Serí(e)ssima: House of Cards - Baseado em Fatos Reais

1
MINHA SÉRIE O terrível cenário político brasi- leiro atual poderia tranquila- mente ser uma temporada de House of Cards. Ou melhor, po- deria ser a série toda, talvez com mais tragédias e corrup- ção e menos elegância. A cada novo capítulo da Operação La- va Jato e delações premiadas que incendeiam os noticiários nacionais, a sensação é estar diante das milhares de artima- nhas apresentadas por Frank (Kevin Spacey) e Claire Un- derwood (Robin Wright) para conquistar o que eles querem. Afinal, os fãs da produção sa- bem que eles são capazes de tu- do por suas metas de poder, passando por cima de quem es- tiver no caminho, e isso inclui (principalmente) a lei. A dife- rença é que aqui tudo é real. A oposição tentando acabar com o PT e partidos aliados lem- bra os inimigos atuais do casal Underwood, políticos tão cor- ruptos quanto que buscam pro- var toda a sujeira que rola no Planalto e ao redor dele. Que ela existe, isso é bem claro, mas sem provas, pouco importa o que foi feito ou o que está por vir. Portanto, essa é a luta de quem quer tirar alguém do po- der para, depois, assumir. Pro- var o que eles fazem e esconder o que você faz. O que poucos se lembram é que esses papéis se invertem o tempo todo. Frank fez isso com o presidente Gar- rett Walker (Michel Gill) na se- gunda temporada, armou para conseguir o impeachment e fi- cou com a sua cadeira. Agora, ele bebe do mesmo remédio. Por outro lado, a estratégia adotada pelo nosso governo em desmentir as informações que “vazam” para a imprensa, usando de recursos baixos co- mo “escolher ministério para escapar da prisão” e, claro, re- bater com notícias do mesmo nível àqueles que o atacam, é o tipo de coisa que deixaria Frank e Claire orgulhosos. “Is- so é algo que eu faria”, é o que diz Underwood sempre que um inimigo promove uma boa jogada, assumindo a derrota. Jogo sujo, mentiras, corrup- ção, troca de favores, aliados em todos os setores, dinheiro... muito dinheiro. A política é as- sim, sempre foi, mas apesar de todos saberem disso, o trunfo de House of Cards é justamente escancarar o que normalmen- te os comuns só imaginam que acontece nos bastidores, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. Claro que a série é uma obra de ficção, mas está mais do que provado que muito do que se passa ali é baseado em fatos e personagens reais. Prin- cipalmente esta quarta tempo- rada, que faz várias analogias com a campanha que rola sol- ta na América entre os candida- tos à sucessão de Barack Oba- ma, principalmente Donald Trump, e os problemas enfren- tados atualmente pelo país. Após assistir os 13 episódios do novo ano, fica evidente que a série mudou propositalmen- te o tom, saindo da construção dos personagens principais pa- ra um cenário muito maior. Op- tou se aproximar mais do mo- mento em que vivemos para alertar os eleitores reais, que lo- go vão às urnas decidirem o fu- turo dos EUA. Quase como dar mais consciência à sociedade, mostrar que os discursos pou- co têm de verdade, que tudo não passa de “vamos dizer o que eles querem ouvir”, não importa o lado da moeda. *Spoilers de toda a temporada a partir daqui. A temporada passada termi- nou com Claire dizendo a Frank que o deixaria. E desco- brimos no começo do novo ano que ela estava falando sé- rio. Porém, seus planos vão muito além de um divórcio. Se separar do marido e atual presi- dente dos Estados Unidos só se concretizaria se ele não aceitas- se suas novas condições. E isso quer dizer dar mais poder a ela. Claire não quer ser apenas a pri- meira-dama, como ela já disse várias vezes, mas sua ambição ultrapassou todos os limites: ela quer ser vice-presidente na chapa dos democratas, que vai concorrer na próxima eleição, algo inimaginável até mesmo para Frank. Ele se recusa e uma verdadei- ra guerra começa entre os dois. Isso, entretanto, era o que to- dos nós, espectadores, já espe- rávamos ver. Exatamente por is- so, essa guerra toma pouco tempo da quarta temporada, pois sabemos que Frank sem Claire e vice-versa não significa nada. Eles precisam um do ou- tro, obrigatoriamente, e perce- bem isso após precisarem en- frentar um inimigo muito maior: a chata republicana. Eles também sabem jogar sujo e, pior, estão na frente nas pes- quisas. A campanha pela reeleição começa, mas algo muito grave acontece, mudando completa- mente o rumo das coisas. Frank passa por maus bocados e Claire, fria e calculista, apro- veita do momento para se mos- trar, usando inclusive a condi- ção delicada da mãe para isso. Ela é baixa, manipuladora, mas muito inteligente e sabe o que faz. E quando a poeira baixa, ar- rasta Frank para seus planos. Mas como dito, o casal tem inimigos demais. Alguns decla- rados, como Will Conway (Joel Kinnaman), o candidato repu- blicano a presidência, mas ou- tros ocultos, como Tom Ham- merschmidt (Boris McGiver), o ex-editor do Herald que investi- ga Frank secretamente. Assuntos em pauta nos noti- ciários e nas campanhas de Hi- llary Clinton e Donald Trump recheiam os episódios de Hou- se of Cards, como o Estado Islâ- mico, atentados terroristas, cri- se do petróleo, relações interna- cionais com Rússia e China e leis mais restritivas para porte de armas. Tudo para dizer que, você pode até adorar a série e esperar por mais episódios, o problema é que os novos capí- tulos podem vir antes do espe- rado e não fazerem parte de uma história de ficção. Nós, aqui no Brasil, vivemos a nossa House of Cards real e não tem sido nada prazeroso assistir. Natália Peloggia, jornalista. “Mr. Selfridge, com três temporadas disponíveis na Netflix, é um ‘novelão’ britânico delicioso. A série é baseada na vida do empreendedor americano Harry Selfridge, que levou para a Londres do início do século 20 o conceito de loja de departamento, com a inauguração da sua Selfridge’s. É viciante acompanhar a vida pessoal e profissional de Harry e dos outros personagens, todos funcionários da loja. Um drama de época poderoso.” Baseado em fatos reais Divulgação QUARTA temporada de HOUSE OF CARDS se aproxima da realidade política, social e econômica dos ESTADOS UNIDOS ao utilizar fatos do COTIDIANO para compor o ROTEIRO que, apesar de se tratar de uma FICÇÃO, parece ter sido ESCRITO diretamente dos bastidores da CASA BRANCA Claire (Robin Wright) e Frank Underwood (Kevin Spacey) em cena da quarta temporada de House of Cards: analogias com a atual corrida presidencial norte-americana Campinas DOMINGO 13 / 03 / 2016 CORREIO POPULAR

description

Quarta temporada

Transcript of Serí(e)ssima: House of Cards - Baseado em Fatos Reais

Page 1: Serí(e)ssima: House of Cards - Baseado em Fatos Reais

MINHA SÉRIE

O terrível cenário político brasi-leiro atual poderia tranquila-mente ser uma temporada deHouse of Cards. Ou melhor, po-deria ser a série toda, talvezcom mais tragédias e corrup-ção e menos elegância. A cadanovo capítulo da Operação La-va Jato e delações premiadasque incendeiam os noticiáriosnacionais, a sensação é estardiante das milhares de artima-nhas apresentadas por Frank(Kevin Spacey) e Claire Un-derwood (Robin Wright) paraconquistar o que eles querem.Afinal, os fãs da produção sa-bem que eles são capazes de tu-do por suas metas de poder,passando por cima de quem es-tiver no caminho, e isso inclui(principalmente) a lei. A dife-rença é que aqui tudo é real.

A oposição tentando acabarcom o PT e partidos aliados lem-bra os inimigos atuais do casalUnderwood, políticos tão cor-ruptos quanto que buscam pro-var toda a sujeira que rola noPlanalto e ao redor dele. Queela existe, isso é bem claro, massem provas, pouco importa oque foi feito ou o que está porvir. Portanto, essa é a luta dequem quer tirar alguém do po-der para, depois, assumir. Pro-var o que eles fazem e escondero que você faz. O que poucos selembram é que esses papéis seinvertem o tempo todo. Frankfez isso com o presidente Gar-rett Walker (Michel Gill) na se-gunda temporada, armou paraconseguir o impeachment e fi-cou com a sua cadeira. Agora,ele bebe do mesmo remédio.

Por outro lado, a estratégiaadotada pelo nosso governo

em desmentir as informaçõesque “vazam” para a imprensa,usando de recursos baixos co-mo “escolher ministério paraescapar da prisão” e, claro, re-bater com notícias do mesmonível àqueles que o atacam, é otipo de coisa que deixariaFrank e Claire orgulhosos. “Is-so é algo que eu faria”, é o quediz Underwood sempre queum inimigo promove uma boajogada, assumindo a derrota.

Jogo sujo, mentiras, corrup-ção, troca de favores, aliadosem todos os setores, dinheiro...muito dinheiro. A política é as-sim, sempre foi, mas apesar detodos saberem disso, o trunfode House of Cards é justamenteescancarar o que normalmen-te os comuns só imaginam queacontece nos bastidores, sejanos Estados Unidos, seja noBrasil. Claro que a série é umaobra de ficção, mas está maisdo que provado que muito do

que se passa ali é baseado emfatos e personagens reais. Prin-cipalmente esta quarta tempo-rada, que faz várias analogiascom a campanha que rola sol-ta na América entre os candida-tos à sucessão de Barack Oba-ma, principalmente DonaldTrump, e os problemas enfren-tados atualmente pelo país.

Após assistir os 13 episódiosdo novo ano, fica evidente quea série mudou propositalmen-te o tom, saindo da construçãodos personagens principais pa-ra um cenário muito maior. Op-tou se aproximar mais do mo-mento em que vivemos paraalertar os eleitores reais, que lo-go vão às urnas decidirem o fu-turo dos EUA. Quase como darmais consciência à sociedade,mostrar que os discursos pou-co têm de verdade, que tudonão passa de “vamos dizer oque eles querem ouvir”, nãoimporta o lado da moeda.

*Spoilers de toda a temporadaa partir daqui.A temporada passada termi-nou com Claire dizendo aFrank que o deixaria. E desco-brimos no começo do novoano que ela estava falando sé-rio. Porém, seus planos vãomuito além de um divórcio. Seseparar do marido e atual presi-dente dos Estados Unidos só seconcretizaria se ele não aceitas-se suas novas condições. E issoquer dizer dar mais poder a ela.Claire não quer ser apenas a pri-meira-dama, como ela já dissevárias vezes, mas sua ambiçãoultrapassou todos os limites:ela quer ser vice-presidente nachapa dos democratas, que vaiconcorrer na próxima eleição,algo inimaginável até mesmopara Frank.

Ele se recusa e uma verdadei-ra guerra começa entre os dois.Isso, entretanto, era o que to-dos nós, espectadores, já espe-

rávamos ver. Exatamente por is-so, essa guerra toma poucotempo da quarta temporada,pois sabemos que Frank semClaire e vice-versa não significanada. Eles precisam um do ou-tro, obrigatoriamente, e perce-bem isso após precisarem en-frentar um inimigo muitomaior: a chata republicana.Eles também sabem jogar sujoe, pior, estão na frente nas pes-quisas.

A campanha pela reeleiçãocomeça, mas algo muito graveacontece, mudando completa-mente o rumo das coisas.Frank passa por maus bocadose Claire, fria e calculista, apro-veita do momento para se mos-trar, usando inclusive a condi-ção delicada da mãe para isso.Ela é baixa, manipuladora, masmuito inteligente e sabe o quefaz. E quando a poeira baixa, ar-rasta Frank para seus planos.

Mas como dito, o casal tem

inimigos demais. Alguns decla-rados, como Will Conway (JoelKinnaman), o candidato repu-blicano a presidência, mas ou-tros ocultos, como Tom Ham-merschmidt (Boris McGiver), oex-editor do Herald que investi-ga Frank secretamente.

Assuntos em pauta nos noti-ciários e nas campanhas de Hi-llary Clinton e Donald Trumprecheiam os episódios de Hou-se of Cards, como o Estado Islâ-mico, atentados terroristas, cri-se do petróleo, relações interna-cionais com Rússia e China eleis mais restritivas para portede armas. Tudo para dizer que,você pode até adorar a série eesperar por mais episódios, oproblema é que os novos capí-tulos podem vir antes do espe-rado e não fazerem parte deuma história de ficção. Nós,aqui no Brasil, vivemos a nossaHouse of Cards real e não temsido nada prazeroso assistir.

● Natália Peloggia,jornalista. “Mr.Selfridge, com trêstemporadasdisponíveis naNetflix, é um ‘novelão’britânico delicioso. A série ébaseada na vida doempreendedor americanoHarry Selfridge, que levou paraa Londres do início do século20 o conceito de loja dedepartamento, com ainauguração da sua Selfridge’s.É viciante acompanhar a vidapessoal e profissional de Harrye dos outros personagens,todos funcionários da loja. Umdrama de época poderoso.”

Baseado em fatos reaisDivulgação

QUARTA temporada de HOUSE OF CARDS se aproxima da realidade política, social e econômicados ESTADOS UNIDOS ao utilizar fatos do COTIDIANO para compor o ROTEIRO que, apesar de

se tratar de uma FICÇÃO, parece ter sido ESCRITO diretamente dos bastidores da CASA BRANCA

Claire (Robin Wright) e Frank Underwood (Kevin Spacey) em cena da quarta temporada de House of Cards: analogias com a atual corrida presidencial norte-americana

CampinasDOMINGO 13 / 03 / 2016

CORREIO POPULAR