PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Sarkis Braz… · BRAZ, M. S. (2013)...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Mariana Sarkis Braz
Prevenção de luto complicado em cuidados paliativos:
percepções dos profissionais de saúde acerca de suas contribuições nesse processo
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2013
Mariana Sarkis Braz
Prevenção de luto complicado em cuidados paliativos:
percepções dos profissionais de saúde acerca de suas contribuições nesse processo
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Psicologia Clínica,
sob a orientação da Profª. Dra. Maria Helena
Pereira Franco.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
A concretização deste trabalho me alegra e me faz pensar não apenas nas pessoas que
compartilharam comigo este período, mas também naquelas que fizeram parte da minha
formação acadêmica, profissional e pessoal.
Agradeço principalmente:
À querida professora Maria Helena, pela confiança, incentivo, paciência e apoio. Por
compartilhar comigo seu saber admirável e me fazer sempre refletir sobre como fazer melhor
a minha psicologia. A realização deste trabalho certamente é um divisor de águas em termos
de conhecimento e amadurecimento. A nossa primeira entrevista e o seu “bem-vinda” é uma
lembrança que sempre me emociona.
Aos meus pais, Nadia e Sergio, eternos incentivadores do meu desenvolvimento pessoal e
profissional, sempre prontos para me ajudar e sempre por perto. A certeza de poder contar
com vocês a qualquer momento me transmite a certeza de que tudo é possível. Sergio,
obrigada por acreditar em mim, me amar, me respeitar nos meus desejos. Mãe, obrigada pelo
seu amor incondicional e irracional, pela compreensão e respeito pelo meu trabalho e escolha
do que quero fazer. Sei que você gostaria que eu trabalhasse com coisas mais fáceis, mas
também sei o quanto você me admira por isso.
Aos meus irmãos, Marcus e Fernanda, que são meus companheiros nesta vida. Obrigada pela
escuta generosa, trocas, amor e por acreditarem em mim. Marcus, irmão gêmeo, irmão de
alma. Fernanda, sempre protetora, carinhosa e preocupada. Ao meu cunhado Fabio, sempre
interessado nos meus projetos. Aos meus amores Julia e Manuela, que me proporcionam
momentos de pura alegria e ternura. Esses com certeza são os melhores momentos.
Aos meus tios, Lilian, Sandra, Álvaro e Nelson, mães e pais que a vida me deu e que sempre
participaram da minha formação e educação. Amo muito vocês. Aos meus primos e
priminhos, que sempre estão comigo e são como irmãos. Sempre muito bom compartilhar e
perpetuar com vocês os valores da nossa família.
Às queridas Wilma e Jacira, pelos cuidados, comidinhas gostosas e pela torcida.
Às amigas de infância, Luciana, Stefanie, Caroline e Flávia, pela amizade de mais de vinte
anos que não me faz esquecer quem eu sou e de onde eu vim.
Aos meus queridos e amados amigos baianos, que vivenciaram comigo esse período de
estudos. A energia de vocês que contagia e me faz querer sempre estar com vocês e me
considerar tão baiana quanto.
Aos meus colegas de faculdade, Andrea, Camila, Tatiane, Gabriela, Bruno, Joana, Margarete,
Gisela, Rosa e Ana Claudia, que iniciaram comigo essa empreitada de ser psicólogo e que me
fizeram viver bons e inesquecíveis momentos.
Aos meus amigos queridos da PUC-SP, Francisco, Rosane, Marta, Lenia, Deria, que
dividiram comigo esse período e fizeram deste mestrado um momento gostoso e motivador.
Às queridas colegas de profissão e amigas da Santa Casa de São Paulo, Rafaela, Nathalia,
Ana, Mariana, por sempre vibrarem com as minhas conquistas.
À Gleice Luz e ao Núcleo Assistencial para Pessoas com Câncer, pela primeira oportunidade
de ter contato direto com pacientes e essência do meu trabalho.
À Maria do Carmo, Fernanda, Suzy, Paty, Luane, Luciana, que no Hospital Aristides Maltez
me proporcionaram momentos ricos de conhecimento e vivência. Obrigada por confiarem no
meu trabalho e pelo incentivo até os dias de hoje. Me orgulho de poder ter sido estagiária
desse Serviço de Psicologia que não forma apenas profissionais, mas pessoas. Às minhas
grandes amigas de estágio, Aline, Fanny, Kátia e Taiana, que compartilharam comigo esse
início de crescimento profissional.
A Alexandre Amaral e Nina Vasconcelos, queridos mestres e eternas vozes internalizadas.
Obrigada pelo aprendizado, entrega de vocês como professores e pessoas humanas e pelo
movimento que vocês deram na minha vida. Tenho muitas saudades do Instituto Humanitas e
me sinto lisonjeada de ter sido aluna de vocês. Aos queridos colegas de formação, Isa, Priscila
e Anderson, pelos momentos de troca, desabafo e cumplicidade.
Ao Dr. Alze, pela oportunidade de estar trabalhando na equipe de cuidados paliativos do
Hospital Paulistano. Obrigada pelas trocas, aprendizado, confiança, incentivo e pela vivência
de momentos singulares.
Aos meus anjos da guarda na minha retomada em São Paulo: Sandra Mazutti, também pela
oportunidade do trabalho, por nunca ter esquecido de mim. Por plantar em mim, junto com o
Dr. Alze, a sementinha dos cuidados paliativos. Obrigada pela coordenadora generosa e
compreensiva que você é. Pela amiga querida e de todas as horas e pela pessoa humilde e
sábia que você é. Marcela Kitayama, supervisora, hoje querida amiga. Obrigada por acreditar
em mim mais do que eu mesma muitas vezes, pela escuta tranquila e pelo incentivo.
À Veronica Montanher e Flávia Campos, que compartilham comigo o dia a dia do trabalho.
Obrigada pela escuta, torcida e apoio.
À Ana Maria Magalhães, a quem admiro e me ensina a cada dia, pelo contágio de seu
entusiasmo, confiança e torcida.
À minha querida equipe de cuidados paliativos, que me dá certeza de que o fazer cuidados
paliativos é possível e gratificante. Carolina Paparelli, que no seu fazer enfermagem me
emociona com o trabalho que vai além da técnica. À Dra. Carolina, Dra. Silvia, Dr. Marcel,
Dra. Karen, por dividirem seus conhecimentos e acreditarem no meu trabalho. Tenho muito
orgulho de trabalhar com vocês e perceber o quanto sou privilegiada por conviver com
médicos humanos e responsivos. À Fernanda e Gabriela, assistentes sociais, pelos momentos
de troca e apoio. Tenho certeza de que muito do prazer que hoje sinto na minha profissão vem
por viver com vocês momentos únicos, emocionantes e que sempre nos ensinam.
A Dra. Daniele, Dr. José Fernando, Dra. Erika, Dra. Simone, Dra. Cidália e Fernanda
Marchezini, pelas conversas enriquecedoras, pela confiança, pelo incentivo e apoio.
Ao Dr. Daniel Forte, por nutrir a minha biblioteca virtual e pelo apoio.
Às professoras Mathilde Neder e Maria Julia Kovács, pela leitura cuidadosa e pelas
contribuições que me fizeram refletir e aperfeiçoar este trabalho. Nem nos meus melhores
pensamentos poderia pensar em uma banca examinadora com pessoas tão qualificadas e
admiradas.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo incentivo
através da bolsa de estudos concedida.
Agradeço aos participantes desta pesquisa. Sem eles essa construção não seria possível e nem
tão especial quanto foi. Obrigada pela entrega, confiança, disponibilidade e por me
confirmarem que a atuação em cuidados paliativos é possível e por compartilharem comigo da
sensação gratificante que é poder trabalhar nessa área.
BRAZ, M. S. (2013) TÍTULO. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
RESUMO
Os cuidados paliativos buscam qualidade de vida baseada principalmente na prevenção e no
alívio do sofrimento de pacientes que possuem doenças ameaçadoras de vida, englobando as
esferas de ordem física, psicossocial e espiritual. Além disso, estende-se ao pós-morte do
paciente, oferecendo suporte e apoio à família no processo de luto. O tema proporciona
discussões acerca de educação para morte e processo de morrer para os profissionais de saúde,
que têm uma formação em sua maioria voltada para a valorização do saber técnico em
detrimento de uma formação humanista, o que afasta o tema da morte como foco de
aprendizado. Esta pesquisa qualitativa teve como objetivo compreender e analisar a formação
dos profissionais em relação ao processo de morrer do paciente e as percepções daqueles em
relação às suas contribuições para a prevenção de luto complicado da unidade de cuidado. A
Teoria do Apego fundamentou teoricamente esta pesquisa, oferecendo respaldo para a análise.
Participaram voluntariamente desta pesquisa profissionais de saúde, que integram
formalmente equipes de cuidados paliativos. Foi utilizado um questionário auto-aplicativo
para obtenção de dados acadêmicos, profissionais e de cursos realizados e uma entrevista
semiestruturada, que permitiu compreender os seguintes tópicos: a escolha de trabalhar em
cuidados paliativos; as estratégias utilizadas (para si mesmo e para com a unidade de cuidado)
no dia a dia para lidar com a questão do processo de morrer e a percepção sobre a sua
contribuição para a prevenção de um luto complicado de paciente e família. Os resultados
confirmaram que a formação dos profissionais em relação ao processo de morrer é escassa.
Ademais, observou-se que os profissionais de saúde que trabalham em cuidados paliativos
possuem comportamentos de apego, os quais são identificados como naturais nesse contexto,
o que acaba por dificultar a percepção de que são importantes contribuições para a prevenção
de luto complicado da unidade de cuidado.
PALAVRAS-CHAVE: Cuidados paliativos. Unidade de cuidado. Luto complicado.
Profissionais de saúde.
BRAZ, M. S. (2013) TÍTULO. Dissertation (Master of Clinical Psychology Degree).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
ABSTRACT
Palliative care seek quality of life based primarily on prevention and relief of suffering of
patients who have life threatening diseases, encompassing the areas of physical, psychosocial
and spiritual. Furthermore, extending the post-mortem patient, it offers support the family
support in the grieving process. The theme provides discussions of education for death and
dying process for health care professionals who are educated mostly geared towards the
enhancement of technical knowledge at the expense of a humanist education, which removes
the theme of death as the focus of learning. This qualitative study aimed to understand and
analyze the training of professionals in relation to dying patient and their perception regarding
their contributions to the prevention of complicated grief care unit. The Attachment Theory
grounded this research theoretically, providing support for the analysis. Health professionals
who integrate palliative care teams voluntarily participated in this research . A questionnaire
was used to obtain academic and professional data, besides courses taken. A semi-structured
interview allowed us to understand the following topics: the choice of working in palliative
care, the strategies used (by oneself and by the care unit) on a daily basis to deal with the
issue of the dying process and the perception of its contribution to the prevention of
complicated grief of patient and family. The results confirmed that the training of
professionals in relation to the dying process is scarce. Moreover, it was observed that health
professionals working in palliative care have attachment behaviors, identified as natural in
this context, and that ends up to make it harder to realize that those are important
contributions to prevent grief from becoming complicated in the care unit.
KEYWORDS: Palliative care. Care unit. Complicated grief. Health care professionals.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Fatores de proteção que podem auxiliar na prevenção do luto
complicado............................................................................................................................ 37
Tabela 2 Fatores de risco que podem ser complicadores e contribuir para o
desenvolvimento do luto complicado................................................................................... 38
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DELEtCC – Disseminating End-of-Life Education to Cancer Centers
DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
ENNEC – End-of-life Nursing Education Consortium
EPEC – The Education for Physicians on End-of-life Care
LELu – Laboratório de Estudos sobre o Luto
LEM – Laboratório de Estudos sobre a Morte
ONG – Organização não governamental
PCR – Parada cardiorrespiratória
PS – Pronto-socorro
PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
WHO - World Health Organization
]
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 14
1 OBJETIVO GERAL...................................................................................................... 16
1.1 Objetivos específicos............................................................................................ 16
2 CUIDADOS PALIATIVOS.............................................................................................. 17
2.1 Cuidados paliativos e Bioética: implicações na tomada de decisão..................... 20
2.2 Cuidados paliativos e comunicação...................................................................... 25
2.3 Decisão compartilhada e a teoria do apego........................................................... 30
3 O PROCESSO DE LUTO E SUAS IMPLICAÇÕES.................................................... 33
3.1 O fenômeno do processo de luto e suas dimensões.............................................. 34
3.2 Luto normal e luto complicado............................................................................. 35
3.3 Depressão, luto e luto complicado: semelhanças e diferenças............................. 40
3.4 A construção social da patologização da experiência do luto.............................. 42
3.5 Novas vertentes para o luto em relação a sua vivência......................................... 43
4 FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM RELAÇÃO AO
PROCESSO DE MORRER E DE MORTE....................................................................... 45
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................................... 50
5.1 Participantes.......................................................................................................... 50
5.2 Estratégias para obtenção de respostas dos participantes..................................... 51
5.3 Estratégias para compreensão das respostas dos participantes............................. 51
6 PROCEDIMENTOS ÉTICOS DA PESQUISA............................................................. 53
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................... 54
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 80
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 82
APÊNDICE A – DADOS ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS 89
APÊNDICE B – ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 90
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 91
14
INTRODUÇÃO
A autora deste estudo é uma “soteropaulistana”, formou-se em Psicologia em 2009,
trabalha na área hospitalar desde 2007, teve a oportunidade de ter grandes mestres e soube
aproveitar as oportunidades. Nunca teve o sonho de ser psicóloga, mas assim como em todas
as suas vivências, co-construiu consigo e com o mundo a sua volta – leia-se pessoas, relações,
teorias e instituições – a dedicação e o amor pelo trabalho que faz.
Com formação em terapia familiar sistêmica, obteve a base e o entendimento de que
não existe o certo ou o errado, mas aquilo que funciona para cada indivíduo. Diante disso,
acredita em uma co-construção que ocorre a cada momento, com cada paciente, familiar ou
colega de equipe. Uma co-construção que permite reflexões sobre postura e comportamento
ético, profissional e pessoal.
Atualmente, trabalha em uma equipe de cuidados paliativos de um hospital particular
de São Paulo. Essa equipe é que a faz crer que é possível proporcionar e desenvolver uma
base segura para a unidade de cuidado e para os próprios membros que a compõe.
Rotineiramente são realizadas conferências familiares e são discutidos, em situações de
bastante emoção, objetivos de tratamento. Essa vivência e o cuidado que se tem para
conversar com os envolvidos sobre isso revela o quanto os comportamentos dos profissionais
podem contribuir para a prevenção do luto complicado – fato esse que pode ser confirmado
com as famílias nos atendimentos pós-óbito.
Esta pesquisa é resultado, principalmente, de experiências nas quais a autora teve de
ser assertiva, e às vezes nem tanto, para pontuar a importância de conversar com o paciente e
sua família sobre o tratamento instituído, e não apenas fazê-lo porque enquanto técnicos a
equipe entende o que é melhor. É preciso entender que em saúde trabalha-se com pessoas e
relações nutridas de significados. A autora acredita que quando o paciente e sua família
aceitam de coração o que está acontecendo, por meio de uma comunicação efetiva e afetiva,
de disponibilidade e paciência, o processo de luto conta com fatores protetores que podem ser
preventivos para o luto complicado.
O despreparo dos profissionais de saúde e as dificuldades pessoais diante da morte e
do processo de morrer retiram o direito do paciente e da família de expressar nesse momento
pensamentos, sentimentos, preferências, pendências que, por sua vez, estão diretamente
relacionados com o processo de luto (seja ele antecipatório ou pós-óbito do paciente). Sabe-se
que a educação para morte direcionada aos profissionais de saúde e, no caso, aos membros de
equipes multidisciplinares de cuidados paliativos, ocorre raramente. Dessa forma, é relevante
15
e importante ter um olhar crítico em relação à formação desses profissionais, a fim de que
possam estar mais bem preparados para vivenciar e lidar todos os dias com o final de um
ciclo. Isso pode contribuir para uma melhor assistência ao paciente e à sua família no
processo de morrer, corroborando para a prevenção de lutos complicados.
Para fundamentar essa ideia, este estudo pauta-se nos estudos de Kovács (2003), que
fez uma revisão crítica sobre a formação dos profissionais de saúde (e ausência da preparação
para o processo de morte) e um levantamento detalhado sobre cursos que abordam o tema da
morte e do morrer, bem como na definição de cuidados paliativos desenvolvido pela World
Health Organization , contextualizando-a e associando-a aos argumentos de Saunders (1991),
representante principal do movimento hospice. Além disso, são utilizados os escritos de
Bowlby (1989, 1990) a respeito da teoria do apego, o modelo do processo dual de
enfrentamento do luto desenvolvido por Stroebe e Schut (1999), a concepção do luto como
um processo de construção de significado (GILLIES; NEIMEYER, 2006) e a questão da
manutenção de vínculos contínuos saudáveis (KLASS; WALTER, 2001).
16
1 OBJETIVO GERAL
O presente estudo pretende:
Compreender e analisar a formação dos profissionais que integram equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos acerca do processo de morrer do
paciente;
Compreender as percepções dos profissionais de saúde acerca de suas
contribuições para prevenção de luto complicado da unidade de cuidado.
1.1 Objetivos específicos
1. Investigar e analisar a formação dos profissionais de equipes multidisciplinares de
cuidados paliativos em relação aos processos de morrer e de luto;
2. Compreender e analisar a percepção que os profissionais de equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos possuem em relação à necessidade de
oferecer suporte e assistência à unidade de cuidado no processo de morrer do
paciente;
3. Identificar e analisar as estratégias utilizadas pelos profissionais de equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos em relação ao processo de morrer do
paciente;
4. Compreender e analisar a percepção que os profissionais de equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos possuem em relação à influência de sua
formação no processo de morrer do paciente e no luto de sua família.
17
2 CUIDADOS PALIATIVOS
Os cuidados paliativos tiveram origem no movimento hospice. A palavra hospice foi
usada em um primeiro momento para denominar os locais que abrigavam peregrinos e
viajantes, com o objetivo de lhes proporcionar conforto e cuidados. O Hospício do Porto de
Roma é considerado o hospice mais antigo (século V), onde Fabíola, que era discípula de São
Jerônimo, prestava cuidados a viajantes da Ásia, África e do Leste (CORTES, 1998). Tal
movimento tem como representante principal Cicely Saunders que fundou o St. Christopher´s
Hospice, em Londres, em 1967. A ideia de proporcionar cuidado e conforto é a base dos
cuidados paliativos, o qual estabelece uma nova forma de cuidar, baseando-se em dois
elementos fundamentais: o controle efetivo da dor e de outros sintomas decorrentes de
tratamentos de doenças em fase avançada e o cuidado que vai além da esfera física,
estendendo-se para dimensões psicológicas, sociais e espirituais do paciente e família
(MELO; CAPONERO, 2009). Tal linha de pensamento traduz o conceito de dor total,
formulado por Saunders em 1967, o qual acarreta um cuidar integral, que abrange as
dimensões citadas, assim como aspectos mentais e financeiros do paciente e da família
(SAUNDERS, 1991). Esse conceito vai determinar e dar o tom ao tratamento paliativo,
fornecendo um olhar não para o doente, mas para a pessoa, que tem uma história, uma
família, um trabalho, pontos de vista e significados de realidade, espiritualidade, desejos e
vontades, que devem ser respeitados, ideia essa que converge com o movimento da
humanização hospitalar. Dentre os objetivos dos cuidados paliativos, os cuidados com os
aspectos psicossociais apresentam-se como uma forma de minimizar a vulnerabilidade deste
momento, oferecendo suporte ao paciente, à família e à equipe, o que acaba por incentivar a
conexão entre os elementos dessa tríade para objetivos comuns e criação de significados
diante da situação atual (LOSCALZO, 2008). Por conseguinte, nos cuidados paliativos a
assistência é destinada ao paciente e à família, configurando-se como uma unidade de
cuidado.
A World Health Organization (WHO) (2004), em 2000, definiu os cuidados paliativos
enfocando uma qualidade de vida baseada principalmente na prevenção e no alívio do
sofrimento de pacientes que têm doenças ameaçadoras da vida, englobando as esferas de
ordem física, psicossocial e espiritual. Logo, os pressupostos que vão nortear essa dinâmica
afirmam a vida e encaram a morte como um processo natural. Sustentam não adiar nem
prolongar a morte, prover o alívio da dor e de outros sintomas, cuidando de forma integral do
indivíduo, oferecendo suporte para que os pacientes possam viver da forma mais ativa
18
possível e auxiliando cuidadores e família no processo de luto (SAUNDERS, 1991).
Sustentam o olhar para trás e observar, perceber, sentir aquilo que se construiu e o que não
pôde ser realizado. Proporciona o ressignificar de visões de vida, mundo e relações. A
apresentação dessa definição traz consigo não mais o objetivo de aceitar a morte, mas de
compreender o processo de morrer como o final de um ciclo. Assim, esses pressupostos que
vão nortear essa dinâmica afirmam a vida e encaram a morte como um processo natural.
Na década de 1990, a medicina experimentava o boom do avanço tecnológico
(máquinas de ventilação mecânica mais modernas, equipamentos de exames mais precisos,
novas medicações e drogas vasoativas) que propiciou diagnósticos precoces e,
principalmente, medidas de suporte de vida avançadas capazes de aumentar a sobrevida dos
pacientes. Esse contexto acabou por fomentar ainda mais nas equipes médicas o desejo de
cura dos pacientes, muitas vezes já fora das possibilidades terapêuticas curativas, mas ainda
assim submetidos a medidas invasivas de suporte de vida. Nesse sentindo, podemos nos
questionar sobre quem estava (e está) a serviço de quem: a tecnologia a serviço da medicina
ou a medicina a serviço da tecnologia? O que se observa muitas vezes é a segunda opção, pois
o médico confunde a possibilidade de agir, proveniente da técnica, com o dever de agir,
contextualizado por um sistema de valores que justificam todo um processo (FLORIANI;
SCHRAMM, 2008).
Logo, os cuidados paliativos eram a última escolha, instalados como conduta depois
de inúmeras tentativas de cura e prolongamento da vida, utilizados somente quando o paciente
estava na fase final da vida – os verbos estão no passado, porém esse ainda é um pensamento
presente e compartilhado por médicos e instituições, o que demonstra a inadequada utilização
desse tipo de tratamento visto ao que ele se propõe nos dias atuais. Tal inadequação, contudo,
muitas vezes é confirmada no exercício da prática diária, em que as equipes de cuidados
paliativos são solicitadas para avaliar e acompanhar o paciente já em fase final de vida. É
frequente e errôneo o pensamento de que cuidados paliativos são destinados apenas àqueles
pacientes em fase de terminalidade. Desmistificar essa ideia é obrigação dos profissionais da
área de saúde, de forma a não restringir os cuidados paliativos ao momento da morte, uma vez
que não atuam apenas na instalação dos sintomas estressantes e desconfortos, mas
principalmente na prevenção de tais eventos. Essa é uma possibilidade de agir na educação da
sociedade profissional e leiga.
Com base na definição da WHO para cuidados paliativos (2004), focados no alívio e
na prevenção de dor para uma boa qualidade de vida para o paciente e sua família, observa-se
que esses se fazem necessários logo na detecção da doença, juntamente com o tratamento
19
curativo (modificador da doença), e não apenas no final de vida (MELO; CAPONERO, 2009;
LANKEN et al., 2007). Dessa forma, desde o início do tratamento curativo, o paciente e sua
família passam a ter contato com a equipe de cuidados paliativos e à medida que a doença
crônica progressiva evolui e o tratamento curativo perde sua eficácia em controlá-la ou
modificá-la, os cuidados paliativos se tornam mais necessários, até figurarem como
exclusivos em virtude do quadro de incurabilidade (MACIEL, 2008; LANKEN et al., 2007).
Esse funcionamento propicia a construção de um vínculo de confiança entre a tríade paciente-
família-equipe, o que facilita e contribui para a articulação e o desenvolvimento de planos
estratégicos de assistência integral e contínua. Além disso, tal funcionamento causa um menor
sentimento de ruptura para o paciente e sua família quando passa do tratamento curativo
apenas para o paliativo, auxiliando na aceitação dessa nova conduta:
Para os pacientes, os membros da família e o time de cuidadores da saúde, a
Medicina de cuidados paliativos com sua perspectiva da pessoa como um todo é fio
de conexão altamente necessário de um sistema de cuidados da saúde altamente
técnico e fragmentado (LOSCALZO, 2008, p. 482, tradução da autora).
Vale ressaltar que esse modelo de funcionamento de cuidados paliativos não termina
com a morte do paciente. Ele se estende ao pós-morte, oferecendo suporte e apoio à família
no processo de luto (WHO, 2004; LANKEN et al., 2007), o qual corresponde a uma resposta
decorrente do rompimento de um vínculo (FRANCO, 2004).
Por conseguinte, a autora do presente estudo pontua que a forma como foi descrito
acima o funcionamento dos cuidados paliativos tem um caráter didático. No dia a dia,
observa-se que isso não é possível em razão de questões econômicas e da escassez de mão de
obra especializada, o que impede que uma equipe de cuidados paliativos acompanhe todos os
pacientes com doença crônica progressiva, ameaçadora e limitante da vida. Ocorre que a
equipe de cuidados paliativos entra no cenário quando já não há uma proposta de modificação
ou estabilização da doença, ou seja, quando o tratamento será conduzido em uma linha de um
cuidado paliativo mais exclusivo, no sentido de priorização de medidas de conforto. Nessa
perspectiva, serão discutidos e recomendados pela equipe objetivos de tratamento que visem o
conforto e as limitações terapêuticas para o paciente. A autora não ignora que, a depender de
contexto e da instituição, as limitações terapêuticas também podem ocorrer por causa da falta
de recursos, materiais, entre outros aspectos. Esta pesquisa, mais especificamente, trata de
discussões de cuidados paliativos e limitações terapêuticas elucidando o caráter fútil ou de
baixo ou nenhum resultado que determinadas condutas podem ter frente aos objetivos
propostos, como será discutido mais adiante.
20
Além disso, o exercício da prática mostra que os limiares entre um tratamento curativo
e um tratamento exclusivamente paliativo não obedecem à passagem de uma régua. O que
comumente se vê é um processo de transição para paciente, família e equipes. O próprio
cuidado paliativo exclusivo é bastante discutido e não há um consenso quanto à terapêutica:
alguns acreditam que o paciente deva receber apenas analgesia e retirada de sonda de
alimentação. Outros acreditam que o paciente deva receber medicação para controle de
sintomas, alimentação (via oral ou por sonda) e antibiótico. Contudo, não se está falando
apenas de medidas terapêuticas. A autora acredita que não há um consenso justamente porque
se particulariza o tratamento paliativo não de acordo com o diagnóstico e suas comorbidades,
mas de acordo com as preferências e os desejos do paciente e/ou família. Dessa forma,
sempre se tem diferentes cenários.
2.1 Cuidados paliativos e Bioética: implicações na tomada de decisão
Abordar cuidados paliativos e discutir sobre objetivos de tratamento para o paciente
que está internado no hospital é abordar e tratar de temas delicados como a morte e o morrer.
De acordo com Silva, Dias e Vitorino (2010), nessa fase é comum que a família experimente
sentimentos de impotência, ansiedade, angústia e tristeza. Nesse cenário, surgem outros
assuntos, tornando complexo todo o processo de tomada de decisão: comunicação, bioética e
limitação terapêutica, favorecendo a ideia de boa morte, que preconiza, além do
favorecimento de medidas de conforto, em vez de medidas invasivas de suporte de vida
avançado, uma morte sem dor, com os desejos do paciente respeitados (formal ou
informalmente); morte em casa, cercado da família e amigos, com pendências resolvidas e
uma boa relação entre a tríade paciente-família-equipe de saúde (EMANUEL; EMANUEL,
1998).
Dessa forma, paciente, cuidador familiar (família) e equipe são personagens de um
enredo que se emaranha na questão sobre a morte e o morrer, tendo como pano de fundo a
limitação terapêutica com objetivo de tratamento de conforto versus a obstinação terapêutica:
“Qual é o estado real deste paciente? A manutenção da vida garante qualidade de vida? O
avanço tecnológico deve ser utilizado indiscriminadamente?” (ZAHER, 2010, p. 176). O
Código de Ética Médica (2010) no Capítulo V, que trata da relação com pacientes e
familiares, tem em destaque, no artigo 31, a autonomia do paciente. De acordo com esse
artigo, é vedado desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir
21
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de
iminente risco de morte. Isso é de suma importância para a tomada de decisões em cuidados
paliativos e fio condutor desse novo modelo de decisão compartilhada entre paciente-família-
médico, como a autora discutirá mais adiante.
Além disso, no artigo 41, o Código legisla que é vedado ao médico abreviar a vida do
paciente, ainda que seja a pedido dele ou de seu representante legal; em parágrafo único
pontua que nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
impossibilidade, a de seu representante legal. Esse parágrafo traz à tona uma especificidade
relevante e usual dos cuidados paliativos inserida no contexto de tomada de decisões e que vai
agir sobre o impacto emocional do cuidador familiar: o fato de o paciente não estar apto para
tomar decisões por si (uma vez que está com as funções cognitivas prejudicadas em razão de
condições clínicas ‒ em coma ou com rebaixamento do nível de consciência). Logo, esse
cuidador assume o papel de substituto na discussão sobre o delineamento e objetivos de
tratamento, devendo guiar-se no sentido de respeitar os desejos, valores e preferências do
paciente, os quais são difíceis de acessar quando o paciente não está com suas funções
cognitivas preservadas (CARLET, 2004).
Ainda em relação ao Código de Ética Médica (2010), o qual cita as terapêuticas
obstinadas, entende-se por obstinação terapêutica a defesa da vida acima de qualquer coisa,
utilizando-se de forma persistente e continuada das mais diversas medidas invasivas de
suporte de vida, para pacientes com doenças avançadas, prolongando a manutenção dos sinais
vitais e consequente retardo da morte, caracterizando-se como um quadro de futilidade
médica, já que tais medidas apresentam-se com pouca ou nenhuma utilidade operacional
(SCHNEIDERMAN; JECKER; JONSEN, 1990). Por conseguinte, a futilidade deve ser
analisada não só pela sua ineficiência frente aos objetivos propostos, mas também pelos seus
possíveis danos. Vale acrescentar, contudo, que alguns autores pontuam a relatividade da
futilidade médica em muitos casos, frente à dificuldade de fechar prognóstico dos pacientes e
sobre o que seria qualidade de vida para eles. Além disso, deve-se destacar conflitos de
interesses entre as partes envolvidas que se agravam, principalmente, entre esferas de poder
de decisão, como a Medicina e o Direito (AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION, 1999).
Com base nesses aspectos, a equipe de saúde deve levar em consideração os quatro
princípios básicos da ética médica, que constituem o que se denomina de principialismo: não
maleficência, beneficência, justiça e autonomia, os quais são guiados pela virtude da
22
prudência (SILVA; DIAS; VITORINO, 2010). De acordo com o Conselho Nacional de
Saúde, por meio da Resolução nº 196/96, a não maleficência defende que a ação do médico
sempre deve causar o menor prejuízo à saúde do paciente. A beneficência compromete-se
com o máximo de benefícios e o mínimo de riscos e danos. A justiça baseia-se em tratar o
paciente com base no que é moralmente correto e adequado. Logo, os recursos devem ser
distribuídos de forma equilibrada, objetivando alcançar com eficácia o maior número de
pessoas assistidas. Por fim, a autonomia, que prega o respeito às decisões tomadas pelo
indivíduo capacitado (CENTRO DE BIOÉTICA DO CONSELHO REGIONAL DE
MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO). Esses princípios não estão dispostos em uma
condição hierárquica, por isso ponderar cada um deles de acordo com a especificidade de
cada paciente, família e equipe é o mais adequado, o que caracteriza a decisão dos cuidados
paliativos como algo complexo, difícil para equipe e unidade de cuidado, carregado de
emoções em um momento que lhes exige razão.
Segre (2008) realiza uma importante discussão acerca dos princípios citados,
pontuando, antes de tudo, que a construção do princípio é precedida de uma tendência. Em
relação à beneficência e não maleficência, considera como uma diferenciação que ocorre no
sentido de tentar delimitar formalmente as responsabilidades e que depende de interpretações.
Além disso, acredita que ambos os princípios são resultado “do medo que se tem de assumir a
implementação dos próprios objetivos” (SEGRE, 2008, p. 36). A respeito da autonomia,
discorre sobre o caráter abstrato e subjetivo, não apenas racional, que ela pode ter. Por essa
razão, refere desistir de tentar conceituá-la, defini-la ou limitá-la para fins de estudo. Conclui
que a autonomia e a sua busca tão somente podem resultar da percepção da própria pessoa de
que há mais um caminho a seguir. A justiça, por sua vez, é percebida por Segre (2008) como
mais decorrente de uma moral social, da lei, do que da individualidade da pessoa.
Esse contexto de tomada de decisão em relação aos objetivos de tratamento gera
discussões interessantes no que diz respeito à autonomia do paciente na prática: quando foi
que o ser humano perdeu o direito sobre sua própria vida e o que fazer dela para ter de ter
formalizado e na bioética algo que lhe dê o direito sobre si mesmo? Aprofundando ainda mais
a legalização de um direito, que por si só é singular, único e dotado de significado específico
para cada um, pode-se citar a resolução do Código de Ética Médica 1995/12, a chamada
diretriz antecipada de vontade, que dá o direito ao paciente de escolher o que quer que seja e
não seja feito com ele na sua fase final de vida (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA,
2012).
23
Com base no que foi apresentado, questiona-se mais uma vez: o paciente tem essa
autonomia descrita pela interlocução da ética com a vida?
Dentre esse emaranhado de perguntas, com inúmeras respostas e relativizações, a
autora pontua que a diretriz antecipada de vontade traz consigo a possibilidade de o ser
humano assumir uma nova postura diante de sua vida e escolhas, o que traz traz impactos de
ordem política e econômica se se pensar em serviços de saúde e indústria farmacêutica, por
exemplo. Abre-se a discussão para que as pessoas possam falar abertamente sobre o morrer,
sem medo ou com caráter de morbidez. Logo, existe a possibilidade de uma mudança na
comunicação entre equipe e unidade de cuidado, de forma a se estabelecer uma relação
dialógica preocupada com o que foi apreendido e com a valorização das emoções, para que
assim o ser humano possa fazer suas escolhas e exercer sua autonomia (FRANCO, 2002a). A
autora deste estudo acredita em uma mudança antropológica do homem em relação à vida (já
que quando falamos de morte, falamos do que vivemos), na possibilidade de aproximar as
pessoas da sua própria finitude, tornando esse desconhecido momento de rompimento de
vínculo como algo mais natural, o que pode ser percebido como um fator de proteção para um
possível luto complicado.
Na perspectiva dessa discussão surgem, ainda, no âmbito da Bioética, motes como
eutanásia, distanásia e ortotanásia. A primeira, que provém do grego e tem significado de boa
morte ou morte digna, pode ser entendida como “o emprego ou abstenção de procedimentos
que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos
extremos sofrimentos que o assaltam” (LEPARGNEUR, 1999, p. 43). Discute-se que a
eutanásia pode apresentar-se de distintas formas, em relação ao ato em si, como apresentado
em Zum Problem der Euthanasie, obra considerada um clássico de Neukamp (1937):
Eutanásia ativa: ato deliberado de provocar a morte do paciente, sem sofrimento.
Tem como base fins humanitários.
Eutanásia passiva: quando a morte é provocada em razão da omissão em se iniciar
uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida.
Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como consequência de
ações médicas que não visam ao êxito letal, mas sim ao alívio do sofrimento do
paciente (por exemplo, emprego de uma dose de benzodiazepínico para minimizar
a ansiedade e a angústia, gerando, secundariamente, depressão respiratória e
óbito).
24
A distanásia, por sua vez, é entendida como o prolongamento da vida, de forma
sofrida e inútil, por meio de procedimentos e intervenções que visam ao distanciamento da
morte (PESSINI, 2009). Essa perspectiva, converge com o avanço da tecnologia e da ciência,
a qual busca a cura a qualquer custo, isto é, a quantidade da vida, colocando em segundo
plano o paciente e sua história (idem, ibidem). Já a ortotanásia engloba a morte natural, no
tempo certo, sem antecipar ou prolongar a vida, respeitando o bem-estar geral do paciente,
garantindo-lhe dignidade no processo de morte. Converge com a ideia de cuidados paliativos
uma vez que proporciona condições e qualidade de vida na fase final, permitindo alívio do
sofrimento (físico, social, psicológico e espiritual) e proximidade de familiares e amigos junto
ao paciente. Em ambas as concepções, a morte não é percebida como uma doença a ser
curada, mas como o fim do ciclo vital (REIRIZ et al., 2006). Argumenta-se que a ortotanásia
é considerada a terceira via entre a eutanásia e distanásia, já que proporciona ao paciente
condições necessárias e importantes para a compreensão de sua finitude e preparação para
partir em paz (idem, ibidem). A discussão fica acerca de se os cuidados paliativos não seriam
um acelerar a morte, ou seja, se seriam uma prática de eutanásia, principalmente em razão do
uso da sedação paliativa. Para tanto, faz-se necessário pensar e discutir sobre os objetivos de
cada um: considera-se que a eutanásia ativa tem como finalidade exclusiva a morte. Os
cuidados paliativos, com atuação no final de vida do paciente, visam ao alívio do sofrimento
por meio da sedação paliativa quando todas as outras medidas de analgesia foram refratárias.
Observa-se que a intenção dos atos e os respectivos resultados são diferentes (EUROPEAN
ASSOCIATION OF PALLIATIVE CARE TASK FORCE, 2003).
No que tange à questão da sedação paliativa, vale destacar que devem existir critérios
para a administração da mesma e que não há uma medida específica da quantidade de
medicação a ser administrada. A quantidade utilizada será de acordo com a necessidade e grau
de dor e/ou desconforto do paciente. Argumenta-se que não é essa conduta que abreviará a
vida do paciente. Na realidade, pontua-se que essa é apenas uma escolha de como será o final
de vida: mais ou menos sofrido. Moritz (2011, p. 108) reafirma que a sedação paliativa é
procedimento justificável do ponto de vista ético-legal. No entanto, faz-se necessário
que sejam estabelecidos os critérios sobre as dosagens de medicamentos, bem como
os de sua correta aplicação. A sedação paliativa devidamente protocolizada
fundamenta a conduta dos médicos para salvaguardar a dignidade humana de seu
paciente no sentido de evitar um final de vida com insuportáveis sofrimentos. Os
pacientes devem ser mantidos sob vigilância contínua, para reavaliação de suas
necessidades.
A autora desta pesquisa elucida ainda, mais especificamente, uma discussão que surge
no dia a dia a respeito da diferença entre eutanásia passiva e tomada de decisão de limitações
25
terapêuticas: a não implementação ou utilização de determinadas condutas são pautadas,
como já citado anteriormente, no seu caráter fútil. O objetivo não é a morte do paciente, e sim
em não prolongar a vida de uma forma sofrida. Seguindo essa linha de pensamento, no que
diz respeito ao aspecto legal da ortotanásia, Torre (2011, p. 171) afirma, com base em
conceitos do sistema penal, que para a conduta do médico ser caracterizada como um
homicídio, por exemplo, é necessário que primeiramente haja “a possibilidade material de
evitar o resultado”. De acordo com o autor, o médico que suspender ou limitar procedimentos
que apenas prolongam a vida de um doente, já que a situação não será modificada e é
irreversível, não pode ser considerado como o causador da morte, ou seja, sua ação não pode
ser enquadrada no tipo de homicídio. Ele argumenta que as ações de suspensão e limitações
diante de um resultado sem possibilidade de modificação são caracterizadas como omissão de
assistência inútil e não eutanásia passiva ou eutanásia ativa. Para o autor, a omissão não é
considerada relevante para o direito penal e destaca novamente o caráter irreversível de
modificação da doença e inevitabilidade da morte.
2.2 Cuidados paliativos e comunicação
A discussão apresentada descortina um cenário que contém elementos referentes à
abordagem de cuidados paliativos e discussão de objetivos de tratamento e limitações
terapêuticas para o paciente internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), enfermaria ou
pronto-socorro (PS) com a unidade de cuidado. Antes iniciar esta discussão, contudo, faz-se
importante elucidar que no Brasil, no exercício prático diário, apesar de o paciente ter seu
direito à autonomia (quando suas funções cognitivas estão preservadas), muitas vezes, ele não
é consultado, de forma clara e transparente, sobre as condutas e preferências de tratamento.
Tal decisão é transferida à família e a seus representantes – enfatiza-se que neste estudo a rede
familiar é considerada aquela que não compreende apenas os membros consanguíneos ou
reconhecidos por lei, mas também aquelas pessoas com quem o paciente tem relação mais
estreita, como amigos e vizinhos, por exemplo (SOUZA, 2012). Tal fato acontece porque,
muitas vezes, o paciente já não goza de funções cognitivas satisfatórias para a tomada de
decisão ou por uma dificuldade da equipe e da família em tratar de tal questão com o paciente
que está consciente. Além disso, a literatura e os estudos sobre comunicação em cuidados
paliativos abarcam, em sua grande maioria, questões de satisfação da família em relação à
26
comunicação de más notícias, sendo sempre abordada a importância das conferências
familiares, que será discutida mais adiante.
De acordo com Forte (2009), muitas vezes o profissional de saúde não sabe como
abordar o paciente e a família sobre cuidados paliativos, ou teme fazê-lo, o que torna clara a
importância da comunicação e suas respectivas estratégias nesse momento. A capacidade de
se comunicar é entendida como uma habilidade do indivíduo em compreender as
circunstâncias e expressar de forma apropriada suas intenções (MORITA; TEI; INOUE,
2003). Trata-se de um processo que abrange a percepção, compreensão e transmissão de
mensagens por parte de cada sujeito envolvido. Tal processo pode ser expresso por meio de
signos verbais, escritos, gestos, sons, expressões, postura corporal que revelam pensamentos e
sentimentos (ARAÚJO, 2009). Por conseguinte, constitui-se como algo objetivo e expresso
concomitantemente a um processo subjetivo em que coexistem (e se complementam) as
linguagens verbal e não verbal. Na abordagem de cuidados paliativos inseridos no contexto de
tomada de decisões, o médico deve atentar não somente a dar informações técnicas e
objetivas, mas também ao seu tom de voz, ritmo do discurso, postura corporal, proximidade
física. Sua atenção também deve estar voltada para as formas de comunicação verbal e não
verbal utilizadas pela unidade de cuidado, pois isso propicia a percepção e compreensão de
medos, fantasias, angústias e sentimentos (SILVA, 2003), permitindo-o ser responsivo às
necessidades das pessoas, desenvolvendo, por sua vez, uma base segura com essa unidade de
cuidado. Logo, a comunicação tem influência direta no modo como a família sente e vivencia
o momento da hospitalização, e a depender de como a comunicação é desenvolvida, gera
menor ou maior sobrecarga sobre a família, o que acaba por reverberar, posteriormente, além
de outros fatores, na sua decisão em relação à aceitação de cuidados paliativos.
Um estudo realizado nos Estados Unidos, denominado SUPPORT (CONNORS et al.,
1995), foi um dos primeiros a chamar a atenção para a questão da comunicação. Tal pesquisa
entrevistou mais de 9.000 pacientes internados em hospitais universitários, com doenças
graves e avançadas, com o objetivo de avaliar preferências e comunicação entre médicos e
pacientes. Os resultados demonstraram que apenas 39% dos pacientes discutiram sobre o
prognóstico com seus médicos. Dentre os pacientes que não tiveram oportunidade de discutir
esse aspecto, 44% afirmaram que gostariam de tê-lo feito. Em relação à reanimação em caso
de parada cardiorrespiratória (PCR), 37% dos pacientes relataram ter discutido sobre tal
conduta com seus médicos; dos que não discutiram, 41% gostariam de tê-lo realizado. Por
fim, verificou-se que somente 47% dos médicos sabiam das preferências dos seus pacientes
27
em caso de PCR. Com base nesse estudo, muitas pesquisas sobre comunicação começaram a
ser realizadas na área médica, principalmente no que se refere a UTIs e cuidados paliativos.
Um estudo prospectivo realizado com 164 famílias de pacientes internados na UTI,
com o objetivo de correlacionar os níveis de satisfação da família com a percepção sobre a
forma como recebeu informações da equipe de saúde e com a assistência que o paciente
recebeu durante sua internação na UTI constatou que informações insuficientes determinaram
o descontentamento. A acessibilidade aos médicos foi verificada como determinante principal
de insatisfação, sendo associada a conflitos que dizem respeito a prognósticos. Logo,
constatou-se que a satisfação da rede familiar e sua compreensão acerca da UTI podem
melhorar com uma maior acessibilidade aos médicos e à equipe de saúde (FUMIS;
NISHIMOTO; DEHEINZELIN, 2008). Faz-se necessário acrescentar que o fato de a equipe
ser mais acessível às famílias, em relação as suas necessidades, emoções e dúvidas, contribui
para o desenvolvimento e a construção de um vínculo de confiança (SILVA, 2001) e base
segura.
A American Thoracic Society, com objetivos educacionais e prescritivos, desenvolveu
um estatuto a fim de auxiliar os profissionais de saúde na prática dos cuidados paliativos à
pacientes com doenças respiratórias e doenças críticas (LANKEN et al., 2007). Entre as
descrições feitas encontram-se as Competências de Comunicação e Relacionamento que o
profissional de saúde deve ter, desenvolver e se ater ao conversar e lidar com a família, com o
paciente e com a equipe: capacidade de se comunicar com empatia (CURTIS; WHITE, 2008)
e compaixão; capacidade para orientar a família durante as horas finais do paciente;
capacidade para ajudar a família durante o período de pesar e luto; capacidade para identificar
os valores do paciente, objetivos de vida e preferências em relação ao morrer; capacidade para
identificar as necessidades psicossociais e espirituais dos pacientes e familiares e recursos
para atender a essas necessidades; habilidade para trabalhar eficazmente em equipe
interdisciplinar; capacidade para aplicar a tomada de decisões éticas e legais em situações de
retenção ou retirada de suporte de vida avançado; usar o modelo de tomada de decisão
compartilhada com a família e outros representantes para pacientes sem capacidade de
decisão completa (CARLET et al., 2004).
Vale apresentar, da mesma forma, o Protocolo de SPIKES (BAILE et al., 2000), o
qual também vem sendo utilizado em larga escala como guia de orientação para a
comunicação de más notícias. Ressalta-se que apesar de ser um protocolo, o ato de
comunicar-se deve ser particularizado para cada unidade de cuidado e não ser rígido
(CURTIS; WHITE, 2008) convergindo para a necessidade e importância de construção de
28
vínculo de confiança e empatia nas situações de tomadas de decisões. Baile et al. (2000)
descreveram de forma didática seis etapas a serem cumpridas. A primeira etapa (Setting Up)
refere-se à preparação do médico e ao espaço físico para a reunião com a unidade de cuidado.
O segundo passo (Perception) preconiza a verificação da compreensão da unidade de cuidado
sobre o estado de saúde do paciente. A terceira etapa (Invitation) propõe entender o quanto a
unidade de cuidado quer saber sobre o quadro de saúde do paciente. O quarto passo
(Knowledge) é a transmissão da informação, sendo necessário atenção no sentido de utilizar
frases introdutórias que indiquem más notícias, não utilizar palavras técnicas em excesso e
checar a compreensão das pessoas. O quinto passo (Emotions) refere-se a responder
empaticamente às reações da unidade de cuidado. E por fim, a última etapa (Strategy and
Summary) revela o plano terapêutico para o paciente.
Abordar a rede familiar sobre cuidados paliativos e discutir objetivos de tratamento e
limitações terapêuticas para o paciente internado na UTI, enfermaria ou pronto-socorro faz
parte do novo tipo de relação que os médicos vêm estabelecendo com essa rede: a decisão
compartilhada. Diferentemente da relação paternalista, na qual o médico é o dono da verdade
e é quem decide sobre as condutas a serem seguidas sem atentar para opinião, desejos e
vontades de paciente e da família, o modelo de decisão compartilhada ou deliberativa sugere
uma conversa e discussão entre médico e família, de forma a levantar as opções terapêuticas
disponíveis e suas consequências em relação a valores e preferências do paciente e família,
buscando-se um consenso sobre o que é melhor para o paciente (CONNORS et al., 1995).
Além desses dois tipos de relações estabelecidas entre médico, paciente e família, vale
destacar a existência das relações denominadas de informativa e interpretativa: na primeira, o
paciente é visto como um cliente da assistência à saúde e o médico como especialista técnico,
o qual informará sobre riscos e benefícios de cada tratamento, cabendo ao paciente e ou à
família a decisão; já na segunda o médico tem papel de conselheiro, interpreta valores e
preferências de pacientes e famílias frente aos riscos e benefícios de possíveis tratamentos
propostos (FORTE, 2009).
Em cuidados paliativos, mais especificamente, muitos estudos têm sugerido que as
conferências familiares (relação deliberativa) são a melhor forma de abordar e conversar com
a família sobre objetivos de tratamento e limitações terapêuticas, pois promovem um
compartilhamento da carga de decisão e suporte à família (CARLET et al., 2004), buscando-
se sempre um consenso entre familiares e equipe. Tais conferências configuram-se como um
espaço aberto para escuta da família, sendo possível conhecer e compreender seus
pensamentos, sentimentos, medos, angústias e, a partir disso, responder a tais necessidades,
29
além de ajudar a promover o enfrentamento da situação – o que reverbera em segurança da
rede familiar em relação aos cuidados com o paciente e com a equipe. O processo de tomada
de decisão sobre preferências de tratamento em final de vida é complicado pelas emoções da
rede familiar levando em conta a natureza complexa da doença versus capacidade médica de
sustentar a vida (tecnologia). Faz-se necessário, portanto, que o profissional de saúde fale não
apenas do que será descontinuado ou retirado, mas principalmente, que informe sobre o que
será continuado, priorizando conforto e qualidade de vida do paciente (LANKEN et al.,
2007). Ressalta-se, não obstante, que muitas vezes a rede familiar deixa a cargo da equipe a
decisão sobre objetivos de tratamento e limitações terapêuticas, uma vez que não tem
condição emocional para decisões dessa magnitude. Nessa última circunstância, fica claro e
evidente que se estabeleceu uma base segura entre equipe e família.
Um estudo realizado a partir de conferências familiares sobre decisões de final de vida
para pacientes internados na UTI teve como objetivo medir o grau de satisfação das famílias
(HEYLAND et al., 2003). Para tanto, as conferências foram gravadas, medindo-se o tempo
que os familiares falavam e que o médico falava. Observou-se que as famílias saíam mais
satisfeitas das conferências nas quais o médico falava menos e escutava mais, provavelmente
porque conseguiam compreender melhor as opções de condutas disponíveis e satisfazer suas
necessidades. O grau de satisfação também acabou por se estender para a habilidade de
comunicação do médico.
Por conseguinte, a comunicação do médico para com a família deve ser clara,
empática, cortês, de compaixão e respeito – tais fatores estão associados ao nível de satisfação
das famílias em relação ao atendimento hospitalar para pacientes que morreram na UTI
(HEYLAND, 2003; PINHEIRO et al., 2010). Apesar da existência de protocolos para
comunicação de más notícias, é importante que a comunicação seja individualizada,
personalizada e adaptada para cada família (CURTIS; WHITE, 2008), considerando-se
cultura, religião, valores e a noção de que cada caso é um caso. O médico deve estar atento ao
que a família quer saber, como quer saber e o que é mais importante para ela no momento
(MEYER, 2004). Por fim, o médico deve atentar para seus comportamentos não verbais e ter
uma postura que valorize os sentimentos do familiar (BACK; ARNOLD, 2005), já que isso
promove uma maior abertura ao diálogo, estendendo-se para além do lógico e racional
(condutas), sendo mais empático à difícil situação em que se encontra a rede familiar. Uma
comunicação de más notícias comprometida, ou seja, em que o médico usa uma linguagem
técnica, não acessível, que não escuta a família e não valoriza seus sentimentos, por exemplo,
pode gerar estresse, ressentimentos e conflitos entre médico e família (HEYLAND, 2003),
30
este último, ocorrendo em até 48% dos casos (CARLET et al., 2004). Nesse sentido, destaca-
se que todos os fatores citados sobre comportamentos, habilidades e postura do médico
também contribuem para o estabelecimento do vínculo de confiança e para a construção de
uma base segura entre a díade família-equipe (SILVA, 2001).
A tomada de decisão da unidade de cuidado sobre objetivos de tratamento e limitações
terapêuticas ainda conta com outras variáveis. O estresse, a depressão e a ansiedade dos
cuidadores influenciam na sua habilidade de tomar decisões (CURTIS; WHITE, 2008;
POCHARD et al., 2001). Estudos relatam que a colaboração interdisciplinar entre os
membros da equipe está associada a um decréscimo dos sintomas da ansiedade e depressão
dos familiares, sendo um componente importante na comunicação com a família (CURTIS;
WHITE, 2008).
Novamente observa-se que a responsividade da equipe às emoções e necessidades da
família contribui para a construção de uma base segura que propicia um menor sentimento de
insegurança. Aspectos como tipo de doença, tempo que o paciente já vem enfermo e está
internado em hospital e UTI, cultura, religião, ciclo vital do paciente também são variáveis
pertinentes e que influenciam na tomada de decisão da família. Finalmente, vale ressaltar, que
independente da aceitação de cuidados paliativos e limitações terapêuticas estabelecidas, a
família deve ser abordada novamente sobre essa questão (CARLET et al., 2004; CURTIS;
WHITE, 2008), pois sua opinião pode variar de acordo com o prognóstico e evolução do
paciente. Pode-se observar tanto pacientes e/ou famílias que posteriormente aceitam o
tratamento, priorizam o conforto e as limitações terapêuticas, como aqueles que ficam em
dúvida se essas foram as melhores escolhas após as terem aceitado – esse modelo de decisão
compartilhada abre o discurso e permite novas configurações e revisitações, não sendo nada
estático.
2.3 Decisão compartilhada e a teoria do apego
Ainda nesse panorama da decisão compartilhada, pode-se discutir o apego adulto,
conceituado na teoria do apego de John Bowlby. De acordo com esse autor, na primeira
infância o comportamento de apego caracteriza-se pelas ações da pessoa em alcançar ou
manter a proximidade com um indivíduo específico e considerado como mais apto para lidar
com o mundo (BOWLBY, 1989). Logo, tenta-se buscar e usar esse indivíduo como uma
referência de base segura para explorar o desconhecido e como refúgio de segurança nos
31
momentos de medo (MAIN, 2001). Vale enfatizar que a criança está apegada ao seu cuidador,
mas esse não está de forma recíproca apegado a ela, isso porque o fim primário dessa relação
é atender às necessidade da criança. O apego adulto, por sua vez, é definido como a tendência
do indivíduo em fazer esforços importantes a fim de procurar, manter proximidade e contato
com uma pessoa ou pessoas específicas, que ofereçam potencial subjetivo para segurança
física e/ou psicológica (SPERLING; BERMAN, 1994) – diferentemente do apego de infância,
esse tipo de apego envolve maior reciprocidade. Essa tendência do adulto, de acordo com
Bowlby (1990), é regulada pelo que ele denomina de modelos operativos internos, que se
configuram como representações das experiências da infância relacionadas à percepção do
ambiente, de si mesmo e do outro. Esses modelos não são estáticos e imutáveis e podem ser
modificados e transformados a partir das experiências vividas; são construídos e se traduzem
em algumas crenças e práticas consequentes delas. Neles, o indivíduo conta para si mesmo
quais ferramentas e habilidades possui para lidar com as coisas da vida. Por conseguinte,
acabam por guiar o comportamento da pessoa em relação às pessoas e situações.
No contexto de compartilhamento de decisão sobre cuidados paliativos e objetivos de
tratamento e limitações terapêuticas para o paciente, os membros da rede familiar sentem-se
com sua segurança ameaçada, já que percebem esse momento como uma possibilidade de
morte iminente. Em razão das peculiaridades de estresse desse período, o apego adulto dessas
pessoas será ativado e a forma como ele se apresentará e se configurará vai variar de acordo
com o modelo operativo interno de cada um, correlacionado ao contexto das relações e pela
interação entre os indivíduos (SPERLING; BERMAN, 1994). Logo, pode-se pensar que
indivíduos com apego seguro, os quais tiveram suas necessidades atendidas na infância, se
sentido seguros e sabendo que tinham uma figura que fornecia proteção e segurança
(AINSWORTH, 1991), tornaram-se pessoas com um nível de organização maior, primordial
para a situação de tomada de decisão. Além disso, pode-se pensar que tais pessoas terão uma
tendência a serem mais empáticas e abertas às discussões com a equipe sobre a melhor
conduta a ser seguida em relação ao paciente. No caso de pessoas com o apego inseguro
ambivalente, ou seja, aquelas com um padrão de apego inseguro, caracterizado por situações
em que suas necessidades foram atendidas em alguns momentos, mas em outros não, o que
pode ter provocado falta de confiança em relação aos cuidadores, cuidados, disponibilidade e
responsividade (AINSWORTH, 1991), pode-se pensar em uma tendência à ambivalência em
relação às discussões com a equipe quanto aos cuidados paliativos. Em outras palavras, essas
pessoas apresentam-se mais desorganizadas, oscilando em relação à confiança na equipe,
procurando-a e escutando-a em alguns momentos, mas em outros afastando-se. Já para
32
aqueles com um padrão de apego inseguro evitativo, os quais não tiveram suas necessidades
atendidas na infância, tornando-se, muitas vezes, adultos autossuficientes (AINSWORTH,
1991), pode-se pensar em uma tendência a uma relação mais distante com a equipe. Esses não
estão claramente abertos às discussões sobre condutas, preferindo resolver por si mesmos as
questões em pauta. Por fim, para os indivíduos que têm apego desorganizado, os quais
tiveram experiências negativas durante o seu desenvolvimento na infância (fatores de risco,
como abuso ou maus-tratos, entre outros) (AINSWORTH, 1991) e que, na vida adulta, em
situações de estresse vivenciam um conflito sem conseguir manter a estratégia adequada para
lidar com a situação que os assusta (MAIN, 2001), pode-se pensar que eles têm um alto grau
de desorganização, incompatível com a situação de tomada de decisão, havendo uma
tendência a se mostrarem perdidos e sem referências da melhor conduta a ser tomada em
relação ao paciente.
33
3 O PROCESSO DE LUTO E SUAS IMPLICAÇÕES
Houve um tempo em que o nosso poder perante a morte era muito
pequeno. E por isso os homens e mulheres dedicavam-se a ouvir a sua
voz e podiam tornar-se sábios na arte de viver.
(ALVES, 1991)
A autora do presente estudo considera que definir, conceituar e discutir o luto é uma
tarefa difícil que exige explorar diversos âmbitos: a própria definição de luto e as discussões
acerca disso; o fenômeno do processo de luto e suas dimensões; os fatores de risco e proteção
para o desenvolvimento do luto complicado; a construção social que vem patologizando a
experiência do luto e a sua inserção no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais, 5ª edição – DSM-V (2013); e as novas vertentes para o luto em relação a sua
vivência. Faz-se relevante sempre considerar tais questões em relação a um contexto
sociocultural e espiritual, uma vez que vão contribuir para a construção do significado da
experiência do rompimento de vínculo significativo.
Para discutir as definições de luto, a autora utilizou as discussões da literatura,
incluindo autores como Stroebe et al. (2008), cuja obra apresenta os termos bereavement,
grief e mourning. Compreende-se que o primeiro termo refere-se a uma situação objetiva de
perda de alguém significativo por morte e à própria vivência do processo de luto, sendo algo
mais amplo. Nesse sentido, discute-se como definir quando alguém é significante. O termo
bereavement está associado a um intenso sofrimento (distresss) para a maioria das pessoas.
Grief, por sua vez, é definido como uma reação emocional negativa e primária, no nível
afetivo, decorrente da morte de alguém que é significativo; tal reação envolve as esferas
cognitiva, social, cultural, bem como manifestações físicas. Os sintomas e comportamentos
devem ser considerados de acordo com a personalidade e cultura da pessoa, e podem ser
diferentes de uma cultura para a outra – o que é aceitável e considerado moralmente correto
em um grupo pode não ser considerado da mesma forma em outro grupo cultural. O termo
grief refere-se a uma reação normal e natural. Trazendo essa expressão para o português, a
autora o compreende como o pesar. Mourning é definido como uma expressão pública do
grief (pesar), que no entendimento da pesquisadora seria o luto em si. Envolve expressões
sociais, rituais de uma sociedade ou cultura (muitas vezes de cunho religioso). Contudo, nas
discussões acadêmicas, a autora teve o entendimento que grief e mourning representam a
34
mesma coisa (percebe-se como uma tradução equivocada do que Freud escreveu em “Luto e
Melancolía” [1917]): o processo de luto do indivíduo consigo mesmo, menos amplo que o
bereavement, ou seja, o que se vive e o que se expressa, respectivamente. De acordo com
Parkes (1998), a ansiedade da separação constitui-se como a dor do grief (luto), pois está
relacionada com o pesar e com a experiência que está sendo vivida.
3.1 O fenômeno do processo de luto e suas dimensões
De acordo com Bowlby (1990), o luto é a resposta à ruptura de um vínculo
significativo, no qual havia um investimento afetivo entre o enlutado e o ente que se foi,
elucidando que a dimensão do luto seja proporcional ao grau de apego, considerando-se
fatores relacionados a perda e seus significados. De forma semelhante, Parkes (1998)
conceitua o luto como uma categoria de respostas biopsicossociais que são esperadas quando
há uma perda significativa e rompimento de um vínculo. Diante desse cenário, o enlutado
vivencia uma série de mudanças relacionadas ao meio social, familiar, econômico, entre
outras, de maneira particular e singular, as quais vão estar associadas a como o enlutado
experienciou o processo (de doença, separação conjugal, mudanças geográficas etc.).
Desde a década de 1980 a conceituação do luto tem sido revisada, transcendendo a
esfera afetivo-emocional, mais comumente reconhecida. Observa-se o desenvolvimento de
uma maior consciência relacionada a questões sociais, acarretando modos particulares de
morrer, como morte por fome, por exemplo. Além do âmbito afetivo-emocional, o processo
de luto é composto por domínios que compreendem o cognitivo, o físico, o espiritual e o
social, os quais podem apresentar reações comuns ao luto, a saber (PARKES, 1998):
Domínio emocional: tristeza, ansiedade, medo, choque, raiva, solidão, alívio,
irritabilidade, culpa, negação, entre outros.
Domínio cognitivo: desconcentração, confusão, desorganização, intelectualização e
negação.
Domínio físico: alterações no sono, apetite e peso; choro, exaustão, perda da libido,
dispneia, boca seca, mudanças no funcionamento gastrointestinal.
Domínio espiritual: raiva de Deus, sonhos, perda ou aumento da fé.
35
Domínio social: isolamento, perda da identidade, falta de interação com o meio.
Por conseguinte, tal processo constitui-se como uma experiência subjetiva, ou seja,
dotada de significado, inserida em uma cultura e multideterminada (FRANCO, 2010). Falar
em múltiplos fatores que constituem o desenvolvimento desse processo e contribuem para que
ele ocorra é identificar o significado e ou função de determinada pessoa, animal ou coisa; o
tipo de relação e vínculo estabelecido; em caso de morte, a idade e o tipo de morte (naturais
ou esperadas, acidentais ou inesperadas e suicídios), se existe o corpo e se foi possível realizar
os rituais funerários significativos para a família; crises vitais do enlutado; como foi a
vivência durante o processo de rompimento (em caso de morte, separações conjugais ou
conflitos familiares, por exemplo); se recebeu apoio efetivo e afetivo; se existe algum recurso
espiritual (FRANCO, 2002b). Enfim, são variáveis que podem influenciar na forma como
esse luto será vivido e administrado e, por consequência, contribuir tanto para o
desenvolvimento do luto normal ou complicado.
3.2 Luto normal e luto complicado
A intenção neste estudo de discorrer e diferenciar um processo de luto normal de um
processo de luto complicado não está calcada na construção de um pensamento patológico
para o luto (como a autora argumentará no subitem 3.4 adiante), mas na importância de se
estar atento às pessoas enlutadas por morte em relação às suas organizações psíquicas,
cognitivas, sociais, entre outras, principalmente para a prevenção de desorganizações dessas
ordens, e não somente quando já estão instaladas. Por conseguinte, o levantamento dos
fatores de risco e proteção para o desenvolvimento do luto complicado, além de uma
avaliação clínica, faz-se relevante para uma visão integrada do indivíduo inserido no contexto,
se antevendo ao luto complicado, proporcionando intervenções precoces, bem como o
encaminhamento a serviços especializados, planejamento e desenvolvimento de ações
preventivas (SOUZA; MOURA; PEDROSO, 2010). Além disso, Bromberg (2000) e Ruschel
(2006) pontuam que a evolução do luto complicado pode vir a desencadear alterações no
bem-estar de saúde. Disso se destaca a relevância do tema e a necessidade da avaliação
psicológica como ferramenta de prevenção para as pessoas enlutadas. Rando et al. (2012)
seguem a mesma linha de raciocínio e confirmam o que vem sendo discutido neste estudo:
10% a 20% dos casos de luto não segue o curso normal de acomodação da perda, o que acaba
por criar desordens que merecem avaliação clínica (PRIGERSON, 2004).
36
Rando et al. (2012) discutem também que a existência de complicações no processo de luto
pode resultar em crescente morbidade física e mental, além de mortalidade. Afirmam que o
luto complicado é complicado e que não há apenas uma forma desse tipo de luto. Logo, o luto
complicado não pode ser reduzido a uma síndrome ou desordem. Eles acreditam que o
reconhecimento do luto dentro de uma categoria é útil, em uma categorização que reconheça
que entre o normal e o patológico há uma área cinza de sintomas e problemas que merecem
atenção clínica.
O luto normal, segundo Ruschel (2006), é o processo pelo qual o indivíduo
compreende e aceita a perda do ente querido, adaptando-se à condição de viver sem aquela
pessoa. Evidentemente, esse tipo de luto permite que o enlutado fique triste, chore, sinta
saudades. A questão não é não sentir a perda, mas como é ela é sentida e administrada. De
acordo com Stroebe et al. (2008), o normal grief pode ser definido como uma reação
emocional à situação de perda de alguém significativo, de acordo com as normas esperadas –
construídas culturalmente – (citadas anteriormente, nas repercussões do processo de luto nas
diversas dimensões), circunstâncias e implicações da morte.
Kovács (2010b), com base em Bowlby, ressalta que no luto saudável o indivíduo
aceita a modificação do mundo externo em virtude da perda definitiva do ente querido, assim
como a modificação das representações internas, reorganizando os vínculos que
permaneceram. Já o complicated grief não pode ser definido como algo homogêneo, pois
varia de uma cultura para a outra. De acordo com Franco (2002b), o luto complicado
caracteriza-se quando a pessoa experimenta uma desorganização prolongada que a impede de
não retomar suas atividades com a qualidade anterior a perda. Worden (1998) destaca
manifestações que podem estar presentes no processo do luto complicado: expressão de
sentimentos intensos que persistem mesmo muito tempo após a perda; somatizações
frequentes; mudanças radicais no estilo de vida que tendem ao isolamento; episódios
depressivos, baixa autoestima e impulso autodestrutivo. Nesse sentido, vale questionar quais
seriam os fatores de proteção e de risco para o desenvolvimento do luto complicado,
pontuando que os primeiros não isentam e não blindam o indivíduo de viver e sentir a morte
de um ente querido, porém podem auxiliar no sentido de tornar essa vivência um processo
razoável e saudável. Ressalta-se que os fatores de risco e proteção devem estar alinhados e
compreendidos a partir do contexto, da cultura, personalidade, função e do significado que o
indivíduo narra para si mesmo sobre tal acontecimento. Logo, eles podem variar de acordo
com as variáveis citadas, ou seja, um mesmo fator pode ser considerado de risco ou de
proteção. Além disso, mesmo que seja identificado um fator de risco ou proteção não significa
37
que ele necessariamente vai ter efeito no processo de luto, e sim que há uma possibilidade de
ser protetor ou complicador.
A relevância de tal indagação tem como base não só a prevenção do luto complicado,
mas também de transtornos psicológicos, alterações endócrinas e neuroendócrinas e alterações
psicofisiológicas (sono, apetite, nível de cortisol, mudanças comportamentais em relação ao
padrão anterior) que podem ser decorrentes daquele. Na Tabela 1, apresentada a seguir, estão
elencados os fatores de proteção que podem auxiliar na prevenção do luto complicado; já na
Tabela 2 estão relacionados os fatores de risco que podem ser complicadores e contribuir para
o desenvolvimento do luto complicado – tais proposições sugerem padrões, não certezas.
Novamente, ressalta-se que esses fatores podem variar de acordo com cultura, contexto,
personalidade e significado que o enlutado confere ao acontecimento.
Tabela 1 – Fatores de proteção que podem auxiliar na prevenção do luto complicado
FATOR POR QUÊ?
Apego seguro Pessoas demonstram maior organização e capacidade para integrar as (novas)
informações; tendem a ativar a resiliência.
Qualidade do vínculo Uma relação sem conflitos e sem pendências tem um potencial complicador menor.
Tipo de apoio (como é
percebido pelo
enlutado; avaliação
subjetiva)
Adequado, necessário, suficiente (FRANCO, 2002b) e comunicação entre membros
satisfatória. Configura-se como um apoio saudável e continente.
Realização de rituais Importante para o processo de separação e despedida; auxilia no fechamento do ciclo
(FRANCO, 2002b).
Luto antecipatório Permite despedidas, resolução de pendências, início da construção de novos
significados, identidades, relações (GILLIES; NEIMEYER, 2006).
Tipo de morte Morte por doença crônica, sem sofrimento, por exemplo, situação na qual as pessoas
tiveram tempo de se despedir do ente querido, de resolver questões e pendências.
Luto reconhecido pelo
enlutado e pela
sociedade
Valoriza a própria dor e a dor do outro, é empático. Importante decodificar o
significado do luto para cada um, ou seja, tornar um código comum entre o enlutado
e quem o rodeia, para que possa ter seu luto reconhecido. Permite que a pessoa viva
o processo de luto, ora orientada pela perda, ora para a reparação (modelo do
processo dual) (STROEBE; SCHUT, 1999) e a manutenção de um vínculo saudável
(KLASS; WALTER, 2001) sem necessariamente haver um rompimento definitivo.
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Tabela 2 – Fatores de risco que podem ser complicadores e contribuir para o
desenvolvimento do luto complicado FATOR POR QUÊ?
Apego inseguro Pessoas mais desorganizadas e com contradições, sem encorajamento para
avaliar as situações e identificar que estratégia deve ser ativada. Como
consequência, acabam por repetir padrões comportamentais fracassados.
Qualidade do vínculo Relação com conflitos e pendências ou relação de dependência entre o
enlutado e o ente querido (BROMBERG, 2000) têm potencial complicador
maior.
Ciclo vital Morte de crianças e jovens (FRANCO, 2002b).
Tipo de apoio (como é
percebido pelo enlutado;
avaliação subjetiva)
Inadequado, abusivo, insuficiente (WORDEN, 1998; BROMBERG, 2000);
comunicação entre membros comprometida.
Tipo de morte
Morte repentina (PARKES, 1998; BROMBERG, 2000; FRANCO, 2002b),
violenta (PARKES, 1998; FRANCO, 2002b); doença aguda; suicídio
(PARKES, 1998; BROMBERG, 2000). Não permite despedidas, ajustes na
relação. Muitas vezes pensa-se no sofrimento da pessoa. Pode variar de acordo
com significado, por exemplo, o homicídio de um menino de 18 anos que
morava em um bairro violento e perigoso: caracteriza-se por uma morte
repentina e violenta, porém coerente com algo que podia acontecer nessa
realidade (isso relativiza o repentino).
Não localização do corpo Não há a possibilidade de realizar rituais que gostaria; dificulta a aceitação da
morte do ente querido.
Manutenção do vínculo de
forma idolatrada
Enlutado mantém vinculação com quem morreu com idolatria. Não vive o
processo dual de perda e reparação. Pode haver dificuldade para retomar
atividades anteriores com a mesma qualidade, de construir novos significados
a partir da nova configuração.
Condições prévias da
personalidade e saúde mental
do enlutado
Rígido, dificuldade de adaptação a condições novas, transtorno psiquiátrico
(depressão, por exemplo) podem ser fatores complicadores.
História de vida Enlutado que tem na sua história de vida perdas múltiplas e sucessivas
(WORDEN, 1998; BROMBERG, 2000).
Luto antecipatório Afastamento do ente querido com possibilidade de morte iminente, não
permitindo expressar sentimentos, resolver pendências; pode gerar culpa no
enlutado após a morte da pessoa.
Pessoa que morreu e
respectivo significado
Morte do cônjuge (BROMBERG, 2000). De acordo com Holmes e Rahe
(1967), em cujo estudo pontuaram eventos considerados estressores
(considerando as mudanças que ocorrem e os respectivos reajustes sociais), a
morte do cônjuge está em primeiro lugar como um evento estressor (100
pontos). A morte de um ente próximo está em quinto lugar (63 pontos). Isso
significa que tais rompimentos de vínculo podem ser fatores complicadores.
Luto não reconhecido ou não
franqueado pelo enlutado e
pela sociedade
Não há valorização da própria dor ou da dor do outro, havendo uma quebra de
empatia. Não permite que a pessoa viva o seu processo de luto. Quando o
enlutado é quem não reconhece o seu luto, ele está se defendendo disso.
A questão de gênero também entra nesse aspecto quando, por exemplo, existe
a convenção social de que o homem não pode chorar, o que impede uma maior
expressão de sentimentos por parte dele.
39
A resiliência também pode ser considerada um fator de proteção para o
desenvolvimento do luto complicado, pensando-a, principalmente, não só como uma
expressão de ação após a morte de um ente querido, mas antes disso. Nesse sentido, é
importante contextualizar a situação, as pessoas envolvidas, utilizando a resiliência como uma
estratégia: capacidade de se perceber, a partir das habilidades, a fim de criar alternativas
possíveis – depende da personalidade do enlutado, do seu senso de competência e se foi
desenvolvido um apego seguro. A flexibilidade e a criatividade são características importantes
na resiliência.
Além disso, uma observação crítica das tabelas apresentadas (tabelas 1 e 2) permite
vislumbrar uma sistematização dos fatores (complicadores ou protetores) que mostra-se como
de grande valia para o desenvolvimento da avaliação e discussão psicológica não só quando
há o rompimento de um vínculo significativo, mas também na sua iminência, pensando mais
uma vez no caráter preventivo do fenômeno do luto complicado.
Na continuidade da discussão a respeito do luto complicado, Parkes (1998) pontua que
esse apresenta reações diferentes daquelas consideradas “esperadas” (de acordo com normas
socioculturais de cada comunidade) ou quando estão ausentes. Esse autor identifica três
formas de luto complicado:
Luto crônico – manifestação das reações do luto em um período de tempo
prolongado e severo. Nessa situação, o enlutado sente-se incapaz de viver sem o
ente querido e não utiliza suas habilidades e competências. Indivíduo normalmente
se mantém em um aspecto do luto, podendo transformar tal situação em um estilo
de vida. Esse tipo de luto pode causar incômodo no meio familiar ou os familiares
podem manter essa condição colocando a pessoa como “a enlutada da família”.
Luto inibido – ausência de sintomas esperados no luto normal, não havendo uma
expressão pública de respostas emocionais relacionadas à perda (decisão
consciente e inconsciente).
Luto adiado – inibição das reações imediatas à morte, as quais são provocadas
mais adiante por situações que não teriam força para isso.
Observa-se, pois, que o processo de luto e a sua vivência permitem e exigem do
enlutado uma reconstrução da identidade e uma nova construção de significado, o que está
diretamente relacionado ao seu mundo presumido (sua construção no mundo), ou seja, há uma
ruptura de uma condição de segurança que vai exigir uma resposta adaptativa que o indivíduo
não gosta de ter. Isso coloca em cheque as competências e capacidades que ele tem para lidar
40
com o mundo (mundo presumido). A autora observa que a depender de como o indivíduo
responde (de acordo com o significado de tal perda) à situação de morte do ente querido, ele
pode ter um processo de luto normal ou complicado. Em uma situação como essa, de
desorganização inicial, a pessoa pode tentar ir em busca do conhecido, da homeostase, do
familiar. À medida que as tentativas são frustradas, já que não haverá reencontro ou volta da
configuração anterior, ela pode começar a dizer a si mesma que tal situação é maior do que
ela, de que não é capaz. Nesse momento, o indivíduo pode começar a adoecer.
Indicadores sobre a evolução do processo do luto são discutidos na literatura
(CASELLATO et al., 2009), o que pode facilitar a identificação do luto normal ou
complicado. Observa-se a diminuição da frequência e da intensidade de “ataques” de emoções
dolorosas; o processo de viver a perda e a restauração (modelo do processo dual [STROEBE;
SHUT, 1999]) – se o indivíduo está oscilando entre as duas esferas, se está mais na perda ou
mais na restauração; se está em uma condição de apresentar-se como “ser a dor” ou se está em
um processo de “ter a dor” (sente a dor na perda, porém retoma suas atividades anteriores com
qualidade semelhante) (ATTIG, 2001) e por fim, a própria condição do indivíduo no mundo e
sua relação com o morto – ou seja, se o ente querido vai deixando de ter um espaço menos
“central” na vida do enlutado ao mesmo tempo que esse consegue estabelecer a manutenção
de um vínculo saudável com a pessoa perdida.
3.3 Depressão, luto e luto complicado: semelhanças e diferenças
A depressão, de acordo com Del Porto (1999), pode se apresentar de três formas:
sintoma, síndrome e doença. Na primeira opção, a depressão surge em diversos quadros
clínicos, como estresse pós-traumático, alcoolismo, entre outros. Pode ainda ser resultado de
situações estressantes ou circunstâncias sociais ou econômicas adversas. Na síndrome, a
depressão inclui alterações de humor, cognitivas, psicomotoras, vegetativas e
neuroendócrinas. Como doença, pode aparecer como transtorno depressivo maior, distimia,
depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, entre outros. A autora tratará aqui do
transtorno depressivo maior.
De acordo com o DSM, 4ª edição – DSM-IV (1995), para que o transtorno depressivo
maior seja identificado, o indivíduo tem que apresentar durante pelo menos um período de
duas semanas humor deprimido ou perda de interesse ou prazer, associados com mais quatro
sintomas da lista de nove ou mais três sintomas, caso os dois primeiros estejam presentes.
Observando o DSM-IV e a lista dos nove sintomas, pode-se notar que no caso do processo de
41
luto, o enlutado pode apresentar sintomas semelhantes (pensando que o luto não tem um
tempo determinado para cessar, se é que cessa), como humor deprimido e falta de interesse
por determinadas atividades, perda ou ganho de peso significativo, assim como aumento ou
perda de apetite, insônia ou hipersonia, fadiga ou perda de energia e dificuldade de
concentração. Destaca-se ainda que esse transtorno causa sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo ao funcionamento social ou ocupacional. Pode-se perceber que
muitos dos sintomas descritos podem ser identificados em pessoas enlutadas, principalmente a
tristeza, como discutiremos mais adiante. Logo, o “diagnóstico diferencial” não é algo fácil e
simples. Em primeiro lugar, é importante enfatizar que o luto complicado não se desenvolve
para a depressão. O que se pode ter é a presença do luto complicado concomitante a um
episódio de depressão. Pessoas com histórico de depressão anterior à perda (ou até mesmo
ansiedade) podem estar mais propensas a desenvolver depressão com o rompimento do
vínculo significativo (terreno favorável para isso). Para tal diferenciação, é preciso não apenas
atentar aos critérios do DSM-IV, mas também realizar uma avaliação clínica, ou seja, olhar
para o fator gerador (morte da pessoa), investigando como se deu a morte, o papel da pessoa
na vida do enlutado, o significado que esse dá para o evento, identificando, inclusive, os
fatores de risco para o luto complicado. Salienta-se que fatores de risco para o luto
complicado também podem ser observados em pessoas com depressão. Logo, é importante
observar se o fator gerador tem força suficiente para desencadear determinada reação no
indivíduo – nessa linha de raciocínio entram questões quanto ao gênero, construções culturais.
Assim como existem reações esperadas no luto, a depressão não pode ser um constructo
social?
Em relação à tristeza, que está presente no processo de luto normal, no complicado e
na depressão, é preciso fazer algumas considerações. Um estudo que abordou a função da
tristeza (FREED; MANN, 2007) levanta uma questão importante: qual é a função da tristeza
para o indivíduo? É um processo adaptativo presente no luto ou é até mesmo uma forma de
enfrentamento da perda? Se for adaptativo, quais as ações dos mecanismos psicossociais e
neurobiológicos? Novamente, como foi citado anteriormente, é preciso olhar para o sujeito,
no seu contexto, com o seu significado para a tristeza apresentada. Além disso, avaliar a
sintomatologia e a fenomenologia da tristeza. Na perspectiva do processo de luto, a tristeza é
um dos focos possíveis, pensando em uma construção cultural de que todos que perderam um
ente querido ficam ou tem de estar tristes. Mas o luto pode ter outras representações, como a
raiva ou agressividade, por exemplo. Logo, a análise da tristeza deve ser feita de forma
singular e única, assim como o processo de luto. Esse aspecto é importante, pois se ela for
42
identificada como uma resposta ao luto (normal ou complicado), deve ter um espaço para ser
expressa e trabalhada (FREED; MANN, 2007), por exemplo, com psicoterapia. Caso a
tristeza seja identificada como um sintoma de uma depressão, outras medidas, além da
psicoterapia, podem ser tomadas, de acordo com a necessidade, como o uso de medicações. É
importante desmistificar o tratamento farmacológico, pois muitas vezes ele se faz necessário
(em conjunto com um processo psicoterapêutico). O antidepressivo em casos de luto
complicado não surtirá o efeito esperado, uma vez que que as alterações neuroendócrinas são
distintas do que se observa em uma depressão.
3.4 A construção social da patologização da experiência do luto
O pesar, de acordo com Franco (2002b), constitui-se como um conjunto de
pensamentos e sentimentos relacionados à perda e que são vivenciados internamente (no
íntimo) pelo indivíduo. O luto, por sua vez, caracteriza-se pela exposição pública do pesar, ou
seja, a vivência no contexto sociocultural. Adentrar nessa questão contextual da sociedade e
da cultura é poder discutir sobre a questão da adequação, ou seja, dentro de um grupo familiar
ou grupo social, inseridos em uma cultura, dotados de crenças e valores, pode-se ter acesso a
como os membros do grupo lidam com crises, o que é esperado (comportamentos), a sua
duração. Constitui-se um processo que é vivido no individual e que extravasa e se expressa no
âmbito sociocultural.
Nesse sentido, pode-se citar DaMatta (1981), que no livro A casa e a rua diferencia os
espaços públicos e privados, considerando a rua como um lugar do anonimato e da
impessoalidade. A casa é considerada como o local onde as relações íntimas se desenvolvem,
com a presença da cordialidade – o autor também fala da importância dos rituais para cada
grupo social, de acordo com o significado para cada um, que, como foi citado anteriormente,
pode ser considerado um fator de proteção para um luto complicado. A autora relaciona essa
visão de DaMatta sobre os espaços com os processos do pesar e do luto: a casa como o pesar e
a rua como o luto. Considerando essa linha de raciocínio, percebe-se o quanto tem sido difícil
separar esses dois domínios (a casa da rua, o pesar do luto) e o quanto o espaço público
(contexto sociocultural) tem influenciado de forma negativa, muitas vezes, no processo do
luto das pessoas, visto, por exemplo, a inclusão do luto no DSM-V como transtorno do luto
prolongado. Tal classificação baseia-se na duração e intensidade do luto, negligenciando
outros aspectos desse processo, que não têm efeito apenas na esfera afetiva (como já foi
mostrado anteriormente). Por conseguinte, a classificação do luto como uma patologia
43
desqualifica e desvaloriza as outras dimensões do luto e o próprio contexto, tentando-se um
enquadramento de comportamentos considerados normais e patológicos na vivência desse
processo – mostra-se muito pouco culturalmente sensível. É como se estivessem sendo
criadas normas de como viver o processo de luto. Tal fato remete a autora a Foucault (1987),
que no livro Vigiar e punir discorre sobre o panoptismo, que é uma espécie de prisão, com
arquitetura específica, que permite vigilância contínua dos indivíduos, com o objetivo de
disciplinar. Há um controle social e pressão para que o luto seja vivenciado de determinada
forma e que dure determinado período. Pensando essa ideia na esfera do luto, observa-se que
as singularidades, particularidades e variáveis são negligenciadas.
Por conseguinte, observa-se que há uma tendência em patologizar o luto, percebendo-
o como um estado, e não como um processo, como destaca Parkes (1998, p. 23):
Parte da dificuldade de colocar o luto entre as categorias de doenças descritas deriva
do fato de ele ser um processo e não um estado. Não é um conjunto de sintomas que
tem início depois de uma perda e depois gradualmente se desvanece. Envolve uma
sucessão de quadro clínicos que se mesclam e se substituem.
O risco está em medicalizar a tristeza, não a reconhecendo como uma reação
emocional que pode acontecer e ser vivida quando da morte de um ente querido, isto é, a
tristeza é desqualificada, sendo percebida socialmente como algo ruim e que não deve ser
sentida. Logo, é importante ter uma visão mais crítica e detalhada sobre essa ideia simplista
diante de um fenômeno complexo e determinado por uma série de fatores.
Nesta discussão, faz-se relevante diferenciar tristeza de depressão. Como apresentou-
se anteriormente, a primeira pode ser considerada uma reação natural comum (esfera afetiva)
do processo de luto. A depressão, por sua vez, constitui-se como um transtorno que agrega
sinais e sintomas associados a uma patologia os quais, em seu conjunto, definem um
diagnóstico. A autora entende que a tristeza pode estar presente em um quadro de depressão,
porém em uma configuração de um sintoma, apresentando-se como um humor deprimido ou
desânimo, por exemplo.
3.5 Novas vertentes para o luto em relação a sua vivência
Com base nessas revisões sobre o processo de luto, entende-se hoje que, segundo o
modelo de processo dual (STROEBE; SCHUT, 1999), o luto deve ser vivido e orientado pela
perda e ao mesmo tempo orientado pela reparação, ou seja, concomitante à vivência da perda,
em que o enlutado lembre da pessoa, olhe fotos e roupas, retome suas atividades, retorne aos
44
ambientes em que circulava, em um processo de construção de significados (GILLIES;
NEIMEYER, 2006), em que há revisão da própria identidade, das relações pessoais e com o
falecido e até de crenças e valores (FRANCO, 2010). Logo, não é preciso romper o vínculo
definitivo com o ente que se foi, retirando objetos e lembranças; é possível ter um vínculo
contínuo saudável, por meio do qual pode revisitar retratos, recordações, músicas e situações
(KLASS; WALTER, 2001). Tal situação configura-se diferente de um processo de luto em
que o indivíduo cultua e vive como se o ente ainda estivesse vivo. Compreende-se que essas
vertentes propiciam a vivência do luto de forma individual e singular, contribuindo para a sua
não patologização.
A discussão a respeito da vivência do luto no contexto dos cuidados paliativos, mais
especificamente, traz consigo particularidades importantes: o luto antecipatório da equipe e
unidade de cuidado. O luto antecipatório permite que a pessoa viva e experimente a perda sem
ela ter ocorrido efetivamente. Nesse sentindo, propicia ao enlutado a possibilidade de refletir e
elaborar questões e escolhas da vida que têm um significado. Logo, permite as despedidas, a
resolução de pendências, o início da construção de novos significados, identidades e relações
(GILLIES; NEIMEYER, 2006). Conforme salienta Hudson et al. (2012), consonante com o
contexto e vivência dos cuidados paliativos, há uma exigência atual de diretrizes relacionadas
ao luto e suporte psicossocial nessa área em relação a orientação e educação sobre o luto para
a unidade de cuidado: alega-se que familiares que estejam física e emocionalmente bem têm
menos chances de ficarem hospitalizados, o que influencia no aspecto econômico do sistema
de saúde, e têm mais condições de cuidar dos entes doentes, sendo, pois, mais eficientes no
controle de sintomas quando o paciente está em acompanhamento domiciliar. Além disso,
familiares cuidadores tendem a ter prejuízos financeiros e a ficarem isolados, por isso a
importância do suporte psicossocial. O acompanhamento pós-óbito previsto nas diretrizes,
mais especificamente, prevê o planejamento de um plano de cuidados para os familiares e
atenção ao processo de luto. Isso possibilita que as pessoas, mesmo distantes da equipe de
saúde, possam autogerenciar as suas vivências e reconstruções. De acordo com Hudson et al.
(2012), garantir que as necessidades dos familiares sejam devidamente avaliadas está entre os
dez marcadores de qualidade de fim de vida.
45
4 FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM RELAÇÃO AO PROCESSO
DE MORRER E DE MORTE
Discutir a respeito de cuidados paliativos e luto é também abordar a questão do final
de vida de forma mais específica – atualmente se fala de cuidados paliativos e cuidados em
final de vida. Mas de que maneira dissertar sobre um dos maiores tabus da humanidade,
quando se valoriza o humano ativo, em vida, em transformação? Como sabiamente diz
Rubem Alves, falar de morte é falar de vida. Logo, de forma clara e não obscura, a autora
discutirá sobre a morte e o processo de morrer e o profissional de saúde diante disso – bem
como a influência dessa relação na assistência à unidade de cuidado, que é o foco deste
estudo. A autora não negligencia e compreende que o preparo do profissional em situações de
final de vida é importante para ele enquanto pessoa e na sua atuação associada aos seus
valores e crenças, levando em consideração, por exemplo, as doenças que podem decorrer da
atividade laboral, como burnout, quadros de depressão, ansiedade e dependência química.
Sabe-se que nos dias atuais, a morte, que no século XIX era considerada bela e um
sublime repouso, tal qual uma possibilidade de significar um reencontro com o ser amado, é
percebida como um fracasso, que deve ser escondida, ocorrendo, na maioria das vezes, em
instituições de saúde. Kovács (2010a, p. 39) afirma que
pacientes terminais incomodam os vivos e principalmente os profissionais de saúde
pelas suas atitudes, seja de revolta, de dor, ou de exigências, seja porque se viram
para a parede, dão as costas à vida, desistem de viver, ou melhor, de morrer aos
poucos.
Observa-se que o significado da morte e como ela é percebida, é um construto
sociocultural, político e por que não, econômico? Isso quer dizer que envolve leis, valores,
recursos humanos e dinheiro. A morte é igual para todos, mas a forma como ela ocorre não.
Mais do que isso, a morte, que é um processo, pode ser vivenciada de diferentes formas a
depender da classe social, poder aquisitivo, personalidade e tantas outras variáveis. Por
conseguinte, está-se falando de fatores extrínsecos e intrínsecos. Em relação às questões
internas, estudo realizado por Forte (2011), com médicos intensivistas das onze UTIs do
Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-FMUSP) investigou as associações entre
características dos médicos e a variabilidade de condutas em fim de vida em UTI. Para tanto,
foram apresentados dois casos clínicos, nos quais os médicos eram solicitados a dizer o que
fariam e por que, sendo investigados também seus valores. Os resultados demonstraram que
idade, interesse e educação em cuidados paliativos estão relacionados à variabilidade de
46
condutas no final de vida. Constatou-se que 44% dos médicos agem de forma diferente
daquilo em que realmente acreditam, utilizando mais de suporte avançado de vida do que
julgam necessário, com receio de problemas de ordem legal. Nesse sentido, pode-se
questionar o quanto os profissionais de saúde estão preparados e orientados para lidar com a
morte, com o processo de morrer e as decorrências do mesmo no seu dia a dia, e o quanto, em
suas formações, foram munidos de conhecimento e experiência para lidar com tais situações.
Esses questionamentos convergem com indagações relacionadas aos processos de educação e
à necessidade de tal conhecimento. Afinal, educação para a morte beneficiará quem? Quais
instituições da vida? Qual é a sua importância e influência na vivência de doenças,
tratamentos e hospitalizações?
O espectro alcançado (e que vem alcançando) pelos cuidados paliativos e cuidados em
final de vida compeliu a necessidade de diretrizes que guiem os cuidados. No Brasil, mais
especificamente, um fato alarmou a sociedade, confirmando mais uma vez a necessidade
desses tipos de sistematizações. Pesquisa realizada pela consultoria Economist Intelligence
Unit e publicada pela revista The Economist, em 2010, coloca o Brasil em 38º lugar em um
ranking de 40 países quando o assunto é qualidade de morte. O país fica à frente apenas da
Uganda e da Índia, ou seja, somos comparados a países que têm poucos recursos (The
Economist, 2010). O Reino Unido, por sua vez, que tem uma cultura bastante forte em relação
aos cuidados paliativos, está em primeiro lugar no ranking. O que está faltando então?
Políticas públicas e, consequentemente, educação em cuidados paliativos e final de vida,
acredita a autora; isto é, compreender o que é uma morte humanizada, digna, sem sofrimento
a partir do outro, por isso a importância de ouvir a unidade de cuidado (PINHEIRO et al.,
2010). No que tange ainda às diretrizes, principalmente àquelas relacionadas a suporte
psicossocial e de luto (citadas anteriormente), não existe nada formalizado como o melhor
modelo a seguir, porém há uma crescente atenção relacionada a esses aspectos. A exemplo
disso, pode-se verificar as diretrizes de suporte psicossocial e de luto para cuidadores
familiares de paciente em cuidados paliativos desenvolvidas por um grupo de pesquisadores
australianos, que contaram com um criterioso método de investigação, incluindo o processo
Delphi, análise de especialistas do mundo inteiro, entre outros. Ao todo são vinte diretrizes,
sendo dez diretamente relacionadas à preparação para a morte e ao suporte no processo de
luto (antecipatório e pós-óbito) (HUDSON et al., 2012). A elaboração de tal documento é
mais uma confirmação da necessidade ascendente de preparo dos profissionais de saúde em
relação ao processo de morrer do paciente.
47
No que tange à formação dos profissionais de saúde em relação ao processo de morrer,
Kovács (2003) pontua, principalmente na área médica e da enfermagem, uma maior
valorização do saber técnico em relação à formação humanista, o que afasta o tema da morte
como foco de aprendizado. Outros estudos confirmam isso. Pesquisa realizada no Rio de
Janeiro (LIMA; BUYS, 2008) analisou a opinião de alunos dos últimos períodos dos cursos
de Enfermagem, Medicina e Psicologia com relação ao preparo deles para lidar com a morte e
a participação da formação nesse manejo. Além disso, avaliaram-se as grades curriculares e a
presença do assunto nas disciplinas. Constatou-se que o tema da morte é pouco abordado na
formação desses profissionais e que a graduação contribui de forma escassa para o preparo na
morte e morrer do indivíduo. O levantamento da literatura científica dos últimos cinco anos
sobre o tema da morte na formação da Enfermagem também foi objeto de pesquisa
(SANTOS; BUENO, 2011). Os resultados demonstraram que os discentes não são preparados
para lidar com a morte do seu dia a dia. Outro estudo que converge para o que tem sido
apresentado realizou um monitoramento da formação acadêmica do aluno do curso de
Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão (GURGEL; MOCHEL; MIRANDA,
2010). Constatou-se que existe uma formação voltada para o tema da morte, porém é
considerada insuficiente, sendo necessário um aperfeiçoamento na prática profissional. Tal
pesquisa apresentou um argumento interessante: o afastamento acadêmico da tanatologia pode
ser reforçador de práticas supersticiosas e obstinadas. Essa análise pode ser associada ao que
Forte (2011) traz quando verifica que a variabilidade de condutas em final de vida em relação
a suporte avançado de vida está relacionada à educação em cuidados paliativos. Essa visão
elucida a importância de se ter conhecimento sobre futilidade terapêutica e práticas
obstinadas.
No encontro dos resultados citados previamente, estudo realizado com profissionais
que atuam em UTI, para avaliar o preparo e formação quanto aos cuidados paliativos
(MACHADO; PESSINI; HOSSNE, 2007), revelou que se faz urgente a inserção desse tema
nas grades curriculares, o que permitirá e auxiliará reflexões sobre questões de final de vida e
bioéticas para a melhor tomada de decisão sobre objetivos de tratamento e limitações
terapêuticas frente a pacientes com doenças/condição crônica progressiva e limitantes da vida.
Em relação à Psicologia, esta se aproximou da temática da morte ao ser inserida no
trabalho em hospitais, postos médicos, escolas, organizações, emergências e situações de
catástrofes que têm atingido os seres humanos (KOVÁCS, 2003).
Atualmente, ainda segundo Kovács (2003), existem alguns cursos no Brasil e no
exterior direcionados a psicólogos, assim como alguns laboratórios de estudos e pesquisas
48
sobre morte e luto, como por exemplo o Laboratório de Estudos sobre o Luto (LELu), na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e o Laboratório de Estudos sobre a
Morte (LEM), na Universidade de São Paulo. Ainda de acordo com essa autora (KOVÁCS,
2005; KOVÁCS, 2008), a educação para morte direcionada a profissionais de saúde deve
contemplar os seguintes aspectos:
Sensibilização para que o aluno atente para sentimentos e pensamentos
relacionados a temas abordados no curso.
Variedade de abordagens teóricas que tratem do tema da morte.
Reflexão sobre a prática profissional, associando aspectos cognitivos e
afetivos, na busca de significados individual e coletivo.
Em relação aos cuidados paliativos, mais especificamente, são escassos os estudos
sobre educação para morte direcionados aos profissionais que compõem a equipe. Kovács
(2003) afirma que em relação aos trabalhos na área de Psicologia ocorre o mesmo. Em razão
disso, em 2000, já escrevera sobre o trabalho do psicólogo em cuidados paliativos, baseando-
se no trabalho profissional em hospitais, com pacientes gravemente enfermos e próximos da
morte, pontuando como um dos principais objetivos de trabalho a facilitação no processo de
comunicação. Faz-se importante pontuar que uma equipe preparada para o processo de morrer
do paciente constitui-se como um fator de proteção para um luto complicado da unidade de
cuidado.
Outros estudos demonstram a preocupação atual com a melhoria da educação em
relação aos cuidados paliativos e em final de vida. Uma revisão realizada por Block (2002)
identifica as abordagens que podem ser utilizadas para melhorar as deficiências reconhecidas
na educação formal e informal: desenvolvimento de líderes em cuidados paliativos, melhora
dos currículos, criação de padrões e processos de certificação de competências, criação e
melhora dos recursos educacionais para educação em final de vida, desenvolvimento do corpo
docente, novos espaços para educação, melhora dos livros-texto e bolsas de estudo para
cuidados paliativos.
Para finalizar, um artigo traz um levantamento de projetos que têm se desenvolvido
com o intuito de melhorar a aplicação dos princípios dos cuidados paliativos e cuidados em
final de vida (GRANT et al., 2009):
End-of-life Nursing Education Consortium (ENNEC): iniciativa nacional de
educação que visa melhorar o cuidado de final de vida nos Estados Unidos.
49
The Education for Physicians on End-of-life Care (EPEC): designado para a
prática dos médicos, no sentido do desenvolvimento de competências necessárias para um
manejo efetivo no cuidado de final de vida.
Disseminating End-of-Life Education to Cancer Centers (DELEtCC): projeto
educativo para melhorar os cuidados paliativos e os cuidados de final de vida, treinando
equipes interdisciplinares de centros de câncer.
50
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para compreender a complexidade da construção dos significados e as percepções dos
profissionais de saúde, as relações com o contexto no qual se produzem, valores e crenças, foi
utilizado o método qualitativo nesta pesquisa. Embora o instrumento básico tenha sido a
entrevista semiestruturada, ressalta-se que a pesquisadora não se limitou a ela, já que em
diversos momentos houve uma co-construção de novos questionamentos, que surgiram a
partir da resposta do participante, a qual acabava por perpassar pela experiência da autora na
área. Como aponta Minayo (1994, p. 21), a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis”.
5.1 Participantes
A amostra por conveniência foi utilizada para a escolha dos participantes da pesquisa e
foi constituída por profissionais da área de saúde que integram formalmente equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos.
O critério de exclusão foi o profissional não integrar formalmente equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos. Vale ressaltar que não foram entrevistados
profissionais que estivessem trabalhando na equipe da autora desta pesquisa, em atenção ao
cuidado de não enviesar o estudo. O acesso aos entrevistados foi feito por meio da rede de
contatos profissionais da autora. Elucida-se que encontrar pessoas que integrem equipes de
cuidados paliativos não é uma tarefa fácil, visto que tais equipes ainda são escassas e muitas
vezes não são formalmente constituídas, ou seja, muitos profissionais não são exclusivos das
equipes e acabam por formar um apoio. Disso decorreu a dificuldade de entrevistar
profissionais de certas especialidades. O intuito de entrevistar apenas pessoas que integrassem
formalmente equipes de cuidados paliativos teve o objetivo de observar e perceber a
particularidade de quem trabalha e vivencia esse dia a dia.
51
5.2 Estratégias para obtenção de respostas dos participantes
De início, utilizou-se como instrumento um questionário autoaplicativo (Apêndice A)
referente a dados acadêmicos, profissionais e principais cursos realizados pelo profissional.
A seguir, a fim de apreender a complexidade do nosso objeto de estudo, realizou-se
uma entrevista semiestruturada (Apêndice B), registrada em gravação sonora, que permitiu
“enumerar de forma mais abrangente possível as questões que o pesquisador quer abordar no
campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos, advindos, obviamente, da definição do
objeto de investigação” (MINAYO, 1994, p. 121). A pergunta disparadora da entrevista
solicitou que o profissional relatasse o histórico de sua formação e sua trajetória profissional
(incluindo entrada na equipe de cuidados paliativos), acreditando que essa questão inicial
poderia proporcionar ao participante o contato com suas percepções acerca do seu trabalho
nos cuidados paliativos e com o processo de morrer do paciente e a importância disso para a
prevenção do luto complicado da unidade de cuidado. A partir disso, os tópicos em pauta ao
longo da entrevista foram: formação profissional e cursos realizados, principalmente em
relação ao processo de morrer; a escolha por trabalhar em cuidados paliativos; as estratégias
utilizadas (em relação a si mesmo e para com a unidade de cuidado) no dia a dia para lidar
com a questão do processo de morrer e a percepção sobre sua contribuição para prevenção de
luto complicado da unidade de cuidado.
Deve-se enfatizar que a entrevista semiestruturada não foi seguida de forma rígida e
que serviu apenas como um fio condutor, o que proporcionou maior liberdade para
entrevistador e participante.
5.3 Estratégias para compreensão das respostas dos participantes
A análise das respostas passou pelas seguintes etapas: transcrição das entrevistas, que
foi produzida de forma fidedigna e literal, com o intuito de poder compreender a construção
dos raciocínios e percepção das emoções. Além disso, é importante frisar que houve sigilo
completo quanto ao nome dos entrevistados, cidades e instituições de ensino e trabalho,
utilizando-se de iniciais correlacionadas à profissão de cada um. A seguir, foi realizada pré-
análise, seguida da categorização a partir de nove temáticas pré-estabelecidas, advindas da
literatura e experiência da autora nesse campo de atuação. Não obstante, a pesquisadora não
52
se limitou a essas temáticas, na medida em que permitiu que pudessem surgir categorias
emergentes:
Formação, trajetória acadêmica profissional, entrada da equipe de cuidados
paliativos
Conferências familiares
Atuação da especialidade nos cuidados paliativos
Atuação e contribuições da especialidade no processo de morrer
Percepção sobre a influência de sua atuação no processo de morrer do paciente em
relação à unidade de cuidados
Compreensão sobre o luto
Estratégias criadas e utilizadas no dia a dia
Significado de boa morte
Histórias pessoais relacionadas ao tema de cuidados paliativos
Posteriormente foram feitos o tratamento e a interpretação dos resultados. Foi utilizada
a análise de conteúdo, que se constitui como “[...] um conjunto de técnicas de análise das
comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens” (BARDIN, 2002, p. 38). Tais procedimentos permitiram conhecer o
significado das palavras dos profissionais de saúde e extrair os significados presentes na
comunicação.
53
6 PROCEDIMENTOS ÉTICOS DA PESQUISA
Os participantes foram convidados e lhes foram esclarecidos objetivos da pesquisa,
procedimentos, riscos e benefícios envolvidos, bem como aspectos relacionados à gravação da
entrevista e sua posterior transcrição, a fim de garantir a fidedignidade do conteúdo fornecido.
A participação foi voluntária, bem como o sigilo em relação às suas identidades. Foi também
informado ao participante o direito de interromper a participação na pesquisa. Todos
receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice C), mediante
a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC/SP) (CAAE 01402912.5.0000.5482).
Após o encerramento de cada entrevista, foi oferecido ao participante um espaço
psicoterapêutico, caso necessário. Apenas um participante sentiu necessidade, sendo
amparado conforme acordado.
54
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na apresentação deste capítulo, como citado anteriormente, a autora discorreu sobre as
temáticas utilizadas na categorização de forma livre, relacionando-as umas com as outras,
sendo coerente com a complexidade do objetivo do estudo proposto, além de possibilitar e
proporcionar reflexões e questionamentos.
De início, a avaliação sistemática da formação dos profissionais e cursos realizados,
permitiu observar o seguinte:
Assistente social: conclusão do curso superior em 1978; especialização em Saúde
Pública e em Serviço Social comunitário/psiquiátrico; mestrado em andamento;
histórico profissional em instituições hospitalares.
Enfermeira: conclusão do curso superior em 2010; antes da formação superior era
técnica de enfermagem; histórico profissional em instituições hospitalares.
Farmacêutica clínica: conclusão do curso superior em 2004; especialização em
farmácia clínica e hospitalar; pós-graduação em farmacologia clínica; curso de
oncologia pediátrica; curso de atuação farmacêutica com foco no paciente;
histórico profissional em duas drogarias e três instituições hospitalares.
Fonoaudióloga: conclusão do curso superior em 1992; aprimoramento em
fonoaudiologia hospitalar; especialização em cuidados paliativos no exterior;
formação em cuidados paliativos no Brasil; docente em curso de especialização de
motricidade oral; histórico profissional em instituições hospitalares.
Médica: conclusão do curso superior em 1997; pneumologista, com doutorado na
área; especialização em cuidados paliativos no exterior; curso de docência em
cuidados paliativos; preceptora em pronto-socorro oncológico; histórico
profissional em instituições hospitalares.
Musicoterapeuta: conclusão do curso superior em psicologia em 1996; mestre em
musicoterapia; especialização em luto; sócia de uma organização não
governamental (ONG) direcionada a cuidados paliativos; docente de cursos de
cuidados paliativos na ONG; histórico profissional em instituições hospitalares e
atendimento clínico ambulatorial.
Psicóloga: conclusão do curso superior em 1997; especialização em psicologia
hospitalar; pós-graduação em psicologia hospitalar; mestre em gerontologia; curso
sobre educação para a morte; docente em curso de cuidados paliativos.
55
Com base no que foi apresentado, pode-se destacar algumas considerações,
relacionando-as com a trajetória profissional e ingresso dos participantes em equipes de
cuidados paliativos, como de discutirá mais adiante.
Os entrevistados foram unânimes em revelar que na graduação não tiveram ou tiveram
muito pouca informação sobre cuidados paliativos e processo de morrer do paciente, como
pode-se observar nas transcrições apresentadas a seguir, havendo privilégio para a abordagem
tecnicista, o que converge para o que foi constatado na literatura.
(...) porque sempre na minha prática eu atuei muito com crianças em terminalidade (...) mas
a fonoaudiologia não te dá essa formação... você aprende técnica: técnica pra reabilitar a
voz... técnica pra reabilitar a linguagem... técnica pra reabilitar a disfagia (...) Nunca tive...
nada... nada... porque nós somos clínicos... a nossa formação é reabilitação...(...)
(F., fonoaudióloga)
(...) fiquei um ano como enfermeira... na UTI... e aí... ia se implantar aqui no E1... os
cuidados paliativos... né... que eu não tinha nem... assim... tinha tido uma aula apenas de
cuidados paliativos... durante a graduação... tinha uma ideia do que era... mas não tinha
nenhum contato mais profundo com... com cuidados paliativos...
(E., enfermeira)
(...) na graduação eu não tive nenhuma abordagem de cuidados paliativos... e sobre morte...
morrer... também não... minha graduação foi muito tecnicista... muito voltada pra indústria
farmacêutica... né...até a minha pós-graduação... eu também não tive muito... essa
abordagem assim... na parte morrer...
(FA., farmacêutica clínica )
Se eu tive foi muito pouco... foi pouco né... foi pouco porque... não abordava esses temas
especificamente... na psiquiatria alguma coisa de luto complicado (...) mas assim... mais
especificamente na graduação... pouquíssimo (...) depois na residência... nada... nada... eu
me lembro de situações dificílimas na enfermaria de pneumo...
(ME., médica)
Na minha formação eu não tive NADA...NADA (...) o fracasso na faculdade não era muito
abordado... né... e a morte como vista como um fracasso... menos ainda... na especialização
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de Psicologia Hospitalar... eu vi... os paciente morriam... né... mas eu também eu não tive
nenhuma aula durante a especialização muito específica sobre isso...
(P., psicóloga)
Em relação a educação e cursos sobre cuidados paliativos e o processo de morrer do
paciente, a musicoterapeuta revelou que na ONG, da qual é sócia-fundadora e docente,
existem cursos voltados para essas temáticas que surgiram da necessidade e demanda,
principalmente dos recém-formados, que não sabem como fazer cuidados paliativos.
Todos os profissionais iniciaram suas atividades em unidade gerais e o contato com
pacientes graves e em fase de final de vida foi o que acabou conduzindo-os para os cuidados
paliativos. Essa questão ilustra o que foi discutido na introdução, quando se argumentou sobre
a prática dos cuidados paliativos no Brasil: na maioria das vezes iniciado em um processo de
final de vida do paciente e não concomitante ao diagnóstico e no curso na doença. Isso
também é demonstrado e confirmado por Azoulay et al. (2012), os quais destacaram que na
Europa os cuidado paliativos são realizados em sua maioria na UTI, ou seja, com pacientes
graves e em risco de vida, visto que não há muitos especialistas que praticam cuidados
paliativos (dentro e fora da UTI). Inseridos nesse contexto de pacientes gravemente enfermos,
verificou-se na presente pesquisa que alguns dos participantes já praticavam cuidados
paliativos, porém sem identificar a prática como tal. Eles relataram que o contato com demais
colegas da área de saúde foi o que os auxiliou na identificação da sua prática como sendo de
cuidados paliativos, como se pode constatar por meio das transcrições que seguem:
Nessa minha entrada nos hospitais que eu fui tendo na minha vida... aquilo me angustiava
muito... né... lidar com a morte... crianças que eram irreversível (...) atendi muitos anos em
homecare (...) e eu levava músicos pra ir tocar comigo porque era uma forma de trabalhar a
linguagem... de provocar um bem-estar... de ter uma qualidade de vida (...) e aí em 2007
quando eu fui fazer o curso no exterior... eu falava (...) tem nome o que eu faço... eu não sou
uma louca (...)
(F., fonoaudióloga)
(...) o meu primeiro contato com cuidados paliativos foi quando eu trabalhei na FA1 ...que eu
trabalhava com oncologia pediátrica... então... né... esse contato... né... do... com cuidados
paliativos... né... com pacientes muito próximo ao momento final de vida...era muito
frequente... né... por conta do perfil do paciente oncológico (...)
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(FA., farmacêutica clínica)
(...) eu me formei em 1978... então tem muito tempo que eu convivo com as situações de
terminalidade... (...) mais especificamente 1996... isso ficou mais concreto... eu me transferi
pra AS2... e aí já cheguei com o firme propósito de melhorar... as minhas habilidades... no
manejo com a crise provocada pela finitude humana (...) nós participamos da organização de
um primeiro projeto piloto de cuidados paliativos...
(AS., assistente social)
(...) por questão de... de organização... do estágio (...) logo de cara eu comecei a acompanhar
pacientes com um avanço do câncer... e que evoluíam pra fase final de vida (...) num outro
momento profissional (...) recebi um pedido pra atender uma paciente oncológica que tinha
acabado de ser transferida pra unidade de cuidados paliativos de lá (...) e todos os pedidos
de interconsulta do cuidado paliativo acabavam sendo respondidos por mim (...) aí eu
descobri o cuidado paliativo (...)
(P., psicóloga)
(...) a minha pós era em pneumo... com pacientes bastante graves... com sintomas às vezes
refratários também... e a gente precisava paliar né... eu nem sabia que existia isso (...) e aí de
repente meu universo abriu (...) eu encontrei um colega que já tinha feito oncologia (...) e aí
ele falou... ah... mas o modo que você pensa tem tudo a ver com cuidado paliativo...
(ME., médica)
(...) então quando eu tava na graduação e fui fazer o estágio no MU1... já foi uma área que
chamou a atenção (cuidado paliativo)... por ver as crianças... eh... morrerem (...) quando eu
fui pro MU3 eu fiquei na equipe de UTI e semi-intensiva da pediatria... e aí inevitavelmente a
gente lidava com... com crianças muito... muito graves... e o olhar de cuidado paliativo
também surgiu (...)
(MU., musicoterapeuta)
Apesar de apenas a fonoaudióloga e a médica possuírem especialização em cuidados
paliativos, e a psicóloga e musicoterapeuta terem feito cursos específicos sobre o processo de
morte e morrer, pode-se perceber que os profissionais de forma geral têm buscado se
aprimorar, por meio de leituras e cursos complementares relacionados aos cuidados paliativos
58
e sua área de atuação. Foi identificado na pesquisa, que a motivação para tal aprimoramento
está calcada na percepção de necessidade de aprofundamento, que é exigida a partir da
oportunidade de trabalho e da consequente vivência, experiência e contato com outros
profissionais. Destaca-se que o sentimento de satisfação e contentamento em buscar
conhecimento e trabalhar na área não tem apenas a vivência dos cuidados paliativos como
fonte propulsora, sendo necessária uma identificação do profissional com esse tipo de trabalho
e com o perfil do paciente.
(...) ia implantar aqui no E1...os cuidados paliativos (...) eu fui convidada (...) comecei a ler
alguns artigos também sobre cuidados paliativos... tem um outro livro também que eu li (...)
voltado pra enfermagem (...) e a experiência do dia a dia que eu tenho tido aqui no setor...
né... na verdade (...) pretendo... me aprofundar mais... pretendo me especializar... fazer
cursos de especialização (...)
(E., enfermeira)
(...) acho que veio (motivação) (...) do exercício profissional... da minha convivência com
essa situação... e da observação das dificuldades do abandono... isso me chamava muita
atenção... o abandono que os pacientes ficavam numa fase importante da vida... (...) acho que
foi a vivência no exercício da minha profissão que fez crescer o... em mim o desejo de fazer
alguma coisa pra mudar essa situação...
(AS., assistente social)
(...) aí eu fui procurar saber [o que eram cuidados paliativos] (...) e aí eu prestei o concurso
dos cuidados paliativos (...) e acabei indo fazer um curso no exterior (sobre cuidados
paliativos) ... e no fim tinha a ver com oncologia... e me apaixonei por onco também... e
cuidado clínico em onco (...) e aí eu tô aqui na emergência por causa disso... e fazendo os
dois (...) Eu adoro (...) é onde eu descanso... eu falo... porque é trabalho num controle clínico
de sintomas...
(ME., médica)
(...) quando eu cheguei aqui no FA2... eh... na verdade não estava definido que eu viesse pra
esse andar... que é característico mais dos pacientes em cuidados (paliativos) (...) eu gosto de
trabalhar em cuidados paliativos... embora aqui no FA2 não tenha sido uma coisa... assim
“ah... eu escolhi...” (...) Eu sinto uma necessidade... de aprofundamento nessa área... porque
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têm muitas coisas que eu fico meio indecisa... algumas abordagens (...) que muitas vezes não
são muito bem aceitas (...)
(FA., farmacêutica clínica)
A partir dos trechos das entrevistas apresentadas, pode-se destacar que apenas a
farmacêutica clínica, que relata não ter escolhido efetivamente trabalhar em cuidados
paliativos, traz a necessidade de estudar por ter dúvidas de como realizar o seu trabalho, além
de essa ser uma forma de conseguir se inserir na equipe – ao longo da entrevista evidenciou-
se que essa profissional tinha conflitos relacionados à filosofia e prática dos cuidados
paliativos. Os demais demonstraram identificação e empatia com o universo dos cuidados
paliativos, o que pode estar relacionado, entre outros fatores, com crenças e valores.
No emaranhado em que se constitui a prática dos cuidados paliativos, os entrevistados
foram unânimes ao considerar a comunicação como ponto importante para o desenvolvimento
e manejo do trabalho, no sentido de ser mais humano e não somente técnico. Isso inclui a
realização de conferências familiares e a necessidade, muitas vezes, de mais de uma
conferência. Verificou-se que tais conferências são realizadas como uma estratégia de
comunicação, no sentido de se estabelecer acordos relacionados ao tratamento e prover
esclarecimentos. Por conseguinte, tal constatação vai de encontro ao que foi explanado na
introdução deste estudo. Apesar disso, foi identificado que essas reuniões não fazem parte do
dia a dia de todos os profissionais, devido à falta de condições de trabalho, outras
responsabilidades e à dificuldade de contexto e de habilidade:
(...) eu nunca participei duma conferência familiar (...) mas eu acredito que quando você vai
dar uma notícia envolvendo a morte... né... ou a possibilidade da morte de um familiar... ou a
conduta médica mudando (...) cê precisa ser muito humano (...) não ser tão técnico (...) existe
uma área da farmácia que tá crescendo (...) que é a atenção farmacêutica (...) voltada...
justamente pra essa parte... como conseguir entender a condição do paciente... ter uma
comunicação adequada com ele (...)
(FA., farmacêutica clínica)
(...) bom, a gente faz reunião familiar... geralmente primeiro pra abordar (...) cuidados
paliativos... e conforme esse paciente vai evoluindo... a gente vai sentindo a necessidade de
fazer ou não mais reuniões (...) Eu acho que a reunião é fundamental (...) é importante a
participação de todos... da equipe mesmo (...) cada um contribui dentro da sua... eh profissão
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(...) cada um vai (...) poder oferecer o cuidado melhor... tanto pra ele (familiar) quanto pro
paciente... né...que tá... já... numa fase final de vida...
(E., enfermeira)
(...) o protocolo do programa de cuidados paliativos tem... prevê isso (conferência familiar)
na fase inicial (...) eu não participo desse trabalho... a partir do momento que eu manifestei
uma preocupação maior com a questão da espiritualidade eu fiquei com um grupo de
voluntários... (...) então... eh... muitas vezes o jeito de dar a notícia foi muito ruim na nossa
experiência e a equipe de cuidados paliativos tem que depois... eh... conseguir trabalhar com
a pessoa pra que ela consiga elaborar aquilo (...)
(AS., assistente social)
A assistente social continuou, citando a necessidade de abertura de outros espaços para
poder conversar com as famílias:
(...) nós criamos muitos espaços... uma reunião que a gente chama de familiares ou
cuidadores que são familiares e cuidadores de diferentes pacientes... que vão pro serviço pra
serem cuidados naquele momento pela psicologia e pelo serviço social... é uma reunião... que
aí é uma reunião com todos os familiares de um mesmo paciente... aí nós vamos entender a
dinâmica familiar...
(AS., assistente social)
A psicóloga também trouxe a sua percepção:
(...) reunião de família é fundamental... têm equipes que infelizmente não têm pernas pra que
isso aconteça...não têm tempo (...) às vezes as conversas têm que ser refeitas... porque a cada
momento as necessidades vão mudando (...) têm coisas que são decisões médicas... mas têm
coisas que podem ser compartilhadas (...) isso tem a ver com aquilo que eu disse que é da
comunicação... né... isso faz com que as coisas fiquem alinhadas (...)
(P., psicóloga)
A médica relatou realizar poucas conferências familiares atualmente em razão do
contexto de emergência em que atua e também no hospice, no qual os pacientes normalmente
já chegam com objetivos de tratamento bem definidos. Apesar disso, relatou sua opinião:
61
(...) eu acho que... tem modelo que funciona... e tem modelo que às vezes não... depende da
família... sei lá... às vezes cê colocar oito irmãos que se dão mal... numa conferência dessa...
pode ser desastroso... como pode ser muito bom... depende do momento deles... acho que tem
muita coisa... aí... que não... não sou contra... mas acho que é difícil ...muitas vezes... deve ser
difícil...
(ME., médica)
O discurso da médica traz à tona um ponto importante, discutido em relação ao
aprendizado da comunicação, elucidando nas entrelinhas a importância de se particularizar a
forma de se comunicar de acordo com o contexto familiar. A literatura, da mesma forma, traz
técnicas de comunicação, porém argumenta-se a necessidade de individualizar as conversas
como discutido na Introdução.
A musicoterapeuta, por sua vez, apesar de não citar propriamente conferências
familiares, referiu realizar reuniões com as famílias, mas com a finalidade de auxiliar paciente
e familiares a se comunicarem entre si, o que coloca em destaque, mais uma vez, o trabalho e
assistência à unidade de cuidado.
(...) às vezes eu convoco a família... pra determinados períodos... assim tipo ...ah... não vai
estar todo mundo à noite... tal... não adianta você falar ...então... vamos fazer reunião
familiar... e aí a gente convoca a família... pra poder falar... conversar... compartilhar o que
tá sendo difícil... e isso que aproxima a família (...)
(MU., musicoterapeuta)
Vale ressaltar que em todos os discursos apresentados anteriormente, no que concerne
à comunicação, evidenciou-se a preocupação com a unidade de cuidado e a prestação de
assistência e inclusão da mesma no tratamento. A autora analisa que tal fato contribui para o
desenvolvimento de uma base segura para paciente e família.
Acrescenta-se que a comunicação, assim como a atenção à unidade de cuidado, foram
elementos sempre presentes e recorrentes nos discursos, independente do tema tratado, o que
pode sugerir novas conclusões e reflexões mais adiante.
Seguindo a linha de discussão do que foi apresentado nas entrevistas, é importante
contemplar e considerar o que os participantes explicitaram sobre a contribuição e atuação da
sua profissão nos cuidados paliativos e o que difere de outras especialidades. Independente da
62
prática profissional específica de cada um, foram identificados determinados aspectos, os
quais compõem e podem ser reconhecidos nos pressupostos dos cuidados paliativos: trabalhar
e perceber o paciente com respeito e considerando-o de forma integral, em todas as suas
dimensões e necessidades, e contemplando seu grupo familiar. Tal percepção pode ser
entendida como norteador e referência para a prática de cada um.
(...) eu acho que os cuidados paliativos é um movimento muito recente na fono (...) a fono se
estruturou na técnica... criou... talvez... é mudar esse conceito... do fazer... (mudar para um
conceito) De respeito... de cumplicidade (...) ser altruísta... se colocar no lugar do outro (...)
mas a família se sente parte do processo... né... acho que a família tem que tá junto... no
processo (...) SEMPRE eu peço pra família participar do processo (...)
(F., fonoaudióloga)
(...) o que eu destaco em cuidados paliativos... é... a possibilidade do conhecimento que a
gente tem daquele paciente como um todo... né... a história de vida daquele paciente (...) e...
em cuidados paliativos você consegue estender isso... é... justamente por ter mais contato
com a família... por conversar... é com os familiares... por... pelo cuidado ser integral
mesmo... não só pro paciente como pra família (...)
(E., enfermeira)
(...) eu acho que só é diferente pelas dificuldades que nós temos de lidar com esse tema... mas
quem não gostaria... em qualquer tratamento... mesmo curativo... de ser confortado... de ser
visto de uma forma global (...) e fundamentalmente eu acho que a gente tem um papel muito
importante no grupo familiar (...) que o grupo familiar todo precisa ser apoiado... aliás... um
princípio do cuidados paliativos que a família é unidade de tratamento...
(AS., assistente social)
(...) eu acho que o cuidado paliativo integra (...) ele valida a biografia da pessoa (...) é um
outro jeito (...) de fazer cuidado em saúde...que você olha pra todas as necessidades (...) e
não só da pessoa ...mas da unidade de cuidados (...) o que um psicólogo precisa... ele precisa
encarar a proposta de atendimento como um encontro (...) entre... o psicólogo e o paciente...
o psicólogo e a família (...) e tentar nortear e acompanhar com acolhimento... com apoio...
com orientação (...) pra que aquilo seja menos sofrido (...)
(P., psicóloga)
63
(...) então eu faço questão sempre de ter um diálogo bem aberto com respeito a isso... sem
que ficar com muitos pudores (...) e o que a gente puder ajudar (...) com remédio... com
tratamentos específicos com cuidados... controle de sintoma né... com dúvidas (...) prevenindo
as ansiedades... né... mantendo ele mais estável (...) então dado isso (...) eu acho que passam
mais leve... né... e a gente também (...)
(ME., médica)
As descrições das atuações de trabalho demonstraram, pois, uma preocupação com a
pessoa que está doente, e não apenas com a doença. Há uma valorização da rede de apoio,
valores, desejos e biografia. Percebe-se claramente que os profissionais extrapolam para além
de sua técnica de trabalho, estando atentos para o todo do paciente. A autora observa que tais
comportamentos são caracterizados como de apego seguro, pois acabam por gerar
acolhimento, consistência e continência às necessidades da unidade de cuidado. A
farmacêutica clínica diferiu dos demais nesse aspecto, já que ao falar de sua atuação
apresentou preocupação, principalmente com o fazer técnico, de como alinhar as prescrições
de acordo com o perfil do paciente em cuidados paliativos.
(...) então... como é que vou dizer... é um olhar diferente pra prescrição... é um olhar
diferente pros tratamentos instituídos... mas muitas vezes o meu contato com a equipe é bem
mínimo... porque essas adequações de prescrição o próprio médico especialista já faz...
(FA., farmacêutica clínica)
Vale ressaltar que a farmácia clínica é uma atuação recente do farmacêutico. Ela teve
início na década de 1960, após a insatisfação de estudantes e professores de Farmácia da
Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos, com a condição do farmacêutico ser
considerado apenas como um vendedor de medicamentos (PEREIRA; FREITAS, 2008) ou
um técnico de produção (VIEIRA, 2007) depois do avanço tecnológico da indústria
farmacêutica. Esse movimento chamado de “farmácia clínica” tinha como objetivo aproximar
o farmacêutico do paciente e da equipe de saúde, permitindo o desenvolvimento de atividades
relacionadas à farmacoterapia (MENEZES, 2000), ou seja, o medicamento seria utilizado
como um meio para alcançar um resultado, fosse ele curativo, paliativo ou preventivo
(VIEIRA, 2007).
64
A Sociedade Europeia de Farmácia Clínica, com base na definição da WHO (1994),
descreve a farmácia clínica como “uma especialidade da área da saúde, que descreve a
atividade e o serviço do farmacêutico clínico para desenvolver e promover o uso racional e
apropriado dos medicamentos e seus derivados”. Observa-se que o objetivo do trabalho não
estava mais focalizado no medicamento, mas na preocupação em minimizar os riscos
inerentes ao uso de produtos farmacêuticos (VIEIRA, 2007). Assim, avalia-se entre outras
coisas, interações medicamentosas e os efeitos que podem causar no paciente, permitindo
realizar reconciliação medicamentosa. Observa-se, pois, que é um trabalho voltado para a
análise de farmacoterapia e que acaba por deixar o profissional próximo apenas da equipe de
saúde e distante do paciente (PEREIRA; FREITAS, 2008). Essas informações condizem com
o que foi dito anteriormente pela entrevistada FA (farmacêutica clínica), que acaba por ficar
focada nas prescrições e na análise das interações das medicações.
Por conta disso, concomitante ao movimento da farmácia clínica, na década de 1970,
alguns autores decidiram por redefinir o papel do farmacêutico, estendendo seu campo de
atuação. Surgiu então o conceito atenção farmacêutica (PEREIRA; FREITAS, 2008), citado
pela entrevistada desta pesquisa (FA), como um campo que aproxima o profissional da
farmácia do paciente e que elucida a importância da comunicação. A atenção farmacêutica é
uma prática desenvolvida no âmbito da Assistência Farmacêutica, inserida no trabalho de
equipe, e engloba atitudes, comportamentos, valores éticos, habilidades, os quais são
utilizados na prevenção de doenças e promoção e recuperação de saúde. Pressupõe uma
interação entre profissional e usuário, visando de forma geral melhor qualidade de vida do
paciente. Vale ressaltar, que nesta interação faz-se importante respeitar as particularidades
biológicas, psíquicas e sociais de cada um, com uma visão integral do indivíduo
(CONSENSO BRASILEIRO DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA, 2002). Destaca-se que a
atenção farmacêutica não exclui o trabalho da farmácia clínica, na medida em que o
conhecimento da farmacoterapia é fundamental para uma prática completa e de qualidade, que
permita avaliar os resultados clínico-laboratoriais dos pacientes (PEREIRA; FREITAS,
2008).
A autora acredita que a dificuldade da farmacêutica clínica entrevistada em se inserir
e ser aceita na equipe provém do quão recente é essa atuação do profissional farmacêutico e
quanto os demais membros da equipe desconhecem o trabalho realizado.
A pesquisadora ainda discute o que foi citado anteriormente a respeito das formas de
atuação narradas pelos profissionais no que tange a sair da zona de conforto do seu
conhecimento tecnicista, argumentando que eles revelaram a existência de um trabalho
65
multidisciplinar, e quem sabe interdisciplinar, na medida em que o médico, por exemplo, se
preocupa com a ansiedade do paciente por falta de informação. Assim, constatou-se que os
entrevistados se percebem como membros inseridos em uma equipe multidisciplinar. Falam
de si sempre inseridos em uma equipe, como se pode notar pelas transcrições que seguem:
(...) casos de AVC... extenso... paciente com gastrostomia... idoso... na idade avançada... cê
sabe que é cuidados paliativos... tá certo? Eh... qual é o meu sentido... né... nesse processo...
eu sempre digo pra família... alicerçado junto com a equipe médica... tá... que eu converso
sempre antes com a equipe médica.
(F., fonoaudióloga)
(...) quando tem uma reunião (de equipe) ... você conhece as pessoas e consegue perceber que
elas têm uma capacitação... pra atuar com aquele perfil de paciente... todos os profissionais
ficam mais seguros em abordar... em tirar uma dúvida... em... em dividir qualquer coisa (...)
essa troca ela é importante sim... por que muitas vezes... eh... tratamentos (...) condutas
podem ser modificadas...
(FA., farmacêutica clínica)
(...) e a partir daí que nós estruturamos um programa de cuidados paliativos (...) hoje o setor
de oncologia atende em média cem pacientes em cuidados paliativos... expandiu... e aí o
hospital contratou assistentes sociais... psicólogos... médicos... enfermeiros... e se constituiu
uma equipe própria pra lidar com atenção na fase final da vida em oncologia (...)
(AS., assistente social)
(...) dentro do cuidado paliativo...psicólogo não é... subserviente ao médico como às vezes em
outros modelos da psicologia (...) no cuidado paliativo a comunicação e o trabalho em
equipe tem que ser ali... de igual pra igual... né... o psicólogo identificando sintomas que
trazem sofrimento... e que o sintoma psíquico pode exacerbar o sintoma físico... né... e
comunicar isso com o médico... e vice-versa (...)
(P., psicóloga)
(...) mas existem momentos que eu fico muito triste também... e aí... nesses momentos... eu
tenho que correr pros meus colegas amigos... que fazem o que eu faço... que entendem o que
é... ((riso))... pra poder compartilhar... pra poder me cuidar ...pra poder entender qual foi o
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meu papel... o que foi feito... é onde que eu me despeço... né... como que eu posso finalizar...
a minha história... com determinado paciente (...)
(MU., musicoterapeuta)
Verifica-se, portanto, que o trabalho em equipe possui significados e funções, como
promover trocas, tanto de informações para respaldo de atuação técnica, como de sentimentos
e sensações em momentos difíceis. Ademais, os entrevistados demonstraram que existe um
trabalho em conjunto, seja para controle de sintomas, seja para a estruturação e
desenvolvimento do serviço. Essas vivências revelam que a própria equipe representa uma
base segura para os membros que a compõe.
Percorrendo o que foi discutido sobre as atuações e o trabalho em equipe em cuidados
paliativos, verifica-se novamente que o tema da morte se mostra presente. Investigou-se, pois,
a atuação dos profissionais mais especificamente nesse momento, conforme expresso nos
relatos seguintes:
(...) os meus pacientes em terminalidade (...) eu não vou fazer exercício (...) pra reabilitá-lo...
eu vou promover o conforto... então eu sempre trabalho muito com a equipe (...) eu tenho
muita coisa para usar com o meu paciente... né... pra melhorar a comunicação (...) o paciente
tem o livre-arbítrio... ele tem a opção de escolha... do que ele quer (...) e se você faz isso em
vida (...) na hora da terminalidade é muito mais ameno...tudo fica claro.
(F., fonoaudióloga)
(...) esse trabalho do psicólogo na (...) fase final de vida e luto (...) a equipe... junto com o
psicólogo... tem que tá alinhada na comunicação e na boa assistência (...) às vezes você tem
que... emprestar a sua voz pro paciente que não tá conseguindo falar (...) porque no fim de
vida... (...) as pendências têm que ser resolvidas (...) o sofrimento faz parte... eh... o que a
gente conseguir diminuir melhor... né... mas exterminar o sofrimento do outro ninguém
consegue (...)
(P., psicóloga)
A fonoaudióloga e a psicóloga destacaram a possibilidade de dar voz ao paciente na
fase final da vida, isto é, auxiliá-lo para que possa se comunicar no que concerne aos seus
desejos, medos e fantasias, incluindo-o nesse processo quando for seu desejo. A
musicoterapeuta, da mesma forma, trouxe a preocupação em escutar o paciente, assim como
67
favorecer a expressão de seus pensamentos e sentimentos por meio da música, o que pode ser
caracterizado como um trabalho de elaboração de luto antecipatório da unidade de cuidado
(GILLIES; NEIMEYER, 2006), como pode ser observado na seguinte transcrição:
(...) a grande estratégia é ouvir com cuidado (...). com perguntas que sejam mais... é...
relativas a processo de final de vida (...) encorajar o paciente a resgatar a história dele com
essa família (...) vem como um recurso (a música)... que às vezes é fundamental... pra
pacientes que não conseguem falar (...) e aí na dedicatória dessas canções... eles falam tudo
que não conseguem falar (...) mas fica aquela coisa do registro do afeto... do amor... e isso
acaba sendo muito importante... pra as famílias...
(MU., musicoterapeuta)
Verifica-se ainda que, assim como a psicóloga, a enfermeira trouxe em seu discurso,
apresentado a seguir, além de outras considerações, a presença do sofrimento da família como
algo que é natural e presente no momento de perda de um ente querido:
(...) na fase final (...) a família não quer que o paciente sofra (...) como parte da equipe... eu
tenho que tá atenta realmente se esse paciente não está sofrendo né... estar observando se as
medidas que estão sendo feitas pro conforto estão sendo suficientes (...) eu acho que eles
(familiares) ficam mais (...) tranquilos mesmo... sofrem... claro... porque é uma perda né...
não tem jeito de não sofrer... mas acaba sendo mais tranquilo...
(E., enfermeira)
A assistente social e a médica também trouxeram as suas percepções, relatadas a
seguir, que, analisadas juntamente com as demais apresentadas anteriormente, demonstram
que na fase final de vida do paciente o esforço e as atividades em equipe para manter o
conforto e para assistir à unidade de cuidado, da mesma forma, configuram-se como
comportamentos de apego seguro que acabam por contribuir para o desenvolvimento de uma
base segura para paciente, família e equipe:
(...) eu acho que é (...) um compartilhar com outros profissionais (...) a função é muito mais
de acolhimento daquela dor (...) de compartilhar com a família (...) é um momento de muito
desespero... muitas vezes (...) mesmo quando há aceitação da morte e ela tá acontecendo em
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condições mais tranquilas (...) e com todas as pessoas da equipe nós podemos representar um
apoio muito grande pra família (...)
(AS., assistente social)
(...) cabe a mim e à equipe toda eu acho... deixar pra ele (paciente) um ponto (...) de
dignidade... de ele saber que ele pode contar com pessoas nas inseguranças que ele tiver...
né... num momento que fisicamente as coisas não tiveram boas também (...) pra cada hora
tem um profissional... mais específico que também pode ser designado pra isso (...) cada um
dentro de sua especialidade (...) acaba se entrelaçando com o outro (...)
(ME., médica)
A farmacêutica clínica, por sua vez, destacou que a sua relação com o paciente e com
a família na fase final de vida está relacionada ao uso da medicação utilizada para fins de
conforto para a unidade de cuidado (paciente desconfortável e família ansiosa ou angustiada
por ver o desconforto do paciente ou por ter de esperar o momento da morte), não incluindo e
percebendo a sua participação e contribuição efetiva nesse processo, o que é evidenciado na
transcrição seguinte:
(...) nessa hora (...) é quando o paciente entra naquele processo de sedação de conforto (...)
acho que essa (...) última abordagem com o paciente acaba sendo (...) muito relacionado ao
medicamento... não ao farmacêutico (...) porque vai ser... eh... alívio... né... de muitos
sintomas... né... alívio pra família... porque a família não vai presenciar umas reações do
paciente... que possam trazer desconforto.
(FA., farmacêutica clínica)
A autora acredita que essa percepção possa estar relacionada com a dificuldade de
inserção do farmacêutico clínico nas equipes de modo geral (como citado anteriormente) e
também, de forma mais específica, com o conflito religioso e filosófico de vida que essa
profissional possui em relação ao uso de medicações em casos de sedação paliativa.
Vale ressaltar que nessa discussão sobre atuações e contribuições dos profissionais na
fase final de vida do paciente, três entrevistadas (médica, assistente social e psicóloga)
destacaram a necessidade de haver disponibilidade e envolvimento, porém com limite, como
se pode observar nos relatos a seguir. Tal fato foi identificado como estratégia de
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enfrentamento, a qual contribui para a saúde mental e física dos profissionais, assim como
prevenção de burnout.
(...) mas eu não fico mais... né ...indo lá ...nem buscando mais coisas... que é uma forma de
me proteger (...) é muito envolvimento... não é que eu não me envolva agora... lógico... a
gente se emociona... abraça... chora (...) mas tem que ter uma coisa que não te desgaste
tanto... né ...assim... preencher também a vida lá fora com coisas boas... fazer outras
atividades...
(ME., médica)
(...) eu acho que é uma diferença fundamental entre se envolver e se misturar... eu não posso
perder a minha capacidade de intervenção profissional... mas sentir compaixão...
solidariedade... sofrer... fazer o luto... chorar a hora que morre... eu faço isso hoje com muito
mais tranquilidade e acho que isso... é isso que me ajuda a não desistir...
(AS., assistente social)
Tá continente (na fase final de vida)... ahn... acho que... ser um interlocutor da família...
paciente (...) mas deixando sempre o limite (...) da disponibilidade integral... há uns anos
atrás... eu dizia... morrer de madrugada me liga... eu tenho que tá perto o tempo todo... não...
cê tem que fazer o trabalho direitinho... né... no momento que tem que fazer (...) orientar a
equipe (...)
(P., psicóloga)
A autora pontua, a partir de sua vivência em cuidados paliativos, que o
reconhecimento do limite é importante, porém não é um comportamento fácil de se
desenvolver em virtude do vínculo que se estabelece com a unidade de cuidado e do valor do
cuidado paliativo de se estar disponível e atento às necessidades do paciente e da família.
Outros comportamentos citados pelos demais profissionais também podem ser
caracterizados como estratégias que auxiliam no enfrentamento na fase final de vida do
paciente: o próprio trabalho em equipe e a valorização do trabalho pelo outro (colega); ter
empatia pela situação da unidade de cuidado, que acaba por auxiliar na aceitação da situação
de perda; valores de família em relação à finitude; conhecimento e estudos; psicoterapia;
realização de atividade física e religião. As transcrições a seguir evidenciam esses aspectos:
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(...) eu penso muito na minha religião... não tem como... eh... eu ((emoção na voz)) peço
ajuda por aquela pessoa... pra aquela pessoa que tá recebendo aquele tratamento... por
aquela pessoa... por aquela família... eu penso nele... né... e na família... pra que eles sejam
amparados de alguma forma... não só aqui... mas como espiritualmente (...)
(FA., farmacêutica clínica)
(...) a estratégia que eu uso... eu procuro... éh... pensar no sofrimento daquele paciente (...)
porque vê aquele paciente naquela condição de vida... sem qualidade nenhuma... né... e vê
que a cada dia que se passa... ele tá sofrendo mais... faz a gente (...) aceitar melhor o
processo de morrer...
(E., enfermeira)
(...) acho que a partir do momento que eu... me defini como profissional que iria fazer (...)
pra atenção a pessoas na fase final da vida... e claro... evidentemente eu busquei me formar...
participei de congressos... fui estudar muito... ih... ih aí é claro que a formação foi uma busca
minha... né... hoje eu tô no mestrado (...)
(AS, assistente social)
(...) tinha um processo na terapia de pensar minha própria finitude (...) a comunicação entre
equipe (...) compartilhar (...) e conhecer qual que é o meu limite... diante daquele caso (...)
nos reunir pra discutir um pouco sobre as dificuldades da tarefa assistencial (...) pra mim a
maior estratégia de sobrevivência é o amor que eu tenho pelo trabalho (...) que você tem um
valor... que o médico te valoriza... que você tem uma importância (...)
(P., psicóloga)
(...) é eu preciso correr pro um abraço amigo... pra ((riso))... me ajudar... que são os mais
difíceis pra mim... mas é muito gratificante....
(MU., musicoterapeuta)
Enriquecendo esta discussão em relação às reações da unidade de cuidado diante da
morte do paciente, a psicóloga evidencia dois aspectos importantes: o processo de luto e a
necessidade de prevenção do luto complicado e a questão da medicalização do luto, a qual foi
abordada na Introdução. Em seu discurso, ela confirma o que a autora apresentou sobre
71
identificar o que é uma tristeza relacionada a um luto ou a uma depressão e a partir disso
discutir em equipe sobre formas de tratamento:
(...) a gente fala do luto da família... ah... a família... temos que prevenir luto complicado...
paciente na fase final de vida é a pessoa mais ENLUTADA (...) aí vem um médico querer dá
antidepressivo (...) e o psicólogo acho que ele tem essa tarefa de tradutor...sabe? Isso não é
uma depressão... isso é um luto... como é que lida com luto? E vê sinais de luto da família...
sinais de luto complicado... eh... eu faço telefonema de condolências (...) já dá pra avaliar... a
necessidade de um possível encaminhamento...
(P., psicóloga)
Nesse contexto sobre a questão do luto, os entrevistados foram questionados sobre
suas compreensões e entendimentos a respeito do que é um processo de luto:
Eh... eu acho que é um choro que vem... mas tem um equilíbrio... é... não é aquela coisa...
caótica (...) que eu acho que isso que é o luto saudável... né...
(A., fonoaudióloga)
Luto... eu entendo como um... eh... um processo que acontece depois que a pessoa vai a óbito
(...) que envolve muitos sentimentos... sentimentos de perda... eh... de tristeza... que é um
processo mesmo... que ele tem que passar... e que todo mundo passa sempre que perde
alguma coisa...
(E., enfermeira)
(...) luto é o rompimento de um vínculo... né... que existiu entre pessoas que tinham uma
relação... e aí... eh ...quando essa... quando uma pessoa morre... essa relação... não existe
mais com uma pessoa viva... né... existe como história... existe com as fantasias... do que essa
pessoa tá vivendo no pós-morte...
(MU., musicoterapeuta)
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Não é um luto sem dor... evidentemente... né... acho que dor sempre estará presente quando
acontece perda... mas eu entendo que depois de um momento... de um sofrimento mais
intenso... a família consegue continuar sua trajetória... retoma suas atividades e guarda
dentro do coração a saudade pelo que partiu... mas ela consegue continuar vivendo...
(AS., assistente social)
(...) é um conceito muito particular mesmo... que é aquele período... né... ou a pessoa...ou
uma família que vai se deparar com a ausência (...) daquele ente que partiu... que vai
readaptar a sua vida (...) às vezes já tinha rotinas estabelecidas... de cuidados com aquela
pessoa... né... e aí agora... já ela não está mais ali... então a sua vida muda... né... então você
tem que readequar suas rotina... seus horários... sua casa...
(FA., farmacêutica clínica)
(...) Mas acho que é assim... tem que chorar mesmo... tem que se enfiar na caverna um
tempo... tem que achar que o mundo não é justo... tem que ficar com raiva de Deus... pra
depois ressurgir de uma maneira diferente... com entendimento (...) e o que sobra são as boas
lembranças... né eventualmente quem morre vira santo (...) ou talvez numa visão mais
realista (...) mas uma coisa gostosa...
(ME., médica)
A partir da análise dos discursos, pode-se observar que os profissionais compreendem
o luto normal como decorrente da ruptura de um vínculo e muitas vezes acompanhado do
sentimento de tristeza, que é entendido como algo natural e adequado ao contexto. Além
disso, surgiu a questão da necessidade e possibilidade de reconstrução da vida. Tais
conclusões podem ser entendidas à luz do modelo do processo dual, que permite a
compreensão de que ao mesmo tempo que não há uma linearidade no processo de luto há a
possibilidade de construções de significados no processo de oscilação entre as tarefas voltadas
pela perda e aquelas voltadas para a restauração (STROEBE; SCHUT, 1999).
Adentrando mais especificamente no objeto de estudo desta pesquisa, entre todos os
entrevistados a psicóloga foi a única que citou especifica e espontaneamente a temática do
luto sem ter de ser questionada efetivamente sobre isso quando falado sobre fase final de vida.
A assistente social e a musicoterapeuta verbalizaram momentos e situações de despedida e
resolução de pendências presentes no luto antecipatório (GILLIES; NEIMEYER, 2006),
porém sem explicitarem que se tratava de um processo de luto.
73
(...) percebemos a importância que podia ter a história oral... que acabou gerando um projeto
(...) a família começa a fazer uma conversa em torno daquilo e que acho que o processo de
construção do livrinho com a história da vida é o que é interessante... é o que vai permitindo
a gente fazer as costuras... né... ou ajudando nesse processo... os rompimentos... as rupturas
que foram ficando pra trás e que têm impacto até hoje (...) E resolver algumas pendências
(...)
(AS., assistente social)
(...) então... o uso de canção com paciente em fase final de vida... acaba sendo um recurso
que acolhe... e que promove comunicação... promove troca de afeto... aquela coisa de... ah...
eu queria tanto pedir desculpas pro meu marido... porque isso... isso... aquilo... e dizer que eu
o amo... porque eu não disse aquilo... mas eu não consigo... porque se eu falar (...)
(MU., musicoterapeuta)
Os entrevistados, em razão da falta de espontaneidade em discorrer sobre o luto (com
exceção da psicóloga), foram indagados de forma direta, a partir de explanações da
pesquisadora, sobre como percebem a influência de sua atuação no processo de luto da
unidade de cuidado, no sentido de contribuição para prevenção de luto complicado:
(...) eu tenho que dá voz pra esse paciente (...) uma forma de esse paciente poder dizer o que
ele tá sentido (...) né... eh... eu tenho que falar sobre a morte... eu não posso me isentar disso
(...) então quando cê vai mexer... na morte... você mexe com a cultura... dependendo da
cultura que o teu trabalho vai tá inserido (...) você vai ter um tipo de abordagem (...) acho
que quando as coisas são muito mal resolvidas... durante todo o processo e eu não resolvo...
o luto vai ser complicadíssimo (...) Tem que ter uma fala linear... tem que tá presente (...)
(F., fonoaudióloga)
A fonoaudióloga concluiu confirmando a percepção trazida pela autora, a partir do
discurso dela, de que a depender da postura do profissional e da equipe, há uma influência
positiva no processo de luto da unidade de cuidado, o que pode ser compreendido como fator
de proteção para o luto complicado. A assistente social compartilhou da mesma percepção da
fonoaudióloga e enfatizou situações em que o apoio é fundamental. Como exemplo, contou o
episódio de uma mãe que queria batizar um bebê que estava próximo da morte e a equipe se
movimentou para que isso se tornasse possível:
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(...) nove horas nós batizamos a criança (...) doze horas aproximadamente depois... a criança
entra na agonia final... quando ela morre (...) a mãe pega o corpinho (...) acaricia seu filho e
fala assim: “Meu filho... sua mãe te colocou nos braços de Cristo”... então... eu fiquei
pensando se eu não tivesse feito isso... como que essa mãe ficaria? Isso ajuda ou não o luto?
Eu acompanhei essa mãe um tempo depois (...) ela falou pra mim: “AS. eu tô bem”... Ela
disse: “Pode ficar tranquila que eu tô seguindo a minha vida...” Então... eu acho que assim...
estar junto... apoiar... é fundamental (...)
(AS., assistente social)
As atuações citadas por estas duas profissionais podem ser caracterizadas como
comportamentos de apego, os quais já foram citados: escuta, acolhimento, apoio, preocupação
com o que é importante para o outro (conforto, alívio de sintomas ou resolução de alguma
pendência), os quais podem contribuir para a construção de uma base segura. Esse aspecto
também pode ser observado e identificado nas entrevistas com os demais profissionais:
(...) acho que a equipe ajuda muito o paciente e a família... quando escuta sem julgamento... e
quando respeita (...) quando vai junto... encontrando o que eles têm de melhor (...) nesse luto
antecipatório... a ajudar eles enxergarem o que eles têm de forte (...) ajudar o paciente a
entender... que a vida dele fez sentido... ajudar a família a fazer sentido... naquela despedida
(...) acho que tem muito a ver com isso... com respeitar... escutar e trazer importância do
significado...
(MU., musicoterapeuta)
Acho que é muito positivo...e no telefonema de luto de condolências eu tenho recebido esse
retorno... “Olha eu jamais imaginei que receber uma assistência de qualidade dessa do
cuidado paliativo todo” (...) às vezes a família e o paciente precisam ser orientados (...)
informados de uma forma um pouco menos técnica... né... do que que tá acontecendo naquela
fase (...) eu acho que contribui muito pra dá essa escuta (...) dá voz pra família... dá voz pro
paciente... oferecer a continência... acolher sofrimento (...)
(P., psicóloga)
A médica, da mesma forma, argumentou sobre o apoio como aspecto importante e que
a sua atuação e a da equipe no processo de luto dependerá do tipo de família, assim como dos
75
valores dos familiares. Ao final, confirmou que os comportamentos citados a seguir
contribuem positivamente para o processo de luto da unidade de cuidado:
Eu acho que é importante ele se sentir apoiado... pode ser esse modelo... pode ser outro...
depende da família com a qual você tá conversando (...) então... o fato de a gente se colocar à
disposição... enfim... de tudo que pode tá no entorno dessa família... né cada profissional na
sua área... acho que é uma coisa que é muito legal pra eles...
(ME., médica)
A farmacêutica clínica evidenciou, ainda, que a aceitação da família pode estar
diretamente relacionada ao fato de não perceber o sofrimento do paciente no processo de
morrer e que isso pode auxiliar no processo do luto, como se pode observar no relato que
segue. A autora pontua que o controle de sintomas e a atenção ao sofrimento do paciente
também são considerados comportamentos de apego que acabam por gerar uma base segura e
podem ser entendidos como fator de proteção para luto complicado.
(...) eu acho que impacta bastante... porque a partir do momento que ele (o familiar) não
presencia tanto sofrimento... ele acaba aceitando um pouco mais essa separação (...) envolve
muita a crença de cada um (...) a experiência mesmo de cada família (...) conforme a sua
aceitação (...) dessa separação... você reage... é isso que vai caracterizar esse período de luto
(...) muitas pessoas (...) ficam revoltadas... né... então... se for de uma maneira mais suave...
acredito que seja mais tranquilo...
(FA., farmacêutica clínica)
Ao explorar o que foi apresentado anteriormente, a autora destaca a comunicação
(conferências familiares, escuta, favorecimento de expressão de sentimentos, acolhimento),
mais uma vez presente como uma questão relevante, como um fator de proteção para o luto
complicado, quando se apresenta clara, coesa, coerente e responsiva às necessidades da
unidade de cuidado. Além disso, foi destacado por alguns entrevistados (fonoaudióloga,
médica e farmacêutica clínica) o respeito à diversidade cultural, às crenças e aos valores e
como esses aspectos também guiam as atuações dos profissionais, assim como influem no
processo de luto. Tal constatação vai de encontro ao que foi abordado na Introdução, no
sentido de observar e perceber os fatores de risco e proteção para o luto complicado de acordo
com o contexto, cultura e significado que é dado.
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Tomando como base o que foi discutido sobre as percepções dos profissionais a
respeito da suas contribuições para o processo de luto da unidade de cuidado, a autora
constatou que a atuação e os comportamentos dos profissionais não têm como atenção
primária o luto, ou seja, o trabalho não é guiado visando à prevenção do luto complicado. A
autora compreende que a atenção e o trabalho do luto da unidade de cuidado é uma parte dos
cuidados paliativos, que fica mais evidente na fase final de vida do paciente – apesar de o luto
antecipatório não necessariamente estar presente apenas nessa fase. Os valores e pressupostos
dos cuidados paliativos determinam comportamentos e formas de atuação (apoio, escuta,
disponibilidade, orientação, entre outros) que inevitavelmente acabam por serem
compreendidos como fatores de proteção para o luto complicado. Nesse período de processo
de morte, a psicóloga, a assistente social e a musicoterapeuta mostraram ter um planejamento
de tratamento mais focado na elaboração do luto, quando paciente e família permitem e
desejam. Os demais profissionais demonstram perceber e apresentar comportamentos de
apego (muitos advindos naturalmente do trabalho que desenvolvem em cuidados paliativos)
que são importantes para prevenção do luto complicado. O fato de serem atuações e posturas
rotineiras, não apenas em fase final de vida do paciente, pode dificultar a percepção da
dimensão e importância que esses comportamentos podem promover para um processo de
luto normal e adaptativo para além da esfera hospitalar. Essa questão pode ser entendida uma
vez que se constata que os profissionais tiveram pouca ou nenhuma base nas suas graduações
e formações sobre a morte e o morrer.
Diante deste trabalho com o processo de luto da unidade de cuidado, faz-se relevante
elucidar o acompanhamento pós-óbito que a psicóloga entrevistada (P.) realiza com os
familiares, o qual é previsto nos cuidados paliativos (WHO, 2004; LANKEN et al., 2007) e
que tem sido um serviço crescente nessas unidades. Isso comprova que a temática do luto e
suas repercussões têm alcançado mais (e devida) importância dentro de um sistema de saúde
imediatista e preocupado com o aqui e agora. Vale lembrar que essa atenção ao luto da família
pode ser compreendida como uma ferramenta importante para identificação de fatores de
risco e proteção para o luto complicado e consequente encaminhamento precoce para serviços
especializados quando necessário. Ressalta-se que ainda não há na literatura uma diretriz
específica que guie esse tipo de acompanhamento, apesar da crescente produção de pesquisas
sobre o tema.
Ao final das entrevistas, os profissionais foram indagados sobre o que consideravam
ser uma boa morte para si e para o outro. As respostas estão elencadas a seguir:
77
Eh... eu tá com minha família... eu ter o acolhimento... eu ser respeitada na minha vontade.
Mas eu tenho que falar sobre... a morte... eu acho... que a gente tem que começar a falar
sobre a morte... desde pequeno (...)
(F., fonoaudióloga)
É estranho... pra mim boa morte é... a... é a velhinha do Titanic ((riso))... que morreu bem
velhinha (...) quentinha... em cima de uma cama... né... e sem sofrimento (...) associo a boa
morte com o não sofrimento... com não deixar a pessoa ter medo (...) quando você consegue
passar pro paciente... que é possível que ele morra sem dor... sem desconforto respiratório...
sabe... perto das pessoas que ele ama... tendo resolvido... algumas coisas eu acho que essa é
a boa morte...
(E., enfermeira)
(...) é uma coisa muito subjetiva (...) muito individual (...) eu sei que enquanto eu tiver aqui eu
tenho que fazer a coisa da melhor forma possível... né... se eu conseguir fazer isso e me
realizar... eu tenho certeza que eu tenho muita chance de ter uma boa morte (...) comecei a
me preocupar agora com a questão da espiritualidade (...) no sentido da busca do sentido da
própria vida... se cada paciente que nós atendemos... puder compreender o sentido da sua
existência... ele vai morrer bem... eu acredito...
(AS., assistente social)
(...) quem tem o privilégio de morrer dormindo ((risos))...acho que a melhor morte (...) uma
morte em que...eh...óbvio...que eu teja livre de qualquer invasão (...) uma morte consequência
de uma vida bem vivida... que o tempo que foi possível eu vivi...eu preenchi essas páginas do
livro (...) porque eu percebo que as pessoas... podem ter o melhor cuidado paliativo do
mundo... tá... mas as que morrem com maior sofrimento existencial... são aquelas que voltam
as páginas do livro da história de vida e as páginas tão em branco... isso eu não quero... de
JEITO nenhum pra minha vida...
(P., psicóloga)
Uma boa morte para mim é uma morte... em primeiro lugar com sintomas bem cuidados...
né... físicos e psiquiátricos (...) e uma morte que a pessoa sinta (...) que a história dela fez
sentido... que ela tá finalizando aquele capítulo... do jeito dela (...) uma morte digna... né...
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em que a pessoa é respeitada até seu último suspiro (...) estar espiritualmente em paz (...)
socialmente... que os amigos possam fazer parte dessa história...
(MU., musicoterapeuta)
Boa morte (...) ((pausa)) considero que... eu... eu não fico muito à vontade com essa questão
da morte por medicamento... a... a morte de uma maneira natural... sem intervenção de
medicamentos... pra mim é uma boa morte... quando tem intervenção de medicamentos... mas
aí é bem pouco... não... não tanto profissional que tá falando... é minha parte pessoal e minha
crença religiosa ...
(FA., farmacêutica clínica)
Com base nos discursos apresentados, pode-se observar que a compreensão sobre o
que é uma boa morte é algo subjetivo e individual, e não há mudança de significado quando
se fala de si ou do outro. Identificou-se que os fatores citados como importantes para se ter
uma boa morte, como estar com a família, ter acolhimento, respeito aos desejos e resolução de
pendências, são caracterizados como comportamentos ou provenientes de comportamentos de
apego, que acabam por gerar uma base segura. Mais do que isso, são comportamentos que os
próprios entrevistados revelaram ter em suas atuações. Tais constatações podem sugerir que
os profissionais que trabalham em cuidados paliativos estão desenvolvendo um movimento
mais próximo para com o processo de morrer, na medida em que demonstram e percebem a
importância de “estar com o outro”. Essa dinâmica de proximidade com esse processo
corrobora com os achados na literatura, como citado na Introdução, que destacam a existência
de abordagens educacionais voltadas não apenas para cuidados paliativos, mas também para
cuidados em final de vida. A autora desta pesquisa pontua que o culto ao avanço tecnológico
e à globalização acabam por desqualificar e minimizar o significado “de estar com o outro”,
função essa compartilhada por familiares e pela equipe, o que acaba por gerar nas famílias,
muitas vezes, a agudização do sentimento de impotência frente à vida. Não obstante, não se
deve esquecer que o conforto físico, psicossocial e espiritual também é proveniente dessa
proximidade com o outro, com aquele que fornece atenção, amor e segurança. Esse percurso,
juntamente com a diretriz antecipada de vontade, vai na contramão do que se observa na
atualidade, quando o processo de morrer acaba por ter seu desfecho, na sua maioria, em
hospitais, com os pacientes escondidos, isolados, com dispositivos de suporte de vida – a
chamada morte invertida (KOVÁCS, 2010a). Com base no que vem sendo apresentado na
realidade hospitalar, a autora deste estudo também reflete sobre a consigna de que uma boa
79
morte é aquela que ocorre sem sofrimento e com controle de sintomas, sem procedimentos
invasivos, como citado pela maioria dos entrevistados. Nesse sentido, o que se discute não é
somente o que seria qualidade de vida para o paciente, mas principalmente qualidade no
processo de morrer, o que acaba por incluir a discussão sobre objetivos e condutas de
tratamento.
Ademais, um aspecto que chamou a atenção foi que alguns entrevistados extrapolaram
o momento da boa morte vislumbrando as vivências e experiências de vida, ou seja, que uma
boa morte também é calcada por uma vida construída por significados e realizações. Tal
constatação confirma o luto como um processo dotado de significados que foram construídos
ao longo de uma vida, nas relações.
80
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa permitiu concluir e evidenciar que as formações dos
profissionais de saúde ainda são calcadas em um saber técnico e que há muito pouco ou nada
sobre como lidar com o processo de morrer de quem se cuida. Não obstante, observou-se que
os profissionais que trabalham em cuidados paliativos, devido aos pressupostos do mesmo e
de uma vivência de fazer cuidados paliativos em final de vida, foram buscar aprender, por
necessidade de aprofundamento, sobre como cuidar da unidade de cuidado integralmente,
estando atentos às necessidades de cada um, o que acaba por perpassar o saber técnico. Disso
florescem comportamentos que são caracterizados como de apego, que resultam no
desenvolvimento de uma base segura e que podem ser compreendidos como fatores de
proteção para um luto complicado da unidade de cuidado. Estes comportamentos, frutos da
prática dos cuidados paliativos, são identificados e percebidos como de rotina e naturais neste
contexto, o que pode dificultar a percepção dos profissionais sobre a dimensão e influência
positiva e adaptativa destes para a prevenção de luto complicado. Isto pode ser entendido pela
falta de conhecimento sobre o processo de morrer e processo de luto, por isso a importância
da educação dos profissionais em relação a estes assuntos. A autora compreende que a
percepção dos membros da equipe sobre a influência de suas ações no processo de luto pode
contribuir para a busca de aprimoramento e qualificação diante do processo de morrer do
paciente.
Este estudo também permitiu identificar que os profissionais que trabalham em
cuidados paliativos se utilizam de estratégias de enfrentamento, a saber: o trabalho em equipe
e valorização do seu trabalho pelo outro (colega); ter empatia com a situação da unidade de
cuidado, que acaba por auxiliar na aceitação da situação de perda; valores de família em
relação à finitude; o conhecimento e estudos; psicoterapia; realização de atividade física e
religião.
Ressalta-se que os participantes foram questionados sobre experiências pessoais em
cuidados paliativos, porém estas informações não foram utilizadas. A autora considerou que a
esta pesquisa dava margem para pensar sobre o processo de luto dos profissionais (na vida
pessoal e laboral), porém não adentrou nesse universo para não se desviar dos objetivos do
estudo.
Por conseguinte, a partir da discussão sobre cuidados paliativos e o seu fazer, foi
compreendido pela autora que esta especialidade está crescendo e se desenvolvendo. Logo,
muitas questões e aspectos não estão bem definidos, como por exemplo, protocolos de
81
sedação paliativa e acompanhamento pós-óbito. A autora pontua que os protocolos devem ser
guias de melhores práticas, porém sempre individualizados de acordo com o paciente e
família. Nesse contexto de desenvolvimento de práticas, é importante frisar a relevância de
realização de pesquisas que possam servir de arcabouço teórico e prático para a educação e
formação dos profissionais de saúde.
Por fim, o presente estudo permitiu que a autora pudesse pensar em investigar a
questão do acompanhamento pós-óbito como fator de proteção para luto complicado, na
medida em que pode ser utilizado como ferramenta de identificação de fatores de risco e
proteção para luto complicado. Além disso, tal acompanhamento pode acabar por evidenciar o
quanto os profissionais de saúde, através de seus comportamentos de apego, podem ser
considerados fatores de proteção para luto complicado.
82
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WORDEN, W. Terapia do luto: um manual para o profissional de saúde mental. 2 ed. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Better palliative care for older people. Geneva:
World Health Organization, 2004.
______. The role of the pharmacist in the health care system. Geneva: WHO, 1994. 24 p.
(Report of a WHO Meeting).
ZAHER, V. L. Questões éticas dentro de uma unidade de terapia intensiva cardiológica. In:
RIBEIRO, A. L. A.; GAGLIANI, M. L. Psicologia e cardiologia: um desafio que deu certo.
São Paulo: Atheneu, 2010.
89
APÊNDICE A
DADOS ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS
NOME:________________________________________________________________
IDADE:_________PROFISSÃO:___________________________________________
ANO DE CONCLUSÃO DA GRADUAÇÃO:________________________________
ESPECIALIZAÇÃO/RESIDÊNCIA:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
PÓS-GRADUAÇÃO:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
MESTRADO:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
DOUTORADO:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
CURSOS COMPLEMENTARES:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
HISTÓRICO PROFISSIONAL:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
90
APÊNDICE B
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1. Trajetória acadêmica e profissional.
2. Entrada na equipe de cuidados paliativos:
- O que motivou?
- O que acha do trabalho? Diferenças com outras áreas.
- Como se sente?
3. O que pensa sobre as conferências familiares? Benefícios? Prejuízos? E em relação às
decisões de objetivos de tratamento e limitação terapêutica?
4. O que acha sobre a atuação da sua especialidade no cuidado ao paciente em cuidado
paliativo? Quais contribuições para o paciente e família?
5. Sua atuação no processo de morrer.
6.Contribuições de sua especialidade no processo de morrer e outras contribuições.
Atuação muda?
8. Estratégias criadas e utilizadas no dia-a-dia.
9. Qual a percepção sobre a influencia de sua atuação no processo de morrer do paciente em
relação a unidade de cuidados?
10. O que entende sobre luto?
11. O que seria uma boa morte para si mesmo. E para o outro?
12.Experiência pessoal em cuidado paliativo e/ou processo de morrer. Provocou mudanças na
sua atuação?
91
APÊNDICE C
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,.......................................................................................................,RG:.........................conco
rdo em participar voluntariamente da pesquisa “Prevenção de luto complicado em cuidados
paliativos: percepção dos profissionais de saúde acerca de suas contribuições nesse processo”,
cujo objetivo é compreender e analisar a formação dos profissionais de uma equipe
multidisciplinar de cuidados paliativos acerca do processo de morte do paciente e a sua
percepção sobre a importância de tal preparo para auxiliar a vivência e processo de luto dessa
unidade de cuidado, realizada pela psicóloga Mariana Sarkis Braz referente ao Mestrado em
Psicologia Clínica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
A presente pesquisa não utilizará nenhum procedimento invasivo que ofereça danos à
saúde física ou psíquica dos sujeitos de pesquisa. De acordo com a Resolução196/96, que
afirma que todas as pesquisas com seres humanos oferecem algum grau de risco, a presente
pesquisa não cria qualquer risco excepcional para o sujeito entrevistado, ou seja, o método
não provoca riscos maiores do que os encontrados no cotidiano dos sujeitos. Trata-se de uma
pesquisa de risco mínimo, segundo a classificação do Conselho Federal de Psicologia (CFP)
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2000). Caso necessário, a pesquisadora poderá
ser encontrada pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone (011)
78810166.
Por meio deste, aceito ser entrevistada e autorizo a gravação da entrevista em áudio.
Sei que as informações obtidas serão utilizadas com ética na elaboração de trabalhos
científicos e poderão ser utilizadas para publicação em meios acadêmicos e científicos. Será
garantida a confidencialidade das informações fornecidas por mim, e meu nome não será
divulgado nos documentos pertencentes a esse estudo.
Estou ciente de que sou livre para interromper minha participação neste estudo em
qualquer momento, sem ser prejudicada, como também para recusar a dar resposta à qualquer
questão durante a entrevista.
92
Declaro que os objetivos e detalhes desse estudo foram-me completamente explicados,
conforme seu texto descritivo.
Desse modo, concordo em participar do estudo e colaborar com a pesquisa.
Nome da Participante:...........................................................................................
Assinatura da Participante:....................................................................................
São Paulo, ______de _______________de __________.
Pesquisadora:
Mariana Sarkis Braz
Contato: (11) 78810166/ 983620234
RG:44344286-1