Raymond Khoury - O Ultimo Templario.rev

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  • OO llttiimmoo

    TTeemmppllrriioo

    RRaayymmoonndd KKhhoouurryy

  • OOrreellhhaa ddoo lliivvrroo::

    Durante o ataque muulmano, em 1291, antiga cidade de Acre,

    no Reino Latino de Jerusalm, a gal Templo do Falco zarpa, levando um

    pequeno grupo de cavaleiros, entre eles o jovem templrio Martin de

    Carmaux, seu mestre, Aimard de Villiers, e um misterioso ba a eles

    confiado pelo gro-mestre da Ordem dos Templrios momentos antes de sua

    morte. O barco desaparece sem deixar rastro.

    Sete sculos depois, na cidade de Nova York, quatro homens

    vestidos de templrios e montados a cavalo irrompem na festa de abertura

    de uma exposio de relquias do Vaticano no museu Metropolitan,

    espalhando pnico e roubando os objetos expostos. A arqueloga Tess

    Chaykin, uma das convidadas da festa, testemunha quando um cios

    cavaleiros, que parece liderar o grupo, se atem, como num ritual solene, a

    um nico objeto: um misterioso decodificador medieval.

    Aps o incidente, o FBI instaura uma investigao sobre o caso

    liderada pelo especialista em anti-terrorismo Sean. Reilly. Juntos, Reilly e

    Tess se envolvem em uma corrida mortal por trs continentes em busca do

    local de descanso do Templo do Falco e da perturbadora verdade sobrsua

    carga.

  • O ltimo Templrio

    Raymond Khoury

    TRADUO DE

    Vera de Paula Assis

    5 reimpresso

    Titulo original The Last Templar

    Copyright 2005 by Raymond Khoury

    Todos os direitos reservadas William Morris Agency.

    Copyright da traduo Ediouro Publicaes, 2006

    Adaptao de capa

    Obra Completa Comunicao

  • PPaarraa ooss mmeeuuss ppaaiiss

    PPaarraa aass mmiinnhhaass mmeenniinnaass:: SSuueelllleenn,, MMiiaa ee GGrraacciiee

    ee

    PPaarraa oo mmeeuu aammiiggoo ddoo ppeeiittoo AAddaamm BB.. WWaacchhtteell

    ((11995599--22000055))

    VVoocc tteerriiaa ggoossttaaddoo mmuuiittoo ddiissttoo ttuuddoo..

    SSoouu ggrraattoo VViiccttoorriiaa ee EElliizzaabbeetthh ppoorr tteerreemm ddiivviiddiiddoo

    vvoocc ccoonnoossccoo..

    SSeennttiirreemmooss ssuuaa ffaallttaa..

    MMuuiittoo..

  • PPrrllooggoo

    Acre, reino latino de Jerusalm, 1291

    A Terra Santa est perdida.

    Esse nico pensamento continuava a perseguir Martin de

    Carmaux, sua finalidade brutal mais aterrorizante que as hordas de

    guerreiros entrando em enxame pela brecha no muro.

    Ele lutou para reprimir o pensamento, para afast-lo.

    Agora no era hora para lamentaes. Ele tinha um trabalho a

    fazer.

    Homens a matar.

    Sua espada larga brandida ele mergulhou atravs das nuvens

    sufocantes de fumaa e poeira e arremeteu no meio das tropas fervilhantes

    do inimigo. Eles estavam por toda parte, suas cimitarras e machados

    rasgando a carne, os gritos dos guerreiros dilacerando a inquietadora batida

    rtmica dos tmpanos do lado de fora dos muros da fortaleza.

    Com toda sua fora, ele desceu a espada, rachando o crnio de um

    homem at os olhos, a lmina saltando livre ao investir contra seu prximo

    oponente. Ao lanar um rpido olhar sua direita, reconheceu Aimard de

    Villiers dirigindo a espada para o peito de outro atacante antes de continuar

    para o prximo oponente. Atordoado pelos lamentos de dor e pelos gritos

    estridentes de fria sua volta, Martin sentiu algum agarrar sua mo

    esquerda e rechaou agilmente o ofensor com o punho de sua espada antes

    de descer sua lmina, sentindo-a atravessar msculos e ossos. Do canto do

    olho, sentiu algo ameaadoramente prximo sua direita e, instintivamente,

    brandiu a espada contra o vulto, decepando o antebrao de outro dos

    invasores antes de, num nico golpe, escancarar o rosto e cortar a lngua.

    J se passavam horas desde que ele ou qualquer um de seus

    aliados tiveram um momento de pausa. O ataque muulmano no apenas

    tinha sido incessante, como tambm tinha sido muito pior do que o

    imaginado. Flechas e projteis de piche em chamas tinham chovido

  • constantemente sobre a cidade durante dias, dando incio a mais incndios

    do que poderiam ser enfrentados de uma s vez, enquanto os homens do

    Sulto tinham aberto, por debaixo dos grandes muros, buracos que eles

    encheram de galhos e que tambm foram colocados em chamas. Em vrios

    lugares, essas fornalhas improvisadas tinham rachado os muros que agora

    desmoronavam sob uma barragem de rochas catapultadas. Os Templrios e

    os Hospitalrios tinham conseguido repelir, por pura fora de vontade, o

    ataque no Porto de Santo Antnio antes de atiar o fogo e de bater em

    retirada. A Torre Amaldioada, contudo, tinha feito jus ao seu nome,

    permitindo a entrada dos desenfreados sarracenos e selando o seu destino.

    Gritos estridentes de agonia se perdiam no confuso tumulto

    enquanto Martin recolhia sua espada e olhava por toda parte numa busca

    desesperada de qualquer sinal de esperana, mas no havia nenhuma

    dvida em sua mente. A Terra Santa estava, de fato, perdida. Com crescente

    pavor, ele percebeu que todos eles estariam mortos antes que a noite

    acabasse. Eles enfrentavam o maior exrcito j visto e, apesar da fria e da

    paixo que corriam em suas veias, seus esforos e os de seus irmos

    estavam indubitvel mente fadados ao fracasso.

    No demorou muito antes que seus superiores tambm se dessem

    conta disso. Seu corao se esmorecia enquanto ouvia a proftica corneta

    convocando os Cavaleiros do Templo sobreviventes a abandonar as defesas

    da cidade. Seus olhos, olhando para a esquerda e para a direita num

    confuso frenesi, voltaram a encontrar os de Aimard de Villiers. Viu neles a

    mesma agonia, a mesma vergonha que ardia dentro dele. Lado a lado,

    lutaram para abrir caminho por entre a turba desordenada e conseguiram

    voltar relativa segurana do complexo templrio.

    Martin seguiu o cavaleiro mais velho enquanto ele se movia

    agressivamente atravs da multido de civis aterrorizados que tinham

    buscado refgio por trs dos slidos muros do burgo. A viso que os recebeu

    no grande vestbulo o chocou mais ainda que a carnificina que

    testemunhara do lado de fora. Deitado em uma rstica mesa de refeitrio

    estava Guilherme de Beaujeu, o gro-mestre dos Cavaleiros do Templo.

    Pedro de Sevrey, o marechal, estava de p ao seu lado, junto com dois

  • monges. Os olhares pesarosos em seus rostos deixavam pouco espao para

    dvida. Quando os dois cavaleiros chegaram ao seu lado, os olhos de

    Beaujeu se abriram, e ele ergueu ligeiramente a cabea, o movimento

    causando um involuntrio gemido de dor. Martin olhou fixamente para ele,

    atordoado, sem conseguir acreditar naquilo que via. A pele do velho estava

    totalmente sem cor, os olhos, injetados de sangue. Os olhos de Martin

    percorreram o corpo de Beaujeu, lutando para tentar dar um sentido ao que

    via, e identificou a flecha de pena saindo pela lateral da caixa torcica. O

    gro-mestre segurava a haste na curva da sua mo. Com a outra, acenou

    para Aimard, que se aproximava dele, ajoelhou-se ao seu lado e envolveu a

    mo dele entre as prprias mos.

    Chegou a hora conseguiu dizer o velho, a voz doda e fraca,

    mas clara. V agora. E que Deus esteja contigo.

    As palavras passaram pelos ouvidos de Martin. Sua ateno estava

    em outro lugar, concentrada em algo que tinha percebido assim que Beaujeu

    abrira a boca. Era a lngua dele, que tinha ficado preta. Fria e dio

    cresceram na garganta de Martin ao reconhecer os efeitos da flecha

    envenenada. Este lder de homens, a figura imponente que tinha dominado

    cada aspecto da vida do jovem cavaleiro at onde conseguia se lembrar,

    estava praticamente morto.

    Ele percebeu Beaujeu erguer o olhar a Sevrey e inclinar a cabea

    quase imperceptivelmente. O marechal foi at o p da mesa e ergueu uma

    capa de veludo para revelar um pequeno ba ornamentado. No tinha mais

    que trs palmos de largura. Martin nunca o tinha visto antes. Ele o

    examinou em extasiado silncio enquanto Aimard se levantava e olhava fixa

    e solenemente para o ba e, ento, voltou a olhar para Beaujeu. O velho

    manteve o olhar fixo antes de voltar a fechar os olhos, a respirao

    assumindo um som de mau agouro. Aimard foi at Sevrey e o abraou,

    ergueu o pequeno ba e, sem sequer lanar um olhar para trs, rumou para

    fora. Ao passar por Martin, disse simplesmente:

    Venha.

    Martin teve um momento de hesitao e lanou um olhar para

    Beaujeu e para o marechal, que inclinou a cabea em aprovao. Saiu

  • rapidamente atrs de Aimard e logo percebeu que eles no estavam indo em

    direo ao inimigo.

    Estavam se dirigindo para o cais da fortaleza.

    Para onde estamos indo? perguntou num tom de desafio.

    Aimard no reduziu sua marcha,

    0 Templo do Falco nos espera. Rpido.

    Martin parou de segui-lo, a mente rodopiando em confuso.

    "Estamos partindo?"

    Ele conhecia Aimard de Villiers desde a morte de seu pai, ele

    prprio um cavaleiro, 15 anos antes, quando Martin mal tinha cinco anos.

    Desde ento, Aimard tinha sido seu guardio, seu mentor. Seu heri.

    Tinham lutado juntos muitas batalhas e era certo, acreditava Martin, que

    permanecessem lado a lado e morressem juntos quando chegasse o finai.

    Mas no isto. Isto era loucura. Era... desero.

    Aimard tambm parou, mas apenas para agarrar o ombro de

    Martin e empurr-lo para continuar andando.

    Apresse-se ordenou ele.

    No gritou Martin, afastando dele a mo de Aimard.

    Sim insistiu laconicamente o cavaleiro mais velho.

    Martin sentiu as nuseas subindo garganta; seu rosto anuviou

    enquanto lutava para encontrar as palavras.

    No desertarei nossos irmos balbuciou. No agora, nem

    nunca!

    Aimard soltou um pesado suspiro e lanou um olhar para trs,

    para a cidade sitiada. Projteis em chamas desenhavam arcos no cu

    noturno e desciam violentamente de todos os lados. Ainda agarrando o

    pequeno ba, ele virou-se e deu um passo ameaador para frente e, ento

    com seus rostos a meio palmo de distncia, Martin viu que os olhos do

    amigo estavam midos com lgrimas no derramadas.

    Acha que quero abandon-los? disse num sibilo, a voz

    cortando o ar.

    Abandonar nosso mestre, em sua hora final? Voc me conhece

    muito bem e sbio o bastante para no acreditar nisso.

  • A mente de Martin fervilhava em grande confuso.

    Ento, porqu?

    O que precisamos fazer muito mais importante que matar

    mais alguns desses ces raivosos respondeu Aimard sombriamente.

    crucial para a sobrevivncia da nossa Ordem. crucial se quisermos

    garantir que tudo aquilo por que trabalhamos tambm no morrer aqui.

    Precisamos ir. Agora.

    Martin abriu a boca para protestar, mas a expresso de Aimard era

    violentamente inequvoca. Martin inclinou a cabea em lacnica

    aquiescncia, embora com m vontade, e o seguiu.

    O nico navio que restava no porto era o Templo do Falco. As

    demais gals zarparam antes que o ataque sarraceno tivesse interceptado o

    principal porto da cidade uma semana antes. J em mar baixa, estava

    sendo carregado por escravos, sargentos-irmos e cavaleiros. Uma atrs da

    outra, as perguntas revolviam no crebro de Martin, mas ele no tinha

    tempo de fazer nenhuma delas. Ao se aproximarem do cais, ele viu o

    comandante do navio, um velho marinheiro que s conhecia como Hugo e

    por quem, ele tambm sabia, o gro-mestre tinha alta considerao. Do

    convs de seu navio, o homem robusto estava atento atividade fervilhante.

    Martin varreu o olhar pelo navio desde o castelo da popa, passando pelo seu

    alto mastro, at a proa, de onde saltava a figura de proa, a escultura

    incrivelmente natural de uma feroz ave de rapina.

    Sem afrouxar o passo, a voz de Aimard berrou para o mestre do

    navio.

    A gua e as provises foram carregadas?

    Foram.

    Ento, abandone o resto e zarpe imediatamente.

    Em questo de minutos, a prancha de desembarque foi recolhida,

    as amarras foram soltas e o Templo do Falco foi afastado das docas por

    remadores no escaler da embarcao. No demorou muito e o supervisor j

    tinha chamado e as fileiras de escravos de gal tinham mergulhado seus

    remos na gua escura.

    Martin olhou atentamente enquanto os remadores escalaram

  • desordenadamente at o convs e, ento, puxaram o escaler para cima e o

    prenderam. batida rtmica de um gongo grave e os grunhidos de mais de

    150 remadores acorrentados, o navio ganhou velocidade e se afastou do

    grande muro do complexo templrio.

    Enquanto a gal entrava no mar aberto, flechas desciam cio cu ao

    mesmo tempo em que o mar sua volta entrava em erupo com as imensas

    exploses crepitantes de espuma branca medida que as bestas e

    catapultas do Sulto eram dirigidas para o navio. Logo estavam fora de seu

    alcance e Martin ficou de p, olhando para trs, para a paisagem que

    recuava. Os pagos se enfileiraram nos baluartes da cidade, lanando uivos

    e zombadas para o navio como animais engaiolados. Atrs deles, rugia um

    inferno, ressoando com os berros e gritos de homens, mulheres e crianas,

    tudo contra o incessante trovo dos tambores da guerra.

    Lentamente, o navio ganhou velocidade, auxiliado pelo vento terral,

    suas fileiras de remos subindo e descendo como asas escumando as guas

    escuras. No horizonte distante, o cu tinha se tornado negro e ameaador.

    Estava acabado.

    Com as mos ainda trmulas e o corao pesado, Martin de

    Carmaux, lenta e relutantemente, deu as costas para a terra de seu

    nascimento e olhou com firmeza frente, para a tempestade que os

    aguardava.

  • CCaappttuulloo 11

    No incio, ningum percebeu os quatro homens montados a cavalo

    que emergiram da escurido do Central Park.

    Em vez disso, todos os olhos se concentravam em um ponto quatro

    quadras ao sul de l, onde, sob uma barreira de flashes e luzes da televiso,

    um desfile contnuo de limusines despejava celebridades elegantemente

    paramentadas e simples mortais no cordo de isolamento ao lado de fora do

    Museu Metropolitano de Arte, o Metropolitan.

    Era um daqueles eventos gigantescos que nenhuma outra cidade

    realizava to bem quanto Nova York, muito menos quando o anfitrio era o

    Metropolitan. Espetacularmente iluminado e com feixes de luz girando pelo

    cu negro de abril acima dele, o edifcio esparramado era como um sinal

    irresistvel no corao da cidade, chamando os seus convidados a passarem

    pelas austeras colunas de sua fachada neoclssica, sobre a qual pairava

    uma bandeira com os seguintes dizeres:

    ""TTeessoouurrooss ddoo VVaattiiccaannoo""

    Havia corrido um rumor sobre o adiamento do evento, ou mesmo

    de seu cancelamento definitivo.

    Uma vez mais, relatrios recentes do servio secreto tinham

    incitado o governo a elevar o estado nacional de alerta contra o terrorismo

    para o nvel laranja. Em todo o pas, autoridades estaduais e locais tinham

    endurecido as medidas de segurana. Por toda a Nova York, soldados da

    Guarda Nacional foram posicionados nos metrs e nas pontes, enquanto

    policiais trabalhavam em turnos de 12 horas.

    A exposio, dado o seu tema, foi considerada particularmente

    arriscada. Apesar disto tudo, a grande determinao tinha prevalecido e o

    conselho do museu votara a favor de manter os seus planos. A mostra

    aconteceria conforme o planejado, mais um testemunho do esprito

  • inquebrantvel da cidade.

    Uma jovem com cabelos impecveis e dentes brilhantemente

    esmaltados estava de p, de costas para o museu, na terceira tentativa de

    exercer seu direito de entrar. Tendo fracassado em parecer deliberadamente

    culta e blas, a reprter tentava falar srio enquanto dirigia seu olhar

    diretamente para a lente desta vez.

    No consigo me lembrar da ltima vez que o Metropolitan foi

    sede de uma festa to cheia de estrelas, certamente nada to glamouroso

    desde a exposio maia, e isto j faz alguns anos anunciou enquanto um

    homem gorducho de meia-idade saa da limusine com uma mulher alta e

    angulosa num vestido de noite azul de um tamanho pequeno demais e uma

    gerao mais jovem que ela. E l est o prefeito e sua adorvel esposa

    falou entusiasticamente a reprter , nossa prpria famlia real e,

    obviamente, elegantemente atrasados.

    Continuando em um tom srio, adotou um olhar mais grave e

    acrescentou:

    Muitos dos artefatos em exposio aqui esta noite nunca foram

    vistos pelo pblico antes, em nenhum lugar. Estiveram trancados nos cofres

    do Vaticano por centenas de ano e...

    Exatamente nesse momento, uma sbita onda de assobios e

    aplausos da multido a distraiu. A voz desaparecendo, ela desviou o olhar da

    cmera, os olhos se voltando para a crescente comoo.

    Foi quando ela viu os cavaleiros.

    Os cavalos eram espcimes soberbos: de cor cinza imperial e

    castanha, com rabos e crinas pretos ondulantes. Mas foram seus condutores

    que tinham excitado a multido.

    Os quatro homens, cavalgando lado a lado, estavam vestidos em

    armaduras medievais idnticas. Tinham capacetes com viseiras, coletes de

    cota de malha, perneiras com placas em aba sobre jaquetas pretas e cales

    acolchoados. Eles davam a impresso de terem acabado de sair de um portal

    para viagens no tempo. Dramatizando ainda mais o efeito, espadas longas e

    largas embainhadas pendiam de suas cinturas. E o mais incrvel de tudo,

    usavam longos mantos brancos sobre sua armadura, cada qual portando

  • uma cruz larga vermelho-sangue.

    Os cavalos agora se moviam num suave trote.

    A multido entrava em delrio medida que os cavaleiros

    avanavam devagar, olhando fixamente para frente, alheios comoo sua

    volta.

    Bem, o que temos aqui? Parece que o Metropolitan e o Vaticano

    soltaram todos os arreios esta noite; e eles no so magnficos? disse a

    reprter entusiasmada, decidindo agora pelo velho e simples showbiz.

    Escutem s essa multido!

    Os cavalos chegaram at o cordo de isolamento do lado de fora do

    museu e, ento, fizeram algo curioso.

    Eles no pararam l.

    Em vez disto, viraram lentamente at estarem de frente para o

    museu.

    Sem perder um passo, os homens montados persuadiram de modo

    gentil as suas montarias a subir para a calada. Avanando com muita

    calma, os quatro cavaleiros guiaram os cavalos at o passeio pavimentado.

    Lado a lado, subiram cerimoniosamente os degraus em cascata,

    rumando para a entrada do museu.

  • CCaappttuulloo 22

    Me, preciso mesmo ir protestou Kim.

    Tess Chaykin olhou para a filha com um ar de irritao no rosto.

    As trs Tess, a me Eileen e Kim tinham acabado de entrar no museu e

    Tess esperava dar uma rpida olhada nas exposies apinhadas antes que

    os discursos, as conversas informais e as demais formalidades assumissem

    o controle. Mas isso teria agora que esperar. Kim estava fazendo o que toda

    criana de nove anos de idade inevitavelmente faria nessas ocasies, ou seja,

    esperar o momento mais inconveniente para anunciar sua necessidade

    desesperada de ir ao banheiro.

    Francamente, Kim. O grande vestbulo estava apinhado de

    pessoas. Navegar por entre elas para acompanhar a filha ao banheiro

    feminino no era uma perspectiva que entusiasmava Tess neste exato

    momento.

    A me de Tess, que no fazia qualquer esforo para esconder o

    pequeno prazer que estava sentindo com isto, interveio.

    Eu a levo. Voc v em frente. Ento, com um sorriso de

    cumplicidade, acrescentou: Apesar de eu gostar de v-la ganhar sua

    recompensa.

    Tess fez uma careta para ela e depois olhou para a filha e sorriu,

    sacudindo a cabea. O rostinho e os olhos verdes cintilantes nunca deixaram

    de usar seu encanto para encontrar a sada para qualquer situao.

    Encontrarei vocs no salo principal. Ela ergueu um dedo em

    riste para Kim. Fique perto da vov. No quero perd-la neste circo.

    Kim gemeu e virou os olhos. Tess as viu desaparecer na confuso

    antes de virar-se e ir em frente.

    O imenso salo do museu, o Grande Hall, j estava cheio de

    homens de cabelos grisalhos e mulheres vertiginosamente glamourosas. Os

    smokings e os vestidos longos eram praxe e, quando percorreu os olhos por

    todo o salo, Tess se sentiu acanhada. Inquietava-a a idia de que ela se

    destacava tanto pela discreta elegncia quanto pelo constrangimento de ser

  • vista como parte da multido in sua volta, uma multido pela qual no

    tinha absolutamente interesse algum.

    O que Tess no percebia era que o que as pessoas notavam nela

    no tinha nada a ver com ela ser discreta no vestido preto de corte preciso

    que flutuava poucos centmetros acima dos joelhos, nem com seu

    constrangimento de comparecer a eventos to intensamente triviais como

    este. As pessoas simplesmente a notavam, e ponto final. Sempre tinham

    notado. E quem poderia culp-los? A sedutora massa de cachos

    emoldurando os afetuosos olhos verdes que irradiavam inteligncia

    geralmente desencadeava a reao. A constituio fsica saudvel dos 36

    anos de idade que se movia em passos fluidos, relaxados, o confirmavam e o

    fato de ela ser inteiramente alheia aos seus encantos o selavam. Era bem

    ruim que ela sempre tivesse se apaixonado pelos caras errados. E acabara se

    casando com o ltimo desse bando desprezvel, um erro que desfizera

    recentemente.

    Tess avanou para o salo principal, o burburinho das conversas

    ecoando para fora das paredes ao seu redor, num rugido surdo que tornava

    impossvel discernir palavras individuais. A acstica, ao que parecia, no

    tinha sido uma considerao fundamental no projeto do museu. Ela ouviu

    indcios de msica de cmara e identificou o quarteto feminino de cordas

    enfiado em um canto, os arcos ferindo enrgica, mas quase inaudivelmente,

    os seus instrumentos. Inclinando a cabea furtivamente para os rostos

    sorridentes na multido, conseguiu passar pelas sempre presentes exibies

    de flores frescas de Lila Wallace e pelo nicho onde a sublime terracota

    vitrificada azul e branca da Madona com Menino, de Andra della Robbia,

    postava-se graciosamente velando a multido. Esta noite, contudo, eles

    tinham companhia, j que esta era apenas uma das muitas representaes

    de Jesus Cristo e a Virgem Maria que agora adornavam o museu.

    Quase todas as peas em exposio estavam sendo exibidas em

    vitrines de vidro e no se podia duvidar, mesmo num rpido relance, que

    muitas dessas peas em exposio eram de enorme valor. Mesmo para

    algum com a falta de convico religiosa de Tess, eram bem

    impressionantes, at arrebatadoras, e quando ela passou deslizando pela

  • grandiosa escada e entrou no salo de exposio, seu corao comeou a

    acelerar com a crescente onda de antecipao.

    Havia peas pomposas do altar de alabastro da Borgonha, com

    cenas cheias de vitalidade da vida de So Martinho. Os crucifixos s

    vintenas, a maioria deles em ouro macio e pesadamente incrustados de

    pedras preciosas; um deles, uma cruz do sculo XII, consistia em mais de

    uma centena de figuras entalhadas na presa de uma morsa. Havia

    elaboradas estatuetas de mrmore e relicrios de madeira entalhada; mesmo

    vazios de seu contedo original, esses bas eram exemplos soberbos do

    trabalho meticuloso de artesos medievais. Um glorioso leitoril com uma

    guia de bronze se postava altivamente ao lado de um superlativo castial de

    Pscoa espanhol pintado, de quase dois metros, que tinha sido retirado dos

    prprios aposentos do papa.

    Enquanto assimilava as diversas peas, Tess no conseguia deixar

    de se angustiar com sua decepo. Os objetos diante dela eram de uma

    qualidade que ela nunca teria ousado esperar durante seus anos em

    pesquisa de campo. Sim, verdade que foram bons e instigantes anos, at

    certo ponto gratificantes. Ela teve a oportunidade de viajar pelo mundo e de

    mergulhar em culturas diversas e fascinantes. Algumas das curiosidades

    que tinha desenterrado estavam em exposio em alguns museus

    espalhados pelo globo, mas nada que descobrira era digno o bastante para

    adornar, digamos, a Ala Sackler de Arte Egpcia ou a Ala Rockefeller de Arte

    Primitiva. "Talvez... talvez se eu tivesse perseverado um pouco mais." Ela

    rechaou o pensamento. Sabia que essa vida tinha acabado agora, pelo

    menos durante um futuro prximo. Ela teria que se contentar em observar

    esses maravilhosos vislumbres do passado do ponto de vista remoto e

    passivo de uma observadora agradecida.

    E que vislumbre maravilhoso era. Ser a sede da exposio tinha

    sido um feito notvel para o Metropolitan, porque quase nenhum dos itens

    enviados de Roma tinha sido antes exibido.

    No que fosse tudo de ouro reluzente e jias resplandecentes.

    Em uma vitrine bem sua frente agora estava um objeto

    aparentemente mundano. Era alguma espcie de aparelho mecnico, feito de

  • cobre, aproximadamente do tamanho de uma velha mquina de escrever, e

    que parecia uma espcie de caixa. Tinha inmeros botes na face superior,

    bem como engrenagens encadeadas e alavancas que se projetavam de suas

    laterais. Parecia fora de lugar em meio a toda essa opulncia.

    Tess afastou seus cabelos para o lado ao inclinar para frente para

    olhar mais de perto. Estava pegando seu catlogo quando, acima de seu

    prprio reflexo embaado no vidro da estante, outro, de algum que chegou

    por trs dela, assomou-se.

    Se voc ainda estiver procurando pelo Clice Sagrado, vou ter de

    desapont-la. No est aqui disse a ela uma voz grave. E embora tivessem

    passado anos desde que a ouviu, ela a reconheceu mesmo antes de virar.

    Clive. Ela virou-se, assimilando a viso de seu ex-colega,

    Como voc est? Parece timo. O que no era exatamente verdade; mesmo

    que mal tivesse passado dos cinqenta, Clive Edmondson parecia

    verdadeiramente envelhecido.

    Obrigado. E voc?

    Estou bem disse ela inclinando a cabea. E como andam

    hoje em dia os negcios no ramo da pilhagem de tmulos?

    Edmondson lhe mostrou o dorso das mos.

    As contas de manicure esto me matando. Exceto por isto, tudo

    exatamente na mesma. Literalmente disse sorrindo. Ouvi dizer que

    voc est no Manoukian.

    Estou.

    E?

    Ah, timo disse-lhe Tess. Isso tambm no era verdade.

    Trabalhar no prestigioso Instituto Manoukian tinha sido uma sorte para ela,

    mas no que dizia respeito experincia real de trabalhar l, a situao no

    era to boa assim. Mas essas coisas voc guarda para si mesmo,

    especialmente no mundo surpreendentemente fofoqueiro e traioeiro que a

    arqueologia conseguia ser. Buscando um comentrio impessoal, ela disse:

    Voc sabe, realmente sinto saudade de estar l com vocs.

    O tmido sorriso dele revelou a ela que ele no acreditava nisso.

    Voc no est perdendo grande coisa. Ainda no chegamos s

  • manchetes.

    No isso, s que... Ela virou-se, lanando um olhar no

    mar de vitrines volta deles. Qualquer um destes teria sido timo.

    Qualquer um. Ela olhou para ele, subitamente melanclica. Como

    que nunca descobrimos nada to bom assim?

    Ei, ainda tenho esperana. Foi voc quem trocou os camelos por

    uma mesa disse ele em tom de gracejo. Isso sem falar nos mosquitos,

    na areia, no calor ou na comida, se que voc pode chamar aquilo de

    comida...

    Ah, meu Deus, a comida riu Tess. Quando chego a pensar

    nela, no tenho mais certeza se realmente sinto saudade.

    Voc sempre poder voltar, sabe.

    Ela estremeceu. Era algo em que pensava com freqncia.

    Acho que no. De qualquer maneira, no por algum tempo.

    Edmondson deu um sorriso nervoso que pareceu um tanto exagerado.

    Sempre teremos uma p com seu nome, voc sabe disso disse

    ele, num tom que poderia ser qualquer coisa, exceto de esperana. Houve

    silncio embaraoso entre eles. Escuta acrescentou ele , montaram

    um bar l no Salo Egpcio e, pelo jeito, conseguiram arranjar algum que

    sabe como fazer um coquetel decente. Deixe-me pagar um drinque.

    V na frente que eu o alcanarei depois disse ela. Estou

    esperando por Kim e minha me.

    Elas esto aqui?

    Esto.

    Ele ergueu as mos abertas.

    Uau. Trs geraes de Chaykins, isso vai ser interessante.

    Voc foi avisado.

    Devidamente anotado assentiu Edmondson enquanto se

    aventurava na multido. Vejo voc depois. No desaparea.

    Do lado de fora, o ar ao redor da praa estava eltrico. O

    cameraman se acotovelava para conseguir uma imagem ntida enquanto as

    palmas e os gritos de prazer da multido exultante abafavam os esforos de

    sua reprter em fazer os comentrios. Ficou ainda mais ruidoso quando a

  • multido identificou um homem baixo e atarracado num uniforme castanho

    de segurana sair de sua posio e correr para os cavaleiros que avanavam.

    Do canto do olho, o cameraman sabia que estava acontecendo algo

    que no estava de acordo com o plano. As largas passadas resolutas do

    guarda e sua linguagem corporal indicavam claramente uma diferena de

    opinio.

    O guarda, ao alcanar os cavalos, ergueu as mos num gesto de

    parar obstruindo seu desfile. Os cavaleiros refrearam seus cavalos, que

    resfolegaram e bateram as patas no solo, evidentemente inquietos por serem

    mantidos estacionrios nos degraus.

    Uma discusso parecia estar em andamento. Uma discusso

    unilateral, observou o cameraman, j que os homens montados no reagiram

    ao sermo imoderado do guarda de nenhuma maneira discernvel.

    E, ento, um deles finalmente fez algo.

    Lentamente, explorando o momento em toda a sua teatralidade, o

    cavaleiro mais prximo ao guarda desembainhou a larga espada e a ergueu

    acima da cabea, provocando outra onda de flashes e mais aplausos ainda.

    Ele a manteve l, com ambas as mos, ainda olhando fixamente

    frente. Imperturbvel.

    Embora tivesse um dos olhos grudados ao seu visor, o outro olho

    do cameraman estava pegando as imagens perifricas e, subitamente,

    percebeu que mais alguma coisa estava acontecendo. Apressadamente, focou

    no rosto do guarda. O que era esse olhar? Constrangimento? Consternao?

    Ento, ele percebeu o que era.

    Medo.

    A multido agora estava frentica, aplaudindo e ovacionando.

    Instintivamente, o cameraman inverteu o zoom com um toque, ampliando a

    viso para incluir o homem montado.

    De repente, o cavaleiro abaixou sua larga espada num grande e

    rpido arco, a lmina luzindo aterrorizantemente luz artificial dos flashes

    antes de acertar o guarda logo abaixo da orelha, o poder e a velocidade do

    golpe forte o bastante para cortar carne, cartilagem e osso.

    A multido que observava a cena soltou um suspiro ofegante, que

  • se transformou em vrios gritos pungentes de horror que ressoaram pela

    noite. O mais estridente de todos foi o grito agudo da reprter, que agarrou o

    brao do cameraman fazendo a imagem trepidar antes que ele a empurrasse

    com o cotovelo para continuar gravando.

    A cabea do guarda caiu para frente e comeou a descer quicando

    os degraus do museu, deixando atrs de si uma trilha de gotas vermelhas

    salpicadas. E, depois do que pareceu uma eternidade, seu corpo decapitado

    caiu subitamente de lado, desmoronando-se enquanto jorrava um pequeno

    jato de sangue.

    Adolescentes, aos berros, tropeavam e caam em pnico para

    escapar da cena, enquanto outros, mais para trs e sem saber exatamente o

    que estava acontecendo, mas sabendo que se tratava de alguma coisa

    grande, os empurravam para frente. Em questo de segundos, havia um

    apavorante emaranhado de corpos, o ar ressoando com os gritos e berros de

    dor e de medo.

    Os outros trs cavalos estavam agora batendo os cascos,

    desviando-se de lado nos degraus. Ento, um dos cavaleiros gritou:

    Vai, vai, vai!

    O carrasco incitou sua montaria para frente, arremetendo em

    direo s portas escancaradas do museu. Os outros dispararam e seguiram

    logo atrs.

  • CCaappttuulloo 33

    No Grande Hall, Tess ouviu os berros vindos do lado de fora e logo

    percebeu que havia algo muito, muito errado. Ela virou-se em tempo de ver o

    primeiro cavalo irromper pela porta, estilhaando vidro e lascando madeira

    enquanto o Grande Hall irrompia num caos violento. A serena, requintada e

    imaculada reunio de pessoas se desintegrou, transformando-se num

    atvico bando de rosnados enquanto homens e mulheres, aos gritos e

    empurres, saam do caminho dos cavalos impetuosos.

    Trs dos cavaleiros passaram violentamente pela multido, suas

    espadas colidiam estrondosamente contra as vitrines de exposio, pisavam

    em vidros quebrados, na madeira lascada e nas peas de exposio

    avariadas e destrudas.

    Tess foi jogada para o lado enquanto muitos dos convidados

    tentavam desesperadamente escapar pelas portas e chegar rua. Seus olhos

    moviam-se rapidamente por todo o saguo. "Kim, mame, onde elas esto?"

    Ela olhou em toda volta, mas no as viu em nenhum lugar. sua direita, ao

    longe, os cavalos davam meia-volta e viravam, devastando mais vitrines em

    seu caminho. Os convidados foram jogados contra as estantes e paredes,

    seus grunhidos de dor e gritos estridentes ecoavam no vasto salo. Tess

    entreviu Clive Edmondson entre eles ao ser violentamente derrubado para o

    lado, quando um dos cavalos de sbito recuou.

    Os cavalos estavam resfolegando, as narinas bufando, a espuma

    transbordando pelos arreios em suas bocas. Seus condutores esticavam a

    mo para baixo e arrebatavam objetos resplandecentes das vitrines

    quebradas, enfiando-os em sacos enganchados em suas selas. Nas portas, a

    multido que tentava sair impossibilitava a entrada da polcia, impotente

    contra o peso da turba aterrorizada.

    Um dos cavalos deu meia-volta, seu flanco fazendo uma esttua da

    Virgem Maria girar e se despedaar no cho. Os cascos do cavalo a pisaram,

    esmagando as mos da Madona em postura de reza. Arrancada de seu

    pedestal pelos convidados em fuga, uma linda tapearia foi pisoteada pelas

  • pessoas e pelos animais. Milhares de pontos esmeradamente confeccionados

    ficaram em frangalhos em questo de segundos. Um estojo expositor veio

    abaixo, uma mitra em branco e ouro estourou atravs do vidro quebrado

    para ser chutada de lado na confuso insana. Um manto, que fazia parte do

    mesmo conjunto, flutuou, como um tapete mgico, at que, tambm, foi

    retalhado.

    Saindo apressadamente do caminho dos cavalos, Tess olhou para

    baixo, para o corredor onde, a meio-caminho, ela viu o quarto cavaleiro e,

    adiante dele, mais ao longe, na outra extremidade do corredor, mais pessoas

    ainda se dispersavam para as outras partes do museu. Voltou a procurar

    pela me e pela filha."Onde diabo elas esto? Ser que esto bem?" Ela se

    esforou para identificar os rostos das duas no borro da multido, mas

    ainda no havia nenhum sinal delas.

    Ao ouvir um grito de comando, Tess girou-se e viu que os policiais

    tinham finalmente conseguido passar pela turba em fuga. Armas na mo e

    gritando mais alto que a confuso, eles estavam cercando um dos trs

    homens montados que, por debaixo de seu manto, sacou uma pequena arma

    de aparncia mrbida. Instintivamente, Tess foi ao cho e cobriu a cabea,

    mas no antes de testemunhar o homem descarregar uma saraivada de

    balas, movendo a arma de um lado ao outro, pulverizando o salo. Uma

    dezena de pessoas foi ao cho, inclusive todos os policiais, o vidro quebrado

    e os estojos esmagados ao redor deles agora salpicados de sangue.

    Ainda agachada ao cho, o corao batendo to forte que parecia

    querer sair do peito, e tentando se manter o mais imvel possvel, embora

    alguma coisa dentro dela estivesse gritando para que ela corresse, Tess viu

    que, agora, dois dos outros cavaleiros tambm estavam brandindo armas

    automticas como aquela que o companheiro assassino carregava. As baas

    ricocheteavam nas paredes do museu, contribuindo para o barulho e o

    pnico. Um dos cavalos recuou subitamente e as mos do seu condutor se

    debateram, a arma numa delas lanou uma saraivada de balas contra uma

    parede e o teto, estilhaando molduras ornadas de gesso que choveram nas

    cabeas dos convidados, que berravam agachados.

    Arriscando um olhar por detrs do expositor, a mente de Tess

  • fervilhava enquanto avaliava as rotas de fuga. Ao ver uma sada para outra

    galeria, trs fileiras de vitrines sua direita, Tess impeliu as pernas para

    frente e saiu em disparada em direo a ela.

    Tinha acabado de chegar na segunda fileira quando percebeu o

    quarto cavaleiro rumando na direo dela. Ela abaixou-se rapidamente,

    lanando breves olhares enquanto o via conduzir sinuosamente sua

    montaria entre as fileiras de vitrines ainda ilesas, alheio e despreocupado

    com a confuso que seus trs colegas estavam causando.

    Ela quase conseguia sentir a respirao saindo do cavalo

    resfolegante quando o cavaleiro subitamente puxou as rdeas e parou, a

    menos de dois metros dela. Tess agachou bem baixinho, abraando a vitrine

    como se envolvesse a prpria vida, exortando seu corao assustado a se

    aquietar. Seus olhos voltaram-se para cima e ela divisou o cavaleiro, refletido

    nas vitrines ao redor, arrogante em sua cota de malha e seu manto branco,

    olhando fixamente para baixo, para uma vitrine em particular.

    Era a que Tess estava examinando quando Clive Edmondson se

    aproximara dela.

    Tess observou em silencioso terror quando o cavaleiro puxou a

    espada, empunhou-a para o alto e abaixou-a com um estrondo contra o

    vidro, quebrando-o em pedaos que se lanaram no cho volta dela. Ento,

    deslizando a espada de volta bainha, estendeu o brao para baixo e ergueu

    a estranha caixa, a engenhoca de botes, engrenagens e alavancas, e a

    segurou por um momento.

    Tess mal conseguia respirar e, ainda assim, contra todos os

    instintos racionais de sobrevivncia que acreditava possuir, precisou

    desesperadamente ver o que estava acontecendo. Incapaz de resistir,

    inclinou-se por detrs da vitrine, um dos olhos mal ultrapassando a borda

    do vidro.

    O homem cravou os olhos no aparelho, reverentemente, antes de

    proferir algumas palavras, quase que para si mesmo.

    Veritas vos libera...

    Tess olhou fixamente, extasiada por este que parecia o mais

    privado dos rituais, quando outra saraivada de tiros arrancou a ela e ao

  • cavaleiro de seu devaneio.

    Ele virou subitamente o cavalo e, por um instante, os olhos dele,

    embora protegidos por trs da viseira de seu elmo, encontraram os de Tess.

    O corao dela parou enquanto continuava agachada, total e

    irremediavelmente paralisada. O cavalo vinha em sua direo, diretamente

    para ela... passou por ela roando e, quando o fez, ela ouviu o homem

    gritando para os outros trs cavaleiros:

    Vamos embora!

    Tess se levantou e viu que o cavaleiro alto, que tinha iniciado o

    tiroteio, conduzia um pequeno grupo para um canto ao lado da escadaria

    principal. Ela reconheceu o arcebispo de Nova York, assim como o prefeito e

    esposa. O lder dos cavaleiros inclinou a cabea e o homem alto forou sua

    montaria por entre a confuso de convidados consternados, agarrou a

    mulher que lutava e a ergueu at o cavalo. Ele apertou sua arma na lateral

    da cabea dela e ela ficou imvel, a boca aberta num grito silencioso.

    Impotente, furiosa e com medo, Tess viu os cavaleiros irem em

    direo sada. O cavaleiro lder, o nico sem uma arma, ela percebeu, era

    tambm o nico sem um saco protuberante amarrado sua sela, E

    enquanto os cavaleiros se afastavam passando pelas galerias do museu, Tess

    se levantou e correu pelos escombros em busca de sua me e sua jovem

    filha.

    Os cavaleiros atravessaram violentamente as portas do museu

    para a luz ofuscante dos holofotes da televiso. Apesar dos soluos dos

    amedrontados e dos gemidos dos feridos, subitamente fz-se silncio e de

    toda a parte vieram os gritos; as vozes dos homens, principalmente da

    polcia, com palavras aleatrias identificveis aqui e ali: "Cessar fogo!"

    ''Refm!". No atirem!".

    E, ento, os quatro homens montados desciam escada abaixo e

    subiam a avenida, e o cavaleiro com a refm cobria protetoramente a

    retaguarda. Seus movimentos eram enrgicos, mas no urgentes,

    desdenhosos da aproximao das sirenes da polcia cortando a noite e, em

    momentos, eles tinham novamente desaparecido na escurido desnorteante

    do Central Park.

  • CCaappttuulloo 44

    beira dos degraus do museu, Sean Reilly estava de p,

    cuidadosamente fora da fita amarela e preta da cena do crime. Ele passou a

    mo sobre os curtos cabelos castanhos enquanto olhava para baixo, para o

    contorno do local em que tinha tombado o corpo sem cabea. Deixou que

    seus olhos se movessem livremente mais para baixo, seguindo a trilha de

    respingos de sangue at o local onde uma marca do tamanho de uma bola de

    basquete indicava a posio da cabea.

    Nick Aparo aproximou-se e espiou por sobre o ombro do seu

    parceiro. Rosto redondo, ficando calvo e dez anos mais que os 38 de Reilly,

    ele tinha uma altura mdia, uma constituio fsica mdia, um olhar mdio.

    Voc poderia esquecer a aparncia dele enquanto ainda estivesse

    conversando com ele, uma qualidade til para um agente que ele tinha

    explorado com grande sucesso durante os anos que Reilly o conhecia. Assim

    como Reilly, usava sobre seu palet carvo um corta-vento folgado azul

    escuro com grandes letras em branco, FBI, gravadas nas costas. Neste exato

    momento, sua boca estava torcida em sinal de repugnncia.

    No acho que o mdico-legista ter muita dificuldade em

    imaginar o que aconteceu com aquele comentou ele.

    Reilly assentiu. Ele no conseguia tirar os olhos das marcas de

    onde a cabea tinha tombado, a poa de sangue que escorrera dela agora

    escura. Por que, ele se perguntava, ser morto por um tiro ou uma facada no

    parecia to ruim quanto ter a cabea decepada? Ocorreu a ele que a

    execuo oficial por decapitao era um procedimento padro em algumas

    partes do mundo. Partes do mundo que tinham gerado muitos dos

    terroristas cujas intenes fizeram o pas ser dominado por nveis de alerta

    mais elevados; terroristas cujas pistas consumiam todos os seus dias e mais

    algumas de suas noites. Ele se voltou a Aparo:

    O que esto falando sobre a mulher do prefeito? Ele sabia que

    ela tinha sido largada sem a menor cerimnia no meio do parque,

    juntamente com os cavalos.

  • Ela s est abalada respondeu Aparo. Ficou mais

    machucada no ego que no traseiro.

    Ainda bem que est chegando a eleio. Seria uma vergonha ver

    uma bela contuso ser desperdiada. Reilly olhou por toda a volta, sua

    mente ainda tentava assimilar o choque daquilo que tinha ocorrido

    exatamente ali, onde ele estava. Nada ainda dos bloqueios das estradas?

    Os bloqueios nas estradas tinham sido montados em um raio de

    dez quadras e em todas as pontes e tneis que chegavam e saam de

    Manhattan.

    Nada. Esses caras sabiam o que estavam fazendo. No ficaram

    esperando por um txi.

    Reilly assentiu. Profissionais. Bem organizados.

    Maravilha.

    Como se, nos dias de hoje, os amadores no conseguissem fazer

    tanto estrago assim. Tudo de que precisariam eram duas aulas de vo ou um

    carregamento de fertilizante, juntamente com uma propenso psictica e

    suicida e nem era exatamente possvel dizer que havia escassez de

    qualquer um deles.

    Ele inspecionou cuidadosamente a cena devastada em silncio.

    Enquanto o fazia, sentiu brotar e crescer um sentimento de pura frustrao

    e raiva. A aleatoriedade destes atos mortais de loucura e sua propenso

    exasperante de pegar todo mundo desprevenido nunca deixaram de o

    assombrar. Ainda assim, alguma coisa em particular nesta cena de crime

    parecia esquisita at distrativa. Ele percebeu que sentia uma estranha

    indiferena, parado l. De algum modo, tudo era bizarro demais para

    assimilar, depois dos cenrios assustadores e potencialmente desastrosos

    que ele e seus colegas vinham tentando adivinhar nos ltimos anos. Era

    como se ele estivesse grudado do lado de fora da grande barraca, afastado do

    principal evento por algum espetculo secundrio extravagante. E ainda

    assim, de uma maneira perturbadora e para seu grande aborrecimento, ele

    se sentia um tanto grato por isso.

    Como agente especial responsvel pela unidade de Terrorismo

    Nacional do escritrio local, ele suspeitava que o ataque-surpresa acabaria

  • ficando a seu cargo desde o momento que recebeu o chamado. No que ele

    se importasse com o trabalho alucinante de coordenar dezenas de agentes e

    policiais, alm dos analistas, tcnicos de laboratrio, psiclogos, fotgrafos e

    incontveis outros. Era o que ele sempre quis fazer.

    Ele sempre sentiu que poderia fazer diferena.

    No, fazer com que soubessem disso. E ele faria.

    A sensao tinha se cristalizado durante seus anos na escola de

    direito de Notre Dame. Reilly sentia que havia muitas coisas erradas neste

    mundo a morte do pai, quando ele tinha apenas dez anos, foi uma prova

    dolorosa disso , e ele quis ajudar a fazer do mundo um lugar melhor, pelo

    menos para as outras pessoas, se no para si prprio. O sentimento tornou-

    se inescapvel no dia em que, trabalhando em um artigo que envolvia um

    caso de crime racial, ele foi assistir a um comcio da supremacia branca em

    Terre Haute. O evento tinha afetado Reilly profundamente. Ele percebeu que

    estava testemunhando o mal e sentiu uma necessidade premente de melhor

    entend-lo se quisesse ajudar a combat-lo.

    Seu primeiro plano no funcionou to bem quanto esperava. Numa

    jovial exploso de idealismo, tinha decidido tornar-se piloto da Marinha. A

    idia de ajudar a livrar o mundo do mal de dentro da cabine de um Tomcat

    prateado parecia perfeita. Felizmente, aconteceu de ele ser exatamente o tipo

    de recruta que a Marinha estava procurando. Infelizmente, o pessoal da

    Marinha tinha outra idia em mente. Eles tinham mais candidatos a Top

    Gun do que o necessrio; precisavam mesmo era de advogados. Os

    recrutadores se empenharam em conseguir que ele ingressasse na Unidade

    da Procuradoria Geral e Reilly flertou com a idia por algum tempo, mas

    acabou decidindo contra ela e voltou a se dedicar ao exame da ordem dos

    advogados de indiana.

    Um encontro casual em um sebo voltou a desvi-lo do seu

    caminho, desta vez para o bem. Foi l que ele conheceu um agente

    aposentado do FBI, que ficou mais do que feliz em conversar com ele sobre o

    Bureau e encoraj-lo a se candidatar, o que ele fez assim que foi aprovado no

    exame da ordem. A me no ficou muito entusiasmada com a idia de ele ter

  • passado sete anos na faculdade para acabar sendo o que ela chamou de "um

    policial glorificado", mas Reilly sabia que era o certo para ele.

    Mal tinha completado um ano do seu noviciado no escritrio de

    Chicago, fazendo o registro dirio de algum servio de rua nos esquadres de

    roubos e trfego de drogas quando, em 26 de fevereiro de 1993, tudo mudou.

    Foi no dia em que uma bomba explodiu no estacionamento do World Trade

    Center, matando seis pessoas e ferindo mais de mil. Na verdade, os

    conspiradores tinham planejado derrubar uma das torres sobre a outra e, ao

    mesmo tempo, liberar uma nuvem de gs cianureto. Foram somente as

    limitaes financeiras que os impediram de atingir o objetivo; eles

    simplesmente ficaram sem dinheiro. No tinham latas de gs o suficiente

    para a bomba que, alm de pobre demais para cumprir seu nefasto objetivo,

    foi tambm colocada junto a coluna errada, uma que no tinha importncia

    crucial na estrutura do prdio.

    Embora um fracasso, o ataque ainda assim foi um alarme srio

    para despertar as pessoas. Demonstrou que um pequeno grupo de

    terroristas de baixo nvel e sem nenhuma sofisticao, com poucos fundos

    ou recursos, poderia causar um grande prejuzo. As agncias de servio

    secreto fizeram o possvel e o impossvel para realocar recursos que fizessem

    frente a essa nova ameaa.

    E, ento, menos de um ano depois de ingressar no Bureau, Reilly

    se viu preparando-se para trabalhar no escritrio local do Bureau em Nova

    York. H muito o escritrio tinha a reputao de ser o pior lugar para se

    trabalhar por causa do alto custo de vida, dos problemas de trfego e da

    necessidade de morar relativamente longe da cidade caso se quisesse

    qualquer coisa mais espaosa que um armrio de limpeza. Mas, dado que a

    cidade sempre gerava mais ao que qualquer outro lugar do pas, era o

    posto dos sonhos da maioria dos novos (e ingnuos) agentes especiais. Reilly

    era um desses agentes quando foi designado para a cidade.

    Ele j no era novo, nem ingnuo.

    Ao olhar para todos os lados, Reilly soube que o caos sua volta

    monopolizaria sua vida durante todo o futuro prximo previsvel. Ele fez uma

    anotao mental para telefonar para o padre Bragg de manh e avis-lo de

  • que no conseguiria ir para o treino de softball. Ele se sentiu mal com isso;

    odiava decepcionar os garotos, e se havia uma atividade que ele tentava no

    deixar que seu trabalho transgredisse, eram aqueles domingos no parque.

    Provavelmente, ele estaria no parque no prximo domingo, s que seria por

    outros motivos, menos adequados.

    Quer dar uma olhada l dentro? perguntou Aparo.

    , quero disse Reilly com indiferena, lanando um ltimo

    olhar para a cena surreal ao seu redor.

  • CCaappttuulloo 55

    Quando ele e Aparo andaram atentamente sobre os escombros

    espalhados, o olhar de Reilly assimilou a devastao dentro do museu.

    Relquias de valor incalculvel estavam esparramadas por todos os

    lados, a maioria delas irremediavelmente danificadas. L dentro, nenhuma

    fita amarela e preta. O edifcio inteiro era uma cena de crime. O cho do

    Grande Hall do museu era uma natureza morta de destruio: pedaos de

    mrmore, estilhaos de vidro, manchas de sangue, tudo isso til para a

    usina dos investigadores de cenas de crime. Qualquer um deles capaz de

    fornecer uma pista; mas, tambm, era possvel que nenhum deles

    conseguisse oferecer uma nica informao sequer.

    Enquanto passava os olhos rapidamente pelos cerca de 12

    investigadores forenses de aventais brancos que estavam trabalhando

    sistematicamente pelos escombros e que, nesta ocasio, eram

    acompanhados pelos agentes da ERT1 a Equipe de Reao s Provas do

    FBI , Reilly conferia mentalmente o que eles sabiam. Quatro homens

    montados. Cinco cadveres. Trs policiais, um guarda e um civil. Outros

    quatro policiais e mais de 12 civis com ferimentos a bala, dois deles em

    estado crtico. Vinte e quatro cortados por estilhaos e o dobro de feridos e

    golpeados. E um nmero suficiente de casos de choque para manter as

    equipes de psiclogos ocupadas durante meses, em sistema de rodzio.

    Do outro lado do saguo, o diretor-assistente responsvel, Tom

    Jansson, conversava com o esqueltico capito dos detetives do 19 Distrito

    Policial. Eles estavam discutindo sobre jurisdio, mas era uma questo

    duvidosa. A conexo com o Vaticano e a ntida possibilidade de que o que

    tinha acontecido envolvesse terroristas implicava que todo o comando da

    investigao fosse imediatamente transferido do Departamento de Polcia de

    Nova York para o FBI. O ponto atenuante era que, anos antes, as duas

    1 Iniciais inglesas de Evidence Response Tearn. (N. da T.)

  • organizaes tinham chegado a um entendimento. Quando ocorresse

    qualquer priso, a polcia de Nova York receberia publicamente o crdito pela

    ao, independentemente de quem fosse responsvel pelo acontecimento. O

    FBI s receberia sua parte dos aplausos uma vez que o caso fosse ao

    tribunal, ostensivamente por ajudar a garantir a condenao. Mesmo assim,

    os egos entravam com freqncia na histria impedindo uma cooperao

    cordata, o que parecia ser o caso esta noite.

    Aparo chamou em voz alta um homem que Reilly no reconheceu e

    o apresentou como o investigador Steve Buchinski.

    Steve est feliz em nos ajudar enquanto eles decidem como vo

    dividir as ninharias disse Aparo, inclinando a cabea para apontar a

    discusso em andamento entre os seus superiores.

    s me falar de que voc precisa disse Buchinski. Estou

    to ansioso quanto vocs para pegar os filhos-da-puta que fizeram isto.

    Esse era um bom comeo, pensou Reilly agradecido, sorrindo para

    o policial franco e direto.

    Olhos e ouvidos nas ruas. disso que precisamos agora disse

    ele. Vocs, rapazes, tm os homens e as redes.

    f estamos agindo. Vou pedir reforo de mais alguns seguranas

    credenciados e isso no dever ser um problema prometeu Buchinski. O

    distrito policial vizinho ao 19 era o do Central Park; patrulhas montadas era

    algo costumeiro em seu trabalho. Reilly se perguntou por um instante se

    poderia haver uma ligao e fez uma anotao mental para verificar isso

    mais tarde.

    Poderamos tambm usar alguns extras para dar seguimento s

    entrevistas disse Reilly ao policial.

    isso a, h muitas testemunhas acrescentou Aparo, indo em

    direo Grande Escadaria. A maioria dos escritrios l em cima estava

    sendo usada como salas de trabalho improvisadas.

    Reilly olhou para aquele lado e avistou a agente Amlia Gaines

    descendo as escadas, vindo da galeria. Jansson tinha designado a atraente e

    ambiciosa ruiva para interrogar as testemunhas. O que fazia sentido,j que

    todo mundo adorava conversar com Amlia Gaines. Atrs dela vinha uma

  • loira, que carregava uma pequena rplica dela mesma, A filha, imaginou

    Reilly. A menina parecia estar num sono profundo.

    Reilly olhou de novo para o rosto da loira. Geralmente, a presena

    sedutora da Amlia tornava as outras mulheres uma plida insignificncia.

    No esta.

    Mesmo em seu estado atual, algo nela era simplesmente

    hipnotizante. Os olhos delas cruzaram rapidamente com os deles antes de

    olhar para baixo, para a confuso sob os seus ps. Quem quer que fosse,

    estava seriamente abalada.

    Reilly olhou atentamente enquanto ela ia em direo porta,

    escolhendo nervosamente onde pisar por entre os escombros. Outra mulher,

    mais velha, mas com uma vaga semelhana fsica, estava logo atrs. Juntas,

    caminharam para fora do museu,

    Reilly virou-se, voltando a se concentrar.

    A primeira triagem geral foi uma grande perda de tempo, mas

    ainda precisamos repassar as aes e conversar com todo mundo. No

    podemos nos dar ao luxo de no fazer isso.

    Provavelmente mais perda de tempo neste caso. A coisa toda

    est na fita. Buchinski apontou para uma cmera de vdeo e depois para

    outra. Parte do sistema de segurana do museu. Isso sem falar nas

    gravaes das equipes de TV l fora.

    Reilly sabia, por experincia prpria, que uma segurana de alto

    nvel se saia muito bem nos crimes de alta tecnologia, mas ningum tinha

    pensado em assaltantes de baixa tecnologia montados a cavalo.

    timo assentiu, Vou pegar a pipoca.

  • CCaappttuulloo 66

    De sua cadeira em uma grande mesa de mogno, o cardeal Mauro

    Brugnone passou os olhos pelo salo de p-direito alto que se localizava

    perto do corao do Vaticano, estudando seus colegas cardeais. Embora

    fosse o nico cardeal-bispo presente um posto acima dos outros ,

    Brugnone evitou deliberadamente sentar-se cabeceira da mesa. Ele gostava

    de manter um ar de democracia aqui, mesmo sabendo que todos iriam trat-

    lo com deferncia. Ele sabia disso e o aceitava, no com orgulho, mas com

    pragmatismo. Comits sem lderes nunca realizam nada,

    Esta lastimvel situao, contudo, no precisava de lder nem de

    um comit. Era algo que o prprio Brugnone teria de resolver. Pelo menos

    isto ficou evidente para ele desde o momento que assistira aos filmes nos

    noticirios que tinham sido transmitidos em todo o mundo.

    Os olhos finalmente repousaram no cardeal Pasquale Rienzi.

    Embora fosse o mais jovem deles e apenas um cardeal-dicono, Rienzi era o

    confidente mais ntimo de Brugnone. Assim como os outros sentados

    mesa, Rienzi estava mudo, absorto na reportagem diante dele. Ergueu os

    olhos e captou o olhar de Brugnone. O jovem, plido e srio como sempre,

    imediatamente tossiu, de modo suave.

    Como uma coisa como esta pde acontecer? perguntou um

    homem. No corao da cidade de Nova York? No Metropolitan... Ele

    sacudiu a cabea em gesto de descrena.

    "Quo tolamente sobrenatural", pensou Brugnone. Qualquer coisa

    poderia acontecer na cidade de Nova York. No tinha a destruio do World

    Trade Center demonstrado isso?

    Pelo menos o arcebispo no foi ferido declarou sobriamente

    um outro cardeal.

    Parece que os assaltantes escaparam. Eles ainda no sabem

    quem est por trs desta... abominao? perguntou outra voz.

    uma terra de criminosos. Lunticos inspirados por programas

    de televiso amorais e videogames sdicos respondeu outro. As

  • penitencirias esto inteiramente lotadas h anos.

    Mas por que se vestir daquele jeito? Cruzes vermelhas sobre

    mantos brancos... Estariam eles disfarados de templrios? perguntou o

    cardeal que falou primeiro.

    "A est", pensou Brugnone.

    Foi isto que tinha disparado as campainhas do seu alarme. Por

    que, de fato, os perpetradores estavam vestidos como cavaleiros templrios?

    Poderia ser simplesmente uma questo de os assaltantes estarem

    procurando um disfarce e terem se agarrado ao que por acaso estivesse

    mo? Ou o traje dos quatro homens montados tinha um significado mais

    profundo e, possivelmente, mais perturbador?

    O que um codificador com rotor multiengrenagem?

    Brugnone ergueu os olhos abruptamente. A pergunta fora feita

    pelo cardeal mais velho ali.

    Rotor multi o qu...? perguntou Brugnone.

    O homem de idade estava examinando com seus olhos mopes a

    circular.

    "Pea de exposio 129" leu ele em voz alta. "Sculo XVI.

    Um codificador com rotor multiengrenagem. Nmero de referncia VNS

    10098." Nunca ouvi falar nisso. O que ?

    Brugnone fingiu estudar o documento em suas mos, a cpia de

    um e-mail, que continha uma lista provisria dos itens roubados durante o

    ataque. Uma vez mais, ele sentiu um arrepio o mesmo arrepio que sentira

    na primeira vez que o identificou na lista e manteve seu rosto

    imperturbvel. Sem erguer a cabea, lanou um rpido olhar pela mesa,

    para os outros. Ningum mais estava reagindo. Por que deveriam? Estava

    longe de ser um conhecimento comum.

    Afastando o documento, recostou-se na cadeira.

    O que quer que seja declarou ele categoricamente , aqueles

    gangsters o levaram. Olhando de relance para Rienzi, inclinou a cabea

    ligeiramente. Talvez voc possa se incumbir de nos manter informados.

    Entre em contato com a polcia e pea, em nosso nome, que nos mantenha a

    par da investigao deles.

  • O FBI corrigiu Rienzi , no a polcia. Brugnone ergueu uma

    sobrancelha.

    O governo americano est levando isto muito a srio afirmou

    Rienzi.

    E o que deveriam fazer falou bruscamente o cardeal mais

    velho, do outro lado da mesa. Brugnone ficou satisfeito em ver que o ancio

    pareceu ter esquecido sobre a mquina.

    De acordo continuou Rienzi. Eles me garantiram que tudo

    o que puder ser feito.

    Brugnone assentiu e, ento, acenou para que Rienzi continuasse

    com a reunio, como se estivesse dizendo: "Termine com isto."

    As pessoas sempre prestavam deferncia a Mauro Brugnone.

    Provavelmente, ele sabia, porque sua aparncia sugeria um homem de

    grande fora fsica. No fosse por suas vestes, ele sabia que tinha a

    aparncia de um robusto fazendeiro calabrs de ombros largos que ele teria

    sido se no tivesse respondido ao chamamento da Igreja h mais de meio

    sculo. Sua aparncia rstica e os modos afins que ele tinha cultivado ao

    longo dos anos em primeiro lugar desarmavam os outros, fazendo com que

    pensassem que ele era apenas um simples homem de Deus. Isto ele era,

    mas, devido sua posio na Igreja, muitos faziam mais uma suposio: que

    ele era um manipulador e algum dado a intrigas. No era, mas nunca se

    dera ao trabalho de desfazer o engano. s vezes, valia a pena deixar as

    pessoas intrigadas, mesmo que, de uma certa maneira, isso fosse por si s

    uma forma de manipulao.

    Dez minutos depois, Rienzi fez o que ele pediu.

    Quando os outros cardeais saram em fila da sala, Brugnone

    deixou-a por uma outra porta e caminhou por um longo corredor at uma

    escada que o levou para fora do edifcio, para um ptio isolado. Ele seguiu

    em frente por um passeio coberto, atravessou o ptio Belvedere, passou pela

    clebre esttua de Apoio e entrou nos edifcios que abrigavam parte da

    imensa biblioteca do Vaticano, o Archivio Segreto Vaticano o arquivo

    secreto.

    O arquivo no era, de fato, particularmente secreto. Em 1998, a

  • maior parte dele foi oficialmente aberta visitao de estudiosos e

    pesquisadores, que poderiam, pelo menos em teoria, acessar seu contedo

    fortemente controlado. Entre os documentos notrios que estavam

    sabidamente guardados em seus cem quilmetros de prateleiras estavam as

    atas escritas mo do julgamento de Galileu e uma petio do rei Henrique

    VIII para a anulao do seu primeiro casamento.

    Nunca, em tempo algum, vim forasteiro recebeu a permisso de

    entrar no lugar para onde Brugnone estava se dirigindo.

    Sem se importar em reconhecer qualquer um dos membros da

    equipe ou estudiosos que trabalhavam em seus sales empoeirados, ele

    seguiu silenciosamente o seu caminho at as profundezas do vasto e escuro

    repositrio. Desceu por uma estreita escada circular e chegou pequena

    ante-sala onde um guarda suo postava-se ao lado de uma porta de

    carvalho imaculadamente entalhada. Uma rpida inclinao da cabea do

    velho cardeal era o necessrio para o guarda inserir uma combinao num

    teclado e destrancar a porta para ele, A cavilha se abriu, ecoando no vazio

    dos degraus de calcrio. Sem qualquer outro gesto, Brugnone deslizou para

    dentro da cripta das cmaras morturias, a porta rangendo e se fechando

    atrs dele.

    Ao confirmar que estava sozinho na cmara cavernosa, seus olhos

    se ajustando fraca iluminao, ele se dirigiu rea dos registros. A cripta

    parecia zunir com o silncio, Era um efeito curioso que Brugnone em outros

    tempos achara desconcertante at que soube que, logo alm dos limites da

    sua audio, havia realmente um zumbido, que emanava de um sistema

    altamente sofisticado de controle climtico que mantinha a temperatura e a

    umidade constantes. Ele podia sentir as veias enrijecerem no ar seco e

    controlado enquanto consultava um fichrio. Ele realmente no gostava de

    estar ali embaixo, mas esta visita era inevitvel.

    Seus dedos estremeciam enquanto moviam-se rapidamente pelas

    fileiras de fichas de arquivo. O que Brugnone estava procurando no estava

    listado em nenhum dos vrios ndices e inventrios conhecidos das colees

    de arquivos, nem mesmo no Schedario Garampi, o monumental fichrio de

    quase um milho de fichas que listavam virtualmente tudo o que estava

  • guardado no arquivo at o sculo XVIII. Mas Brugnone sabia onde procurar.

    Seu mentor tinha tomado as devidas providncias, logo antes de sua morte.

    Seus olhos caram na ficha que procurava e ele a puxou para tora

    da gaveta.

    Com uma sensao cada vez mais profunda de apreenso,

    Brugnone procurou atentamente pelas pilhas de flios e livros. Pginas e

    mais pginas de documentos oficiais esfacelados presas por uma fita

    vermelha e consideradas a origem da expresso papelada2 pendiam no

    silncio mortal de cada estante. Seus dedos paralisaram quando ele

    finalmente identificou aquela que estava procurando.

    Com um enorme mal-estar, ergueu um grande volume

    encadernado em couro, muito antigo, que colocou sobre uma grande mesa

    auxiliar.

    Sentando-se, Brugnone folheou rapidamente as grossas pginas

    ricamente ilustradas, os estalidos ressoando na quietude. Mesmo neste

    ambiente controlado, as pginas tinham sofrido os estragos impostos pelo

    tempo. As pginas de pergaminho estavam desgastadas e o ferro da tinta

    tinha se tornado corrosivo, criando diminutos pontos que, agora,

    substituam algumas das graciosas pinceladas do artista.

    Brugnone sentiu seu pulso acelerar. Sabia que estava perto. Ao

    virar a pgina, sentiu a garganta fechar quando a informao que procurava

    apareceu diante dele.

    Ele examinou a ilustrao. Ela representava um complexo arranjo

    de engrenagens e alavancas encadeadas. Passando os olhos na sua cpia do

    e-mail, assentiu para si mesmo.

    Brugnone sentiu surgir uma dor de cabea atrs dos olhos. Ele os

    esfregou e, depois, voltou a fixar o olhar no desenho diante dele. Sentia-se

    disfaradamente furioso. "Que espcie de delinqncia tinha permitido que

    isto acontecesse?" Ele sabia que o aparelho nunca deveria ter sado do

    Vaticano e ficou imediatamente irritado consigo mesmo. Era raro perder

    tempo em declarar ou pensar no bvio, e era uma medida da sua

    2 Do original em ingls red tape, isto , fita vermelha. (N.daT.)

  • preocupao o fato que o fizesse agora. Preocupao no era a palavra certa.

    Esta descoberta tinha sido um profundo choque. Qualquer um ficaria

    chocado, qualquer um que conhecesse o significado do aparelho antigo.

    Felizmente, eram bem poucos, mesmo aqui no Vaticano, que realmente

    sabiam da legendria finalidade desta mquina particular.

    "Ns mesmos causamos isto. Aconteceu porque fomos cuidadosos

    demais em no chamar a ateno para isto."

    Subitamente extenuado, Brugnone se aprumou. Antes de devolver

    o livro ao seu lugar na estante, ele colocou aleatoriamente dentro dele a ficha

    do arquivo que tinha trazido consigo. No valeria a pena que mais algum se

    deparasse com esta coisa.

    Brugnone suspirou, sentindo cada um dos seus setenta anos. Ele

    sabia que a ameaa no vinha de um acadmico curioso nem de algum

    colecionador cruelmente determinado. Quem quer que estivesse por trs

    disto sabia exatamente o que estava procurando. E tinha de ser impedido

    antes que seu lucro mal conquistado revelasse seus segredos.

  • CCaappiittuulloo 77

    A 6,5 mil quilmetros de distncia, outro homem tinha em mente

    exatamente o oposto.

    Depois de fechar e trancar a porta atrs dele, apanhou a complexa

    mquina de onde ele a tinha colocado, na prateleira mais alta. Ento,

    caminhou lentamente para o poro, seus movimentos cuidadosos. A

    mquina no era pesada, mas ele estava aflito em no derrub-la.

    No agora.

    No depois que o destino tinha intercedido para coloc-la ao seu

    alcance e, certamente, no depois de tudo que tora necessrio para apanh-

    la.

    A cmara subterrnea, embora iluminada pela luz bruxuleante de

    dezenas de velas, era espaosa demais para que a luz amarela chegasse a

    cada recanto. Ela permanecia to sombria quanto fria e mida. Ele j no

    percebia. Passara tanto tempo ali que tinha ficado cada vez mais

    acostumado, sem nunca se sentir incomodado. Era o mais prximo de um

    lar do que qualquer outra coisa poderia ser.

    Lar.

    Uma memria distante.

    Outra vida.

    Colocando a mquina em uma mesa de madeira instvel, ele foi at

    um canto do poro e fez uma busca em uma pilha de caixas e velhos

    arquivos de papelo. Colocou na mesa a de que precisava, abriu-a e retirou

    uma pasta de dentro dela. Da pasta, retirou vrias folhas de papel grosso,

    que disps caprichosamente ao lado da mquina. Em seguida, sentou-se e

    olhou dos documentos para o aparelho com engrenagens e de novo para os

    documentos, apreciando o momento.

    Murmurou para si mesmo:

    Finalmente.

    A voz era tranqila, mas estridente pelo pouco uso.

    Apanhando um lpis, voltou toda a ateno para o primeiro dos

  • documentos. Examinou a primeira Unha da escrita apagada e, ento, esticou

    a mo para os botes no estojo superior da mquina e comeou o prximo, e

    crucial, estgio da sua odissia pessoal.

    Uma odissia cujo resultado final ele sabia que abalaria o mundo.

  • CCaappttuulloo 88

    Depois de finalmente sucumbir ao sono menos de cinco horas

    antes, Tess estava agora novamente desperta e impaciente para comear a

    trabalhar em algo que a estava incomodando desde aqueles poucos minutos

    no Metropolitan, antes que Clive Edmondson falasse com ela e todo o inferno

    irrompesse. E ela se dedicaria a isso, to logo a me e Kim sassem da casa.

    Eileen, a me de Tess, fora morar com elas, num sobrado em uma

    rua tranqila e arborizada em Mamaroneck, logo depois que o marido

    arquelogo, Oliver Chaykin, morrera trs anos antes. Mesmo tendo sido ela

    quem sugerira, Tess no tinha tanta certeza assim do arranjo, Mas a casa

    tinha trs quartos e era razoavelmente espaosa para todas elas, o que

    facilitava a situao. Por fim, funcionou tudo bem mesmo que, como ela por

    vezes reconhecia com conscincia pesada, as vantagens parecessem tender

    mais para o seu lado. Como quando Eileen bancava a bab nas noites em

    que Tess queria sair, ou quando levava Kim de carro para escola e como,

    agora mesmo, para comer rosquinhas e ajud-la a tirar da cabea da garota

    os eventos da noite anterior, o que provavelmente faria muito bem a ela.

    Estamos indo gritou Eileen, Tem certeza de que no

    precisa de nada?

    Tess foi at a entrada para v-las sair.

    S no deixe de guardar umas duas pra mim.

    Bem nesse momento, o telefone tocou. Tess no parecia ter pressa

    em atender. Eileen olhou para ela.

    Vai atender essa ligao?

    Vou deixar a secretria eletrnica atender disse Tess dando

    de ombros.

    Voc vai ter que falar com ele, mais cedo ou mais tarde.

    Tess fez uma careta.

    Bom, vou mesmo, mas mais tarde melhor quando se trata do

    Doug. Ela conseguia adivinhar o motivo para os recados que o ex-marido

    tinha deixado na sua secretria eletrnica. Doug Merritt era ncora de jornal

  • na afiliada de uma rede em Los Angeles e estava inteiramente absorvido no

    seu trabalho. Sua mente limitada teria feito a ligao do ataque ao

    Metropolitan com o fato de Tess passar muito tempo l e, sem dvida

    alguma, ter contatos. Contatos que ele poderia usar para obter uma pista de

    informaes internas sigilosas sobre aquela que tinha se transformado na

    maior reportagem do ano.

    A ltima coisa de que ela precisava agora era que ele soubesse que,

    no apenas ela estava l, mas que Kim estava com ela. Munio que ele no

    hesitaria em usar contra ela na primeira oportunidade.

    "Kim."

    Tess pensou novamente naquilo que a filha tinha passado na noite

    anterior, mesmo que da relativa proteo das toaletes do museu, e como

    seria necessrio enfrentar a situao. O atraso na reao, e as chances eram

    que haveria uma, daria a ela tempo para melhor se preparar para enfrentar

    a questo. No era algo que estivesse ansiosa para enfrentar. Ela se odiava

    por t-la arrastado para l, mesmo que no fosse nem um pouco razovel

    que ficasse se culpando.

    Ela olhou para a Kim, novamente grata pelo fato de ela estar de p

    bem na sua frente, inteirinha. Kim fez uma careta com a ateno.

    Me. Voc quer parar j com isso!?

    O qu?

    Esse olhar de tristeza protestou Kim. Estou bem, t legal?

    No foi nada. Quero dizer, voc quem assiste a filmes aos montes.

    Tess inclinou a cabea.

    Est certo. Vejo voc depois.

    Ela as viu se afastarem de carro e foi at o balco da cozinha, onde

    a secretaria eletrnica piscava, mostrando que tinha quatro mensagens. Tess

    lanou um olhar mal-humorado para a mquina."A coragem daquele

    miservel." Seis meses antes, Doug tinha voltado a se casar. Sua nova

    mulher tinha vinte e poucos anos, uma executiva jnior da rede,

    cirurgicamente melhorada. Esta mudana no status dele o levaria, Tess

    sabia, a mudar de postura, em busca de uma reviso dos direitos de

    visitao. No que ele sentisse saudade, amasse ou mesmo se importasse

  • particularmente por Kim; era simplesmente uma questo de ego, e de

    maldade. O cara era um canalha rancoroso e Tess sabia que ela teria que

    continuar a lutar contra as exploses ocasionais de preocupao paterna at

    que sua jovem e casadoira diverso engravidasse. Ento, com um pouco de

    sorte, ele desistiria de ser mesquinho e as deixaria em paz.

    Tess se serviu uma xcara de caf preto e foi para o seu estdio.

    Ligando o seu laptop, ela apanhou o telefone e conseguiu localizar

    Clive Edmondson no Hospital Presbiteriano de Nova York, na rua 68 Leste.

    Telefonou para o hospital e foi informada de que ele no estava em estado

    crtico, mas ficaria l por mais alguns dias.

    Pobre Clive. Ela anotou o horrio de visita.

    Abriu o catlogo da m fadada exposio e o folheou at encontrar

    uma descrio do aparelho levado pelo quarto cavaleiro.

    Chamava-se codificador com rotor multiengrenagem.

    A descrio informava que era um aparelho criptogrfico datado do

    sculo XVI. Antigo e interessante, talvez, mas no uma coisa que se

    qualificasse como algo que algum normalmente denominaria um "tesouro"

    do Vaticano.

    Agora, o computador j tinha passado pelo boot rotineiro, e ela

    abriu o banco de dados de pesquisa e teclou "criptografia" e "criptologia". Os

    links eram para os websites basicamente tcnicos e que tratavam da

    criptografia moderna no seu aspecto relacionado aos cdigos de computador

    e transmisses eletrnicas encriptadas. Filtrando os resultados, ela

    finalmente se deparou com um site que cobria a histria da criptografia.

    Navegando nele, encontrou uma pgina que mostrava algumas das

    primeiras ferramentas de codificao. A primeira apresentada era um

    dispositivo de cifras Wheatstone do sculo XIX. Era formado por dois anis

    concntricos, um externo com 26 letras do alfabeto mais um espao e outro

    interno que tinha apenas o prprio alfabeto. Dois ponteiros, como aqueles de

    um relgio, eram usados para substituir letras do anel externo pelas letras

    codificadas do interno. A pessoa que estava recebendo a mensagem

    codificada precisava ter um dispositivo idntico e precisava conhecer o ajuste

    dos dois ponteiros. Poucos anos depois de o Wheatstone ter se tornado

  • popular, os franceses propuseram um criptgrafo cilndrico, que tinha vinte

    discos com letras nos seus aros externos, todos organizados num eixo

    central, complicando ainda mais quaisquer tentativas de decifrar uma

    mensagem codificada.

    Rolando para baixo, seus olhos caram na foto de um aparelho que

    parecia vagamente semelhante quele que ela tinha visto no museu.

    Ela leu a legenda embaixo e paralisou.

    Era descrito como "o Conversor", um dos primeiros codificadores

    com rotor e que tinha sido empregado pelo Exrcito dos Estados Unidos nos

    anos 1940.

    Por um segundo, ela teve a sensao de que o corao tinha

    parado. Ficou olhando fixamente as palavras.

    "Anos 1940 e era um dos primeiros?"

    Intrigada, leu o artigo inteiro. Os codificadores com rotor foram

    uma inveno estritamente do sculo XX. Recostando na cadeira, Tess

    esfregou a testa, voltou a rolar para cima at a primeira ilustrao na tela e

    leu novamente a sua descrio. No era a mesma de forma alguma, mas

    muitssimo parecida. E extremamente mais avanada que as cifras de roda

    nica.

    Se o governo dos EUA achava que o aparelho deles era um dos

    primeiros, ento no era de admirar que o Vaticano estivesse vido em exibir

    um de seus prprios aparelhos; um que parecia anteceder o do Exrcito em

    cerca de seiscentos anos.

    Mesmo assim, isto incomodava Tess.

    De todos os reluzentes trofus que poderia ter apanhado, o

    cavaleiro tinha concentrado sua ateno neste misterioso aparelho. Por qu?

    Com certeza, as pessoas colecionavam as coisas mais esquisitas, mas isto

    era bem extremo. Ela especulou se ele poderia ou no ter cometido um

    engano. No, ela rejeitou essa hiptese ele tinha parecido bem deliberado

    em sua escolha.

    No foi s isso, ele no pegou mais nada. Era tudo o que ele queria.

    Ela pensou em Amlia Gaines, a mulher que mais parecia algum

    sado de um comercial de xampu que uma agente do FBI. Tess estava bem

  • certa de que os investigadores queriam fatos, no especulao, mas, mesmo

    assim, depois de pensar por um breve momento, foi at seu quarto,

    encontrou a bolsa de noite que tinha levado na noite anterior e pegou o

    carto que Gaines lhe dera.

    Ela colocou o carto na mesa e levou o pensamento de volta ao

    momento em que o quarto cavaleiro apanhou o codificador. O modo como

    tinha apanhado, segurado e sussurrado alguma coisa para o aparelho.

    Ele pareceu quase... reverente.

    O que foi que ele tinha dito? Tess estivera consternada demais no

    Metropolitan para dar muita ateno a isso, mas, de repente, era tudo em

    que conseguia pensar. Concentrou-se no momento, tirando tudo o mais da

    conscincia, revivendo a cena com o cavaleiro erguendo o codificador. E

    dizendo... o qu? Pense, que diabo.

    Como ela dissera a Amlia Gaines, ela estava bem certa de que a

    primeira palavra tinha sido Veritas... mas depois o qu? Veritas? Veritas

    alguma coisa...

    Veritas vos? De alguma maneira, aquilo pareceu vagamente

    familiar. Ela esquadrinhou a memria em busca das palavras, mas de nada

    adiantou. As palavras do cavaleiro tinham sido interrompidas pelo tiroteio

    que explodia atrs dele.

    Tess decidiu que teria que se contentar com aquilo que tinha. Ela

    virou-se para o computador e escolheu o mais poderoso mecanismo de

    pesquisa da sua barra de ferramentas de links. Digitou "Veritas vos" e

    recebeu mais de 22 mil resultados. No que isso realmente importasse.

    Bastou o primeiro de todos.

    L estava. Desafiando-a.

    "Veritas vos liberabit"

    "A verdade o libertar."

    Ela fixou os olhos nele. A verdade o libertar.

    "timo."

    Seu magistral trabalho de detetive tinha revelado um dos chaves

    mais triviais e exageradamente usados do nosso tempo.

  • CCaappttuulloo 99

    Gus Waldron emergiu da estao da rua 23 Oeste e rumou para o

    sul.

    Ele odiava esta parte da cidade. No era um grande f do

    aburguesamento. Longe disso. Em seu prprio territrio, o fato de ter o

    tamanho de um pequeno edifcio o mantinha em segurana. Aqui, seu

    tamanho s o fazia se destacar entre os elegantes insignificantes que

    passavam apressadamente pelas caladas em seus trajes assinados por

    estilistas e cortes de cabelo de duzentos dlares.

    Com os ombros arqueados, ele tirava uns cinco centmetros da sua

    altura. Mesmo assim, grande como ele era, isso no ajudava muito, como

    tambm no ajudava o casaco longo preto informe que vestia. Mas ele no

    podia fazer nada a respeito; precisava do casaco para esconder o que estava

    carregando.

    Virou na rua 22, na direo oeste. Seu destino ficava a um

    quarteiro da Empire Diner, localizada no centro de uma pequena fileira de

    galerias de arte.

    Ao passar por elas, notou que a maioria das galerias tinha apenas

    um ou talvez dois quadros nas vitrines. Alguns dos quadros sequer tinham

    molduras, Deus do cu, e, pelo que pde ver, nenhum tinha uma etiqueta de

    preo.

    Como que voc vai saber se bom se voc nem sabe quanto o

    diabo do quadro custa?"

    Seu destino estava agora a duas portas. Pela aparncia externa, a

    loja de Lucien Boussard parecia uma lustrosa galeria de antiguidades de

    classe. Na verdade, era isso e muito mais. Falsificaes e peas de origem

    duvidosa infectavam os poucos e genunos objetos imaculados. No que

    qualquer um de seus vizinhos suspeitasse, pois Lucien tinha estilo, sotaque

    e modos que se encaixavam perfeitamente.

    Com muita cautela agora, os olhos alertas para qualquer coisa ou

    qualquer pessoa que no parecesse certo, Gus passou pela galeria, contou

  • 25 passos, parou e deu meia-volta. Ele o fez como se fosse atravessar a rua,

    ruas, mesmo assim, no viu nada que parecesse estar fora de lugar, voltou e

    entrou na galeria, com gestos rpidos e leves para um homem do seu

    tamanho. E por que no deveriam ser? Em trinta lutas, ele nunca tinha sido,

    uma vez sequer, atingido forte o bastante para ser derrubado. Exceto

    quando era isso que ele deveria fazer.

    Dentro da galeria, ele manteve uma das mos no bolso, em torno

    da culatra de uma Beretta 92FS. No era a pistola de sua preferncia, mas

    ele tivera alguns problemas com falhas da 45 ACP e, depois da grande noite,

    no seria inteligente levar a Cobray. Ele lanou um rpido olhar em tudo,

    Nenhum turista, nem qualquer outro cliente. S o dono da galeria.

    Gus no gostava de muitas pessoas, mas mesmo que gostasse, no

    teria gostado de Lucien Boussard. Ele era um pequeno canalha adulador.

    Rosto estreito e ombros idem, usava seus longos cabelos puxados para trs,

    num rabo de cavalo.

    "Maldita bicha francesa."

    Quando Gus entrou, Lucien ergueu os olhos por trs de uma

    mesinha de ps em forma de fuso, onde estava sentado trabalhando, e exibiu

    um falso e exultante sorriso, uma frgil tentativa de esconder o fato de que

    ele tinha comeado naquele exato momento a suar e a se encolher. Essa era

    possivelmente a nica caracterstica de que Gus realmente gostava em

    Lucien. Ele sempre estava impaciente, como se achasse que Gus pudesse a

    qualquer momento decidir machuc-lo. O safado seboso estava certo sobre

    isso.

    Gus! saiu como "Gueusse", que s fazia com que ele odiasse

    ainda mais Lucien, a cada vez que o ouvia.

    Ficando de costas para ele, Gus trancou a porta e, ento,

    caminhou at a mesa.

    Tem algum l no fundo? resmungou.

    Lucien balanou rapidamente a cabea, de um lado ao outro.

    Mais non, mais non, voyons, no tem ningum aqui, a no ser eu

    mesmo. Ele tambm tinha o hbito irritante de repetir vrias vezes suas

    expresses francesas efeminadas. Talvez todos eles fizessem isso. No

  • estava te esperando, voc no disse...

    Cala a sua maldita boca esbravejou Gus. Tenho uma coisa

    para voc disse com um sorriso forado. Uma coisa especial.

    Por debaixo do casaco, Gus puxou um saco de papel e colocou-o

    sobre a mesa. Ele voltou a olhar para trs, para a porta, para ter certeza de

    que ambos estavam fora da linha de viso de algum transeunte, e tirou um

    objeto do saco. Estava embrulhado em jornal. Ele comeou a desembrulh-

    lo, enquanto olhava para cima para o Lucien,

    A boca de Lucien se abriu e os olhos, subitamente flamejantes, se

    abriram mais quando Gus finalmente retirou o objeto. Era uma rebuscada

    cruz de ouro com jias incrustadas, de cerca de 45 centmetros de

    comprimento, com detalhes de tirar o flego.

    Gus a deixou sobre o jornal aberto. Ouviu um assobio quando

    Lucien inspirou profundamente.

    Mon dieu, mon dieu. O francs moveu pesadamente os olhos

    para cima, para os de Gus, e, imediatamente, o suor comeou a transbordar

    da sua testa estreita. Jesus, Gus. Bem, nisso, ele tinha razo

    Ele voltou a baixar os olhos e, seguindo seu exemplo, Gus olhou e

    viu que o jornal estava aberto numa foto do museu em pgina dupla.

    Isto do...

    disse Gus com um sorriso afetado. uma coisa, no ?

    nica, sem igual.

    A boca de Lucien estava contraindo.

    Mon mais, il est compltement tare, ce mec. Olha aqui, Gus, no

    posso tocar nisto.

    No era o caso de Gus querer que Lucien a tocasse; ele

    simplesmente precisava que ele a vendesse, Ele tampouco poderia ficar

    esperando por uma guerra de lances. Nos ltimos seis meses, Gus tinha

    passado por um perodo extremamente ruim nas pistas. J estivera em

    aperto antes, mas nunca como este; e nunca estivera num aperto com as

    pessoas que estavam agora com as suas promissrias. Durante boa parte de

    toda a sua vida, desde o dia em que ficou mais alto e mais forte que seu

    velho e que deu uma surra no valento bbado, as pessoas tinham medo do

  • Gus, Mas, neste exato momento, pela primeira vez desde os 14 anos, ele

    sabia o que significava estar com medo. Os homens que estavam com as

    promissrias das suas dvidas de jogo eram de uma faco diferente de

    qualquer outra que ele j tinha conhecido. Eles o matariam com a mesma

    facilidade e rapidez com que ele pisaria em uma barata.

    Ironicamente, foram as pistas que tambm tinham lhe oferecido

    uma sada. Foi assim que tinha conhecido o sujeito q