Sangue Yanomami
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Avaliao tica em pesquisa social:
o caso do sangue Yanomami
Dbora Diniz
Resumo: Este artigo discute caso paradigmtico para a tica na pesquisa com seres humanos: a
expedio de James Neel e Napoleon Chagnon no final dos anos 60 entre os yanomamis. A
expedio Nell/Chagnon resultou na coleta de 12.000 amostras de sangue que se encontram
armazenadas em universidades estadunidenses, dedicadas ao Projeto Genoma Humano. Neste
artigo, o caso do sangue Yanomami o pano de fundo para a discusso de questes centrais sobre
a participao de populaes vulnerveis na pesquisa cientfica nas Cincias Humanas e da Sade:
termo de consentimento livre e esclarecido, pagamento pela participao na pesquisa, uso e
divulgao de dados de pesquisa considerados secretos para a populao pesquisada.
Dbora Diniz
Doutora em Antropologia pela
Universidade de Braslia,
professora adjunta da
Universidade de Braslia,
pesquisadora do Instituto de
Biotica Direitos Humanos e
Gnero (Anis) e integrante da
diretoria da International
Association of Bioethics (IAB)
Palavras-chave: tica na pesquisa. Populao vulnervel. Yanomami.
Os grupos yanomamis so considerados um dos povos mais
isolados do planeta. At meados do sculo XX, o povo
Yanomami vivia praticamente sem contato com outros gru-
pos. At onde h registros histricos, os primeiros contatos
dos yanomamis com povos no-indgenas se deu no incio dos
anos 50 e, de forma mais sistemtica, com os primeiros tra-
balhos antropolgicos e de missionrios religiosos nos anos
60. Sob a identidade yanomami h uma diversidade de gru-
pos com diferentes lnguas e particularidades sociais. Estima-
se que 26.000 pessoas vivam nas sociedades yanomamis, em
territrio fronteirio entre o Brasil e a Venezuela. Cerca de
metade dessa populao encontra-se no lado brasileiro, agru-
pada em duzentas sociedades. Comparados com outros grupos
amerndios, os yanomamis possuem uma ascendncia genti-
ca particular, o que levou alguns pesquisadores a lanar a
hiptese de que foram os primeiros a atravessar o Estreito de
Bering1
.
essa particularidade gentica associada ao isolamento
geogrfico em que os yanomamis viviam que os tornaram to
sedutores para a pesquisa gentica nos anos 70 e para a
pesquisa genmica nos ltimos anos. Desde 2001, o caso
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conhecido como sangue yanomami vem
provocando uma enxurrada de discusses
acadmicas, acusaes polticas e investigaes
profissionais, colocando o debate sobre o
patrimnio gentico de um povo e a pesquisa
cientfica com populaes vulnerveis no centro
da reflexo da tica em pesquisa com seres
humanos2, 3, 4, 5
. O caso data de finais dos anos
60, quando um grupo de pesquisadores
estadunidenses iniciou extensa pesquisa genti-
ca, epidemiolgica e antropolgica com difer-
entes grupos yanomami no Brasil e na
Venezuela. Nessa ocasio, pelo menos 12.000
amostras de sangue yanomami foram coletadas
e, hoje, parte delas ainda se encontra estocada
em dife-rentes universidades nos Estados
Unidos e ou-tras foram recentemente devolvi-
das s lideranas yanomamis6
.
Muito embora, durante duas dcadas, alguns
antroplogos brasileiros especialistas em cul-
tura yanomami tenham denunciado os equvo-
cos ticos dessa pesquisa, foi somente com a
publicao do livro Trevas no Eldorado: como
cientistas e jornalistas devastaram a Amaznia
e violentaram a cultura ianomami, de Patrick
Tierney, em 2001, que o caso ganhou pro-
pores internacionais e devolveu para a comu-
nidade de antroplogos estadunidenses o nus
de seu enfrentamento pblico3, 7, 8, 9
.
Tierney um jornalista investigativo e mili-
tante de movimentos de direitos humanos que
durante 11 anos investigou o caso do sangue
yanomami. Antes mesmo da publicao do
livro, originais da obra foram divulgados pela
internet, o que, por um lado, fez crescer a
polmica em torno do caso e, por outro, fez
com o que autor revisasse algumas das graves
acusaes que dirigia equipe de pesquisadores
estadunidenses10
.
O livro apresentou srias acusaes contra dois
conhecidos cientistas: James Neel, geneticista,
e Napoleon Chagnon, antroplogo, cujas obras
e filmes etnogrficos formaram uma gerao de
antroplogos estadunidenses. No total, foram
duas acusaes contra Neel (de ter provocado a
epidemia de sarampo, acusao revista na ver-
so definitiva do livro, e de ter mantido seu pro-
tocolo de pesquisa, ao invs de socorrido os
yanomamis infectados pelo sarampo) e sete
contra Chagnon5
. Neel morreu dois meses
antes da divulgao do livro, por isso no tem
sido figura-chave nos desdobramentos da obra e
sua defesa tem sido garantida por seus discpu-
los acadmicos e pela Sociedade Americana de
Gentica Humana11
. Curiosamente, foi um
dos precursores da tica na pesquisa gentica
nos Estados Unidos nos anos 701,5,11
. O centro
da controvrsia ficou em torno de Chagnon,
personagem j muito contestado por parte da
antropologia indigenista brasileira.
Neel e Chagnon compunham uma equipe de
pesquisadores cujo principal objetivo de
pesquisa era investigar as bases genticas para a
violncia e sua relao com as prticas reprodu-
tivas. Os yanomamis transformaram-se na
populao ideal para esse tipo de pesquisa por
algumas razes: a) porque eram descritos como
povo violento e selvagem; b) pelo profundo iso-
lamento em que viviam, o que garantia uma
homogeneidade gentica da populao; c) esse
era um momento em que o debate sobre a tica
na pesquisa era ainda incipiente, sendo raros os
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protocolos ticos de conduta da pesquisa. A
construo social dos yanomamis como povo
primitivo era atrativo adicional para testar as
fronteiras entre a biologia e a cultura nas
sociedades humanas: a busca do gene para a
violncia e suas relaes com o comportamen-
to reprodutivo poderia ser uma hiptese pela
primeira vez testada em um grupo populacional
especfico.
Chagnon autor de um dos livros mais co-
nhecidos e populares sobre os yanomamis,
Yanomami: o povo selvagem12
. O argumento
do livro, que vendeu mais de trs milhes de
exemplares, cifra considervel para obras de
Antropologia, o de que a violncia ocupa
papel central nas sociedades yanomamis5
. Em
parceria com Neel, Chagnon defendeu a tese de
que o comportamento violento teria funda-
mento gentico: os yanomamis seriam geneti-
camente propensos violncia1, 13
. Essa carac-
terizao do povo yanomami como povo sel-
vagem tinha duplo apelo: por um lado, era
referncia idia, ainda vigente na poca, de
que as sociedades indgenas eram grupos pri-
mitivos que representariam parte de um proces-
so evolutivo da humanidade e, por outro, de
que os yanomamis eram selvagens pela violn-
cia estrutural. A selvageria seria, portanto,
resultado de propenso gentica ao uso da fora
fsica, mas tambm expresso do processo evo-
lutivo das sociedades indgenas.
Chagnon viveu entre os yanomamis durante
longos perodos, o que lhe garantia autoridade
discursiva no campo cientfico. Viver em dife-
rentes sociedades prtica de trabalho de
campo muito comum aos antroplogos,
chamada de trabalho etnogrfico. A etnografia
o resultado de um trabalho de campo em pro-
fundidade, em que o pesquisador busca com-
preender, descrever e analisar as sociedades
onde desenvolve pesquisas por meio de uma
experincia profunda de vida na comunidade. A
autoridade da etnografia forneceu a legitimi-
dade necessria para a descrio dos yano-
mamis como o povo selvagem da Amaznia,
uma construo social duramente contestada
por outros antroplogos e, mais recentemente,
por lideranas yanomamis. Durante quase vinte
anos os trabalhos de Chagnon foram refutados
por antroplogos latino-americanos, o que,
acrescido a outras acusaes de m prtica cien-
tfica, provocou a total proibio de o pesqui-
sador entrar em terras yanomamis no ano de
1995 6,7
.
O objetivo deste artigo , por meio de um caso
da histria brasileira da pesquisa cientfica,
analisar as especificidades da pesquisa social e
suas interfaces com os princpios da tica em
pesquisa. O caso do sangue yanomami ser o
fio condutor para a elucidao de questes cen-
trais ainda na pauta da agenda da tica em
pesquisa no Brasil. Nos ltimos anos, com a
consolidao do Sistema CEP/Conep nas uni-
versidades e centros de pesquisa, cresceram
tambm as crticas insensibilidade do sistema
s metodologias e tcnicas de pesquisa dos
saberes sociais. Vrios pesquisadores sociais
relatam as dificuldades epistemolgicas que
experimentaram ao submeter seus projetos ao
sistema. O sistema foi elaborado tendo como
referncia os campos biomdicos e suas parti-
cularidades metodolgicas, muito embora a
Resoluo CNS 196/96 tenha pretenses de
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que todos os campos disciplinares submetam
seus projetos de pesquisa aos comits.
A crtica das humanidades no deve ser enten-
dida como recusa reviso tica dos projetos de
pesquisa, mas como desafio s regras do jogo
propostas pelo sistema CEP/Conep. A partir
dessa compreenso o Instituto de Humani-
dades da Universidade de Braslia inaugurou,
em 2007, um comit de tica em pesquisa
especializado em pesquisas sociais . o terceiro
comit da UnB, mas sua especificidade est em
avaliar projetos de pesquisa cujas tcnicas sejam
caractersticas das Humanidades, tais como:
entrevistas, observao participante, etnografia,
histrias de vida, entre outras. O objetivo do
comit no apenas o de aproximar os saberes
sociais do sistema de reviso tica vigente no
pas, mas tambm o de pensar em que medida
a Resoluo CNS 196/96 e as regras do sis-
tema contemplam as particularidades da pes-
quisa social.
A pesquisa sociogentica
A pesquisa sociogentica teve incio em 1968
e, a princpio seus objetivos de investigao no
estavam claros. At onde se comprovou, aps a
controvrsia pblica com o livro de Tierney, a
pesquisa era parcialmente financiada pela Fun-
dao de Energia Atmica dos Estados Unidos
e tinha por objetivos: coletar o sangue de
12.000 yanomamis para futuras pesquisas
genticas; testar novo protocolo de vacina con-
tra o sarampo; incluir os yanomamis como
grupo de controle para pesquisa sobre seqelas
de exposio radioativa com populaes japone-
sas aps a II Guerra Mundial1,5
. A chegada de
Neel e Chagnon entre os yanomamis foi, no
entanto, surpreendida por avassaladora epi-
demia de sarampo que dizimou cerca de um
tero de toda a populao indgena.
E foi essa coincidncia nefasta um dos mais
graves mal-entendidos do livro de Tierney: ele
acusava os pesquisadores de terem provocado a
epidemia do sarampo com o novo protocolo de
vacina3
. Essa acusao foi radicalmente refuta-
da no apenas pelas evidncias histricas
disponveis, que comprovavam que a epidemia
tivera incio antes da chegada da equipe de
pesquisa entre os yanomamis, mas principal-
mente por pesquisas epidemiolgicas contem-
porneas que demonstraram a impossibilidade
de a nova vacina ter provocado o sarampo. A
controvrsia em torno dessa acusao foi to
extensa que a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) realizou detalhada investigao
sobre o caso e apresentou relatrio que demons-
trava o equvoco da acusao de Tierney10
.
Superada a acusao de genocdio dos
yanomamis pela pesquisa da vacina do saram-
po, a controvrsia se mantinha pelas acusaes
de Tierney sobre os mtodos de Chagnon para
o recrutamento dos ndios para participao na
pesquisa. Tierney acusou Chagnon de incitar a
violncia para filmar os yanomamis em com-
bate. Apresentou evidncias de graves interfe-
rncias na dinmica cultural para levantar
dados, alm de outras prticas equivocadas de
trabalho de campo. Desde ento, o caso do
sangue yanomami tornou-se situao paradig-
mtica para analisar os desafios envolvidos para
o controle social da tica na pesquisa em cin-
cias humanas com populaes vulnerveis.
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Aps quase duas dcadas de silncio em torno
do experimento, a publicao do livro e a soli-
citao dos yanomamis de devoluo do sangue
reacenderam a controvrsia, cujo fato mais
recente foi o anncio da devoluo de algumas
partidas de sangue da Universidade Federal do
Par (UFPA) para as lideranas yanomamis14
.
Esse novo captulo da histria do sangue
yanomami envolveu diferentes geraes de
pesquisadores, novos protocolos ticos de
pesquisa com seres humanos e relaes
diplomticas entre os pases, o que terminou
por tornar ainda mais complexo e rico um
debate ainda a espera de soluo.
Genealogia familiar: o tabu
Yanomami
Um trao cultural dos povos yanomamis que
o nome pessoal no revelado em pblico15
.
Nomear algum enunciando seu prprio nome
grave insulto. Em geral, a resposta de um
yanomami pergunta qual o seu nome?
uma mentira. A descortesia no est em men-
tir, mas sim na insistncia de um no-yanoma-
mi em saber uma informao que socialmente
considerada secreta. Insulto ainda mais grave
perguntar o nome de pessoa j morta. Os
nomes prprios so espcies de codinomes pejo-
rativos e que descrevem marcas corporais,
leses ou mesmo estigmas corporais. poss-
vel, por exemplo, que o nome de uma criana
yanomami com lbio leporino faa referncia a
esta marca corporal. Mas o nome no ser ape-
nas uma descrio de sua condio fsica:
tambm uma enunciao depreciativa do indi-
vduo. Por isso, os nomes so secretos e sua
explicitao considerada um insulto15
.
Nesse contexto social e cultural de nomes
prprios como insultos, fcil imaginar os
desafios de uma pesquisa gentica em que a
reconstituio das genealogias familiares pres-
supunha a identificao de cada pessoa em dado
ordenamento familiar. Era preciso coletar
informaes no apenas individuais, mas de
colaterais, de ascendentes, de descendentes e da
famlia extensa. E, tradicionalmente, a medici-
na gentica realiza esse levantamento por meio
dos nomes prprios. O fato de os nomes serem
um tabu cultural exigia de Neel e Chagnon ou
a interrupo da pesquisa ou estratgias cul-
turalmente sensveis para a coleta das infor-
maes sobre parentesco e filiao dos
yanomamis. A escolha de Chagnon foi por
ignorar os valores yanomamis e manter os
parmetros tradicionais da pesquisa gentica: as
genealogias foram montadas recuperando-se os
nomes individuais e sua rede de parentesco,
inclusive dos yanomamis j mortos.
Como pesquisador responsvel pelo levanta-
mento dessas informaes, Chagnon afirmou
em um de seus livros que uma de minhas tare-
fas fornecer aos meus colegas genealogias
mnimas para uso nos estudos familiares sobre
genes hereditrios5
. Mas, ao invs de utilizar
sua sensibilidade etnogrfica para identificar
possveis estratgias de levantamento dos dados
sem provocar ofensas aos valores locais, optou
por dois procedimentos metodolgicos j na
poca considerados eticamente questionveis:
oferecia presentes s crianas para que reve-
lassem os seus nomes e os nomes de seus fami-
liares; e oferecia presentes aos inimigos dos
yanomamis para que esses informassem os
nomes dos yanomamis 3,5
. O teste de veracidade
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da informao era feito enunciando o nome da
pessoa e avaliando a intensidade da indignao
que a enunciao provocava ou, nas palavras de
Chagnon, fiz uso das brigas e animosidades
locais para selecionar meus informantes5
. Com
essa dupla estratgia Chagnon levantou grande
parte das genealogias yanomamis, o que, por
sua vez, permitiu a Neel iniciar os protocolos de
vacina e os grupos de controle da pesquisa
genmica.
A estratgia utilizada por Chagnon pode ser
analisada a partir de trs pontos centrais: em
que medida a oferta de bens tcnica legtima
para convencer as pessoas a participar de uma
pesquisa? Como deve ser feita a coleta de infor-
maes consideradas socialmente secretas e
quais os compromissos ticos de um pesqui-
sador no manuseio e divulgao desse tipo de
dado? Como lidar e respeitar os valores cultu-
rais dos yanomamis sobre o corpo e vestgios
corporais, uma vez que a pesquisa pressupunha
coleta de amostras de sangue? Quanto a essa
ltima questo cabe relatar que o corpo ocupa
espao socialmente privilegiado entre os ya-
nomamis, a tal ponto que, imediatamente aps
a morte de algum, todos os vestgios corporais
devem ser cremados e destrudos. Nesse con-
texto, o sangue no apenas indcio de que algo
permanece do passado e no foi destrudo, mas
risco moral, pois pode trazer danos pessoa j
morta5, 14, 15
.
A estocagem do sangue e o
consentimento livre e esclarecido
Foi somente aps a publicao do livro de Tier-
ney que os yanomamis tomaram conhecimen-
to de que as amostras de sangue estavam em
universidades estadunidenses e em alguns labo-
ratrios dedicados pesquisa genmica. Vrias
lideranas yanomamis acusaram a equipe de
Neel de no ter informado que o sangue seria
permanentemente estocado. A compreenso
inicial era de que a coleta se justificava para a
vacinao contra o sarampo e para a pesquisa
sobre o novo protocolo da vacina. Muitos cien-
tistas que criticaram essa estocagem do sangue
por mais de 30 anos lembram que, no final dos
anos 60, o termo de consentimento livre e
esclarecido, ou ao menos procedimentos seme-
lhantes para garantir o processo de informao
para a participao na pesquisa cientfica, j era
parte de protocolos internacionais de pesqui-
sa1, 5
. Chagnon refutou essa acusao com dois
argumentos: a) de que teria informado todos os
participantes da pesquisa sobre os usos e finali-
dades da coleta do sangue, bem como sobre a
estocagem por tempo indeterminado para
pesquisas futuras; b) de que maiores detalhes
sobre a pesquisa no foram fornecidos uma vez
que os yanomamis no seriam capazes de com-
preender a complexidade da informao cient-
fica2
.
O primeiro argumento de defesa de Chagnon
de difcil comprovao ftica. No h como
confirmar ou refutar a alegao do antroplogo
de que teria informado aos yanomamis sobre
todos os procedimentos da pesquisa, bem como
sobre a questo da estocagem permanente. O
segundo argumento foi o que maior controvr-
sia gerou durante as investigaes mais
recentes2
. A tese de que h uma incomensura-
bilidade permanente entre as culturas e, por-
tanto, a impossibilidade de explicar e informar
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populaes indgenas sobre caractersticas,
mtodos, riscos e resultados de uma pesquisa ,
hoje, largamente refutada por antroplogos da
sade e por cientistas sensveis diversidade
cultural e comprometidos com a tica na
pesquisa. H, e isso dado inegvel, um maior
desafio na traduo do vocabulrio cientfico
para culturas, cuja cincia e medicina susten-
tam-se em premissas diversas da biomedicina.
Isso no significa, no entanto, a impossibili-
dade da traduo cultural e mesmo da razovel
compreenso por parte dos indgenas do proto-
colo de pesquisa.
Durante as investigaes conduzidas pela Asso-
ciao Americana de Antropologia (AAA),
Chagnon esclareceu como apresentou a pes-
quisa aos yanomamis e como esses concor-
daram em participar2
. Em seus termos, o dito
era que a equipe de Neel gostaria de examinar
o sangue dos yanomamis para saber se haveria
algo que provocaria doenas, isto , se havia
shawara (doenas epidmicas) 2, 16
. Essa expli-
cao e, talvez, Chagnon, como especialista
na cultura yanomami, estivesse consciente
disso ressoou em valores e crenas culturais
yanomamis que facilitaram a conduo da
pesquisa. De acordo com vrios antroplogos
da sade especialistas na cultura yanomami, h
uma preferncia cultural por medicamentos
injetveis entre os ndios, crena sustentada na
idia de que esses medicamentos seriam mais
poderosos que os ministrados por via oral15
. As
evidncias levantadas durante a investigao da
AAA sugerem que Chagnon, ao explicar o
experimento nos termos de um tratamento de
sade e, especialmente, ao apelar para uma
expectativa cultural de que os medicamentos
injetveis so mais eficazes, teria confundido os
yanomamis fazendo-os crer que a coleta de
sangue era parte de um protocolo de ao de
sade pblica, tal como as aes contra a
malria j conduzidas naquela poca5
.
O recrutamento para a pesquisa:
troca de presentes
Um dado cultural comum a vrios estudos
etnogrficos com populaes indgenas
brasileiras o fascnio dos ndios por presentes.
Atualmente, no h qualquer possibilidade de
entrada em terras indgenas sem a oferta de
comida, roupas ou outros utenslios no pro-
duzidos em terras indgenas. O ponto de parti-
da de uma pesquisa cientfica ou de trabalho
jornalstico com populaes indgenas o rece-
bimento de uma lista de presentes que o
pesquisador ou o jornalista dever levar consigo
para a chegada no campo. Muitos pesquisa-
dores justificam o cumprimento dessa lista de
presentes como forma de contribuir para o
bem-estar da comunidade durante o trabalho
de campo. Outros, justificam a prtica como
forma de ser bem aceito na comunidade ou
como resqucio da tradio colonial, pois essa
era prtica corrente entre missionrios e colo-
nizadores. O ponto-chave dessas diferentes
interpretaes do significado da oferta de pre-
sentes que a maioria dos pesquisadores e jor-
nalistas no considera o cumprimento da lista
de presentes como forma de pagamento pela
pesquisa ou reportagem e, regra geral, no
enfrentam o tema da troca de presentes como
uma questo tica. O argumento de que a troca
de presentes por informaes justa razoavel-
mente bem aceita na comunidade de antrop-
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logos que trabalha com populaes indgenas e,
em geral, no ponto moralmente question-
vel5
.
Muitos antroplogos recusam o paralelo entre
o pagamento financeiro para o recrutamento de
voluntrios para uma pesquisa biomdica em
sociedades urbanas com a troca de bens em
comunidades indgenas. O principal argumen-
to para essa recusa da equivalncia entre o
pagamento e a troca de presentes a tese de que
a pesquisa antropolgica e o mtodo etnogr-
fico em particular baseia-se em um senso de
aproximao e de confiana no automatica-
mente conquistado. Os presentes seriam um
mecanismo gentil de aproximao entre pes-
soas que no possuem vnculos ou proximidade
cultural. Uma pesquisa etnogrfica tradicional
exige que um antroplogo viva na comunidade
que ir realizar a pesquisa por longos perodos
de tempo e ser aceito no grupo condio de
possibilidade para o levantamento de dados.
Nesse contexto, a releitura da troca como
forma de pagamento e, portanto, de induo
dos yanomamis a participarem na pesquisa no
inferncia bem aceita entre a comunidade de
antroplogos e de cientistas sociais em geral.
Uma resposta desafiadora a esta releitura da
troca como pagamento apontou a diferena
entre a pesquisa com seres humanos e a
pesquisa em seres humanos17
. As diferenas
metodolgicas e de mensurao de risco de uma
pesquisa com e de uma pesquisa em pessoas
no podem ser ignoradas. Uma pesquisa
antropolgica, tal como a conduzida por
Chagnon, uma pesquisa com pessoas, ao con-
trrio de muitas pesquisas biomdicas que so
invasivas ou exigem que se administrem
medicamentos em pessoas. Essa diferena da
pesquisa com para a pesquisa em seres huma-
nos no deve ser entendida apenas como exer-
ccio lingstico, mas como fronteira impor-
tante para a discusso sobre os parmetros ti-
cos que guiam diferentes metodologias e cam-
pos de pesquisas. No h qualquer dvida de
que a pesquisa de Chagnon resultou em male-
fcios aos yanomamis o principal deles foi o
estigma de povo selvagem , mas os riscos
envolvidos na construo equivocada de um
povo so de magnitude e impacto diferentes dos
riscos de uma pesquisa biomdica que pode
provocar a morte ou efeitos colaterais srios ao
bem-estar fsico ou mental dos participantes. A
recusa da releitura da troca como forma de
pagamento no deve ser entendida como
rejeio dos antroplogos ao acompanhamento
tico de suas pesquisas, mas particularmente
como recusa da transposio irrefletida de
parmetros disciplinares de um campo para
outro.
A questo tica mais importante nesse debate
encontrar mecanismos que garantam o carter
livre e esclarecido do consentimento para par-
ticipar em uma pesquisa. O desafio para os
antroplogos no o de incorporar os protoco-
los de pesquisa j consolidados para a pesquisa
em seres humanos em sua rotina de pesquisa
etnogrfica. O verdadeiro desafio encontrar
mecanismos que comprovem a autenticidade
do consentimento de populaes vulnerveis,
com ou sem a troca de presentes. H o consen-
so e no apenas entre a comunidade de cien-
tistas sociais de que coletar mitos e crenas
algo bem diferente que coletar sangue ou testar
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o protocolo de uma nova vacina entre pessoas.
Coletar mitos uma pesquisa com seres
humanos, ao passo que coletar sangue uma
pesquisa em seres humanos17
. O que a pesquisa
de Neel e Chagnon mostrou que, apesar da
diferena de magnitude e impacto de risco da
pesquisa em cincias humanas, h questes ti-
cas importantes que precisam ser enfrentadas a
partir das particularidades disciplinares de cada
campo18
. Isso no significa assumir, entretanto,
que as pesquisas em cincias humanas estejam
isentas de riscos ou conseqncias nefastas para
os grupos.
Informaes secretas: consentimento
e privacidade
De maneira geral, no h risco relevante em
coletar genealogias familiares ou mitos de
determinado povo. Uma das razes da contro-
vrsia contempornea do caso do sangue
yanomami foi exatamente ter posto em xeque
esse consenso do baixo risco dos resultados das
pesquisas etnogrficas em cincias sociais. Os
livros de Chagnon descreviam os yanomamis
como um povo selvagem (fierce people). Suas
obras foram extensamente lidas e discutidas por
uma gerao de antroplogos nos Estados
Unidos e por lideranas polticas no Brasil nos
anos 70 e 80. No Brasil, o impacto dos escritos
de Chagnon deu-se mais no campo da poltica
que no universo acadmico: o argumento do
povo selvagem foi uma das evidncias utilizadas
por governantes para justificar a reduo das
terras yanomamis nos anos 904,8
.
Vrias lideranas indgenas e defensores dos
direitos humanos acusaram Chagnon de ter
provocado srios danos aos yanomamis por
essa descrio cultural de povo selvagem.
Desde finais dos anos 80, antroplogos
brasileiros discutem com a Associao Ameri-
cana de Antropologia os equvocos etnogrfi-
cos das pesquisas de Chagnon e o impacto
poltico daqueles trabalhos para os rumos da
poltica indigenista brasileira4
. O principal
argumento de defesa de Chagnon a essa
acusao foi o de que no seria correto respon-
sabiliz-lo pelos maus usos de suas pesquisas:
se os governantes brasileiros apoiaram-se em
suas etnografias para justificar a reduo das
terras yanomamis, ele no poderia se respon-
sabilizar por isso. Essa defesa superficial de
Chagnon, no entanto, ignorou o cerne da dis-
cusso: a acusao mais importante de que
havia equvocos graves em seus relatos etno-
grficos em especial, a descrio dos
yanomamis como povo selvagem.
Mas havia ainda outro ponto a ser discutido
sobre os relatos etnogrficos de Chagnon. Os
dados apresentados diziam respeito a infor-
maes secretas e tabus culturais, como o
caso dos nomes prprios. O antroplogo no
apenas levantou esses dados por meio de
estratgias consideradas controversas, mas
principalmente os tornou internacionalmente
pblicos por meio de livros e filmes. preciso
lembrar que um dos mtodos de Chagnon para
coletar essas informaes era recrutar crianas
em troca de presentes, provocando os inimigos
dos yanomamis. Com os nomes prprios levan-
tados e as genealogias recuperadas, a equipe de
Neel iniciou a coleta das amostras de sangue
para fins de pesquisa, mas, ao que tudo indica,
sob o argumento de que a coleta era parte de
292Revista Biotica 2007 15 (2): 284-97
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um procedimento preventivo de sade pblica.
Como dito, no tarefa simples explicar um
procedimento de pesquisa para populaes sem
contato regular com o vocabulrio cientfico.
Grande parte dos yanomamis no tem acesso
educao formal em escolas, no so bilnges
na lngua portuguesa e ainda tm poucos con-
tatos com populaes no-indgenas. Esse con-
texto era ainda mais singular quando a pesquisa
foi realizada nos anos 60 e 70. Ao que parece,
Chagnon no apenas explicou e convenceu os
yanomamis a participarem da pesquisa, expli-
cando-a em termos de um tratamento mdico,
mas desencadeou uma desarmonia social ao
distribuir bens por informaes, alm de ter
recrutado grupos extremamente vulnerveis,
como as crianas. Durante as investigaes
conduzidas pela Associao Americana de
Antropologia, alguns adultos yanomamis,
crianas poca da pesquisa, contaram o mal-
estar que a participao na pesquisa havia lhes
provocado no passado: ter revelado os seus
prprios nomes e os nomes de seus familiares
era algo que ainda lhes incomodava, mas a
seduo dos presentes teria sido muito tentado-
ra em um contexto de total escassez daqueles
bens3, 5
.
O argumento de que possvel levantar e utilizar
dados secretos em uma pesquisa, desde que
garantidas a privacidade na divulgao dos dados,
no resolveria o mal-estar provocado pela simples
enunciao desses dados pelos yanomamis. O
fato de o nome ser tabu cultural provoca inc-
modo moral em sua enunciao. Durante longo
tempo, esse no foi tema a ser discutido nas
pesquisas antropolgicas, uma vez que os grupos
pesquisados no tinham acesso aos resultados
das pesquisas etnogrficas. Pesquisava-se entre os
yanomamis, coletavam-se os dados, e esses eram
distribudos e discutidos em outro universo social
e cultural. A distncia entre a informao cien-
tfica e as culturas que originavam as etnografias
era to imensa que no havia o risco da
imputao do dano pelos relatos etnogrficos por
parte das populaes pesquisadas: um yanomami
no leria o livro de Chagnon ou veria um de seus
filmes. Essa distncia social resolvia o desafio da
tica da representao cultural de um povo: os
yanomamis sofreram as conseqncias da repre-
sentao como um povo selvagem antes mesmo
que conhecessem os escritos e filmes de
Chagnon.
Mas em que medida Chagnon poderia ser
responsabilizado pelos maus usos de seus relatos
etnogrficos? Ele co-responsvel pela discri-
minao sofrida pelos yanomamis em nome do
estigma de povo selvagem? Responder a essas
perguntas provoca novo desafio reflexo tica
em cincias humanas que se aproxima do debate
sobre as obrigaes ps-pesquisa nas cincias
biomdicas: em que medida Chagnon deveria
devolver seus resultados de pesquisa aos grupos
yanomamis? As pesquisas em cincias sociais
no so lucrativas como as financiadas por la-
boratrios, por exemplo, mas possvel ganhar
dinheiro, benefcios e prestgio por meio das
pesquisas. Chagnon, excepcionalmente, ganhou
muito dinheiro, pois seus livros e filmes foram
extensamente lidos e assistidos em vrios pases.
Estima-se que recebeu mais de 1 milho de
dlares em direitos autorais de suas obras5
. H
um dever moral de dividir esses ganhos finan-
ceiros e simblicos com os grupos pesquisados?
293 Avaliao tica em pesquisa social: o caso do sangue Yanomami
-
Se sim, como proceder? As obrigaes ps-
pesquisa devem tambm estar na pauta das dis-
cusses nas cincias humanas ou esse deve ser
tema restrito s cincias biomdicas? Na ver-
dade, essas so perguntas inquietantes para
todas as reas do conhecimento, mas ainda re-
lativamente recentes para as cincias sociais.
O sangue nas universidades
estadunidenses
Estima-se que 12.000 amostras de sangue
yanomami estejam estocadas em universidades
estadunidenses. Essas amostras, coletadas
durante a pesquisa de Neel e Chagnon, so
valiosas para fins de pesquisa gentica, dadas as
particularidades populacionais e geogrficas dos
yanomamis. A demanda das lideranas
yanomamis pela devoluo do sangue para pos-
terior destruio em territrio yanomami.
Grande parte das amostras de pessoas j mor-
tas, o que torna seu armazenamento ainda mais
ultrajante para os valores culturais yanomamis.
Quando um yanomami morre, todos os seus
vestgios corporais tm que ser eliminados4
.
Aps a destruio, o corpo cremado e os
restos mortais distribudos entre as pessoas da
famlia e amigos mais prximos. Os restos
mortais so valiosos, por serem utilizados para
a preparao de alimentos em festas dedicadas
ao morto. As pessoas prximas ao morto devem
comer os alimentos preparados com as cinzas,
forma de garantir que no tiveram qualquer
participao na morte. A explicao social para
este ritual que no h morte natural: todas
as mortes so provocadas por bruxaria. O que o
ritual dos alimentos garante que a bruxaria
no foi realizada por aqueles que se alimenta-
ram das cinzas, isto , os familiares e amigos.
Davi Kopenawa, um dos lderes yanomamis
mais conhecidos internacionalmente, em carta
endereada ao governo brasileiro solicitava a
devoluo imediata de todas as amostras de
sangue. Em suas palavras, ns Yanomami que-
remos mandar esta carta para vocs porque esta-
mos tristes com sangue de nossos parentes mor-
tos que est nas geladeiras nos Estados Unidos.
Olha, falei com meu povo yanomami de Tooto-
tobi onde os americanos tiraram o sangue. Os
velhos falaram que esto com raiva porque esse
sangue dos mortos est guardado por gente de
longe. Nosso costume chorar os mortos,
queimar corpos e destruir tudo que usaram e
plantaram. No pode sobrar nada, se no o povo
fica com raiva e o pensamento no fica tranqi-
lo. Os americanos, esses, no respeitam nosso
costume, por isso queremos de volta nossos
vidros de sangue e tudo que tiraram do nosso
sangue para estudar19
.
nesse contexto de total proibio de per-
manncia de restos corporais de pessoas mortas
que a estocagem do sangue deve ser analisada.
A existncia de 12.000 amostras de sangue de
yanomamis j mortos uma afronta aos valores
culturais relacionados morte e dignidade
individual. Alguns geneticistas e antroplogos
estadunidenses so contrrios devoluo do
sangue para os yanomamis em nome da riqueza
do material para o Projeto Genoma Humano5
.
Recentemente, foi anunciada a devoluo de
algumas dessas amostras armazenadas na Uni-
versidade Federal do Par, mas o sentimento de
pesar cientfico imenso, especialmente se con-
294Revista Biotica 2007 15 (2): 284-97
-
siderarmos as restries que o governo bra-
sileiro impe a entrada em terras yanomamis
para as pesquisas biomdicas6
. Os argumentos
para a no devoluo so basicamente trs: a)
no h garantia de que o sangue ser devolvido
na integralidade, pois bastam amostras mni-
mas para que pesquisas genticas sejam rea-
lizadas; b) dadas as restries do governo
brasileiro de entrada em terras yanomamis, as
amostras de sangue so um material gentico
insubstituvel para estudos comparativos e
investigativos; c) as estratgias de negociao
com os yanomamis baseiam-se nos princpios
do tudo ou nada e seria possvel encontrar
mecanismos de compensao para os yanoma-
mis em troca da estocagem do sangue5
.
Consideraes finais
O caso do sangue yanomami desafia vrios
parmetros de avaliao e controle social em
tica na pesquisa com e em seres humanos17
.
No restam dvidas que a expedio de
pesquisa de Neel e Chagnon utilizou procedi-
mentos controversos, metodologias equivo-
cadas. Pode-se inclusive afirmar que os resulta-
dos da pesquisa etnogrfica no so confiveis.
Um dos lados dessa controvrsia fcil de ser
enfrentado: dificilmente as pesquisas de
Chagnon sero novamente consideradas legti-
mas para quem se interessa pela cultura
yanomami, bem como para a comunidade
cientfica em geral. Mas h outro lado desse
debate que ainda se mantm aceso: a im-
portncia do consentimento livre e esclarecido
e seus desafios em populaes vulnerveis; a
fronteira entre pesquisa e tratamento biomdi-
co; as obrigaes ticas ps-pesquisa em cin-
cias biomdicas e cincias humanas e o uso de
informaes secretas, privadas e confidenciais.
Nesse sentido, o caso do sangue yanomami
pode ser considerado exemplo paradigmtico
da controvrsia que envolve a tica em pesquisa
com seres humanos nas diversas reas do co-
nhecimento.
O caso do sangue yanomami nos mostra tam-
bm a importncia de aproximar diferentes
campos do conhecimento ao debate sobre tica
em pesquisa. No Brasil, o tema da tica em
pesquisa ainda um campo circunscrito aos
saberes biomdicos, com forte resistncia das
humanidades em se submeter ao sistema de
avaliao tica vigente (CEP/Conep)20
. A
resistncia no deve ser entendida como ato
ingnuo de recusa ao controle social da
pesquisa acadmica, mas como crtica aos fun-
damentos metodolgicos e epistemolgicos do
atual sistema de avaliao tica. inegvel que
o tema da tica em pesquisa deve ser metadisci-
plinar. No entanto, os critrios de funciona-
mento dos comits de tica em pesquisa e, em
especial, as lentes de avaliao da eticidade de um
projeto de pesquisa, ao estarem assentadas em
campos disciplinares especficos, so pouco con-
vidativas a outros saberes. O desafio , ento,
reconhecer que se o cumprimento de preceitos
ticos condio de possibilidade para a exe-
cuo de qualquer projeto de pesquisa no pas,
tambm preciso assumir a tarefa de imediata-
mente revisar as regras do jogo, a fim de harmo-
niz-las aos saberes sociais e tcnicas de pesquisa.
295 Avaliao tica em pesquisa social: o caso do sangue Yanomami
-
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Resumen
La sangre Yanomami: un desafo para la tica en la investigacin
Este artculo analiza un caso que es paradigmtico para la temtica de la tica en investigacin:
la expedicin de James Neel y Napoleon Chagnon entre los grupos Yanomami a fines de la
dcada de 1960. La expedicin de Neel/Chagnon result en la recoleccin de 12.000 muestra
de la sangre, que se encuentran almacenadas en universidades de E.E.U.U. dedicadas al
proyecto Genoma Humano. En este artculo, el caso de la sangre yanomami es el marco para la
discusin acerca de cuestiones centrales sobre la participacin de poblaciones vulnerables en las
investigaciones cientficas en las Ciencias Humanas y en la salud: termo de consentimiento libre
y esclarecido, pago por la participacin en la investigacin, uso y divulgacin de los datos de la
investigacin considerados secretos para la poblacin investigada.
Palabras-clave: tica en la investigacin. Poblacin vulnerable. Yanomami.
Abstract
The Yanomami blood: evaluation ethics in social research
This paper analyses a paradigmatic case for the ethics in research with beings human: the socio-
genetic expedition of James Neel and Napoleon Chagnon among the Yanomami groups in the
late 1960s. The Neel/Chagnon expedition collected 12.000 blood samples, which are still
available in American universities dedicated to the Human Genome Project. In this paper, the
Yanomami blood expedition is a reference case to analyze three key points to the inclusion of
vulnerable population in scientific researches in Social Sciences and Health Sciences: the
informed consent, the payment for the participation in the research and the use and
dissemination of the results which are considered a cultural taboo.
Key words: Research ethics. Vulnerable population. Yanomami.
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Contato
Dbora Diniz [email protected]
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