popcom #01

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popcom - informação e formação | Nuno Melo, eurodeputado e Vice-Presidente do CDS, é o destaque da primeira edição do "popcom". Uma entrevista exclusiva que é apenas um exemplo da muita informação e formação de qualidade que encontrarás nestas quase 60 páginas.

Transcript of popcom #01

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Ano 1 | Número 1 | Março de 2012

Tiago Loureiro

Diogo Pascoal

Francisco Ancede

Joana Martins Rodrigues

Lúcia Santos

Luís Pedro Mateus

Rafael Borges

Michael Seufert

Nuno Melo

Samuel de Paiva Pires

O não está de acordo com

o novo acordo. Por isso, é escrito

segundo a antiga ortografia.

Lg. Adelino Amaro da Costa, nº 5

1149-063 Lisboa

goncalobegonha.org

[email protected]

2 sumário

Nuno Melo: “Tento todos os dias colocar o meu mandato ao serviço de Portugal”.

No início era a dízima... Francisco Ancede

Liberalismo clássico, conservadorismo e democracia Samuel de Paiva Pires

Os desafios de um mercado liberalizado Luís Pedro Mateus

Da Primavera ao Inverno Árabe Rafael Borges

Inafundável Rafael Borges

Portugal vive de greves e crê em sindicatos Joana Martins Rodrigues

Uma reforma necessária Lúcia Santos

Este país não é para velhos Diogo Pascoal

O Projecto 118 Michael Seufert

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Mas o que vem a ser isto?

acompanhou a actividade dos seus promotores

e dos movimentos que nasceram como sua

consequência percebe facilmente que nenhuma

evolução positiva se verificou no seu discurso.

Pior: o caminho foi feito rumo a uma

radicalização crescente, a uma demagogia

exasperante e a uma inocuidade confrangedora.

E, para isso, tendo em conta que o conteúdo das

ideias é bastante semelhante, já bastava o Bloco

de Esquerda. Hoje, a generalidade daqueles que

deram a cara por um protesto marcante nos

números mas vazio na qualidade das propostas,

parecem continuar interessados em esperar que

o estado lhes acabe com os problemas,

profetizando a fé inesgotável de que sem um

paternalismo estatal de direitos e subsídios nada

se faz.

O contrário desse estado de espírito é, também,

uma riqueza do popcom . A vontade de ser

empreendedor, o espírito aliciante da iniciativa e

a busca obcessiva da perfeição. Aqui acreditamos

que somos capazes de chegar lá sozinhos. De ser

competentes porque trabalhamos para isso. E

esse é o combustível que nos faz andar e que

resulta nestas páginas, carregadas de trabalho e

inteligência de várias pessoas, para levar a muitas

outras o orgulho de fazer parte de uma casa que

partilha dos seus valores.

Mas, afinal de contas, o que vem a ser o popcom

Nada mais do que o reflexo de cada um dos jovens

que dão alma à JP. Nada menos do que uma

tentativa de expressar o ADN que constítui o corpo

ágil e dinâmico que todas as suas vontades juntas

controem numa sedenta ambição de alcançar a

Liberdade para uma geração que merece mais do

que as trevas a que a votaram. Aqui começa esta

aventura. Votos de boas leituras!

m tempos de austeridade, em que o pouco

é, necessariamente, a única matéria-prima

para se fazer muito, nasce o popc .

Um projecto que custa zero euros, mas cujo valor

é incalculavelmente maior. Porque se os recursos

são poucos, a verdade é que a vontade de

trabalhar, a necessidade da dedicação e a ousadia

de ver mais longe são uma riqueza incomparável.

E esse é o maior tesouro que a equipa a quem a

Juventude Popular confiou os destinos do seu

Gabinete de Estudos tem para partilhar. Porque a

escassez de recursos e a humildade dos meios

não são desculpas para legitimar a mediocridade,

o Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha espera

cumprir com esta publicação o seu maior

desígnio: contribuir para uma melhor JP.

As dificuldades são também o mote para o

arregaçar de mangas que deixa à vista a nossa

coragem e capacidade de reacção. A resignação e

o medo da iniciativa são os principais inibidores

de uma ideia correcta de juventude.

A propósito, este mês registou uma efeméride

que mostra a fragilidade da irreverência e

espírito de iniciativa que o cliché oferece à

juventude como seus principais epítetos. Passou-

se um ano desde o protesro da “geração à rasca” e

quem acompanhou a actividade dos seus

promotores e dos movimentos que nasceram

como sua consequência percebe facilmente que

nenhuma evolução positiva se verificou no seu

discurso. Pior: o caminho foi feito rumo a uma

radicalização crescente, a uma demagogia

exasperante e a uma inocuidade confrangedora.

E, para isso, tendo em conta que o conteúdo das

ideias é bastante semelhante, já bastava o Bloco

de Esquerda. Hoje, a generalidade daqueles que

deram a cara por um protesto marcante nos

E

Tiago Loureiro

editorial 3

para o arregaçar de

mangas que deixa à

vista a nossa coragem

e capacidade de

reacção. A resignação

e o medo da iniciativa

são os principais

inibidores de uma

ideia assertiva de

juventude.

A propósito, este mês

registou uma

efeméride que mostra

a fragilidade da

irreverência e espírito

de iniciativa que o

cliché oferece à

juventude como seus

principais epítetos.

Passou-se um ano

A propósito, este mês registou uma efeméride

que mostra a fragilidade da irreverência e

espírito de iniciativa que o cliché oferece à juven-

tude como seus principais epítetos. Passou-se um

ano desde o protesro da “geração à rasca” e quem

?

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4 notícias

Numa altura em que a discussão

sobre a Reforma Administrativa

do território português está em

cima da mesa, as concelhias da

Juventude Popular da Maia e de

Penafiel foram pioneiras nos

respectivos concelhos, na

elaboração e apresentação de uma

proposta para o redesenho

administrativo dos mesmos.

Primeiro foi a Juventude Popular da

Maia a apresentar uma proposta

que prevê a redução das actuais

dezassete freguesias do concelho

para apenas cinco. A apresentação

desta proposta foi feita numa

tertúlia que contou com a parti-

cipação de João Almeida e Alberto

Lima, tendo a estrutura maiata tido,

posteriormentem, a oportunidade

de a apresentar pessoalmente ao

Presidente da Câmara, numa

audiência marcada exclusivamente

para o efeito.

Já no mês de Março foi a vez da

Juventude Popular de Penafiel

apresentar um documento bastante

completo, elaborado com a cola-

boração dos mais de mil penafi-

delenses que a estrutura “popular”

foi ouvir, tendo a mesma concluido

que, das actuais 38 freguesias, o

concelho de Penafiel deveria passar

para apenas 11. De relevar o carácter

abrangente desta proposta, uma vez

que uma amostra signi-ficativa da

população foi ouvida, tendo a con-

celhia ficado satisfeita com as opi-

niões e contributos recolhidos.

Com o intuito de discutir os seus

estatutos, a Juventude Popular

reuniu o seu XIX Congresso

Nacional no auditório do Conser-

vatório de Musica de Coimbra, no

passado dia 25 de Fevereiro.

Para discussão foram colocadas

quase uma dezena de Propostas de

Alteração de Estatutos, algumas que

transitavam do Congresso Nacional

realizado em Lamego em Julho do

ano transato e outras preparadas

propositadamente para este Con-

gresso, o que provou a utilidade da

convocação do orgão máximo da

Juventude Popular com a finalidade

exclusiva de promover o debate

sobre o documento base sobre o

qual se rege todo o funcionamento

da organização.

qual se rege todo o funcionamento

da organização.

Os destaques deste dia intenso vão,

particularmente, para a proposta

apresentada por António Pedro

Barreiro e Rafael Borges, que pre-

tendia a introdução da possibilidade

de se formarem tendências no seio

da Juventude Popular, à semelhança

do que acontece no CDS, e que

recebeu muitos elogios e críticas,

tendo sido referida em quase todas

as intervenções. A proposta viria

depois a ser chumbada.

Igualmente recusada pelo Congreso

foi a proposta apresentada por

Raquel Paradella Lopes, presidente

da concelhia de Lisboa, e que incluía

o

Maia e Penafiel na linha da frente da Reforma Administrativa

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notícias 5

Os contributos de outros militantes

dessa concelhia.

A proposta apresentada pelo

Presidente Distrital de Leiria, Diogo

Carvalho, que pretendia introduzir

limitações à transferência de

inerências foi, também, chumbada.

Como principais novidades, os

estatutos prevêm agora que a fun-

ção de Secretário-Geral é assumida

em exclusividade e que os presi-

dentes dos Núcleos têm estatuto de

observador permanente em Con-

gressos e Conselhos Nacionais.

Uma última palavra para salientar o

excelente trabalho realizado pela

COC e pela concelhia da Juventude

Popular de Coimbra.

Com o mote das eleições Autár-

quicas de 2013, a Distrital de

Lisboa da JP organizou as suas

primeiras Jornadas Autárquicas.

Em Cascais cerca de 30 militantes

de várias concelhias do distrito

responderam ao convite para um

momento de formação. Tendo a

organização optado por um modelo

diferente, os trabalhos decorreram

em dois momentos distintos

separados por um almoço-convívio

no hotel, onde decorreram as

Jornadas Autár-quicas. O primeiro

painel, dividido por três oradores

distintos, todos dirigentes ou ex-

dirigentes da JP, contou com Adolfo

Mesquita Nunes, Miguel Pires da

Silva e Pedro Morais, subordinados

a três temas, "A Reforma da

Administração Local, imposição da

Troika", "Desafios dos Jovens no

Poder Local" e "Sustentabilidade

Financeira do Poder Local",

respectivamente. Apresentados os

temas e reflectidas as questões

colocadas durante o primeiro

painel, coube a um porta-voz de

cada um dos grupos apresentar, no

segundo painel, as conclusões do

trabalho desenvolvido na primeira

parte. Com recurso a elementos

visuais de apoio, coube a militantes

de Lisboa, Mafra e Sintra fazerem as

respectivas apresentações

concluindo desta forma as Primeiras

Jornadas Autárquicas da Distrital de

Lisboa. O encerramento ficou a cabo

de Telmo Correia, Presidente da

Distrital de Lisboa do CDS, que

lembrou aos jovens que o

crescimento do partido se deve e

muito a participação dos militantes

da Juventude Popular na vida activa

do partido e na vida na sociedade

civil.

Financeira do Poder Local", res-

pectivamente. Apresentados os

temas e reflectidas as questões

colocadas durante o primeiro

painel, coube a um porta-voz de

cada um dos grupos apresentar, no

segundo painel, as conclusões do

trabalho desenvolvido na primeira

parte. Com recurso a elementos

visuais de apoio, coube a militantes

de Lisboa, Mafra e Sintra fazerem as

respectivas apresentações conclu-

indo desta forma as Primeiras

Jornadas Autárquicas da Distrital de

Lisboa. O encerramento ficou a cabo

de Telmo Correia, Presidente da

Distrital de Lisboa do CDS, que

lembrou aos jovens que o

crescimento do partido se deve e

muito a participação dos militantes

da Juventude Popular na vida activa

do partido e na vida na sociedade

civil.

Distrital de Lisboa realizou a primeira edição das suas Jornadas Autárquicas

Page 6: popcom #01

No passado dia 2 de Março, a

Juventude Popular, pela voz do

seu Presidente, Miguel Pires da

Silva, anunciou em conferência de

imprensa as principais linhas do

contributo que a organização

decidiu oferecer ao Livro Branco

da Juventude, iniciativa da

Secretaria de Estado da Juvenetude

e do Desporto. Esta conferência de

imprensa foi realizada em Braga,

uma vez que a cidade minhota é, em

2012, a Capital Europeia da

Juventude.

Referindo os pontos mais relevantes

do documento “Existem Políticas –

Os Jovens decidem o futuro desta

Geração”, Miguel Pires da Silva

referiu que o ajustamento nas

contas públicas acordado com as

instituições internacionais é

prioritário e que, neste momento,

inibem um conjunto de propostas

que a Juventude Popular considera

essenciais para a recuperação

económica do país e que a “jota”

quer ver implantadas assim que o

ajustamento esteja concluído. Por

exemplo, como contributo para esta

geração, a Juventude Popular

propôs uma drástica redução de

impostos (no caso do IRC, a

proposta passa mesmo por eliminá-

lo) e uma simplificação substancial

do sistema fiscal português.

Outra medida emblemática defen-

dida pela Juventude Popular é a

revogação da actual Constituição da

República Portuguesa, substituindo-

a por uma nova, mais simples, e que

não aponte caminhos ideológicos.

Nessa nova Constituição deverá

estar, no entender dos jovens

populares, a inscrição de um limite

ao endividamente, como forma de

salvagurdar as gerações futuras.

Como não poderia deixar de ser, a

Educação não foi esquecida neste

documento, no qual bandeiras como

o rigor nas escolas e a introdução do

cheque-ensino aparerem como

medidas mais relevantes.

Juventude Popular apresenta contributos para o Livro Branco da Juventude

6 notícias

Miguel Pires da Silva, anunciou em

conferência de imprensa as principais linhas

do documento “Existem Políticas – Os Jovens

decidem o futuro desta Geração”, que reúne

os contributos da Juventude Popular

para o Livro Branco da Juventude

Page 7: popcom #01

A concelhia da Juventude Popular

de Coimbra iniciou 2012 com a

primeira tertúlia de um cliclo a

que chamou “Mesa Redonda”, e

que levará a cabo ao longo de todo o

ano na sua sede.

Com a presença do deputado do CDS

eleito por Coimbra, João Serpa

Oliva, e o dirigente da Juventude

Popular, Carlos Martins, a concelhia

conimbricence realizou uma

primeira tertúlia subordinada ao

tema “Portugal: passado, presente e

futuro. A banca na vida dos

portugueses”.

Semanas depois, realizou-se a

segunda edição deste ciclo de

tertúlias, desta vez subordinada ao

tema “A Reforma Administrativa

Local”, tendo contado com a

presença do deputado e porta-voz

do CDS, João Almeida e do vereador

da Câmara Municipal de Coimbra,

Luís Providência.

Em ambas as ocasiões, a sala

encheu-se de convidados e amigos,

de entre os quais se destacam

deputados, dirigentes locais e

do CDS e ex-Presidente da Juven-

tude Popular, João Pinho de Almeida

e do vereador da Câmara Municipal

de Coimbra, Luís Pro-vidência.

Finalmente, já no mês de Março, a

“mesa redonda” contou com os

deputados da Juventude Popular,

Michael Seufert e Vera Rodrigues,

que fizeram o balanço de nove

meses de Governo.

Em todas as ocasiões, a sala encheu-

se de convidados e amigos, de entre

os quais se destacam deputados,

dirigentes locais e distritais e

muitos militantes da Juventude

Popular e do CDS.

A Juventude Popular de Coimbra

pretende que esta iniciativa se

continue a realizar a um ritmo

mensal, sempre com diferentes

convidados e temas atuais.

OUTRA 16 MARÇO!!!!!

A estrutura nacional da

Juventude Popular, representada

pelo seu Presidente, Miguel Pires

da Silva, e pelo seu Secretário-

Geral, José Miguel Lello, efectuou

um périplo pelo arquipélago dos

Açores, com a finalidade de

reactivar significa-tivamente a

estrutura local.

A Juventude Popular tem, ao longo

dos anos, conhecidas e recorrentes

dificuldades de implantação em

território açoreano, pelo que esta

viagem se revestiu de um enorme

relevo.

Foram eleitas várias novas

concelhias e foram efectuadas

reuniões com militantes locais por

forma a elaborar uma estratégia

para reforçar a presença “popular”

no arquipélago dos Açores.

O balanço feito pelos representantes

nacionais da Juventude Popular foi

“bastante positivo”.

Aproveitando a presença nos

Açores, o Presidente da Juventude

Popular, Miguel Pires da Silva, deu o

seu voto de confiança ao CDS e à

Juventude Popular açorianos,

tendo afirmado à comunicação

social que sente que os jovens dos

Açores est~o “preparados e

desejosos” para uma “grande

mudança” que espera que venha

a ocorrer no arquipélago, com as

eleições de Outubro para o

Parlamento Regional.

JP Coimbra promove ciclo de tertúlias

Juventude Popular promove périplo pelo arquipélago dos Açores

notícias 7

Page 8: popcom #01

isso permitirá que Portugal volte aos mercados já em 2013 e

saia do anel de fogo da crise da Eurozona.

Essa confiança, tão importante para Portugal no actual

momento de descrença colectiva pode, no entanto, acabar por

trocar-nos as voltas – e acabar por ter efeitos profundamente

perniciosos. É certo que, se não acreditarem no rumo que

traçaram para si, os portugueses não poderão sair da grave

situação em que se encontram. Aliás, dificilmente se consegue

pôr isso em causa. O problema, porém, é que um excesso de

confiança, assim como uma vontade irresponsável de

mascarar as circunstâncias, poderiam atirar Portugal para a

pior das situações: a da impreparação para um cenário menos

favorável que o esperado, planeado e desejado; a da surpresa,

do choque e do pânico se não se cumprirem as nossas

melhores previsões – e se não se concretizarem as nossas

maiores expectativas.

Com efeito, a verdade é que o sucesso de Portugal não

depende só dos Portugueses: situação de default ordenado da

Grécia, e a vitória quase certa, no mesmo país, de forças hostis

à austeridade nas próximas eleições; a intransigência alemã e

a irresponsabilidade daquele que será, sem princípio, o

próximo presidente francês, o socialista François Hollande;

assim como a determinação espanhola em não cumprir as

metas de défice para 2012 acordadas com a Comissão

Europeia e a crescente impaciência das restantes nações

europeias com o impasse na crise da moeda única são factores

cuja importância para Portugal é, talvez, tão grande como as

reformas do executivo PSD/CDS. Achar que podemos,

sozinhos, garantir a resolução dos nossos problemas é tão

absurdo como a tese socialista de que, até ao dia de pedido de

ajuda externa, pura e simplesmente não havia crise.

Portugal deve, naturalmente, acreditar em si e no caminho que

escolheu. Mas deve também estar preparado para o colapso

daquilo que, talvez mais até que si mesmo, está a merecer o

esforço, o estoicismo e o sacrifício dos portugueses: a moeda

única. É, felizmente, verdade que poucas palavras estão hoje

mais associadas { resposta lusa { crise que “determinaç~o”.

Igualmente verdadeiro é também, no entanto, que a

consciência tranquila e de missão cumprida de pouco nos

valerá quando - e se – o euro acabar por colapsar. E é aqui que

entram coisas simples – mas eficientes – como a impressão de

nova – ou velha, não sei bem – moeda, assim como a

preparação do sistema bancário para uma eventual transição

monetária abrupta. Navegar sem botes salva-vidas pode

confortar os passageiros sequiosos da ideia abstracta – e

certamente falsa – de invulnerabilidade. Mas Portugal não é

invulnerável. E este Governo também não.

Inafundável

8 opinião

Rafael Borges

Quando, em Junho de 2011, Portugal foi a votos, fez a sua

escolha de uma forma que dificilmente poderia ter sido mais

clara – e mais inequívoca. Na altura, os portugueses

tomaram não uma, mas duas decisões da maior importância.

Primeiro, que queriam um governo de coligação formado

pelo PSD e pelo CDS para implementar as reformas

necessárias; segundo, que queriam as reformas em si. Em

suma, que reconheciam a necessidade de mudar de vida e

que não confiavam nos obreiros da situação em que nos

encontramos para a implementação das reformas

necessárias para dela sairmos.

Tendo assumido esse compromisso fundamental para o

futuro de Portugal, o actual Governo tem sabido, com uma

determinação digna de nota – e, já agora, alguma admiração,

se tivermos em conta o normal estilo de disses-que-disse e

de inconsequência do discurso político -, cumpri-lo. Não sem

erros, é certo: por vezes por se ter ido longe demais, por

vezes por ter ocorrido o contrário e não se ter utilizado a

actual vaga reformista para mudar (ainda mais) Portugal.

Uma coisa é certa: a oportunidade está a ser bem utilizada.

Em alguns meses de mandato, Portugal ficou, como

consequência de quase 40 anos de irresponsabilidade dos

sucessivos governos da III República – e que foi tanto dos de

esquerda como dos da direita mascarada dos Cavacos deste

mundo – mais pobre. Bem o sabemos – demasiado bem,

diria mesmo. Mas iniciou-se também um rumo que, por mais

doloroso que possa revelar-se, será, certamente,

(re)compensador: o da competitividade, da liberalização e

da, como lhe chamou o Primeiro-ministro, democratização

da economia.

E há aí, diga-se, uma vantagem vital que o actual Governo

tem e que um socialista, por exemplo, nunca poderia ter:

deste lado, acredita-se nas reformas. Desde lado, as

privatizações não são um mal menor; são um bem em si

mesmo. A racionalização da despesa do Estado não custa a

engolir; faz parte do nosso ideário. Uma economia mais

livre, mais independente da máquina estatal, é mais que

uma imposição externa: é um desígnio do nosso espaço

político e doutrinário. Para nós, a reformar Portugal não dói,

libertar a economia não custa a engolir e dar um novo rumo

a Portugal não é uma traiç~o aos “valores de Abril” imposta

pelas circunstâncias. É, no geral, aquilo que sempre

quisemos para Portugal – e é por isso que acreditamos que

isso permitirá que Portugal volte aos mercados já em 2013 e

saia do anel de fogo da crise da Eurozona.

Essa confiança, tão importante para Portugal no actual

Page 9: popcom #01

opinião 9

Page 10: popcom #01

Francisco Ancede

população Portuguesa tem

manifestado no seu quo-

tidiano uma enorme

insatisfação alimentada pela

elevadíssima carga fiscal exercida

pelo Estado Português. Empresas,

famílias, grupos económicos, todos

sem excepção, reivindicam a

descida dos impostos. A oposição,

por sua vez, a reboque das luzes das

câmaras da comunicação social com

os cabelos ao vento suspira por uma

messiânica folga orçamental!

Haverá? Será o Ministro das

Finanças um cruel Ser Humano com

laivos de insensatez? Em boa

verdade, no interlúdio das mentes

da oposição, compreende-se que

sejam avistados no plano do dogma

– que não no da fé – o vácuo

orçamental onde caiba a então já,

despesa fiscal…

Ora, o dualismo orçamento/crença

parece, finalmente, ter caído em

desuso numa Europa fortemente

ameaçada com tanto malabarismo

orçamental onde caiba a então já,

despesa fiscal…

Ora, o dualismo orçamento/crença

parece, finalmente, ter caído em

desuso numa Europa fortemente

ameaçada com tanto malabarismo

circense aplicado em Excel. Fruto do

inevitável choque com a realidade,

os Países Europeus, essencialmente

Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha,

tiveram e têm de fazer um

ajustamento orçamental drástico.

Ajustamento esse que provocou e

continuará a provocar um aumento

generalizado dos impostos. Será

este aumento inevitável? Vejamos

os nossos números.

Portugal, segundo dados oficiais,

tem 10.561.614 habitantes, dos

quais apenas 5.506.521 repre-

sentam população activa. Ouviu

bem, apenas 52 % da população

cria rendimento através do seu

trabalho e desse número cerca de

14% encontra-se em situação de

desemprego. 57 % da população

activa tem menos do que o 10.º ano

de escolaridade e apenas cerca de

19 % tem formação superior.

Estima-se que o sector público

empregue cerca de 740 mil

desemprego. 57 % da população

activa tem menos do que o 10.º ano

de escolaridade e apenas cerca de

19 % tem formação superior.

Estima-se que o sector público

empregue cerca de 740 mil

funcionários públicos e em 2010

eram 4.462.588 os beneficiários

activos da Segurança Social em que

apenas 41 % das receitas eram

contribuições. A dívida bruta da

Administração Pública estima-se ter

rondando em 2011 os 172.628

milhões de euros, tendo a receita

fiscal obtida na generalidade dos

impostos descido.

Estes são apenas alguns dos

indicadores lamentáveis da nossa

economia. É este o resultado de

décadas de desgoverno na gestão da

coisa pública e da insistente não

aplicação de medidas de contra-

ciclo na nossa economia.

O Estado Português, com a condes-

cendência do seu Povo, permitiu

que o seu aparelho fosse sendo

minado pelos interesses daqueles

para quem o futuro é sempre o dia

seguinte. O Orçamento de Estado

foi, durante décadas, tomado de

assalto por cérebros conscientes do

No início era a dízima…

A

10 nacional

Page 11: popcom #01

nacional 11

«Os impostos são o que temos

de pagar por uma sociedade

civilizada.»

Juíz Oliver Wendell Holmes

que o seu aparelho fosse sendo

minado pelos interesses daqueles

para quem o futuro é sempre o dia

seguinte. O Orçamento de Estado

foi, durante décadas, tomado de

assalto por cérebros conscientes do

mal que infligiam às gerações

futuras, por interesses que ainda

hoje conservam rendas leoninas e

inatacáveis.

Enquanto jovem, não posso e não

devo deixar de manifestar

publicamente o meu enorme

descontentamento com a atitude

permissiva de todos os que sabendo

o caminho que se nos estava a ser

traçado, com o seu silêncio,

condenaram a minha geração à

desonra de mais uma vez o País ter

de ser intervencionado inter-

nacionalmente. Condenando diaria-

mente à emigração muitos dos

que em circunstâncias normais

poderiam fazer parte da solução. Se

algo de positivo pode ser assacado

da situação vexatória e humilhante

em que nos encontramos, talvez seja

a vergonha de não querermos voltar

a errar.

Voltar a errar, significa fazer igual e

pretender resultados diferentes.

Page 12: popcom #01

da situação vexatória e humilhante

em que nos encontramos, talvez seja

a vergonha de não querermos voltar

a errar.

Voltar a errar, significa fazer igual e

pretender resultados diferentes.

Desde Maio de 2011 que a nossa

política fiscal encontra-se amarrada

ao memorando de assistência

financeira. Neste documento não é

tolerada qualquer diminuição de

receita fiscal. É natural que assim

seja no período inicial de um

programa a aplicar a um Estado que

não tem receita para a sua despesa e

que já excedeu os limites de

endividamento. Neste sentido, é

altamente provável que até 2014,

altura em que, conforme o previsto,

terminará a monitorização prevista,

não exista margem para uma

redução dos impostos em Portugal.

Esta redução, tão legitimamente

ambicionada por todos, não poderá

ter como objectivo o regresso ao

paradigma passado. Este novo

início, também para o sistema fiscal,

terá que ser visto como uma

oportunidade única para repensar

toda a lógica do sistema. Logo à

partida importa definir com o maior

consenso possível o que é que se

pretende tributar e porquê. A opção

deve ser consequente, estável e

perceptível. Infelizmente, são todos

os adjectivos que hoje não se podem

aplicar ao sistema vigente. Em boa

verdade, o legislador, pressionado

pelo ciclo vicioso da necessidade de

receita foi sistematicamente

elaborando alterações legislativas

que tiveram, grosso modo, duas

consequências.

Por um lado, assistiu-se a um

proliferar de legislação

contraditória com os princípios

definidos a início e por outro a um

enorme enfoque da incidência

efectiva, por razão de facilidade,

sobre uma fatia limitada da

partida importa definir com o maior

consenso possível o que é que se

pretende tributar e porquê. A opção

deve ser consequente, estável e

perceptível. Infelizmente, são todos

os adjectivos que hoje não se podem

aplicar ao sistema vigente. Em boa

verdade, o legislador, pressionado

pelo ciclo vicioso da necessidade de

receita foi sistematicamente elabo-

rando alterações legislativas que

tiveram, grosso modo, duas

consequências.

Por um lado, assistiu-se a um

proliferar de legislação contra-

ditória com os princípios definidos a

início e por outro a um enorme

enfoque da incidência efectiva, por

razão de facilidade, sobre uma fatia

limitada da sociedade.

O regime das Sociedades de Gestão

de Participações Sociais, desde 2005

foi lentamente sendo condenado à

morte com alterações cirúrgicas que

levaram à saída de muitas

estruturas para outros países.

Importa referir que este é um bom

exemplo dos erros que foram

cometidos na desvirtuação do nosso

sistema fiscal. Depois do Estado com

um política concertada com os

grupos empresariais ter incentivado

a criação de Holdings, vem agora

por necessidade de receita alterar

todo o regime subvertendo a lógica

de estabilidade e segurança exigível

em qualquer parte do mundo para

este tipo de sociedades. É

lamentável que mais uma vez, fruto

do desgoverno das contas públicas,

o Estado seja forçado a tomar

medidas que só prejudicam a

concorrência fiscal internacional do

País. Neste sentido, são de aplaudir

os recentes esforços por parte do

Governo para a celebração de

convenções para evitar a dupla

tributação com os países com que

economicamente nos relacionamos,

todavia, sem uma revisão das

limitada da sociedade.

O regime das Sociedades de Gestão

de Participações Sociais, desde 2005

foi lentamente sendo condenado à

morte com alterações cirúrgicas que

levaram à saída de muitas

estruturas para outros países.

Importa referir que este é um bom

exemplo dos erros que foram

cometidos na desvirtuação do nosso

sistema fiscal. Depois do Estado com

um política concertada com os

grupos empresariais ter incentivado

a criação de Holdings, vem agora

por necessidade de receita alterar

todo o regime subvertendo a lógica

de estabilidade e segurança exigível

em qualquer parte do mundo para

este tipo de sociedades. É

12 nacional

Page 13: popcom #01

Outro erro fatal, e também

consequência lógica do ciclo vicioso

de pobreza que a espiral em que nos

encontramos imprime, tem sido a

incidência brutal dos impostos na

classe média. Durante os últimos

anos o aumento da carga fiscal para

esta faixa da população tem levado à

castração da poupança e do

investimento. Com o fim anunciado

para grande parte dos bene-

fícios/deduções em IRS, do aumento

do IVA, do aumento do imposto

único de circulação e do aumento

exponencial do imposto sobre o

património, é provável que se

assista diariamente ao empo-

brecimento desta classe social. Esta

lógica poderia ser evitada se fosse

aplicado em Portugal o regime de

taxa de tributação única. Criando-se

assim um regime claro, trans-

parente e de fácil percepção pela

população, resistente à enorme

tendência para os regimes de

excepção e particularidades que

ferem geralmente o espírito de

a criação de Holdings, vem agora

por necessidade de receita alterar

todo o regime subvertendo a lógica

de estabilidade e segurança exigível

em qualquer parte do mundo para

este tipo de sociedades. É

lamentável que mais uma vez, fruto

do desgoverno das contas públicas,

o Estado seja forçado a tomar

medidas que só prejudicam a

concorrência fiscal internacional do

País. Neste sentido, são de aplaudir

os recentes esforços por parte do

Governo para a celebração de

convenções para evitar a dupla

tributação com os países com que

economicamente nos relacionamos,

todavia, sem uma revisão das

alterações legislativas levadas a

cabo no Regime das SGPS, é

espectável que o resultado fique

bastante aquém do pretendido.

Outro erro fatal, e também

consequência lógica do ciclo vicioso

de pobreza que a espiral em que nos

encontramos imprime, tem sido a

incidência brutal dos impostos na

classe média. Durante os últimos

parente e de fácil percepção pela

população, resistente à enorme

tendência para os regimes de

excepção e particularidades que

ferem geralmente o espírito de

qualquer lei.

Cumpre-nos concluir que sem a

mudança do paradigma nacional,

não vale a pena sequer equacionar

uma reforma do sistema fiscal.

Enquanto o Estado permanecer um

sorvedouro da riqueza gerada e do

financiamento externo não haverá

discernimento para tornar Portugal

um País atractivo ao investimento

estrangeiro e acolhedor para os

seus cidadãos. Compete-nos a nós,

enquanto organização de gente livre

e descomprometida criar condições

para que a mudança se faça e que

aquilo que a principio era dízima

não nos faça dizimados!

Desde Maio de 2011

que a nossa política

fiscal encontra-se

amarrada ao

memorando de

assistência financeira.

Neste documento não é

tolerada qualquer

diminuição de receita

fiscal. É natural que

assim seja no período

inicial de um

programa a aplicar a

um Estado que não

tem receita para a sua

despesa e que já

excedeu os limites de

endividamento.

nacional 13

Page 14: popcom #01

Portugal vive de greves e crê em sindicatos

14 opinião

apoiam tudo o que atenta contra o governo português, e

todos aqueles que são intelectualmente desonestos. Ora,

organizações como a CGTP são facções do nosso já

conhecido Partido Comunista Português. O PCP não

governa este país? Desenganem-se. Governa, sim

senhor. Observem a pressão desmiolada que a CGTP faz

sobre o Estado, sobre os trabalhadores (não querendo

desculpar estes últimos), sobre a comunicação social (o

mesmo para esta). É vergonhosa a forma como este país

avança a passos largos para o fim do Estado Social com

o auxílio daqueles que mais o dizem defender. É terrível

a forma como apontam o dedo ao Capitalismo – escrevo

o nome com maiúscula pois já se tornou uma entidade

com nome próprio – acusando-o de todo o descalabro

económico. E ainda é mais deprimente observar como

podem descartar qualquer tipo de culpa ao comum dos

mortais. Pobrezinhos. Não resolveremos nada

acusando-nos e atribuindo culpas. Todavia, é necessário

alertar Portugal que esta mentalidade mesquinha nos

trai a cada dia que passa. Mentalidade essa que se

traduz na culpabilização de todos os políticos pelo

buraco onde estamos metidos. Está errado e demonstra

o nosso mau carácter. Continuaremos assim até ao dia

em que “apertarmos” realmente o cinto e nos deixemos

de queixumes manhosos.

Sabemos muito bem que o povo elege partidos que

proclamam o que se quer ouvir. Partidos de Massas são

partidos cuja doutrina seguida é falaciosa e apenas é

escolhida quando os que a elegem temem a verdade

realista – perdoem-me a redundância, mas parece-me

necessária. Já não vivemos na pura era industrial; não

estamos perante uma lata de classes onde o

proletariado é explorado incessantemente. Se assim

vivêssemos, eu poderia considerar apoiar algum tipo de

descontentamento. Desta forma, não. Envergonhem-se e

produzam. Os tempos são difíceis mas com a dedicação

e o trabalho de todos os portugueses conseguiremos

olhar as dificuldades com clareza e pensar o melhor

para Portugal.

oderia generalizar a dependência das greves e a

contagiante crença em sindicatos por diversos

países da União Europeia, quiçá pela restante

Europa. Contudo, focar-me-ei neste pequeno país à

beira-mar plantado. É uma verdade irrefutável que

estamos mergulhados numa crise que, para além da

vertente económica e social, atinge o emocional de cada

um de nós. Outra verdade absoluta é que a grande

maioria dos portugueses não é capaz de lidar com esta

enorme desgraça mundial. Por último, é inegável que,

também a esmagadora maioria dos trabalhadores

recorre ao “aliviador de stress” que s~o as greves,

através e com o apoio da nova milícia portuguesa: os

sindicatos.

Ora, estes dois pontos que referi estão a tornar-se uma

doença crónica da mentalidade portuguesa. Podemos

enumerar os diversos sintomas: manifestações,

paralisações, greves, entre muitos outros. Sintomas

esses que se traduzem na falta de coragem daqueles que

participam em encarar a realidade e assumir que,

infelizmente o remédio não será tão fácil de tomar como

se assemelha. Os problemas económicos do país são

graves e não será com gritos e convulsões ideológicas no

meio de vinte garrafas de cerveja (que ajuda bastante no

que toca a descontrair o povo) que se mudará o rumo do

Estado Social. Aliás, tenho de me corrigir: fazer greves,

ou seja, não trabalhar, ajuda! Quantos não são os casos

em que, de facto, os trabalhadores conseguiram fazer

jus às suas reivindicações? O que é certo é que o

resultado, a longo prazo voltará a ser trágico, gerando

uma enorme bola de neve.

Outra peste negra que se propaga como tal é os

sindicatos. Essas organizações, quase que criminosas,

todos aqueles que são intelectualmente desonestos. Ora,

organizações como a CGTP são facções do nosso já

P

Joana Martins Rodrigues

Page 15: popcom #01

opinião 15

Page 16: popcom #01

liberalismo clássico é uma

tradição política que re-

presentou uma ruptura com

o que se designa por Ancien Regime,

materializada concretamente nas

Revoluções Atlânticas – Inglesa

(1688), Americana (1776) e

Francesa (1789). Estas encontram-

se na origem daquilo que hoje

denominamos por democracia

liberal. Na verdade, a democracia

liberal e os diversos entendimentos

quanto a esta, podem dividir-se em

duas grandes correntes, tendo como

diferença essencial a forma como

encaram o conceito de liberdade,

que se encontra no âmago do

liberalismo e em torno do qual

existem complexas teorizações. Esta

distinção permite-nos considerar

que, na realidade, não há apenas um

liberalismo, mas vários, embora o

liberalismo constitua uma única

tradição política.1

De um lado, os teóricos que

inspiraram os revolucionários

que, na realidade, não há apenas um

liberalismo, mas vários, embora o

liberalismo constitua uma única

tradição política.

De um lado, os teóricos que

inspiraram os revolucionários

britânicos e norte-americanos, em

especial John Locke e Montesquieu,

respectivamente, convergem quanto

ao cepticismo em relação ao

exercício do poder, apesar de

encararem o governo como um mal

necessário, pelo que se preocupam

essencialmente em arquitectar

checks and balances que actuem

como forma de difusão do poder,

salvaguardando a liberdade indi-

vidual da coerção por parte de

terceiros, em especial do próprio

estado. Por outro lado, os

revolucionários franceses, em

particular os jacobinos, inspirando-

se em Jean-Jacques Rousseau e nas

noções de bem comum e vontade

geral, preferiram subscrever a ideia

de soberania popular, em claro

contraste com a ideia de governo

limitado que é a base da tradição

anglo-americana. Embora as três

Revoluções visassem romper com o

absolutismo monárquico e o Ancien

de soberania popular, em claro

contraste com a ideia de governo

limitado que é a base da tradição

anglo-americana. Embora as três

Revoluções visassem romper com o

absolutismo monárquico e o Ancien

Régime, os seus objectivos e o tipo

de regime que propunham não era o

mesmo. De acordo com João Carlos

Espada, “Nos casos inglês e

americano, tratava-se de restaurar

um governo limitado, fundado no

consentimento dos eleitores. No

caso francês, tratava-se de

substituir o antigo absolutismo

monárquico por um novo abso-

lutismo, popular e republicano”.

A estas duas concepções cor-

responde o que se pode denominar

por liberalismo velho e liberalismo

novo, ou liberalismo clássico e

l iberal ismo contemporâneo,

respectivamente. Friedrich Hayek,

um dos principais autores liberais

do século XX, insere-se na primeira

tradição, de carácter evolucionista e

anti-construtivista, que encontra

nos Old Whigs britânicos (facção

que se viria a assumir no seio do

partido político que tomava o nome

Whig, contra outra que tinha

Liberalismo clássico, conservadorismo e democracia

O

16 ideologia

Samuel de Paiva Pires

Page 17: popcom #01

tradição, de carácter evolucionista e

anti-construtivista, que encontra

nos Old Whigs britânicos (facção

que se viria a assumir no seio do

partido político que tomava o nome

Whig, contra outra que tinha

adeptos da acepção liberal

continental) e nos autores do

iluminismo escocês os seus

principais expoentes. A segunda

concepção, por seu lado, deriva de

uma abordagem filosófica

racionalista e construtivista, base-

ada nos ensinamentos de René

Descartes, mas também de Thomas

Hobbes, e encontra em Rousseau e

Voltaire os seus principais teóricos.

Estas duas tradições, embora

encontrem algum grau de

concordância quanto a

determinados postulados, em

particular no que concerne às

liberdades de pensamento,

Estas duas tradições, embora

encontrem algum grau de com-

cordância quanto a determinados

postulados, em particular no que

concerne às liberdades de

pensamento, expressão e imprensa,

assim como no que diz respeito à

crença na liberdade individual de

acção e em algum tipo de igualdade

entre os homens, têm, na realidade,

concepções muito diferentes quanto

pensamento, expressão e imprensa,

assim como no que diz respeito à

crença na liberdade individual de

acção e em algum tipo de igualdade

entre os homens, têm, na realidade,

concepções muito diferentes quanto

aos conceitos de liberdade e

igualdade, utilizados com

significados opostos pelos seus

exponentes. Conforme faz notar

Hayek, “Enquanto para a velha

tradição britânica, a liberdade do

indivíduo no sentido da protecção

pela lei contra toda a coerção

arbitrária era o valor principal, na

tradição continental era a procura

pela auto-determinação de cada

grupo em relação à sua forma de

governo que ocupava o lugar mais

elevado”. Embora a tradição

britânica tenha raízes na Anti-

guidade Clássica, John Locke e

Edmund Burke foram dois dos seus

autores principais, dando-lhe um

corpo teórico com algum grau de

sistematização, desenvolvendo

desta forma a doutrina Whig. A

mesma foi desenvolvida pelos

iluministas escoceses, em especial

Adam Smith, David Hume, Adam

Ferguson e Bernard Mandeville, e

também por Montesquieu, Lord

Acton e Alexis de Tocqueville.

Foi com John Locke, o teórico da

Revolução Gloriosa, que, pela

primeira vez, os elementos centrais

do liberalismo foram teorizados e

articulados de forma coerente. Ao

nível da prática, segundo John Gray,

o liberalismo inglês compreendia

um forte parlamentarismo sob a

“rule of law”, i.e., o que normalmente

designamos por estado de direito,

contra o absolutismo monárquico,

em conjunto com uma enfática

defesa da liberdade de associação e

do conceito de propriedade privada,

o que dá corpo ao conceito de

corpo teórico com algum grau de

sistematização, desenvolvendo

desta forma a doutrina Whig. A

mesma foi desenvolvida pelos

iluministas escoceses, em especial

Adam Smith, David Hume, Adam

Ferguson e Bernard Mandeville, e

também por Montesquieu, Lord

Acton e Alexis de Tocqueville.

Foi com John Locke, o teórico da

Revolução Gloriosa, que, pela

Foi com John Locke, o teórico da Revolução Gloriosa, que, pela primeira

vez, os elementos centrais do liberalismo foram teorizados e articulados de forma coerente.

ideologia 17

Page 18: popcom #01

Adam Smith, David Hume, Adam

Ferguson e Bernard Mandeville, e

também por Montesquieu, Lord

Acton e Alexis de Tocqueville.

Foi com John Locke, o teórico da

Revolução Gloriosa, que, pela

primeira vez, os elementos centrais

do liberalismo foram teorizados e

articulados de forma coerente. Ao

nível da prática, segundo John Gray,

o liberalismo inglês compreendia

um forte parlamentarismo sob a

“rule of law”, i.e., o que normalmente

designamos por estado de direito,

contra o absolutismo monárquico,

em conjunto com uma enfática

defesa da liberdade de associação e

do conceito de propriedade privada,

o que dá corpo ao conceito de

sociedade civil, “A sociedade de

homens livres, iguais perante a lei,

unidos por nenhum propósito

comum para além da partilha do

respeito pelos direitos de cada um”.

Considerando Locke que o primeiro

direito de propriedade é o direito de

propriedade pessoal, ou seja, a

capacidade de podermos dispor de

nós próprios, das nossas capa-

cidades e talentos – embora, para

Locke, essa liberdade devesse

enquadrar-se na doutrina dos

direitos naturais, enquanto cri-

aturas de Deus –, há então uma

relação inegável entre o direito de

propriedade pessoal e a liberdade

individual. A característica central e

a mais importante contribuição de

Locke para o liberalismo inglês é,

sem dúvida, a percepção clara de

que a independência pessoal e a

liberdade individual pressupõem a

propriedade privada, protegida pelo

estado de direito.

Hayek tem precisamente a mesma

concepção que Locke quanto à

ligação entre a lei, a propriedade e a

liberdade individual. O

reconhecimento da propriedade

privada é essencial para assegurar a

dade em sociedade não é, nem pode

ser, ilimitada, antes consistindo na

sujeição à lei em alternativa à

submiss~o a um poder arbitr|rio”,

tratando-se, em suma, da acepção

lockeana de que “onde n~o h| lei,

n~o h| liberdade”.

Para Locke, a actividade política é

um instrumento que visa criar um

enquadramento e condições de

liberdade para que os fins privados

de cada indivíduo possam ser

alcançados na sociedade civil. Sendo

os indivíduos, em última análise, os

melhores juízes dos seus próprios

interesses, as áreas de actuação do

governo têm que ser restritas e o

exercício do poder constrangido,

para permitir o maior grau de

Hayek tem precisamente a mesma

concepção que Locke quanto à

ligação entre a lei, a propriedade e a

liberdade individual. O reco-

nhecimento da propriedade privada

é essencial para assegurar a justiça,

j| que, como Locke assinala, “onde

n~o h| propriedade n~o h| justiça”.

Ao contrário de Jeremy Bentham,

para quem a lei constituía uma

infracção contra a liberdade, para

Locke, como para Hayek, conforme

nota André Azevedo Alves, “a liber-

dade em sociedade não é, nem pode

ser, ilimitada, antes consistindo na

sujeição à lei em alternativa à

submiss~o a um poder arbitr|rio”1,

tratando-se, em suma, da acepção

lockeana de que “onde n~o h| lei,

18 ideologia

Page 19: popcom #01

disposição geral; o da aplicação da

lei pela administração e pela justiça;

e (...) o das relações internacionais,

o poder «federativo»”. Além do

mais, é necessário que não sejam os

mesmos indivíduos a elaborar e

executar as leis. Ao parlamento

caberá o poder legislativo e a outras

instituições o poder executivo.

Finalmente, a separação em três

poderes reverte, na prática, a dois,

já que o federativo se junta ao

executivo, no que concerne à

condução das relações externas. De

acordo com Hayek, embora, do

ponto de vista filosófico, Locke se

preocupasse em justificar a

legitimidade do poder, de um ponto

de vista mais prático, pretendia

prevenir que o titular do poder o

utilizasse de forma arbitrária,

incerta e inconstante1.

É, no entanto, de notar que apesar

de Locke ser considerado um

precursor da democracia liberal,

esboçando muitos dos aspectos que

se viriam a tornar centrais nesta,

como sejam os direitos individuais,

a soberania popular, a regra da

maioria, a separação de poderes, a

monarquia constitucional e a

representatividade por via de um

sistema de governo

parlamentarista, estas ideias se

encontram no seu pensamento de

forma ainda algo rudimentar1.

No decurso do século XVIII estas

ideias, que compuseram a doutrina

Whig, tornaram-se características

da doutrina britânica no geral e

foram amplamente divulgadas e

desenvolvidas, por exemplo, por

Montesquieu, que elaborou em

maior detalhe a teoria da separação

de poderes, na sua obra Do Espírito

das Leis. Partindo da sua famosa

proposiç~o de que “todo o homem

que tem poder é levado a abusar

dele”1 indo até onde encontra

limites, considerou que “Para que se

os indivíduos, em última análise, os

melhores juízes dos seus próprios

interesses, as áreas de actuação do

governo têm que ser restritas e o

exercício do poder constrangido,

para permitir o maior grau de

liberdade possível a cada cidadão.

Para tal, um governo limitado e o

respeito pela lei são elementos

indispensáveis.

Locke dá às instituições liberais as

suas bases técnicas, esboçando os

modernos regimes contempo-

râneos, ou seja, a monarquia consti-

tucional, o parlamentarismo e o

presidencialismo. Feroz inimigo de

qualquer dominação absoluta,

introduz o princípio da separação

de poderes, ou melhor, teoriza com

maior rigor aquilo que já Aristóteles

havia distinguido – a deliberação, o

mando e a justiça. Para Locke, há

três domínios de acç~o: “o da lei, a

disposição geral; o da aplicação

ponto de vista filosófico, Locke se

preocupasse em justificar a

legitimidade do poder, de um ponto

de vista mais prático, pretendia

prevenir que o titular do poder o

utilizasse de forma arbitrária,

incerta e inconstante.

É, no entanto, de notar que apesar

de Locke ser considerado um

precursor da democracia liberal,

esboçando muitos dos aspectos que

se viriam a tornar centrais nesta,

como sejam os direitos individuais,

a soberania popular, a regra da

maioria, a separação de poderes, a

monarquia constitucional e a

representatividade por via de um

sistema de governo parlamen-

tarista, estas ideias se encontram no

seu pensamento de forma ainda

algo rudimentar1.

No decurso do século XVIII estas

ideias, que compuseram a doutrina

Whig, tornaram-se características

da doutrina britânica no geral e

foram amplamente divulgadas e

desenvolvidas, por exemplo, por

Montesquieu, que elaborou em

maior detalhe a teoria da separação

de poderes, na sua obra Do Espírito

das Leis. Partindo da sua famosa

proposiç~o de que “todo o homem

que tem poder é levado a abusar

dele”1 indo até onde encontra

limites, considerou que “Para que se

não possa abusar do poder, é

preciso que, pela disposição das

coisas, o poder trave o poder”1, o

que nem sempre é conseguido por

intermédio das leis “dado que estas

sempre podem ser abolidas, como

mostraria a experiência dos com-

flitos entre as leis e o poder, onde

este sai sempre vitorioso”1.

Socorrendo-nos aqui da articulação

que José Adelino Maltez faz (a partir

de uma edição francesa da obra de

Montesquieu), citamos o mesmo na

íntegra: “Assim, visionou um

sistema de pesos e contrapesos,

monarquia constitucional e a re-

presentatividade por via de um

sistema de governo parlamen-

tarista, estas ideias se encontram no

seu pensamento de forma ainda

algo rudimentar.

No decurso do século XVIII estas

ideias, que compuseram a doutrina

Whig, tornaram-se características

da doutrina britânica no geral e

foram amplamente divulgadas e

desenvolvidas, por exemplo, por

Montesquieu, que elaborou em

maior detalhe a teoria da separação

de poderes, na sua obra Do Espírito

das Leis. Partindo da sua famosa

proposiç~o de que “todo o homem

que tem poder é levado a abusar

dele” indo até onde encontra

limites, considerou que “Para que se

não possa abusar do poder, é

preciso que, pela disposição das

coisas, o poder trave o poder”1, o

que nem sempre é conseguido por

intermédio das leis “dado que estas

sempre podem ser abolidas, como

ideologia 19

Montsquieu considerava que “para que se não possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas,

o poder trave o poder”, o que nem sempre é conseguido por intermédio das leis “dado que estas sempre podem ser

abolidas, como mostraria a experiência dos comflitos entre as leis e o poder, onde este sai sempre vitorioso”.

Page 20: popcom #01

não possa abusar do poder, é

preciso que, pela disposição das

coisas, o poder trave o poder”, o que

nem sempre é conseguido por

intermédio das leis “dado que estas

sempre podem ser abolidas, como

mostraria a experiência dos com-

flitos entre as leis e o poder, onde

este sai sempre vitorioso”. So-

correndo-nos aqui da articulação

que José Adelino Maltez faz (a partir

de uma edição francesa da obra de

Montesquieu), citamos o mesmo na

íntegra: “Assim, visionou um

sistema de pesos e contrapesos,

tratando de limitar o poder no

interior do próprio poder, onde,

para cada faculdade de estatuir

(estatuer), o direito de ordenar por si

mesmo ou de corrigir aquilo que foi

ordenado por outro, deveria opor-se

uma faculdade de vetar ou de

impedir (empêcher), o direito de

tornar nula uma resolução tomada

por qualquer outro. Deste modo,

considerava que, para formar um

governo moderado, é preciso

combinar os poderes (puissances),

regulá-los e temperá-los”.

E enquanto os iluministas esco-

ceses, para quem a sociedade e as

suas instituições são o resultado de

um processo de crescimento

cumulativo em que a ordem social é

um produto da interacção entre

instituições, hábitos, costumes, lei e

forças sociais impessoais, iam

desenvolvendo a doutrina Whig,

coube a Edmund Burke não só

elaborá-la em termos filosóficos,

mas também institucionalizá-la e

demonstrá-la com aplicações

práticas dos seus princípios, na

qualidade de Member of Parliament,

por exemplo, defendendo a

emancipação das colónias

americanas e criticando

violentamente a Revolução

Francesa.

Burke é também considerado como

desta forma que procuram

transformar a ganância humana,

algo tido como moralmente pejo-

rativo, numa contribuição efectiva

para a sociedade no geral, tornando

vícios privados em bens públicos

através do mercado livre, que já

incorpora uma moral tradicional,

como veremos. Ambas as correntes

são também apologistas do Direito

Natural, com o qual o estado deve

estar em consonância, visto que

consubstancia direitos que são pré-

políticos, anteriores ao próprio

estado. Não admira, por tudo isto,

que se oponham veementemente ao

socialismo e ao planeamentismo

característico deste, assim como à

crença moderna nas ideias de

revolução e progresso.

Entre Burke e Hayek, as parcas

diferenças parecem ficar a dever-se

ao credo religioso, sendo o primeiro

seguidor do cristianismo e o

segundo agnóstico. Embora esta

diferença se reflicta em diversos

autores, a verdade é que ambas as

correntes têm visões similares

quanto à natureza humana, a

sociedade, o papel da razão e as

tarefas do governo. Para liberais e

conservadores, as condições para

que uma sociedade floresça

consubstanciam-se no necessário

respeito e compreensão pelas forças

que mantêm a ordem social, que não

deve ser alvo de manipulação e

controlo por parte de teorias que

pretendam acabar com ela, sendo o

desejo de apagar o que existe e

desenhar a sociedade de novo

apenas a demonstração de uma

profunda ignorância quanto à

natureza da realidade social. Esta

mesma acepção inspira a forma

como encaram o papel da razão,

considerando que a civilização não é

uma criação resultante de uma

construção racional, mas o

imprevisto e não intencionalmente

por exemplo, defendendo a eman-

cipação das colónias americanas e

criticando violentamente a Revo-

lução Francesa.

Burke é também considerado como

o fundador do conservadorismo

moderno. Na realidade, existem

pontos em comum mais do que

suficientes para justificar empre-

ender um exercício de conciliação

entre liberalismo e conserva-

dorismo, pese embora algumas

divergências que impedem uma

síntese acabada e sem dilemas

filosóficos ao nível da coerência

teórica interna.

O liberalismo e o conservadorismo

partem do pessimismo antro-

pológico, baseando-se nesta acepção

para perspectivar as relações

humanas e a sociedade a partir do

pior cenário possível, questionando,

por exemplo, como se comporta o

mercado quando os homens são

homens – e, portanto, imperfeitos –

e não anjos. Tendo na liberdade

individual um princípio primeiro, é

desta forma que procuram

transformar a ganância humana,

algo tido como moralmente

pejorativo, numa contribuição

efectiva para a sociedade no geral,

tornando vícios privados em bens

públicos através do mercado livre,

que já incorpora uma moral

tradicional, como veremos. Ambas

as correntes são também

apologistas do Direito Natural, com

o qual o estado deve estar em

consonância, visto que

consubstancia direitos que são pré-

políticos, anteriores ao próprio

estado. Não admira, por tudo isto,

que se oponham veementemente ao

socialismo e ao planeamentismo

característico deste, assim como à

crença moderna nas ideias de

revolução e progresso.

Entre Burke e Hayek, as parcas

diferenças parecem ficar a dever-se

20 ideologia

Page 21: popcom #01

correntes têm visões similares

quanto à natureza humana, a

sociedade, o papel da razão e as

tarefas do governo. Para liberais e

conservadores, as condições para

que uma sociedade floresça con-

substanciam-se no necessário res-

peito e compreensão pelas forças

que mantêm a ordem social, que não

deve ser alvo de manipulação e

controlo por parte de teorias que

pretendam acabar com ela, sendo o

desejo de apagar o que existe e

desenhar a sociedade de novo

apenas a demonstração de uma

profunda ignorância quanto à

natureza da realidade social. Esta

mesma acepção inspira a forma

como encaram o papel da razão,

considerando que a civilização não é

uma criação resultante de uma

construção racional, mas o

imprevisto e não intencionalmente

pretendido resultado da interacção

espontânea de várias mentes numa

matriz de valores, crenças e

tradições não racionais ou supra

racionais, o que não significa que o

liberalismo e conservadorismo

sejam irracionais, mas apenas que

não o são no sentido cartesiano,

socialista, preferindo reconhecer

limites ao poder da razão humana e

considerando o “homem n~o como

um ser altamente racional e

inteligente mas sim muito irracional

e falível, cujos erros individuais são

corrigidos apenas no decurso do

processo social”1.

Ademais, a divergência quanto à

religião não constitui obstáculo a

uma defesa da tradição e do

mercado livre, inclusivamente em

termos morais. Em Hayek

encontramos a defesa da tradição,

do costume e de uma moralidade

baseada no senso comum, de índole

prática, como aponta Roger Scruton.

Este filósofo conservador britânico

assinala que Hayek encara o

como encaram o papel da razão,

considerando que a civilização não é

uma criação resultante de uma

construção racional, mas o

imprevisto e não intencionalmente

pretendido resultado da interacção

espontânea de várias mentes numa

matriz de valores, crenças e

tradições não racionais ou supra

racionais, o que não significa que o

liberalismo e conservadorismo

sejam irracionais, mas apenas que

não o são no sentido cartesiano,

socialista, preferindo reconhecer

limites ao poder da razão humana e

considerando o “homem n~o como

um ser altamente racional e

inteligente mas sim muito irracional

e falível, cujos erros individuais são

corrigidos apenas no decurso do

processo social”.

Ademais, a divergência quanto à

religião não constitui obstáculo a

uma defesa da tradição e do

mercado livre, inclusivamente em

termos morais. Em Hayek

encontramos a defesa da tradição,

do costume e de uma moralidade

baseada no senso comum, de índole

prática, como aponta Roger Scruton.

Este filósofo conservador britânico

assinala que Hayek encara o

mercado livre como sendo parte de

uma ordem espontânea alargada,

fundada na livre troca de bens,

ideias e interesses – o jogo da

cataláxia, na terminologia hayek-

iana. Este jogo acontece ao longo do

tempo e para além dos vivos tem

nos mortos e nos ainda por nascer

os restantes jogadores, como Burke

também havia afirmado, que se

manifestam através das tradições,

instituições e leis. A assertividade

dos argumentos apresentados por

Scruton quanto à compatibilidade

entre a tradição, a moral e o

mercado é por demais evidente:

“Aqueles que acreditam que a

ordem social exige restrições ao

deve ser alvo de manipulação e

controlo por parte de teorias que

pretendam acabar com ela, sendo o

desejo de apagar o que existe e

desenhar a sociedade de novo

apenas a demonstração de uma

profunda ignorância quanto à

natureza da realidade social. Esta

mesma acepção inspira a forma

como encaram o papel da razão,

considerando que a civilização não é

uma criação resultante de uma

construção racional, mas o

imprevisto e não intencionalmente

pretendido resultado da interacção

espontânea de várias mentes numa

matriz de valores, crenças e

tradições não racionais ou supra

racionais, o que não significa que o

liberalismo e conservadorismo

sejam irracionais, mas apenas que

não o são no sentido cartesiano,

socialista, preferindo reconhecer

limites ao poder da razão humana e

considerando o “homem n~o como

um ser altamente racional e

inteligente mas sim muito irracional

e falível, cujos erros individuais são

corrigidos apenas no decurso do

processo social”1.

Ademais, a divergência quanto à

religião não constitui obstáculo a

uma defesa da tradição e do

mercado livre, inclusivamente em

termos morais. Em Hayek

encontramos a defesa da tradição,

do costume e de uma moralidade

baseada no senso comum, de índole

prática, como aponta Roger Scruton.

Este filósofo conservador britânico

assinala que Hayek encara o

mercado livre como sendo parte de

uma ordem espontânea alargada,

fundada na livre troca de bens,

ideias e interesses – o jogo da

cataláxia, na terminologia

hayekiana. Este jogo acontece ao

longo do tempo e para além dos

vivos tem nos mortos e nos ainda

por nascer os restantes jogadores,

ideologia 21

Page 22: popcom #01

dos argumentos apresentados por

Scruton quanto à compatibilidade

entre a tradição, a moral e o

mercado é por demais evidente:

“Aqueles que acreditam que a

ordem social exige restrições ao

mercado estão certos. Mas numa

verdadeira ordem espontânea as

restrições já lá estão, sob a forma de

costumes, leis e princípios morais.

Se essas coisas boas decaem, então

de forma alguma, de acordo com

Hayek, pode a legislação substituí-

las, pois elas surgem esponta-

neamente ou não surgem de todo, e

a imposição de éditos legislativos

para a “boa sociedade” destrói o que

resta da sabedoria acumulada que

torna tal sociedade possível. Não é,

por isso, surpreendente que

pensadores conservadores brita-

nicos – notavelmente, Hume, Smith,

Burke e Oakeshott – tendam a não

ver qualquer tensão entre a defesa

do mercado livre e uma visão

tradicionalista da ordem social. Eles

puseram a sua fé nos limites

espontâneos que o consenso moral

da comunidade coloca ao mercado.

Talvez este consenso esteja agora a

quebrar-se. Mas esta quebra resulta,

em parte, da interferência estatal, e

é certamente improvável que venha

a ser reparada pela mesma”.

Por tudo isto, nada como terminar

subscrevendo José Adelino Maltez,

quando este afirma que partilhamos

de “uma concepç~o do mundo e da

vida anti-construtivista, anti-

revolucionária e anti-estadista, se-

gundo a qual não é a história que faz

o homem, mas o homem que faz a

história, mesmo sem saber que

história vai fazendo.”

22 ideologia

André Azevedo Alves, Ordem, Liberdade e

Estado: Uma Reflexão Crítica sobre a Filosofia

Política em Hayek e Buchanan, Senhora da Hora,

Edições Praedicare, 2006;

David Held, Models of Democracy, Cambridge,

Polity Press, 2008;

F. A. Hayek, “Individualism: True and False”, in

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The University of Chicago Press, 1996;

F. A. Hayek, New Studies in Philosophy, Politics,

Economics and the History of Ideas, Londres,

Routledge & Kegan Paul, 1990;

F. A. Hayek, The Constitution of Liberty,

Londres, Routledge, 2010;

Jo~o Carlos Espada, “Dois conceitos de

democracia” in i online, 30 de Maio de 2009.

Disponível em

http://www.ionline.pt/conteudo/6601-

madison-e-rousseau-dois-conceitos-

democracia.

Jo~o Carlos Espada, “A tradiç~o da liberdade e a

sua memória: raz~o da sua import}ncia” in Jo~o

Carlos Espada, Marc F. Plattner e Adam

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Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2001;

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m_staticxt&staticfile=show.php&title=762;

José Adelino Maltez, Princípios de Ciência

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Marcel Prélot e Georges Lescuyer, História das

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Montesquieu, Do Espírito das Leis, Lisboa,

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Journal of Markets & Morality, Vol. 7, N. 1.

Page 23: popcom #01
Page 24: popcom #01

om a chegada da Tróica a Portugal foi imposto

ao nosso país um variado conjunto de medidas

nos mais diversos sectores, medidas essas que

vão ser responsáveis por fortes mudanças estruturais

na conjuntura política do nosso território nacional para

os próximos anos.

Uma dessas medidas é a tão falada Reforma da

Administração Local, que tem como objectivos a

promoção de uma maior proximidade entre os níveis de

decisão e os cidadãos, fomentando a descentralização

administrativa e reforçando o papel do Poder Local

como vector estratégico de desenvolvimento, a

valorização da eficiência na gestão e na afectação dos

recursos públicos, potenciando economias de escala, a

melhoria da prestação do serviços público e o reforço da

coesão e competitividade territorial, sempre

considerando as especificidades locais.

Naturalmente, tudo isto tem como pano de fundo não só

a necessidade de um novo modelo de gestão pública

local, mas acima de tudo a actual conjuntura económica

e financeira e os compromissos internacionais

assumidos pelo Estado Português no âmbito do

Programa de Assistência Económica e Financeira,

assinado com a Comissão Europeia, o Banco Central

Europeu e o Fundo Monetário Internacional.

Mas, ao contrário daquilo que tem sido dito, não se trata

de uma reforma economicista, não visando uma redução

da despesa pública afecta a cada junta de freguesia, mas

a libertação de recursos financeiros para serem

colocados ao serviço dos cidadãos. O motor desta

reforma tem, assim, a ver com a reestruturação dos

serviços e não com a poupança.

A Reforma da Administração Local pretende ser uma

reforma da gestão, do território e da política, mas para

que esta reforma ocorra são necessárias normas

orientadoras. O primeiro documento tornado público foi

o Documento Verde da Reforma da Administração Local,

que enunciou os quatro eixos prioritários de actuação,

são eles o Sector Empresarial Local, a Organização do

Território, a Gestão Municipal, Inter-Municipal e

24 opinião

Uma reforma necessária

o Documento Verde da Reforma da Administração Local,

que enunciou os quatro eixos prioritários de actuação,

são eles o Sector Empresarial Local, a Organização do

Território, a Gestão Municipal, Inter-Municipal e

Financiamento e a Democracia Local.

O Eixo 1 - Sector Empresarial Local tem como objectivo

redimensionar, fortalecer e redefinir o perímetro de

actuação do Sector Empresarial Local, adequando-o à

sua verdadeira missão estratégica e à realidade local e

suas necessidades específicas, através da elaboração de

um diagnóstico sobre o número de entidades que o

compõem.

O Eixo 2 - Organização do Território prevê a realização

de uma análise do atual mapa administrativo,

promovendo a redução do número de freguesias, pela

sua aglomeração, dando origem à criação de novas

freguesias, com maior dimensão e escala, de acordo com

as suas tipologias e salvaguardando as especificidades

territoriais.

O Eixo 3 - Gestão Municipal, Inter-Municipal e

Financiamento pretende reformatar as competências

dos diferentes níveis das Divisões Administrativas,

estabelecendo novos quadros de actuação no âmbito

dos Municípios, das Comunicades Intermunicipais e de

outras Estruturas Associativas, procurando reforçar

atribuições e competências e potenciar a eficiência da

gestão pública, com o intuito de gerar economias de

escala no seu funcionamento.

O Eixo 4 - Democracia Local visa adaptar as estruturas

orgânicas municipais à nova geometria de gestão

proposta através da criação de um novo enquadramento

legal autárquico, visando a racionalização na afectação

de recursos.

O Documento Verde da Reforma da Administração Local

foi alvo de inúmeras críticas, em especial no que

respeitava ao Eixo 2 – Organização do Território, mas o

intenso debate em torno deste eixo veio confirmar a

relevância de serem introduzidas modificações, as quais

foram agora esplanadas na já apresentada Proposta de

Lei n.º 44/XII sobre a Reorganização Administrativa

Territorial Autárquica.

O Documento Verde da Reforma da Administração Local

foi alvo de inúmeras críticas, em especial no que

respeitava ao Eixo 2 – Organização do Território, mas o

intenso debate em torno deste eixo veio confirmar a

C

Lúcia Santos

Page 25: popcom #01

opinião 25

Page 26: popcom #01

26 opinião

Page 27: popcom #01

A Proposta de Lei introduziu importantes alterações

na organização do território das autarquias locais,

dando particular relevância à racionalização do

número e configuração das freguesias em lugares

urbanos. Simultaneamente, flexibilizou a

reorganização administrativa do território e

reconheceu a importância da preservação da

identidade histórica, cultural e social das comunidades

locais cujas freguesias se agregam.

Desta forma, a Proposta de Lei apresentada assegura a

participação das autarquias locais, que melhor

conhecem o território e as suas características, na

concretização da reorganização administrativa dos

respectivos territórios, estimulando-a.

Do mesmo modo, ao tornar possível incluir na

denominação das freguesias agregadas a expressão

“Uni~o de Freguesias” e ao permitir a constituiç~o de

conselhos de freguesia, que garantem a possibilidade

da representatividade das freguesias agregadas no

desenvolvimento das actividades de cariz social que as

juntas de freguesias desenvolvem, assegura os

princípios da identidade e proximidade, tão

determinantes para as populações locais.

Naturalmente, tudo isto implica alterações à estrutura

governativa e à gestão das novas freguesias

resultantes do processo de agregação, mas será

sempre salvaguardada a gestão de todo o património

agregado de acordo com o princípio da boa

administração, bem como os serviços públicos que,

pela sua imprescindibilidade e sustentabilidade,

deverão continuar a ser prestados às populações

locais das freguesias agregadas.

Mas todo este processo vai além da redução do

número de freguesias e necessárias reestruturações,

sendo também seu objectivo viabilizar as fusões de

municípios, através do estabelecimento de incentivos

concretos à sua adesão a este processo.

É inquestionável para todos que o Poder Local tem

vindo a alargar as suas competências e a potenciar a

melhoria da qualidade de vida das populações, em

especial nas áreas de cariz marcadamente rural, onde

Do mesmo modo, ao tornar possível incluir na

denominação das freguesias agregadas a expressão

“Uni~o de Freguesias” e ao permitir a constituiç~o de

conselhos de freguesia, que garantem a possibilidade

opinião 27

assume um papel fortemente social, funcionando

muitas vezes como primeira linha de resposta a

muitas das necessidades dos habitantes.

Igualmente inequívoco é o facto de que o modelo de

gestão autárquica em Portugal está em muitos casos

completamente desajustado à realidade do nosso país,

que sofreu nas últimas décadas grandes

transformações, principalmente demográficas e

socioeconómicas, tornando muitas das actuais

unidades obsoletas.

Na realidade, muitas das fronteiras administrativas

existentes não só não são coincidentes com as

fronteiras físicas dos territórios, como, acima de tudo,

deixaram de ser coincidentes com as fronteiras

humanas, o que dificulta, como não poderia deixar de

ser, a realização de uma efectiva gestão territorial.

Mas a actual organização administrativa enferma de

muitos outros problemas, como são disso exemplo os

enclaves, as dezenas de freguesias com menos

habitantes que muitos prédios nos centros urbanos e

os municípios com a população idêntica e muitas vezes

inferior a inúmeras freguesias localizadas em áreas

urbanas.

Do mesmo modo, urge uma desburocratização do

processo de decisão, para que estas possam ser

tomadas em tempo útil e sem os habituais obstáculos

que tornam lentas e complexas as decisões tão

imprescindíveis à vida de todos nós.

Por tudo isto, é desejável que o modelo de gestão

autárquica em Portugal seja revisto, melhorado e

ajustado, permitindo um reforço saudável do

municipalismo, aproximando-o do cidadão e

agilizando-o.

É ainda longo o caminho a percorrer para se atingir o

desejável novo paradigma na gestão autárquica, mas

sem dúvida que os primeiros passos já foram dados.

Naturalmente, a posição mais confortável e

eleitoralista seria deixar tudo com está, não afectando

os poderes instalados, mas assim não estaríamos a

resolver o presente e muito menos a garantir o futuro

do nosso país.

A Proposta de Lei introduziu importantes alterações

na organização do território das autarquias locais,

dando particular relevância à racionalização do

Page 28: popcom #01

Luís Pedro Mateus

a ordem do dia - e desde

logo com os recentes e

propalados processos de

privatização da EDP e da REN que

muita tinta fizeram correr - têm

estado em recorrente análise e

reflexão várias questões e consi-

derações sobre o futuro do nosso

mercado energético nacional e, por

diversas vezes, até porque o tema é

tudo menos superficial e imediato,

acaba por existir alguma confusão

de conceitos no debate público

sobre o tema.

Como estudante de Engenharia

Electrotécnica na Faculdade de

Engenharia da Universidade do

Porto e desde logo no Ramo de

Energia com especialização esco-

lhida em Mercados Energéticos,

disponibilizei-me de imediato, nesta

edição inaugural do popcom, para

uma tentativa de melhor

esclarecimento sobre alguns pontos

que considero importantes para

todos aqueles que militam ou se

disponibilizei-me de imediato, nesta

edição inaugural do popco, para

uma tentativa de melhor escla-

recimento sobre alguns pontos que

considero importantes para todos

aqueles que militam ou se

interessam por política. Isto porque

o sector e mercado energético estão,

sem qualquer dúvida, bastante

dependentes de concepções polí-

ticas e económicas dos Estados.

Política energética, pela sua

importância primordial para a vida

das pessoas, ocupa lugar de

destaque na política e, como tal,

estará sempre entre os alvos das

formações e reflexões obrigatórias

promovidas por um Gabinete de

Estudos.

Comecemos primeiramente por

estabelecer dois pontos de partida

condicionantes que não podem ser

ignorados. O primeiro é o facto da

privatização de empresas estatais,

por forma a encaixar dinheiro

imediato para abater dívidas do

Estado, constar do memorando de

entendimento assinado com

FMI/UE/BCE e ser, portanto, uma

inevitabilidade. O segundo é o facto

de estarmos sujeitos a normas

imediato para abater dívidas do

Estado, constar do memorando de

entendimento assinado com

FMI/UE/BCE e ser, portanto, uma

inevitabilidade. O segundo é o facto

de estarmos sujeitos a normas

comunitárias que visam fomentar

no sector, tanto quanto possível, um

mercado com concorrência de

diferentes empresas que mais

beneficie os consumidores.

Os pontos de partida para discutir o

mercado energético português são,

portanto, compreender que a

intervenção estatal na energia não

se dará mais por intermédio da

presença de empresas públicas no

mercado e que a tendência a seguir

para o mesmo seja a da maior

concorrência quanto possível, pois

só tal permite, como se sabe,

melhoria da qualidade do serviço,

melhor gestão e menores custos

para o consumidor.

Devemos estabelecer, a priori, que o

que realmente importa analisar e

debater não é se o Estado deverá ser

accionista em determinada

empresa, mas de que forma é que

essa empresa operará e se integrará

no mercado, e se esse mercado será

28 especial

N

Os desafios de um mercado privatizado Parte 1

O Mercado de Energia

Page 29: popcom #01

especial 29

«Se o Estado é forte,

esmaga-nos. Se é fraco,

perecemos.»

Paul Valéry

Page 30: popcom #01

que realmente importa analisar e

debater não é se o Estado deverá ser

accionista em determinada em-

presa, mas de que forma é que essa

empresa operará e se integrará no

mercado, e se esse mercado será

mais regulado ou mais liberalizado.

É importante desde já notar que,

mesmo que o processo de privatizar

empresas públicas a operar no

sistema não fosse vital para as

contas do Estado, tal não significaria

que, se não se o fizesse, haveria

benefícios derivados da presença do

Estado nessas empresas. Ou seja, é

ponto assente que não é pelo facto

do Estado ser accionista de uma

empresa energética que terá maior

ou menor poder de intervenção.

Esse poder estava presente quer

com a empresa pública, quer com a

empresa privatizada, não a partir da

presença do Estado nela, mas sim a

partir da Entidade Reguladora. É,

portanto, mentira, que privatizando

empresas públicas energéticas se

perca poder regulador. Nunca é

demais repetir.

Interessa também frisar - porque os

argumentos contra as privatizações

não se pautam apenas pelas razões

de regulação (entretanto já

refutadas) - que quando existem

empresas públicas, seja em que

sector for, a competir com empresas

privadas, a promoção da verdadeira

concorrência não é a mais favorável.

O investimento privado retrai-se de

tentar entrar num mercado onde o

Estado está presente, e por várias

razões óbvias. Estas podem ir desde

o facto de empresas públicas terem

sempre uma posição "mais

favorável" em negócios depen-

dentes de explorações e concessões

(sempre com aval directo ou

indirecto do Estado), até ao facto de

uma empresa estatal não ter de,

obrigatoriamente, operar sob

condições de boa gestão, segura que

mercado do sector, através de mais

e melhor concorrência.

Para começar, e porque uma grande

parte dos leitores serão mais ou

menos leigos na matéria, convém

dissecar superficialmente o sector

energético de forma a poste-

riormente se poder entender os

desafios que se colocam às várias

áreas do sector. O sector energético

pode dizer respeito, principalmente,

a electricidade ou a gás natural e

divide-se, basicamente, em quatro

áreas base: Produção, Transporte,

Distribuição e Comercialização.

Nesta primeira edição, e por uma

30 especial

dentes de explorações e concessões

(sempre com aval directo ou

indirecto do Estado), até ao facto de

uma empresa estatal não ter de,

obrigatoriamente, operar sob

condições de boa gestão, segura que

está (em princípio!) pelo dinheiro

público.

Constata-se, portanto, que indepen-

dentemente da inevitabilidade das

privatizações de REN e EDP, estas

deveriam ser feitas de qualquer

maneira se o que se realmente

pretende é uma melhor operação do

mercado do sector, através de mais

e melhor concorrência.

Caracterização geral do sector

Para começar, e porque uma grande

Page 31: popcom #01

Para começar, e porque uma grande

parte dos leitores serão mais ou

menos leigos na matéria, convém

dissecar superficialmente o sector

energético de forma a poste-

riormente se poder entender os

desafios que se colocam às várias

áreas do sector. O sector energético

pode dizer respeito, principalmente,

a electricidade ou a gás natural e

divide-se, basicamente, em quatro

áreas base: Produção, Transporte,

Distribuição e Comercialização.

Nesta primeira edição, e por uma

mera questão de espaço e den-

sidade, focar-nos-emos apenas no

sector da electricidade, ficando o do

gás-natural para uma futura edição.

Os nomes de cada área já são

bastante indicativos do que cada

uma comporta. De forma resumida,

podemos definir a Produção como

sendo basicamente a operação das

centrais que produzem energia

eléctrica (como barragens, eólicas,

termoeléctricas, etc), o Transporte

como a operação de transporte da

energia desde os centros de

produção até aos grandes centros

de consumo, a Distribuição como a

Estado acontece apenas quando

estão em causa a segurança do

abastecimento de energia eléctrica

no Sistema em situações de escassez

energética.

O Transporte é efectuado atravé

da Rede Nacional de Transporte

(RNT) mediante uma concessão

atribuída pelo Estado, em regime

de serviço público e de

exclusividade à REN. No âmbito

desta concessão, a REN é

igualmente responsável pelo serviço

de utilidade pública que é a

operação global do Sistema

Eléctrico Nacional. Esta consiste,

essencialmente, na programação e

monitorização constante do

equilíbrio entre a oferta de

produção e a procura de energia

eléctrica, com o controlo em tempo

real de instalações e componentes

para que possa corrigir, em tempo,

possíveis desequilíbrios.

A Distribuição é feita através da

exploração da Rede Nacional de

Distribuição (RND) por regime de

concessão exclusiva atribuída pelo

Estado ou, nos casos de baixa

tensão, pelos Municípios, à EDP

eléctrica (como barragens, eólicas,

termoeléctricas, etc), o Transporte

como a operação de transporte da

energia desde os centros de

produção até aos grandes centros

de consumo, a Distribuição como a

operação do sistema responsável

pela transformação da electricidade

de Alta Tensão para tensões

utilizáveis (em casas, fábricas, etc) e

por fazer chegar essa electricidade

aos devidos locais de consumo e,

finalmente, a Comercialização como

a venda de electricidade ao

utilizador final.

Dito isto, e porque já abordados

alguns conceitos base, importa

agora fazer uma caracterização do

mercado de electricidade português.

A área da Produção é caracterizada

por estar totalmente aberta à con-

corrência. O enquadramento legal é

o de uma lógica de mercado e de

iniciativa privada. A intervenção do

Estado acontece apenas quando

estão em causa a segurança do

abastecimento de energia eléctrica

no Sistema em situações de escassez

energética.

O Transporte é efectuado através da

especial 31

Constata-se, portanto,

que ndependentemente

da inevitabilidade das

privatizações de REN e

EDP, estas deveriam ser

feitas de qualquer

maneira se o que se

realmente pretende é

uma melhor operação

do mercado do sector,

através de mais e

melhor concorrência.

Page 32: popcom #01

A Distribuição é feita através da

exploração da Rede Nacional de

Distribuição (RND) por regime de

concessão exclusiva atribuída pelo

Estado ou, nos casos de baixa

tensão, pelos Municípios, à EDP

Distribuição e a dez pequenas

cooperativas.

A Comercialização está totalmente

aberta à concorrência, sujeita a

um regime de licenciamento, onde

os comercializadores têm total

liber-dade para comprar e vender

electricidade e aceder às redes

de transporte e distribuição através

do pagamento de tarifas de acesso

que são estabelecidas pela entidade

reguladora dos serviços energéticos

(ERSE). Actualmente, em regime de

mercado (tarifa de energia e

comercialização não regulada),

estão em actividade a EDP

Comercial, a EGL Energía Iberia, a

Endesa, a Galp Power, a Iberdrola, a

Unión Fenosa Comercial e a Fortia.

Existe igualmente a figura do

comercializador de último recurso

com a finalidade de garantir o

fornecimento de electricidade aos

consumidores em condições de

qualidade e continuidade de serviço,

cobrando tarifa regulada. Este papel

é desempenhado pela EDP - Serviço

Universal, S.A. e por dez pequenas

cooperativas. O objectivo do DL

104/2010 de 29 de Setembro é que

as tarifas reguladas de venda de

electricidade estejam apenas dis-

poníveis para clientes com

potências contratadas até 41,4 kW

(Baixa Tensão Normal).

A nossa entidade reguladora do

mercado energético é a ERSE

(Entidade Reguladora de Serviços

Energéticos). Das suas compe-

tências destacam-se o poder

normativo e decisório,

nomeadamente a aprovação de

regulamentos e outras medidas,

fixação de tarifas e preços da

Constata-se pela breve análise do

mercado de electricidade português

que o mesmo, apesar de agora

quase privatizado na sua totalidade,

está longe de ser um mercado

liberalizado. Ou seja, a regulação

está presente em grande parte da

cadeia de valor do mesmo, com

grande incidência desde a produção

até à distribuição. A comercialização

é, de facto, a área mais liberalizada e

menos regulada de todas e onde se

pode desenvolver, mais facilmente,

um regime concorrencial.

Esta característica não é particular

do mercado português, longe disso.

Energéticos). Das suas compe-

tências destacam-se o poder

normativo e decisório, nomeada-

mente a aprovação de regulamentos

e outras medidas, fixação de tarifas

e preços da electricidade e do gás

natural e o estabelecimento de

direitos para os consumidores e

direitos e obrigações para as

empresas. Possui também

competências fiscalizadoras, sanci-

onatórias, consultivas e também de

resolução de litígios.

Desafios da liberalização

Constata-se pela breve análise do

mercado de electricidade português

que o mesmo, apesar de agora

quase privatizado na sua totalidade,

32 especial

Page 33: popcom #01

produção à comercialização) das

grandes empresas que acabam por

monopolizar ou cartelizar o sistema,

o facto é que as condicionantes a

uma liberalização total são imensas

e impossíveis de ignorar quando se

estudam cenários teóricos macro.

Este caminho penoso de expe-

rimentação, de tentativa de concílio

entre concorrência e liberalização,

por um lado, e interesse público e

regulação, por outro, é algo comum

a todos os países com uma

economia de mercado.

O percursor do caminho da

liberalização no sector energético

foi o Reino Unido, com as políticas

dos governos conservadores de

Thatcher. A tendência foi de

progressivamente desmantelar os

sistemas centralizados e injectar

concorrência onde quer que tal se

afigurasse viável. Em curto prazo, os

custos reduziram-se radicalmente,

os investimentos em indústrias

produtoras (principalmente de ciclo

combinado) e o número de

comercializadores a competir por

clientes proliferaram para tender,

de seguida, a consolidarem-se.

Nos EUA, o caminho tem sido

curioso e repleto de surpresas, o

que vem apenas revelar as

dificuldades estruturais que podem

variar de caso para caso. O caminho

americano tem sido o de uma aposta

na desregulação e o que se tem

verificado desde 1991 tem sido um

aumento considerável dos preços,

consumidores sem hábito de mudar

de empresas e, além disto, e muito

mais grave, ocorrências de

cartelização (Califórnia 2000), picos

de preços, falência de alguns

distribuidores e apagões. O ponto de

situação é que 26 estados não

desregulam, 7 adiam o processo e 8

dos 17 já desregulados já começam

a debater mudanças.

Já no caso da União Europeia, que é

é, de facto, a área mais liberalizada e

menos regulada de todas e onde se

pode desenvolver, mais facilmente,

um regime concorrencial.

Esta característica não é particular

do mercado português, longe disso.

Desde sempre, o sector energético

se afigurou como o mais complicado

de liberalizar de forma a criar um

sistema de mercado perfeitamente

concorrencial. Seja, desde logo, pelo

conceito estratégico e de soberania

que o sector energético constitui

para um Estado, seja pela

electricidade constituir um bem

público de acesso universal, seja

pelas enormes dificuldades de

entrada de empresas a montante da

cadeia de valor (produção,

transporte, distribuição) pelos

grandes investimentos de capital e

limitações de estruturas que isso

envolve, seja pela natural tendência

de integração vertical (presença em

toda a cadeia de valor, desde a

produção à comercialização) das

grandes empresas que acabam por

monopolizar ou cartelizar o sistema,

o facto é que as condicionantes a

uma liberalização total são imensas

e impossíveis de ignorar quando se

estudam cenários teóricos macro.

Este caminho penoso de

experimentação, de tentativa de

concílio entre concorrência e

liberalização, por um lado, e

interesse público e regulação, por

outro, é algo comum a todos os

países com uma economia de

mercado.

O percursor do caminho da

liberalização no sector energético

foi o Reino Unido, com as políticas

dos governos conservadores de

Thatcher. A tendência foi de

progressivamente desmantelar os

sistemas centralizados e injectar

concorrência onde quer que tal se

afigurasse viável. Em curto prazo, os

custos reduziram-se radicalmente,

O percursor do caminho da

liberalização no sector energético

foi o Reino Unido, com as políticas

dos governos conservadores de

Thatcher. A tendência foi de

progressivamente desmantelar os

sistemas centralizados e injectar

concorrência onde quer que tal se

afigurasse viável. Em curto prazo, os

custos reduziram-se radicalmente,

os investimentos em indústrias

produtoras (principalmente de ciclo

combinado) e o número de comer-

cializadores a competir por clientes

proliferaram para tender, de

seguida, a consolidarem-se.

Nos EUA, o caminho tem sido

curioso e repleto de surpresas, o

que vem apenas revelar as

dificuldades estruturais que podem

variar de caso para caso. O caminho

americano tem sido o de uma aposta

na desregulação e o que se tem

verificado desde 1991 tem sido um

aumento considerável dos preços,

consumidores sem hábito de mudar

de empresas e, além disto, e muito

mais grave, ocorrências de

cartelização (Califórnia 2000), picos

de preços, falência de alguns

distribuidores e apagões. O ponto de

situação é que 26 estados não

desregulam, 7 adiam o processo e 8

dos 17 já desregulados já começam

a debater mudanças.

Já no caso da União Europeia, que é

aquele que nos concerne

directamente, sujeitos que estamos

às directivas comunitárias, tem sido

o de um caminho progressivo de

liberalização, onde possível, e

regulação tendo principalmente em

vista evitar concorrência desleal e

manipulações de mercado.

As primeiras directivas de

liberalização do sector aparecem em

1996 a abranger primeiro o sector

de comercialização, obrigando-se a

à desregulação dessa área e ao

desmantelamento dos monopólios

proliferaram para tender, de se-

guida, a consolidarem-se.

Nos EUA, o caminho tem sido

curioso e repleto de surpresas, o

que vem apenas revelar as difi-

culdades estruturais que podem

variar de caso para caso. O caminho

americano tem sido o de uma aposta

na desregulação e o que se tem

verificado desde 1991 tem sido um

aumento considerável dos preços,

consumidores sem hábito de mudar

de empresas e, além disto, e muito

mais grave, ocorrências de

cartelização (Califórnia 2000), picos

de preços, falência de alguns

distribuidores e apagões. O ponto de

situação é que 26 estados não

desregulam, 7 adiam o processo e 8

dos 17 já desregulados já começam

a debater mudanças.

Já no caso da União Europeia, que é

aquele que nos concerne

directamente, sujeitos que estamos

às directivas comunitárias, tem sido

o de um caminho progressivo de

especial 33

Page 34: popcom #01

a debater mudanças.

Já no caso da União Europeia, que é

aquele que nos concerne directa-

mente, sujeitos que estamos às

directivas comunitárias, tem sido o

de um caminho progressivo de

liberalização, onde possível, e

regulação tendo principalmente em

vista evitar concorrência desleal e

manipulações de mercado.

As primeiras directivas de

liberalização do sector aparecem em

1996 a abranger primeiro o sector

de comercialização, obrigando-se a

à desregulação dessa área e ao

desmantelamento dos monopólios

públicos aí localizados. Também

vem obrigar que na área da

Transmissão, as empresas a operar

sejam independentes, pelo menos

no plano da gestão, de outras

actividades (como a produção e a

comercialização) e que na Distri-

buição haja a designação de um

Operador da Rede de Distribuição

com separação contabilística, caso

seja uma empresa com presença

noutras áreas da cadeia.

Com esta directiva de 96, a

separação contabilística passou a

ser requisito mínimo exigido. Tal

veio a revelar-se de uma enorme

importância porque existe sempre o

risco de ser possível a uma

companhia alocar custos inde-

vidamente em sua vantagem, uma

vez que actividades comuns com

custos partilhados permitem uma

alocação desproporcionada desses

custos ao negócio de rede.

Outra directiva importante que se

seguiu foi a de 2003, em que veio

trazer regras comuns para a

geração, transmissão, distribuição e

fornecimento e veio exigir, desta

vez, a separação legal como

requisito mínimo. Ou seja, a rede

tem que ser propriedade de uma

empresa cuja única actividade seja a

operação e propriedade da rede. No

No entanto, como as empresas são

parte da mesma holding, poderá

sempre ocorrer incentivos para que

a empresa de Rede trate a empresa

de Geração ou Comercialização da

mesma holding de forma

preferencial em relação às outras

empresas (não pertencentes à

holding).

O último pacote de liberalização do

sector a nível europeu tentou

responder precisamente a estas

preocupações e foi alvo de duras

negociações. No início, o mesmo

pretendia a separação de posse

(ownership) como única opção, e

desta forma não permitir que uma

mesma holding tenha várias

empresas a operar em diferentes

áreas da cadeia, para chegar, depois

de muitas prolongadas e difíceis

negociações, a um pacote final com

a possibilidade de três alternativas:

separação de posse, Operador

Independente do Sistema (ISO), ou

Operador Independente da

Transmissão (ITO).

Com a opção de um Operador

Independente do Sistema, o Estado-

Membro designa um órgão externo

às empresas verticalmente

integradas que vai assumir as

responsabilidades de Operador do

Sistema de Transporte.

Com a opção de um Operador

Independente da Transmissão, o

Operador do Sistema de

Transmissão fica dentro da empresa

verticalmente integrada e há um

reforço da regulação para garantir

que existe independência do

Operador Independente de

Transmissão em relação à holding

que está verticalmente integrada na

cadeia.

Esta opção, sendo a que encontra

reflexo no caso português, deve

merecer alguma análise mais

profunda uma vez que esta opção

apresenta bastantes desafios

fornecimento e veio exigir, desta

vez, a separação legal como

requisito mínimo. Ou seja, a rede

tem que ser propriedade de uma

empresa cuja única actividade seja a

operação e propriedade da rede. No

entanto, é necessário ter-se cons-

ciência de que a empresa pode ser

uma subsidiária de uma Holding

que pode ser, por sua vez, pró-

prietária de empresas de geração ou

de comercialização. E é isto que

acontece precisamente, por

exemplo, com a EDP ou com a REN,

em diferentes sectores.

O problema de ocorrer alocação

indevida de custos não deve assim

acontecer, uma vez que companhias

que sejam legalmente indepen-

dentes têm de ter recursos

humanos, procedimentos e edifícios

separados.

No entanto, como as empresas são

parte da mesma holding, poderá

sempre ocorrer incentivos para que

a empresa de Rede trate a empresa

de Geração ou Comercialização da

mesma holding de forma

preferencial em relação às outras

empresas (não pertencentes à

holding).

O último pacote de liberalização do

sector a nível europeu tentou

responder precisamente a estas

preocupações e foi alvo de duras

negociações. No início, o mesmo

pretendia a separação de posse

(ownership) como única opção, e

desta forma não permitir que uma

mesma holding tenha várias

empresas a operar em diferentes

áreas da cadeia, para chegar, depois

de muitas prolongadas e difíceis

negociações, a um pacote final com

a possibilidade de três alternativas:

separação de posse, Operador

Independente do Sistema (ISO), ou

Operador Independente da

Transmissão (ITO).

Com a opção de um Operador

34 especial

Page 35: popcom #01

a possibilidade de três alternativas:

separação de posse, Operador Inde-

pendente do Sistema (ISO), ou

Operador Independente da Trans-

missão (ITO).

Com a opção de um Operador

Independente do Sistema, o Estado-

Membro designa um órgão externo

às empresas verticalmente inte-

gradas que vai assumir as respon-

sabilidades de Operador do Sistema

de Transporte.

Com a opção de um Operador

Independente da Transmissão, o

Operador do Sistema de Trans-

missão fica dentro da empresa

verticalmente integrada e há um

reforço da regulação para garantir

que existe independência do

Operador Independente de

Transmissão em relação à holding

que está verticalmente integrada na

cadeia.

Esta opção, sendo a que encontra

reflexo no caso português, deve

merecer alguma análise mais

profunda uma vez que esta opção

apresenta bastantes desafios

interessantes.

De facto, a opção por Operador

Independe de Transmissão pode

não ser tão atractiva como nas

intenções iniciais se desejaria, uma

vez que se constata que o capital

fica alocado a activos sobre os quais

o controlo é bastante reduzido, com

uma rentabilidade mais baixa do

que na restante companhia. Além

disto, com esta opção, toda a

holding acaba por ficar sempre

exposta a regulação. Ou seja, aqui a

equação para a holding será sempre

a do peso benéfico entre o valor que

os activos de transmissão

constituem (e que contribui para o

valor financeiro da companhia),

mesmo sem direito de exercer

controlo sobre os mesmos, e entre o

ónus regulatório pesadíssimo que

acaba por cair sobre toda a

que na restante companhia. Além

disto, com esta opção, toda a

holding acaba por ficar sempre

exposta a regulação. Ou seja, aqui a

equação para a holding será sempre

a do peso benéfico entre o valor que

os activos de transmissão consti-

tuem (e que contribui para o valor

financeiro da companhia), mesmo

sem direito de exercer controlo

sobre os mesmos, e entre o ónus

regulatório pesadíssimo que acaba

por cair sobre toda a empresa.

Infelizmente, esta opção acaba por

se afigurar como uma oportunidade

perdida, quer para o Estado, quer

para as empresas, uma vez que se

parece potenciar desnecessari-

amente possíveis perversões de

mercado e livre concorrência. A

prova de que este risco é real e as

preocupações são legítimas são a

enorme quantidade de cláusulas

regulatórias que acompanham esta

opção, de forma a tentar evitar isso

mesmo.

Então, que caminho para o mercado

de electricidade português? Deverá

ser a separação total de posse a

meta a atingir?

Aqui já entramos em concepções

políticas e económicas que poderão

variar de pessoa para pessoa. Este

artigo não pretende, até porque é

impossível de o conseguir, ser

totalmente isento. Está, portanto,

vinculado ao que o seu autor pensa

ser o mais benéfico para o futuro do

mercado, salvaguardando o facto de

ele ser ainda um mero estudante da

área e, desde logo, vítima de se

encontrar ainda no início do seu

percurso de maturação de ideias e,

acima de tudo, experiência, no tema

concreto. Ainda assim, e porque a

reflexão é sempre saudável, importa

tentar traçar desafios para o futuro.

Também a opção por uma

separação total de posse, em que

seria impossível a uma mesma

que existe independência do Ope-

rador Independente de Transmissão

em relação à holding que está

verticalmente integrada na cadeia.

Esta opção, sendo a que encontra

reflexo no caso português, deve

merecer alguma análise mais

profunda uma vez que esta opção

apresenta bastantes desafios

interessantes.

De facto, a opção por Operador

Independe de Transmissão pode

não ser tão atractiva como nas

intenções iniciais se desejaria, uma

vez que se constata que o capital

fica alocado a activos sobre os quais

o controlo é bastante reduzido, com

uma rentabilidade mais baixa do

que na restante companhia. Além

disto, com esta opção, toda a

holding acaba por ficar sempre

exposta a regulação. Ou seja, aqui a

equação para a holding será sempre

a do peso benéfico entre o valor que

os activos de transmissão

constituem (e que contribui para o

valor financeiro da companhia),

mesmo sem direito de exercer

controlo sobre os mesmos, e entre o

ónus regulatório pesadíssimo que

acaba por cair sobre toda a

empresa.

Infelizmente, esta opção acaba por

se afigurar como uma oportunidade

perdida, quer para o Estado, quer

para as empresas, uma vez que se

parece potenciar

desnecessariamente possíveis

perversões de mercado e livre

concorrência. A prova de que este

risco é real e as preocupações são

legítimas são a enorme quantidade

de cláusulas regulatórias que

acompanham esta opção, de forma a

tentar evitar isso mesmo.

Então, que caminho para o mercado

de electricidade português? Deverá

ser a separação total de posse a

meta a atingir?

Aqui já entramos em concepções

amente possíveis perversões de

mercado e livre concorrência. A

prova de que este risco é real e as

preocupações são legítimas são a

enorme quantidade de cláusulas

regulatórias que acompanham esta

opção, de forma a tentar evitar isso

mesmo.

Então, que caminho para o mercado

de electricidade português? Deverá

ser a separação total de posse a

meta a atingir?

Aqui já entramos em concepções

políticas e económicas que poderão

variar de pessoa para pessoa. Este

artigo não pretende, até porque é

impossível de o conseguir, ser total-

mente isento. Está, portanto,

vinculado ao que o seu autor pensa

ser o mais benéfico para o futuro do

mercado, salvaguardando o facto de

ele ser ainda um mero estudante da

área e, desde logo, vítima de se

encontrar ainda no início do seu

percurso de maturação de ideias e,

acima de tudo, experiência, no tema

concreto. Ainda assim, e porque a

especial 35

Page 36: popcom #01

interesse conjunto de uma série de

indivíduos que procuram o seu

melhor interesse pessoal? Se esse

conjunto de indivíduos, tendo gasto

menos com serviços e bens,

poupado mais e, consequentemente,

podendo investir e consumir mais

fazendo crescer a economia

nacional, isso não constitui,

precisamente, "interesse nacional"?

São questões que se deixam abertas

a reflexão.

Se o que se pretende é a maior

concorrência possível, sendo esta

apenas possível com a maior

liberalização possível, para que

ambas, pautadas pela regulação

mínima exigida para garantir

condições de serviço e acesso

universal, acabem por beneficiar a

médio prazo todos os

consumidores, a opção de separação

total de posse deve ser uma

hipótese viável e em cima da mesa

quando se quer debater o futuro do

sector.

Mais uma vez, tudo dependerá do

que se considera mais importante: o

interesse corporativo de poucos ou

o interesse geral dos consumidores

e, logo, da economia nacional?

Tudo se resume a uma questão de

prioridades.

Tão simples quanto isso.

empresas e, acima de tudo, que os

recursos energéticos explorados são

recursos naturais cuja posse é da

nação onde eles se encontram,

sendo mais uma vez a sua

exploração permitida por concessão

estatal. Como se vê, portanto, o

poder de soberania continua bem

presente. Além disto, as empresas

estrangeiras que operam em

Portugal querem exactamente o

mesmo que as empresas nacionais:

ganhar clientes, fazer lucro, ter

sucesso. Para isso, e para além de

estarem sujeitos ao regime legal

existente, têm de prestar serviços

com qualidade. As preocupações de

soberania e estratégia no sector

eléctrico são, portanto, apesar de

pertinentes, infundadas.

Questionemo-nos: quantos sectores

de consumo dominados Maio-

ritariamente por empresas estran-

geiras já estão presentes em

Portugal sem que disso advenha

qualquer malefício para a população

dependente desses bens? É mais

importante que os bens consumidos

alinhem por valores de

custo/benefício para o consumidor,

ou por valores, relativos, de

"importância estratégica" ou de

"interesse nacional"? Não será,

afinal, o interesse nacional o

interesse conjunto de uma série de

indivíduos que procuram o seu

melhor interesse pessoal? Se esse

conjunto de indivíduos, tendo gasto

menos com serviços e bens,

ele ser ainda um mero estudante da

área e, desde logo, vítima de se

encontrar ainda no início do seu

percurso de maturação de ideias e,

acima de tudo, experiência, no tema

concreto. Ainda assim, e porque a

reflexão é sempre saudável, importa

tentar traçar desafios para o futuro.

Também a opção por uma separa-

ção total de posse, em que seria

impossível a uma mesma holding

(empresa mãe) deter várias empre-

sas subsidiárias espalhadas pela

cadeia de valor, como todas as

outras, tem os seus desafios concre-

tos. Desde logo a sensibilidade

política e popular despertada pela

possibilidade de uma empresa

estrangeira poder vir a ocupar o

lugar na cadeia que uma empresa

portuguesa obrigada a separar-se

da subsidiária antes ocupava. Esta

possibilidade normalmente levanta

a preocupação, mais ou menos

legítima, de que se num sector tão

importante apenas operam empre-

sas estrangeiras, se perde soberania

nacional.

É necessário ter-se sempre em

conta que qualquer empresa, seja

ela nacional ou estrangeira, a operar

em Portugal estará sempre sujeita

às regulações e exigências existen-

tes para o sector e, acima de tudo,

em sectores concorrenciais, que é o

que se pretende ao máximo, à

regulação natural e suprema que é a

escolha do consumidor.

Desde logo, no sector eléctrico,

existe o garante supremo de que

uma grande parte das infra-

estruturas existentes são bens

públicos cuja exploração é

concessionada, pelo Estado, a

empresas e, acima de tudo, que os

recursos energéticos explorados são

recursos naturais cuja posse é da

nação onde eles se encontram,

sendo mais uma vez a sua

exploração permitida por concessão

36 especial

Page 37: popcom #01
Page 38: popcom #01

o que não tínhamos. Andámos a viver acima das nossas

possibilidades. Mais importante ainda, andámos a olhar

para números e esquecemo-nos de olhar para as

pessoas.

Alguém pode achar normal que haja gente a viver com

pouco mais de 200 euros mensais num país dito

desenvolvido? Esta gente, que todos os dias faz as

contas ao cêntimo para pagar as suas despesas, vive no

país onde se enfiam 5000 milhões num banco falido.

Estes são os velhos que já foram como nós. Já deram o

que podiam pelo seu país quando neste momento o seu

país nada lhes dá. Choca-me ainda a leviandade com que

certas pessoas olham para esta gente e dizem que eles

nunca fizeram descontos na vida sem se lembrar que

grande parte deles viveram no tempo em que a

Segurança Social nem sequer existia.

A falta de sensibilidade social não é exclusiva dos

políticos, é de todos nós. Perdemos a pouco e pouco a

nossa dimensão humana e seguimos um caminho

perigoso. Há felizmente, uma série de instituições que

mantém este frágil equilíbrio e que todos os dias lutam

para que casos como estes não passem despercebidos.

Há que apelar à classe política para parar com as

palavras e expressões bonitas como “Ética na

Austeridade” para justificar meia dúzia de medidas que

em muito pouco contribuem para melhorar a vida desta

gente.

Quero acreditar que este governo finalmente vai

conseguir pôr as contas em ordem, mas também gostava

de acreditar que este governo não se vai esquecer de

quem mais precisa, especialmente dos idosos. A este

governo desejo boa sorte.

Aos que lá estiveram e nos deixaram de mãos e pés

atados lembro que enquanto andarem com o Estado

Social na boca e nada fizerem, esta gente não vai

sobreviver. Enquanto esperam pelas próximas eleições

e pelo dinheiro para o TGV, estes esperam por Godot, ou

melhor, pela morte solitária.

cada dia que passa, surgem mais notícias de

idosos encontrados sem vida nas suas casas.

Pessoas pobres, alguns acamados e a viver

sozinhos. Muitos foram encontrados apenas uma

semana depois de falecer. Parece-me então importante

fazermos uma pergunta sobre o assunto: Onde anda o

tão aclamado Estado Social? Onde anda então a Grande

Maravilha da revolução quando assistimos a tão trágicas

mortes?

Note-se que não é por simples obra da Providência que

estas pessoas foram encontradas sem vida. Há

responsáveis, cada um na sua medida, pelo assunto.

Resta saber como quebrar este ciclo.

A classe política em Portugal tem sido ocupada por um

sem número de pessoas, nem todas muito sérias, mas

todas com um mesmo grande defeito: a falta de

sensibilidade social.

Com a entrada na União Europeia e diga-se, até com a

entrada na zona Euro, Portugal deu um salto qualitativo

nas suas condições de vida. Isso é um facto. No entanto,

e percebendo a dimensão dos dinheiros e fundos que

daí advieram, cabe-nos perguntar onde foi parar o resto

do dinheiro. Confrontados com esta questão, a maior

parte dos responsáveis políticos garante que esses

fundos foram bem investidos. Que as estradas e pontes

construídas foram boas criaram bons acessos, que os

hospitais e escolas modernizaram o país e o irão ajudar

a projectar os seus cidadãos no futuro. Muito bem,

quero acreditar nisso. No entanto não me parece real.

Voltando ao mesmo cliché e batendo na mesma tecla,

surge a minha interpretação: Andámos a gastar

A

Diogo Pascoal

Este país não é para velhos

38 especial

Page 39: popcom #01

opinião 39

Page 40: popcom #01

40 entrevista

uno Melo, 46 anos, é

deputado ao Parlamento

Europeu pelo CDS, partido

do qual é também Vice-Preseidente.

Para além de ser uma das principais

figuras do partido, é também uma

das personalidades mais destacadas

da política nacional. Natural de

Joane, Vila Nova de Famalicão,

começou por dar nas vistas na

Assembleia da Repúublica, onde foi

deputado durante dez anos, tendo

chegado à liderança da bancada

parlamentar do CDS. Foi também

um destacado membro da famosa

Comissão de Inquérito ao BPN. Em

2009 deu a cara pelo CDS nas

eleições para o Parlamento Euro-

peu, numa altura em que muitos

previam o colapso do partido.

Contrariou as vozes da catástrofe,

conseguindo um resultado histórico

para o partido.

Há não muito tempo, muitas

previam o colapso do partido.

Contrariou as vozes catastrofistas,

conseguindo um resultado histórico

para o partido.

Há não muito tempo, muitas

vozes e muitas sondagens davam

o CDS como morto. No entanto, o

partido conseguiu alguns dos

melhores resultados da sua

história nos últimos actos elei-

torais. A que factores pensa que

se deveu esse sucesso?

Ao Presidente do partido, a

começar, pela inteligência e

capacidade de liderança com que

mantém unida a diversidade do

CDS, e pela forma como conseguiu

sempre antecipar os factos e os

ciclos políticos, e motivar todos,

principalmente nos momentos mais

difíceis. A um conjunto de outras

pessoas que ao longo dos anos se

foram formando e o país aprecia

pelas intervenções e pela

ciclos políticos, e motivar todos,

principalmente nos momentos mais

difíceis. A um conjunto de outras

pessoas que ao longo dos anos se

foram formando e o país aprecia

pelas intervenções e pela

capacidade de trabalho. À forma

como uma parte significativa da

população, seguramente muito

acima da nossa expressão eleitoral,

reconhece que o CDS tem tido quase

sempre razão, e é um partido

consistente, credível e fiável. Ao

facto de os dois maiores partidos ao

centro terem cada vez mais zonas

de sobreposição, aparecendo o CDS

como o contraponto da alternativa

responsável, dentro do arco da

governabilidade.

As eleições europeias marcaram

o início da tendência ascendente

do CDS (a par do bom resultado

nas Regionais dos Açores), nas

quais foi cabeça de lista do

N

Tento todos os dias colocar o meu

mandato ao serviço

de Portugal

Page 41: popcom #01

entrevista 41

Page 42: popcom #01

Parte desse mérito foi também do

trabalho do grupo parlamentar

do partido, que conhece bem

porque o liderou num passado

não muito longínquo. Como

classifica e descreve esse tra-

balho, quer ao longo dos anos de

oposição ao governo de José

Sócrates, quer neste contexto em

que o CDS faz parte do governo?

O CDS tem uma enorme tradição

parlamentar. No poder como na

oposição, os grupos parlamentares

do CDS destacaram-se sempre. Não

é à toa que ao longo dos anos e das

legislaturas o CDS foi acumulando

prémios de produtividade, melhores

deputados e deputados revelação.

Os nossos deputados tem

conseguido conciliar capacidade de

trabalho, cuidado oratório e acerto

de referência, que ainda hoje

guardo, que l| dizia “Vital vence,

Nuno Melo n~o é eleito”. No entanto,

a verdade é que o CDS obteve

um resultado acima de todas as

sondagens e expectativas, e os dois

deputados que hoje temos no

Parlamento Europeu, só a nós se

devem. Este resultado, pelo efeito e

motivação que criou dentro, e

fora do CDS, foi determinante, para

a continuação do ciclo de

vitórias que depois prosseguiu

nas legislativas e regionais da

Madeira. Disso não tenho nenhuma

dúvida.

Parte desse mérito foi também do

trabalho do grupo parlamentar

do partido, que conhece bem

porque o liderou num passado

As eleições europeias marcaram

o início da tendência ascendente

do CDS (a par do bom resultado

nas Regionais dos Açores), nas

quais foi cabeça de lista do

partido. Em que medida esse

resultado eleitoral está ligado à

tendência de subida do CDS

verificado desde então?

O resultado das europeias foi

importantíssimo, porque surgiu

num momento difícil, em cima de

sondagens péssimas, com o partido

sem recursos para investir em

campanha e quando tantos

antecipavam um desastre em

jeito de fim de ciclo. Um dos

lugares comuns mais repetido por

alguns, era o de que o CDS só

tinha dois deputados europeus,

porque concorrera coligado com o

PSD cinco anos antes, sendo que em

2009, Portugal elegeria apenas

22 deputados, contra os 24 das

eleições anteriores. Recordo

sondagens que poucos dias antes

das eleições nos fixavam próximo

dos 3 %, e um título de um diário

de referência, que ainda hoje

guardo, que l| dizia “Vital vence,

Nuno Melo n~o é eleito”. No entanto,

a verdade é que o CDS obteve

um resultado acima de todas as

Serão as gerações presentes e futuras

a pagar o desastre

Socialista por muitos e maus anos

42 entrevista

Page 43: popcom #01

o seu futuro?

Por enquanto, temos todas as razões

para pensar que este ciclo de

ajustamento ajudará a colocar as

contas púbicas em ordem e a

racionalizar o grau de despesismo

do Estado, que há muito se

mostrava incomportável. Portugal

viveu muitos anos de ficção

orçamental. Mas esse tempo acabou.

O ano de 2012 será neces-

sariamente o do epicentro dos

efeitos negativos dos planos de

austeridade, principalmente no que

respeita ao arrefecimento da eco-

nomia e aos números do

desemprego. E a evolução será

muito lenta. Mas acredito

sinceramente que se a conjuntura

europeia e internacional não se

agravar, e o governo implementar,

como previsto, políticas de estímulo

à actividade económica e de criação

de emprego, os jovens poderão

aspirar a um futuro melhor.

Esse futuro será,

irremediavelmente, moldado

pela resolução (ou falta dela) que

se encontrar para a crise política

e económica que afecta

actualmente a União Europeia.

Quais os principais erros que

diagnostica na forma como as

instituições europeias têm agido

perante os problemas que

afectam a Europa?

Entre muitos outros, assinalaria as

deficiências da Zona Euro – que não

coordena o essencial das

implicações da moeda única, no

espaço dos Estados que a

adoptaram –, a falta de um interesse

estratégico europeu e uma

intervenção insuficiente do BCE. Há

vários interesses estratégicos

nacionais, muitas vezes divergentes,

mas não há verdadeiramente um

interesse estratégico europeu, razão

pela qual, quando aqueles

Portugal ou cumpre à risca, ou

perde a capacidade de se financiar

no exterior, e de pagar salários,

pensões, e honrar compromissos e

encargos, o que seria verda-

deiramente uma tragédia. Porque

cumprimos, e o país, indepen-

dentemente da natural insatisfação

por medidas de austeridade, se

mobiliza para criar as condições que

nos farão ultrapassar este momento

difícil, é que Portugal é agora

avaliado no oposto da Grécia.

Muitos duvidam que Portugal

consiga fechar este ciclo de

ajustamento melhor do que

estava quando ele foi aberto. Com

que ideia de Portugal e do mundo

deverão os jovens perspectivar

seu futuro?

Por enquanto, temos todas as razões

para pensar que este ciclo de

ajustamento ajudará a colocar as

contas púbicas em ordem e a

racionalizar o grau de despesismo

do Estado, que há muito se

mostrava incomportável. Portugal

viveu muitos anos de ficção

orçamental. Mas esse tempo acabou.

O ano de 2012 será

necessariamente o do epicentro dos

efeitos negativos dos planos de

austeridade, principalmente no que

respeita ao arrefecimento da

economia e aos números do

desemprego. E a evolução será

muito lenta. Mas acredito

sinceramente que se a conjuntura

europeia e internacional não se

agravar, e o governo implementar,

como previsto, políticas de estímulo

à actividade económica e de criação

de emprego, os jovens poderão

aspirar a um futuro melhor.

Esse futuro será,

irremediavelmente, moldado

pela resolução (ou falta dela) que

se encontrar para a crise política

prémios de produtividade, melhores

deputados e deputados revelação.

Os nossos deputados tem conse-

guido conciliar capacidade de

trabalho, cuidado oratório e acerto

nas previsões. E isso tem feito toda

a diferença.

Mesmo a partir de Bruxelas

destacou-se como uma das vozes

mais visíveis do CDS na crítica à

governação socialista. Entre

as principais “vítimas” desses

anos encontram-se os jovens. De

que forma é que as gerações

futuras se viram prejudicadas

pelas políticas seguidas pelos

governos PS?

Quase sempre que o PS governou,

Portugal perdeu. Os últimos 6 anos

de José Sócrates foram só o mais

trágico dos exemplos, gastando o

que Portugal não tinha, pedindo o

que Portugal não podia, mais do que

duplicando a dívida recebida,

colonizando o Estado com o pior do

aparelho partidário, e potenciando

uma das maiores crises da história

do nosso país, muito para além do

que a crise internacional justificaria.

Serão as gerações presentes e

futuras a pagar este desastre por

muitos e maus anos.

Portugal tem sido elogiado nas

sucessivas avaliações de que tem

sido alvo no que ao cumprimento

dos compromissos com as

instituições internacionais diz

respeito. Qual a importância de

Portugal cumprir esse acordo à

risca para a recuperação da

credibilidade e da prosperidade

do país?

Portugal ou cumpre à risca, ou

perde a capacidade de se financiar

no exterior, e de pagar salários,

pensões, e honrar compromissos e

encargos, o que seria

verdadeiramente uma tragédia.

Portugal viveu muitos anos

de ficção orçamental.

Mas esse tempo acabou

entrevista 43

Page 44: popcom #01

alguns, poucos, países aparece-

rem e falarem em nome da

Europa, mas sem mandato, ao passo

que representantes institucionais

na Comissão e Concelho europeus,

perdem com isso na capacidade

de afirmação e de actuação. Do

mesmo modo, esperava-se muito

mais do Banco Central Europeu,

na regu-lamentação e na super-

visão das actividades bancárias

nacionais.

Admite a possibilidade de

colapso do Euro e, como

consequência, da própria União

Europeia?

Espero sinceramente que não e o

de custo possível aos nossos

empresários. Mas afectarão

decisivamente importantes sectores

produtivos que ainda temos,

exatamente quando reclamam que

produzamos e exportemos mais. Do

mesmo modo, impedindo os nossos

pesqueiros de pescar nos mares

de Marrocos, afectam-nos, no

que não os prejudica. Acresce o

facto de muitas vezes vemos

Chefes de Estado de

aparecerem e falarem em nome

da Europa, mas sem mandato, ao

passo que representantes ins-

titucionais na Comissão e Concelho

europeus, perdem com isso na

capacidade de afirmação e de

agravar, e o governo implementar,

como previsto, políticas de estímulo

à actividade económica e de criação

de emprego, os jovens poderão

aspirar a um futuro melhor.

Esse futuro será, irreme-

diavelmente, moldado pela

resolução (ou falta dela) que se

encontrar para a crise política e

económica que afecta actual-

mente a União Europeia. Quais os

principais erros que diagnostica

na forma como as instituições

europeias têm agido perante os

problemas que afectam a Europa?

Entre muitos outros, assinalaria as

deficiências da Zona Euro – que não

coordena o essencial das impli-

cações da moeda única, no espaço

dos Estados que a adoptaram –, a

falta de um interesse estratégico

europeu e uma intervenção insu-

ficiente do BCE. Há vários interesses

estratégicos nacionais, muitas vezes

divergentes, mas não há verdadei-

ramente um interesse estratégico

europeu, razão pela qual, quando

aqueles conflituam, prevalecem ne-

cessariamente as posições do centro

e do norte ricos da Europa. Em três

exemplos recentes, as instituições

europeias decidiram abrir o

mercado europeu aos têxteis do

Paquistão, abrir o mercado europeu

aos produtos agrícolas de Marrocos

e impedir o acordo de pescas

existente com este País. Tudo visto,

as duas primeiras decisões abrem

grandes oportunidades para os

países ricos do centro e do norte,

que importarão de fora da União

Europeia o que antes compra-

vam a Portugal, e abaixo do preço

possível aos nossos empresários.

Mas afectarão decisivamente

importantes sectores produtivos

que ainda temos, exatamente

quando reclamam que produzamos

e exportemos mais. Do mesmo

Muitas vezes vemos

Chefes de Estado de alguns países

aparecerem e falarem em nome da Europa,

mas sem mandato, ao passo que representantes

institucionais na Comissão e Conselho

europeus perdem com isso

na capacidade de afirmação

e de actuação

44 entrevista

Page 45: popcom #01

entrevista 45

Page 46: popcom #01

correntes de países ditos

emergentes, que vendendo mais

barato, porque praticam o dumping,

e beneficiam de economias de

Estado, distorcem regras ele-

mentares de um mercado que se

quer saudável, e condenam os

nossos postos de trabalho e

empresas. É isto que está em causa.

O que não posso aceitar é que a um

empresário português se exijam

custos sociais, e bem, porque a

segurança social é um direito básico

dos trabalhadores, custos

ambientais, e bem, porque em causa

está a sustentabilidade do território,

limitações na utilização de matérias

tendam sair do país e recorrer à

mão de obra estrangeira, e o apoio

fiscal ás empresas que optem por

ficar, dando trabalho aos ameri-

canos. O Presidente Obama deu

como exemplo o bloqueio à impor-

tação dos pneus chineses, com

motivo na concorrência desleal. Já

na União Europeia continua a achar-

se normal e justificada a

deslocalização de produções e a

importação de produtos con-

correntes de países ditos

emergentes, que vendendo mais

barato, porque praticam o dumping,

e beneficiam de economias de

Estado, distorcem regras

elementares de um mercado que se

Admite a possibilidade de

colapso do Euro e, como conse-

quência, da própria União

Europeia?

Espero sinceramente que não e o

essencial dos esforços de

austeridade tem que ver com essa

preocupação. Mas isso não significa

a garantia de que países não

venham a ter de abandonar a zona

euro, como abertamente já se

especula acerca da Grécia, em caso

de fracasso dos planos de

ajustamento impostos.

Propôs, há pouco tempo, a

adopção de medidas protec-

cionistas por parte da União

Europeia como resposta ao

desemprego. Não teme que esta

proposta possa ser desfasada dos

princípios de livre comércio que

regem a própria União Europeia e

de uma economia de mercado

plena?

Na verdade não propus o protec-

cionismo de mercado, mas sim

a protecção das boas regras de

mercado. Sou a favor da economia

de mercado. Mercado saudável, que

é o oposto do capitalismo selvagem.

A Europa deve concorrer aberta-

mente com todo o mundo, desde

que as regras sejam as mesmas.

Quando não sejam, tem de se

defender, tal qual a América faz,

sem que tenha qualquer problema.

O governo dos Estados Unidos da

América, país obviamente insus-

peito a propósito das questões de

mercado, acaba de anunciar o

reforço das regras de protecção da

produção nacional, a tributação

reforçada das empresas que pre-

tendam sair do país e recorrer à

mão de obra estrangeira, e o apoio

fiscal ás empresas que optem por

ficar, dando trabalho aos

americanos. O Presidente Obama

deu como exemplo o bloqueio à

46 entrevista

Page 47: popcom #01

de quem fabrica fora da União

Europeia e não cumpre as mesmas

regras, permitindo-se-lhes vender

por cá, abaixo até do preço de custo

possível de praticar pelas nossas

empresas. A abertura do mercado

europeu que referi anteriormente,

aos produtos têxteis e do vestuário

do Paquistão, ou aos produtos

agrícolas e hortícolas produzidos

em Marrocos, são dois bons

exemplos disto mesmo.

Após quase três anos como

eurodeputado, como classifica,

em traços gerais, a experiência

segurança social é um direito básico

dos trabalhadores, custos ambi-

entais, e bem, porque em causa está

a sustentabilidade do território,

limitações na utilização de matérias

primas, e bem, porque em causa

está a saúde dos consumidores, se

proíba o trabalho infantil, e bem,

por se tratarem de princí-

pios básicos civilizacionais, mas

depois se importem rigorosa-

mente os mesmos produtos

de quem fabrica fora da U.E. e

não cumpre as mesmas regras,

permitindo-se-lhes vender por cá,

abaixo até do preço de custo

possível das nossas empresas. A

abertura do mercado europeu que

Após quase três anos como

eurodeputado, como classifica,

em traços gerais, a experiência

que tem vivido? Quais as

principais linhas que tem

adoptado na sua postura de

eurodeputado que representa

Portugal?

Tento todos os dias colocar o meu

mandato ao serviço de Portugal.

Tenho noção de que muitas das

regras que hoje nos obrigam

emanam das instituições

comunitárias e levo ao Parlamento

Europeu, à Comissão Europeia e ao

Conselho Europeu a nossa posição

em relação a muitas delas. Há dias,

por exemplo, apresentei uma

resolução no sentido da reactivação

do Centro Internacional de Negócios

da Madeira, lembrando a existência

de muitos equivalentes noutras

regiões e países da Europa, sendo

que na Madeira poderia voltar a ser

um instrumento decisivo na

captação de capitais, investimentos,

e criação de emprego. Como

exemplos noutras áreas, interpelei

várias vezes o BCE a propósito das

boas regras de supervisão bancária,

e o então Presidente do Eurojust,

Dr. Lopes da Mota, acerca do

funcionamento da justiça em

Portugal. Invisto igualmente muito

do meu esforço na Delegação para o

Mercosul, da qual sou vice-

presidente. Genericamente, estou

também no topo da produção de

trabalho parlamentar, sendo que

muito do que faço, acaba por ser

visível em Portugal, o que releva,

tendo em conta a distância. Por

enquanto, acho que as coisas

correm francamente bem.

Que mensagem deixa aos nossos

leitores?

Que se empenhem numa formação

política de valores, e continuem a

servir na JP e no CDS.

entrevista 47

Page 48: popcom #01

Rafael Borges

uando, em Dezembro de

2010, a Tunísia deu o tiro de

partida para aquele que

seria um 2011 rico em

convulsões políticas e sociais no

Médio Oriente. Não era fácil

imaginar que, por esta altura,

Muammar Gaddafi estivesse morto,

Ali Abdullah Saleh estivesse exilado

nos Estados Unidos e Hosni

Mubarak se achasse preso numa

prisão egípcia, a aguardar aquele

que é, para si, o fim mais provável: a

morte.

Entretanto, na Síria, segue-se o

exemplo líbio. Uma repressão go-

vernamental que é tão sem

precedentes como sem piedade

mata aos milhares, ao mesmo tempo

que, numa desesperada e derradeira

tentativa de garantir a sua

sobrevivência, Bashar Al Assad,

procura apoio entre os seus aliados

mais próximos: Moscovo e Teerão.

Nas ruas há barricadas, nos

hospitais há mortos e feridos, nos

tentativa de garantir a sua

sobrevivência, Bashar Al Assad,

procura apoio entre os seus aliados

mais próximos: Moscovo e Teerão.

Nas ruas há barricadas, nos

hospitais há mortos e feridos, nos

quartéis há uma tensão crescente e

nos centros do poder há um medo

também cada vez maior de que

Bashar não se aguente – ou de que o

exército, o único grande susten-

táculo do Governo, se farte da

carnificina e o deixe desprotegido.

Mas a Síria não é a Líbia, nem

Bashar Al Assad é Gaddafi. Ao

contrário do que sucedeu na Líbia,

onde a guerra civil começou devido

à brutalidade dos defensores do

governo e, especialmente, devido ao

apoio do Ocidente, na Síria a

questão parece ser iminentemente

religiosa. E é por ser, antes de mais,

um problema de sectarismo

religioso que a batalha pela Síria

está a adquirir um protagonismo

cada vez maior. É a geopolítica a

ditar a política e a obrigá-la, mais

uma vez, a ser inconsistente: se,

inicialmente, os Estados Unidos

apoiaram a ditadura da minoria

sunita no Bahrain e o Irão apoiou as

cada vez maior. É a geopolítica a

ditar a política e a obrigá-la, mais

uma vez, a ser inconsistente: se,

inicialmente, os Estados Unidos

apoiaram a ditadura da minoria

sunita no Bahrain e o Irão apoiou as

revoltas contra os regimes pró-

americanos no Médio Oriente, agora

é a vez de ser a República Islâmica a

apoiar uma ditadura de minoria

xiita e a condenar uma rebelião que,

não sendo marcadamente pró-

Ocidente, é contra os interesses de

Teerão. Foi, aliás, tendo isso em

conta que a República Islâmica

enviou 15,000 soldados para a Síria,

de acordo com os serviços de

informações de Tel Aviv.

Uma coisa é certa: pelo menos por

agora, a determinação do eixo

Teerão-Bagdade-Damasco apoiado

Q

Síria e Líbia: da Primavera ao Inverno Árabe

48 internacional

Page 49: popcom #01

internacional 49

Page 50: popcom #01

pompa e circunst}ncia, a “libertaç~o

da Líbia”. Meses após a morte de

Muammar Gaddafi, a situação do

país é desastrosa: de acordo com o

FMI, a Líbia sofreu uma recessão de

60% no ano passado, e ainda não há

sinais de retoma. O poder efectivo,

esse, está nas mãos de milícias isla-

mistas, algumas das quais – como a

que controla, actualmente, a cidade

de Trípoli - ligadas à Al Qaeda.

No entanto, pior que a profunda

instabilidade política e económica,

parece ser aquela que é também a

que mais cresce: a social. Um ano

depois do início da guerra que

levou à queda – e morte – do

regime do Coronel, o povo líbio

começa – diga-se, com toda a

legitimidade – a sentir-se

defraudado. As prisões nunca

estiveram tão cheias como agora,

não há ordem nas ruas, o poder está

na mão de gangs de islamistas

fortemente armados e aquele que

era, com Gaddafi, o país mais rico

do continente africano caminha,

sem que ninguém pareça conseguir

pará-lo, para a miséria. Pior: a

intenção, revelada há dias, dos

líderes tribais da parte oriental do

país – a Cirenaica – de federalizar o

país e autonomizar a região que

produz a maior parte do petróleo

líbio está a causar uma

instabilidade ainda maior. E isso

está a criar um saudosismo e um

reaccionarismo inesperados, uma

vontade de voltar ao regime saído

da revolução Al Fateh com que o

CNT não contava e com que tem,

agora, de lidar.

É, claro, virtualmente impossível

que a desilusão do povo líbio com a

revolução determine o regresso a

uma ditadura secular como foi a de

Gaddafi nos últimos 10 anos.

Porém, a verdade é que é

igualmente improvável que a Líbia

enviou 15,000 soldados para a Síria,

de acordo com os serviços de

informações de Tel Aviv.

Uma coisa é certa: pelo menos por

agora, a determinação do eixo

Teerão-Bagdade-Damasco apoiado

tanto por Moscovo e Pequim como

pelo jogo duplo turco de condenar a

violência do regime turco e

permitir, ao mesmo tempo, um

corredor de armas entre o Irão e a

Síria -, parece estar a dar resultados.

O regime baathista pode estar

enfraquecido, mas está longe de

morto. E, com a iniciativa – e o

tempo -, do seu lado, Damasco

continuará a sua campanha

repressiva. Bashar fará com todo o

país em 2012 o que o seu pai, Hafez

Al Assad, fez com a cidade de Hama

há 30 anos. Como na altura, o

regime luta pela sobrevivência

contra uma rebelião islamista e

sunita. Como na altura, ninguém em

Damasco rece-ará fazer de Homs

um exemplo daquilo que acontece a

quem se opõe ao clã Assad. Até

porque - e Bashar sabe-o bem - não

é provável que os rebeldes mostrem

clemência para com ele se o regime

colapsar: se os revolucionários

vencerem a guerra civil – o que

pressupõe uma intervenção militar

ocidental mais ou menos directa -, o

actual presidente sírio morrerá

quando for capturado ou quando o

condenarem à morte.

Entretanto, permanece na Líbia um

clima de guerra civil que parece

recusar-se a aceitar as palavras de

Mustafa Abdel Jalil, presidente do

Conselho Nacional de Transição

Líbio, quando este anunciou, com

pompa e circunst}ncia, a “libertaç~o

da Líbia”. Meses após a morte de

Muammar Gaddafi, a situação do

país é desastrosa: de acordo com o

FMI, a Líbia sofreu uma recessão de

60% no ano passado, e ainda não há

50 internacional

Page 51: popcom #01

que a desilusão do povo líbio com a

revolução determine o regresso a

uma ditadura secular como foi a de

Gaddafi nos últimos 10 anos.

Porém, a verdade é que é

igualmente improvável que a Líbia

evolua para uma democracia de tipo

ocidental. E, pior, quase impossível

é que, se voltar a haver um estado

líbio coeso, ele corresponda àquilo

que o Ocidente queria para o país.

De facto, independentemente da

natureza do futuro regime do país, o

que parece certo é que a aposta de

Obama e Sarkozy na demo-

cratização líbia terá poucos - ou

nenhuns - resultados. Esteja o

futuro numa ditadura secular ou

numa república islâmica, nenhuma

das hipóteses parece satisfatória. E

o derrotado será, seja qual for o

cenário que se materializar, o

mundo livre. Tough luck, Mr.

Sarkozy.

vadores não teriam o menor

interesse – nem qualquer neces-

sidade – em recuar em algo de que o

regime tem feito ponto de honra.

A estratégia iraniana, essa, não é

difícil de perceber. Ameaçando o

Ocidente com um possível bloqueio

do Estreito de Ormuz (por onde

passa cerca de um terço do petróleo

mundial), Teerão espera obrigar os

Estados Unidos e, principalmente,

Netanyahu, à moderação. E a táctica

de Ahmadinejad parece estar a

sortir efeitos: há muitos anos que as

relações entre Washington e Tel

Aviv não são tão más, e já ninguém

consegue esconder a notória

inimizade entre Obama e

Netanyahu.

De resto, conhecem-se os objectivos

dos vários intervenientes: os

Estados Unidos, também devido às

presidenciais de Novembro deste

ano, querem evitar a todo o custo

uma confrontação entre Israel e a

República Islâmica, o Irão quer

assegurar a continuidade do seu

programa nuclear e Israel quer

precisamente o contrário: impedir o

Irão de a conseguir, mesmo que isso

Com o seu aliado sírio em risco de

colapsar e a pressão ocidental sem

dar sinais de tréguas, a deter-

minação da República Islâmica em

continuar o seu programa nuclear

parece ser cada vez mais difícil de

manter. Mas nem por isso é

expectável que Teerão repense o

seu programa nuclear. Primeiro,

porque as sanções ocidentais têm

como único efeito a diminuição de

qualidade de vida para as popu-

lações – e, portanto, o aumento do

ódio de uma parte significativa da

populaç~o ao “grande sat~” norte-

americano. Segundo, porque com as

legislativas à porta e as presi-

denciais já em 2013, os conser-

vadores não teriam o menor

interesse – nem qualquer neces-

sidade – em recuar em algo de que o

regime tem feito ponto de honra.

A estratégia iraniana, essa, não é

difícil de perceber. Ameaçando o

internacional 51

Page 52: popcom #01

praticamente nulas.

Santorum, cuja base de apoio mais

importante são os cristãos evan-

gélicos, ganhou no Iowa, Colorado,

Minnesota e Missouri e conseguiu

ser o grande desmancha-prazeres

da campanha de Romney na Super

Tuesday, ao alcançar 8 vitórias: 3

delas na Super Tuesday. Mais

recentemente, Santorum venceu

também o caucus do Kansas, onde

obteve uma votação que dificil-

mente poderia ter sido mais

expressiva – 51%, com o segundo

classificado, Romney, a ficar-se

pelos 20%.

Mas essas são más notícias para os

conservadores norte-americanos.

Não é difícil compreender que o

extremismo ideológico de Santorum

torna impossível a sua eleição, ainda

mais tendo em conta o carisma e

força política do candidato

democrata: Barack Obama. E, se o

GOP não compreender isso rapi-

damente, poderá muito bem estar a

deitar toda e qualquer hipótese de

bater o candidato incumbente – e a

oferecer a Obama uma vitória ainda

mais expressiva que a que obteve

Enquanto, em França, Sarkozy

começou agora a luta pela reeleição

contra o socialista François Holla-

nde, nos Estados Unidos, Barack

Obama já faz campanha, com os

olhos pontos nas presidenciais de

Novembro.

De facto, animado por dados

económicos relativamente positivos,

Obama tem razões para respirar – e

sorrir. Afinal, as primárias repu-

blicanas estão cada vez mais ao

rubro, com Romney que era, até

agora, o frontrunner, a ser ultrapas-

sado nas últimas sondagens pelo

ultraconservador Rick Santorum,

cujas possibilidades de eleição são

praticamente nulas.

Santorum, cuja base de apoio mais

importante são os cristãos

evangélicos, ganhou no Iowa,

Colorado, Minnesota e Missouri e

conseguiu ser o grande desmancha-

uma confrontação entre Israel e a

República Islâmica, o Irão quer

assegurar a continuidade do seu

programa nuclear e Israel quer

precisamente o contrário: impedir o

Irão de a conseguir, mesmo que isso

implique uma guerra. Interessante,

porém, é pensar que, apesar de

tudo, a posição mais fácil de manter

é a de Teerão.

Com efeito, a verdade é que

Ahmadinejad não tem muito a

perder se a intervenção militar

ocidental se confirmar. É por isso

que a mobilização de militares

americanos em Socotorá, no Iémen

(algo que parece ter sido a condição

imposta por Washington para

aceitar o exílio de Saleh no seu

território) e o envio, para águas do

Golfo Pérsico, de 3 porta-aviões

americanos e vários outros navios

de guerra britânicos e franceses não

parece estar a meter grande medo

aos estrategistas iranianos. Aliás,

tendo em conta que o máximo

que pode acontecer ao regime

é ter de reconstruir algumas das

centrais de enriquecimento de

urânio que já possui, o prémio

que viria com o ataque israelita, ou

seja, o respeito e admiração do

mundo muçulmano e a união do

povo iraniano – povo esse que já

mostrou não estar unanimemente

ao lado do regime -, seria mais

que suficiente para fazer de

uma intervenção ocidental algo

muitíssimo bem-vindo. Ou seja,

também aqui o Ocidente não

pode ganhar. Pode, na melhor

das hipóteses, escolher a forma

de perder.

52 internacional

Page 53: popcom #01

GOP não compreender isso rapi-

damente, poderá muito bem estar a

deitar toda e qualquer hipótese de

bater o candidato incumbente – e a

oferecer a Obama uma vitória ainda

mais expressiva que a que obteve

em 2008.

Ao mesmo tempo, Gingrich, que

parecia ter tudo para ser a

alternativa conservadora ao

moderado Romney afunda nas

sondagens: já está em terceiro, algo

que a recente vitória na Geórgia, o

seu home state, dificilmente

resolverá. E o libertário Ron Paul

espera reconquistar o seu

momentum após ter ficado em

segundo no Maine e na Virgínia, mas

cada vez com menos esperanças de

conseguir a nomeação. Com as

doações a cair e sem subir nas

sondagens, a campanha de Paul tem

cada vez mais motivos para ficar

seriamente preocupada. Isso, diga-

se, apesar da bem conhecida

intenção de Paul de, com ou sem

bons resultados, ir até ao fim para

chegar à Convenção Republicana

com tantos delegados quanto

possível e fazer o GOP virar (ainda

No entanto, ainda está tudo em

aberto em França, e há uma série

de variáveis que podem atirar

Sarkozy ou para trás de Marine

Le Pen ou para a vitória na

segunda volta das presidenciais. O

futuro do actual presidente francês

no Eliseu depende, assim,

principalmente da evolução da

situação económica francesa e da

crise da Zona Euro. Não admira,

portanto, que essa pareça ser, de

momento, a única grande

preocupação do presidente e do

seu partido, a UMP. Até porque, se

as eleições de 2002, em que a

segunda volta foi entre o RPR

(actual UMP) e a FN foram

desastrosas para o PS, umas

presidenciais entre o PS e a FN

seriam igualmente catastróficas

para o UMP. E Sarkozy não deixará

esse cenário concretizar-se sem

dar luta. Muita luta.

se, apesar da bem conhecida

intenção de Paul de, com ou sem

bons resultados, ir até ao fim para

chegar à Convenção Republicana

com tantos delegados quanto

possível e fazer o GOP virar (ainda

mais) à Direita.

Entretanto, se parece provável a

reeleição de Obama em Novembro,

uma nova vitória de Nicolas Sarkozy

em Maio é bem menos plausível.

Primeiro, porque não é certo

que Sarkozy consiga bater Marine

Le Pen, candidata da Frente

Nacional, e consiga chegar

à segunda volta. Segundo porque

uma vitória de Sarkozy contra

François Hollande, o candidato do

PS, parece quase impossível:

nas sondagens, o actual presidente

consegue, contra o candidato

socialista, um mero 40%. Hollande,

por outro lado, venceria com um

expressivo 60%.

No entanto, ainda está tudo em

aberto em França, e há uma série de

variáveis que podem atirar Sarkozy

ou para trás de Marine Le Pen ou

para a vitória na segunda volta das

presidenciais. O futuro do actual

internacional 53

Page 54: popcom #01

suportes virgens de CD e DVD, nas fotocópias e nalguns

aparelhos. O projecto da deputada Gabriela Canavilhas

vem alargar essas taxas a discos rígidos, aparelhos de

MP3, telemóveis e até pens de memória. E aqui parece

que se tocou num nervo sensível dos utilizadores.

O projecto está montado de forma a prever taxas por

capacidade destes aparelhos para pagar a uma entidade

gestora de direitos colectiva (neste momento a cópia

privada é gerida pela AGECOP) valores que não sabemos

quanto totalizam para compensar um prejuízo que

desconhecemos. E devia começar a discussão por aí.

Porque o Parlamento não pode decidir, do pé para a

mão, a criação dum imposto – é disso que se trata –

sobre certos meios digitais, sem avaliar qual o prejuízo

para os detentores de direitos de autor e sem avaliar

qual a melhor forma de fazer pagar quem efectivamente

causa esse prejuízo.

E a discussão enquina aqui: qual é o prejuízo por haver

cópias privadas legalizadas em Portugal? É muito difícil

senão impossível avaliar. Uma coisa parece-nos certa: os

utilizadores que copiam para seu uso pessoal fazem-no

porque os meios tradicionais de suporte (CDs, DVDs,

livros, etc.) são pouco flexíveis para a maioria das

utilizações (no carro, no metro, no desporto, etc.).

Assim, podemos concluir que na verdade é do interesse

do detentor do direito de autor que haja o direito à

cópia privada pois a utilização multifacetada que o facto

de copiar abre ao utilizador é indutora de compra do

produto. Ou vejamos por outro ângulo: se ao utilizador

fosse vedada a possibilidade de copiar para seu uso

pessoal as obras protegidas que adquire legalmente, o

valor destas obras para o utilizador baixaria (porque

não as poderia usar de forma tão versátil).

Consequentemente o utilizador estaria disponível para

gastar menos do que aquilo que gasta. Os primeiros

prejudicados seriam afinal os detentores de direitos.

Aliás, implicitamente isto parece ser aceite pelos

defensores da proposta do PS que não admitem, ainda

que por razões diversas, a proibição da cópia privada.

E mesmo entre os defensores da proposta (que são,

claro, as entidades colectivas que representam os

detentores de direito e portanto quem recebe os valores

embro-me de, há alguns anos, ter ouvido falar da

introdução de taxas sobre CDS e DVD virgem

para pagar a artistas, editoras, produtoras, etc,

que pela utilização desses suportes fossem

prejudicados. Foi algo falado aqui e ali, mas introduzido

no nosso ordenamento jurídico e fiscal sem grandes

ondas. Nunca mais tinha pensado nisso, mas a questão

da cópia privada voltou e desta vez acompanhada duma

onda de críticas. E ainda bem.

Como muitas questões do presente político, esta nasce

em Bruxelas. Podemos gostar mais ou menos da

construção europeia, mas é insofismável que Bruxelas é

um ponto de origem de regulamentações de que cá

nunca nos lembraríamos. Mas este texto não é sobre

Bruxelas. Facto é que duma directiva nasceu a obrigação

dos estados tomarem uma de duas posições quanto às

cópias privadas. Ou as proibiam, ou tinham de garantir

uma justa e equitativa compensação dos detentores de

direitos de autor pela sua permissão.

Falamos de cópia privada como a cópia - legal! - de

obras protegidas por direitos de autor. Os especialistas

chamam-lhe uma excepção ao código de direitos de

autor, excepção que é dada aos utilizadores de obras

protegidas no sentido destas poderem ser copiadas para

o uso individual. É algo que para a nossa geração é

muito comum: copiar um CD para o ouvir no

computador ou no carro é comum. Mas de facto há

países que proíbem as cópias, mesmo as privadas, de

todas as cópias. Nos que autorizam, diz a Comissão

Europeia, tem de haver um pagamento da tal

"compensação". E é o que já se faz em Portugal nos

suportes virgens de CD e DVD, nas fotocópias e nalguns

aparelhos. O projecto da deputada Gabriela Canavilhas

vem alargar essas taxas a discos rígidos, aparelhos de

MP3, telemóveis e até pens de memória. E aqui parece

Michael Seufert

O projecto 118

L

54 opinião

Page 55: popcom #01

que por razões diversas, a proibição da cópia

privada.

E mesmo entre os defensores da proposta (que

são, claro, as entidades colectivas que

representam os detentores de direito e portanto

quem recebe os valores das taxas) identificamos

interesses cruzados. Repare-se que mesmo se

não admitirmos o argumento de que o direito à

cópia privada gera valor acrescentado, podemos

perceber que quem edita e vende discos de

música seria fortemente prejudicado pela

proibição da cópia privada. E é fácil de concluir

isso porque hoje em dia os utilizadores têm, via

lojas online como a iTunes Store,p.ex., acesso a

obras de música que já vêm licenciadas para

múltiplas cópias. Ora se nos proibissem de copiar

a partir dum CD (em rigor nem é possível proibir,

“apenas” se ilegalizaria a cópia) as músicas para

o computador, nós deixávamos de comprar o CD

e comprávamos directamente a música online já

com a possibilidade de a copiarmos conforme as

condições da loja. Quem facturava menos? Quem

edita e vende discos.

A proposta do Partido Socialista é má por muitas

mais razões. De relance se refira o autêntico

regime de IVA paralelo que todos os que

intervêm na cadeia de valor dos objectos a taxar

teriam de implementar. Ou os custos para o

próprio estado na compra de material

informático e como isso contradiz tudo o que o

Partido Socialista do Magalhães e do Plano

Tecnológico no passado defendia. Mas se

tivéssemos de escolher uma razão para rejeitar

esta proposta, escolheríamos aquela que neste

texto desenvolvemos: é que os primeiros

beneficiados pela legalidade da cópia privada são

os próprios detentores de direito e que seria algo

perverso pagar-lhes ainda por cima disso.

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