundos e das experiecircncias
contemporacircneas Lahire argumenta que os princiacutepios de socializaccedilatildeo satildeo heterogecircneos e
contraditoacuterios e que vivemos numa multipertenccedila a mundos e submundos sociais nem sempre
compatiacuteveis entre eles e agraves vezes conflituosos (LARIHE 2002 p32)
Para Lahire (2002) natildeo existem configuraccedilotildees sociais homogecircneas tanto cultural quanto
moral e ldquopoucos satildeo os casos que permitiriam falar de um habitus familiar coerente produtor de
disposiccedilotildees gerais inteiramente orientadas na mesma direccedilatildeordquo Os valores simboacutelicos os
esquemas de accedilatildeo introjetados e as praacuteticas satildeo diferentes maneiras de dizer ver fazer e sentir
os repertoacuterios de esquemas de accedilatildeo (de haacutebitos) satildeo conjuntos de siacutenteses de
experiecircncias sociais que foram construiacutedasincorporadas durante a socializaccedilatildeo anterior
nos acircmbitos sociais limitadosdelimitados e aquilo que cada ator adquire
progressivamente e mais ou menos completamente satildeo haacutebitos como sentidos de
pertenccedila contextual (relativa) de terem sido postos em praacutetica Aprendecompreende que
aquilo que se faz e se diz em tal contexto natildeo se faz nem se diz em outro contexto (LAHIRE 2002 p37)
As travessias no espaccedilo social e as matrizes de socialializaccedilatildeo satildeo contraditoacuterias As
visitas aos museus podem ser entendidas como uma dessas travessias entre dois mundos Uma
situaccedilatildeo de encontro cultural forccedilado Um deslocamento do espaccedilo da escola para o espaccedilo do
museu Nesse novo cenaacuterio ou no momento presente da visita os estatutos culturais dos
64
visitantes diluem-se parcialmente Os visitantes reconhecem a visatildeo de histoacuteria dominante no
museu e podem em um segundo movimento recorrer a outros fundamentos historiograacuteficos para
analisar tal estrutura e confrontar com analogias as duas configuraccedilotildees o seu proacuteprio lugar e o
lugar da exposiccedilatildeo (museu)
Lahire (2002) considera que o presente tem mais peso na explicaccedilatildeo dos comportamentos
praacuteticas e condutas se os atores satildeo plurais O passado estaacute aberto de modo diferente segundo a
natureza e a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente A questatildeo central eacute discutir como as experiecircncias
satildeo incorporadas mobilizadas convocadas e despertadas pela situaccedilatildeo presente Ou descrever de
que maneira a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente tecircm um peso na criaccedilatildeo de praacuteticas
A escolha de mais um museu e portanto a anaacutelise simultacircnea de mais de uma visita tem
por finalidade investigar marcas especiacuteficas dessas experiecircncias Assim pode-se encontrar nos
relatos de um mesmo visitante mudanccedilas que dizem respeito agrave adaptaccedilatildeo fuga resistecircncia
inibiccedilatildeo em relaccedilatildeo aos diferentes ambientes visitados Tambeacutem eacute possiacutevel discutir em que
medida os distintos ambientes que o visitante eacute levado a atravessar ativam ou inibem suas
competecircncias habilidades saberes conhecimentos maneiras de dizer e fazer durante as visitas
Dessa maneira a repeticcedilatildeo de visitas ou a visita a diferentes museus reconhece que tal
estrateacutegia pode ter um efeito positivo pois antecipa possibilidades interpretativas do visitante que
constroacutei paracircmetros de interpretaccedilatildeo A visita a mais de um museu causa certa previsibilidade
gera certas expectativas que orientam e selecionam os sentidos produzidos pelos visitantes
A escolha desses visitantes e museus e natildeo outros configurou-se ao longo da pesquisa de
doutorado iniciada em 2008 e foi posterior ao momento das visitas efetivamente realizadas pelo
grupo de estudantes A seleccedilatildeo das situaccedilotildees concretas de visita para a anaacutelise se deu diante de
um repertoacuterio mais amplo de museus visitados pelo grupo ao longo dos quatro anos de formaccedilatildeo
e que possibilitava outras escolhas e anaacutelises
Ao longo do ano de 2008 foram desencadeados trecircs movimentos simultacircneos de produccedilatildeo
da materialidade das visitas Um levantamento da produccedilatildeo dos estudantes jaacute existente na
instituiccedilatildeo formadora ndash a Faculdade de Pedro Leopoldo (FIPEL) ndash sobre as vaacuterias visitas
realizadas entre 1999 e 2008 Em seguida a elaboraccedilatildeo de um inventaacuterio do perfil dos estudantes
de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria (Anexo A) e terceiro a realizaccedilatildeo de uma
65
entrevista coletiva no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 dispostos a
colaborar com a pesquisa para avaliaccedilatildeo da praacutetica de visitas a museus (Anexo B)
Apoacutes levantamento preliminar dos registros escritos e fotograacuteficos44
elaborados pelos
estudantes da FIPEL arquivados na proacutepria instituiccedilatildeo formadora foi necessaacuterio redefinir
recortes desse conjunto de fontes documentais Tanto os suportes elaborados posteriormente
quanto estrateacutegias hipoacuteteses de trabalho e categorias de anaacutelise partiram dessa primeira leitura
documental das praacuteticas de formaccedilatildeo
A sistematizaccedilatildeo do perfil dos estudantes de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria
permitiu caracterizar melhor o proacuteprio grupo e a praacutetica de visitas da instituiccedilatildeo O inqueacuterito
estava dividido em trecircs partes A primeira preocupou-se com dados gerais como idade sexo
atividade remunerada renda familiar A segunda trazia questotildees relativas agrave praacutetica de visitas a
museus e uma terceira que aprofundava as situaccedilotildees de visita tendo em vista imagens e conceitos
de museu memoacuteria patrimocircnio e uma avaliaccedilatildeo dos proacuteprios museus visitados (Anexo A) Esse
levantamento depois de respondido individualmente sem identificaccedilatildeo de nomes foi processado
na forma de graacuteficos possibilitando uma visualizaccedilatildeo dos visitantes como um grupo e as
experiecircncias de visita na instituiccedilatildeo formadora como um conjunto (Anexo B)
O segundo suporte para a materialidade das visitas e visitantes foi uma entrevista coletiva
no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 O debate com o grupo visava
aprofundar e complementar elementos identificados no inventaacuterio e que seriam melhor abordados
na forma da oralidade e da discussatildeo coletiva A decisatildeo metodoloacutegica em produzir esse tipo de
registro para a pesquisa se deu no momento de definiccedilatildeo no recorte empiacuterico da mostra de
visitantes As duacutevidas eram muitas jaacute que se tinha um variado repertoacuterio de relatos individuais e
mesmo algumas siacutenteses produzidas pelas turmas Faltava definir um grupo de referecircncia para a
anaacutelise das visitas e sistematizar uma meta-reflexatildeo dos visitantes sobre o conjunto das visitas e
seus efeitos formativos Essa forma de registro oral (grupo focal) foi utilizada antes da uacuteltima
44 Para Boris Kossoy (2011) a abordagem da fotografia como documento iconograacutefico deve considerar os enredos
culturais que lhe datildeo sentido e natildeo se limitar agrave questotildees teacutecnicas (imagens teacutecnicas) Eacute preciso demonstrar as
construccedilotildees mentais e culturais que datildeo corpo agraves imagens e aprender a desmontaacute-las Disponiacutevel em lt
httpluzeestilowordpresscom20100328entrevista-com-boris-kossoygtAcesso em 31 de marccedilo de 2011 Ver
tambeacutem a discussatildeo de imagem associada agrave narrativa ldquoo quadro narra e a narrativa mostrardquo (RICOEUR 2007
p281)
66
visita realizada pelo grupo ao Rio de Janeiro O debate contou com a participaccedilatildeo de nove
estudantes e foi transcrito As falas foram confrontadas tanto com os relatos anteriores da visita
ao Museu do Escravo (2006) quanto com o trabalho realizado posteriormente agrave visitaccedilatildeo ao
Museu Histoacuterico Nacional (2008) (Anexo C)
Identificar entre os puacuteblicos de museus um conjunto de visitantes e selecionaacute-los para
anaacutelise foi em grande medida organizar estrateacutegias de visibilidade destes visitantes reais Os
criteacuterios de constituiccedilatildeo do corpus documental para a pesquisa foram circunstanciais e definidos
simultaneamente agraves leituras teoacutericas e metodoloacutegicas O visitante historiado eacute uma situaccedilatildeo
relacional uma seacuterie de condiccedilotildees no espaccedilo-tempo como o fato de serem matriculados em uma
mesma instituiccedilatildeo de ensino superior disporem de tempo para viajar recursos financeiros e
disponibilidade para relatar suas experiecircncias de visita
Um dos criteacuterios de escolha dos dois museus apresentados na anaacutelise ndash o Museu do
Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional ndash foi baseado na avaliaccedilatildeo da potecircncia patrimonial de
cada um deles Natildeo era viaacutevel trabalhar com um amplo corpus documental que se constituiacutera
sobre as visitas e visitantes e a seleccedilatildeo implicava em cortes que mantivessem a riqueza da
documentaccedilatildeo produzida Os visitantes assim como os museus visitados constituem coleccedilotildees de
cultura material e as exibem de forma a comunicar sentidos e fazer circular a cultura Os dois
ldquoacervos documentaisrdquo das visitas elaboradas na perspectiva do grupo de visitantes e dos
museus satildeo confrontados
Enquanto os museus possuem criteacuterios de legitimaccedilatildeo da produccedilatildeo da cultura instituiacutedos
a escolha pela anaacutelise da produccedilatildeo feita pelos estudantes tem a possibilidade de ampliar o circuito
da cultura escolar para aleacutem de seus consumidoressujeitos habituais O processo de formaccedilatildeo de
visitantes de museus emerge dos lugares institucionais como a escola e o museu mas operam
uma experiecircncia pedagoacutegica mais abrangente e dispersa
Os relatos escritos e as fotografias satildeo considerados nessa pesquisa como maneiras de dar
significado agraves visitas vivenciadas durante o curso de graduaccedilatildeo em histoacuteria Na elaboraccedilatildeo dos
relatoacuterios os estudantes reconfiguram o percurso da visita reelaboram suas impressotildees
sentimentos e conhecimentos sobre o museu visitado Nos relatos escritos e fotograacuteficos
constroem ldquoexperiecircncias esteacuteticasrdquo conformando
67
estruturas cognitivas quadros normativos marcas de discriminaccedilatildeo e criteacuterios de
avaliaccedilatildeo modos de apreensatildeo do tempo regras de escolha modos de representaccedilatildeo e
esquemas de accedilatildeo jogos de papeacuteis e de categorias da praacutetica afirmaccedilotildees consideradas
verdadeiras e normas tidas por justas crenccedilas e figuraccedilotildees (GUIMARAtildeES E LEAL
2008 p12)
Os visitantes estabelecem modos de significar o vivido de transformar o fato em evento
ou ainda de conformar uma memoacuteria social (RICOEUR 2000) A experiecircncia de visita pode ser
pensada no sentido indicado por Vidal (2010 p726) quando se refere agrave docecircncia como
experiecircncia coletiva
as experiecircncias apesar de uacutenicas natildeo satildeo individuais Remetem a modos coletivos de
entender e validar a docecircncia Indiciam expectativas geracionais constituiacutedas na cultura
nas instituiccedilotildees de formaccedilatildeo na convivecircncia cotidiana com colegas e comunidade e nos
vaacuterios percursos de escolarizaccedilatildeo seguidos (VIDAL 2010 p726)
Os relatos de visita considerados como fontes e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de abordagem e tambeacutem mostram limites agrave anaacutelise Aquilo que aparece no texto da
aluna destacado no iniacutecio do primeiro capiacutetulo como ldquotiacutepicordquo eacute em grande medida um repertoacuterio
repetitivo que se constitui como um ldquogecircnerordquo Nesses relatos tanto a instituiccedilatildeo formadora
quanto cada museu visitado tem um papel significativo para a produccedilatildeo dos relatos Esse eacute um
primeiro ponto a ser considerado na anaacutelise Cada relato existe por estiacutemulos e intenccedilotildees de
produccedilatildeo vindos natildeo diretamente dos sujeitos que como autores resolvem de maneira
espontacircnea registrar suas memoacuterias mas como parte da dinacircmica de formaccedilatildeo acadecircmica e
disciplinas curriculares As escolhas e motivos das visitas aos museus satildeo estabelecidos no
interior do curso de licenciatura em Histoacuteria Haacute tambeacutem um segundo limite e implicaccedilatildeo na
produccedilatildeo dos relatos que eacute a condiccedilatildeo de avaliar a experiecircncia de visita de dentro da situaccedilatildeo
educativa Eacute preciso considerar essa dupla implicaccedilatildeo e explicitar que eu na condiccedilatildeo de
professora da instituiccedilatildeo formadora me encontro diretamente envolvida nesse primeiro
movimento de produccedilatildeo dos registros e elaboraccedilatildeo de uma primeira camada de testemunhos dos
visitantes
Somado ao primeiro limite dos relatos marcado pela historicidade das visitas e horizonte
de expectativa dos visitantes apresenta-se outro de caraacuteter diverso Assumir as marcas de
subjetividade entendidas como os sentidos atribuiacutedos agraves narrativas por cada visitante que se
coloca como autor de suas memoacuterias eacute correr o risco de expor os sujeitos concretos julgando
68
suas atitudes Vale esclarecer que o visitante faz escolhas estabelecendo uma pertinecircncia entre o
vivido e as referecircncias que lhes foram apresentadas pelos acervos e exposiccedilotildees dos museus mas
cria descompassos45
com relaccedilatildeo agraves rotinas e dinacircmicas estabelecidas pelo grupo que acompanha
Outro limite aparente das fontes eacute o apagamento das lembranccedilas ou a memoacuteria entendida
como recordaccedilatildeo As praacuteticas educativas como as visitas aos museus tem uma permanecircncia que
se constroacutei pelos conteuacutedos culturais que engendram Entretanto haacute uma fragilidade dos relatos
de visita onde se destaca muito da instrumentalidade das praacuteticas e das formas que eles adquirem
no acircmbito da cultura escolar
O relato de visita eacute marcado por esse limite da accedilatildeo contra o esquecimento um texto
coletivo que marca as histoacuterias comuns as semelhanccedilas do vivido e a recriaccedilatildeo das lembranccedilas
em memoacuterias coletivas Haacute o risco da banalizaccedilatildeo da experiecircncia uma vez que as narrativas
correspondem a accedilotildees de reflexatildeo produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico e mesmo de um excesso
de expectativas de troca de acuacutemulo e de valorizaccedilatildeo da accedilatildeo empreendida de forma
retrospectiva
Por outro lado o uso dos relatos como fonte e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de romper com algumas prescriccedilotildees A primeira delas eacute atentar para uma dimensatildeo
do testemunho como uma funccedilatildeo de ouvir a narrativa do outro instaurando uma nova histoacuteria do
presente Para Gagnebin (2006) essa operaccedilatildeo de compreender o testemunho engendra a questatildeo
de que o historiador natildeo eacute apenas o coletor dessas lembranccedilas ele realiza uma operaccedilatildeo de
ldquorememoraccedilatildeordquo no lugar da ldquocomemoraccedilatildeordquo Sua atividade historiadora natildeo eacute repetir as
lembranccedilas mas atentar para o esquecido A rememoraccedilatildeo significa atenccedilatildeo com o presente com
as ressurgecircncias do passado no presente e com a accedilatildeo A testemunha natildeo eacute aquele que viu com os
proacuteprios olhos mas tambeacutem aquele que ao ouvir a narraccedilatildeo do outro a aceita e a toma de forma
reflexiva natildeo ajudando a repeti-la indefinidamente mas ousando inventar outra histoacuteria inventar
o presente (GAGNEBIN 2006 p 55-57)
A visita ao museu se constitui em um evento dialoacutegico e polifocircnico que promove sentidos
na interaccedilatildeo ou co-presenccedila dos diversos sujeitos Justamente por esse efeito de interaccedilatildeo
promove diferentes tipos de trabalho com a memoacuteria Pode-se dizer que os relatos das visitas satildeo
45 Parece ser o caso de uma aluna que faz referecircncia agrave existecircncia de uma denominada ldquoSala da Marquesa de Santosrdquo
durante a visita ao Museu Histoacuterico Nacional
69
camadas de memoacuteria-histoacuteria nos quais eacute possiacutevel investigar as formas e conteuacutedos destas
praacuteticas culturais e a construccedilatildeo e uso dessas praacuteticas no ensino de histoacuteria e na formaccedilatildeo
histoacuterica
Os relatos das visitas podem ser utilizados como um iacutendice de atualizaccedilatildeo da memoacuteria
Como possibilidade de reconhecer que pessoas comuns (estudantes e professores) estabelecem
instrumentos capazes de intercambiar experiecircncias temporais complexas e mantecirc-las vivas em
situaccedilotildees de aprendizagem histoacuterica
Os relatos permitem investigar o papel que a memoacuteria cultural e o pensamento histoacuterico
tiveram no processo de formaccedilatildeo de diferentes identidades coletivas A reserva de histoacuterias
trazidas pelos relatos podem vir a ser histoacuterias coletivas narrativas que se voltam para o
coletivo A formaccedilatildeo como processo criativo de devir plural (RUumlSEN 2007 p165)
O destaque no trabalho para dois museus diferentes visitados pelo mesmo grupo de
estudantes tem por objetivo comparar algumas dinacircmicas que a anaacutelise de apenas um caso ou
museu natildeo permitiria Nos diversos museus visitados pelo grupo de estudantes eacute possiacutevel propor
problemaacuteticas muacuteltiplas e complexas sintetizadas pelos momentos de presenccedila dos visitantes
A estrateacutegia de abordagem do material empiacuterico produzido pelos visitantes que satildeo os
relatos escritos e as fotografias comporta natildeo uma preocupaccedilatildeo com a quantidade de variaacuteveis
mas com a variedade de argumentos alternativos levantados ateacute mesmo por um uacutenico estudante
que mobiliza diferentes elementos para dar sentido a visita
Outro aspecto considerado eacute que os relatos se produzem no interior de uma relaccedilatildeo
pedagoacutegica Parte do trabalho escolar a escrita dos relatoacuterios tem por objetivo atender a
exigecircncias e formalidades da cultura escolar Poreacutem na anaacutelise dos relatos haacute uma migraccedilatildeo
desse lugar inicial de produccedilatildeo que visava agrave leitura pelo professor que orientou eou organizou a
visita ao museu para a condiccedilatildeo de fonte de pesquisa mais ampla no campo da Educaccedilatildeo Das
situaccedilotildees de visita existentes em uma determinada instituiccedilatildeo escolar (Faculdade) escolhida
amplia-se o caraacuteter documental do relato e para pensar de maneira mais ampla o papel das
visitas a museus em relaccedilatildeo ao Ensino de Histoacuteria e agrave criaccedilatildeo de uma memoacuteria histoacuterica
Em alguma medida os visitantes na condiccedilatildeo de produtores dos relatos se fixam num
determinado momento da produccedilatildeo Haacute intersubjetividade em toda a elaboraccedilatildeo dos relatos As
observaccedilotildees satildeo projetadas para um professor que tambeacutem participou presencialmente da visita
70
Cada museu com suas exposiccedilotildees e propostas educativas satildeo acionados e mobilizados Por fim o
ato ao mesmo tempo coletivo e individual de percorrer as salas dos museus se coloca como forccedila
que emoldura cada situaccedilatildeo de visita Poreacutem a circulaccedilatildeo desses relatos em outros espaccedilos como
os da anaacutelise empreendida pela pesquisa permite forjar uma ampliaccedilatildeo de sentidos iniciais
Comparar dois momentos de visita em dois espaccedilos distintos permite conexotildees parciais entre os
processos e os lugares em anaacutelise A anaacutelise de cada situaccedilatildeo se faz por analogias e na tomada de
posiccedilatildeo Cada pessoa que relata a faz de maneira incorporada e localizada46
Como afirma Boaventura Souza Santos em texto lido pela turma do curso de licenciatura
em Histoacuteria que relata suas visitas escrever sobre algo implica em posicionar-se em adotar uma
perspectiva E em sua proposta de escrita cientiacutefica o sujeito deve participar se solidarizar ter
prazer Para Santos o conhecimento eacute emancipaccedilatildeo auto-conhecimento postura criacutetica e
reflexiva de avaliaccedilatildeo e reciprocidade (SANTOS 1995 p18-19)
A primeira implicaccedilatildeo de se considerar de maneira situada o conhecimento produzido nas
situaccedilotildees de visita eacute a opccedilatildeo pelos conhecimentos alternativos e dispersos e uma postura de
diaacutelogo que abrange a incompletude cultural natildeo como uma falta mas como parte de todas as
culturas A circulaccedilatildeo dos visitantes pelos muacuteltiplos locais tambeacutem amplia as situaccedilotildees de
formaccedilatildeo cultural multiplica as possibilidades de que diferentes museus podem propiciar a
desestabilizaccedilatildeo de visotildees hegemocircnicas acerca de temas trabalhados no Ensino de Histoacuteria como
a escravidatildeo os personagens histoacutericos e as comemoraccedilotildees O trabalho com visitas a diferentes
museus tambeacutem possibilita tomar trajetoacuterias inesperadas para traccedilar uma formaccedilatildeo cultural
considerada nos proacuteprios limites da experiecircncia compartilhada pelos visitantes A abrangecircncia da
anaacutelise se daraacute agrave medida que estabelecer conexotildees associaccedilotildees relaccedilotildees inesperadas e
aproximaccedilotildees
Os relatos escritos e fotograacuteficos assim como o Grupo focal e os questionaacuterios
individuais possibilitam confrontar como os visitantes elaboram do ponto de vista cognitivo e
simboacutelico atravessam cortam suas ancoragens e circulam entre diferentes mundos como os dos
museus do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional dentre outros
46 Mendes (2003) Perguntar e observar natildeo basta eacute preciso analisar algumas reflexotildees metodoloacutegicas Oficina do
CES 194 Disponiacutevel em lthttpsestudogeralsibucptjspuihandle1031611056gt Acesso em 06 ab 2011
71
Um primeiro sentido da produccedilatildeo dos relatos se daacute numa situaccedilatildeo relacional eacute a
comunicaccedilatildeo e o partilhamento dos sentidos com o professorleitor e os colegas Assim o relato
se faz na riqueza dialoacutegica de vozes presentes e ausentes Ao construir uma narrativa cada
visitante reconstitui o ineditismo da sua visita revive experiecircncias e surpreende-se ele proacuteprio
com suas reaccedilotildees
Ao se conceber os relatos como fonte documental prioritaacuteria agrave pesquisa foram definidos
alguns focos de investigaccedilatildeo O primeiro eacute atentar na leitura dos relatos para os tipos de recursos
que os visitantes mobilizam para argumentar e responder aos dilemas enfrentados durante a
visita Como se posicionam frente aos objetos apresentados pelos museus e como ancoram suas
narrativas pessoais frente agraves narrativas dos museus Haacute um grau de convergecircncia entre a memoacuteria
coletiva exposta nos museus e as memoacuterias pessoais Haacute dimensotildees consensuais ou divergentes e
quais argumentos fundamentam tais posiccedilotildees
Os relatos permitem mudar o foco da visita do museu e da escola para o visitante
Considerando o relato a visita pode ser ldquoguiadardquo pelos visitantes seguir o visitante pelos seus
percursos perspectivas interesses e escolhas Se durante o tempo de realizaccedilatildeo da visita na
condiccedilatildeo de professora fui tambeacutem visitante agora na anaacutelise dos relatos posso propor outros
recortes agrave visita e ao museu a partir do lugar de pesquisadora
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes
Apresento a seguir um perfil dos visitantes elaborado a partir dos dados produzidos entre
os estudantes do curso de Licenciatura em Histoacuteria Escolhi dentre os vaacuterios estudantes e visitas
que foram realizadas ao longo do periacuteodo que trabalhei na Faculdade de Pedro Leopoldo
(FIPEL) estudantes que se prontificaram a ceder suas produccedilotildees textuais e fotografias
voluntariamente Um total de dezessete estudantes compotildee o universo selecionado para anaacutelise
Pude acompanhar esse grupo desde o ingresso na Faculdade ateacute a formatura e as visitas que
realizaram ao longo dessa trajetoacuteria de formaccedilatildeo
Deste grupo de estudantes 11 satildeo do sexo feminino e 06 do sexo masculino Quanto agrave
idade quatorze estudantes tinham entre 21 e 26 anos quando responderam ao instrumento de
pesquisa e os trecircs restantes tinham mais de 28 anos de idade Quando agrave profissatildeo apenas um
72
estudante declarou natildeo exercer atividade remunerada Em relaccedilatildeo agrave declaraccedilatildeo quanto agrave renda
familiar apenas um afirmou possuir renda maior que 10 salaacuterios miacutenimos seis estudantes
declararam entre 4 a 6 salaacuterios miacutenimos e dez entre 7 e 9 salaacuterios miacutenimos
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro
Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila Belo Vale MG 2006
Para este grupo de estudantes se natildeo fosse a praacutetica de visitas a museus promovida pela
Faculdade dificilmente frequumlentariam regularmente esse tipo de instituiccedilatildeo cultural Primeiro a
distacircncia geograacutefica de suas residecircncias desses bens coletivos impede visitas regulares Eles
residem em sua maioria quase absoluta em cidades da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e
cidades proacuteximas sendo que apenas um desses municiacutepios possui museu Trabalham e estudam e
apenas um estudante citou o preccedilocusto das viagens como dificuldade para realizaccedilatildeo das visitas
Natildeo encontramos assim uma correlaccedilatildeo entre renda local de moradia e primeira visita a museus
A escola eacute a grande responsaacutevel pela promoccedilatildeo do conceito de museu que esse grupo
possui A visita escolar aparece como a grande agenciadora do acesso aos museus Nos trecircs
momentos em que satildeo questionados sobre a visita a museus primeiro para indicar a ocasiatildeo da
73
visita segundo com quem foi a primeira vez em um museu e terceiro com quem foi ao museu
nos trecircs uacuteltimos anos a escola aparece como a grande promotora da praacutetica de visita (Ver
graacuteficos no anexo B)
Considerando os dados obtidos permanece a duacutevida sobre qual eacute a escola que promove a
visita escolar ao museu se a escola baacutesica ou a faculdade As afirmaccedilotildees de Warlerson de Melo
Simpliacutecio no grupo focal sobre suas experiecircncias de visita a museus alimenta a duacutevida sobre a
escola que promove a visita Warlerson declara que havia visitado o Museu de Guimaratildees Rosa
quando cursava a 8ordf Seacuterie depois passou na Gruta de Maquineacute que ele natildeo sabe bem se pode ser
citada como Museu Ele natildeo se lembra bem do que foi falado laacute soacute sabe que gostou Visitou e
gostou tambeacutem de uma igreja em Congonhas o Museu de Artes e Ofiacutecios em Belo Horizonte
Viu como se dava o processo de trabalho de uma eacutepoca que natildeo lembra bem qual (ldquoa memoacuteria taacute
curtardquo brinca o estudante) Gostou tambeacutem do Museu do Escravo ldquoeu gosto muito dessa
ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte principalmente na religiatildeordquo
(Warlerson de Melo Simpliacutecio Grupo Focal 2008)
O nuacutemero de vezes que Warlerson visita museus eacute confirmado pelas informaccedilotildees do
grupo que declara ter ido a mais de quatro museus e cita os trecircs uacuteltimos visitados Os mais citados
satildeo o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto em Belo Horizonte o Museu de Artes e Ofiacutecios tambeacutem
em BH e o Museu Imperial de Petroacutepolis Os trecircs museus listados foram locais visitados pela
turma em trabalhos de campo promovidos pelo curso de licenciatura em Histoacuteria
Ao identificarem os museus visitados e a frequumlecircncia a museus vecirc-se novamente que a
visita organizada pela escola aparece como a responsaacutevel pela primeira ida ao museu Ou seja a
primeira vez que visitaram um museu foi durante o curso superior em Histoacuteria Informaccedilotildees
sobre os trecircs uacuteltimos museus visitados tambeacutem permitem identificar outras instituiccedilotildees lembradas
pela turma Museu de Histoacuteria Natural da PUC-MG e Museu do Escravo ambos tambeacutem
visitados em trabalhos com a turma O Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto foi a primeira visita
realizada pela turma quando estavam no primeiro ano do curso Talvez sua lembranccedila por quase
todo o grupo esteja associada a esse acontecimento o primeiro museu visitado
74
Diversos depoimentos47
enfatizam a importacircncia da visita ao Abiacutelio Barreto Fernando
Daniel Fraga Fonseca eacute o primeiro a falar
O Museu que eu mais gostei achei super interessante foi justamente na eacutepoca que a
gente tava entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma
visita ao Museu Abiacutelio Barreto em BH Onde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo
que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava
com ele um laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer
uma exposiccedilatildeo como organizar uma exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada
Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo mostrar aquilo que ta
querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super
interessante assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria (Fernando
Daniel Fraga Fonseca Grupo Focal 2008)
Daniele Paulo Marques completa
Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros
museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles
explicaram pra gente como eacute que eacute feita a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse
material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou natildeo Outro Museu
que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por
mais que assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas
discutir comentar e agraves vezes se faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para
dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito (Daniele Paulo Marques
Grupo Focal 2008)
Outros museus satildeo lembrados como o receacutem inaugurado Museu de Artes e Ofiacutecios mas a
comparaccedilatildeo aponta para o que eles mais se preocupam quando visitam um museu as exposiccedilotildees
embora seis estudantes natildeo definam claramente um foco para a visita
No grupo focal Frederico Levi Amorim faz um detalhamento de que descobriu na visita
ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto mais que suas exposiccedilotildees e como faz uso deste aprendizado
ao longo do curso inclusive na avaliaccedilatildeo de outros museus que visitou como o Museu do
Escravo
O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a
gente fez na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E
logo depois quando eu comecei a fazer o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo
foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a quantidade de pessoas
que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute
47 A opccedilatildeo por apresentar trechos longos da transcriccedilatildeo do debate realizado pelo grupo de estudantes tem por
justificativa manter a loacutegica de argumentaccedilatildeo de cada participante e as marcas das interaccedilotildees entre os componentes e
a oralidade que constituem os relatos
75
muito seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo
quais satildeo os materiais que vatildeo ser expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me
marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me chamou muito a atenccedilatildeo
tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava
meio perdido ali dentro e achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que
pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar o entendimento da exposiccedilatildeo e
para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse entender
tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar (Frederico Levim Amorim Grupo
Focal 2008)
Alguns aspectos da avaliaccedilatildeo de Frederico Amorim sobre o Museu do Escravo satildeo
contestados por Weberton Fernandes da Costa mais agrave frente
(riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o
seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era
estruturado objetos que ao mesmo tempo () visatildeo que tinha do negro mostrando eles
simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa faltou assim
a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro
que tinha na eacutepoca (Weberton Fernandes da Costa Grupo Focal 2008)
Os dados gerados pelo questionaacuterio permitem confrontar algumas afirmaccedilotildees expressas
oralmente pelo grupo e vice-versa No grupo focal as visitas satildeo apontadas como viagens de
conhecimento que ampliam horizontes e repertoacuterios culturais Os museus estatildeo relacionados ao
trabalho com as ldquofontes histoacutericasrdquo e agrave ldquopraacuteticardquo do professor Os estudantes dizem se interessar
pelos museus por conta de seus assuntos e exposiccedilotildees e natildeo pelo aspecto do lazer da diversatildeo
Quando solicitados a associar livremente trecircs palavras a museu a mais citada foi a palavra
ldquomemoacuteriardquo e a segunda ldquohistoacuteriardquo ldquoPassadordquo e ldquopreservaccedilatildeordquo aparecem em terceiro
ldquoConhecimentordquo ldquoculturardquo e ldquopatrimocircniordquo em quarto lugar na associaccedilatildeo de palavras a museu A
partir das palavras relacionadas as exposiccedilotildees e museus visitados podem ser imaginados como
uma alegoria do curriacuteculo Primeiro temos uma forma de exposiccedilatildeo do conhecimento e uma
seleccedilatildeo que obedece a um percurso ou roteiro e que se apresenta no formato de cenaacuterios Os
conteuacutedos dessa seleccedilatildeo feita pelos diferentes museus se datildeo na forma de saberes prescritos ou
seja legitimados socialmente como uma cultura da eacutepoca Essa concepccedilatildeo de cultura se
materializa num acervo exposto e preservado por cada instituiccedilatildeo
Se os visitantes associam a palavra conhecimento aos museus haacute o reconhecimento do
lugar da produccedilatildeo de cultura histoacuterica nos cenaacuterios organizados pelos museus e a hipoacutetese de que
essa produccedilatildeo de conhecimento se faz de maneira complementar com outros materiais de
76
pesquisa e instituiccedilotildees acadecircmicas De outro lado podemos comparar a exposiccedilatildeo e o museu
com os textos acadecircmicos Na lista do que se encontra em um museu aparecem na ordem
objetos cultura e documentos e fotografias em terceiro
Esse jogo de definir o museu com palavras e coisas aparentemente ingecircnuo indica
algumas categorias que foram retomadas nos relatos escritos e fotograacuteficos Para os visitantes o
Museu eacute memoacuteria e histoacuteria mas a memoacuteria natildeo eacute o passado Ela se materializa em objetos em
cultura documentos e fotografias Os museus satildeo agentes produtivos preservam conhecem
comemoram pesquisam dizem as narrativas dos visitantes no Museu do Escravo e no Museu
Histoacuterico Nacional
Por fim ao avaliarem os museus visitados natildeo temos muitas surpresas talvez o retorno ao
iniacutecio do questionaacuterio e agrave pergunta sobre o que eacute mesmo uma visita ao museu O que mais
agradou aos estudantes nos museus satildeo seus conteuacutedos e a organizaccedilatildeo
A identificaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo proacutepria aos museus uma visualidade eacute reforccedilada em
diversos momentos pelos visitantes Haacute na forma de expor objetos e no trabalho dos museus algo
que interessa diretamente a esse grupo Outra questatildeo que chama a atenccedilatildeo eacute a imagem que criam
para a proacutepria visita Eles afirmam que a impressatildeo que tecircm quando deixam o museu eacute de que
saiacuteram de uma sala de aula ou de uma biblioteca
As duas imagens engendradas ndash sala de aula e biblioteca ndash estatildeo relacionadas agrave cultura
escolar entendida como um conjunto de praacuteticas teorias e normas que codificam formas de
regular sistemas linguagens e accedilotildees nos estabelecimentos educativos (ESCOLANO 2005 p42)
Considerando que nos espaccedilos da escola haacute interaccedilotildees e convergecircncias entre cultura empiacuterica
cultura acadecircmica e cultura poliacutetica as praacuteticas de visita satildeo marcadas pelas pautas e orientaccedilotildees
da cultura escolar e da cultura museal que tambeacutem se articula historicamente em suportes
especiacuteficos A pesquisadora Luciana Koptche aponta para essa aproximaccedilatildeo recente entre os
objetivos tecnologias dos museus e a cultura escolar Para a autora os museus contemporacircneos
situam-se entre a catedral a escola o foacuterum a feira e o mercado (KOPTCHE 2005 p189) Em
se tratando de visitas escolares a associaccedilatildeo mais direta era de se esperar eacute com a escola
Assim como os museus satildeo vistos como organizados esse grupo de visitantes tambeacutem se
apresenta de forma organizada aos museus A visita de turismo ou com familiares satildeo raras no
grupo Na visatildeo dos estudantes as visitas tecircm objetivos pedagoacutegicos de ampliar conhecimentos
77
mas ningueacutem aponta se sentiu algum desconforto durante as visitas Interessam-se pelos
conteuacutedos e assuntos das exposiccedilotildees e saem dos museus com a impressatildeo que saiacuteram de uma sala
de aula Fabiana Cristina dos Santos parece resumir o dilema ao analisar a visita ao Museu
Imperial
A experiecircncia em museu o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu
Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute que a nossa visita foi guiada foi
muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o
lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom
foi vocecirc ter uma direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber
por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e
natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim (Fabiana Cristiana dos Santos Grupo focal
2008)
Fabiana Cristina dos Santos aparece na Figura 7 e parece aprisionada Olha atraveacutes da
janela e toma notas Estaacute acompanhada de um lado e de outro por seus colegas O visitante que
faz o registro fotograacutefico estaacute separado de Fabiana pelo vidro Ele estaacute ao lado dos objetos e sabe
que ela estaacute do outro lado da luz A luz refletida no vidro cria a barreira que natildeo permite ver
diretamente as peccedilas o que natildeo impede o diaacutelogo no jogo de espelhos
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a
Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007
78
Outra visitante comenta a respeito da visita ao Museu Histoacuterico Nacional ldquoacredito que
mesmo em exposiccedilotildees que natildeo satildeo tatildeo boas podemos tirar ensinamentos para natildeo cometer os
erros cometidos por outras pessoasrdquo (Michelle Oliveira Xavier Visita ao MHN 2008)
Os visitantes apresentados acima ao entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos culturais
organizados pelos museus rompem com os papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao
momento dessa interaccedilatildeo48
Tomar a ideia de ldquointeraccedilatildeordquo como um suposto um operador
analiacutetico parece possibilitar a integraccedilatildeo de perspectivas que natildeo separam os aspectos orais
escritos e visuais nos processos de produccedilatildeo de objetos culturais
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo dos sujeitos frente agrave experiecircncia
de contato com os museus Definir um grupo de visitantes em diferentes momentos de sua
formaccedilatildeo acadecircmica permite identificar marcas de sociabilidade e sensibilidades como referentes
na produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos O grupo se estabelece como ator ao assumir accedilotildees na
organizaccedilatildeo e definiccedilatildeo das visitas e ao expressar categorias de avaliaccedilatildeo das praacuteticas de visita a
partir de um olhar proacuteprio da experiecircncia
Daniela Jacobucci ao analisar os programas de formaccedilatildeo continuada de professores
realizados por museus de ciecircncias em diversas regiotildees do paiacutes afirma que ldquoindependente da
proposta teoacuterico-metodoloacutegicardquo estes programas ldquooportunizam quatro tipos de experiecircncias aos
professores atualizaccedilatildeo de conteuacutedos produccedilatildeo de material didaacutetico assessoria didaacutetica e
socializaccedilatildeo de conhecimentosrdquo (JACOBUCCI 2010 p437) Os estudantes concordam sempre
haacute algo a aprender com a visita As fotografias a seguir (Figuras 8 9 e 10) configuram a visita ao
Museu do Escravo do ponto de vista de seus visitantes O recorte espacial proposto por Frederico
Amorim organiza a visita em vaacuterios planos de expressatildeo Na primeira foto (Figura 8) temos uma
pessoa do proacuteprio museu responsaacutevel pelas informaccedilotildees ao grupo de visitantes O tronco o
objeto central do paacutetio de exposiccedilatildeo estaacute ao fundo A monitora fala olhando para os visitantes e
de costas para o objeto
48 A ideia de museu como templo distante da experiecircncia de aprendizagem natildeo aparece com grande forccedila nos
relatos dos visitantes
79
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no
paacutetio central tendo ao fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006
Na imagem seguinte (figura 9) a monitora estaacute agrave esquerda do espaccedilo geograacutefico Ela fala e
gesticula com as matildeos O foco satildeo os visitantes que se aproximaram do objeto e estatildeo em atitude
de escuta
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da
monitora no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
80
Na imagem seguinte (figura 10) o grupo maior jaacute se retirou e alguns alunos entre eles o
proacuteprio fotoacutegrafo se fazem registrar junto ao espaccedilo do objeto Tomam a experiecircncia vivida
externamente ndash o objeto imobilizado no espaccedilo do museu com a mediaccedilatildeo da monitora ndash como
uma paisagem um enquadramento O escravo no tronco de mesmo tamanho dos componentes do
grupo eacute centralizado e parece figurar como um dos estudantes que agora sorriem acredito de
prazer pela travessura que faziam
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao
tronco no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
A hipoacutetese sobre a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos nas visitas como a do Museu
do Escravo relaciona-se a um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a
dinacircmica do desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo
em busca da satisfaccedilatildeo do objeto a ser consumido O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso
de si proacuteprio como recurso engaja-se em atividades movimenta-se produz inteligibilidade e
sentidos Ao colocarem-se ao lado da escultura os estudantes natildeo se identificam com o
sofrimento que representa os mortos mas compartilham a presenccedila uns dos outros nesse espaccedilo
que eacute vivo
81
A produccedilatildeo de conhecimentos que se configura a partir das praacuteticas de visita eacute uma
praacutetica cultural na qual os sujeitos se vecircem como capazes de reconfigurar algumas condiccedilotildees de
produccedilatildeo de saberes dominantes Os visitantes fazem a revisatildeo de conhecimentos tradicionais e
percebem pelos ldquoefeitos de sentidordquo e ldquoefeitos de presenccedilardquo uma nova disponibilidade de estar
no mundo e criar formas e conteuacutedos culturais distintos
As visitas ainda que marcadas pelo ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas pelo
museu permitem aos visitantes uma experiecircncia sensiacutevel de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus49
49 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
82
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal
O visitante atualiza o proacuteprio conceito de museu e contribui assim como os especialistas
para a configuraccedilatildeo e teorizaccedilatildeo do campo museal e fundamentaccedilatildeo de uma criacutetica agraves exposiccedilotildees
e seus conteuacutedos A presenccedila nos museus mobiliza a memoacuteria e estimula a imaginaccedilatildeo Esse
movimento de rememoraccedilatildeo coloca os sujeitos em alerta com relaccedilatildeo ao presente Neste
processo de atualizaccedilatildeo dos conceitos estaacute em jogo uma busca coletiva para as dimensotildees
sensiacuteveis e questionamentos
A constante atualizaccedilatildeo de conceitos ou seja a historicidade que se configura como
duraccedilatildeo e mudanccedilas no tempo permite abordar o museu como um ldquogecircnerordquo que possui
regularidades permanecircncias mas que constantemente se reconfigura Eacute desta perspectiva que
apresento o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional visitados nessa pesquisa como
museus histoacutericos que conteacutem em seus acervos e expotildeem aos visitantes diversas concepccedilotildees de
museus aparentemente fora de uso na museologia contemporacircnea
Delinear uma leitura menos datada e historicista dos museus ou uma histoacuteria de museus
que se atualiza nos proacuteprios museus50
eacute resultado do confronto entre a pesquisa bibliograacutefica
sobre museus e as narrativas visuais dos visitantes O esforccedilo de leitura dos relatos e das
fotografias levou a um recorte que entrelaccedila os registros das visitas ao Museu do Escravo
(Figuras 11 e 12) do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) feitos pelos
visitantes e as imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e galeria de
arte de priacutencipes (Figura 14)
Escolhi essas imagens para argumentar como os museus natildeo ficam presos ao passado e se
atualizam pela accedilatildeo dos visitantes E retomar tambeacutem a ideia de circuito e circularidade de
cultura atraveacutes de cinco imagens diferentes
50 Koselleck (1992 p134-145) propotildee uma histoacuteria dos conceitos que se investiga o processo de teorizaccedilatildeo dos
conceitos a partir de fontes documentais e formas verbais com experiecircncias histoacutericas concretas de associaccedilotildees
poliacuteticas e econocircmicas
83
As exposiccedilotildees do Museu do Escravo em Minas Gerais fotografadas por um estudante
(Figuras 11 e 12) e do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) satildeo confrontadas
agraves imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e agrave galeria de arte de
priacutencipes (Figura 14)
O acervo do Museu do Escravo de Belo Vale (MG) inaugurado em 1988 pelo padre da
paroacutequia local Jacques Penido tendo em vista as comemoraccedilotildees do centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da
Escravatura no Brasil pode ser interpretado como recoberto por vaacuterias camadas de sentido de
museu que circulam desde os gabinetes de curiosidade agraves galerias de arte Todo o acervo do
museu estaacute exposto Natildeo haacute uma reserva teacutecnica sequer um inventaacuterio e cataacutelogo das peccedilas
Objetos arqueoloacutegicos satildeo exibidos junto a reproduccedilotildees fotocopiadas de jornais indumentaacuterias
cenograacuteficas de um filme brasileiro e artefatos de culto religioso contemporacircneos Haacute uma
preocupaccedilatildeo em exibir instrumentos de tortura como gargantilhas de ferro mordaccedilas e tamancos
imensos que causam curiosidade e repulsa Tambeacutem satildeo criados cenaacuterios com um pelourinho que
fica no meio do paacutetio central rodeado por uma senzala Outras salas satildeo ocupadas com arte sacra
catoacutelica e peccedilas indiacutegenas
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
84
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Aberto ao puacuteblico o Museu do Escravo natildeo tem materiais impressos e teima em
sobreviver agraves intempeacuteries naturais que desgastam o telhado e agraves mudanccedilas na poliacutetica local
municipal a cada quatro anos51
O Museu do Escravo parece estar em algum tempo entre os gabinetes de curiosidades e os
museus etnograacuteficos Conserva dos gabinetes natildeo apenas uma exposiccedilatildeo natildeo hierarquizada mas
um sentido atribuiacutedo aos objetos que fabricados pelo proacuteprio museu satildeo possuidores de uma
fluidez entre a natureza a arte e o artefato Tanto no gabinete de curiosidades quanto no Museu
do Escravo natildeo importa a histoacuteria do objeto tudo pode ser recolhido e serve ao propoacutesito de
saciar os curiosos Tambeacutem pode ser visto no Museu do Escravo um moderno ldquomuseu
etnograacuteficordquo que cria seu objeto a escravidatildeo a partir de sistemas de classificaccedilatildeo dos escravos
por criteacuterios tais como exoacuteticos simples preacute-alfabetizados primitivos selvagens para fazer a
denuacutencia moral da escravidatildeo O ldquooutrordquo o escravo eacute objeto do olhar dos visitantes mas eacute a
proacutepria visatildeo do museu que eacute avaliada
Considerado a partir da loacutegica dos visitantes o estudo sobre os museus coloca em questatildeo
o proacuteprio conceito de museu durante a visita O visitante questiona ao longo do percurso como o
museu constituiu referecircncias sobre suas proacuteprias funccedilotildees sociais e como estas auto-referecircncias se
expressam nas exposiccedilotildees
51 Ver Folder do Museu do Escravo produzido em 2002 Museus Mineiros Imprensa Oficial do Estado de Minas
Gerais No 14 abril de 2002
85
Entretanto eacute comum que a visita ao museu natildeo acrescente ao visitante informaccedilotildees
sobre o proacuteprio museu Quando muito o museu apresenta um pequeno resumo impresso de sua
trajetoacuteria em seus materiais de divulgaccedilatildeo mas quase nada da histoacuteria de seu acervo princiacutepios
expositivos e outros recursos aleacutem da expografia Fica a cargo do interesse do visitante comum
entender como cada museu reelabora sua memoacuteria ou sua heranccedila e como ele se apresenta aos
seus visitantes Os museus ainda se apresentam como gabinetes de curiosidades (Figura 13)
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677
A imagem acima eacute uma reproduccedilatildeo do cataacutelogo publicado em Bolonha por Lorenzo
Legati para o gabinete de curiosidades de Ferdinando Cospi Cospi era um naturalista italiano que
adquiriu a coleccedilatildeo de Ulisse Aldrovandi (1522-1605) que por sua vez tinha interesse no que hoje
pode ser chamado de botacircnica zoologia e geologia Cospi acrescentou ao museu maravilhas
naturais muitas delas criadas por processos de taxidermia unindo paacutessaros e peixes O Museu
Cospiano tinha centenas de cabeccedilas de aves sereias e um anatildeo que exercia o duplo papel de fazer
parte da coleccedilatildeo e ser guia Conhecida hoje por meio de exposiccedilotildees e cataacutelogos parte dessa
86
coleccedilatildeo eacute exposta atualmente no Museu do Palaacutecio Pozzi em Bolonha52
No entanto no seacuteculo
XVII estava aberta a estudiosos e aristocratas
O lugar de produccedilatildeo da Imagem 14 eacute a esfera privada O tema da imagem tambeacutem esta
ligado ao mundo domeacutestico uma coleccedilatildeo e um colecionador particular Frederico I Hoje o lugar
fiacutesico O studiolo do priacutencipe foi restaurado e aberto agrave visitaccedilatildeo puacuteblica No seacuteculo XVII ficava
proacuteximo aos aposentados iacutentimos do priacutencipe e permitia a entrada de apenas uma pessoa de cada
vez Era uma eacutespeacutecie de compartimento secreto cujo programa iconograacutefico foi idealizado pelo
pintor e arquiteto da corte Giorgio Vasari e sua equipe Este aposento privado permitia preservar
os itens raros da coleccedilatildeo do monarca em armaacuterios inventariar e dar ordem aos itens colecionados
para que pudessem ser encontrados As pinturas encomendadas por Francisco I satildeo realizadas
tambeacutem por Vasari e outros pintores do seacuteculo XVII
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I
Palazzo Vecchio Firenze 1570-1573
52Disponiacutevel em lt httpspecialcollectionslibrarywisceduexhibitschecklistsCabinetsCabinets_title_listhtmlgt
Acesso em 26 jun 2010
87
A escolha da imagem do gabinete de Frederico I (Figura 14) nessa pesquisa cujo tema eacute a
relaccedilatildeo dos visitantes com os museus permite algumas associaccedilotildees Primeiro a ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo poliacutetica-puacuteblica pelo acessovisibilidade a bens culturais antes de uso limitado a um
nuacutemero pequeno pessoas Segundo pela ampliaccedilatildeo dos usos dos objetos chamados artiacutesticos ou
culturais em decorrecircncia das mudanccedilas nos suportes e modos de produccedilatildeo artiacutestica pelos quais
passaram a circular
A gravura do gabinete de curiosidades (Figura 13) e a imagem da galeria do priacutencipe
(Figura 14) apresentam lugares de guarda de coleccedilotildees Os temas e os conteuacutedos das obras satildeo os
objetos colecionados e o lugar onde estatildeo armazenados A coleccedilatildeo do gabinete de curiosidades e
da galeria de priacutencipe define quem tem acesso ao conteuacutedo desses ambientes e pode partilhar da
visibilidade da exposiccedilatildeo Apenas pessoas proacuteximas aos colecionadores
Entretanto ao reproduzir essas duas imagens aqui recoloca-se a questatildeo do lugar do
visitante diante dessas exposiccedilotildees Tanto a exposiccedilatildeo dos gabinetes quanto das galerias satildeo
privadas mas a reproduccedilatildeo por meio do desenho e da pintura as colocam em circulaccedilatildeo fora do
lugares de produccedilatildeo e do controle de seus proprietaacuterios Giorgio Vasari53
o pintor de Frederico I
talvez jaacute apontasse para essa necessidade de ampliaccedilatildeo do circuito do consumo de arte Ele
proacuteprio eacute tido como um dos precursores na produccedilatildeo de uma histoacuteria da arte ilustrada com cenas
da vida dos artistas que se populariza e se manteacutem atual agrave medida que continua sendo
reproduzida para um puacuteblico mais amplo
Do ponto de vista de visitantes contemporacircneos a funccedilatildeo do acervo de um museu natildeo eacute
apenas documental no sentido de fornecer evidecircncias para o trabalho da histoacuteria Para o visitante
ele estaacute diante de uma versatildeo contada pelo museu A coleccedilatildeo de objetos no museu eacute percebida
como natildeo aleatoacuteria O trabalho do museu eacute construir uma mensagem com a exposiccedilatildeo Ainda que
reconheccedila nos objetos e no acervo como um todo documentos de eacutepoca eacute a forma de
apresentaccedilatildeo dos objetos que ainda fornece o status de testemunho mostrando a importacircncia da
materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma
53 Foram lanccediladas recentemente duas obras de VASARI Giorgio Vida de Michelangelo Buonarroti Ed Unicamp
2011 e Vidas dos artistas Martins Fontes 2011
88
de reunir um acervo que pertence ou natildeo a determinado museu lhe confere maior poder de criar
visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Fabiana Cristina dos Santos (Figura 15) que assim
como muitos de seus colegas reuacutene novamente o acervo do museu apoacutes sua visita e recria seu
percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em uma nova exposiccedilatildeo
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias
da visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O mosaico de fotografias confeccionado pela visitante reuacutene elementos dispostos em
diferentes cenaacuterios no interior do preacutedio e a fachada do museu que registra a grade de seguranccedila
um letreiro com o nome do museu e bandeiras hasteadas Fotografias do acervo e natildeo dos
visitantes
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus
Os museus europeus e norte-americanos assumem a partir do seacuteculo XVIII uma relaccedilatildeo
com um novo habitante da cidade o cidadatildeo Algumas medidas para aproximar os viacutenculos entre
museus e cidadatildeos satildeo adotadas agrave medida que tambeacutem se transformam as relaccedilotildees com o
mecenato e o modelo de vinculaccedilatildeo com o Estado para encomenda e financiamento de atividades
89
culturais se consolida As mostras temporaacuterias os chamados salotildees conquistam regularidade e
visibilidade para a produccedilatildeo dos proacuteprios museus Tambeacutem satildeo editadas publicaccedilotildees com a
finalidade de analisar as exposiccedilotildees e direcionar o puacuteblico frequumlentador ndash como a de Diderot que
assume a criacutetica no Correspondence Litteacuteraire entre 1759 e 1781 que culmina com a publicaccedilatildeo
de Ensaios sobre a pintura em 1795 pouco depois da Criacutetica da Faculdade do juiacutezo de Kant
(1790) Iniciava-se um movimento de ampliaccedilatildeo do puacuteblico de apreciadores e de criacuteticos de arte
Diderot vai ser lido e comentado por escritores poetas filoacutesofos ao longo seacuteculo XIX entre eles
por Charles Baudelaire (1821-1867)
A criacutetica aos salotildees de Diderot (Salatildeo de 1765) e Baudelaire (Salotildees de 1846 e 1859)
constitui-se em momentos privilegiados para pensarmos o museu entre os seacuteculos XVIII e XIX
do ponto de vista de seus visitantes A discussatildeo sobre os museus pode ser ampliada no seacuteculo
XX com os visitantes Marcel Proust que publica sua grande obra Em busca do tempo perdido
entre 1913-1927 e Paul Valery cujo texto O problema dos museus eacute publicado pela primeira vez
em 1931 Esse diaacutelogo entre Valery e Proust sobre os museus eacute proposto por Adorno em texto de
1950 Aborda-se assim uma fortuna criacutetica que inicialmente era publicada em pequenos folhetos
e distribuiacuteda agrave porta dos Salotildees e se especializa em jornais da eacutepoca Estes criacuteticos antecipam
abordagens formulam criacuteticas conceitos e criteacuterios valorativos quanto aos fomentos ao gosto e
ao proacuteprio ato de adentrar os museus e visitar coleccedilotildees
90
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no
Salatildeo (Quatre heures au Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do
Louvre Paris 1847
O quadro de Auguste Franccedilois Biard54
pintor francecircs que chegou a vincular-se agrave corte
portuguesa no Brasil e foi professor da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro
apresenta de forma emblemaacutetica a presenccedila dos visitantes no encerramento do Salatildeo anual do
Louvre de 1847 Pessoas se acotovelando curiosos uma profusatildeo de vestes posturas e
expressotildees faciais As imagens expostas nas paredes parecem ter vida falar ao expectador
O grande nuacutemero de curiosos atestava a popularidade das exposiccedilotildees ou Salotildees que
tiveram suas primeiras versotildees no seacuteculo XVII no Palais-Royal restritas a um puacuteblico
selecionado Em 1727 os Salotildees foram abertos ao puacuteblico em nome do rei Luiz XV Junto com a
abertura dos Salotildees iniciou-se a publicaccedilatildeo de cataacutelogos e comentaacuterios descritivos das obras pelo
54 O pintor Auguste Franccedilois Biard nascido em Lyon em 1798 visita o Brasil entre 1858-1860 Eacute nomeado
professor da Academia Imperial de Belas-Artes executa retratos da famiacutelia imperial e membros da corte De volta agrave
Franccedila publica em 1862 publica um relato sobre o Brasil Ver httpwwwitauculturalorgbr
aplicexternasenciclopedia_icindexcfmfuseaction=artistas_biografiaampcd_item=1ampcd_idioma=28555ampcd_verbete
=1271Acesso em 2011
91
perioacutedico Mercure de France Surgiram os primeiros connaisseurs que se colocavam como
mediadores de uma criacutetica e de modelos de apreciaccedilatildeo e consumo da arte
Os elementos da criacutetica que comeccedilavam a se estabelecer culminariam numa nova
distinccedilatildeo entre connaisseurs e curiosos Diderot como criacutetico dos Salotildees aponta a supremacia do
sensiacutevel sobre o visiacutevel e compartilha da ideia de que os museus possuem uma funccedilatildeo educativa
Natildeo soacute para poucos frequentadores como os estudantes de arte que se serviam de uma
aprendizagem visual de estilos e obras mas num sentido universalizante do conhecimento cujos
produtores e consumidores de arte estariam em niacuteveis semelhantes Diderot defende uma
emancipaccedilatildeo do juiacutezo sobre o gosto mediante o julgamento das obras e da pertinecircncia dos temas
O sentimento uma qualidade subjetiva seria usado como criteacuterio pelo puacuteblico para avaliar as
obras Aquelas que lhes chegavam ao coraccedilatildeo despertando simpatia ou coacutelera Comoccedilatildeo
assombro choro coacutelera satildeo emoccedilotildees provocadas pelas obras do Salatildeo de 1765 em Diderot
Assim como para Diderot a descriccedilatildeo das emoccedilotildees eacute fundamental para a criacutetica de arte de
Baudelaire O pintor deveria provocar emoccedilotildees ao espiacuterito sem cair num sentimentalismo
forjado
Ao longo do seacuteculo XIX o puacuteblico dos museus se diversifica socialmente e culturalmente
ao compartilhar experiecircncias artiacutesticas tanto de fruiccedilatildeo quanto de produccedilatildeo Visitar salotildees
grandes exposiccedilotildees universais museus e adquirir objetos artiacutesticos ou mesmo ter aulas de pintura
e desenho faziam parte de haacutebitos culturais de camadas meacutedias e mesmo setores populares O uso
instrumental na induacutestria (ilustradores desenhistas) e a funccedilatildeo de formaccedilatildeo moral da arte
estavam proacuteximas Entretanto as imagens consumidas pelos segmentos populares como as
litogravuras emolduradas e o barulho que faziam nos salotildees satildeo reprovados por autoridades
como o criacutetico de arte agora um especialista em apreciar e julgar a obra
Baudelaire apresenta esse novo lugar da criacutetica que julga a mediocridade do puacuteblico e
pretende lhe dar formaccedilatildeo (informaccedilatildeo e publicidade) sobre as exposiccedilotildees Baudelaire dirige-se
aos compradores pouco instruiacutedos que deveriam ser iniciados na ciecircncia da fruiccedilatildeo Colecionar
arte era vincular-se a uma tradiccedilatildeo de bom gosto e oportunidade de ascensatildeo cultural Implicava
em reconhecimento da sofisticaccedilatildeo e do gosto do Antigo Regime como um padratildeo para os setores
meacutedios emergentes no espaccedilo poliacutetico
92
O especialista conhecedor de arte como apontam as caricaturas de Rockwell (Imagens 17
e 18) habita fisicamente o mesmo lugar que os curiosos e turistas mas se diferenciava deles por
possuiacuterem criteacuterios mais pormenorizados para observar a arte e se manterem em parcerias com
compradores e pintores
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955
Ilustraccedilatildeo da capa de The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo
sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros) Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962
Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo produzida para a ediccedilatildeo do Saturday
Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular
93
Quem olha quem O quadro observado pelo criacutetico na Figura 17 tem vida e lhe olha de
volta O respeitoso senhor vestido em trajes solenes na Figura 18 eacute observado ou observa a
pintura colorida O pintor dos dois personagens propotildee elementos de digressatildeo imaginaccedilatildeo e
simultaneidade do olhar Para ler os quadros o espectador entra num jogo de espelhos sugerido
pelo pintor e percebe-se a si mesmo emoldurado por seu reflexo
Pode-se imaginar que tanto Paul Valery quanto Marcel Proust55
poderia estar entre os
visitantes apresentados nos quadros de Biard (Figura 16) e Rockwell (Figuras 17 e 18) Pode-se
tambeacutem imaginar ouvir a conversa entre os dois visitantes de fins do seacuteculo e iniacutecio do seacuteculo XX
com a ajuda do ensaio Museu Valery-Proust publicado originalmente em 1953 por Adorno
Valery eacute apresentado por Adorno (2005) como um artistaprodutor que cria objetos
poesias um especialista que olha a arte com toda a profundidade do ponto de vista da criaccedilatildeo
lugar do qual recebe sua profundidade O que importava para o poeta era a obra de arte como
objeto de contemplaccedilatildeo E esta se via ameaccedilada pela coisificaccedilatildeo e a indiferenccedila
O museu era o responsaacutevel por essa corrupccedilatildeo e fossilizaccedilatildeo das obras Valery se
horroriza ao caminhar pelas galerias do Louvre que para ele condenava a arte ao passado com
sua super acumulaccedilatildeo e a torna uma questatildeo de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo Para Valery nos diz
Adorno a arte estaacute morta perdeu seu lugar na vida imediata sua relaccedilatildeo com um uso possiacutevel
Vecircnus se transformou em documento e ao visitante era recusada a possibilidade de vagar e errar
pelos museus
Proust na visatildeo de Adorno comeccedila onde Valery silencia na vida poacutestuma das obras e foi
menos ingecircnuo com relaccedilatildeo agrave arte Proust era um consumidor admirador um amante das artes
que estava separado das obras por um fosso Para Adorno era essa a grande virtude de Proust
assumir de forma firme essa postura de consumidor a ponto de transformar essa atitude em um
novo tipo de produtividade A forccedila da contemplaccedilatildeo do interno e do externo culminava em
Proust em produccedilatildeo de lembranccedilas memoacuterias
Para Adorno Proust era melhor visitante de museus que Valery E argumentou Em
Valery o processo de produccedilatildeo artiacutestica e a reflexatildeo sobre esse processo estavam
55 Ver Paul Valery O problema dos Museus Revista do patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional N31 2005 p32-
35 Marcel Proust tem diversas inferecircncias em sua obra Em busca do tempo perdido Satildeo Paulo Abril Cultural 1979
94
indissoluvelmente interligados Ele eacute o proacuteprio criteacuterio de julgamento da composiccedilatildeo da obra e da
experiecircncia que se tem por meio dela A criacutetica de Valery eacute conservadora em termos de cultura
pois o uacutenico criteacuterio coincidia com seu proacuteprio juiacutezo de gosto
Jaacute Proust estava livre desse fetichismo de quem fazia ele proacuteprio as coisas e entendia as
obras naquilo que elas tinham de esteacutetico rdquoum fragmento de vida daquele que as contempla um
elemento da proacutepria consciecircnciardquo (Adorno 2005 p179)
Proust tinha acesso a uma camada da obra que pressupunha a sua morte e assim a
sensibilidade para perceber o histoacuterico como paisagem Percebia a erosatildeo que a histoacuteria produzia
nas obras e a capacidade de sobrevivecircncia delas agrave semelhanccedila com o belo e o natural A
decadecircncia das coisas para Proust era uma segunda vida Soacute subsistia aquilo que era mediado
pela recordaccedilatildeo A qualidade esteacutetica era secundaacuteria
Walter Benjamin (2006 p603) tambeacutem convocou a opiniatildeo de Proust sobre os museus
para diferenciar a apreciaccedilatildeo de um quadro colocado de maneira isolada numa sala de jantar e
uma visita ao museu Soacute a sala de museu por sua nudez e seu despojamento de todas as
particularidades pode proporcionar a embriagante alegria dos espaccedilos interiores onde o artista se
retirou para criar
O aspecto caoacutetico do museu desagradava Valery O museu era lugar da barbaacuterie e natildeo de
cultura que tinha um caraacuteter sagrado vivo Jaacute Proust fez a defesa do museu mas era critico em
relaccedilatildeo agrave cultura ou agrave tradiccedilatildeo cultural exposta nos museus que ele experimentava reagia se
contaminando pela vida poacutestuma das obras
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus
O Louvre como modelo de instituiccedilatildeo museal agrega ao sentido moderno de museu a
ideacuteia de instruccedilatildeo puacuteblica contraposta ao museu de curiosidade e frivolidade presente nos
gabinetes de curiosidade e galerias reais O programa poliacutetico de gestatildeo dos bens culturais do
Louvre estava assim completo na Franccedila revolucionaacuteria inventariar e conservar toda a extensatildeo
de objetos que possam servir agraves artes agraves ciecircncias e ao ensino
O tema da apropriaccedilatildeo do patrimocircnio dos legados do passado estaacute presente no museu
francecircs e continua atual na discussatildeo sobre as poliacuteticas de memoacuteria O museu iluminista ou
95
enciclopedista estaacute aberto a todos os domiacutenios do conhecimento Eacute conservatoacuterio local de estudo
e produccedilatildeo do conhecimento
Para Brefe (1998) o museu puacuteblico moderno eacute ineacutedito no sentido de seu conteuacutedo e sua
forma de exposiccedilatildeo As obras herdadas do regime republicano na Franccedila perderam suas antigas
funccedilotildees e relaccedilotildees com o universo poliacutetico e social Era necessaacuterio construir um novo modo pelo
qual seriam lidas e ao mesmo tempo produzir novas imagens de legitimaccedilatildeo da revoluccedilatildeo Com a
radicalizaccedilatildeo do regime a chamada era do terror instalou-se a incompatibilidade entre a
ideologia da revoluccedilatildeo e obras de arte e monumentos do Antigo Regime seguida de uma onda de
ataques com a destruiccedilatildeo e depredaccedilatildeo de siacutembolos da realeza do feudalismo e do despotismo
O museu surge como o lugar que ldquodesacraliza e neutraliza os siacutembolos e imagens fazendo-os ou
ascender ou reduzindo-os ao estatuto de objetos culturaisrdquo (BREFE 1998 p307)
Haacute uma nova dimensatildeo poliacutetica para o museu Seu papel eacute estrateacutegico em relaccedilatildeo agrave
justificativa cultural do poder O museu ao conservar aquelas obras inventa um sentido para o
patrimocircnio evitando expor de maneira expliacutecita os siacutembolos nelas contidos sua ideologia Ele
destroacutei natildeo a obra de arte mas a mostra a partir do que a cultura do museu julga pertinente O
museu participa ativamente da mudanccedila do estatuto do objeto Ele perde suas significaccedilotildees
anteriores e entra num novo dispositivo simboacutelico uma memoacuteria outorgada
Os museus tambeacutem oferecem duas contribuiccedilotildees para se redefinir a dimensatildeo poliacutetica no
sentido de puacuteblica na Franccedila A primeira eacute a defesa da universalidade do patrimocircnio agrave medida
que se elabora uma lista de obras canocircnicas que servem de referecircncia a todas as naccedilotildees europeacuteias
a partir do legado do patrimocircnio francecircs A segunda contribuiccedilatildeo eacute identificar uma dimensatildeo
histoacuterica na cultura um passado cuja existecircncia justifica a conservaccedilatildeo A Revoluccedilatildeo natildeo pode
apagar a histoacuteria ao contraacuterio ela procurou criar uma determinada ldquoconsciecircncia histoacutericardquo como
ponto de partida para um novo recomeccedilo ou regeneraccedilatildeo Haacute uma heranccedila a ser gerida e o museu
eacute instrumento poliacutetico desse direito de dominar a histoacuteria e recolher o patrimocircnio dos seacuteculos ou
o proacuteprio passado
Receptaacuteculo de todas as obras-primas da humanidade jaacute que a Franccedila eacute a paacutetria ideal o
museu neutraliza o discurso da pilhagem que passa a ser visto como repatriamento Abriu-se em
fins do seacuteculo XVIII novo debate natildeo soacute sobre o espaccedilo de exposiccedilatildeo e o que eacute um museu mas
sobre o poder de instituir sentidos que lhe eacute conferido ao sacralizar as obras para aleacutem de seu
96
estatuto de objetos culturais como ldquotesouros conquistadosrdquo Uma nova funccedilatildeo como ldquomemorial
da naccedilatildeordquo ou ldquotemplo da memoacuteriardquo e natildeo apenas de ldquoinstituiccedilatildeo de instruccedilatildeo puacuteblicardquo como
requeriam o projeto enciclopedista eacute que tomou forccedila no seacuteculo XIX
A visualidade nos museus estaacute ligada agrave poliacutetica e agrave capacidade cada vez mais elaborada
de controle racionalcientiacutefico do mundo moderno de teacutecnicas para registrar documentar e
codificar o conhecimento Benedict Anderson (2008 p221) observou que o mundo moderno se
caracteriza pela unidade de visualizar coisas que natildeo satildeo visiacuteveis ou visuais o censo o mapa e o
museu
Para Anderson todo museu pode ser visto como um programa educativo principalmente
porque o museu moderno (seacuteculo XIX) estaacute ligado profundamente a aspectos do poder poliacutetico e
dos sistemas poliacuteticos educacionais modernos Os museus produzem e reproduzem hierarquias
sociais ideologias e tambeacutem assumem um papel na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo
criando legitimidades sociais Ligam-se diretamente ao Estado e apresentam-se como guardiotildees
da tradiccedilatildeo geral e local conferem prestiacutegio aos lugares e objetos Satildeo lugares sem pessoas
desabitados exceto pela frequumlentaccedilatildeo turiacutestica satildeo dessacralizados A dimensatildeo poliacutetica dos
museus se daacute nos materiais produzidos nos censos pictoacutericos do patrimocircnio disponiacutevel As
imagens satildeo reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de
modo que a musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade
nacional
O museu para Anderson eacute uma forma de imaginaccedilatildeo da Histoacuteria e do poder mas a
imaginaccedilatildeo aqui tem um caraacuteter de conservar as formas da histoacuteria de criar comunidades
imaginadas O museu eacute como um ldquoaacutelbumrdquo dos antepassados ao longo do tempo que pode ser
herdado pelos sucessores Um ldquoventriloquista nacionalistardquo um desejo de falar pelos mortos
Guardam entretanto um paradoxo entre sua luta contra o esquecimento (lembranccedila) e a
necessidade do proacuteprio esquecimento mecanismo tiacutepico das genealogias que realizam
ldquofratriciacutedios tranquumlilosrdquo em nome do ldquodever de jaacute ter esquecidordquo A ambiccedilatildeo educativa dos
museus neste caso eacute a dissoluccedilatildeo de conflitos violentos raciais de classes regionais e a
construccedilatildeo de uma nova consciecircncia Haacute a passagem da memoacuteria agrave histoacuteria oficial A narrativa da
ldquoidentidaderdquo da consciecircncia eacute inscrita em um tempo secular uma seacuterie de implicaccedilotildees de
continuidades e esquecimentos da experiecircncia A ldquobiografia da naccedilatildeordquo escrita pelos museus eacute o
97
acuacutemulo das guerras holocaustos mortes violentas que tecircm de ser lembradasesquecidas como
nossas (ANDERSON 2008 p268)
Se para Anderson a memoacuteria eacute hierarquizada no museu por uma poliacutetica de memoacuteria para
Walter Benjamin (2006) o sentido pedagoacutegico da memoacuteria e da narrativa no museu eacute distinto O
museu eacute visto como capaz de problematizar a racionalidade das imagens da histoacuteria Enquanto
Anderson vecirc o museu como um edifiacutecio soacutelido uma instituiccedilatildeo Benjamin vivencia o museu
como um sonho um labirinto imaginaacuterio enraizado na histoacuteria mas (e por essa razatildeo) permite
articular o instante e a duraccedilatildeo num mergulho na proacutepria experiecircncia (sensibilidade)
O museu para Benjamin eacute por definiccedilatildeo moderno mas um novo que sempre existiu
Como afirma Michelet sobre a vista de uma paisagem da Charneca eacute sempre nova e sempre
igual Natildeo eacute a mesma sequer semelhante mas se exprime pelas coisas presentes Uma atitude
que entende o museu como aquele capaz de ressuscitar os mortos ou de tornar a histoacuteria viva
como acontece no percurso de Michelet pelo Museu dos Monumentos Franceses organizado por
Alexandre Lenoir56
e seu encontro com a histoacuteria viva da Franccedila e seus heroacuteis meroviacutengios
O primeiro movimento alegoacuterico de Benjamin eacute transformar o museu em morada do
sonho coletivo em metamorfose do interior O museu eacute um rito de passagem vivecircncia de
transiccedilatildeo caminhada por caminhos fantasmagoacutericos em que as portas cedem e as paredes se
abrem Essa atitude diante dos museus e das obras de arte natildeo eacute meramente contemplativa e nem
um comportamento aacutevido diante de mercadorias expostas O museu para Benjamin mobiliza o
visitante Coloca no cotidiano a utopia coisas que ningueacutem jamais experimentou mas que
deveriam lhes caber
As estrateacutegias de exibiccedilatildeo dos museus e a criaccedilatildeo de novos museus entretanto natildeo satildeo
vistas com ingenuidade por Benjamin Ele faz uma criacutetica das exposiccedilotildees universais e as via
como siacutenteses prematuras que fecham o espaccedilo para o novo e impediam a ventilaccedilatildeo das classes
Para Benjamin os produtos industriais projetados no passado eram organizados segundo
princiacutepios estatiacutesticos e a accedilatildeo de exibiccedilatildeo seria terapecircutica Visava rejuvenescer tonificar
restabelecer recuperar conservar e aperfeiccediloar os encantos da natureza que se definhavam e
morriam
56 O Museu de Lenoir precede agrave abertura do Louvre e teve curta duraccedilatildeo (1795-1816)
98
As exposiccedilotildees universais satildeo criticadas e exemplificam a passagem do caraacuteter efecircmero
que deixam rastros como a Torre Eiffel edificada como o arco de entrada da Exposiccedilatildeo
Universal de 1889 e transformada posteriormente em monumento O tempo de preparo e de
duraccedilatildeo de um empreendimento como uma exposiccedilatildeo guarda esse sentido agudo da histoacuteria Para
que seja compreendido esse tempo o criacutetico e o espectador deveriam operar em si mesmos uma
transformaccedilatildeo que eacute um misteacuterio um fenocircmeno da vontade agindo sobre a imaginaccedilatildeo Ele deve
aprender por si mesmo a participar do meio que deu origem a essa ldquofloraccedilatildeo insoacutelitardquo esse
sentido de ausecircncia em presenccedila de algo Essa emoccedilatildeo na qual o viajante se abandona a si mesmo
e muda sua visatildeo (Benjamin 2006 p236)
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da
exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009
A fotografia de Aleacutecio Andrade acima desperta o sentimento de interioridade do visitante
que resiste ao modelo temporal de museu e sua forma de apresentaccedilatildeo do passado O visitante se
apresenta no presente e se define na relaccedilatildeo com o museu estatildeo envolvidos em presenccedila do
invisiacutevel tem os olhos e os corpos na exposiccedilatildeo criada pelo fotoacutegrafo O cenaacuterio eacute o mesmo dos
Salotildees do seacuteculo XVIII (Figura 19)
99
Os visitantes das fotografias de Aleacutecio Andrade evocam o sentido poeacutetico dos museus que
se apresentam como colecionadores de alegorias e natildeo de siacutembolos (BENJAMIN 2006 p 237-
239) O visitante se transporta para dentro do museu e o acolhe em seu espaccedilo interior Visitar eacute
possuir os objetos eacute utilizaacute-los novamente libertando-os de serem inuacuteteis O alegorista
entretanto diferente do colecionador natildeo reuacutene as coisas afins natildeo estabelece sucessotildees natildeo
empreende uma luta contra a dispersatildeo mas desliga as coisas de seus ldquocontextosrdquo natildeo permite
prever e fixar os significados Abrem-se assim agraves transparecircncias porosidades e a possibilidade de
apropriar do princiacutepio e da forma
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos
A fundaccedilatildeo de museus no Brasil antecede a criaccedilatildeo das universidades Os museus
brasileiros foram durante o seacuteculo XIX o principal loacutecus de produccedilatildeo de cientistas praacuteticas de
preservaccedilatildeo e de uso educacional do patrimocircnio Tambeacutem se formaram como arenas de disputa
por versotildees do passado e campo de elaboraccedilatildeo intelectual criacutetica em relaccedilatildeo a outras instituiccedilotildees
poliacuteticas e culturais57
O Museu Nacional localizado na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro eacute considerado
desde sua inauguraccedilatildeo em 1818 a principal referecircncia de instituiccedilatildeo cultural Nos anos de 1920-
1930 eacute visto como modelo de museu para os intelectuais reformadores da educaccedilatildeo nacional
Outras instituiccedilotildees educativas e culturais como as universidades teratildeo espaccedilo no cenaacuterio
institucional tambeacutem nos anos de 1930 em funccedilatildeo das reformas de ensino de 1927-1930 quando
eacute definido por decreto-lei o Estatuto das Universidades Brasileiras e criada a Universidade do Rio
de Janeiro em 1931 (LEMME 1984 p171)
Escola e museus foram organizados de maneira distinta ao longo do seacuteculo XIX e para se
aproximarem precisavam que fosse elaborado um campo de interseccedilatildeo de atuaccedilatildeo e uma
concepccedilatildeo comum acerca de suas finalidades Diana Vidal (1999 p107-116) chama a atenccedilatildeo
para o significado do museu escolar em fins do seacuteculo XIX seu papel como dispositivo
pedagoacutegico que se define como ldquouma reuniatildeo metoacutedica de coleccedilatildeo de objetos comuns e usuais
57 Margaret Lopes desenvolve importante pesquisa sobre os museus brasileiros e latino americanos no seacuteculo XIX
Ver Lopes 1997 1998 2001 e 2005
100
destinados a auxiliar o professor no ensino de diversas mateacuterias do programa escolarrdquo (VIDAL
1999 p 108)
Entretanto ao longo do seacuteculo XX o movimento de aproximaccedilatildeo entre museus e
educaccedilatildeo natildeo foi nada natural e pressupunha accedilotildees poliacuteticas efetivas para a ampliaccedilatildeo da ideacuteia de
educaccedilatildeo para aleacutem das instituiccedilotildees escolares e de princiacutepios de organizaccedilatildeo mais democraacuteticos
Quanto aos museus era necessaacuterio que fossem concebidos como parte do projeto de educaccedilatildeo
geral ou do povo Essa dupla face da transformaccedilatildeo da concepccedilatildeo e finalidade de museus e
escolas eacute o que vemos no movimento da chamada escola nova e que tem por marco institucional
o ldquoManifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo Novardquo (1932) lanccedilado no calor da Revoluccedilatildeo de 1930
que defendia uma escola promovida pelo Estado laica gratuita e obrigatoacuteria (ESTEVES 1994
p 52-72)
Os trecircs autores escolhidos e apresentados satildeo os primeiros a publicar no Brasil uma
literatura especiacutefica considerando as relaccedilotildees entre museus e educaccedilatildeo Francisco Venacircncio Filho
(1941) Joseacute Valladares (1946) e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) possuem muito em
comum e dialogam entre si citando as pesquisas e publicaccedilotildees de seus contemporacircneos
Participaram juntamente com Everardo Backheuser Heitor Lira da Silva e outros da criaccedilatildeo da
Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo em 1924 Venacircncio Filho acompanharia de perto as reformas
educacionais de Carneiro Leatildeo Fernando de Azevedo Aniacutesio Teixeira Francisco Campos e
Gustavo Capanema Foi superintendente de Ensino Teacutecnico e diretor da Escola Normal Publicou
em 1932 com Jonatas Serrano o livro Cinema e Educaccedilatildeo pela Companhia Melhoramentos
A questatildeo central a ser destacada nessa bibliografia estritamente ldquonacionalrdquo eacute como ela
elabora os princiacutepios da relaccedilatildeo entre os museus europeus e brasileiros Quais paracircmetros de
comparaccedilatildeo satildeo adotados pelos autores brasileiros e quais satildeo os modelos que serviriam agrave obra
reformadora nacional A segunda questatildeo a ser investigada eacute como definem a relaccedilatildeo museus e
educaccedilatildeo qual o papel dos museus e qual o papel da escola Outro ponto que mobiliza eacute o
proacuteprio destinataacuterio desses discursos educativos nos anos de 1930-1940 Como estes autores
dirigiam-se ora especificamente ao puacuteblico escolar (professores e alunos) ora agrave populaccedilatildeo como
um todo ou o ldquopovordquo Como implicam os agentes governo sociedade organizada indiviacuteduos
pela resoluccedilatildeo do ldquoproblema nacional a educaccedilatildeordquo
101
Do ponto de vista das discussotildees teoacutericas e inovaccedilotildees praacuteticas na educaccedilatildeo Diana Vidal
(2000) ressalta que os chamados educadores renovados ndash Lourenccedilo Filho Fernando de Azevedo
dentre outros ndash natildeo soacute acompanhavam os movimentos realizados na educaccedilatildeo europeacuteia e norte-
americana como se utilizavam dessa literatura estrangeira para respaldar sua accedilatildeo educativa no
territoacuterio nacional (VIDAL 2000 p513)
Os autores destacados nesta anaacutelise que discorrem sobre a relaccedilatildeo museus-educaccedilatildeo
utilizam em seus argumentos o recurso ao ldquoestrangeirordquo como via de matildeo dupla Natildeo haacute por
exemplo em Joseacute Valladares (1946) nem em Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) nenhum
deslumbramento com os museus visitados por eles fora do paiacutes Eles natildeo deixam que a seduccedilatildeo e
encantamento com os museus europeus e norte-americanos se sobreponham aos seus propoacutesitos
de avaliar e comparar tendo em vista a melhoria dos museus no Brasil As visitas agraves instituiccedilotildees
estrangeiras e as consideraccedilotildees que explicitam servem ao propoacutesito de reforccedilar certa erudiccedilatildeo e o
conhecimento de causa Natildeo visam simplesmente desqualificar a realidade nacional frente ao
internacional
Assim como as viagens e excursotildees os escolanovistas consideram os museus como
dispositivos de educaccedilatildeo ou materiais pedagoacutegicos a serem utilizados para melhor aparelhar a
escola moderna Em outro sentido os museus satildeo ldquograndes casas de educaccedilatildeo ao alcance de
todos a qualquer momento graccedilas a uma teacutecnica de exposiccedilatildeo e mostruaacuterios em que nenhum
pormenor eacute descuidado desde a arrumaccedilatildeo ateacute a cor e forma dos letreirosrdquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Esse otimismo com relaccedilatildeo ao papel educativo dos museus eacute partilhado por Joseacute
Valladares e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila
Francisco Venacircncio Filho (1894-1946) destacou-se ao longo de sua vida puacuteblica como um
dos colaboradores diretos de Fernando de Azevedo e publica como ldquoprofessor do Instituto de
Educaccedilatildeo do Distrito Federal e livre docente do Coleacutegio Pedro IIrdquo o volume 38 da 3ordf Seacuterie de
Atualidades Pedagoacutegicas da Biblioteca Pedagoacutegica Brasileira com o tiacutetulo Educaccedilatildeo e seu
aparelhamento Moderno brinquedos cinema raacutedio fonoacutegrafo viagens e excursotildees museus e
livros em 1941 pela Companhia Editora Nacional
Para Venacircncio Filho (1941 p13) e outros intelectuais da chamada escola nova a
educaccedilatildeo eacute vida Busca no diaacutelogo e na autoridade de Afracircnio Peixoto (1876-1947) aproximar o
campo que o colega designara como ldquoeducaccedilatildeo orgacircnicardquo e de outra a ldquoescolarrdquo Para o autor o
102
ldquoaparelhamento modernordquo procura eliminar a distacircncia entre ambos os meios de educaccedilatildeo
(VENAcircNCIO FILHO 1941 p13) A educaccedilatildeo formal e a informal estatildeo imbricadas numa
educaccedilatildeo geral para a qual contribuem ldquoos instrumentos que nasceram na escola e transbordaram
dela para a vidardquo e os que ldquovieram de fora para a escola e vatildeo auxiliando colaborando com a sua
obrardquo multiplicando em extensatildeo e intensidade Esses instrumentos que poderiacuteamos chamar de
dispositivos tem uma accedilatildeo extensiacutevel e imprevisiacutevel (VENAcircNCIO FILHO 1941 p14)
A mesma concepccedilatildeo de educaccedilatildeo geral eacute explicitada por Edgar Sussekind de Mendonccedila e
Jose Valladares Mendonccedila em seu texto A extensatildeo cultural nos museus publicado pela
Imprensa Nacional em 1946 compartilha dos pressupostos de Venacircncio Filho e o cita por
diversas vezes Elaborado para concurso de provas58
para ser transferido a pedido da diretora do
Museu Nacional Heloiacutesa Alberto Torres para a receacutem criada Seccedilatildeo de Extensatildeo Cultural do
museu o texto pode ser entendido como sugere o proacuteprio autor como uma carta programa do
novo diretor e da nova seccedilatildeo do Museu
Procedimento comum aos trecircs autores destacados Edgar Sussekind de Mendonccedila (1941)
tambeacutem inicia sua exposiccedilatildeo propondo a inversatildeo na forma de interpretar os termos educaccedilatildeo
supletiva e educaccedilatildeo escolar para definir o campo de atuaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo
Como jaacute enfatizado por Venacircncio Filho o projeto de educaccedilatildeo popular eacute abrangente universalista
e a escola eacute apenas uma das instituiccedilotildees capazes de responder agrave demanda por educaccedilatildeo As
instituiccedilotildees de ensino eacute que satildeo supletivas na visatildeo de Mendonccedila (1941 p9) a educaccedilatildeo extra-
escolar eacute que designa o todo e natildeo aquela educaccedilatildeo intra-escolar A extensatildeo cultural eacute dentro
dessa visatildeo a educaccedilatildeo generalizada e os museus por direito de antiguidade tecircm papel
insubstituiacutevel e preponderante de realizaacute-la
Ao considerar as ldquoexcursotildees e viagensrdquo como ldquomeio pedagoacutegicordquo a primeira questatildeo
levantada satildeo as dificuldades de execuccedilatildeo em ambiente escolar recursos tempo ajustamento de
horaacuterios A sugestatildeo dada pelo autor eacute bastante conciliadora Do ponto vista geral ele defende que
ldquonas viagens se pode rever em breve e rapidamente o que nos legou o passado ou o que nos daacute o
presente em arte em ciecircncia em induacutestria em costumes atraveacutes dos inuacutemeros museus
espalhados pelo mundo inteirordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p15)
58 Segundo informa o proacuteprio autor o texto foi elaborado no prazo de trinta e cinco dias sendo que Mendonccedila
utilizou vinte e cinco para consulta a livros (MENDONCcedilA 1946 p25)
103
Do ponto de vista efetivo o problema eacute como realizar em larga escala viagens de luxo
recreio e de cultura aos Estados Unidos e Europa como fazem os intelectuais escolanovistas Natildeo
eacute simples conciliar os princiacutepios e a accedilotildees Embora deseje defender essa praacutetica ldquoadmiraacutevelrdquo
Venacircncio Filho alerta que na escola eacute preciso uma soluccedilatildeo mais viaacutevel planejar bem expor
previamente aos alunos e propor saiacutedas livres de grupos aos domingos e feacuterias para cultivar o
gosto e o ldquohaacutebito de prazeres sadios e econocircmicosrdquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p117)
As consideraccedilotildees sobre as excursotildees vatildeo se formando a partir de argumentos que juntam a
defesa do interesse da crianccedila e de suas condiccedilotildees para realizar excursotildees no qual cita os
americanos e seu programa de sugestotildees de excursotildees para diferentes idades entre 3 a 5 anos e a
defesa da ldquocultura europeacuteia como o padratildeo de civilizaccedilatildeo frente a ldquogleba nativardquo da ldquopaisagem
exoacuteticardquo da Ameacuterica (VENAcircNCIO FILHO 1941 p120) Cita nesse caso versos de Olavo Bilac e
a replica de Afracircnio Peixoto que exaltam Nova York (VENAcircNCIO FILHO 1941p122)
Os benefiacutecios das viagens parecem se afastar daquelas possibilidades efetivas do trabalho
escolar e o autor estaacute a endereccedilar seus conselhos a um provaacutevel viajante ldquonativordquo supostamente
adulto com pouca familiaridade com viagens e excursotildees e que necessite de orientaccedilotildees para
preparar-se culturalmente para a viagem Nosso autor parece estar plenamente qualificado para
relatar sua vasta experiecircncia cultural com viagens internacionais e ajudar na divulgaccedilatildeo dessa
praacutetica cultural
Quanto aos guias impressos o autor sabe indicar quais satildeo os melhores Em relaccedilatildeo agraves
grandes agecircncias de turismo elas ldquodevem ser utilizadas com inteligecircnciardquo Comprar poucas
lembranccedilas procurar hoteacuteis proacuteximos agraves estaccedilotildees preccedilos acessiacuteveis calcular despesas por dia
cacircmbio escolher os tipos de companheiros de viagem satildeo recomendaccedilotildees importantes Venacircncio
Filho deixa claro seu gosto pelas viagens sonho antes alegria durante e evocaccedilotildees depois
Os museus aparecem como ldquomeacutetodosrdquo um dos pilares para a melhoria da educaccedilatildeo ldquoum
ensino centrado na crianccedila e natildeo no professor e a educaccedilatildeo como preparaccedilatildeo para a vidardquo59
Os
museus ajudariam tambeacutem no ensino da histoacuteria baseada excessivamente em compecircndios e
criticada por seu excesso de memorizaccedilatildeo e acuacutemulo de datas O proacuteprio Jonathas Serrano que
tem seu compecircndio publicado em 1912 e utilizado ateacute 1924 contando com 54 ediccedilotildees explicita jaacute
59 Edgar Sussekind de Mendonccedila tambeacutem questionava a importacircncia exagerada dada agrave escola no ldquoconjunto da tarefa
educacionalrdquo (MENDONCcedilA 1946 p10)
104
em 1918 (4ordf ediccedilatildeo) a criacutetica aos processos de ensino de Histoacuteria exaustivos baseados na
memorizaccedilatildeo Serrano mostrava-se otimista quanto aos ldquoprogressos dos recursos tecnoloacutegicos
como o cinematoacutegrafo que permite ensinar pelos olhos e natildeo apenas e enfadonhamente pelos
ouvidosrdquo (SCHMIDT 2004 p197)
Venacircncio Filho (1941) faz a descriccedilatildeo de vaacuterios museus classificados como mistos de
histoacuteria e ciecircncias como o British Museum e o Louvre mas deteacutem-se na descriccedilatildeo do ldquonosso da
Quinta da Boa Vista em que se resume a natureza de uma vida da regiatildeordquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Dando continuidade a uma tipologia dos museus Venacircncio Filho apresenta como
museu histoacuterico exemplar o Museu do Ipiranga Ao final do capiacutetulo faz consideraccedilotildees raacutepidas
sobre o Museu Goeldi no Paraacute e retoma suas observaccedilotildees sobre o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista e o Museu Paulista Satildeo Paulo Ao longo do capiacutetulo cita a curta existecircncia dos museus
pedagoacutegicos organizados na reforma da instruccedilatildeo puacuteblica do Rio de Janeiro de Fernando
Azevedo (1927-1930) tendo um museu central no entatildeo Distrito Federal dirigido por Everardo
Backheuser (1879-1951) do qual fala no ldquopresente do indicativordquo pois ldquocomo desapareceu
passou para o passadordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Eacute curioso notar que Venacircncio filho natildeo descreve o projeto dos museus pedagoacutegicos nem
mesmo recomenda sua criaccedilatildeo nas salas ou escolas Os modelos de museus estatildeo nos grandes
centros como o Museu de Munich ao qual dedica duas paacuteginas para expor como satildeo os museus
teacutecnicos e sua importacircncia para a educaccedilatildeo popular Dedica tambeacutem uma descriccedilatildeo
pormenorizada do Deustches Museum apresentando as salas as divisotildees das exposiccedilotildees fiacutesica
quiacutemica tempo Cita os museus norte-americanos e avalia dois museus brasileiros o Museu
Nacional (RJ) o Museu Paulista (SP)
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista foi para Venacircncio Filho ldquogrande centro
cientiacutefico do paiacutes do qual partiam os uacutenicos fios de ligaccedilatildeo com o mundo cultordquo Jaacute o Museu
Histoacuterico Nacional eacute exemplar antes e depois da reforma educacional
Ele eacute no resumo de seus mostruaacuterios bdquouma verdadeira miniatura da paacutetria‟ O Museu
atraveacutes de suas divisotildees teacutecnicas realiza a sua missatildeo de conservar pesquisar divulgar e
ensinar dando depois da reforma de 1931 agrave educaccedilatildeo popular uma contribuiccedilatildeo
preciosa para o estudo das ciecircncias naturais (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Ao contraacuterio dos elogios e otimismo quanto ao papel dos museus de histoacuteria natural
explicitados ao Museu Nacional e ao Museu Goeldi Venacircncio Filho faz uma criacutetica a concepccedilatildeo
105
de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional que ldquoainda natildeo adquiriu forma definitiva que
deveria ser a de uma evocaccedilatildeo viva do passado todo do Brasil desde o periacuteodo colonial ateacute os
dias da Repuacuteblicardquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p145) Essa criacutetica fica mais evidente quando
afirma que em se tratando de museus histoacutericos o Museu Paulista eacute ldquonatildeo soacute uacutenico no paiacutes como
pode ser posto em confronto com qualquer outro congecircnere do estrangeirordquo (VENAcircNCIO
FILHO 1941 p145) A descriccedilatildeo que Venacircncio Filho faz do Museu do Ipiranga eacute carregada de
adjetivos ldquoum perfume discreto do passado nacional sem gratildeos de coisas esquecidas e
abandonadasrdquo quadros admiraacuteveis monccedilotildees Pedro Ameacuterico documentos antigos fruto das
pesquisas de Afonso Taunay estaacutetua de Bernardelli coleccedilotildees naturais Venacircncio Filho (1941
p147) termina suas consideraccedilotildees no mesmo ponto no qual iniciou exaltando a capacidade dos
museus em transformarem-se em ldquograndes escolas de educaccedilatildeo popularrdquo
Para Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) a chamada extensatildeo cultural eacute a relaccedilatildeo de
atividades de um museu que permitiria a comunhatildeo da vida e da aula abrangendo todos os
puacuteblicos de todas as idades (MENDONCcedilA 1946 p10) Ao longo da monografia ele vai
explicitando que o museu atua na educaccedilatildeo do povo e a extensatildeo cultural atuaria como um
ldquosistema de iniciaccedilatildeo cientiacutefica e aperfeiccediloamento sem a rigidez dos cursos universitaacuteriosrdquo
(MENDONCcedilA 1946 p 40)
Mendonccedila deixa expliacutecito em seu programa de accedilatildeo que sua grande preocupaccedilatildeo eacute com o
ensino e a ligaccedilatildeo da escola com a vida e para isso assim como Venacircncio Filho ele estaacute
preocupado com a ampliaccedilatildeo do puacuteblico natildeo especializado O museu eacute importante nessa funccedilatildeo
pois estaacute tanto no domiacutenio experimental quanto da documentaccedilatildeo objetiva Entretanto a
materialidade de suas mostras eacute para observaccedilatildeo natildeo para experimentaccedilatildeo A visualizaccedilatildeo eacute um
meacutetodo histoacuterico dos museus e pode ser utilizado no ensino tanto superior quanto na educaccedilatildeo
extra-escolar das classes proletaacuterias A questatildeo natildeo eacute a funccedilatildeo educativa dos museus mas
preparar os museus para as necessidades educativas de seu povo (MENDONCcedilA 1946 p 25)
Para Joseacute Vasconcellos (1946) a questatildeo da localizaccedilatildeo dos museus eacute colocada de modo
semelhante ldquoporque deve ir ao seu encontro o museu tem de saber onde o povo pode ser achado
com mais facilidade Este eacute o problema principal na localizaccedilatildeo dos museusrdquo
(VASCONCELLOS 1946 p99) Ou seja o problema da localizaccedilatildeo dos museus eacute saber onde
estaacute o povo ou como diria o cancioneiro popular ldquotodo artista tem de ir onde o povo estaacuterdquo
106
Mendonccedila assim como Vasconcellos e Venacircncio toma o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista como referecircncia para as consideraccedilotildees sobre os museus brasileiros Apoacutes criticar o
sistema universitaacuterio pelo aristocratismo das faculdades e academias ou ainda os proacuteprios museus
pelo anacronismo ao se voltarem para uma concepccedilatildeo de conservaccedilatildeo estaacutetica o autor se volta
para a defesa dos museus como ldquoestabelecimentos de educaccedilatildeo popularrdquo capazes de responder ao
problema de ldquopreparo meacutedio dos homens de formaccedilatildeo irregularrdquo A teacutecnica de museus eacute capaz de
orientar cientificamente um filme documentaacuterio sobre Canudos citado como exemplo e ao
mesmo tempo promover exposiccedilotildees especiais sobre cultura indiacutegena e cultura negra no Brasil
natildeo existentes no Museu Nacional mas que deveriam ser incluiacutedas por interessar agrave extensatildeo
cultural servindo de ldquoligaccedilotildees entre o palco das generalidades e os bastidores dos especialistas
(MENDONCcedilA 1946 p40-43)
Para Mendonccedila
o fato poreacutem eacute que os museus do Rio de Janeiro provavelmente ainda por longo tempo
funcionaratildeo apenas na imaginaccedilatildeo complementar de alguns de seus visitantes e nas
melhorias de interpretaccedilatildeo pedagoacutegica que os especialistas em colaboraccedilatildeo com os
professores vatildeo conseguindo fazer para alguns interessados e para o puacuteblico em geral
a interessar (MENDONCcedilA 1946 p53)
Se haacute por parte de Edgar Suumlssekind de Mendonccedila certo pessimismo quanto agraves
possibilidades de mudanccedilas na organizaccedilatildeo dos museus descritas por estes mesmos especialistas
da eacutepoca ndash arrumaccedilatildeo iluminaccedilatildeo etiquetas cataacutelogos e exposiccedilotildees ndash ele eacute otimista quanto agraves
atividades de extensatildeo que natildeo dependeriam de recursos diretos de pesquisa e preservaccedilatildeo
propaganda em diversos meios como raacutedio formaccedilatildeo de funcionaacuterios especializados em orientar
visitas palestras conferecircncias guias impressos projeccedilotildees de cinema coleccedilotildees e exposiccedilotildees
escolares Enfim a articulaccedilatildeo e accedilatildeo externas capazes de integrar os museus agrave sua finalidade
democraacutetica
Para explicitar a opiniatildeo de Mendonccedila sobre os museus tradicionais e suas praacuteticas de
exposiccedilatildeo cito dois exemplos a exposiccedilatildeo sobre o centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio no Museu
Nacional e suas criacuteticas agrave concepccedilatildeo de museu do proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional Mendonccedila
natildeo tem nenhuma simpatia pelas comemoraccedilotildees ciacutevicas marcadas por exposiccedilotildees especiais em
museus Ele critica a exposiccedilatildeo de comemoraccedilatildeo ao Centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio realizada pelo
Museu Nacional que legitimada por significado cultural natildeo se justificava como ldquoexposiccedilatildeo
107
especialrdquo Diz o autor ldquoalmejariacuteamos que fosse acompanhado de outras frequentes ditadas natildeo
soacute pela solenidade de datas centenaacuterias mas pelas diuturnas exigecircncias de movimentaccedilatildeo das
coleccedilotildees para maior uso e benefiacutecio puacuteblicosrdquo (MENDONCcedilA 1946 p43)
O Museu Histoacuterico Nacional jaacute criticado por Venacircncio Filho (1941 p145) tambeacutem
recebe as criacuteticas de Mendonccedila
Quanto ao Museu Histoacuterico Nacional instituiacutedo eacute oacutebvio para se relacionar com o patrimocircnio integral da nossa Histoacuteria- a julgar pela dosagem e patenteando na sua
propensatildeo para o raro e o custoso em preciosismo que contraria o princiacutepio de
preferecircncia pelo caracteriacutestico isto eacute pelo mais frequumlente em cada eacutepoca consoante a
boa norma museoloacutegica (MENDONCcedilA 1946 p49)
O Museu Imperial receacutem criado recebe os votos de que possa aliviar-se dos encargos
aristocraacuteticos do Museu Histoacuterico Nacional e trabalhe de forma equitativa o patrimocircnio histoacuterico
do paiacutes (MENDONCcedilA 1946 p49)
Nesta bibliografia dos anos de 1920-1930 se elabora nos discursos educacionais no Brasil
a preocupaccedilatildeo com materiais e meacutetodos que garantissem a ldquoconstruccedilatildeo experimental do
conhecimento pelo estudanterdquo (VIDAL 2000 p498) e os museus satildeo entendidos como parte
importante dos ldquorecursos pedagoacutegicosrdquo disponiacuteveis agrave educaccedilatildeo
Jaacute nos anos de 1950 dois movimentos se encontram um vindo das discussotildees sobre a
escola feita pelos ldquoescolanovistasrdquo nos anos de 1920-1930 e outro que defendia a ampliaccedilatildeo dos
museus numa nova rede que incluiacutea os museus histoacutericos e pedagoacutegicos locais e a criaccedilatildeo de
novos museus pelo poder puacuteblico federal e estadual
A partir dos anos de 1930 se instaura uma polecircmica sobre a relaccedilatildeo escolas-museus que
tem de um lado a defesa dos museus como oacutergatildeos de documentaccedilatildeo com um caraacuteter
conservador no sentido de ser voltado a preservar as tradiccedilotildees (TRIGUEIROS 1956) e de outro
lado o entendimento que os museus satildeo instrumentos de educaccedilatildeo tal como defendia Viniacutecio
Stein Campos (1970) com a criaccedilatildeo dos museus histoacutericos e pedagoacutegicos
A ldquofunccedilatildeo educativardquo dos museus se estabelece nesse sentido entre os extremos da
funccedilatildeo de conservaccedilatildeo e da divulgaccedilatildeo O sentido mais geral das reflexotildees sobre nesse capiacutetulo
sobre movimentos de formaccedilatildeo do puacuteblico nos museus na Europa e Brasil ao longo dos seacuteculos
XIX e XX eacute estabelecer ligaccedilotildees entre os que visitam contemporaneamente os museus e um
sentido de permanecircncia na ldquoformardquo museu Natildeo haacute uma via de matildeo uacutenica que vai dos museus aos
108
visitantes Assim como os visitantes elaboram suas demandas de formaccedilatildeo frente aos acervos e
exposiccedilotildees as instituiccedilotildees e poliacuteticas oficiais de preservaccedilatildeo e memoacuteria tambeacutem promovem
quadros culturais que se completam e se remontam com os museus e suas exposiccedilotildees
A pesquisa sobre o movimento de formaccedilatildeo do puacuteblico e sobre as funccedilotildees educativas dos
museus leva a pensar que a visita ao museu natildeo eacute o lugar da ldquorecepccedilatildeordquo de praacuteticas museoloacutegicas
e nem educativas O visitante se coloca em tracircnsito entre o mundo dos museus e outros mundos
como o das ldquoescolasrdquo e a visita realiza-se como um ldquocircuitordquo Os visitantes falam de suas
experiecircncias de visita como viagens intercalando dinacircmicas socioculturais de formaccedilatildeo docente
e de formaccedilatildeo histoacuterica
109
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais
A visita ao Museu do Escravo natildeo foi um evento isolado para os alunos e nem para a
instituiccedilatildeo formadora Desde o ano de 2000 o Museu do Escravo vinha sendo visitado como parte
das atividades acadecircmicas desenvolvidas por professores e estudantes do curso de licenciatura em
Histoacuteria Nesta ocasiatildeo um total de 21 estudantes60
foi ao Museu a Fazenda Boa Esperanccedila e a
comunidade quilombola da Boa Morte em Belo Vale
Algumas potencialidades do Museu do Escravo jaacute haviam sido levantadas em visitas
anteriores e o trabalho de campo tinha por objetivo articular a narrativa do proacuteprio museu o
discurso dos especialistas em museologia e dos historiadores da escravidatildeo A visita seguiu uma
rotina que envolveu pedido de autorizaccedilatildeo para acesso agrave Fazenda Boa Esperanccedila contatos com a
prefeitura local para agendamento no Museu apresentaccedilatildeo em sala de aula de um histoacuterico da
cidade seus pontos turiacutesticos e atividades culturais (cd-room recortes de jornais e textos projeto
de revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo e outros) elaboraccedilatildeo de um roteiro da visita com horaacuterios
e recomendaccedilotildees sobre formas de registro durante o trabalho Vale destacar que esse natildeo era o
primeiro trabalho dessa natureza realizado pela turma que jaacute havia visitado o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto e outras instituiccedilotildees como o Arquivo da Cidade de Belo Horizonte
O trabalho em Belo Vale teve dois objetivos Primeiro relacionar as visotildees
historiograacuteficas acerca da escravidatildeo colonial discutidas em sala de aula com os acervos
existentes nos locais visitados Segundo discutir a importacircncia da memoacuteria e do patrimocircnio
histoacuterico ao visitar o Museu do Escravo e o conjunto arquitetocircnico da Fazenda Boa Esperanccedila61
60 Visita vinculada agrave disciplina Histoacuteria do Brasil a Ameacuterica Portuguesa 4ordm periacuteodo
61 Belo Vale estaacute localizada na Zona Metaluacutergica de Minas Gerais Distacircncias Moeda - 13 km Congonhas - 42 km
Itabirito - 66 km Ouro Preto - 80 km Belo Horizonte - 86 km e 126 km de Pedro Leopoldo
110
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade
de Belo Vale
Apoacutes a visita os estudantes elaboraram um relatoacuterio individual contendo suas impressotildees
e tendo como referecircncia os objetivos propostos no roteiro inicial Houve discussotildees em sala de
aula sobre aspectos observados Demais materiais como fotografias folders entrevistas e outros
recolhidos ou produzidos durante a visita tambeacutem foram apresentados Por fim a turma elaborou
uma narrativa siacutentese do trabalho que foi apresentado novamente e arquivado na Faculdade Eacute
este relatoacuterio-siacutentese que serve como paracircmetro para a anaacutelise da visita Utilizo como contraponto
o projeto de Revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo elaborado pela Superintendecircncia de Museus de
MG e materiais produzidos para divulgaccedilatildeo do museu jaacute que natildeo haacute nenhum cataacutelogo ou mesmo
inventaacuterio do acervo de objetos do Museu do Escravo
As fotografias selecionadas e apresentadas a seguir apontam o deslocamento realizado
pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do visitante na cultura museal e
a escrita da histoacuteria nos museus
111
Saiacuteda de Pedro Leopoldo-MG Atravessam a Serra do Curral
Depois de Belo Horizonte comeccedila a descida Rios estradas e pontes Chegada a Belo Vale
A Igreja estaacute fechada O Museu do Escravo fica ao lado Foto na entrada
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos
visitantes
112
Apontar em que medida o Museu do Escravo contribuiu para que esses estudantes de
licenciatura em Histoacuteria elaborassem uma narrativa sobre a escravidatildeo articulando as linguagens
historiograacuteficas e museoloacutegicas implicou em mapear duas dimensotildees nas quais o tema da
escravidatildeo se apresentou durante a visita A primeira eacute a narrativa museograacutefica do museu
constituiacuteda por suas exposiccedilotildees A segunda eacute uma meta-narrativa do que deveria ser o Museu do
Escravo a partir de um projeto de revitalizaccedilatildeo A questatildeo central eacute investigar ateacute que ponto as
narrativas museoloacutegicas sejam elas ldquonovasrdquo ou ldquotradicionaisrdquo podem interferir na percepccedilatildeo que
os visitantes tecircm acerca da histoacuteria
Antes da visita os estudantes foram apresentados a um material visual sobre Belo Vale
produzido e distribuiacutedo por uma empresa de informaacutetica que atua na regiatildeo e que traz fotografias
e textos sobre o Museu do Escravo62
Neste material o Museu eacute apresentado como instituiccedilatildeo
uacutenica no paiacutes se constitui num dos mais importantes e completos acervos culturais com peccedilas
referentes agrave escravatura
Uma das estudantes apoacutes a visita registra opiniatildeo semelhante o Museu do Escravo da
Fazenda Boa Esperanccedila eacute o uacutenico museu dedicado exclusivamente ao escravo no Brasil onde
conta com um acervo com uma meacutedia de 4500 peccedilas (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Aparentemente a estudante atribui um sentido indevido agrave localizaccedilatildeo do Museu O Museu
do Escravo natildeo eacute da Fazenda Boa Esperanccedila A informaccedilatildeo correta sobre a localizaccedilatildeo do Museu
jaacute constava do material apresentado agrave turma antes da visita O acervo do Museu era apresentado
como privilegiado O material trazia tambeacutem dados sobre a trajetoacuteria da constituiccedilatildeo desse
acervo Reunido pelo padre Penido de famiacutelia natural da cidade inicialmente em Congonhas do
Campo foi transferido em 1977 para a Fazenda Boa Esperanccedila e municipalizado em 1988 no
centenaacuterio da aboliccedilatildeo com novo preacutedio no centro da cidade
Eacute possiacutevel supor que o desvio da visitante seja tambeacutem um ruiacutedo quanto agrave origem do
acervo e natildeo apenas da localizaccedilatildeo do Museu Quando visitamos a Fazenda Boa Esperanccedila e laacute
natildeo encontramos uma ldquosenzalardquo ou qualquer objeto relativo agrave escravidatildeo abriu-se uma duacutevida
62 Esse material foi adquirido no Museu do Escravo em Belo Vale Foi elaborado por empresa de consultoria
wwwdejorecombr
113
Onde estariam esses objetos Eacute liacutecito supor que foram transferidos para o Museu no Escravo O
que natildeo eacute correto jaacute que o acervo natildeo veio da fazenda
A indefiniccedilatildeo quanto agrave origem do acervo e a natildeo catalogaccedilatildeo e classificaccedilatildeo dos objetos
em exposiccedilatildeo alimenta essa confusatildeo O Museu do Escravo se apresenta como um lugar de
guarda de objetos do passado Entretanto natildeo eacute possiacutevel acessar o acontecido Houve uma perda
irreparaacutevel pela accedilatildeo do tempo e mesmo que o museu se coloque como aquele capaz de reparar o
ldquosentimento de perdardquo fabricando objetos e cenas para dar visibilidade agravequilo que julga ser
pertinente aos habitantes da cidade e aos visitantes continua existindo obstaacuteculos agrave transparecircncia
pretendida pelas exposiccedilotildees museais
42 - O escravo e o museu
As exposiccedilotildees do Museu estatildeo dispostas pelos seis salotildees do Pavilhatildeo 1 um paacutetio interno
onde foi construiacuteda uma espeacutecie de senzala tambeacutem destinada agrave exibiccedilatildeo de acervo (pavilhatildeo
aos fundos) onde destacam-se cenaacuterios museograacuteficos (Figuras 22 e 23)
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale
MG Fonte httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm
Neste cenaacuterio expositivo convivem diferentes objetos instrumentos de castigo coacutepias de
documentos iconograacuteficos objetos de arte afro-brasileira objetos de uso pessoal e salas com
114
utensiacutelios domeacutesticos como louccedilas e armas e arte sacra originaacuteria da Igreja Matriz que estaacute
localizada ao lado do Museu e que foi transferido ao museu por medida de seguranccedila possiacutevel
O pavilhatildeo dos fundos exibe aleacutem de montagens museograacuteficas como de um escravo
sendo castigado em pelourinho indumentaacuteria moradia e utensiacutelios usados na produccedilatildeo do filme
Zumbi - Quilombo dos Palmares doados pelo cineasta Cacaacute Diegues e um tuacutemulo de escravo
desconhecido
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo
Belo Vale MG Fonte Disponiacutevel em
lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso
em 2011
Projetos de revitalizaccedilatildeo63
do Museu do Escravo foram elaborados para redefinir a
conceituaccedilatildeo museoloacutegica e reformulaccedilatildeo dos moacutedulos da exposiccedilatildeo A principal criacutetica dos
especialistas eacute que se estava diante de ldquoum colecionismo assistemaacutetico sem propoacutesitos cientiacuteficos
ou educativosrdquo ou ldquomostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros (JULIAtildeO sd) Contudo em
visita realizada em 2010 as exposiccedilotildees ainda permaneciam com a mesma organizaccedilatildeo
encontrada nas visitas anteriores Em 2006 quando da visita com os estudantes da turma do 4ordm
63 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de Museus
Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
115
periacuteodo foi possiacutevel confrontar as visotildees historiograacuteficas tambeacutem conflitantes entre si de modo a
elaborar no diaacutelogo com o museu uma narrativa acerca do tema escravismo colonial
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo
Enquanto o Museu se apresenta aos visitantes como o uacutenico no gecircnero em todo o Brasil64
reconstituindo cenaacuterios como senzala pelourinho e tuacutemulo de escravo desconhecido se sobrepotildee
outro discurso museoloacutegico na forma de um projeto de revitalizaccedilatildeo Nesse projeto65
o Museu do
Escravo eacute apresentado como
mostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros no qual os objetos se justapotildeem em
arranjos inusitados e sem criteacuterios Desprovido de qualquer conceituaccedilatildeo o caraacuteter
meramente acumulativo do seu acervo parece atender aos anseios de musealizaccedilatildeo de
uma comunidade ciente de seu passado mas pouco instrumentalizada para a preservaccedilatildeo
de seu patrimocircnio Egrave possiacutevel dizer que o Museu do Escravo transita entre um gabinete
de curiosidade que busca dar mostras dos mais diferentes vestiacutegios do passado
abarcando de achados arqueoloacutegicos a exemplares de maacutequinas do seacuteculo XX sem
qualquer abordagem que permita estabelecer nexos entre os mesmos e a praacutetica
museograacutefica comum em museus americanos de simulaccedilotildees de realidades e contextos a exemplo da arquitetura colonial do preacutedio que o sedia da construccedilatildeo da senzala e do
escravo no pelourinho66
(JULIAtildeO sd)
Quanto agrave linguagem museoloacutegica o documento elaborado pela historiadora Letiacutecia Juliatildeo
eacute taxativo
Embora o imponente casaratildeo encontre-se fisicamente preservado natildeo foi adotado
qualquer recurso comunicativo com o intuito de oferecer informaccedilotildees sobre o conjunto
tombado de modo a promover uma mediaccedilatildeo miacutenima entre o puacuteblico e aquele bem
cultural (JULIAtildeO sd)
A proposta apresentada pela Superintendecircncia de Museus da Secretaria Estadual de
Cultura de MG em parceria com associaccedilotildees locais e oacutergatildeos puacuteblicos eacute uma completa
reformulaccedilatildeo do discurso museoloacutegico do Museu do Escravo O acervo disponiacutevel seraacute
reorganizado em sete moacutedulos temaacuteticos 1) Trabalho escravo e sociedade escravista
64 Site do Museu em wwwdejorecombrbelovaleturismo_museuhtm 65 O Projeto natildeo foi executado A exposiccedilatildeo do Museu do Escravo continua ateacute a presente data com a mesma
arrumaccedilatildeo descrita pelos estudantes na visita em 2006 66 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de
Museus Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
116
(instrumentos de trabalho) 2) Cotidiano escravo (vestuaacuterio alimentaccedilatildeo moradia procedecircncia
dos escravos) 3) Relaccedilotildees de poder e dominaccedilatildeo (castigo e estrateacutegias de persuasatildeo) 4) Formas
de resistecircncia escrava (quilombos revoltas violecircncia cotidiana) 5) Religiosidade (diferentes
manifestaccedilotildees) 6) Imagens do negro e da escravidatildeo (preconceito estereoacutetipos mesticcedilagem) e
7) Cultura afro-brasileira
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo
desconhecido Museu do Escravo Belo Vale 2006
Aleacutem dos moacutedulos que indicam a necessidade de uma ldquoabordagem mais completa das
relaccedilotildees de poder na sociedade escravistardquo o ldquonovordquo discurso museoloacutegico propotildee retirar um
grande volume de objetos do acervo em exposiccedilatildeo permanente e montar pequenas exposiccedilotildees
temporaacuterias temaacuteticas Outra medida eacute destinar uma das alas da ldquosenzalardquo agrave reserva teacutecnica Por
fim eacute recomendado avaliar as ldquomontagens museograacuteficasrdquo como a moradia escrava o escravo no
pelourinho e o tuacutemulo do escravo desconhecido e se mantidas informar ao puacuteblico seu caraacuteter de
ldquosimulaccedilatildeordquo A preocupaccedilatildeo com os tempos histoacutericos tambeacutem eacute explicita quanto se trata do
117
proacuteprio preacutedio Eacute preciso informar que a sede eacute recente para evitar equiacutevocos quanto a sua
ldquoautenticidaderdquo
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo
Frente a essas duas narrativas como se comportam os visitantes Quais aspectos foram
aceitos e quais foram refutados pelos estudantes a partir das narrativas museoloacutegicas do museu e
da revitalizaccedilatildeo Como interpelam e satildeo interpelados pelos objetos museograacuteficos Como
relacionam a cultura material com narrativas historiograacuteficas Como modificam suas concepccedilotildees
a partir do contato com a linguagem museoloacutegica Como os visitantes elaboram uma narrativa
sobre a histoacuteria e a escravidatildeo tomando como referecircncia o Museu do Escravo Interessa tambeacutem
perceber como o Museu compreende o seu proacuteprio acervo e como faz uso dele O acervo se
constitui em prova documental ou eacute elaborado em funccedilatildeo da loacutegica museograacutefica
Destaco a seguir algumas impressotildees dos visitantes sobre o Museu do Escravo Para
Weberton Fernandes da Costa
O Museu do Escravo utiliza como metodologia de organizaccedilatildeo uma ideacuteia marxista de
ver a histoacuteria procurando enfatizar quase que exclusivamente a luta de classe ocorrida
entre senhores e escravos ateacute a aboliccedilatildeo da escravatura assinada pela princesa Isabel durante o reinado de DPedro II colocando o negro como viacutetima e com um pobre
coitado Tudo bem que o regime escravocrata implantado pelos portugueses no Brasil
seguido pelos Senhores de Engenho do accediluacutecar e posteriormente pelos Barotildees do Cafeacute foi
abominaacutevel terriacutevel cruel e jamais esquecido pela humanidade No entanto colocaacute-los
somente em tal posiccedilatildeo exposta pelo museu soacute contribui para a proliferaccedilatildeo do racismo
visto que tal abordagem coloca o negro como um ser inferior e sem cultura natildeo produzia
nada e soacute apanhava (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio Trabalho de Campo Belo
Vale 2006)
O estudante faz uma leitura dos objetos e identifica um criteacuterio de organizaccedilatildeo
cronoloacutegico em meio ao que parece aos teacutecnicos da Superintendecircncia de Museus como ldquoarranjos
inusitados e sem criteacuteriosrdquo Ele estabelece uma linha temporal (imaginaacuteria) que liga os objetos
ldquoacumulados para atender aos anseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ao que aparece como
ldquosem qualquer conceituaccedilatildeordquo ao discurso museoloacutegico percebe-se uma poderosa forma de
explicaccedilatildeo da sociedade a teoria marxista Vejamos o que ele chama de marxismo Haacute uma
ecircnfase na luta de classes O lado da dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo certamente se impotildee e o
dominadoexplorado eacute vencido A batalha vista de hoje transforma o vencido em viacutetima em
118
coitado Uma exposiccedilatildeo sobre os escravos organizada sob o eixo da dominaccedilatildeo X resistecircncia faz
uma abordagem da inferioridade do negro na sociedade escravista Nosso aluno faz a criacutetica
historiograacutefica da exposiccedilatildeo e talvez fizesse o mesmo com uma nova organizaccedilatildeo do acervo Ele
natildeo vecirc apenas um ldquogabinete de curiosidades do seacuteculo XIX ele vecirc uma visatildeo de mundo que
permeia de sentido os ldquoanseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ainda que os objetos se
apresentem de maneira bastante caoacutetica os estudantes caccedilam em meio ao palheiro e fazem
reflexotildees atribuindo outros sentidos e interrogando os indiacutecios para construir uma narrativa
imaginar uma histoacuteria Warleson de Melo Simpliacutecio afirma
O que mais me chamou a atenccedilatildeo foram os objetos que eram utilizados como forma de
puniccedilatildeo dos escravos Todos os objetos vistos representavam ali todo o sofrimento que
os escravos passaram Dentre esses objetos havia um que parecia um sapato de ferro
nele havia um espeto que causaria dor no peacute do escravo que tentasse fugir pois este
espeto furaria o peacute do escravo se ele corresse Havia outros objetos tambeacutem que tinha a
mesma funccedilatildeo como por exemplo um outro modelo de sapato com um guizo que faria
barulho quando o escravo andasse impedindo assim sua fuga (Warleson de Melo
Simpliacutecio Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Diferentemente do visitante anterior que leu apenas a dominaccedilatildeo aqui os ldquoinstrumentos
de torturardquo natildeo remetem agrave submissatildeo mas agrave revolta agrave fuga agrave resistecircncia Os vestiacutegios da
119
dominaccedilatildeo falam da resistecircncia Natildeo seriam tantos e tatildeo variados os objetos de castigo se natildeo
houvesse tantas fugas Os escravos natildeo parecem coitados O estudante toma para si a funccedilatildeo de
representaccedilatildeo dos objetos e reencena os gestos contidos na profusatildeo de elementos espalhados
pelos salotildees da exposiccedilatildeo Natildeo eacute necessaacuterio que sejam reorganizados para que falem de maneira
diferente
Outra discussatildeo apresentada eacute sobre a ldquosimulaccedilatildeo de realidades e contextosrdquo Diversos
alunos destacam as reacuteplicas externas como aquelas que mais lhes chamaram a atenccedilatildeo e
justificam suas escolhas Priscila Oliveira dos Santos aponta que
Na parte externa do museu existe uma reacuteplica do corpo de um negro escravo junto ao
tronco onde simula a forma em que os escravos eram maltratados Isto acontecia
principalmente aos domingos que era dia de missas e era dia de folga dos escravos o
que garantiria um puacuteblico maior que os demais dias (Priscila Oliveira dos Santos
Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Mayara Luiz Gurgel de Abreu completa ldquoo que mais me impressionou no museu foi a
reacuteplica em tamanho real de um escravo no tronco que apesar de triste impressiona por ser rica
em detalhes e parecer ser realrdquo
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno
do Museu do Escravo 2006
Diversas fotografias destacam o pelourinho e a senzala Ainda que natildeo haja maiores
indicaccedilotildees e explicaccedilotildees acerca do cenaacuterio natildeo haacute duacutevidas acerca da montagem da simulaccedilatildeo O
discurso do proacuteprio Museu parece direto nesse caso A comunicaccedilatildeo se faz ruiacutedos quanto agrave
120
ldquoautencidaderdquo da cena satildeo recursos de presentificaccedilatildeo claramente entendidos pelos diferentes
alunos Mas nada tatildeo divertido quando brincar no cenaacuterio de Cacaacute Diegues Pode-se ateacute tirar mais
fotografias da turma
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute
Diegues Museu do Escravo 2006
Os estudantes problematizaram os conteuacutedos apresentados pela exposiccedilatildeo do museu
construiacuteram argumentos e procedimentos de interpretaccedilatildeo histoacuterica comprometida com uma
dimensatildeo sensiacutevel e coletiva no presente
Eacute possiacutevel pensar nas fotografias produzidas pelos visitantes de museus como as
apresentadas acima no sentido de Milton Guran (1997) em seu ensaio Fotografar para
descobrir fotografar para contar O corpus fotograacutefico constituiacutedo na pesquisa antropoloacutegica eacute
entendido por Guran como uma sobreposiccedilatildeo de imagens produzidas a partir de imagens
anteriores A anaacutelise destas imagens deve levar em conta o momento da produccedilatildeo e a
especificidade de cada fotografia
Diferentes das fotografias feitas pelo proacuteprio pesquisador ou pelo proacuteprio museu as
fotografias feitas pelos visitantes e assumidas por eles encontram-se impregnadas pelo imaginaacuterio
do proacuteprio grupo ou alguns de seus membros por consequumlecircncia expressa de alguma maneira a
ldquoidentidaderdquo do grupo em questatildeo Enquanto o museu procura uma representaccedilatildeo ldquooriginalrdquo um
espelhamento do que ele possui em seu acervo o visitante coloca-se no jogo da auto-
representaccedilatildeo e transfere para si o poder de espelhamento O visitante compartilha a presenccedila de
um signo e coloca frente ao sentido jaacute traccedilado pelo museu outro rumo uma multiplicaccedilatildeo de
121
conexotildees trajetoacuterias O visitante confere ao sentido imobilizado pelo museu um colorido uma
disposiccedilatildeo para novas referecircncias culturais e dimensotildees poliacuteticas natildeo contidas na matriz
referencial oferecida pelos museus
Cada fotografia oferece os procedimentos de apropriaccedilatildeo do visitante seus gostos uma
esteacutetica uma sensualidade um sentido de presenccedila dos corpos (pessoas ou natildeo) Guran (1997)
aponta que a relaccedilatildeo da fotografia com o imaginaacuterio vai da identidade ndash campo da imaginaccedilatildeo ndash
para a alteridade ndash o lugar dos outros na imaginaccedilatildeo partilhada que o constitui socialmente
No Museu do Escravo estaacute presente a dubiedade do processo de patrimonializaccedilatildeo ou
seja de transformar determinados objetos da cultura material em patrimocircnio histoacuterico O acervo
do Museu do Escravo eacute constituiacutedo pelo colecionismo de um grupo local de objetos ligados
diretamente agrave escravidatildeo e ao trabalho escravo na regiatildeo de Belo Vale Em exposiccedilatildeo no Museu
esses objetos recebem outro tratamento e satildeo articulados num novo espaccedilo de exibiccedilatildeo que inclui
a construccedilatildeo de um local proacuteprio para o circuito e criaccedilatildeo de novos cenaacuterios O uso que os
visitantes fazem dessa exposiccedilatildeo do museu cria novos sentidos para essa memoacuteria histoacuterica Um
desses usos eacute reinscrever esses elementos de uma memoacuteria da escravidatildeo em uma cultura afro-
brasileira contemporacircnea Cria-se assim um circuito no qual as visitas e os visitantes satildeo parte
dos rituais e discursos narrativos do museu e ampliam suas sensibilidades ao mesmo tempo em
que reconhecem no museu um papel formador
122
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio
O Museu Histoacuterico Nacional pode ser considerado como herdeiro de uma tradiccedilatildeo
enciclopeacutedica de museus que desenvolve uma perspectiva de conservaccedilatildeo dos objetos no tempo
No museu ldquohistoacutericordquo o objeto eacute apresentado como um documento seja no cataacutelogo ou nas
exposiccedilotildees ldquoaquele que representa simbolicamente e materialmente a histoacuteriardquo (OLIVEIRA
1998 p68)
Vinculado a um paradigma de preservaccedilatildeo existente desde seacuteculo XV cujo conceito de
uso estaacute relacionado agrave ideia de destruiccedilatildeo o museu funciona como aquela instituiccedilatildeo que defende
o objeto da perda do desgaste e do uso cotidiano Natildeo se admite portanto um uso cultural dos
objetos fora da proteccedilatildeo do museu De um modo geral a relaccedilatildeo do puacuteblico com esse tipo de
museu eacute marcada por essa ambiguumlidade do discurso da conservaccedilatildeo e do patrimocircnio O museu
condena o consumo cultural mas ao mesmo tempo utiliza o status de histoacuterico e de patrimocircnio
como parte de uma induacutestria patrimonial de reapropriaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de determinados
elementos histoacutericos e esteacuteticos (CHOAY 2006 p223)
A atual diretora do Museu Histoacuterico Nacional Vera Luacutecia Bottrel Tostes define a proacutepria
instituiccedilatildeo por era dirigida como uma ldquoinstituiccedilatildeo de memoacuteriardquo aquelas que lutam na linha de
frente contra o esquecimento
Museu Histoacuterico Nacional natildeo poderia omitir-se de participar intensamente das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil
articulando e organizando eventos que visam natildeo apenas celebrar a efemeacuteride mas
trazer agrave luz novas pesquisas sobre singular momento da histoacuteria do Brasil e de Portugal
(TOSTES 2008)
O preacutedio do Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado por sua diretora como anterior agrave
chegada da corte e portanto um lugar adequado ao conhecimento do ldquocontexto histoacutericordquo que
cercou a vinda de D Joatildeo VI e a realizaccedilatildeo de um ldquomemoraacutevel evento histoacuterico-culturalrdquo que
ldquotorna viva a memoacuteria histoacutericardquo (TOSTES 2008)
O Museu Histoacuterico Nacional em suas atuais exposiccedilotildees ainda preserva uma loacutegica
instituiacuteda desde a exposiccedilatildeo de Gustavo Barroso a busca da ldquoautenticidaderdquo em vestiacutegios
123
materiais e um caraacuteter de ldquoverdade comprovadardquo agrave histoacuteria que busca narrar Ou seja na
exposiccedilatildeo apresentada o museu convida os visitantes a natildeo romperem com uma visatildeo de museu-
memoacuteria que considera os objetos como fonte de culto e certificaccedilatildeo da histoacuteria (SANTOS 2006
p50)
A imagem de Dom Joatildeo VI evocada na exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real ressalta a
personalidade do governante em tom quase pessoal o ldquonosso comum priacutencipe regenterdquo e o
acontecimento ndash a vinda da famiacutelia real ndash tecircm uma dupla face que precisa ser igualmente
contemplada os interesses do Brasil e de Portugal A celebraccedilatildeo eacute justamente deste caraacuteter
insoacutelito do acontecimento As comemoraccedilotildees satildeo segundo o cataacutelogo realizadas no Brasil e em
Portugal
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil
regente de Portugal Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807
Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio - A
Corte Portuguesa no Brasil2008 p18
A gravura de Joatildeo Cardini datada de 1807 traz a inversatildeo da figura de Dom Joatildeo VI
priacutencipe do Brasil e regente de Portugal A pergunta a ser feita diante dessa nova imagem poliacutetica
124
do monarca seria se Portugal teria apoacutes 200 anos algo a comemorar em relaccedilatildeo a esse episoacutedio
de sua histoacuteria poliacutetica
O reconhecimento pelo visitante desse gecircnero de museu como habitaccedilatildeo do patrimocircnio eacute
quase imediata Ainda do lado de fora do preacutedio o visitante legitima o museu como patrimocircnio
A estudante Marly Marques Rodrigues diz em seu relatoacuterio de vista ldquoO preacutedio do Museu
Histoacuterico Nacional eacute considerado um dos mais importantes de seu acervo Remonta ao periacuteodo
em que o Brasil era colocircnia de Portugal e os franceses ainda disputavam com os portugueses a
posse da Baia da Guanabara []rdquo Outra visitante apropriando-se de um trecho de um folheto de
divulgaccedilatildeo do museu destaca as concepccedilotildees da instituiccedilatildeo e suas funccedilotildees no momento da visita
Ao trabalhar com as noccedilotildees de memoacuteria histoacuteria e patrimocircnio cultural de forma luacutedica e
educativa o MHN acredita fazer com que o puacuteblico perceba a importacircncia e o papel dos
museus estreitando assim os laccedilos de identidade e afetividade com as instituiccedilotildees
tornando sua presenccedila mais frequumlente e espontacircnea estimulando entre amigos e
familiares a disseminaccedilatildeo dos museus como agentes de mudanccedila e desenvolvimento
(Michelle Oliveira Xavier Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade
Pedro Leopoldo 2008)
A visitante refere-se a uma meta-linguagem do museu Um discurso luacutedico e educativo
sobre a histoacuteria que justificaria as funccedilotildees museais frente a outras instituiccedilotildees de memoacuteria e
patrimocircnio cultural O museu tenta encantar cada visitante para que haja ressonacircncia67
ou seja
para que o poder do objeto exibido alcance um mundo maior e aleacutem de seus limites formais e seja
capaz de evocar em quem os vecirc as forccedilas culturais complexas e as dinacircmicas das quais emergiu
Em seus materiais de divulgaccedilatildeo o Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado como ldquoum
dos mais importantes museus do Brasil com um acervo de milhares de itensrdquo Ligado ao
Ministeacuterio da Cultura atraveacutes do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do
Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional conta com a museoacuteloga Vera Luacutecia Bottrel Tostes na
direccedilatildeo desde 1994
A ideia de preservaccedilatildeo do patrimocircnio nacional estaacute presente no Museu Histoacuterico Nacional
desde sua fundaccedilatildeo em 1922 A museoacuteloga Vacircnia Oliveira (1998) investiga como o conceito de
museu se modifica internamente na proacutepria documentaccedilatildeo e literatura produzida pelo proacuteprio
museu nacional ao longo de sua existecircncia Primeiro como instituiccedilatildeo de guarda das reliacutequias do
67 Gonccedilalves (2005 p15-36) trabalha com essa dimensatildeo da ressonacircncia para entender os objetos culturais e as
estrateacutegias de autenticaccedilatildeo dos objetos
125
passado nacional cultivando os grandes feitos dos heroacuteis nacionais defendida por Gustavo
Barroso ateacute sua morte em 1959 Na deacutecada seguinte a visatildeo de Gustavo Barroso co ntinua sendo
aceita na praacutetica do Museu Nacional o local continua a abrigar objetos ligados aos grandes vultos
da histoacuteria Entre 1979-1992 data limite do estudo da pesquisadora as ideias de museu na
documentaccedilatildeo e no discurso literaacuterio satildeo variadas Uma das referecircncias eacute o movimento da Nova
Museologia que chega ao puacuteblico pela Mesa-Redonda de Santiago organizada pelo ICOM e
referendada em 1984 pela Declaraccedilatildeo do Canadaacute mas que natildeo eacute aceita por todo o campo museal
No Museu Histoacuterico Nacional efetiva-se o peso da tradiccedilatildeo histoacuterica Os objetos tecircm valor
histoacuterico por terem interesse para uma histoacuteria nacional e sua aprendizagem Satildeo reliacutequias raras e
autecircnticas objetos comuns ligados a grandes vultos poliacuteticos e militares que devem ser
recolhidos colecionados e expostos A noccedilatildeo de patrimocircnio atribui uma dimensatildeo quase maacutegica
aos objetos fazendo-os transcender no tempo (CHOAY 2006 p93)
A noccedilatildeo de patrimocircnio ampliada apoacutes a Revoluccedilatildeo Francesa possui sentido de
homogeneizaccedilatildeo de valores Natildeo basta colecionar bens o museu se atribui a funccedilatildeo de servir de
instruccedilatildeo agrave naccedilatildeo reunindo objetos que ensinam o civismo a histoacuteria e outras competecircncias
teacutecnicas Segundo Choay (2006 p 95) museu eacute o nome que se daacute aos depoacutesitos de bens
nacionalizados na Revoluccedilatildeo Francesa e guardam relaccedilatildeo direta com o estabelecimento da
instruccedilatildeo puacuteblica
Para a definiccedilatildeo de patrimocircnio histoacuterico contribuem as motivaccedilotildees de conservaccedilatildeo de
bens condenados o interesse para a histoacuteria a beleza do trabalho e o valor pedagoacutegico Essas
motivaccedilotildees e interesses constituem um valor nacional (educativo) que desencadeiam valores
relativos a conhecimentos especiacuteficos e gerais satildeo testemunhos da histoacuteria permitem construir
uma multiplicidade
Franccediloise Choay (2006) desenvolve um argumento pertinente para se pensar o tipo de
exposiccedilatildeo proposta pelo Museu Histoacuterico Nacional Ao discutir as relaccedilotildees entre os humanismos
e o monumento antigo a autora lanccedila a questatildeo de como eacute um olhar preservador para um objeto
do passado (arte monumento) e como reconhecer esses objetos do passado como monumentos
histoacutericos Para Choay (2006 p34) a apropriaccedilatildeo natildeo eacute um processo de reflexatildeo ou cogniccedilatildeo eacute
um novo valor de uso na vida domeacutestica Os objetos de antiguidade satildeo usados para decoraccedilatildeo
126
das casas preacutedios puacuteblicos e privados os novos valores satildeo atribuiacutedos agrave praacutetica de colecionar tais
objetos prestiacutegio lucro jogo e natildeo simplesmente agrave experiecircncia de beleza (prazer da arte)
O surgimento do chamado monumento histoacuterico se deu em relaccedilatildeo agrave Roma nos seacuteculos
XIV-XV propiciado pelo distanciamento do passado apoiado no projeto de preservaccedilatildeo medieval
Satildeo consideradas atitudes de preservaccedilatildeo a economia e o interesse em reutilizar os edifiacutecios Haacute
tambeacutem um saber literaacuterio que cria uma sensibilidade pelos materiais execuccedilatildeo descriccedilatildeo de
cenas antigas paineacuteis de altares e a admiraccedilatildeo pelo trabalho maravilhoso e a suntuosidade
esteacutetica O valor do patrimocircnio estaacute associado ao maacutegico agrave curiosidade prazer aos olhos Natildeo
tem propriamente um valor histoacuterico eacute modelo para suscitar uma arte de viver e refinamento que
soacute os gregos possuiacuteam (CHOAY 2006 p34-35)
Jaacute os humanistas tomam o patrimocircnio como referente para a interpretaccedilatildeo e estabelecem
condutas relativas agrave heranccedila (legado da antiguidade greco-romana) Ao assumirem uma
perspectiva da alteridade (noacutes somos diferentes deles) os humanistas criam uma distacircncia
simboacutelica Para os humanistas os monumentos da antiguidade vatildeo incorporando as marcas de sua
reutilizaccedilatildeo e a ideacuteia de preservaccedilatildeo comporta novos usos como o deslocamento das colunas de
maacutermore de Roma e a reserva de fragmentos antigos colecionados pelos papas
Nesse movimento do seacuteculo XVIII as medidas de conveniecircncia e interesse histoacuterico
passam a afirmar uma identidade por meio dos monumentos Os tipos de monumentos evocam a
estrutura da vida cotidiana e lanccedilam a memoacuteria para um passado temporal glorioso Essa seria
para Choay a primeira fase do monumento entendido como ldquoantiguidaderdquo e que lanccedila uma
presenccedila visual e uma profunda alteridade com a distacircncia histoacuterica concentrado nas obras e
edifiacutecios da antiguidade do quatrocento
O monumento eacute o sujeito da alegoria do patrimocircnio Ele tem valor de autenticidade
(confirmado pelos livros) eacute testemunho do passado que se consumou eacute arrancado do presente
que o banaliza para fazer a gloacuteria dos seacuteculos que o edificaram Satildeo os humanistas e artiacutefices que
juntos contribuem para a criaccedilatildeo do sentido moderno de patrimocircnio cultural entendido como
heranccedila dos antecessores e legado aos sucessores68
Segundo Choay (2006 p49) os letrados
faziam visitas a Roma mas natildeo lhes interessava os monumentos em si Eles iriam evocar e
68 Gonzalez (2004 p 66) diferencia a concepccedilatildeo francesa da concepccedilatildeo inglesa na formaccedilatildeo do conceito de
patrimocircnio cultural
127
invocar os testemunhos do mundo da escrita suas preocupaccedilotildees eram filosoacuteficas literaacuterias
morais poliacuteticas histoacutericas e natildeo pela forma dos edifiacutecios Jaacute os artiacutefices (homens da arte)
arquitetos e escultores se interessavam propriamente pelas formas dos monumentos
Letrados e artiacutefices do seacuteculo XIV surgem com os amantes e colecionadores da arte antiga
no sentido moderno Os humanistas ensinam a ler e os artiacutefices a ldquover com os olhosrdquo Essa
impregnaccedilatildeo muacutetua marca o territoacuterio da arte articulando-o com a histoacuteria para formar o
monumento histoacuterico Uma vez instituiacutedo o monumento o conhecimento histoacuterico passa a ser o
uacutenico necessaacuterio na compreensatildeo das antiguidades natildeo eacute necessaacuterio mais um julgamento esteacutetico
(CHOAY 2006 p50)
No seacuteculo XIV o monumento histoacuterico soacute pode ser antigo e a arte soacute pode ser antiga ou
contemporacircnea A galeria como espaccedilo fiacutesico de exposiccedilatildeo soacute aparece no seacuteculo XVI A coleccedilatildeo
de arte vai se diferenciando da sala de curiosidades e precede o Museu De caraacuteter privado ela
oferece o exemplo da abertura pela primeira vez ao puacuteblico das coleccedilotildees pontificiais do capitoacutelio
(CHOAY 2006 p50-52)
Pomian (1978 p51) distingue as coleccedilotildees e colecionadores de antiguidades do
quatrocento dos gabinetes de curiosidade (museum de natureza e humanos) da Idade Meacutedia que
sobreviveriam ateacute o Iluminismo A tarefa inicial de preservaccedilatildeo cabia aos papas assim como as
medidas de restauraccedilatildeo proteccedilatildeo e as regras de expropriaccedilatildeo para utilidade puacuteblica Um
monumento histoacuterico ateacute o seacuteculo XIV era constituiacutedo de trecircs discursos perspectiva histoacuterica
perspectiva artiacutestica e outra da conservaccedilatildeo A ambiguumlidade do discurso de conservaccedilatildeo segundo
Pomian eacute ldquotranquumlilizar a consciecircncia e justificar a demoliccedilatildeo realrdquo (POMIAN 1978 p51-86)
A discussatildeo sobre a invenccedilatildeo do monumento histoacuterico e da noccedilatildeo de patrimocircnio tem um
encaminhamento distinto segundo Franccediloise Choay (2006 p144) que pode ser visto em duas
alegorias advindas da ambiguumlidade que ela apontara anteriormente no discurso de conservaccedilatildeo
tranquumlilizar a consciecircncia e justificar a destruiccedilatildeo efetiva A partir do seacuteculo XIX a noccedilatildeo de
patrimocircnio vai comportar trecircs abordagens o monumento histoacuterico a cidade histoacuterica e o museu
histoacuterico As trecircs abordagens vatildeo se desdobrar em figuras distintas Primeiro a figura memorial
que envolve toda a malha do patrimocircnio intangiacutevel a ser protegido Segundo a figura de toda a
cidade como desempenhando o papel de monumento capaz de dar liccedilotildees contra o esquecimento
E terceiro a figura museal uma figura histoacuterica que se destaca pela resposta que eacute capaz de dar
128
ao problema do patrimocircnio No museu e natildeo apenas nele se faz presente a figura museal que
reuacutene um caraacuteter conservador e outro destruidor
A figura museal ameaccedilada de desaparecimento eacute concebida como um objeto raro
fraacutegil precioso para arte e para a histoacuteria e que como as obras conservadas nos museus
deve ser colocada fora do circuito da vida Tornando-se histoacuterica ela perde sua
historicidade (CHOAY 2006 p191)
Choay (2006) aponta que a funccedilatildeo museal natildeo se daacute apenas nos museus O ato de isolar
fragmentos e colocaacute-los lado a lado protegendo o original eacute que os transforma em objetos de
museu Retira-lhes o valor de uso para lhes conferir o valor histoacuterico (museal) Eacute esse valor
histoacuterico que os visitantes reconhecem nos objetos pelo fato de serem expostos em um museu Os
museus satildeo visitados como monumentos como patrimocircnio ou seja como objetos natildeo
consumiacuteveis embora seja reconhecido o seu caraacuteter de produto cultural numa economia de bens
simboacutelicos O museu passa de templo da arte como era o British Museum no seacuteculo XIX para
um museu capaz de proteger todo o patrimocircnio mundial e cultural na Convenccedilatildeo da Unesco de
1972 (CHOAY 206 p216) O proacuteprio museu passa a ser considerado um dos dispositivos do
culto ao patrimocircnio ou uma museificaccedilatildeo de amplos campos e tipos de atividades humanas O
museu que era uma instituiccedilatildeo tornou-se uma mentalidade (CHOAY 2006 p247) e ampliou
seu poder didaacutetico e sua capacidade de
edificar ou captar a duraccedilatildeo e de abrigar o espaccedilo e retardar aiacute seu desdobramento
orientando-o para o sentido o mais capaz de servir de iniciaccedilatildeo agrave alteridade humana o
mais temiacutevel tambeacutem que aprisiona ou liberta e cujo poder criador soacute pode ser
experimentado quando se entrega a ele de forma indissociaacutevel a inteligecircncia e o corpo
(CHOAY 2006 p254)
Natildeo haacute como esperar de um museu histoacuterico uma postura reflexiva e retrospectiva quando
trabalha com a memoacuteria Diferente das perguntas que orientam a escrita da historia pelos
historiadores o discurso do museu mesmo elaborado por especialistas e dentre eles
historiadores renomados natildeo faz a interdiccedilatildeo dos sentimentos morais da reverecircncia e o respeito
ao valor sagrado do passado O museu se coloca no lugar do memorial conservando o culto aos
monumentos do passado situado no presente tem por funccedilatildeo continuar a mobilizar a memoacuteria e
deliberadamente lutar contra a praacutetica do esquecimento promovendo uma co-habitaccedilatildeo
institucionalizada para o patrimocircnio Ao estabelecer um plano de visitas o museu eacute expliacutecito em
129
relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo de proteccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do patrimocircnio Resguardar tornar intocaacuteveis
manter fora do alcance em aacutereas protegidas o culto do patrimocircnio No museu ldquoo visitante estaacute
condenado ao percurso arrastado numa marcha que catapulta as imagens das obras umas sobre as
outras para finalmente quebraacute-las em mil fragmentos (CHOAY 2006 p217)
Haacute no Museu Histoacuterico Nacional uma dimensatildeo que fixa e estabiliza uma determinada
visatildeo da histoacuteria poliacutetica que produz e reproduz hierarquias sociais ideologias e assume um papel
na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo criando legitimidades sociais (ANDERSON 2008
p 208)
Acredito que o Museu Histoacuterico Nacional como instituiccedilatildeo carrega como legado o
sentido poliacutetico de museu moderno tal como definido por Benedict Anderson (2008 p268) Eacute um
museu que se constitui primeiramente como Museu Real e depois como Museu Nacional e hoje
passa pela revisatildeo de seu caraacuteter ldquonacionalistardquo frente agraves novas demandas por representaccedilatildeo de
identidades raciais eacutetnicas de gecircnero e multiculturais69
Ligado diretamente ao Estado o MHN produz materiais e disponibiliza imagens que satildeo
reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de modo que a
musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade nacional70
O Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional publicado em 195771
quando Gustavo
Barroso ainda era seu diretor traz ao puacuteblico as dimensotildees do museu para a eacutepoca Do ponto de
vista do espaccedilo fiacutesico o museu ocupava inicialmente duas salas que davam para a entrada
principal chamada Portatildeo da Minerva (Figura 30) Depois da exposiccedilatildeo de 1922 passou para a
Casa do Trem e outra ala do edifiacutecio Agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo do Guia do Visitante ocupava mais
de quarenta salas galerias escadarias vestiacutebulos arcadas e paacutetios o que natildeo possibilitava exibir
todo o acervo
69 O proacuteprio MHN realiza desde 1990 o projeto Espaccedilo Museu ndash Construccedilatildeo do Saber iniciado pelos museoacutelogos
Mario de Souza Chagas e Ruth Beatriz Silva Caldeira de Andrada voltado para professores e outros profissionais
que procuram o setor educativo do Museu Ver Rodrigues e Gouveia (2006) 70 Santos (2006) analisa a loacutegica expositiva do Museu Histoacuterico Nacional desde sua fundaccedilatildeo em 1922 ateacute a deacutecada
de 1980 e estabelece uma ldquotipologiardquo que o caracteriza sob a gestatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959) como um
museu-memoacuteria entre as deacutecadas de 1960 e 1970 como um museu-narrativa e a exposiccedilatildeo instalada nos anos de
1980 como um museu-siacutentese 71 Santos (2006) e Chagas (2003) realizam importantes anaacutelises sobre o MHN e seu fundador Gustavo Barroso A
escolha do Guia de 1957como referecircncia para anaacutelise tem por objetivo fazer um contraponto entre o Museu deixado
por Barroso (1959) e o visitado em 2008
130
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional
Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da
Minerva Entrada do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da
Cultura IPHAN Guia do Visitante sd
131
O Museu no Guia do Visitante de 1957 jaacute definia que sua funccedilatildeo natildeo era apenas a de
mostruaacuterio de objetos histoacutericos mas tambeacutem de pesquisa em colaboraccedilatildeo com instituiccedilotildees de
cultura imprensa raacutedio cinema e teatro Os ldquoAnais do Museu Histoacuterico Nacionalrdquo72
eram a
traduccedilatildeo desse esforccedilo dos pesquisadores do museu O Museu se apresenta como um estudioso da
histoacuteria em relaccedilatildeo a um puacuteblico que deseja documentar com filmes e peccedilas de fundo histoacuterico O
Museu oferece nesses casos cenaacuterios indumentaacuteria caracterizaccedilatildeo de personagens tradicionais
costumes e ateacute composiccedilatildeo de diaacutelogos
Para a imprensa fornece fotografias objetos e informaccedilotildees de pessoas O museu tambeacutem
oferece curso desde 1932 para preparar teacutecnicos de museus e gabinetes de restauraccedilatildeo de quadros
e objetos de arte Formou um arquivo histoacuterico com fotografias e documentos e uma biblioteca
especializada (GUIA 1957 p13)
Myriam Sepuacutelveda Santos (2006) busca compreender a concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoembutidardquo
nas propostas de Gustavo Barroso e suas afinidades com a histoacuteria trabalhada atualmente no
MHN Para a autora a histoacuteria apresentada e trabalhada pelo MHN na gestatildeo de Barroso era
vinculada agrave questatildeo da ldquonacionalidaderdquo e ao ldquoculto da saudaderdquo entendido como uma perspectiva
de manter viva a tradiccedilatildeo com uma metodologia memorialiacutestica e uma concepccedilatildeo de tempo
descontiacutenuo ignorando as tendecircncias de uma histoacuteria mais atual (SANTOS 2006 p35-6)
O proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional reconhece que a partir da deacutecada de 1960 essa
concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoanacrocircnicardquo levara a uma crise institucional e o afastamento do MHN com
relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo cultural intelectual e artiacutestica (SANTOS 2006 p55) Assim passa a
empreender diversas accedilotildees como a realizaccedilatildeo de Seminaacuterios Internacionais a partir de 1997 e a
proposiccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave ldquocomunicaccedilatildeordquo e ldquoeducaccedilatildeordquo para um puacuteblico mais amplo
notadamente o puacuteblico escolar visando agrave construccedilatildeo da nacionalidade
Trazer o Guia do Visitante de 1957 para a discussatildeo eacute uma espeacutecie de provocaccedilatildeo Uma
revisatildeo na forma de exposiccedilatildeo mudaria a concepccedilatildeo de histoacuteria do museu Essa questatildeo cabe
tambeacutem em relaccedilatildeo ao Museu do Escravo Em que medida uma nova museografia eacute suficiente
para introduzir outras concepccedilotildees de histoacuteria nos museus
72 Myrian Sepuacutelveda Santos (2006 p50-1) indica que O MHN contribui para o estabelecimento de padrotildees de
pesquisa com base em criteacuterios arqueoloacutegicos e filoloacutegicos de documentos e manuscritos que ajudam a consolidar a
ldquomoderna histoacuteriardquo e a diferenciaacute-la dos antigos antiquaacuterios Os Anais do MHN e o Curso de Museus satildeo destaques
dessa poliacutetica da instituiccedilatildeo sob a direccedilatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959)
132
Eacute importante destacar esse aspecto da conservaccedilatildeo do acervo pois no Guia do Visitante
de 1957 a Sala Brasil-Portugal guardava as louccedilas pertencentes a D Joatildeo VI Nas paredes da
sala Brasil-Portugal vecirc-se a evoluccedilatildeo das armas nacionais nos periacuteodos monaacuterquicos nas da Sala
dos Vice-Reis os escudos heraacuteldicos dos quinze Vice-Reis do Estado do Brasil Essa disposiccedilatildeo
dos objetos natildeo existe mais mas o lugar reservado agrave figura de Dom Joatildeo VI jaacute estava
estabelecido definitivamente no Museu Histoacuterico Nacional
A entrada pelo ldquoPortatildeo da Minervardquo jaacute levava a um paacutetio com vaacuterios ldquovultos histoacutericosrdquo
sob as arcadas A primeira dependecircncia a ser visitada eacute chamada de ldquoArcada dos Descobridoresrdquo
Nela estatildeo ldquovultosrdquo que caracterizavam as ldquoeacutepocas e atividades principais da civilizaccedilatildeo
brasileirardquo Nas paredes os brasotildees de D Manuel o Venturoso Pedro Aacutelvares Cabral Pero Vaz
de Caminha e os capitatildees da armada que descobriu o Brasil (GUIA 1957 p17) Para completar o
cenaacuterio e o simbolismo da unidade Brasil e Portugal duas palmeiras imperais plantadas em 1955
a da direita com a terra de todos os Estados e territoacuterios do Brasil e aacutegua do rio S
Francisco pelo presidente Joatildeo Cafeacute Filho a da esquerda com a terra de Portugal areia
da praia de Porto Seguro e aacutegua do Tejo pelo Embaixador portuguecircs Antocircnio de Faria
(GUIA 1957 p20-1)
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico
Nacional
133
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
O conceito de evidecircncia material trabalhado pelo museu natildeo eacute o mesmo utilizado pela
historiografia Enquanto no museu a exposiccedilatildeo visa ldquoilustrarrdquo uma interpretaccedilatildeo historiograacutefica
gerada em outros lugares (textos ensaios livros) a historiografia trata a cultura material como
fonte de pesquisa
Do ponto de vista dos visitantes a funccedilatildeo do acervo natildeo eacute documental e ao mesmo tempo
jaacute eacute uma versatildeo da histoacuteria A forma de apresentaccedilatildeo dos objetos ainda daacute o status de
testemunhos mostrando a importacircncia da materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das
narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma de reunir um acervo que natildeo pertence ao museu
lhe confere maior poder de criar visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Michele Oliveira Xavier que reuacutene novamente o acervo
do museu apoacutes sua visita Ela recria seu percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em
uma nova exposiccedilatildeo
134
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
O percurso da visitante pelo Museu Histoacuterico Nacional cria uma nova coleccedilatildeo agora
pertencente agrave estudante Reunidos em um novo museu imaginaacuterio figuram escadaria de acesso ao
andar superior com a escultura equumlestre de Dom Pedro II de Francisco Manoel Chaves Pinheiro
um veiacuteculo de transporte de traccedilatildeo animal que faz parte da exposiccedilatildeo permanente desde 1925 e
hoje intitulada do ldquoDo moacutevel ao automoacutevel transitando pela histoacuteriardquo dois detalhes da exposiccedilatildeo
que foi visitada pelo grupo uma pena e uma coroa de ouro
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros
A Histoacuteria como disciplina acadecircmica entende e faz uso dos museus para desenvolver
pesquisas sobre a cultura material (arqueologia etnografia histoacuteria da arte) que soacute satildeo possiacuteveis
com pesquisa de campo e consulta a documentaccedilatildeo visual (fotos pinturas objetos
tridimensionais) e coleccedilotildees abrigadas nos museus (SUANO 1986 p75)
A historiografia contemporacircnea tem mostrado interesse pelo tema do patrimocircnio da
memoacuteria e dos museus Principalmente pelas relaccedilotildees entre os museus a naccedilatildeo e a histoacuteria-
135
memoacuteria nacional Dominique Poulot (2011) Pierre Nora (1982 1994) mudam o enfoque em
relaccedilatildeo agrave histoacuteria e as formas de estudar os museus relacionando as instituicotildees culturais com as
estruturas sociais que lhes deram origem e com seu caraacuteter instrumental em relaccedilatildeo aos poderes
constituiacutedos (BREFE 1998 p88)
A exposiccedilatildeo museal passa a ser vista como o principal meio pelo qual o passado eacute
publicado e apresentado A funccedilatildeo central dos museus eacute oferecer aos olhos do puacuteblico uma seacuterie
de procedimentos que pretendem falar diretamente ao visitante usando recursos que podem ser
chamados de ldquoembalagemrdquo dos objetos um cenaacuterio ou cena iluminaccedilatildeo embelezamento
midiaacutetico e escolhas de aspectos pitorescos ou estereoacutetipos (CHOAY 2006 p240)
Os museus tambeacutem procuram valorizar as informaccedilotildees trazidas pelos objetos (obras)
inaugurando uma criacutetica fundada na experiecircncia visual e na apreensatildeo direta das obras e natildeo mais
na leitura de textos Antes mesmo do conteuacutedo de cada exposiccedilatildeo e das particularidades do
acervo de cada instituiccedilatildeo haacute a reivindicaccedilatildeo do museu por tornar puacuteblica uma determinada
coleccedilatildeo e a preservaacute-la
Se haacute uma praacutetica patrimonial por parte dos museus e no caso do Museu Histoacuterico
Nacional essa praacutetica se refere a uma ldquorememoraccedilatildeordquo dos acontecimentos fundadores da naccedilatildeo de
modo a invocar o passado como forma de manter e preservar a identidade de uma comunidade
nacional o museu se coloca como capaz de desenvolver uma grande narrativa nacional
O Museu Histoacuterico Nacional cria formas simboacutelicas dentro de regras mais amplas de
codificaccedilatildeo da linguagem museoloacutegica Isso pode ser explorado tanto no relato escrito pelos
visitantes e em suas fotografias quanto nos impressos produzidos pelo proacuteprio museu voltados a
diferentes puacuteblicos como o cataacutelogo da exposiccedilatildeo e o material educativo voltado agrave comunidade
escolar
O MHN natildeo poderia ficar de fora dos festejos de ldquoum grande acontecimento que marcou a
histoacuteria do Brasilrdquo Festejar as datas nacionais faz parte da agenda do Museu As escolas podem
agendar e fazer visitas especiacuteficas nestas ocasiotildees Aleacutem de ter um acervo o museu nacional tem
por missatildeo dar a conhecer a Histoacuteria do Brasil O MHN fala portanto desse lugar conceituado e
de culto agrave memoacuteria de transmissatildeo agraves novas geraccedilotildees do legado dos antepassados Tambeacutem aqui
entra uma avaliaccedilatildeo do Museu sobre o que guardar preservar e expor satildeo obras raras ineacuteditas
136
originais nunca reunidas ou vistas Soacute um grande Museu pode reunir esse conjunto realizar esse
feito
A narrativa do Museu Histoacuterico Nacional fica mais expliacutecita quando se percebe que essas
comemoraccedilotildees ocorreram de forma mais enfaacutetica no Rio de Janeiro e satildeo divulgadas por
emissora de televisatildeo de projeccedilatildeo nacional dando ecircnfase ao fato de que a vinda da Corte
portuguesa transforma ldquoa nossa cidaderdquo segundo o material educativo em Capital do Impeacuterio
Luso projetando imagens de desenvolvimento econocircmico e poliacutetico comuns na historiografia
brasileira ao longo dos seacuteculos XIX e XX
O esforccedilo do prefeito do Rio de Janeiro empresas privadas e autoridades portuguesas para
criar esse evento cercado de discursos nacionalistas e patrioacuteticos culmina no estabelecimento de
uma comissatildeo oficial para as Comemoraccedilotildees da Chegada de D Joatildeo e da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro que teve por coordenador Alberto da Costa e Silva e contou com a consultoria de Liacutelia
Schwarcz que elaborou um Calendaacuterio das Comemoraccedilotildees marcado por exposiccedilotildees debates
apresentaccedilotildees musicais publicaccedilotildees entre outubro de 2007 a dezembro de 2008 A exposiccedilatildeo do
Museu Histoacuterico Nacional eacute considerada como
a uacutenica exposiccedilatildeo prevista na agenda de eventos do Rio de Janeiro que enfatizaraacute os
aspectos econocircmicos poliacuteticos e culturais da vinda da famiacutelia real portuguesa dando a oportunidade aos brasileiros de conhecerem melhor o contexto histoacuterico que cercou D
Joatildeo VI o primeiro monarca europeu a atravessar o oceano Atlacircntico e o responsaacutevel
pelo estabelecimento da sede do maior impeacuterio das Ameacutericas entrelaccedilando para sempre
a histoacuteria do Brasil e de Portugal (ltwwwriorjgovbrculturasgt Acesso em maio de
2008)
Eacute possiacutevel explorar um pouco mais a ideia de circuito da cultura a partir dos dispositivos
visuais e narrativos propostos pelo Museu Histoacuterico Nacional na exposiccedilatildeo comemorativa dos
duzentos anos da vinda da Famiacutelia Real ao Brasil apresentada no Rio de Janeiro em 2008
Enquanto a visatildeo de histoacuteria apresentada pelo museu implica em ldquocelebrarrdquo no sentido de
ter veneraccedilatildeo pelo passado ou tradiccedilatildeo agrave medida que a cultura eacute exposta ela eacute revestida de outros
sentidos menos transcendentes O visitante resiste culturalmente e estabelece uma distacircncia que o
diferencia do que o museu e sua exposiccedilatildeo estatildeo propondo Ainda que haja um efeito de
encantamento ele natildeo chega a bloquear as imagens circundantes e silenciar tudo em volta do
objeto Os visitantes reconhecem que o museu promove uma das exposiccedilotildees mais importantes
137
sobre a eacutepoca da corte no Brasil que seu acervo eacute enorme mas natildeo deixam de observar a falta de
um tema
Percebi ali uma idealizaccedilatildeo de padratildeo de vida e uma inibiccedilatildeo sobre um tema que
predominava durante todo o seacuteculo XIX a escravidatildeo Natildeo vimos pela cidade sequer
vestiacutegios de que ali viviam em maior porcentagem a populaccedilatildeo escrava que trabalhava
para a coroa Uma espetacularizaccedilatildeo da cultura onde monumentos e documentos ganham valor extraordinaacuterio e perdem muitas vezes em se mostrar o valor real daqueles objetos
principalmente no Museu Histoacuterico Nacional (Priscila Braga Gonccedilalves Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A estudante analisa a exposiccedilatildeo comemorativa do Museu Histoacuterico Nacional a partir de
sua formaccedilatildeo histoacuterica Faz uma criacutetica historiograacutefica e cultural Ela identifica um excesso e
uma falta na abordagem do museu Sobra encenaccedilatildeo e falta um conteuacutedo agraves comemoraccedilotildees da
vinda da famiacutelia real Eacute uma criacutetica que tem por fundamento o que a visitante jaacute estudou sobre a
historiografia brasileira A criacutetica a espetacularizaccedilatildeo da cultura eacute marcada pela forma como o
museu trabalha com os objetos O museu transforma os documentos em monumentos ao atribuir-
lhes um valor extraordinaacuterio ou seja de raridade de curiosidade e natildeo de vestiacutegios ou
testemunhos A histoacuteria do Brasil apresentada pelo Museu Histoacuterico Nacional eacute uma versatildeo
idealizada e excludente em relaccedilatildeo a outras versotildees historiograacuteficas
Embora a ideacuteia de Naccedilatildeo natildeo apareccedila de forma expliacutecita no tiacutetulo da exposiccedilatildeo eacute em torno
desse conceito que se organiza toda a loacutegica do Museu Histoacuterico Nacional73
O Museu Histoacuterico
Nacional continua promovendo comemoraccedilotildees e de certa forma manteacutem viva a tradiccedilatildeo de
transmutaccedilatildeo da memoacuteria coletiva em memoacuteria histoacuterica ao proteger a ldquoheranccedila monumental da
naccedilatildeordquo O museu faz uma revisatildeo dos heroacuteis e aplica uma nova camada de sentido ou valor ao
passado Os valores nacionais introduzidos no presente pelo museu funcionam como uma
pedagogia do civismo uma memoacuteria histoacuterica que eacute mobilizada pelo sentimento de
pertencimento ao nacional um laccedilo com o passado e com a identidade (referecircncia)
Do ponto de vista do museu a exposiccedilatildeo eacute celebrativa mas o poder de escrever a histoacuteria
com objetos soacute se efetiva se as portas do museu estiverem abertas agrave aprendizagem e agraves posturas
investigativas em relaccedilatildeo agraves atitudes do proacuteprio museu no tratamento dos temas da memoacuteria e do
patrimocircnio
73 Bittencourt (2003 p156-7) chama a atenccedilatildeo para a constituiccedilatildeo de outros tipos de museus de histoacuteria nacional
vinculados ao Estado mas voltados para as coisas do ldquopovordquo e da ldquoculturardquo
138
A primeira atitude do grupo de estudantes de graduaccedilatildeo em Histoacuteria em visita agraves
exposiccedilotildees em comemoraccedilatildeo aos duzentos anos da Vinda da Famiacutelia Real Portuguesa ao Brasil eacute
avaliar como o museu apresenta os objetos A trilha deixada pelo museu nos visitantes eacute em um
primeiro plano a aceitaccedilatildeo dos paracircmetros elaborados pela exposiccedilatildeo Entretanto muitos
visitantes fazem ressoar a ideia do museu como aquele que escreve a histoacuteria com os objetos de
seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A novidade na observaccedilatildeo da estudante eacute a criaccedilatildeo de uma referecircncia de identidade
profissional do grupo de visitantes ldquonoacutes historiadoresrdquo O uso do museu histoacuterico eacute pelo que ele
traz de objetos A organizaccedilatildeo a classificaccedilatildeo pode ser feita pelos visitantes que entendem como
funciona a montagem e desmontagem de exposiccedilotildees e podem usar livremente de criteacuterios
diferentes daqueles adotados pelo museu
A concepccedilatildeo de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional estaacute materializada nos
objetos selecionados e dispostos nas exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias Na visita agrave exposiccedilatildeo
comemorativa da vinda da corte portuguesa observa-se que existem acontecimentos fundamentais
na formaccedilatildeo da sociedade brasileira e eles estatildeo estabelecidos pelo Museu como marcos
cronoloacutegicos 1808-1822
A concepccedilatildeo de uma histoacuteria integrada ou ldquomomentos simboacutelicos comuns da histoacuteria do
Brasil e de Portugalrdquo (TOSTES 2000 p7) jaacute vinha sendo trabalhada pelo MHN e foi
apresentada tanto no ldquoSeminaacuterio Internacional D Joatildeo VI um rei aclamado na Ameacutericardquo
realizado em 2000 quanto em duas outras exposiccedilotildees realizadas nas dependecircncias do MHN
como parte das comemoraccedilotildees dos descobrimentos portugueses
A demanda por ldquorememoraccedilatildeordquo desta histoacuteria poliacutetica eacute parte desta visatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Haacute por parte do Museu um reforccedilo da identidade nacional em detrimento de
outras demandas por valorizaccedilatildeo de um patrimocircnio cultural local e regional Esta visatildeo
integradora da cultura presente no Museu Histoacuterico Nacional contrasta com as orientaccedilotildees da
139
Poliacutetica Nacional de Museus de 2003 que define o papel dos museus como ldquodispositivo
estrateacutegico de aprimoramento dos processos democraacuteticosrdquo e a ldquonoccedilatildeo de patrimocircnio cultural do
ponto de vista museoloacutegicordquo implica na ldquorelaccedilatildeo dos diferentes grupos sociais e eacutetnicos com os
diversos elementos da natureza bem como a respeito das culturas indiacutegenas e afrodescendentesrdquo
(BRASIL 2003 p 8)
Reginaldo Santos Gonccedilalves em prefaacutecio ao livro de Myriam Sepuacutelveda dos Santos
(2006) defende que o museu pode ser pensado como um ldquosistema mais ou menos coerente de
relaccedilotildees sociais e culturais variando no tempo e no espaccedilordquo Os museus satildeo como teias de
pensamento nas quais as instituiccedilotildees satildeo discursivamente articuladas As categorias de
pensamento como histoacuteria naccedilatildeo memoacuteria e passado satildeo articuladas em linguagens
museoloacutegicas tipos de objetos materiais formas de colecionismo classificaccedilatildeo e exibiccedilatildeo que
circulam aleacutem dos muros e tem efeitos no cotidiano dos cidadatildeos (GONCcedilALVES apud
SANTOS 2006 p3-4)
O papel formador dos museus eacute dado por esse seu caraacuteter de impor uma determinada
ordem sobre os objetos materiais mediado por categoriais disciplinares da histoacuteria e constituir
uma escrita museoloacutegica No caso do Museu Histoacuterico Nacional Myriam Sepuacutelveda dos Santos
distingue um museu-memoacuteria nos primeiros anos de existecircncia do MHN e um museu-narrativa a
partir dos anos de 1980
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo74
tambeacutem apresenta os objetos histoacutericos pelo fato de que teriam
pertencido a vultos poliacuteticos retratos armas armaduras tronos moacuteveis moedas medalhas A
proposta de exposiccedilatildeo em 2008 pelo MHN se pauta por estes objetos pois no primeiro cataacutelogo
publicado pela instituiccedilatildeo em 1924 jaacute constavam as salas dos Tronos e do Cetro com ldquograndes
peccedilas de mobiliaacuterio pertencentes ao rei D Joatildeo VIrdquo (BITTENCOURT 2003 p158)
Uma exposiccedilatildeo museal em geral tem um custo financeiro e operacional significativo e eacute
viabilizada com parcerias de diversas instituiccedilotildees que contribuem para realizaccedilatildeo do evento O
cataacutelogo da exposiccedilatildeo comemorativa aos duzentos anos da Vinda da Corte Portuguesa ao Brasil
intitulada Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
realizada pelo Museu Histoacuterico Nacional em sua sede no Rio de Janeiro em 2008 registra
74 Os estudantes natildeo tiveram acesso a esse cataacutelogo Ele foi adquirido em momento posterior agrave visita presencial ao
museu
140
agradecimentos a museus de Portugal agrave Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian a bancos a banqueiros e
a instituiccedilotildees de patrimocircnio ligadas ao Ministeacuterio da Cultura do governo brasileiro como o
IPHAN
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo
Mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo traz os textos dos organizadores e suas intenccedilotildees Nenhuma
comemoraccedilatildeo passa incoacutelume pela disputa poliacutetica por memoacuterias e narrativas E esta tensatildeo pode
ser vista jaacute no texto de apresentaccedilatildeo do cataacutelogo intitulado Palavras preacutevias Nele o entatildeo
ministro de Estado da Cultura o muacutesico Gilberto Passos Gil Moreira abre oficialmente a mostra
do Museu Histoacuterico Nacional reconhecendo a vinda da famiacutelia real portuguesa em 1808 como
um evento fundador da ldquoidentidade nacionalrdquo e da ldquonaccedilatildeordquo Entretanto aos olhos do ministro a
chegada da corte eacute uma heranccedila cheia de ldquodor da colonizaccedilatildeo e perversa submissatildeo dos
afrodescendentesrdquo Em seguida volta a reconhecer que essa mesma cultura europeacuteia ou
portuguesa que aqui chegou permitiu que o Brasil se tornasse uma ldquoimensa paacutetria caldeiratildeo para
todas as culturas e berccedilo mesticcedilo de uma nova civilizaccedilatildeo ainda em processordquo
O ministro de um lado parece criticar a ldquogrande narrativa da naccedilatildeordquo que eacute excludente
com os afrodescendentes mas de outro lado conecta a narrativa proposta pelo Museu Histoacuterico
141
Nacional ao sentido que lhe atribui Anderson (2008) como parte da construccedilatildeo de uma
ldquocomunidade imaginadardquo da qual todos fazem parte
Gilberto Gil atribui ao evento comemorado um caraacuteter histoacuterico fundador da
nacionalidade Eacute a vinda da famiacutelia real que daacute iniacutecio e cria uma linha de continuidade um
sentido duradouro de ldquodestino nacionalrdquo que preacute existe e continuaraacute existindo apoacutes a morte dos
sujeitos concretos que dele participaram Em seguida o ministro interpreta a tradiccedilatildeo ou a
heranccedila que nos prende a este passado como uma continuidade poliacutetica uma cultura de longa
duraccedilatildeo da qual ldquoprecisa-serdquo no sentido de Fernando Pessoa (navegar eacute preciso) voltar sempre e
fazer referecircncia jaacute que se constitui como a origem da naccedilatildeo
O Brasil concebido por Gilberto Gil deseja perpetuar a heranccedila portuguesa mas
reconhece que essa heranccedila natildeo foi capaz de unificar os diferentes membros da naccedilatildeo em um soacute
sujeito em termos de homogeneidade cultural Haacute diferenccedilas entre culturas etnias e raccedilas Com a
metaacutefora da antropofagia ldquoque assimila e digere o que chega a ser devolvido em inovaccedilatildeo em
invenccedilatildeo e indiferenccedilardquo o ministro reforccedila a ambiguumlidade do acontecimento (TOSTES 2008
p10)
Entretanto ao revisitar a tradiccedilatildeo portuguesa o ministro natildeo pode deixar de reinventaacute-la
Natildeo haacute um elogio da colonizaccedilatildeo a ecircnfase recai na ldquodor dos afrodescendentesrdquo que a estudante
Priscila Braga Gonccedilalves identificou continuam natildeo sendo representados na exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional
A apresentaccedilatildeo da exposiccedilatildeo comeccedila entatildeo com a cena marcada pela ambiguumlidade A
presenccedila fiacutesica de um afrodescendente que ocupa o cargo poliacutetico de ministro da Cultura de um
governo que denuncia a exclusatildeo social e promove poliacuteticas puacuteblicas de igualdade racial e
representaccedilatildeo de identidades na abertura de numa exposiccedilatildeo que lhe provoca ldquodorrdquo
Jaacute o presidente da Fundaccedilatildeo Colouste Gulbenkian patrocinadora da exposiccedilatildeo Emiacutelio
Rui Vilar ressalta que a exposiccedilatildeo
reuacutene mais 300 peccedilas e documentos ineacuteditos que constituem interessantes e apelativos
testemunhos capazes de transportar o visitante para a eacutepoca que o Rio de Janeiro se
tornou a sede da corte portuguesa e em que as artes europeacuteias entraram em frutuoso
diaacutelogo com o clima acolhedor e com as belas paisagens do Brasil (TOSTES 2008)
142
Em alguma medida esse caraacuteter documental e monumental da exposiccedilatildeo eacute reconhecido
pelos visitantes que tambeacutem descrevem a exposiccedilatildeo como um testemunho de eacutepoca Natildeo por ser
capaz de transportaacute-los para outra eacutepoca mas por estarem em presenccedila de objetos de outra eacutepoca
colocam-se e frente ao passado
Num primeiro momento encontramos uma exposiccedilatildeo muito bacana por sinal que nos
remete aos motivos que levaram a famiacutelia real a vir para o Brasil bem como os objetos
utilizados por ela tais como cadeiras louccedilas armaacuterios vasos buacutessolas etc o que vale a
pena destacar eacute como a exposiccedilatildeo estaacute temporalmente organizada Alguns importantes
momentos satildeo apresentados de forma luacutedica e atrativa (Frederico Levi Amorim
Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O entendimento de que a exposiccedilatildeo eacute uma produccedilatildeo cultural e uma forma de escrita da
histoacuteria tambeacutem aparece em diversos relatos dos visitantes ldquoA exposiccedilatildeo foi pensada de modo a
suscitar no visitante uma visatildeo ampla e criacutetica em relaccedilatildeo agrave histoacuteria e a formaccedilatildeo social brasileira
tirando tambeacutem um pouco daquela visatildeo de D Joatildeo como glutatildeo e bobordquo diz a estudante Marly
Marques Rodrigues
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo
O Museu Histoacuterico Nacional produz tambeacutem um caderno educativo dirigido a crianccedilas e
jovens como parte da exposiccedilatildeo temporaacuteria Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte
Portuguesa no Brasil Nesse material o MHN interpela o puacuteblico em torno do tema das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da vinda da Famiacutelia Real e cria diaacutelogos especiacuteficos na cultura entre
museu e visitantes
O que o Museu Histoacuterico Nacional apresenta eacute mais que uma simples exposiccedilatildeo
temporaacuteria sobre o tema O museu se coloca no lugar daquele que participa da criaccedilatildeo do proacuteprio
evento-comemoraccedilatildeo em torno da data O material educativo convoca um puacuteblico especiacutefico a
participar do calendaacuterio do bicentenaacuterio das ldquocomemoraccedilotildeesrdquo da vinda da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro O MHN constroacutei o proacuteprio acontecimento agrave medida que configura uma narrativa
escolhendo textos imagens e a abordagem que conduz os sentidos para outros sujeitos provaacuteveis
visitantes O Museu indica claramente qual eacute o seu papel na disputa pelas memoacuterias e visotildees de
histoacuteria e como continua protagonizando os acontecimentos
143
O MNH elabora uma narrativa sobre a vinda da famiacutelia real a ser divulgada em um
material educativo para ensinar histoacuteria Cabe na anaacutelise desse material identificar algumas
tensotildees presentes nessa narrativa A primeira eacute identificar um sujeito jaacute inscrito no texto e uma
correspondecircncia imediata entre o que o museu supotildee ser um visitante ideal e aqueles que
efetivamente o visitam que natildeo estatildeo necessariamente em plena sintonia com o proposto pela
exposiccedilatildeo
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo
mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008
Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Esse tipo de material uma cartilha educativa tem por objetivo ampliar os significados do
evento-exposiccedilatildeo para um puacuteblico escolar enquadrando numa moldura o cenaacuterio os personagens
e as fontes que seratildeo oferecidos e criando referecircncias para os estudantes Haacute consequecircncias
poliacuteticas e sociais em termos dos referenciais histoacutericos expressos pelo museu e o grau de
legitimidade dessa seleccedilatildeo feita por esse produtor de cultura autorizado para escrever uma
histoacuteria nacional
Os conteuacutedos e temaacuteticas da cartilha pretendem ensinar histoacuteria Destacam-se
personagens histoacutericos datas e eventos poliacuteticos e administrativos proferidos num tom
144
transmissivo aos jovens estudantes O material possui cinquumlenta paacuteginas num formato de
pequeno caderno (cartilha) com imagens coloridas textos e atividades com espaccedilo para respostas
A capa eacute um desenho sem indicaccedilatildeo de autoria que mistura siacutembolos nacionais como o verde
amarelo bandeiras de Portugal e caravelas indicando a saiacuteda da corte da Europa sua passagem
por Salvador e chegada ao Rio de Janeiro A ligaccedilatildeo entre Portugal e Brasil tambeacutem se faz nas
legendas que associam a chegada da Corte a um novo mundo um novo impeacuterio e a permanecircncia
dessas ligaccedilotildees numa faixa abaixo do mapa escrita em vermelho ldquoPortugal 1808-2008 Brasilrdquo
A cartilha eacute orientada para um puacuteblico e as praacuteticas culturais que permeiam a elaboraccedilatildeo
desse artefato evidenciam o diaacutelogo entre o museu e o visitante tanto nos temas estruturas
narrativas valores culturais e hierarquias A anaacutelise do material produzido pelo museu considera
especificamente como ele constroacutei um puacuteblico um visitante atribuindo-lhe caracteriacutesticas de
idade e escolaridade articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute um Museu Agrave medida que o Museu
dirige-se a um suposto vocecirc que visitou a exposiccedilatildeo e agora lecirc o material elaborado por sua
equipe ele fala fundamentalmente dele mesmo de suas concepccedilotildees de histoacuteria e de memoacuteria
O material educativo define a vinda da famiacutelia real como um evento histoacuterico
significativo e que deve ser comemorado Em seguida o Museu Histoacuterico Nacional como sujeito
de uma narrativa histoacuterica confere ao evento legitimidade e convida a reflexatildeo sobre o tipo de
narrativa que o museu pretende repercurtir e publicizar na exposiccedilatildeo
Haacute na estrutura narrativa do material educativo e no sistema de imagens uma
ldquoconvocaccedilatildeordquo ao visitante e uma indicaccedilatildeo de como deve visitar a exposiccedilatildeo Esta interpelaccedilatildeo
do puacuteblico indica uma posiccedilatildeo fiacutesica e um lugar social Haacute um destinataacuterio para o qual se oferece
ldquoconvidardquo a ver de um ponto de vista particular a construir conhecimentos em certa perspectiva
social e poliacutetica
Ao considerar o material pedagoacutegico produzido pelo MHN eacute possiacutevel mapear trecircs
dispositivos de construccedilatildeo da histoacuteria pelo museu o lugar do qual fala o museu o campo de
disputa sobre as concepccedilotildees de histoacuteria e memoacuteria e as opccedilotildees poliacuteticas e esteacuteticas do museu com
relaccedilatildeo ao campo museal e educacional No primeiro caso o Museu Histoacuterico Nacional
comparece como uma instituiccedilatildeo cultural e se posiciona como sujeito frente agraves comemoraccedilotildees
histoacutericas No segundo aponta no material pedagoacutegico em seu conteuacutedo e forma uma visatildeo
145
especiacutefica acerca da Histoacuteria elaborada dentro do campo museal Por fim se posiciona frente agraves
disputas e debates historiograacuteficos que emergem no campo educativo
O sentido atribuiacutedo agraves comemoraccedilotildees natildeo surge do proacuteprio material educativo mas da
forma como ele eacute apresentado pelas linguagens (escolhas dos produtores) e coacutedigos de
inteligibilidade Eacute nesse trabalho de fechamento e marcaccedilatildeo de fronteiras simboacutelicas entre museu
e visitantes que se definem tanto o que eacute o Museu Histoacuterico Nacional (unidade instaacutevel posiccedilatildeo
de poder praacuteticas de memoacuteria que nomeiam um lugar nacional e histoacuterico para regulaccedilatildeo da
cultura) quanto se configura um puacuteblico visitante que deve reiterar a norma e responder
positivamente agraves mensagens (exposiccedilotildees) regulando a si mesmo sua identidade e subjetividade
internalizando condutas normas regras e modos de ser e pensar sobre o que eacute a histoacuteria e a
memoacuteria
O processo de interpelaccedilatildeo de um personagem preferencial imaginaacuterio (vocecirc) se daacute a
partir de uma temaacutetica organizaccedilatildeo em subitens e atividades que propotildeem uma proximidade com
o visitante Ao mesmo tempo a arquitetura dessa organizaccedilatildeo implica por parte do Museu a
aposta em certos interesses e competecircncias do visitante supostamente uma crianccedila que frequumlente
regularmente a escola baacutesica que foi agrave exposiccedilatildeo com sua professora e colegas que possui uma
famiacutelia (pai matildee avoacutes) moradia fixa mobiliada com mesas e cadeiras e alimentaccedilatildeo adequada
Essas imagens a respeito de seu puacuteblico podem ser inferidas quando em diversas
atividades propostas pede-se que a suposta crianccedila faccedila uma ldquoaacutervore genealoacutegicardquo peccedila ajuda de
seus pais sua famiacutelia Escolhendo essa forma de se dirigir aos visitantes o MHN decide quem
inclui e quem exclui da definiccedilatildeo de puacuteblico e avalia para quem fala preferencialmente um
estudante e provavelmente seu professor que tambeacutem pode usar o material pedagoacutegico
encomendando-lhe o ldquoPara Casardquo endereccedilado pelo Museu
O material didaacutetico em questatildeo guarda relativa autonomia em relaccedilatildeo ao
eventocomemoraccedilatildeo e agraves demais exposiccedilotildees permanentes do Museu agrave medida que circula de
forma mais ampla e indica uma permanecircncia pelo seu formato impresso No entanto a concepccedilatildeo
de histoacuteria presente no material e na proacutepria exposiccedilatildeo75
aponta para uma narrativa que considera
o tempo da chegada da famiacutelia como um marco para o progresso e o prenuacutencio de uma nova
ordem poliacutetica ndash a independecircncia em 1822 ndash que fecha a exposiccedilatildeo Na uacuteltima parte do percurso a
75 Ver chamada no site do proacuteprio wwwmuseuhistoriconacionalcombr chamada para a Exposiccedilatildeo
146
estaacutetua de D Pedro I proclama (com aacuteudio) a Independecircncia do Brasil No caderno didaacutetico uma
fotomontagem reuacutene a estaacutetua de D Pedro I de Rodolfo Bernardelli pertencente ao acervo do
MNH com um balatildeo no qual em primeira pessoa a estaacutetua se diz herdeira do trono de Portugal e
grita ldquoIndependecircncia ou Morterdquo
O caderno indica eventos cujos sujeitos satildeo os membros da Famiacutelia Real Satildeo eles que
asseguram a continuidade com um passado colonial mas marcha rumo agrave histoacuteria nacional A
chave de explicaccedilatildeo histoacuterica eacute a relaccedilatildeo de dependecircncia entre colocircnia e metroacutepole que tambeacutem
aparece em outras exposiccedilotildees do Museu como a ldquoColonizaccedilatildeo e Dependecircnciardquo e ldquoMemoacuteria do
Estado Imperialrdquo76
A memoacuteria para o Museu Histoacuterico Nacional eacute um ldquodeverrdquo tornar presente
celebrar para um puacuteblico cuja idade e escolaridade natildeo identificam as variaacuteveis e os sentidos
manipulados por quem faz a exposiccedilatildeo A versatildeo da Histoacuteria oferecida aos visitantes pode ser
contestada mas o trabalho visual feito pelo Museu natildeo abre muito espaccedilo para interaccedilotildees com os
visitantes
O material dispensa um contanto fiacutesico com o professor o com os agentes do museu As
atividades propostas no material falam diretamente com um ldquoalunordquo dando-lhe instruccedilotildees tais
como desenhar pesquisar interpretar observar relacionar e escrever Os recursos graacuteficos e
visuais tambeacutem se apresentam como dispositivos de credibilidade e atribuiccedilatildeo de autenticidade
No caso do Museu isso eacute feito com referecircncia ao seu acervo embora natildeo indique muitas vezes
no material educativo a procedecircncia da imagem e nem faccedila referecircncias se elas estavam ou natildeo
na exposiccedilatildeo Ao apresentar algumas imagens especiacuteficas o material educativo busca o
reconhecimento de sua autenticidade e de sua raridade usando o fato de pertencerem ao acervo do
museu ou mesmo a uma importante coleccedilatildeo particular O MHN tambeacutem busca se aproximar do
visitante por meio do impacto visual ressaltando o formato as dimensotildees da pintura No material
impresso satildeo criados diversos recursos graacuteficos para facilitar a leitura Textos curtos que
dialogam com o leitor graacuteficos mapas e o uso de siacutembolos relacionados agrave monarquia portuguesa
e famiacutelia de Braganccedila como coroas leques bandeiras cartolas brasotildees que povoam as paacuteginas
do material educativo
No caso do material do MHN a exploraccedilatildeo de objetos bidimensionais (quadros
fotografias documentos escritos) e tridimensionais (esculturas mobiliaacuterio louccedilas moedas
76 Ver folder de divulgaccedilatildeo do MHN e site citado acima
147
brasotildees) presentes na Exposiccedilatildeo eacute obrigatoacuteria A relaccedilatildeo entre o texto e as imagens reproduzidas
e trabalhadas no material impresso natildeo podem ser pensadas dada a proacutepria finalidade dos objetos
museais de maneira apenas ilustrativa Aqui o Museu lanccedila matildeo de toda a discussatildeo sobre a
importacircncia de seu acervo para reforccedilar sua funccedilatildeo e seu lugar junto agraves instituiccedilotildees de memoacuteria
nacionais Ainda que nem todas as imagens sejam acompanhas das devidas referecircncias quanto agrave
procedecircncia (acervo) toda a iconografia proveniente do proacuteprio MHN estaacute devidamente
identificada e classificada O lugar de autoridade do Museu promove uma comparaccedilatildeo entre os
quadros de Geoff Haunt um especialista contemporacircneo em pinturas navais intitulado Chegada
da famiacutelia real em 7 de marccedilo de 1808 feito sob encomenda para Kenneth Light77
em 1999 A
outra reproduccedilatildeo eacute de Cacircndido Portinari Chegada de D Joatildeo agrave Bahia uma tela de 1952 A
terceira eacute a imagem de um Leque comemorativo da chegada da famiacutelia real da coleccedilatildeo Mariano
Procoacutepio
O exerciacutecio de leitura de imagem proposto pelo Material Educativo (Figura 36) considera
que a pintura a oacuteleo sobre tela de Haunt eacute uma ldquopintura histoacuterica documental em que o objetivo
eacute ser fiel como uma fotografia [] natildeo mostra uma interpretaccedilatildeo do artista como no caso da obra
de Portinarirdquo (Material Educativo 2008 p228-29)
77 Estudioso dos diaacuterios de bordo da marinha inglesa que acompanharam a vinda da corte portuguesa ao Brasil no
iniacutecio do seacuteculo XIX
148
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um
novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008 Brasil-
Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
As trecircs obras destacadas pelo Material Educativo natildeo fazem parte do acervo do Museu
Histoacuterico Nacional A primeira pertence a um banco da Bahia a outra eacute parte do acervo do
Museu Mariano Procoacutepio de Juiz de Fora e a terceira eacute da coleccedilatildeo particular de Kenneth Light
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo mais parece um inventaacuterio comentado e ilustrado Natildeo haacute
qualquer texto que discuta a concepccedilatildeo da proacutepria exposiccedilatildeo Eacute no caderno educativo que as
intenccedilotildees de ensino de Histoacuteria do Brasil ficam mais expliacutecitas
Resta explorar um pouco mais como os visitantes negociam com o museu essa visatildeo de
histoacuteria Frente agrave tentativa clara da exposiccedilatildeo de celebrar uma histoacuteria da naccedilatildeo e escrever a
histoacuteria poliacutetica e social expondo os testemunhos histoacutericos materiais que estavam descontiacutenuos
numa narrativa resta indagar como os visitantes se posicionam frente agrave visatildeo do museu e se
conseguem ou natildeo se contrapor a visatildeo da histoacuteria
149
Entender como os visitantes descrevem analisam interpretam e fundamentam uma
narrativa frente ao museu e suas exposiccedilotildees possibilita abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e
poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus
pelos visitantes
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica
Os relatos das visitas contribuem para reorganizar as recordaccedilotildees do acontecimento e
invocar uma memoacuteria do grupo de estudantes que ao produzir e selecionar as imagens
disponibilizadas pelo museu traz agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas que natildeo foram
registradas mas que sustentam a escrita e o conhecimento histoacuterico por eles elaborado
Mesmo uma visita guiada a uma exposiccedilatildeo e uma raacutepida passagem pelas vaacuterias
dependecircncias do Museu Histoacuterico Nacional deixa resiacuteduos entre os visitantes dessa experiecircncia
evanescente A visitante apresenta o que viu
[] por meio de uma visita guiada que nos deixou agrave vontade para apreciar toda a
exposiccedilatildeo que por si soacute nos permite interagir
Ela eacute dividida em nuacutecleos temaacuteticos ou seja separados por temas ou recortes
cronoloacutegicos
A exposiccedilatildeo conta com objetos e documentos de importantes instituiccedilotildees
puacuteblicas e particulares brasileiras e portuguesas muitos dos quais satildeo objetos ineacuteditos
Na visitaccedilatildeo tive a oportunidade de acompanhar desde a situaccedilatildeo na Europa
com as guerras napoleocircnicas que motivaram a vinda da Corte para o Brasil ateacute os
motivos que levaram agrave proclamaccedilatildeo da Independecircncia do Brasil pelo Imperador Pedro I
O nuacutecleo inicial aborda as conquistas de Napoleatildeo na Europa em especial na
peniacutensula Ibeacuterica seguidas de biografia dos personagens envolvidos no conflito- Napoleatildeo Carlos IV D Maria I e Jorge III Atraveacutes de acervo iconograacutefico cedido por
instituiccedilotildees portuguesas
O nuacutecleo seguinte aborda o embarque em Lisboa e as dificuldades enfrentadas
ao longo de 54 dias de travessia do Atlacircntico A chegada agrave Bahia em 22 de janeiro de
1808 estaacute representada pela monumental tela de Cacircndido Portinari bdquoA chegada de D
Joatildeo VI a Salvador‟ gentilmente cedida pelo Banco BBM SA e Associaccedilatildeo Comercial
da Bahia
A exposiccedilatildeo eacute imensa para apreciar todo o seu acervo seria necessaacuterio um dia
inteiro tempo que natildeo tiacutenhamos Poreacutem trata-se de um local que gostaria de prestigiar
se tiver a oportunidade de retornar a cidade do Rio de Janeiro
A organizaccedilatildeo do MHN aleacutem de seu grande acervo com exposiccedilotildees
permanentes e itinerantes utiliza projeccedilotildees aacuteudio visuais em 3D possibilitando uma nova interaccedilatildeo com as exposiccedilotildees que agradam todo o tipo de puacuteblico (Daniele Paulo
Marques Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo
2008)
150
O caraacuteter monumental da exposiccedilatildeo eacute somado aos objetivos didaacuteticos A montagem de
uma linha cronoloacutegica que vai da vinda de Dom Joatildeo VI agrave declaraccedilatildeo de independecircncia por Dom
Pedro I eacute remontada nos textos e fotografias como a abaixo (Figura 37)
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
A visita ao Museu Histoacuterico Nacional realizou-se como um rito coletivo Teve um caraacuteter
performativo O museu jaacute era entendido pelos visitantes como um lugar puacuteblico de debate sobre a
histoacuteria e acreditavam que de certo modo estava mais autorizado do que o campo acadecircmico
(historiografia e faculdade) por trazer um enorme acervo cultural mas que natildeo deixa de causar
confusatildeo entre os visitantes Uma das visitantes cita que viu ldquofotosrdquo das filhas do casal real
utensiacutelios que serviram para a viagem pinturas cartas carimbos e ldquouma reacuteplica da sala de visitas
da Marquesa de Santosrdquo
151
Natildeo se sabe o que a levou a imaginar uma sala da Marquesa de Santos em meio agrave
exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real nem as chamadas fotografias Impressiona nesse caso a
capacidade de criar outro acervo para o museu em meio agrave descriccedilatildeo dos objetos que estavam em
exposiccedilatildeo
Para outros visitantes o Museu Histoacuterico Nacional eacute ldquograndioso muito bem montado e
agradaacutevel agrave visitaccedilatildeo puacuteblica com vaacuterias exposiccedilotildeesrdquo diz o visitante Fernando Daniel Fraga
Fonseca Jaacute a visitante Aline Conceiccedilatildeo Ferreira Gregoacuterio tambeacutem achou que ldquoo acervo eacute
enorme por isso a visita demanda bastante tempo Foi uma exposiccedilatildeo proveitosa poreacutem um
pouco cansativa devido ao tamanho do museurdquo
O museu estabelece no contato com o visitante uma rede de opiniotildees e um quadro de
diferentes reaccedilotildees frente agrave materialidade da praacutetica museal Cada museu possui uma narrativa
distinta e a anaacutelise que o puacuteblico faz da exposiccedilatildeo se inicia com a identificaccedilatildeo das marcas
emitidas por essa fala autorizada A interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelo puacuteblico no confronto entre as
promessas do ldquogecircnero museurdquo e expectativas dos visitantes
A parte que mais gostei foi o museu todo mas a que mais me prendeu a atenccedilatildeo foi a
parte onde se encontra os canhotildees pelo que pude contar contei 48 canhotildees E gostei
tambeacutem das pratarias e da parte da medicina tudo laacute eacute muito bonito e muito bem conservado (Claudilene Aparecida de Almeida Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico
Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
Outra visitante da exposiccedilatildeo tambeacutem inicia seu relato da visita ressaltando o caraacuteter de
documento-monumento do Museu Histoacuterico Nacional Eles destacam o seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo
o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O evento eacute memoraacutevel porque significa um marco na ldquoformaccedilatildeo do Estado nacional
brasileiro com o estabelecimento da sede do governo do mundo portuguecircs em terras tropicaisrdquo O
legado de D Joatildeo VI a ser apresentado na exposiccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de um ldquoImpeacuterio na Ameacutericardquo o
ldquopersonagem que entrelaccedilou para sempre as histoacuterias do Brasil e Portugalrdquo (BOTTREL 2008
p17) Esse ldquodestinordquo eacute a independecircncia assinalam os historiadores portugueses e brasileiros
152
Arno Wheling e Maria Joseacute Wehling que pintam os quadros historiograacuteficos um de 1808 e outro
de 1821 Propotildeem que entre uma data e a outra ocorreram mudanccedilas significativas e irreversiacuteveis
que levaram o Brasil a se distanciar de Portugal a ponto de se tornar independente ou formar
uma nova personalidade poliacutetica
Os visitantes se apresentam em suas fotografias como parte da exposiccedilatildeo e do acervo
(Figuras 38 e 39)
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave
Exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio
Janeiro 2008
153
A exposiccedilatildeo eacute vista como accedilatildeo de difusatildeo nos museus e ocupa contemporaneamente uma
funccedilatildeo ao lado das accedilotildees de pesquisa e preservaccedilatildeo antes vistas como prioritaacuterias A linguagem
visual eacute priorizada e assumida pelos visitantes que elaboram novas imagens e narrativas visuais
sob as formas apresentadas pelo museu O visitante coloca em circulaccedilatildeo a sua proacutepria imagem
como parte da exposiccedilatildeo exercitando sua habilidade analiacutetica e criando novas instacircncias de
produccedilatildeo de sentido na vida cultural diaacuteria
Natildeo haacute uma uacutenica forma de estabelecer a relaccedilatildeo entre visitantes e museus Tambeacutem natildeo
haacute a passagem imediata de um campo ao outro ou uma linguagem uacutenica que pertence ao museu e
outra do visitante Haacute um partilhamento dos coacutedigos simboacutelicos e a criaccedilatildeo de um espaccedilo cultural
de intercacircmbio A matriz cultural do museu eacute avaliada pelos visitantes Satildeo estabelecidas
diferenccedilas mas se institui um novo circuito de cultura
Essas praacuteticas exercitadas pelos visitantes nos museus implicam na ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo de produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico Mesmo entre os visitantes que ficam mais
proacuteximos dos sentidos apresentados pelo museu limitando-se a uma descriccedilatildeo da visita agravequeles
que buscam de forma mais abrangente inserir a narrativa do museu em um cenaacuterio poliacutetico
social cultural mais amplo satildeo sujeitos da produccedilatildeo de novos sentidos para o patrimocircnio
musealizado Satildeo sujeitos de uma nova narrativa agrave medida que buscam compreender como se daacute
a produccedilatildeo do conhecimento cultural e histoacuterico (RUSEN 2005 p192)
Ao selecionarem imagens e reescreverem informaccedilotildees sobre a exposiccedilatildeo os visitantes
demonstram habilidades de reordenar aspectos que lhes chamaram a atenccedilatildeo e passam a circular
em outro circuito para aleacutem do museu
154
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A
metroacutepole nos troacutepicos Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo
Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
A fotografia de Fernando Daniel Fraga Fonseca (Figura 40) eacute aparentemente um misteacuterio
Uma chave que pode solucionaacute-la eacute o conceito de circuito da cultura78
(HALL 1997 2003)
entendido como uma relaccedilatildeo complexa produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos
mas interligados ou seja como praacuteticas conectadas de produccedilatildeo circulaccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo
identidade e representaccedilatildeo que criam formas simboacutelicas e datildeo passagem simultaneamente a
outros movimentos de produccedilatildeo de sentidos
O visitante registra um texto escrito sobre um suporte afixado na parede como parte da
exposiccedilatildeo sobre a corte portuguesa no Brasil no Museu Histoacuterico Nacional O texto tem como
tiacutetulo O desembarque em Salvador que tambeacutem eacute o tiacutetulo de uma obra iconograacutefica exposta A
existecircncia do texto indica que o Museu Histoacuterico Nacional explica esse evento para seus
78 Em certa medida pode-se pensar tambeacutem no conceito de circularidade de culturas definido por Ginsburg
em contraponto ao termo mentalidade a partir de um recorte analiacutetico que considera as diferentes classes sociais e as
influecircncias reciacuteprocas entre a cultura subalterna e a cultura hegemocircnica que se movem de maneira circular
(GINSBURG 1987 p 13)
155
visitantes durante a exposiccedilatildeo Haacute a produccedilatildeo de um sentido que pretende ser fixado mas que
circula em outros suportes a pintura de Portinari e a fotografia do visitante
Nessa pesquisa tanto os museus visitados quanto seus visitantes instituem esses lugares de
significaccedilatildeo Museus e visitantes produzem um circuito histoacuterico e cultural e se posicionam
agenciam criam modos de endereccedilamento da cultura Entretanto na ideacuteia de circuito embora
estejam claros os produtos e os produtores natildeo haacute um sentido prioritaacuterio que desencadeia a accedilatildeo
cultural e portanto as ideias de ldquorecepccedilatildeordquo e ldquoapropriaccedilatildeordquo natildeo estatildeo colocadas ao fim de uma
cadeia de significaccedilatildeo O espectador ou visitante produz o sentido tanto quanto a instituiccedilatildeo que
pretende alojar a memoacuteria do evento com a exibiccedilatildeo puacuteblica de objetos
Acho esse trabalho de extrema relevacircncia para nosso curso e conveniente por causa das
discussotildees atuais O tema eacute muito atual e foi interessante visitar o Rio de Janeiro
justamente agora em que as comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da famiacutelia real
estatildeo acontecendo Para mim foi muito bacana ver outras instituiccedilotildees museoloacutegicas e
exposiccedilotildees de cunho histoacuterico e artiacutestico ateacute mesmo para identificar as diferentes
concepccedilotildees de museu Identificar a intenccedilatildeo da exposiccedilatildeo e o que ela pretende
contar[] Algumas exposiccedilotildees mostram o cotidiano no Brasil as relaccedilotildees e o papel dos
liacutederes e do povo isso tambeacutem eacute relevante As gravuras pinturas documentos objetos
instrumentos dialogam com as exposiccedilotildees no qual estatildeo inseridos e com o proacuteprio
leitor nos fazendo desenhar e nos relacionar muito claramente com o passado (Frederico
Levi Amorim Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro
Leopoldo 2008)
A exposiccedilatildeo enfoca muito a importacircncia da vinda da famiacutelia real para o nosso processo
de emancipaccedilatildeo poliacutetica de Portugal mas esquece de salientar que independentemente
da existecircncia desse episoacutedio ou natildeo nossa economia jaacute era mais forte que a dos lusitanos
nossa elite jaacute natildeo aguumlentava a exorbitante taxaccedilatildeo de impostos sobre nossa produccedilatildeo e
que as ideias de cunho liberal jaacute pairavam sobre nossos ares gerando vaacuterias revoltas por todo o nosso territoacuterio (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
As visitas a museus permitem por em relaccedilatildeo o que Gruzinski (2001) chama de sistemas
culturais diferentes ou a questatildeo das fronteiras culturais e seus hibridismos O contato do visitante
com o museu pode ser pensado natildeo como um ldquocontratordquo mas uma confrontaccedilatildeo que destaca as
formas de temporalidade e historicidade natildeo contidas na noccedilatildeo de cultura europeacuteia e torna
possiacutevel a emergecircncia de um pensamento e praacuteticas inventivas e improvaacuteveis de hibridismo
(GRUZINSKI 2001 p157)
156
As fotografias selecionadas e apresentadas e os trechos dos relatos destacados apontam o
deslocamento realizado pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do
visitante na cultura museal e desenvolvem um capiacutetulo da escrita da histoacuteria nos museus
O relato da visita como praacutetica de memoacuteria e histoacuteria se amplia em uma narrativa que
reorganiza as recordaccedilotildees do acontecimento e invoca uma memoacuteria do grupo de estudantes ao
selecionar as imagens e trazer agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas e interpretadas
muitas natildeo registradas que sustentam uma rede de opiniotildees e formam diferentes quadros de
sentido Os estudantes fazem uma anaacutelise da exposiccedilatildeo praticando a museologia mesmo natildeo
tendo um treinamento especial e sistemaacutetico do ofiacutecio museoloacutegico percebem pensam e
praticam a museologia (CHAGAS 2003 p20) Elaboram um ldquopensamento musealrdquo
identificando marcas deixadas pelos quadros de referecircncia enunciados pelo museu A
interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelos visitantes no confronto com suas expectativas e as promessas
natildeo cumpridas pelo museu
Amplia-se a reflexatildeo sobre o processo de educaccedilatildeo poliacutetica e dos sentidos O debate
historiograacutefico recebe novos elementos das visotildees sobre o museu que se cruzam na cabeccedila dos
visitantes aquilo que os especialistas dizem sobre o museu aquilo que viram no Museu do
Escravo e aquilo que a escola lhes ensinou sobre a histoacuteria da escravidatildeo As disputas satildeo
evidenciadas Eacute necessaacuterio mobilizar conceitos e experiecircncias estabelecendo possibilidades e
limites da abordagem para elaborar narrativas sobre a visita
Pode-se afirmar que na elaboraccedilatildeo dos relatos das visitas emergem uma seacuterie de efeitos
formativos nos estudantes e professoresformadores As visitas desencadeiam perguntas sobre a
identidade verbalizam sentimentos pensamentos aspectos de suas experiecircncias sociais e
estimula a reflexibilidade Os relatoacuterios tambeacutem validam algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida
que operam com a traduccedilatildeo de concepccedilotildees simboacutelicas particulares e localizadas em uma
consciecircncia praacutetica e outra discursiva de caraacuteter mais amplo Tambeacutem permitem reconhecer e
dar visibilidade puacuteblica e social a realidades locais multiculturais e que contribuem para
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo
Ao apresentar de forma ampla o uso feito pelos visitantes da visita ao museu eacute possiacutevel ir
aleacutem da criacutetica aos museus e discutir como os visitantes interpretam propostas expositivas da
157
instituiccedilatildeo visitada em dialoacutego com a heranccedila cultural e as praacuteticas de preservaccedilatildeo da memoacuteria e
do poder Ou em outras palavras como elaboram frente agraves imagens que lhes satildeo apresentadas
uma nova escrita imageacutetica acrescentando criacuteticas e explicitando ambiguidades presentes na
produccedilatildeo do museu
158
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A escrita desta tese teve iniacutecio com a tentativa de encontrar um ldquolugarrdquo que comportasse o
registro de praacuteticas educativas perdidas em meio agraves preocupaccedilotildees em uma instituiccedilatildeo de ensino
superior que encerrava a oferta de cursos de licenciatura Os trabalhos escolares dos alunos em
sua maior parte eram considerados privados e natildeo seriam recolhidos ao arquivo escolar
O local mais provaacutevel das memoacuterias de estudantes e professores seria o esquecimento A
situaccedilatildeo dos documentos escolares laacute encontrados natildeo era muito diferente de outras instituiccedilotildees
educativas A preservaccedilatildeo se limitava a um conjunto de textos legais documentos oficiais
administrativos e pedagoacutegicos Pouco se arquivava dos testemunhos orais dos professores alunos
e funcionaacuterios A biblioteca recebia publicaccedilotildees relatoacuterios teacutecnicos de pesquisa e conclusatildeo de
curso
Estava posta uma crise de memoacuteria os relatos escritos e visuais de visita excediam em
volume e careciam de organizaccedilatildeo Restavam as tentativas de doaccedilatildeo ou descarte O museu ou o
lixo A primeira opccedilatildeo implicou em questionar se os museus visitados teriam algum interesse
nesse tipo de resposta de sua audiecircncia escolar Resolvi apostar no recolhimento dos rastros dar
tratamento aos fragmentos cotidianos da cultura escolar e apresentaacute-los publicamente
Sistematizar a produccedilatildeo dos estudantes e colocaacute-la em circulaccedilatildeo foi o principal
investimento dessa pesquisa A duacutevida era constante esse tipo de fonte documental seria capaz
de sustentar uma anaacutelise a respeito dos sentidos da memoacuteria da histoacuteria e dos museus na cultura
contemporacircnea Espero ter argumentado ao longo do texto que sim Os relatos dos estudantes
indicam que eles foram capazes de ampliar sua formaccedilatildeo histoacuterica ao visitar museus
O processo de pesquisa foi de compartilhamento e conviacutevio com as reflexotildees teoacutericas e
metodoloacutegicas no grupo Memoacuteria Aprendi a exercitar a escrita como condiccedilatildeo de memoacuteria
Cada leitura cada debate constituiu-se em novas aprendizagens vividas e sentidas Escrever e
apresentar resultados parciais tornou a pesquisa possiacutevel
A maior tensatildeo da pesquisa foi delimitar o proacuteprio campo da investigaccedilatildeo delinear as
presenccedilas (estudantes e museus) as concomitacircncias (diaacutelogos admitidos ou criticados na
bibliografia) e as ausecircncias (outras ligaccedilotildees possiacuteveis com a histoacuteria e a educaccedilatildeo)
A busca por criteacuterios e a seleccedilatildeo das situaccedilotildees educativas de visitas envolveu um longo
diaacutelogo com ldquopalavras e coisasrdquo autores e praacuteticas Um jogo de conceitos emaranhados ao
159
mesmo tempo superpostos ndash diversos e abrangentes ndash e lacunares dispersos em livros textos e
instrumentos de sistematizaccedilatildeo de dados
Assim para descrever e avaliar a praacutetica de formaccedilatildeo evitei me referir a um sistema de
interpretaccedilatildeo ou traduccedilatildeo exterior (um horizonte idealizado ou seu suposto inverso uma
abstraccedilatildeo advinda da empiria) Propus-me a mobilizar conceitos disponiacuteveis e discordantes
principalmente de memoacuteria e histoacuteria que circulam ao niacutevel das minhas proacuteprias praacuteticas
apostando em sua emergecircncia a partir de quem falava e das posiccedilotildees dos sujeitos (estudantes) e
dos lugares institucionais (escolas e museus)
O maior desafio para a conclusatildeo desse projeto decorreu da opccedilatildeo que o motivou
inicialmente analisar as situaccedilotildees educativas de visitas a museus a partir da loacutegica da proacutepria
experiecircncia pedagoacutegica Natildeo houve um movimento externo de observaccedilatildeo mas um interesse ou
desejo de saber que veio da aproximaccedilatildeo entre o sujeito que se colocava na condiccedilatildeo de
pesquisador mas estava proacuteximo ao ldquoobjetordquo investigado
Os visitantes considerados na pesquisa natildeo se apresentam como um grupo representativo
segundo criteacuterios socioloacutegicos ou estatiacutesticos como acontece nos estudos de recepccedilatildeo que
avaliam efeitos provocados em determinada audiecircncia Os estudantes na condiccedilatildeo de visitantes
esboccedilam hipoacuteteses difusas acerca do que ocorre durante uma visita escolar Um mesmo visitante
utiliza estrateacutegias diferentes ao longo de sua trajetoacuteria escolar para traccedilar paralelos entre sua vida
e de um personagem histoacuterico Suas atitudes informadas ou desinformadas irocircnicas ou
conformistas dizem mais da criaccedilatildeo de uma cultura comum uma experiecircncia simultaneamente
implicada e distante da cultura predominante nas escolas e museus
A materialidade das praacuteticas de visita surgiu do trabalho com os relatos escritos e visuais
Na leitura dos relatos as operaccedilotildees de narrar proacuteprias da vida praacutetica foram se constituindo
como fundamento e pressuposto do conhecimento histoacuterico escrito por professores e estudantes
A anaacutelise das praacuteticas de visita combinou reflexotildees teoacutericas historiograacuteficas e empiacutericas
Textos imagens e oralidade num mesmo quadro analiacutetico Destaco que tanto as reflexotildees
teoacutericas e historiograacuteficas quando o quadro empiacuterico foram tentativas de abordagem diaacutelogos
recortes possiacuteveis e natildeo implicam na concordacircncia com todos os argumentos dos autores citados
ou um aprofundamento da reflexatildeo sobre cada fonte em particular Procurei explorar de cada obra
160
argumentos ou linhas de interpretaccedilatildeo que interessavam no estudo do tema do visitante de
museus
As fotografias tomaram ao longo da pesquisa uma centralidade maior A anaacutelise do
conteuacutedo dos materiais visuais seu uso durante as visitas e sua circulaccedilatildeo posterior constituiu-se
em um conhecimento experiencial da proacutepria visita As fotografias satildeo relatos visuais construiacutedos
com possibilidades de reproduccedilatildeo e propriedades materiais que influenciam na forma de leitura
de seus conteuacutedos Nas fotografias a visita oscila entre uma viagem de estudo e de turismo Os
estudantes trazem imagens de lugarespaisagens e objetos (sem pessoas) pessoas em
lugarescenaacuteriosobjetos e poucas com pessoas isoladas de cenaacuterios Quando confrontadas agraves
imagens produzidas pelos museus em cataacutelogos e materiais de divulgaccedilatildeo o cenaacuterio eacute destacado
sem a presenccedila de pessoas os objetos satildeo apresentados isolados sem a encenaccedilatildeo da exposiccedilatildeo
Nessa pesquisa selecionei fotografias-chave (amostras) de um quadro mais amplo de
originais Os objetivos dos fotoacutegrafos eram documentar a viagem nem sempre com a finalidade
de exibir as imagens Os relatos entregues para avaliaccedilatildeo trazem um primeiro corte feito pelos
seus produtores diretos os estudantes Era preciso imprimir os arquivos digitais Os viacutedeos e as
repeticcedilotildees satildeo deixados de lado As imagens armazenadas pelos estudantes tambeacutem eram
produzidas com a finalidade de exibiccedilatildeo para familiares e para compor um aacutelbum pessoal As
imagens impressas satildeo utilizadas e socializadas entre o grupo e se repetem em vaacuterios relatoacuterios de
visita A circulaccedilatildeo das imagens dado o seu suporte digital motiva a colaboraccedilatildeo e daacute iniacutecio a
uma narrativa com exerciacutecios de exploraccedilatildeo e descoberta
As fotografias trazem para a pesquisa uma dupla dimensatildeo Eacute marcante seu caraacuteter
documental mas elas natildeo permitem afirmaccedilotildees generalizantes Apresentam eventos especiacuteficos e
a anaacutelise depende das condiccedilotildees de produccedilatildeo e natildeo apenas da narrativa e do conteuacutedo
apresentado A produccedilatildeo das fotografias envolve negociaccedilotildees entre o criador da imagem e as
circunstacircncias sociais e teacutecnicas de produccedilatildeo (autorizaccedilatildeo iluminaccedilatildeo composiccedilatildeo)
Na pesquisa as fotografias tiveram uma primeira entrada com valor documental (dado
visual) que as considera como ato de criaccedilatildeo de um fotoacutegrafo e eacute resultado de condiccedilotildees
especiacuteficas de produccedilatildeo Em quadro mais complexo que esse primeiro de produccedilatildeo das imagens
estaacute a ediccedilatildeo ou os criteacuterios de seleccedilatildeo da pesquisa que reinscrevem as fotografias numa nova
coleccedilatildeo junto a outras que tambeacutem aderem ao plano da anaacutelise
161
As fotografias vieram ao encontro da necessidade de narrar e trazem as intenccedilotildees de
presenccedila como parte da accedilatildeo dos visitantes que se apresentam como o principal conteuacutedo das
imagens Nas fotografias dos visitantes eles compotildeem uma narrativa na qual utilizam os edifiacutecios
e objetos dos museus como um cenaacuterio (enquadramento da accedilatildeo) uma narrativa em que eles
visitantes satildeo os sujeitos Haacute nas fotografias uma biografia uma auto-representaccedilatildeo de si e do
grupo O registro fotograacutefico externaliza aspectos natildeo visiacuteveis e gera conhecimentos sobre as
visitas e visitantes Longe do local de produccedilatildeo as imagens satildeo reelaboradas pela pesquisa com o
propoacutesito de circulaccedilatildeo mais ampla natildeo com o propoacutesito de identificar indiviacuteduos especiacuteficos
mas de projetar mais longe o olhar dos visitantes
As fotografias dos visitantes selecionadas pela pesquisa trazem essa dimensatildeo da
presenccedila Os estudantes se posicionam ao lado direito e esquerdo da escultura do escravo do
tronco abraccedilam Dom Joatildeo VI montam e desmontam as exposiccedilotildees visitadas com criteacuterios de
relevacircncia pessoal Trazem sedimentos das heranccedilas culturais como o ldquoimaginaacuterio do troncordquo que
circunda conceitos de escravidatildeo Colocam clivagens historiograacuteficas como o cotidiano e a vida
privada em museus marcados por exposiccedilotildees de vieacutes poliacutetico e nacionalista
Os referentes oferecidos pelos museus satildeo partilhados ou confrontados Nascem nos
relatos hiacutebridos ediccedilotildees coleccedilotildees em novos formatos Nos museus visitados os estudantes
fotografam o espaccedilo organizado os iacutecones do acervo (pinturas esculturas) e os artefatos da
museologia (desenhos projeccedilotildees e cenaacuterios) Haacute um museu concreto e um museu imaginado
ambos reconstruiacutedos pelos visitantes O visitante faz o uso do museu durante a visita e recria o
lugar dando-lhe outras dimensotildees espaciais
A anaacutelise das visitas ao Museu do Escravo e Museu Histoacuterico Nacional pode ser
entendida como um movimento de circulaccedilatildeo entre o momento efetivo da praacutetica pedagoacutegica e de
formaccedilatildeo e o momento de reflexatildeo na leitura dos relatos jaacute constituiacutedos indicando a construccedilatildeo
de sensibilidades que envolvem todo trabalho com a cultura e uma orientaccedilatildeo para a vida praacutetica
daqueles implicados na dinacircmica das visitas A experiecircncia de visita possui junto a sua dimensatildeo
praacutetica uma qualidade esteacutetica dada natildeo pelo resultado final mas pelo movimentotranscurso da
accedilatildeo Eacute um agir e padecer frente agraves coisas fiacutesicas e imaginadas Une eventos e objetos numa
relaccedilatildeo muacutetua de extensatildeo e profundidade As visitas a museus geram conhecimentos e narrativas
agrave medida que permitem uma aprendizagem pela observaccedilatildeo e pela proacutepria experiecircncia
162
O Museu Histoacuterico Nacional transcende as barreiras do tempo e traz uma loacutegica
museoloacutegica ainda proacutexima do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (IHGB) marcada pela
exaltaccedilatildeo dos feitos grandiosos nas esferas militar e poliacutetica e com pouco interesse pelo
cotidiano O museu resiste ao tempo presente Mas os visitantes natildeo fazem essa leitura e se
colocam na praacutetica de sua atualizaccedilatildeo Representam a si mesmos na exposiccedilatildeo e se apropriam de
seu acervo num arquivo fotograacutefico
No Museu do Escravo ocorre algo semelhante Se eacute legiacutetimo destacar que as praacuteticas de
colecionismo e a exposiccedilatildeo do museu alimentam preconceitos raciais e estereoacutetipos os visitantes
natildeo apenas fizeram a criacutetica dessas praacuteticas como redefiniram eles mesmos a coleccedilatildeo de objetos
curiosos Mais uma vez remontaram o acervo nas suas narrativas escritas e visuais
O procedimento de leitura das exposiccedilotildees que implica em montagem e desmontagem de
coleccedilotildees foi experimentado pelos estudantes no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto ou seja numa
visita a museus O conteuacutedo de uma exposiccedilatildeo tambeacutem eacute utilizado para analisar outras Os
museus satildeo comparados entre si Os criteacuterios satildeo internos (museus) e natildeo externos (escola
historiografia)
O tipo de argumento predominante nas narrativas natildeo vem diretamente de leituras ou
discussotildees teoacutericas embora elas sejam utilizadas como no caso da escravidatildeo Os argumentos
produzidos nas narrativas satildeo configurados na proacutepria experiecircncia que oscila entre ldquoefeitos de
presenccedilardquo por estar dentro do museu ver a exposiccedilatildeo e ldquoefeitos de sentidordquo (o que leu estudou
sobre escravidatildeo histoacuteria do Brasil)
Pode-se concluir que as visitas trouxeram uma seacuterie de efeitos formativos para os
estudantes-visitantes Desencadearam afirmaccedilotildees sobre a identidade profissional verbalizaram
sentimentos e pensamentos sobre o pertencimento cultural ao tempo presente e estimularam a
reflexividade sobre o exerciacutecio da escrita da histoacuteria em museus Os relatoacuterios tambeacutem validaram
algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida que operavam uma ponte entre as concepccedilotildees particulares
e localizadas elaboradas em reaccedilatildeo quase imediata ao contato com o patrimocircnio musealizado e
outra dimensatildeo teoacuterica mais ampla acionada pela leitura e seleccedilatildeo de trechos que recebiam um
novo formato com a pesquisa
Os relatos criaram condiccedilotildees de reconhecimento visibilidade puacuteblica e social a realidades
locais como eacute caso do Museu do Escravo em Belo Vale Minas Gerais Colaboram tambeacutem para
163
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo A visita ensina que os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos onde satildeo
construiacutedas diferentes formas de ver a sociedade e nesse aspecto ajudam a tornar visiacuteveis as
temporalidades
As visitas se apresentam como uma praacutetica de coletar e a nova coleccedilatildeo passa a circular de
maneira tambeacutem inovadora frente ao acervo dos museus Os relatos integram elementos orais
textuais e visuais em um conjunto que dialoga com os valores e significados da cultura dos
museus e da cultura escolar Os visitantes fazem um uso praacutetico dos museus e da historiografia
para elaborar um conhecimento histoacuterico que utiliza novas formas de seleccedilatildeo e organizaccedilatildeo da
memoacuteria
Para ser coerente com o tema tentei apresentar a pesquisa de um modo mais narrativo
menos cronoloacutegico que contasse a histoacuteria dos sujeitos da pesquisa Uma ldquomanufaturardquo que
pudesse se contrapor aos ldquoprodutoresrdquo institucionalizados nos museus e oacutergatildeos de pesquisa
Talvez tenha encontrado ao final uma soluccedilatildeo para a impressatildeo dos visitantes que me
intrigou durante quatro anos Quando saem do museu saiacuteram de uma sala de aula As visitas satildeo
viagens ao interior mas levam para aleacutem dos horizontes fazem experimentar sentimentos de
turista viajante estudante historiadores natildeo importa Satildeo uma viagem pelo espaccedilo (museu) mas
por pouco tempo deve-se manter a cabeccedila no lugar (sala de aula)
A tentativa de entender o visitante como um ldquoespectador emancipadordquo como um viajante
que carrega sua proacutepria bagagem seus emblemas de pertencimento cultural agrave profissatildeo docente e
inclui suas observaccedilotildees sobre os territoacuterios oficiais da memoacuteria implica em considerar que a
exclusatildeo cultural existe de fato e a reivindicaccedilatildeo ao direito de participaccedilatildeo na gestatildeo cultural
implica em afirmar e reconhecer espaccedilos como os dos museus como ldquocasas de pertencimentordquo e
de ldquopresenccedilardquo do visitante
Os visitantes em questatildeo satildeo a expressatildeo desse direito agrave participaccedilatildeo cultural Num
primeiro momento se coloca ainda como um estrangeiro um estudante que faz sua primeira visita
ao museu mas que a partir desse primeiro encontro recebe uma espeacutecie de ldquosenhardquo que lhe
permite adentrar esse mundo dos museus Ser visitante afeta seu desejo no acircmbito da cultura
afeta sua formaccedilatildeo histoacuteria Suas narrativas de visita apontam esses deslocamentos novas
praacuteticas e roteiros de formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
165
DOCUMENTOS
1- Registros de estudantes das atividades de visita a museus
FIPEL ndash FACUDADES INTEGRADAS DE PEDRO LEOPOLDO Instituto Superior de
Educaccedilatildeo de Pedro Leopoldo Relatoacuterios de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto 2ordm
periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2005
______ Relatoacuterio siacutentese do Trabalho de Campo Visita a Belo Vale - MG Museu do
Escravo e Fazenda Boa Esperanccedila 4ordm periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2006
______ Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 7ordm periacuteodo Curso
de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2008
_______ Relatoacuterios individuais de visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis nos anos 2001
2005 2004 e 2007 Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2007
_______ Relatoacuterio final de Estaacutegio Supervisionado Projeto de integraccedilatildeo Museu- Escola
Visita de alunos do Ensino Meacutedio ao Museu Abiacutelio Barreto-BH Curso de Histoacuteria Pedro
Leopoldo 2000
Roteiro de Pesquisa para os Formadores Enviado para os professores que participaram do
trabalho de campo no Rio de Janeiro com a turma do 7ordm periacuteodo e outros 2008
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo
ao Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo com 9 alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria
ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG Feito com a ajuda da professora Cristiane Almeida (assistiu e
tomou notas) Total 7 paacuteginas
Entrevistas monitores-estagiaacuterios na exposiccedilatildeo ldquoFamiacutelia Ferrez novas revelaccedilotildees no Museu de
Artes e Ofiacutecios Belo Horizonte 2008
Diaacuterio de campo Observaccedilatildeo das visitas de trecircs escolas baacutesicas ao Museu de Artes e Ofiacutecios
Belo Horizonte 2008
166
2- Documentos das instituiccedilotildees visitadas
MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL - RJ
MUSEU Histoacuterico Nacional Um novo mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no
Brasil18082008 Brasil-Portugal Setor Educativo 50 paacuteginas 2008
______ Guia do Visitante Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura Rio de Janeiro 1957 36p
______ Informes do setor educativo Impresso 4 paacuteginas
______ Revista Didaacutetica da Exposiccedilatildeo Itinerante 28 paacuteginas 2005
______ Folheto de apresentaccedilatildeo do acervo e das exposiccedilotildees sd
______ Conhecendo o Museu Histoacuterico Nacional sd
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ANEXOS
Anexo A- Roteiro de coleta de dados estudantes de licenciatura em Histoacuteria 2008
Total de questionaacuterios respondidosdevolvidos 17 estudantes
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS- UNICAMP
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO ndash DOUTORADO
ALUNA Elizabeth Seabra ORIENTADORA Dra Ernesta Zamboni
Roteiro de pesquisa ldquoAccedilatildeo educativa em museus e formaccedilatildeo docenterdquo
Observaccedilatildeo vocecirc poderaacute marcar mais de uma alternativa ou numeraacute-las de acordo com suas preferecircncias
Parte I-
1-Sexo Masculino ___ Feminino ______ Idade _______anos
2-Exerce atividade profissional remunerada Sim _____Natildeo____
Qual (com precisatildeo)_____________________________
3-Lugar de residecircncia (cidadebairro) ______________________
4-Quantos anos de escolaridade (contando da escola infantil ateacute a atual) _________
5-Costuma praticar alguma atividade recreativa Sim ____ Natildeo _____
Qual_________________
6-Indique aproximadamente em que faixa se situa a renda de sua famiacutelia em Salaacuterios Miacutenimos (e
natildeo apenas do chefe de famiacutelia)
1 a 3 SM ____4 a 6 SM ___7 a 9 SM ____mais de 10 SM ____
Parte II-
7-Vocecirc iraacute visitar um MuseuExposiccedilatildeo
1ordf Vez ____ 2ordf Vez_____ 3ordf Vez _____ 4ordf Vez ____ Acima de 4 vezes _____
8-Quando ouve ou lecirc a palavra MUSEU o que lhe vecircm agrave mente Diga trecircs palavras que vocecirc
associa a museu
1-________________ 2-____________________ 3- _______________
9-Diga trecircs coisas que tem em um museu
1- ________________2-__________________3 - ________________
10-Se vocecirc iraacute visitar pela primeira vez um museuexposiccedilatildeo nova sua ideacuteia eacute ver
1- ____Natildeo tem ideacuteia do que encontraraacute
2- ____O proacuteprio museu 3- ____As exposiccedilotildees especiacuteficas daquele museu
4- ____Participar de atividades culturais (cursos apresentaccedilotildees musicais)
189
Parte III-
11-Quando visitou pela primeira vez um museu
1- Com que idade (aproximadamente)_______
2- Com quem ________________________
3- Em que museu _____________________
4- Em que ocasiatildeo turismo ____ visita familiar____ visita escolar ____ Outros ___
5- Indicar qual________________
12-O que o levou a visitar museusexposiccedilotildees
_____1- Uma visita organizada pela escola
_____2- Recomendaccedilatildeo de algueacutem
_____3- Para acompanhar filhosfamiliaresamigosnamorados _____4- porque tem o costume e interesse em visitar museusexposiccedilotildees
_____5- Outras razotildees (indicar com precisatildeo)_____________________
13-Considerando os uacuteltimos trecircs anos vocecirc foi a museus
1- soacute______ 2- com os filhosfamiacutelia _____ 3- com amigos______
4- com um grupo organizado_______
14-Se jaacute entrou mais de 4 vezes em um museu queira indicar os trecircs uacuteltimos museus que visitou
1 ___________________2___________________3__________________
15-Nos museus visitados o que mais lhe agradou
____ 1-O passeiolazer como um todo
____2- A infra-estrutura o atendimento e serviccedilos de apoio
____ 3- Obras de arte objetos nunca vistos anteriormente
____4- Conteuacutedo e organizaccedilatildeo das exposiccedilotildees
____5- Nada agradou
____ 6- Outros ______________
16-Quais foram as dificuldades encontradas para realizaccedilatildeo das visitas a museus
____ 1- Natildeo acolhimento (funcionaacuterios monitores guias)
____ 2-Custo da visita (ingressodeslocamento)
____ 3- Ritmo da visita e conduccedilatildeo dos monitores
____4- Desconhecimento do tipo de acervo especiacutefico ____5- Dificuldade de acompanhar por falta de informaccedilotildees preacutevias
17-Durante as visitas a museus vocecirc
___1- Sente-se confortaacutevel ___ 2-Amplia seus horizontes de conhecimentos
___3-Interessa-se pelos assuntosexposiccedilotildees ___4- Diverte-se
___ 5-Sente-se desconfortaacutevel apreensivo ___ 6- Outros _____________________
18-Quais as impressotildees vocecirc tem quando sai de um museu
____ 1-Saiu de uma igreja ____ 2-Saiu de uma biblioteca
____ 3-Saiu de um shopping Center ____ 4-Saiu de uma sala de aula
____ 5-Saiu de uma sala de espera ____ 6- Outras imagens Quais _____________________
Parte IV
Deseja continuar colaborando com a pesquisa Sim ( ) Natildeo ( ) Em caso positivo por favor indique
Nome ___________________________
Telefone para contato ________________ e-mail ____________________________
190
Anexo B- Perfil dos visitantes
Graacuteficos elaborados a partir dos questionaacuterios acima Total de 17 estudantes Natildeo foram
elaboradas porcentagens
Graacutefico 1- Ocasiatildeo da visita ao museu
Visita escolar 16 visita familiar 2 turismo 1 outros 1
Graacutefico 2- Com quem visitou o museu a primeira vez
Escola 16 professora da faculdade 4 colegas da faculdade2 pais 2 grupo escolar 1viagem
m famiacutelia 1
191
Graacutefico 3- Com quem foi ao museu nos uacuteltimos anos
Graacutefico 4- Quantas vezes visitou museus
192
Graacutefico 5- Trecircs uacuteltimos museus visitados
Graacutefico 6- Primeira coisa a ver em um museu
193
Graacutefico 7- Como se sente durante a visita
Graacutefico 8 - Palavras associadas a museu
194
Graacutefico 9 - Coisas que tem em museus
Graacutefico 10- O que mais agradou nos museus
195
Graacutefico 11- Impressatildeo quando sai do museu
196
Anexo C
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo no
Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo Participantes Weberton Warleson Aline Tiago Fabiana Frederico Daniele Fernando Claudilene ndash
alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG
Elizabeth Seabra e Cristiane Almeida (assistiu e tomou notas)
Elizabeth ndash EacuteEu jaacute falei na sala dessa teacutecnica do grupo focal e a gente vai trabalhar mais ou menos uma
hora uma hora e pouco e a ideacuteia eacute que cada um procure expressar de forma mais livre se isso eacute possiacutevel em grupo
as opiniotildees conceitos as impressotildees o que achar mais adequadoa gente grava e depois transcreve A gente vai
tratar basicamente de trecircs pontos de natildeo der natildeo for possiacutevel aiacute a gente vecirc se estaacute excedendo muito a gente trata soacute
de dois temas Primeiro eu queria que vocecirc fizessem uma apresentaccedilatildeo falando o que vocecircs acham que deve ser
registrado neacute a respeito da identidade da forma que vocecircs preferirem e jaacute falassem nesse primeiro ponto um pouco
de como eacute que vocecircs vecircem esse trabalho que a gente faz com visitas a campo visitas a museus que aspectos que
detalhes vocecircs destacam desse tipo de trabalho Entatildeo jaacute na apresentaccedilatildeo de forma raacutepida ir pensando nos trabalhos passados o que destacariam falariam dessas visitas esse eacute o primeiro ponto A gente faz uma primeira rodada falando
todo mundo a gente encerrada esse ponto Passa para outro e faz uma segunda rodada Pode ser Entatildeo taacute Eu posso
me apresentarvocecircs me ajudam neacute Eu estou aqui hoje como pesquisadora dessa temaacutetica mas claro as coisas natildeo
se separam sou algueacutem que jaacute vem trabalhando nos uacuteltimos trecircs quatro anos com essa turma as visitas meu nome eacute
Elizabeth
(dificuldade de comeccedilar) hesitaccedilotildees quem comeccedila a falar
Meu nome eacute Weberton estudo na Faculdade de Pedro Leopoldo Bem a respeito de visitas a museus
trabalhos de campo visitas a cidades histoacutericas ()a medida que vocecirc amplia seus horizontes faz vocecirc ter uma outra
visatildeo vocecirc contrasta passa ver na praacutetica o que viu na teoria uma metodologia diferente ver eacute isso
Elizabeth Obrigada natildeo precisa preocupar com o gravador natildeo
Meu nome eacute Warleson eu acho que essas visitas a museus cidades histoacutericas igual o Betatildeo falou o
Weberton falou que amplia os horizontes eu acho tambeacutem que natildeo existe um curso de Histoacuteria ou entatildeo um outro curso de licenciatura sem essas visitas teacutecnicas por que acho que ajuda a gente a compreender melhor a mateacuteria que
a gente estaacute estudando natildeo soacute na teoria mas a gente ta vivenciando ela tambeacutem na praacutetica A mesma coisa eacute como se
a gente tivesse dando aula A gente aprende mais tambeacutem para ta colocando essas visitas essas viagens quando a
gente tiver na sala de aula
Aline Eacute praacute mim o interessante dessas visitas a campo eacute que querendo ou natildeo a sala de aula eacute um espaccedilo
fechado as vezes fica assim cansativo vocecirc acaba natildeo entendendo neacute eacute entende mas natildeo tem aquela visatildeo assim
mais ampla e aiacute vocecirc tendo aquele contato com os locais assim como se diz os objetos histoacutericos eu acho assim
que daacute praacute gente um entendimento melhor Minha opiniatildeo eacute essa natildeo sei eacute para todo mundo pra mim o
entendimento da histoacuteria fica mais faacutecil
Meu nome eacute Tiago eacute no meu entender as visitas aos museus contribuem sim com o nossa aprendizagem
parafrasendo o Warleson em certa medida nos daacute a condiccedilatildeo de sair um pouco da teoria e cair um pouco mais na praacutetica se eu posso dizer assim a gente tem o contato com uma determinada realidade Pra vocecirc trabalhar histoacuteria
noacutes trabalhamos com coisas muito abstratas neacute agrave medida que vocecirc chega num museu e tem contato com
determinadas obras aquilo ali pode te remeter um pouco a respeito daquele determinado periacuteodo e entatildeo eacute por isso eacute
muito importante
Meu nome eacute Fabiana aleacutem de ser como aprendizado tambeacutem eacute uma forma de se entender esse conceito
essa ideacuteia de memoacuteria de se preservar o patrimocircnio a importacircncia que eacute alem de ser acho que eacute isso O estaacutegio
que a gente ta fazendo antes a gente tinha uma visatildeo muito limitada quando vocecirc ta dentro vocecirc comeccedila a entender
como eacute que eacute e o trabalho de campo te abre para isso tambeacutem
Frederico Eu acho que quando a gente tem essa oportunidade na Faculdade de ta realizando esse trabalho
de campo ele vem assim de uma forma a gente reconhecer o valor desses espaccedilos pra gente tambeacutem ta trabalhando
ta utilizando esses espaccedilos na escola que uma coisa que a gente vecirc que as escolas ateacute utilizam esses espaccedilos de
memoacuteria mas natildeo utilizam da maneira correta neacute e isso possibilita pra gente ta reconhecendo esses espaccedilos e taacute aprendendo como a gente pode ta utilizando esses espaccedilos a partir da sala de aula e ta reforccedilando essa parceria da
escola com o museu com espaccedilos de memoacuteria e colocando a questatildeo da memoacuteria da educaccedilatildeo patrimonial da
valorizaccedilatildeo neacute do patrimocircnio
197
Meu nome eacute Daniele eu acho fundamental especificamente num curso de licenciatura enfocando na aacuterea da
histoacuteria vocecirc ter esse diaacutelogo com a questatildeo que eacute falada dentro da Faculdade a questatildeo dos conceitos da histoacuteria
das mudanccedilas e permanecircncias e a ida a campo te possibilita infinitas reflexotildees sobre as questotildees que satildeo
confrontadas dentro da sala de aula E o fundamental natildeo soacute a questatildeo de ver a histoacuteria como abstrato mas muito
mais que isso eacute dar uma nova interpretaccedilatildeo quando vocecirc vai agrave campo Entatildeo abre os horizontes agrave medida que vocecirc
pode confrontar vaacuterias visotildees levando em conta o contexto vaacuterias fontes tambeacutem
Meu nome eacute Fernando Eu tambeacutem acho interessante essa ida a campo porque busca um maior
entendimento daquilo que vocecirc vecirc apenas no papel no texto Quando vocecirc vai a um local a um patrimocircnio histoacuterico
a um museu isso possibilita ta mais perto vocecirc vecirc peccedilas exposiccedilotildees aquilo te remete te leva aquele tempo
Elizabeth Agora natildeo tem jeito neacute Soacute falta vocecirc (riso)
Claudilene Eu acho muito importante essas visitas a campo porque aleacutem da gente ta conhecendo novos lugares a gente aprende vaacuterias coisas sobre o passado com relaccedilatildeo ao presente aquilo que por exemplo quando a
gente foi no Museu do Escravo mesmo aquilo que aquelas pessoas passaram naquela eacutepoca os objetos que estatildeo laacute
representados que usavam nos castigos naqueles escravos eu acho muito interessante a histoacuteria neacute
Elizabeth Obrigada (risos) Olha soacute tem duas outras questotildees vou fazer junto e vocecircs fiquem agrave vontade
para falar mais de uma ou outraporque se tiver algueacutem que natildeo vai ao Rio de Janeiro pode responder mais uma ou
outra Todos vatildeo Haacute bom Por que eacute o seguinte o primeiro eu gostaria que vocecircs tentassem relatar ou descrever
trabalhos que jaacute foram feitos Lembrar da situaccedilatildeo o que viu que tipo de fato de contribuiccedilatildeo esse trabalho trouxe
neacute mas assim tentar lembrar alguma referecircncia dessas visitas e aiacute descrever o que aconteceu o que chamou a
atenccedilatildeo natildeo precisa ser soacute que gostou natildeo pode ser tambeacutem o que achou difiacutecil complicado pode avaliar o que de
fato foi essa visita essa experiecircncia e depois a gente coloca a terceira para encerrar Pode ser Vamos comeccedilar daqui
de novo Alguma visita que vocecirc lembra que participou o que chamou a atenccedilatildeo (repete esclarece ) Claudilene Como eu jaacute falei do Museu do Escravo a representaccedilatildeo das peccedilas Naquele laacute de BH Como
chama (respondem) Abiacutelio Barreto Eacute Abiacutelio Barreto gostei demais Pode falar de outros que eu fui Eu fui tambeacutem
em um (Vocecirc foi sozinha) Fui com minha famiacutelia Famiacutelia trapo Foi todo mundo no museu de JK laacute tambeacutem o
que mais interessante que eu achei laacute foi que ele colocou laacute no museu dele o que ele mais gostava na parte da
culinaacuteria Ele gostava de comida no fogatildeo agrave lenha e tinha um queijo laacute em cima do fogatildeo e de preferecircncia de panela
de barro Isso foi que mais gostei
Elizabeth Quando eacute que vocecirc foi Foi recente
Claudilene Eu fui laacute acho em 1994 Nesse museu em Brasiacutelia Teve um em Caraccedilas que eu fui mas soacute que
laacute de Caraccedilas eacute mais soacute eacute artigos religiosos
Elizabeth Vocecirc foi antes de entrar na Faculdade
Claudilene Antes de entrar na Faculdade Fui de JK em Cordisburgo Daquele escritor Ahm (Guimaratildees Rosa) Eacute Guimaratildees Rosa Eu adoro museu
Elizabeth Obrigada
Fernando O Museu que eu mais gostei achei super interessantefoi justamente na eacutepoca que gente tava
entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma visita ao Museu Abiacutelio Barreto em
BHOnde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito
aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava com ele um
laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer uma exposiccedilatildeo como organizar uma
exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo
mostrar aquilo que ta querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super interessante
assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria
Elizabeth Valeu Fernando
Daniele Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles explicaram pra gente como eacute que eacute feita
a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou
natildeo Outro Museu que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por mais que
assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas discutir comentar e as vezes se
faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito
Elizabeth Obrigada
Frederico O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a gente fez
na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E logo depois quando eu comecei a fazer
o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a
198
quantidade de pessoas que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute muito
seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo quais satildeo os materiais que vatildeo ser
expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me
chamou muito a atenccedilatildeo tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava meio perdido ali dentro e
achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar
o entendimento da exposiccedilatildeo e para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse
entender tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar
Elizabeth Soacute Fred uma pequena intervenccedilatildeo Vocecirc mencionou um estaacutegio e a Fabiana tambeacutem Soacute
rapidamente eu gostaria que vocecirc falasse para que algumas pessoas saibam e registrar vamos dizer assim que
estaacutegio eacute esse que vocecirc ta fazendo Frederico A gente comeccedilou esse ano a partir do dia 08 de janeiro um Estaacutegio institucional supervisionado
pela Faculdade Gente taacute realizando no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto todas as semanas a gente vai
periodicamente E no iniacutecio a gente realizou um trabalho de estudo junto com o setor educativo do museu eacute a gente
trabalha direto com o setor educativo no iniacutecio foi um grupo de estudos e a agora a gente jaacute estaacute comeccedilando a partir
dos atendimentos das intervenccedilotildees que o setor faz com os alunos e a gente ta comeccedilando a aprender para que a gente
possa tambeacutem fazer essas intervenccedilotildees Ta sendo muito bacana porque a gente ta conseguindo fazer essa ligaccedilatildeo da
escola com o museu ateacute mesmo por estar trabalhando no setor educativo do museu Taacute dando para aprender bastante
coisa
Fabiana Aprender tambeacutem a importacircncia que eacute a ligaccedilatildeo da escola com o museu A experiecircncia em museu
o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute
que a nossa visita foi guiada foi muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom foi vocecirc ter uma
direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que
direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim No Abiacutelio Barreto estaacute sendo
fantaacutestica a experiecircncia ainda mais no setor pedagoacutegico que a gente ta trabalhando
Tiago No meu caso natildeo eacute o Museu Abiacutelio Barreto natildeo eacute o Museu Imperial nem o Museu do Escravo
(risos) mas () porque eu natildeo tive a oportunidade de ir ( natildeo gosto nem de lembrar) um museu que se destacou
entre os que jaacute visitei foi o Museu Padre Toledo em Tiradentes eu acho que basicamente quase ningueacutem teve a
oportunidade de visitar num cronograma tatildeo corrido dentro das perspectivas de trabalho de campo que o Geraldo
propocircs Entatildeo ningueacutem parou para ver neacute mas eu tive a sorte de que duas semanas antes eu tinha ido laacute entatildeo eu
fui no museu e notei uma coisa muito interessante que eram vaacuterias peccedilas que remetem ao seacuteculo XVIII mas vaacuterias
peccedilas que natildeo tem uma interlocuccedilatildeo a exposiccedilatildeo natildeo te daacute uma oportunidade de fazer uma ligaccedilatildeo entre elas acho que eles se preocuparam tanto em expor o seacuteculo XVIII uma casa do seacuteculo XVIII mas a gente eu no caso natildeo tive
a oportunidade de perceber a ligaccedilatildeo que tinha
Elizabeth Obrigada Tiago
Aline Bom no meu caso natildeo foi o museu natildeo foi o Arquivo da Cidade de BH Eu achei interessante
porque a gente pode ver laacute como que se daacute o armazenamento dos documentos porque se natildeo tiver esse cuidado ele
acaba perdendo no tempo Entatildeo a gente aprendeu laacute o que eacute interessante guardar como que eacute feita a higienizaccedilatildeo
desse material para poder ser guardado e uma que assim que natildeo me agradou muito foi o Museu de Histoacuteria Natural
da PUC A exposiccedilatildeo era interessante demais mas acho assim que era mais voltado para crianccedila sabe As guias do
dia laacute falavam uma linguagem meio infantil acabou que a gente foi com a disciplina de Histoacuteria da Aacutefrica A
professora precisou intervir porque tava uma coisa assim (intervenccedilatildeo do Colega foi Histoacuteria da Ciecircncia e da
Teacutecnica) Foi da Aacutefrica Natildeo foi terceiro periacuteodo Essa mateacuteria aiacute aiacute a professora pode citar o nome Ela precisou
intervir porque natildeo tava sendo interessante para a gente tava muito mecanizado Ela teve que nortear a coisa para estar de acordo com a nossa disciplina O palaacutecio imperial tambeacutem foi bastante interessante mas tambeacutem natildeo deu
nem para observar direito as peccedilas porque foi muito corrido Eacute isso aiacute
Elizabeth Soacute um segundo sei que vai cansando e a gente comeccedila a falar junto mas depois eu natildeo consigo
fazer a transcriccedilatildeo Entatildeo por favor
Warleson Eu jaacute fui no Museu de Guimaratildees Rosa e na eacutepoca eu tava na 8ordf Seacuterie e gostei bastante de ter
ido depois eu ateacute passei na gruta de Maquineacute que eu natildeo sei se entra aqui se eacute o caso() eu gostei mas natildeo lembro
muito do que foi falado laacute soacute lembro que eu fui Eu gosto muito de visita assim tem uma igreja laacute em Congonhas
tambeacutem que eu jaacute visitei e gostei muito do Museu de Artes e ofiacutecios em BH de como que se dava o processo de
trabalho da eacutepoca da exposiccedilatildeo que eu natildeo lembro o tempo a memoacuteria agora ta curta Eu gostei tambeacutem do Museu
199
do Escravo tambeacutem Eu gosto muito dessa ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte
principalmente na religiatildeo
Elizabeth Soacute uma coisa W Vocecirc mencionou Guimaratildees Rosa mesmo em Congonhas vocecirc foi sozinho
com amigos em grupo com a escola
Warleson Laacute no Museu de Guimaratildees Rosa eu fui com a escola quando tava na 8ordf Seacuterie Em congonhas
foi uma excursatildeo que a gente faz para um parque Parque da Cachoeira que tem laacute aiacute a gente passa nessa igreja para
fazer a visita A igreja na eacutepoca estava em reforma mas a gente podia entrar laacute dentro
Elizabeth Aiacute satildeo amigos
Warleson eacute uma excursatildeo assim um especial
Elizabeth Obrigada
Weberton (riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era estruturado objetos que ao mesmo tempo ()
visatildeo que tinha do negro mostrando eles simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa
faltou assim a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro que tinha na
eacutepoca
Elizabeth A questatildeo do terceiro ponto e nossa uacuteltima rodada eacute a nossa visita ao Rio de Janeiro A visita estaacute
marcada pela ideacuteia da comemoraccedilatildeo dos 200 anos da vinda da famiacutelia real e de propoacutesito tambeacutem a gente escolheu
visitas a algumas das exposiccedilotildees relacionadas a esse evento e certamente a gente vai poder conversar sobre o que
foi fazer laacute Mas eu gostaria que vocecircs falassem pensassem da expectativa da visita claro eu imagino que a
expectativa eacute boa alta mas como vocecircs relacionam a questatildeo da memoacuteria que jaacute abordaram que estaacute presente nos
museus e nestes espaccedilos que a gente costuma visitar e questatildeo da histoacuteria e aiacute a gente pode pensar um pouco no
sentido dessa histoacuteria escrita da historiografia daquela eacute trabalhada nos textos na sala de aula e a questatildeo da comemoraccedilatildeo Como vocecirc fazem vecircem isso comemoraccedilatildeo histoacuteria e memoacuteria Como relaciona isso antes das
visitas Como estaacute na cabeccedila tem relaccedilatildeo natildeo tem Natildeo eacute preciso fazer nenhuma tese mas como vecircm noacutes vamos
para um evento assim uma seacuterie de exposiccedilotildees relacionadas a uma comemoraccedilatildeo Aiacute noacutes estamos tratando da
questatildeo da memoacuteria e da histoacuteria Como vocecircs pensam que isso pode ser organizado pensado Pode ser Agora vou
fazer assim quem quer comeccedilar
Daniele Eu acho assim o interessante eacute porque os professores datildeo uma base muito boa para quando vocecirc
vai para a discussatildeo Por mais que a gente vai num periacuteodo assim com essa intenccedilatildeo Taacute sendo comemorado Eacute
muito importante as visitas em diferentes tempos mas eu acho que deve ter um certo cuidado ter uma visatildeo criacutetica
porque essa comemoraccedilatildeo pode daacute uma organizaccedilatildeo para enaltecer essa comemoraccedilatildeo Analisar mas analisar de
forma criacutetica saber se essa comemoraccedilatildeo tem Natildeo sei se consegui me expressar
Elizabeth algueacutem quer tentar expressar Tiago Na verdade pensar a historicidade do evento Se natildeo fica muito naquele negoacutecio do oba oba se natildeo o
propoacutesito principal se perde e
Frederico Aiacute que entra a questatildeo da memoacuteria Eu acho que nem a D falou ser criacutetico A gente ir assim para
focar o ato de comemoraccedilatildeo O que estaacute sendo comemorado Por que Ir com alguns questionamentos e ter alguns
filtros para natildeo ir muito para o lado do () a valorizaccedilatildeo da memoacuteria e buscar nesses momentos o valor histoacuterico
Tiago E o por que de estar sendo comemorado Na Verdade eacute um fato relevante na histoacuteria do Brasil mas
quais que satildeo as pretensotildees de se fazer essa comemoraccedilatildeo quais as implicaccedilotildees disso
Frederico Eu acho que nem tanto o por que mas como estaacute sendo neacute Como eles estatildeo fazendo isso De
que forma estatildeo representando esse momento Momento a chegada da famiacutelia real como isso estaacute sendo
representado
Elizabeth Na cabeccedila de vocecircs esse momento Chegada da famiacutelia real tem uma ldquoaurardquo tem uma
importacircncia Como vocecircs vecircem isso WebertonSim Mudou os rumos do Brasil porque ateacute entatildeo tinha a vigecircncia do pacto colonial (fim da fita
em um dos gravadores) Tinha o comeacutercio metroacutepolecolocircnia e com a vinda da famiacutelia real a abertura dos portos
favorece uma burguesia colonial natildeo sei se burguesia mas a elite brasileira passou experimentar novos mercados
comeacutercios e e isso eacute importante porque a partir do momento que Portugal abriu os portos a elite brasileira viu que
natildeo era vantagem natildeo aceitou mais e comeccedilou a organizar movimentos civis que vai culminar na Independecircncia do
Brasil
Daniela E isso que o B ta falando eacute justamente a de analisar como foi esse acontecimento e qual a visatildeo
que estaacute sendo repassada nessas exposiccedilotildees Tentar na medida do possiacutevel confrontarneacute
Tiago Aleacutem de um sentido poliacutetico e econocircmico a vinda da famiacutelia real traz um sentido cultural forte
200
Elizabeth Acho que ta encerrando mais algueacutem quer fazer alguma consideraccedilatildeo sobre a expectativa dessa
visita ao Rio o que espera ver o que jaacute viu o jaacute visitou
Frederico Conheccedilo Petroacutepolis
Frederico Questatildeo histoacuterica museus natildeo
Outros concordam
Observaccedilatildeo apenas uma participante disse jaacute conhecer o Rio de Janeiro Niteroacutei
Elizabeth Agradeccedilo a todos a Cristiane e depois retorno
201
Anexo D
ROTEIRO TRABALHO DE CAMPO ndash Rio de Janeiro DATAS Saiacuteda de Pedro Leopoldo 30042008 agraves 2230 (noite - quarta)
Retorno d o Rio de Janeiro 03052008 agraves 1200 horas (tarde- saacutebado)
ATIVIDADE ACADEcircMICA CIENTIacuteFICA E CULTURAL ndash 25 h-
5ordf Feira dia 01052008
Chegada ao Hotel Rio‟s Nice Hotel Rua do Riachuelo 201 Centro CEP 20230-011 Rio de Janeiro Rio
de Janeiro telefone 2297-1155 ndash cafeacute da manhatilde
1000 saiacuteda do Hotel para Visitaccedilatildeo ao Corcovado(Cristo Redentor)
Subida de Trem ao Corcovado Saiacuteda Rua Cosme Velho 513 Zona sul Telefones 24922252 e
22051045 Funcionamento de 8 30 agraves 18 30h saiacuteda a cada meia hora Duraccedilatildeo da viagem cerca de 20 minutos
Preccedilo da passagem R$ 3600(inclui ida e volta) aceita Cartotildees de Creacutedito Velocidade da subida 15 kmh Velocidade
da descida 12 kmh
Som e Luz na Antiga Seacute ndash agendado para o grupo chegar agraves 1000 h fazer a visita guiada ao interior da
Igreja e terminar com o espetaacuteculo agraves 1200 h com efeitos sonoros e iluminaccedilatildeo que conta a histoacuteria da antiga seacute Satildeo
projetadas sombras de personagens como reis e padres nas paredes Valor da entrada R4 600 (inclui a visita ao espetaacuteculo)
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO CARMO DA ANTIGA SEacute
A antiga catedral promovida a Capela Real em 1808 foi palco da sagraccedilatildeo de D Joatildeo VI como rei de
Portugal apoacutes a morte de D Maria I Ali se casaram o futuro D Pedro I e D Leopoldina da Aacuteustria em 6 de
novembro de 1817 Rua 7 de Setembro 14 centro 218176-4182 3a5a 9h17h e saacuteb 11h17h agende com
antecedecircncia
Almoccedilo
Horaacuterio 1600 agendado para o grupo
Visita a EXPOSICcedilAtildeO -RIO DE JANEIRO CAPITAL DE PORTUGAL EXPOSICcedilAtildeO ndash
COMEMORACcedilOtildeES DOM JOAtildeO VI NO RIO - 1808-2008
ART SESC - FLAMENGO Rua Marquecircs de Abrantes 99- Flamengo Sede administrativa (21) 3138-
1020 Arte Sesc (21) 3138-1343 Graacutetis
Exposiccedilatildeo mostra a chegada de D Joatildeo no Brasil A vinda para o Brasil de D Joatildeo priacutencipe regente de
Portugal e de sua comitiva e as radicais alteraccedilotildees sobre os destinos e a vida da colocircnia principalmente sobre os
haacutebitos e costumes da cidade apresentadas de forma abrangente os motivos que levaram agrave transferecircncia da Corte as
principais iniciativas por ele tomadas como a criaccedilatildeo do Banco do Brasil da Imprensa Reacutegia do Jardim Botacircnico e
da Capela Real e a chegada da chamada Missatildeo Francesa composta de arquitetos pintores gravadores e artiacutefices
para citar apenas algumas
Noite ndash livre
6ordf Feira dia 02052008
202
Horaacuterio agendado para o grupo 1000 h MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL Praccedila Marechal Acircncora centro
212550-9220R$ 600 EXPOSICcedilOtildeES ndashUM NOVO MUNDO UM NOVO IMPEacuteRIO A CORTE PORTUGUESA NO BRASIL Seu
acervo muito bem preservado e identificado inclui coleccedilotildees de armas carruagens louccedilas pratarias e objetos
pessoais da eacutepoca da corte Promove a partir de 8 de marccedilo uma das mais importantes exposiccedilotildees sobre o periacuteodo
Horaacuterio agendado para o grupo 930 h Biblioteca Nacional- 15 pessoas Av Rio Branco 219 Centro Telefone
21 2220-9484
Visita guiada agrave seccedilatildeo de Manuscritos Perioacutedicos Microfilmados Obras Raras e outros setores Edifiacutecio projetado por
Francisco Marcelino de Souza Aguiar foi inaugurado em 1910 Em estilo neoclaacutessico com imponente escadaria ateacute
o primeiro andar eacute circundado de colunas coriacutentias Seu acervo comeccedilou a ser reunido no seacuteculo XVIII Nele
destacam-se dois exemplares da Biacuteblia de Moguacutencia impressa em 1462 pelos continuadores de Gutenberg a ediccedilatildeo
dos Lusiacuteadas de 1572 a coleccedilatildeo De Angelis e a coleccedilatildeo Teresa Cristina doaccedilatildeo de D Pedro II
AlmoccediloHoraacuterio agendado 0 Exposiccedilotildees ndash Comemoraccedilotildees Dom Joatildeo VI no Rio de Janeiro 1808-20
O Teatro de Debret Entrada Franca
O Teatro de Debret eacute a maior exposiccedilatildeo jaacute realizada sobre Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pintor
integrante da Missatildeo Artiacutestica Francesa que viveu no Rio de 1816 a 1831 Com 511 obras sendo 346 aquarelas 151
pranchas litograacuteficas e cinco oacuteleos do artista aleacutem de nove trabalhos relacionados com ele a mostra revela o Rio
tanto sede do impeacuterio portuguecircs como do Brasil com todos os seus contrastes e exuberacircncias A mostra integra as
comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da Famiacutelia Real
O edifiacutecio onde hoje funciona a Casa Franccedila-Brasil jaacute foi palco de alguns eventos importantes de nossa histoacuteria Mandado erguer em 1819 por D Joatildeo VI ao arquiteto Grandjean de Montigny integrante da Missatildeo
Artiacutestica Francesa a obra em si jaacute eacute um importante documento Eacute o primeiro registro do estilo neoclaacutessico no Rio
de Janeiro que a partir daiacute invadiu nossa cidade tingindo o barroco de nossas florestas e de nossas casas coloniais
de um tom cosmopolita agrave moda europeacuteia
Noite Livre
Saacutebado dia 03052008 Visita ao Jardim Botacircnico Rua Jardim Botacircnico 1008 Exposiccedilatildeo Orquiacutedeas no Jardim
Centenas de espeacutecies entre elas a primeira espeacutecie nativa do paiacutes trazida pelo rei de Portugal Mostra exposiccedilatildeo
paralela Dom Joatildeo VI e a Exploraccedilatildeo e o Estudo das orquiacutedeas no Brasil que mostra a importacircncia da chegada da
corte para o desenvolvimento botacircnico do paiacutes Entrada R$ 400
Tour pela orla e praias de Copacabana Ipanema e outras
Retorno ndash saacutebado agraves 1200 ndash parada na Serra da Mantiqueira para observaccedilatildeo da paisagem
iv
Elton e Teresa
todo o amor que houver nessa vida
v
AGRADECIMENTOS
Agrave professora Ernesta Zamboni pela felicidade de ser sua orientanda participar de seu grupo
de pesquisa e de seu conviacutevio Pela dedicaccedilatildeo com a qual conduz o trabalho acadecircmico e o
cuidado com o ensino de histoacuteria
Agraves professoras do grupo Memoacuteria Maria do Carmo Martins Maria Carolina Boveacuterio
Galzerani Heloiacutesa Helena Pimenta Rocha e Vera Luacutecia Sabongi De Rossi com as quais tive o
prazer de compartilhar minha formaccedilatildeo na Unicamp Agrave professora Cristiani Bereta e ao professor
Miacutelton Joseacute de Almeida pela leitura e indicaccedilotildees quando do exame de qualificaccedilatildeo Agrave professora
Simone Maria Rocha e ao professor Julio Emiacutelio Pereira Diniz que me possibilitaram ampliar as
leituras teoacutericas e metodoloacutegicas desse trabalho ao me receberem como aluna em suas disciplinas
acadecircmicas na UFMG
Aos colegas orientandos da professora Ernesta Zamboni Elaine Marta Tadeu Halferd
Juliana e Valeacuteria pela convivecircncia em Campinas que incluiu discussotildees sobre os limites da
pesquisa e a ampliaccedilatildeo de meus horizontes de expectativas quanto agrave vida cotidiana
Agraves diversas pessoas e instituiccedilotildees como bibliotecas puacuteblicas e museus que possibilitaram
ao longo dos quatro anos a pesquisa bibliograacutefica e documental Registro em nome de todas as
contribuiccedilotildees um agradecimento a Ana Paula Soares Pacheco que natildeo me conhece mas me
enviou de Salvador um livro que esperava ansiosamente para concluir um argumento da tese
Ao pessoal da Faculdade de Pedro Leopoldo a quem devo aleacutem do carinho nos quase dez
anos de conviacutevio profissional a existecircncia dessa pesquisa sobre as visitas a museus Foi em Pedro
Leopoldo que nasceu o desejo de investigar a praacutetica de visitas e a elaboraccedilatildeo do projeto de
doutorado Agradeccedilo a Edna Marta Siuacuteves aos colegas professores Marcos Lobato Geovacircnia
Luacutecia dos Santos Geraldo Magela Mangnini Rafael Machado Cristiane de Castro e Almeida
Juacutenia Sales Pereira Rogeacuterio Pereira Arruda Andreacutea Casa Nova Maia Shirley Aparecida de
Miranda Joseacute Eustaacutequio de Brito Juacutenia Carolina Mariza Guerra de Andrade Ilza Gualberto
Eunice Esteves Humberto Catuzzo e outros que viveram os dias de formulaccedilatildeo e reformulaccedilatildeo
de projetos pedagoacutegicos trabalhos de campo atividades acadecircmicas cientiacuteficas e culturais e
que talvez natildeo desejem serem lembrados por isso
vi
Aos alunos das vaacuterias turmas do Curso de Histoacuteria da Faculdade de Pedro Leopoldo e em
especial da uacuteltima turma de histoacuteria que concluiu a licenciatura em 2008 Eles satildeo os sujeitos
instituiacutedos por essa pesquisa Eacute agrave memoacuteria dos estudantes que quero prestar meu agradecimento
na forma de registro institucional de tese
Aos amigos de ontem e hoje Silvana Flaacutevia Dulce Santuza Cynthia Rogeacuterio Cristiane
Juacutenia Nara Wanderley Miacuteria Miacuteriam e Meire Ao pessoal de casa pai matildee irmatildeo irmatildes
sobrinhas sobrinhos cunhada cunhados vizinhos sempre interessados em como estatildeo indo as
minhas coisas
Aos professores e alunos do Curso de Histoacuteria do Unibh em especial aos professores
Rogeacuterio Arruda e a professora Ana Cristina Lage com os quais tive o prazer de compartilhar um
reencontro com o sabor discutir historiografia agraves sextas-feiras agrave noite
vii
Vista do Salatildeo do seacuteculo XIII do Museu dos Monumentos Franceses
Gravada por Jean Baptiste Reacuteville e Jacques Lavalleacutee Paris 1816
ldquoA mais forte impressatildeo da infacircncia [] foi o Museu dos monumentos franceses tatildeo
desastrosamente destruiacutedos Foi laacute e em nenhuma outra parte que pela primeira vez tive a viva
impressatildeo da histoacuteria Ocupava aqueles tuacutemulos com minha imaginaccedilatildeo sentia aqueles mortos
atraveacutes do maacutermore e natildeo era sem algum terror que penetrava sob aquelas aboacutebodas baixas
onde jaziam Dagobert Chilpeacuteric e Freacutedeacutegonderdquo
Jules Michelet O Povo 1a Ediccedilatildeo Paris 1866
viii
RESUMO
O objetivo central da tese eacute analisar em que medida praacuteticas escolares de visitas a museus podem
romper com os saberes disciplinares e pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de
um conhecimento experiencial a ser mobilizado no ensino de histoacuteria Do ponto de vista teoacuterico
a pesquisa toma a ideia de visitante como um espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) e a
produccedilatildeo da cultura como um modo de vida comum perpassada pelas ideacuteias e praacuteticas sociais
(WILLIAMS 1969 e 1979) Do ponto de vista empiacuterico investiga-se como um grupo de
estudantes de Licenciatura em Histoacuteria em situaccedilotildees educativas de visita constroem sentidos
diversos para o patrimocircnio para o ensino de histoacuteria e a para a memoacuteria cultural Destacam-se
em especial as praacuteticas vivenciadas pelos visitantes no Museu do Escravo de Belo Vale (MG) e
no Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro
Palavras chave Visitantes de Museus Formaccedilatildeo Histoacuterica Patrimocircnio Memoacuteria Formaccedilatildeo de
Professores
ix
ABSTRACT
The main objective of this thesis is to analyze the extent in that school field trips to museums can
modify established disciplinary and pedagogical knowledge and directly influence the production
of knowledge from experience to be mobilized for the teaching of history From the theoretical
viewpoint this study considers the visitor as an emancipated spectator (RANCIEgraveRE 2010) and
the production of culture as a common way of life and determined by the social ideas and
practices (WILLIAMS 1969 and 1979) From the empirical viewpoint we investigated the way
how history licensure students construct various meanings to the heritage in field trips for the
teaching of history and the cultural memoryThe practices experienced by the visitors to the Slave
Museum in Belo Vale State of Minas Gerais and the National History Museum in Rio de
Janeiro state of Rio de Janeiro are given special emphasis
Keywords Museum Visitors History Formation Heritage Memory Teacher Education
x
Lista de ilustraccedilotildees
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura Production of CultureCultures of
Production Londres Sege 1997 32
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio interno do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006 33
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do Museu Histoacuterico Nacional
2008 33
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em 2011 35
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt Acesso em 2011 37
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila
Belo Vale MG 2006 72
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007 77
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no paacutetio central tendo ao
fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006 79
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da monitora no paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 79
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao tronco no paacutetio interno do
Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006 80
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 83
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 84
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677 85
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I Palazzo Vecchio Firenze
1570-1573 86
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias da visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 88
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no Salatildeo (Quatre heures au
Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do Louvre Paris 1847 90
xi
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955 Ilustraccedilatildeo da capa de
The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros)
Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell 92
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962 Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo
produzida para a ediccedilatildeo do Saturday Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular 92
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus
visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009 98
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade de Belo Vale 110
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos visitantes 111
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm 113
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale MG Fonte
Disponiacutevel em lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso em 2011 114
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo desconhecido Museu do Escravo
Belo Vale 2006 116
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006 118
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno do Museu do Escravo 2006
119
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute Diegues Museu do
Escravo 2006 120
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil regente de Portugal
Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um
Novo Impeacuterio - A Corte Portuguesa no Brasil2008 p18 123
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Cultura 1957 130
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da Minerva Entrada do Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Cultura IPHAN Guia do Visitante sd 130
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional 132
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio
da Educaccedilatildeo e Cultura 1957 133
xii
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 134
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo Mundo um novo impeacuterio
A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 140
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro
2008 143
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um novo impeacuterio A corte
portuguesa no Brasil18082008 Brasil-Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
148
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de
Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008 150
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave Exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008 152
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio Janeiro 2008 152
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A metroacutepole nos troacutepicos
Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
154
xiii
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica 9
11- Memoacuteria e narrativas de visitas 13
12 - A presenccedila de estudantes 19
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica 25
14- Circuito e circularidade cultural 30
15- Visitantes de museus espectadores emancipados 39
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes 45
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico 45
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus 54
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos 58
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade 63
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes 71
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes 82
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal 82
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus 88
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus 94
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos 99
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais 109
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais 109
42 - O escravo e o museu 113
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo 115
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo 117
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees 122
xiv
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio 122
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros 134
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo 142
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica 149
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 158
DOCUMENTOS 165
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 168
ANEXOS 188
1
INTRODUCcedilAtildeO
A descriccedilatildeo feita historiador Jules Michelet (1798-1874) de sua visita na infacircncia ao
Museu dos Monumentos Franceses e seu encontro com a histoacuteria ldquovivardquo da Franccedila continua
estimulando reflexotildees sobre os efeitos de sentidos dos museus para a histoacuteria a memoacuteria e o
patrimocircnio A visatildeo de Michelet a respeito dos tuacutemulos de maacutermore dos heroacuteis meroviacutengios
remete aos vaacuterios sentimentos provocados em noacutes visitantes pelo Panteatildeo dos Inconfidentes na
cidade de Ouro Preto Tambeacutem evoca os sentidos puacuteblicos da existecircncia do mausoleacuteu imperial
inaugurado por Getuacutelio Vargas em 1939 na catedral de Satildeo Pedro de Alcacircntara em Petroacutepolis
Rio de Janeiro onde estatildeo os tuacutemulos de D Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina
O Museu dos Monumentos franceses organizado por Alexandre Lenoir teve curta
duraccedilatildeo Ele existiu no conturbando periacuteodo entre 1795 e 1816 Contudo o efeito que a visita a
esse museu exerceu sobre o menino Michelet e em sua concepccedilatildeo de Histoacuteria parece duradouro
o uso da imaginaccedilatildeo para que os mortos ganhem vida
Meu encontro com os museus natildeo pode ser comparado ao relatado pelo historiador da
Revoluccedilatildeo Francesa Sequer fui a um museu quando crianccedila Minha relaccedilatildeo mais proacutexima com
essas instituiccedilotildees e com o imaginaacuterio que as cercam se aproxima da escolha da Histoacuteria como
campo profissional Foi durante a graduaccedilatildeo em histoacuteria que me aproximei dos museus como
visitante e pude posteriormente como professora de Histoacuteria no ensino fundamental e superior
experimentar diferentes instituiccedilotildees museais acompanhando grupos de estudantes muitos deles
tambeacutem visitando um museu pela primeira vez
Nas praacuteticas de visita ouvi e vi diversas vezes o encantamento e a decepccedilatildeo dos
estudantes diante do patrimocircnio monumentalizado Ao percorrer pela primeira vez ruas e becos
da cidade de Ouro Preto em 1994 um estudante de 14 anos cursando o ensino fundamental em
uma escola puacuteblica de Belo Horizonte olhava deslumbrado e me disse que nunca havia
imaginado que uma ldquocidade histoacutericardquo fosse igual agrave favela onde morava cheia de morros e casas
apertadas Outra estudante do curso de licenciatura em Histoacuteria da Faculdade onde trabalhava ao
visitar o Museu Imperial se mostrava bastante incomodada e escreveu posteriormente em seu
relatoacuterio de visita em 2005 que lhe parecia que soacute havia milionaacuterios em Petroacutepolis Ningueacutem
falava de quem construiu o palaacutecio quem trabalhou laacute dentro servindo a famiacutelia imperial como
2
se vestiam as empregadas que lavavam as ricas porcelanas e limpavam os quartos mobiliados
suntuosamente se existia alguma capelinha ou ldquocentro de macumbardquo onde os negros se reuniam
No seu relato a aluna lembra que historiadores como Marcos A da Silva jaacute falavam dos riscos de
se trabalhar com o ldquopatrimocircnio histoacutericordquo afastado do cotidiano do ensino de histoacuteria Ningueacutem
falou disso laacute no Museu relatou a visitante Os guias os materiais impressos soacute falam dos preccedilos
das casas das joacuteias e vestimentas da famiacutelia imperial concluiu Maria da Conceiccedilatildeo Machado
Viana em seu Relatoacuterio de Visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis em 2005
O objeto desta pesquisa parte desse lugar do visitante que problematiza suas vivecircncias
evidencia crenccedilas expressa opiniotildees e amplia sua formaccedilatildeo histoacuterica e profissional em diaacutelogo
com as praacuteticas educativas que ocorrem em ambientes natildeo escolares como os museus
O interesse por esse tipo de investigaccedilatildeo surgiu desses momentos em que a visita
provocava o encontro de uma histoacuteria viva com os visitantes possibilitando emergir questotildees que
interpelavam os sujeitos colocando-os em accedilatildeo posicionando-os em relaccedilatildeo aos museus ao
ensino de histoacuteria agrave historiografia e agraves praacuteticas de memoacuteria Diante dos museus e colocados em
situaccedilotildees de interaccedilatildeo os visitantes-estudantes eram capazes de se reconhecerem reciprocamente
como parceiros protagonistas numa situaccedilatildeo de troca
A pesquisa para o doutoramento eacute esse esforccedilo para construir uma narrativa a partir dos
vestiacutegios deixados pelos visitantes Busco articular o tempo de minha proacutepria formaccedilatildeo de meu
exerciacutecio profissional como professora de Histoacuteria e da minha atual condiccedilatildeo de pesquisadora na
aacuterea de educaccedilatildeo Eacute do lugar do presente que pretendo materializar meu objeto de pesquisa as
visitas educativas a museus tomadas como foco para a anaacutelise dos usos do patrimocircnio cultural
pelos visitantes
Procuro nesse trabalho reunir numa narrativa (RICOEUR 2010 p2-3) as vozes muacuteltiplas
e dispersas dos visitantes numa siacutentese escrita criando uma nova pertinecircncia capaz de dar novos
sentidos e referecircncias para o patrimocircnio musealizado Um movimento de fixar e conservar rastros
que satildeo escassos pegadas que satildeo poucas pois a visita pensada pela loacutegica da ldquoconservaccedilatildeordquo
dos museus natildeo deve deixar marcas nos pisos originais natildeo deve deixar sobras do consumo de
alimentos nas aacutereas comuns como jardins natildeo se deve fotografar as exposiccedilotildees e nem carregar
objetos durante o trajeto de visita guiada pelos museus
3
O visitante que procuro constituir pela pesquisa sente necessidade de se expressar de
tornar-se presenccedila Os efeitos de sentido natildeo lhes vecircem automaticamente do passado das
reminiscecircncias individuais mas do investimento que ele faz no seu presente a partir de sua
condiccedilatildeo de estudante para tornar presenccedila o que soacute existe como ausecircncia Para minha sorte as
visitas que acompanhei natildeo foram silenciosas Haacute uma escassez momentacircnea de palavras
adequadas para nomear sentimentos de maneira profunda natildeo haacute excessos aparentes no visitante
ele fala posteriormente no ocircnibus na sala de aula da falta que o calou O visitante olha e faz
suas opccedilotildees diante da narrativa do museu quase como uma imposiccedilatildeo da dimensatildeo do
esquecimento entendido como parte constitutiva do trabalho de memoacuteria ele quer registrar sua
presenccedila e sua opiniatildeo
O encontro de visitantes e museus eacute cheio de lapsos e apagamento dos rastros como de
qualquer praacutetica cultural que se queira narrar depois de decorrido o tempo da accedilatildeo O auto-retrato
formativo dos visitantes eacute sempre de itineracircncias e erracircncias nunca um quadro completo Se o
traccedilado a ser esboccedilado eacute histoacuterico o museu mostra-se nessa pesquisa como um lugar habitado por
corpos hierarquias sociais econocircmicas religiosas e culturais mas que tambeacutem insistem em se
tornar utopia e imagens que teimam em povoar provisoriamente a imaginaccedilatildeo
A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita emergir um campo de
investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em relaccedilatildeo ao saber histoacuterico
a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante
permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo
como o passado permanece como passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa
experiecircncia temporal essa vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que
experimentada abre o potencial de futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
A problematizaccedilatildeo das situaccedilotildees de visita a museus justifica-se por contribuir para uma
reflexatildeo sobre o ensino de histoacuteria como aacuterea de pesquisa e estreitar os viacutenculos com a produccedilatildeo
do conhecimento histoacuterico As visitas a museus podem propiciar um tipo de formaccedilatildeo histoacuterica
dialoacutegico principalmente com a cultura visual e material
Do ponto de vista teoacuterico e metodoloacutegico eacute importante apontar como os museus se
apresentam como um ldquocampo de forccedilasrdquo capaz de romper com os saberes disciplinares e
4
pedagoacutegicos incidindo diretamente sobre a produccedilatildeo de um conhecimento experiencial a ser
mobilizado no ensino de histoacuteria
O contato de estudantes-visitantes com o patrimocircnio cultural musealizado amplia a
compreensatildeo das linguagens expositivas e educativas dos museus a relaccedilatildeo entre objetos
museais seus significados e os coacutedigos mais amplos de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo cultural (HALL
1997 2003)
Diferentemente dos postulados que entendem o ldquodiscurso pedagoacutegicordquo como aquele a ser
transmitido e recebido que se constitui pela recontextualizaccedilatildeo de outros discursos o
conhecimento escolar eacute aqui entendido como um trabalho coletivo um texto em aberto que exige
a participaccedilatildeo de alunos e professores e natildeo uma mercadoria a ser reproduzida e consumida
pelos estudantes (SANTOS 1994 p31)
A pesquisa tem como tema central a anaacutelise das dinacircmicas e interaccedilotildees entre estudantes
em visitas educativas a instituiccedilotildees museais Visitas essas que se concretizam nas accedilotildees dos
visitantes frente agraves linguagens expositivas presentes nos museus nas concepccedilotildees de memoacuteria
patrimocircnio e histoacuteria dos visitantes e na produccedilatildeoelaboraccedilatildeo de sentidos e seus usos do
patrimocircnio cultural sempre considerando questotildees relativas agraves subjetividades identidades
profissionais experiecircnciatrajetoacuteria de vida formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
A premissa inicial de trabalho postula que estudantes ao visitarem museus tornam-se parte
constitutiva do movimento de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo dos conhecimentos de seus acervos
Entende-se que as experiecircncias vividas pelos sujeitos profissionais dos museus e visitantes
possibilitam mobilizar e atualizar saberes dos profissionais dos museus e saberes daqueles que
visitam museus
A justificativa para essa abordagem baseia-se em certo consenso de que a formaccedilatildeo para o
ensino de histoacuteria pode ser potencializada pelo uso de espaccedilos culturais como os museus A
cultura escolar como afirmam Marcos Silva e Selva Guimaratildees Fonseca natildeo pode ser entendida
como um fenocircmeno isolado caracterizada exclusivamente pelo conjunto de saberes elaborado ao
redor da proacutepria praacutetica de ensino mas como aquela que ldquomanteacutem laccedilos permanentes com outros
espaccedilos culturaisrdquo Na visatildeo destes autores estes laccedilos vatildeo desde a formaccedilatildeo de professores
(universidade) passando pela produccedilatildeo erudita com que estes profissionais tiveram e continuam
5
a ter contato (artigos livros) e pela divulgaccedilatildeo de saberes (livros didaacuteticos cursos exposiccedilotildees
simpoacutesios) elaborados naqueles mesmos espaccedilos (SILVA E FONSECA 2007 p8)
Os museus estatildeo incluiacutedos nesse universo de saberes e satildeo aqui privilegiados por
propiciarem natildeo um ldquolugar de memoacuteriardquo mas ldquoentre-lugaresrdquo para a formaccedilatildeo histoacuterica de
professores e alunos Os museus encontram-se nas fronteiras dos espaccedilos fiacutesicos e processos
formais e natildeo formais1 de educaccedilatildeo
As visitas a museus satildeo uma possibilidade de ampliaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e
profissional para aleacutem do espaccedilo escolar e ao mesmo tempo de trazer para o cotidiano de
formaccedilatildeo muacuteltiplas dimensotildees histoacutericas poliacuteticas e culturais Situaccedilotildees de visita a museus
permitem investigar nesse caso a hipoacutetese da circularidade da cultura Articulam-se reflexotildees
sobre as experiecircncias proacuteprias ao campo de trabalho docente em Histoacuteria aos saberes elaborados
no campo da museologia identificando a circulaccedilatildeo dupla de saberes especiacuteficos elaborados nos
dois campos distintos de um universo conceitual a outro e retornando ao campo profissional de
forma sistematizada
Estudantes de graduaccedilatildeo compotildeem o puacuteblico de museus seja nas visitas espontacircneas
como aponta pesquisa sobre perfil de puacuteblico-visitantes2 seja como participantes de visitas
escolares organizadas Eacute essa a situaccedilatildeo a ser explorada pela pesquisa os sujeitos em situaccedilotildees
educativas de visita elaboram e explicitam sentidos acerca dos acervos das instituiccedilotildees
museoloacutegicas analisam e confrontam discursos historiograacuteficos e formulam novos problemas e
possibilidades de interpretaccedilatildeo do patrimocircnio cultural musealizado
O campo e os procedimentos de investigaccedilatildeo nessa pesquisa privilegiam os relatos
escritos e fotograacuteficos e recolhas documentais feitas pelos proacuteprios estudantes durante as visitas
aos museus A anaacutelise dos documentos produzidos pelos museus como cataacutelogos materiais
pedagoacutegicos folhetos informativos e orientaccedilotildees instucionais satildeo utilizados nos dois recortes
1 Alguns especialistas defendem que a educaccedilatildeo realizada em museus difere da educaccedilatildeo formal por seu caraacuteter natildeo
cumulativo natildeo apresentando conteuacutedos organizados numa sequumlecircncia como o curriacuteculo escolar Ver Park Fernandes e Carnicel (Org) 2007 p 203-210 2 Pesquisa realizada em 2005 pelo Observatoacuterio de Museus e Centros Culturais em 11 Museus do Rio de Janeiro
com visitantes selecionados por amostragem ao final da visita entre natildeo participantes de visitas escolares
organizadas constatou que este puacuteblico eacute altamente escolarizado chegando a 475 que declararam ter concluiacutedo o
ensino superior 237 o superior incompleto e 24 o ensino meacutedio restando apenas 48 que cursou ateacute o
fundamental completo Paralelo agrave escolaridade o dado referente agrave ocupaccedilatildeo encontrou entre aqueles que declaram
natildeo exercer atividade remunerada 53 de estudantes Ver Observatoacuterio 2006
6
propostos pela anaacutelise a partir do diaacutelogo que estabelecem com a compreensatildeo dos visitantes e
seus quadros de leitura Assim a leitura posta pelos museus entra em circulaccedilatildeo e eacute explorada na
forma de diferentes praacuteticas de confronto de recusa de usos e de valorizaccedilatildeo pelos visitantes
Para promover as leituras dos visitantes sobre os museus analiso os relatos dos
licenciandos em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte
em visita a diferentes instituiccedilotildees A escolha das visitas decorreu de diversos procedimentos de
anaacutelise experimentados ao longo da pesquisa e que consideram tanto os limites aparentes dessas
fontes quanto as possibilidades dadas e permitidas Foram muitas idas e vindas em relaccedilatildeo ao
repertoacuterio ou indiacutecios documentais produzidos pelos estudantes e disponiacuteveis para o uso nessa
pesquisa A abundacircncia de material e de museus visitados pelo grupo de estudantes aponta o
papel da instituiccedilatildeo formadora na produccedilatildeo dessas fontes O estiacutemulo agraves atividades de visitas abre
possibilidades de ampliaccedilatildeo do repertoacuterio ou do arquivo com vestiacutegios brutos desorganizados
um turbilhatildeo de personagens incidentes perguntas sem respostas Praacuteticas tradicionais de leitura
dos museus e novas leituras convivem nos relatoacuterios O uso e a valorizaccedilatildeo de diferentes
princiacutepios de anaacutelise sua articulaccedilatildeo e coerecircncia interna satildeo materializadas pelo grupo de
estudantes e datildeo suporte a um acervo de memoacuterias escritas e fotograacuteficas das visitas elaborado na
perspectiva de um grupo especiacutefico de visitantes
Ao utilizar os relatos dos estudantes de licenciatura em Histoacuteria como fonte para o estudo
das experiecircncias de formaccedilatildeo cria-se uma opccedilatildeo e alternativa para compreendermos os
imbricamentos entre os discursos das instituiccedilotildees formadoras as narrativas de museus e os
estudantes-visitantes com suas histoacuterias de vida suas motivaccedilotildees crenccedilas escolhas de percurso
e atitudes durante a visita A construccedilatildeo de narrativas das visitas permite agrave pesquisa a partir de
experiecircncias localizadas e pessoais interrogar sobre o contato sociocultural de um grupo
especiacutefico de visitantes com outros grupos e temporalidades mais amplas
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo histoacuterica dos sujeitos frente agrave
experiecircncia de contato com os museus Os relatos dos visitantes entendidos como a principal
fonte documental para esse trabalho permitem discutir como um grupo ou um mesmo estudante
vecirc diferentes museus Como faz a leitura de cada um deles e encontra as diferenccedilas entre as
narrativas de cada museu Esse conjunto documental possibilita explorar complexas relaccedilotildees do
7
processo vivo dinacircmico e ativo de construccedilatildeo de conhecimentos e ensino de histoacuteria em especial
dos conceitos de cultura memoacuteria e patrimocircnio
A organizaccedilatildeo final do trabalho busca combinar em cada capiacutetulo dois movimentos ndash
discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas e a anaacutelise das fontes ou relatos dos visitantes O texto final
da tese eacute composto de cinco capiacutetulos No primeiro capiacutetulo eacute apresentado o tema central da
pesquisa visitas a museus Discute-se o papel das visitas de estudantes a museus para a formaccedilatildeo
histoacuterica Eacute proposta uma anaacutelise das visitas a partir dos relatos dos visitantes centrada em uma
noccedilatildeo de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos que promova uma ruptura com as ideacuteias de
representaccedilatildeo e recepccedilatildeo da cultura Satildeo articulados os referenciais teoacutericos e conceitos que
fundamentam a anaacutelise
No segundo capiacutetulo eacute retomado o debate sobre os puacuteblicos de museu e apresentado o
recorte empiacuterico da pesquisa constituiacutedo por um grupo de 15 estudantes de licenciatura em
Histoacuteria de uma Faculdade particular na regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte que realizaram
visitas entre 2005 e 2008 Satildeo caracterizadas as praacuteticas de formaccedilatildeo e produccedilatildeo de
conhecimentos a partir dos registros dos visitantes Um questionaacuterio uma entrevista oral no
formato de grupo focal e fotografias produzidas pelos proacuteprios visitantes durante as visitas satildeo os
trecircs instrumentos de produccedilatildeo de dados
O terceiro capiacutetulo faz uma ligaccedilatildeo entre os dois primeiros e os dois uacuteltimos capiacutetulos
Apresenta um balanccedilo bibliograacutefico que tem por objetivo indicar eixos de discussatildeo presentes no
campo museal e produzir um exerciacutecio metodoloacutegico que contribua para explicitar a dinacircmica de
interaccedilatildeo e construccedilatildeo de sentidos pelos visitantes professores e alunos em visitas agraves duas
instituiccedilotildees museais que seratildeo destacadas nos capiacutetulos quatro e cinco Satildeo abordadas as questotildees
relativas agrave historicidade dos museus os campos e conceitos a ele relacionados a atualidade do
tema nas pesquisas acadecircmicas Estas referecircncias analiacuteticas visam definir um quadro teoacuterico-
conceitual e sistematizar as discussotildees em torno do conceito de museu
No capiacutetulo quatro eacute apresentada uma reflexatildeo sobre a visita realizada no segundo
semestre de 2006 ao Museu do Escravo em Belo Vale (MG) Satildeo confrontados os relatos escritos
e fotograacuteficos produzidos pelos visitantes e argumenta-se que os estudantes ao visitarem este
museu histoacuterico tornam-se parte constitutiva do processo de produccedilatildeo e disponibilizaccedilatildeo das
informaccedilotildees de seu acervo
8
O quinto capiacutetulo enfatiza a criacutetica do mesmo grupo de estudantes que visita em 2008 a
exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional ldquoUm novo mundo um novo Impeacuterio a Corte Portuguesa
no Brasil ndash 1808-1822rdquo O capiacutetulo procura refazer o percurso dos visitantes considerando duas
referecircncias o discurso expositivo do museu e a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes A partir da
situaccedilatildeo de visita e da formaccedilatildeo procuramos entender como os visitantes descrevem analisam
interpretam e fundamentam suas escolhas e gostos A visita ao Museu Histoacuterico Nacional
possibilitou abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o
patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus pelos visitantes
A pesquisa se integra agraves questotildees discutidas pela aacuterea de concentraccedilatildeo Educaccedilatildeo
Conhecimento Linguagem e Arte e pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo agrave
medida que busca investigar a produccedilatildeo de conhecimentos em suas articulaccedilotildees com as praacuteticas e
discursos empreendidos por instituiccedilotildees como os museus e as interaccedilotildees construiacutedas pelos
sujeitos em situaccedilotildees de visita escolar a estas instituiccedilotildees
9
CAPIacuteTULO I - Narrativa presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica
Visita ao museu
No dia 26 de setembro de 2005 fomos ao museu Abiacutelio Barreto em Belo
Horizonte A visita foi bem interessante e totalmente diferente do que eu imaginava porque em minha mente o museu era um local em que as pessoas iam para ver coisas
velhas Durante e apoacutes a visita minha visatildeo mudou por completo percebi que um
historiador tem vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos A partir de
uma montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes
dependendo da maneira que esse material foi exposto como fizemos na dinacircmica
O museu tambeacutem desenvolve um trabalho diferente dos que eu jaacute visitei Ao
mesmo tempo em que eles estatildeo preservando a memoacuteria da cidade estatildeo tambeacutem
integrando o objeto ao cotidiano da sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo
Horizonte era apenas um arraial chamado Curral Del Rei o iniacutecio do avanccedilo
tecnoloacutegico e ateacute os dias de hoje Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para virar
objeto museoloacutegico A organizaccedilatildeo eacute oacutetima Na sede do museu satildeo desenvolvidos vaacuterios
trabalhos como projetos restauraccedilatildeo de materiais etc Gostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuterias O visitante ao inveacutes de ir para visitar somente o
casaratildeo faz um circuito por toda a aacuterea do museu A exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que
queiram ver
Como temos visto em nosso curso principalmente em Teoria II o historiador
trabalha em cima de perguntas (segundo Annales) e os objetos que vimos podem nos dar
vaacuterios tipos de respostas A visita ao museu foi uma aula praacutetica de como se fazer
Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes3 Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
Belo Horizonte MG Curso de Histoacuteria 2ordm periacuteodo Faculdade Pedro Leopoldo MG
2005)
O relato de Maria Joseacute Mendes sintetiza de maneira particular sua experiecircncia4 de visita a
um museu e aborda conteuacutedos histoacutericos e historiograacuteficos anaacutelises sentimentos valores O
relato da estudante eacute polifocircnico no sentido que lhe atribui Clifford (1988) uma produccedilatildeo que
reuacutene numa escrita proacutepria aproximaccedilotildees pessoais estrateacutegias de aprendizagem escolar
enredos acontecimentos significados muacuteltiplos e modos de negociar e apresentar questotildees
impliacutecitas quadros e tramas mais amplas
3 A visitante eacute uma aluna do curso de Licenciatura em Histoacuteria do Instituto Superior de Educaccedilatildeo da Faculdade
Pedro Leopoldo na regiatildeo metropolitana de BH fez parte da turma que visitou diversos museus e seu relatoacuterio
compotildee o conjunto de narrativas de visitas a museus analisados nessa pesquisa 4 Para Dewey (2010 p90-91) as partes constitutivas da experiecircncia satildeo emocional praacutetica e intelectual A
experiecircncia eacute um todo diversificado um fluxo cujos diferentes atos e episoacutedios mesclam-se e fundem-se
Intercacircmbio e fusatildeo satildeo contiacutenuos
10
O registro da visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto feito por Maria Joseacute Mendes eacute uma
praacutetica de escrita que se configura em plano de produccedilatildeo mais restrito como um relatoacuterio de
avaliaccedilatildeo de um trabalho escolar Todavia colocados os contornos mais abrangentes das
condiccedilotildees de produccedilatildeo desse tipo de narrativa se reconhece uma praacutetica de formaccedilatildeo que avalia
situaccedilotildees do cotidiano escolar
As narrativas de visitantes como a da estudante acima satildeo consideradas fontes
documentais para essa pesquisa sobre a formaccedilatildeo histoacuterica que reivindica um lugar para os
sujeitos frente agraves grandes narrativas histoacutericas como as dos museus As situaccedilotildees vividas nas
visitas escolares a museus retomadas ao longo do capiacutetulo pela narrativa de Maria Jose Mendes
satildeo referecircncias para a reflexatildeo sobre o protagonismo do visitante que interroga o museu e confere
mobilidade agraves suas narrativas expositivas Esse tipo de registro tambeacutem aponta indiacutecios dos usos
do patrimocircnio cultural pelos visitantes e da aprendizagem em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo histoacuterica aberta
pelas visitas aos museus
A visitante em questatildeo eacute parte de um grupo5 no qual me incluo como professora e que
como ela mesma indica com o uso do verbo na primeira pessoa do plural fomos ao museu para
realizar uma atividade curricular atribulados por vaacuterios condicionantes de velocidade e aparatos
tecnoloacutegicos proacuteprios da cultura contemporacircnea Maria Joseacute Mendes eacute uma das alunas do curso
de licenciatura em Histoacuteria de uma faculdade particular da regiatildeo metropolitana de Belo
Horizonte Minas Gerais que nessa condiccedilatildeo de ldquoexperiecircnciardquo empreende com seus colegas
visitas planejadas a museus6 Eacute uma jovem estudante membro de uma ldquoaudiecircncia histoacuterica e
situadardquo mas que responde tambeacutem agraves expectativas de visitante inscritas nas atividades
educativas do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto que passou por projeto de revitalizaccedilatildeo entre 1993
e 20037
Enquanto os museus satildeo entendidos como autoridades por suas funccedilotildees sociais e
histoacutericas de produtores de memoacuteria de patrimocircnio e de preferencial para a leitura dessa
5 Uma caracterizaccedilatildeo do grupo de visitantes e das visitas efetivamente realizadas seraacute apresentada e discutida no segundo capiacutetulo 6 As visitas a museus arquivos bibliotecas empresas ambientes naturais e outros locais satildeo realizadas como
disciplinas acadecircmicas com uma dimensatildeo praacutetica e ou como Atividades Acadecircmicas Cientiacuteficas por diversas
instituiccedilotildees de ensino superior da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte como a PUC-MG UNIFEMM Ver
Fonseca (2009) e Pereira (2007) 7 Ver balanccedilo do ldquoprocesso de revitalizaccedilatildeordquo do MHAB organizado por sua diretora Thais Pimentel e publicado em
2004 (PIMENTEL 2004)
11
materialidade o visitante luta para instituir-se e produzir sentidos em presenccedila daquela instacircncia
reguladora e autorizada de recursos O visitante no uso de recursos variados de linguagem cria
uma situaccedilatildeo de disputa e inibe certas manifestaccedilotildees trazidas pelos museus
O visitante diante dos cenaacuterios especiacuteficos de cada museu cria categorias de anaacutelise
analogias identifica contradiccedilotildees contrastes e diferenccedilas Enquanto o museu traz uma memoacuteria
histoacuterica instituiacuteda os visitantes tornam as experiecircncias de visita memoraacuteveis
A abordagem metodoloacutegica dessa pesquisa concebe as visitas como um ldquotrabalho de
campordquo no sentido que lhe atribui Alba Zaluar (1986 p107) A antropoacuteloga natildeo estabelece uma
separaccedilatildeo entre investigador e investigados e nem correlaciona uma maior objetividade da anaacutelise
com uma maior despersonalizaccedilatildeo dos sujeitos O conhecimento para ela eacute um ldquoencontro de
subjetividadesrdquo atos gestos enunciados e natildeo simplesmente um coacutedigo a ser decifrado ou um
levantamento de significados em seus contextos (ZALUAR 1986 p109) Assim como o
trabalho de campo8 soacute pode ser delimitado pelos processos de tomada de decisatildeo do pesquisador
e as estrateacutegias adotadas em meio aos conflitos por quem participa da accedilatildeo as visitas escolares a
museus natildeo podem ser entendidas apenas no sentido e da perspectiva da recepccedilatildeo
Os visitantes natildeo satildeo meros espectadores das propostas elaboradas pelos museus9 Os
visitantes satildeo atores levados a tomar decisotildees e princiacutepios geradores de novas praacuteticas A visita eacute
relacionada a outras que jaacute fizeram e satildeo consideradas como parte de sua formaccedilatildeo de futuros
professores de histoacuteria Visitar um museu eacute analisaacute-lo como fonte para visitas futuras
acompanhando seus proacuteprios alunos
O foco no visitante examina como ele se sente ou natildeo estimulado a construir sua proacutepria
narrativa da visita e quais suas estrateacutegias de inclusatildeo nos museus Como se posiciona e acessa
seus arquivos pessoais e memoacuterias e os confronta agravequeles reunidos no museu tais como objetos
textos imagens dispositivos de interatividade o percurso ou ainda os coletados e reunidos como
parte do trabalho de sistematizaccedilatildeo da visita
Do ponto de vista empiacuterico a pesquisa mostra de que forma durante um curso de
formaccedilatildeo superior eacute possiacutevel abandonar modelos transmissivos de ensino e apostar em estrateacutegias
8 Ver Roteiro do trabalho realizado no Rio de Janeiro em 2008(Anexo C) 9 Em geral a elaboraccedilatildeo de propostas educativas eacute responsabilidade dos setores educativos dos museus e de
especialistas (consultores pesquisadores) O puacuteblico eacute convocado a responder aos modelos propostos (recepccedilatildeo)
12
de produccedilatildeo de conhecimento que tenham impacto sobre a profissionalizaccedilatildeo docente em histoacuteria
e os processos mais gerais de produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico e formaccedilatildeo histoacuterica
Um passo importante eacute reconhecer que esse conhecimento histoacuterico se apresenta sob a
forma de imagens crenccedilas convicccedilotildees metaacuteforas regras e princiacutepios de orientaccedilatildeo para a vida
praacutetica profissional Nesse sentido essa pesquisa tem mais interesse nos sujeitos e suas agecircncias
do que na histoacuteria das instituiccedilotildees museais
A pesquisa parte de uma reflexatildeo sobre os relatos de visita a museus constituindo a partir
deles narrativas que fazem dialogar conceitos e experiecircncias que se produzem no campo dos
museus e em suas relaccedilotildees com a escola estabelecendo possibilidades e limites para a abordagem
do proacuteprio visitante
O registro de Maria Joseacute Mendes eacute uma referecircncia inicial para a reflexatildeo e produccedilatildeo por
parte do proacuteprio visitante de saberes Podem ser identificados pelos relatos os diversos saberes
que compotildeem a formaccedilatildeo histoacuterica conhecimentos de caraacuteter disciplinar ou historiograacutefico que
compotildee a matriz disciplinar da histoacuteria saberes curriculares ou relativos a objetivos meacutetodos e
estrateacutegias de ensino saberes pedagoacutegicos relacionados agraves concepccedilotildees de educaccedilatildeo e os saberes
praacuteticos da experiecircncia10
Entendo que as visitas natildeo se constituem no simples cumprimento de um programa de
educaccedilatildeo patrimonial oferecido por museus eou escolas ou ainda em passeios turiacutesticos
realizados por escolha dos visitantes individualmente A presenccedila de estudantes em museus estaacute
relacionada a uma praacutetica de visitas e agrave formaccedilatildeo histoacuterica
Procuro nesse primeiro capiacutetulo articular referenciais teoacutericos distintos para fundamentar
a anaacutelise das praacuteticas de visitas a museus Autores como Paul Ricoeur Hans Ulrich Gumbrecht
Joumlrn Ruumlsen Raymond Williams Stuart Hall e Jacques Ranciegravere satildeo convocados e oferecem
contribuiccedilotildees para a ampliaccedilatildeo da abordagem deste objeto especiacutefico e a criacutetica ao sentido de
transmissatildeo da cultura e agrave representaccedilatildeo como um sentido fixo A narrativa (RICOEUR 2010
p9) a produccedilatildeo de presenccedila (GUMBRECHT 2010 p 82) e a formaccedilatildeo histoacuterica (RUumlSEN
2010 p59) assim como os conceitos de cultura (WILLIAMS 1969 e 1979) e circuito de cultura
(HALL 1997 e 2003) e ainda o de espectador emancipado (RANCIEgraveRE 2010) fundamentam a
10A discussatildeo sobre os saberes que compotildee a formaccedilatildeo do profissional de histoacuteria no Brasil eacute realizada por Selva
Guimaratildees Fonseca dentre outros autores Ver Fonseca (1997) Silva e Fonseca (2007) e Fonseca e Zamboni (2008)
13
anaacutelise teoacuterica e metodoloacutegica do uso social dos museus em visitas educativas e aproximam o
foco da investigaccedilatildeo os museus vistos pelos seus visitantes
11- Memoacuteria e narrativas de visitas
Um primeiro movimento dessa pesquisa eacute examinar como os visitantes engendram
memoacuterias a partir de visitas a museus A memoacuteria eacute entendida como uma accedilatildeo de atualizaccedilatildeo de
conceitos uma ldquoviagem no tempo com direito a ida e voltardquo A memoacuteria eacute rememoraccedilatildeo a partir
do presente e o sujeito um ldquotecelatildeo de memoacuterias agrave medida que narra a si mesmo como uma
autografia cujas vaacuterias vidas se entrelaccedilam em diversos tempos e espaccedilos numa dinacircmica
imprevisiacutevel do lembrar e esquecer da perda e da dispersatildeordquo (GALZERANI 2002 p63)
Rememorar significa trazer o passado vivido como opccedilatildeo de questionamento das relaccedilotildees
e sensibilidades sociais existentes tambeacutem no presente uma busca atenciosa relativa aos rumos a
serem construiacutedos no futuro Esse conceito de memoacuteria articulado ao de narrativa traz uma
abertura coletiva para as dimensotildees sensiacuteveis e o questionamento da concepccedilatildeo absoluta de
verdade (GALZERANI 2002 p68)
Os registros escritos e visuais11
dos visitantes satildeo tomados como memoacuterias e narrativas
no sentido atribuiacutedo por Ricoeur como um desenho da ldquoexperiecircncia temporalrdquo que realiza uma
ldquosiacutentese do heterogecircneordquo uma ldquonova congruecircncia no agenciamento dos incidentesrdquo (RICOEUR
2010 p2)
Em Tempo e Narrativa Ricoeur (2010) desenvolve a ideia de uma tripla dimensatildeo da
narrativa histoacuterica descrita como um tempo vivido e ainda natildeo configurado um tempo narrado
ou o mundo como um texto e o tempo refigurado ou o mundo do leitor Haacute uma dimensatildeo da
vida vivida e natildeo narrada que passa pela trama e chega ao mundo final do leitor seja pelas
intenccedilotildees do autor pelos sentidos da obra ou as percepccedilotildees do leitor Essas travessias satildeo
circulares e a experiecircncia da temporalidade nunca eacute o triunfo da ordem haacute discordacircncias
violecircncia da interpretaccedilatildeo redundacircncias e histoacuterias natildeo contadas (RICOEUR 2010 p124-132)
Assim Ricoeur (1991) transpotildee um limiar no qual o aparente conflito entre explicaccedilatildeo e
compreensatildeo eacute ampliado A linguagem que era considerada apenas como discurso passa a ser
11 As fotografias satildeo produzidas juntamente com os relatoacuterios escritos Inicialmente natildeo faziam parte da anaacutelise mas
se mostraram essenciais agrave pesquisa
14
considerada nos limites do que afeta o escrito a polissemia a ambiguidade e obras inteiras de
discurso falado como poemas ensaios e com a dimensatildeo da experiecircncia (RICOEUR 1991
p163) Eacute como dimensatildeo da experiecircncia que se explicitam os campos de confrontaccedilatildeo e
negociaccedilatildeo e se daacute a primeira ancoragem para as narrativas puacuteblicas e oficiais e as narrativas e
memoacuterias pessoais ou autobiograacuteficas Para Ricoeur os graus de convergecircncia ou natildeo entre a
memoacuteria coletiva e as memoacuterias autobiograacuteficas indicam niacuteveis de identificaccedilatildeo pessoal e os
significados elevados ou natildeo de siacutembolos como bandeiras e hinos
Essa temaacutetica da accedilatildeo discutida por Ricoeur (1991) ajuda a evidenciar as diferentes
formas de inscriccedilatildeo da memoacuteria na historiografia e nos museus e entender o diaacutelogo entre
culturas (museus e escolas) comparando situaccedilotildees e tipos de atividades (regimes de accedilatildeo)
assentadas em uso de recursos culturais de fundo comum
A narrativa para Ricoeur se daacute como articulaccedilatildeo temporal da accedilatildeo Uma ficcionalizaccedilatildeo
da histoacuteria na forma como contamos o passado e uma historizaccedilatildeo da ficccedilatildeo que eacute a forma como
trabalhamos o imaginaacuterio Na descriccedilatildeo da funccedilatildeo narrativa se articulam as noccedilotildees de mimese e
intriga Enquanto a mimese eacute uma representaccedilatildeo criativa da accedilatildeo a intriga eacute o agenciamento de
fatos sujeitos e cenaacuterios ou seja os elementos estruturantes da proacutepria narrativa
Assim como a metaacutefora viva a narrativa produz efeitos de sentido e remete
simultaneamente a um fenocircmeno de inovaccedilatildeo semacircntica Enquanto a metaacutefora produz uma nova
pertinecircncia por meio de uma atribuiccedilatildeo impertinente que se manteacutem viva porque percebemos sua
espessura e resistecircncia ao emprego usual das palavras e a sua incompatibilidade com a
interpretaccedilatildeo literal (que seria considerada bizarra) a narrativa trabalha no mesmo plano da
invenccedilatildeo semacircntica ao criar uma intriga que eacute uma obra de siacutentese
Percebe-se a constituiccedilatildeo de uma intriga na narrativa de Maria Joseacute Mendes O relato de
visita ao museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto reuacutene em um quadro referencial fontes de procedecircncia
diversas a experiecircncia presencial no museu as demandas da formaccedilatildeo escolar e as interpelaccedilotildees
do acervo do museu Esse tipo de relato eacute tomado na pesquisa como uma imagem de contornos
mais abrangentes dos elementos evidenciados em vaacuterios outros relatos do grupo de visitantes Ele
sintetiza dados de pesquisa e conteuacutedos proacuteprios agraves situaccedilotildees de visitas assim como debates
sobre o uso do patrimocircnio cultural que proveacutem tanto da escola que promove a visita quanto dos
acervos dos museus Pretendo explicitar ao longo da anaacutelise o processo de elaboraccedilatildeo dos relatos
15
evidenciando as linhas mais gerais as texturas dos relatos as repeticcedilotildees de temas as imagens
recorrentes e natildeo propriamente os estilos pessoais e singulares de cada visitante
Para Ricoeur (1975) a questatildeo da narrativa eacute como configurar a experiecircncia temporal
vivida A narrativa eacute o dinamismo integrador que transforma um diverso de incidentes numa
histoacuteria una e completa Eacute a capacidade de reconfiguraccedilatildeo da experiecircncia temporal confusa em
funccedilatildeo de um referencial
A narrativa natildeo eacute soacute o ato jaacute inscrito eacute o ldquoconjunto das operaccedilotildees atraveacutes das quais uma
obra surge a partir do fundo opaco do viver do agir e do padecer para ser dada por um autor a
um leitor que a recebe e muda assim o seus agirrdquo (RICOEUR 1975 p31) Eacute a narrativa que
configura a mediaccedilatildeo entre a preacute-configuraccedilatildeo do campo praacutetico (vivido o antes) o estado da
experiecircncia (o tempo configurado o durante) e a praacutetica que lhe eacute posterior (tempo refigurado o
depois)
A visitante Maria Joseacute Mendes demarca uma temporalidade e natildeo uma simples cronologia
para a visita Seu texto comeccedila com uma data o dia da visita que marca um antes um durante e
um depois Em sua escrita esse antes eacute caracterizado pela imaginaccedilatildeo satildeo ideias que estavam em
sua mente anteriores agrave visita O que ela relata eacute o que aconteceu durante e apoacutes a visita suas
ideias a respeito dos museus mudaram por completo
No entanto o proacuteprio Ricoeur lembra que o relato eacute um ldquoato de testemunharrdquo que difere
do discurso Eacute como uma ldquonarrativa autobiograacutefica autenticada de um acontecimento passadordquo e
agrave medida que o narrador estaacute implicado na cena narradavivida gera uma suposta confiabilidade e
uma suspeita sobre o que ele diz (RICOEUR 2007 p172)
A confianccedila ou desconfianccedila em relaccedilatildeo ao testemunho traz o narrador para o mundo
puacuteblico e da criacutetica aos testemunhos A presenccedila no local da ocorrecircncia inerente ao ato de
testemunhar impotildee uma referecircncia de lugar e de tempo passado ao testemunho mas natildeo lhe
confere legitimidade em relaccedilatildeo ao aqui e agora O testemunho precisa ser autenticado e
acreditado por vaacuterias grandezas comparadas ateacute seu arquivamento (visibilidade e escrita)
(RICOEUR 2007 p175)
Testemunho e narrativa guardam traccedilos de escrituralidade comuns Todavia cada um traz
elementos especiacuteficos relativos ao lugar que os gerou e recebeu Como ldquorastros documentaisrdquo
narrativas e testemunhos estatildeo ligados ao lugar social que os produziram (CERTEAU 1982
16
p64) Esse debate amplia a noccedilatildeo de testemunho que passa a incluir todo e qualquer ldquovestiacutegiordquo
e interessa a essa pesquisa agrave medida que fundamenta uma abordagem que natildeo separa os relatos
escritos dos fotograacuteficos Para Ricoeur a ideia de indiacutecio inclui o testemunho oral ou escrito os
vestiacutegios natildeo verbais como as impressotildees digitais e arquivos fotograacuteficos que testemunham por
seu mutismo (RICOEUR 2007 p 185) O diaacutelogo de Ricoeur nesse caso eacute diretamente com
Carlo Ginzburg (1987) estabeleceu no interior da noccedilatildeo de rastro o conceito de documento em
toda a sua envergadura A raiz comum entre testemunho e indiacutecio eacute a noccedilatildeo de rastro Haacute uma
relaccedilatildeo de complementaridade entre testemunho e indiacutecio para Ricoeur
Decorre dessa ampliaccedilatildeo documental uma seacuterie de analogias relacionando grafia e pintura
no sentido de impressatildeo e evocaccedilatildeo Pode-se dizer tambeacutem que relatos escritos e fotograacuteficos satildeo
complementares na narrativa das visitas aos museus O lugar da fotografia nos relatos eacute
semelhante ao da escrita Ambas configuram ldquomensagens e maneiras de dizer e pensar que
aderem uma agrave outrardquo (RICOEUR 2007 p178)
O primeiro plano dos relatos principalmente das fotografias eacute marcado pela iniciativa
individual em preservar seus proacuteprios rastros os rastros de sua atividade Para Ricoeur essa
iniciativa inaugura o ato de fazer histoacuteria ou a primeira operaccedilatildeo de constituiccedilatildeo de um arquivo a
primeira mutaccedilatildeo historiograacutefica de uma memoacuteria viva Constituiacutedo como testemunho esse
primeiro plano pode ser invocado por algueacutem e desloca-se do seu autor para ser recolhido como
ldquoprova documentalrdquo Marc Bloch lembra Ricoeur coloca a questatildeo dos testemunhos em termos
de rastros de vestiacutegios do passado (testemunhos natildeo-escritos) e depois dos indiacutecios (Ginzburg)
que fazem parte da operaccedilatildeo de observaccedilatildeo histoacuterica com relaccedilatildeo aos ldquotestemunhos do tempordquo
(BLOCH 2002 p69) A consequecircncia desse argumento eacute que nem toda histoacuteria vivida eacute narrada
mas toda a historiografia eacute narrativa
A ambiccedilatildeo da narrativa histoacuterica eacute refigurar a condiccedilatildeo histoacuterica e de elevar seu estatuto
ao de bdquoconsciecircncia histoacuterica‟ Esse processo de reconfiguraccedilatildeo do tempo embora se
pretenda totalizante ocorre como mediaccedilatildeo imperfeita entre o futuro como horizonte de
expectativas o passado como tradiccedilatildeo e o presente como surgimento intempestivo
(RICOEUR 1975 p31)
17
A narrativa histoacuterica produzida pelos historiadores eacute uma construccedilatildeo que cria enredos
com elementos presentes na vida e o mundo refigurado da cultura com uma noccedilatildeo ampla de
produtora de sentidos e identidades12
Em A memoacuteria a histoacuteria o esquecimento Ricoeur (2007 p380) apresenta uma soluccedilatildeo
distinta dos historiadores dos Annales (Le Goff Pierre Nora) para o problema da narrativa e do
tempo histoacuterico na articulaccedilatildeo memoacuteria-histoacuteria Ao retomar o conceito de historicidade que
surge na filosofia alematilde do seacuteculo XIX e de histoacuteria Ricoeur identifica como se configurou a
oposiccedilatildeo entre uma histoacuteria como singular coletivo que
ldquoliga as histoacuterias especiais sob um conceito comum enquanto conhecimento narrativa e
ciecircncia histoacuteria e o nascimento do conceito de histoacuteria como coletivo singular sob o qual
se reuacutene o conjunto das histoacuterias particulares marca a conquista da maior distacircncia
concebiacutevel entre a histoacuteria una e a multiplicidade ilimitada das memoacuterias individuais e a
pluralidade das memoacuterias coletivasrdquo (RICOEUR 2007 p315)
Essa mudanccedila cria um sentido de histoacuteria universal um objeto total e um sujeito uacutenico A
memoacuteria eacute vista com desconfianccedila e descredenciada enquanto a histoacuteria problematiza os
testemunhos religiosos e a memoacuteria coletiva (crenccedilas) e se propotildee a representar o passado no
presente A autonomia da histoacuteria se afirma nos Annales que natildeo devem mais nada a
rememoraccedilatildeo e recorrem agrave introduccedilatildeo de novas exigecircncias retoacutericas por vias extramemoriais A
noccedilatildeo de fonte se liberta da noccedilatildeo de testemunho ldquoConstroacutei-se um passado que ningueacutem pode
lembrar [] A histoacuteria deixou de ser parte da memoacuteria e a memoacuteria se tornou parte da histoacuteriardquo
(RICOEUR 2007 p399)
Ricoeur investe em redefinir as relaccedilotildees entre histoacuteria e memoacuteria na contemporaneidade e
reconhecer os ldquotraccedilos da memoacuteria e do esquecimento que permanecem os menos sensiacuteveis agraves
variaccedilotildees resultantes de uma histoacuteria dos investimentos culturais da memoacuteriardquo (2007 p 398)
Frente agrave tese da escola dos Annales de subordinaccedilatildeo da memoacuteria agrave histoacuteria e a uma literatura da
crise da memoacuteria Ricoeur responde com a hipoacutetese das ldquopotencialidades mnemocircnicas
dissimuladas pelo cotidianordquo cujo histoacuterico contado e o mnemocircnico experimentado se recruzam
(2007 p401)
12 Isabel Barca e Mariacutelia Gago (2004 p29-39) discutem o papel das narrativas histoacutericas e seus usos educacionais na
constituiccedilatildeo de um pensamento histoacuterico entre os jovens portugueses
18
ldquo[] o desespero do que desaparece a impotecircncia para acumular a lembranccedila e arquivar
a memoacuteria o excesso de presenccedila de um passado para sempre irrevogaacutevel a fuga
desnorteada do passado e o congelamento do presente a incapacidade de esquecer e a
incapacidade de se lembrar do acontecimento a uma boa distacircnciardquo (RICOEUR 2007
p401)
Ricoeur aponta que a dinacircmica do esquecimento e da lembranccedila gera tanto uma crise da
memoacuteria quanto um horror agrave histoacuteria ou da presenccedila e da ausecircncia de referecircncias em relaccedilatildeo ao
passado e ao presente A ldquoexperiecircncia viva do reconhecimentordquo redefine a dimensatildeo nostaacutelgica e
as relaccedilotildees memoacuteria e histoacuteria Ricoeur define como ldquooperaccedilatildeo historiadorardquo toda a accedilatildeo que vai
dos arquivos aos textos publicados Para ele um livro de histoacuteria eacute um documento aberto agrave
reinscriccedilatildeo e submetido agrave revisatildeo contiacutenua O que Michel de Certeau (1982 p94) chama de
operaccedilatildeo escrituraacuteria ou uma fase da representaccedilatildeo histoacuterica Ricoeur acredita que atravessa
todos os momentos da escrita da histoacuteria do niacutevel documental ou seleccedilatildeo das fontes ao niacutevel
explicativo-compreensivo com a escolha dos modos concorrentes e as variaccedilotildees de escala da
narrativa (RICOEUR 2007 p249)
Para Ricoeur representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo estatildeo juntas em toda a operaccedilatildeo de
visualizaccedilatildeo das coisas ausentes do passado ou ainda na tripla aventura que vai do
arquivamento agrave explicaccedilatildeo e representaccedilatildeo Para o autor haacute um embate entre duas escritas para
gerar na histoacuteria um modo literaacuterio da escrituralidade (narrativa) Uma primeira escrita eacute dos
arquivos (memoacuteria) e outra dos historiadores (histoacuteria) ldquoA explicaccedilatildeocompreensatildeo encontra-se
assim enquadrada por duas escritas uma escrita anterior e uma escrita posterior Ela reconhece a
energia da primeira e antecipa a energia da segundardquo (RICOEUR 2007 p 148)
A coerecircncia da narrativa confere visibilidade e busca legitimidade para a encenaccedilatildeo do
passado que daacute a ver Haacute um jogo entre a remissatildeo da imagem e a coisa ausente Uma narrativa
natildeo se parece com os acontecimentos que ela narra Haacute uma prefiguraccedilatildeo uma configuraccedilatildeo e
refiguraccedilatildeo da imagem criada pela amplidatildeo da narrativa e por seu alcance (RICOEUR 2007 p
292)
Em Ricoeur como o problema da memoacuteria natildeo aparece em oposiccedilatildeo agrave histoacuteria pode-se
considerar que em relaccedilatildeo agraves visitas presenciais a museus as imagens da memoacuteria e da histoacuteria
atravessam tanto os relatos dos visitantes quanto a narrativa do museu Ou ainda que as imagens
de museu produzidas pelos visitantes e aquelas produzidas pelos proacuteprios museus podem ser
19
analisadas em um circuito de cultura no qual museu e visitantes tem ambos poder de
representaccedilatildeo
O relato da estudante em visita ao Museu Abiacutelio Barreto coloca o museu em outro
circuito o da proacutepria escola ao fazer uma releitura do sentido e das marcas deixadas pelo museu
quando de sua passagem pelo casaratildeo e suas atividades O depois da visita eacute vivido como uma
nova temporalidade que constitui outro museu imaginado com referecircncia ao durante e ao antes
da visita
12 - A presenccedila de estudantes
As abordagens sobre aprendizagem em ambientes que tratam do patrimocircnio da arte e da
histoacuteria priorizam ora os museus ora as escolasvisitantes A superaccedilatildeo dessas anaacutelises
fragmentaacuterias ou dicotocircmicas implica em refletir sobre os conceitos trabalhados no proacuteprio
campo museoloacutegico e formativo como as ideias de patrimocircnio memoacuteria e histoacuteria
Discutir o estatuto do conhecimento produzido pelos visitantes de museus eacute um ponto de
partida para a reflexatildeo sobre os sentidos das praacuteticas culturais que perpassem museus e escolas
Outra dimensatildeo da pesquisa eacute a ampliaccedilatildeo das reflexotildees teoacutericas e metodoloacutegicas sobre as
competecircncias culturais ou a formaccedilatildeo histoacuterica em especial suas dimensotildees esteacuteticas e poliacuteticas
desencadeadas a partir das visitas
Gumbrecht (1998 e 2010) ao discutir sobre a produccedilatildeo de presenccedila sugere um repertoacuterio
de anaacutelise cultural que busca discernir os efeitos de presenccedila e os efeitos de sentido Ele distingue
uma ldquocultura de presenccedilardquo de uma ldquocultura de sentidordquo O que diferencia uma da outra e
interessa a esta anaacutelise das visitas a museus eacute o papel do sujeito ou subjetividade que ocupa
lugar central na cultura de sentido mas que soacute eacute considerado efetivamente em seu corpo como
parte da existecircncia das coisas numa cultura de presenccedila
A decorrecircncia dessa distinccedilatildeo entre sentido e presenccedila eacute que o conhecimento produzido
numa cultura de sentido soacute pode ser legitimado por um sujeito em seu ato de interpretar o mundo
Jaacute na cultura de presenccedila o conhecimento legiacutetimo eacute apresentado se manifesta ele natildeo vem
diretamente do esforccedilo individual para interpretar e criar um sentido Os objetos se impotildeem ao
sujeito e sua vontade eacute confrontada pela presenccedila
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Na visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto eacute a presenccedila dos objetos catalogados como
histoacutericos que cria um olhar diferente para esses objetos Eacute o visitante que presente no museu
confere sentidos aos objetos que vecirc expostos e entende que a mudanccedila na ordem de organizaccedilatildeo e
apresentaccedilatildeo cria uma nova visualidade para os objetos
Essa polecircmica sobre presenccedila e sentido eacute um alerta para os perigos do afastamento do
corpo das marcas de produccedilatildeo de sentido proacuteprias agrave modernidade ocidental que assume uma
oposiccedilatildeo entre sujeito (puro espiacuterito) e objeto (pura materialidade) Para Gumbrecht essa
oposiccedilatildeo levou o sujeito a assumir a posiccedilatildeo de observador de um mundo de objetos no qual se
inclui o seu proacuteprio corpo Se por um lado o ganho dessa visatildeo eacute uma demanda constante de
interpretaccedilatildeo de outro promove-se uma perda ou ldquodesmaterializaccedilatildeo da culturardquo transformando
o mundo em ldquorepresentaccedilatildeordquo (GUMBRECHT 2010 p 75-8)
Interessa-nos destacar tambeacutem nesta perspectiva apontada por Gumbrecht os limites da
ideia de representaccedilatildeo13
como capaz de compensar as deficiecircncias de ldquoexpressatildeordquo Ele considera
que como ldquonenhuma das muacuteltiplas representaccedilotildees pode jamais pretender ser mais adequada ou
epistemologicamente superior a todas as outrasrdquo cria-se uma ldquocrise de consciecircncia provocada
pelas muacuteltiplas representaccedilotildeesrdquo (GUMBRECHT 2010 p 82) Para o autor eacute a presenccedila como
uma dimensatildeo fiacutesica e de tangibilidade14
que estaacute em tensatildeo com o princiacutepio da representaccedilatildeo
A partir da ideia de presenccedila pode-se inferir que nas visitas aos museus se produz um
fluxo temporal em que no momento presente o passado e o futuro se encontram Por meio deste
movimento no tempo a ldquoconsciecircnciardquo do visitante eacute transformada por uma rede de relaccedilotildees que
expressam uma nova impressatildeo de estar presente no mundo
Os objetos dos museus tomam novos sentidos atualizados pelo visitante Natildeo eacute soacute a
exposiccedilatildeo propriamente dita que chama a atenccedilatildeo do visitante mas toda a organizaccedilatildeo do espaccedilo
que se apresenta face a face como um circuito os projetos o edifiacutecio e o proacuteprio trabalho de
musealizaccedilatildeo ldquoGostei da forma que o material eacute conservado em estantes giratoacuteriasrdquo afirma a
visitante Maria Joseacute Mendes em presenccedila da reserva teacutecnica do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto
A imagem de estantes giratoacuterias evocada pelo relato da estudante possibilita ampliar o uso
13 A criacutetica agrave representaccedilatildeo e agrave recepccedilatildeo eacute apresentada ao longo do texto e se fundamenta em autores como Ricoeur
(2007 p295-6) Raymond Williams (1969 e 1979) Stuart Hall (1997 e 2003) e Ranciegravere (2010) 14 As visitas em questatildeo satildeo presenciais e nisso se distinguem inicialmente de outras praacuteticas de memoacuteria que
incluem o uso de recursos tecnoloacutegicos para acesso agrave distacircncia (natildeo-presenccedila) aos museus e exposiccedilotildees
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estritamente funcional dado pelo museu a esse objeto que natildeo faz parte da coleccedilatildeo mas que lhe
daacute suporte e deve facilitar a limpeza e armazenamento fiacutesico dos objetos museais Elevada ao
plano da narrativa de visita a ideia de girar deixa seu sentido meramente instrumental e ganha o
tom poeacutetico de mexer e revolver objetos que a funccedilatildeo museal possui Haacute um deslocamento pode-
se afirmar que natildeo haacute distinccedilatildeo para o gosto da visitante entre o que estaacute nas estantes e as
proacuteprias estantes O objeto museal eacute o proacuteprio mobiliaacuterio do museu e sua accedilatildeo de preservaccedilatildeo
natildeo aquelas coisas velhas que guarda O movimento das estantes eacute compartilhado com prazer
pelo olhar da visitante e coloca a cultura do museu em circulaccedilatildeo
A cultura de presenccedila eacute descrita por Gumbrecht como uma cosmologia em que ldquoos seres
humanos querem relacionar-se com a cosmologia envolvente pela inscriccedilatildeo de si mesmos ou
seja de seus proacuteprios corpos nos ritmos dessa cosmologiardquo (2010 p108-109) A accedilatildeo se faz
como ldquomagiardquo ou seja a praacutetica de tornar presentes coisas que estatildeo ausentes e ausentes coisas
que estatildeo presentes A cultura da presenccedila sugere abordar as situaccedilotildees de visita como epifanias
cujos efeitos de presenccedila e sentido satildeo efecircmeros Ou ainda com uma temporalidade espacial
descrita como um evento que surge do nada e irrompe com os sentidos estabelecidos
Estes efeitos da presenccedila podem ser observados nos relatos dos visitantes De um lado o
museu pode ser considerado como um sentido jaacute instituiacutedo um trabalho concluiacutedo que pretende
ser universal mas que esgotou sua potecircncia criadora e que portanto soacute afeta o visitante
mobilizando-o a uma criacutetica agraves suas concepccedilotildees e exposiccedilotildees Do outro lado a presenccedila no
museu provoca os sentidos dos visitantes e cria princiacutepios de tensatildeo com a ideia de representaccedilatildeo
dominante da proacutepria histoacuteria presente no museu e no visitante Ou ainda a presenccedila investe-se
de uma funccedilatildeo encantatoacuteria capaz de tornar as coisas ausentes presentes e vice-versa
(GUMBRECHT 2010 p14)
Gumbrecht desenvolve aleacutem de uma criacutetica agrave representaccedilatildeo uma ressalva quanto agrave noccedilatildeo
de que a mateacuteria se estabilizaria ao longo do tempo sendo capaz de produzir um efeito de
fronteira de fixidez e superfiacutecie Na tentativa de inverter e devolver a ldquocoisidaderdquo agrave consciecircncia e
a ldquoaparecircnciardquo ao corpo como condiccedilatildeo na qual o mundo nos eacute dado e apresentado aos sentidos
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ele se coloca em tensatildeo com a abordagem interpretativa15
Pensando que a relaccedilatildeo com os
artefatos culturais nunca eacute uma simples atribuiccedilatildeo de sentido e que coisas estatildeo perto ou longe
de nossos corpos Gumbrecht aponta que a relaccedilatildeo cotidiana com o mundo faz esquecer e implica
uma camada diferente de sentido (2010 p85-88)
O trabalho de visitas a museus permite um contato com os objetos histoacutericos uma
frequumlentaccedilatildeo que cria interaccedilotildees explicita diferenccedilas e aproximaccedilotildees culturais O visitante
dialoga questiona a mensagem expositiva e pode elaborar sentidos diversos dos apresentados
pelos museus
Vale ressaltar que para o autor a presenccedila natildeo vem sem apagar os sentidos que a
representaccedilatildeo gostaria de designar seus fundamentos a sua origem e seus temas A presenccedila natildeo
eacute uma presenccedila realmente existente ela se apresenta em permanente condiccedilatildeo de ldquotemporalidade
extremardquo eacute suacutebita de caraacuteter efecircmero surge e desaparece como eacute caracteriacutestico da experiecircncia
esteacutetica que se torna evidente e evanescente ao mesmo tempo (GUMBRECHT 2010 p83)
A experiecircncia esteacutetica se localiza a certa distacircncia do mundo cotidiano e produz diversas
figuras temporais Natildeo existe um resultado previsiacutevel oacutebvio ou tiacutepico que a experiecircncia esteacutetica
acrescenta ao cotidiano A visita a museus pode ser vista como um ldquoacontecimento de verdaderdquo
um evento que nos faz ver as coisas de ldquoum modo diferente do habitualrdquo como relata Maria Joseacute
Mendes diante do Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto Entrar em um museu eacute entrar numa paisagem
e exercitar uma performance
estar dentro dessa paisagem eacute um requisito fundamental para restabelecer o
enraizamento do histoacuterico devir Ter uma substacircncia (corpo) ocupar um espaccedilo implica
na possibilidade de revelar um movimento multidimensional vertical (balanccedilo) e
horizontal (ideia aspecto) O movimento de balanccedilo eacute um suster-se ali-em si mesmo
Uma dimensatildeo horizontal eacute ser percebido dentro da situaccedilatildeo bdquoser revelado‟ e natildeo bdquorepresentado‟ (GUMBRECHT 2010 p86-100)
Seguindo as indicaccedilotildees de Gumbrecht sobre o princiacutepio da presenccedila a relaccedilatildeo do visitante
de museu com o passado eacute diferente da ideacuteia de nostalgia de viagem no tempo de
15 Paul Ricoeur em Do texto agrave accedilatildeo amplia o termo interpretaccedilatildeo associando-o ao sentido de apropriaccedilatildeo cuja
finalidade eacute a luta contra a distacircncia cultural A interpretaccedilatildeo aproxima equaliza torna contemporacircneo e semelhante
torna proacuteprio o que era estrangeiro (RICOEUR 1991 p156)
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restabelecimento ou de retrocesso16
O passado entendido pelo autor como produto da cultura eacute
caracterizado por sua materialidade e possibilidade de usos em cenaacuterios de simultaneidade de
referecircncias Haacute uma presenccedila do passado que eacute incorporado e um presente da accedilatildeo
Parece ser este o sentido da orientaccedilatildeo para a accedilatildeo que a visitante observa em seu uacuteltimo
comentaacuterio sobre a visita ao Museu Abiacutelio Barreto Maria Joseacute Mendes articula duas formas de
ver a histoacuteria o que foi visto no museu e o que foi visto no seu curso de licenciatura em Histoacuteria
As consequecircncias de suas observaccedilotildees no museu a levam a concluir que o historiador a partir dos
Annales trabalha com perguntas que os objetos vistos respondem Logo para Maria Joseacute
Mendes a operaccedilatildeo historiograacutefica parece se completar A visita mobiliza a formaccedilatildeo do objeto
imaginaacuterio e as mudanccedilas de perspectivas da visitante Eacute possiacutevel tambeacutem caracterizar a visita ao
museu como uma ldquoexperiecircncia esteacuteticardquo ou seja como uma dimensatildeo viva que oscila entre os
efeitos de sentido e os efeitos de presenccedila A visitante se potildee no museu numa condiccedilatildeo de
ldquoinsularidaderdquo e de predisposiccedilatildeo para a ldquointensidade concentradardquo para uma tensatildeo produtiva
que oscila simultaneamente entre sentido e presenccedila diferente de suas atividades cotidianas
(GUMBRECHT 2010 p 136)
O Museu prevecirc a participaccedilatildeo do visitante e estabelece tambeacutem um horizonte de
expectativas culturais e histoacutericas em relaccedilatildeo ao receptor Essas expectativas dos museus em um
dado momento encontram desapontam ou antecipam o horizonte de expectativas do visitante O
conhecimento do visitante eacute atualizado agrave medida que em presenccedila do patrimocircnio musealizado
reformulam-se suas expectativas e ele reinterpreta o que foi visitado A experiecircncia esteacutetica
realiza-se no visitante Eacute o que afirma Maria Joseacute Mendes ao visitar o Museu Histoacuterico Abiacutelio
Barreto em Belo Horizonte com seus colegas Ela imaginava outro tipo de museu se
surpreendeu durante e apoacutes a visita e mudou sua mente por completo o museu natildeo era um local
que as pessoas iam para ver coisas velhas Percebeu no museu algo ineacutedito um historiador tem
vaacuterias formas de trabalhar com diferentes tipos de objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 200517
)
Durante a visita o estudante confronta suas expectativas com o que encontrou no Museu
Mudou de opiniatildeo sobre o que era um museu a partir daquela visita Outros visitantes conforme
16 A expressatildeo futuro passado de Koselleck (2006 p21) eacute uma categoria explicativa da dinacircmica dos tempos
histoacutericos que dialoga com a dimensatildeo da presenccedila discutida por Gumbrecht 17 Os relatoacuterios de visita produzidos pelos estudantes e utilizados na tese seratildeo citados individualmente
mencionando-se o nome do autor
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exploraremos no capiacutetulo seguinte tambeacutem reconhecem o papel da visita ao Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto na mudanccedila em suas concepccedilotildees de museu
A visitante cria um enredo proacuteprio para a visita e organiza um repertoacuterio que serve de
pano de fundo para sua narrativa Maria Joseacute Mendes atualiza seus conhecimentos ao declarar
que o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto realiza um trabalho diferente dos museus que ela jaacute havia
visitado laacute no museu eles preservam a memoacuteria da cidade e integram o objeto ao cotidiano da
sociedade remetendo-nos haacute tempos em que Belo Horizonte era apenas um arraial chamado
Curral Del Rei Laacute o casaratildeo deixa de ser espaccedilo fiacutesico para ser objeto museoloacutegico (Maria Joseacute
Mendes Fipel 2005)
Outras observaccedilotildees podem ser feitas a partir do relato da visitante Uma delas eacute que os
museus natildeo satildeo depoacutesito (lugar de memoacuteria) Cada visita a um museu situa temporalmente cada
um dos visitantes pois possibilita que eles momentaneamente se distanciem de sua imersatildeo no
tempo presente e participem de experiecircncias de outras temporalidades
A perspectiva adotada por cada museu se define concretamente no processo de
resignificaccedilatildeo do visitante que converte a cada olhar os artefatos expostos em objetos histoacutericos
O museu por sua vez eacute quem forccedila o visitante a exercer sua atividade produtiva a posicionar-se
O Museu coloca em jogo a produtividade do visitante ao estimular suas capacidades A visita
exercitada torna-se tambeacutem um prazer para o visitante uma aula praacutetica de como fazer Histoacuteria
(Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
A experiecircncia vivida nas visitas aos museus oferece graus distintos de intensidade Aleacutem
da experiecircncia puramente fiacutesica resultante da presenccedila os visitantes investem em objetos de
fasciacutenio que comeccedilam por ativaacute-los e convocaacute-los a se integrar no circuito do museu O museu se
apresenta como ldquorelevacircncia impostardquo ndash objetos que desviam nossa atenccedilatildeo das rotinas diaacuterias em
que estamos envolvidos e nos separam delas A presenccedila de determinados objetos da experiecircncia
a nos convidar para a serenidade isto eacute a estarem ao mesmo tempo concentrados e disponiacuteveis
sem deixarem que a concentraccedilatildeo se calcifique na tensatildeo de um esforccedilo (GUMBRECHT 2010
p 132)
A visitante Maria Joseacute Mendes percebe no museu o trabalho com diferentes tipos de
objetos e como o museu cria um tipo de objeto especiacutefico retirado do cotidiano e transformado
em objeto museoloacutegico No Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a visitante percebe a operaccedilatildeo
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museal para criar um passado para a cidade de Belo Horizonte chamado Curral Del Rei cuja
narrativa estaacute associada ao iniacutecio agrave fundaccedilatildeo da nova capital A presenccedila como fenocircmeno
efecircmero pode ser discutida tambeacutem nas fotografias18
dos visitantes desde a entrada nos museus
como desejo e expectativas durante o percurso interno das exposiccedilotildees como reaccedilotildees agraves
condiccedilotildees especiacuteficas da cultura de sentido ateacute a saiacuteda dos locais quando se configura uma
ausecircncia ou o desaparecer da presenccedila A anaacutelise das experiecircncias de visita a museus possibilita
emergir um campo de investigaccedilatildeo em que os sujeitos aparecem em accedilatildeo posicionam-se em
relaccedilatildeo ao saber histoacuterico a outros sujeitos e narrativas e a si proacuteprios
13 - Formaccedilatildeo histoacuterica
A partir das dinacircmicas e interaccedilotildees experimentadas e interpretadas pelos estudantes em
visitas a museus pretende-se discutir como se daacute o aprendizado histoacuterico e a formaccedilatildeo histoacuterica
na perspectiva que lhe atribui Ruumlsen (2007 p104) enquanto a capacidade de constituiccedilatildeo de uma
narrativa de sentido
A experiecircncia histoacuterica da visita e de cada visitante permitiraacute uma distinccedilatildeo da qualidade
temporal entre passado e presente e identificaccedilatildeo do modo como o passado permanece como
passado no presente A visita a museus pode fundamentar essa experiecircncia temporal essa
vivecircncia da mudanccedila no tempo da alteridade do passado que experimentada abre o potencial de
futuro do proacuteprio presente (RUumlSEN 2007 p 111-2)
Para Ruumlsen (2007 p95) a formaccedilatildeo histoacuterica pode ser entendida sob dois aspectos
primeiro como saber histoacuterico siacutentese da experiecircncia com a interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo para a
vida praacutetica e segundo como processo de socializaccedilatildeo e individuaccedilatildeo que trata da dinacircmica de
formaccedilatildeo da identidade histoacuterica O autor observa que o aprendizado histoacuterico natildeo acontece
apenas no ensino de histoacuteria mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos
aprendizes A formaccedilatildeo histoacuterica se opotildee criticamente agrave unilateralidade agrave especializaccedilatildeo
excessiva e agrave fragmentaccedilatildeo do saber cientiacutefico Eacute uma competecircncia que articula niacuteveis cognitivos
18 Muitas fotografias ficaram reservadas agrave circulaccedilatildeo restrita e apresentadas a pequenos grupos e professores Outras figuram em aacutelbuns e siacutetios virtuais Seus produtores diretos decidem se as compartilham ou natildeo com outras pessoas
com amigos familiares ou ambientes virtuais Foram selecionadas aquelas que aparecem nos relatoacuterios de avaliaccedilatildeo
apresentados pela turma
26
e formas e conteuacutedos cientiacuteficos ao seu uso praacutetico Essas competecircncias de formaccedilatildeo estatildeo
relacionadas simultaneamente ao saber agrave praacutexis e agrave subjetividade Para o autor eacute a carecircncia de
orientaccedilatildeo do sujeito que vincula saber e agir (RUumlSEN 2007 p110)
Ruumlsen (2007) caracteriza de forma inspiradora o aprendizado histoacuterico e o papel produtivo
do sujeito na histoacuteria Para ele haacute um duplo movimento algo objetivo torna-se subjetivo um
conteuacutedo da experiecircncia de ocorrecircncias temporais eacute apropriado simultaneamente um sujeito
confronta-se com essa experiecircncia que se objetiva nele (RUumlSEN 2007 p106) A apropriaccedilatildeo da
histoacuteria transforma um dado objetivo um acontecimento que ocorreu no tempo passado em
realidade da consciecircncia em algo subjetivo Desse ponto de vista o sujeito constitui sua
subjetividade afirma a si proacuteprio ao aprender a dimensatildeo temporal do passado interpretado em
seu presente A formaccedilatildeo consegue efetivar a articulaccedilatildeo entre objetividade e subjetividade
realizar a passagem do dado objetivo agrave apropriaccedilatildeo subjetiva e da busca subjetiva de afirmaccedilatildeo
ao entendimento objetivo Nas palavras de Ruumlsen (2007 p110) haacute uma intensificaccedilatildeo dos
pressupostos subjetivos ao manejar de forma cognitiva o passado contrapondo-se agrave alteridade do
passado reconhecendo o estranho e assim descobrir-se como proacuteprio (histoacuteria como vida)
Para Reinhart Koselleck (2006 p308-314) um movimento semelhante ao da formaccedilatildeo
histoacuterica de Ruumlsen pode ser observado no trabalho com as categorias histoacutericas de espaccedilo de
experiecircncia e horizonte de expectativa Ambas estatildeo interligadas e se ocupam da questatildeo do
tempo histoacuterico Ao entrelaccedilar passado e futuro dirigem as accedilotildees concretas no movimento social
e poliacutetico
Koselleck (2006 p309-310) afirma que a experiecircncia eacute o passado atual aquele no qual
os acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados Jaacute a expectativa eacute ao mesmo
tempo ligada agrave pessoa e ao interpessoal tambeacutem se realiza no hoje eacute futuro presente voltado
para o ainda-natildeo para o natildeo experimentado para o que apenas pode ser previsto
A experiecircncia possibilita tornar presente os acontecimentos passados e avaliaacute-los
Contudo sem o horizonte de expectativas o espaccedilo da experiecircncia eacute vago Eacute o horizonte de
expectativas que manteacutem em aberto o espaccedilo para o futuro (KOSELLECK 2006 p313)
Para Ruumlsen (2007 p110) o processo de aprendizado e apropriaccedilatildeo da experiecircncia
histoacuterica se daacute por meio de trecircs operaccedilotildees experiecircncia interpretaccedilatildeo e orientaccedilatildeo O
aprendizado histoacuterico produz a ampliaccedilatildeo da experiecircncia do passado humano aumentando a
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competecircncia de interpretaccedilatildeo dessa experiecircncia e reforccedilando a capacidade de inserir e utilizar as
interpretaccedilotildees histoacutericas no quadro de orientaccedilatildeo da vida praacutetica
Ao discutir sobre o aprendizado histoacuterico e a apropriaccedilatildeo histoacuterica pelo presente no
sentido de uma memoacuteria viva o proacuteprio Ruumlsen indica que a histoacuteria faz parte da cultura poliacutetica e
se apresenta como elementos identitaacuterios e nacionais Para o autor as diretrizes curriculares para o
ensino de histoacuteria os monumentos e as exposiccedilotildees satildeo exemplos dessa dimensatildeo histoacuterica vivida
de forma natildeo escolar Para Ruumlsen estas histoacuterias estatildeo presentes nas circunstacircncias da vida
concreta mas permitem tambeacutem lanccedilar pontes ao aprendizado de experiecircncias histoacutericas e de
futuro (RUumlSEN 2007 p107)
A perspectiva teoacuterica aberta por Ruumlsen articula as questotildees relativas ao ensino de histoacuteria
aos fundamentos da ciecircncia da histoacuteria A contribuiccedilatildeo de Ruumlsen eacute recompor o campo do ensino
com o que chamamos de dimensatildeo da pesquisa19
Em primeiro lugar ele afasta uma concepccedilatildeo
de didaacutetica como algo externo agrave produccedilatildeo do conhecimento histoacuterico pelos especialistas Para
Ruumlsen a didaacutetica natildeo eacute mera aplicaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo nem meacutetodo de ensino indiferente aos
mecanismos especiacuteficos do trabalho cognitivo da histoacuteria Os impulsos advindos do ensino e do
aprendizado de histoacuteria natildeo podem ser dispensados na ciecircncia da histoacuteria A teoria da histoacuteria se
faz para Ruumlsen sob a reflexatildeo sobre as carecircncias de orientaccedilatildeo existencial e das formas de
apresentaccedilatildeo Essas carecircncias satildeo sobretudo de ordem poliacutetica e esteacutetica As funccedilotildees praacuteticas do
saber histoacuterico satildeo tatildeo necessaacuterias quanto o processo cientiacutefico de conhecimento (RUumlSEN 2007
p122)
Para Ruumlsen o saber histoacuterico desempenha funccedilotildees na vida cultural do tempo presente Ele
defende que no trabalho do historiador forma e funccedilatildeo natildeo se separam Essa separaccedilatildeo eacute feita
pela tradiccedilatildeo retoacuterica da historiografia dando agrave teoria da histoacuteria o poder de cuidar das regras da
escrita historiograacutefica e da poeacutetica normativa o como escrever Com a cientificizaccedilatildeo da
historiografia a Histoacuteria passou a cuidar das regras da pesquisa histoacuterica e o aspecto da forma
ficou sendo externo agrave especializaccedilatildeo A didaacutetica da histoacuteria nas duas tradiccedilotildees historiograacuteficas
ficou de fora da composiccedilatildeo da disciplina especializada A didaacutetica eacute vista hoje como mera
aplicaccedilatildeo pedagoacutegica um referente externo do saber histoacuterico (RUumlSEN 2007 p11)
19 Haacute uma vasta bibliografia acadecircmica desde a deacutecada de 1980 que discute o ensino de histoacuteria no Brasil e dentre
outros temas a articulaccedilatildeo ensino e pesquisa a avaliaccedilatildeo criacutetica aos curriacuteculos e programas oficiais e articulaccedilatildeo de
grupos de pesquisa Ver Nadai(1993) e Caimi (2001)
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O museu pode ser interrogado nesse mesmo sentido e deixar de ser considerado um
recurso metodoloacutegico para se tornar parte do aprendizado histoacuterico como fonte tema de pesquisa
e produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos e educacionais
Ruumlsen (2007 p87) reuacutene teoria e didaacutetica ao indicar que formas e funccedilotildees do saber
histoacuterico fazem parte da matriz disciplinar da ciecircncia histoacuteria Ao reinscrever a didaacutetica no campo
da Histoacuteria como praacutetica de ciecircncia aponta para a funccedilatildeo praacutetica do saber histoacuterico Essa funccedilatildeo
praacutetica tem efeito sobre o processo de conhecimento influenciando nas perguntas iniciais que os
historiadores fazem ou seja na praacutexis historiograacutefica e tambeacutem possui uma funccedilatildeo de orientaccedilatildeo
praacutetica para a vida
Em Histoacuteria Viva Ruumlsen (2007) contribui para a formulaccedilatildeo de questotildees que articulam de
maneira praacutetica os campos da histoacuteria e da educaccedilatildeo pensando no ensino de histoacuteria20
O olhar
criacutetico do autor sobre a teoria da histoacuteria dirige-se em seguida para os processos elementares e
gerais de constituiccedilatildeo narrativa de sentido responde agraves carecircncias de orientaccedilatildeo e torna o saber
histoacuterico vivo (RUumlSEN 2007 p14)
O que Ruumlsen (2010 p59) chama de ldquoconsciecircncia histoacutericardquo eacute esse uso praacutetico do saber
histoacuterico que suscita questotildees sobre as funccedilotildees culturais das narrativas histoacutericas Ou seja as
questotildees praacuteticas da formaccedilatildeo e saber histoacuterico vatildeo aleacutem da ldquoteoria da histoacuteriardquo e recolocam o
problema da validade discursiva desse campo como ciecircncia especializada aleacutem de questionar o
que os historiadores fazem quando propotildeem formataccedilotildees historiograacuteficas da vida cultural de seu
tempo ou quais procedimentos adotam quando atuam nela
A leitura de Ruumlsen inspira a reflexatildeo sobre o sentido que as narrativas e exposiccedilotildees dos
museus possuem na vida cultural de uma sociedade e como elas se transformam em saberes
histoacutericos Ao entender como o visitante realiza movimentos que colocam em circulaccedilatildeo os
sentidos das narrativas de museus eacute possiacutevel investigar mecanismos poliacuteticos e esteacuteticos que
continuam sendo selecionados nessas narrativas e que as transportam do passado para o presente
No relato de Maria Joseacute Mendes pode ser vista essa operaccedilatildeo de construccedilatildeo de sentidos
proacuteprios agraves narrativas histoacutericas A visitante entende a dinacircmica museal natildeo em seu caraacuteter
instrumental mas como princiacutepio criador de versotildees histoacutericas A visitante do Museu Histoacuterico
20 Essas articulaccedilotildees tambeacutem satildeo discutidas pelo grupo de pesquisa Memoacuteria Histoacuteria e Educaccedilatildeo da Unicamp Ver
Zamboni (2007) e Zamboni e outros (2008)
29
Abiacutelio Barreto participa de uma dinacircmica que a leva a compreender que ldquoa partir de uma
montagem e desmontagem de figuras podem-se passar imagens diferentes dependendo da
maneira como esse material foi expostordquo (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005) A operaccedilatildeo de
montagem e desmontagem eacute experimentada pela visitante que relaciona o procedimento do
museu com o procedimento dos historiadores em suas pesquisas e associa a ideia de deciframento
do que estaacute preservado e exposto ao trabalho de composiccedilatildeo realizado anteriormente
Outra questatildeo em relaccedilatildeo aos visitantes inspirada em Ruumlsen eacute discutir ateacute que ponto o
modo de narrar histoacuterias dos museus eacute utilizado na vida dos visitantes Ou seja como a maneira
argumentativa dos museus afeta a formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes Ou no limite se visitar
museus influencia ou natildeo na forma de narrar a histoacuteria e viver o tempo presente
No relato de Maria Joseacute Mendes as dimensotildees da histoacuteria e da vida estatildeo presentes A
visita muda sua concepccedilatildeo de museu e de histoacuteria Ela traz da vivecircncia no museu para sua
concepccedilatildeo de histoacuteria a dimensatildeo material dos objetos e aproxima sua nova visatildeo de museu da
historiografia Como futura profissional da histoacuteria ela pode usar um novo arsenal o museu e sua
metodologia de trabalhar os objetos (Maria Joseacute Mendes Fipel 2005)
Em relaccedilatildeo agrave vida Maria Joseacute Mendes manteacutem sua condiccedilatildeo de visitante durante todo seu
relato mas faz um convite ldquoa exposiccedilatildeo eacute aberta a todos que queiram verrdquo Essa abertura das
portas do museu ao puacuteblico reconhecida pela visitante implica em considerar que os
destinataacuterios na praacutexis museoloacutegica natildeo satildeo apenas os especialistas Mas a visitante parece
indicar que o lugar no qual se localiza essa praacutetica soacute atinge os que ldquoquerem verrdquo e nem todo
mundo quer ver o que tem em um museu Relacionado a uma forma de constituiccedilatildeo especiacutefica de
rdquonarrativa de sentidordquo o museu natildeo eacute igual ao conjunto da vida praacutetica Eacute preciso ir ateacute o museu e
querer vecirc-lo
Querer ver e ver de diferentes maneiras implica em reconhecer a heterogeneidade e a
diversidade que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica e as relaccedilotildees concretas dessa formaccedilatildeo no que se
refere a percursos graus de autonomia condiccedilotildees de trabalho docente diferenccedilas culturais e
enormes desigualdades sociais e econocircmicas reconhecer que professores e alunos dos diferentes
niacuteveis de ensino podem ser sujeitos histoacutericos agrave medida que constituem coletivamente para si
proacuteprios um tempo e espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimentos tempo e espaccedilo que incluam a
reflexatildeo e accedilatildeo sobre suas proacuteprias demandas e necessidades de formaccedilatildeo
30
14- Circuito e circularidade cultural
Feitas as consideraccedilotildees sobre as narrativas a presenccedila e a formaccedilatildeo histoacuterica a questatildeo a
ser enfrentada eacute como analisar as interaccedilotildees que emergem das accedilotildees dos sujeitos na produccedilatildeo de
novos significados para os bens culturais sem cair numa abordagem que prioriza as estruturas ou
as mediaccedilotildees institucionais que atuam com poder formativo e instrucional indicando roteiros de
interaccedilatildeo sobre os receptores ndash colocados no final do processo educativo
Algumas bases teoacutericas jaacute foram estabelecidas principalmente ao se discutir o conceito de
cultura de presenccedila para caracterizar a relaccedilatildeo com os museus Cabe sistematizar um pouco mais
a criacutetica agrave recepccedilatildeo e agrave representaccedilatildeo estabelecida pela ampliaccedilatildeo do conceito de cultura
realizada por Raymond Williams (1969 e 1979) e posteriormente alargada pela ideia de circuito
da cultura de Stuart Hall (1997 e 2003)
O debate teoacuterico em torno do conceito de cultura promovido por Raymond Williams
(1969 e 1979) e posteriormente os sentidos e usos que adquire pelos chamados Estudos
Culturais na criacutetica e reexame das relaccedilotildees entre comunicaccedilatildeo e sociedade articulam a dinacircmica
os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees e irresoluccedilotildees as inovaccedilotildees e mudanccedilas reais que se
produzem na proacutepria cultura em planos mais amplos a partir de um objetoproduto especiacutefico
rompendo com os paradigmas da recepccedilatildeo e representaccedilatildeo
Para Williams o cultural natildeo eacute mero reflexo ou tem papel residual nas anaacutelises O cultural
ocupa o lugar central eacute o lugar para onde se deve olhar pois permite ver a experiecircncia o modo
de vida indissoluacutevel na praacutetica em geral real material as formas dominantes residuais
(passado memoacuteria) e emergentes
Williams propotildee um meacutetodo de entendimento dos fenocircmenos da cultura como as
condiccedilotildees de vida comum tanto as normas quanto o vivido praacuteticas cotidianas natildeo cristalizadas
A cultura natildeo tem uma hierarquia fixa um dentro e um fora natildeo pode ser definida como alta ou
baixa A cultura eacute vista como experiecircncias efetivas e troca entre agentes natildeo redutiacuteveis aos
objetos (coisas) mas a todo um modo de vida comum A cultura eacute ordinaacuteria ou seja eacute
perpassada pelas ideias e praacuteticas sociais Assim em seu meacutetodo eacute possiacutevel pensar a estrutura da
experiecircncia ou as relaccedilotildees sociais mais amplas dentro de um caso particular
31
Outra contribuiccedilatildeo significativa de Williams (1992 p311) para a anaacutelise de nosso objeto
especiacutefico eacute a criacutetica ao sentido de transmissatildeo da cultura Para o autor soacute podemos pensar em
transmissatildeo se entendermos a comunicaccedilatildeo como a remessa de um sentido uacutenico Entretanto
para ele a recepccedilatildeo e resposta que completam a comunicaccedilatildeo dependem de fatores outros que
natildeo as teacutecnicas
A comunicaccedilatildeo se daacute como experiecircncia de agentes troca entre interlocutores Mas natildeo
vivemos em um mundo de iguais Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma
linguagem comum Haacute claramente uma dimensatildeo poliacutetica uma vontade de poder expressa nas
hierarquias postas As regras e valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem
as relaccedilotildees entre visitantes e museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Entretanto cabe
perguntar sobre quais formas de interlocuccedilatildeo podem emergir em um cenaacuterio de visita a uma
exposiccedilatildeo O Museu propotildee o rompimento com o caraacuteter transmissivo da cultura ou reitera os
padrotildees de uma cultura alta e autorizada e outra baixa O visitante pode fazer esse movimento de
interpretaccedilatildeo contraacuterio ao sentido prioritaacuterio do museu atribuindo um excesso de sentido poliacutetico
e esteacutetico agrave exposiccedilatildeo ou ele sempre elabora seu percurso de leitura com as matrizes e
referencias culturais da exposiccedilatildeo
Chega-se tambeacutem a outro movimento de ampliaccedilatildeo do sentido de cultura e da proacutepria
ideia de representaccedilatildeo como algo fixo Stuart Hall (1997 e 2003) ao formular a ideia de circuito
da cultura substitui o modelo teoacuterico que separava emissormensagemreceptor por estrutura
complexa de relaccedilotildees produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos mas interligados
produccedilatildeo circulaccedilatildeo distribuiccedilatildeoconsumo reproduccedilatildeo
Hall relaciona as praacuteticas culturais com formas e condiccedilotildees especiacuteficas Cada momento do
circuito remete ou re-envia ao outro produccedilatildeo-distribuiccedilatildeo-produccedilatildeo Formas simboacutelicas
especiacuteficas satildeo produtos de cada momento do circuito mas tambeacutem datildeo passagem a outros
significados e mensagens (signos-veiacuteculos) Podemos pensar a produccedilatildeo cultural como
instrumentos materiais (meios) organizados como praacuteticas e analisar a troca comunicativa na
forma discursiva da mensagem em suas formas visuais (imagens) e no seu proacuteprio discurso
expositivo (textonarrativa) e nas atividades propostas de interaccedilatildeo com o leitor (atividades
pedagoacutegicas)
32
Figura 1 GAY Paul du e HALL Stuart O circuito da cultura
Production of CultureCultures of Production Londres Sege 1997
A anaacutelise cultural proposta por Suart Hall (2003) supera um modelo inicial de
codificaccedilatildeodecoficaccedilatildeo e passa a considerar que se as regras formais do discurso (sentido
preferencial) e a linguagem estatildeo em dominacircncia elas satildeo concretizadas na mensagem como
linguagem Ao serem decodificadas elas satildeo apropriadas e para que tenham efeito satisfaccedilam
necessidades ou tenha um uso pela audiecircncia haacute graus de assimetria e autonomia em relaccedilatildeo aos
coacutedigos da fonte e do receptor
Apresentadas a seguir as figuras 3 e 4 satildeo fotografias produzidas por um mesmo grupo
de estudantes de licenciatura em Histoacuteria21
em visita a dois diferentes museus o Museu do
Escravo em Belo Vale MG e o Museu Histoacuterico Nacional na cidade do Rio de Janeiro e
possibilitam aproximar o tema das visitas a museus agraves contribuiccedilotildees de Raymond Williams (1969
e 1979) e Stuart Hall (1997 2003 e 2008) entendidas como matriz teoacuterica de um movimento mais
amplo de anaacutelise cultural
21 O perfil do grupo seraacute apresentado no capiacutetulo seguinte
33
Figura 2 CUNHA Viacutevian e outros Fotografias da entrada e paacutetio
interno do Museu do Escravo Belo Vale MG 2006
Figura 3 RODRIGUES Marly Marques Fotografia da entrada do
Museu Histoacuterico Nacional 2008
Na figura 2 satildeo apresentadas duas fotografias de visitantes chegando ao Museu do
Escravo e dirigindo-se ao pavilhatildeo interno de exposiccedilotildees Em ambas fotografias os visitantes
estatildeo de costas para o fotoacutegrafo caminham apressadamente Os corpos dos visitantes estatildeo
enquadrados pela arquitetura do museu Numa primeira aproximaccedilatildeo pode-se pensar que os
visitantes satildeo receptores ou consumidores das representaccedilotildees das significaccedilotildees e valores do
museu
O conceito de circuito da cultura operacionalizado por Hall (1997) evidencia que as
questotildees que envolvem a anaacutelise de um produto ou praacutetica cultural natildeo se limitam apenas ao
lugar de sua representaccedilatildeo especiacutefica mas que todos os momentos da elaboraccedilatildeo da cultura
(produccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo representaccedilatildeo e identidade) estatildeo associados e se articulam As
34
fotografias dos visitantes apresentam os museus a partir da visita e do olhar dos proacuteprios
visitantes que se colocam dentro da cultura dos museus
O conceito de circularidade da cultura amplia o eixo do olhar sobre as praacuteticas e
artefatos culturais de modo a buscar outras institucionalidades sensibilidades subjetividades
produccedilotildees simboacutelicas e a abandonar uma visatildeo que separa definitivamente as identidades e
posiccedilotildees dos sujeitos em produtores e receptores Entrar nos museus eacute entrar num circuito e
colocar em circulaccedilatildeo seus sentidos e representaccedilotildees prioritaacuterias
Vistas novamente as fotografias da visita ao Museu do Escravo apontam um engajamento
dos sujeitos natildeo apenas pelo vieacutes do consumo Seus trajes coloridos se destacam das paredes
brancas e o museu tanto pode ver visto como o enquadramento central da cena quanto o cenaacuterio
de fundo para a accedilatildeo dos visitantes Haacute produccedilatildeo de um referencial identitaacuterio para o grupo e um
compartilhamento dessa representaccedilatildeo o que nos leva de volta agrave ideia de que os sujeitos se
constituem na cultura e que o consumo cultural se configura tambeacutem como praacutetica de produccedilatildeo
cultural
Na fotografia destacadas da visita ao Museu Histoacuterico Nacional (figura 3) os visitantes
esperam do lado de fora do museu o momento da visita A partir do modelo de circuito da cultura
podemos localizar inicialmente as representaccedilotildees de museu no acircmbito da regulaccedilatildeo Nesta
imagem dos visitantes dificilmente poderiacuteamos pensar numa simples transmissatildeo da cultura
mesmo em desigualdade de condiccedilotildees Antes mesmo de entrar pelo portatildeo principal haacute uma troca
de olhares entre museu e visitante que comeccedila com o registro dos rituais e ritmos estabelecidos
pelo museu O que pode ser visto e as maneiras de vecirc-las
A comunicaccedilatildeo entre museus e visitante se daacute como experiecircncia de agentes troca entre
interlocutores Natildeo haacute transmissatildeo de cultura do museu para o visitante Eacute o visitante que elabora
uma representaccedilatildeo de si mesmo e do museu E natildeo parece supor a igualdade de condiccedilotildees para as
produccedilotildees de cada agente Natildeo haacute sequer a suposiccedilatildeo de compartilhamento de uma linguagem
comum entre museus e visitantes Na fotografia do Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) haacute uma
dimensatildeo poliacutetica (regulaccedilatildeo) uma vontade de poder expressa nas hierarquias postas As regras e
valores das instituiccedilotildees museais as normas e papeacuteis sociais regem as relaccedilotildees entre visitantes e
museus O sentido da accedilatildeo parte do museu Haacute um guarda agrave porta do MHN que soacute se abriraacute no
horaacuterio determinado A fotografia registra o momento da espera Fica em aberto a pergunta sobre
35
as formas de interlocuccedilatildeo possiacuteveis num cenaacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional vencido o
momento da espera
As fotografias apontam que os visitantes produzem sentidos para a cultura a partir das
visitas que aconteceram ao longo da trajetoacuteria de formaccedilatildeo acadecircmica desse grupo especiacutefico Os
dois museus escolhidos foram visitados em momentos distintos da formaccedilatildeo dos estudantes22
O
Museu do Escravo em Belo Vale-MG visitado em 2006 e o Museu Histoacuterico Nacional no Rio
de Janeiro visitado em 2008
Os dois museus selecionados apresentam propostas expositivas conteuacutedos distintos e
estavam relacionados agraves atividades acadecircmicas desenvolvidas pelos professores do curso de
Licenciatura em Histoacuteria Cada museu se autorepresenta ao definir contemporaneamente sua
ldquomissatildeordquo no Cadastro Nacional de Museus promovido recentemente pelo Instituto Brasileiro de
Museus (IBRAN) oacutergatildeo subordinado ao Ministeacuterio da Cultura com base na Poliacutetica Nacional
de Museus de 200323
Figura 4 Fachada do Museu do Escravo Disponiacutevel
emlthttpwwwbelovalemggovbratracoes_museuhtmgt Acesso em
2011
22 Desenvolvo nos capiacutetulos quatro e cinco uma anaacutelise da experiecircncia museal de um mesmo grupo de visitantes a
esses dois diferentes museus o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional 23
Ver httpwwwmuseusgovbrsbmcnm_conhecaosmuseushtm Acesso em 2010
36
O Museu do Escravo24
eacute vinculado ao poder puacuteblico municipal e estaacute localizado desde
1988 em um casaratildeo construiacutedo ao lado da igreja matriz de Belo Vale como reacuteplica de um
edifiacutecio colonial especialmente para abrigar o acervo do museu A tipologia do acervo eacute
apresentada de forma ampla e abrange antropologia etnografia arqueologia artes visuais
ciecircncias naturais histoacuteria natural e histoacuteria A missatildeo do Museu do Escravo eacute registrar e
preservar a histoacuteria do negro escravo no Brasil mostrando e valorizando seu trabalho arte e
cultura (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional tambeacutem uma instituiccedilatildeo puacuteblica federal localizada na
cidade do Rio de Janeiro foi o uacuteltimo museu visitado pelo grupo de estudantes de licenciatura em
Histoacuteria em 2008 quando cursavam os uacuteltimos periacuteodos da graduaccedilatildeo Fundado em 1922 o MHN
teve suas primeiras coleccedilotildees formadas com transferecircncias do Museu Nacional do Arquivo
Nacional da Biblioteca Nacional e do antigo Museu de Artilharia Hoje reuacutene um
acervo de mais de 264332 itens entre os quais a maior coleccedilatildeo de numismaacutetica da
Ameacuterica Latina O conjunto arquitetocircnico que abriga o museu desenvolveu-se a partir do
Forte de Santiago na Ponta do Calabouccedilo um dos pontos estrateacutegicos para a defesa da
cidade do Rio de Janeiro O Museu Histoacuterico Nacional manteacutem em 9557 metros
quadrados de aacuterea aberta ao puacuteblico galerias de exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias aleacutem da biblioteca especializada em Histoacuteria do Brasil Histoacuteria da Arte Museologia e
Moda do Arquivo Histoacuterico com documentos manuscritos aquarelas ilustraccedilotildees e
fotografias (IBRAN 2010)
O Museu Histoacuterico Nacional define sua missatildeo a partir do conceito de ldquonacionalrdquo O
museu eacute uma instituiccedilatildeo permanente a serviccedilo da sociedade e de seu desenvolvimento que
adquire conserva pesquisa e divulga as evidecircncias representativas da histoacuteria brasileira
(IBRAN 2010)
24 Segundo material de divulgaccedilatildeo o Museu foi criado em Congonhas do Campo nas dependecircncias da Basiacutelica do
Senhor Bom Jesus Em 1977 foi transferido para a Fazenda da Boa Esperanccedila em Belo Vale e oficializado atraveacutes
de Lei Municipal nordm 50475 de 10 de abril Em 13 de Maio de 1988 primeiro centenaacuterio da aboliccedilatildeo foi inaugurado
o preacutedio atual em estilo colonial projetado por Paulo Bojanic
37
Figura 5 Fachada do Museu Histoacuterico Nacional ndash Disponiacutevel em
lthttpwwwmuseuhistoriconacionalcombrmh-2008-001htmgt
Acesso em 2011
Nas duas imagens oficiais dos museus (figuras 4 e 5) os edifiacutecios satildeo isolados do
cenaacuterio urbano nos quais estatildeo localizados natildeo haacute qualquer referecircncia ao entorno Tambeacutem natildeo
se observa nas imagens nenhuma intervenccedilatildeo voltada ao visitante como placas de sinalizaccedilatildeo ou
propaganda indicando o nome do Museu como se locomover e serviccedilos tais como
estacionamento portatildeo de entrada e outras instalaccedilotildees puacuteblicas As imagens ressaltam a
grandiosidade da arquitetura exibida de maneira estaacutetica realccedilando as restauraccedilotildees das fachadas
iluminadas de forma atraente e sedutora
A imagem produzida pelos museus confronta-se com as fotografias dos visitantes Nos
dois museus visitados encontram-se possibilidades de rompimento com o caraacuteter transmissivo da
cultura mas tambeacutem configuraccedilotildees que reiteram os padrotildees de cultura hierarquizada ndash alta e
autorizada e outra baixa e desautorizada O visitante pode fazer o movimento de atribuiccedilatildeo de
sentido poliacutetico e esteacutetico agraves exposiccedilotildees e museus Ele substitui o tempo de espera pelo inusitado
do percurso de visita a mais uma exposiccedilatildeo
As fotografias do momento da chegada aos dois museus apontam que os visitantes criam
um circuito proacuteprio para a cultura O registro do visitante estabelece um diaacutelogo com o plano da
cultura que estaacute nos museus O visitante orienta o museu a fazer escolhas e cada museu produz a
38
si mesmo agrave medida que se expotildee ao visitante No Museu do Escravo (Figura 2) os visitantes
chegam rapidamente agrave entrada e comeccedilam a explorar de maneira espontacircnea o espaccedilo interno Os
estudantes parecem natildeo precisar de ldquoguiasrdquo ou orientaccedilotildees Querem ver o que tem laacute dentro
Circulam
Na chegada ao Museu Histoacuterico Nacional (Figura 3) o museu tem uma loacutegica proacutepria
parece fechado ao visitante Eacute muito organizado dizem os visitantes e essa organizaccedilatildeo parece
se expressar nos rituais de espera para entrar no seguranccedila que guarda a portaria nas orientaccedilotildees
de um ldquoguiardquo tambeacutem estudante de Histoacuteria Circulam visitam vaacuterias exposiccedilotildees sem correrias
retornam ao local da entrada (saiacuteda)
Assim pode-se considerar que satildeo os museus que constroem um puacuteblico um visitante e
lhes atribui caracteriacutesticas de idade escolaridade gecircnero articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute
um museu O museu se apresenta em primeira pessoa em cada material produzido e endereccedilado
aos visitantes Os visitantes nessas fotografias tambeacutem tentam controlar a sua auto-representaccedilatildeo
frente agrave arquitetura dos museus que se impotildee desde os portotildees de entrada
Posicionados historicamente frente agrave arquitetura dos dois museus as fotografias satildeo
tentativas dos visitantes de se apresentarem refletirem sobre si mesmos e natildeo apenas se
moldarem aos padrotildees e expectativas da representaccedilatildeo dominante Haacute nas imagens uma
reflexibilidade dos sujeitos (identidade no sentido de Hall) frente agrave arquitetura museal ou a
forma cultural dominante que entretanto natildeo se impotildee de maneira paciacutefica (regulaccedilatildeo) O
visitante tem uma atitude de produccedilatildeo cultural de conhecer o museu habitar de certo modo esse
espaccedilo (consumo) restabelecendo a centralidade da cultura ou o reiniacutecio do circuito com uma
nova representaccedilatildeo ao tornar o museu significativo visiacutevel e tangiacutevel para si mesmo
As fotografias permitem configurar um espaccedilo da vivecircncia (ou evento) 25
nas quais estatildeo
circunscritas as atividades que foram objeto do interesse dos visitantes e foram estruturadas tendo
como referecircncia a ideacuteia de performance movimento e foco natildeo apenas presentes nos museus
mas escolhidos e recortados pelos visitantes As fotografias apresentam desde a entrada no museu
(desejo expectativas de presenccedila) com o nascimento da proacutepria presenccedila o durante o percurso
interno e as reaccedilotildees agraves condiccedilotildees especiacuteficas da cultura museal contemporacircnea
25 Mauad (1996 p13-14) propotildee uma metodologia para o trabalho com fotografias que considera cada unidade
cultural que deve ser analisada sob os aspectos do espaccedilo fotograacutefico espaccedilo geograacutefico espaccedilo do objeto espaccedilo da
figuraccedilatildeo e espaccedilo da vivecircncia
39
predominantemente uma cultura de sentido e a saiacuteda dos museus a ausecircncia o desaparecer da
presenccedila e o surgimento dos efeitos de presenccedila que podem ser vividos jaacute na ausecircncia
15- Visitantes de museus espectadores emancipados
A abordagem desta pesquisa difere da perspectiva da recepccedilatildeo26
agrave medida que as visitas a
museus e os visitantes satildeo considerados espectadores emancipados e natildeo apenas consumidores
das propostas educativas elaboradas pelos consultores e especialistas de museus A relaccedilatildeo entre
o puacuteblico e os museus eacute recoberta de muacuteltiplas temporalidades Entendo o museu como
instituiccedilatildeo local fiacutesico produtor de conhecimento arena poliacutetica promotor de identidades
espaccedilo de construccedilatildeo de memoacuterias de educaccedilatildeo que reuacutene caracteriacutesticas que povoam o
imaginaacuterio social desde o final do seacuteculo XVIII O museu como ideia e instituiccedilatildeo resiste na
contemporaneidade e assume diferentes usos Eacute esse o conceito de museu puacuteblico moderno que
permeia essa pesquisa desde a formulaccedilatildeo do projeto passando pela delimitaccedilatildeo das fontes ateacute a
sistematizaccedilatildeo das primeiras anaacutelises das visitas
Assim como o conceito de museu eacute marcado pela historicidade ou a adaptaccedilatildeo a
diferentes momentos a imagem de um puacuteblico de museus tambeacutem remete a diferentes praacuteticas
ligadas aos museus pesquisa accedilotildees patrimoniais educativas expositivas colecionismos que
implicam em atrair diferentes grupos para frequumlentar e produzir esses espaccedilos poeacuteticos e
poliacuteticos
Falar dos museus como sujeitos eacute apresentaacute-los como um campo proacuteprio de produccedilatildeo de
conhecimentos e como tal fundadores de princiacutepios e loacutegicas como um tipo especial de
instituiccedilatildeo cultural O museu se coloca como sujeito cultural com processos de legitimaccedilatildeo e
criteacuterios de autoridade capazes de nortear a construccedilatildeo de sentidos poliacuteticos do que seja o proacuteprio
museu e por conseguinte sobre a relaccedilatildeo do museu com outros campos como o patrimocircnio a
memoacuteria a educaccedilatildeo e a histoacuteria
Dimensotildees histoacutericas poliacuteticas esteacuteticas sociais e institucionais concorrem para a
definiccedilatildeo do campo museal Diferentes contribuiccedilotildees e leituras transformam de maneira
26 Considero as pesquisas de recepccedilatildeo aquelas que tomam o puacuteblico de museus sob a perspectiva da ldquorelaccedilatildeo de
transposiccedilatildeo definida como a adaptaccedilatildeo da temaacutetica do museu ou da exposiccedilatildeo - feita pelo inteacuterprete - para o
visitanterdquo (MARANDINO ALMEIDA E VALENTE 2009 p22)
40
constante o conhecimento museoloacutegico Museoacutelogos historiadores jornalistas poliacuteticos e
cidadatildeos comuns compartilham dessa produccedilatildeo Tambeacutem na condiccedilatildeo de sujeito de praacuteticas
culturais especiacuteficas cada museu eacute lido por diferentes agentes histoacutericos Enquanto agente
puacuteblico o museu se daacute ver e se submete a leituras conflitantes A leitura de populares e de
especialistas se apresenta cada vez que o museu abre suas portas ao puacuteblico Em cada exposiccedilatildeo
em cada visita o museu se atualiza
Compreender a historicidade dos puacuteblicos ou visitantes de museus implica por
consequumlecircncia em analisar como diferentes sujeitos se fazem presentes nas poliacuteticas e poeacuteticas
destas instituiccedilotildees e como fazem usos variados destes espaccedilos puacuteblicos Almeida (2004 e 2005) e
Marandino (2009) estudiosas de puacuteblico de museus no Brasil indicam que a presenccedila do
visitante nos museus eacute registrada desde fins do seacuteculo XVIII Com interesses variados
colecionadores filoacutesofos poliacuteticos criacuteticos e artistas preocuparam-se em conhecer o puacuteblico de
museus e tecer consideraccedilotildees sobre o uso que faziam da instituiccedilatildeo Os proacuteprios museus
fornecem dados sobre os visitantes para oacutergatildeos estatais aos quais estatildeo subordinados e no iniacutecio
do seacuteculo XX foram realizados os primeiros estudos acadecircmicos nos EUA sobre puacuteblicos de
museus e comportamentos de visita (MARANDINO 2009)
Na segunda metade do seacuteculo XX os proacuteprios profissionais dos museus comeccedilam a se
interessar por esse tema de pesquisa assim como empresas puacuteblicas e privadas para fins de
avaliaccedilatildeo Na deacutecada de 1980 haacute um duplo interesse nos estudos de puacuteblicos como campo de
estudo das praacuteticas sociais e culturais e com finalidades de orientar investimentos econocircmicos e
poliacuteticas puacuteblicas
A reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre museus e visitantes nem sempre eacute pautada pela
preocupaccedilatildeo com o entendimento do papel social de ambos os atores Como afirma Koptke
pesquisadora do campo da museologia ldquoa negociaccedilatildeo do sentido de uso deriva de situaccedilotildees cuja
dinacircmica necessita ser analisada do ponto de vista de seus usuaacuterios para melhor compreendermos
como e para que existam os museusrdquo (KOPTKE 2005 p191)
Pesquisas de puacuteblico ou de recepccedilatildeo servem agrave negociaccedilatildeo de recursos e fundos tanto
privados quanto puacuteblicos e conquistam credibilidade social Veja-se o exemplo de investimentos
em tecnologias digitais que implicam em ampliaccedilatildeo do acesso e aumento do nuacutemero de visitantes
41
e se autojustificam pois um visitante virtual que acessa o site do museu e solicita um serviccedilo
equivale a um visitante presencial nos relatoacuterios de gestatildeo
Do ponto de vista acadecircmico a criacutetica agraves instituiccedilotildees museais considerando aspectos tais
como o acesso os produtos e valores culturais a elas associados jaacute identificados em escritos
como os de Valery (1931) reveste-se de maior amplitude em fins do seacuteculo XX em aacutereas como a
sociologia a antropologia a histoacuteria e os estudos culturais Trecircs seacuteculos de histoacuteria das
instituiccedilotildees museais satildeo revisitados por estudos empiacutericos e quantitativos que estabelecem dados
sobre condiccedilotildees de acesso e uso dos puacuteblicos tanto no plano relacional das trocas e negociaccedilotildees
quanto no plano institucional de valores e imagens A visita e o visitante satildeo objetos de inqueacuteritos
em diferentes museus Ao estudar o visitante essas pesquisas problematizam o papel dos museus
na sociedade e as percepccedilotildees sociais de suas accedilotildees Fala-se de puacuteblico ou puacuteblicos de uma
determinada atividade cultural Nos museus o lugar do puacuteblico estaacute associado ao visitante ou
usuaacuterio e as investigaccedilotildees sobre os puacuteblicos vecircm se consolidando juntamente com outros temas
como a educaccedilatildeo e a histoacuteria em museus
Os estudos de puacuteblico segundo Esquenazi (2006) foram se estabelecendo desde a deacutecada
de 1930 quando investigadores norte-americanos comeccedilam a se interessar por traccedilos da recepccedilatildeo
dos meios de comunicaccedilatildeo massivos sob a suspeita de que o puacuteblico seria uma comunidade
provisoacuteria ou um conjunto de pessoas mais ou menos dispersas que se identificavam com as
personalidades que lhes eram apresentadas pelas transmissotildees de raacutedio Os inqueacuteritos entretanto
demonstrariam que as escolhas poliacuteticas e a opiniatildeo popular eram mais influenciadas por
personalidades locais influentes do que por recomendaccedilotildees veiculadas pela miacutedia
Esquenazi (2006) faz um balanccedilo dos estudos de puacuteblico e estabelece um mapa conceitual
das concepccedilotildees do que seja um puacuteblico a partir das pesquisas socioloacutegicas realizadas ao longo do
seacuteculo XX Satildeo identificadas sete concepccedilotildees de puacuteblico o puacuteblico ativado pela obra delimitado
pelos inqueacuteritos suscitado pelas estrateacutegias comerciais pela estratificaccedilatildeo social por
configuraccedilotildees culturais pelas interaccedilotildees sociais e por situaccedilotildees simboacutelicas O autor chega a essa
tipologia a partir da anaacutelise de obras e autores apontando possibilidades abertas pelas
interpretaccedilotildees e limites das abordagens
Interesse de pesquisa semelhante ocorre na Franccedila em fins dos anos de 1950 quando
Andreacute Malraux ministro do General de Gaulle acreditava que bastavam boas condiccedilotildees para que
42
se constituiacutesse um puacuteblico apreciador de obras de arte Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2003)
numa pesquisa com o puacuteblico frequumlentador de museus de arte em quatro paiacuteses europeus
publicada na forma de livro com o tiacutetulo O amor pela arte apontaram que boa vontade
presumida natildeo bastava para a constituiccedilatildeo de um puacuteblico de museus Bourdieu e Darbel levantam
a hipoacutetese de que cada domiacutenio de praacuteticas culturais eacute estruturado por habitus legitimados pela
condiccedilatildeo de classe e condiccedilotildees de vida A frequecircncia a museus estaacute relacionada ao estatuto
social A probabilidade de um operaacuterio visitar um museu eacute quarenta vezes inferior agrave possibilidade
de visita de um quadro superior em escolaridade e renda
Os estudos recentes sobre o puacuteblico realizados pelos proacuteprios museus parecem ter se
afastado das perspectivas criacuteticas de Diderot Baudelaire Proust e Valery27
As pesquisas satildeo em
sua grande maioria instrumentais e fundamentadas pelas teorias da recepccedilatildeo Satildeo inqueacuteritos das
expectativas preacutevias dos aspectos que mais atraem os visitantes para determinados setores do
museu e dos conhecimentos preacutevios dos puacuteblicos Com base nesses inventaacuterios elaboram-se
programas redimensionam-se as ofertas de serviccedilos e promovem-se reformas Em geral satildeo
trabalhos preparados pelas proacuteprias equipes dos museus e especialistas consultores
pesquisadores e o puacuteblico convocado a responder aos modelos propostos
Esse paradigma da recepccedilatildeo tambeacutem vem sendo questionado com as pesquisas
historiograacuteficas sobre as praacuteticas culturais como as de Michel de Certeau (1994) e Roger Chartier
(1998) que analisam as praacuteticas de leitura e apontam para o papel produtivo dos leitores em
relaccedilatildeo ao livro e a leitura Para Certeau (1994) os leitores natildeo satildeo escritores que trabalham no
ldquosolo da linguagemrdquo mas ldquosatildeo viajantes circulam nas terras alheias nocircmades caccedilando por conta
proacutepria atraveacutes dos campos que natildeo escreveram arrebatando os bens do Egito para usufruiacute-losrdquo
As imagens evocadas pelo historiador para caracterizar o leitor satildeo marcadas por efeitos de
deslocamentos que misturam tempos e lugares uma ldquobricolagemrdquo uma relaccedilatildeo com os resiacuteduos
de construccedilotildees e destruiccedilotildees anteriores uma mitologia que se dispersa na duraccedilatildeo e desafia o
tempo disseminado em repeticcedilotildees diferenccedilas memoacuterias e conhecimentos (CERTEAU 1994
p269-270)
27 Discutidas no segundo capiacutetulo
43
Chartier (1998) por sua vez chama a atenccedilatildeo para o fato de que o leitor ldquocaccediladorrdquo que
percorre terras alheias descrito por Certeau natildeo se desloca ou subverte de forma absoluta aquilo
que o livro pretende lhe impor Sua liberdade leitora eacute ldquocercada por limitaccedilotildees derivadas das
capacidades convenccedilotildees e haacutebitos que caracterizam em suas diferenccedilas as praacuteticas de leiturardquo
(CHARTIER 1998 p77)
Do ponto de vista dos estudos filosoacuteficos tambeacutem ampliou-se o espaccedilo do leitor ao
afirmarmos que existe a possibilidade de emergir um novo significado para o texto dependendo
da posiccedilatildeo histoacuterica do leitor e de sua capacidade de diaacutelogo O leitor deixa aos poucos de ser
visto como o receptor passivo das obras e conquista um papel de produtor de sentidos Os
horizontes de expectativas dos leitores e o momento da leitura passam a integrar as anaacutelises da
posiccedilatildeo social do leitor visto como sujeito e natildeo apenas o destinataacuterio das obras sobretudo
literaacuterias28
Essas expectativas deixam de analisar a recepccedilatildeo e atribuir ao leitor um papel passivo
Abrem caminho para que sua accedilatildeo seja vista como um agir e um conhecer
Ser espectador eacute natildeo eacute condiccedilatildeo passiva que devemos transformar em atividade Eacute a
nossa condiccedilatildeo normal Aprendemos e ensinamos agimos e conhecemos tambeacutem
enquanto espectadores que ligam constantemente o que vecircem com aquilo que jaacute viram e
disseram fizeram e sonharam (RANCIEgraveRE 2010 p28)
Jacques Ranciegravere lembra o que eacute aparentemente oacutebvio o visitante produz significados e
natildeo simplesmente processa as informaccedilotildees de forma passiva (espectador emancipado) Essa
emancipaccedilatildeo estaacute associada a uma condiccedilatildeo de atividade e natildeo de passividade das accedilotildees de olhar
A aposta dessa pesquisa eacute que o visitante se insere a partir de sua presenccedila no ldquocircuito
dos museusrdquo A visita a museus se constitui em uma praacutetica cultural que se estabelece por uma
frequumlecircncia a variados museus e permite que o visitante-narrador ldquoencarnadordquo dessacralize a
cenografia do passado encenada pelos museus O uso dos museus pelos visitantes pode superar
assim a mera apropriaccedilatildeo cognitiva das propostas e sensibilidades jaacute existentes nos museus e
visitantes tornando possiacutevel por meio dos relatos escritos fotograacuteficos e orais uma nova
28 Ver COSTA Maacutercia Haacutevila Mocci da Silva Esteacutetica da recepccedilatildeo e teoria do efeito Disponiacutevel emlt
wwwdiaadiaeducacaoprgovbrgtAcesso em17 mar 2011
44
produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de conhecimentos que redefinem os conceitos que circulam em ambos os
campos dos museus e das escolas
45
CAPIacuteTULO II - Visitas a museus memoacuteria e patrimocircnio dos visitantes
No primeiro capiacutetulo foram constituiacutedas as principais referecircncias teoacutericas e metodoloacutegicas
para o estudo das situaccedilotildees de visita escolar a museus Delineou-se um panorama da abordagem
investindo nos conceitos de narrativa memoacuteria presenccedila e formaccedilatildeo histoacuterica para criar uma
indumentaacuteria para o visitante emancipado que viaja entre a escola e os museus
Nesse segundo capiacutetulo tambeacutem se observa uma preocupaccedilatildeo com as bagagens para a
viagem propriamente dita providencia-se os documentos as certificaccedilotildees especiacuteficas os roteiros
novos mas tambeacutem se avalia os caminhos jaacute percorridos que estimulam investimentos em novos
caminhos e a seguranccedila do viajante
21 ndash Estudos sobre museus um balanccedilo historiograacutefico
Eacute quase lugar comum iniciar uma ldquohistoacuteria dos museusrdquo pela evocaccedilatildeo da constituiccedilatildeo de
um espaccedilo dedicado agraves musas e em seguida pelo estabelecimento de uma ligaccedilatildeo estreita com a
constituiccedilatildeo de um espaccedilo ou local fiacutesico dedicado ao estudo ao conhecimento e agrave exposiccedilatildeo
puacuteblica da cultura
A origem dos museus na Franccedila estaacute associada a fatores como a demanda por abertura das
coleccedilotildees renascentistas principalmente de pinturas e esculturas restritas aos colecionadores
prelados cortesatildeos juristas eruditos artistas priacutencipes e monarcas e o museu se coloca como
um herdeiro dos ldquogabinetes de curiosidadesrdquo Na Itaacutelia por sua vez eacute desenvolvido outro
elemento fundador de uma ldquocultura do museurdquo que satildeo as accedilotildees poliacuteticas e a definiccedilatildeo de uma
legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo ao patrimocircnio para assegurar ao museu o lugar de ldquoconservaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeordquo desse patrimocircnio artiacutestico agora de interesse puacuteblico Na Alemanha as origens
dos museus estatildeo associadas agrave abertura das coleccedilotildees privadas e agrave reivindicaccedilatildeo de um lugar para
essa produccedilatildeo no discurso universal da arte Para a institucionalizaccedilatildeo e ideia de museu
contemporacircneo confluem as demandas de ensino e pesquisas (biblioteca) ligadas a transmitir e
permitir a produccedilatildeo de conhecimento e tambeacutem o papel de guardiatildeo da memoacuteria daqueles que se
distinguiram nas atividades do espiacuterito (BREFE 1998 p298-300)
46
Entender esse conceito moderno de museu e seu uso social eacute tarefa bastante complexa e
alvo de inuacutemeros debates contemporacircneos Muitos estudos recentes costumam definir os museus
como ldquolugares de memoacuteriardquo mas trabalham com a histoacuteria das instituiccedilotildees museais a partir de
uma sequecircncia de fases ou uma tipologia que considera apenas os objetos expograacuteficos nos quais
se especializaram os museus Os museus satildeo caracterizados como de artes ciecircncias e histoacuteria e
estas especializaccedilotildees se tornam definidas e imutaacuteveis Numa genealogia dos museus os gabinetes
de curiosidades seriam os precursores dos museus de ciecircncias e arqueologia os antiquaacuterios
dariam lugar aos museus de histoacuteria e as galerias de arte privadas cederiam espaccedilo aos museus
puacuteblicos de arte
Essas analogias parecem congelar a imagem de museu e relacionaacute-la especificamente a
uma dada eacutepoca histoacuterica numa sequumlecircncia evolutiva Os criteacuterios de classificaccedilatildeo ou ldquoetiquetasrdquo
utilizados para os museus estariam dados a partir de um modelo As instituiccedilotildees natildeo seriam
consideradas em suas especificidades poliacuteticas e culturais Em funccedilatildeo de um padratildeo esperado
para os museus em geral um museu especiacutefico eacute julgado pelos estudiosos pelo criteacuterio da
inovaccedilatildeo ou natildeo de suas exposiccedilotildees como se as uacuteltimas tendecircncias da museologia fossem o
paracircmetro uacutenico para todo e qualquer museu
Os estudos sobre museus reuacutenem profissionais de diversas aacutereas como a museologia a
histoacuteria a educaccedilatildeo a comunicaccedilatildeo as artes a arqueologia a sociologia dentre outras Abordam
campos de interesse comuns a diversos pesquisadores tais como o patrimocircnio as identidades
poliacuteticas as miacutedias e novas tecnologias espaccedilo urbano e arquitetura Praacuteticas profissionais e
culturais visitantes educaccedilatildeo e interaccedilatildeo tambeacutem satildeo temas contemporacircneos e emergentes dos
estudos sobre os museus
No Brasil as fontes e a bibliografia sobre a trajetoacuteria dos museus foram marcadas ateacute os
anos de 1940-1950 por produccedilotildees das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas como a revista
Archivos do Museu Nacional editada desde 1876 e obras de referecircncia como os cataacutelogo
publicado por Heloisa Alberto Torres entatildeo diretora do Museu Nacional em 1953 intitulado
Museus do Brasil Outra referecircncia importante do periacuteodo foi a publicaccedilatildeo em 1958 do livro
coordenado e organizado por Guy de Hollanda Recursos Educativos dos Museus Brasileiros
com o apoio da Onicom ndash Organizaccedilatildeo Nacional do Conselho Internacional de Museus Neste
trabalho Hollanda traz um levantamento da situaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo a acervos
47
exposiccedilotildees visitaccedilotildees atividades educativas recursos didaacuteticos organograma pessoal etc
(UNIRIO 2005)
Ao longo do seacuteculo XX obras de intelectuais ligados diretamente ou indiretamente a
museus eou oacutergatildeos governamentais de preservaccedilatildeo como Mario de Andrade (1917) Francisco
Venacircncio Filho (1941) Gustavo Barroso (1946) Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) Joseacute
Valladares (1946) Gilberto Freyre (1979) e Darcy Ribeiro (1955) dentre outros destacam-se na
produccedilatildeo de um pensamento e accedilotildees no campo da museologia e vecircm sendo estudados por
pesquisadores contemporacircneos
Destaco as contribuiccedilotildees de Francisco Venacircncio Filho (1941) Joseacute Valladares (1946) e
Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) que delineiam marcos de interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo museu-
educaccedilatildeo no Brasil e agiram diretamente na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
criaccedilatildeo de museus e na concepccedilatildeo e planejamento de accedilotildees educativas nos museus brasileiros
Estes autores lanccedilam obras nos anos de 1940 que teratildeo influecircncia teoacuterica ateacute os anos de 1970 na
criaccedilatildeo de museus histoacutericos e pedagoacutegicos em Satildeo Paulo29
Entre os anos de 1960-1970 predomina a publicaccedilatildeo de coleccedilotildees de divulgaccedilatildeo sobre os
grandes museus europeus no formato de cataacutelogos vendidos em bancas de jornais e revistas A
pesquisa acadecircmica propriamente dita com a elaboraccedilatildeo de monografias dissertaccedilotildees e teses
com posicionamentos criacuteticos questionadores e reflexivos se intensificou no Brasil a partir dos
anos 1980 e se amplia nas deacutecadas seguintes
Autores como Waldisa Russio Camargo Guarnieri (1977 1980) Maria Margaret Lopes
(1988 e 1993) Maria Ceacutelia Moura Santos (1987 1993 e 1996) Regina Abreu (1996) Cristina
Bruno (1996) Maria Ceciacutelia Lourenccedilo (1997) Mario Chagas (1999 e 2003) Ulpiano Bezerra de
Menezes (1992 1994 2004 2005 e 2007) marcam a riqueza dessa produccedilatildeo e apontam temas
como a institucionalizaccedilatildeo dos museus de ciecircncias as accedilotildees educativas o colecionismo o
patrimocircnio a memoacuteria social a arte e a museologia como outros caminhos de investigaccedilatildeo que
seriam abertos por novas pesquisas e percorridos por novos pesquisadores em universidades do
paiacutes e em cursos no exterior
29 Ver CAMPOS Vinicio Stein Elementos de Museologia 1ordm e 3degvolume se 1970
48
Um levantamento bibliograacutefico realizado pelo CECA30
em 2007 apontava ao mesmo
tempo a abrangecircncia e a dispersatildeo dessa produccedilatildeo sobre os museus A divulgaccedilatildeo dessa
produccedilatildeo bibliograacutefica continuaria em grande parte ligada agraves revistas dos oacutergatildeos oficiais de
patrimocircnio (IPHAN e ICOM) e publicaccedilotildees proacuteprias dos grandes museus centros culturais e de
memoacuteria Algumas poucas divulgadas pelos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de diversas aacutereas que
pesquisam a temaacutetica
Contudo estudos sobre trajetoacuterias de museus brasileiros ou uma chamada historiografia
dos museus vem se aprofundado em abordagens teoacutericas-metodoloacutegicas e temaacuteticas tais como o
papel das proacuteprias instituiccedilotildees museoloacutegicas na elaboraccedilatildeo da cultura material a anaacutelise dos
quadros referenciais que vatildeo se fixando para organizaccedilatildeo de coleccedilotildees e exposiccedilotildees os modelos
organizacionais concepccedilotildees de diretores e profissionais envolvidos em propostas de
musealizaccedilotildees e seus desdobramentos
Em um esforccedilo de leitura e siacutentese dessa bibliografia pode-se indicar trecircs impulsos
poliacuteticos de criaccedilatildeo de museus no Brasil Um primeiro que vai do iniacutecio do seacuteculo XIX ateacute a
deacutecada de 1930 Um segundo momento localizado entre as deacutecadas de 1930 e 1950 e por fim
um terceiro movimento de criaccedilatildeo de museus entre a segunda metade do seacuteculo XX e primeiras
deacutecadas do seacuteculo XXI
No seacuteculo XIX os atos fundadores dos primeiros museus comeccedilando pelo Museu Real
(1818) criado por D Joatildeo VI e aberto ao puacuteblico em 181931
contribuem para a emergecircncia de
uma nova sociabilidade e a redefiniccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico e de um puacuteblico espectador As visitas
ao Museu Real entre 1818 e 1821 eram privileacutegio de curiosos estudiosos e autoridades
A primeira exposiccedilatildeo do Museu Real aberta ao puacuteblico em 1821 tinha a visitaccedilatildeo e o uso
do espaccedilo regulado por uma Portaria Real que definia quem era o visitante digno de frequumlentar o
museu aquele que possuiacutea conhecimentos e qualidades (educados) O ambiente do Museu era de
estudo e contemplaccedilatildeo o visitante deveria manter a calma Presenccedila do guarda de sala (praacutetica
ainda usual) zelava pela ordem e controlava os comportamentos dos visitantes O acesso a
30 O CECA-BRASIL eacute formado pelos membros brasileiros afiliados ao Comitecirc Internacional para Accedilatildeo Educativa e
Cultural (CECA) do Conselho Internacional de Museus (ICOM) Disponiacutevel em lt wwwicomorgbrgt 31
Transformado posteriormente em Museu Imperial e hoje Museu Nacional da quinta da Boa Vista integrado agrave
estrutura acadecircmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ver material produzido pelo proacuteprio Museu
Nacional do RJ e trabalhos sobre a instituiccedilatildeo como LOPES (1997) e CHAGAS (1999)
49
algumas salas era restrito assim como havia dias de abertura e horaacuterios para diferentes puacuteblicos
A prioridade era dada ao visitante estrangeiro e pesquisador (LOPES 1999)
Na deacutecada de 1860 haacute uma diversificaccedilatildeo das instituiccedilotildees que fundam museus No Rio de
Janeiro satildeo criados os Museu do Exeacutercito (1864) e Museu da Marinha (1868) No Paraacute o Museu
Paraense Emiacutelio Goeldi eacute criado como Sociedade Filomaacutetica em 1866 e o Museu Paulista em
Satildeo Paulo em 1895
Essa geraccedilatildeo de museus do seacuteculo XIX ainda que pareccedila regional como o Museu
Paulista satildeo considerados museus nacionais agrave medida que colaboram para a construccedilatildeo ritual e
simboacutelica da naccedilatildeo Curioso notar que essa mesma bibliografia trata pouco ou quase nada sobre
o projeto de criaccedilatildeo do museu do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro instituiacutedo pelo
mesmo decreto de criaccedilatildeo do IHGB em 1838 instalado e aberto atualmente agrave visitaccedilatildeo na sede
do proacuteprio Instituto Histoacuterico no Rio de Janeiro
No iniacutecio do seacuteculo XX esse caraacuteter celebrativo dos museus brasileiros do seacuteculo XIX se
propaga a partir do Rio de Janeiro para estados e museus como o Juacutelio de Castilhos (1903)
Museu Anchieta (1908) no Rio Grande do Sul Pinacoteca Puacuteblica do Estado (1906) em Satildeo
Paulo e o Museu de Arte da Bahia (1918) E chega a criaccedilatildeo por Gustavo Barroso do Museu
Histoacuterico Nacional (MHN) em 1922 (CHAGAS 1999 p36) Um segundo momento de criaccedilatildeo
de museus eacute identificado nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 por iniciativa de empresaacuterios os
chamados Museus de Arte Moderna (MAMs) do Rio de Janeiro (MAM 1948) e Satildeo Paulo
(MASP 1947) e os natildeo instalados ldquomuseus histoacutericos e pedagoacutegicosrdquo em Satildeo Paulo
Ao longo das deacutecadas de 1930-1950 haacute um consideraacutevel impulso na criaccedilatildeo de museus32
a maioria ainda em plena atividade A criaccedilatildeo do Curso de Museus em 1932 vinculado ao MHN
embora inicialmente fosse apenas um aperfeiccediloamento de dois anos e exigisse como preacute-requisito
cinco anos de escolaridade baacutesica eacute considerado pelos pesquisadores de museus como importante
na profissionalizaccedilatildeo do campo e organizaccedilatildeo da museologia Por fim tem-se um terceiro
32 Dentre outras foram criados a Casa de Rui Barbosa ndash RJ (1930) Museu da Veneraacutevel Ordem Terceira de Satildeo Francisco da Penitecircncia ndash RJ (1933) Museu Histoacuterico da Cidade ndash RJ (1934) Museu Nacional de Belas Artes ndash RJ
(1937) Museu da Inconfidecircncia ndash Ouro Preto (1938) Museu da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Gloacuteria do
Outeiro ndash RJ (1939) Museu Imperial ndash Petroacutepolis (1940) Museu das Missotildees ndash RS (1940) Museu Antonio Parreiras
ndash Niteroacutei (1941) Museu Histoacuterico de Belo Horizonte (1943) Museu do Ouro de Sabaraacute (1945) Museu da Veneraacutevel
Ordem Terceira do Carmo ndash RJ (1945) Museu de Arte Moderna de Satildeo Paulo (1946) Museu de Arte Moderna ndash RJ
(1948) Museu do Iacutendio ndash RJ (1953) Museu Oceanograacutefico ndash RS (1953) e Museu Farroupilha ndash PR (1954) (UNIRIO
2007)
50
movimento de criaccedilatildeo de museus que marca as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo
XXI Aleacutem dos museus existentes haacute outro cenaacuterio de aumento do nuacutemero de museus
investimentos dos setores privados na construccedilatildeo de museus e financiamento de projetos culturais
voltados ao turismo cultural e a revitalizaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural de centros
urbanos e industriais e a tecnologias virtuais
Uma das questotildees ao se pensar a historicidade dos museus eacute discutir ateacute que ponto as
trajetoacuterias dos museus brasileiros obedecem eou dialogam com os modelos europeus e latino-
americanos E mais de que forma as trajetoacuterias institucionais ajudam na compreensatildeo das
praacuteticas museais em relaccedilatildeo aos puacuteblicos Autores como Ulpiano Bezerra de Menezes Maria
Margaret Lopes Lilia Moritz Schwarcz e Maria Ceciacutelia Lourenccedilo reuacutenem algumas polecircmicas em
torno da questatildeo da criaccedilatildeo de museus no Brasil a partir do seacuteculo XIX e algumas praacuteticas de
produccedilatildeo e circulaccedilatildeo da cultura museal
Para Ulpiano Bezerra de Menezes (2005 p16) as trajetoacuterias dos museus brasileiros em
especial dos chamados museus histoacutericos foram distintas do paradigma europeu e mais proacuteximas
do modelo norte-americano Para o autor a visatildeo que se consolida a respeito dos museus no
seacuteculo XIX se eacute que pode ser considerada iluminista desemboca numa estetizaccedilatildeo do social e na
transformaccedilatildeo da histoacuteria em espetaacuteculo Os museus brasileiros satildeo mais evocativos e
celebrativos do que os europeus e a funccedilatildeo de produccedilatildeo do conhecimento eacute marginalizada A
memoacuteria eacute reduzida a instrumento de enculturaccedilatildeo paradigmas a priori definidos e que circulam
em vetores sensoriais (MENEZES 2005 p16)
Maria Margaret Lopes em O Brasil descobre a pesquisa cientiacutefica os museus e as
ciecircncias naturais no seacuteculo XIX publicado em 1997 apresenta uma visatildeo distinta dos museus
principalmente daqueles de histoacuteria natural A autora contribui com novas orientaccedilotildees para se
escrever uma historiografia das ciecircncias como praacutetica social e revisita as atividades cientiacuteficas no
Brasil desde a colocircnia inserido-as em uma dinacircmica cultural mais abrangente Daiacute quando
confrontada com uma ldquovasta literatura interdisciplinar internacionalrdquo sobre os aspectos histoacutericos
das instituiccedilotildees museoloacutegicas Lopes aprofunda temas teoacuterico-metodoloacutegicos sobre a histoacuteria dos
museus aspectos comunicativos expositivos educacionais e cientiacuteficos antes pouco
considerados no Brasil e reinscreve os museus numa nova dinacircmica
51
Ao avaliar o debate sobre as origens dos museus nos Estados Unidos Lopes estimula a
reflexatildeo sobre as diferentes fases das histoacuterias dos museus como uma forma ldquoinstigante de pensar
os museus como locais em que a cultura material eacute elaborada exposta comunicada e
interpretadardquo (2005 p15) Uma das questotildees abordadas pela autora eacute a maneira como se
formavam as coleccedilotildees e ateacute que ponto essas coleccedilotildees se relacionavam com a formaccedilatildeo do campo
da Histoacuteria Natural e das ciecircncias modernas e como ajudam na compreensatildeo dos processos
contemporacircneos de construccedilatildeo de museus cientiacuteficos
Lopes apresenta um movimento dos museus de histoacuteria natural no seacuteculo XIX indicando
que se formara em torno do American Association of Museums33
um circuito de intercacircmbio que
incluiacutea comunicaccedilatildeo coleccedilotildees cataacutelogos pesquisadores e disputas cientiacuteficas sociais e poliacuteticas
incluindo museus diferentes tais como o Museu Paulista e o Museu Paraense o Museu
Nacional o Museu de Valparaiso o Museu de La Plata o Museu de Buenos Aires e o Museu da
Costa Rica Um verdadeiro ldquomovimentordquo de museus emerge da anaacutelise de Margaret Lopes (1997
p223-247)
Ao investigar como se datildeo as periodizaccedilotildees e criteacuterios de mudanccedila e permanecircncia nos
ldquosistemas museaisrdquo na Ameacuterica Latina e nos Estados Unidos Margaret Lopes considera que o
panorama mundial dos museus entre as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e as primeiras do seacuteculo
XX apontava que natildeo era tatildeo simples submeter os museus a tipologias anacrocircnicas e classificaacute-
los de acordo com as divisotildees propostas Ela identifica pelas publicaccedilotildees e correspondecircncias
entre diretores de museus que nesse periacuteodo houve a formaccedilatildeo de um ldquocircuito dos museusrdquo
internacional que incluiacutea trocas entre os museus de histoacuteria natural argentino (Museu de La Plata)
e o Bristish Museum no sentido de criar uma nova instituiccedilatildeo que rompia com o ldquogabinete de
curiosidadesrdquo e apontava para a instituiccedilatildeo de um ldquomoderno museu cientiacuteficordquo (LOPES 1997
p323)
Esse novo referencial de museu que se transformava vinculado ao Estado teria uma dupla
funccedilatildeo colaborar com a educaccedilatildeo e com a investigaccedilatildeo cientiacutefica O que natildeo se faria sem certa
tensatildeo que ainda marcaria por muito tempo as discussotildees acerca do conhecimento As coleccedilotildees
seriam divididas uma para a pesquisa outra para exibiccedilatildeo ao puacuteblico leigo Esse referencial
33 Sobre a importacircncia desse movimento Margaret Lopes faz uma leitura criacutetica das contribuiccedilotildees de Laurence Vail
Coleman que publica em 1939 The museum in America a critical study e de Oroz J J que retoma criticamente
Colemam ao discutir a curadoria numa perspectiva tambeacutem histoacuterica Ver Lopes 2005 p15-17
52
vigoraria inclusive no Museu Nacional do Rio de Janeiro ateacute a deacutecada de 1930 (LOPES 2005
p22)
A autora avanccedila na anaacutelise desses intercacircmbios entre os diretores de museus brasileiros e
argentinos e indica como essa discussatildeo contribuiu para a definiccedilatildeo de disciplinas como a
antropologia a paleontologia e arqueologia e ao mesmo tempo aponta as ldquomissotildees cientiacuteficas e
civilizadoras desses museus em fins do seacuteculo XIX (LOPES 2001)
Lilia Schwarcz (2005 p124-126) considera que o surgimento dos museus nacionais de
ldquoetnografiardquo no Brasil a partir da deacutecada de 1870 estaacute relacionado ao estabelecimento de outras
instituiccedilotildees cientiacuteficas apoacutes a vinda da Famiacutelia Real como as faculdades de Medicina e Direito e
aos Institutos Histoacutericos e Geograacuteficos Para ela esses museus satildeo coacutepia dos modelos europeus e
estabeleceram uma praacutetica bastante isolada em relaccedilatildeo aos demais estabelecimentos cientiacuteficos
nacionais Fruto de um saber determinista frente aos modelos evolucionistas e darwinistas sociais
presentes no debate intelectual da eacutepoca procuravam encontrar nas culturas indiacutegenas e africanas
(raccedilas) e na miscigenaccedilatildeo a comprovaccedilatildeo do atraso do paiacutes (SCHWARCZ 2005 p124-126)
As soluccedilotildees apontadas por Lopes e Schwarcz para a questatildeo da circulaccedilatildeo dos modelos de
museu se inscrevem em duas tradiccedilotildees34
de interpretaccedilatildeo historiograacutefica que atribuem pesos
diferentes agrave capacidade de elaboraccedilatildeo e autonomia de um pensamento social brasileiro Enquanto
a pesquisa de Lopes (1997) postula que a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais e culturais implica na
reflexatildeo sobre a histoacuteria das instituiccedilotildees cientiacuteficas e culturais e contribui para a superaccedilatildeo do
passado colonial e a vinculaccedilatildeo aos projetos de modernidade ocidental Schwarcz (2005)
identifica os obstaacuteculos que dificultam e impedem internamente o desenvolvimento de um
pensamento autocircnomo e um desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico da sociedade brasileira
O debate aberto em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees museais pode ser estendido aos visitantes De
que maneira modelos diferentes de museu circulam na cultura e como os visitantes se posicionam
frente a eles Enquanto Lopes (1997) dialoga com o campo cientiacutefico Maria Ceciacutelia Lourenccedilo
(1999) discute a criaccedilatildeo dos Museus de Arte Moderna na deacutecada de 1950 frente ao quadro de
permanecircncias e mudanccedilas da proacutepria histoacuteria da arte e das relaccedilotildees entre o museu modernista a
poliacutetica o poder os intelectuais os artistas as universidades a formaccedilatildeo de puacuteblico e a produccedilatildeo
34 Moema de Resende Vergara discute a constituiccedilatildeo de duas vertentes historiograacuteficas da ciecircncia no seacuteculo XX Ver
VERGARA (2004)
53
de conhecimento A autora oferece algumas imagens de museu que satildeo expressivas de nossa
eacutepoca museu vivo museu escola museu comunitaacuterio museu espetaacuteculo e museu shopping se
enlaccedilam agraves diversas tipologias de projetos socioculturais no cotidiano dos museus
Ao trabalhar o conceito de museu Lourenccedilo (1999) evoca de maneira recorrente a
situaccedilatildeo e trajetoacuteria dos museus de arte brasileiros e aponta duas questotildees A primeira eacute a
distacircncia existente entre o declarado e a praacutetica cotidiana ou seja entre a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees
e seu funcionamento regular e atual A segunda questatildeo eacute a vitalidade das instituiccedilotildees histoacutericas
que mesmo enfrentando problemas para se manterem em funcionamento contribuem na
construccedilatildeo de conceitos recolha de obras e manteacutem o diaacutelogo com as matrizes e valores tambeacutem
expostos
Uma instituiccedilatildeo museal sempre se reinventa em sua proacutepria dinacircmica O acervo de cada
instituiccedilatildeo eacute um exemplo Se o museu possui acervo ou natildeo se recebe um acervo internacional
os valores e pressupostos jaacute inventados sobre esse acervo influenciam na relaccedilatildeo que essa
instituiccedilatildeo estabelece com sua proacutepria condiccedilatildeo e com o puacuteblico Os valores ou criteacuterios de
inclusatildeo e exclusatildeo de acervos nos museus de arte satildeo subjetivos e discutiacuteveis meacuteritos
recebimentos de precircmios internacionais origem social geograacutefica proximidade com o poder
vigente aleacutem de outros que permeiam a cultura como a xenofobia o corporativismo o nepotismo
e mecanismos de troca impliacutecita para angariar proveitos pessoais satildeo as bases para os objetos e
obras adquiridos e expostos nos museus Lourenccedilo natildeo eacute nada otimista quando aos tipos de troca
que podem ocorrer para a formaccedilatildeo de determinados museus que por sua vez manteacutem esse
circuito em aberto ao longo de suas trajetoacuterias (LOURENCcedilO 1999 p20-62)
Ana Claudia Fonseca Brefe (1998) apoacutes um balanccedilo do conceito de museu desde a
renascenccedila ateacute o seacuteculo XIX em diaacutelogo com uma bibliografia francesa conclui que o conceito
de museu vai se adequando a diferentes materialidades e instituiccedilotildees como os gabinetes de
curiosidades que satildeo inicialmente coleccedilotildees privadas se transformam agrave medida que passam a
discutir o uso cientiacutefico e pedagoacutegico de suas coleccedilotildees a abertura ao puacuteblico arquitetura
disposiccedilatildeo dos objetos e objetivos Os debates historiograacuteficos em torno da instituiccedilatildeo museal
tambeacutem partem de interesses do presente relativos a disputas por memoacuterias e patrimocircnio
54
22 ndash Plano de visitas e aprendizagem histoacuterica em museus
As funccedilotildees de um museu na contemporaneidade satildeo muacuteltiplas fruiccedilatildeo esteacutetica viacutenculos
subjetivos condiccedilotildees de recolhimento e de diaacutelogos culturais multiplicados Entretanto o museu
histoacuterico eacute ao mesmo tempo um espaccedilo de ficccedilatildeo e de confronto mas impera o diaacutelogo quando
enfrenta a questatildeo da multiculturalidade Para Menezes (1994) o museu natildeo eacute enciclopeacutedia de
diversidade cultural Nele imaginaacuterio e imaginaccedilatildeo satildeo campos de forccedila mas os problemas em
relaccedilatildeo agraves praacuteticas dos sujeitos se datildeo de maneira ampla na sociedade e natildeo em abstrato nas
exposiccedilotildees museoloacutegicas
Os usos do potencial da imaginaccedilatildeo nos museus podem ser instrumentalizados numa
ideologia do valor em si dos ldquonovos museusrdquo Esses novos ideaacuterios de museus justificam a
revitalizaccedilatildeo de espaccedilos urbanos que se sobrepotildeem a outros que satildeo desfigurados Ultrapassam-
se as fronteiras culturais da induacutestria do lazer e do retorno do investimento e transcendem os
interesses locais voltando-se para visitantes estrangeiros numa adesatildeo agrave loacutegica de mercado O
proacuteprio museu se apresenta como forma de explorar um imaginaacuterio da cidade com praacuteticas de
utilizaccedilatildeo do seu espaccedilo e de suas forccedilas sociais Os objetos histoacutericos satildeo peccedilas-fetiche
Aleacutem da criacutetica aos museus-mercados Menezes (1994) tambeacutem eacute criacutetico dos museus
teatro da memoacuteria que por sua orientaccedilatildeo paternalista pressupotildee a passividade do espectador e a
hegemonia do paradigma observacional fundamentado na espetacularidade Para ele o
laboratoacuterio de Histoacuteria eacute o museu que torna viaacutevel a produccedilatildeo e socializaccedilatildeo do conhecimento
(MENEZES 1994 p62)
As investigaccedilotildees sobre a educaccedilatildeo histoacuterica em museus tecircm se debruccedilado sobre temas tais
como parcerias institucionais com escolas desenvolvimento de projetos e oferta de serviccedilos
educativos por parte dos museus A pesquisa sobre o ensino tambeacutem ganha forccedila e aponta que as
dimensotildees do processo de ensino- aprendizagem natildeo se reduzem a questotildees teacutecnicas ou de cunho
metodoloacutegico A ldquodidaacutetica da histoacuteriardquo eacute colocada por autores com Ruumlsen (2007) junto agrave ldquoteoria
da histoacuteriardquo
De outro acircngulo as discussotildees sobre o ensino de histoacuteria no Brasil sempre foram
vinculadas a projetos de formaccedilatildeo de uma identidade nacional tendo o Estado como maior
promotor dessa associaccedilatildeo O ensino de histoacuteria e identidade nacional se vincularam nos
55
curriacuteculos de histoacuteria prescritos desde o iniacutecio do seacuteculo XX e se manteacutem nas atuais diretrizes
para o sistema nacional de ensino
A criacutetica teoacuterica e praacutetica aos modelos oficiais tambeacutem se constitui como parte do debate
sobre o ensino de histoacuteria e se faz de maneira institucionalizada por professores de histoacuteria e suas
associaccedilotildees principalmente nos anos de 1960-70 Os professores tomam a discussatildeo sobre a
identidade e a ressignificam A educaccedilatildeo escolar e o ensino de histoacuteria satildeo vistos como espaccedilos
para se pensar identidades e pluralidades culturais pelo vieacutes da diversidade entendida num
quadro de desigualdades sociais e dominaccedilatildeo poliacutetica (SILVA E GUIMARAtildeES 2007 p58)
Este movimento de reflexatildeo em torno das identidades nacionais vem reposicionando a noccedilatildeo
de alteridade frente agraves tendecircncias globalizantes e provoca a reorganizaccedilatildeo curricular que vem se
fazendo na Europa e que reconhece explicitamente a dimensatildeo do estudo do patrimocircnio como
parte essencial da educaccedilatildeo para a cidadania (BARCA 2003 p100)
Ramos (2004 p15) discute que a ida ao espaccedilo museoloacutegico implica necessariamente
efetuar atividades educativas questionamentos e maneiras teoricamente fundamentadas de
aguccedilar a percepccedilatildeo para os objetos das exposiccedilotildees e a vinculaccedilatildeo entre o mundo dos artefatos
Para o citado autor a histoacuteria estaacute presente nos objetos e estes podem ser instrumentos para um
posicionamento no presente Os conflitos com os objetos de uso dos museus (objeto gerador)
produzem cultura fazem a ponte entre a memoacuteria coletiva e individual faz lembrar e ler a
materialidade das coisas na proacutepria problemaacutetica histoacuterica (2004 p19-30)
O foco central da pesquisa sobre visitas educativas a museus neste sentido indicado por
Ramos (2004) aponta para os usos e apropriaccedilotildees do patrimocircnio cultural musealizado As
escolas utilizam posturas investigativas em relaccedilatildeo ao patrimocircnio Muitas praacuteticas escolares de
visitas levantam justificativas quanto agrave relevacircncia de atitudes de avaliaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da
histoacuteria local e aprofundam maneiras de atuar e interagir em relaccedilatildeo a seleccedilotildees de objetos
valores crenccedilas que se processam cotidianamente na sociedade A partir das visitas a museus
questiona-se o conceito de ldquopatrimocircnio histoacutericordquo natildeo como um meio ou recurso para conhecer
ou fazer histoacuteria mas como a proacutepria histoacuteria evidenciada nas persistecircncias visiacuteveis do passado
que o presente outorga valores (HERNANDEZ 2003 p456-458)
O patrimocircnio pode ser considerado a expressatildeo de identidades e sua apropriaccedilatildeo favorece
a construccedilatildeo de valores tais como respeito ao entorno e ao pertencimento a uma comunidade de
56
sentido ou tradiccedilatildeo Pode possibilitar o exerciacutecio de um pensamento criacutetico capaz de situar
historicamente as evidecircncias e dotaacute-las de novos significados sociais poliacuteticos e culturais Por
fim a relaccedilatildeo com o patrimocircnio museal desencadeia accedilotildees de construccedilatildeo do conhecimento
histoacuterico e ampliaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica (GONZALEZ 2004)
A aprendizagem em museus estaacute focada em dois eixos na potecircncia patrimonial de
coleccedilotildees e objetos e na potecircncia comunicativa das instituiccedilotildees em estabelecer planos e programas
puacuteblicos educativos que combinam diversas dimensotildees do cenaacuterio natildeo formal (natildeo escolares) do
museu e aspectos da cultura mais amplos
Pesquisas acadecircmicas sobre educaccedilatildeo em museus satildeo bastante numerosas35
mas natildeo se
constituem em torno de um campo especiacutefico de investigaccedilatildeo organizado em referecircncias teoacutericas
e metodoloacutegicas soacutelidas Predomina o diaacutelogo com vaacuterias aacutereas acadecircmicas o que torna o esforccedilo
para visualizar o conjunto dessa produccedilatildeo ou mesmo avaliar as tendecircncias e perspectivas
adotadas por cada pesquisa um trabalho relativamente difiacutecil De um modo geral as pesquisas
sobre museus parecem obedecer agrave mesma loacutegica das demais temaacuteticas nas poacutes-graduaccedilotildees Ainda
prevalecem as dissertaccedilotildees de mestrado com um aumento dos douramentos entre 1987- 2008 Em
sua quase totalidade satildeo realizadas nas instituiccedilotildees puacuteblicas federais e estaduais e nem sempre
contam com financiamentos de agecircncias de fomento As instituiccedilotildees que possuem maior nuacutemero
de pesquisas satildeo a UNIRIO USP UFMG UNICAMP e FGV-RJ
Os referenciais bibliograacuteficos de cada autor indicam diaacutelogos preferenciais internos agrave sua
aacuterea de conhecimento acadecircmico Entre as autoras citadas ao longo do capiacutetulo temos como
exemplo a combinaccedilatildeo de trecircs formaccedilotildees acadecircmicas distintas e atuaccedilatildeo em museus nas aacutereas de
ciecircncias naturais artes e histoacuteria respectivamente Maria Margaret Lopes (1988) Maria Ceciacutelia
Lourenccedilo (1997) e Ana Claudia Brefe (1998 e 2005) Cada pesquisadora dialoga internamente
com a bibliografia de sua aacuterea especiacutefica
Cada aacuterea acadecircmica que tematiza sobre o Museu tambeacutem o faz a partir de questotildees
especiacuteficas que interferem na proacutepria definiccedilatildeo de museu A histoacuteria como aacuterea acadecircmica pensa
no museu como instituiccedilatildeo como ldquolugar de memoacuteriardquo A antropologia por sua vez concebe o
museu como um campo de pesquisa no qual eacute possiacutevel o trabalho etnograacutefico com coleccedilotildees As
35 Carina Martins Costa (2008) identificou 98 pesquisas acadecircmicas desenvolvidas no Brasil sobre educaccedilatildeo em
museus
57
ciecircncias bioloacutegicas identificam no museu um divulgador do campo cientiacutefico A aacuterea de
comunicaccedilatildeo vecirc o museu como miacutedia veiacuteculo de divulgaccedilatildeo Muitos pesquisadores tambeacutem
utilizam a documentaccedilatildeo existente nos arquivos e acervos iconograacuteficos sem necessariamente
tomarem o proacuteprio museu como objeto de anaacutelise ou mesmo desconsiderando a origem dessas
fontes
O enfoque dessa pesquisa natildeo desconsidera a trajetoacuteria administrativa e cultural de cada
instituiccedilatildeo museoloacutegica e a constituiccedilatildeo de suas respectivas coleccedilotildees Ao contraacuterio estes satildeo
aspectos fundamentais para o entendimento da histoacuteria presente de cada museu embora natildeo
estejam presentes nas exposiccedilotildees puacuteblicas que eles promovem Como demonstram as pesquisas
realizadas por Brefe (2005) acerca do Museu Paulista e Pimentel (2004) sobre o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto a histoacuteria das instituiccedilotildees museais permite estabelecer referecircncias sobre os
padrotildees que se fixaram ou se modificam em suas poliacuteticas de exibiccedilatildeo
A abordagem dos museus pelos usos feitos pelos visitantes por sua vez natildeo pode temer
ou condenar uma apropriaccedilatildeo utilitaacuteria de seus espaccedilos Trabalhar com os usos promovidos pelos
visitantes eacute considerar que as estrateacutegias autorizadas pelas chamadas visitas de estudo ou estudos
do meio36
ainda satildeo centrais tanto para museus quanto para as escolas Nesses casos os setores
educativos definem metodologias especiacuteficas para se explorar os espaccedilos visitados
principalmente um roteiro de observaccedilatildeo elaborado para os professores e que pretende orientar a
visita A visita escolar busca se diferenciar do lazer e do consumo que natildeo satildeo legitimados Os
locais a serem visitados satildeo predeterminados e obedecem a um cronograma e agendamento que
natildeo permitem mudanccedilas ou alternativas
O visitante de museus eacute interpelado duplamente por aquilo que o motiva individualmente
e pela oferta institucional Ele faz escolhas expressa gostos opiniotildees e negocia com os colegas
professores prestadores de serviccedilos Haacute em qualquer visita uma dimensatildeo de cidadania e de
consumo imbricadas
36 Um discurso muito presente nos planejamentos das visitas a locais como praccedilas e museus eacute da formaccedilatildeo de
competecircncias de leitura de fontes visuais ou cenaacuterio para conteuacutedos histoacutericos trabalhados em sala de aula Ver
Bittencourt 2009 p281
58
Um visitante natildeo se reduz a receptor passivo do quadro normativo referente oferecido
pelos museus e pelas escolas37
A negociaccedilatildeo de sentidos se daacute de maneira complexa Durante a
visita ele considera questotildees de acesso processos culturais num amplo quadro de significaccedilatildeo
que implica em novas praacuteticas interpretaccedilotildees e formas de uso dos bens culturais
A anaacutelise das praacuteticas portanto natildeo pode aceitar os limites dos modelos institucionais e
nem a correlaccedilatildeo inexoraacutevel entre capital cultural escolar e habitus como determinantes das
visitas38
Assim cada visita acontece em um quadro normativo referente de processos de
socializaccedilatildeo familiar e escolar e na complexidade da realidade empiacuterica de cada visitante Os
paradoxos da anaacutelise satildeo muacuteltiplos diante da complexidade do problema de pesquisa proposto
A mensagem expositiva dos museus segundo Asensio e Pol (2007) existe na medida em
que eacute recriada por cada visitante Ele a constroacutei a partir de seus conhecimentos preacutevios suas
habilidades cognitivas e sentindo o impacto expositivo atraveacutes de atitudes emoccedilotildees e afetos
Entender as experiecircncias de visita implica em questionar o que cada exposiccedilatildeo oferece ao
visitante e como o visitante distingue suas marcas suas convenccedilotildees e coacutedigos O visitante ao
fazer uma leitura do museu aponta para a poliacutetica inscrita em cada gesto da instituiccedilatildeo e para a
poeacutetica presente na exposiccedilatildeo e que lhe permite sempre manter em aberto o espaccedilo da
significaccedilatildeo
23- Praacuteticas de formaccedilatildeo produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos
Inverter a ordem dos discursos tomando o puacuteblico-visitante estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria como os sujeitos dos quais se parte para investigar as interfaces entre as dinacircmicas
socioculturais de visita a museus e as dinacircmicas de formaccedilatildeo histoacuterica eacute uma contribuiccedilatildeo
pretendida por essa pesquisa
Duas referecircncias ajudam a estabelecer inicialmente contatos entre o tema das visitas a
museus e da formaccedilatildeo histoacuterica dos visitantes a questatildeo dos sujeitos e da produccedilatildeo de
conhecimentos Eacute possiacutevel compor uma anaacutelise da dinacircmica e diversidade das situaccedilotildees vividas
quando de uma visita e articulando-as a partir das elaboraccedilotildees dos sujeitos envolvidos nessas
37 Assim como os museus as escolas tambeacutem modificam suas abordagens das visitas a museus Ver dentre outros os
trabalhos de Denise Grinspum (2000) e Maria Cristina Carvalho (2005) 38
Ver discussatildeo de Luciana Sepuacutelveda Koptcke (2005 p190)
59
situaccedilotildees de formaccedilatildeo Para que essa articulaccedilatildeo aconteccedila o foco da investigaccedilatildeo satildeo os sentidos
elaborados pelos sujeitos a partir de dentro do proacuteprio processo de formaccedilatildeo em sua
materialidade e de seus significados para os envolvidos na interaccedilatildeo estudantes de graduaccedilatildeo em
Histoacuteria seus professores-formadores e os profissionais de museus
A hipoacutetese teoacuterica sobre a produccedilatildeo de conhecimentos a ser investigada relaciona-se ao
que Bernard Charlot (2000 p68) denomina de ldquonatureza epistecircmica dos saberes dos sujeitosrdquo
definidos como um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a dinacircmica do
desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo em busca do
objeto O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso de si proacuteprio como recurso engaja-se em
atividades movimenta-se produz inteligibilidade e sentidos (CHARLOT 2000 p51-89)
As visitas ainda que marcadas por um ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas por
cada museu permitem aos visitantes uma experiecircncia esteacutetica de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus39
Haacute limites por certo nas possibilidades interpretativas das visitas escolares pois natildeo se
trata de um espaccedilo completamente livre de contingecircncias e aberto a experiecircncias do inteiramente
novo Ainda que extrapole os limites do ambiente escolar a visita a museus guarda muito das
caracteriacutesticas de ldquotrabalho escolarrdquo no sentido que lhe imprime Perrenoud (1994) como parte da
escolarizaccedilatildeo e dos saberes escolares Os visitantes estudantes e professores estatildeo duplamente
limitados pelas suas proacuteprias expectativas e objetivos e tambeacutem por aqueles dos agentes de
museus
Entende-se como narrativa dos museus os pontos de vista expressos na fala de seus
monitores materiais educativos e poliacuteticas dos setores educativos e exposiccedilotildees Em toda a praacutetica
museal se vecirc um visitante ideal e um discurso prescritivo sobre as visitas Os museus de modo
39 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
60
geral e os proacuteprios materiais instrutivos dirigidos aos professores quer por oacutergatildeos de regulaccedilatildeo e
formaccedilatildeo quer por uma bibliografia voltada agrave formaccedilatildeo para o ensino de histoacuteria40
esperam que
os visitantes venham preparados para seu discurso e a forma de expocirc-lo Espera-se que essa
estimulaccedilatildeo tenha sido feita previamente pelo professor que organiza a visita Eacute esperado tambeacutem
que o professor conheccedila o museu e suas exposiccedilotildees antes da visita com seus alunos que trabalhe
materiais e organize atividades em sala de aula sobre o que seraacute visto no museu Durante a visita
haacute a expectativa por parte de muitos museus que o professor oriente os comportamentos a serem
adotados indicando como os alunos devem atentar para as observaccedilotildees dos monitores
garantindo assim a ordem e ao mesmo tempo que a interaccedilatildeo aconteccedila sem atrapalhar o
trabalho daqueles que conduzem a visita O professor deve contemplar as obras e cuidar para que
os alunos tambeacutem o faccedilam Na volta agrave escola os agentes educativos dos museus sugerem que os
professores promovam discussotildees diaacutelogos com a turma recuperando o que foi visto observado
levantando novas hipoacuteteses curiosidades e aprofundando o tema ao mesmo tempo em que
auxilia na organizaccedilatildeo da construccedilatildeo da narrativa sobre a visita
Eacute necessaacuterio ponderar que mesmo com todas essas expectativas criadas em torno do
trabalho de visita escolar ou por elas existirem as visitas a museus podem ser pensadas como
fundadas em estrateacutegias construcionistas da cultura e do conhecimento agrave medida que os visitantes
negociam o sentido da mensagem expositiva de cada museu e de cada objeto de cultura exposto
O visitante constroacutei ele proacuteprio a partir de seus conhecimentos suas habilidades cognitivas e
sentindo o impacto expositivo em suas atitudes emoccedilotildees e afetos
Os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos de conflitos embates entre poliacuteticas e esteacuteticas que
legitimam praacuteticas e vozes mas tambeacutem trocas entre grupos sociais diversos que buscam
expressar ali seus rituais e memoacuterias coletivas Defendo que o museu natildeo se reduz a simples
recurso pedagoacutegico ou fonte histoacuterica utilizado por professores juntamente com visitas teacutecnicas
a arquivos e bibliotecas Os objetivos da visita e de sua anaacutelise natildeo se limitam agrave discussatildeo sobre
praacuteticas de preservaccedilatildeo cujas finalidades seriam promover o contato e conhecimento de
experiecircncias bem sucedidas de preservaccedilatildeo do patrimocircnio cultural Esse formato de programas
governamentais e privados associa atividades de promoccedilatildeo do patrimocircnio cultural com benefiacutecios
40 Algumas dessas visotildees e materiais seratildeo apresentados e discutidos nos capiacutetulos IV e V
61
econocircmicos e turismo sustentado ao considerar o turista um consumidor de lugares coleccedilotildees
saberes e fazeres culturais (MURTA E ALBANO 2005 p17)
Eacute imperativo ressalvar que nem toda a discussatildeo sobre a chamada educaccedilatildeo patrimonial
se reduz a praacuteticas prescritivas e usos instrumentais do patrimocircnio Desde a deacutecada de 1980 satildeo
inuacutemeras as iniciativas que trabalham com as dimensotildees da memoacuteria e da histoacuteria num sentido da
educaccedilatildeo das sensibilidades mais amplo41
O museu eacute concebido nessa pesquisa como um lugar metodoloacutegico siacutetio simboacutelico no
qual o visitante pode ser entendido como sujeito da accedilatildeo museoloacutegica agrave medida que atua
ativamente na significaccedilatildeo dos objetos durante as visitas agraves exposiccedilotildees e situaccedilotildees educativas
elaborando reflexotildees teoacuterico-conceituais sobre o proacuteprio museu e seu acervo e sobre a histoacuteria
Cabe dizer que para investigar os usos que satildeo feitos dos museus pelos visitantes visando
agrave produccedilatildeo de conhecimento eacute preciso abandonar a ideia de um puacuteblico receptor passivo que
apenas olha e natildeo age e buscar entender como se daacute a ressignificaccedilatildeo das poliacuteticas educativas
dos museus ouvindo o que pensam e fazem os sujeitos que participam ou participaram da vida do
objeto dentro e fora do museu e agregaram e agregam a ele significados Tanto aqueles que
atuam como agentes na ressignificaccedilatildeo dos objetos museoloacutegicos seus autoresprodutores e
diversos usuaacuterios ao longo de seu circuito e trajetoacuteria existencial ateacute a chegada no museu Todos
promovem o ldquocontexto musealrdquo pesquisadores que estudam os objetos conservadores
documentalistas museoacutelogos educadores e puacuteblico-visitante
Os proacuteprios museus hoje planejam accedilotildees educativas ldquointerativasrdquo que implicam um
compartilhamento mas muitas vezes natildeo dispensam as ldquomediaccedilotildeesrdquo de uma trilha explicitada
pelo idealizador de uma linguagem proacutepria ndash a da museologia Compreende-se que visitantes e
museus satildeo sujeitos singulares empenhados numa mesma praacutetica Mas ateacute que ponto a agenda de
expectativas do proacuteprio visitante e os embates especiacuteficos que cada aacuterea
disciplinartemaexposiccedilatildeo lhe reserva natildeo o reduzem a um papel mais modesto na relaccedilatildeo com a
produccedilatildeo do conhecimento Espera-se que o visitante reconheccedila e aplique o coacutedigo do emissor
ou agentes da accedilatildeo educativa dos museus ou que ele interprete selecione e se aproprie fazendo
outra produccedilatildeo a partir de seu lugar
41 Ver balanccedilo da discussatildeo sobre educaccedilatildeo patrimonial feita por Nara Ruacutebia de Carvalho Cunha tendo como
referecircncia inicial o Guia Baacutesico de Educaccedilatildeo Patrimonial publicado e distribuiacutedo pelo IPHAN em 1999 em
comparaccedilatildeo a outras praacuteticas como a do museu-escola do Museu da Inconfidecircncia Ver Cunha 2011 p67-81
62
Ao visitarem museus e entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos ali organizados ndash os
objetos o convite agrave interatividade o tema e as miacutedias ndash os visitantes podem romper com os
papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao momento dessa interaccedilatildeo Estaacute muito
presente nas abordagens dos museus o risco da espetacularizaccedilatildeo ou uma visatildeo ingecircnua de que a
interatividade pode ser garantida de antematildeo pelo museu independentemente da accedilatildeo do
puacuteblico
As possibilidades de diaacutelogo com os museus datildeo-se para aleacutem dos aspectos da
comunicaccedilatildeo com o puacuteblico estabelecido pelas proacuteprias instituiccedilotildees (PEREIRA et al 2007) O
acervo de qualquer museu aiacute incluiacutedas as exposiccedilotildees reservas teacutecnicas seu sites materiais de
divulgaccedilatildeo e a proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo dos acervos com seus diversos criteacuterios de
incorporaccedilatildeo preservaccedilatildeo restauraccedilatildeo exposiccedilatildeo e descarte interessam aos visitantes em
formaccedilatildeo Muitos museus ao trabalharem com pressupostos das teorias da recepccedilatildeo42
concebem
o sujeito em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo mas natildeo assumem a interlocuccedilatildeo numa dupla face do processo
de produccedilatildeo de sentido Os museus satildeo os sujeitos comunicantes protagonistas enunciadores e
os visitantes satildeo os destinataacuterios A dicotomia em relaccedilatildeo aos dois poacutelos estaacute mantida Condiccedilotildees
diferentes de produccedilatildeo e condiccedilotildees de reconhecimento marcadas e jaacute estabelecidas pelas esferas
da produccedilatildeo e consumo
Enquanto a produccedilatildeo de conhecimentos ou de uma memoacuteria histoacuterica eacute legitimada
poliacutetica e esteticamente como proacutepria ao campo museal o visitante natildeo eacute reconhecido como parte
dessa produccedilatildeo de sentidos Ele apenas recebe passivamente esse saber especializado O
patrimocircnio cultural eacute aquilo que estaacute laacute no museu e que deve ser reconhecido ou apropriado pelos
visitantes O museu eacute lugar de memoacuteria instituiacuteda da cultura material a ser preservada43
Em muitos museus o professor eacute considerado parte do bloco da audiecircncia denominado
ldquopuacuteblico escolarrdquo Natildeo existem accedilotildees especiacuteficas voltadas para o professor Em geral seu papel
seraacute ajudar na mediaccedilatildeo com os estudantes nas visitas programadas pelos agentes dos museus
Ele natildeo participa da elaboraccedilatildeo da oferta de serviccedilos dos museus escolha de percursos
abordagem conceitual As instituiccedilotildees museais em geral hierarquizam e triangulam a mediaccedilatildeo
42 Ver ESCOSTEGUY 2008
43 Autores como Maacuterio Chagas (2003 p32) tratam da vinculaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de museu e patrimocircnio considerando
que o sentido de preservaccedilatildeo e de posse estaria na raiz tanto da noccedilatildeo de patrimocircnio quanto no museu como
instituiccedilatildeo
63
Eacute preciso um guia do proacuteprio museu para decifrar os coacutedigos do patrimocircnio O professor
responsaacutevel pelos alunos recebe o ldquopacoterdquo oferecido pelos museus Ele o aceita o rejeita
tambeacutem em bloco
A accedilatildeo educativa dentro de muitos museus contemporacircneos eacute vista como parte de suas
funccedilotildees de comunicaccedilatildeo A formaccedilatildeo natildeo tem o mesmo lugar ou status das atividades de
pesquisa e preservaccedilatildeo nas definiccedilotildees oficiais de museu A mediaccedilatildeo tambeacutem eacute vista como uma
funccedilatildeo didaacutetica ou de marketing sem estatuto epistemoloacutegico proacuteprio uma funccedilatildeo de
transposiccedilatildeo e recontextualizaccedilatildeo do saber criada diretamente pelo museu
24- Visitas escolares e visitantes marcas visiacuteveis de historicidade
Bernard Lahire em Homem Plural os determinantes da accedilatildeo (2002) apresenta uma criacutetica
agraves teorias que defendem a homogeneizaccedilatildeo e a unidade do ator e da cultura e defende uma
perspectiva de entendimento do ator social na pluralidade dos mundos e das experiecircncias
contemporacircneas Lahire argumenta que os princiacutepios de socializaccedilatildeo satildeo heterogecircneos e
contraditoacuterios e que vivemos numa multipertenccedila a mundos e submundos sociais nem sempre
compatiacuteveis entre eles e agraves vezes conflituosos (LARIHE 2002 p32)
Para Lahire (2002) natildeo existem configuraccedilotildees sociais homogecircneas tanto cultural quanto
moral e ldquopoucos satildeo os casos que permitiriam falar de um habitus familiar coerente produtor de
disposiccedilotildees gerais inteiramente orientadas na mesma direccedilatildeordquo Os valores simboacutelicos os
esquemas de accedilatildeo introjetados e as praacuteticas satildeo diferentes maneiras de dizer ver fazer e sentir
os repertoacuterios de esquemas de accedilatildeo (de haacutebitos) satildeo conjuntos de siacutenteses de
experiecircncias sociais que foram construiacutedasincorporadas durante a socializaccedilatildeo anterior
nos acircmbitos sociais limitadosdelimitados e aquilo que cada ator adquire
progressivamente e mais ou menos completamente satildeo haacutebitos como sentidos de
pertenccedila contextual (relativa) de terem sido postos em praacutetica Aprendecompreende que
aquilo que se faz e se diz em tal contexto natildeo se faz nem se diz em outro contexto (LAHIRE 2002 p37)
As travessias no espaccedilo social e as matrizes de socialializaccedilatildeo satildeo contraditoacuterias As
visitas aos museus podem ser entendidas como uma dessas travessias entre dois mundos Uma
situaccedilatildeo de encontro cultural forccedilado Um deslocamento do espaccedilo da escola para o espaccedilo do
museu Nesse novo cenaacuterio ou no momento presente da visita os estatutos culturais dos
64
visitantes diluem-se parcialmente Os visitantes reconhecem a visatildeo de histoacuteria dominante no
museu e podem em um segundo movimento recorrer a outros fundamentos historiograacuteficos para
analisar tal estrutura e confrontar com analogias as duas configuraccedilotildees o seu proacuteprio lugar e o
lugar da exposiccedilatildeo (museu)
Lahire (2002) considera que o presente tem mais peso na explicaccedilatildeo dos comportamentos
praacuteticas e condutas se os atores satildeo plurais O passado estaacute aberto de modo diferente segundo a
natureza e a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente A questatildeo central eacute discutir como as experiecircncias
satildeo incorporadas mobilizadas convocadas e despertadas pela situaccedilatildeo presente Ou descrever de
que maneira a configuraccedilatildeo da situaccedilatildeo presente tecircm um peso na criaccedilatildeo de praacuteticas
A escolha de mais um museu e portanto a anaacutelise simultacircnea de mais de uma visita tem
por finalidade investigar marcas especiacuteficas dessas experiecircncias Assim pode-se encontrar nos
relatos de um mesmo visitante mudanccedilas que dizem respeito agrave adaptaccedilatildeo fuga resistecircncia
inibiccedilatildeo em relaccedilatildeo aos diferentes ambientes visitados Tambeacutem eacute possiacutevel discutir em que
medida os distintos ambientes que o visitante eacute levado a atravessar ativam ou inibem suas
competecircncias habilidades saberes conhecimentos maneiras de dizer e fazer durante as visitas
Dessa maneira a repeticcedilatildeo de visitas ou a visita a diferentes museus reconhece que tal
estrateacutegia pode ter um efeito positivo pois antecipa possibilidades interpretativas do visitante que
constroacutei paracircmetros de interpretaccedilatildeo A visita a mais de um museu causa certa previsibilidade
gera certas expectativas que orientam e selecionam os sentidos produzidos pelos visitantes
A escolha desses visitantes e museus e natildeo outros configurou-se ao longo da pesquisa de
doutorado iniciada em 2008 e foi posterior ao momento das visitas efetivamente realizadas pelo
grupo de estudantes A seleccedilatildeo das situaccedilotildees concretas de visita para a anaacutelise se deu diante de
um repertoacuterio mais amplo de museus visitados pelo grupo ao longo dos quatro anos de formaccedilatildeo
e que possibilitava outras escolhas e anaacutelises
Ao longo do ano de 2008 foram desencadeados trecircs movimentos simultacircneos de produccedilatildeo
da materialidade das visitas Um levantamento da produccedilatildeo dos estudantes jaacute existente na
instituiccedilatildeo formadora ndash a Faculdade de Pedro Leopoldo (FIPEL) ndash sobre as vaacuterias visitas
realizadas entre 1999 e 2008 Em seguida a elaboraccedilatildeo de um inventaacuterio do perfil dos estudantes
de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria (Anexo A) e terceiro a realizaccedilatildeo de uma
65
entrevista coletiva no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 dispostos a
colaborar com a pesquisa para avaliaccedilatildeo da praacutetica de visitas a museus (Anexo B)
Apoacutes levantamento preliminar dos registros escritos e fotograacuteficos44
elaborados pelos
estudantes da FIPEL arquivados na proacutepria instituiccedilatildeo formadora foi necessaacuterio redefinir
recortes desse conjunto de fontes documentais Tanto os suportes elaborados posteriormente
quanto estrateacutegias hipoacuteteses de trabalho e categorias de anaacutelise partiram dessa primeira leitura
documental das praacuteticas de formaccedilatildeo
A sistematizaccedilatildeo do perfil dos estudantes de uma das turmas de Licenciatura em Histoacuteria
permitiu caracterizar melhor o proacuteprio grupo e a praacutetica de visitas da instituiccedilatildeo O inqueacuterito
estava dividido em trecircs partes A primeira preocupou-se com dados gerais como idade sexo
atividade remunerada renda familiar A segunda trazia questotildees relativas agrave praacutetica de visitas a
museus e uma terceira que aprofundava as situaccedilotildees de visita tendo em vista imagens e conceitos
de museu memoacuteria patrimocircnio e uma avaliaccedilatildeo dos proacuteprios museus visitados (Anexo A) Esse
levantamento depois de respondido individualmente sem identificaccedilatildeo de nomes foi processado
na forma de graacuteficos possibilitando uma visualizaccedilatildeo dos visitantes como um grupo e as
experiecircncias de visita na instituiccedilatildeo formadora como um conjunto (Anexo B)
O segundo suporte para a materialidade das visitas e visitantes foi uma entrevista coletiva
no formato de grupo focal com os alunos da turma 2005-2008 O debate com o grupo visava
aprofundar e complementar elementos identificados no inventaacuterio e que seriam melhor abordados
na forma da oralidade e da discussatildeo coletiva A decisatildeo metodoloacutegica em produzir esse tipo de
registro para a pesquisa se deu no momento de definiccedilatildeo no recorte empiacuterico da mostra de
visitantes As duacutevidas eram muitas jaacute que se tinha um variado repertoacuterio de relatos individuais e
mesmo algumas siacutenteses produzidas pelas turmas Faltava definir um grupo de referecircncia para a
anaacutelise das visitas e sistematizar uma meta-reflexatildeo dos visitantes sobre o conjunto das visitas e
seus efeitos formativos Essa forma de registro oral (grupo focal) foi utilizada antes da uacuteltima
44 Para Boris Kossoy (2011) a abordagem da fotografia como documento iconograacutefico deve considerar os enredos
culturais que lhe datildeo sentido e natildeo se limitar agrave questotildees teacutecnicas (imagens teacutecnicas) Eacute preciso demonstrar as
construccedilotildees mentais e culturais que datildeo corpo agraves imagens e aprender a desmontaacute-las Disponiacutevel em lt
httpluzeestilowordpresscom20100328entrevista-com-boris-kossoygtAcesso em 31 de marccedilo de 2011 Ver
tambeacutem a discussatildeo de imagem associada agrave narrativa ldquoo quadro narra e a narrativa mostrardquo (RICOEUR 2007
p281)
66
visita realizada pelo grupo ao Rio de Janeiro O debate contou com a participaccedilatildeo de nove
estudantes e foi transcrito As falas foram confrontadas tanto com os relatos anteriores da visita
ao Museu do Escravo (2006) quanto com o trabalho realizado posteriormente agrave visitaccedilatildeo ao
Museu Histoacuterico Nacional (2008) (Anexo C)
Identificar entre os puacuteblicos de museus um conjunto de visitantes e selecionaacute-los para
anaacutelise foi em grande medida organizar estrateacutegias de visibilidade destes visitantes reais Os
criteacuterios de constituiccedilatildeo do corpus documental para a pesquisa foram circunstanciais e definidos
simultaneamente agraves leituras teoacutericas e metodoloacutegicas O visitante historiado eacute uma situaccedilatildeo
relacional uma seacuterie de condiccedilotildees no espaccedilo-tempo como o fato de serem matriculados em uma
mesma instituiccedilatildeo de ensino superior disporem de tempo para viajar recursos financeiros e
disponibilidade para relatar suas experiecircncias de visita
Um dos criteacuterios de escolha dos dois museus apresentados na anaacutelise ndash o Museu do
Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional ndash foi baseado na avaliaccedilatildeo da potecircncia patrimonial de
cada um deles Natildeo era viaacutevel trabalhar com um amplo corpus documental que se constituiacutera
sobre as visitas e visitantes e a seleccedilatildeo implicava em cortes que mantivessem a riqueza da
documentaccedilatildeo produzida Os visitantes assim como os museus visitados constituem coleccedilotildees de
cultura material e as exibem de forma a comunicar sentidos e fazer circular a cultura Os dois
ldquoacervos documentaisrdquo das visitas elaboradas na perspectiva do grupo de visitantes e dos
museus satildeo confrontados
Enquanto os museus possuem criteacuterios de legitimaccedilatildeo da produccedilatildeo da cultura instituiacutedos
a escolha pela anaacutelise da produccedilatildeo feita pelos estudantes tem a possibilidade de ampliar o circuito
da cultura escolar para aleacutem de seus consumidoressujeitos habituais O processo de formaccedilatildeo de
visitantes de museus emerge dos lugares institucionais como a escola e o museu mas operam
uma experiecircncia pedagoacutegica mais abrangente e dispersa
Os relatos escritos e as fotografias satildeo considerados nessa pesquisa como maneiras de dar
significado agraves visitas vivenciadas durante o curso de graduaccedilatildeo em histoacuteria Na elaboraccedilatildeo dos
relatoacuterios os estudantes reconfiguram o percurso da visita reelaboram suas impressotildees
sentimentos e conhecimentos sobre o museu visitado Nos relatos escritos e fotograacuteficos
constroem ldquoexperiecircncias esteacuteticasrdquo conformando
67
estruturas cognitivas quadros normativos marcas de discriminaccedilatildeo e criteacuterios de
avaliaccedilatildeo modos de apreensatildeo do tempo regras de escolha modos de representaccedilatildeo e
esquemas de accedilatildeo jogos de papeacuteis e de categorias da praacutetica afirmaccedilotildees consideradas
verdadeiras e normas tidas por justas crenccedilas e figuraccedilotildees (GUIMARAtildeES E LEAL
2008 p12)
Os visitantes estabelecem modos de significar o vivido de transformar o fato em evento
ou ainda de conformar uma memoacuteria social (RICOEUR 2000) A experiecircncia de visita pode ser
pensada no sentido indicado por Vidal (2010 p726) quando se refere agrave docecircncia como
experiecircncia coletiva
as experiecircncias apesar de uacutenicas natildeo satildeo individuais Remetem a modos coletivos de
entender e validar a docecircncia Indiciam expectativas geracionais constituiacutedas na cultura
nas instituiccedilotildees de formaccedilatildeo na convivecircncia cotidiana com colegas e comunidade e nos
vaacuterios percursos de escolarizaccedilatildeo seguidos (VIDAL 2010 p726)
Os relatos de visita considerados como fontes e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de abordagem e tambeacutem mostram limites agrave anaacutelise Aquilo que aparece no texto da
aluna destacado no iniacutecio do primeiro capiacutetulo como ldquotiacutepicordquo eacute em grande medida um repertoacuterio
repetitivo que se constitui como um ldquogecircnerordquo Nesses relatos tanto a instituiccedilatildeo formadora
quanto cada museu visitado tem um papel significativo para a produccedilatildeo dos relatos Esse eacute um
primeiro ponto a ser considerado na anaacutelise Cada relato existe por estiacutemulos e intenccedilotildees de
produccedilatildeo vindos natildeo diretamente dos sujeitos que como autores resolvem de maneira
espontacircnea registrar suas memoacuterias mas como parte da dinacircmica de formaccedilatildeo acadecircmica e
disciplinas curriculares As escolhas e motivos das visitas aos museus satildeo estabelecidos no
interior do curso de licenciatura em Histoacuteria Haacute tambeacutem um segundo limite e implicaccedilatildeo na
produccedilatildeo dos relatos que eacute a condiccedilatildeo de avaliar a experiecircncia de visita de dentro da situaccedilatildeo
educativa Eacute preciso considerar essa dupla implicaccedilatildeo e explicitar que eu na condiccedilatildeo de
professora da instituiccedilatildeo formadora me encontro diretamente envolvida nesse primeiro
movimento de produccedilatildeo dos registros e elaboraccedilatildeo de uma primeira camada de testemunhos dos
visitantes
Somado ao primeiro limite dos relatos marcado pela historicidade das visitas e horizonte
de expectativa dos visitantes apresenta-se outro de caraacuteter diverso Assumir as marcas de
subjetividade entendidas como os sentidos atribuiacutedos agraves narrativas por cada visitante que se
coloca como autor de suas memoacuterias eacute correr o risco de expor os sujeitos concretos julgando
68
suas atitudes Vale esclarecer que o visitante faz escolhas estabelecendo uma pertinecircncia entre o
vivido e as referecircncias que lhes foram apresentadas pelos acervos e exposiccedilotildees dos museus mas
cria descompassos45
com relaccedilatildeo agraves rotinas e dinacircmicas estabelecidas pelo grupo que acompanha
Outro limite aparente das fontes eacute o apagamento das lembranccedilas ou a memoacuteria entendida
como recordaccedilatildeo As praacuteticas educativas como as visitas aos museus tem uma permanecircncia que
se constroacutei pelos conteuacutedos culturais que engendram Entretanto haacute uma fragilidade dos relatos
de visita onde se destaca muito da instrumentalidade das praacuteticas e das formas que eles adquirem
no acircmbito da cultura escolar
O relato de visita eacute marcado por esse limite da accedilatildeo contra o esquecimento um texto
coletivo que marca as histoacuterias comuns as semelhanccedilas do vivido e a recriaccedilatildeo das lembranccedilas
em memoacuterias coletivas Haacute o risco da banalizaccedilatildeo da experiecircncia uma vez que as narrativas
correspondem a accedilotildees de reflexatildeo produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico e mesmo de um excesso
de expectativas de troca de acuacutemulo e de valorizaccedilatildeo da accedilatildeo empreendida de forma
retrospectiva
Por outro lado o uso dos relatos como fonte e objeto de pesquisa apresentam
possibilidades de romper com algumas prescriccedilotildees A primeira delas eacute atentar para uma dimensatildeo
do testemunho como uma funccedilatildeo de ouvir a narrativa do outro instaurando uma nova histoacuteria do
presente Para Gagnebin (2006) essa operaccedilatildeo de compreender o testemunho engendra a questatildeo
de que o historiador natildeo eacute apenas o coletor dessas lembranccedilas ele realiza uma operaccedilatildeo de
ldquorememoraccedilatildeordquo no lugar da ldquocomemoraccedilatildeordquo Sua atividade historiadora natildeo eacute repetir as
lembranccedilas mas atentar para o esquecido A rememoraccedilatildeo significa atenccedilatildeo com o presente com
as ressurgecircncias do passado no presente e com a accedilatildeo A testemunha natildeo eacute aquele que viu com os
proacuteprios olhos mas tambeacutem aquele que ao ouvir a narraccedilatildeo do outro a aceita e a toma de forma
reflexiva natildeo ajudando a repeti-la indefinidamente mas ousando inventar outra histoacuteria inventar
o presente (GAGNEBIN 2006 p 55-57)
A visita ao museu se constitui em um evento dialoacutegico e polifocircnico que promove sentidos
na interaccedilatildeo ou co-presenccedila dos diversos sujeitos Justamente por esse efeito de interaccedilatildeo
promove diferentes tipos de trabalho com a memoacuteria Pode-se dizer que os relatos das visitas satildeo
45 Parece ser o caso de uma aluna que faz referecircncia agrave existecircncia de uma denominada ldquoSala da Marquesa de Santosrdquo
durante a visita ao Museu Histoacuterico Nacional
69
camadas de memoacuteria-histoacuteria nos quais eacute possiacutevel investigar as formas e conteuacutedos destas
praacuteticas culturais e a construccedilatildeo e uso dessas praacuteticas no ensino de histoacuteria e na formaccedilatildeo
histoacuterica
Os relatos das visitas podem ser utilizados como um iacutendice de atualizaccedilatildeo da memoacuteria
Como possibilidade de reconhecer que pessoas comuns (estudantes e professores) estabelecem
instrumentos capazes de intercambiar experiecircncias temporais complexas e mantecirc-las vivas em
situaccedilotildees de aprendizagem histoacuterica
Os relatos permitem investigar o papel que a memoacuteria cultural e o pensamento histoacuterico
tiveram no processo de formaccedilatildeo de diferentes identidades coletivas A reserva de histoacuterias
trazidas pelos relatos podem vir a ser histoacuterias coletivas narrativas que se voltam para o
coletivo A formaccedilatildeo como processo criativo de devir plural (RUumlSEN 2007 p165)
O destaque no trabalho para dois museus diferentes visitados pelo mesmo grupo de
estudantes tem por objetivo comparar algumas dinacircmicas que a anaacutelise de apenas um caso ou
museu natildeo permitiria Nos diversos museus visitados pelo grupo de estudantes eacute possiacutevel propor
problemaacuteticas muacuteltiplas e complexas sintetizadas pelos momentos de presenccedila dos visitantes
A estrateacutegia de abordagem do material empiacuterico produzido pelos visitantes que satildeo os
relatos escritos e as fotografias comporta natildeo uma preocupaccedilatildeo com a quantidade de variaacuteveis
mas com a variedade de argumentos alternativos levantados ateacute mesmo por um uacutenico estudante
que mobiliza diferentes elementos para dar sentido a visita
Outro aspecto considerado eacute que os relatos se produzem no interior de uma relaccedilatildeo
pedagoacutegica Parte do trabalho escolar a escrita dos relatoacuterios tem por objetivo atender a
exigecircncias e formalidades da cultura escolar Poreacutem na anaacutelise dos relatos haacute uma migraccedilatildeo
desse lugar inicial de produccedilatildeo que visava agrave leitura pelo professor que orientou eou organizou a
visita ao museu para a condiccedilatildeo de fonte de pesquisa mais ampla no campo da Educaccedilatildeo Das
situaccedilotildees de visita existentes em uma determinada instituiccedilatildeo escolar (Faculdade) escolhida
amplia-se o caraacuteter documental do relato e para pensar de maneira mais ampla o papel das
visitas a museus em relaccedilatildeo ao Ensino de Histoacuteria e agrave criaccedilatildeo de uma memoacuteria histoacuterica
Em alguma medida os visitantes na condiccedilatildeo de produtores dos relatos se fixam num
determinado momento da produccedilatildeo Haacute intersubjetividade em toda a elaboraccedilatildeo dos relatos As
observaccedilotildees satildeo projetadas para um professor que tambeacutem participou presencialmente da visita
70
Cada museu com suas exposiccedilotildees e propostas educativas satildeo acionados e mobilizados Por fim o
ato ao mesmo tempo coletivo e individual de percorrer as salas dos museus se coloca como forccedila
que emoldura cada situaccedilatildeo de visita Poreacutem a circulaccedilatildeo desses relatos em outros espaccedilos como
os da anaacutelise empreendida pela pesquisa permite forjar uma ampliaccedilatildeo de sentidos iniciais
Comparar dois momentos de visita em dois espaccedilos distintos permite conexotildees parciais entre os
processos e os lugares em anaacutelise A anaacutelise de cada situaccedilatildeo se faz por analogias e na tomada de
posiccedilatildeo Cada pessoa que relata a faz de maneira incorporada e localizada46
Como afirma Boaventura Souza Santos em texto lido pela turma do curso de licenciatura
em Histoacuteria que relata suas visitas escrever sobre algo implica em posicionar-se em adotar uma
perspectiva E em sua proposta de escrita cientiacutefica o sujeito deve participar se solidarizar ter
prazer Para Santos o conhecimento eacute emancipaccedilatildeo auto-conhecimento postura criacutetica e
reflexiva de avaliaccedilatildeo e reciprocidade (SANTOS 1995 p18-19)
A primeira implicaccedilatildeo de se considerar de maneira situada o conhecimento produzido nas
situaccedilotildees de visita eacute a opccedilatildeo pelos conhecimentos alternativos e dispersos e uma postura de
diaacutelogo que abrange a incompletude cultural natildeo como uma falta mas como parte de todas as
culturas A circulaccedilatildeo dos visitantes pelos muacuteltiplos locais tambeacutem amplia as situaccedilotildees de
formaccedilatildeo cultural multiplica as possibilidades de que diferentes museus podem propiciar a
desestabilizaccedilatildeo de visotildees hegemocircnicas acerca de temas trabalhados no Ensino de Histoacuteria como
a escravidatildeo os personagens histoacutericos e as comemoraccedilotildees O trabalho com visitas a diferentes
museus tambeacutem possibilita tomar trajetoacuterias inesperadas para traccedilar uma formaccedilatildeo cultural
considerada nos proacuteprios limites da experiecircncia compartilhada pelos visitantes A abrangecircncia da
anaacutelise se daraacute agrave medida que estabelecer conexotildees associaccedilotildees relaccedilotildees inesperadas e
aproximaccedilotildees
Os relatos escritos e fotograacuteficos assim como o Grupo focal e os questionaacuterios
individuais possibilitam confrontar como os visitantes elaboram do ponto de vista cognitivo e
simboacutelico atravessam cortam suas ancoragens e circulam entre diferentes mundos como os dos
museus do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional dentre outros
46 Mendes (2003) Perguntar e observar natildeo basta eacute preciso analisar algumas reflexotildees metodoloacutegicas Oficina do
CES 194 Disponiacutevel em lthttpsestudogeralsibucptjspuihandle1031611056gt Acesso em 06 ab 2011
71
Um primeiro sentido da produccedilatildeo dos relatos se daacute numa situaccedilatildeo relacional eacute a
comunicaccedilatildeo e o partilhamento dos sentidos com o professorleitor e os colegas Assim o relato
se faz na riqueza dialoacutegica de vozes presentes e ausentes Ao construir uma narrativa cada
visitante reconstitui o ineditismo da sua visita revive experiecircncias e surpreende-se ele proacuteprio
com suas reaccedilotildees
Ao se conceber os relatos como fonte documental prioritaacuteria agrave pesquisa foram definidos
alguns focos de investigaccedilatildeo O primeiro eacute atentar na leitura dos relatos para os tipos de recursos
que os visitantes mobilizam para argumentar e responder aos dilemas enfrentados durante a
visita Como se posicionam frente aos objetos apresentados pelos museus e como ancoram suas
narrativas pessoais frente agraves narrativas dos museus Haacute um grau de convergecircncia entre a memoacuteria
coletiva exposta nos museus e as memoacuterias pessoais Haacute dimensotildees consensuais ou divergentes e
quais argumentos fundamentam tais posiccedilotildees
Os relatos permitem mudar o foco da visita do museu e da escola para o visitante
Considerando o relato a visita pode ser ldquoguiadardquo pelos visitantes seguir o visitante pelos seus
percursos perspectivas interesses e escolhas Se durante o tempo de realizaccedilatildeo da visita na
condiccedilatildeo de professora fui tambeacutem visitante agora na anaacutelise dos relatos posso propor outros
recortes agrave visita e ao museu a partir do lugar de pesquisadora
25- Relatos e fotografias registros do patrimocircnio dos visitantes
Apresento a seguir um perfil dos visitantes elaborado a partir dos dados produzidos entre
os estudantes do curso de Licenciatura em Histoacuteria Escolhi dentre os vaacuterios estudantes e visitas
que foram realizadas ao longo do periacuteodo que trabalhei na Faculdade de Pedro Leopoldo
(FIPEL) estudantes que se prontificaram a ceder suas produccedilotildees textuais e fotografias
voluntariamente Um total de dezessete estudantes compotildee o universo selecionado para anaacutelise
Pude acompanhar esse grupo desde o ingresso na Faculdade ateacute a formatura e as visitas que
realizaram ao longo dessa trajetoacuteria de formaccedilatildeo
Deste grupo de estudantes 11 satildeo do sexo feminino e 06 do sexo masculino Quanto agrave
idade quatorze estudantes tinham entre 21 e 26 anos quando responderam ao instrumento de
pesquisa e os trecircs restantes tinham mais de 28 anos de idade Quando agrave profissatildeo apenas um
72
estudante declarou natildeo exercer atividade remunerada Em relaccedilatildeo agrave declaraccedilatildeo quanto agrave renda
familiar apenas um afirmou possuir renda maior que 10 salaacuterios miacutenimos seis estudantes
declararam entre 4 a 6 salaacuterios miacutenimos e dez entre 7 e 9 salaacuterios miacutenimos
Figura 6 Turma do 4ordm periacuteodo de Histoacuteria Faculdade Pedro
Leopoldo Fazenda Boa Esperanccedila Belo Vale MG 2006
Para este grupo de estudantes se natildeo fosse a praacutetica de visitas a museus promovida pela
Faculdade dificilmente frequumlentariam regularmente esse tipo de instituiccedilatildeo cultural Primeiro a
distacircncia geograacutefica de suas residecircncias desses bens coletivos impede visitas regulares Eles
residem em sua maioria quase absoluta em cidades da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e
cidades proacuteximas sendo que apenas um desses municiacutepios possui museu Trabalham e estudam e
apenas um estudante citou o preccedilocusto das viagens como dificuldade para realizaccedilatildeo das visitas
Natildeo encontramos assim uma correlaccedilatildeo entre renda local de moradia e primeira visita a museus
A escola eacute a grande responsaacutevel pela promoccedilatildeo do conceito de museu que esse grupo
possui A visita escolar aparece como a grande agenciadora do acesso aos museus Nos trecircs
momentos em que satildeo questionados sobre a visita a museus primeiro para indicar a ocasiatildeo da
73
visita segundo com quem foi a primeira vez em um museu e terceiro com quem foi ao museu
nos trecircs uacuteltimos anos a escola aparece como a grande promotora da praacutetica de visita (Ver
graacuteficos no anexo B)
Considerando os dados obtidos permanece a duacutevida sobre qual eacute a escola que promove a
visita escolar ao museu se a escola baacutesica ou a faculdade As afirmaccedilotildees de Warlerson de Melo
Simpliacutecio no grupo focal sobre suas experiecircncias de visita a museus alimenta a duacutevida sobre a
escola que promove a visita Warlerson declara que havia visitado o Museu de Guimaratildees Rosa
quando cursava a 8ordf Seacuterie depois passou na Gruta de Maquineacute que ele natildeo sabe bem se pode ser
citada como Museu Ele natildeo se lembra bem do que foi falado laacute soacute sabe que gostou Visitou e
gostou tambeacutem de uma igreja em Congonhas o Museu de Artes e Ofiacutecios em Belo Horizonte
Viu como se dava o processo de trabalho de uma eacutepoca que natildeo lembra bem qual (ldquoa memoacuteria taacute
curtardquo brinca o estudante) Gostou tambeacutem do Museu do Escravo ldquoeu gosto muito dessa
ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte principalmente na religiatildeordquo
(Warlerson de Melo Simpliacutecio Grupo Focal 2008)
O nuacutemero de vezes que Warlerson visita museus eacute confirmado pelas informaccedilotildees do
grupo que declara ter ido a mais de quatro museus e cita os trecircs uacuteltimos visitados Os mais citados
satildeo o Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto em Belo Horizonte o Museu de Artes e Ofiacutecios tambeacutem
em BH e o Museu Imperial de Petroacutepolis Os trecircs museus listados foram locais visitados pela
turma em trabalhos de campo promovidos pelo curso de licenciatura em Histoacuteria
Ao identificarem os museus visitados e a frequumlecircncia a museus vecirc-se novamente que a
visita organizada pela escola aparece como a responsaacutevel pela primeira ida ao museu Ou seja a
primeira vez que visitaram um museu foi durante o curso superior em Histoacuteria Informaccedilotildees
sobre os trecircs uacuteltimos museus visitados tambeacutem permitem identificar outras instituiccedilotildees lembradas
pela turma Museu de Histoacuteria Natural da PUC-MG e Museu do Escravo ambos tambeacutem
visitados em trabalhos com a turma O Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto foi a primeira visita
realizada pela turma quando estavam no primeiro ano do curso Talvez sua lembranccedila por quase
todo o grupo esteja associada a esse acontecimento o primeiro museu visitado
74
Diversos depoimentos47
enfatizam a importacircncia da visita ao Abiacutelio Barreto Fernando
Daniel Fraga Fonseca eacute o primeiro a falar
O Museu que eu mais gostei achei super interessante foi justamente na eacutepoca que a
gente tava entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma
visita ao Museu Abiacutelio Barreto em BH Onde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo
que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava
com ele um laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer
uma exposiccedilatildeo como organizar uma exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada
Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo mostrar aquilo que ta
querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super
interessante assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria (Fernando
Daniel Fraga Fonseca Grupo Focal 2008)
Daniele Paulo Marques completa
Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros
museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles
explicaram pra gente como eacute que eacute feita a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse
material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou natildeo Outro Museu
que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por
mais que assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas
discutir comentar e agraves vezes se faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para
dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito (Daniele Paulo Marques
Grupo Focal 2008)
Outros museus satildeo lembrados como o receacutem inaugurado Museu de Artes e Ofiacutecios mas a
comparaccedilatildeo aponta para o que eles mais se preocupam quando visitam um museu as exposiccedilotildees
embora seis estudantes natildeo definam claramente um foco para a visita
No grupo focal Frederico Levi Amorim faz um detalhamento de que descobriu na visita
ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto mais que suas exposiccedilotildees e como faz uso deste aprendizado
ao longo do curso inclusive na avaliaccedilatildeo de outros museus que visitou como o Museu do
Escravo
O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a
gente fez na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E
logo depois quando eu comecei a fazer o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo
foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a quantidade de pessoas
que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute
47 A opccedilatildeo por apresentar trechos longos da transcriccedilatildeo do debate realizado pelo grupo de estudantes tem por
justificativa manter a loacutegica de argumentaccedilatildeo de cada participante e as marcas das interaccedilotildees entre os componentes e
a oralidade que constituem os relatos
75
muito seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo
quais satildeo os materiais que vatildeo ser expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me
marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me chamou muito a atenccedilatildeo
tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava
meio perdido ali dentro e achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que
pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar o entendimento da exposiccedilatildeo e
para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse entender
tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar (Frederico Levim Amorim Grupo
Focal 2008)
Alguns aspectos da avaliaccedilatildeo de Frederico Amorim sobre o Museu do Escravo satildeo
contestados por Weberton Fernandes da Costa mais agrave frente
(riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o
seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era
estruturado objetos que ao mesmo tempo () visatildeo que tinha do negro mostrando eles
simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa faltou assim
a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro
que tinha na eacutepoca (Weberton Fernandes da Costa Grupo Focal 2008)
Os dados gerados pelo questionaacuterio permitem confrontar algumas afirmaccedilotildees expressas
oralmente pelo grupo e vice-versa No grupo focal as visitas satildeo apontadas como viagens de
conhecimento que ampliam horizontes e repertoacuterios culturais Os museus estatildeo relacionados ao
trabalho com as ldquofontes histoacutericasrdquo e agrave ldquopraacuteticardquo do professor Os estudantes dizem se interessar
pelos museus por conta de seus assuntos e exposiccedilotildees e natildeo pelo aspecto do lazer da diversatildeo
Quando solicitados a associar livremente trecircs palavras a museu a mais citada foi a palavra
ldquomemoacuteriardquo e a segunda ldquohistoacuteriardquo ldquoPassadordquo e ldquopreservaccedilatildeordquo aparecem em terceiro
ldquoConhecimentordquo ldquoculturardquo e ldquopatrimocircniordquo em quarto lugar na associaccedilatildeo de palavras a museu A
partir das palavras relacionadas as exposiccedilotildees e museus visitados podem ser imaginados como
uma alegoria do curriacuteculo Primeiro temos uma forma de exposiccedilatildeo do conhecimento e uma
seleccedilatildeo que obedece a um percurso ou roteiro e que se apresenta no formato de cenaacuterios Os
conteuacutedos dessa seleccedilatildeo feita pelos diferentes museus se datildeo na forma de saberes prescritos ou
seja legitimados socialmente como uma cultura da eacutepoca Essa concepccedilatildeo de cultura se
materializa num acervo exposto e preservado por cada instituiccedilatildeo
Se os visitantes associam a palavra conhecimento aos museus haacute o reconhecimento do
lugar da produccedilatildeo de cultura histoacuterica nos cenaacuterios organizados pelos museus e a hipoacutetese de que
essa produccedilatildeo de conhecimento se faz de maneira complementar com outros materiais de
76
pesquisa e instituiccedilotildees acadecircmicas De outro lado podemos comparar a exposiccedilatildeo e o museu
com os textos acadecircmicos Na lista do que se encontra em um museu aparecem na ordem
objetos cultura e documentos e fotografias em terceiro
Esse jogo de definir o museu com palavras e coisas aparentemente ingecircnuo indica
algumas categorias que foram retomadas nos relatos escritos e fotograacuteficos Para os visitantes o
Museu eacute memoacuteria e histoacuteria mas a memoacuteria natildeo eacute o passado Ela se materializa em objetos em
cultura documentos e fotografias Os museus satildeo agentes produtivos preservam conhecem
comemoram pesquisam dizem as narrativas dos visitantes no Museu do Escravo e no Museu
Histoacuterico Nacional
Por fim ao avaliarem os museus visitados natildeo temos muitas surpresas talvez o retorno ao
iniacutecio do questionaacuterio e agrave pergunta sobre o que eacute mesmo uma visita ao museu O que mais
agradou aos estudantes nos museus satildeo seus conteuacutedos e a organizaccedilatildeo
A identificaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo proacutepria aos museus uma visualidade eacute reforccedilada em
diversos momentos pelos visitantes Haacute na forma de expor objetos e no trabalho dos museus algo
que interessa diretamente a esse grupo Outra questatildeo que chama a atenccedilatildeo eacute a imagem que criam
para a proacutepria visita Eles afirmam que a impressatildeo que tecircm quando deixam o museu eacute de que
saiacuteram de uma sala de aula ou de uma biblioteca
As duas imagens engendradas ndash sala de aula e biblioteca ndash estatildeo relacionadas agrave cultura
escolar entendida como um conjunto de praacuteticas teorias e normas que codificam formas de
regular sistemas linguagens e accedilotildees nos estabelecimentos educativos (ESCOLANO 2005 p42)
Considerando que nos espaccedilos da escola haacute interaccedilotildees e convergecircncias entre cultura empiacuterica
cultura acadecircmica e cultura poliacutetica as praacuteticas de visita satildeo marcadas pelas pautas e orientaccedilotildees
da cultura escolar e da cultura museal que tambeacutem se articula historicamente em suportes
especiacuteficos A pesquisadora Luciana Koptche aponta para essa aproximaccedilatildeo recente entre os
objetivos tecnologias dos museus e a cultura escolar Para a autora os museus contemporacircneos
situam-se entre a catedral a escola o foacuterum a feira e o mercado (KOPTCHE 2005 p189) Em
se tratando de visitas escolares a associaccedilatildeo mais direta era de se esperar eacute com a escola
Assim como os museus satildeo vistos como organizados esse grupo de visitantes tambeacutem se
apresenta de forma organizada aos museus A visita de turismo ou com familiares satildeo raras no
grupo Na visatildeo dos estudantes as visitas tecircm objetivos pedagoacutegicos de ampliar conhecimentos
77
mas ningueacutem aponta se sentiu algum desconforto durante as visitas Interessam-se pelos
conteuacutedos e assuntos das exposiccedilotildees e saem dos museus com a impressatildeo que saiacuteram de uma sala
de aula Fabiana Cristina dos Santos parece resumir o dilema ao analisar a visita ao Museu
Imperial
A experiecircncia em museu o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu
Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute que a nossa visita foi guiada foi
muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o
lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom
foi vocecirc ter uma direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber
por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e
natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim (Fabiana Cristiana dos Santos Grupo focal
2008)
Fabiana Cristina dos Santos aparece na Figura 7 e parece aprisionada Olha atraveacutes da
janela e toma notas Estaacute acompanhada de um lado e de outro por seus colegas O visitante que
faz o registro fotograacutefico estaacute separado de Fabiana pelo vidro Ele estaacute ao lado dos objetos e sabe
que ela estaacute do outro lado da luz A luz refletida no vidro cria a barreira que natildeo permite ver
diretamente as peccedilas o que natildeo impede o diaacutelogo no jogo de espelhos
Figura 7 MARQUES Daniele Paulo Fotografia da visita a
Petroacutepolis Rio de Janeiro 2007
78
Outra visitante comenta a respeito da visita ao Museu Histoacuterico Nacional ldquoacredito que
mesmo em exposiccedilotildees que natildeo satildeo tatildeo boas podemos tirar ensinamentos para natildeo cometer os
erros cometidos por outras pessoasrdquo (Michelle Oliveira Xavier Visita ao MHN 2008)
Os visitantes apresentados acima ao entrarem em interaccedilatildeo com os artefatos culturais
organizados pelos museus rompem com os papeacuteis jaacute determinados externamente e anteriores ao
momento dessa interaccedilatildeo48
Tomar a ideia de ldquointeraccedilatildeordquo como um suposto um operador
analiacutetico parece possibilitar a integraccedilatildeo de perspectivas que natildeo separam os aspectos orais
escritos e visuais nos processos de produccedilatildeo de objetos culturais
A questatildeo central que permeia a pesquisa eacute a formaccedilatildeo dos sujeitos frente agrave experiecircncia
de contato com os museus Definir um grupo de visitantes em diferentes momentos de sua
formaccedilatildeo acadecircmica permite identificar marcas de sociabilidade e sensibilidades como referentes
na produccedilatildeo de conhecimentos histoacutericos O grupo se estabelece como ator ao assumir accedilotildees na
organizaccedilatildeo e definiccedilatildeo das visitas e ao expressar categorias de avaliaccedilatildeo das praacuteticas de visita a
partir de um olhar proacuteprio da experiecircncia
Daniela Jacobucci ao analisar os programas de formaccedilatildeo continuada de professores
realizados por museus de ciecircncias em diversas regiotildees do paiacutes afirma que ldquoindependente da
proposta teoacuterico-metodoloacutegicardquo estes programas ldquooportunizam quatro tipos de experiecircncias aos
professores atualizaccedilatildeo de conteuacutedos produccedilatildeo de material didaacutetico assessoria didaacutetica e
socializaccedilatildeo de conhecimentosrdquo (JACOBUCCI 2010 p437) Os estudantes concordam sempre
haacute algo a aprender com a visita As fotografias a seguir (Figuras 8 9 e 10) configuram a visita ao
Museu do Escravo do ponto de vista de seus visitantes O recorte espacial proposto por Frederico
Amorim organiza a visita em vaacuterios planos de expressatildeo Na primeira foto (Figura 8) temos uma
pessoa do proacuteprio museu responsaacutevel pelas informaccedilotildees ao grupo de visitantes O tronco o
objeto central do paacutetio de exposiccedilatildeo estaacute ao fundo A monitora fala olhando para os visitantes e
de costas para o objeto
48 A ideia de museu como templo distante da experiecircncia de aprendizagem natildeo aparece com grande forccedila nos
relatos dos visitantes
79
Figura 8 AMORIM Frederico Levi Monitora do Museu do Escravo no
paacutetio central tendo ao fundo a senzala e o pelourinho Belo Vale-MG 2006
Na imagem seguinte (figura 9) a monitora estaacute agrave esquerda do espaccedilo geograacutefico Ela fala e
gesticula com as matildeos O foco satildeo os visitantes que se aproximaram do objeto e estatildeo em atitude
de escuta
Figura 9 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes ouve explicaccedilotildees da
monitora no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
80
Na imagem seguinte (figura 10) o grupo maior jaacute se retirou e alguns alunos entre eles o
proacuteprio fotoacutegrafo se fazem registrar junto ao espaccedilo do objeto Tomam a experiecircncia vivida
externamente ndash o objeto imobilizado no espaccedilo do museu com a mediaccedilatildeo da monitora ndash como
uma paisagem um enquadramento O escravo no tronco de mesmo tamanho dos componentes do
grupo eacute centralizado e parece figurar como um dos estudantes que agora sorriem acredito de
prazer pela travessura que faziam
Figura 10 AMORIM Frederico Levi Grupo de visitantes junto ao
tronco no paacutetio interno do Museu do Escravo Belo Vale-MG 2006
A hipoacutetese sobre a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de conhecimentos nas visitas como a do Museu
do Escravo relaciona-se a um conjunto de relaccedilotildees e processos nos quais o sujeito manteacutem a
dinacircmica do desejo da busca de si mesmo aberto ao outro e ao mundo e natildeo eacute reduzido agrave pulsatildeo
em busca da satisfaccedilatildeo do objeto a ser consumido O sujeito mobiliza-se reuacutene forccedilas e faz uso
de si proacuteprio como recurso engaja-se em atividades movimenta-se produz inteligibilidade e
sentidos Ao colocarem-se ao lado da escultura os estudantes natildeo se identificam com o
sofrimento que representa os mortos mas compartilham a presenccedila uns dos outros nesse espaccedilo
que eacute vivo
81
A produccedilatildeo de conhecimentos que se configura a partir das praacuteticas de visita eacute uma
praacutetica cultural na qual os sujeitos se vecircem como capazes de reconfigurar algumas condiccedilotildees de
produccedilatildeo de saberes dominantes Os visitantes fazem a revisatildeo de conhecimentos tradicionais e
percebem pelos ldquoefeitos de sentidordquo e ldquoefeitos de presenccedilardquo uma nova disponibilidade de estar
no mundo e criar formas e conteuacutedos culturais distintos
As visitas ainda que marcadas pelo ritmo escolar e pelas accedilotildees poliacuteticas prescritas pelo
museu permitem aos visitantes uma experiecircncia sensiacutevel de muacuteltiplos deslocamentos Na
condiccedilatildeo de estudantes eacute possiacutevel experimentar um movimento que natildeo eacute aquele do cotidiano
escolar do trabalho pontuado pela cadecircncia dos calendaacuterios e horaacuterios Nos museus os tempos
dos processos pedagoacutegicos e de formaccedilatildeo se apresentam mais flexiacuteveis como uma poeacutetica O
visitante suspende o instante presente e pode ser tomado pelo jogo da multiplicidade de vozes
sentidos e papeacuteis Brincar de quebra-cabeccedila de detetive e jogar o jogo da memoacuteria eacute permitido e
estimulado em museus49
49 Esses satildeo jogos criados pelo Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto a partir de seu acervo e utilizados em oficinas e
programas de formaccedilatildeo de professores
82
CAPIacuteTULO III - A historicidade de museus e visitantes
31- Visitantes diante de museus a experiecircncia museal
O visitante atualiza o proacuteprio conceito de museu e contribui assim como os especialistas
para a configuraccedilatildeo e teorizaccedilatildeo do campo museal e fundamentaccedilatildeo de uma criacutetica agraves exposiccedilotildees
e seus conteuacutedos A presenccedila nos museus mobiliza a memoacuteria e estimula a imaginaccedilatildeo Esse
movimento de rememoraccedilatildeo coloca os sujeitos em alerta com relaccedilatildeo ao presente Neste
processo de atualizaccedilatildeo dos conceitos estaacute em jogo uma busca coletiva para as dimensotildees
sensiacuteveis e questionamentos
A constante atualizaccedilatildeo de conceitos ou seja a historicidade que se configura como
duraccedilatildeo e mudanccedilas no tempo permite abordar o museu como um ldquogecircnerordquo que possui
regularidades permanecircncias mas que constantemente se reconfigura Eacute desta perspectiva que
apresento o Museu do Escravo e o Museu Histoacuterico Nacional visitados nessa pesquisa como
museus histoacutericos que conteacutem em seus acervos e expotildeem aos visitantes diversas concepccedilotildees de
museus aparentemente fora de uso na museologia contemporacircnea
Delinear uma leitura menos datada e historicista dos museus ou uma histoacuteria de museus
que se atualiza nos proacuteprios museus50
eacute resultado do confronto entre a pesquisa bibliograacutefica
sobre museus e as narrativas visuais dos visitantes O esforccedilo de leitura dos relatos e das
fotografias levou a um recorte que entrelaccedila os registros das visitas ao Museu do Escravo
(Figuras 11 e 12) do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) feitos pelos
visitantes e as imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e galeria de
arte de priacutencipes (Figura 14)
Escolhi essas imagens para argumentar como os museus natildeo ficam presos ao passado e se
atualizam pela accedilatildeo dos visitantes E retomar tambeacutem a ideia de circuito e circularidade de
cultura atraveacutes de cinco imagens diferentes
50 Koselleck (1992 p134-145) propotildee uma histoacuteria dos conceitos que se investiga o processo de teorizaccedilatildeo dos
conceitos a partir de fontes documentais e formas verbais com experiecircncias histoacutericas concretas de associaccedilotildees
poliacuteticas e econocircmicas
83
As exposiccedilotildees do Museu do Escravo em Minas Gerais fotografadas por um estudante
(Figuras 11 e 12) e do Museu Histoacuterico Nacional no Rio de Janeiro (Figura 15) satildeo confrontadas
agraves imagens de museu dos chamados gabinetes de curiosidade (Figura 13) e agrave galeria de arte de
priacutencipes (Figura 14)
O acervo do Museu do Escravo de Belo Vale (MG) inaugurado em 1988 pelo padre da
paroacutequia local Jacques Penido tendo em vista as comemoraccedilotildees do centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da
Escravatura no Brasil pode ser interpretado como recoberto por vaacuterias camadas de sentido de
museu que circulam desde os gabinetes de curiosidade agraves galerias de arte Todo o acervo do
museu estaacute exposto Natildeo haacute uma reserva teacutecnica sequer um inventaacuterio e cataacutelogo das peccedilas
Objetos arqueoloacutegicos satildeo exibidos junto a reproduccedilotildees fotocopiadas de jornais indumentaacuterias
cenograacuteficas de um filme brasileiro e artefatos de culto religioso contemporacircneos Haacute uma
preocupaccedilatildeo em exibir instrumentos de tortura como gargantilhas de ferro mordaccedilas e tamancos
imensos que causam curiosidade e repulsa Tambeacutem satildeo criados cenaacuterios com um pelourinho que
fica no meio do paacutetio central rodeado por uma senzala Outras salas satildeo ocupadas com arte sacra
catoacutelica e peccedilas indiacutegenas
Figura 11 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
84
Figura 12 AMORIM Frederico Levi Coleccedilotildees do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Aberto ao puacuteblico o Museu do Escravo natildeo tem materiais impressos e teima em
sobreviver agraves intempeacuteries naturais que desgastam o telhado e agraves mudanccedilas na poliacutetica local
municipal a cada quatro anos51
O Museu do Escravo parece estar em algum tempo entre os gabinetes de curiosidades e os
museus etnograacuteficos Conserva dos gabinetes natildeo apenas uma exposiccedilatildeo natildeo hierarquizada mas
um sentido atribuiacutedo aos objetos que fabricados pelo proacuteprio museu satildeo possuidores de uma
fluidez entre a natureza a arte e o artefato Tanto no gabinete de curiosidades quanto no Museu
do Escravo natildeo importa a histoacuteria do objeto tudo pode ser recolhido e serve ao propoacutesito de
saciar os curiosos Tambeacutem pode ser visto no Museu do Escravo um moderno ldquomuseu
etnograacuteficordquo que cria seu objeto a escravidatildeo a partir de sistemas de classificaccedilatildeo dos escravos
por criteacuterios tais como exoacuteticos simples preacute-alfabetizados primitivos selvagens para fazer a
denuacutencia moral da escravidatildeo O ldquooutrordquo o escravo eacute objeto do olhar dos visitantes mas eacute a
proacutepria visatildeo do museu que eacute avaliada
Considerado a partir da loacutegica dos visitantes o estudo sobre os museus coloca em questatildeo
o proacuteprio conceito de museu durante a visita O visitante questiona ao longo do percurso como o
museu constituiu referecircncias sobre suas proacuteprias funccedilotildees sociais e como estas auto-referecircncias se
expressam nas exposiccedilotildees
51 Ver Folder do Museu do Escravo produzido em 2002 Museus Mineiros Imprensa Oficial do Estado de Minas
Gerais No 14 abril de 2002
85
Entretanto eacute comum que a visita ao museu natildeo acrescente ao visitante informaccedilotildees
sobre o proacuteprio museu Quando muito o museu apresenta um pequeno resumo impresso de sua
trajetoacuteria em seus materiais de divulgaccedilatildeo mas quase nada da histoacuteria de seu acervo princiacutepios
expositivos e outros recursos aleacutem da expografia Fica a cargo do interesse do visitante comum
entender como cada museu reelabora sua memoacuteria ou sua heranccedila e como ele se apresenta aos
seus visitantes Os museus ainda se apresentam como gabinetes de curiosidades (Figura 13)
Figura 13 LEGATI Lorenzo Museu Cospiano Bolonha 1677
A imagem acima eacute uma reproduccedilatildeo do cataacutelogo publicado em Bolonha por Lorenzo
Legati para o gabinete de curiosidades de Ferdinando Cospi Cospi era um naturalista italiano que
adquiriu a coleccedilatildeo de Ulisse Aldrovandi (1522-1605) que por sua vez tinha interesse no que hoje
pode ser chamado de botacircnica zoologia e geologia Cospi acrescentou ao museu maravilhas
naturais muitas delas criadas por processos de taxidermia unindo paacutessaros e peixes O Museu
Cospiano tinha centenas de cabeccedilas de aves sereias e um anatildeo que exercia o duplo papel de fazer
parte da coleccedilatildeo e ser guia Conhecida hoje por meio de exposiccedilotildees e cataacutelogos parte dessa
86
coleccedilatildeo eacute exposta atualmente no Museu do Palaacutecio Pozzi em Bolonha52
No entanto no seacuteculo
XVII estava aberta a estudiosos e aristocratas
O lugar de produccedilatildeo da Imagem 14 eacute a esfera privada O tema da imagem tambeacutem esta
ligado ao mundo domeacutestico uma coleccedilatildeo e um colecionador particular Frederico I Hoje o lugar
fiacutesico O studiolo do priacutencipe foi restaurado e aberto agrave visitaccedilatildeo puacuteblica No seacuteculo XVII ficava
proacuteximo aos aposentados iacutentimos do priacutencipe e permitia a entrada de apenas uma pessoa de cada
vez Era uma eacutespeacutecie de compartimento secreto cujo programa iconograacutefico foi idealizado pelo
pintor e arquiteto da corte Giorgio Vasari e sua equipe Este aposento privado permitia preservar
os itens raros da coleccedilatildeo do monarca em armaacuterios inventariar e dar ordem aos itens colecionados
para que pudessem ser encontrados As pinturas encomendadas por Francisco I satildeo realizadas
tambeacutem por Vasari e outros pintores do seacuteculo XVII
Figura 14 VASARI Giorgio (1511-1574) Studiolo de Francisco I
Palazzo Vecchio Firenze 1570-1573
52Disponiacutevel em lt httpspecialcollectionslibrarywisceduexhibitschecklistsCabinetsCabinets_title_listhtmlgt
Acesso em 26 jun 2010
87
A escolha da imagem do gabinete de Frederico I (Figura 14) nessa pesquisa cujo tema eacute a
relaccedilatildeo dos visitantes com os museus permite algumas associaccedilotildees Primeiro a ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo poliacutetica-puacuteblica pelo acessovisibilidade a bens culturais antes de uso limitado a um
nuacutemero pequeno pessoas Segundo pela ampliaccedilatildeo dos usos dos objetos chamados artiacutesticos ou
culturais em decorrecircncia das mudanccedilas nos suportes e modos de produccedilatildeo artiacutestica pelos quais
passaram a circular
A gravura do gabinete de curiosidades (Figura 13) e a imagem da galeria do priacutencipe
(Figura 14) apresentam lugares de guarda de coleccedilotildees Os temas e os conteuacutedos das obras satildeo os
objetos colecionados e o lugar onde estatildeo armazenados A coleccedilatildeo do gabinete de curiosidades e
da galeria de priacutencipe define quem tem acesso ao conteuacutedo desses ambientes e pode partilhar da
visibilidade da exposiccedilatildeo Apenas pessoas proacuteximas aos colecionadores
Entretanto ao reproduzir essas duas imagens aqui recoloca-se a questatildeo do lugar do
visitante diante dessas exposiccedilotildees Tanto a exposiccedilatildeo dos gabinetes quanto das galerias satildeo
privadas mas a reproduccedilatildeo por meio do desenho e da pintura as colocam em circulaccedilatildeo fora do
lugares de produccedilatildeo e do controle de seus proprietaacuterios Giorgio Vasari53
o pintor de Frederico I
talvez jaacute apontasse para essa necessidade de ampliaccedilatildeo do circuito do consumo de arte Ele
proacuteprio eacute tido como um dos precursores na produccedilatildeo de uma histoacuteria da arte ilustrada com cenas
da vida dos artistas que se populariza e se manteacutem atual agrave medida que continua sendo
reproduzida para um puacuteblico mais amplo
Do ponto de vista de visitantes contemporacircneos a funccedilatildeo do acervo de um museu natildeo eacute
apenas documental no sentido de fornecer evidecircncias para o trabalho da histoacuteria Para o visitante
ele estaacute diante de uma versatildeo contada pelo museu A coleccedilatildeo de objetos no museu eacute percebida
como natildeo aleatoacuteria O trabalho do museu eacute construir uma mensagem com a exposiccedilatildeo Ainda que
reconheccedila nos objetos e no acervo como um todo documentos de eacutepoca eacute a forma de
apresentaccedilatildeo dos objetos que ainda fornece o status de testemunho mostrando a importacircncia da
materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma
53 Foram lanccediladas recentemente duas obras de VASARI Giorgio Vida de Michelangelo Buonarroti Ed Unicamp
2011 e Vidas dos artistas Martins Fontes 2011
88
de reunir um acervo que pertence ou natildeo a determinado museu lhe confere maior poder de criar
visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Fabiana Cristina dos Santos (Figura 15) que assim
como muitos de seus colegas reuacutene novamente o acervo do museu apoacutes sua visita e recria seu
percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em uma nova exposiccedilatildeo
Figura 15 SANTOS Fabiana Cristina dos Montagem de fotografias
da visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O mosaico de fotografias confeccionado pela visitante reuacutene elementos dispostos em
diferentes cenaacuterios no interior do preacutedio e a fachada do museu que registra a grade de seguranccedila
um letreiro com o nome do museu e bandeiras hasteadas Fotografias do acervo e natildeo dos
visitantes
32- Usos puacuteblicos e educativos dos museus
Os museus europeus e norte-americanos assumem a partir do seacuteculo XVIII uma relaccedilatildeo
com um novo habitante da cidade o cidadatildeo Algumas medidas para aproximar os viacutenculos entre
museus e cidadatildeos satildeo adotadas agrave medida que tambeacutem se transformam as relaccedilotildees com o
mecenato e o modelo de vinculaccedilatildeo com o Estado para encomenda e financiamento de atividades
89
culturais se consolida As mostras temporaacuterias os chamados salotildees conquistam regularidade e
visibilidade para a produccedilatildeo dos proacuteprios museus Tambeacutem satildeo editadas publicaccedilotildees com a
finalidade de analisar as exposiccedilotildees e direcionar o puacuteblico frequumlentador ndash como a de Diderot que
assume a criacutetica no Correspondence Litteacuteraire entre 1759 e 1781 que culmina com a publicaccedilatildeo
de Ensaios sobre a pintura em 1795 pouco depois da Criacutetica da Faculdade do juiacutezo de Kant
(1790) Iniciava-se um movimento de ampliaccedilatildeo do puacuteblico de apreciadores e de criacuteticos de arte
Diderot vai ser lido e comentado por escritores poetas filoacutesofos ao longo seacuteculo XIX entre eles
por Charles Baudelaire (1821-1867)
A criacutetica aos salotildees de Diderot (Salatildeo de 1765) e Baudelaire (Salotildees de 1846 e 1859)
constitui-se em momentos privilegiados para pensarmos o museu entre os seacuteculos XVIII e XIX
do ponto de vista de seus visitantes A discussatildeo sobre os museus pode ser ampliada no seacuteculo
XX com os visitantes Marcel Proust que publica sua grande obra Em busca do tempo perdido
entre 1913-1927 e Paul Valery cujo texto O problema dos museus eacute publicado pela primeira vez
em 1931 Esse diaacutelogo entre Valery e Proust sobre os museus eacute proposto por Adorno em texto de
1950 Aborda-se assim uma fortuna criacutetica que inicialmente era publicada em pequenos folhetos
e distribuiacuteda agrave porta dos Salotildees e se especializa em jornais da eacutepoca Estes criacuteticos antecipam
abordagens formulam criacuteticas conceitos e criteacuterios valorativos quanto aos fomentos ao gosto e
ao proacuteprio ato de adentrar os museus e visitar coleccedilotildees
90
Figura 16 BIARD Franccedilois Auguste (1798-1882) Quatro Horas no
Salatildeo (Quatre heures au Salon) Oacuteleo stela 57x67 cm Museu do
Louvre Paris 1847
O quadro de Auguste Franccedilois Biard54
pintor francecircs que chegou a vincular-se agrave corte
portuguesa no Brasil e foi professor da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro
apresenta de forma emblemaacutetica a presenccedila dos visitantes no encerramento do Salatildeo anual do
Louvre de 1847 Pessoas se acotovelando curiosos uma profusatildeo de vestes posturas e
expressotildees faciais As imagens expostas nas paredes parecem ter vida falar ao expectador
O grande nuacutemero de curiosos atestava a popularidade das exposiccedilotildees ou Salotildees que
tiveram suas primeiras versotildees no seacuteculo XVII no Palais-Royal restritas a um puacuteblico
selecionado Em 1727 os Salotildees foram abertos ao puacuteblico em nome do rei Luiz XV Junto com a
abertura dos Salotildees iniciou-se a publicaccedilatildeo de cataacutelogos e comentaacuterios descritivos das obras pelo
54 O pintor Auguste Franccedilois Biard nascido em Lyon em 1798 visita o Brasil entre 1858-1860 Eacute nomeado
professor da Academia Imperial de Belas-Artes executa retratos da famiacutelia imperial e membros da corte De volta agrave
Franccedila publica em 1862 publica um relato sobre o Brasil Ver httpwwwitauculturalorgbr
aplicexternasenciclopedia_icindexcfmfuseaction=artistas_biografiaampcd_item=1ampcd_idioma=28555ampcd_verbete
=1271Acesso em 2011
91
perioacutedico Mercure de France Surgiram os primeiros connaisseurs que se colocavam como
mediadores de uma criacutetica e de modelos de apreciaccedilatildeo e consumo da arte
Os elementos da criacutetica que comeccedilavam a se estabelecer culminariam numa nova
distinccedilatildeo entre connaisseurs e curiosos Diderot como criacutetico dos Salotildees aponta a supremacia do
sensiacutevel sobre o visiacutevel e compartilha da ideia de que os museus possuem uma funccedilatildeo educativa
Natildeo soacute para poucos frequentadores como os estudantes de arte que se serviam de uma
aprendizagem visual de estilos e obras mas num sentido universalizante do conhecimento cujos
produtores e consumidores de arte estariam em niacuteveis semelhantes Diderot defende uma
emancipaccedilatildeo do juiacutezo sobre o gosto mediante o julgamento das obras e da pertinecircncia dos temas
O sentimento uma qualidade subjetiva seria usado como criteacuterio pelo puacuteblico para avaliar as
obras Aquelas que lhes chegavam ao coraccedilatildeo despertando simpatia ou coacutelera Comoccedilatildeo
assombro choro coacutelera satildeo emoccedilotildees provocadas pelas obras do Salatildeo de 1765 em Diderot
Assim como para Diderot a descriccedilatildeo das emoccedilotildees eacute fundamental para a criacutetica de arte de
Baudelaire O pintor deveria provocar emoccedilotildees ao espiacuterito sem cair num sentimentalismo
forjado
Ao longo do seacuteculo XIX o puacuteblico dos museus se diversifica socialmente e culturalmente
ao compartilhar experiecircncias artiacutesticas tanto de fruiccedilatildeo quanto de produccedilatildeo Visitar salotildees
grandes exposiccedilotildees universais museus e adquirir objetos artiacutesticos ou mesmo ter aulas de pintura
e desenho faziam parte de haacutebitos culturais de camadas meacutedias e mesmo setores populares O uso
instrumental na induacutestria (ilustradores desenhistas) e a funccedilatildeo de formaccedilatildeo moral da arte
estavam proacuteximas Entretanto as imagens consumidas pelos segmentos populares como as
litogravuras emolduradas e o barulho que faziam nos salotildees satildeo reprovados por autoridades
como o criacutetico de arte agora um especialista em apreciar e julgar a obra
Baudelaire apresenta esse novo lugar da criacutetica que julga a mediocridade do puacuteblico e
pretende lhe dar formaccedilatildeo (informaccedilatildeo e publicidade) sobre as exposiccedilotildees Baudelaire dirige-se
aos compradores pouco instruiacutedos que deveriam ser iniciados na ciecircncia da fruiccedilatildeo Colecionar
arte era vincular-se a uma tradiccedilatildeo de bom gosto e oportunidade de ascensatildeo cultural Implicava
em reconhecimento da sofisticaccedilatildeo e do gosto do Antigo Regime como um padratildeo para os setores
meacutedios emergentes no espaccedilo poliacutetico
92
O especialista conhecedor de arte como apontam as caricaturas de Rockwell (Imagens 17
e 18) habita fisicamente o mesmo lugar que os curiosos e turistas mas se diferenciava deles por
possuiacuterem criteacuterios mais pormenorizados para observar a arte e se manterem em parcerias com
compradores e pintores
Figura 17 ROCKWELL Norman (1894-1978) O criacutetico de arte 1955
Ilustraccedilatildeo da capa de The Saturday Evening Post 16 de abril de 1955 Oacuteleo
sobre tela (1003 x 921 centiacutemetros) Coleccedilatildeo Museu Norman Rockwell
Figura 18 ROCKWELL Norman (18941978) O connaisseur 1962
Oacuteleo sobre tela Ilustraccedilatildeo produzida para a ediccedilatildeo do Saturday
Evening Post 13 jan 1962 Coleccedilatildeo Particular
93
Quem olha quem O quadro observado pelo criacutetico na Figura 17 tem vida e lhe olha de
volta O respeitoso senhor vestido em trajes solenes na Figura 18 eacute observado ou observa a
pintura colorida O pintor dos dois personagens propotildee elementos de digressatildeo imaginaccedilatildeo e
simultaneidade do olhar Para ler os quadros o espectador entra num jogo de espelhos sugerido
pelo pintor e percebe-se a si mesmo emoldurado por seu reflexo
Pode-se imaginar que tanto Paul Valery quanto Marcel Proust55
poderia estar entre os
visitantes apresentados nos quadros de Biard (Figura 16) e Rockwell (Figuras 17 e 18) Pode-se
tambeacutem imaginar ouvir a conversa entre os dois visitantes de fins do seacuteculo e iniacutecio do seacuteculo XX
com a ajuda do ensaio Museu Valery-Proust publicado originalmente em 1953 por Adorno
Valery eacute apresentado por Adorno (2005) como um artistaprodutor que cria objetos
poesias um especialista que olha a arte com toda a profundidade do ponto de vista da criaccedilatildeo
lugar do qual recebe sua profundidade O que importava para o poeta era a obra de arte como
objeto de contemplaccedilatildeo E esta se via ameaccedilada pela coisificaccedilatildeo e a indiferenccedila
O museu era o responsaacutevel por essa corrupccedilatildeo e fossilizaccedilatildeo das obras Valery se
horroriza ao caminhar pelas galerias do Louvre que para ele condenava a arte ao passado com
sua super acumulaccedilatildeo e a torna uma questatildeo de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo Para Valery nos diz
Adorno a arte estaacute morta perdeu seu lugar na vida imediata sua relaccedilatildeo com um uso possiacutevel
Vecircnus se transformou em documento e ao visitante era recusada a possibilidade de vagar e errar
pelos museus
Proust na visatildeo de Adorno comeccedila onde Valery silencia na vida poacutestuma das obras e foi
menos ingecircnuo com relaccedilatildeo agrave arte Proust era um consumidor admirador um amante das artes
que estava separado das obras por um fosso Para Adorno era essa a grande virtude de Proust
assumir de forma firme essa postura de consumidor a ponto de transformar essa atitude em um
novo tipo de produtividade A forccedila da contemplaccedilatildeo do interno e do externo culminava em
Proust em produccedilatildeo de lembranccedilas memoacuterias
Para Adorno Proust era melhor visitante de museus que Valery E argumentou Em
Valery o processo de produccedilatildeo artiacutestica e a reflexatildeo sobre esse processo estavam
55 Ver Paul Valery O problema dos Museus Revista do patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional N31 2005 p32-
35 Marcel Proust tem diversas inferecircncias em sua obra Em busca do tempo perdido Satildeo Paulo Abril Cultural 1979
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indissoluvelmente interligados Ele eacute o proacuteprio criteacuterio de julgamento da composiccedilatildeo da obra e da
experiecircncia que se tem por meio dela A criacutetica de Valery eacute conservadora em termos de cultura
pois o uacutenico criteacuterio coincidia com seu proacuteprio juiacutezo de gosto
Jaacute Proust estava livre desse fetichismo de quem fazia ele proacuteprio as coisas e entendia as
obras naquilo que elas tinham de esteacutetico rdquoum fragmento de vida daquele que as contempla um
elemento da proacutepria consciecircnciardquo (Adorno 2005 p179)
Proust tinha acesso a uma camada da obra que pressupunha a sua morte e assim a
sensibilidade para perceber o histoacuterico como paisagem Percebia a erosatildeo que a histoacuteria produzia
nas obras e a capacidade de sobrevivecircncia delas agrave semelhanccedila com o belo e o natural A
decadecircncia das coisas para Proust era uma segunda vida Soacute subsistia aquilo que era mediado
pela recordaccedilatildeo A qualidade esteacutetica era secundaacuteria
Walter Benjamin (2006 p603) tambeacutem convocou a opiniatildeo de Proust sobre os museus
para diferenciar a apreciaccedilatildeo de um quadro colocado de maneira isolada numa sala de jantar e
uma visita ao museu Soacute a sala de museu por sua nudez e seu despojamento de todas as
particularidades pode proporcionar a embriagante alegria dos espaccedilos interiores onde o artista se
retirou para criar
O aspecto caoacutetico do museu desagradava Valery O museu era lugar da barbaacuterie e natildeo de
cultura que tinha um caraacuteter sagrado vivo Jaacute Proust fez a defesa do museu mas era critico em
relaccedilatildeo agrave cultura ou agrave tradiccedilatildeo cultural exposta nos museus que ele experimentava reagia se
contaminando pela vida poacutestuma das obras
33 - Maneiras de ver e ser visto nos museus
O Louvre como modelo de instituiccedilatildeo museal agrega ao sentido moderno de museu a
ideacuteia de instruccedilatildeo puacuteblica contraposta ao museu de curiosidade e frivolidade presente nos
gabinetes de curiosidade e galerias reais O programa poliacutetico de gestatildeo dos bens culturais do
Louvre estava assim completo na Franccedila revolucionaacuteria inventariar e conservar toda a extensatildeo
de objetos que possam servir agraves artes agraves ciecircncias e ao ensino
O tema da apropriaccedilatildeo do patrimocircnio dos legados do passado estaacute presente no museu
francecircs e continua atual na discussatildeo sobre as poliacuteticas de memoacuteria O museu iluminista ou
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enciclopedista estaacute aberto a todos os domiacutenios do conhecimento Eacute conservatoacuterio local de estudo
e produccedilatildeo do conhecimento
Para Brefe (1998) o museu puacuteblico moderno eacute ineacutedito no sentido de seu conteuacutedo e sua
forma de exposiccedilatildeo As obras herdadas do regime republicano na Franccedila perderam suas antigas
funccedilotildees e relaccedilotildees com o universo poliacutetico e social Era necessaacuterio construir um novo modo pelo
qual seriam lidas e ao mesmo tempo produzir novas imagens de legitimaccedilatildeo da revoluccedilatildeo Com a
radicalizaccedilatildeo do regime a chamada era do terror instalou-se a incompatibilidade entre a
ideologia da revoluccedilatildeo e obras de arte e monumentos do Antigo Regime seguida de uma onda de
ataques com a destruiccedilatildeo e depredaccedilatildeo de siacutembolos da realeza do feudalismo e do despotismo
O museu surge como o lugar que ldquodesacraliza e neutraliza os siacutembolos e imagens fazendo-os ou
ascender ou reduzindo-os ao estatuto de objetos culturaisrdquo (BREFE 1998 p307)
Haacute uma nova dimensatildeo poliacutetica para o museu Seu papel eacute estrateacutegico em relaccedilatildeo agrave
justificativa cultural do poder O museu ao conservar aquelas obras inventa um sentido para o
patrimocircnio evitando expor de maneira expliacutecita os siacutembolos nelas contidos sua ideologia Ele
destroacutei natildeo a obra de arte mas a mostra a partir do que a cultura do museu julga pertinente O
museu participa ativamente da mudanccedila do estatuto do objeto Ele perde suas significaccedilotildees
anteriores e entra num novo dispositivo simboacutelico uma memoacuteria outorgada
Os museus tambeacutem oferecem duas contribuiccedilotildees para se redefinir a dimensatildeo poliacutetica no
sentido de puacuteblica na Franccedila A primeira eacute a defesa da universalidade do patrimocircnio agrave medida
que se elabora uma lista de obras canocircnicas que servem de referecircncia a todas as naccedilotildees europeacuteias
a partir do legado do patrimocircnio francecircs A segunda contribuiccedilatildeo eacute identificar uma dimensatildeo
histoacuterica na cultura um passado cuja existecircncia justifica a conservaccedilatildeo A Revoluccedilatildeo natildeo pode
apagar a histoacuteria ao contraacuterio ela procurou criar uma determinada ldquoconsciecircncia histoacutericardquo como
ponto de partida para um novo recomeccedilo ou regeneraccedilatildeo Haacute uma heranccedila a ser gerida e o museu
eacute instrumento poliacutetico desse direito de dominar a histoacuteria e recolher o patrimocircnio dos seacuteculos ou
o proacuteprio passado
Receptaacuteculo de todas as obras-primas da humanidade jaacute que a Franccedila eacute a paacutetria ideal o
museu neutraliza o discurso da pilhagem que passa a ser visto como repatriamento Abriu-se em
fins do seacuteculo XVIII novo debate natildeo soacute sobre o espaccedilo de exposiccedilatildeo e o que eacute um museu mas
sobre o poder de instituir sentidos que lhe eacute conferido ao sacralizar as obras para aleacutem de seu
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estatuto de objetos culturais como ldquotesouros conquistadosrdquo Uma nova funccedilatildeo como ldquomemorial
da naccedilatildeordquo ou ldquotemplo da memoacuteriardquo e natildeo apenas de ldquoinstituiccedilatildeo de instruccedilatildeo puacuteblicardquo como
requeriam o projeto enciclopedista eacute que tomou forccedila no seacuteculo XIX
A visualidade nos museus estaacute ligada agrave poliacutetica e agrave capacidade cada vez mais elaborada
de controle racionalcientiacutefico do mundo moderno de teacutecnicas para registrar documentar e
codificar o conhecimento Benedict Anderson (2008 p221) observou que o mundo moderno se
caracteriza pela unidade de visualizar coisas que natildeo satildeo visiacuteveis ou visuais o censo o mapa e o
museu
Para Anderson todo museu pode ser visto como um programa educativo principalmente
porque o museu moderno (seacuteculo XIX) estaacute ligado profundamente a aspectos do poder poliacutetico e
dos sistemas poliacuteticos educacionais modernos Os museus produzem e reproduzem hierarquias
sociais ideologias e tambeacutem assumem um papel na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo
criando legitimidades sociais Ligam-se diretamente ao Estado e apresentam-se como guardiotildees
da tradiccedilatildeo geral e local conferem prestiacutegio aos lugares e objetos Satildeo lugares sem pessoas
desabitados exceto pela frequumlentaccedilatildeo turiacutestica satildeo dessacralizados A dimensatildeo poliacutetica dos
museus se daacute nos materiais produzidos nos censos pictoacutericos do patrimocircnio disponiacutevel As
imagens satildeo reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de
modo que a musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade
nacional
O museu para Anderson eacute uma forma de imaginaccedilatildeo da Histoacuteria e do poder mas a
imaginaccedilatildeo aqui tem um caraacuteter de conservar as formas da histoacuteria de criar comunidades
imaginadas O museu eacute como um ldquoaacutelbumrdquo dos antepassados ao longo do tempo que pode ser
herdado pelos sucessores Um ldquoventriloquista nacionalistardquo um desejo de falar pelos mortos
Guardam entretanto um paradoxo entre sua luta contra o esquecimento (lembranccedila) e a
necessidade do proacuteprio esquecimento mecanismo tiacutepico das genealogias que realizam
ldquofratriciacutedios tranquumlilosrdquo em nome do ldquodever de jaacute ter esquecidordquo A ambiccedilatildeo educativa dos
museus neste caso eacute a dissoluccedilatildeo de conflitos violentos raciais de classes regionais e a
construccedilatildeo de uma nova consciecircncia Haacute a passagem da memoacuteria agrave histoacuteria oficial A narrativa da
ldquoidentidaderdquo da consciecircncia eacute inscrita em um tempo secular uma seacuterie de implicaccedilotildees de
continuidades e esquecimentos da experiecircncia A ldquobiografia da naccedilatildeordquo escrita pelos museus eacute o
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acuacutemulo das guerras holocaustos mortes violentas que tecircm de ser lembradasesquecidas como
nossas (ANDERSON 2008 p268)
Se para Anderson a memoacuteria eacute hierarquizada no museu por uma poliacutetica de memoacuteria para
Walter Benjamin (2006) o sentido pedagoacutegico da memoacuteria e da narrativa no museu eacute distinto O
museu eacute visto como capaz de problematizar a racionalidade das imagens da histoacuteria Enquanto
Anderson vecirc o museu como um edifiacutecio soacutelido uma instituiccedilatildeo Benjamin vivencia o museu
como um sonho um labirinto imaginaacuterio enraizado na histoacuteria mas (e por essa razatildeo) permite
articular o instante e a duraccedilatildeo num mergulho na proacutepria experiecircncia (sensibilidade)
O museu para Benjamin eacute por definiccedilatildeo moderno mas um novo que sempre existiu
Como afirma Michelet sobre a vista de uma paisagem da Charneca eacute sempre nova e sempre
igual Natildeo eacute a mesma sequer semelhante mas se exprime pelas coisas presentes Uma atitude
que entende o museu como aquele capaz de ressuscitar os mortos ou de tornar a histoacuteria viva
como acontece no percurso de Michelet pelo Museu dos Monumentos Franceses organizado por
Alexandre Lenoir56
e seu encontro com a histoacuteria viva da Franccedila e seus heroacuteis meroviacutengios
O primeiro movimento alegoacuterico de Benjamin eacute transformar o museu em morada do
sonho coletivo em metamorfose do interior O museu eacute um rito de passagem vivecircncia de
transiccedilatildeo caminhada por caminhos fantasmagoacutericos em que as portas cedem e as paredes se
abrem Essa atitude diante dos museus e das obras de arte natildeo eacute meramente contemplativa e nem
um comportamento aacutevido diante de mercadorias expostas O museu para Benjamin mobiliza o
visitante Coloca no cotidiano a utopia coisas que ningueacutem jamais experimentou mas que
deveriam lhes caber
As estrateacutegias de exibiccedilatildeo dos museus e a criaccedilatildeo de novos museus entretanto natildeo satildeo
vistas com ingenuidade por Benjamin Ele faz uma criacutetica das exposiccedilotildees universais e as via
como siacutenteses prematuras que fecham o espaccedilo para o novo e impediam a ventilaccedilatildeo das classes
Para Benjamin os produtos industriais projetados no passado eram organizados segundo
princiacutepios estatiacutesticos e a accedilatildeo de exibiccedilatildeo seria terapecircutica Visava rejuvenescer tonificar
restabelecer recuperar conservar e aperfeiccediloar os encantos da natureza que se definhavam e
morriam
56 O Museu de Lenoir precede agrave abertura do Louvre e teve curta duraccedilatildeo (1795-1816)
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As exposiccedilotildees universais satildeo criticadas e exemplificam a passagem do caraacuteter efecircmero
que deixam rastros como a Torre Eiffel edificada como o arco de entrada da Exposiccedilatildeo
Universal de 1889 e transformada posteriormente em monumento O tempo de preparo e de
duraccedilatildeo de um empreendimento como uma exposiccedilatildeo guarda esse sentido agudo da histoacuteria Para
que seja compreendido esse tempo o criacutetico e o espectador deveriam operar em si mesmos uma
transformaccedilatildeo que eacute um misteacuterio um fenocircmeno da vontade agindo sobre a imaginaccedilatildeo Ele deve
aprender por si mesmo a participar do meio que deu origem a essa ldquofloraccedilatildeo insoacutelitardquo esse
sentido de ausecircncia em presenccedila de algo Essa emoccedilatildeo na qual o viajante se abandona a si mesmo
e muda sua visatildeo (Benjamin 2006 p236)
Figura 19 ANDRADE Aleacutecio Fotografia 1993 Cataacutelogo da
exposiccedilatildeo ldquoO Louvre e seus visitantesrdquo Instituto Moreira Salles 2009
A fotografia de Aleacutecio Andrade acima desperta o sentimento de interioridade do visitante
que resiste ao modelo temporal de museu e sua forma de apresentaccedilatildeo do passado O visitante se
apresenta no presente e se define na relaccedilatildeo com o museu estatildeo envolvidos em presenccedila do
invisiacutevel tem os olhos e os corpos na exposiccedilatildeo criada pelo fotoacutegrafo O cenaacuterio eacute o mesmo dos
Salotildees do seacuteculo XVIII (Figura 19)
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Os visitantes das fotografias de Aleacutecio Andrade evocam o sentido poeacutetico dos museus que
se apresentam como colecionadores de alegorias e natildeo de siacutembolos (BENJAMIN 2006 p 237-
239) O visitante se transporta para dentro do museu e o acolhe em seu espaccedilo interior Visitar eacute
possuir os objetos eacute utilizaacute-los novamente libertando-os de serem inuacuteteis O alegorista
entretanto diferente do colecionador natildeo reuacutene as coisas afins natildeo estabelece sucessotildees natildeo
empreende uma luta contra a dispersatildeo mas desliga as coisas de seus ldquocontextosrdquo natildeo permite
prever e fixar os significados Abrem-se assim agraves transparecircncias porosidades e a possibilidade de
apropriar do princiacutepio e da forma
34 - A funccedilatildeo educativa nos museus entre os museus escolares e os pedagoacutegicos
A fundaccedilatildeo de museus no Brasil antecede a criaccedilatildeo das universidades Os museus
brasileiros foram durante o seacuteculo XIX o principal loacutecus de produccedilatildeo de cientistas praacuteticas de
preservaccedilatildeo e de uso educacional do patrimocircnio Tambeacutem se formaram como arenas de disputa
por versotildees do passado e campo de elaboraccedilatildeo intelectual criacutetica em relaccedilatildeo a outras instituiccedilotildees
poliacuteticas e culturais57
O Museu Nacional localizado na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro eacute considerado
desde sua inauguraccedilatildeo em 1818 a principal referecircncia de instituiccedilatildeo cultural Nos anos de 1920-
1930 eacute visto como modelo de museu para os intelectuais reformadores da educaccedilatildeo nacional
Outras instituiccedilotildees educativas e culturais como as universidades teratildeo espaccedilo no cenaacuterio
institucional tambeacutem nos anos de 1930 em funccedilatildeo das reformas de ensino de 1927-1930 quando
eacute definido por decreto-lei o Estatuto das Universidades Brasileiras e criada a Universidade do Rio
de Janeiro em 1931 (LEMME 1984 p171)
Escola e museus foram organizados de maneira distinta ao longo do seacuteculo XIX e para se
aproximarem precisavam que fosse elaborado um campo de interseccedilatildeo de atuaccedilatildeo e uma
concepccedilatildeo comum acerca de suas finalidades Diana Vidal (1999 p107-116) chama a atenccedilatildeo
para o significado do museu escolar em fins do seacuteculo XIX seu papel como dispositivo
pedagoacutegico que se define como ldquouma reuniatildeo metoacutedica de coleccedilatildeo de objetos comuns e usuais
57 Margaret Lopes desenvolve importante pesquisa sobre os museus brasileiros e latino americanos no seacuteculo XIX
Ver Lopes 1997 1998 2001 e 2005
100
destinados a auxiliar o professor no ensino de diversas mateacuterias do programa escolarrdquo (VIDAL
1999 p 108)
Entretanto ao longo do seacuteculo XX o movimento de aproximaccedilatildeo entre museus e
educaccedilatildeo natildeo foi nada natural e pressupunha accedilotildees poliacuteticas efetivas para a ampliaccedilatildeo da ideacuteia de
educaccedilatildeo para aleacutem das instituiccedilotildees escolares e de princiacutepios de organizaccedilatildeo mais democraacuteticos
Quanto aos museus era necessaacuterio que fossem concebidos como parte do projeto de educaccedilatildeo
geral ou do povo Essa dupla face da transformaccedilatildeo da concepccedilatildeo e finalidade de museus e
escolas eacute o que vemos no movimento da chamada escola nova e que tem por marco institucional
o ldquoManifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo Novardquo (1932) lanccedilado no calor da Revoluccedilatildeo de 1930
que defendia uma escola promovida pelo Estado laica gratuita e obrigatoacuteria (ESTEVES 1994
p 52-72)
Os trecircs autores escolhidos e apresentados satildeo os primeiros a publicar no Brasil uma
literatura especiacutefica considerando as relaccedilotildees entre museus e educaccedilatildeo Francisco Venacircncio Filho
(1941) Joseacute Valladares (1946) e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila (1946) possuem muito em
comum e dialogam entre si citando as pesquisas e publicaccedilotildees de seus contemporacircneos
Participaram juntamente com Everardo Backheuser Heitor Lira da Silva e outros da criaccedilatildeo da
Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo em 1924 Venacircncio Filho acompanharia de perto as reformas
educacionais de Carneiro Leatildeo Fernando de Azevedo Aniacutesio Teixeira Francisco Campos e
Gustavo Capanema Foi superintendente de Ensino Teacutecnico e diretor da Escola Normal Publicou
em 1932 com Jonatas Serrano o livro Cinema e Educaccedilatildeo pela Companhia Melhoramentos
A questatildeo central a ser destacada nessa bibliografia estritamente ldquonacionalrdquo eacute como ela
elabora os princiacutepios da relaccedilatildeo entre os museus europeus e brasileiros Quais paracircmetros de
comparaccedilatildeo satildeo adotados pelos autores brasileiros e quais satildeo os modelos que serviriam agrave obra
reformadora nacional A segunda questatildeo a ser investigada eacute como definem a relaccedilatildeo museus e
educaccedilatildeo qual o papel dos museus e qual o papel da escola Outro ponto que mobiliza eacute o
proacuteprio destinataacuterio desses discursos educativos nos anos de 1930-1940 Como estes autores
dirigiam-se ora especificamente ao puacuteblico escolar (professores e alunos) ora agrave populaccedilatildeo como
um todo ou o ldquopovordquo Como implicam os agentes governo sociedade organizada indiviacuteduos
pela resoluccedilatildeo do ldquoproblema nacional a educaccedilatildeordquo
101
Do ponto de vista das discussotildees teoacutericas e inovaccedilotildees praacuteticas na educaccedilatildeo Diana Vidal
(2000) ressalta que os chamados educadores renovados ndash Lourenccedilo Filho Fernando de Azevedo
dentre outros ndash natildeo soacute acompanhavam os movimentos realizados na educaccedilatildeo europeacuteia e norte-
americana como se utilizavam dessa literatura estrangeira para respaldar sua accedilatildeo educativa no
territoacuterio nacional (VIDAL 2000 p513)
Os autores destacados nesta anaacutelise que discorrem sobre a relaccedilatildeo museus-educaccedilatildeo
utilizam em seus argumentos o recurso ao ldquoestrangeirordquo como via de matildeo dupla Natildeo haacute por
exemplo em Joseacute Valladares (1946) nem em Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) nenhum
deslumbramento com os museus visitados por eles fora do paiacutes Eles natildeo deixam que a seduccedilatildeo e
encantamento com os museus europeus e norte-americanos se sobreponham aos seus propoacutesitos
de avaliar e comparar tendo em vista a melhoria dos museus no Brasil As visitas agraves instituiccedilotildees
estrangeiras e as consideraccedilotildees que explicitam servem ao propoacutesito de reforccedilar certa erudiccedilatildeo e o
conhecimento de causa Natildeo visam simplesmente desqualificar a realidade nacional frente ao
internacional
Assim como as viagens e excursotildees os escolanovistas consideram os museus como
dispositivos de educaccedilatildeo ou materiais pedagoacutegicos a serem utilizados para melhor aparelhar a
escola moderna Em outro sentido os museus satildeo ldquograndes casas de educaccedilatildeo ao alcance de
todos a qualquer momento graccedilas a uma teacutecnica de exposiccedilatildeo e mostruaacuterios em que nenhum
pormenor eacute descuidado desde a arrumaccedilatildeo ateacute a cor e forma dos letreirosrdquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Esse otimismo com relaccedilatildeo ao papel educativo dos museus eacute partilhado por Joseacute
Valladares e Edgar Suumlssekind de Mendonccedila
Francisco Venacircncio Filho (1894-1946) destacou-se ao longo de sua vida puacuteblica como um
dos colaboradores diretos de Fernando de Azevedo e publica como ldquoprofessor do Instituto de
Educaccedilatildeo do Distrito Federal e livre docente do Coleacutegio Pedro IIrdquo o volume 38 da 3ordf Seacuterie de
Atualidades Pedagoacutegicas da Biblioteca Pedagoacutegica Brasileira com o tiacutetulo Educaccedilatildeo e seu
aparelhamento Moderno brinquedos cinema raacutedio fonoacutegrafo viagens e excursotildees museus e
livros em 1941 pela Companhia Editora Nacional
Para Venacircncio Filho (1941 p13) e outros intelectuais da chamada escola nova a
educaccedilatildeo eacute vida Busca no diaacutelogo e na autoridade de Afracircnio Peixoto (1876-1947) aproximar o
campo que o colega designara como ldquoeducaccedilatildeo orgacircnicardquo e de outra a ldquoescolarrdquo Para o autor o
102
ldquoaparelhamento modernordquo procura eliminar a distacircncia entre ambos os meios de educaccedilatildeo
(VENAcircNCIO FILHO 1941 p13) A educaccedilatildeo formal e a informal estatildeo imbricadas numa
educaccedilatildeo geral para a qual contribuem ldquoos instrumentos que nasceram na escola e transbordaram
dela para a vidardquo e os que ldquovieram de fora para a escola e vatildeo auxiliando colaborando com a sua
obrardquo multiplicando em extensatildeo e intensidade Esses instrumentos que poderiacuteamos chamar de
dispositivos tem uma accedilatildeo extensiacutevel e imprevisiacutevel (VENAcircNCIO FILHO 1941 p14)
A mesma concepccedilatildeo de educaccedilatildeo geral eacute explicitada por Edgar Sussekind de Mendonccedila e
Jose Valladares Mendonccedila em seu texto A extensatildeo cultural nos museus publicado pela
Imprensa Nacional em 1946 compartilha dos pressupostos de Venacircncio Filho e o cita por
diversas vezes Elaborado para concurso de provas58
para ser transferido a pedido da diretora do
Museu Nacional Heloiacutesa Alberto Torres para a receacutem criada Seccedilatildeo de Extensatildeo Cultural do
museu o texto pode ser entendido como sugere o proacuteprio autor como uma carta programa do
novo diretor e da nova seccedilatildeo do Museu
Procedimento comum aos trecircs autores destacados Edgar Sussekind de Mendonccedila (1941)
tambeacutem inicia sua exposiccedilatildeo propondo a inversatildeo na forma de interpretar os termos educaccedilatildeo
supletiva e educaccedilatildeo escolar para definir o campo de atuaccedilatildeo dos museus em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo
Como jaacute enfatizado por Venacircncio Filho o projeto de educaccedilatildeo popular eacute abrangente universalista
e a escola eacute apenas uma das instituiccedilotildees capazes de responder agrave demanda por educaccedilatildeo As
instituiccedilotildees de ensino eacute que satildeo supletivas na visatildeo de Mendonccedila (1941 p9) a educaccedilatildeo extra-
escolar eacute que designa o todo e natildeo aquela educaccedilatildeo intra-escolar A extensatildeo cultural eacute dentro
dessa visatildeo a educaccedilatildeo generalizada e os museus por direito de antiguidade tecircm papel
insubstituiacutevel e preponderante de realizaacute-la
Ao considerar as ldquoexcursotildees e viagensrdquo como ldquomeio pedagoacutegicordquo a primeira questatildeo
levantada satildeo as dificuldades de execuccedilatildeo em ambiente escolar recursos tempo ajustamento de
horaacuterios A sugestatildeo dada pelo autor eacute bastante conciliadora Do ponto vista geral ele defende que
ldquonas viagens se pode rever em breve e rapidamente o que nos legou o passado ou o que nos daacute o
presente em arte em ciecircncia em induacutestria em costumes atraveacutes dos inuacutemeros museus
espalhados pelo mundo inteirordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p15)
58 Segundo informa o proacuteprio autor o texto foi elaborado no prazo de trinta e cinco dias sendo que Mendonccedila
utilizou vinte e cinco para consulta a livros (MENDONCcedilA 1946 p25)
103
Do ponto de vista efetivo o problema eacute como realizar em larga escala viagens de luxo
recreio e de cultura aos Estados Unidos e Europa como fazem os intelectuais escolanovistas Natildeo
eacute simples conciliar os princiacutepios e a accedilotildees Embora deseje defender essa praacutetica ldquoadmiraacutevelrdquo
Venacircncio Filho alerta que na escola eacute preciso uma soluccedilatildeo mais viaacutevel planejar bem expor
previamente aos alunos e propor saiacutedas livres de grupos aos domingos e feacuterias para cultivar o
gosto e o ldquohaacutebito de prazeres sadios e econocircmicosrdquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p117)
As consideraccedilotildees sobre as excursotildees vatildeo se formando a partir de argumentos que juntam a
defesa do interesse da crianccedila e de suas condiccedilotildees para realizar excursotildees no qual cita os
americanos e seu programa de sugestotildees de excursotildees para diferentes idades entre 3 a 5 anos e a
defesa da ldquocultura europeacuteia como o padratildeo de civilizaccedilatildeo frente a ldquogleba nativardquo da ldquopaisagem
exoacuteticardquo da Ameacuterica (VENAcircNCIO FILHO 1941 p120) Cita nesse caso versos de Olavo Bilac e
a replica de Afracircnio Peixoto que exaltam Nova York (VENAcircNCIO FILHO 1941p122)
Os benefiacutecios das viagens parecem se afastar daquelas possibilidades efetivas do trabalho
escolar e o autor estaacute a endereccedilar seus conselhos a um provaacutevel viajante ldquonativordquo supostamente
adulto com pouca familiaridade com viagens e excursotildees e que necessite de orientaccedilotildees para
preparar-se culturalmente para a viagem Nosso autor parece estar plenamente qualificado para
relatar sua vasta experiecircncia cultural com viagens internacionais e ajudar na divulgaccedilatildeo dessa
praacutetica cultural
Quanto aos guias impressos o autor sabe indicar quais satildeo os melhores Em relaccedilatildeo agraves
grandes agecircncias de turismo elas ldquodevem ser utilizadas com inteligecircnciardquo Comprar poucas
lembranccedilas procurar hoteacuteis proacuteximos agraves estaccedilotildees preccedilos acessiacuteveis calcular despesas por dia
cacircmbio escolher os tipos de companheiros de viagem satildeo recomendaccedilotildees importantes Venacircncio
Filho deixa claro seu gosto pelas viagens sonho antes alegria durante e evocaccedilotildees depois
Os museus aparecem como ldquomeacutetodosrdquo um dos pilares para a melhoria da educaccedilatildeo ldquoum
ensino centrado na crianccedila e natildeo no professor e a educaccedilatildeo como preparaccedilatildeo para a vidardquo59
Os
museus ajudariam tambeacutem no ensino da histoacuteria baseada excessivamente em compecircndios e
criticada por seu excesso de memorizaccedilatildeo e acuacutemulo de datas O proacuteprio Jonathas Serrano que
tem seu compecircndio publicado em 1912 e utilizado ateacute 1924 contando com 54 ediccedilotildees explicita jaacute
59 Edgar Sussekind de Mendonccedila tambeacutem questionava a importacircncia exagerada dada agrave escola no ldquoconjunto da tarefa
educacionalrdquo (MENDONCcedilA 1946 p10)
104
em 1918 (4ordf ediccedilatildeo) a criacutetica aos processos de ensino de Histoacuteria exaustivos baseados na
memorizaccedilatildeo Serrano mostrava-se otimista quanto aos ldquoprogressos dos recursos tecnoloacutegicos
como o cinematoacutegrafo que permite ensinar pelos olhos e natildeo apenas e enfadonhamente pelos
ouvidosrdquo (SCHMIDT 2004 p197)
Venacircncio Filho (1941) faz a descriccedilatildeo de vaacuterios museus classificados como mistos de
histoacuteria e ciecircncias como o British Museum e o Louvre mas deteacutem-se na descriccedilatildeo do ldquonosso da
Quinta da Boa Vista em que se resume a natureza de uma vida da regiatildeordquo (VENAcircNCIO FILHO
1941 p128) Dando continuidade a uma tipologia dos museus Venacircncio Filho apresenta como
museu histoacuterico exemplar o Museu do Ipiranga Ao final do capiacutetulo faz consideraccedilotildees raacutepidas
sobre o Museu Goeldi no Paraacute e retoma suas observaccedilotildees sobre o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista e o Museu Paulista Satildeo Paulo Ao longo do capiacutetulo cita a curta existecircncia dos museus
pedagoacutegicos organizados na reforma da instruccedilatildeo puacuteblica do Rio de Janeiro de Fernando
Azevedo (1927-1930) tendo um museu central no entatildeo Distrito Federal dirigido por Everardo
Backheuser (1879-1951) do qual fala no ldquopresente do indicativordquo pois ldquocomo desapareceu
passou para o passadordquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Eacute curioso notar que Venacircncio filho natildeo descreve o projeto dos museus pedagoacutegicos nem
mesmo recomenda sua criaccedilatildeo nas salas ou escolas Os modelos de museus estatildeo nos grandes
centros como o Museu de Munich ao qual dedica duas paacuteginas para expor como satildeo os museus
teacutecnicos e sua importacircncia para a educaccedilatildeo popular Dedica tambeacutem uma descriccedilatildeo
pormenorizada do Deustches Museum apresentando as salas as divisotildees das exposiccedilotildees fiacutesica
quiacutemica tempo Cita os museus norte-americanos e avalia dois museus brasileiros o Museu
Nacional (RJ) o Museu Paulista (SP)
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista foi para Venacircncio Filho ldquogrande centro
cientiacutefico do paiacutes do qual partiam os uacutenicos fios de ligaccedilatildeo com o mundo cultordquo Jaacute o Museu
Histoacuterico Nacional eacute exemplar antes e depois da reforma educacional
Ele eacute no resumo de seus mostruaacuterios bdquouma verdadeira miniatura da paacutetria‟ O Museu
atraveacutes de suas divisotildees teacutecnicas realiza a sua missatildeo de conservar pesquisar divulgar e
ensinar dando depois da reforma de 1931 agrave educaccedilatildeo popular uma contribuiccedilatildeo
preciosa para o estudo das ciecircncias naturais (VENAcircNCIO FILHO 1941 p143)
Ao contraacuterio dos elogios e otimismo quanto ao papel dos museus de histoacuteria natural
explicitados ao Museu Nacional e ao Museu Goeldi Venacircncio Filho faz uma criacutetica a concepccedilatildeo
105
de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional que ldquoainda natildeo adquiriu forma definitiva que
deveria ser a de uma evocaccedilatildeo viva do passado todo do Brasil desde o periacuteodo colonial ateacute os
dias da Repuacuteblicardquo (VENAcircNCIO FILHO 1941 p145) Essa criacutetica fica mais evidente quando
afirma que em se tratando de museus histoacutericos o Museu Paulista eacute ldquonatildeo soacute uacutenico no paiacutes como
pode ser posto em confronto com qualquer outro congecircnere do estrangeirordquo (VENAcircNCIO
FILHO 1941 p145) A descriccedilatildeo que Venacircncio Filho faz do Museu do Ipiranga eacute carregada de
adjetivos ldquoum perfume discreto do passado nacional sem gratildeos de coisas esquecidas e
abandonadasrdquo quadros admiraacuteveis monccedilotildees Pedro Ameacuterico documentos antigos fruto das
pesquisas de Afonso Taunay estaacutetua de Bernardelli coleccedilotildees naturais Venacircncio Filho (1941
p147) termina suas consideraccedilotildees no mesmo ponto no qual iniciou exaltando a capacidade dos
museus em transformarem-se em ldquograndes escolas de educaccedilatildeo popularrdquo
Para Edgar Sussekind de Mendonccedila (1946) a chamada extensatildeo cultural eacute a relaccedilatildeo de
atividades de um museu que permitiria a comunhatildeo da vida e da aula abrangendo todos os
puacuteblicos de todas as idades (MENDONCcedilA 1946 p10) Ao longo da monografia ele vai
explicitando que o museu atua na educaccedilatildeo do povo e a extensatildeo cultural atuaria como um
ldquosistema de iniciaccedilatildeo cientiacutefica e aperfeiccediloamento sem a rigidez dos cursos universitaacuteriosrdquo
(MENDONCcedilA 1946 p 40)
Mendonccedila deixa expliacutecito em seu programa de accedilatildeo que sua grande preocupaccedilatildeo eacute com o
ensino e a ligaccedilatildeo da escola com a vida e para isso assim como Venacircncio Filho ele estaacute
preocupado com a ampliaccedilatildeo do puacuteblico natildeo especializado O museu eacute importante nessa funccedilatildeo
pois estaacute tanto no domiacutenio experimental quanto da documentaccedilatildeo objetiva Entretanto a
materialidade de suas mostras eacute para observaccedilatildeo natildeo para experimentaccedilatildeo A visualizaccedilatildeo eacute um
meacutetodo histoacuterico dos museus e pode ser utilizado no ensino tanto superior quanto na educaccedilatildeo
extra-escolar das classes proletaacuterias A questatildeo natildeo eacute a funccedilatildeo educativa dos museus mas
preparar os museus para as necessidades educativas de seu povo (MENDONCcedilA 1946 p 25)
Para Joseacute Vasconcellos (1946) a questatildeo da localizaccedilatildeo dos museus eacute colocada de modo
semelhante ldquoporque deve ir ao seu encontro o museu tem de saber onde o povo pode ser achado
com mais facilidade Este eacute o problema principal na localizaccedilatildeo dos museusrdquo
(VASCONCELLOS 1946 p99) Ou seja o problema da localizaccedilatildeo dos museus eacute saber onde
estaacute o povo ou como diria o cancioneiro popular ldquotodo artista tem de ir onde o povo estaacuterdquo
106
Mendonccedila assim como Vasconcellos e Venacircncio toma o Museu Nacional da Quinta da
Boa Vista como referecircncia para as consideraccedilotildees sobre os museus brasileiros Apoacutes criticar o
sistema universitaacuterio pelo aristocratismo das faculdades e academias ou ainda os proacuteprios museus
pelo anacronismo ao se voltarem para uma concepccedilatildeo de conservaccedilatildeo estaacutetica o autor se volta
para a defesa dos museus como ldquoestabelecimentos de educaccedilatildeo popularrdquo capazes de responder ao
problema de ldquopreparo meacutedio dos homens de formaccedilatildeo irregularrdquo A teacutecnica de museus eacute capaz de
orientar cientificamente um filme documentaacuterio sobre Canudos citado como exemplo e ao
mesmo tempo promover exposiccedilotildees especiais sobre cultura indiacutegena e cultura negra no Brasil
natildeo existentes no Museu Nacional mas que deveriam ser incluiacutedas por interessar agrave extensatildeo
cultural servindo de ldquoligaccedilotildees entre o palco das generalidades e os bastidores dos especialistas
(MENDONCcedilA 1946 p40-43)
Para Mendonccedila
o fato poreacutem eacute que os museus do Rio de Janeiro provavelmente ainda por longo tempo
funcionaratildeo apenas na imaginaccedilatildeo complementar de alguns de seus visitantes e nas
melhorias de interpretaccedilatildeo pedagoacutegica que os especialistas em colaboraccedilatildeo com os
professores vatildeo conseguindo fazer para alguns interessados e para o puacuteblico em geral
a interessar (MENDONCcedilA 1946 p53)
Se haacute por parte de Edgar Suumlssekind de Mendonccedila certo pessimismo quanto agraves
possibilidades de mudanccedilas na organizaccedilatildeo dos museus descritas por estes mesmos especialistas
da eacutepoca ndash arrumaccedilatildeo iluminaccedilatildeo etiquetas cataacutelogos e exposiccedilotildees ndash ele eacute otimista quanto agraves
atividades de extensatildeo que natildeo dependeriam de recursos diretos de pesquisa e preservaccedilatildeo
propaganda em diversos meios como raacutedio formaccedilatildeo de funcionaacuterios especializados em orientar
visitas palestras conferecircncias guias impressos projeccedilotildees de cinema coleccedilotildees e exposiccedilotildees
escolares Enfim a articulaccedilatildeo e accedilatildeo externas capazes de integrar os museus agrave sua finalidade
democraacutetica
Para explicitar a opiniatildeo de Mendonccedila sobre os museus tradicionais e suas praacuteticas de
exposiccedilatildeo cito dois exemplos a exposiccedilatildeo sobre o centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio no Museu
Nacional e suas criacuteticas agrave concepccedilatildeo de museu do proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional Mendonccedila
natildeo tem nenhuma simpatia pelas comemoraccedilotildees ciacutevicas marcadas por exposiccedilotildees especiais em
museus Ele critica a exposiccedilatildeo de comemoraccedilatildeo ao Centenaacuterio de Joseacute Bonifaacutecio realizada pelo
Museu Nacional que legitimada por significado cultural natildeo se justificava como ldquoexposiccedilatildeo
107
especialrdquo Diz o autor ldquoalmejariacuteamos que fosse acompanhado de outras frequentes ditadas natildeo
soacute pela solenidade de datas centenaacuterias mas pelas diuturnas exigecircncias de movimentaccedilatildeo das
coleccedilotildees para maior uso e benefiacutecio puacuteblicosrdquo (MENDONCcedilA 1946 p43)
O Museu Histoacuterico Nacional jaacute criticado por Venacircncio Filho (1941 p145) tambeacutem
recebe as criacuteticas de Mendonccedila
Quanto ao Museu Histoacuterico Nacional instituiacutedo eacute oacutebvio para se relacionar com o patrimocircnio integral da nossa Histoacuteria- a julgar pela dosagem e patenteando na sua
propensatildeo para o raro e o custoso em preciosismo que contraria o princiacutepio de
preferecircncia pelo caracteriacutestico isto eacute pelo mais frequumlente em cada eacutepoca consoante a
boa norma museoloacutegica (MENDONCcedilA 1946 p49)
O Museu Imperial receacutem criado recebe os votos de que possa aliviar-se dos encargos
aristocraacuteticos do Museu Histoacuterico Nacional e trabalhe de forma equitativa o patrimocircnio histoacuterico
do paiacutes (MENDONCcedilA 1946 p49)
Nesta bibliografia dos anos de 1920-1930 se elabora nos discursos educacionais no Brasil
a preocupaccedilatildeo com materiais e meacutetodos que garantissem a ldquoconstruccedilatildeo experimental do
conhecimento pelo estudanterdquo (VIDAL 2000 p498) e os museus satildeo entendidos como parte
importante dos ldquorecursos pedagoacutegicosrdquo disponiacuteveis agrave educaccedilatildeo
Jaacute nos anos de 1950 dois movimentos se encontram um vindo das discussotildees sobre a
escola feita pelos ldquoescolanovistasrdquo nos anos de 1920-1930 e outro que defendia a ampliaccedilatildeo dos
museus numa nova rede que incluiacutea os museus histoacutericos e pedagoacutegicos locais e a criaccedilatildeo de
novos museus pelo poder puacuteblico federal e estadual
A partir dos anos de 1930 se instaura uma polecircmica sobre a relaccedilatildeo escolas-museus que
tem de um lado a defesa dos museus como oacutergatildeos de documentaccedilatildeo com um caraacuteter
conservador no sentido de ser voltado a preservar as tradiccedilotildees (TRIGUEIROS 1956) e de outro
lado o entendimento que os museus satildeo instrumentos de educaccedilatildeo tal como defendia Viniacutecio
Stein Campos (1970) com a criaccedilatildeo dos museus histoacutericos e pedagoacutegicos
A ldquofunccedilatildeo educativardquo dos museus se estabelece nesse sentido entre os extremos da
funccedilatildeo de conservaccedilatildeo e da divulgaccedilatildeo O sentido mais geral das reflexotildees sobre nesse capiacutetulo
sobre movimentos de formaccedilatildeo do puacuteblico nos museus na Europa e Brasil ao longo dos seacuteculos
XIX e XX eacute estabelecer ligaccedilotildees entre os que visitam contemporaneamente os museus e um
sentido de permanecircncia na ldquoformardquo museu Natildeo haacute uma via de matildeo uacutenica que vai dos museus aos
108
visitantes Assim como os visitantes elaboram suas demandas de formaccedilatildeo frente aos acervos e
exposiccedilotildees as instituiccedilotildees e poliacuteticas oficiais de preservaccedilatildeo e memoacuteria tambeacutem promovem
quadros culturais que se completam e se remontam com os museus e suas exposiccedilotildees
A pesquisa sobre o movimento de formaccedilatildeo do puacuteblico e sobre as funccedilotildees educativas dos
museus leva a pensar que a visita ao museu natildeo eacute o lugar da ldquorecepccedilatildeordquo de praacuteticas museoloacutegicas
e nem educativas O visitante se coloca em tracircnsito entre o mundo dos museus e outros mundos
como o das ldquoescolasrdquo e a visita realiza-se como um ldquocircuitordquo Os visitantes falam de suas
experiecircncias de visita como viagens intercalando dinacircmicas socioculturais de formaccedilatildeo docente
e de formaccedilatildeo histoacuterica
109
CAPIacuteTULO IV - Visitantes entre narrativas e objetos museais
41 - Visita ao Museu do Escravo ndash Belo Vale Minas Gerais
A visita ao Museu do Escravo natildeo foi um evento isolado para os alunos e nem para a
instituiccedilatildeo formadora Desde o ano de 2000 o Museu do Escravo vinha sendo visitado como parte
das atividades acadecircmicas desenvolvidas por professores e estudantes do curso de licenciatura em
Histoacuteria Nesta ocasiatildeo um total de 21 estudantes60
foi ao Museu a Fazenda Boa Esperanccedila e a
comunidade quilombola da Boa Morte em Belo Vale
Algumas potencialidades do Museu do Escravo jaacute haviam sido levantadas em visitas
anteriores e o trabalho de campo tinha por objetivo articular a narrativa do proacuteprio museu o
discurso dos especialistas em museologia e dos historiadores da escravidatildeo A visita seguiu uma
rotina que envolveu pedido de autorizaccedilatildeo para acesso agrave Fazenda Boa Esperanccedila contatos com a
prefeitura local para agendamento no Museu apresentaccedilatildeo em sala de aula de um histoacuterico da
cidade seus pontos turiacutesticos e atividades culturais (cd-room recortes de jornais e textos projeto
de revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo e outros) elaboraccedilatildeo de um roteiro da visita com horaacuterios
e recomendaccedilotildees sobre formas de registro durante o trabalho Vale destacar que esse natildeo era o
primeiro trabalho dessa natureza realizado pela turma que jaacute havia visitado o Museu Histoacuterico
Abiacutelio Barreto e outras instituiccedilotildees como o Arquivo da Cidade de Belo Horizonte
O trabalho em Belo Vale teve dois objetivos Primeiro relacionar as visotildees
historiograacuteficas acerca da escravidatildeo colonial discutidas em sala de aula com os acervos
existentes nos locais visitados Segundo discutir a importacircncia da memoacuteria e do patrimocircnio
histoacuterico ao visitar o Museu do Escravo e o conjunto arquitetocircnico da Fazenda Boa Esperanccedila61
60 Visita vinculada agrave disciplina Histoacuteria do Brasil a Ameacuterica Portuguesa 4ordm periacuteodo
61 Belo Vale estaacute localizada na Zona Metaluacutergica de Minas Gerais Distacircncias Moeda - 13 km Congonhas - 42 km
Itabirito - 66 km Ouro Preto - 80 km Belo Horizonte - 86 km e 126 km de Pedro Leopoldo
110
Figura 20 Mapa ilustrativo de Minas Gerais e localizaccedilatildeo da cidade
de Belo Vale
Apoacutes a visita os estudantes elaboraram um relatoacuterio individual contendo suas impressotildees
e tendo como referecircncia os objetivos propostos no roteiro inicial Houve discussotildees em sala de
aula sobre aspectos observados Demais materiais como fotografias folders entrevistas e outros
recolhidos ou produzidos durante a visita tambeacutem foram apresentados Por fim a turma elaborou
uma narrativa siacutentese do trabalho que foi apresentado novamente e arquivado na Faculdade Eacute
este relatoacuterio-siacutentese que serve como paracircmetro para a anaacutelise da visita Utilizo como contraponto
o projeto de Revitalizaccedilatildeo do Museu do Escravo elaborado pela Superintendecircncia de Museus de
MG e materiais produzidos para divulgaccedilatildeo do museu jaacute que natildeo haacute nenhum cataacutelogo ou mesmo
inventaacuterio do acervo de objetos do Museu do Escravo
As fotografias selecionadas e apresentadas a seguir apontam o deslocamento realizado
pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do visitante na cultura museal e
a escrita da histoacuteria nos museus
111
Saiacuteda de Pedro Leopoldo-MG Atravessam a Serra do Curral
Depois de Belo Horizonte comeccedila a descida Rios estradas e pontes Chegada a Belo Vale
A Igreja estaacute fechada O Museu do Escravo fica ao lado Foto na entrada
Figura 21 Turma 2006 visita o Museu do Escravo Coleccedilatildeo dos
visitantes
112
Apontar em que medida o Museu do Escravo contribuiu para que esses estudantes de
licenciatura em Histoacuteria elaborassem uma narrativa sobre a escravidatildeo articulando as linguagens
historiograacuteficas e museoloacutegicas implicou em mapear duas dimensotildees nas quais o tema da
escravidatildeo se apresentou durante a visita A primeira eacute a narrativa museograacutefica do museu
constituiacuteda por suas exposiccedilotildees A segunda eacute uma meta-narrativa do que deveria ser o Museu do
Escravo a partir de um projeto de revitalizaccedilatildeo A questatildeo central eacute investigar ateacute que ponto as
narrativas museoloacutegicas sejam elas ldquonovasrdquo ou ldquotradicionaisrdquo podem interferir na percepccedilatildeo que
os visitantes tecircm acerca da histoacuteria
Antes da visita os estudantes foram apresentados a um material visual sobre Belo Vale
produzido e distribuiacutedo por uma empresa de informaacutetica que atua na regiatildeo e que traz fotografias
e textos sobre o Museu do Escravo62
Neste material o Museu eacute apresentado como instituiccedilatildeo
uacutenica no paiacutes se constitui num dos mais importantes e completos acervos culturais com peccedilas
referentes agrave escravatura
Uma das estudantes apoacutes a visita registra opiniatildeo semelhante o Museu do Escravo da
Fazenda Boa Esperanccedila eacute o uacutenico museu dedicado exclusivamente ao escravo no Brasil onde
conta com um acervo com uma meacutedia de 4500 peccedilas (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Aparentemente a estudante atribui um sentido indevido agrave localizaccedilatildeo do Museu O Museu
do Escravo natildeo eacute da Fazenda Boa Esperanccedila A informaccedilatildeo correta sobre a localizaccedilatildeo do Museu
jaacute constava do material apresentado agrave turma antes da visita O acervo do Museu era apresentado
como privilegiado O material trazia tambeacutem dados sobre a trajetoacuteria da constituiccedilatildeo desse
acervo Reunido pelo padre Penido de famiacutelia natural da cidade inicialmente em Congonhas do
Campo foi transferido em 1977 para a Fazenda Boa Esperanccedila e municipalizado em 1988 no
centenaacuterio da aboliccedilatildeo com novo preacutedio no centro da cidade
Eacute possiacutevel supor que o desvio da visitante seja tambeacutem um ruiacutedo quanto agrave origem do
acervo e natildeo apenas da localizaccedilatildeo do Museu Quando visitamos a Fazenda Boa Esperanccedila e laacute
natildeo encontramos uma ldquosenzalardquo ou qualquer objeto relativo agrave escravidatildeo abriu-se uma duacutevida
62 Esse material foi adquirido no Museu do Escravo em Belo Vale Foi elaborado por empresa de consultoria
wwwdejorecombr
113
Onde estariam esses objetos Eacute liacutecito supor que foram transferidos para o Museu no Escravo O
que natildeo eacute correto jaacute que o acervo natildeo veio da fazenda
A indefiniccedilatildeo quanto agrave origem do acervo e a natildeo catalogaccedilatildeo e classificaccedilatildeo dos objetos
em exposiccedilatildeo alimenta essa confusatildeo O Museu do Escravo se apresenta como um lugar de
guarda de objetos do passado Entretanto natildeo eacute possiacutevel acessar o acontecido Houve uma perda
irreparaacutevel pela accedilatildeo do tempo e mesmo que o museu se coloque como aquele capaz de reparar o
ldquosentimento de perdardquo fabricando objetos e cenas para dar visibilidade agravequilo que julga ser
pertinente aos habitantes da cidade e aos visitantes continua existindo obstaacuteculos agrave transparecircncia
pretendida pelas exposiccedilotildees museais
42 - O escravo e o museu
As exposiccedilotildees do Museu estatildeo dispostas pelos seis salotildees do Pavilhatildeo 1 um paacutetio interno
onde foi construiacuteda uma espeacutecie de senzala tambeacutem destinada agrave exibiccedilatildeo de acervo (pavilhatildeo
aos fundos) onde destacam-se cenaacuterios museograacuteficos (Figuras 22 e 23)
Figura 22 Pavilhatildeo 1 Planta Baixa do Museu do Escravo Belo Vale
MG Fonte httpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtm
Neste cenaacuterio expositivo convivem diferentes objetos instrumentos de castigo coacutepias de
documentos iconograacuteficos objetos de arte afro-brasileira objetos de uso pessoal e salas com
114
utensiacutelios domeacutesticos como louccedilas e armas e arte sacra originaacuteria da Igreja Matriz que estaacute
localizada ao lado do Museu e que foi transferido ao museu por medida de seguranccedila possiacutevel
O pavilhatildeo dos fundos exibe aleacutem de montagens museograacuteficas como de um escravo
sendo castigado em pelourinho indumentaacuteria moradia e utensiacutelios usados na produccedilatildeo do filme
Zumbi - Quilombo dos Palmares doados pelo cineasta Cacaacute Diegues e um tuacutemulo de escravo
desconhecido
Figura 23 Pavilhatildeo 2 (fundos) Planta Baixa do Museu do Escravo
Belo Vale MG Fonte Disponiacutevel em
lthttpwwwdejorecombrmuseudoescravom_plantahtmgt Acesso
em 2011
Projetos de revitalizaccedilatildeo63
do Museu do Escravo foram elaborados para redefinir a
conceituaccedilatildeo museoloacutegica e reformulaccedilatildeo dos moacutedulos da exposiccedilatildeo A principal criacutetica dos
especialistas eacute que se estava diante de ldquoum colecionismo assistemaacutetico sem propoacutesitos cientiacuteficos
ou educativosrdquo ou ldquomostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros (JULIAtildeO sd) Contudo em
visita realizada em 2010 as exposiccedilotildees ainda permaneciam com a mesma organizaccedilatildeo
encontrada nas visitas anteriores Em 2006 quando da visita com os estudantes da turma do 4ordm
63 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de Museus
Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
115
periacuteodo foi possiacutevel confrontar as visotildees historiograacuteficas tambeacutem conflitantes entre si de modo a
elaborar no diaacutelogo com o museu uma narrativa acerca do tema escravismo colonial
43- Uma nova museografia para o Museu do Escravo
Enquanto o Museu se apresenta aos visitantes como o uacutenico no gecircnero em todo o Brasil64
reconstituindo cenaacuterios como senzala pelourinho e tuacutemulo de escravo desconhecido se sobrepotildee
outro discurso museoloacutegico na forma de um projeto de revitalizaccedilatildeo Nesse projeto65
o Museu do
Escravo eacute apresentado como
mostruaacuterio de antiguidades e de objetos raros no qual os objetos se justapotildeem em
arranjos inusitados e sem criteacuterios Desprovido de qualquer conceituaccedilatildeo o caraacuteter
meramente acumulativo do seu acervo parece atender aos anseios de musealizaccedilatildeo de
uma comunidade ciente de seu passado mas pouco instrumentalizada para a preservaccedilatildeo
de seu patrimocircnio Egrave possiacutevel dizer que o Museu do Escravo transita entre um gabinete
de curiosidade que busca dar mostras dos mais diferentes vestiacutegios do passado
abarcando de achados arqueoloacutegicos a exemplares de maacutequinas do seacuteculo XX sem
qualquer abordagem que permita estabelecer nexos entre os mesmos e a praacutetica
museograacutefica comum em museus americanos de simulaccedilotildees de realidades e contextos a exemplo da arquitetura colonial do preacutedio que o sedia da construccedilatildeo da senzala e do
escravo no pelourinho66
(JULIAtildeO sd)
Quanto agrave linguagem museoloacutegica o documento elaborado pela historiadora Letiacutecia Juliatildeo
eacute taxativo
Embora o imponente casaratildeo encontre-se fisicamente preservado natildeo foi adotado
qualquer recurso comunicativo com o intuito de oferecer informaccedilotildees sobre o conjunto
tombado de modo a promover uma mediaccedilatildeo miacutenima entre o puacuteblico e aquele bem
cultural (JULIAtildeO sd)
A proposta apresentada pela Superintendecircncia de Museus da Secretaria Estadual de
Cultura de MG em parceria com associaccedilotildees locais e oacutergatildeos puacuteblicos eacute uma completa
reformulaccedilatildeo do discurso museoloacutegico do Museu do Escravo O acervo disponiacutevel seraacute
reorganizado em sete moacutedulos temaacuteticos 1) Trabalho escravo e sociedade escravista
64 Site do Museu em wwwdejorecombrbelovaleturismo_museuhtm 65 O Projeto natildeo foi executado A exposiccedilatildeo do Museu do Escravo continua ateacute a presente data com a mesma
arrumaccedilatildeo descrita pelos estudantes na visita em 2006 66 Projeto de reformulaccedilatildeo do Museu do Escravo Secretaria de Estado de Cultura-MG Superintendecircncia de
Museus Letiacutecia Juliatildeo in wwwdejorecombrmuseudoescravom_historiahtm
116
(instrumentos de trabalho) 2) Cotidiano escravo (vestuaacuterio alimentaccedilatildeo moradia procedecircncia
dos escravos) 3) Relaccedilotildees de poder e dominaccedilatildeo (castigo e estrateacutegias de persuasatildeo) 4) Formas
de resistecircncia escrava (quilombos revoltas violecircncia cotidiana) 5) Religiosidade (diferentes
manifestaccedilotildees) 6) Imagens do negro e da escravidatildeo (preconceito estereoacutetipos mesticcedilagem) e
7) Cultura afro-brasileira
Figura 24 AMORIM Frederico Levi Tuacutemulo do escravo
desconhecido Museu do Escravo Belo Vale 2006
Aleacutem dos moacutedulos que indicam a necessidade de uma ldquoabordagem mais completa das
relaccedilotildees de poder na sociedade escravistardquo o ldquonovordquo discurso museoloacutegico propotildee retirar um
grande volume de objetos do acervo em exposiccedilatildeo permanente e montar pequenas exposiccedilotildees
temporaacuterias temaacuteticas Outra medida eacute destinar uma das alas da ldquosenzalardquo agrave reserva teacutecnica Por
fim eacute recomendado avaliar as ldquomontagens museograacuteficasrdquo como a moradia escrava o escravo no
pelourinho e o tuacutemulo do escravo desconhecido e se mantidas informar ao puacuteblico seu caraacuteter de
ldquosimulaccedilatildeordquo A preocupaccedilatildeo com os tempos histoacutericos tambeacutem eacute explicita quanto se trata do
117
proacuteprio preacutedio Eacute preciso informar que a sede eacute recente para evitar equiacutevocos quanto a sua
ldquoautenticidaderdquo
44- As narrativas dos visitantes escravidatildeo e eurocentrismo
Frente a essas duas narrativas como se comportam os visitantes Quais aspectos foram
aceitos e quais foram refutados pelos estudantes a partir das narrativas museoloacutegicas do museu e
da revitalizaccedilatildeo Como interpelam e satildeo interpelados pelos objetos museograacuteficos Como
relacionam a cultura material com narrativas historiograacuteficas Como modificam suas concepccedilotildees
a partir do contato com a linguagem museoloacutegica Como os visitantes elaboram uma narrativa
sobre a histoacuteria e a escravidatildeo tomando como referecircncia o Museu do Escravo Interessa tambeacutem
perceber como o Museu compreende o seu proacuteprio acervo e como faz uso dele O acervo se
constitui em prova documental ou eacute elaborado em funccedilatildeo da loacutegica museograacutefica
Destaco a seguir algumas impressotildees dos visitantes sobre o Museu do Escravo Para
Weberton Fernandes da Costa
O Museu do Escravo utiliza como metodologia de organizaccedilatildeo uma ideacuteia marxista de
ver a histoacuteria procurando enfatizar quase que exclusivamente a luta de classe ocorrida
entre senhores e escravos ateacute a aboliccedilatildeo da escravatura assinada pela princesa Isabel durante o reinado de DPedro II colocando o negro como viacutetima e com um pobre
coitado Tudo bem que o regime escravocrata implantado pelos portugueses no Brasil
seguido pelos Senhores de Engenho do accediluacutecar e posteriormente pelos Barotildees do Cafeacute foi
abominaacutevel terriacutevel cruel e jamais esquecido pela humanidade No entanto colocaacute-los
somente em tal posiccedilatildeo exposta pelo museu soacute contribui para a proliferaccedilatildeo do racismo
visto que tal abordagem coloca o negro como um ser inferior e sem cultura natildeo produzia
nada e soacute apanhava (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio Trabalho de Campo Belo
Vale 2006)
O estudante faz uma leitura dos objetos e identifica um criteacuterio de organizaccedilatildeo
cronoloacutegico em meio ao que parece aos teacutecnicos da Superintendecircncia de Museus como ldquoarranjos
inusitados e sem criteacuteriosrdquo Ele estabelece uma linha temporal (imaginaacuteria) que liga os objetos
ldquoacumulados para atender aos anseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ao que aparece como
ldquosem qualquer conceituaccedilatildeordquo ao discurso museoloacutegico percebe-se uma poderosa forma de
explicaccedilatildeo da sociedade a teoria marxista Vejamos o que ele chama de marxismo Haacute uma
ecircnfase na luta de classes O lado da dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo certamente se impotildee e o
dominadoexplorado eacute vencido A batalha vista de hoje transforma o vencido em viacutetima em
118
coitado Uma exposiccedilatildeo sobre os escravos organizada sob o eixo da dominaccedilatildeo X resistecircncia faz
uma abordagem da inferioridade do negro na sociedade escravista Nosso aluno faz a criacutetica
historiograacutefica da exposiccedilatildeo e talvez fizesse o mesmo com uma nova organizaccedilatildeo do acervo Ele
natildeo vecirc apenas um ldquogabinete de curiosidades do seacuteculo XIX ele vecirc uma visatildeo de mundo que
permeia de sentido os ldquoanseios de musealizaccedilatildeo da comunidaderdquo Ainda que os objetos se
apresentem de maneira bastante caoacutetica os estudantes caccedilam em meio ao palheiro e fazem
reflexotildees atribuindo outros sentidos e interrogando os indiacutecios para construir uma narrativa
imaginar uma histoacuteria Warleson de Melo Simpliacutecio afirma
O que mais me chamou a atenccedilatildeo foram os objetos que eram utilizados como forma de
puniccedilatildeo dos escravos Todos os objetos vistos representavam ali todo o sofrimento que
os escravos passaram Dentre esses objetos havia um que parecia um sapato de ferro
nele havia um espeto que causaria dor no peacute do escravo que tentasse fugir pois este
espeto furaria o peacute do escravo se ele corresse Havia outros objetos tambeacutem que tinha a
mesma funccedilatildeo como por exemplo um outro modelo de sapato com um guizo que faria
barulho quando o escravo andasse impedindo assim sua fuga (Warleson de Melo
Simpliacutecio Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Figura 25 AMORIM Frederico Fotografias do Museu do Escravo
Belo Vale MG 2006
Diferentemente do visitante anterior que leu apenas a dominaccedilatildeo aqui os ldquoinstrumentos
de torturardquo natildeo remetem agrave submissatildeo mas agrave revolta agrave fuga agrave resistecircncia Os vestiacutegios da
119
dominaccedilatildeo falam da resistecircncia Natildeo seriam tantos e tatildeo variados os objetos de castigo se natildeo
houvesse tantas fugas Os escravos natildeo parecem coitados O estudante toma para si a funccedilatildeo de
representaccedilatildeo dos objetos e reencena os gestos contidos na profusatildeo de elementos espalhados
pelos salotildees da exposiccedilatildeo Natildeo eacute necessaacuterio que sejam reorganizados para que falem de maneira
diferente
Outra discussatildeo apresentada eacute sobre a ldquosimulaccedilatildeo de realidades e contextosrdquo Diversos
alunos destacam as reacuteplicas externas como aquelas que mais lhes chamaram a atenccedilatildeo e
justificam suas escolhas Priscila Oliveira dos Santos aponta que
Na parte externa do museu existe uma reacuteplica do corpo de um negro escravo junto ao
tronco onde simula a forma em que os escravos eram maltratados Isto acontecia
principalmente aos domingos que era dia de missas e era dia de folga dos escravos o
que garantiria um puacuteblico maior que os demais dias (Priscila Oliveira dos Santos
Relatoacuterio trabalho de campo Belo Vale MG 2006)
Mayara Luiz Gurgel de Abreu completa ldquoo que mais me impressionou no museu foi a
reacuteplica em tamanho real de um escravo no tronco que apesar de triste impressiona por ser rica
em detalhes e parecer ser realrdquo
Figura 26 AMORIM Frederico Levi Fotografias do paacutetio interno
do Museu do Escravo 2006
Diversas fotografias destacam o pelourinho e a senzala Ainda que natildeo haja maiores
indicaccedilotildees e explicaccedilotildees acerca do cenaacuterio natildeo haacute duacutevidas acerca da montagem da simulaccedilatildeo O
discurso do proacuteprio Museu parece direto nesse caso A comunicaccedilatildeo se faz ruiacutedos quanto agrave
120
ldquoautencidaderdquo da cena satildeo recursos de presentificaccedilatildeo claramente entendidos pelos diferentes
alunos Mas nada tatildeo divertido quando brincar no cenaacuterio de Cacaacute Diegues Pode-se ateacute tirar mais
fotografias da turma
Figura 27 ARAUacuteJO Sueli de Azevedo A turma no cenaacuterio do Cacaacute
Diegues Museu do Escravo 2006
Os estudantes problematizaram os conteuacutedos apresentados pela exposiccedilatildeo do museu
construiacuteram argumentos e procedimentos de interpretaccedilatildeo histoacuterica comprometida com uma
dimensatildeo sensiacutevel e coletiva no presente
Eacute possiacutevel pensar nas fotografias produzidas pelos visitantes de museus como as
apresentadas acima no sentido de Milton Guran (1997) em seu ensaio Fotografar para
descobrir fotografar para contar O corpus fotograacutefico constituiacutedo na pesquisa antropoloacutegica eacute
entendido por Guran como uma sobreposiccedilatildeo de imagens produzidas a partir de imagens
anteriores A anaacutelise destas imagens deve levar em conta o momento da produccedilatildeo e a
especificidade de cada fotografia
Diferentes das fotografias feitas pelo proacuteprio pesquisador ou pelo proacuteprio museu as
fotografias feitas pelos visitantes e assumidas por eles encontram-se impregnadas pelo imaginaacuterio
do proacuteprio grupo ou alguns de seus membros por consequumlecircncia expressa de alguma maneira a
ldquoidentidaderdquo do grupo em questatildeo Enquanto o museu procura uma representaccedilatildeo ldquooriginalrdquo um
espelhamento do que ele possui em seu acervo o visitante coloca-se no jogo da auto-
representaccedilatildeo e transfere para si o poder de espelhamento O visitante compartilha a presenccedila de
um signo e coloca frente ao sentido jaacute traccedilado pelo museu outro rumo uma multiplicaccedilatildeo de
121
conexotildees trajetoacuterias O visitante confere ao sentido imobilizado pelo museu um colorido uma
disposiccedilatildeo para novas referecircncias culturais e dimensotildees poliacuteticas natildeo contidas na matriz
referencial oferecida pelos museus
Cada fotografia oferece os procedimentos de apropriaccedilatildeo do visitante seus gostos uma
esteacutetica uma sensualidade um sentido de presenccedila dos corpos (pessoas ou natildeo) Guran (1997)
aponta que a relaccedilatildeo da fotografia com o imaginaacuterio vai da identidade ndash campo da imaginaccedilatildeo ndash
para a alteridade ndash o lugar dos outros na imaginaccedilatildeo partilhada que o constitui socialmente
No Museu do Escravo estaacute presente a dubiedade do processo de patrimonializaccedilatildeo ou
seja de transformar determinados objetos da cultura material em patrimocircnio histoacuterico O acervo
do Museu do Escravo eacute constituiacutedo pelo colecionismo de um grupo local de objetos ligados
diretamente agrave escravidatildeo e ao trabalho escravo na regiatildeo de Belo Vale Em exposiccedilatildeo no Museu
esses objetos recebem outro tratamento e satildeo articulados num novo espaccedilo de exibiccedilatildeo que inclui
a construccedilatildeo de um local proacuteprio para o circuito e criaccedilatildeo de novos cenaacuterios O uso que os
visitantes fazem dessa exposiccedilatildeo do museu cria novos sentidos para essa memoacuteria histoacuterica Um
desses usos eacute reinscrever esses elementos de uma memoacuteria da escravidatildeo em uma cultura afro-
brasileira contemporacircnea Cria-se assim um circuito no qual as visitas e os visitantes satildeo parte
dos rituais e discursos narrativos do museu e ampliam suas sensibilidades ao mesmo tempo em
que reconhecem no museu um papel formador
122
CAPIacuteTULO V - Entre a poliacutetica e a poeacutetica dos museus e exposiccedilotildees
51 - O Museu Histoacuterico Nacional habitaccedilotildees do patrimocircnio
O Museu Histoacuterico Nacional pode ser considerado como herdeiro de uma tradiccedilatildeo
enciclopeacutedica de museus que desenvolve uma perspectiva de conservaccedilatildeo dos objetos no tempo
No museu ldquohistoacutericordquo o objeto eacute apresentado como um documento seja no cataacutelogo ou nas
exposiccedilotildees ldquoaquele que representa simbolicamente e materialmente a histoacuteriardquo (OLIVEIRA
1998 p68)
Vinculado a um paradigma de preservaccedilatildeo existente desde seacuteculo XV cujo conceito de
uso estaacute relacionado agrave ideia de destruiccedilatildeo o museu funciona como aquela instituiccedilatildeo que defende
o objeto da perda do desgaste e do uso cotidiano Natildeo se admite portanto um uso cultural dos
objetos fora da proteccedilatildeo do museu De um modo geral a relaccedilatildeo do puacuteblico com esse tipo de
museu eacute marcada por essa ambiguumlidade do discurso da conservaccedilatildeo e do patrimocircnio O museu
condena o consumo cultural mas ao mesmo tempo utiliza o status de histoacuterico e de patrimocircnio
como parte de uma induacutestria patrimonial de reapropriaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de determinados
elementos histoacutericos e esteacuteticos (CHOAY 2006 p223)
A atual diretora do Museu Histoacuterico Nacional Vera Luacutecia Bottrel Tostes define a proacutepria
instituiccedilatildeo por era dirigida como uma ldquoinstituiccedilatildeo de memoacuteriardquo aquelas que lutam na linha de
frente contra o esquecimento
Museu Histoacuterico Nacional natildeo poderia omitir-se de participar intensamente das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil
articulando e organizando eventos que visam natildeo apenas celebrar a efemeacuteride mas
trazer agrave luz novas pesquisas sobre singular momento da histoacuteria do Brasil e de Portugal
(TOSTES 2008)
O preacutedio do Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado por sua diretora como anterior agrave
chegada da corte e portanto um lugar adequado ao conhecimento do ldquocontexto histoacutericordquo que
cercou a vinda de D Joatildeo VI e a realizaccedilatildeo de um ldquomemoraacutevel evento histoacuterico-culturalrdquo que
ldquotorna viva a memoacuteria histoacutericardquo (TOSTES 2008)
O Museu Histoacuterico Nacional em suas atuais exposiccedilotildees ainda preserva uma loacutegica
instituiacuteda desde a exposiccedilatildeo de Gustavo Barroso a busca da ldquoautenticidaderdquo em vestiacutegios
123
materiais e um caraacuteter de ldquoverdade comprovadardquo agrave histoacuteria que busca narrar Ou seja na
exposiccedilatildeo apresentada o museu convida os visitantes a natildeo romperem com uma visatildeo de museu-
memoacuteria que considera os objetos como fonte de culto e certificaccedilatildeo da histoacuteria (SANTOS 2006
p50)
A imagem de Dom Joatildeo VI evocada na exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real ressalta a
personalidade do governante em tom quase pessoal o ldquonosso comum priacutencipe regenterdquo e o
acontecimento ndash a vinda da famiacutelia real ndash tecircm uma dupla face que precisa ser igualmente
contemplada os interesses do Brasil e de Portugal A celebraccedilatildeo eacute justamente deste caraacuteter
insoacutelito do acontecimento As comemoraccedilotildees satildeo segundo o cataacutelogo realizadas no Brasil e em
Portugal
Figura 28 CARDINI Joatildeo fl 1804-1825D Joatildeo Priacutencipe do Brazil
regente de Portugal Gravura buril e aacutegua-forte pampb 96x6 cm 1807
Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio - A
Corte Portuguesa no Brasil2008 p18
A gravura de Joatildeo Cardini datada de 1807 traz a inversatildeo da figura de Dom Joatildeo VI
priacutencipe do Brasil e regente de Portugal A pergunta a ser feita diante dessa nova imagem poliacutetica
124
do monarca seria se Portugal teria apoacutes 200 anos algo a comemorar em relaccedilatildeo a esse episoacutedio
de sua histoacuteria poliacutetica
O reconhecimento pelo visitante desse gecircnero de museu como habitaccedilatildeo do patrimocircnio eacute
quase imediata Ainda do lado de fora do preacutedio o visitante legitima o museu como patrimocircnio
A estudante Marly Marques Rodrigues diz em seu relatoacuterio de vista ldquoO preacutedio do Museu
Histoacuterico Nacional eacute considerado um dos mais importantes de seu acervo Remonta ao periacuteodo
em que o Brasil era colocircnia de Portugal e os franceses ainda disputavam com os portugueses a
posse da Baia da Guanabara []rdquo Outra visitante apropriando-se de um trecho de um folheto de
divulgaccedilatildeo do museu destaca as concepccedilotildees da instituiccedilatildeo e suas funccedilotildees no momento da visita
Ao trabalhar com as noccedilotildees de memoacuteria histoacuteria e patrimocircnio cultural de forma luacutedica e
educativa o MHN acredita fazer com que o puacuteblico perceba a importacircncia e o papel dos
museus estreitando assim os laccedilos de identidade e afetividade com as instituiccedilotildees
tornando sua presenccedila mais frequumlente e espontacircnea estimulando entre amigos e
familiares a disseminaccedilatildeo dos museus como agentes de mudanccedila e desenvolvimento
(Michelle Oliveira Xavier Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade
Pedro Leopoldo 2008)
A visitante refere-se a uma meta-linguagem do museu Um discurso luacutedico e educativo
sobre a histoacuteria que justificaria as funccedilotildees museais frente a outras instituiccedilotildees de memoacuteria e
patrimocircnio cultural O museu tenta encantar cada visitante para que haja ressonacircncia67
ou seja
para que o poder do objeto exibido alcance um mundo maior e aleacutem de seus limites formais e seja
capaz de evocar em quem os vecirc as forccedilas culturais complexas e as dinacircmicas das quais emergiu
Em seus materiais de divulgaccedilatildeo o Museu Histoacuterico Nacional eacute apresentado como ldquoum
dos mais importantes museus do Brasil com um acervo de milhares de itensrdquo Ligado ao
Ministeacuterio da Cultura atraveacutes do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do
Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional conta com a museoacuteloga Vera Luacutecia Bottrel Tostes na
direccedilatildeo desde 1994
A ideia de preservaccedilatildeo do patrimocircnio nacional estaacute presente no Museu Histoacuterico Nacional
desde sua fundaccedilatildeo em 1922 A museoacuteloga Vacircnia Oliveira (1998) investiga como o conceito de
museu se modifica internamente na proacutepria documentaccedilatildeo e literatura produzida pelo proacuteprio
museu nacional ao longo de sua existecircncia Primeiro como instituiccedilatildeo de guarda das reliacutequias do
67 Gonccedilalves (2005 p15-36) trabalha com essa dimensatildeo da ressonacircncia para entender os objetos culturais e as
estrateacutegias de autenticaccedilatildeo dos objetos
125
passado nacional cultivando os grandes feitos dos heroacuteis nacionais defendida por Gustavo
Barroso ateacute sua morte em 1959 Na deacutecada seguinte a visatildeo de Gustavo Barroso co ntinua sendo
aceita na praacutetica do Museu Nacional o local continua a abrigar objetos ligados aos grandes vultos
da histoacuteria Entre 1979-1992 data limite do estudo da pesquisadora as ideias de museu na
documentaccedilatildeo e no discurso literaacuterio satildeo variadas Uma das referecircncias eacute o movimento da Nova
Museologia que chega ao puacuteblico pela Mesa-Redonda de Santiago organizada pelo ICOM e
referendada em 1984 pela Declaraccedilatildeo do Canadaacute mas que natildeo eacute aceita por todo o campo museal
No Museu Histoacuterico Nacional efetiva-se o peso da tradiccedilatildeo histoacuterica Os objetos tecircm valor
histoacuterico por terem interesse para uma histoacuteria nacional e sua aprendizagem Satildeo reliacutequias raras e
autecircnticas objetos comuns ligados a grandes vultos poliacuteticos e militares que devem ser
recolhidos colecionados e expostos A noccedilatildeo de patrimocircnio atribui uma dimensatildeo quase maacutegica
aos objetos fazendo-os transcender no tempo (CHOAY 2006 p93)
A noccedilatildeo de patrimocircnio ampliada apoacutes a Revoluccedilatildeo Francesa possui sentido de
homogeneizaccedilatildeo de valores Natildeo basta colecionar bens o museu se atribui a funccedilatildeo de servir de
instruccedilatildeo agrave naccedilatildeo reunindo objetos que ensinam o civismo a histoacuteria e outras competecircncias
teacutecnicas Segundo Choay (2006 p 95) museu eacute o nome que se daacute aos depoacutesitos de bens
nacionalizados na Revoluccedilatildeo Francesa e guardam relaccedilatildeo direta com o estabelecimento da
instruccedilatildeo puacuteblica
Para a definiccedilatildeo de patrimocircnio histoacuterico contribuem as motivaccedilotildees de conservaccedilatildeo de
bens condenados o interesse para a histoacuteria a beleza do trabalho e o valor pedagoacutegico Essas
motivaccedilotildees e interesses constituem um valor nacional (educativo) que desencadeiam valores
relativos a conhecimentos especiacuteficos e gerais satildeo testemunhos da histoacuteria permitem construir
uma multiplicidade
Franccediloise Choay (2006) desenvolve um argumento pertinente para se pensar o tipo de
exposiccedilatildeo proposta pelo Museu Histoacuterico Nacional Ao discutir as relaccedilotildees entre os humanismos
e o monumento antigo a autora lanccedila a questatildeo de como eacute um olhar preservador para um objeto
do passado (arte monumento) e como reconhecer esses objetos do passado como monumentos
histoacutericos Para Choay (2006 p34) a apropriaccedilatildeo natildeo eacute um processo de reflexatildeo ou cogniccedilatildeo eacute
um novo valor de uso na vida domeacutestica Os objetos de antiguidade satildeo usados para decoraccedilatildeo
126
das casas preacutedios puacuteblicos e privados os novos valores satildeo atribuiacutedos agrave praacutetica de colecionar tais
objetos prestiacutegio lucro jogo e natildeo simplesmente agrave experiecircncia de beleza (prazer da arte)
O surgimento do chamado monumento histoacuterico se deu em relaccedilatildeo agrave Roma nos seacuteculos
XIV-XV propiciado pelo distanciamento do passado apoiado no projeto de preservaccedilatildeo medieval
Satildeo consideradas atitudes de preservaccedilatildeo a economia e o interesse em reutilizar os edifiacutecios Haacute
tambeacutem um saber literaacuterio que cria uma sensibilidade pelos materiais execuccedilatildeo descriccedilatildeo de
cenas antigas paineacuteis de altares e a admiraccedilatildeo pelo trabalho maravilhoso e a suntuosidade
esteacutetica O valor do patrimocircnio estaacute associado ao maacutegico agrave curiosidade prazer aos olhos Natildeo
tem propriamente um valor histoacuterico eacute modelo para suscitar uma arte de viver e refinamento que
soacute os gregos possuiacuteam (CHOAY 2006 p34-35)
Jaacute os humanistas tomam o patrimocircnio como referente para a interpretaccedilatildeo e estabelecem
condutas relativas agrave heranccedila (legado da antiguidade greco-romana) Ao assumirem uma
perspectiva da alteridade (noacutes somos diferentes deles) os humanistas criam uma distacircncia
simboacutelica Para os humanistas os monumentos da antiguidade vatildeo incorporando as marcas de sua
reutilizaccedilatildeo e a ideacuteia de preservaccedilatildeo comporta novos usos como o deslocamento das colunas de
maacutermore de Roma e a reserva de fragmentos antigos colecionados pelos papas
Nesse movimento do seacuteculo XVIII as medidas de conveniecircncia e interesse histoacuterico
passam a afirmar uma identidade por meio dos monumentos Os tipos de monumentos evocam a
estrutura da vida cotidiana e lanccedilam a memoacuteria para um passado temporal glorioso Essa seria
para Choay a primeira fase do monumento entendido como ldquoantiguidaderdquo e que lanccedila uma
presenccedila visual e uma profunda alteridade com a distacircncia histoacuterica concentrado nas obras e
edifiacutecios da antiguidade do quatrocento
O monumento eacute o sujeito da alegoria do patrimocircnio Ele tem valor de autenticidade
(confirmado pelos livros) eacute testemunho do passado que se consumou eacute arrancado do presente
que o banaliza para fazer a gloacuteria dos seacuteculos que o edificaram Satildeo os humanistas e artiacutefices que
juntos contribuem para a criaccedilatildeo do sentido moderno de patrimocircnio cultural entendido como
heranccedila dos antecessores e legado aos sucessores68
Segundo Choay (2006 p49) os letrados
faziam visitas a Roma mas natildeo lhes interessava os monumentos em si Eles iriam evocar e
68 Gonzalez (2004 p 66) diferencia a concepccedilatildeo francesa da concepccedilatildeo inglesa na formaccedilatildeo do conceito de
patrimocircnio cultural
127
invocar os testemunhos do mundo da escrita suas preocupaccedilotildees eram filosoacuteficas literaacuterias
morais poliacuteticas histoacutericas e natildeo pela forma dos edifiacutecios Jaacute os artiacutefices (homens da arte)
arquitetos e escultores se interessavam propriamente pelas formas dos monumentos
Letrados e artiacutefices do seacuteculo XIV surgem com os amantes e colecionadores da arte antiga
no sentido moderno Os humanistas ensinam a ler e os artiacutefices a ldquover com os olhosrdquo Essa
impregnaccedilatildeo muacutetua marca o territoacuterio da arte articulando-o com a histoacuteria para formar o
monumento histoacuterico Uma vez instituiacutedo o monumento o conhecimento histoacuterico passa a ser o
uacutenico necessaacuterio na compreensatildeo das antiguidades natildeo eacute necessaacuterio mais um julgamento esteacutetico
(CHOAY 2006 p50)
No seacuteculo XIV o monumento histoacuterico soacute pode ser antigo e a arte soacute pode ser antiga ou
contemporacircnea A galeria como espaccedilo fiacutesico de exposiccedilatildeo soacute aparece no seacuteculo XVI A coleccedilatildeo
de arte vai se diferenciando da sala de curiosidades e precede o Museu De caraacuteter privado ela
oferece o exemplo da abertura pela primeira vez ao puacuteblico das coleccedilotildees pontificiais do capitoacutelio
(CHOAY 2006 p50-52)
Pomian (1978 p51) distingue as coleccedilotildees e colecionadores de antiguidades do
quatrocento dos gabinetes de curiosidade (museum de natureza e humanos) da Idade Meacutedia que
sobreviveriam ateacute o Iluminismo A tarefa inicial de preservaccedilatildeo cabia aos papas assim como as
medidas de restauraccedilatildeo proteccedilatildeo e as regras de expropriaccedilatildeo para utilidade puacuteblica Um
monumento histoacuterico ateacute o seacuteculo XIV era constituiacutedo de trecircs discursos perspectiva histoacuterica
perspectiva artiacutestica e outra da conservaccedilatildeo A ambiguumlidade do discurso de conservaccedilatildeo segundo
Pomian eacute ldquotranquumlilizar a consciecircncia e justificar a demoliccedilatildeo realrdquo (POMIAN 1978 p51-86)
A discussatildeo sobre a invenccedilatildeo do monumento histoacuterico e da noccedilatildeo de patrimocircnio tem um
encaminhamento distinto segundo Franccediloise Choay (2006 p144) que pode ser visto em duas
alegorias advindas da ambiguumlidade que ela apontara anteriormente no discurso de conservaccedilatildeo
tranquumlilizar a consciecircncia e justificar a destruiccedilatildeo efetiva A partir do seacuteculo XIX a noccedilatildeo de
patrimocircnio vai comportar trecircs abordagens o monumento histoacuterico a cidade histoacuterica e o museu
histoacuterico As trecircs abordagens vatildeo se desdobrar em figuras distintas Primeiro a figura memorial
que envolve toda a malha do patrimocircnio intangiacutevel a ser protegido Segundo a figura de toda a
cidade como desempenhando o papel de monumento capaz de dar liccedilotildees contra o esquecimento
E terceiro a figura museal uma figura histoacuterica que se destaca pela resposta que eacute capaz de dar
128
ao problema do patrimocircnio No museu e natildeo apenas nele se faz presente a figura museal que
reuacutene um caraacuteter conservador e outro destruidor
A figura museal ameaccedilada de desaparecimento eacute concebida como um objeto raro
fraacutegil precioso para arte e para a histoacuteria e que como as obras conservadas nos museus
deve ser colocada fora do circuito da vida Tornando-se histoacuterica ela perde sua
historicidade (CHOAY 2006 p191)
Choay (2006) aponta que a funccedilatildeo museal natildeo se daacute apenas nos museus O ato de isolar
fragmentos e colocaacute-los lado a lado protegendo o original eacute que os transforma em objetos de
museu Retira-lhes o valor de uso para lhes conferir o valor histoacuterico (museal) Eacute esse valor
histoacuterico que os visitantes reconhecem nos objetos pelo fato de serem expostos em um museu Os
museus satildeo visitados como monumentos como patrimocircnio ou seja como objetos natildeo
consumiacuteveis embora seja reconhecido o seu caraacuteter de produto cultural numa economia de bens
simboacutelicos O museu passa de templo da arte como era o British Museum no seacuteculo XIX para
um museu capaz de proteger todo o patrimocircnio mundial e cultural na Convenccedilatildeo da Unesco de
1972 (CHOAY 206 p216) O proacuteprio museu passa a ser considerado um dos dispositivos do
culto ao patrimocircnio ou uma museificaccedilatildeo de amplos campos e tipos de atividades humanas O
museu que era uma instituiccedilatildeo tornou-se uma mentalidade (CHOAY 2006 p247) e ampliou
seu poder didaacutetico e sua capacidade de
edificar ou captar a duraccedilatildeo e de abrigar o espaccedilo e retardar aiacute seu desdobramento
orientando-o para o sentido o mais capaz de servir de iniciaccedilatildeo agrave alteridade humana o
mais temiacutevel tambeacutem que aprisiona ou liberta e cujo poder criador soacute pode ser
experimentado quando se entrega a ele de forma indissociaacutevel a inteligecircncia e o corpo
(CHOAY 2006 p254)
Natildeo haacute como esperar de um museu histoacuterico uma postura reflexiva e retrospectiva quando
trabalha com a memoacuteria Diferente das perguntas que orientam a escrita da historia pelos
historiadores o discurso do museu mesmo elaborado por especialistas e dentre eles
historiadores renomados natildeo faz a interdiccedilatildeo dos sentimentos morais da reverecircncia e o respeito
ao valor sagrado do passado O museu se coloca no lugar do memorial conservando o culto aos
monumentos do passado situado no presente tem por funccedilatildeo continuar a mobilizar a memoacuteria e
deliberadamente lutar contra a praacutetica do esquecimento promovendo uma co-habitaccedilatildeo
institucionalizada para o patrimocircnio Ao estabelecer um plano de visitas o museu eacute expliacutecito em
129
relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo de proteccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do patrimocircnio Resguardar tornar intocaacuteveis
manter fora do alcance em aacutereas protegidas o culto do patrimocircnio No museu ldquoo visitante estaacute
condenado ao percurso arrastado numa marcha que catapulta as imagens das obras umas sobre as
outras para finalmente quebraacute-las em mil fragmentos (CHOAY 2006 p217)
Haacute no Museu Histoacuterico Nacional uma dimensatildeo que fixa e estabiliza uma determinada
visatildeo da histoacuteria poliacutetica que produz e reproduz hierarquias sociais ideologias e assume um papel
na produccedilatildeo de imagens de raccedila povo naccedilatildeo criando legitimidades sociais (ANDERSON 2008
p 208)
Acredito que o Museu Histoacuterico Nacional como instituiccedilatildeo carrega como legado o
sentido poliacutetico de museu moderno tal como definido por Benedict Anderson (2008 p268) Eacute um
museu que se constitui primeiramente como Museu Real e depois como Museu Nacional e hoje
passa pela revisatildeo de seu caraacuteter ldquonacionalistardquo frente agraves novas demandas por representaccedilatildeo de
identidades raciais eacutetnicas de gecircnero e multiculturais69
Ligado diretamente ao Estado o MHN produz materiais e disponibiliza imagens que satildeo
reproduzidas infinitamente no cotidiano via manuais escolares postais selos de modo que a
musealizaccedilatildeo poliacutetica se torna celebraccedilotildees comemoraccedilotildees e emblemas da identidade nacional70
O Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional publicado em 195771
quando Gustavo
Barroso ainda era seu diretor traz ao puacuteblico as dimensotildees do museu para a eacutepoca Do ponto de
vista do espaccedilo fiacutesico o museu ocupava inicialmente duas salas que davam para a entrada
principal chamada Portatildeo da Minerva (Figura 30) Depois da exposiccedilatildeo de 1922 passou para a
Casa do Trem e outra ala do edifiacutecio Agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo do Guia do Visitante ocupava mais
de quarenta salas galerias escadarias vestiacutebulos arcadas e paacutetios o que natildeo possibilitava exibir
todo o acervo
69 O proacuteprio MHN realiza desde 1990 o projeto Espaccedilo Museu ndash Construccedilatildeo do Saber iniciado pelos museoacutelogos
Mario de Souza Chagas e Ruth Beatriz Silva Caldeira de Andrada voltado para professores e outros profissionais
que procuram o setor educativo do Museu Ver Rodrigues e Gouveia (2006) 70 Santos (2006) analisa a loacutegica expositiva do Museu Histoacuterico Nacional desde sua fundaccedilatildeo em 1922 ateacute a deacutecada
de 1980 e estabelece uma ldquotipologiardquo que o caracteriza sob a gestatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959) como um
museu-memoacuteria entre as deacutecadas de 1960 e 1970 como um museu-narrativa e a exposiccedilatildeo instalada nos anos de
1980 como um museu-siacutentese 71 Santos (2006) e Chagas (2003) realizam importantes anaacutelises sobre o MHN e seu fundador Gustavo Barroso A
escolha do Guia de 1957como referecircncia para anaacutelise tem por objetivo fazer um contraponto entre o Museu deixado
por Barroso (1959) e o visitado em 2008
130
Figura 29 Capa do Guia do Visitante do Museu Histoacuterico Nacional
Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
Figura 30 Capa do folder do Museu Histoacuterico Nacional Portatildeo da
Minerva Entrada do Museu Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da
Cultura IPHAN Guia do Visitante sd
131
O Museu no Guia do Visitante de 1957 jaacute definia que sua funccedilatildeo natildeo era apenas a de
mostruaacuterio de objetos histoacutericos mas tambeacutem de pesquisa em colaboraccedilatildeo com instituiccedilotildees de
cultura imprensa raacutedio cinema e teatro Os ldquoAnais do Museu Histoacuterico Nacionalrdquo72
eram a
traduccedilatildeo desse esforccedilo dos pesquisadores do museu O Museu se apresenta como um estudioso da
histoacuteria em relaccedilatildeo a um puacuteblico que deseja documentar com filmes e peccedilas de fundo histoacuterico O
Museu oferece nesses casos cenaacuterios indumentaacuteria caracterizaccedilatildeo de personagens tradicionais
costumes e ateacute composiccedilatildeo de diaacutelogos
Para a imprensa fornece fotografias objetos e informaccedilotildees de pessoas O museu tambeacutem
oferece curso desde 1932 para preparar teacutecnicos de museus e gabinetes de restauraccedilatildeo de quadros
e objetos de arte Formou um arquivo histoacuterico com fotografias e documentos e uma biblioteca
especializada (GUIA 1957 p13)
Myriam Sepuacutelveda Santos (2006) busca compreender a concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoembutidardquo
nas propostas de Gustavo Barroso e suas afinidades com a histoacuteria trabalhada atualmente no
MHN Para a autora a histoacuteria apresentada e trabalhada pelo MHN na gestatildeo de Barroso era
vinculada agrave questatildeo da ldquonacionalidaderdquo e ao ldquoculto da saudaderdquo entendido como uma perspectiva
de manter viva a tradiccedilatildeo com uma metodologia memorialiacutestica e uma concepccedilatildeo de tempo
descontiacutenuo ignorando as tendecircncias de uma histoacuteria mais atual (SANTOS 2006 p35-6)
O proacuteprio Museu Histoacuterico Nacional reconhece que a partir da deacutecada de 1960 essa
concepccedilatildeo de histoacuteria ldquoanacrocircnicardquo levara a uma crise institucional e o afastamento do MHN com
relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo cultural intelectual e artiacutestica (SANTOS 2006 p55) Assim passa a
empreender diversas accedilotildees como a realizaccedilatildeo de Seminaacuterios Internacionais a partir de 1997 e a
proposiccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave ldquocomunicaccedilatildeordquo e ldquoeducaccedilatildeordquo para um puacuteblico mais amplo
notadamente o puacuteblico escolar visando agrave construccedilatildeo da nacionalidade
Trazer o Guia do Visitante de 1957 para a discussatildeo eacute uma espeacutecie de provocaccedilatildeo Uma
revisatildeo na forma de exposiccedilatildeo mudaria a concepccedilatildeo de histoacuteria do museu Essa questatildeo cabe
tambeacutem em relaccedilatildeo ao Museu do Escravo Em que medida uma nova museografia eacute suficiente
para introduzir outras concepccedilotildees de histoacuteria nos museus
72 Myrian Sepuacutelveda Santos (2006 p50-1) indica que O MHN contribui para o estabelecimento de padrotildees de
pesquisa com base em criteacuterios arqueoloacutegicos e filoloacutegicos de documentos e manuscritos que ajudam a consolidar a
ldquomoderna histoacuteriardquo e a diferenciaacute-la dos antigos antiquaacuterios Os Anais do MHN e o Curso de Museus satildeo destaques
dessa poliacutetica da instituiccedilatildeo sob a direccedilatildeo de Gustavo Barroso (1922-1959)
132
Eacute importante destacar esse aspecto da conservaccedilatildeo do acervo pois no Guia do Visitante
de 1957 a Sala Brasil-Portugal guardava as louccedilas pertencentes a D Joatildeo VI Nas paredes da
sala Brasil-Portugal vecirc-se a evoluccedilatildeo das armas nacionais nos periacuteodos monaacuterquicos nas da Sala
dos Vice-Reis os escudos heraacuteldicos dos quinze Vice-Reis do Estado do Brasil Essa disposiccedilatildeo
dos objetos natildeo existe mais mas o lugar reservado agrave figura de Dom Joatildeo VI jaacute estava
estabelecido definitivamente no Museu Histoacuterico Nacional
A entrada pelo ldquoPortatildeo da Minervardquo jaacute levava a um paacutetio com vaacuterios ldquovultos histoacutericosrdquo
sob as arcadas A primeira dependecircncia a ser visitada eacute chamada de ldquoArcada dos Descobridoresrdquo
Nela estatildeo ldquovultosrdquo que caracterizavam as ldquoeacutepocas e atividades principais da civilizaccedilatildeo
brasileirardquo Nas paredes os brasotildees de D Manuel o Venturoso Pedro Aacutelvares Cabral Pero Vaz
de Caminha e os capitatildees da armada que descobriu o Brasil (GUIA 1957 p17) Para completar o
cenaacuterio e o simbolismo da unidade Brasil e Portugal duas palmeiras imperais plantadas em 1955
a da direita com a terra de todos os Estados e territoacuterios do Brasil e aacutegua do rio S
Francisco pelo presidente Joatildeo Cafeacute Filho a da esquerda com a terra de Portugal areia
da praia de Porto Seguro e aacutegua do Tejo pelo Embaixador portuguecircs Antocircnio de Faria
(GUIA 1957 p20-1)
Figura 31 Portatildeo de Minerva Guia do Visitante Museu Histoacuterico
Nacional
133
Figura 32 Arcada dos descobridores Guia do Visitante Museu
Histoacuterico Nacional Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 1957
O conceito de evidecircncia material trabalhado pelo museu natildeo eacute o mesmo utilizado pela
historiografia Enquanto no museu a exposiccedilatildeo visa ldquoilustrarrdquo uma interpretaccedilatildeo historiograacutefica
gerada em outros lugares (textos ensaios livros) a historiografia trata a cultura material como
fonte de pesquisa
Do ponto de vista dos visitantes a funccedilatildeo do acervo natildeo eacute documental e ao mesmo tempo
jaacute eacute uma versatildeo da histoacuteria A forma de apresentaccedilatildeo dos objetos ainda daacute o status de
testemunhos mostrando a importacircncia da materialidade para a comprovaccedilatildeovalidaccedilatildeo das
narrativas histoacutericas A exposiccedilatildeo como forma de reunir um acervo que natildeo pertence ao museu
lhe confere maior poder de criar visibilidade
Eacute isso que parece fazer a visitante Michele Oliveira Xavier que reuacutene novamente o acervo
do museu apoacutes sua visita Ela recria seu percurso e o patrimocircnio do Museu Histoacuterico Nacional em
uma nova exposiccedilatildeo
134
Figura 33 XAVIER Michele Oliveira Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
O percurso da visitante pelo Museu Histoacuterico Nacional cria uma nova coleccedilatildeo agora
pertencente agrave estudante Reunidos em um novo museu imaginaacuterio figuram escadaria de acesso ao
andar superior com a escultura equumlestre de Dom Pedro II de Francisco Manoel Chaves Pinheiro
um veiacuteculo de transporte de traccedilatildeo animal que faz parte da exposiccedilatildeo permanente desde 1925 e
hoje intitulada do ldquoDo moacutevel ao automoacutevel transitando pela histoacuteriardquo dois detalhes da exposiccedilatildeo
que foi visitada pelo grupo uma pena e uma coroa de ouro
52- Comemoraccedilotildees Histoacuteria do Brasil e dos brasileiros
A Histoacuteria como disciplina acadecircmica entende e faz uso dos museus para desenvolver
pesquisas sobre a cultura material (arqueologia etnografia histoacuteria da arte) que soacute satildeo possiacuteveis
com pesquisa de campo e consulta a documentaccedilatildeo visual (fotos pinturas objetos
tridimensionais) e coleccedilotildees abrigadas nos museus (SUANO 1986 p75)
A historiografia contemporacircnea tem mostrado interesse pelo tema do patrimocircnio da
memoacuteria e dos museus Principalmente pelas relaccedilotildees entre os museus a naccedilatildeo e a histoacuteria-
135
memoacuteria nacional Dominique Poulot (2011) Pierre Nora (1982 1994) mudam o enfoque em
relaccedilatildeo agrave histoacuteria e as formas de estudar os museus relacionando as instituicotildees culturais com as
estruturas sociais que lhes deram origem e com seu caraacuteter instrumental em relaccedilatildeo aos poderes
constituiacutedos (BREFE 1998 p88)
A exposiccedilatildeo museal passa a ser vista como o principal meio pelo qual o passado eacute
publicado e apresentado A funccedilatildeo central dos museus eacute oferecer aos olhos do puacuteblico uma seacuterie
de procedimentos que pretendem falar diretamente ao visitante usando recursos que podem ser
chamados de ldquoembalagemrdquo dos objetos um cenaacuterio ou cena iluminaccedilatildeo embelezamento
midiaacutetico e escolhas de aspectos pitorescos ou estereoacutetipos (CHOAY 2006 p240)
Os museus tambeacutem procuram valorizar as informaccedilotildees trazidas pelos objetos (obras)
inaugurando uma criacutetica fundada na experiecircncia visual e na apreensatildeo direta das obras e natildeo mais
na leitura de textos Antes mesmo do conteuacutedo de cada exposiccedilatildeo e das particularidades do
acervo de cada instituiccedilatildeo haacute a reivindicaccedilatildeo do museu por tornar puacuteblica uma determinada
coleccedilatildeo e a preservaacute-la
Se haacute uma praacutetica patrimonial por parte dos museus e no caso do Museu Histoacuterico
Nacional essa praacutetica se refere a uma ldquorememoraccedilatildeordquo dos acontecimentos fundadores da naccedilatildeo de
modo a invocar o passado como forma de manter e preservar a identidade de uma comunidade
nacional o museu se coloca como capaz de desenvolver uma grande narrativa nacional
O Museu Histoacuterico Nacional cria formas simboacutelicas dentro de regras mais amplas de
codificaccedilatildeo da linguagem museoloacutegica Isso pode ser explorado tanto no relato escrito pelos
visitantes e em suas fotografias quanto nos impressos produzidos pelo proacuteprio museu voltados a
diferentes puacuteblicos como o cataacutelogo da exposiccedilatildeo e o material educativo voltado agrave comunidade
escolar
O MHN natildeo poderia ficar de fora dos festejos de ldquoum grande acontecimento que marcou a
histoacuteria do Brasilrdquo Festejar as datas nacionais faz parte da agenda do Museu As escolas podem
agendar e fazer visitas especiacuteficas nestas ocasiotildees Aleacutem de ter um acervo o museu nacional tem
por missatildeo dar a conhecer a Histoacuteria do Brasil O MHN fala portanto desse lugar conceituado e
de culto agrave memoacuteria de transmissatildeo agraves novas geraccedilotildees do legado dos antepassados Tambeacutem aqui
entra uma avaliaccedilatildeo do Museu sobre o que guardar preservar e expor satildeo obras raras ineacuteditas
136
originais nunca reunidas ou vistas Soacute um grande Museu pode reunir esse conjunto realizar esse
feito
A narrativa do Museu Histoacuterico Nacional fica mais expliacutecita quando se percebe que essas
comemoraccedilotildees ocorreram de forma mais enfaacutetica no Rio de Janeiro e satildeo divulgadas por
emissora de televisatildeo de projeccedilatildeo nacional dando ecircnfase ao fato de que a vinda da Corte
portuguesa transforma ldquoa nossa cidaderdquo segundo o material educativo em Capital do Impeacuterio
Luso projetando imagens de desenvolvimento econocircmico e poliacutetico comuns na historiografia
brasileira ao longo dos seacuteculos XIX e XX
O esforccedilo do prefeito do Rio de Janeiro empresas privadas e autoridades portuguesas para
criar esse evento cercado de discursos nacionalistas e patrioacuteticos culmina no estabelecimento de
uma comissatildeo oficial para as Comemoraccedilotildees da Chegada de D Joatildeo e da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro que teve por coordenador Alberto da Costa e Silva e contou com a consultoria de Liacutelia
Schwarcz que elaborou um Calendaacuterio das Comemoraccedilotildees marcado por exposiccedilotildees debates
apresentaccedilotildees musicais publicaccedilotildees entre outubro de 2007 a dezembro de 2008 A exposiccedilatildeo do
Museu Histoacuterico Nacional eacute considerada como
a uacutenica exposiccedilatildeo prevista na agenda de eventos do Rio de Janeiro que enfatizaraacute os
aspectos econocircmicos poliacuteticos e culturais da vinda da famiacutelia real portuguesa dando a oportunidade aos brasileiros de conhecerem melhor o contexto histoacuterico que cercou D
Joatildeo VI o primeiro monarca europeu a atravessar o oceano Atlacircntico e o responsaacutevel
pelo estabelecimento da sede do maior impeacuterio das Ameacutericas entrelaccedilando para sempre
a histoacuteria do Brasil e de Portugal (ltwwwriorjgovbrculturasgt Acesso em maio de
2008)
Eacute possiacutevel explorar um pouco mais a ideia de circuito da cultura a partir dos dispositivos
visuais e narrativos propostos pelo Museu Histoacuterico Nacional na exposiccedilatildeo comemorativa dos
duzentos anos da vinda da Famiacutelia Real ao Brasil apresentada no Rio de Janeiro em 2008
Enquanto a visatildeo de histoacuteria apresentada pelo museu implica em ldquocelebrarrdquo no sentido de
ter veneraccedilatildeo pelo passado ou tradiccedilatildeo agrave medida que a cultura eacute exposta ela eacute revestida de outros
sentidos menos transcendentes O visitante resiste culturalmente e estabelece uma distacircncia que o
diferencia do que o museu e sua exposiccedilatildeo estatildeo propondo Ainda que haja um efeito de
encantamento ele natildeo chega a bloquear as imagens circundantes e silenciar tudo em volta do
objeto Os visitantes reconhecem que o museu promove uma das exposiccedilotildees mais importantes
137
sobre a eacutepoca da corte no Brasil que seu acervo eacute enorme mas natildeo deixam de observar a falta de
um tema
Percebi ali uma idealizaccedilatildeo de padratildeo de vida e uma inibiccedilatildeo sobre um tema que
predominava durante todo o seacuteculo XIX a escravidatildeo Natildeo vimos pela cidade sequer
vestiacutegios de que ali viviam em maior porcentagem a populaccedilatildeo escrava que trabalhava
para a coroa Uma espetacularizaccedilatildeo da cultura onde monumentos e documentos ganham valor extraordinaacuterio e perdem muitas vezes em se mostrar o valor real daqueles objetos
principalmente no Museu Histoacuterico Nacional (Priscila Braga Gonccedilalves Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A estudante analisa a exposiccedilatildeo comemorativa do Museu Histoacuterico Nacional a partir de
sua formaccedilatildeo histoacuterica Faz uma criacutetica historiograacutefica e cultural Ela identifica um excesso e
uma falta na abordagem do museu Sobra encenaccedilatildeo e falta um conteuacutedo agraves comemoraccedilotildees da
vinda da famiacutelia real Eacute uma criacutetica que tem por fundamento o que a visitante jaacute estudou sobre a
historiografia brasileira A criacutetica a espetacularizaccedilatildeo da cultura eacute marcada pela forma como o
museu trabalha com os objetos O museu transforma os documentos em monumentos ao atribuir-
lhes um valor extraordinaacuterio ou seja de raridade de curiosidade e natildeo de vestiacutegios ou
testemunhos A histoacuteria do Brasil apresentada pelo Museu Histoacuterico Nacional eacute uma versatildeo
idealizada e excludente em relaccedilatildeo a outras versotildees historiograacuteficas
Embora a ideacuteia de Naccedilatildeo natildeo apareccedila de forma expliacutecita no tiacutetulo da exposiccedilatildeo eacute em torno
desse conceito que se organiza toda a loacutegica do Museu Histoacuterico Nacional73
O Museu Histoacuterico
Nacional continua promovendo comemoraccedilotildees e de certa forma manteacutem viva a tradiccedilatildeo de
transmutaccedilatildeo da memoacuteria coletiva em memoacuteria histoacuterica ao proteger a ldquoheranccedila monumental da
naccedilatildeordquo O museu faz uma revisatildeo dos heroacuteis e aplica uma nova camada de sentido ou valor ao
passado Os valores nacionais introduzidos no presente pelo museu funcionam como uma
pedagogia do civismo uma memoacuteria histoacuterica que eacute mobilizada pelo sentimento de
pertencimento ao nacional um laccedilo com o passado e com a identidade (referecircncia)
Do ponto de vista do museu a exposiccedilatildeo eacute celebrativa mas o poder de escrever a histoacuteria
com objetos soacute se efetiva se as portas do museu estiverem abertas agrave aprendizagem e agraves posturas
investigativas em relaccedilatildeo agraves atitudes do proacuteprio museu no tratamento dos temas da memoacuteria e do
patrimocircnio
73 Bittencourt (2003 p156-7) chama a atenccedilatildeo para a constituiccedilatildeo de outros tipos de museus de histoacuteria nacional
vinculados ao Estado mas voltados para as coisas do ldquopovordquo e da ldquoculturardquo
138
A primeira atitude do grupo de estudantes de graduaccedilatildeo em Histoacuteria em visita agraves
exposiccedilotildees em comemoraccedilatildeo aos duzentos anos da Vinda da Famiacutelia Real Portuguesa ao Brasil eacute
avaliar como o museu apresenta os objetos A trilha deixada pelo museu nos visitantes eacute em um
primeiro plano a aceitaccedilatildeo dos paracircmetros elaborados pela exposiccedilatildeo Entretanto muitos
visitantes fazem ressoar a ideia do museu como aquele que escreve a histoacuteria com os objetos de
seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de
visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
A novidade na observaccedilatildeo da estudante eacute a criaccedilatildeo de uma referecircncia de identidade
profissional do grupo de visitantes ldquonoacutes historiadoresrdquo O uso do museu histoacuterico eacute pelo que ele
traz de objetos A organizaccedilatildeo a classificaccedilatildeo pode ser feita pelos visitantes que entendem como
funciona a montagem e desmontagem de exposiccedilotildees e podem usar livremente de criteacuterios
diferentes daqueles adotados pelo museu
A concepccedilatildeo de histoacuteria presente no Museu Histoacuterico Nacional estaacute materializada nos
objetos selecionados e dispostos nas exposiccedilotildees permanentes e temporaacuterias Na visita agrave exposiccedilatildeo
comemorativa da vinda da corte portuguesa observa-se que existem acontecimentos fundamentais
na formaccedilatildeo da sociedade brasileira e eles estatildeo estabelecidos pelo Museu como marcos
cronoloacutegicos 1808-1822
A concepccedilatildeo de uma histoacuteria integrada ou ldquomomentos simboacutelicos comuns da histoacuteria do
Brasil e de Portugalrdquo (TOSTES 2000 p7) jaacute vinha sendo trabalhada pelo MHN e foi
apresentada tanto no ldquoSeminaacuterio Internacional D Joatildeo VI um rei aclamado na Ameacutericardquo
realizado em 2000 quanto em duas outras exposiccedilotildees realizadas nas dependecircncias do MHN
como parte das comemoraccedilotildees dos descobrimentos portugueses
A demanda por ldquorememoraccedilatildeordquo desta histoacuteria poliacutetica eacute parte desta visatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional Haacute por parte do Museu um reforccedilo da identidade nacional em detrimento de
outras demandas por valorizaccedilatildeo de um patrimocircnio cultural local e regional Esta visatildeo
integradora da cultura presente no Museu Histoacuterico Nacional contrasta com as orientaccedilotildees da
139
Poliacutetica Nacional de Museus de 2003 que define o papel dos museus como ldquodispositivo
estrateacutegico de aprimoramento dos processos democraacuteticosrdquo e a ldquonoccedilatildeo de patrimocircnio cultural do
ponto de vista museoloacutegicordquo implica na ldquorelaccedilatildeo dos diferentes grupos sociais e eacutetnicos com os
diversos elementos da natureza bem como a respeito das culturas indiacutegenas e afrodescendentesrdquo
(BRASIL 2003 p 8)
Reginaldo Santos Gonccedilalves em prefaacutecio ao livro de Myriam Sepuacutelveda dos Santos
(2006) defende que o museu pode ser pensado como um ldquosistema mais ou menos coerente de
relaccedilotildees sociais e culturais variando no tempo e no espaccedilordquo Os museus satildeo como teias de
pensamento nas quais as instituiccedilotildees satildeo discursivamente articuladas As categorias de
pensamento como histoacuteria naccedilatildeo memoacuteria e passado satildeo articuladas em linguagens
museoloacutegicas tipos de objetos materiais formas de colecionismo classificaccedilatildeo e exibiccedilatildeo que
circulam aleacutem dos muros e tem efeitos no cotidiano dos cidadatildeos (GONCcedilALVES apud
SANTOS 2006 p3-4)
O papel formador dos museus eacute dado por esse seu caraacuteter de impor uma determinada
ordem sobre os objetos materiais mediado por categoriais disciplinares da histoacuteria e constituir
uma escrita museoloacutegica No caso do Museu Histoacuterico Nacional Myriam Sepuacutelveda dos Santos
distingue um museu-memoacuteria nos primeiros anos de existecircncia do MHN e um museu-narrativa a
partir dos anos de 1980
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo74
tambeacutem apresenta os objetos histoacutericos pelo fato de que teriam
pertencido a vultos poliacuteticos retratos armas armaduras tronos moacuteveis moedas medalhas A
proposta de exposiccedilatildeo em 2008 pelo MHN se pauta por estes objetos pois no primeiro cataacutelogo
publicado pela instituiccedilatildeo em 1924 jaacute constavam as salas dos Tronos e do Cetro com ldquograndes
peccedilas de mobiliaacuterio pertencentes ao rei D Joatildeo VIrdquo (BITTENCOURT 2003 p158)
Uma exposiccedilatildeo museal em geral tem um custo financeiro e operacional significativo e eacute
viabilizada com parcerias de diversas instituiccedilotildees que contribuem para realizaccedilatildeo do evento O
cataacutelogo da exposiccedilatildeo comemorativa aos duzentos anos da Vinda da Corte Portuguesa ao Brasil
intitulada Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
realizada pelo Museu Histoacuterico Nacional em sua sede no Rio de Janeiro em 2008 registra
74 Os estudantes natildeo tiveram acesso a esse cataacutelogo Ele foi adquirido em momento posterior agrave visita presencial ao
museu
140
agradecimentos a museus de Portugal agrave Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian a bancos a banqueiros e
a instituiccedilotildees de patrimocircnio ligadas ao Ministeacuterio da Cultura do governo brasileiro como o
IPHAN
Figura 34 Reproduccedilatildeo da Capa do Cataacutelogo da ldquoExposiccedilatildeo Um novo
Mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil 1808-1822rdquo
Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo traz os textos dos organizadores e suas intenccedilotildees Nenhuma
comemoraccedilatildeo passa incoacutelume pela disputa poliacutetica por memoacuterias e narrativas E esta tensatildeo pode
ser vista jaacute no texto de apresentaccedilatildeo do cataacutelogo intitulado Palavras preacutevias Nele o entatildeo
ministro de Estado da Cultura o muacutesico Gilberto Passos Gil Moreira abre oficialmente a mostra
do Museu Histoacuterico Nacional reconhecendo a vinda da famiacutelia real portuguesa em 1808 como
um evento fundador da ldquoidentidade nacionalrdquo e da ldquonaccedilatildeordquo Entretanto aos olhos do ministro a
chegada da corte eacute uma heranccedila cheia de ldquodor da colonizaccedilatildeo e perversa submissatildeo dos
afrodescendentesrdquo Em seguida volta a reconhecer que essa mesma cultura europeacuteia ou
portuguesa que aqui chegou permitiu que o Brasil se tornasse uma ldquoimensa paacutetria caldeiratildeo para
todas as culturas e berccedilo mesticcedilo de uma nova civilizaccedilatildeo ainda em processordquo
O ministro de um lado parece criticar a ldquogrande narrativa da naccedilatildeordquo que eacute excludente
com os afrodescendentes mas de outro lado conecta a narrativa proposta pelo Museu Histoacuterico
141
Nacional ao sentido que lhe atribui Anderson (2008) como parte da construccedilatildeo de uma
ldquocomunidade imaginadardquo da qual todos fazem parte
Gilberto Gil atribui ao evento comemorado um caraacuteter histoacuterico fundador da
nacionalidade Eacute a vinda da famiacutelia real que daacute iniacutecio e cria uma linha de continuidade um
sentido duradouro de ldquodestino nacionalrdquo que preacute existe e continuaraacute existindo apoacutes a morte dos
sujeitos concretos que dele participaram Em seguida o ministro interpreta a tradiccedilatildeo ou a
heranccedila que nos prende a este passado como uma continuidade poliacutetica uma cultura de longa
duraccedilatildeo da qual ldquoprecisa-serdquo no sentido de Fernando Pessoa (navegar eacute preciso) voltar sempre e
fazer referecircncia jaacute que se constitui como a origem da naccedilatildeo
O Brasil concebido por Gilberto Gil deseja perpetuar a heranccedila portuguesa mas
reconhece que essa heranccedila natildeo foi capaz de unificar os diferentes membros da naccedilatildeo em um soacute
sujeito em termos de homogeneidade cultural Haacute diferenccedilas entre culturas etnias e raccedilas Com a
metaacutefora da antropofagia ldquoque assimila e digere o que chega a ser devolvido em inovaccedilatildeo em
invenccedilatildeo e indiferenccedilardquo o ministro reforccedila a ambiguumlidade do acontecimento (TOSTES 2008
p10)
Entretanto ao revisitar a tradiccedilatildeo portuguesa o ministro natildeo pode deixar de reinventaacute-la
Natildeo haacute um elogio da colonizaccedilatildeo a ecircnfase recai na ldquodor dos afrodescendentesrdquo que a estudante
Priscila Braga Gonccedilalves identificou continuam natildeo sendo representados na exposiccedilatildeo do Museu
Histoacuterico Nacional
A apresentaccedilatildeo da exposiccedilatildeo comeccedila entatildeo com a cena marcada pela ambiguumlidade A
presenccedila fiacutesica de um afrodescendente que ocupa o cargo poliacutetico de ministro da Cultura de um
governo que denuncia a exclusatildeo social e promove poliacuteticas puacuteblicas de igualdade racial e
representaccedilatildeo de identidades na abertura de numa exposiccedilatildeo que lhe provoca ldquodorrdquo
Jaacute o presidente da Fundaccedilatildeo Colouste Gulbenkian patrocinadora da exposiccedilatildeo Emiacutelio
Rui Vilar ressalta que a exposiccedilatildeo
reuacutene mais 300 peccedilas e documentos ineacuteditos que constituem interessantes e apelativos
testemunhos capazes de transportar o visitante para a eacutepoca que o Rio de Janeiro se
tornou a sede da corte portuguesa e em que as artes europeacuteias entraram em frutuoso
diaacutelogo com o clima acolhedor e com as belas paisagens do Brasil (TOSTES 2008)
142
Em alguma medida esse caraacuteter documental e monumental da exposiccedilatildeo eacute reconhecido
pelos visitantes que tambeacutem descrevem a exposiccedilatildeo como um testemunho de eacutepoca Natildeo por ser
capaz de transportaacute-los para outra eacutepoca mas por estarem em presenccedila de objetos de outra eacutepoca
colocam-se e frente ao passado
Num primeiro momento encontramos uma exposiccedilatildeo muito bacana por sinal que nos
remete aos motivos que levaram a famiacutelia real a vir para o Brasil bem como os objetos
utilizados por ela tais como cadeiras louccedilas armaacuterios vasos buacutessolas etc o que vale a
pena destacar eacute como a exposiccedilatildeo estaacute temporalmente organizada Alguns importantes
momentos satildeo apresentados de forma luacutedica e atrativa (Frederico Levi Amorim
Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O entendimento de que a exposiccedilatildeo eacute uma produccedilatildeo cultural e uma forma de escrita da
histoacuteria tambeacutem aparece em diversos relatos dos visitantes ldquoA exposiccedilatildeo foi pensada de modo a
suscitar no visitante uma visatildeo ampla e criacutetica em relaccedilatildeo agrave histoacuteria e a formaccedilatildeo social brasileira
tirando tambeacutem um pouco daquela visatildeo de D Joatildeo como glutatildeo e bobordquo diz a estudante Marly
Marques Rodrigues
53- Ensinando histoacuteria ldquo200 anos da vinda da Famiacutelia Real para o Brasilrdquo
O Museu Histoacuterico Nacional produz tambeacutem um caderno educativo dirigido a crianccedilas e
jovens como parte da exposiccedilatildeo temporaacuteria Um Novo Mundo Um Novo Impeacuterio A Corte
Portuguesa no Brasil Nesse material o MHN interpela o puacuteblico em torno do tema das
comemoraccedilotildees dos 200 anos da vinda da Famiacutelia Real e cria diaacutelogos especiacuteficos na cultura entre
museu e visitantes
O que o Museu Histoacuterico Nacional apresenta eacute mais que uma simples exposiccedilatildeo
temporaacuteria sobre o tema O museu se coloca no lugar daquele que participa da criaccedilatildeo do proacuteprio
evento-comemoraccedilatildeo em torno da data O material educativo convoca um puacuteblico especiacutefico a
participar do calendaacuterio do bicentenaacuterio das ldquocomemoraccedilotildeesrdquo da vinda da Famiacutelia Real ao Rio de
Janeiro O MHN constroacutei o proacuteprio acontecimento agrave medida que configura uma narrativa
escolhendo textos imagens e a abordagem que conduz os sentidos para outros sujeitos provaacuteveis
visitantes O Museu indica claramente qual eacute o seu papel na disputa pelas memoacuterias e visotildees de
histoacuteria e como continua protagonizando os acontecimentos
143
O MNH elabora uma narrativa sobre a vinda da famiacutelia real a ser divulgada em um
material educativo para ensinar histoacuteria Cabe na anaacutelise desse material identificar algumas
tensotildees presentes nessa narrativa A primeira eacute identificar um sujeito jaacute inscrito no texto e uma
correspondecircncia imediata entre o que o museu supotildee ser um visitante ideal e aqueles que
efetivamente o visitam que natildeo estatildeo necessariamente em plena sintonia com o proposto pela
exposiccedilatildeo
Figura 35 Capa do Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo
mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008
Brasil-Portugal Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Esse tipo de material uma cartilha educativa tem por objetivo ampliar os significados do
evento-exposiccedilatildeo para um puacuteblico escolar enquadrando numa moldura o cenaacuterio os personagens
e as fontes que seratildeo oferecidos e criando referecircncias para os estudantes Haacute consequecircncias
poliacuteticas e sociais em termos dos referenciais histoacutericos expressos pelo museu e o grau de
legitimidade dessa seleccedilatildeo feita por esse produtor de cultura autorizado para escrever uma
histoacuteria nacional
Os conteuacutedos e temaacuteticas da cartilha pretendem ensinar histoacuteria Destacam-se
personagens histoacutericos datas e eventos poliacuteticos e administrativos proferidos num tom
144
transmissivo aos jovens estudantes O material possui cinquumlenta paacuteginas num formato de
pequeno caderno (cartilha) com imagens coloridas textos e atividades com espaccedilo para respostas
A capa eacute um desenho sem indicaccedilatildeo de autoria que mistura siacutembolos nacionais como o verde
amarelo bandeiras de Portugal e caravelas indicando a saiacuteda da corte da Europa sua passagem
por Salvador e chegada ao Rio de Janeiro A ligaccedilatildeo entre Portugal e Brasil tambeacutem se faz nas
legendas que associam a chegada da Corte a um novo mundo um novo impeacuterio e a permanecircncia
dessas ligaccedilotildees numa faixa abaixo do mapa escrita em vermelho ldquoPortugal 1808-2008 Brasilrdquo
A cartilha eacute orientada para um puacuteblico e as praacuteticas culturais que permeiam a elaboraccedilatildeo
desse artefato evidenciam o diaacutelogo entre o museu e o visitante tanto nos temas estruturas
narrativas valores culturais e hierarquias A anaacutelise do material produzido pelo museu considera
especificamente como ele constroacutei um puacuteblico um visitante atribuindo-lhe caracteriacutesticas de
idade e escolaridade articuladas agrave concepccedilatildeo sobre o que eacute um Museu Agrave medida que o Museu
dirige-se a um suposto vocecirc que visitou a exposiccedilatildeo e agora lecirc o material elaborado por sua
equipe ele fala fundamentalmente dele mesmo de suas concepccedilotildees de histoacuteria e de memoacuteria
O material educativo define a vinda da famiacutelia real como um evento histoacuterico
significativo e que deve ser comemorado Em seguida o Museu Histoacuterico Nacional como sujeito
de uma narrativa histoacuterica confere ao evento legitimidade e convida a reflexatildeo sobre o tipo de
narrativa que o museu pretende repercurtir e publicizar na exposiccedilatildeo
Haacute na estrutura narrativa do material educativo e no sistema de imagens uma
ldquoconvocaccedilatildeordquo ao visitante e uma indicaccedilatildeo de como deve visitar a exposiccedilatildeo Esta interpelaccedilatildeo
do puacuteblico indica uma posiccedilatildeo fiacutesica e um lugar social Haacute um destinataacuterio para o qual se oferece
ldquoconvidardquo a ver de um ponto de vista particular a construir conhecimentos em certa perspectiva
social e poliacutetica
Ao considerar o material pedagoacutegico produzido pelo MHN eacute possiacutevel mapear trecircs
dispositivos de construccedilatildeo da histoacuteria pelo museu o lugar do qual fala o museu o campo de
disputa sobre as concepccedilotildees de histoacuteria e memoacuteria e as opccedilotildees poliacuteticas e esteacuteticas do museu com
relaccedilatildeo ao campo museal e educacional No primeiro caso o Museu Histoacuterico Nacional
comparece como uma instituiccedilatildeo cultural e se posiciona como sujeito frente agraves comemoraccedilotildees
histoacutericas No segundo aponta no material pedagoacutegico em seu conteuacutedo e forma uma visatildeo
145
especiacutefica acerca da Histoacuteria elaborada dentro do campo museal Por fim se posiciona frente agraves
disputas e debates historiograacuteficos que emergem no campo educativo
O sentido atribuiacutedo agraves comemoraccedilotildees natildeo surge do proacuteprio material educativo mas da
forma como ele eacute apresentado pelas linguagens (escolhas dos produtores) e coacutedigos de
inteligibilidade Eacute nesse trabalho de fechamento e marcaccedilatildeo de fronteiras simboacutelicas entre museu
e visitantes que se definem tanto o que eacute o Museu Histoacuterico Nacional (unidade instaacutevel posiccedilatildeo
de poder praacuteticas de memoacuteria que nomeiam um lugar nacional e histoacuterico para regulaccedilatildeo da
cultura) quanto se configura um puacuteblico visitante que deve reiterar a norma e responder
positivamente agraves mensagens (exposiccedilotildees) regulando a si mesmo sua identidade e subjetividade
internalizando condutas normas regras e modos de ser e pensar sobre o que eacute a histoacuteria e a
memoacuteria
O processo de interpelaccedilatildeo de um personagem preferencial imaginaacuterio (vocecirc) se daacute a
partir de uma temaacutetica organizaccedilatildeo em subitens e atividades que propotildeem uma proximidade com
o visitante Ao mesmo tempo a arquitetura dessa organizaccedilatildeo implica por parte do Museu a
aposta em certos interesses e competecircncias do visitante supostamente uma crianccedila que frequumlente
regularmente a escola baacutesica que foi agrave exposiccedilatildeo com sua professora e colegas que possui uma
famiacutelia (pai matildee avoacutes) moradia fixa mobiliada com mesas e cadeiras e alimentaccedilatildeo adequada
Essas imagens a respeito de seu puacuteblico podem ser inferidas quando em diversas
atividades propostas pede-se que a suposta crianccedila faccedila uma ldquoaacutervore genealoacutegicardquo peccedila ajuda de
seus pais sua famiacutelia Escolhendo essa forma de se dirigir aos visitantes o MHN decide quem
inclui e quem exclui da definiccedilatildeo de puacuteblico e avalia para quem fala preferencialmente um
estudante e provavelmente seu professor que tambeacutem pode usar o material pedagoacutegico
encomendando-lhe o ldquoPara Casardquo endereccedilado pelo Museu
O material didaacutetico em questatildeo guarda relativa autonomia em relaccedilatildeo ao
eventocomemoraccedilatildeo e agraves demais exposiccedilotildees permanentes do Museu agrave medida que circula de
forma mais ampla e indica uma permanecircncia pelo seu formato impresso No entanto a concepccedilatildeo
de histoacuteria presente no material e na proacutepria exposiccedilatildeo75
aponta para uma narrativa que considera
o tempo da chegada da famiacutelia como um marco para o progresso e o prenuacutencio de uma nova
ordem poliacutetica ndash a independecircncia em 1822 ndash que fecha a exposiccedilatildeo Na uacuteltima parte do percurso a
75 Ver chamada no site do proacuteprio wwwmuseuhistoriconacionalcombr chamada para a Exposiccedilatildeo
146
estaacutetua de D Pedro I proclama (com aacuteudio) a Independecircncia do Brasil No caderno didaacutetico uma
fotomontagem reuacutene a estaacutetua de D Pedro I de Rodolfo Bernardelli pertencente ao acervo do
MNH com um balatildeo no qual em primeira pessoa a estaacutetua se diz herdeira do trono de Portugal e
grita ldquoIndependecircncia ou Morterdquo
O caderno indica eventos cujos sujeitos satildeo os membros da Famiacutelia Real Satildeo eles que
asseguram a continuidade com um passado colonial mas marcha rumo agrave histoacuteria nacional A
chave de explicaccedilatildeo histoacuterica eacute a relaccedilatildeo de dependecircncia entre colocircnia e metroacutepole que tambeacutem
aparece em outras exposiccedilotildees do Museu como a ldquoColonizaccedilatildeo e Dependecircnciardquo e ldquoMemoacuteria do
Estado Imperialrdquo76
A memoacuteria para o Museu Histoacuterico Nacional eacute um ldquodeverrdquo tornar presente
celebrar para um puacuteblico cuja idade e escolaridade natildeo identificam as variaacuteveis e os sentidos
manipulados por quem faz a exposiccedilatildeo A versatildeo da Histoacuteria oferecida aos visitantes pode ser
contestada mas o trabalho visual feito pelo Museu natildeo abre muito espaccedilo para interaccedilotildees com os
visitantes
O material dispensa um contanto fiacutesico com o professor o com os agentes do museu As
atividades propostas no material falam diretamente com um ldquoalunordquo dando-lhe instruccedilotildees tais
como desenhar pesquisar interpretar observar relacionar e escrever Os recursos graacuteficos e
visuais tambeacutem se apresentam como dispositivos de credibilidade e atribuiccedilatildeo de autenticidade
No caso do Museu isso eacute feito com referecircncia ao seu acervo embora natildeo indique muitas vezes
no material educativo a procedecircncia da imagem e nem faccedila referecircncias se elas estavam ou natildeo
na exposiccedilatildeo Ao apresentar algumas imagens especiacuteficas o material educativo busca o
reconhecimento de sua autenticidade e de sua raridade usando o fato de pertencerem ao acervo do
museu ou mesmo a uma importante coleccedilatildeo particular O MHN tambeacutem busca se aproximar do
visitante por meio do impacto visual ressaltando o formato as dimensotildees da pintura No material
impresso satildeo criados diversos recursos graacuteficos para facilitar a leitura Textos curtos que
dialogam com o leitor graacuteficos mapas e o uso de siacutembolos relacionados agrave monarquia portuguesa
e famiacutelia de Braganccedila como coroas leques bandeiras cartolas brasotildees que povoam as paacuteginas
do material educativo
No caso do material do MHN a exploraccedilatildeo de objetos bidimensionais (quadros
fotografias documentos escritos) e tridimensionais (esculturas mobiliaacuterio louccedilas moedas
76 Ver folder de divulgaccedilatildeo do MHN e site citado acima
147
brasotildees) presentes na Exposiccedilatildeo eacute obrigatoacuteria A relaccedilatildeo entre o texto e as imagens reproduzidas
e trabalhadas no material impresso natildeo podem ser pensadas dada a proacutepria finalidade dos objetos
museais de maneira apenas ilustrativa Aqui o Museu lanccedila matildeo de toda a discussatildeo sobre a
importacircncia de seu acervo para reforccedilar sua funccedilatildeo e seu lugar junto agraves instituiccedilotildees de memoacuteria
nacionais Ainda que nem todas as imagens sejam acompanhas das devidas referecircncias quanto agrave
procedecircncia (acervo) toda a iconografia proveniente do proacuteprio MHN estaacute devidamente
identificada e classificada O lugar de autoridade do Museu promove uma comparaccedilatildeo entre os
quadros de Geoff Haunt um especialista contemporacircneo em pinturas navais intitulado Chegada
da famiacutelia real em 7 de marccedilo de 1808 feito sob encomenda para Kenneth Light77
em 1999 A
outra reproduccedilatildeo eacute de Cacircndido Portinari Chegada de D Joatildeo agrave Bahia uma tela de 1952 A
terceira eacute a imagem de um Leque comemorativo da chegada da famiacutelia real da coleccedilatildeo Mariano
Procoacutepio
O exerciacutecio de leitura de imagem proposto pelo Material Educativo (Figura 36) considera
que a pintura a oacuteleo sobre tela de Haunt eacute uma ldquopintura histoacuterica documental em que o objetivo
eacute ser fiel como uma fotografia [] natildeo mostra uma interpretaccedilatildeo do artista como no caso da obra
de Portinarirdquo (Material Educativo 2008 p228-29)
77 Estudioso dos diaacuterios de bordo da marinha inglesa que acompanharam a vinda da corte portuguesa ao Brasil no
iniacutecio do seacuteculo XIX
148
Figura 36 Material Educativo da exposiccedilatildeo Um novo mundo um
novo impeacuterio A corte portuguesa no Brasil18082008 Brasil-
Portugal Museu Histoacuterico NacionalRio de Janeiro 2008
As trecircs obras destacadas pelo Material Educativo natildeo fazem parte do acervo do Museu
Histoacuterico Nacional A primeira pertence a um banco da Bahia a outra eacute parte do acervo do
Museu Mariano Procoacutepio de Juiz de Fora e a terceira eacute da coleccedilatildeo particular de Kenneth Light
O cataacutelogo da exposiccedilatildeo mais parece um inventaacuterio comentado e ilustrado Natildeo haacute
qualquer texto que discuta a concepccedilatildeo da proacutepria exposiccedilatildeo Eacute no caderno educativo que as
intenccedilotildees de ensino de Histoacuteria do Brasil ficam mais expliacutecitas
Resta explorar um pouco mais como os visitantes negociam com o museu essa visatildeo de
histoacuteria Frente agrave tentativa clara da exposiccedilatildeo de celebrar uma histoacuteria da naccedilatildeo e escrever a
histoacuteria poliacutetica e social expondo os testemunhos histoacutericos materiais que estavam descontiacutenuos
numa narrativa resta indagar como os visitantes se posicionam frente agrave visatildeo do museu e se
conseguem ou natildeo se contrapor a visatildeo da histoacuteria
149
Entender como os visitantes descrevem analisam interpretam e fundamentam uma
narrativa frente ao museu e suas exposiccedilotildees possibilita abordar as relaccedilotildees entre poliacuteticas e
poeacuteticas as relaccedilotildees com a memoacuteria o patrimocircnio e a histoacuteria nos usos educativos dos museus
pelos visitantes
54- O visitante entre a cultura material e a experiecircncia esteacutetica
Os relatos das visitas contribuem para reorganizar as recordaccedilotildees do acontecimento e
invocar uma memoacuteria do grupo de estudantes que ao produzir e selecionar as imagens
disponibilizadas pelo museu traz agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas que natildeo foram
registradas mas que sustentam a escrita e o conhecimento histoacuterico por eles elaborado
Mesmo uma visita guiada a uma exposiccedilatildeo e uma raacutepida passagem pelas vaacuterias
dependecircncias do Museu Histoacuterico Nacional deixa resiacuteduos entre os visitantes dessa experiecircncia
evanescente A visitante apresenta o que viu
[] por meio de uma visita guiada que nos deixou agrave vontade para apreciar toda a
exposiccedilatildeo que por si soacute nos permite interagir
Ela eacute dividida em nuacutecleos temaacuteticos ou seja separados por temas ou recortes
cronoloacutegicos
A exposiccedilatildeo conta com objetos e documentos de importantes instituiccedilotildees
puacuteblicas e particulares brasileiras e portuguesas muitos dos quais satildeo objetos ineacuteditos
Na visitaccedilatildeo tive a oportunidade de acompanhar desde a situaccedilatildeo na Europa
com as guerras napoleocircnicas que motivaram a vinda da Corte para o Brasil ateacute os
motivos que levaram agrave proclamaccedilatildeo da Independecircncia do Brasil pelo Imperador Pedro I
O nuacutecleo inicial aborda as conquistas de Napoleatildeo na Europa em especial na
peniacutensula Ibeacuterica seguidas de biografia dos personagens envolvidos no conflito- Napoleatildeo Carlos IV D Maria I e Jorge III Atraveacutes de acervo iconograacutefico cedido por
instituiccedilotildees portuguesas
O nuacutecleo seguinte aborda o embarque em Lisboa e as dificuldades enfrentadas
ao longo de 54 dias de travessia do Atlacircntico A chegada agrave Bahia em 22 de janeiro de
1808 estaacute representada pela monumental tela de Cacircndido Portinari bdquoA chegada de D
Joatildeo VI a Salvador‟ gentilmente cedida pelo Banco BBM SA e Associaccedilatildeo Comercial
da Bahia
A exposiccedilatildeo eacute imensa para apreciar todo o seu acervo seria necessaacuterio um dia
inteiro tempo que natildeo tiacutenhamos Poreacutem trata-se de um local que gostaria de prestigiar
se tiver a oportunidade de retornar a cidade do Rio de Janeiro
A organizaccedilatildeo do MHN aleacutem de seu grande acervo com exposiccedilotildees
permanentes e itinerantes utiliza projeccedilotildees aacuteudio visuais em 3D possibilitando uma nova interaccedilatildeo com as exposiccedilotildees que agradam todo o tipo de puacuteblico (Daniele Paulo
Marques Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo
2008)
150
O caraacuteter monumental da exposiccedilatildeo eacute somado aos objetivos didaacuteticos A montagem de
uma linha cronoloacutegica que vai da vinda de Dom Joatildeo VI agrave declaraccedilatildeo de independecircncia por Dom
Pedro I eacute remontada nos textos e fotografias como a abaixo (Figura 37)
Figura 37 AMORIM Frederico Levi Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro Curso de Histoacuteria 7ordm periacuteodo
Faculdade Pedro Leopoldo MG 2008
A visita ao Museu Histoacuterico Nacional realizou-se como um rito coletivo Teve um caraacuteter
performativo O museu jaacute era entendido pelos visitantes como um lugar puacuteblico de debate sobre a
histoacuteria e acreditavam que de certo modo estava mais autorizado do que o campo acadecircmico
(historiografia e faculdade) por trazer um enorme acervo cultural mas que natildeo deixa de causar
confusatildeo entre os visitantes Uma das visitantes cita que viu ldquofotosrdquo das filhas do casal real
utensiacutelios que serviram para a viagem pinturas cartas carimbos e ldquouma reacuteplica da sala de visitas
da Marquesa de Santosrdquo
151
Natildeo se sabe o que a levou a imaginar uma sala da Marquesa de Santos em meio agrave
exposiccedilatildeo sobre a vinda da famiacutelia real nem as chamadas fotografias Impressiona nesse caso a
capacidade de criar outro acervo para o museu em meio agrave descriccedilatildeo dos objetos que estavam em
exposiccedilatildeo
Para outros visitantes o Museu Histoacuterico Nacional eacute ldquograndioso muito bem montado e
agradaacutevel agrave visitaccedilatildeo puacuteblica com vaacuterias exposiccedilotildeesrdquo diz o visitante Fernando Daniel Fraga
Fonseca Jaacute a visitante Aline Conceiccedilatildeo Ferreira Gregoacuterio tambeacutem achou que ldquoo acervo eacute
enorme por isso a visita demanda bastante tempo Foi uma exposiccedilatildeo proveitosa poreacutem um
pouco cansativa devido ao tamanho do museurdquo
O museu estabelece no contato com o visitante uma rede de opiniotildees e um quadro de
diferentes reaccedilotildees frente agrave materialidade da praacutetica museal Cada museu possui uma narrativa
distinta e a anaacutelise que o puacuteblico faz da exposiccedilatildeo se inicia com a identificaccedilatildeo das marcas
emitidas por essa fala autorizada A interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelo puacuteblico no confronto entre as
promessas do ldquogecircnero museurdquo e expectativas dos visitantes
A parte que mais gostei foi o museu todo mas a que mais me prendeu a atenccedilatildeo foi a
parte onde se encontra os canhotildees pelo que pude contar contei 48 canhotildees E gostei
tambeacutem das pratarias e da parte da medicina tudo laacute eacute muito bonito e muito bem conservado (Claudilene Aparecida de Almeida Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico
Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
Outra visitante da exposiccedilatildeo tambeacutem inicia seu relato da visita ressaltando o caraacuteter de
documento-monumento do Museu Histoacuterico Nacional Eles destacam o seu acervo
Ali estaacute exposto todo um acervo muito bem preservado e identificado como carruagens
louccedilas pratarias armas objetos pessoais santos religiosos moacuteveis quadros entre outros
dando a oportunidade principalmente a noacutes historiadores de poder conhecer melhor todo
o contexto histoacuterico que cercou D Joatildeo VI e sua vinda com sua corte ao Brasil
entrelaccedilando a histoacuteria do Brasil e de Portugal (Fabiana Cristina dos Santos Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
O evento eacute memoraacutevel porque significa um marco na ldquoformaccedilatildeo do Estado nacional
brasileiro com o estabelecimento da sede do governo do mundo portuguecircs em terras tropicaisrdquo O
legado de D Joatildeo VI a ser apresentado na exposiccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de um ldquoImpeacuterio na Ameacutericardquo o
ldquopersonagem que entrelaccedilou para sempre as histoacuterias do Brasil e Portugalrdquo (BOTTREL 2008
p17) Esse ldquodestinordquo eacute a independecircncia assinalam os historiadores portugueses e brasileiros
152
Arno Wheling e Maria Joseacute Wehling que pintam os quadros historiograacuteficos um de 1808 e outro
de 1821 Propotildeem que entre uma data e a outra ocorreram mudanccedilas significativas e irreversiacuteveis
que levaram o Brasil a se distanciar de Portugal a ponto de se tornar independente ou formar
uma nova personalidade poliacutetica
Os visitantes se apresentam em suas fotografias como parte da exposiccedilatildeo e do acervo
(Figuras 38 e 39)
Figura 38 Montagem fotograacutefica de Frederico Amorim para visita agrave
Exposiccedilatildeo do Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 2008
Figura 39 BRAGA Fernando Daniel Visita ao Museu Nacional Rio
Janeiro 2008
153
A exposiccedilatildeo eacute vista como accedilatildeo de difusatildeo nos museus e ocupa contemporaneamente uma
funccedilatildeo ao lado das accedilotildees de pesquisa e preservaccedilatildeo antes vistas como prioritaacuterias A linguagem
visual eacute priorizada e assumida pelos visitantes que elaboram novas imagens e narrativas visuais
sob as formas apresentadas pelo museu O visitante coloca em circulaccedilatildeo a sua proacutepria imagem
como parte da exposiccedilatildeo exercitando sua habilidade analiacutetica e criando novas instacircncias de
produccedilatildeo de sentido na vida cultural diaacuteria
Natildeo haacute uma uacutenica forma de estabelecer a relaccedilatildeo entre visitantes e museus Tambeacutem natildeo
haacute a passagem imediata de um campo ao outro ou uma linguagem uacutenica que pertence ao museu e
outra do visitante Haacute um partilhamento dos coacutedigos simboacutelicos e a criaccedilatildeo de um espaccedilo cultural
de intercacircmbio A matriz cultural do museu eacute avaliada pelos visitantes Satildeo estabelecidas
diferenccedilas mas se institui um novo circuito de cultura
Essas praacuteticas exercitadas pelos visitantes nos museus implicam na ampliaccedilatildeo da
dimensatildeo de produccedilatildeo de conhecimento histoacuterico Mesmo entre os visitantes que ficam mais
proacuteximos dos sentidos apresentados pelo museu limitando-se a uma descriccedilatildeo da visita agravequeles
que buscam de forma mais abrangente inserir a narrativa do museu em um cenaacuterio poliacutetico
social cultural mais amplo satildeo sujeitos da produccedilatildeo de novos sentidos para o patrimocircnio
musealizado Satildeo sujeitos de uma nova narrativa agrave medida que buscam compreender como se daacute
a produccedilatildeo do conhecimento cultural e histoacuterico (RUSEN 2005 p192)
Ao selecionarem imagens e reescreverem informaccedilotildees sobre a exposiccedilatildeo os visitantes
demonstram habilidades de reordenar aspectos que lhes chamaram a atenccedilatildeo e passam a circular
em outro circuito para aleacutem do museu
154
Figura 40 Fernando Daniel Fraga Fonseca Fotografia Nuacutecleo 2- A
metroacutepole nos troacutepicos Exposiccedilatildeo Um Novo Mundo Um Novo
Impeacuterio A Corte Portuguesa no Brasil MHN 2008
A fotografia de Fernando Daniel Fraga Fonseca (Figura 40) eacute aparentemente um misteacuterio
Uma chave que pode solucionaacute-la eacute o conceito de circuito da cultura78
(HALL 1997 2003)
entendido como uma relaccedilatildeo complexa produzida e sustentada atraveacutes de movimentos distintos
mas interligados ou seja como praacuteticas conectadas de produccedilatildeo circulaccedilatildeo consumo regulaccedilatildeo
identidade e representaccedilatildeo que criam formas simboacutelicas e datildeo passagem simultaneamente a
outros movimentos de produccedilatildeo de sentidos
O visitante registra um texto escrito sobre um suporte afixado na parede como parte da
exposiccedilatildeo sobre a corte portuguesa no Brasil no Museu Histoacuterico Nacional O texto tem como
tiacutetulo O desembarque em Salvador que tambeacutem eacute o tiacutetulo de uma obra iconograacutefica exposta A
existecircncia do texto indica que o Museu Histoacuterico Nacional explica esse evento para seus
78 Em certa medida pode-se pensar tambeacutem no conceito de circularidade de culturas definido por Ginsburg
em contraponto ao termo mentalidade a partir de um recorte analiacutetico que considera as diferentes classes sociais e as
influecircncias reciacuteprocas entre a cultura subalterna e a cultura hegemocircnica que se movem de maneira circular
(GINSBURG 1987 p 13)
155
visitantes durante a exposiccedilatildeo Haacute a produccedilatildeo de um sentido que pretende ser fixado mas que
circula em outros suportes a pintura de Portinari e a fotografia do visitante
Nessa pesquisa tanto os museus visitados quanto seus visitantes instituem esses lugares de
significaccedilatildeo Museus e visitantes produzem um circuito histoacuterico e cultural e se posicionam
agenciam criam modos de endereccedilamento da cultura Entretanto na ideacuteia de circuito embora
estejam claros os produtos e os produtores natildeo haacute um sentido prioritaacuterio que desencadeia a accedilatildeo
cultural e portanto as ideias de ldquorecepccedilatildeordquo e ldquoapropriaccedilatildeordquo natildeo estatildeo colocadas ao fim de uma
cadeia de significaccedilatildeo O espectador ou visitante produz o sentido tanto quanto a instituiccedilatildeo que
pretende alojar a memoacuteria do evento com a exibiccedilatildeo puacuteblica de objetos
Acho esse trabalho de extrema relevacircncia para nosso curso e conveniente por causa das
discussotildees atuais O tema eacute muito atual e foi interessante visitar o Rio de Janeiro
justamente agora em que as comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da famiacutelia real
estatildeo acontecendo Para mim foi muito bacana ver outras instituiccedilotildees museoloacutegicas e
exposiccedilotildees de cunho histoacuterico e artiacutestico ateacute mesmo para identificar as diferentes
concepccedilotildees de museu Identificar a intenccedilatildeo da exposiccedilatildeo e o que ela pretende
contar[] Algumas exposiccedilotildees mostram o cotidiano no Brasil as relaccedilotildees e o papel dos
liacutederes e do povo isso tambeacutem eacute relevante As gravuras pinturas documentos objetos
instrumentos dialogam com as exposiccedilotildees no qual estatildeo inseridos e com o proacuteprio
leitor nos fazendo desenhar e nos relacionar muito claramente com o passado (Frederico
Levi Amorim Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro
Leopoldo 2008)
A exposiccedilatildeo enfoca muito a importacircncia da vinda da famiacutelia real para o nosso processo
de emancipaccedilatildeo poliacutetica de Portugal mas esquece de salientar que independentemente
da existecircncia desse episoacutedio ou natildeo nossa economia jaacute era mais forte que a dos lusitanos
nossa elite jaacute natildeo aguumlentava a exorbitante taxaccedilatildeo de impostos sobre nossa produccedilatildeo e
que as ideias de cunho liberal jaacute pairavam sobre nossos ares gerando vaacuterias revoltas por todo o nosso territoacuterio (Weberton Fernandes da Costa Relatoacuterio de visita ao Museu
Histoacuterico Nacional Faculdade Pedro Leopoldo 2008)
As visitas a museus permitem por em relaccedilatildeo o que Gruzinski (2001) chama de sistemas
culturais diferentes ou a questatildeo das fronteiras culturais e seus hibridismos O contato do visitante
com o museu pode ser pensado natildeo como um ldquocontratordquo mas uma confrontaccedilatildeo que destaca as
formas de temporalidade e historicidade natildeo contidas na noccedilatildeo de cultura europeacuteia e torna
possiacutevel a emergecircncia de um pensamento e praacuteticas inventivas e improvaacuteveis de hibridismo
(GRUZINSKI 2001 p157)
156
As fotografias selecionadas e apresentadas e os trechos dos relatos destacados apontam o
deslocamento realizado pelos visitantes ateacute a chegada ao Museu onde reinstalam o lugar do
visitante na cultura museal e desenvolvem um capiacutetulo da escrita da histoacuteria nos museus
O relato da visita como praacutetica de memoacuteria e histoacuteria se amplia em uma narrativa que
reorganiza as recordaccedilotildees do acontecimento e invoca uma memoacuteria do grupo de estudantes ao
selecionar as imagens e trazer agrave lembranccedila um conjunto de situaccedilotildees vividas e interpretadas
muitas natildeo registradas que sustentam uma rede de opiniotildees e formam diferentes quadros de
sentido Os estudantes fazem uma anaacutelise da exposiccedilatildeo praticando a museologia mesmo natildeo
tendo um treinamento especial e sistemaacutetico do ofiacutecio museoloacutegico percebem pensam e
praticam a museologia (CHAGAS 2003 p20) Elaboram um ldquopensamento musealrdquo
identificando marcas deixadas pelos quadros de referecircncia enunciados pelo museu A
interpretaccedilatildeo eacute constituiacuteda pelos visitantes no confronto com suas expectativas e as promessas
natildeo cumpridas pelo museu
Amplia-se a reflexatildeo sobre o processo de educaccedilatildeo poliacutetica e dos sentidos O debate
historiograacutefico recebe novos elementos das visotildees sobre o museu que se cruzam na cabeccedila dos
visitantes aquilo que os especialistas dizem sobre o museu aquilo que viram no Museu do
Escravo e aquilo que a escola lhes ensinou sobre a histoacuteria da escravidatildeo As disputas satildeo
evidenciadas Eacute necessaacuterio mobilizar conceitos e experiecircncias estabelecendo possibilidades e
limites da abordagem para elaborar narrativas sobre a visita
Pode-se afirmar que na elaboraccedilatildeo dos relatos das visitas emergem uma seacuterie de efeitos
formativos nos estudantes e professoresformadores As visitas desencadeiam perguntas sobre a
identidade verbalizam sentimentos pensamentos aspectos de suas experiecircncias sociais e
estimula a reflexibilidade Os relatoacuterios tambeacutem validam algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida
que operam com a traduccedilatildeo de concepccedilotildees simboacutelicas particulares e localizadas em uma
consciecircncia praacutetica e outra discursiva de caraacuteter mais amplo Tambeacutem permitem reconhecer e
dar visibilidade puacuteblica e social a realidades locais multiculturais e que contribuem para
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo
Ao apresentar de forma ampla o uso feito pelos visitantes da visita ao museu eacute possiacutevel ir
aleacutem da criacutetica aos museus e discutir como os visitantes interpretam propostas expositivas da
157
instituiccedilatildeo visitada em dialoacutego com a heranccedila cultural e as praacuteticas de preservaccedilatildeo da memoacuteria e
do poder Ou em outras palavras como elaboram frente agraves imagens que lhes satildeo apresentadas
uma nova escrita imageacutetica acrescentando criacuteticas e explicitando ambiguidades presentes na
produccedilatildeo do museu
158
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A escrita desta tese teve iniacutecio com a tentativa de encontrar um ldquolugarrdquo que comportasse o
registro de praacuteticas educativas perdidas em meio agraves preocupaccedilotildees em uma instituiccedilatildeo de ensino
superior que encerrava a oferta de cursos de licenciatura Os trabalhos escolares dos alunos em
sua maior parte eram considerados privados e natildeo seriam recolhidos ao arquivo escolar
O local mais provaacutevel das memoacuterias de estudantes e professores seria o esquecimento A
situaccedilatildeo dos documentos escolares laacute encontrados natildeo era muito diferente de outras instituiccedilotildees
educativas A preservaccedilatildeo se limitava a um conjunto de textos legais documentos oficiais
administrativos e pedagoacutegicos Pouco se arquivava dos testemunhos orais dos professores alunos
e funcionaacuterios A biblioteca recebia publicaccedilotildees relatoacuterios teacutecnicos de pesquisa e conclusatildeo de
curso
Estava posta uma crise de memoacuteria os relatos escritos e visuais de visita excediam em
volume e careciam de organizaccedilatildeo Restavam as tentativas de doaccedilatildeo ou descarte O museu ou o
lixo A primeira opccedilatildeo implicou em questionar se os museus visitados teriam algum interesse
nesse tipo de resposta de sua audiecircncia escolar Resolvi apostar no recolhimento dos rastros dar
tratamento aos fragmentos cotidianos da cultura escolar e apresentaacute-los publicamente
Sistematizar a produccedilatildeo dos estudantes e colocaacute-la em circulaccedilatildeo foi o principal
investimento dessa pesquisa A duacutevida era constante esse tipo de fonte documental seria capaz
de sustentar uma anaacutelise a respeito dos sentidos da memoacuteria da histoacuteria e dos museus na cultura
contemporacircnea Espero ter argumentado ao longo do texto que sim Os relatos dos estudantes
indicam que eles foram capazes de ampliar sua formaccedilatildeo histoacuterica ao visitar museus
O processo de pesquisa foi de compartilhamento e conviacutevio com as reflexotildees teoacutericas e
metodoloacutegicas no grupo Memoacuteria Aprendi a exercitar a escrita como condiccedilatildeo de memoacuteria
Cada leitura cada debate constituiu-se em novas aprendizagens vividas e sentidas Escrever e
apresentar resultados parciais tornou a pesquisa possiacutevel
A maior tensatildeo da pesquisa foi delimitar o proacuteprio campo da investigaccedilatildeo delinear as
presenccedilas (estudantes e museus) as concomitacircncias (diaacutelogos admitidos ou criticados na
bibliografia) e as ausecircncias (outras ligaccedilotildees possiacuteveis com a histoacuteria e a educaccedilatildeo)
A busca por criteacuterios e a seleccedilatildeo das situaccedilotildees educativas de visitas envolveu um longo
diaacutelogo com ldquopalavras e coisasrdquo autores e praacuteticas Um jogo de conceitos emaranhados ao
159
mesmo tempo superpostos ndash diversos e abrangentes ndash e lacunares dispersos em livros textos e
instrumentos de sistematizaccedilatildeo de dados
Assim para descrever e avaliar a praacutetica de formaccedilatildeo evitei me referir a um sistema de
interpretaccedilatildeo ou traduccedilatildeo exterior (um horizonte idealizado ou seu suposto inverso uma
abstraccedilatildeo advinda da empiria) Propus-me a mobilizar conceitos disponiacuteveis e discordantes
principalmente de memoacuteria e histoacuteria que circulam ao niacutevel das minhas proacuteprias praacuteticas
apostando em sua emergecircncia a partir de quem falava e das posiccedilotildees dos sujeitos (estudantes) e
dos lugares institucionais (escolas e museus)
O maior desafio para a conclusatildeo desse projeto decorreu da opccedilatildeo que o motivou
inicialmente analisar as situaccedilotildees educativas de visitas a museus a partir da loacutegica da proacutepria
experiecircncia pedagoacutegica Natildeo houve um movimento externo de observaccedilatildeo mas um interesse ou
desejo de saber que veio da aproximaccedilatildeo entre o sujeito que se colocava na condiccedilatildeo de
pesquisador mas estava proacuteximo ao ldquoobjetordquo investigado
Os visitantes considerados na pesquisa natildeo se apresentam como um grupo representativo
segundo criteacuterios socioloacutegicos ou estatiacutesticos como acontece nos estudos de recepccedilatildeo que
avaliam efeitos provocados em determinada audiecircncia Os estudantes na condiccedilatildeo de visitantes
esboccedilam hipoacuteteses difusas acerca do que ocorre durante uma visita escolar Um mesmo visitante
utiliza estrateacutegias diferentes ao longo de sua trajetoacuteria escolar para traccedilar paralelos entre sua vida
e de um personagem histoacuterico Suas atitudes informadas ou desinformadas irocircnicas ou
conformistas dizem mais da criaccedilatildeo de uma cultura comum uma experiecircncia simultaneamente
implicada e distante da cultura predominante nas escolas e museus
A materialidade das praacuteticas de visita surgiu do trabalho com os relatos escritos e visuais
Na leitura dos relatos as operaccedilotildees de narrar proacuteprias da vida praacutetica foram se constituindo
como fundamento e pressuposto do conhecimento histoacuterico escrito por professores e estudantes
A anaacutelise das praacuteticas de visita combinou reflexotildees teoacutericas historiograacuteficas e empiacutericas
Textos imagens e oralidade num mesmo quadro analiacutetico Destaco que tanto as reflexotildees
teoacutericas e historiograacuteficas quando o quadro empiacuterico foram tentativas de abordagem diaacutelogos
recortes possiacuteveis e natildeo implicam na concordacircncia com todos os argumentos dos autores citados
ou um aprofundamento da reflexatildeo sobre cada fonte em particular Procurei explorar de cada obra
160
argumentos ou linhas de interpretaccedilatildeo que interessavam no estudo do tema do visitante de
museus
As fotografias tomaram ao longo da pesquisa uma centralidade maior A anaacutelise do
conteuacutedo dos materiais visuais seu uso durante as visitas e sua circulaccedilatildeo posterior constituiu-se
em um conhecimento experiencial da proacutepria visita As fotografias satildeo relatos visuais construiacutedos
com possibilidades de reproduccedilatildeo e propriedades materiais que influenciam na forma de leitura
de seus conteuacutedos Nas fotografias a visita oscila entre uma viagem de estudo e de turismo Os
estudantes trazem imagens de lugarespaisagens e objetos (sem pessoas) pessoas em
lugarescenaacuteriosobjetos e poucas com pessoas isoladas de cenaacuterios Quando confrontadas agraves
imagens produzidas pelos museus em cataacutelogos e materiais de divulgaccedilatildeo o cenaacuterio eacute destacado
sem a presenccedila de pessoas os objetos satildeo apresentados isolados sem a encenaccedilatildeo da exposiccedilatildeo
Nessa pesquisa selecionei fotografias-chave (amostras) de um quadro mais amplo de
originais Os objetivos dos fotoacutegrafos eram documentar a viagem nem sempre com a finalidade
de exibir as imagens Os relatos entregues para avaliaccedilatildeo trazem um primeiro corte feito pelos
seus produtores diretos os estudantes Era preciso imprimir os arquivos digitais Os viacutedeos e as
repeticcedilotildees satildeo deixados de lado As imagens armazenadas pelos estudantes tambeacutem eram
produzidas com a finalidade de exibiccedilatildeo para familiares e para compor um aacutelbum pessoal As
imagens impressas satildeo utilizadas e socializadas entre o grupo e se repetem em vaacuterios relatoacuterios de
visita A circulaccedilatildeo das imagens dado o seu suporte digital motiva a colaboraccedilatildeo e daacute iniacutecio a
uma narrativa com exerciacutecios de exploraccedilatildeo e descoberta
As fotografias trazem para a pesquisa uma dupla dimensatildeo Eacute marcante seu caraacuteter
documental mas elas natildeo permitem afirmaccedilotildees generalizantes Apresentam eventos especiacuteficos e
a anaacutelise depende das condiccedilotildees de produccedilatildeo e natildeo apenas da narrativa e do conteuacutedo
apresentado A produccedilatildeo das fotografias envolve negociaccedilotildees entre o criador da imagem e as
circunstacircncias sociais e teacutecnicas de produccedilatildeo (autorizaccedilatildeo iluminaccedilatildeo composiccedilatildeo)
Na pesquisa as fotografias tiveram uma primeira entrada com valor documental (dado
visual) que as considera como ato de criaccedilatildeo de um fotoacutegrafo e eacute resultado de condiccedilotildees
especiacuteficas de produccedilatildeo Em quadro mais complexo que esse primeiro de produccedilatildeo das imagens
estaacute a ediccedilatildeo ou os criteacuterios de seleccedilatildeo da pesquisa que reinscrevem as fotografias numa nova
coleccedilatildeo junto a outras que tambeacutem aderem ao plano da anaacutelise
161
As fotografias vieram ao encontro da necessidade de narrar e trazem as intenccedilotildees de
presenccedila como parte da accedilatildeo dos visitantes que se apresentam como o principal conteuacutedo das
imagens Nas fotografias dos visitantes eles compotildeem uma narrativa na qual utilizam os edifiacutecios
e objetos dos museus como um cenaacuterio (enquadramento da accedilatildeo) uma narrativa em que eles
visitantes satildeo os sujeitos Haacute nas fotografias uma biografia uma auto-representaccedilatildeo de si e do
grupo O registro fotograacutefico externaliza aspectos natildeo visiacuteveis e gera conhecimentos sobre as
visitas e visitantes Longe do local de produccedilatildeo as imagens satildeo reelaboradas pela pesquisa com o
propoacutesito de circulaccedilatildeo mais ampla natildeo com o propoacutesito de identificar indiviacuteduos especiacuteficos
mas de projetar mais longe o olhar dos visitantes
As fotografias dos visitantes selecionadas pela pesquisa trazem essa dimensatildeo da
presenccedila Os estudantes se posicionam ao lado direito e esquerdo da escultura do escravo do
tronco abraccedilam Dom Joatildeo VI montam e desmontam as exposiccedilotildees visitadas com criteacuterios de
relevacircncia pessoal Trazem sedimentos das heranccedilas culturais como o ldquoimaginaacuterio do troncordquo que
circunda conceitos de escravidatildeo Colocam clivagens historiograacuteficas como o cotidiano e a vida
privada em museus marcados por exposiccedilotildees de vieacutes poliacutetico e nacionalista
Os referentes oferecidos pelos museus satildeo partilhados ou confrontados Nascem nos
relatos hiacutebridos ediccedilotildees coleccedilotildees em novos formatos Nos museus visitados os estudantes
fotografam o espaccedilo organizado os iacutecones do acervo (pinturas esculturas) e os artefatos da
museologia (desenhos projeccedilotildees e cenaacuterios) Haacute um museu concreto e um museu imaginado
ambos reconstruiacutedos pelos visitantes O visitante faz o uso do museu durante a visita e recria o
lugar dando-lhe outras dimensotildees espaciais
A anaacutelise das visitas ao Museu do Escravo e Museu Histoacuterico Nacional pode ser
entendida como um movimento de circulaccedilatildeo entre o momento efetivo da praacutetica pedagoacutegica e de
formaccedilatildeo e o momento de reflexatildeo na leitura dos relatos jaacute constituiacutedos indicando a construccedilatildeo
de sensibilidades que envolvem todo trabalho com a cultura e uma orientaccedilatildeo para a vida praacutetica
daqueles implicados na dinacircmica das visitas A experiecircncia de visita possui junto a sua dimensatildeo
praacutetica uma qualidade esteacutetica dada natildeo pelo resultado final mas pelo movimentotranscurso da
accedilatildeo Eacute um agir e padecer frente agraves coisas fiacutesicas e imaginadas Une eventos e objetos numa
relaccedilatildeo muacutetua de extensatildeo e profundidade As visitas a museus geram conhecimentos e narrativas
agrave medida que permitem uma aprendizagem pela observaccedilatildeo e pela proacutepria experiecircncia
162
O Museu Histoacuterico Nacional transcende as barreiras do tempo e traz uma loacutegica
museoloacutegica ainda proacutexima do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (IHGB) marcada pela
exaltaccedilatildeo dos feitos grandiosos nas esferas militar e poliacutetica e com pouco interesse pelo
cotidiano O museu resiste ao tempo presente Mas os visitantes natildeo fazem essa leitura e se
colocam na praacutetica de sua atualizaccedilatildeo Representam a si mesmos na exposiccedilatildeo e se apropriam de
seu acervo num arquivo fotograacutefico
No Museu do Escravo ocorre algo semelhante Se eacute legiacutetimo destacar que as praacuteticas de
colecionismo e a exposiccedilatildeo do museu alimentam preconceitos raciais e estereoacutetipos os visitantes
natildeo apenas fizeram a criacutetica dessas praacuteticas como redefiniram eles mesmos a coleccedilatildeo de objetos
curiosos Mais uma vez remontaram o acervo nas suas narrativas escritas e visuais
O procedimento de leitura das exposiccedilotildees que implica em montagem e desmontagem de
coleccedilotildees foi experimentado pelos estudantes no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto ou seja numa
visita a museus O conteuacutedo de uma exposiccedilatildeo tambeacutem eacute utilizado para analisar outras Os
museus satildeo comparados entre si Os criteacuterios satildeo internos (museus) e natildeo externos (escola
historiografia)
O tipo de argumento predominante nas narrativas natildeo vem diretamente de leituras ou
discussotildees teoacutericas embora elas sejam utilizadas como no caso da escravidatildeo Os argumentos
produzidos nas narrativas satildeo configurados na proacutepria experiecircncia que oscila entre ldquoefeitos de
presenccedilardquo por estar dentro do museu ver a exposiccedilatildeo e ldquoefeitos de sentidordquo (o que leu estudou
sobre escravidatildeo histoacuteria do Brasil)
Pode-se concluir que as visitas trouxeram uma seacuterie de efeitos formativos para os
estudantes-visitantes Desencadearam afirmaccedilotildees sobre a identidade profissional verbalizaram
sentimentos e pensamentos sobre o pertencimento cultural ao tempo presente e estimularam a
reflexividade sobre o exerciacutecio da escrita da histoacuteria em museus Os relatoacuterios tambeacutem validaram
algumas construccedilotildees teoacutericas agrave medida que operavam uma ponte entre as concepccedilotildees particulares
e localizadas elaboradas em reaccedilatildeo quase imediata ao contato com o patrimocircnio musealizado e
outra dimensatildeo teoacuterica mais ampla acionada pela leitura e seleccedilatildeo de trechos que recebiam um
novo formato com a pesquisa
Os relatos criaram condiccedilotildees de reconhecimento visibilidade puacuteblica e social a realidades
locais como eacute caso do Museu do Escravo em Belo Vale Minas Gerais Colaboram tambeacutem para
163
contrariar formas hegemocircnicas de produccedilatildeo de conhecimento jaacute instituiacutedas e institucionalizadas
nas rotinas de formaccedilatildeo A visita ensina que os museus satildeo espaccedilos puacuteblicos onde satildeo
construiacutedas diferentes formas de ver a sociedade e nesse aspecto ajudam a tornar visiacuteveis as
temporalidades
As visitas se apresentam como uma praacutetica de coletar e a nova coleccedilatildeo passa a circular de
maneira tambeacutem inovadora frente ao acervo dos museus Os relatos integram elementos orais
textuais e visuais em um conjunto que dialoga com os valores e significados da cultura dos
museus e da cultura escolar Os visitantes fazem um uso praacutetico dos museus e da historiografia
para elaborar um conhecimento histoacuterico que utiliza novas formas de seleccedilatildeo e organizaccedilatildeo da
memoacuteria
Para ser coerente com o tema tentei apresentar a pesquisa de um modo mais narrativo
menos cronoloacutegico que contasse a histoacuteria dos sujeitos da pesquisa Uma ldquomanufaturardquo que
pudesse se contrapor aos ldquoprodutoresrdquo institucionalizados nos museus e oacutergatildeos de pesquisa
Talvez tenha encontrado ao final uma soluccedilatildeo para a impressatildeo dos visitantes que me
intrigou durante quatro anos Quando saem do museu saiacuteram de uma sala de aula As visitas satildeo
viagens ao interior mas levam para aleacutem dos horizontes fazem experimentar sentimentos de
turista viajante estudante historiadores natildeo importa Satildeo uma viagem pelo espaccedilo (museu) mas
por pouco tempo deve-se manter a cabeccedila no lugar (sala de aula)
A tentativa de entender o visitante como um ldquoespectador emancipadordquo como um viajante
que carrega sua proacutepria bagagem seus emblemas de pertencimento cultural agrave profissatildeo docente e
inclui suas observaccedilotildees sobre os territoacuterios oficiais da memoacuteria implica em considerar que a
exclusatildeo cultural existe de fato e a reivindicaccedilatildeo ao direito de participaccedilatildeo na gestatildeo cultural
implica em afirmar e reconhecer espaccedilos como os dos museus como ldquocasas de pertencimentordquo e
de ldquopresenccedilardquo do visitante
Os visitantes em questatildeo satildeo a expressatildeo desse direito agrave participaccedilatildeo cultural Num
primeiro momento se coloca ainda como um estrangeiro um estudante que faz sua primeira visita
ao museu mas que a partir desse primeiro encontro recebe uma espeacutecie de ldquosenhardquo que lhe
permite adentrar esse mundo dos museus Ser visitante afeta seu desejo no acircmbito da cultura
afeta sua formaccedilatildeo histoacuteria Suas narrativas de visita apontam esses deslocamentos novas
praacuteticas e roteiros de formaccedilatildeo acadecircmica e profissional
165
DOCUMENTOS
1- Registros de estudantes das atividades de visita a museus
FIPEL ndash FACUDADES INTEGRADAS DE PEDRO LEOPOLDO Instituto Superior de
Educaccedilatildeo de Pedro Leopoldo Relatoacuterios de visita ao Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto 2ordm
periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2005
______ Relatoacuterio siacutentese do Trabalho de Campo Visita a Belo Vale - MG Museu do
Escravo e Fazenda Boa Esperanccedila 4ordm periacuteodo Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2006
______ Relatoacuterio de visita ao Museu Histoacuterico Nacional Rio de Janeiro 7ordm periacuteodo Curso
de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2008
_______ Relatoacuterios individuais de visita ao Museu Imperial de Petroacutepolis nos anos 2001
2005 2004 e 2007 Curso de Histoacuteria Pedro Leopoldo MG 2007
_______ Relatoacuterio final de Estaacutegio Supervisionado Projeto de integraccedilatildeo Museu- Escola
Visita de alunos do Ensino Meacutedio ao Museu Abiacutelio Barreto-BH Curso de Histoacuteria Pedro
Leopoldo 2000
Roteiro de Pesquisa para os Formadores Enviado para os professores que participaram do
trabalho de campo no Rio de Janeiro com a turma do 7ordm periacuteodo e outros 2008
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo
ao Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo com 9 alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria
ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG Feito com a ajuda da professora Cristiane Almeida (assistiu e
tomou notas) Total 7 paacuteginas
Entrevistas monitores-estagiaacuterios na exposiccedilatildeo ldquoFamiacutelia Ferrez novas revelaccedilotildees no Museu de
Artes e Ofiacutecios Belo Horizonte 2008
Diaacuterio de campo Observaccedilatildeo das visitas de trecircs escolas baacutesicas ao Museu de Artes e Ofiacutecios
Belo Horizonte 2008
166
2- Documentos das instituiccedilotildees visitadas
MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL - RJ
MUSEU Histoacuterico Nacional Um novo mundo um novo impeacuterio A corte portuguesa no
Brasil18082008 Brasil-Portugal Setor Educativo 50 paacuteginas 2008
______ Guia do Visitante Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura Rio de Janeiro 1957 36p
______ Informes do setor educativo Impresso 4 paacuteginas
______ Revista Didaacutetica da Exposiccedilatildeo Itinerante 28 paacuteginas 2005
______ Folheto de apresentaccedilatildeo do acervo e das exposiccedilotildees sd
______ Conhecendo o Museu Histoacuterico Nacional sd
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1808-1822 Cataacutelogo da exposiccedilatildeo Curadora Vera Luacutecia Bottrel Tostes curadoria adjunta Lia
Silva Peres Fernandes Rio de Janeiro Museu Histoacuterico Nacional 2008 192p
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ANEXOS
Anexo A- Roteiro de coleta de dados estudantes de licenciatura em Histoacuteria 2008
Total de questionaacuterios respondidosdevolvidos 17 estudantes
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS- UNICAMP
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO ndash DOUTORADO
ALUNA Elizabeth Seabra ORIENTADORA Dra Ernesta Zamboni
Roteiro de pesquisa ldquoAccedilatildeo educativa em museus e formaccedilatildeo docenterdquo
Observaccedilatildeo vocecirc poderaacute marcar mais de uma alternativa ou numeraacute-las de acordo com suas preferecircncias
Parte I-
1-Sexo Masculino ___ Feminino ______ Idade _______anos
2-Exerce atividade profissional remunerada Sim _____Natildeo____
Qual (com precisatildeo)_____________________________
3-Lugar de residecircncia (cidadebairro) ______________________
4-Quantos anos de escolaridade (contando da escola infantil ateacute a atual) _________
5-Costuma praticar alguma atividade recreativa Sim ____ Natildeo _____
Qual_________________
6-Indique aproximadamente em que faixa se situa a renda de sua famiacutelia em Salaacuterios Miacutenimos (e
natildeo apenas do chefe de famiacutelia)
1 a 3 SM ____4 a 6 SM ___7 a 9 SM ____mais de 10 SM ____
Parte II-
7-Vocecirc iraacute visitar um MuseuExposiccedilatildeo
1ordf Vez ____ 2ordf Vez_____ 3ordf Vez _____ 4ordf Vez ____ Acima de 4 vezes _____
8-Quando ouve ou lecirc a palavra MUSEU o que lhe vecircm agrave mente Diga trecircs palavras que vocecirc
associa a museu
1-________________ 2-____________________ 3- _______________
9-Diga trecircs coisas que tem em um museu
1- ________________2-__________________3 - ________________
10-Se vocecirc iraacute visitar pela primeira vez um museuexposiccedilatildeo nova sua ideacuteia eacute ver
1- ____Natildeo tem ideacuteia do que encontraraacute
2- ____O proacuteprio museu 3- ____As exposiccedilotildees especiacuteficas daquele museu
4- ____Participar de atividades culturais (cursos apresentaccedilotildees musicais)
189
Parte III-
11-Quando visitou pela primeira vez um museu
1- Com que idade (aproximadamente)_______
2- Com quem ________________________
3- Em que museu _____________________
4- Em que ocasiatildeo turismo ____ visita familiar____ visita escolar ____ Outros ___
5- Indicar qual________________
12-O que o levou a visitar museusexposiccedilotildees
_____1- Uma visita organizada pela escola
_____2- Recomendaccedilatildeo de algueacutem
_____3- Para acompanhar filhosfamiliaresamigosnamorados _____4- porque tem o costume e interesse em visitar museusexposiccedilotildees
_____5- Outras razotildees (indicar com precisatildeo)_____________________
13-Considerando os uacuteltimos trecircs anos vocecirc foi a museus
1- soacute______ 2- com os filhosfamiacutelia _____ 3- com amigos______
4- com um grupo organizado_______
14-Se jaacute entrou mais de 4 vezes em um museu queira indicar os trecircs uacuteltimos museus que visitou
1 ___________________2___________________3__________________
15-Nos museus visitados o que mais lhe agradou
____ 1-O passeiolazer como um todo
____2- A infra-estrutura o atendimento e serviccedilos de apoio
____ 3- Obras de arte objetos nunca vistos anteriormente
____4- Conteuacutedo e organizaccedilatildeo das exposiccedilotildees
____5- Nada agradou
____ 6- Outros ______________
16-Quais foram as dificuldades encontradas para realizaccedilatildeo das visitas a museus
____ 1- Natildeo acolhimento (funcionaacuterios monitores guias)
____ 2-Custo da visita (ingressodeslocamento)
____ 3- Ritmo da visita e conduccedilatildeo dos monitores
____4- Desconhecimento do tipo de acervo especiacutefico ____5- Dificuldade de acompanhar por falta de informaccedilotildees preacutevias
17-Durante as visitas a museus vocecirc
___1- Sente-se confortaacutevel ___ 2-Amplia seus horizontes de conhecimentos
___3-Interessa-se pelos assuntosexposiccedilotildees ___4- Diverte-se
___ 5-Sente-se desconfortaacutevel apreensivo ___ 6- Outros _____________________
18-Quais as impressotildees vocecirc tem quando sai de um museu
____ 1-Saiu de uma igreja ____ 2-Saiu de uma biblioteca
____ 3-Saiu de um shopping Center ____ 4-Saiu de uma sala de aula
____ 5-Saiu de uma sala de espera ____ 6- Outras imagens Quais _____________________
Parte IV
Deseja continuar colaborando com a pesquisa Sim ( ) Natildeo ( ) Em caso positivo por favor indique
Nome ___________________________
Telefone para contato ________________ e-mail ____________________________
190
Anexo B- Perfil dos visitantes
Graacuteficos elaborados a partir dos questionaacuterios acima Total de 17 estudantes Natildeo foram
elaboradas porcentagens
Graacutefico 1- Ocasiatildeo da visita ao museu
Visita escolar 16 visita familiar 2 turismo 1 outros 1
Graacutefico 2- Com quem visitou o museu a primeira vez
Escola 16 professora da faculdade 4 colegas da faculdade2 pais 2 grupo escolar 1viagem
m famiacutelia 1
191
Graacutefico 3- Com quem foi ao museu nos uacuteltimos anos
Graacutefico 4- Quantas vezes visitou museus
192
Graacutefico 5- Trecircs uacuteltimos museus visitados
Graacutefico 6- Primeira coisa a ver em um museu
193
Graacutefico 7- Como se sente durante a visita
Graacutefico 8 - Palavras associadas a museu
194
Graacutefico 9 - Coisas que tem em museus
Graacutefico 10- O que mais agradou nos museus
195
Graacutefico 11- Impressatildeo quando sai do museu
196
Anexo C
Transcriccedilatildeo fita Grupo Focal ndash gravada em 30042008 quarta-feira - antes do trabalho de campo no
Rio de Janeiro- Faculdade de Pedro Leopoldo Participantes Weberton Warleson Aline Tiago Fabiana Frederico Daniele Fernando Claudilene ndash
alunos do 7ordm Periacuteodo ndash Curso de Histoacuteria ndashFaculdades Pedro Leopoldo-MG
Elizabeth Seabra e Cristiane Almeida (assistiu e tomou notas)
Elizabeth ndash EacuteEu jaacute falei na sala dessa teacutecnica do grupo focal e a gente vai trabalhar mais ou menos uma
hora uma hora e pouco e a ideacuteia eacute que cada um procure expressar de forma mais livre se isso eacute possiacutevel em grupo
as opiniotildees conceitos as impressotildees o que achar mais adequadoa gente grava e depois transcreve A gente vai
tratar basicamente de trecircs pontos de natildeo der natildeo for possiacutevel aiacute a gente vecirc se estaacute excedendo muito a gente trata soacute
de dois temas Primeiro eu queria que vocecirc fizessem uma apresentaccedilatildeo falando o que vocecircs acham que deve ser
registrado neacute a respeito da identidade da forma que vocecircs preferirem e jaacute falassem nesse primeiro ponto um pouco
de como eacute que vocecircs vecircem esse trabalho que a gente faz com visitas a campo visitas a museus que aspectos que
detalhes vocecircs destacam desse tipo de trabalho Entatildeo jaacute na apresentaccedilatildeo de forma raacutepida ir pensando nos trabalhos passados o que destacariam falariam dessas visitas esse eacute o primeiro ponto A gente faz uma primeira rodada falando
todo mundo a gente encerrada esse ponto Passa para outro e faz uma segunda rodada Pode ser Entatildeo taacute Eu posso
me apresentarvocecircs me ajudam neacute Eu estou aqui hoje como pesquisadora dessa temaacutetica mas claro as coisas natildeo
se separam sou algueacutem que jaacute vem trabalhando nos uacuteltimos trecircs quatro anos com essa turma as visitas meu nome eacute
Elizabeth
(dificuldade de comeccedilar) hesitaccedilotildees quem comeccedila a falar
Meu nome eacute Weberton estudo na Faculdade de Pedro Leopoldo Bem a respeito de visitas a museus
trabalhos de campo visitas a cidades histoacutericas ()a medida que vocecirc amplia seus horizontes faz vocecirc ter uma outra
visatildeo vocecirc contrasta passa ver na praacutetica o que viu na teoria uma metodologia diferente ver eacute isso
Elizabeth Obrigada natildeo precisa preocupar com o gravador natildeo
Meu nome eacute Warleson eu acho que essas visitas a museus cidades histoacutericas igual o Betatildeo falou o
Weberton falou que amplia os horizontes eu acho tambeacutem que natildeo existe um curso de Histoacuteria ou entatildeo um outro curso de licenciatura sem essas visitas teacutecnicas por que acho que ajuda a gente a compreender melhor a mateacuteria que
a gente estaacute estudando natildeo soacute na teoria mas a gente ta vivenciando ela tambeacutem na praacutetica A mesma coisa eacute como se
a gente tivesse dando aula A gente aprende mais tambeacutem para ta colocando essas visitas essas viagens quando a
gente tiver na sala de aula
Aline Eacute praacute mim o interessante dessas visitas a campo eacute que querendo ou natildeo a sala de aula eacute um espaccedilo
fechado as vezes fica assim cansativo vocecirc acaba natildeo entendendo neacute eacute entende mas natildeo tem aquela visatildeo assim
mais ampla e aiacute vocecirc tendo aquele contato com os locais assim como se diz os objetos histoacutericos eu acho assim
que daacute praacute gente um entendimento melhor Minha opiniatildeo eacute essa natildeo sei eacute para todo mundo pra mim o
entendimento da histoacuteria fica mais faacutecil
Meu nome eacute Tiago eacute no meu entender as visitas aos museus contribuem sim com o nossa aprendizagem
parafrasendo o Warleson em certa medida nos daacute a condiccedilatildeo de sair um pouco da teoria e cair um pouco mais na praacutetica se eu posso dizer assim a gente tem o contato com uma determinada realidade Pra vocecirc trabalhar histoacuteria
noacutes trabalhamos com coisas muito abstratas neacute agrave medida que vocecirc chega num museu e tem contato com
determinadas obras aquilo ali pode te remeter um pouco a respeito daquele determinado periacuteodo e entatildeo eacute por isso eacute
muito importante
Meu nome eacute Fabiana aleacutem de ser como aprendizado tambeacutem eacute uma forma de se entender esse conceito
essa ideacuteia de memoacuteria de se preservar o patrimocircnio a importacircncia que eacute alem de ser acho que eacute isso O estaacutegio
que a gente ta fazendo antes a gente tinha uma visatildeo muito limitada quando vocecirc ta dentro vocecirc comeccedila a entender
como eacute que eacute e o trabalho de campo te abre para isso tambeacutem
Frederico Eu acho que quando a gente tem essa oportunidade na Faculdade de ta realizando esse trabalho
de campo ele vem assim de uma forma a gente reconhecer o valor desses espaccedilos pra gente tambeacutem ta trabalhando
ta utilizando esses espaccedilos na escola que uma coisa que a gente vecirc que as escolas ateacute utilizam esses espaccedilos de
memoacuteria mas natildeo utilizam da maneira correta neacute e isso possibilita pra gente ta reconhecendo esses espaccedilos e taacute aprendendo como a gente pode ta utilizando esses espaccedilos a partir da sala de aula e ta reforccedilando essa parceria da
escola com o museu com espaccedilos de memoacuteria e colocando a questatildeo da memoacuteria da educaccedilatildeo patrimonial da
valorizaccedilatildeo neacute do patrimocircnio
197
Meu nome eacute Daniele eu acho fundamental especificamente num curso de licenciatura enfocando na aacuterea da
histoacuteria vocecirc ter esse diaacutelogo com a questatildeo que eacute falada dentro da Faculdade a questatildeo dos conceitos da histoacuteria
das mudanccedilas e permanecircncias e a ida a campo te possibilita infinitas reflexotildees sobre as questotildees que satildeo
confrontadas dentro da sala de aula E o fundamental natildeo soacute a questatildeo de ver a histoacuteria como abstrato mas muito
mais que isso eacute dar uma nova interpretaccedilatildeo quando vocecirc vai agrave campo Entatildeo abre os horizontes agrave medida que vocecirc
pode confrontar vaacuterias visotildees levando em conta o contexto vaacuterias fontes tambeacutem
Meu nome eacute Fernando Eu tambeacutem acho interessante essa ida a campo porque busca um maior
entendimento daquilo que vocecirc vecirc apenas no papel no texto Quando vocecirc vai a um local a um patrimocircnio histoacuterico
a um museu isso possibilita ta mais perto vocecirc vecirc peccedilas exposiccedilotildees aquilo te remete te leva aquele tempo
Elizabeth Agora natildeo tem jeito neacute Soacute falta vocecirc (riso)
Claudilene Eu acho muito importante essas visitas a campo porque aleacutem da gente ta conhecendo novos lugares a gente aprende vaacuterias coisas sobre o passado com relaccedilatildeo ao presente aquilo que por exemplo quando a
gente foi no Museu do Escravo mesmo aquilo que aquelas pessoas passaram naquela eacutepoca os objetos que estatildeo laacute
representados que usavam nos castigos naqueles escravos eu acho muito interessante a histoacuteria neacute
Elizabeth Obrigada (risos) Olha soacute tem duas outras questotildees vou fazer junto e vocecircs fiquem agrave vontade
para falar mais de uma ou outraporque se tiver algueacutem que natildeo vai ao Rio de Janeiro pode responder mais uma ou
outra Todos vatildeo Haacute bom Por que eacute o seguinte o primeiro eu gostaria que vocecircs tentassem relatar ou descrever
trabalhos que jaacute foram feitos Lembrar da situaccedilatildeo o que viu que tipo de fato de contribuiccedilatildeo esse trabalho trouxe
neacute mas assim tentar lembrar alguma referecircncia dessas visitas e aiacute descrever o que aconteceu o que chamou a
atenccedilatildeo natildeo precisa ser soacute que gostou natildeo pode ser tambeacutem o que achou difiacutecil complicado pode avaliar o que de
fato foi essa visita essa experiecircncia e depois a gente coloca a terceira para encerrar Pode ser Vamos comeccedilar daqui
de novo Alguma visita que vocecirc lembra que participou o que chamou a atenccedilatildeo (repete esclarece ) Claudilene Como eu jaacute falei do Museu do Escravo a representaccedilatildeo das peccedilas Naquele laacute de BH Como
chama (respondem) Abiacutelio Barreto Eacute Abiacutelio Barreto gostei demais Pode falar de outros que eu fui Eu fui tambeacutem
em um (Vocecirc foi sozinha) Fui com minha famiacutelia Famiacutelia trapo Foi todo mundo no museu de JK laacute tambeacutem o
que mais interessante que eu achei laacute foi que ele colocou laacute no museu dele o que ele mais gostava na parte da
culinaacuteria Ele gostava de comida no fogatildeo agrave lenha e tinha um queijo laacute em cima do fogatildeo e de preferecircncia de panela
de barro Isso foi que mais gostei
Elizabeth Quando eacute que vocecirc foi Foi recente
Claudilene Eu fui laacute acho em 1994 Nesse museu em Brasiacutelia Teve um em Caraccedilas que eu fui mas soacute que
laacute de Caraccedilas eacute mais soacute eacute artigos religiosos
Elizabeth Vocecirc foi antes de entrar na Faculdade
Claudilene Antes de entrar na Faculdade Fui de JK em Cordisburgo Daquele escritor Ahm (Guimaratildees Rosa) Eacute Guimaratildees Rosa Eu adoro museu
Elizabeth Obrigada
Fernando O Museu que eu mais gostei achei super interessantefoi justamente na eacutepoca que gente tava
entrando na Faculdade comeccedilando o curso de Histoacuteria noacutes fizemos uma visita ao Museu Abiacutelio Barreto em
BHOnde foi que quebrou um pouco aquela visatildeo que a gente trazia da escola que na hora que fez aquela foi feito
aquela dinacircmica explicando como eacute feita uma exposiccedilatildeo onde cada pessoa pode colocar aquilo que tava com ele um
laacutepis uma caneta ou um caderno e ali foi ensinado para a gente como fazer uma exposiccedilatildeo como organizar uma
exposiccedilatildeo como uma exposiccedilatildeo eacute organizada Toda exposiccedilatildeo ela tem o ponto central aquilo que ela ta querendo
mostrar aquilo que ta querendo contar Todos esses aspectos foram explicados para a gente Achei super interessante
assim foi de grande valia pra gente como estudante de histoacuteria
Elizabeth Valeu Fernando
Daniele Bem como o Fernando acabou de relatar o Museu Abiacutelio Barreto foi um dos primeiros museus que gente chegou a visitar aqui na Faculdade e foi muito interessante porque eles explicaram pra gente como eacute que eacute feita
a seleccedilatildeo como eacute feita a organizaccedilatildeo desse material como eacute feita a exposiccedilatildeo se essa exposiccedilatildeo eacute permanente ou
natildeo Outro Museu que tambeacutem foi interessante foi o Imperial em Petroacutepolis que a gente visitou Assim por mais que
assim foi muito bonito a gente natildeo teve um tempo para dialogar com as peccedilas discutir comentar e as vezes se
faz necessaacuterio quando se vai ao museu ter tempo para dialogar questionar ter diaacutelogo porque isso acrescenta muito
Elizabeth Obrigada
Frederico O que marcou muito tambeacutem foi a visita ao Abiacutelio Barreto por ter sido a primeira que a gente fez
na Faculdade eu jaacute tinha feito outras mas aqui na Faculdade foi a primeira E logo depois quando eu comecei a fazer
o Estaacutegio o que me chamou a bastante a atenccedilatildeo foi a questatildeo da organizaccedilatildeo na hora de elaborar uma exposiccedilatildeo a
198
quantidade de pessoas que estatildeo envolvidas como que a instituiccedilatildeo inteira se mobiliza em torno disso como eacute muito
seacuterio o trabalho que eles fazem quando tem que definir um tema para a exposiccedilatildeo quais satildeo os materiais que vatildeo ser
expostos Neacute assim a questatildeo de organizaccedilatildeo que me marcou muito e voltando ao Museu do Escravo o que me
chamou muito a atenccedilatildeo tambeacutem foi isso que eu gostei muito do museu achei que tinha muita coisa bacana mas
achei que a exposiccedilatildeo tava muito saturada tinha tanta informaccedilatildeo que assim vocecirc tava meio perdido ali dentro e
achei que tinha ter uma linha cronoloacutegica alguma coisa que pudesse ta direcionando o proacuteprio visitante para facilitar
o entendimento da exposiccedilatildeo e para que a gente pudesse absorver mais a informaccedilatildeo e pra que gente pudesse
entender tambeacutem o que a exposiccedilatildeo estava querendo falar
Elizabeth Soacute Fred uma pequena intervenccedilatildeo Vocecirc mencionou um estaacutegio e a Fabiana tambeacutem Soacute
rapidamente eu gostaria que vocecirc falasse para que algumas pessoas saibam e registrar vamos dizer assim que
estaacutegio eacute esse que vocecirc ta fazendo Frederico A gente comeccedilou esse ano a partir do dia 08 de janeiro um Estaacutegio institucional supervisionado
pela Faculdade Gente taacute realizando no Museu Histoacuterico Abiacutelio Barreto todas as semanas a gente vai
periodicamente E no iniacutecio a gente realizou um trabalho de estudo junto com o setor educativo do museu eacute a gente
trabalha direto com o setor educativo no iniacutecio foi um grupo de estudos e a agora a gente jaacute estaacute comeccedilando a partir
dos atendimentos das intervenccedilotildees que o setor faz com os alunos e a gente ta comeccedilando a aprender para que a gente
possa tambeacutem fazer essas intervenccedilotildees Ta sendo muito bacana porque a gente ta conseguindo fazer essa ligaccedilatildeo da
escola com o museu ateacute mesmo por estar trabalhando no setor educativo do museu Taacute dando para aprender bastante
coisa
Fabiana Aprender tambeacutem a importacircncia que eacute a ligaccedilatildeo da escola com o museu A experiecircncia em museu
o que mais gostei e entre aspas natildeo gostei foi ao Museu Imperial Gostei muito foi fantaacutestico o que natildeo gostei eacute
que a nossa visita foi guiada foi muito raacutepida e assim a gente natildeo pode ver com aquele olhar poder discutir poder ver o lado criacutetico como que era e eles natildeo permitam isso laacute eles ficavam controlando O bom foi vocecirc ter uma
direccedilatildeo que se a gente tivesse perdido sozinho a gente natildeo ia saber por onde comeccedilar a gente natildeo ia saber que
direccedilatildeo mas o ruim eacute que eacute muito raacutepido e natildeo te deixa dialogar com cada peccedila enfim No Abiacutelio Barreto estaacute sendo
fantaacutestica a experiecircncia ainda mais no setor pedagoacutegico que a gente ta trabalhando
Tiago No meu caso natildeo eacute o Museu Abiacutelio Barreto natildeo eacute o Museu Imperial nem o Museu do Escravo
(risos) mas () porque eu natildeo tive a oportunidade de ir ( natildeo gosto nem de lembrar) um museu que se destacou
entre os que jaacute visitei foi o Museu Padre Toledo em Tiradentes eu acho que basicamente quase ningueacutem teve a
oportunidade de visitar num cronograma tatildeo corrido dentro das perspectivas de trabalho de campo que o Geraldo
propocircs Entatildeo ningueacutem parou para ver neacute mas eu tive a sorte de que duas semanas antes eu tinha ido laacute entatildeo eu
fui no museu e notei uma coisa muito interessante que eram vaacuterias peccedilas que remetem ao seacuteculo XVIII mas vaacuterias
peccedilas que natildeo tem uma interlocuccedilatildeo a exposiccedilatildeo natildeo te daacute uma oportunidade de fazer uma ligaccedilatildeo entre elas acho que eles se preocuparam tanto em expor o seacuteculo XVIII uma casa do seacuteculo XVIII mas a gente eu no caso natildeo tive
a oportunidade de perceber a ligaccedilatildeo que tinha
Elizabeth Obrigada Tiago
Aline Bom no meu caso natildeo foi o museu natildeo foi o Arquivo da Cidade de BH Eu achei interessante
porque a gente pode ver laacute como que se daacute o armazenamento dos documentos porque se natildeo tiver esse cuidado ele
acaba perdendo no tempo Entatildeo a gente aprendeu laacute o que eacute interessante guardar como que eacute feita a higienizaccedilatildeo
desse material para poder ser guardado e uma que assim que natildeo me agradou muito foi o Museu de Histoacuteria Natural
da PUC A exposiccedilatildeo era interessante demais mas acho assim que era mais voltado para crianccedila sabe As guias do
dia laacute falavam uma linguagem meio infantil acabou que a gente foi com a disciplina de Histoacuteria da Aacutefrica A
professora precisou intervir porque tava uma coisa assim (intervenccedilatildeo do Colega foi Histoacuteria da Ciecircncia e da
Teacutecnica) Foi da Aacutefrica Natildeo foi terceiro periacuteodo Essa mateacuteria aiacute aiacute a professora pode citar o nome Ela precisou
intervir porque natildeo tava sendo interessante para a gente tava muito mecanizado Ela teve que nortear a coisa para estar de acordo com a nossa disciplina O palaacutecio imperial tambeacutem foi bastante interessante mas tambeacutem natildeo deu
nem para observar direito as peccedilas porque foi muito corrido Eacute isso aiacute
Elizabeth Soacute um segundo sei que vai cansando e a gente comeccedila a falar junto mas depois eu natildeo consigo
fazer a transcriccedilatildeo Entatildeo por favor
Warleson Eu jaacute fui no Museu de Guimaratildees Rosa e na eacutepoca eu tava na 8ordf Seacuterie e gostei bastante de ter
ido depois eu ateacute passei na gruta de Maquineacute que eu natildeo sei se entra aqui se eacute o caso() eu gostei mas natildeo lembro
muito do que foi falado laacute soacute lembro que eu fui Eu gosto muito de visita assim tem uma igreja laacute em Congonhas
tambeacutem que eu jaacute visitei e gostei muito do Museu de Artes e ofiacutecios em BH de como que se dava o processo de
trabalho da eacutepoca da exposiccedilatildeo que eu natildeo lembro o tempo a memoacuteria agora ta curta Eu gostei tambeacutem do Museu
199
do Escravo tambeacutem Eu gosto muito dessa ligaccedilatildeo do Brasil com a Aacutefrica e gosto muito de estudar essa parte
principalmente na religiatildeo
Elizabeth Soacute uma coisa W Vocecirc mencionou Guimaratildees Rosa mesmo em Congonhas vocecirc foi sozinho
com amigos em grupo com a escola
Warleson Laacute no Museu de Guimaratildees Rosa eu fui com a escola quando tava na 8ordf Seacuterie Em congonhas
foi uma excursatildeo que a gente faz para um parque Parque da Cachoeira que tem laacute aiacute a gente passa nessa igreja para
fazer a visita A igreja na eacutepoca estava em reforma mas a gente podia entrar laacute dentro
Elizabeth Aiacute satildeo amigos
Warleson eacute uma excursatildeo assim um especial
Elizabeth Obrigada
Weberton (riso) A experiecircncia que me marcou assim foi ao Museu do Escravo Problema eacute o seguinte porque mostrou assim o processo de escravidatildeo no Brasil como era estruturado objetos que ao mesmo tempo ()
visatildeo que tinha do negro mostrando eles simplesmente como objetos e colocou tipo assim () uma visatildeo negativa
faltou assim a cultura a danccedilaa comida natildeo mostrou o processo global A ideologia do sistema claro que tinha na
eacutepoca
Elizabeth A questatildeo do terceiro ponto e nossa uacuteltima rodada eacute a nossa visita ao Rio de Janeiro A visita estaacute
marcada pela ideacuteia da comemoraccedilatildeo dos 200 anos da vinda da famiacutelia real e de propoacutesito tambeacutem a gente escolheu
visitas a algumas das exposiccedilotildees relacionadas a esse evento e certamente a gente vai poder conversar sobre o que
foi fazer laacute Mas eu gostaria que vocecircs falassem pensassem da expectativa da visita claro eu imagino que a
expectativa eacute boa alta mas como vocecircs relacionam a questatildeo da memoacuteria que jaacute abordaram que estaacute presente nos
museus e nestes espaccedilos que a gente costuma visitar e questatildeo da histoacuteria e aiacute a gente pode pensar um pouco no
sentido dessa histoacuteria escrita da historiografia daquela eacute trabalhada nos textos na sala de aula e a questatildeo da comemoraccedilatildeo Como vocecirc fazem vecircem isso comemoraccedilatildeo histoacuteria e memoacuteria Como relaciona isso antes das
visitas Como estaacute na cabeccedila tem relaccedilatildeo natildeo tem Natildeo eacute preciso fazer nenhuma tese mas como vecircm noacutes vamos
para um evento assim uma seacuterie de exposiccedilotildees relacionadas a uma comemoraccedilatildeo Aiacute noacutes estamos tratando da
questatildeo da memoacuteria e da histoacuteria Como vocecircs pensam que isso pode ser organizado pensado Pode ser Agora vou
fazer assim quem quer comeccedilar
Daniele Eu acho assim o interessante eacute porque os professores datildeo uma base muito boa para quando vocecirc
vai para a discussatildeo Por mais que a gente vai num periacuteodo assim com essa intenccedilatildeo Taacute sendo comemorado Eacute
muito importante as visitas em diferentes tempos mas eu acho que deve ter um certo cuidado ter uma visatildeo criacutetica
porque essa comemoraccedilatildeo pode daacute uma organizaccedilatildeo para enaltecer essa comemoraccedilatildeo Analisar mas analisar de
forma criacutetica saber se essa comemoraccedilatildeo tem Natildeo sei se consegui me expressar
Elizabeth algueacutem quer tentar expressar Tiago Na verdade pensar a historicidade do evento Se natildeo fica muito naquele negoacutecio do oba oba se natildeo o
propoacutesito principal se perde e
Frederico Aiacute que entra a questatildeo da memoacuteria Eu acho que nem a D falou ser criacutetico A gente ir assim para
focar o ato de comemoraccedilatildeo O que estaacute sendo comemorado Por que Ir com alguns questionamentos e ter alguns
filtros para natildeo ir muito para o lado do () a valorizaccedilatildeo da memoacuteria e buscar nesses momentos o valor histoacuterico
Tiago E o por que de estar sendo comemorado Na Verdade eacute um fato relevante na histoacuteria do Brasil mas
quais que satildeo as pretensotildees de se fazer essa comemoraccedilatildeo quais as implicaccedilotildees disso
Frederico Eu acho que nem tanto o por que mas como estaacute sendo neacute Como eles estatildeo fazendo isso De
que forma estatildeo representando esse momento Momento a chegada da famiacutelia real como isso estaacute sendo
representado
Elizabeth Na cabeccedila de vocecircs esse momento Chegada da famiacutelia real tem uma ldquoaurardquo tem uma
importacircncia Como vocecircs vecircem isso WebertonSim Mudou os rumos do Brasil porque ateacute entatildeo tinha a vigecircncia do pacto colonial (fim da fita
em um dos gravadores) Tinha o comeacutercio metroacutepolecolocircnia e com a vinda da famiacutelia real a abertura dos portos
favorece uma burguesia colonial natildeo sei se burguesia mas a elite brasileira passou experimentar novos mercados
comeacutercios e e isso eacute importante porque a partir do momento que Portugal abriu os portos a elite brasileira viu que
natildeo era vantagem natildeo aceitou mais e comeccedilou a organizar movimentos civis que vai culminar na Independecircncia do
Brasil
Daniela E isso que o B ta falando eacute justamente a de analisar como foi esse acontecimento e qual a visatildeo
que estaacute sendo repassada nessas exposiccedilotildees Tentar na medida do possiacutevel confrontarneacute
Tiago Aleacutem de um sentido poliacutetico e econocircmico a vinda da famiacutelia real traz um sentido cultural forte
200
Elizabeth Acho que ta encerrando mais algueacutem quer fazer alguma consideraccedilatildeo sobre a expectativa dessa
visita ao Rio o que espera ver o que jaacute viu o jaacute visitou
Frederico Conheccedilo Petroacutepolis
Frederico Questatildeo histoacuterica museus natildeo
Outros concordam
Observaccedilatildeo apenas uma participante disse jaacute conhecer o Rio de Janeiro Niteroacutei
Elizabeth Agradeccedilo a todos a Cristiane e depois retorno
201
Anexo D
ROTEIRO TRABALHO DE CAMPO ndash Rio de Janeiro DATAS Saiacuteda de Pedro Leopoldo 30042008 agraves 2230 (noite - quarta)
Retorno d o Rio de Janeiro 03052008 agraves 1200 horas (tarde- saacutebado)
ATIVIDADE ACADEcircMICA CIENTIacuteFICA E CULTURAL ndash 25 h-
5ordf Feira dia 01052008
Chegada ao Hotel Rio‟s Nice Hotel Rua do Riachuelo 201 Centro CEP 20230-011 Rio de Janeiro Rio
de Janeiro telefone 2297-1155 ndash cafeacute da manhatilde
1000 saiacuteda do Hotel para Visitaccedilatildeo ao Corcovado(Cristo Redentor)
Subida de Trem ao Corcovado Saiacuteda Rua Cosme Velho 513 Zona sul Telefones 24922252 e
22051045 Funcionamento de 8 30 agraves 18 30h saiacuteda a cada meia hora Duraccedilatildeo da viagem cerca de 20 minutos
Preccedilo da passagem R$ 3600(inclui ida e volta) aceita Cartotildees de Creacutedito Velocidade da subida 15 kmh Velocidade
da descida 12 kmh
Som e Luz na Antiga Seacute ndash agendado para o grupo chegar agraves 1000 h fazer a visita guiada ao interior da
Igreja e terminar com o espetaacuteculo agraves 1200 h com efeitos sonoros e iluminaccedilatildeo que conta a histoacuteria da antiga seacute Satildeo
projetadas sombras de personagens como reis e padres nas paredes Valor da entrada R4 600 (inclui a visita ao espetaacuteculo)
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO CARMO DA ANTIGA SEacute
A antiga catedral promovida a Capela Real em 1808 foi palco da sagraccedilatildeo de D Joatildeo VI como rei de
Portugal apoacutes a morte de D Maria I Ali se casaram o futuro D Pedro I e D Leopoldina da Aacuteustria em 6 de
novembro de 1817 Rua 7 de Setembro 14 centro 218176-4182 3a5a 9h17h e saacuteb 11h17h agende com
antecedecircncia
Almoccedilo
Horaacuterio 1600 agendado para o grupo
Visita a EXPOSICcedilAtildeO -RIO DE JANEIRO CAPITAL DE PORTUGAL EXPOSICcedilAtildeO ndash
COMEMORACcedilOtildeES DOM JOAtildeO VI NO RIO - 1808-2008
ART SESC - FLAMENGO Rua Marquecircs de Abrantes 99- Flamengo Sede administrativa (21) 3138-
1020 Arte Sesc (21) 3138-1343 Graacutetis
Exposiccedilatildeo mostra a chegada de D Joatildeo no Brasil A vinda para o Brasil de D Joatildeo priacutencipe regente de
Portugal e de sua comitiva e as radicais alteraccedilotildees sobre os destinos e a vida da colocircnia principalmente sobre os
haacutebitos e costumes da cidade apresentadas de forma abrangente os motivos que levaram agrave transferecircncia da Corte as
principais iniciativas por ele tomadas como a criaccedilatildeo do Banco do Brasil da Imprensa Reacutegia do Jardim Botacircnico e
da Capela Real e a chegada da chamada Missatildeo Francesa composta de arquitetos pintores gravadores e artiacutefices
para citar apenas algumas
Noite ndash livre
6ordf Feira dia 02052008
202
Horaacuterio agendado para o grupo 1000 h MUSEU HISTOacuteRICO NACIONAL Praccedila Marechal Acircncora centro
212550-9220R$ 600 EXPOSICcedilOtildeES ndashUM NOVO MUNDO UM NOVO IMPEacuteRIO A CORTE PORTUGUESA NO BRASIL Seu
acervo muito bem preservado e identificado inclui coleccedilotildees de armas carruagens louccedilas pratarias e objetos
pessoais da eacutepoca da corte Promove a partir de 8 de marccedilo uma das mais importantes exposiccedilotildees sobre o periacuteodo
Horaacuterio agendado para o grupo 930 h Biblioteca Nacional- 15 pessoas Av Rio Branco 219 Centro Telefone
21 2220-9484
Visita guiada agrave seccedilatildeo de Manuscritos Perioacutedicos Microfilmados Obras Raras e outros setores Edifiacutecio projetado por
Francisco Marcelino de Souza Aguiar foi inaugurado em 1910 Em estilo neoclaacutessico com imponente escadaria ateacute
o primeiro andar eacute circundado de colunas coriacutentias Seu acervo comeccedilou a ser reunido no seacuteculo XVIII Nele
destacam-se dois exemplares da Biacuteblia de Moguacutencia impressa em 1462 pelos continuadores de Gutenberg a ediccedilatildeo
dos Lusiacuteadas de 1572 a coleccedilatildeo De Angelis e a coleccedilatildeo Teresa Cristina doaccedilatildeo de D Pedro II
AlmoccediloHoraacuterio agendado 0 Exposiccedilotildees ndash Comemoraccedilotildees Dom Joatildeo VI no Rio de Janeiro 1808-20
O Teatro de Debret Entrada Franca
O Teatro de Debret eacute a maior exposiccedilatildeo jaacute realizada sobre Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pintor
integrante da Missatildeo Artiacutestica Francesa que viveu no Rio de 1816 a 1831 Com 511 obras sendo 346 aquarelas 151
pranchas litograacuteficas e cinco oacuteleos do artista aleacutem de nove trabalhos relacionados com ele a mostra revela o Rio
tanto sede do impeacuterio portuguecircs como do Brasil com todos os seus contrastes e exuberacircncias A mostra integra as
comemoraccedilotildees dos 200 anos da chegada da Famiacutelia Real
O edifiacutecio onde hoje funciona a Casa Franccedila-Brasil jaacute foi palco de alguns eventos importantes de nossa histoacuteria Mandado erguer em 1819 por D Joatildeo VI ao arquiteto Grandjean de Montigny integrante da Missatildeo
Artiacutestica Francesa a obra em si jaacute eacute um importante documento Eacute o primeiro registro do estilo neoclaacutessico no Rio
de Janeiro que a partir daiacute invadiu nossa cidade tingindo o barroco de nossas florestas e de nossas casas coloniais
de um tom cosmopolita agrave moda europeacuteia
Noite Livre
Saacutebado dia 03052008 Visita ao Jardim Botacircnico Rua Jardim Botacircnico 1008 Exposiccedilatildeo Orquiacutedeas no Jardim
Centenas de espeacutecies entre elas a primeira espeacutecie nativa do paiacutes trazida pelo rei de Portugal Mostra exposiccedilatildeo
paralela Dom Joatildeo VI e a Exploraccedilatildeo e o Estudo das orquiacutedeas no Brasil que mostra a importacircncia da chegada da
corte para o desenvolvimento botacircnico do paiacutes Entrada R$ 400
Tour pela orla e praias de Copacabana Ipanema e outras
Retorno ndash saacutebado agraves 1200 ndash parada na Serra da Mantiqueira para observaccedilatildeo da paisagem