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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS CURSO DE PSICOLOGIA Morte e perdas no contexto hospitalar: consciência da finitude JULIANA MORETON Itajaí 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS

CURSO DE PSICOLOGIA

Morte e perdas no contexto hospitalar:

consciência da finitude

JULIANA MORETON

Itajaí 2008

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JULIANA MORETON

Morte e perdas no contexto hospitalar:

consciência da finitude

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí Orientador: Prof. MS Aurino Ramos Filho

Itajaí 2008

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Observar a morte em paz de um ser humano faz-nos lembrar uma estrela cadente. É uma entre milhões de luzes no céu imenso, que cintila ainda que por um breve momento para

desaparecer para sempre na noite sem fim.

Elizabeth Kübler-Ross, 1998.

Àqueles que com sabedoria vivem o fim de suas vidas.

Para Marcos – uma luz no meu caminho.

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AGRADECIMENTOS

Ao grande autor da vida, meu Paizinho do céu, Deus, que deu sabedoria, paz, e

me fez transcender quando acreditava não ter mais forças. Amo-te!

Ao meu ilustre mestre, Profº Aurino Ramos Filho, que desde o começo me

incentivou e acreditou em meu trabalho. Sua calma e sabedoria foram o sustento

para a qualidade desse trabalho. Obrigada pelos ensinamentos, pela partilha de

experiências que me proporcionaram crescimento.

Aos meus pais, minha base, aqueles que me apoiaram desde o primeiro rabisco,

incentivando-me e dando oportunidade de realizar os meus sonhos. Vocês são tudo

para mim!

Ao meu irmão Eduardo, que na sua impaciência e intolerância permitiram-me

morrer várias vezes durante a produção dessa pesquisa, mesmo assim mano, amo-

te!

Ao Marcos, que agüentou com amor os desabafos do misto de sentimentos que

tive durante a pesquisa, lendo e relendo a cada parágrafo feito. Obrigada, amo-te

mais que tantos...

As amigas, Priscila Silvana e Clenar, por terem sacrificado o seu tempo para

discutirmos a pesquisa e que nessa caminhada me fizeram sorrir.

A Maria Luiza que com sua dedicação fez com carinho o sumário dessa

pesquisa, obrigada, você é muito especial!

À banca, Nelson de Mello e Mauro Vieira, por terem dedicado seu tempo à

análise e avaliação desta pesquisa.

A vocês, meu carinho e meu agradecimento por tudo!

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................... 5

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 6

2 A MORTE E O MORRER: PERSPECTIVA CRISTÃ............................................................... 7

2.1 Dimensão Humana ............................................................................................................. 8 2.2 Apontamentos Históricos .................................................................................................. 10 2.3 Desejo de Infinitude e Consciência da Finitude Humana .................................................. 12

3 O PROCESSO DE MORTE E MORRER ............................................................................... 14

3.1 Psicologia Hospitalar e Terminalidade .............................................................................. 14 3.2 Atendimento Psicológico Junto ao Paciente Terminal ...................................................... 21 3.3 A Morte e o Morrer na Primeira Pessoa do Singular ......................................................... 26 3.4 A Bioética e o Cuidar em Situação de Morte: Dignidade e Solidariedade no Adeus à Vida ........................................................................................................................................ 28

4 EDUCAÇÃO PARA A MORTE .............................................................................................. 35

4.1 Medidas Sócio-Educativas: Atuação Profissional do Psicólogo. ....................................... 37

5 VIVER E MORRER NO HOSPITAL: UMA POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DA FINITUDE HUMANA ................................................................................. 40

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 44

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 47

8 LEITURAS COMPLEMENTARES ......................................................................................... 50

9 ANEXOS ................................................................................................................................ 52

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MORTE E PERDAS NO CONTEXTO HOSPITALAR: CONSCIÊNCIA DA FINITUDE

Orientador: Aurino Ramos Filho. Defesa: novembro de 2008.

RESUMO: A morte é parte integral do processo de desenvolvimento humano. O tema relembra o ser humano da sua vulnerabilidade e sua finitude. O sentido atribuído à vida é repensado e as relações são refeitas a partir desse novo sentido. Todo o processo de morte e morrer, geralmente é permeado pela esperança. A vida é feita de pequenas e grandes mortes. Por esta razão o ser humano se dá conta de sua condição de ser-para-morte. Esse caráter tão passageiro da vida faz com que o processo de morte e morrer seja fascinante, de tal maneira, que em contrapartida aos medos e temores, essa é musa inspiradora de poetas, artistas e a razão pela qual o ser humano significa e ressignifica a vida a todo o momento. Sendo assim, investigou-se o processo de morte e morrer, nos hospitais, enquanto ampliação da consciência à finitude humana. Essa investigação intencionou, também, ressaltar a importância do profissional da Psicologia em sua atuação no contexto hospitalar, buscando um novo olhar acerca do processo da morte e do morrer e contribuir para a educação e ampliação da consciência à finitude. Por meio de Pesquisa Bibliográfica, de cunho exploratório, reuniu-se material, em língua portuguesa. Concluindo-se, pois, que é possível a ampliação da consciência da finitude humana por meio do processo de morte e morrer dentro do contexto hospitalar. Palavras-chave: morte, consciência, finitude. Sub-Área de concentração (CNPq): 7.07.07.00-6 Psicologia do Desenvolvimento humano Membros da Banca _____________________________________ ______________________________________ Mauro Vieira Nelson de Mello

___________________________________ Aurino Ramos Filho

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa inspirou-se à época do meu Ensino Fundamental. O

filme Patch Adams, o amor é contagioso1, assistido à época, despertou-me fascínio

sobre a compreensão da morte e do morrer.

O filme trouxe alguns questionamentos. Esses questionamentos são

evidenciados no seguinte trecho extraído:

"Que tem a morte de errado? Por que temos esse medo mortal? Por que não

tratamos a morte com humanidade, dignidade, decência e até com humor? A morte

não é o inimigo. Se quiserem enfrentar um mal, enfrentem o mal da indiferença”.

Portanto, foi por meio desta reflexão é que escolhi cursar Psicologia, a fim de

buscar respostas aos questionamentos acima citados.

O presente trabalho de conclusão de curso investigou o processo de morte e

morrer, enquanto ampliação da consciência à finitude humana. A morte em seu

processo tem seus estudos desde os homens das cavernas. Com inúmeros registros

de separação e desintegração. É fonte inesgotável de medos, temores e angústias.

Ao mesmo tempo é fonte inspiradora de aspectos fascinantes (ARIÈS, 2003).

No contexto hospitalar, o foco desse projeto, é ainda uma instituição que

busca de forma incessante a cura. Manter o paciente vivo independente de qualquer

situação. A morte significa o fim e até mesmo o fracasso dessa busca.

Entretanto, essa reflexão encontra-se em um momento de mudanças, no que

se refere a conceitos de terminalidade. Inquirindo um enfoque paliativo e não mais

curativo (KOVÁCS, 1996).

Devido a tais mudanças, torna-se essencial, um estudo com base científica

para o profissional de saúde, em especial o psicólogo, rever seu olhar no que diz

respeito à escuta, o acolhimento e o entendimento frente ao processo de morte e

morrer. E ainda, ser um educador, contribuindo para a modificação e ampliação da

consciência, para a qual o ser humano é um ser mortal.

O ser humano desde todos os tempos desafia e tenta vencer a morte. Kovács

(1992) traz esta atitude simbolizada nos mitos e lendas, pela morte do dragão ou

monstro. Sendo que os heróis não morrem, somente os mortais. Já o homem é um

ser mortal, cuja principal característica é a consciência de sua finitude. Isso faz a

diferença entre ele e os animais que não possuem esta consciência. A autora ainda

1 Patch Adams, o amor é contagioso. Universal, 1998.

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lança um questionamento. Portanto, apagar essa consciência não seria um

retrocesso do ser humano?

A investigação operacionalizou-se por meio de Pesquisa Bibliográfica,

conduzindo-nos as seguintes considerações sobre o tema, o qual nos levou a

desvendar a realidade do processo de morte e morrer, e assim responder aos

objetivos inicialmente propostos.

Durante a pesquisa o tema morte e morrer floresceu de todos os nortes,

ampliando a consciência da finitude humana, com base em pesquisas realizadas

que partiram da perspectiva cristã e caminharam por sendas que conduziram ao

processo de morte e morrer.

Seguindo esse caminho a presente pesquisa nos remete a estudos acerca da

vivência do processo de morte e morrer no contexto hospitalar, o cuidado no

atendimento psicológico ao paciente em estado terminal de sua doença, além da

educação do ser humano para a sua própria morte no ciclo natural da vida,

transformando-o e assim ampliando a consciência da finitude humana.

O processo de morte e morrer é talvez um tema que num primeiro encontro,

não atraia, ao contrário, o movimento natural talvez seja o de se afastar de um tema

que direciona para aquela que é a maior dor, que destinamos o nosso intenso medo

e frequentemente a causadora da angústia do ser humano, sendo o núcleo do ser a

possibilidade de não ser.

No meu entendimento, num primeiro momento é preciso coragem para se

aproximar do tema em questão, em seguida compaixão para ler e desfrutar do seu

conteúdo, pois que, além de todos os sentimentos suscitados no ser humano, existe

a possibilidade de compreender e abranger um horizonte maior.

A pesquisa não tem escopo nos labirintos apertados da dor, do medo e do

desespero, encontra-se na possibilidade da expansão e do renascer da esperança

com a ampliação da consciência de que: todos nós um dia vamos morrer.

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2 A MORTE E O MORRER: PERSPECTIVA CRISTÃ 2.1 Dimensão Humana

Será o ser humano um animal? Um misto de animal e divino? O ser humano

sempre foi visto por meio de diferentes perspectivas – cosmocêntrica, da filosofia

moderna e contemporânea, da filosofia cristã, perspectiva teocêntrica e

antropocêntrica. Assim, têm-se diferentes representações de quem ele é (MONDIN,

1980).

O ser humano para vários pensadores racionalistas e materialistas é um

animal. Jean-Jacques Rousseau (1712–1778) descreve-o como o animal

corrompido. Donatien Alphonse François de Sade (1740 -1814) descreve o ser

humano como nada além de um animal. Charles Robert Darwin (1809 – 1882) define

o ser humano como um ser vertebrado, mamífero, fruto da evolução e descendente

do macaco. Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844–1900) denomina-o como o animal

que faz promessas. Para Walter Gilbert (1932-) o ser humano é animal e um erro da

natureza. (CHAMPLIN e BENTES, 1991).

Aliás, a Biologia apresenta o ser humano como filho da natureza, conexo com

o reino animal, composto de matéria, mente e vida animais. A Sociologia delineia-o

como fruto dos relacionamentos e meios sociais; o Marxismo o vê como ser material

e materialista, cujas necessidades principais são essencialmente econômicas. O

Evolucionismo afirma que o ser humano é um animal descendente do macaco,

mamífero, medianamente racional, capaz de linguagem articulada, inteligente e que

evoluiu (idem).

O ser humano para Platão de Atenas (428 – 347 a.C.) é em sua essência,

alma. Alma espiritual, que é incorruptível, logo, imortal. E, o problema, de acordo

com tal significado filosófico cosmocêntrico, é libertar a alma, pois esta se encontra

aprisionada no corpo (MONDIN, 1980).

Com o cristianismo, a salvação e a relação entre Deus e a Humanidade

refletem a nova perspectiva teocêntrica. Mesmo que, nas mesmas linhas de Platão,

Agostinho de Hipona (354 – 430) meditou sobre o que até então não havia sido

contemplado pelos filósofos gregos: o mal, o pecado, a liberdade, a pessoa e a

autotranscendência. Isso o tornou destaque em originalidade e profundidade, assim

como São Tomás de Aquino (1225 – 1274) (idem).

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Assim, pode-se pensar no ser humano como um misto de animal e divino por

meio da definição bíblica, na qual fala que o ser humano é o ser racional, dotado de

espírito, inteligente, criativo, obra-prima da Criação e candidato à imortalidade e

eternidade, porém da natureza doentia, em seu físico, sentidos, instintos e vida.

(CHAMPLIN e BENTES, 1991).

Jesus Cristo admitiu que as criaturas humanas tiveram gloriosa origem e

herança divina, quando recordou a declaração bíblica: “Vós sois deuses” afirmando

que os homens são filhos de Deus.

Diante das várias perspectivas lançadas ao longo dos tempos, por diversos

célebres pensadores, questiona-se: será o ser humano um mistério insondável?

A reflexão feita por Agostinho em que o ser humano permanece em si mesmo

um mistério deixa evidenciada que sim.

Tal diversidade de opiniões e conceitos a respeito do ser humano pode estar

ligada intrinsecamente, diz Champlin e Bentes (1991) no ser humano desconhecer o

que é o principal, essencial e preponderante, de si em si mesmo, seu próprio

espírito, ou seja, sua alma racional, raramente pensa em si mesmo, mas quando

pensa, confunde-se com seu cérebro, ou com sua alma que é vida. Por isso o ser

humano não sabe definir, identificar, apreciar nem usar seu próprio espírito. Na

realidade muitas são as pessoas que desconhecem a existência, a origem, a

criação, a substância, as virtudes, a autonomia, a mortalidade ou imortalidade do

seu espírito.

Que é um simples ser humano para que penses nele? Que é um ser mortal para que te preocupes com ele? No entanto, fizeste o ser humano inferior somente a ti mesmo e lhe deste a glória e a honra de um rei. Tu lhe deste poder sobre tudo o que criaste; as ovelhas e o gado e os animais selvagens também; os pássaros e os peixes e todos os seres que vivem no mar (Sl 8,4-9).

Nenhuma ciência dá a dimensão total acerca do que é o ser humano. Nesse

capítulo, partir-se-á, então da raiz. Fundamentar, por meio da perspectiva cristã o

ser humano em seu processo de morte e morrer, sua ampliação da consciência de

constituir-se de um ser finito almejando sua infinitude.

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2.2 Apontamentos Históricos

A história de Paulo, apóstolo, relembra as mortes e as perdas incontáveis que

se sucedem ao longo da vida. Tais perdas podem ser denominadas mortes

simbólicas, ou seja, não há morte concreta, o cessar do funcionamento do corpo.

Mas, as perdas são vividas de tal modo que, o processo de luto é vivenciado

igualmente da morte concreta.

Entre aqueles que perseguiam os seguidores de Jesus havia um fariseu

nascido em Tarso, na curva norte do mar, um judeu de furiosa inteligência e

intransigente legalismo. Odiava aqueles que zombavam das leis de Deus. Via a

igreja como um movimento subversivo e perigoso. Mas, a história que ele se

esforçava por destruir ergueu-se contra ele, tornando-se sua própria história. O

nome desse homem era Saulo.

Quando se dirigia a Damasco, com ordens do sumo sacerdote para prender

os crentes daquele lugar, Saulo foi cegado por um clarão de luz celestial, e ouviu

uma voz acusatória dizendo: “Saulo, Saulo, por que você me persegue?”. Foi atirado

ao chão pela luz e indagou: “Quem é você, Senhor?

E a voz respondeu: “Sou Jesus, a quem você vem perseguindo. Mas levante-

se entre na cidade, é lá saberá o que deve fazer”.

Pelo resto da vida jamais duvidou de que o Senhor Jesus fizera diante dele a

última aparição após sua ressurreição. Fora Cristo, então, também visto por ele,

Saulo, “como por um nascido fora de tempo”. Assim a história era verdadeira. O

homem se a arrependeu das perseguições que empreendia. Três dias depois foi

batizado. Para acrescentar a mudança radical por que passara, alterou o nome para

Paulo, e após um período de preparação e oração, ele começou a narrar à mesma

história – em grego, aos gregos.

Já haviam decorrido 25 anos da crucificação de Jesus quando Paulo

começou a viajar pelo império romano. Pregou em Chipre e nas cidades meridionais

da Ásia Menor. Fez também pregações nas cidades do Norte, e depois cruzou o mar

até a Macedônia, descendo ao Sul, até a Grécia: Filipos, Tessalônica, Beréia,

Atenas, Corinto.

Paulo mantinha correspondência escrita com as igrejas que estabelecia

nesses lugares, repetindo sempre a história.

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Durante 12 anos Paulo narrou a história com paixão e inteligência. Podia

elevar multidões com suas palavras. Portanto, tornou-se tão ameaçador às

autoridades como qualquer outro discípulo. Certa feita, estando ele no templo de

Jerusalém, algumas pessoas gritavam: “É esse o homem que ensina as gentes de

todo canto contra a lei e contra este lugar! Ele profanou o templo!”. As acusações

geraram uma agitação no meio do povo que arrastou Paulo para fora do templo,

para a rua, começando a espancá-lo. A coisa transformou-se em baderna.

O tribuno romano mandou centuriões e soldados para impor a paz.

Prenderam Paulo. Agrilhoaram-no com duas correntes e o levaram para a prisão,

enquanto a violenta turba os seguia iam berrando: “Matem-no, este homem não tem

direito de viver!”.

Enquanto Paulo estava na prisão, descobriu-se que seus oponentes

tramavam matá-lo; então o tribuno de Jerusalém o transferiu para Cesaréia, onde

deveria ser julgado pelo governador romano.

Paulo tinha uma vantagem sobre os outros discípulos: seus pais haviam

adquirido cidadania romana. Portanto, nascera romano. Assim, quando seu cativeiro

em Cesaréia excedeu o prazo de dois anos sem uma decisão final sobre o caso, ele

exerceu seu direito de cidadão romano e apelou diretamente a César, buscando

justiça.

Isso exigia sua presença em Roma. Portanto, o prisioneiro foi levado por

navio até a capital do império, superando tormentas e mares traiçoeiros.

Paulo viveu lá em prisão domiciliar por mais dois anos.

Conta-se que Paulo foi executado fora das muralhas de Roma, já na estrada

que leva a Ostia.

E isto é certo: todo continente na terra já ouviu a história, com reações

diversas. Incontáveis são as línguas em que ainda hoje é narrada. Inumeráveis os

corações que por ela se transformaram (BÍBLIA SAGRADA, 2000).

É no vazo interior existente no ser humano que reside sua essência, sua

dinâmica.

Ainda que a realidade propicie desafios, em princípio intransponíveis,

suscitando frustração, essa frustração faz o ser humano crescer, pois amplia a

consciência. Consciência necessária para a transformação. Toda e qualquer

realidade passa a ter um significado e constrói um sentido diante da vida. Quando se

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está aberto, como Paulo, para acolher estas mensagens, a dimensão da consciência

da finitude humana amplia-se.

2.3 Desejo de Infinitude e Consciência da Finitude Humana

Para o ser humano a morte é um fenômeno amedrontador. Vive como se a

morte não existisse. A morte não escolhe raça, nem idade, sexo ou religião. A

radicalidade da morte nos sacode atônitos, do nosso desejo de eternidade,

desvelando brutalmente a verdade de nossa finitude. É um evento que cada ser

deve enfrentar na sua individualidade, pode-se até morrer “pelo outro”. Porém, este

fato não anula a morte do outro (MONDIN, 1980).

Essas características individuais da morte causam nos seres humanos

angústia e questionamentos. Mondin (1980) traz uma importante reflexão, na qual

fala que o ser humano consciente de sua morte pergunta-se: constitui ela o fim de

todo o ser humano ou não? A partir de tais questionamentos o ser humano passa a

refletir acerca de seu próprio fim e depara-se com sua não onipotência; entra em

desequilíbrio passando a procurar por sua infinitude.

O dilema liberdade-destino suscita no ser humano a possibilidade da

ampliação da consciência da finitude visto que, existe a liberdade para o desejo de

infinitude. Porém, somos destinados a um fim, ressaltando que a morte e a vida não

são oposições, mas expressões da condição humana. Como tal tem efeito prático na

vida. A cada instante depara-se com o ser e o não ser, finitude e infinitude, querer e

não poder e ainda querer e não saber.

Aceitar essa condição de ser-para-a-morte e afrontar pela vida, eis a

verdadeira coragem de ser, assim como viver é estar em transformação e

transformar-se envolve muitas mortes. O próprio tempo é uma finitude. Projeta-se o

futuro, mas não há certezas desse mesmo futuro. Angerami-Camon (2000, p.131)

disserta que “aquele que não ‘morre’ várias vezes não ‘nasce’”. Portanto, negar essa

condição leva o ser humano à auto-alienação e a circunstâncias de incompletude.

Vida que é prolongada sobrevive, e subjuga a morte quanto à recorrência.

Morte que condena a vida quando esta busca, a qualquer custo, manter-se. As

Escrituras Sagradas já registraram: “Quem achar sua vida perdê-le-á; e quem perder

a sua vida por amor de mim achá-la-á” (BÍBLIA SAGRADA, p. 17, 2001).

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Seguindo a perspectiva cristã, alma e espírito constituem dois temas

importantíssimos no que se refere à finitude e a infinitude do ser humano. Alma,

néphesch em hebraico, significa vida, essência, força, energia ou seiva vital,

imaterial, orgânica, individual, invisível, natural, perceptível do físico e da mente. Já o

espírito, também chamado razão, entendimento e coração, ruach em hebraico. É

uma realidade de ordem psicológica que integra o homem. Tem vida, corpo, forma,

substância, liberdade- independência, faculdades-funções.

A imortalidade dentro do conceito paulino, é sempre vinculada ao corpo

ressurrecto, como veículo da alma remida, mas, esse corpo é também chamado de

corpo espiritual, não sendo material nem formados por partículas anatômicas

(CHAMPLIN e BENTES, 1991).

Para que a experiência com o Todo seja compreensível e totalizadora o

percurso cristão é: existe o caminho da comunhão pessoal com Deus que inclui o

todo. Isso significa que, Deus está em todas as coisas e todas as coisas estão em

Deus, sem nenhuma distância (BOFF, 2000).

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3 O PROCESSO DE MORTE E MORRER

3.1 Psicologia Hospitalar e Terminalidade

Amanhece, mais um dia que começa. É preciso levantar-se, afinal há muitas

coisas para serem realizadas. Não há tempo para um demorado café, um nutritivo

almoço, são inúmeros os afazeres, apesar de um turbilhão de idéias sobre aquele

almoço com a família, aquele cinema na quarta-feira à noite, ou aquela ida ao

parque mais próximo com os filhos, não há tempo, só vontade, e sem ser percebida

as horas, o dia se finda. Porém, a visita ao médico, a descoberta da doença grave e

a longa estadia no hospital proporcionou momentos infindáveis de reflexões sobre o

sentido da vida e a fragilidade humana.

É como se tivéssemos que conviver diretamente com a experiência da morte

e do morrer para atribuir um novo significado à vida, para cada detalhe que há na

existência.

Refletir-se-á a Psicologia Hospitalar e a terminalidade dentro desse contexto,

à luz das obras de Angerami-Camon, Kovács e Kübler-Ross.

Com a inserção da Psicologia no contexto hospitalar, esta ciência teve que

rever seus conceitos e postulados, atuando com o objetivo principal de minimizar o

sofrimento do paciente causado pela hospitalização. É importante entender

hospitalização em um sentido amplo, tendo em vista todo o processo decorrente e

suas implicações na vida da pessoa hospitalizada.

Ao ser hospitalizado o paciente é obrigado a deixar sua família, amigos, rotina

diária e passa a estar em um lugar diferente com pessoas desconhecidas, tornando-

se simplesmente um ser acometido por uma determinada patologia. Esse processo

caracteriza-se pela despersonalização do paciente. O mesmo vê-se na necessidade

de reformular o sentido atribuído à vida, muitas vezes modificando seus conceitos e

valores.

A hospitalização além de propiciar situações como a descrita acima, traz em

sua estrutura os limites e resistências em que o profissional está imerso para realizar

sua atuação. Caracteriza-se pelas rotinas, condutas específicas, dinâmicas que

devem ser seguidas limitando, assim, o desenvolvimento do seu trabalho.

O psicólogo hospitalar tem seu trabalho divergente dos padrões aprendidos

em Psicologia. Isso porque o próprio hospital retira o movimento de segurança e

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tranqüilidade do consultório tradicional, movendo as intervenções para o pronto-

socorro, centro cirúrgico, realizando os atendimentos ao lado dos leitos e nas salas

de espera. Muitas vezes os atendimentos são feitos em conjunto com os

procedimentos terapêuticos e rotinas hospitalares.

Esta tarefa implica para o profissional uma reformulação interna, uma nova

adaptação condizente com a realidade institucional. O psicólogo atuando nesse

contexto deve estar ciente que seus atendimentos estão onde ocorrem os

acontecimentos, ou seja, é ímpar desconstruir o modelo tradicional do consultório,

sala fechada com ações que se restringem a andar pelos corredores do hospital.

Angerami-Camon (2000, p. 99), no que se refere à cultura verticalizada do

modelo biomédico fala que

É real que o hospital, enquanto estrutura institucional possui mecanismos que reforçam um modelo fortemente verticalizado, pautado no modelo biomédico. Por ouro lado, o saber médico e o saber psicológico podem e devem ser complementares dentro do modelo biopsicossocial.

A Psicologia Hospitalar tem que se livrar das amarras. É preciso colocar-se

dentro do hospital como força interdisciplinar e não se limitar a ações isoladas. É no

coletivo que está a base para a transformação social no hospital. A conseqüência

das ações com equipes interdisciplinares é caracterizada pela humanização. É

nesse campo que o profissional psicólogo pode utilizar-se de um significativo

instrumental, pois traz consigo a condição de atuação na análise das relações

interpessoais.

Assim é importante relembrar que a ética da existência humana é

permanente, independente do profissional, contexto de atuação, ação ou saber, ou

seja, não está relacionado a uma profissão. Ao estar diante do paciente, está diante

do sofrimento humano e da precariedade existencial, sofrimento, crise e letalidade.

Fator significativo, foco da presente pesquisa, é a presença da morte e do

morrer no cotidiano hospitalar. O hospital é marcado pela luta constante entre a vida

e a morte, tensionando o profissional da saúde, sempre preparado para a

perspectiva da cura e da melhora. O hospital é ainda uma instituição que busca de

forma incessante a cura, manter o paciente vivo “a qualquer custo”, e a morte

significa o fim e até mesmo o fracasso dessa busca. Essa reflexão está em um

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momento de mudanças de alguns conceitos no que diz respeito às funções médicas,

dando lugar a um enfoque não mais curativo e sim paliativo, no qual resgata a

qualidade de vida do paciente em estado terminal de sua doença.

A morte, inerente à condição humana, mas que é medo universal, e que

dificilmente aceitamos para nós mesmos, principalmente no que tange os

profissionais da saúde, ronda os hospitais, as enfermarias, centros cirúrgicos e

pronto-socorros.

O ser humano assume e interioriza a morte e o morrer como possibilidade

última. É desfecho inevitável e trágico da existência. Ele pouco imagina seu fim.

Eventualmente, e com muito temor poderá conceber a visão sobre a possibilidade de

sua morte, na qual esta representa o desconhecido, inadiável. Entretanto, o encanto

da experiência da vida provém justamente do seu caráter efêmero.

A morte significa e ressignifica a vida de tal maneira que, em seu processo de

morte e morrer, o ser humano passa a ser a totalidade que ele deixou de ser na vida.

Se fossemos seguir uma seqüência lógica, ou mesmo biológica teríamos: o

nascimento, a infância, a adolescência, a vida adulta e a velhice. Para cada fase da

vida do ser humano é esperado um conjunto de características no que diz respeito

ao desenvolvimento físico. Em nenhum momento, espera-se o acontecimento da

morte, mesmo tendo consciência que é condição humana morrer, essa estranha é

evitada e afastada a qualquer custo.

Durante o ciclo vital passamos por várias perdas, ou seja, por diversos lutos.

Por conseguinte, podemos falar do mesmo como uma crise, no qual há adaptação e

reorganização. Esses lutos não necessariamente têm ligação direta com a morte.

Existem várias formas de morrer em vida. A separação, a doença, o

desenvolvimento, destacando-se a psicose. Em nenhuma há uma morte concreta,

porém o processo de luto é semelhante a tal (KOVÁCS, 1996).

É condição humana ser destinado a um fim, ser terminal no processo de

desenvolvimento humano.

Nessa perspectiva o conceito de terminalidade torna-se relativo. Tal

conceituação não é simples de ser estabelecida, uma vez que se depara com

divergentes avaliações consensuais de diferentes profissionais. Talvez a obstância

maior esteja em objetivar este momento de forma a não reconhecê-lo. No entanto,

são chamados assim todos os pacientes que se encontram hospitalizados, ou em

seus lares, com doenças as quais ainda não foram encontradas cura. O paciente se

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torna incurável e o caminhar para a morte torna-se irreversível, assim os tratamentos

só se aplicam ao alívio de sintomas, possibilitando qualidade de vida para esses

pacientes. (GUTIERREZ, 2001; KOVÁCS, 1992).

No que se refere aos pacientes terminais, estes vivenciam vários sentimentos

que podem ser demonstrados juntos ou alternados. Kübler-Ross (1998) em seus

estudos sobre a morte e morrer, nos fala a respeito dos cinco estágios que os

pacientes atravessam no decorrer de sua doença, sendo que nem todos pacientes

passam pelos estágios seguindo uma ordem e nem todos concluem o processo.

O primeiro estágio se dá com a negação e o isolamento. Ocorre quando o

paciente é informado de seu diagnóstico. Este mecanismo funciona como um pára-

choque, após a notícia inesperada, que geralmente acontece no início do processo,

sendo temporário e acompanhado da frase: “Não, eu não, não pode ser verdade”.

Para o ser humano reconhecer que tem que enfrentar a morte é quase

inconcebível, já que em nosso inconsciente somos todos seres imortais. Não se

consegue pensar na morte todo o tempo. Tal pensamento deve ser deixado para

que se lute pela vida, por isso a morte é negada.

Essa é uma forma saudável de encarar situações desagradáveis e dolorosas,

estágio este que possibilita uma recuperação mais rápida, criando medidas menos

radicais.

Os sintomas da negação são caracterizados por: medo, ansiedade,

afastamento, dúvida, solidão, etc. As manifestações serão diversas e é preciso ter o

cuidado para não ser confundida com psicose.

É importante estar atento às manifestações do paciente, suas forças e

fraquezas expressas nas comunicações abertas ou sutis. A morte deve ser um tema

abordado apenas quando o paciente desejar, tendo em vista a possibilidade do

mesmo de encarar a realidade. Quando o paciente sente que deve conversar, deixa

transparecer o que existe na alma e participa sua solidão, às vezes verbalizando e

outras com pequenos gestos e comunicações não verbais.

Enfatiza-se também que os pacientes não se servem do mecanismo da

negação por tempo prolongado. São raros os casos em que a negação é assumida

até o fim. Há um momento em que se sente que o sofrimento é pior que a morte.

O isolamento, diferente da negação, aparece mais no final da vida, quando já

se fala da própria morte, mortalidade e imortalidade andando lado a lado. A morte

está sendo encarada, mas sem perder as esperanças.

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Sendo a negação uma defesa transitória, logo é suprida por uma aceitação

parcial: a raiva. Sentimento de revolta, ressentimento e inveja, acompanhado da

frase “Por que eu?”. Este estágio dificulta o contato com o paciente. Esta raiva pode

estar relacionada com sentimentos de inutilidade e falta de controle da própria vida.

O ser humano projeta para todos os lados a raiva de ter seus projetos

inacabados, raiva muitas vezes sem uma razão presumível, projetada na equipe de

saúde, familiares e amigos, e também no ambiente, geralmente sem ter ligação em

quem ou coisa que é descarregada. “Acho que qualquer um em meu lugar olharia

para outra pessoa e diria: ‘Pois é, por que não poderia ter sido ele? ’”.

A dificuldade nessa situação é que poucos se colocam no lugar do paciente e

se questionam de onde pode vir essa raiva. Talvez se torne compreensível se

pensássemos que nossos projetos fossem interrompidos, assim como as atividades

cotidianas da vida.

Tudo que foi planejado “não é para mim”, assim a raiva é transferida para

aqueles que podem desfrutar disso.

Deixar transparecer a raiva contribui para o aceite das “horas finais”. E é no

próprio enfrentamento do medo da morte que se pode tolerar a raiva do outro, seja

racional ou não.

O estágio da raiva é quando o paciente busca a certeza de que não está

sendo esquecido e levanta a voz, surgem as exigências, as queixas e reclama

atenção, talvez como um último clamor: “Não esqueçam que estou vivo! Vocês

podem ouvir minha voz, ainda não estou morto”. Ao respeitar o paciente, a raiva irá

se apresentar de forma diminuta e se entenderá que é um ser humano precisando

de cuidados e atenção.

O desfecho trágico da existência é negociado na tentativa de adiar o

inadiável, no terceiro estágio que é a barganha.

“Se Deus decidiu levar-me deste mundo e não atender meus apelos cheios

de ira, talvez seja mais condescendente se eu apelar com calma”. O paciente faz

negociações. Esse estágio pode ter ligação com aspectos de culpa, relacionados

com o surgimento da doença.

Da exigência passa-se ao “por favor”. Há promessa de mudanças de vida e

hábitos, passa-se a ter uma fantasia de eliminação do problema. Um bom

comportamento deve ser recompensado, assim o pensam. E na maioria dos casos

se pretende um prolongamento da vida, alguns dias sem dor ou sofrimentos físicos.

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Geralmente as barganhas são mantidas em segredo, ditas nas entrelinhas ou

confessadas para Deus. As promessas não cumpridas e as novas barganhas

atribuem temores irracionais ou desejo de punição. O avanço do tratamento só

ocorre quando estes temores estiverem aliviados.

Em sua fragilidade, aos poucos o ser humano acaba se entregando a sua

impotência diante da situação e anuncia a percepção sobre sua debilitação. Tal

anúncio vem por meio do quarto estágio: a depressão.

Esse é de fundamental importância, pois é um estado em que há uma

preparação para a perda de todos os objetos amados.

A Autora diferencia dois tipos de depressão:

- ‘depressão reativa’, o paciente lamenta perdas passadas, coisas que não

fez. Com isso sente-se incapaz de conviver com a morte iminente.

- ‘depressão preparatória’, deixa exteriorizar o seu pesar, aceitando com

facilidade sua situação, está associado com as perdas iminentes.

As mesmas devem ser tratadas diferentemente já que possuem naturezas

também diversas. O paciente, geralmente para cobrir os custos do tratamento é

obrigado a investir a casa, que em toda história de vida foi o alvo de trabalho, com

sua debilidade falta ao trabalho e posteriormente acaba perdendo-o, a esposa

trabalha fora, longe dos filhos. E no caso da mãe que adoece, os filhos são levados

para casa de familiares ou amigos próximos. Essas perdas externas, além das

próprias experiências de morrer, geralmente vêm acompanhadas de culpa, de

vergonhas imaginárias.

O paciente precisa saber que as coisas seguirão o mesmo rumo, mesmo

quando se está ausente. No momento em que tais problemas vitais são cuidados, a

depressão acaba. Quando se externa o pesar, a situação é mais facilmente aceita.

No pesar preparatório, o qual compreende uma preparação emocional, há

pouco ou nenhuma necessidade de palavras. Nesse momento ganha sentido um

toque carinhoso de mão, um afago nos cabelos, ou seja, sentimentos exprimidos

mutuamente. Diferente da depressão reativa que requer mais comunicação dos

outros.

O paciente enfrenta o maior pesar quando se sente obrigado a lutar pela vida,

quando já está preparado para a morte, esta discrepância entre o desejo do paciente

a as expectativas dos que o cercam.

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Seriam poupadas muitas angústias se a equipe de saúde obtivesse o

conhecimento que, este tipo de depressão é necessário, e benéfico, se o paciente

tiver de morrer em um estágio de aceitação e paz; e se esta confiança pudesse ser

dividida com seus familiares.

Alentar o paciente a ter a visão do lado positivo, colorido e risonho da vida, ou

até estimulá-lo à confiança faz com que a depressão perca sua razão de ser, uma

vez que esta é um instrumento na preparação da perda iminente.

Se o paciente tiver tido tempo suficiente, isto é, que não tiver sido acometido

por uma morte súbita, e tiver recebido alguma ajuda para enfrentar o descrito acima,

alcançará um estágio em que não sentirá mais depressão ou raiva quanto ao seu

“destino”.

Alcançará, assim, o quinto e último estágio: a aceitação. O paciente se

encontra bastante fraco, sentindo vontade de dormir. À medida que o paciente

encontra-se as vésperas da morte, este se depara com certa paz e aceitação. É

provável que queira simplesmente segurar na mão de alguém e ficar em silêncio.

Essa presença traz conforto e anula a solidão para quem está se preparando para a

grande viagem.

Trata-se de uma questão bastante controversa: será humanamente possível

aceitar a morte como algo concreto? Aceitar a morte pode vir a ser a plena

consciência da finitude humana? Aceitação ou resignação diante de um fato

inevitável?

A aceitação vem a ser para o paciente o fim do processo de negociação, raiva

e inveja da condição de ser saudável do outro, elevada elaboração a partir da

depressão. Kübler-Ross (1998) salienta que tal estágio não pode ser confundido

com resignação ou conformação, em uma atitude fatalista e sem ação.

É árduo o aceite para o paciente que acha não ter vivido a vida em sua

plenitude, diferente daquele que acredita ter “cumprido sua missão”.

Durante o pesar preparatório, chorar, extravasar as raivas, comunicar os

temores e fantasias são encorajamentos que repercutem melhor reação diante do

desfecho inevitável. Ressaltando a importância que se destina a esperança em

todos os estágios.

Tal esperança emana da procura pela vida no processo de finitude, ou seja, a

vida da morte (KÜBLER-ROSS, 1998; KOVÁCS, 1992).

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O paciente de modo subjetivo ensina o psicólogo a enfrentar sua própria dor

diante do sofrimento e da morte iminente, e esse profissional adentra nos hospitais e

descobre a real dimensão da dor humana.

Segurar a mão de quem se encontra as vésperas da morte e deixar-se afetar,

não silenciando alguém que queira falar o que guardou durante toda sua existência,

talvez esse seja o ato que inicie a Psicologia. Angerami-Camon (1984, p. 14)

contempla a Psicologia Hospitalar descrevendo: “E assim é: a Psicologia no contexto

hospitalar tem uma de suas performances mais humanas e verdadeiras”.

3.2 Atendimento Psicológico Junto ao Paciente Terminal

Estar diante de um paciente em estado terminal de sua doença e escutá-lo

em seus últimos instantes é preciso coragem, pois significa acima de tudo

reconhecer e relembrar com a finitude do outro o próprio fim. Denota compreender o

ser humano em sua real totalidade.

(...) Numa manhã, com a presença apenas da psicóloga, ocorreu seu óbito. O paciente não mais falava, só se comunicava com o olhar. A respiração, muito curta, superficial. A mão direita mexeu, como se procurasse outra mão. Ficamos de mãos dadas. Estou com você como de costume, vou ficar aqui. (cerra os olhos que estavam entreabertos). Mantenha-se calmo, relaxe, se desligue de tudo ao seu redor e sinta só sua respiração, ela esta cada vez mais lenta. (entre uma respiração e outra o intervalo aumenta, o paciente está no fim). Seu corpo já não tem mais força, sua missão nesta vida está acabando e você é muito curioso, vai ter muito que descobrir. (está ofegante, está morrendo). Siga em frente não olhe para trás, esse corpo não lhe serve mais. Caminhe, liberte-se, você morreu. (uma pausa me emociono, choro). Você está livre agora, vá em paz (LEITÃO, 1993, p.41).

As questões técnicas, no contexto hospitalar, são admiravelmente vencidas.

Há ainda falsas criações, na qual é possível ser dono de habilidades que agem

como botões que “se ligam” diante da técnica e que facilmente podem “ser

desligados” diante dos sentimentos e das sensações. O profissional da psicologia

que atua dentro da instituição hospitalar, traz em sua condição de ser humano, a

mesma que seus pacientes, se diferenciando dos mesmos apenas por atuar no

hospital, próximos da morte e do morrer. Em Psicologia, é instruído manter a

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máxima neutralidade, marcado por um desejo de construir psicólogos super-heróis

(ANGERAMI-CAMON, 2000).

Stedeford (1986, p. 157) corrobora com o descrito acima quando fala que

“Qualquer contato com uma pessoa terminal inevitavelmente desperta uma resposta

específica. Tanto faz aceitá-la e elaborá-la ou tentar reprimi-la, ela leva a tensão,

provocando fadiga, atividade exagerada, irritabilidade e outros problemas”.

No momento em que o psicólogo percebe-se como pessoa, como ser finito,

assim como seu paciente, possuirá a notável destreza de transmitir vida em sua

tarefa. Porém, ao afastar-se dos seus próprios sentimentos e emoções, distancia-se

assim, dos seus pacientes. Condenando à morte aquilo que o paciente tem de mais

vivo e intenso: seus sentidos, anseios e suas reações. Se assim for, o trabalho do

psicólogo hospitalar seguirá por sendas desprovidas de vida. Por isso faz-se

fundamental o reconhecimento pessoal e profissional da morte, para que o psicólogo

determine sua tarefa no contexto hospitalar.

Os acompanhamentos psicológicos aos pacientes no decorrer da internação e

da doença, nos diversos ambientes devem ser sistematizados. A atuação do

psicólogo necessita ser qualificada pela capacidade de apoio, compreensão e

direcionamento humanizado das diferentes conjunturas pelas quais os pacientes

vivenciam. É imprescindível em sua atuação um olhar holístico e global ao paciente

doente, seja agudo, crônico, terminal ou gravemente enfermo. Inserido nessa

realidade o psicólogo hospitalar deve organizar um trabalho de psicoterapia breve,

destacando a crise da morte e as perdas dela ocasionadas.

Nesses termos a atuação advém no nível da comunicação, ou seja, propiciar

suporte ao tratamento, clarificação dos sentimentos confusos do paciente,

esclarecimentos sobre a doença e o fortalecimento dos vínculos pessoais e

interpessoais. A formação de grupos de apoio mútuo pode proporcionar para os

pacientes espaços de reflexões, agregando possibilidades de partilha de emoções,

minimizando, assim o impacto emocional e o estresse vivenciado por uma melhor

percepção e expressão das inquietudes e medos diante da morte iminente.

Após a morte do paciente, torna-se primordial a atuação do Psicólogo,

colocando-se a disposição com a finalidade de prestar assistência a família a

exteriorizar os sentimentos, compreendendo as angústias do momento, permitindo

que a família veja e toque o paciente e que ajude a prepará-lo para os funerais

(ANGERAMI-CAMON et al, 2003).

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A morte presente nos hospitais, além de se referenciar como especificidade

da tarefa do psicólogo, dá a esse uma última e primordial reflexão. Essa parceria

permanente com a morte e o morrer, associada à solidão, à dor, à precariedade da

existência devem configurar ao psicólogo a essência de sua atuação: a

humanização do atendimento. O psicólogo é o principal componente para a

sensibilização da própria instituição, equipe, pacientes e familiares. Agirá como um

detector de situações constrangedoras, desumanas, ameaçadoras, que sem serem

percebidas pela equipe, passam a fazer parte da rotina diária que, de forma sútil

podem ser facilmente contornadas e esclarecidas. Viabilizando ainda a flexibilidade

ou liberação dos horários de visitas, tarefas mais simples como, preparação para

exames, condutas terapêuticas, cirurgias, estruturação de grupos de encontros, etc.

Ressaltando, uma das condutas mais importantes para a presente pesquisa, a

transformação da experiência de doença, da internação hospitalar e do processo de

morte e morrer em si, em uma vivência menos sofrida para os pacientes e seus

familiares.

Nesse contexto surgem alguns questionamentos ligados intrinsecamente à

vida e a morte. Será possível refletir a finitude humana palestrando sobre a vida? A

morte e seu processo de morrer permitem ao ser humano dar um novo sentido a

vida?

Alves (1991, apud ANGERAMI-CAMON, 2000, p. 137) nos convida a refletir

sobre a morte, partindo de um olhar, no qual a morte e a vida andam de mãos dadas

pela existência humana

A branda fala da morte não nos aterroriza por falar da morte. Ela nos aterroriza por falar da vida. Na verdade, a morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos.

Kübler-Ross (1998) apresenta em seus estudos que, o paciente em fase

terminal de sua doença tem necessidades singulares, as quais podem ser

descobertas se dispusermos de tempo para nos sentarmos ao lado de um leito, ouvir

e acolher. Esse acolhimento será vislumbrado pelo paciente de forma bastante

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significativa se a postura adotada for transparecida pela disposição de partilhar,

junto ao paciente seus medos, suas preocupações.

É indispensável, para que possa ser demonstrada essa disposição do

profissional, um primeiro contato com o paciente. A Autora inicia essa comunicação,

por meio da entrevista de abertura, na qual as duas pessoas podem se comunicar

sem medos e ansiedades. Nesse momento primordial o profissional irá emitir

tentativas, por meio de verbalizações ou ações, no intuito de tranqüilizar o paciente

fazendo com que o mesmo tenha claro que não “se vai sair correndo” se for

pronunciada a palavra câncer ou morte.

O psicólogo tem no centro de sua atuação o expressionismo gestual, capaz

de revelar qualquer espécie de sentimentos. Nesse campo, exprime-se uma

dimensão profunda aos mais diversificados tipos de sentimentos, que não são

passíveis de verbalizações. São inúmeros os sentimentos inexpressíveis. Assim o

paciente usa tão-somente o expressionismo gestual para transmitir sua fala.

Há situações em que mesmo o paciente tendo a possibilidade de expressar-

se verbalmente, seu relato vem acompanhado de fortes expressionismos gestuais.

Entre outros expressionismos de sentimentos, o olhar configura-se como o mais

abrangente em termos de dimensionamento absoluto. Mesmo carregando em si a

constância da subjetividade do ser humano, o olhar é suscetível a demonstrar o

sofrimento e a alegria, os dois extremos, de modo que as palavras proferidas sequer

podem conceber. Esse modo de se expressar faz-se bastante presente na vivencia

junto ao paciente em fase terminal, talvez pelo olhar transmitir a real dimensão da

dor, do sofrimento e do momento desesperador, que aos poucos começam a ganhar

um caráter silencioso, calmo, é geralmente vivenciado de forma sábia. (ANGERAMI-

CAMON, 1995)

Em muitos casos os pacientes em estado terminal de suas doenças, relatam

arrependimentos no que diz respeito ao amor, aquela grande paixão que não se

permitiu viver, arrependimentos por não terem dado atenção aos filhos e no que diz

respeito aos sonhos, ter fugido dos desafios, entre muitos outros arrependimentos.

Assim é evidenciado que no processo de morrer a vida se faz mais presente que a

própria morte.

Shinyashiki (1997, p. 191) psiquiatra, relata que muitas pessoas, na hora da

morte, dizem:

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“Sabe, doutor, a vida me enganou. Eu me sacrifiquei tanto, trabalhei demais,

agora que eu ia começar a viver vejo que não tenho mais tempo. Se eu pudesse

viver de novo, faria tantas coisas diferentes! Por favor, não me deixe morrer!”.

Há ocasiões em que o psicólogo atua com o paciente moribundo na tentativa

de realizar um último desejo, viabilizar um encontro com a pessoa que antes não

conseguira perdoar e que agora se faz necessário, ou apenas segurar a mão,

fazendo companhia no momento solitário de sua partida. A terapia adquire assim,

um caráter silencioso. A dor cessa e a mente entra em estado de torpor, momento

difícil para os familiares, que não sabem se vão para suas casas retornando a antiga

rotina ou permanecem andando pelos corredores intermináveis do hospital. O “tarde

demais” ganha espaço nesse período, tarde demais para palavras, realização de

antigos sonhos, intervenções médicas.

Angerami-Camon (1995) refere-se ao sentimento de abandono que o

profissional experimenta quando um paciente morre, o momento torna-se mais

desolador quando esse paciente fora atendido em um tempo significante no decorrer

de seu definhamento. Todo acompanhamento, em especial, o psicológico com o

paciente terminal, questiona de maneira categórica muitos valores da essência

humana. Tudo é questionado e visto por uma ótica totalmente nova, como se um

novo horizonte se apresentasse diante daquele momento. Os julgamentos que antes

eram verdades absolutas passam a ser consideradas sem grandes relevâncias. Já

aos insignificantes adquirem um valor inestimável.

O mais significativo nessa experiência é a troca entre dois seres humanos,

um dos quais está lutando com a morte e o outro, que não está morrendo, mas

ambos partilhando de um único destino: um dia morrer. A comprovação de como o

paciente moribundo mostra através do seu fim uma nova forma de viver, de ver a

vida e seus detalhes, uma nova perspectiva para encarar as alternativas, hora boa,

hora ruim que permeiam a existência.

(...) A morte torna-se um processo vital, determinante de um encontro com a plenitude, com a transcendência do amor e do transbordar da paixão de simplesmente viver. Simplesmente sorrir diante do encantamento, sorrir diante do belo. De simplesmente chorar quando a emoção assim o determinar; chorar diante da dor ou ainda diante de situações de alegria. De simplesmente saber que a vida é uma emoção contínua (...) (ANGERAMI-CAMON, 1995, p. 113).

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É ilimitada a necessidade que o paciente terminal tem de reforçar para

alguém, quem são e quem foram em suas vidas antes de serem acometidos pela

doença, de partilhar seus fracassos, sucessos, esperança, de relatar o momento

presente, toda a transformação que vem passando através dos dias, horas em que

se deparam onde estão e o porquê de estar. É inadmissível, é cruel que na

instituição hospitalar seja vedado isso às pessoas, condenando-as assim a uma

morte silenciosa, solitária e desumana, quando poderia ser um momento de

transformação, reflexão, e ampliação da consciência à finitude humana.

3.3 A Morte e o Morrer na Primeira Pessoa do Singular

É árduo morrer e não deixará de ser mesmo após a aceitação da mesma

como parte incondicional da vida, mesmo porque, o processo de morte e morrer

significa abdicar à vida neste mundo. Mas há tempo para reintroduzir a morte e o

morrer na vida, como uma companhia esperada e não como a estranha temida.

Entender, discernir a morte e o morrer sob um ângulo totalmente novo, pode-se

pensar com isso, em uma vida com mais significado, com total aceitação da finitude

e da limitação do acúmulo de tempo restante (KÜBLER-ROSS, 1975).

Kübler-Ross (1975, p. 53) deixa descrito em sua obra o seguinte trecho que

foi publicado em fevereiro de 1970, por uma jovem estudante de enfermagem que

vivencia o desfecho inevitável da existência. Pôde viver dentro do hospital como

estagiária e depois como paciente. Sua súplica apóia as reflexões já apresentadas

na presente pesquisa.

Sou uma estudante de enfermagem. Estou morrendo. Escrevo isto para vocês que são, e se tornarão enfermeiras, na esperança de que ao repartir com vocês os meus sentimentos, algum dia vocês sejam mais capazes de ajudar aqueles que partilharam minha experiência. Agora estou fora do hospital – talvez por um mês, seis meses, por um ano – mas ninguém gosta de falar sobre essas coisas. Na verdade, ninguém gosta de falar muito a respeito de nada. A enfermagem deve estar progredindo, mas eu desejaria que se apressasse. Ensinaram-nos a não demonstrar muita animação, a omitir a rotina do “Está tudo ótimo!” – e nos saímos muito bem. Porém agora estamos num solitário vácuo silencioso. Acabado o protetor “muito bem”, “muito bem”, o pessoal é deixado apenas com sua própria vulnerabilidade e medo. O paciente à morte ainda não é visto como uma pessoa, e assim não se pode falar com ele como tal. É um símbolo do que teme todo ser humano e do que todos sabem – pelo menos academicamente – que também teremos de enfrentar um dia. Que diziam

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em enfermagem psiquiátrica a respeito de juntar a patologia com patologia em detrimento tanto do paciente quanto da enfermeira? Havia muito a respeito de conhecer os próprios sentimentos antes que se pudesse ajudar alguém. Como isso é verdade. Porém para mim, o medo é hoje e a morte agora. Vocês entram e saem do meu quarto, dão-me remédios, verificam minha pressão. É porque sou uma estudante de enfermagem, ou apenas um ser humano, que sinto pavor de vocês? E seus terrores aumentam o meu. Por que estão apavoradas? Eu sou a única que está morrendo! Sei que sentem inseguranças, não sabem o que dizer, não sabem o que fazer. Mas, por favor, acreditem em mim: se vocês se importam, não podem estar erradas. Apenas admitam que se importam. Isto é realmente o que queremos. Podemos pedir pelos porquês e portantos, mas na verdade não queremos respostas. Não fujam... esperem... tudo que quero saber é que haverá alguém para segurar-me a mão quando precisar disso. Estou com medo... A morte pode ser rotina para vocês, mas é novidade para mim. Vocês podem não me ver como única, original, mas eu nunca morri antes... Para mim, uma vez é absolutamente única! Vocês murmuram a respeito de minha juventude: mas, quando alguém está morrendo, continua assim tão jovem? Tenho montes de coisas para conversar. Na verdade, não lhes tomaria muito tempo, pois, de qualquer maneira, vocês estão aqui mesmo. Se ao menos pudéssemos ser honestas, confessar nossos temores, tocar-nos... Se realmente se importassem, perderiam muito de seu precioso profissionalismo se chorassem comigo? Apenas pessoa com pessoa? Então, poderia não ser tão difícil morrer... num hospital... com amigos por perto...

O mundo contemporâneo nos remete a um vazio existencial expressivo. A

mídia assim como todos os outros meios de comunicação se utiliza do momento

frágil do ser humano para repassar de forma sensacionalista e cruel a realidade

distorcida dos fatos. A comunicação entre as pessoas, geralmente está ligada a tal

sensacionalismo e como tal, adentra na vida, nos lares fazendo-se presente nos

momentos em que as pessoas se reúnem.

Ora, pode-se refletir assim, que o ser humano interage com o outro por meio

de representações que o mundo contemporâneo, quase, se não impõe. Nesse caso

a ênfase pode ser dada à banalização da morte e do morrer. O imediatismo faz com

que o ser humano silencie-se diante de assuntos intrinsecamente humanos, tal como

a morte e seu processo de morrer em si próprio, ampliando sua consciência de ser

finito.

Se tal assunto, por algum motivo “cruel”, tem que ser discutido com uma

criança, o faz-se por meio de eufemismos e histórias fantasiosas, como “mamãe foi

fazer uma viagem e logo voltará”, “papai foi para o céu com os anjinhos” ou “seu

irmãozinho está junto dos anjos”, podendo ter conseqüências trágicas a médio ou

longo prazo (KÜBLER-ROSS, 1998).

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Com o adulto não se distingui muito o mesmo assunto é motivo para

eufemismos e sussurros, como se trata de um assunto vergonhoso. E se há uma

pessoa morrendo, todos procuram poupá-la dessa notícia, entendendo que não

suportaria agüentar seu fim (CARVALHO, 1996).

O fim da vida tem sua representação social, mas não se pode silenciar o fato

de que é condição humana ser destinado a um fim, e toca-nos de maneira muito

particular, remetendo-nos a inúmeras situações de perdas anteriormente vividas.

Embora todo ser humano, por seus próprios meios, tente adiar o encontro com estes problemas e estas perguntas [problemas legais, morais, éticos e psicológicos diante de questões de vida e morte] enquanto não for forçado a enfrentá-los, só será capaz de mudar as coisas quando começar a refletir sobre a própria morte, [...] o que deve ser feito por todo o ser humano individualmente. Todos nós sentimos necessidade de fugir a esta situação; contudo, cada um de nós, mais cedo ou mais tarde, deverá encará-la. Se todos pudéssemos começar admitindo a possibilidade de nossa própria morte, poderíamos concretizar muitas coisas, situando-se entre as mais importantes o bem-estar de nossos pacientes, de nossas famílias [...]. (KÜBLER-ROSS, 1998, p. 22).

As pessoas desejam não falar de nada, silenciam-se. Daí a real importância

dos profissionais da saúde, em especial o profissional da psicologia, ver em seus

pacientes si próprios, ou seja, ter claro que compartilham das mesmas experiências,

da mesma existência de ser humano. O paciente terminal precisa ser acolhido, mas

não só, precisa ser compreendido como expressão única, tendo em sua condição

ontológica um processo de morte e morrer único. Compreendê-los nesses

momentos finais significa possibilitar condições de transformação e ampliação da

consciência à finitude humana e ainda garantir-lhes dignidade e qualidade de vida

que há no processo de morrer.

3.4 A Bioética e o Cuidar em Situação de Morte: Dignidade e Solidariedade no Adeus à Vida

“Há uma inegável tendência no pensamento contemporâneo a enxergar, a

nós mesmos e aos outros, não como se tivéssemos nossas doenças, mas como se

fôssemos nossas doenças” (REMEN, 1993, p. 24).

Tal reflexão nos permite repensar de que maneira estamos se referindo aos

pacientes ou a nós. Ao rotularmos como “diabético”, “renal crônico” e “asmático”,

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retira-se a subjetividade da pessoa, lhe dificultando o acesso a sua identidade,

caracterizando assim, a mudança do ser para a doença do ser.

Seguindo o contexto, torna-se primordial relembrar o artigo III, expresso na

Declaração Universal dos Direitos Humanos2, proclamado em 1948.

“Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoa”.

É a partir desse ponto, os quais se conflitam dois interesses, um visto por um

ângulo em que o paciente é a própria doença, manifestando nada além daquilo que

é decorrente da doença. Já um outro olhar acerca do paciente lhe garante o direito à

vida e sua liberdade, fazendo com que o ser humano acometido por uma doença se

desprenda do estigma de “ser a doença” e passe a ser um ator ativo no processo.

Essa última dimensão vem ganhando cada vez mais espaço na área da saúde.

E é nesse mesmo contexto que a Bioética se insere. Assim, conhecê-la na

história, seus conceitos e princípios, nos permitirá repensar sua prática.

A Bioética surgiu em 1971 com o objetivo de unir os conhecimentos da

Biologia e da Ética para ajudar a humanidade a uma participação racional, mais

cautelosa, no processo da evolução biológica e cultural.

A Bioética não possui um conceito uno podendo ser compreendida por

diferentes correntes, tendências e escolas, que conforme critérios geográficos e

culturais adaptam tal entendimento ao seu contexto. A literatura tem se referido a

Bioética como a ética da vida.

Em seus estudos Pessini e Barchifontaine (2002, p. 32) relatam que

Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética). Pode-se defini-la como o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar.

Houve três importantes momentos na evolução do conceito da Bioética. O

primeiro momento se deu com uma Bioética como ponte entre a Biologia e a Ética.

Já o segundo momento, caracterizado por uma Bioética global, sendo que essa

engloba éticas especializadas. No terceiro e último momento a Bioética se

aprofundou, abrangendo um entendimento em que o planeta faz parte de grandes 2 Anexo 1.

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sistemas entrelaçados e interdependentes. A Carta da Terra3 relembra o ser humano

que a recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem

da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma

rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio

ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todas as

pessoas.

O Código de Nuremberg4, (criado após o julgamento de 23 pessoas acusadas

pela morte de 123 judeus russos que fariam parte da coleção de esqueletos do

Museu da Universidade de Strausbourg na França) foi o marco que deu início ao

pensar sobre Bioética. Pode-se dizer que foi a partir dos experimentos nazistas que

surgiu o estímulo à elaboração do primeiro texto de referência em Bioética.

Em 1964 o Código de Nuremberg passou por uma revisão na Finlândia que

resultou na Declaração de Helsinque5, documento de referência internacional que

estabelece diretrizes para pesquisas médicas de modo a preservar a integridade

física e moral dos voluntários. Esta declaração passou por uma série de

atualizações. A última foi realizada na Escócia no ano de 2000.

No ano de 1973 se começa a falar de Bioética como nova disciplina

acadêmica. Em 1978 passa a existir a primeira enciclopédia de Bioética. Já na

década de 1980 é posto em discussão na ética das ciências médicas, por

pesquisadores e por toda sociedade, questionamentos a respeito do caminho que

estaríamos percorrendo em direção ao futuro da vida de nosso planeta e a própria

sobrevivência da espécie humana.

No Brasil existem várias iniciativas, institucionais e pessoais, bem como

centro de estudos de bioética em diferentes pontos do país. Em 18 de março de

1995, foi fundada oficialmente no estado de São Paulo a Sociedade Brasileira de

Bioética. Objetiva congregar docentes e pesquisadores das diferentes áreas de

interesse da Bioética.

Nesse mesmo contexto a Bioética vem se desenvolvendo dentro dos

domínios das instituições Universitárias, por meio de centros e institutos de pesquisa

situados em todos os Estados, mostrando sua importância e contribuições nas áreas

da saúde, jurídicas e demais áreas.

3 Anexo 2. 4 Anexo 3. 5 Anexo 4.

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A Psicologia nessa perspectiva incorporou por meio das Diretrizes

Curriculares, conforme Resolução n° 8, de 2004, do Conselho Nacional de

Educação, a atitude Bioética, tratada em seu art. 4°, alínea “a”, a qual declara:

“Atenção à saúde: os profissionais devem estar aptos a desenvolver ações de

prevenção, proteção e reabilitação da saúde psicológica e psicossocial, tanto em

nível individual quanto coletivo, bem como a realizar seus serviços dentro dos mais

altos padrões de qualidade e dos princípios da Ética/Bioética”.

A institucionalização da Bioética no Brasil é marcada por forte influência dos

profissionais médicos, aliados a teólogos e atores das igrejas. No contexto brasileiro

a Bioética engloba além das questões biomédicas as questões sociais e ambientais.

Para fundamentar sua teoria, são apresentados alguns princípios que devem

ser repensados e adaptados para cada contexto social, cultural, religioso e

econômico:

-‘Autonomia’, capacidade de uma pessoa decidir, fazer ou buscar aquilo que

julga ser o melhor para si, não infringindo os outros princípios.

-‘Beneficência’, obrigação moral de agir para o benefício do outro.

-‘Não-maleficência’, dever que o profissional da saúde possui de

intencionalmente não causar mal e/ou danos às pessoas.

-‘Justiça’, equidade na distribuição de bases e recursos considerados

comuns, numa tentativa de igualar as oportunidades de acesso a estes bens

(PESSINI e BARCHIFONTAINE, 2002).

Os profissionais devem atenciosamente mensurar os benefícios e os

malefícios do tratamento aplicado ao paciente, ou seja, estar atento para o princípio

da beneficência, assim como, considerar os riscos e os benefícios de cada decisão

tomada pelo corpo clínico, considerado como o princípio da não-maleficência. Tal

preocupação emanada pelos profissionais em mensurar, amplia a possibilidade de

evitar um tratamento inútil ou até mesmo fútil. O tratamento deve estar pautado nos

objetivos de prevenção, cura, cuidado, reabilitação e alívio da dor (PESSINI, 2005).

Assim, é possível refletir, qual a repercussão para uma pessoa que está em

tratamento ouvir de seu médico que se esgotaram as possibilidades de cura e

dispõe de três meses, um ano ou dois a mais de vida?

Tal questionamento abre espaço para a discussão da prática dos profissionais da

saúde, nesse caso em especial o profissional da psicologia, em lidar com os

pacientes terminais na esfera dos cuidados paliativos, bem como seus conceitos

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definido pela Organização Mundial de Saúde, questões éticas e a cultura do ensino

dos cuidados paliativos na sociedade. Não se pretende aprofundar-se no referido

tema, mas, possibilitar reflexões acerca das questões lançadas na presente

pesquisa, a fim de compreender as possibilidades do ser humano ampliar sua

consciência a respeito da finitude humana, vivenciando seu processo de morte e

morrer no contexto hospitalar.

A Organização Mundial de Saúde, em 1990 definiu cuidados paliativos como

O cuidado ativo total de pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Controle da dor e de outros sintomas e problemas de ordem psicológica, social e espiritual são prioritários. O objetivo dos Cuidados Paliativos é proporcionar a melhor qualidade de vida para os pacientes e seus familiares.

No ano de 2002 a Organização Mundial de Saúde redefiniu o conceito de

cuidados paliativos, focando na prevenção do sofrimento humano, eis o novo

conceito

Cuidados Paliativos é uma abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual.

Admitir que o paciente não contará mais com recursos para o resgate de uma

possível cura, não significa que se esgotou igualmente as possibilidades de cuidado.

Abre-se uma vasta gama de condutas que podem ser proporcionadas não só aos

pacientes como aos seus familiares. Condutas no plano concreto, as quais tendo em

vista o alívio da dor física e psíquica, a redução do desconforto em que o paciente é

exposto, mas, sobretudo disseminar possibilidades de situar-se frente ao desfecho

de sua vida.

Nesse sentido os cuidados paliativos oferecem uma passagem entre a

aptidão técnica da medicina e a cultura do respeito à autonomia do paciente. Mesmo

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não tendo a possibilidade de cura, o cuidar sempre é plausível, sendo um caminho

para assistir a pessoa em seu morrendo e proporcionar a mesma maior qualidade de

vida, pois, é dever ético reverenciar a vida enquanto esta se faz presente.

Apresentar sensibilidade para escutar um pedido vindo de um doente

moribundo e deixar-se afetar, este pode ser o gesto que inicie a psicologia, no

sentido mais nobre do termo (ANGERAMI-CAMON, 1995; GUTIERREZ, 2001;

SCHRAMM, 2002; MIGUEL e SANTOS, 2003; SOUZA e BOEMER, 2005).

Tal sensibilidade fez de Elisabeth Kübler-Ross e Cicely Saunders as maiores

personalidades da contemporaneidade. Revolucionaram completamente a arte de

cuidar dos pacientes que se encontram no final de suas vidas. Cicely Saunders

(1918-2005) introduziu no contexto dos cuidados de saúde uma filosofia de cuidados

paliativos institucionais e Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004) inovou ao descrever

todo o processo pelo qual o ser humano passa na fase final de vida (PESSINI,

2005).

É nessa perspectiva de reconhecer o paciente terminal ou incurável como

uma pessoa, capaz de relacionamento até o final de sua vida é que estão envolvidas

as questões éticas em cuidados paliativos. A ética do cuidado acentua

fundamentalmente a natureza dependente e vulnerável do ser humano. Assim, a

ética não diz respeito apenas ao processo de decidir, vai além, compreende a

qualidade das relações, tais como continuidade, abertura, confiança, questões

existenciais. Os pacientes terminais têm essencialmente os mesmos direitos que os

outros pacientes, uma vez que os mesmos possuem o direito de receber cuidados

médicos, apoio pessoal, direito a informações, mas também o direito de recusar tais

cuidados. A recusa de tratamento não deve influenciar na qualidade dos cuidados

paliativos (idem).

O desafio ético maior está em conceber as questões ligadas diretamente à

dignidade no adeus a vida, não somente na dimensão físico-biológica e médico-

hospitalar, mas, integrando a dimensão sócio-relacional (idem).

Desta forma é importante ressaltar a preocupação de Schramm (2002, p.17)

quando enfatiza que é primordial investigar as percepções que a sociedade tem a

respeito dos cuidados paliativos e comparar os resultados com as práticas e o

ensino dos cuidados paliativos, “considero a operação de esclarecimento dos termos

condição necessária para um discurso correto sobre o ensino dos cuidados

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paliativos visto que permite em princípio evitar mal-entendidos sobre o que se está

falando, sobre o que se pretende fazer e para quê”.

E assim é “Como fomos ajudados para nascer, precisamos ser também

ajudados no momento do adeus à vida” (PESSINI, 2005).

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4 EDUCAÇÃO PARA A MORTE

É possível uma educação para a morte? Trata-se de visitar o mundo da

morte, para assim, conhecer o mundo da vida. Educar para a morte só terá sentido

se, ao mesmo tempo e soberanamente, for educar para a vida. Então, a pergunta

destinada à morte será transformada na busca do ser humano por si mesmo, sua

ontogênese e por sua nobre existência.

O modo como se lida com a morte ao longo dos tempos, traz informações

importantes para estabelecer um entendimento de seus rituais e de seu

enfrentamento presente na vida das pessoas.

Talvez uma das maiores angústias do ser humano, sobretudo na atualidade,

seja enfrentar, lidar e vivenciar a morte e seu processo de morrer. Porém, nem

sempre foi assim. A maneira de confrontar a morte mudou expressivamente com o

passar dos séculos (ARIÈS, 2003).

O mesmo Autor realizou um estudo sobre a história do ser humano diante da

morte, a relação com ela, como provoca e recebe significações e interpretações na

vida de cada ser humano. Assim, na primeira fase da Idade Média a morte era

esperada no leito. Tratava-se de uma cerimônia pública, sendo que essa era

organizada pelo próprio moribundo. A presença de vizinhos e amigos tinha

fundamental importância e, diferente da atualidade, levavam-se crianças. O Autor

denomina a morte dessa época como a morte domada.

A participação das crianças no processo de morte e morrer faziam com que

as mesmas não se sentissem sozinhas na dor, possibilitando-as conforto de uma

responsabilidade e luto compartilhada. Kübler-Ross (1998) enfatiza que tal fato traz

consigo uma preparação gradativa para a criança encarar a morte como parte da

vida, caracterizando-se como uma experiência que irá ajudá-las a crescer,

amadurecer e, sobretudo, ressignificar a vida educando-se para a morte.

Já a segunda fase da Idade Média, ou seja, nos séculos XI e XII acontecem

modificações diminutas que aos poucos darão sentido dramático ao ser humano

diante da morte. Surge a preocupação com a singularidade de cada indivíduo. A

morte de si mesmo, assim denominada pelo Autor, lança dimensões, as quais são: a

representação do juízo final, o código da biografia pessoal e o cadáver decomposto.

“A decomposição é o sinal do fracasso do homem, e neste ponto reside, sem dúvida,

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o sentido de macabro, que faz desse fracasso um fenômeno novo e original”

(ARIÈS, 2003, p. 56).

Desde os meados da Idade Média, o homem ocidental poderoso, letrado e

rico reconhece a si próprio em sua morte.

A partir do século XVIII o ser humano ocidental dá um novo significado para a

morte. Ele a dramatiza. Porém, já se ocupa menos com a própria morte dando lugar

para a morte retórica, a morte do outro, cuja saudade e lembrança inspiram nos

séculos XIX e XX o início de um novo culto aos túmulos e cemitérios. No século XIX

a morte estava presente em toda parte, em cortejos de enterros, nas roupas de luto

e visitas aos túmulos.

No decorrer do séc. XX até os dias de hoje o que se vê é um desejo que a

morte passe despercebida, alterando o cotidiano o menos possível. A morte é vista

como algo distante. É banida da comunicação entre as pessoas.

Assim Ariès (2003) dá sentido a toda a perspectiva histórica da morte e do

morrer quando afirma que ”o homem foi, durante milênios, o senhor soberano de sua

morte e das circunstâncias da mesma, hoje deixou de sê-lo” (p. 231).

Paradoxalmente, nesse mesmo século, até a atualidade, a morte encontra-se

cada vez mais próxima das pessoas. Essa proximidade se dá, principalmente pelo

desenvolvimento dos meios de comunicações. Assim, ao mesmo tempo em que a

morte é encarada como tabu, em uma sociedade que debater sobre o tema é

mórbido, torna-se companheira cotidiana, invasiva e sem limites. Embora essas

mortes estejam tão próximas, real ou simbolicamente, o que impera entre as

pessoas é uma atmosfera de silêncio (KOVÁCS, 2005).

Kübler-Ross (1998) descreve as intensas mudanças na sociedade, tais

mudanças são expressas pelos avanços tecnológicos. O ser humano tem se tornado

cada vez mais egocêntrico, preocupando-se menos com os problemas da

comunidade. Essas mudanças têm seus impactos na maneira com a qual os seres

humanos lidam com a morte nos dias atuais.

Nessa perspectiva, é tarefa do profissional da saúde, também educar e

contribuir para ampliação e modificação das atitudes frente à morte e morrer. Sendo

que, educação pode ser entendida como desenvolvimento pessoal e

aperfeiçoamento do ser, desmistificando os padrões de informações prontos e

estáticos. Lançando o ser humano, mesmo massificado pela sociedade ao

crescimento e aprimoramento.

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Mas, como se dá a educação para a morte? Devido aos distúrbios de

comunicação, denominado conspiração de silêncio, observam-se pais que não

sabem se devem falar com seus filhos sobre a morte, profissionais de saúde

frustrados ao falar a seus pacientes e familiares sobre a possível morte iminente, e a

evidente negação do tema, professores que se vêem perdidos com perguntas

persistentes sobre mortes de amigos, de pequenos companheiros ou um ídolo.

Educar para a morte envolve ampliarmos os horizontes do entendimento da

morte e seu processo de morrer. A morte é um acontecimento cotidiano. Em um

sentido mais amplo do termo, pode-se pensar a morte e seu processo na dimensão

da natureza: o dia que começa e se finda, o animal que morre a planta que murcha;

um ciclo saudável e necessário da existência. A partir dessa reflexão, a educação

para a morte traz a possibilidade de ampliar o olhar lançado sobre a morte como

fatalidade, ruptura. Ao contrário, contribuir na comunicação e na troca dos

sentimentos, da dor das várias formas de negá-la (KOVÁCS, 1992).

Nesse sentido, a comunicação é um dos processos básicos de todo o

procedimento educativo. Ao falar sobre a morte e morrer em seu processo, fala-se

também em vida. Isso possibilita a reflexão sobre a qualidade da mesma (KOVÁCS,

2003).

4.1 Medidas Sócio-Educativas: Atuação Profissional do Psicólogo.

O que se propõe nesse momento é a amplificação dos desígnios da educação

para a morte, baseada na relevância do debate do tema numa sociedade na qual

convive com a morte interdita, com a re-humanização da morte e do morrer. São

incontáveis as imagens da morte escancaradas no cotidiano das pessoas. Essas

mortes anônimas parecem distantes quando pensadas geograficamente, mas se

aproximam quanto à possibilidade de identificação enquanto seres de uma mesma

espécie destinada a um fim: seres humanos.

É fundamental considerar que, tal educação acontece de modo único em

cada população. É indispensável tomar o cuidado para não desapropriar ninguém

dos seus próprios saberes. Inicia-se na busca do conhecimento próprio de cada

cultura (TINOCO, 2003).

A seguir apresentam-se medidas sócio-educativas como propostas para

desenvolvimentos de espaços de reflexão sobre a questão da morte e do morrer, em

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instituições e locais que ainda carecem de maior desenvolvimento e ainda lançar

propostas de ações para o profissional da Psicologia. Tais medidas sócio-educativas

são sustentadas pelos estudos de Kovács:

Educação para a morte desde o berço

A partir dos três anos de idade as crianças podem ter acesso ao tema da

morte e do morrer.

Proposta:

• Por meio de livros, filmes, jogos, conversas e, fundamentalmente, ter suas

perguntas respondidas de modo correto e adequado com sua idade.

Educação para a morte nas escolas

O tema da morte e do morrer não se faz presente no cotidiano escolar. Utiliza-

se como argumento o despreparo dos professores e demais profissionais envolvidos

no processo educativo.

Propostas:

• Propiciar espaços de treinamento em serviço na própria escola, com

módulos específicos, como, por exemplo: como falar com uma criança que sofreu a

perda de pessoas significativas; como integrar uma criança gravemente enferma nas

atividades didáticas e de recreação; como lidar com o suicídio de pessoa conhecida

na escola;

• Sugerir bibliografia para subsidiar a formação dos professores nesse assunto

específico;

• Oferecer assessoria contínua no que diz respeito ao preparo das atividades

pedagógicas sobre o tema da morte e do morrer, discutir e preparar os professores

para o uso da arte e da literatura como facilitador sobre o tema.

Educação para a morte na comunidade

A morte ainda é marcada como uma estranha temida na vida da maioria da

comunidade. Há poucos fóruns de discussões sobre o assunto, a não ser em

ocasiões específicas. Assim, é importante oferecer informações corretas, suscitando

uma comunidade mais apta a lidar com as perdas, a morte e o luto.

Propostas:

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• Realizar um levantamento das dúvidas e necessidades da comunidade

acerca da temática, para assim, realizar oficinas com a comunidade, proporcionando

informações, esclarecendo as dúvidas e ampliando os saberes acerca do tema da

morte e do morrer.

• Oferecer vivências, possibilitando o contato com os próprios sentimentos, com

o mundo interno e a discussão sobre a morte no cotidiano. Tais espaços podem ser

abertos em postos de saúde, bibliotecas, escolas, universidades, ou quaisquer

outros freqüentados por pessoas interessadas em debater o tema.

Educação para a morte nos hospitais

As perdas e a morte dentro da instituição hospitalar ainda, embora estejam

mudando expressivamente, são vistas como erro ou fracasso. O prolongamento da

vida e do tempo da doença faz com que haja maior tempo de convívio entre

pacientes gravemente enfermos, familiares e equipe de cuidados. Os profissionais

envolvidos calam-se diante da experiência da morte e do morrer, o que geralmente,

ocasiona sérios distúrbios de comunicação, não só entre a equipe de saúde, mas,

com os familiares e com o próprio paciente.

Proposta:

• Propor, com o envolvimento dos vários membros da equipe de saúde

debates, vivência, grupos de reflexão e elaboração do tema da morte e do morrer

nas suas várias facetas como: comunicar ao paciente e seus familiares sobre o

agravamento da doença, como abordar a família quando da aproximação da morte,

como lidar com a expressão do desejo de morrer por parte do paciente, ou da

família, que não suporta ver tanto sofrimento, como lidar com pacientes que estejam

apresentando forte expressão emocional: medo, raiva e tristeza.

Educação para a morte na mídia

Estamos vivenciando com várias mentalidades da morte no início do século

XXI: a morte interdita, re-humanizada e escancarada. Os meios de comunicação

trazem a morte escancarada, que emerge nos domicílios como uma torrente de

imagens que implicam em mortes nas suas mais diversas configurações, nas

novelas, em filmes, nos noticiários e documentários. Não se pode mascarar a morte

presente nos acidentes, nas guerras e que precisam ser noticiadas.

Propostas:

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• Discutir junto com os profissionais de comunicação a possibilidade de abrir

um espaço para que os temas relacionados com a morte e o morrer possam ser

apresentados e acompanhados de um tempo de reflexão, com possibilidade de

discussão sobre o assunto, diminuindo assim a banalização da morte e do morrer.

• Pensar junto com os profissionais de comunicação numa maneira menos

agressiva de mostrar a morte, ou que a morte não sirva como mercadoria cujo único

objetivo seja o aumento do índice de audiência, tratando tal assunto de maneira

mais humana.

A atmosfera de negação e banalização da morte e do morrer que se

manifesta no mundo contemporâneo, influencia novas gerações, fazendo brotar uma

concepção empobrecida tanto da vida quanto da morte. É hora de sorver da morte e

do morrer a unicidade humana, ou seja, fazer dessa experiência de morte e morrer,

o incentivo, por meio também da educação para a morte, para o ser humano rever

que, tal experiência é condição de sua espécie. Relembra-o que todos possuem as

mesmas necessidades, os mesmos temores, as mesmas lutas e desejos. Embora a

morte e o morrer configurem-se como fim, essa companheira cotidiana amplia a

consciência da finitude humana, atribuindo sentido à existência.

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5 VIVER E MORRER NO HOSPITAL: UMA POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DA

CONSCIÊNCIA DA FINITUDE HUMANA

Alguém tem que aprender que a morte é uma caçadora e que se encontra sempre à nossa esquerda. Alguém tem que pedir o conselho da morte e abandonar a maldita mesquinharia que pertence aos homens que vivem suas vidas como se a morte nunca fosse bater no ombro (ALVES, 1991, p. 15).

Pensar a morte e o processo de morrer como possibilidade de evolução e

ampliação da consciência da finitude humana, nem sempre é conceituá-la como o

fim triste e cruel da existência, requer muito desapego para desmistificá-la.

Nessa nova perspectiva a morte e o processo de morrer ganham maior

amplitude. Pode-se pensá-la na dimensão da natureza. O pôr-do-sol junto com o

anoitecer revela a finitude do dia. Assim, os seres se recolhem na escuridão para

esperar um novo recomeço: a alvorada. Não só, mas, a planta que nasce e murcha,

o processo que cada folha de árvore passa durante as estações do ano, tudo em

uma continua transformação, na qual há morte e renascimento.

Se formos pensar a morte e o processo de morrer em um ciclo saudável e

natural do desenvolvimento humano, começaríamos falando da primeira morte que é

o nascimento, deixamos o ventre materno para fazer parte de um mundo até então

desconhecido. Cada fase do desenvolvimento humano nos mostra uma morte e um

renascimento. Com a chegada da adolescência é preciso matar em nós a criança

que éramos para renascermos na fase adulta, e assim é, precisamos morrer todos

os dias sem nos esquecermos de renascermos ainda mais elevados.

Seguindo essa perspectiva vale ressaltar também a dimensão que a morte e o

morrer lançam todos os dias diante de nossas escolhas, objetivos, e planos que,

geralmente, projetamos para um futuro o qual não sabemos se chegará, ou seja,

almejamos a infinitude tendo como expressão da condição de ser humano a finitude.

O erro está em ligar a morte sempre à ausência de vida, existem outros tipos

de morte e precisamos nos atentar para esse fato.

O presente capítulo intenciona em seu escopo o convite à reflexão, aqueles

que, por sua vida ou profissão, estão atrelados com a fragilidade, o sofrimento e a

morte, para a produção de sentido, na qual a morte e o processo de morrer lançam a

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perspectiva de evolução, crescimento e a ampliação da consciência da finitude

humana, precisamente dentro de um contexto hospitalar. Para deixarmos as

respostas repetitivas, preconcebidas e ousemos mover-nos na riqueza e na

densidade da nossa natureza humana, tornando-nos plenamente humanos e

restabelecer à nossa humanidade sua verdadeira dimensão.

Por meio da perspectiva apresentada anteriormente, pode-se afirmar que

enfrentar a morte não é uma tarefa só para o paciente que se encontra em estágio

final de sua doença, e sim para toda a existência, desde o nascimento.

Focamos nesse momento o paciente em estado terminal de sua doença. Uma

doença, cuja possibilidade de tratamento não é mais vislumbrada, pode ser um

momento de crescimento, principalmente na consciência de que todos pertencentes

a uma espécie, aqui denominada humana, somos destinados inevitavelmente a um

fim e com isso originar novos sentidos na vida mesmo vivenciando o desfecho da

mesma.

Lançar uma perspectiva entusiasta do viver e do morrer dentro do contexto

hospitalar não significa ser ingênuo diante de tal processo.

Tendo como fundamento a presente pesquisa e tudo que nela foi estudado e

revisado é possível responder ao questionamento, o qual impulsionou a produção da

mesma: o processo de morte e morrer, nos hospitais, amplia a consciência da

finitude humana?

Defende-se, então, a tese de que é possível, embora profundamente

desafiador, ampliar a consciência da finitude humana diante do processo de morte e

morrer, encontrar sentido para a vida, sentido esse que, a morte pode oferecer.

Mesmo que dentro de um contexto hospitalar, há possibilidade do desenvolvimento

pessoal de maneira mais integral, no sentido compreendido por Jung como

individuação: o desenvolvimento interior que se propõe durante o existir.

O ambiente hospitalar nos reporta há um mundo de possibilidades para

ampliar a consciência humana. Nesse palco cheio de rotinas, saturado da fragilidade

humana, onde pessoas sofrem buscando incessantemente um alívio para suas

dores, psíquicas, físicas e espirituais, onde a morte é anunciada a protagonista do

grande teatro da existência, origina-se a oportunidade do auto-conhecimento,

promovendo assim, a ampliação da consciência de que somos seres terminais no

processo de existir.

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É possível sim, gerar novos sentidos, encontrar a cura na morte. Tal

perspectiva não é marcada pela ingenuidade, não se nega que, na atualidade morrer

no hospital ainda é mecânico, solitário e até desumano em comparação a Idade

Média que se morria no lar com presença de amigos e familiares. Porém, não se

pode negar igualmente que, essa realidade está em tempos de intensas mudanças.

Há possibilidades de viver e morrer no hospital com dignidade. Os momentos

vivenciados nesse contexto propiciam ao ser humano infindáveis reflexões acerca de

tudo que já foi vivido, das escolhas, dos amores, do caminhar para um lugar

projetado no futuro, que agora se faz tão presente no desfecho dessa caminhada.

Esse pensar sobre a vida, a morte e o morrer de si em si mesmo, dá inicio a

ampliação da consciência à finitude humana. Tal ampliação é fruto de um processo

pedagógico da morte e do morrer.

É preciso ter claro que não só o paciente tem possibilidades de ampliação da

consciência, todos envolvidos no processo saúde-doença, ou seja, paciente, equipe

de saúde e familiares.

Torna-se imprescindível que a equipe de saúde tenha como alicerce o

cuidado e o acolhimento. Mesmo diante de uma nova perspectiva, a morte e o

processo de morrer não deixarão de suscitar no ser humano sentimentos

genuinamente humanos, tais como: angústia, medo, solidão e desespero. Mas,

ininterruptamente será plausível acolher o outro em seu morrendo, cuidar da dor do

outro, proporcionando qualidade de vida: a vida que há na morte. Ora, ver o outro na

terminalidade de sua existência, é relembrar o próprio fim, a vulnerabilidade e a

impotência do ser humano diante dos fatos, aceitar e refletir essa questão dá início à

ampliação da consciência a finitude humana.

Pode-se refletir inúmeros meios que conduzam o ser humano à ampliação da

consciência da finitude humana.

Em todos os meios a seguir há um ponto chave no real processo de

ampliação da consciência: a transformação, ou seja, não basta refletir, educar-se,

vivenciar é necessário transformar-se diante do processo de morte e morrer,

ressignificar a existência tornando-nos assim conscientes de que somos mortais e

que a vida-morte acontecem juntas no aqui e agora. Possibilitando ao ser humano

viver com plenitude.

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• Vivenciando o próprio processo de morte e morrer. Inspiração da

presente pesquisa esse tópico, reafirma a resposta de que o processo de

morte e morrer amplia no ser humano a consciência de constituir-se de um

ser terminal em todas as etapas da vida e da morte.

• Assistir o outro em seu morrendo. O ser humano vive em relação com

os outros e com o meio que está inserido, dessa forma, o outro se torna

um referencial, cuidar da vida que está partindo relembra-nos a própria

finitude.

• Educação para a morte. Incluem-se aqui todas as formas já citadas na

presente pesquisa, além de outras pedagogias em que é possível rever as

questões ligadas à vida e a morte, desvinculando-se do conceito em que

vida e morte são oposições.

• As mortes simbólicas. Envolvem aqui todas as mortes simbólicas citadas

no presente capítulo, desde a dimensão da natureza até o processo de

desenvolvimento humano e todas as mortes vividas no dia-a-dia.

Deve-se mencionar ainda que, os meios apresentados não seguem escalas,

todos conduzem a ampliação da consciência da finitude humana, podendo

acontecer de forma conjunta ou mesmo separados.

Ampliar a consciência da finitude humana não significa viver da morte, mas,

transformar-se diante do processo de morte e morrer, sejam elas simbólicas ou

concretas. Ser consciente é saber que não existe uma linha tênue que separa a vida

e a morte, morte-vida acontecem juntas. A conscientização desse acontecimento

inspira momentos de reflexão e ajuda a transformar e dar sentido a uma vida em que

as obrigações do cotidiano saem do palco principal dando lugar a um novo

protagonista: o sentido da vida, pois a morte é um espelho no qual o inteiro

significado da vida é refletido.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca pela concretização de um projeto de vida é o retrato feito neste

trabalho. Essa busca, incessante, pelo saber fez florescer uma pergunta que me

fascinou durante vários anos de vida, e agora respondida e tratada de forma

científica, ou seja, a possibilidade do ser humano ampliar a consciência da finitude

humana.

A pesquisa trouxe o assunto em uma perspectiva ampla, por meio da

passagem histórica do processo de morte e morrer. No qual foram percebidas duas

características principais: a simplicidade das cerimônias e o fato de ser um evento

público, até em nosso contexto atual em que os pacientes vivem e morrem isolados

em quartos de hospitais.

A conscientização pela finitude humana passa por uma interdisciplinaridade

entre os profissionais que lidam com ela diariamente, acolhendo as pessoas que

estão sofrendo com a perda de um ente querido, como com quem está vivenciando

a possibilidade da morte de um paciente. Aliás, é o momento de parar de ver nossos

pacientes apenas em suas patologias e tratá-los pelo que são: seres humanos,

estes que, encontram-se na fragilidade da existência buscando além das tecnologias

médicas, o cuidado e o acolhimento frente ao desfecho da vida. É nesse caminhar

que se encontra o aconchego na relação da tríade: profissional da saúde-paciente-

familiares, aumentando assim, a qualidade de vida.

A plenitude da vida que o ser humano necessita está ligada diretamente com

a sua aceitação da morte, seja ela simbólica ou concreta, a partir da reflexão do

educar-se ou de simplesmente viver, pois fica claro na presente pesquisa que a

morte nunca fala sobre si mesma. Ela fala da vida e o que se está fazendo com ela.

As pessoas não percebem, mas estão vivendo um morrer constante e o

encontro com a morte a cada minuto que passa fica mais próximo. Porém, o

cotidiano deixou nas pessoas escudos que fazem da morte uma assombração na

qual todos fogem e é nesse contexto de vida que a conscientização pela finitude

humana deve adentrar e tentar abaixar esse escudo pessoal e mostrar que morrer é

algo necessário e importante para a plenitude da vida humana.

Ao longo dos estudos realizados, passando por autores renomados no

assunto, como Elizabeth Kübler-Ross, Maria Júlia Kóvacs, Valdemar Augusto

Angerami-Camon entre outros, vale aqui ressaltar a reflexão feita por Pessini (2005),

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o qual expressa o desejo prioritário do grupo de autores estudados, diz que, quem

cuida e se deixar tocar pelo sofrimento humano do outro torna-se um radar de alta

sensibilidade, se humaniza no processo, para além do conhecimento científico, tem

a preciosa chance e o privilégio de crescer em sabedoria. Tal sabedoria nos coloca

na direção da valorização e da descoberta de que a vida não é um bem a ser

privatizado, mas um bem fundamental, um “mistério” e dom a ser vivido

prazerosamente e partilhado com os outros.

Conclui-se assim, que a presente pesquisa lança possibilidades e

perspectivas, mas é essencial que estudos continuem sendo realizados, não com o

intuito de objetivar a morte e seu processo de morrer, mas, ter na ciência o amparo

para que se possa cada vez mais tornar-nos, aqui em especial o profissional da

Psicologia, cientistas possibilitadores da ampliação da consciência e sentido no

mundo, no lar da humanidade.

Fica aqui meu desejo de que, todos nós possamos morrer todos os dias e

renascer ainda mais elevados, gratos e conscientes que somos seres humanos, e

fazendo parte dessa espécie, todos sem exceção, somos destinados à morte. E

afirmo com sinceridade ter morrido muitas vezes durante a produção dessa

pesquisa.

Findo essa pesquisa com as palavras sábias de Saunders (apud KOVÁCS,

2003, p. 35): “o sofrimento somente é intolerável quando ninguém cuida”

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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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STEDEFORD, A. Encarando a morte uma abordagem do relacionamento com o paciente terminal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. SOUZA, L. G. A, BOEMER, M. R. O cuidar em situação de morte: algumas reflexões. Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38 (1) 49 – 54. Disponível em: <http://www.fmrp.usp.br/revista/2005/vol38n1/7_o_cuidar_situacao_morte.pdf>. Acesso em: 07 de julho de 2007. SHINYASHIKI, R. O sucesso é ser feliz. 122. ed. São Paulo: Gente, 1997. TINOCO, V. Morte: como as pessoas enfrentam?

Conferência proferida na Jornada

Científica InCor 2003, Módulo Psicologia aplicada à Cardiologia: Morte e Perdas no Contexto Hospitalar. São Paulo, 2003.

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8 LEITURAS COMPLEMENTARES ANGERAMI-CAMON, V. A. (Org.) et al. O doente, a psicologia e o hospital. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1996. BOFF, L. Espiritualidade: um caminho de transformação. 3. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. CAMPOS, T. C. P. Psicologia hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU, 1995. FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio do século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GHEZZI, M. I. L. Convivendo com o ser morrendo. 2. ed. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzatto, 1995. KÜBLER-ROSS, E. A roda da vida: memórias do viver e do morrer. 2. ed. Rio de Janeiro: GMT, 1998. LEPARGNEUR, F. H. O doente, a doença e a morte: implicações sócio-culturais da enfermidade. Campinas: Papirus, 1987. MARANHÃO, J. L. S. O que é morte. São Paulo: Brasiliense, 1985. MAY, R. Origens e significados da Psicologia Existencial. In: ____. A descoberta do ser: estudos sobre a Psicologia Existencial. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p 39-64. RESENDE, V. L. (Org.) et al. Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem interdisciplinar do paciente terminal. São Paulo: Editora da Unicamp, 2000. RODRIGUES, J. C. Tabu da morte. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1983. SIQUEIRA-BATISTA, R. Eutanásia e compaixão. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 4, n.50, p.334-340, 2004.

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________. (Org.) et al. Novos Rumos na psicologia da saúde. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

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9 ANEXOS

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ANEXO 1 – DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da

família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,

da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em

atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um

mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade

de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta

aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de

Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião

contra a tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre

as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos

direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na

igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o

progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em

cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e

liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais

alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama:

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser

atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo

e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce,

através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e

liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e

internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e

efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos

dos territórios sob sua jurisdição.

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Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São

dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com

espírito de fraternidade.

Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades

estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,

cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou

social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou

internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um

território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer

outra limitação de soberania.

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o

tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,

desumano ou degradante.

Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida

como pessoa perante a lei.

Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a

igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer

discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal

discriminação.

Artigo VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes

remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam

reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e

pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus

direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI - Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida

inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em

julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias

necessárias à sua defesa.

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Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não

constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será

imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao

ato delituoso.

Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua

família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e

reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou

ataques.

Artigo XIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro

das fronteiras de cada Estado.

Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este

regressar.

Artigo XIV - Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de

gozar asilo em outros países.

Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada

por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das

Nações Unidas.

Artigo XV - Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de

mudar de nacionalidade.

Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,

nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família.

Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos

nubentes.

A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da

sociedade e do Estado.

Artigo XVII - Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com

outros.

Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e

religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade

de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela

observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

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Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito

inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e

transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de

fronteiras.

Artigo XX - Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI - Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país,

diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

A vontade do povo será à base da autoridade do governo; esta vontade será

expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto

ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança

social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo

com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e

culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua

personalidade.

Artigo XXIII - Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual

trabalho.

Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que

lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade

humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção

de seus interesses.

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação

razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV - Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si

e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,

cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em

caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda

dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

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A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as

crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesmo proteção social.

Artigo XXVI - Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo

menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será

obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a

instrução superior, esta baseada no mérito.

A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade

humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades

fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre

todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das

Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será

ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII - Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da

comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus

benefícios.

Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes

de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que

os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser

plenamente realizados.

Artigo XXIX - Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e

pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.

No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às

limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido

reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às

justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade

democrática.

Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos

contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada

como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer

qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos

direitos e liberdades aqui estabelecidos.

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ANEXO 2 - A CARTA DA TERRA

PREÂMBULO

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a

humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez

mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e

grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma

magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e

uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para

gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos

direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para

chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa

responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com

as futuras gerações.

Terra, Nosso Lar

A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está

viva com uma comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência

uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais

para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o

bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com

todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos

férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é

uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade,

diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A Situação Global

Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação

ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies.

Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão

sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A

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injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são

causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana

tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global

estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

Desafios Para o Futuro

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros,

ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias

mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos

entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento

humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o

conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos

impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está

criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano.

Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão

interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes.

Responsabilidade Universal

Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de

responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem

como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações

diferentes e de um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um

compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da

família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade

humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com

reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade

considerando em relação ao lugar que ocupa o ser humano na natureza.

Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para

proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto,

juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes,

visando um modo de vida sustentável como critério comum, através dos quais a

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conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos, e instituições

transnacionais será guiada e avaliada.

PRINCÍPIOS

I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DA VIDA

1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.

a. Reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor,

independentemente de sua utilidade para os seres humanos.

b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial

intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.

2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.

a. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais vem

o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das

pessoas.

b. Assumir que o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder implica

responsabilidade na promoção do bem comum.

3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis

e pacíficas.

a. Assegurar que as comunidades em todos níveis garantam os direitos humanos e

as liberdades fundamentais e proporcionem a cada um a oportunidade de realizar

seu pleno potencial.

b. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a consecução de uma

subsistência significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.

4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações.

a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas

necessidades das gerações futuras.

b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem, em

longo prazo, a

prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra.

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Para poder cumprir estes quatro amplos compromissos, é necessário:

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA

5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial

preocupação pela diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam a

vida.

a. Adotar planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável em todos os

níveis que façam com que a conservação ambiental e a reabilitação sejam parte

integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.

b. Estabelecer e proteger as reservas com uma natureza viável e da biosfera,

incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento

à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural.

c. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçadas.

d. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que

causem dano às espécies nativas, ao meio ambiente, e prevenir a introdução desses

organismos daninhos.

e. Manejar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida

marinha de forma que não excedam as taxas de regeneração e que protejam a

sanidade dos ecossistemas.

f. Manejar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e

combustíveis fósseis de forma que diminuam a exaustão e não causem dano

ambiental grave.

6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e,

quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.

a. Orientar ações para evitar a possibilidade de sérios ou irreversíveis danos

ambientais mesmo quando a informação científica for incompleta ou não conclusiva.

b. Impor o ônus da prova àqueles que afirmarem que a atividade proposta não

causará dano significativo e fazer com que os grupos sejam responsabilizados pelo

dano ambiental.

c. Garantir que a decisão a ser tomada se oriente pelas conseqüências humanas

globais, cumulativas, de longo prazo, indiretas e de longo alcance.

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d. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento

de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.

e. Evitar que atividades militares causem dano ao meio ambiente.

7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as

capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.

a. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e

consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas

ecológicos.

b. Atuar com restrição e eficiência no uso de energia e recorrer cada vez mais aos

recursos energéticos renováveis, como a energia solar e do vento.

c. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias

ambientais saudáveis.

d. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de

venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam as mais

altas normas sociais e ambientais.

e. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde

reprodutiva e a reprodução responsável.

f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material

num mundo finito.

8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e a

ampla aplicação do conhecimento adquirido.

a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada a

sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em

desenvolvimento.

b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em

todas as culturas que contribuam para a proteção ambiental e o bem-estar humano.

c. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a

proteção ambiental, incluindo informação genética, estejam disponíveis ao domínio

público.

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA

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9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.

a. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos

não-contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos

nacionais e internacionais requeridos.

b. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma

subsistência sustentável, e proporcionar seguro social e segurança coletiva a todos

aqueles que não são capazes de manter-se por conta própria.

c. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem, e

permitir-lhes desenvolver suas capacidades e alcançar suas aspirações.

10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis

promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.

a. Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações.

b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações

em desenvolvimento e isentá-las de dívidas internacionais onerosas.

c. Garantir que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos

sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas.

d. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais

atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas

conseqüências de suas atividades.

11. Afirmar a igualdade e a eqüidade de gênero como pré-requisitos para o

desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação,

assistência de saúde e às oportunidades econômicas.

a. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda

violência contra elas.

b. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida

econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias,

tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias.

c. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e a educação amorosa de todos os

membros da família.

12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente

natural e social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-

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estar espiritual, concedendo especial atenção aos direitos dos povos indígenas e

minorias.

a. Eliminar a discriminação em todas suas formas, como as baseadas em raça, cor,

gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.

b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras

e recursos, assim como às suas práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida.

c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu

papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.

d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.

IV.DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ

13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e proporcionar-lhes

transparência e prestação de contas no exercício do governo, participação inclusiva

na tomada de decisões, e acesso à justiça.

a. Defender o direito de todas as pessoas no sentido de receber informação clara e

oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e

atividades que poderiam afetá-las ou nos quais tenham interesse.

b. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação

significativa de todos os indivíduos e organizações na tomada de decisões.

c. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de assembléia pacífica,

de associação e de oposição.

d. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos administrativos e judiciais

independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela

ameaça de tais danos.

e. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.

f. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios

ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde

possam ser cumpridas mais efetivamente.

14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os

conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida

sustentável.

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a. Oferecer a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas

que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.

b. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na

educação para sustentabilidade.

c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no sentido de aumentar

a sensibilização para os desafios ecológicos e sociais.

d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma subsistência

sustentável.

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.

a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los

de sofrimentos.

b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem

sofrimento extremo, prolongado ou evitável.

c. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não

visadas.

16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz.

a. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre

todas as pessoas, dentro das e entre as nações.

b. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a

colaboração na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais

e outras disputas.

c. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até chegar ao nível de uma

postura não-provocativa da defesa e converter os recursos militares em propósitos

pacíficos, incluindo restauração ecológica.

d. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em

massa.

e. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico mantenha a proteção ambiental

e a paz.

f. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo,

com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade

maior da qual somos parte.

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O CAMINHO ADIANTE

Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo

começo. Tal renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir

esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e

objetivos da Carta.

Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de

interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e

aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local,

nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e

diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta

visão. Devemos aprofundar expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra,

porque temos muito que aprender a partir da busca

iminente e conjunta por verdade e sabedoria.

A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar

escolhas difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a

diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de

curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e

comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões,

as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações

não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança

criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma

governabilidade efetiva.

Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem

renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações

respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos

princípios da Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente unificador

quanto ao ambiente e ao desenvolvimento.

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Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à

vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta

pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.

ANEXO 3 - CÓDIGO DE NUREMBERG TRIBUNAL INTERNACIONAL DE

NUREMBERG – 1947

1 - O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso

significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser

legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre

direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira,

coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento

suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto

exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do

experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os

riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que

eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e

a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o

pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São

deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem

impunemente.

2 - O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade,

que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser

feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.

3 - O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e

no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa

maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento.

4 - O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos

desnecessários, quer físicos, quer materiais.

5 - Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para

acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o

próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.

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6 - O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema que o

pesquisador se propõe a resolver.

7 - Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do

experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que

remota.

8 - O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente

qualificadas.

9 - O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do

experimento.

10 - O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos

experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que

a continuação do experimento provavelmente causará dano, invalidez ou morte para

os participantes.

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ANEXO 4 - DECLARAÇÃO DE HELSINQUE ASSOCIAÇÃO MÉDICA MUNDIAL

Declaração para orientação de médicos quanto à pesquisa biomédica envolvendo

seres humanos.

Adotada pela 18ª Assembléia Médica Mundial, Helsinque, Finlândia, em junho de

1964, e corrigida pelas 29ª Assembléia Médica, Tóquio, Japão, em outubro de 1975

e 35ª Assembléia Médica Mundial Veneza, Itália, em outubro de 1983 e pela 41ª

Assembléia Médica Mundial Hong Kong, em setembro de 1989.

INTRODUÇÃO

A missão do médico é salvaguardar a saúde das pessoas. Seu conhecimento e sua

consciência são dedicados ao cumprimento desta missão. A declaração de Genebra,

da Associação Médica Mundial, impõe uma obrigação ao médico por intermédio da

frase “a saúde do meu paciente será minha primeira consideração”, e o Código

Internacional de Ética Médica declara que “quando estiver prestando cuidados

médicos que possam Ter o efeito de enfraquecer a condição física e mental do

paciente, um médico agirá somente no interesse do paciente”. Os propósitos da

pesquisa biomédica envolvendo seres humanos devem ser melhorar os

procedimentos diagnósticos, terapêuticos e profiláticos e a compreensão da etiologia

e patogênese da doença.

O processo médico é lastreado por pesquisas que, em última análise, devem

basear-se parcialmente em experiência envolvendo seres humanos.

Na área da pesquisa biomédica, deve-se reconhecer uma distinção fundamental

entre a pesquisa médica cuja meta é essencialmente diagnóstica ou terapêutica

para um paciente, e a pesquisa médica cujo objetivo essencial é puramente

científico e não implica um valor diagnóstico ou terapêutico direto para a pessoa

sujeita à pesquisa.___________________________________________________

Deve-se ter cuidados especiais na condução de pesquisas que possam afetar o

meio ambiente, e o bem-estar de animais utilização em pesquisas deve ser

respeitado.

Como é essencial que os resultados de experiência de laboratório sejam aplicados a

seres humanos para avançar o conhecimento científico e para ajudar as pessoas

que sofrem, a Associação Médica Mundial preparou as recomendações a seguir,

como uma orientação para todos os médicos trabalhando em pesquisas biomédicas

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envolvendo seres humanos. Essas recomendações deverão ser revistas no futuro.

Deve-se enfatizar que os padrões enunciados são apenas uma orientação para os

médicos de todo o mundo, e não os liberam de responsabilidades éticas, civis e

criminais à luz das leis de seus próprios países.

I. PRINCÍPIOS BÁSICOS

1. A pesquisa biomédica envolvendo seres humanos deve obedecer princípios

científicos, geralmente aceitos e ser baseada em experiências laboratoriais, in vitro

e em animais, adequadamente realizadas e em um conhecimento profundo da

literatura científica.aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

2. O desenho e a realização de cada procedimento experimental envolvendo seres

humanos devem ser enunciados claramente em protocolo de experiência que deve

ser transmitido, para consideração, comentários e orientação, a um comitê

especialmente nomeado, independente do patrocinador, desde que este comitê

independente esteja de acordo com as leis e regulamentos do país onde se localiza

a pesquisa._________________________________________________________

3. Pesquisa biomédica envolvendo seres humanos só devem ser conduzida apenas

por pessoas cientificamente qualificadas, e sob a supervisão de um profissional

médico clinicamente competente. A responsabilidade pelo participante deve sempre

ser de uma pessoa medicamente qualificada, mesmo que este tenha dado seu

consentimento.

4. Pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos não podem ser legitimamente

realizadas a não ser que a importância do objetivo seja proporcional ao risco

inerente para o participante.

5. Cada projeto de pesquisa biomédica envolvendo seres humanos deve ser

antecedido por uma avaliação cuidadosa dos riscos previsíveis em comparação com

os benefícios previstos, para o participante ou para terceiros. A preocupação com os

interesses do participante devem sempre prevalecer sobre os interesses da ciência e

da sociedade.________________________________________________________

6. O direito do participante de pesquisas de salvaguardar sua integridade deve ser

sempre respeitada. Devem-se tomar todas as precauções para respeitar a

privacidade do participante e minimizar o impacto do estudo sobre integridade física

e mental e sobre sua personalidade.

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7. Médicos não devem engajar-se em projetos de pesquisas que envolvam seres

humanos, a não ser que estejam satisfeitos de que se acredita que os perigos

envolvidos podem ser previstos. Os médicos devem interromper qualquer

investigação caso se descubra que os perigos ultrapassem os benefícios potenciais.

8. Ao publicar os resultados de sua pesquisa, o médico é obrigado a preservar a

exatidão dos resultados. Relatórios que não estejam de acordo com os princípios

estabelecidos nesta Declaração não devem ser aceitos para publicação.

9. Em qualquer pesquisa com seres humanos, cada participante em potencial deve

ser adequadamente informado sobre os objetivos, métodos, benefícios previstos e

potenciais perigos do estudo, o incomodo que este possa acarretar. Deve ser

informado de que é livre para retirar seu consentimento em participar, a qualquer

momento. O médico deve então obter o consentimento pós-informação do

participante dado livremente, de preferência por escrito.

10. Ao obter o consentimento para projeto de pesquisa, o médico deve ser

particularmente cuidadoso caso o participante tiver uma relação a ele e possa

consentir sob pressão. Nesse caso, o consentimento pós-informação deve ser obtido

por um médico que não esteja engajado na investigação e que esteja

completamente independente dessa relação oficial.

11. Em caso de incompetência legal, deve-se obter o consentimento pós-informação

do guardião legal, em conformidade com a legislação nacional. Quando uma

incapacidade física e mental impossibilitar a obtenção do consentimento pós-

informação, ou quando o participante for menor de idade, a permissão do familiar

responsável substitui a do participante, obedecendo-se a legislação nacional.

Sempre que o menor for capaz de dar consentimento, o consentimento de seu

guardião legal.

12. O protocolo de pesquisa deve sempre conter uma declaração sobre as

considerações éticas envolvidas e indicar que os princípios enunciados nesta

Declaração serão obedecidos.

II. PESQUISAS MÉDICAS COMBINADAS COM CUIDADOS PROFISSIONAIS

(PESQUISA CLÍNICA)

1. No tratamento da pessoa doente, o médico deve ter liberdade para usar uma nova

medida diagnostica ou terapêutica se, em seu julgamento, esta oferta oferecer

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esperança de salvar a vida, restabelecer a saúde ou aliviar o sofrimento.

2. Os benefícios, perigos e desconforto potenciais de um novo método devem ser

pesados em relação às vantagens dos melhores métodos diagnósticos e

terapêuticos atuais.___________________________________________________

3. Em qualquer estudo médico, todos os pacientes - incluindo os do grupo controle,

se houver - devem ter assegurados os melhores métodos diagnósticos ou

terapêuticos comprovados._____________________________________________

4. A recusa do paciente em participar de um estudo nunca deve interferir na relação

médico-paciente.

5. Se o médico considera essencial não obter o consentimento pós-informação, as

razões específicas para esta proposta devem ser declaradas no protocolo

experimental a ser transmitido ao comitê independente.

6. O médico pode combinar pesquisa médica com cuidados profissionais, com o

objetivo de adquirir novos conhecimentos médicos, somente até onde a pesquisa

médica seja justificada por seu potencial valor diagnóstico ou terapêutico para o

paciente.

III. PESQUISAS BIOMÉDICAS NÃO-TERAPÊUTICAS ENVOLVENDO SERES

HUMANOS -(PESQUISA BIOMÉDICA NÃO CLÍNICA)

1. Na aplicação puramente científica das pesquisas médicas realizadas em um ser

humano, o médico tem o dever de continuar sendo protetor da vida e da saúde

daquela pessoa a qual a pesquisa biomédica é realizada.

2. Os participantes devem ser voluntários - pessoas sadias ou pacientes, para quais

o desenho do estudo não tem relação com a própria doença.

3. O investigador ou equipe de investigação deve interromper a pesquisa se em seu

julgamento, esta possa ser nociva ao participante, se continuada.

4. Em pesquisas sobre o homem o interesse da ciência e da sociedade nunca deve

ter precedência sobre considerações relativas ao bem-estar do participante.