POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA: possibilidades...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO MIRIAN LÚCIA GONÇALVES POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA: possibilidades decoloniais no Ensino Superior CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MIRIAN LÚCIA GONÇALVES

POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA:

possibilidades decoloniais no Ensino Superior

CAMPINAS

2019

MIRIAN LÚCIA GONÇALVES

POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA:

possibilidades decoloniais no Ensino Superior

Tese de Doutorado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Educação da Faculdade

de Educação da Universidade Estadual de

Campinas como parte dos requisitos exigidos

para a obtenção do título de Doutora em

Educação, na área de concentração de

Educação.

Orientadora: DEBORA MAZZA

Este trabalho corresponde à versão final da tese defendida pela aluna Mirian Lúcia Gonçalves

e orientada pela profa. Dra. Debora Mazza.

Campinas

2019

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Public Policies of affirmative action : decolonial possibilities

in Higher Education

Palavras-chave em inglês:

Public policies of affirmative action

Decolonial education

Higher education

Black movement

Racism

Área de concentração: Educação

Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Débora Mazza

Ângela Fátima Soligo

Cláudia Marinho Wanderley

Mara Fernanda Chiari Pires

Wilson Gomes de Almeida

Data de defesa: 29-01-2019

Programa de Pós-Graduação: Educação

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO FIRMATIVA:

possibilidades decoloniais no Ensino Superior

Autora: MIRIAN LÚCIA GONÇALVES

COMISSÃO JULGADORA:

Debora Mazza – Presidente

Ângela Fátima Soligo – membro interno

Cláudia Wanderley Marinho – membro interno

Mara Fernandes Chiari Pires – membro externo

Wilson Gomes de Almeida – membro externo

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de

Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

2019

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, a quem

agradeço pela possibilidade de dedicação exclusiva durante três anos desta pesquisa.

Agradeço aos trabalhadores e às trabalhadoras do Estado de São Paulo que, ainda

que sem saber, financiam as universidades públicas do Estado e, de tal modo, possibilitaram

que eu cursasse graduação, mestrado e doutorado, desfrutando de um privilégio que,

infelizmente, ainda é para poucos neste país.

Agradeço à minha família, em especial ao meu pai (in memoriam) e à minha mãe,

amiga e conselheira, que nutre uma confiança inabalável em mim e na vida e, assim, inspira-

me a seguir sempre em frente, apesar das pedras do caminho.

Às minhas amigas, umas de longa data, outras que a vida me presenteou ao longo

deste trabalho. Amigas com quem troquei medos, angústias e as alegrias desse processo que é

escrever uma tese. Correndo o risco de ser injusta cito algumas a quem a presença está

também nas linhas aqui escritas: Angélica; Marina; Tamires, Alessandra, Nádia e Jordana:

amigas com quem divido a utopia de dias melhores em que a justiça social seja uma realidade

e não mais algo pelo que se lutar.

Aos colegas da EMEF Padre Emílio Miotti que me acolheram, ensinaram e

travam comigo diariamente a batalha por uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade.

Em especial ao Professor Daniel e à Gilmara, pela amizade e companheirismo.

Às funcionárias da secretaria da Pós-Graduação, sempre atentas e atenciosas em

ajudar nos processos burocráticos e resolver problemas.

Às funcionárias e funcionários terceirizados, muitas vezes invisíveis, mas que

realizam o trabalho que torna possível todos os demais trabalhos.

Aos integrantes dos coletivos pesquisados, em especial aos respondentes dos

questionários e entrevistas, pela contribuição que possibilitou esta pesquisa.

Por fim, agradeço imensamente à Professora Débora Mazza que me acolheu no

momento mais difícil dessa caminhada, acreditando em mim e neste trabalho, quando eu

mesma já tinha desacreditado.

A vocês, meu mais sincero, muito obrigada!

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos movimentos sociais que lutaram e ainda lutam por direitos.

Aos Movimentos Negros que nos revelam a verdadeira história por trás de heróis que

carregam sangue negro e indígena nas mãos.

Aos indígenas que resistem e que nos ensinam outras lógicas de existência e resistência.

Aos movimentos feministas que me mostraram que lugar de mulher é onde ela quiser.

Ao MST que ainda precisa lutar pelo direito à terra para produzir alimentos livres dos venenos

do agronegócio.

Aos trabalhadores e às trabalhadoras deste país que lutam cotidianamente para viver e

sobreviver, mas ainda assim acreditam em dias melhores.

Perguntar-nos-ão se o colonialismo português não teve uma ação positiva na África. A

justiça é sempre relativa. Para os africanos, que durante cinco séculos se opuseram à

dominação colonial portuguesa, o colonialismo português é o inferno; é onde reina o mal,

não há lugar para o bem".

Amílcar Cabral

A arma da teoria (1976)

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar as Políticas Públicas de Ação Afirmativas

(PPAAs) e seu efeito em duas universidades públicas. O suporte teórico do trabalho, ancorado

na teoria desenvolvida pelo Grupo Modernidade/Colonialidade, desvela como o processo de

colonização produziu desde o século XVI uma hierarquia epistêmica global, reproduzida

também por meio da Universidade, que impõe um pensamento hegemônico e corrobora na

perpetuação dos marcadores do sistema-mundo fundamentados na tradição eurocêntrica que

tem o racismo como elemento estrutural e estruturante frente aos povos e culturas

colonizadas, o que, apesar da descolonização política-jurídica, permanece no que se denomina

colonialidade. Nosso quadro teórico inclui ainda um levantamento sobre as PPAAs no mundo

e no Brasil a fim de compreender seus objetivos e, como, e por quê essas políticas entraram na

agenda de diversos países e, mais tardiamente, do Brasil. Para tanto, realizamos pesquisa em

fontes documentais para levantamento de diversas legislações, bem como, autores e obras que

já se debruçaram sobre o tema. Metodologicamente, a pesquisa se insere como um estudo de

caso que busca responder os efeitos causados pelas PPAAs em duas universidades públicas

brasileiras: UFSCar e Unicamp. Levantamos os dados quantitativos acerca do perfil

socioeconômico dos estudantes ingressantes nestas universidades no período de 2013 a 2017.

Identificamos os coletivos, cuja pautas sejam de caráter étnico-racial, formados nestas

universidades após a implementação das políticas de ação afirmativa inclusivas. A pesquisa

empírica se deu por meio de questionários e entrevistas a fim de conhecer melhor as

características dos coletivos e seus integrantes Partimos da hipótese de que as PPAAs,

principalmente as de inclusão, como é o caso da Lei 12.711/12, ao possibilitar o ingresso de

grupos antes excluídos do espaço acadêmico, como do povo negro e indígena, enriquecem as

dinâmicas formativas e de sociabilidades dentro da universidade ao colocar no cenário

acadêmico novas formas de pensar, sentir e agir, novas temáticas, diferentes epistemologias e

demandas para diferentes formações que podem promover o que alguns autores tem

denominado de pensamento decolonial. Uma segunda hipótese era a de que as Leis 10.639/03

e 11.645/08 são políticas públicas de ação afirmativa que dão amparo à demanda de

formações ampliadas que supere o que muitos chamam de colonialidade do saber presente na

universidade. A pesquisa mostrou que os Coletivos trazem alterações significativas nas

universidades, como foi o caso da conquista das cotas no vestibular da Unicamp, organização

de novos eventos como, por exemplo, o Quem tem Cor Age (Unicamp) e o Encontro Nacional

de Estudantes e Coletivos Universitários Negros (EECUN), o vestibular indígena da UFSCar

realizado agora em quatro capitais, não mais somente na UFSCar (São Carlos/SP). Além

disso, a pesquisa empírica mostrou que temas, autores e epistemologias antes ignorados

começam a emergir no cenário acadêmico brasileiro com estreito diálogo com o pressuposto

pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08, o que confirma as hipóteses levantadas.

Palavras-chave: Políticas Públicas de Ação Afirmativa; Pensamento Decolonial; Movimento

Negro, Ensino Superior; Racismo;

ABSTRACT

This research had as general objective to analyze Public policies of Affirmative Action

(PPAAs) and your effect on two public universities. The theoretical support of labor,

anchored in the theory developed by Modernity/Colonialidade Group, reveals how the process

of colonization has produced since the 16th century an epistemic global hierarchy also

reproduced through the University, imposing a hegemonic thinking and corroborates the

perpetuation of markers of the world system based on Eurocentric tradition that has racism as

structural and structuring element front of colonized peoples and cultures, which, despite the

decolonization legal policy, remains in called colonialidade. Our theoretical framework also

includes a survey on the PPAAs in the world and in Brazil in order to understand their goals

and, how, and why these policies entered the agenda of several countries and, later, of Brazil.

To this end, we conduct research on documentary sources.To this end, we conduct research on

documentary sources for survey of various laws, as well as authors and works that already

pored over the theme. Methodologically, the lookup is inserted as a case study that seeks to

answer the effects caused by PPAAs in two Brazilian public universities: UFSCar and

Unicamp. We raise the quantitative data about the socio-economic profile of students entering

these universities during the period from 2013 to 2017. Identify the collective, whose agendas

are of ethnic-racial character, formed in these universities after the implementation of

affirmative action policies, inclusive. The empirical research took place by means of

questionnaires and interviews in order to better know the characteristics of collective and its

members we set out the hypothesis that the PPAAs, especially inclusion, as is the case of

12,711/Law 12, by enabling the group ticket before excluded from academic space, as the

black and indigenous people, enrich the training dynamics and social arrangements within the

University to put the academic setting new ways of thinking, feeling and acting, new themes,

different epistemologies and demands for different formations that can promote what some

authors have called decolonial thought. A second hypothesis was that the law 10,639/03 and

11,645/08 are affirmative action policies that give extended formations demand support that

surpasses what many call the colonialidade know this at the University. Research has shown

that bring significant changes in Collective universities, as was the case of the conquest of the

vestibular dimension in the Unicamp, organizing new events as, for example, the Who has

Color Acts (Unicammp) and the national meeting of students and Collectives Black College

(EECUN), the indigenous of vestibular UFSCar held now in four capitals, not only at UFSCar

(São Carlos/SP). In addition, the empirical research.

Keywords: Public policies of affirmative action; Decolonial Thought; Black Movement;

Higher Education; Racism;

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Árvore do Conhecimento Humano de Diderot e D'Alembert ................................. 34

Figura 2 - A redenção de Cam – Modesto Brocos ................................................................... 67

Figura 3 – Diagrama de respostas ao questionário - UFSCar................................................. 152

Figura 4 - Diagrame de respostas ao questionário - Unicamp ................................................ 152

Figura 5 - Sistema de reserva de vagas de acordo com a Lei 12.711/12 ................................ 161

Figura 6 – 1ª foto postada no 'Café das Pretas' - Angela Davis discursando.......................... 174

Figura 7 - Eventos realizados pelo "Café das Pretas" ............................................................ 175

Figura 8 - Divulgação do Evento ............................................................................................ 176

Figura 9 - Publicação para a 1ª Reunião da Frente Negra UFSCar ........................................ 178

Figura 10 - Evento para Participação estudantil no ConsUni de aprovação da Política de

Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade .......................................................................... 181

Figura 11 - Evento organizado pela Frente Negra - UFSCar ................................................. 183

Figura 12 - Roda de Conversa realizada pela Frente Pró-Cotas em 2014 .............................. 211

Figura 13 - Divulgação de Evento para discussão sobre Cotas. ............................................. 215

Figura 14 - Carta Aberta da Frente Pró-Cotas ........................................................................ 217

Figura 15 - Divulgação de debates sobre “Cotas Étnico-raciais” na FE ................................ 218

Figura 16 - Publicação racista após a aprovação do princípio de Cotas na 151ª Sessão do

Consu ...................................................................................................................................... 225

Figura 17 - Divulgação do I Quem tem Cor age .................................................................... 227

Figura 18 - Cartazes de divulgação das 4 últimas edições do "QUEM TEM COR AGE" .... 229

Figura 19 - Ações durante a Calourada Negra de 2014 .......................................................... 231

Figura 20 - Cartaz de divulgação da Calourada Negra de 2018 ............................................. 232

Figura 21 - Denúncia realizada pelo NCN sobre atos de racismo na Unicamp ..................... 233

Figura 22 - Cartaz de divulgação do Ato contra o racismo e o fascismo na Unicamp .......... 235

Figura 23 - Cartaz de divulgação para o Ato de Mobilização para aprovação do Projeto que

previa a inclusão de cotas na graduação da Unicamp (21/11/2017)....................................... 239

Figura 24 - Nota do NCN contra a ameaça fascista ............................................................... 240

Figura 25 - EECUN - UFRJ ................................................................................................... 245

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Políticas Públicas de Ação Afirmativa brasileiras ............................................... 116

Quadro 2 – Projetos de Lei que resultaram na Lei 12.711/12 ................................................ 122

Quadro 3 – Coletivos atuantes nas IES e seus propósitos ...................................................... 150

Quadro 4 – Presença de Disciplina com a temática de História e Cultura Africana, Afro-

brasileira e indígena (13 respondentes) .................................................................................. 167

Quadro 5 - Presença de disciplinas que abordem História e Cultura Africana, Afro-Brasileira

e Indígena (8 respondentes) .................................................................................................... 204

Quadro 6 – Edições do Evento "Quem tem Cor Age" ........................................................... 228

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADunicamp – Associação dos Docentes da Unicamp

CCI – Centro de culturas Indígenas (UFSCar)

CE – Ceará

CEB – Câmara de Educação Básica

CNCD – Conselho Nacional de Combate à Discriminação

CNE – Conselho Nacional de Educação

COMVEST – Comissão Permanente para os Vestibulares (Unicamp)

Consu – Conselho Universitário (Unicamp)

ConsUni – Conselho Universitário (UFSCar)

CR – Coeficiente de rendimento (Unicamp)

DCN – Diretrizes Curriculares Nacional

DEM – Democratas

EECUN – Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Universitários Negros

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

EUA – Estados Unidos da América

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FNB – Frente Negra Brasileira

FPC – Frente Pró-Cotas da Unicamp

FUFSCar – Fundação Universidade Federal de São Carlos

Fuvest – Fundação Universitária para o Vestibular

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IES – Instituições de Ensino Superior

INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária

INEP – Instituto Nacional Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDB – lei de Diretrizes e Bases

LGBTTQ – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC – ministério da Educação

MG – Minas Gerais

MNU – Movimento Negro Unificado

MS – Mato Grosso do Sul

MT – Mato Grosso

NCN – Núcleo de Consciência Negra da Unicamp

ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PAAIS – Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PFL – Partido da Frente Liberal

PL – Projeto de Lei

PL/RJ – Partido Liberal / Rio de Janeiro

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PPAA – Políticas Públicas de Ação Afirmativa

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

Reuni – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

RR – Roraima

RS – Rio Grande do Sul

SAADE – Secretaria Geral de Ação Afirmativa, Diversidade e Equidade UFSCar

SC – Santa Catarina

SEPPIR – Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial

SiSU – Sistema de Seleção Unificada

TEN – Teatro Experimental do Negro

UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

UHC – União dos Homens de Cor

UnB – Universidade de Brasília

Unicamp – Universidade Estadual de Campinas

USP – Universidade de São Paulo

Vunesp – Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista

SUMÁRIO

PREFÁCIO ....................................................................................................... .............. 15

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 26

2. DA COLONIZAÇÃO À COLONIALIDADE: O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA ... 47

2.1. UM PAÍS COLONIAL É UM PAÍS RACISTA ....................................................................... 73

2.2. COLONIALIDADE DO PODER, DO SER E DO SABER – PÓS COLONIALISMO E DECOLONIALIDADE

..................................................................................................................................... 90

3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA (PAAS) ...................................... 102

3.1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL .................................... 108

3.1.1. O debate sobre as “cotas” – a Lei 12.711/12 ................................................. 121

3.1.2. História e Cultura africana, afro-brasileira e indígena – as Leis 10.639/03 e

11.645/08 ......................................................................................................... 138

4. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA E SEUS EFEITOS – OS CASOS DA

UFSCAR E DA UNICAMP .................................................................................................... 146

4.1. UFSCAR ..................................................................................................................... 153

4.1.1. Café das Pretas e Frente Negra – UFSCar ..................................................... 173

4.2. UNICAMP .................................................................................................................... 184

4.2.1. Frente Pró-Cotas da Unicamp ...................................................................................... 208

4.2.2. Núcleo de Consciência Negra da Unicamp ........................................................... 225

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 242

6. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 249

7. APÊNDICES .......................................................................................................... 267

7.1. QUESTIONÁRIO .......................................................................................................... 267

7.2. ENTREVISTA – FRENTE NEGRA UFSCAR .................................................................. 271

7.3. ENTREVISTA – NÚCLEO DE CONSCIÊNCIA NEGRA – UNICAMP .................................. 272

15

PREFÁCIO

Escrever uma tese foi algo realmente desafiador. Foi um caminho tortuoso que me

colocou em dúvidas acerca do meu “potencial acadêmico”, como também com minha postura

“militante” pelos encontros e desencontros que tive nestes quase cinco anos. Chegar até aqui

leva-me também a recordar os caminhos anteriores que me trouxeram até este momento.

Escrever esta tese me colocou em contato crítico com o ensino escolar que tive, o

qual me ensinou a obedecer antes e muito mais que questionar. Foi na escola que aprendi, por

meio de uma equação quase matemática que, filha de pai preto e mãe branca eu era parda.

Que os negros vieram da África para serem escravos. Eu aprendi também, sem muita

dificuldade, que “vovô viu a uva”, mas demorou muito tempo para que eu pudesse entender

quem plantava a uva, que havia exploração dos trabalhadores e que no final nem todos teriam

direito a desfrutar do seu sabor.

Cursar pedagogia foi o acontecimento que amparou as minhas questões e

inquietações em teorias e discussões que, embora nem sempre acompanhadas da prática

docente, fizeram com que pudesse compreender os incômodos vivenciados como

“colaboradora” em uma empresa privada. Eu não queria vestir a camisa da empresa e

tampouco conseguia deixar o lado pessoal do lado da fora da empresa como nos era

solicitado. Eu ainda não conhecia Marx, mas já ansiava por mudanças que eu nem sabia que

já haviam sido teorizadas.

Assim, desde a graduação em pedagogia (2004-2007) passei a entender a

educação como um processo que deve ter em seu cerne o senso crítico, a reflexão e que tenha

como objetivo central a formação de cidadãos éticos e socialmente responsáveis. Da menina

que entrou no curso porque “gostava de criança” foi no estágio na Faculdade de Ciências

Médicas que encontrei um caminho até então imaginável: a educação médica. Era fascinante

pensar a formação de profissionais que, muitas vezes, esquecem que a medicina deve, antes

de tudo, cuidar de gente. Foi assim, passando pela temática da Educação Médica que me

interessei pela Educação Superior como tema para pesquisa.

Ao concluir a graduação cursei, como ouvinte, a disciplina “Teoria de Currículo e

Filosofia na Educação Superior”, momento que conheci a teoria da Educação Geral1 e

1 A educação geral tem o papel de formar cidadãos capazes de desempenhar uma atividade profissional à

16

encontrei os respaldos teóricos que respondiam aos meus anseios para tratar deste nível de

ensino e prosseguir com os estudos no mestrado (FE/Unicamp, 2010-2012), quando pesquisei

a avaliação que os egressos dos cursos de Pedagogia e de Medicina da Universidade Estadual

de Campinas (Unicamp) faziam sobre as contribuições da formação acadêmica e das

vivências universitárias para uma atuação como profissional-cidadão2 (GONÇALVES, 2012).

Esse estudo permitiu concluir, embora com ressalvas como o limite do tamanho e

representatividade da amostra, que a Unicamp é capaz de possibilitar uma formação

abrangente, crítica e pautada em valores éticos que possibilitou o desenvolvimento de um

olhar mais sensibilizado sobre a sociedade na qual estes profissionais – médicos e pedagogos

– estão inseridos e uma ação profissional que valoriza o ser humano, sem descuidar da

preocupação com a sua inserção no mundo do trabalho, ciência e tecnologia (GONÇALVES,

2012).

Entretanto, durante o Mestrado3 tornou-se muito forte no cenário nacional a

discussão sobre as cotas nas instituições de ensino superior, principalmente quando foi

sancionada a Lei 12.711/12 que tornou obrigatória a reserva de vagas nas instituições de

educação do âmbito federal para estudantes da escola pública e também para negros, negras e

indígenas. Neste cenário fui me aproximando cada vez mais das questões de políticas públicas

de ação afirmativa e das questões históricas e contemporâneas acerca das relações étnico-

raciais, tão necessárias para o entendimento de nossa sociedade e da necessidade de políticas

públicas que visam a igualdade racial.

Assim, voltando minha atenção e reflexão para estas temáticas foram desveladas

situações que anteriormente eu pouco percebia e que agora tornara-se um mal estar constante:

a quase ausência de negros, negras e indígenas ocupando os bancos das universidades, mas

presentes massivamente nos seus serviços terceirizados, realidade vivenciada durante os mais

de dez anos em que estive/estou na Unicamp; a quase ausência de negras e negros em

profissões de prestígio social como Medicina e Engenharia, por exemplo; a presença

quantitativa inexpressiva de negras e negros em meu convívio profissional e social, apesar da

sociedade, prepará-los para exercer o papel de cidadãos numa sociedade civil e política mais justa e democrática.

Prepará-los para o mundo do trabalho e não apenas para o mercado de trabalho (ALMEIDA, 2007).

2 O termo profissional-cidadão se refere ao sujeito que se vê primeiramente como um cidadão ativo e

significativo em seu tempo histórico e que age profissionalmente em sua área tendo, primordialmente como

perspectiva a sua condição de cidadão inserido em uma sociedade e um mundo global e complexo (PEREIRA,

2007).

3 Cursei o Mestrado de março de 2010 a novembro de 2012.

17

origem família paterna negra; a criminalização dos jovens negros, sempre tido como

suspeitos; a História oficial apresentada, na qual as pessoas negras e indígenas, extirpadas de

sua história e consideradas sem cultura, são apresentadas como escravas e/ou selvagens,

ignoradas na sua essência humana e, por fim, a ausência de possibilidades pedagógicas que

extrapolassem a exclusividade da tradição eurocêntrica dos currículos.

A partir deste cenário, comecei também a me incomodar com as perspectivas da

Educação Geral no Brasil que, apesar de objetivar o rompimento das barreiras disciplinares e

buscar transcender as áreas específicas do conhecimento a partir de um diálogo

interdisciplinar que retoma a tradição clássica ocidental, não tem buscado incorporar as

histórias, filosofias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas limitando, desta forma, o

horizonte de formação geral e reforçando o silenciamento sobre o conhecimento dos povos

africanos e indígenas que, além dos europeus, são também basilares na constituição de países

como o Brasil4.

Essas novas reflexões fizeram com que eu questionasse por que, apesar de ter

cursado Pedagogia em uma das bem-conceituadas universidades brasileiras, não tive qualquer

aproximação acadêmica com as Histórias e Culturas Africanas e Indígenas, apesar de à época5

já ser obrigatório, por força da Lei 10.639/03, o ensino de História e Cultura Africana e Afro-

brasileira6. Isso me fez questionar se, após mais de dez anos da implementação das Leis

10.639/03 e 11.645/08, estas temáticas teriam finalmente ganhado espaço no currículo formal

dos cursos, principalmente de formação de professores, e se as universidades passaram a se

organizar para oferecer uma educação antirracista. Essas foram as inquietações que

começaram a dar forma a este trabalho.

De frente a essas questões que me perturbavam por não encontrar na academia a

ressonância e interlocução que desejava para as mesmas, percorri um caminho de leituras e

tentativas, muitas vezes frustradas, de um trabalho que dialogasse com as minhas ansiedades e

o desejo de contribuir com uma formação que superasse o racismo e a ideologia7 da

4 Silva (2007) explica que isto acontece porque somos oriundos de uma educação que atribui aos brancos

europeus a cultura que denominam clássica, desconhecendo as culturas dos povos não europeus que também têm

permanecido no tempo e, portanto, são igualmente clássicas. Assim, diz a autora, ignoramos que o conhecimento

produzido pelos egípcios, povo negro, são a nascente da filosofia e das ciências que se costuma atribuir aos

gregos e a outros europeus.

5 Cursei licenciatura em Pedagogia na Faculdade de Educação da Unicamp durante o período de 2004 a 2007.

6 A questão indígena é incluída cinco anos depois, em 2008.

7 Apesar do uso recorrente da expressão “mito da democracia racial”, optamos por usar o termo “ideologia da

18

democracia racial, como também contribuísse para o desenvolvimento de uma sociedade mais

justa e igualitária a partir da construção de uma nova perspectiva de relações étnico-raciais.

Por fim, o fator determinante que me trouxe um novo caminho e fez emergir o

problema desta pesquisa se deu quando, ao ser contemplada com uma Bolsa Santander para

intercâmbio, estive durante 70 dias (outubro a dezembro de 2016) em Cabo Verde, país

insular da denominada África Ocidental. A expectativa era a de que me depararia com

Histórias e Culturas Africanas vivas que me subsidiassem a aproximação com a

ancestralidade africana que foi relegada ao Brasil pelo racismo epistêmico8. Entretanto, a

surpresa e frustração tão logo chegaram ao perceber que o peso da colonização portuguesa

neste país é tal qual ou ainda mais forte que no Brasil, o que pode ser explicado em vista da

sua recente independência, em 1975, que, embora conquistada à base de luta, não foi

suficiente para romper com cinco séculos de dominação que acabara por impor também em

terras africanas a hegemonia cultural, religiosa e epistemológica europeia9.

Assim, pude presenciar – com o limite do tempo e espaço em que estive no país10

– a religiosidade cabo-verdiana fortemente ligada ao cristianismo com uma maioria

esmagadora da população autodeclarada católica. Presenciei também manifestações religiosas

de igrejas evangélicas como a Batista, Adventista do 7º dia, Nazareno e Universal do Reino

de Deus. Na universidade, era comum ver estudantes com terços adornando o pescoço, ou

brincos com a imagem de Jesus Cristo. Não encontrei manifestações religiosas ligadas às

matrizes africanas, como o Candomblé, por exemplo.

Pude ainda perceber que o ideal de branqueamento está presente, tal qual no

Brasil, no qual o prestígio social liga-se também a quanto mais clara for a pele da pessoa. Isso

se concretiza em Cabo Verde na rivalidade entre as ilhas, na qual a ilha que possui uma

democracia racial” uma vez que, ao nosso entender, ideologia corresponde melhor ao que de fato foi e ainda

persiste ser a ideia de uma harmonia racial no Brasil. Assim, compreendemos ideologia como um instrumento de

dominação da classe dominante, convertida em ideias supostamente comuns a todos através da educação, da

religião, costumes e dos meios de comunicação disponíveis (CHAUÍ, 2008). 8

O racismo epistêmico fez com que todo o conhecimento e cultura advindos dos povos originários americanos e

africanos fossem ignorados e/ou tidos como inferiores. O termo é melhor discutido na página 09.

9 Mourão (2009) explica que a construção das nacionalidades cabo-verdianas privilegia a forma de colonização

portuguesa e as elites cabo-verdianas são fundamentais à compreensão da construção da identidade nacional em

Cabo Verde. A forma de ocupação e as estratégias usadas pelos portugueses e pelas elites cabo-verdianas –

aliadas aos portugueses, no projeto colonial – distanciaram os cabo-verdianos de suas "raízes africanas" e os

aproximaram mais da "cultura europeia", possibilitando questionar se são africanos, atlânticos, europeus ou uma

mistura de todos esses atributos. Em suas definições sobre a "cabo-verdianidade", muitos elementos identitários

são acionados e se relacionam, como "raça", língua, religião e nacionalidade. 10

Estive na cidade de Praia, capital do país, na Ilha de Santiago entre os meses de outubro a dezembro de 2016.

19

população mais branqueada manifesta um sentimento de superioridade em relação à

população de ilhas com pessoas de pele mais escura.

Assim, a partida de Cabo Verde finalizou uma experiência que, paradoxalmente,

alçou-me novamente no recomeço desta pesquisa ao pensar sobre possibilidades decoloniais e

políticas públicas de ação afirmativa.

Em meio a essas reflexões, o Brasil sofreu em 2016 um novo golpe que acarretou

no impeachment da presidenta eleita Dilma Roussef (PT), colocando no poder seu vice,

Michel Temer (PMDB) o qual passa a implementar o programa da agenda da bancada do

capital financeiro, do agronegócio, da segurança militar e da moralização religiosa. Exemplo

disso é a Emenda Constitucional nº 95, de 2016 que institui um novo regime fiscal que

congela os gastos do governo por 20 anos e, além disso, a diminuição de investimentos nas

universidades federais em 28,5% que fez com que 90% delas recebessem em 2017 valor

abaixo do recebido em 2013 ou 2014 (para as universidades mais novas), mesmo

considerando a correção pela inflação11

.

O golpe evidencia ainda o desagrado com os poucos e lentos processos de

decolonização que vem se implantando com, por exemplo, a obrigatoriedade do ensino de

história e cultura afro-brasileira, africana e indígena e as cotas para pessoas negras e indígenas

em instituições federais (e muitas estaduais). O golpe coloca em curso o projeto de

recolonização da América Latina que tem como pontos estratégicos: o controle dos recursos

naturais e a privatização das empresas estatais com os Estados Unidos como centro de origem

da articulação golpista12

.

Por fim, o último ano da pesquisa foi marcado pela volta à sala de aula. Depois de

poder dedicar 3 anos somente à pesquisa sob o amparo financeiro da Capes, em março de

2018 assumi como professora no Ensino Fundamental da Rede Municipal de Campinas, o que

acaba por retardar o desenvolvimento final e defesa da tese, mas traz vivências que me

enriquecem e me sensibilizam de modo que, ainda que não explicitamente, estão também

marcadas na escrita final deste trabalho.

No cenário nacional, nos momentos finais da escrita, sofremos mais um abalo na

já tão frágil democracia brasileira. Foi eleito como presidente o candidato (PSL) que proferia

11 https://g1.globo.com/educacao/noticia/90-das-universidades-federais-tiveram-perda-real-no-orcamento-em-

cinco-anos-verba-nacional-encolheu-28.ghtml

12 http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/6782-golpe-no-brasil-e-parte-do-projeto-de-

recolonizacao-da-a-latina-diz-premio-nobel-da-paz-perez-esquivel

20

publicamente declarações racistas, machistas, homofóbicas, além de manifestações de desejo

de aniquilamento de seus adversários políticos. Jair Bolsonaro foi eleito com uma campanha

pautada em fake News patrocinada por doação de empresas por meio de serviços, o que é

proibido pela legislação eleitoral, configurando-se como caixa 213

.

Desde a vitória sobre o candidato Fernando Haddad (PT), o presidente eleito já

fez declarações com vistas à perseguição ideológica de professores, buscando instaurar na

prática o nefasto projeto do programa “Escola sem partido14

” que, de fato, é um projeto de

partido único que visa impor a censura e perseguição a professores e professoras que busquem

desenvolver uma criticidade para além do status quo imposto. Um dos ataques mais

corriqueiros do projeto é acerca as questões de gênero, denominada “ideologia de gênero”. O

programa tenta proibir a educação sexual e a educação para a diversidade nas escolas,

amparado num moralismo cristão heteronormativo que ignora as questões sociais que

envolvem a diversidade humana, como também os abusos contabilizados que acontecem

contra mulheres, crianças e LGBTQs em grande parte, dentro de casa. Além disso, práticas

com questões de africanidades também têm sido cada vez mais hostilizadas e, muitas vezes,

proibidas15

, ignorando-se a obrigatoriedade da Lei 10.639/03.

Diante disso, esta tese marca também a não neutralidade diante do status quo, e o

posicionamento político e ideológico de mulher, professora, inserida em uma geografia ainda

marcada pelo machismo, misoginia, racismo, LGBTQfobia, policialesca e por um

autoritarismo que se aproxima de um fascismo que alcança os muros da universidade em

ameaças e pichações que são diminuídas a crime contra o patrimônio público16

e não como

violências fascistas e racistas que são. A escrita que apresento a seguir marca, portanto, o lado

da história em que me coloco: o lado de quem ousa lutar pela manutenção e ampliação dos

direitos e por dias melhores.

Antes da Introdução, apresentamos, a seguir, os principais autores com quem

estabelecemos diálogo durante o desenvolvimento deste trabalho. A apresentação constava

nas páginas iniciais do trabalho, mas o modelo engessado com que a universidade insiste em

produzir conhecimento proibiu que assim fosse, de forma que incluímos nesta seção a

13 https://exame.abril.com.br/brasil/pt-quer-investigacao-da-campanha-de-bolsonaro-por-praticas-ilicitas/

14 Movimento político criado em 2004 no Brasil e divulgado em todo o país pelo advogado Miguel Nagib. Ele e

os defensores do movimento afirmam representar pais e estudantes contrários ao que chamam de "doutrinação

ideológica" nas escolas. 15

https://jornalistaslivres.org/escola-do-sesi-proibe-livro-sobre-cultura-africana/ 16

https://www.geledes.org.br/pixador-racista-da-unicamp-sera-investigado-apenas-por-dano-ao-patrimonio/

21

apresentação de tais autores, muitos dos quais, por muitos anos, foram excluídos e/ou

ocultados do mundo científico pelas suas marcas de raça e gênero. Entendemos que

representatividade importa e desejamos reforçar que a ciência é uma construção coletiva que

inclui pessoas de diversas raças e gêneros.

LISTA DE PRINCIPAIS AUTORAS E AUTORES

Hector ALIMONDA Pierre Félix BOURDIEU

Linda Martín ALCOFF Bell HOOKS

José Augusto Lindgren

ALVES Vera Maria Ferrão

CANDAU

Luciana BALLESTRIN Aparecida Sueli

CARNEIRO

22

Márcio BARBOSA José Jorge de

CARVALHO

Dora Lúcia de Lima

BERTÚLIO

Santiago CASTRO-

GOMEZ

Aimé Fernand David

CÉSAIRE

Jeffrey LESSER

Marilena de Souza

CHAUÍ José DIAS SOBRINHO

Sérgio COSTA Frantz Omar FANON

23

Manuela Carneiro da

CUNHA

Ruth FRANKENBERG

Jerry D’ÁVILA Paul GILROUY

Joaquim Benedito

Barbosa GOMES

Nelson MALDONADO-

TORRES

Nilma Lino GOMES Albert MEMMI

Ramón GROSFOGUEL Walter D. MIGNOLO

24

Antônio Sérgio Alfredo

GUIMARÃES

Kabengele MUNANGA

Stuart HALL Abdias do NASCIMENTO

Oracy NOGUEIRA Darcy RIBEIRO

Renato NOGUERA Edward Wadie SAID

Arabela Campos

OLIVEN

Boaventura de Sousa

SANTOS

25

Marcelo Jorge de Paula

PAIXÃO

Natália Neris da Silva

SANTOS

Aníbal QUIJANO Lilia Moritz SCHWARCZ

Petronilha Beatriz

Gonçalves e SILVA

Carlos Moore

WEDDERBURN

Valter Roberto

SILVÉRIO Francisco Sandro da

Silveira VIEIRA

Catherine WALSH

26

1. Introdução

Esta tese partiu do seguinte problema de pesquisa: quais os efeitos causados pelas

políticas públicas de ação afirmativa nas universidades? Para tanto, adotamos como objetivo

geral analisar as Políticas de Ação Afirmativas e seus efeitos nas universidades públicas.

Ou seja, visa compreender os efeitos causados no espaço acadêmico, pelas Políticas Públicas

de Ação Afirmativa das Leis 10.639/03, 11.645/08 e 12.711/12 que, lentamente, incluíram o

povo negro e indígena no ensino superior e o ensino de história e culturas africanas, afro-

brasileira e indígenas nos currículos17

em duas universidades públicas brasileiras: UFSCar e

Unicamp.

A partir disso, elencamos como objetivos específicos:

i. analisar as políticas de ação afirmativa implementadas nas universidades

investigadas;

ii. identificar e analisar o perfil dos estudantes de 2003 a 2017, período que

recobre os vestibulares antes e depois da implementação das PPAAs;

iii. identificar se o período coberto pelas PPAA de inclusão nas universidades

promoveu o aparecimento de novas temáticas;

iv. levantar os coletivos formados, nestas universidades após a implementação da

política de ação afirmativa de inclusão (cota ou bonificação no vestibular);

v. conhecer e analisar as especificidades e práxis dos coletivos (quando se

formou? Quem são os membros? São estudantes de quais cursos? São todos beneficiários das

PPAA? Quais as principais atividades? Etc.);

vi. investigar se e como os coletivos estabelecem relação com as Leis 10.639/03 e

11.645/08;

vii. investigar se e como a práxis desses coletivos transcendem a exclusividade da

tradição eurocêntrica;

Partimos da hipótese de que as políticas públicas de ação afirmativa,

17 Embora o texto da Lei apresente a obrigatoriedade deste ensino na Educação Básica, os documentos

normativos que determinam, dentre outros pontos, a sua abrangência como as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação das Relações étnico-raciais e para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de

História e Cultura Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2004b), por exemplo, determinam que as Instituições de

Ensino Superior deverão incluir nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares nos diferentes cursos que

ministram a Educação das relações étnico-raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem

respeito aos afrodescendentes.

27

principalmente as de inclusão, como é o caso da Lei 12.711/12, ao possibilitarem o ingresso

de grupos antes excluídos do espaço acadêmico, como o povo negro e indígena, alteram e

enriquecem as dinâmicas formativas dentro da universidade ao colocar no cenário acadêmico

novas formas de pensar, sentir e agir, novas temáticas, diferentes epistemologias e demandas

para diferentes formações que podem dar início a uma tradição decolonial nas universidades.

Temos ainda uma segunda hipótese que é a de que as Leis 10.639/03 e 11.645/08

são políticas públicas de ação afirmativa que dão amparo à demanda para formações

ampliadas que superem a colonialidade do saber presente nas universidades.

O interesse pelas Políticas Públicas de Ação Afirmativa se deve ao fato de

compreender e rechaçar o fato de que vivemos em um país racista e, portanto, são necessárias

medidas que auxiliem a destruir esta ideologia tão nefasta. Desta forma, as PPAAs, ao

reconhecerem o racismo estrutural e estruturante da sociedade, são possibilidades de esfacelar

esta ideologia secular e iniciar a construção de uma democracia racial de fato, tendo em vista

que nossa universidade “não tem sido democrática desde a primeira instituição brasileira que

adotou esse nome – a Universidade de Manaus criada em 1909 e que vingou até 1929”

(ROSEMBERG, 2010, p. 10). Daí o desejo de analisar o impacto que estas políticas estão

causando nas universidades brasileiras.

Importante, portanto, retomar, ainda que brevemente, o histórico do Ensino

Superior brasileiro que até o início do século XIX era realizado na Universidade de Coimbra

que servia tanto à Metrópole quanto à Colônia (TEIXEIRA, 1989). Isto porque até o século

XVIII o governo português proibia de modo explícito a criação de instituições de ensino

superior, já que um dos fortes vínculos que sustentava a dependência das colônias era a

necessidade de estudar em Portugal. A Universidade de Coimbra, portanto, tinha como um

dos objetivos unificar o controle do império português desenvolvendo uma homogeneidade

cultural avessa a questionamentos à fé católica e à superioridade da Metrópole em relação à

Colônia (MAYORGA; COSTA; CARDOSO, 2010).

Assim, o Ensino Superior no Brasil teve início apenas no século XIX com a

chegada da Família Real Portuguesa em 1808 e a transferência da sede do poder

metropolitano para o Brasil sendo, portanto, necessário promover um ensino superior

adequado ao modelo de Estado nacional liberal (MAYORGA; COSTA; CARDOSO, 2010).

De tal modo, foram criadas Faculdades isoladas (medicina e academias militares e Escola de

Belas Artes) por D. João VI, com grande influência do Modelo Francês, que visava uma

formação profissionalizante em detrimento de uma formação cultural. Já em 1911 foram

28

instituídos os exames de admissão cujo objetivo era dificultar o acesso ampliado tendo em

vista que os conhecimentos arguidos no exame se relacionavam ao capital social e cultural

reservados aos membros da pequena elite (idem).

Somente no Século XX foram criadas as primeiras universidades brasileiras18

, ou

seja, instituições caracterizadas pelo tripé composto por Ensino, Pesquisa e Extensão mas

seguindo a política de atender aos interesses da elite do país. Assim sendo, a universidade foi

construída pautada naquilo que era importante para esse grupo: “a reprodução quase

automática da percepção desse grupo acerca de um modelo de sociedade e de sujeito, que

pouco correspondia à sociedade brasileira e ao interesse de grande parte da população”.

(CRUZ, et. Al., 2010, p. 71).

Na década de 60, um movimento liderado pela União Nacional dos Estudantes

(UNE), apesar da repressão às manifestações após o golpe militar de 1964, tomou as ruas

requerendo “mais verbas e mais vagas” nas universidades. O movimento culminou na

primeira Reforma Universitária brasileira (1968), a qual foi fundamentada nos modelos

estruturais estadunidense. Na prática, a Reforma acabou por concretizar a expansão do ensino

superior, via autorizações do Conselho Federal de Educação, para a criação de escolas

isoladas privadas, que acabaram por se tornar a regra da expansão do ensino superior.

Apesar da expansão, o ensino superior até o final do Século XX continuava a se

configurar como privilégio de uma minoria que representava pouco mais de 20% da

população de 18 a 24 anos. A situação era ainda mais excludente ao pensar a população negra,

uma vez que, destes, apenas 4% eram negros, conforme é possível observar no gráfico a

seguir.

18 O Brasil foi o último país da América a implementar Ensino Superior de nível universitário.

29

Gráfico 1 – Taxa bruta de escolaridade no Ensino Superior da população de 18 a 24 anos

Este breve histórico visa evidenciar que a universidade brasileira jamais se

constituiu como uma instituição neutra e fora da dinâmica política e econômica da sociedade

brasileira, pelo contrário, além de ser um privilégio característico da riqueza de uma

determinada classe – branca, patriarcal e senhoril –, também se caracteriza como uma das

formas de dominação hegemônica europeia na medida em que coloniza conhecimentos,

práticas e sujeitos através dos laços de dependência criados e mantidos para este fim

(MAYORGA, COSTA, CARDOSO, 2010).

Diante desce cenário, acreditamos que discutir cotas é repensar e avaliar a função

social da universidade pública que deveria abarcar as diferenças, sem transformá-las em

desigualdades, trazer para si o esforço de “desaprender o colonialismo” (HOOKS, 2017, p.

48), e formar lideranças que representassem a diversidade étnica e racial do país

(CARVALHO, 2003). De tal modo, a “opção decolonial”19

(FANON, 1968; QUIJANO,

2005; MIGNOLO, 2008; WALSH, 2010; GROSFOGUEL, 2012; BALLESTRIN, 2013) foi o

respaldo encontrado nas buscas teóricas e metodológicas para nos amparar nesta pesquisa.

Esta perspectiva nos trouxe os respaldos necessários para compreender que o racismo

19 A “opção decolonial” é encontrada nos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo Modernidade/Colonialidade

formado por intelectuais latino-americanos, e também pelo português Boaventura de Sousa Santos, que

encabeçam um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica das ciências sociais na América

Latina no século XXI (BALLESTRIN, 2013). O Grupo foi estruturado no final dos anos 90 e tem entre seus

membros: os filósofos Enrique Dussel, Neson Maldonado-Torres, os sociólogos Aníbal Quijano, Immanuell

Wallerstein e Edgard Lander, o semiologista Walter Mignolo e a semilogista Zulma Palermo, a linguista

Catherine Walsh, os antropólogos Arthuro Escobar e Edgardo Lander e o jurista Boaventura de Sousa Santos.

No Brasil autores como Vera Maria Candau e Luciana Ballestrin são adeptas das teorias do grupo.

1988 1998 2008

12,4% 16,8%

35,8%

3,6% 4,0% 16,4%

Negros

Brancos

30

ultrapassa as questões sociais locais isoladamente, à medida que faz parte de uma estrutura

ideológica maior e mais complexa implantada com a colonização nas Américas, Ásia e África

que coloca em voga um projeto de mundo no qual a Europa afirma-se “como uma identidade

superior ao construir constructos inferiores (raciais, nacionais, religiosos, sexuais, de gênero)”

(CASTRO-GOMES; GROSFOGUEL, 2007, p. 291).

Desta forma, ao compreender, através de Quijano (2005), que a ideia moderna de

“raça” humana surge como categoria após a invasão dos europeus às terras americanas para

marcar as diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados a partir de supostas

diferenças biológicas entre os grupos, torna-se evidente que o conceito esteve atrelado a uma

visão hierárquica que “converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da

população mundial nos níveis e papéis na estrutura de poder da nova sociedade” (idem, p.

118). É dentro deste cenário que se desenvolvem as relações étnico-raciais no Brasil. Elas

estão intimamente ligadas ao processo histórico de dominação a partir do momento em que

nossas terras foram invadidas pelos portugueses.

Frantz Fanon (1969, p. 35) explica que o “racismo não é um todo, mas o elemento

mais visível, mais quotidiano, para dizermos tudo, em certos momentos, mais grosseiro e de

uma estrutura dada”, ou seja, “a realidade é que um país colonial é um país racista” [grifo

nosso] (idem, p. 44). De tal modo, supomos que a implementação de Políticas Públicas de

ação Afirmativa, seja de inclusão do povo negro e indígena no Ensino Superior pela Lei

12.711/12, seja pela obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Africana, Afro-brasileira

e Indígena, como pressuposta pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08, são possibilidades

decoloniais, uma vez que visam romper com o racismo estrutural e epistêmico.

A perspectiva decolonial compreende a colonialidade como a extensão da

colonização que, apesar de política e juridicamente ter se findado, não encerrou com a forma

de pensar, sentir e agir e com as práticas sociais imputadas violentamente pelos colonizadores

e, portanto, da mesma forma como foi necessária a descolonização, ou seja, a eliminação da

presença física e da exploração do colonizador, na contemporaneidade urge romper com a

colonialidade do ser, do saber, do poder e da natureza20

, num processo decolonial. Isto porque

20 O conceito de colonialidade da natureza é menos visto na literatura do grupo Modernidade/Colonialidade, mas

presente. Alimonda (2011) explica que a colonialidade da natureza persiste desde a colonização no pensamento

hegemônico das elites dominantes da região que compreendem a natureza como um espaço subalterno, que pode

ser explorado, arrasada, reconfigurado de acordo com as necessidades do sistema de acumulação vigente. Desta

forma, ao longo de cinco séculos, ecossistemas inteiros foram arrasados pela implementação da monocultura

para exportação. Hoje, esta colonialidade está presente nas monoculturas de soja e agrocombustíveis com

31

“nenhum povo, mesmo no período pós-colonial, consegue se livrar de seu colonizador,

enquanto não se liberta também de seus referenciais teóricos, de suas premissas, de seus

fundamentos e de seus paradigmas” (ROMÃO, 2012). Ou seja, destruir o racismo passa

também por um projeto decolonial de sociedade.

Em outras palavras, a colonialidade inclui como autoridade política a distribuição

hierárquica de certos lugares, de processos, metodologias e epistemologias na qual a questão

de identidade torna-se elemento legítimo no desenvolvimento de uma filosofia da libertação

(ALCOFF, 2016). Alcoff (2016, p. 136) explica que

O projeto de decolonização epistemológica (e a mudança da geografia da razão

requer que prestemos atenção à identidade social não simplesmente para mostrar

como o colonialismo tem, em alguns casos, criado identidades, mas também para

mostrar como têm sido silenciadas e desautorizadas epistemicamente algumas

formas de identidade enquanto outras têm sido fortalecidas. Assim, o projeto de

decolonização epistemológica presume a importância epistêmica da identidade

porque entende que experiências em diferentes localizações são distintas e que a

localização importa para o conhecimento. [...] Acredito que a inclinação anti-

identidade tão prevalente na teoria social hoje é outro obstáculo para o projeto de

decolonização do conhecimento.

Estamos de acordo com a importância da identidade e, neste sentido, parece-nos

importante salientar que, ao contrário da concepção moderna, entendemos “raça” como um

conceito social que contempla a possibilidade de desenvolvimento de uma cidadania plena, à

medida que se busca, neste momento histórico, a reparação para os danos causados pela visão

biologista e hierárquica que o conceito carregou e ainda carrega no senso comum onde o

racismo impera. Sabemos que não há na espécie humana nada que possa ser classificado a

partir de critérios científicos que corresponda à compreensão que se tem de raça, assim, “o

que chamamos de “raça” tem existência nominal, efetiva e eficaz apenas no mundo social e,

portanto, somente no mundo social pode ter realidade plena” (GUIMARÃES, 2002, p. 50).

Neste sentido, o conceito de raça no mundo social só poderá ser dispensado quando já não

existirem grupos sociais que se identifiquem a partir de marcadores direta ou indiretamente

derivados da ideia de raça; quando as desigualdades, as discriminações e as hierarquias

sociais não corresponderem a esses marcadores e, por fim, quando tais identidades forem

dispensáveis para a afirmação social dos grupos oprimidos (idem.).

De tal modo, embora haja diversos autores que discutem a não racialização, ou

seja, defendem a eliminação do termo, a questão da “raça”, compreendida como conceito

insumos químicos que arrasam ambientes inteiros – inclusive os seres humanos – nos grandes projetos

hidrelétricos e das vias de comunicação na Amazônia e nas infraestruturas de novos ciclos exportadores.

32

social de identidade, é um movimento necessário porque, de acordo com Mignolo (2008), a

identidade na política visa romper com as grades da moderna teoria política que é, mesmo que

não se perceba, racista, patriarcal, sexista. De tal modo, diz o autor, a identidade em política é

crucial para a opção decolonial porque sem a construção de teorias e ações políticas

fundamentadas em identidades que foram criadas nos discursos imperiais, pode não ser

possível desnaturalizar a construção racial e imperial da identidade no mundo moderno em

uma economia capitalista.

Luciana Ballestrin, em entrevista para Gallas e Machado (2013, s/p.) explica que a

decolonialidade busca o rompimento com as lógicas da colonialidade apostando em outras

experiências políticas, vivências culturais, alternativas econômicas e de produção do

conhecimento que rompam com a exclusividade eurocêntrica. A decolonialidade concebe a

importância da interação entre teoria e prática, buscando dialogar com a gramática das lutas

sociais, populares e subalternizadas dos povos que compuseram e compõem a construção da

ideia de América Latina.

Sobre o termo “decolonial” Walsh (2013) explica que dentro da literatura

relacionada à colonialidade do poder se encontram referências tanto aos termos “descolonial e

descolonialidade”, como também “decolonial e decolonialidade”. Temos a mesma posição da

autora de suprimir o “s”, para marcar uma distinção com o significado do “des” que pode ser

entendido como um simples desarmar, desfazer ou inverter o colonial. O uso do termo sem o

“s” objetiva colocar em evidência que não existe um estado nulo da colonialidade, mas sim

posturas, posicionamentos e projetos de resistir, transgredir, intervir, insurgir, criar e incidir,

ou seja, denota um caminho de luta contínuo no qual se pode visibilizar lugares de

exterioridade e construções alternativas.

Assim, romper com a colonialidade do saber implica em romper com a

exclusividade eurocêntrica que dominou as teorias, métodos e epistemologias de todo o

mundo, uma vez que o eurocentrismo colocou-se como verdade universal.

Mesmo o projeto iluminista que considerou a vastidão dos reinos, reis, das

culturas e que defendeu filosoficamente a igualdade entre os homens e sua singularidade na

universalidade, não deixou de projetar a superioridade da cultura ocidental sobre as demais

culturas.

O Candido, de Voltaire (2009) diz:

Que os bens da terra são comuns a todos os homens, que todos têm direitos iguais

(p. 35)

As crianças de outros reinos e países são muito educadas (p. 64)

33

Que país é este [...] desconhecido no resto da Terra e onde toda a natureza é um tipo

tão diferente da nossa? (p. 66)

Devo observar que as pessoas de outros mundos costumam apresentar questões

muito singulares (p. 68)

A verdade é que é preciso viajar (p. 69)

Todos os homens são livres (p. 71) (VOLTAIRE, 2009)

O projeto enciclopedista coordenado por Denis Diderot e Jean D´Alembert buscou

catalogar todo o conhecimento humano a partir dos princípios da razão, entretanto, traduzia

“conhecimento humano” como sinônimo de conhecimento produzido na e pela Europa

central. Vide o quadro referencial a partir do qual os 35 volumes da Enciclopédia foram

produzidos. Ele expressa a régua utilizada para catalogar o conhecimento humano e a

compreensão de humanidade.

34

Figura 1 – Árvore do Conhecimento Humano de Diderot e D'Alembert

Fonte: CAMPOS, F. de; MIRANDA, R. G.. A escrita da História. Ensino Médio: volume. único. São Paulo:

Escala Educacional, 2005. p. 259.

35

Para Hall (2009) o Iluminismo construiu uma posição epistemológica centrada no

processo de colonização. Antes do Iluminismo a diferença era concebida em termos de ordens

distintas do ser: “São eles homens de verdade???” perguntou Sepúlveda a Bartolomeu em

1550”. (HALL, 2009, p. 110). A dúvida levantada pela razão iluminista construiu um olhar

universalista onde todas as formas de vida humana eram incluídas no escopo universal a partir

de uma única ordem do ser, de tal forma que a diferença teve que ser constantemente

reformulada na marcação e remarcação de posições dentro de um único sistema discursivo. A

diferença foi fixada e consolidada (fetiche e patologia) dentro de um discurso unificado de

civilização. Neste sentido, Hall entende que o termo pós-colonial demarca um paradigma

temporal e epistemológico diferente.

Dentro deste cenário imposto, não se abarca na educação formal a diversidade que

faz parte da construção de mundo. A África nos é apresentada como território de onde foram

capturados “escravos”21

. Não são apresentados os diversos impérios e formas de organizações

sociais desenvolvidas ao longo de milhares de anos da História Africana. O estudo do Egito,

com suas inegáveis riquezas e sociedade altamente desenvolvida, é intencionalmente

descontextualizado de seu pertencimento continental africano. Ignoramos os saberes

indígenas, ou a estes é dado status de “crendices” e, pouco ou nada sabemos sobre a história

das Américas e seus povos: os Incas, os Maias e as diferentes etnias indígenas que habitavam

– e algumas ainda habitam – o território hoje denominado Brasil. Tudo isso se engloba dentro

do que se denomina racismo epistêmico de acordo com autores como Grofoguel (2007),

Maldonado-Torres (2008), Nogueira (2011).

O racismo epistêmico é, portanto, a força que opera privilegiando as políticas

identitárias e a tradição de pensamento dos homens ocidentais (que quase nunca inclui as

mulheres), considerada como a única legítima para a produção de conhecimentos e como a

única com capacidade de acesso à “universidade” e à “verdade”. “O racismo epistêmico

considera os conhecimentos não-ocidentais como inferiores aos conhecimentos ocidentais.”

(GROSFOGUEL, 2007, p. 32).

Santos (1999), Carneiro (2005) e Grosfoguel (2016) explicam que o racismo

epistêmico é também um “epistemicídio” porque ao desqualificar o conhecimento dos povos

subjugados, produz a indigência por diferentes mecanismos de deslegitimação e

21 Usamos escravos entre aspas porque não concordamos com a terminologia, uma vez que não se nasce escravo,

mas se torna escravo, portanto, para o trabalho utilizamos o termo homens ou mulheres escravizado(a)s.

36

desqualificação das formas de conhecimento de indígenas e negros, ignorando que estes são

também portadores e produtores de conhecimentos causando, portanto, a morte de

epistemologias diferentes da ocidental, europeia, branca – e porque não dizer masculina,

heterossexual, cristã e capitalista.

No Brasil, o racismo epistêmico (epistemicídio) fortaleceu a ideia difundida de

que se vive neste país uma democracia racial. Em outras palavras, é forte a ideia de que somos

todos miscigenados e, portanto, uma sociedade harmônica em que a raça em nada pesa para os

constructos sociais. Esta imagem ganha força ainda hoje porque a história contada apenas sob

a ótica dos europeus apresenta um Brasil cordial, uma vez que não houve por aqui uma

política institucionalizada de apartheid racial22

após a abolição da escravidão, como

aconteceu nos Estados Unidos, por exemplo, apesar das várias leis que impediram negros de

circularem em diversos espaços sociais. Soma-se a isso, a obra de Gilberto Freyre23

, marco

importante na construção da ideologia da democracia racial. Diz o autor que a “mediação

africana no Brasil aproximou os extremos, que sem ela dificilmente se teriam entendido tão

bem, da cultura europeia e da cultura ameríndia, estranhas antagônicas...” (FREYRE, 2006 p.

116) Para o autor (2006, p. 418)

A força, ou antes, a potencialidade da cultura brasileira parece-nos residir toda na

riqueza dos antagonismos equilibrados [...] Não que no brasileiro subsistam, como

no anglo-americano, duas metades inimigas: a branca e a preta; o ex-senhor e o ex-

escravo. De modo nenhum. Somos duas metades confraternizantes que se vêm

mutuamente enriquecendo de valores e experiências diversas; quando nos

completarmos em um todo, não será com o sacrifício de um elemento ao outro.

[grifo nosso]

As políticas públicas de ação afirmativa (PPAAs), neste cenário, colocam em

xeque a ideia da democracia racial e dos “antagonismos equilibrados”, uma vez que, ao

levantar o debate as questões étnico-raciais, escancaram as diferenças econômicas, sociais,

educacionais, de trabalho e saúde presentes entre negros e brancos e, escancaram ainda, o

racismo presente na sociedade e estampado em pichações24

e ações de pessoas que se colocam

22 Nos EUA, após a abolição da escravidão em 1863, formou-se uma sociedade segregada e que passa a ter

respaldo legal quando em 1896 a Suprema Corte considerou constitucional a existência de acomodações

separadas para brancos e negros, erguendo uma barreira que negava às pessoas negras o livre acesso à moradia,

restaurantes e à maioria dos serviços públicos (OLIVEN, 2007).

23

A ideia de que a sociedade brasileira foi concebida sob relações harmônicas aparecem pela primeira vez em

textos do século XIX, no “Abolicionismo” de J. Nabuco, por exemplo. Entretanto, foi com Gilberto Freyre na

sua obra “Casa-Grande & Senzala” de 1933 que o termo se eternizou (HAUFBAUNER, 2015).

24 A título de exemplo, algumas das notícias sobre pichações racistas em Universidades brasileiras: Estudantes

37

contrárias às PPAAs, muitas vezes sob a o discurso de que são as políticas que criam o

racismo, tão forte a ideia de democracia racial, ignorando que o racismo é elemento

estruturante do Brasil desde a violenta chegada dos portugueses a essas terras.

De forma sintética o termo “política pública de ação afirmativa” (PPAA) se refere

a toda ação direcionada ao enfrentamento das desigualdades sociais, não apenas as de caráter

racial, causadas por ações discriminatórias direcionadas a grupos específicos como: pessoas

negras; indígenas; mulheres; homossexuais, transexuais; seguidores de determinadas religiões

etc. (ROCHA,1996; MOEHLECK, 2002; MOROSINI, 2006; WEDDERBURN, 2007;

SILVÉRIO, 2007; GOMES, 2007). Assim, as PPAAs não criam o racismo, mas trazem à tona

a sua perversidade no ataque de quem antes usufruía de espaços exclusivos aos brancos e que

agora se enraivecem em ter que compartilhá-los com pessoas negras e indígenas que passam

também a ter direito de, finalmente, alçar novas posições sociais.

Neste cenário, embora a chamada Lei de cotas – Lei 12.711/12 – tenha sido a

PPAA que mais se destacou na mídia e nos debates acalorados entre contrários e favoráveis à

política, esta não foi a única, tampouco a primeira política pública de ação afirmativa

instituída no Brasil. Desde o final dos anos 90 foram implementadas PPAAs voltadas ao povo

negro, o que será melhor discutido no capítulo 3 (três). No entanto, destacamos aqui a

primeira Lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 09 janeiro de

2003, a 10.639/03. Isto porque a lei é um marco significativo da história da luta do povo

negro, pois, com ela, reconhece-se as desigualdades raciais que colocam em desvantagem a

população negra até os dias atuais. Além disso, implica em análises e avaliações mais

complexas nas interpretações e intervenção no mundo a partir dos diferentes tipos de

conhecimento, ou seja, é um instrumento para romper com a colonialidade presente nos

currículos, uma vez que a Lei altera o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional 9.394/96 (LDB) (BRASIL, 1996) e inclui no currículo oficial de toda a Rede de

Ensino (pública e privada) a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africanas e

Afro-brasileira em todos os níveis de ensino25

e, altera ainda o artigo 79-B que preconiza que

denunciam pichação racista em faculdade de Direitos de SP (Revista Fórum, 2015); Banheiro feminino da USP

Leste com frases racistas (Último Segundo, 2015); Pichações racistas são encontradas em banheiro da Unesp em

Bauru (G1, 2015); Pichações racistas e homofóbicas são encontradas na Unesp de Ourinhos (G1, 2015) UnB

apura pichações de conteúdos racista e homofóbico em banheiros (G1, 2016); Universidade tem nova pichação

racista: “Tirem os pretos da Unicamp” (Educação UOL, 2016); Alunos denunciam pichações homofóbicas e

machistas na Universidade Mackenzie (G1, 2017);

25 De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (BRASIL, 2004).

38

o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência

Negra” (BRASIL, 2003). Em 2008 o Artigo 26-A passa por uma nova alteração quando, por

força da Lei 11.645, tem acrescentada a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura

Indígenas.

Essas leis dialogam com a urgência de alternativas epistemológicas ao mesmo

tempo em que revelam a enorme dimensão dos obstáculos políticos e culturais que impedem a

sua concretização (SANTOS; MENESES, 2010). Elas buscam diminuir o distanciamento e

silenciamento impostos e trazer à tona a versão dos vencidos, violentados e oprimidos durante

a colonização, buscando colocar, a partir de uma perspectiva intercultural, as Histórias e

Culturas dos povos Indígenas e Africanos antes e depois do processo de colonização e, têm

estimulado, ainda que de forma tímida, a retomada da ciência sob novas perspectivas, com

novas possibilidades epistemológicas e filosóficas. Elas se colocam na perspectiva de uma

interculturalidade que não visa apenas reconhecer, tolerar e incorporar o diferente dentro da

estrutura estabelecida, pelo contrário, uma interculturalidade que busca implodir as estruturas

coloniais do poder para refundar estruturas sociais, epistêmicas e de existências que coloquem

em cena e em relação equitativa, práticas e modos culturais diversos de pensar, atuar e viver

(WALSH, 2010).

Apesar da importância das Leis para enfrentar o racismo presentes na sociedade,

principalmente o racismo epistêmico, elas ainda têm pouca visibilidade na mídia e baixa

aplicabilidade em todos os níveis de ensino. Relatos e pesquisas como de Gomes e Jesus

(2013) e Soligo et. Al. (2018), por exemplo, apontam que no nível básico o que se encontra

são trabalhos isolados de alguns professores engajados com a temática que desenvolvem uma

prática pedagógica em acordo com o pressuposto pelas Leis, no entanto, é difícil encontrar

escolas que a assumam como um projeto pedagógico da instituição e não como ações isoladas

sobre a temática em datas comemorativas como o “dia do Índio” ou o “Dia da Consciência

Negra”, por exemplo. Soligo et. Al. (2018) atentam que há ainda um longo caminho a

percorrer na direção da efetiva inserção das africanidades e de História da África no cotidiano

e na cultura escolar, na busca do enfrentamento e ruptura com o racismo institucional no

cotidiano escolar que se opera pela ausência, pelo silencio e pela superficialidade.

Em nível superior, uma busca rápida nos cursos de Pedagogia, por exemplo, de

instituições renomadas como a Unicamp26

e USP27

(SP) mostra que não há disciplinas

26 De acordo com o Projeto Político Pedagógico, catálogo 2016. Apesar de não oferecer disciplinas obrigatório o

39

obrigatórias que abordam a temática após quase 15 anos de sancionada a Lei 10.639/03.

Carvalho (2007) atenta ainda para o “racismo acadêmico” (p. 89) com o qual se

deparou após constatar que convivia há mais de uma década apenas com colegas brancos no

Instituto de Ciências Sociais da UnB. O professor conta que após quatro décadas da

implantação dessa universidade, apenas 1% do corpo docente é negro e que, na verdade, esta

porcentagem acaba sendo alta quando comparada com outras universidades de ponta como a

Unicamp, UFRJ e UFRGS com 0,2%; 0,5 e 0,7% respectivamente de pessoas negras no

quadro docente. Os levantamentos foram realizados pelo autor que pediu também o auxílio a

colegas negros das outras IES para apresentar tais dados. Carvalho lamenta que não exista

ainda um censo racial nacional da docência nas universidades públicas e denuncia que “a sua

própria inexistência já é um forte indício da resistência da classe acadêmica de enfrentar-se

com sua condição racial privilegiada” (idem, p. 91). Ele denuncia ainda o “confinamento

racial” (p. 92) vivido pelos docentes das universidades públicas brasileiras, tendo em vista que

ao somar todos os professores de algumas das principais universidades de pesquisa brasileiras

(USP, UFRJ, Unicamp, UnB, UFRGS, UFSCar e UFMG) tem se um contingente de 18.400

docentes, sendo que destes, 18.330 são brancos e apenas 70 são negros, ou seja, apenas 0,4%

do total.

Paradoxalmente foi justamente desse ambiente segregado que saíram todas as teorias

que negam a existência de segregação racial no Brasil. E se estamos falando de

relações raciais, é perfeitamente aceitável que demandemos dos intérpretes não

apenas a sua leitura da desigualdade racial existente na sociedade brasileira “lá

fora”, mas também que se posicionem acerca dessa realidade de segregação que eles

mesmos participam. Está claro que não sairemos “naturalmente” desse escândalo de

segregação racial. Já ampliamos os números de estudantes e de docentes dezenas de

vezes nas últimas décadas, e os números relativos à presença negra em nada

melhoraram (CARVALHO, 2007, pp 91-92).

Esse cenário de exclusão dos negros e da temática das questões raciais em todos

os níveis de ensino, acaba por alimentar o discurso contrário à Lei 12.711/12 – a Lei das

Cotas – que reserva atualmente 50% das vagas dos institutos e universidades federais para

curso de Pedagogia da Unicamp oferece duas disciplinas de caráter eletivo: EP812-Seminário de Pesquisa em

História da África; EP813-Seminário de Pesquisa em História Indígena

27 De acordo com o Projeto Político Pedagógico de 2011 que começou a ser implantando em 2012. Há

disciplinas que parecem se aproximar da temática como: EDF0694-Multiculturalismo e Educação: introdução à

temática; EDF0703-A indústria Cultural e o Hip Hop: uma reflexão sobre a cultura de massas, a música, a

contestação urbana e o acesso ao masculino nas metrópoles; EDF0717-Multiculturalismo na Educação;

EDF0718-Multiculturalismo, Diretos Humanos e Educação: temas contemporâneos; EDF0723-Diversidade,

Desigualdades e Educação: aportes teóricos e estudos contemporâneos, no entanto, nenhuma delas traz no cerne

a história e cultura africana, afro-brasileira ou indígena, ou as relações étnico-raciais.

40

estudantes que venham de escolas públicas e, dentro deste percentual, uma porcentagem (de

acordo com a % de autodeclarados negros e indígena no Estado em que a instituição estiver

localizada, segundo último IBGE) é reservada para estudantes que se autodeclarem como

negros(as) ou indígenas. Uma sociedade que mantém universidades com 99,6% de docentes

brancos que se não se colocam como agentes da crítica necessária à desigualdade racial, uma

sociedade que desconhece a história da escravidão e seus impactos que permanecem até a

contemporaneidade nas desigualdades raciais geradas e mantidas pelo racismo estrutural e

estruturante da sociedade, se volta facilmente à falácia da meritocracia, ignorando que a

ausência de pessoas negras e indígenas nas universidades, por exemplo, não é resultado do

acaso ou falta de esforço individual.

O desconhecimento sobre a especificidade das Políticas de Ação Afirmativa

atinge patamares que ultrapassam o senso comum, sendo possível encontrar discursos

contrários recheados de desconhecimento histórico, político e social até mesmo em

professores(as) de renomadas universidades, dos mais diversos cursos, que se embasam,

dentre outras ideias, à de meritocracia. Para Carvalho (2003) inclusive, uma parte das

resistências às ações afirmativas se deve à ignorância e à desinformação resultados do silêncio

que a academia branca impôs a si mesma e à sociedade durante mais de um século. Em 2007,

o mesmo autor questiona como ainda nos dias de hoje as universidades resistem à inclusão

sustentando-se na ideologia do mérito, mesmo contando com pesquisadores perfeitamente

capazes de fazer a crítica das bases econômicas, sociais, políticas e raciais dessa ideologia.

Há ainda a confusão entre as cotas e as políticas de ação afirmativa. Muitas

pessoas, incluindo aí, estes(as) mesmos(as) professores(as), usam os termos como sinônimos,

quando na verdade a política de cotas é apenas um dos tipos possíveis de ação afirmativa. As

políticas de ação afirmativa são mais amplas que as cotas e têm como objetivo promover

condições concretas da igualdade prevista constitucionalmente, mas jamais alcançada entre

brancos, negros e indígenas, como também reparar e ressignificar a herança indígena e

africana no país, transpondo as marcas negativas deixadas pela história da colonização e

escravidão que violentou, exterminou os povos indígenas; e desenraizou, os povos africanos

da sua história e cultura e que no período pós-abolicionista não incluiu nenhuma política a fim

de tornar esses povos cidadãos de direito na sociedade.

A partir deste cenário, compreendemos que democracia racial e meritocracia são

ideologias que apagam e negam o racismo existente, numa falsa superação da colonização.

Assim sendo, a perspectiva decolonial busca se constituir como um projeto alternativo ao

41

racismo, e busca a reconstrução radical do poder, do saber e do ser numa perspectiva de

interculturalidade crítica que reconhece que a diferença se constrói dentro de uma estrutura

colonial de poder racializado e hierarquizado.

Ao encontro disso, Fanon (1968) nos impele a encontrar novos caminhos e a não

nos deixar mais empolgar pelo desejo de alcançar a Europa, mas de usar nossos esforços

numa direção nova, na qual é preciso multiplicar as conexões, diversificar as ramificações,

mudar os procedimentos, humanizar as mensagens, desenvolver um pensamento novo, tentar

colocar de pé um homem novo, ou seja, romper com a colonialidade. “O Terceiro Mundo

surge hoje diante da Europa como uma massa colossal cujo projeto deve ser o de tentar

resolver os problemas aos quais essa mesma Europa não soube oferecer soluções” (p. 274).

Neste cenário, retornamos à questão central deste estudo: Quais os efeitos

causados pelas políticas públicas de ação afirmativa nas universidades? As notícias apontam

que uma das consequências da inserção de políticas de ação afirmativa com foco na inclusão

da população negra é o desocultamento do racismo presente na sociedade brasileira, que se

apresenta nas notícias que se multiplicam corriqueiramente: “Mesmo com avanço pelas cotas,

negros enfrentam racismo na universidade” (TERRA, 2013); “Racismo na USP: estudante

negra é impedida de entrar na universidade” (PRAGMATISMO POLÍTICO, 2014);

(MARCHEZI, 2016); “Racismo e falta de formação dificultam educação de temas étnico

raciais nas escolas” (NUNES, 2016).

Mas, se por um lado as políticas públicas de ação afirmativa escancaram o

racismo presente na sociedade, por outro rompem radicalmente com a lógica de

funcionamento do mundo acadêmico brasileiro, porque além do reposicionamento concreto

das relações raciais nas universidades, elas colaboram com o questionamento da legitimidade

das interpretações teóricas e epistemológicas acerca das relações raciais no Brasil, formuladas

no interior de um universo acadêmico majoritariamente branco (CARVALHO, 2007). Passos,

Rodrigues e Cruz (2006) mostram que as PPAAs têm impulsionado, em termos normativos, a

inclusão de temas e conteúdos que versam sobre a educação das relações étnico-raciais em

duas universidades analisadas – UFSCar e UFSC, no entanto, estas orientações ainda não

impactaram profundamente a estrutura curricular dos cursos analisados nestas instituições.

Desta forma, este estudo torna-se relevante, pois busca atualizar e ampliar o

escopo de análise sobre como as Políticas Públicas de Ação Afirmativa estão impactando o

ambiente acadêmico, sendo ainda possível fazer a análise em instituições com diferentes

políticas com vistas à inclusão, a saber: UFSCar e Unicamp. Acreditamos que o estudo pode

42

evidenciar a importância das Políticas Públicas de Ação Afirmativa para além da inclusão,

mas para o aprofundamento da vocação da universidade tendo em vista o seu caráter

universal, à medida que alcança absorver diferentes epistemologias, teorias, metodologias e

práxis sociais e pedagógicas.

Além disso, a pesquisa dialoga diretamente com a Década Internacional em

vigência (2015 a 2024), proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 2013, que tem como

tema: “Povos Afrodescendentes, reconhecimento, justiça e desenvolvimento” tendo em vista a

necessidade de se debater o racismo e a valorização do povo africano e da diáspora africana.

Os principais objetivos para a Década Internacional são: promover o respeito, proteção e

cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas

afrodescendentes, como reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos;

promover um maior conhecimento e respeito pelo patrimônio diversificado, a cultura e a

contribuição de afrodescendentes para o desenvolvimento das sociedades; adotar e reforçar os

quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais de acordo com a Declaração e

Programa de Ação de Durban e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação Racial, bem como assegurar a sua plena e efetiva implementação28

.

Desta forma este estudo dialoga com a necessidade urgente colocada por Leis

nacionais e acordos internacionais com vistas ao enfrentamento do racismo e rompimento

com a exclusividade da tradição eurocêntrica presente nas instituições escolares de todos os

níveis de ensino, do qual o ensino superior não se exclui.

Sabemos que romper com ideologias hegemônicas29

construídas ao longo de

séculos, como é o caso do eurocentrismo e do racismo em suas diversas formas, impõe-se

como uma tarefa improvável se não houver um rompimento com a colonialidade, que nos

mantém ainda ligados a classificações hierárquicas de raça, gênero, religião, epistemologia

etc.. Assim, estamos de acordo com Nogueira (2011) que propõe uma valorização geopolítica

africana e afrodiaspórica e, para além do que aponta o autor, latino-americana, e indígena

28 Disponível em: http://decada-afro-onu.org/index.shtml

29 Apesar do conceito de hegemonia ter suas origens na social-democracia russa e em Lênin, é Gramsci que

apresenta uma noção mais elaborada e adequada para pensar as relações sociais (ALVES, 2010). “Segundo

Gramsci, a hegemonia é obtida e consolidada em embates que comportam não apenas questões vinculadas à

estrutura econômica e à organização política, mas envolvem também, no plano ético-cultural, a expressão de

saberes, práticas, modos de representações modelos de autoridade que querem legitimar-se e universalizar-se.

Portanto, a hegemonia não deve ser entendida nos limites de uma coerção pura e simples, pois inclui a direção

cultural e o consentimento social a um universo de convicções, normas morais e regras de conduta, assim como a

destruição e a superação de outras crenças e sentimentos diante da vida e do mundo” (GRAMSCI, 2002 apud

MORAES, 2010, p.55).

43

brasileira, a fim de colocar a produção intelectual desses povos no mapa acadêmico mundial e

romper de vez com o projeto científico eurocêntrico de mundo.

Entendemos esta pesquisa como espaço de aprendizagens, desaprendizagens e

reaprendizagens a partir de novos enunciados teórico-metodológicos e, assim como Damázio

(2011), defendemos politicamente e justificamos este estudo como parte de uma nova postura

acadêmica, comprometida com a perspectiva de mudança da produção de saberes para formas

mais plurais, mais politizadas e direcionadas “localmente” a partir do pensamento e reflexão

crítica sobre o atual momento em que vivemos.

Dentro desse contexto, entendemos Método como ato vivo e concreto que se

revela na maneira como olhamos para o mundo, ou seja, nas nossas crenças, valores, atitudes

e ações, na nossa organização e no desenvolvimento do trabalho de pesquisa (GATTI, 1999).

“Quando falamos de método, estamos falando da forma de construir o conhecimento” (idem,

p. 64).

O método distingue da metodologia. O método vem do grego e significa

“caminho para se fazer algo. Podemos pensar, pois, que o método de investigação é um

caminho que se percorre para obter um conhecimento. A metodologia é uma coisa distinta,

com um caráter mais teórico: é um discurso sobre esse método, algo que vem a posteriori para

falar e descrevê-lo, como quem faz um relato do caminho percorrido. Para fazer uma boa

investigação é mais importante o método prático que a metodologia teórica (BORREGO,

PEDREÑO, 2010).

De acordo com Minayo (1993) o conhecimento científico é sempre uma busca de

articulação entre a teoria e a realidade empírica e o método é o fio condutor para se formular

esta articulação, no entanto, tendo em vista nossa opção teórica pelos estudos decoloniais,

afastamo-nos daquilo que é rígido, das essências, das convicções universais próprias do

eurocentrismo e nos aproximamos dos pensamentos que nos movem, colocam em xeque

nossas verdades e nos auxiliam a encontrar caminhos para responder nossas interrogações ao

encontro do que propõem Meyer e Paraíso (2012). Ao nos afastar das perspectivas

eurocêntricas, compreendemos que nossa pesquisa não resulta em uma verdade, mas sim

permite a descrição, análise e problematização de “verdades contexto-dependentes” (MEYER,

2012, p. 54). Verdades que não serão tomadas como um conhecimento universal, mas como

um saber local, político, comprometido em desvelar as relações entre saber e poder

(DAMÁSIO, 2011).

A crítica a este modelo vem de pesquisadores amparados em perspectivas

44

eurocêntricas ortodoxas que acusam que para os estudos pós-críticos, nos quais se aproxima a

perspectiva decolonial, qualquer verdade vale, no entanto, o que entendemos e defendemos é

que o que vale como verdade é ainda objeto de disputa e é determinado na luta das posições

existentes e em disputa no campo acadêmico e nossa pesquisa faz parte deste processo,

colocando-se em disputa (MEYER, 2012) e compreendendo que existem verdades: plurais e

inclusivas, ao contrário das metanarrativas: singulares e excludentes.

Gatti (1999, p. 75) explica que a verdade é uma abstração. Socialmente falando, a

verdade pode ser um consenso historicamente construído e, portanto, mutável. “Em ciência, o

que se busca são aproximações da verdade da realidade em que vivemos; aproximações que

sejam consistentes e consequentes, pelo menos por um tempo”. De tal modo, trabalhar com

metodologias de pesquisas pós-críticas nos permite aceitar diferentes traçados, como também

pensar coisas diferentes na educação. Assim, a metodologia nas pesquisas pós-críticas:

Gosta de incorporar conceitos, de “roubar” inspirações dos mais diferentes campos

teóricos para expandir-se. Por ser tão aberta, quer expandir suas análises para

diferentes textos para produzir novos sentidos, expandir, povoar e contagiar. O que

importa, em síntese, é movimentar-se sempre para a dissolução das formas. Afinal,

sempre que se instaura uma forma que divide e classifica, “é porque um poder se

infiltrou” (GAUTHER30

, 2002, p.149 apud MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 42).

Neste contexto, de acordo com Creswell (2010) nossa pesquisa se aproxima da

concepção reivindicatória, pois está diretamente atrelada à uma agenda política e trata de uma

questão social específica – a desigualdade, a opressão e a dominação advindos do processo

colonizador e que, pelo racismo, resulta em desigualdades raciais escandalosas no país

conhecido internacionalmente pela sua “democracia racial”. Assim,

essa pesquisa também assume que o investigador vai proceder colaborativamente, de

modo a não marginalizar ainda mais os participantes como um resultado na

investigação. [...] a pesquisa reivindicatória proporciona uma voz a esses

participantes, elevando sua consciência ou sugerindo uma agenda de mudança para

melhorar suas vidas. Torna-se uma voz unida para a reforma e a mudança (idem, pp.

32-33)..

Metodologicamente a pesquisa se insere como um “estudo de caso” que busca

responder quais os impactos que as Políticas Públicas de Ação Afirmativa promovem em duas

universidades públicas brasileiras: UFSCar e Unicamp. De acordo com Creswell (2010 apud

Stake, 1995) o estudo de caso é uma estratégia de investigação em que se explora

profundamente um programa, um evento, um processo que envolve um ou mais indivíduos.

30 GAUTHER, C. Esquizoanálise do currículo. In: Educação e Realidade, v.27, n.2, p, 143-156, 2002.

45

Os casos são relacionados pelo tempo e pela atividade e coletam-se informações detalhadas

usando diversos procedimentos de coleta de dados. Nosso “caso” é a implementação de

Políticas Públicas de Ação Afirmativa com vistas à inclusão de pessoas antes excluídas do

universo acadêmico e seus efeitos na universidade.

Para a seleção das duas instituições, utilizamos como critérios o fato de serem

instituições públicas de grande prestígio no Brasil, com idades muito próximas31

, a diferença

de categoria administrativa entre universidade pública estadual e federal; a diversidade de

política de ingresso, na qual a Unicamp possui uma política de ação afirmativa baseada em

acréscimo de pontos individual à nota do vestibular – o PAAIS, enquanto que a Ufscar possui

a política de cotas para os grupos étnico-raciais minorizados (negros e indígenas).

Em relação à coleta e análise de dados a pesquisa classifica-se como quali-

quantitativa. De acordo com Granger32

(1982 apud Minayo, 1993, p. 243) “a realidade social

é qualitativa”. Nesse sentido, a dualidade quali-quantitativa vem no intuito de

complementariedade dos dados e não de contradição. Enquanto a abordagem quantitativa atua

nos níveis da realidade, onde objetiva-se trazer à luz dados, indicadores e tendências

observáveis, a abordagem qualitativa trabalha com os valores, crenças, representações,

hábitos, atitudes e opiniões, sendo adequada para aprofundar a complexidade dos fenômenos,

fatos e processos particulares e específicos de grupos delimitados e capazes de serem

atingidos intensamente (MINAYO, 1993). Assim, o “material primordial da investigação

qualitativa é a palavra que expressa a fala cotidiana, seja nas relações afetivas e técnicas, seja

nos discursos intelectuais, burocráticos e políticos” (idem, p. 243).

Coletamos informações disponíveis das mais variadas formas: mídias sociais;

documentos, questionários e entrevistas. As mídias sociais nos possibilitaram encontrar os

coletivos formados nas instituições e obter as primeiras informações acerca dos mesmos,

assim como realizar os contatos para prosseguir com a pesquisa empírica - questionários.

Buscamos ainda as legislações que explicam os códigos do período colonial e o pós-abolição

da escravatura no Brasil e, ainda, as legislações referentes às Políticas Públicas de Ação

Afirmativa. Em âmbito institucional, utilizamos documentos como Atas de Reuniões de

Conselho Universitário e relatórios que apresentam os dados estatísticos acerca do perfil dos

estudantes antes e depois da adoção das PPAAs, que nos oferecem dados quantitativos que

31 A diferença entre as duas é de 2 anos: a Unicamp foi criada em 1966 e a UFSCar em 1968.

32 GRANGER, G. G., Modèles qualitatifs, modèles quantitatifs dans la connaissance scientifique. In. Sociologie

et Societés. V. 14, n.1, pp. 7-15, Montréal: Les Presses de L’Université de Montréal, 1982.

46

importam para este estudo. Tratam-se de análises documentais porque são materiais que ainda

não receberam um tratamento analítico. Este tipo de pesquisa tem a vantagem de operar com

documentos variados que se constituem como fontes ricas e estáveis de dados (GIL, 2002).

Entretanto, de acordo com Gil (2002) a pesquisa documental encontra como

limitação a subjetividade dos documentos e o risco da não-representatividade total do real e,

portanto, avançamos para a segunda etapa da pesquisa a fim de aprofundar o conhecimento

sobre o impacto das PPAAs. Nesta etapa realizamos entrevistas com um(a) integrante

fundador(a) dos Coletivos investigados e aplicamos um questionário aos integrantes dos

Coletivos encontrados em ambas universidades: UFSCar e Unicamp. A seleção dos Coletivos

obedeceu aos critérios de terem sido criados após a implementação da política de ação

afirmativa e terem como mote as questões de raça/cor.

Finalizamos esta introdução parafraseando Dora Bertúlio (2007) quando diz que,

na leitura desta tese, o leitor ou leitora pode ter um exercício de apreensão menos

comprometido com os paradigmas da ciência tradicional e com a produção dos intelectuais

europeizados, compreendendo que estamos em um processo de produção de conhecimentos

sobre relações raciais no Brasil, em uma tentativa de superar as premissas racistas da nossa

formação sociopolítica e jurídica, o que por certo, irá diferenciar as referências bibliográficas

tradicionais. “Este processo, ainda que tardio, é fundamental para a mudança de paradigma

sobre racismo e relações raciais em nossa sociedade” (p. 55).

A seguir, apresentamos o processo histórico da colonização portuguesa no Brasil e

como este processo construiu hierarquias sócio-raciais que se perpetuam no que chamamos de

sociedade colonializada. No capítulo 3 apresentamos um panorama histórico das políticas de

ação afirmativa no mundo e no Brasil, estreitando a discussão para a chamada “Lei de Cotas”

amparada pela Lei 12.711/12, e das Leis 10.639/03 e 11.645/08. O capítulo 4 apresenta os

estudos de caso sobre como as políticas públicas de ação afirmativa têm impactado as

universidades – UFSCar e Unicamp. Por fim, apresentamos as considerações finais do que foi

possível refletir neste estudo.

47

2. Da colonização à colonialidade: o perigo da história única

É impossível falar sobre a história única sem falar do poder. Há uma palavra, uma

palavra malvada, em que penso, sempre que penso na a estrutura do poder no

mundo. É "nkali". É um substantivo que se pode traduzir por "ser maior do que

outro". Tal como os nossos mundos económico e político, as histórias também se

definem pelo princípio do "nkali". Como são contadas, quem as conta, quando são

contadas, quantas histórias são contadas, estão realmente dependentes do poder.

(Chimamanda Ngozi Adichie)

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie apresentou em 2009 a palestra

“O perigo de uma história única” no TED33

. Chimamanda conta, a partir de suas experiências

pessoais, como a imposição de uma ideologia eurocêntrica impute uma única possibilidade de

percepção de mundo. Assim, este capítulo tem como objetivo mostrar como, apesar do fim do

período de colonização europeia, a marca deixada pelo período impõe, até os dias atuais, a

colonialidade do poder, do saber e do ser, ao encontro do que narra Chimamanda em sua

apresentação.

Dividido em três partes, este capítulo apresentará primeiro uma narrativa histórica

que visa ilustrar os processos coloniais que imputaram as diversas hierarquias (raciais, de

gênero, teóricas, epistemológicas, culturais etc.) que se perpetuam até os dias atuais.

Seguimos apresentando como a construção da “raça” no período colonial fez perpetuar o

racismo, apesar da ressignificação do termo pelos movimentos negros. Por fim, apresentamos

a contestação à perspectiva eurocêntrica a partir da crítica de teóricos pós-colonialistas e de

intelectuais do pensamento decolonial.

Oliveira e Candau (2010) explicam que o eurocentrismo não é uma perspectiva

cognitiva restrita aos europeus, mas a todas as pessoas educadas sob a sua hegemonia. Isto

porque o fundamentalismo eurocêntrico produziu desde o século XVI uma hierarquia

epistêmica global reproduzida também por meio da globalização da Universidade

ocidentalizada que impõe um pensamento hegemônico de homens, e não mulheres;

ocidentais, nunca não ocidentais, a partir das divisões disciplinares que faz com que

33 TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada ao lema “ideias que merecem ser compartilhadas”.

Começou há 26 anos como uma conferência na Califórnia, e, desde então, o TED tem crescido para apoiar ideias

que mudam o mundo através de múltiplas iniciativas (https://www.tedxdantealighierischool.com.br/o-que-e-

tedtedx/).

48

encontramos o mesmo nas Universidades de Paris ou Nova Iorque, de Alger, Cotonou, Dakar,

Buenos Aires, Calcutá, Rio de Janeiro, Bogotá ou Beijing, onde se produzem as elites e os

intelectuais ocidentalizados do sistema-mundo (GROSFOGUEL, 2012). Grosfoguel (2012, p.

339) explica que

sem a globalização de Universidade ocidentalizada, seria muito difícil para o

sistema-mundo reproduzir suas múltiplas hierarquias de dominação e exploração

global. Neste sentido, a descolonização do conhecimento e da Universidade

constituem pontos estratégicos fundamentais na luta pela descolonização

radical do mundo [grifo nosso].

Para compreender como se estruturou a colonialidade no Brasil, é preciso

rememorar a História desde o período da invasão dessas terras pelos portugueses, não caindo

no erro histórico de datar o início da História Brasileira no ano de 1500 e, portanto,

destacamos de antemão que o Brasil não estava aqui à espera de Cabral, como também não

são descobertas, ou como se dizia no século XVI, “achamentos”, mas invenções históricas e

construções culturais dos invasores europeus (CHAUÍ, 2000) que, muitas vezes, ignoram que,

desde muito antes de 1500, por aqui já viviam diversos povos indígenas em relações nem

sempre harmônicas, tendo em vista a enorme diversidade cultural existente. Contudo, a

História oficial do Brasil, ou seja, a história na voz do dominador, conta que nosso país fora

descoberto em 1500 por portugueses que, mesmo com as ‘novas terras’ já habitadas,

anunciaram o seu descobrimento e tomaram posse da mesma por meio de um processo de

violência física e simbólica (MUNGANGA, 2006).

Com isso, reconstruir o processo da história indígena, de acordo com Ribeiro

(1995) parece impossível porque só há o testemunho de um dos protagonistas – o invasor, e

somente a partir da data de 1500. “Ele é quem nos fala de suas façanhas. É ele, também, quem

relata o que sucedeu aos ‘índios’ e aos negros, raramente lhes dando a palavra de registro de

suas próprias falas” (idem, p. 30).

Cunha (1998, p. 20) complementa afirmando que “uma história propriamente

indígena ainda está por ser feita”. A autora coloca que além da fragilidade dos testemunhos

materiais dessa civilização, há ainda a dificuldade em adotar o ponto de vista indígena

reestabelecendo a importância da memória transmitida pela tradição oral, uma vez que a

história indigenista não contempla a complexidade da história dos “índios”.

Outro ponto que dificulta desvelar as histórias e culturas indígenas desde antes das

invasões europeias é a ideia que foi criada em torno do “primitivismo” desses povos. Em

49

função do triunfo da teoria evolucionista34

no século XIX, imperou a ideia de que certas

sociedades – as diferentes do mundo clássico europeu – teriam ficado na estaca zero da

evolução. Assim, as sociedades sem Estado se tornaram, na teoria ocidental, sociedades

“primitivas” e, portanto, não cabia procurar-lhes a história (CUNHA, 1998).

Assim, temos o primeiro exemplo de “racismo epistêmico/epistemicídio”

(GROFOGUEL, 2007; MALDONADO-TORRES, 2008; NOGUEIRA, 2011; SANTOS,

1999; CARNEIRO, 2005) no Brasil, ou seja, além do genocídio indígena, houve também o

silenciamento de suas histórias e culturas desde o momento da invasão portuguesa às suas

terras. Desta forma, é provável que as unidades sociais que conhecemos hoje sejam o

resultado de um processo de pulverização dos povos indígenas e, em síntese, o que é hoje o

Brasil indígena são fragmentos de um tecido social cuja trama, muito mais complexa e

abrangente, cobria o território como um todo (CUNHA, 1998). Isto porque o número de

indígenas nas “terras baixas da América do Sul” antes da invasão europeia é estimado entre 1

a 8,5 milhões, sendo consenso entre os historiadores o número mínimo de 1 milhão, no

entanto, os entendimentos sobre a magnitude da matança que dizimou os povos indígenas são

díspares. Enquanto Rosenblat avalia que de 1492 a 1650 a América tenha perdido um quarto

da sua população; Dobyns acredita que o extermínio indígena foi da ordem de 95% a 96%

34 Hegel (1770-1831) é um dos autores que ilustra em sua obra “Filosofia da História” a ideia de Evolucionismo

social. Diz o autor (1995, pp. 74-75) Mansidão e indiferença, humildade e submissão perante um crioulo [branco

nascido na colônia], e ainda mais perante um europeu, são as principais características dos americanos do sul, e

ainda custará muito até que europeus lá cheguem a incutir-lhe uma dignidade própria. A inferioridade desses

indivíduos, sob todos os aspectos, até mesmo o da estatura, é fácil de se reconhecer. E sobre a África, “a terra

criança que fica além da luz da história autoconsciente” (p.82) diz o autor (p.84): O negro representa, como já foi

dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de

tudo o que chamamos de sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a ideia de caráter

humano. Os extensos relatórios dos missionários comprovam esse fato. E justifica a exclusão da África como

parte da história mundial (p. 88): Com isso, deixamos a África. Não vamos abordá-la posteriormente, pois ela

não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar. [...] O Egito

será abordado como transição do espírito humano do Oriente para o Ocidente, mas ele não pertence ao espírito

africano. Na verdade, o que entendemos por África é algo fechado sem história, que ainda está envolto no

espírito natural. Por fim, justifica a escravidão (p.88): A escravidão é, em si e por si, injustiça, pois a essência

humana é a liberdade. Mas para chegar à liberdade o homem tem que amadurecer. Portanto, a abolição

progressiva da escravidão é algo mais apropriado e correto do que a sua abrupta anulação.

No Brasil, a obra Os africanos no Brasil (1932 - postumamente) de Raymundo Nina Rodrigues (1862-1902) é

outro exemplo da nefasta ideia de evolucionismo social. “Dada a sua absorção na população compósita do país, e

por outro lado dadas as diferenças de capacidade e graus de cultura entre os povos negros importados, está claro

que a influência por eles exercida sobre o povo americano que ajudaram a formar será tanto mais nociva quanto

mais inferior e degradado tiver sido o elemento africano introduzido pelo tráfico. Ora, os nossos estudos

demonstram que, ao contrário do que se supõe geralmente, os escravos negros introduzidos no Brasil não

pertenciam exclusivamente aos povos africanos mais degradados, brutais ou selvagens. Aqui introduziu o tráfico

poucos negros dos mais adiantados e mais do que isso mestiços chamitas convertidos ao islamismo e

provenientes de estados africanos bárbaros sim, porém dos mais adiantados” (p. 295).

50

(SÁNCHEZ-ABORNOZ, 197335

apud CUNHA, 1998).

Os grupos indígenas encontrados no litoral pelo português eram principalmente

tribos de tronco tupi que, havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam

desalojando antigos ocupantes oriundos de outras matrizes culturais. Somavam,

talvez, 1 milhão de índios, divididos em dezenas de grupos tribais, cada um deles

compreendendo um conglomerado de várias aldeias de trezentos a 2 mil habitantes

(Fernandes, 194936

). Não era pouca gente, porque Portugal àquela época teria a

mesma população ou pouco mais (RIBEIRO, 1995, p. 31).

O povo Tupi já tinha desenvolvido a agricultura e cultivava alimentos como a

mandioca – “o que constituiu uma façanha extraordinária, porque se tratava de uma planta

venenosa a qual eles deviam, não apenas cultivar, mas também tratar adequadamente para

extrair-lhe o ácido cianídrico, tornando-a comestível” (RIBEIRO, 1995, p. 31) – o milho, a

batata-doce, o cará, o feijão, o amendoim, o tabaco, a abóbora, o urucu, o algodão, o carauá,

cuias e cabaças, as pimentas, o abacaxi, o mamão, a erva-mate, o guaraná e também árvores

frutíferas. A estrutura social era igualitária, ou seja, não haviam camadas sociais inferiores

condicionadas à subordinação. A antropofagia era outra característica dos indígenas da etnia

Tupi (RIBEIRO, 1995).

Munanga (2006) nos conta que com a nova descoberta os portugueses enviaram

cartas ao Rei de Portugal a fim de relatar a natureza local, a terra e a “gente que acharam

muito diferente”. A essa “gente” deram o nome coletivo de “índios”, ignorando a diversidade

entre os diferentes povos. Relataram ainda que eram atrasados, andavam nus, eram canibais,

praticavam sacrifícios humanos, não possuíam religião e adoravam espíritos da natureza,

colocando, por fim, em dúvida a natureza humana dos habitantes que denominaram como

índios.

Essa dúvida sobre a humanidade dos indígenas partia do questionamento sobre se

possuíam racionalidade e alma, e foi grande motivo de especulações religiosas e científicas

entre os séculos XV e XVII e o único caminho para provar que os índios eram seres humanos

era provar que eles também eram filhos de Deus, ou seja, descentes de Adão (MUNANGA,

2006). A definição sobre a humanidade dos indígenas veio de uma decisão arbitrária do Papa

Paulo III que proclamou na bula Sublimis Deus37

, no ano de 1537, que os “índios” também

35 SÁNCHEZ-ALBORNOZ, N.. La populación de América Latina desde los tempos pré-colombianos al año

2000. Madri: Alianza Editorial, 1973.

36 FERNANDES, F.. A organização social dos tupinambás. São Paulo: Progresso Editorial, 1949.

37 A bula Sublimis Deus foi editada pelo Papa Paulo III com o intuito de criar um programa mais agressivo para

o papado nas Américas, uma vez que a declaração de que os índios são homens obrigava a empresa colonizadora

espanhola a rever suas práticas de assassinato dos índios e a própria instituição da escravidão. A publicação da

51

eram descendentes de Adão e, consequentemente filhos de Deus e humanos.

A partir de então, os povos indígenas passaram a ser considerados humanos, mas

diferentes dos europeus. Diferentes na cultura, nas vestimentas, religião, culinária, dança,

música e também no fenótipo: a cor da pele, os traços morfológicos (nariz, lábios, formato da

cabeça, queixo, cabelo etc.). Assim, os portugueses considerando os indígenas como seres

inferiores pelas suas diferenças, apostaram em provocar mudanças em suas culturas,

começando pela conversão cristianismo e gradativamente submeteram-nos a um intenso

processo de aculturação que faria deles “índios de ‘alma branca’” (MUNANGA, 2006, p 15) e

ensinaram sua língua, prescreveram como deveriam se comportar em qual deus deveriam

acreditar e as leis que deveriam respeitar, conjunto de regras que constituiu a chamada

“Missão Civilizadora” dos homens brancos sobre os homens considerados por estes

selvagens. A Missão tinha, de fato, a intenção da dominação política dos indígenas pela

“invasão do seu território, a exploração econômica de suas riquezas naturais e a sujeição

cultural que pretendia substituir as culturas, religião e visão de mundo dos povos indígenas

por outras consideradas melhores e superiores” (idem).

Não apenas no Brasil, mas nas Américas como um todo, a tomada do território

por espanhóis e portugueses, a partir do Século XV, se deu principalmente pela espada e pela

cruz. “A espada” refere-se à desproporção dos armamentos entre invasores e invadidos era

evidente: “aço contra madeira e couro; armas de longo alcance contra armas de alcance curto

e muito curto” (ROMANO, 1995, p. 13). Apesar disso, há registro de resistência vitoriosa

indígena contra a invasão espanhola. Isto se deve à extraordinária capacidade de assimilação

das técnicas militares espanholas que o povo indígena apreendeu no plano militar se

apropriando do meio de defesa que os colocavam em condições de guerrear em um suposto

equilíbrio. Em função deste suposto equilíbrio, os espanhóis compreenderam que a conquista

efetuada pela “espada” deveria agora ser mantida por outros meios. Assim, a conquista

espiritual, “pela cruz”, se inicia nas América quando Cristóvão Colombo, ao tomar posse da

terra, finca uma cruz. A evangelização foi, desta forma, uma forma complementar de agressão

uma vez que tentou – e conseguiu – modificar os hábitos dos nativos.

Certamente, da mesma maneira que face à espada, os índios organizaram sua defesa

face à cruz. Defesas ingênuas, penosas, elementares, às vezes. Mas eficazes. Na

bula Sublimis Deus representava certamente uma afronta ao Estado espanhol e ao poder de administração do

Imperador. Em função de pressões políticas diversas, Paulo III é obrigado a revogar a Sublimis Deus, ao cancelar

uma série de cartas que previam sanções para aqueles que matassem e escravizassem os índios (ALMEIDA,

2010).

52

atual Bolívia e no sul do Peru, a velha divindade pagã Pacha-mama (a Terra-mãe)

ainda permanece viva, mesmo se a assimilam à Virgem; Apu-Illampu, o Senhor dos

Relâmpagos, revive em Santiago, o Sol (Inti-huyana Capac = Sol jovem chefe), no

Cristo. No México, o culto da virgem de Guadalupe tem suas raízes no culto da

deusa Tonantizin (Mãe dos deuses...).

Uma certa representação do universo é destruída, uma outra, nova, é imposta. E esta

última carregará consigo, inevitavelmente, os fragmentos da que a havia precedido

(ROMANO, 1995, pp. 21-22).

Nesta mesma perspectiva, os portugueses, ao chegarem ao Brasil, não trouxeram

apenas um sistema econômico de capital e trabalho destinado à produção de mercadorias para

serem vendidas com lucro no mercado mundial. Embora este tenha sido o objetivo destacado

na vasta historiografia disponível e tenha sido uma parte fundamental, não foi única, mas sim

parte de um pacote mais complexo. Os portugueses trouxeram também uma enredada

estrutura de poder mais ampla e mais vasta. Ao Brasil, e às Américas como um todo, “chegou

o homem heterossexual, branco, patriarcal, cristão, militar, capitalista, europeu, com suas

várias hierarquias...” (GROSFOGUEL, 2009, p. 390), que se mantém até os dias atuais na

colonialidade.

De acordo com Casemiro dos Reis Filho (1982) a invasão da américa faz parte da

Revolução Comercial dos séculos XIV e XV que deu origem à formação sociocultural

capitalista. Assim, a colonização europeia de toda a América Latina, esteve ligada

absolutamente à expansão universalista do capitalismo que aos poucos vai deixando de ser

europeu para ser mundial, sem a perda de seus mecanismos originários de dominação e

exploração.

Ao encontro desta ideia, para Paiva (1982) a grande empresa colonial se operou

segundo o “orbis christianus”, ou seja, a crença de que o mundo é de Deus, cujo

representante na terra é a igreja católica. Para fazer cumprir o “orbis christianus”, além da

escravidão colonial, os indígenas foram também submetidos às missões jesuíticas que davam

ao indígena o estatuto de catecúmeno, ou seja, um herege que estava sendo cristianizado e

assim recuperado em benefício de sua salvação eterna (MUNANGA, 2006). Entretanto, a

prática catequética estava aliada a todo o sistema colonial vigente e, por conseguinte, “cada

passo que os jesuítas perfazem ao encontro do índio, traduz a necessidade de ele servir

docilmente à gente portuguesa” (PAIVA, 1982, p. 75). Desta forma, a catequização cumpriu

um papel colonial não apenas como uma força aliada, mas como uma força integrada a todo o

processo.

Importante destacar que a colonização brasileira teve como objetivo principal a

53

produção mercantil para o enriquecimento da Coroa, até porque nenhum povo europeu estava

em condições de grandes emigrações pois ainda sofria do déficit populacional causado pela

peste que assolou o continente dois séculos antes. Assim, a ideia de colonização fundava-se

no estabelecimento de feitorias comerciais a fim de promover a primitiva acumulação

capitalista nos quadros da economia europeia, entretanto, para os fins mercantis era necessário

ampliar as bases populacionais e criar um povoamento capaz de abastecer e manter as

feitorias. Só então surge a ideia de povoamento38

(PAIVA, 1982; PRADO JR., 1961).

Entretanto, não se deve perder de vista que, embora não visasse o povoamento, o

processo de colonização para exploração ainda traz consigo todos os valores eurocêntricos –

masculino, heterossexual, cristão, capitalista, militar – e busca imputá-los nas terras

conquistadas. Paiva (1982) explica que a “descoberta” do Novo Mundo tem como objetivo a

reprodução, nas novas terras, da mesma sociedade ibérica, no entanto, o indígena poderia

alterar sensivelmente o estilo da velha sociedade, mas a “concepção de universo então

vigente, mais do que nunca defensora do “Um só Senhor, uma só fé, um só batismo39

”, cortou

pela raiz qualquer possibilidade de uma consciente contribuição intercultural” (p. 49).

Amílcar Cabral (1976), revolucionário do Partido para a Independência de Guiné

e Cabo Verde, colonizados ambos pelos portugueses, atenta que uma análise objetiva e sem

paixão do colonialismo europeu, revela que o domínio imperialista, com todo o seu cortejo de

misérias, de saques, de crimes e de destruição de valores humanos e culturais, não foi senão

uma realidade negativa. Césaire (1978) complementa ao contrapor os “avanços tecnológicos”

ao genocídio e epistemicídio causados. Diz o autor:

Lançam-me à cara factos, estatísticas, quilometragens de estradas, de canais, de

caminhos de ferro. Mas eu falo de milhares de homens sacrificados no Congo-

Oceano40

. Falo dos que, no momento em que escrevo, cavam à mão o porto de

Abidjan. Falo dos milhões de homens arrancados aos seus deuses, à sua terra, aos

seus hábitos, à sua vida, à vida, à dança, à sabedoria.

[...]

Eu falo de economias naturais, de economias harmoniosas e viáveis, de economia

adaptadas à condição do homem indígena desorganizadas, de culturas de

38 “Como se vê, as colônias tropicais tomaram um rumo inteiramente diverso do de suas irmãs da zona

temperada. Enquanto nestas se constituirão colônias propriamente de povoamento (o nome ficou consagrado

depois do trabalho clássico de Leroy-Beaulieu, De la colonisation chez les peuples modernes), escoadouro para

excessos demográficos da Europa que reconstituem no novo mundo uma organização e uma sociedade à

semelhança do seu modelo e origem europeus” (PRADO JR., 1961, pp.24-25).

39 Carta aos efésios, 4, v. 5.

40 Aimé Césaire está fazendo a crítica sobre a colonização francesa na Costa do Marfim e, embora alguns

historiadores apontem diferenças entre os processos de colonização portuguesa e francesa (e outros), é possível

notar que a violência empregada foi similar, assim como a destruição de um tipo de sociedade em detrimento de

um modo europeizado de estrutura político-econômica-social.

54

subsistência destruídas, de subalimentação instalada, de desenvolvimento agrícola

orientado unicamente para benefício das metrópoles, de rapinas de produtos, de

rapinas de matérias-primas (CÉSAIRE, 1978, pp. 25-26).

Ao encontro disto, Henriques (2014) explica que os processos de colonização têm

como características bastante evidentes a desigualdade da relação entre colonizador e

colonizado e a descontinuidade territorial e cultural entre os dois grupos em presença. As

colonizações europeias apresentam ainda uma articulação íntima entre três planos: i.

econômico, no qual o colonizador busca o enriquecimento rápido através da exploração da

população e das terras invadidas; ii. ideológico em que a “missão civilizadora” impõe o

cristianismo como forma de legitimar a invasão, uma vez que o colonizador se coloca como

um ser superior que veio para salvar os colonizados pela verdade cristã europeia; iii. político

que impute instrumentos, legislativos e judiciais para legitimar, através da forma política

europeia, a invasão.

Para Corbisier (1977) o colonialismo se funda em 4 categorias: totalidade,

contradição, alienação e dialética. A totalidade diz respeito à ocupação que se estabelece em

termos militares que sustenta a máquina de domínio e exploração e faz com que se legitime a

estrutura política e administrativa que coloca os recursos naturais e a mão-de-obra colonial a

serviço da nação colonizadora. A contradição se dá exatamente a partir do momento em que

está montado o sistema colonial, porque daí surgem os principais protagonistas: colonizador e

colonizado – dois polos que se implicam e ao mesmo tempo se opõem e excluem

reciprocamente não apenas por apresentarem religiões, raças, línguas, culturas e civilizações

diferentes, mas porque representam interesses antagônicos e irredutíveis.

A alienação faz parte da ideologia do colonialismo porque é pela ideia de

superioridade do colonizador que o colonizado além de se submeter, faz do colonizador o seu

modelo, buscando identificar-se com ele. Assim, tendo suas terras invadidas, estando

dominado e sem condições para reagir o colonizado se perde no outro, se aliena, tentando ele

próprio tornar-se um colonizador41

. No entanto, essa assimilação pelo colonizado é impossível

principalmente em função do racismo que se estabelece pela ideia de superioridade racial

imputada junto às invasões europeias a partir do Século XV. Assim, o conformismo, a

aceitação passiva e a tentativa de coincidência com o grupo colonizador passam para uma

tomada de consciência sobre a impossibilidade da assimilação. A partir de então, o colonizado

41 Isso nos remete os ensinamentos de Paulo Freire para quem quando a educação não é libertadora, o desejo do

oprimido é tornar-se o opressor.

55

passa a negar não mais a si mesmo, suas crenças, valores, usos e costumes, mas ao

colonizador, empreendendo a negação da negação, ou seja, a afirmação de si mesmo, sua

antítese na relação dialética. “Com isso, queremos dizer que a totalidade, em que a situação

colonial consiste, além de contraditória, é um todo em movimento, cujo processo, por isso

mesmo que é contraditório, só pode ser apreendido e compreendido dialeticamente”

(CORBISIER, 1977, p. 10).

Dentro desta perspectiva dialética, Cunha (1998) explica que o entendimento de

que os indígenas são apenas vítimas de uma política que lhes foram externas e que os

destruíram faz parte da história movida pela metrópole europeia. “O resultado paradoxal dessa

postura “politicamente correta” foi somar à eliminação física e étnica dos índios sua

eliminação como sujeitos históricos” (CUNHA, 1998, p. 18). Isto porque, de acordo com

Henriques (2014, p. 49)

colonizar é um exercício que visa desmemoriar as populações em relação à sua

própria história, introduzindo a história do colonizador e construindo uma nova

memória, onde uns e outros são hierarquizados de acordo com a ordem do

colonizador, marcando de forma definitiva a valorização do mesmo, a

desvalorização e a recusa do outro. A violência nas suas múltiplas facetas inerente à

dominação foi sempre uma constante dos processos de colonização.

Além do mais, apesar do cenário de violência e de racismo epistêmico, a

resistência indígena foi importante na cultura indigenista do século XVI e XVII,

conjecturando também uma política indígena à medida que enquanto a metrópole usou de

estratégias das inimizades entre diferentes grupos indígenas nas guerras contra a França e

Holanda; os indígenas tinham seus próprios motivos para se aliarem aos portugueses,

franceses ou holandeses. Embora não se tenha conhecimento ao certo sobre a quem coube a

iniciativa das alianças nesses casos, em outros a iniciativa é comprovadamente indígena:

no século XVII, grupos Conibo (Pano) querem aliados espanhóis (missionários) para

contestar o monopólio piro (arawak) das rotas comerciais com os Andes (Erikson42

).

A coalização de Karajá, Xenente e Xavante em Goiás, que em 1812 destruiu o

recém-fundado presídio de Santa Maria no Araguaia (Karasch43

), é um exemplo da

amplitude que podia alcançar a política indígena em seu confronto com os recém-

chegados (CUNHA, 1998, p. 18).

Para Ribeiro (1995) alguns indígenas preferiam se aventurar ao convívio com os

42 ERIKSON, P.. Uma singular pluralidade: a etno-história pano. In CUNHA, M. C. [org.] História dos índios

no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992. 2ª edição, 1998

43 KARASCH, M.. Catequese e cativeiro: Política indigenista em Goiás, 1780-1889. In CUNHA, M. C. [org.]

História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP,

1992. 2ª edição, 1998

56

portugueses como flecheiros de suas guerras contra indígenas arredios, do que a rotina da vida

tribal, que perdera o viço e o brilho após a invasão das suas terras. No entanto, coalizões

como esta foram excepcionais e o seu efeito geral foi antes o fracionamento étnico, seguido

do extermínio da população nativa. De acordo com Cunha (1998, p. 12)

Povos e povos indígenas desapareceram da face da terra como consequência do que

hoje se chama, num eufemismo envergonhado, “o encontro” de sociedades do

Antigo e do Novo Mundo. Esse morticínio nunca visto foi fruto de um processo

complexo cujos agentes foram homens e microorganismos, mas cujos motores

últimos poderiam ser reduzidos a dois: ganância e ambição, formas culturais da

expansão do que se convencionou chamar o capitalismo mercantil. Motivos

mesquinhos e não uma deliberada política de extermínio conseguiram esse resultado

espantoso de reduzir uma população que estava na casa dos milhões em 1500 aos

parcos 200 mil índios que hoje habitam o Brasil.

Esta catástrofe demográfica se deu pelo apresamento de indígenas que eram

forçados a lutar contra outros considerados hostis; pelas grandes fomes que acompanham os

tempos de guerra, pelas doenças trazidas pela branquitude, até então desconhecidas dos

indígenas: cárie dental, coqueluche, tuberculose, varíola, sarampo, catapora, tifo, difteria,

gripe, peste bubônica e possivelmente a malária (RIBEIRO, 1995; CUNHA, 1998) que fazem

desencadear desde a primeira hora uma guerra biológica implacável, que Dobyns chamou de

“um dos maiores cataclismos biológicos do mundo” (apud CUNHA 1998, p. 13). “Assim é

que a civilização se impõe, primeiro como uma epidemia de pestes mortais. Depois, pela

dizimação através de guerras de extermínio e de escravidão” (RIBEIRO, 1995, p. 47).

Este é o esboço do cenário do primeiro século de colonização portuguesa no

Brasil (Século XVI) em que predominou a escravidão indígena principalmente como mão-de-

obra na produção de subsistência, mas também em ofícios artesanais (RIBEIRO, 1995). Em

1570, D. Sebastião enviou uma carta régia ao Brasil que, embora tivesse como mote a

proibição do aprisionamento indígena, ela mais ditou sobre a regulamentação dos casos em

que poderia se capturar e manter cativos os indígenas, desde que sob o pagamento dos direitos

reais às provedorias.

Defendo & mãdo, que daqui em diante se não use nas ditas partes do Brasil dos

modos que se ate ora usou em fazer cativos os ditos gentios, nem se possam cativar

per modo nem maneyra algua, salvo aquelles que forem tomados em guerra

justa, que os portugueses fezerem aos ditos gentios com autoridade & licença

minha, ou do meu Governador das ditas partes, ou aquelles que costumam saltear os

Portugueses, ou a outros gentios para os comerem [...] E as pessoas que pelas ditas

maneyras licitas cativarem os ditos gentios, serão obrigadas dentro de dous meses

primeiros seguintes, que se começaram do tempo, em que os cativarem, fazerem

escrever os tais gentios cativos nos livros das provedorias das ditas partes, para se

poder ver, & saber quaes são, os que licitamente foram cativos [conforme grafia

original] [grifo nosso] (NAUD, 1971, pp. 291-292).

57

A partir desta carta régia, outros atos administrativos ou cartas régias buscaram

regulamentar o aprisionamento e colonização indígena. Ribeiro (1995) coloca que na prática,

o que se pode afirmar é que o único requisito indispensável para que o indígena fosse

escravizado era ser, ainda, livre, uma vez que as legislações eram contraditórias e hipócritas

porque “proibindo o cativeiro, de fato, o instituíam” (RIBEIRO, 1995, p. 101).

A verdade é que a Coroa não tinha condições práticas de proibir a escravização do

indígena pela necessidade de mão-de-obra abundante e barata que Portugal não podia suprir,

dada sua baixa densidade populacional. “Impunham os fatos a escravidão” (PAIVA, 1982, p.

32).

A mortandade dos indígenas em função de várias epidemias no litoral brasileiro

como sarampo e varíola; a pressão dos jesuítas à Coroa portuguesa que, conforme já

apontado, promulgou leis que, embora contraditórias, coibiam de forma parcial a escravização

indígena, a resistência de alguns povos indígenas ao processo de escravização e, por fim, o

aprimoramento do funcionamento de tráfico negreiro transatlântico, sobretudo após a

conquista definitiva de Angola, nos fins do século XVI são alguns dos fatos que explicam a

mudança da mão-de-obra indígena para a do povo africano. Assim, além da barbárie cometida

contra as populações nativas brasileiras, foi também pela escravidão do povo negro africano

que os portugueses construíram no Brasil uma sociedade capaz de fornecer lucros à

metrópole.

Importante ressaltar que a ideia construída do indígena brasileiro como um ser

preguiçoso e, por isso inapto ao trabalho servil, faz parte do processo ideológico da

colonização. Memmi (1977) explica que esse retrato-acusação da preguiça é uma

caracterização cômoda do colonizador, porque desempenha um papel fundamental na

dialética enobrecimento do colonizador e aviltamento do colonizado. “Além disso, é

economicamente proveitosa” (idem, p. 78). Desta forma, explica Chauí (2000, p.63) “passa-se

então a firmar a natural disposição do índio para a lavoura e a natural afeição do negro para

ela”.

Ao instituir o colonizado como preguiçoso, o colonizador o faz sob sua

constituição sobre o que é ser preguiçoso e pouco importa o que é verdadeiramente o

colonizado, importa submetê-lo a uma indispensável transformação que se inicia com uma

série de negações, seguida da destruição, uma após outra, de todas as qualidades que fazem do

colonizado um homem. Além disso, o colonizado jamais é caracterizado de maneira

diferencial, mas sempre num coletivo anônimo, mesmo ao referir-se a uma única pessoa

58

(MEMMI, 1977).

Enfim o colonizador nega ao colonizado o direito mais precioso reconhecido à

maioria dos homens: a liberdade. As condições de vida, dadas ao colonizado pela

colonização, não a levam em conta, nem mesmo a supõem. O colonizado não dispõe

de saída alguma para deixar seu estado de infelicidade: nem jurídica (a

naturalização), nem mística (a conversão religiosa): o colonizado não é livre de

escolher-se colonizado ou não colonizado (MEMMI, 1978, p. 82).

Desta falta de escolha, resulta a chegada dos primeiros africanos escravizados no

Brasil. Há indícios de que tenham começado a chegar no ano de 153844

, no entanto, a única

certeza que se tem é a de que começaram a chegar no século XVI, sendo que a partir do

século XVII a escravidão do povo africano se tornou a principal fonte de mão-de-obra, com a

produção de cana de açúcar (MUNANGA, 2006).

Para justificar a escravidão de africanos e africanas, afirmava-se que nas guerras

entre estes e nas guerras entre africanos e europeus, os vencidos eram naturalmente escravos

e, portanto, poderiam ser usados conforme a vontade dos seus senhores. A ideia da “afeição

natural” dos negros para a lavoura tornava também natural que os vencidos de guerra fossem

escravizados para o trabalho da terra. Esta naturalização da escravidão africana,

evidentemente, ocultava o principal objetivo, isto é, que o tráfico negreiro abria um novo e

importante setor do comércio colonial (CHAUÍ, 2000).

Deste modo, entre os anos 1576 a 1600, desembarcam no Brasil cerca de 40 mil

africanos escravizados e, entre 1601 a 1625 cerca de 150 mil africanos (MUNANGA, 2006;

MARQUESE, 2008). Segundo a revisão da literatura feita por Paul Lovejoy (198945

apud

ELTIS, BEHRENDT, RICHARDSON, 2000) 11.863.000 pessoas foram embarcadas no

tráfico transatlântico, destas, entre 9.600.000 e 10.800.000 teriam chegado às Américas46

.

Assim, o primeiro contato a que se tem registros oficiais entre Brasil e África se

dá pelo processo de escravização de homens e mulheres africanos trazidos às terras brasileiras

pelos portugueses que, durante o processo de expansão marítima, encontraram na exploração

das terras invadidas o meio para fomentar o comércio. Foi o “holocausto africano” (FABBRI,

2015, p. 94; CÉSAIRE, 1978), ou seja, a história da barbárie marcada pela exploração, tortura

44 De acordo com Eltis, Behrendt e Richardson (2000) os primeiros navios negreiros de portugueses residentes

no Brasil a fazer a travessia transatlântica com pessoas negras escravizadas data, provavelmente, do ano de 1519.

45 LOVEJOY, P. E. The impact of the Atlantic slave trade on Africa: a review of the literature. In: The Journal

of African History, v. 30, n. 03, p. 365-394, 1989.

46 O número depende da taxa de mortalidade utilizada para converter os embarques na África em desembarques

nas Américas.

59

e genocídio, causada pela colonização portuguesa que se utilizou, além da escravidão

indígena, do tráfico de pessoas escravizadas vindas de vários pontos da África para o

desenvolvimento de um mercado colonial, que aproximou o Brasil do continente africano.

Césaire (1978) explica ainda que antes de serem vítimas, foram os europeus cúmplices do

nazismo. Toleraram-no esse mesmo nazismo, antes de o sofrer, absolveram-no, fecharam-lhe

os olhos e legitimaram-no. Assim, Hitler não é o crime em si, é o crime contra o homem

branco, a humilhação do homem branco que sofreu a violência mesma do processo

colonialista que até então só os povos da América, África e Índia estavam subordinados. Diz o

autor: “pela boca de todos os que julgavam e julgam lícito aplicar aos povos extra-europeus, e

em benefício de nações mais fortes e melhor equipadas, uma espécie de expropriação por

motivo de utilidade pública, era Hitler que falava” (p. 21).

O “holocausto africano”, ou seja, o tráfico de pessoas escravizadas da África para

as Américas e, consequentemente, para o Brasil, foi gerado também porque quando da

chegada dos portugueses na África, no século XV, motivada, principalmente, pela busca do

ouro, ao se depararem com grande parte do metal em mãos muçulmanas no Norte e no Leste,

acabaram por reduzir a África ao papel de fornecedora de mão-de-obra e, assim, logo

começou a exportação para a América de parte considerável da população africana

(DEVISSE; LABIB, 2010).

De acordo com Eltis, Behrendt e Richardson (2000) os navios de proprietários

portugueses que viviam no Brasil foram os primeiros a transportar pessoas escravizadas da

África para as Américas, assim como estiveram entre os últimos a fazê-lo, aproximadamente

três séculos e meio mais tarde. Desta forma,

Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade

através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas,

mercadorias ou objetos que podiam ser comprados e vendidos; fontes de riqueza

para os traficantes (vendedores) e investimentos em “máquinas animais” de trabalho

para os compradores (senhores de engenho). Foi este o regime escravista que fez do

Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais

(como uma sociedade de castas): uma parte formada por homes livres que, por

coincidência histórica, é branca, e a outra formada por homens e mulheres

escravizados que, também por coincidência histórica, é negra (MUNANGA, 2006,

p. 16).

Dentro deste cenário, é possível afirmar que a colonização portuguesa instituiu

pela violência – física e simbólica – uma nova forma de sociedade. Seja pela escravidão que

obrigava os indígenas e, logo em seguida, africanos, aos mais diversos tipos de trabalhos

forçados e extenuantes, seja pela cristianização, aculturando-os numa religiosidade própria

60

dos europeus, a colonização, além dos saques materiais da terra invadida, tratou também de

eliminar toda uma cultura que, na verdade, eram culturas de diversas etnias indígenas e

africanas que aqui coexistiam – genocídio e epistemicídio (racismo epistêmico), portanto, são

colunas basilares do processo de colonização europeia.

O brasileiro foi, portanto, gestado no processo de unificação da língua e dos

costumes dos indígenas desengajados do seu viver gentílico, dos negros sequestrados das

Áfricas47

e dos europeus que aqui se enraizaram num processo quase sempre violento de

dominação do outro considerado como inferior (RIBEIRO, 1995).

Castigos físicos como o açoite, o tronco; palmatória, ferro quente para marcar o

corpo; a máscara (uma placa de metal que cobria a boca ou toda a cabeça); o vira-mundo que

prendia pés e mãos deixando a pessoa numa posição dolorosa; a gargalheira, uma espécie de

coleira de ferro, são algumas das formas de violência utilizadas contra as pessoas escravizadas

e consideradas legais do ponto de vista jurídico. Apenas o “excesso de punição” era visto

como um ato criminoso, no entanto, nos casos julgados, muitas vezes acabava-se por julgar

como suicídio o assassinato de um escravo pelo senhor.

O “Codigo Criminal do Imperio do Brazil” na Lei de 18 de dezembro de 1830, no

capítulo II sobre os crimes justificáveis determinava que: [de acordo com o original]

Art. 14. Será crime justificável e não terá lugar a punição delle: § 6º Quando o mal

consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus

escravos, e os mestres a seus discipulos; ou desse castigo resultar, uma vez que a

qualidade delle, não seja contraria ás Leis em vigor (BRASIL, 1830).

Todo este cenário demonstra como a colonização se esmera também em

descivilizar o colonizador, em embrutecê-lo e despertá-lo para os instintos ocultos da cobiça,

da violência, do ódio racial e do relativismo moral. A colonização desumaniza mesmo o

homem mais civilizado porque a ação colonial fundada sobre o desprezo do homem pelo

indígena, tende, inevitavelmente, a modificar quem a empreende e faz até do colonizador de

boa consciência se habituar a ver no outro um animal, se exercitando a tratá-lo como animal,

transformando-se ele próprio em animal (CÉSAIRE, 1978). Isto porque

Entre colonizador e colonizado, só há lugar para o trabalho forçado, a intimidação, a

pressão, a polícia, o imposto, o roubo, a violação, as culturas obrigatórias, o

desprezo, a desconfiança, a arrogância, a suficiência, a grosseria, as elites

descerebradas, as massas aviltadas.

Nenhum contato humano, mas relações de dominação e de submissão que

transforma o homem colonizador em criado, ajudante, comitre, chicote e o homem

47 Usamos o termo “Áfricas” para reforçar a ideia de pluralidade no continente, repudiando a visão eurocêntrica

de uma África uníssona com povo e cultura únicos.

61

indígena em instrumento de produção (CÉSAIRE, 1978, p. 25).

Fanon (1968) explica que o mundo colonizado tem como intermediário do poder a

linguagem da violência. Assim, o soldado, por sua presença imediata, por suas intervenções

diretas e frequentes, mantém contato com o colonizado e o “aconselha”, a coronhadas, a não

se mexer. No entanto, pesar de toda a violência e horror empregados, não foi sem luta que as

pessoas escravizadas passaram por este triste capítulo da história. A resistência negra

aconteceu de diversas formas pouco discutidas ainda nos dias atuais, não por descuido, mas

pela intencionalidade de se fazer perpetuar a crença de que os negros e negras passaram por

esse sistema apáticos e passivos. Entretanto, insubmissão às regras de trabalho nas roças;

revoltas; fugas; assassinatos dos senhores e de suas famílias; abortos; quilombos;

organizações religiosas, entre outras, foram algumas das estratégias utilizadas na luta contra a

escravidão (MUNANGA; GOMES, 2006).

A abolição da escravidão é ponto que merece atenção especial a fim de desvelar a

colonialidade presente nos discursos hegemônicos que visam romantizar a história

apresentando o fato como um ato benevolente da princesa Isabel, buscando, de tal modo,

apagar a luta dos movimentos de resistência do povo escravizado e dos movimentos

abolicionistas formados por intelectuais, religiosos, políticos e pessoas do povo, além da

pressão política da Inglaterra que, após a Revolução Industrial, precisava estabelecer novos

mercados consumidores para expandir e consolidar o sistema capitalista, o que só era possível

com trabalhadores assalariados. Assim, a partir do ano 1831 inicia-se um processo de abolição

da escravatura com a proibição do tráfico de pessoas escravizadas. A primeira lei neste

sentido foi a “Lei Feijó” que declarou “livres todos os escravos vindos de fôra do Imperio, e

impõe penas aos importadores dos mesmos escravos” (BRASIL, 1831), no entanto, foi esta a

Lei que deu origem à expressão “para inglês ver”, uma vez que foi aprovada tendo em vista

agradar a Inglaterra, não se efetivando na prática. Prova disso é que entre os anos 1831 a 1850

o desembarque de pessoas escravizadas no Brasil chegou a 712.700, sendo que o período de

1846 a 1850 foi o de maior índice de chegada de escravizados (257.500) (IBGE, 2007).

Dezenove anos depois, em 4 de setembro de 1850 foi a Lei nº 581, conhecida como a Lei

Eusebio de Queiroz [de acordo com a grafia original], devido à pressão cada vez mais

acirrada da Inglaterra, estabeleceu medidas para a repressão do tráfico de africanos no

Império e passou a considerar pirataria a importação de pessoas escravizadas, com punição

legal com base no Art. 2º da Lei Feijó.

62

Art. 2º Os importadores de escravos no Brazil incorrerão na pena corporal do artigo

cento e setenta e nove do Codigo Criminal, imposta aos que reduzem á escravidão

pessoas livres, e na multa de duzentos mil réis por cabeça de cada um dos escravos

importados, além de pagarem as despezas da reexportação para qualquer parte da

Africa; reexportação, que o Governo fará effectiva com a maior possivel brevidade,

contrastando com as autoridades africanas para lhes darem um asylo. Os infractores

responderão cada um por si, e por todos (BRASIL, 1831) [de acordo com o

original].

A Lei Eusebio de Queiroz gerou efeitos mais concretos no tocante ao tráfico

diminuindo em mais de 97% a entrada de escravizados no quinquênio 1851-1855 em relação

ao quinquênio anterior (1846-1850) (IBGE, 2007), aumentando, no entanto, o tráfico interno,

concentrado nas então Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Antes da Lei Áurea, foram

ainda promulgadas a Lei do Ventre Livre (09/1871) e a Lei dos Sexagenários (09/1885). A

primeira declarava livre os filhos nascidos de mulher escravizada, a partir da publicação da

data desta lei. No entanto, na prática, a Lei beneficiava o senhor uma vez que não garantia

qualquer condição de livre sobrevivência ao menor liberto, conforme é possível perceber no §

1º do Art. 1º da lei.

Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de

receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do

menor até a idade de 21 annos completos. No primeiro caso, o Governo receberá

o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indemnização

pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os

quaes se considerarão extinctos no fim de 30 anos. A declaração do senhor deverá

ser feita dentro de 30 dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito

anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos

serviços do mesmo menor (BRASIL, 1871) [grifo nosso].

A Lei nº 3.270, conhecida como a Lei dos sexagenários que previa a liberdade de

escravizados com 60 anos de idade ou mais, só foi aprovada com a inserção de um artigo que

previa uma indenização ao senhor do escravizado, que deveria ser feita pelo próprio liberto

com mais três anos de serviço ou até este completar 65 anos. De tal forma, do ponto de vista

humanitário e econômico, a Lei teve pouca repercussão, uma vez que eram poucas as pessoas

escravizadas que alcançavam os 60 anos, tendo em vista os trabalhos extenuantes e as

péssimas condições de vida. No entanto, a Lei conseguiu manter em pauta a discussão sobre a

Abolição da escravidão que acabou por ocorrer definitivamente em 13 de maio 1888 por força

da Lei Imperial n.º 3.353, popularmente conhecida como a Lei Áurea. Após discussão e

votação do Senado Imperial, a Princesa Isabel, regente do Brasil, sancionou a Lei que abolia a

escravatura no Brasil, último país independente do continente americano e último país cristão

do mundo a abolir a escravidão.

63

Note-se que quando da abolição o Brasil já não era mais colônia48

, no entanto, a

construção colonial já se encontra penetrada de tal forma, que não há alterações significativas

na vida da população, principalmente das pessoas escravizadas e, embora após a abolição não

tenha havido um sistema legal declarado de segregação, como aconteceu nos Estados

Unidos49

, a segregação se deu por Leis que excluíram a população negra da sociedade e,

portanto, de qualquer possibilidade de cidadania. Exemplo disso é a Lei nº 601, de 18 de

setembro de 1850, que ficou conhecida como a Lei de Terras que impediu que negros e negras

se tornasse donos de terras. A lei estabelecia que:

Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não

seja o de compra.

[...]

Art. 18. O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro

certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for

marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela

Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais

convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos

achem emprego logo que desembarcarem [de acordo com o original] (BRASIL,

1850b).

A perversidade da Lei está no fato de impossibilitar que pessoas que, saindo da

condição de escravas, pudessem adquirir uma terra. Interessante notar ainda que catorze dias

antecessores da Lei de Terras, havia sido promulgada a Lei Eusébio de Queirós (BRASIL,

1850a), (que reprimia o tráfico de africanos no Império) indicando assim não tardaria a

abolição da escravatura pela qual a Inglaterra já fazia pressão. Desta forma, a Lei de Terras se

adiantou em regulamentar a posse de terras, a fim de que negros e negras, ainda que libertos,

ficassem suprimidos desta possibilidade.

Outra medida que se adiantou à Lei Áurea (1888), e se colocou logo após a Lei

Dos Sexagenários (1885) foi o Código de Postura de 1886 do município de São Paulo que,

dentre outras indicações, criminalizava práticas de origem afro-brasileira a que chamavam de

“curandeiros de feitiços”, assim como os batuques e cateretês; proibia aos escravos “tirar

esmolas”; a profissão de cocheiros ou condutor de carroças de aluguel, ou ainda vender água;

proibia a profissão de caixeiro ou administradores em casas de negócios a escravos e proibia

ainda o “ajuntamento de escravos ou de outras pessoas fazendo vozerias e incomodando a

48 A chamada Independência do Brasil ocorreu em 7 de setembro de 1822.

49 Nos EUA, após a abolição da escravidão em 1863, formou-se uma sociedade segregada e que passa a ter

respaldo legal quando em 1896 a Suprema Corte considerou constitucional a existência de acomodações

separadas para brancos e negros, erguendo uma barreira que negava às pessoas negras o livre acesso à moradia,

restaurantes e à maioria dos serviços públicos (OLIVEN, 2007).

64

vizinhança, sob pena de 10$ de multa (SÃO PAULO, 1886, p 31).

Percebe-se que para o Código de Postura as pessoas escravizadas estão na mesma

categoria das demais pessoas, uma vez que se destaca a separação “ajuntamento de escravos

ou de outras pessoas”. A perversidade do Código está ainda no fato de que em 1886, dois

anos antes da Lei Áurea, o número de ex escravizados já era grande, e além de proibir

diversas atividades profissionais aos escravos, o Código de Postura impute uma forma

criminalizar qualquer possibilidade de convívio social como é possível observar no disposto

no Art. 198 – “Toda a pessoa de qualquer sexo ou idade que encontrada sem ocupação e em

estado de vagabundagem, será dada à autoridade policial competente, para assinar o têrmo de

que trata o código do Processo Criminal.” E também no Art. 2014 – “É proibido aos escravos

valetudinários ou não, esmolarem para subsistencia sua ou por ordem de alguem. Os que

forem encontrados, serão apresentados ao Juizo de Orfãos, que providenciará como fôr de

direito” (SÃO PAULO, 1886, pp. 36-37).

A escravidão, embora, dentro dos moldes coloniais, tenha se findado em 1888, é

estruturante da nossa sociedade. De acordo com Pinsk (1992) a herança escravista continua

mediando nossas relações sociais quando estabelece distinções hierárquicas entre trabalho

manual e intelectual, quando determina habilidades específicas para o negro e quando

alimenta até os dias atuais o preconceito e a discriminação racial. Além do mais, a violência

legalizada deste período, persiste nos dias atuais em instituições como a Polícia Militar.

Não bastasse isso, as doutrinas do racismo científico e da “teoria do

branqueamento” que buscou nos imigrantes europeus, mão de obra para os empregos

assalariados (DOMINGUES, 2007; ANDREWS, 1991 apud DOMINGUES, 2007), e a forte

difusão da ideologia da democracia racial, marcaram a forma como as relações raciais foram

percebidas no senso comum e também em obras científicas no Brasil por mais de um século.

Gilberto Freyre (2006), conforme já iniciamos a apresentação na introdução, é o

grande expoente acerca da ideologia da democracia racial. Em sua obra Casa Grande &

Senzala, o autor trata com romantismo as relações de exploração do trabalho e também do

sexo estupro sustentado com as mulheres escravizadas, mesmo descrevendo em alguns

momentos a crueldade imposta pelo senhores e senhoras de engenho. Para Freyre havia

doçura nas relações de senhores com escravos domésticos. O autor descreve a aculturação do

povo escravizado pelo batismo católico como algo benéfico uma vez que o aproximava da

cultura do senhor e tornara-os tão bons cristãos quanto os senhores.

Vê-se quanto foi prudente e sensata a política social seguida no Brasil com relação

65

ao escravo. A religião tornou-se o ponto de encontro e de confraternização entre as

duas culturas, a do senhor e a do negro; e nunca uma instransponível ou dura

barreira (FREYRE, 2006, p. 439).

Esta ideia ganha força principalmente porque quando comparada com o apartheid

racial institucionalizado nos Estados Unidos e África do Sul, há a ideia de que no Brasil as

relações foram construídas de forma cordial. Entretanto, a ideia de convivência harmônica

entre os “antagonismos equilibrados” (FREYRE, 2006), ou seja, a crença na existência de

uma democracia racial, apenas reforça o “apartheid extrajurídico” que faz perpetuar até os

dias atuais as injustiças sociais e econômicas, uma vez que difunde a crença de que somos

todos iguais, ignora o racismo e traz a crença de que se os negros e/ou indígenas não atingem

os mesmos patamares que os não-negros, é por falta de competência ou de interesse destes

(BRASIL, 2004).

A “ideologia do branqueamento” foi construída a partir das teorias científicas

raciais do século XIX que pregavam a inferioridade do povo negro, momento em que os

indígenas já eram minoria numérica da população. Uma ilustração da perversidade desta

teoria é encontrada na obra de Stephen Jay Gould (1990). O autor apresenta a mentalidade

racista do Século XIX, dentre outros exemplos, ao contar a história da Vênus de hotentote:

uma mulher de nome Saartjie Baartman, da etnia hotentote ou boximanes (povos de baixa

estatura, do sul da África). Saartjie Baartman trabalhava em uma fazenda de holandeses na

Cidade do Cabe até que foi coagida sob a proposta de tornar-se rica ao ir para a Inglaterra ser

exposta “como um animal selvagem”, segundo um membro da Associação Africana que

requeria sua “libertação”. Isto porque na escala racista do progresso humano, os boximanes e

hotentotes estavam junto com os aborígenes australianos nos degraus mais baixos, logo acima

dos chimpanzés e orangotangos) No entanto, Saartjie, interrogada em holandês perante um

tribunal reiterou que não estava sob coação e que compreendia que receberia metade dos

lucros. Após uma longa excursão pelas províncias inglesas, foi levada para Paris, onde foi

exibida durante 15 meses por um treinador de animais e também posou para pinturas

científicas. O grande motivo de sua popularidade era o tamanho avantajado de suas nádegas e

seus órgãos sexuais. Saartjie morreu em 29 de dezembro de 1815 e ao invés de rica, acabou

em uma mesa de dissecação de George Cuvier que ao descrevê-la enfatiza todos os pontos de

semelhança superficial com qualquer macaco ou grande antropoide, buscando provar a teoria

científica racial de evolucionismo social. Contudo, uma leitura cuidadosa da descrição de

Cuvier desmente suas próprias interpretações já que ele repete por várias vezes que Saartjie

66

era uma mulher inteligente, com excelente memória, que falava holandês razoavelmente bem,

tinha certo domínio do inglês e estava aprendendo um pouco de francês quando morreu.

Neste cenário de ideologia racista a abolição da escravatura se configura como

uma farsa que, como se viu, aendeu principalmente aos interesses político-econômicos da

época. De tal modo, os negros foram intencionalmente deixados às margens da sociedade –

física e socialmente – para que em condições de extrema pobreza se extinguissem seja pela

mortalidade infantil, pela desnutrição, doenças ou, por fim, a partir das sucessivas

miscigenações que objetivavam desaparecer com a população negra por completo do cenário

nacional. A miscigenação surge como uma saída para resolver o “dilema” da nação: o grande

número de negros que condenava ao atraso o desenvolvimento da nação e, portanto, a solução

apontada era a miscigenação pela convicção de que o sangue branco iria purificar o sangue

“primitivo” africano, permitindo a eliminação física destes e a formação gradativa de uma

nação homogênea: branca e civilizada (OLIVEIRA, 2008).

Isto se daria a partir das políticas públicas institucionais que proibiram a

imigração negra, como é o caso do Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890 que regularizava o

serviço da introdução e localização de imigrantes na República dos Estados Unidos do

‘Brazil’ [conforme grafia da época].

DA INTRODUCÇÃO DE IMMIGRANTES

Art. 1º É inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos indivíduos

válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos à ação criminal do seu

país, excetuados os indígenas da Ásia, ou da África que somente mediante

autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos de acordo com as

condições que forem então estipuladas (BRASIL, 1890).

Em 1911, o médico e antropólogo João Baptista de Lacerda, diretor no Museu

Nacional do Rio de Janeiro, apresentou no Congresso Universal das Raças, realizado em

Londres, a tese de que em um século e, após três gerações, o Brasil teria uma população

branca, embasado na crença da seleção dos mais fortes – a população branca – (SCHWARCZ,

2011). Ele utilizou o quadro “A redenção de Cam50

”, do artista espanhol Modesto Broco,

durante a sua fala no Congresso como evidência de sua tese, ou seja, de que a entrada de

50 Segundo o texto bíblico Gênesis: 9, 18-27 Cam expõe a nudez de seu pai, Noé, a seus irmãos Sem e Iafet e, por

isso, seu filho Canaã, acaba condenados pelo pai de Cam, seu avô, a ser escravo. A Interpretação da passagem

bíblica entre o final da Idade Média e o início da Era Moderna, momento da expansão da Cristandade Ocidental

rumo à África, à Ásia e, posteriormente, às Américas, passa a ser utilizada como justificativa para a escravidão

dos africanos, vista como "natural" pelos europeus. (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013) “Quando Noé despertou

de sua embriaguez, soube o que lhe tinha feito o seu filho mais novo. “Maldito seja Canaã, disse ele; que ele

seja o último dos escravos de seus irmãos!” GÊNESIS, 9 – 24-25

67

imigrantes europeus faria com quem em três gerações, ou em um século, o país se tornaria

branco (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013). A pintura retrata uma família em três gerações

marcada pelas distintas gradações de cor entre as personagens: à esquerda, a avó negra; ao

centro, a mãe, "mulata"51

, que carrega um bebê branco no colo; à direita, o presumido pai da

criança, também branco. A cena representa a tese de Lacerda, ou seja, a tese de que o negro

seria eliminado na terceira geração a partir da miscigenação. Estas ideias eram embasadas na

teoria do darwinismo social, sob o conceito de "evolução" da espécie que, neste caso, seria

resultante da "seleção sexual" que promovia o embranquecimento. A brancura, nesse

contexto, era associada à ideia de perfectibilidade e fica retratada na posição de louvor da avó

negra pela redenção da família a partir do branqueamento – A redenção de Cam (LOTIERZO;

SCHWARCZ, 2013).

Haufbauner (2015)

complementa o entendimento desta

ideologia quando explica que ela não

se reduz apenas à concepção de

transformação do negro em branco.

Essa transformação faz surgir

implicitamente um “espectro de cores”

que impede a fixação de um consenso

entre o que é ser “negro” e o que é ser

“branco” e dificulta a tentativa de

apresentar os limites impostos pela

cor. Trabalha ainda no abafamento da

reação coletiva dividindo grupos que

poderiam se organizar em torno de

uma reivindicação comum e, por fim, nega à identidade negra a beleza de seus traços e

cultura, fazendo com que as pessoas procurem se apresentar no cotidiano o mais brancas

possível.

51 Reproduzimos o termo “mulata” utilizado pelos autores, no entanto, repudiamos o termo por entende-lo como

racista, uma vez que é uma derivação da palavra “mula”, “animal híbrido, estéril, produto do cruzamento do

cavalo com a jumenta, ou da égua com o jumento”. Inúmeros registros etimológicos indicam que foi há mais ou

menos 400 anos, ou seja, durante o período escravagista brasileiro, que essa palavra começou a ser usada para se

referir, de forma pejorativa, aos filhos e filhas de negros com brancas ou vice-versa.

Figura 2 - A redenção de Cam – Modesto Brocos

68

Percebe-se, desta forma, que na América Latina o racismo levou as elites a adotar

políticas eugenistas, de recorte nazista, buscando no branqueamento das populações negras e

indígenas, ou pura e simplesmente na sua eliminação física, a construção de uma sociedade

nacional. Isso acabou por formar sociedades fortemente racializadas, antidemocráticas,

autoritárias e politicamente submissas ao domínio imperial exterior, tanto nos planos

econômico e político, como no cultural. Os modos de vida vindos da velha Europa colonial e

da pujante América do Norte neoimperial se converteram, e se mantém até hoje

(WEDDERBRUN, 2007) no que autores como Fanon, Quijano, Mignolo, Walsh, Grosfoguel,

Ballestrin, entre outros, denominam colonialidade.

Embora a ideologia do branqueamento tenha começado a perder sua legitimidade

nos anos 50, em parte pela atuação da UNESCO que, ao apresentar preocupação com a

questão, faz mudar de orientação as pesquisas acadêmicas que começam a se preocupar com a

situação real de cada grupo dentro da sociedade brasileira (HAUFBAUNER, 2015), a cultura

do branqueamento continua viva na sociedade brasileira na qual aspectos da negritude como o

cabelo crespo, o turbante, o black power, e o rastafári ainda sofrem discriminação e em que

usá-los é um ato político de afirmação positiva da raça negra.

Isto porque a sociedade brasileira conserva ainda as marcas da “cultura senhorial”

(CHAUÍ, 2000, p. 87) que mantém a sociedade estruturada com uma hierarquia fortemente

verticalizada em todos os seus aspectos: “nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre

realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece” (CHAUÍ,

2000, p. 89). Esta “cultura senhorial” naturaliza as desigualdades e exclusões

socioeconômicas em que a diferença salarial entre homens e mulheres, brancos e negros; a

existência dos sem-terra; dos sem-teto; dos milhões de desempregados é tida como

ignorância, preguiça ou incompetência (idem) dos excluídos de direitos e privilégios da classe

dominante que, não por acaso é branca, heterossexual, capitalista e cristã.

Um ponto que queremos destacar nesta breve retomada histórica é a

“Comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil” realizada no ano 2000 que, no

nosso entendimento, marca a forte colonialidade da nossa sociedade pois a comemoração da

data se deu como se o Brasil só tivesse existência a partir da chegada dos portugueses,

privilegiando a visão europeia sobre o mundo americano que estava aqui e sobre, inclusive

tudo o que aconteceu depois, de maneira que a perspectiva europeia foi sempre privilegiada

(SANTOS; BRUNETTO; LEAL, 2000). Além disso, o uso da expressão “descobrimento do

Brasil” denuncia como a chegada dos portugueses em terras do continente americano é

69

interpretada: mais uma vez, são eles os protagonistas da história dos 500 anos do Brasil,

mesmo que a ideia de um Estado-nação independente e soberano só tenha se tornado

realidade no século XIX (SILVA, 2003).

As atividades oficiais da comemoração tinham como tema dominante o vínculo

entre Brasil e Portugal e estiveram diluídas numa extensa agenda que foi inaugurada no início

do segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1998-2002). Como

corolário do legado português ao Brasil, a Igreja Católica esteve presente em várias ocasiões;

única instituição religiosa a participar nas comemorações oficiais esteve presente na

celebração de missas; na assembleia anual da Conferência Nacional do Bispos do Brasil

(CNBB) que carregou a marca oficial do evento; e também através do projeto Cruz Sagrada,

pelo qual foi fixada uma cruz no local onde se diz ter sido celebrada a primeira missa no

Brasil (SILVA, 2003).

Das comemorações oficiais, destacamos ainda o ritual de entrega de três tochas ao

presidente da república por representantes de comunidades indígenas, populações

afrodescendentes e portugueses. Denominadas como “Chamas do conhecimento”, a última

delas foi entregue no dia 1º de janeiro de 2000 a FHC que proferiu as seguintes palavras:

Recebo nesse instante, vinda de Portugal, a terceira “chama do conhecimento”. A

primeira, recebi em São Raimundo Nonato, no Piauí, das mãos de chefes indígenas.

Logo depois, Ruth Cardoso recebeu, nos sertões de Goiás, das mãos dos Calungas,

descendentes de escravos africanos, a outra das chamas simbólicas do encontro

entre raças e culturas que formou o Brasil. No romper do ano 2000, quando nosso

país completará seus 500 anos, rendemos homenagens aos formadores de nossa

civilização: brancos europeus, de fala portuguesa e fé em Cristo, índios autóctones

com dezenas de falas e crenças e negros africanos, também diversificados na língua

e na cultura. [...] Somos talvez a maior nação multirracial do mundo Ocidental,

senão em número de habitantes, na capacidade integradora da civilização que

fundamos. [...] E essa identidade dá-nos a base para a entrada no novo milênio, o da

“civilização global”; nos distingue pelos valores da tolerância, permite que

reflitamos, a partir dela, o quanto conseguimos caminhar nesses 500 anos. [...] Pátria

da imigração, de braços abertos aos que aportam, como Cristo que nos guarda do

alto do Corcovado. [...] Terra da solidariedade. É isso que pedimos como benção

nesta entrada do Milênio. [...] Paz e amor são nossos lemas [...]. Meus amigos,

quando os portugueses aventuraram-se pelos oceanos na ânsia de descobrir novas

terras e novas gentes deram a marca da modernidade: a descoberta do outro, o

reconhecimento da variedade e da diferença [...]. (SILVA, 2003, pp. 146-147) [grifo

nosso]

A tocha vinda de Portugal ao Brasil nos remete a um simbolismo o qual

inferimos, amparadas pela alegoria da Caverna de Platão, que é Portugal quem nos tira da

escuridão e nos traz à luz com as “chamas do conhecimento”. Além desse simbolismo com

forte aspecto colonial, é possível perceber na fala do então presidente a consagração de uma

democracia racial não apenas pelo dito, mas principalmente pela omissão do discurso. FHC ao

70

reforçar a ideia do “encontro de raças”, a “capacidade integradora da civilização” e os

“valores de tolerância” omite toda a violência e o racismo que chegou com os portugueses

dizimando e escravizando indígenas e africanos. Racismo que se perpetua nesses 500 anos de

história e que mantém a população negra e indígena em condições de desvantagem em todas

as esferas da vida social, outra herança da “cultura senhorial” (CHAUÍ, 2000, p. 87).

Entretanto, enquanto no evento oficial se comemorava a data sob o discurso

romantizado da história do Brasil, movimentos sociais organizados pelo Movimento de

Resistência Indígena, Negra e Popular “Brasil Outros 500” denunciavam a história de

invasão, saque, genocídio e epistemicídio cometido nestas terras desde a chegada dos

portugueses. No “Manifesto Brasil 500 anos de resistência”52

os movimentos sociais

organizaram também uma agenda para suas ações e colocavam-se como antagônicos em

relação às comemorações oficiais. Dizia o manifesto:

Aproxima-se a data — 22 de abril de 2.000 — que nos fará refletir sobre o dia, 500

anos atrás, em que um grupo armado de portugueses desembarcou nestas terras, com

a meta de anexá-la como território colonial. Aqui viviam, há mais de 40 mil anos,

mais de 5 milhões de pessoas, pertencentes a cerca de 970 diferentes povos. Eram os

legítimos donos destas terras, possuidores de tudo -- menos de anticorpos para

doenças européias, de armas mortais à base de pólvora e chumbo, nem do impulso

de violência, exploração, depredação e saque. Disto, eram portadores privilegiados

aquele grupo de homens maltrapilhos e doentes que desceu na praia da hoje

Cabrália, sul da Bahia, cinco séculos atrás, dizendo que estavam "descobrindo um

Novo Mundo" e que para estas terras trariam seus ideais de civilização, progresso e

evangelização.

Naquele dia foi dado início à expansão do Velho Mundo nestas terras, através da sua

brutalidade letal e organizada, pronta para projetar-se contra tudo e contra todos que

estivessem em seu caminho. Aquele 22 de abril de 1.500 foi um dia mítico, matriz

de uma história violenta e desumana, que continua até os nossos dias.

[...]

Pretendemos, através do nosso movimento, expor nossa divergência clara e

transparente com relação às comemorações oficiais. Estas irão comemorar os 500

anos da construção de uma nação supostamente unida e harmônica, erguida, na sua

visão, com a "contribuição voluntária" dos povos indígenas, dos africanos

"trasladados" para estas terras e dos brancos europeus. Para as comemorações

oficiais, inexiste a noção de conflito, hoje como no passado. Para nós, pelo

contrário, a noção de conflito é central na história como no presente, projetando-se

no futuro. A brutalidade do genocídio indígena capitaneado pela empresa colonial e

52 Assinado em dezembro de 1998 pelos movimentos sociais: CONEN (Coordenação Nacional de Entidades

Negras); MNU (Movimento Negro Unificado); CMP (Central De Movimentos Populares); CIMI

(Conselho Indigenista Missionário); CPT (Comissão Pastoral da Terra); GTME (Grupo de Trabalho Missionário

Evangélico); Comitê 500 Anos de Resistência Negra, Indígena e Popular (Salvador/Ba); Fórum 500 Anos

(Campinas/SP); Capoib (Conselho de Articulação dos Povos e Organizações do Brasil); Apoinme (Articulação

dos Povos Indígenas Do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo); Articulação de Mulheres Negras Lélia

Gonzales (Salvador/Ba); CEPIS (Centro de Educação Popular do Instituto Sedes; Sapientiae A.C.R.(Anarquistas

contra o Racismo); Equipe Palmares de Rio Claro/SP; Coletivo 500 Anos de Araras/SP; Sinpro (Sindicato Dos

Professores da Rede Particular do Abc/SP); Comitê De Solidariedade às Comunidades Zapatistas (SP) COIAB

(Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira); Setor Pastoral Social da CNBB

(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

71

responsável pela extinção de povos inteiros, a barbárie da sociedade escravocrata

que espoliou os povos africanos sacrificando e desagregando famílias e

comunidades, a crueldade atroz, que vitimou e vitima cotidianamente os setores

populares, marca uma das sociedades mais desiguais do planeta: a sociedade

brasileira até os dias de hoje. Todas essas realidades históricas não podem ser

compreendidas sem a noção central do conflito — conflito entre povos, entre

classes, entre ideologias, entre concepções de vida, de mundo, do humano, da

própria história (MANIFESTO BRASIL 500 ANOS DE RESISTÊNCIA, 1998).

Como se pode ver, o Manifesto traz à tona a história dos de baixo, ou seja, “dos

que sofreram e lutaram contra a espoliação colonial e a exploração de classe, dos condenados

da terra, das periferias das cidades e da história oficial”. Em Abril do ano 2000, paralelo às

comemorações oficiais, os movimentos sociais realizaram diversas ações no sul da Bahia para

discutir sobre o significado destes 500 anos de história do ponto de vista indígena, negro e

popular. Contestando a versão romantizada proferida no evento oficial, denunciaram a

repressão, a miséria, a injustiça e as mortes que não cessaram desde 1500. Destacamos a

seguir algumas falas proferidas na Conferência realizada.

Nós somos pessoal reprimido pelos não índios, pelos empresário fortes, pelos

latifundiários que querem ser donos da nossas terras, ainda nós vivamos há tantos

anos, nossos pais, nosso avós, que eram donos das terras deles, livres, que podiam

cortar o pé, e hoje em dia nós se encontra como os oprimidos sem poder botar o pé.

Eu choro o coração e derramo minhas lágrimas como meu parente derramou, porque

também somo povo sofrido do Ceará, somo pessoal que precisamos também de ser

um povo cidadão, pessoal respeitado (Líder indígena – O RELOÓGIO E A

BOMBA, 2000).

Queremos que vocês brancos ajudem a gente a preservar a terra e não deixar

destruir. Vocês também precisam da terra. Não queremos dinheiro. Dinheiro só

deixa a gente doido. Não queremos mais mortes. Há posseiros e garimpeiros, mesmo

onde as terras j· foram demarcadas. Eles querem festejar invasão, morte e injustiça.

Davi Kopenawa, líder yanomami (CCPY, 2000).

Essa é uma luta que para nós, não é nova e, portanto, estar amanhã fazendo esse

grande ato porque amanhã culmina, é o ápice desse movimento na grande marcha

que nós vamos realizar sobre Porto Seguro colocando para o mundo a nossa leitura

dos supostos 500 anos do Brasil, nós não reconhecemos esse 500 anos porque

reconhecer 500 anos significa negar os mais de 5 milhões de povos indígenas que

habitavam esse país com a forma de organização própria, comunitária e que

alimentava a todos, sem a miséria que a gente vê hoje. As mulheres negras e as

mulheres indígenas estão aqui pra denunciar a violência, o estupro que Gilberto

Freyre não foi capaz de romantizar como ele gostaria, nós fomos violentadas

historicamente, gerações e gerações e não adianta fazer um livrinho e dizer por aí

que houve encontro de raças, houve massacre sim, e isso precisa ser

reconhecido porque senão não será possível fazer um novo milênio e um novo

século. Então essa é a contribuição a União de Negros. (líder do movimento negro –

A BOMBA E O RELÓGIO, 2000). [grifo nosso]

No dia que marcou oficialmente os 500 anos de “descobrimento do Brasil” – 22

de Abril – foi realizada uma missa na solenidade oficial que contou com a presença dos

72

presidentes Fernando Henrique Cardoso e Jorge Sampaio, de Portugal. Na ocasião, FHC

voltou a exaltar em sua fala o encontro que deu origem ao brasileiro mestiço no “encontro de

várias raças” (O RELÓGIO E A BOMBA, 2000; SILVA, 2003). Enquanto FHC exaltava o

“encontro cordial” num evento repleto de celebridades (maioria esmagadora branca) com

lugares reservados, a marcha organizada pelo Movimento “Brasil Outros 500”, era fortemente

reprimida pela Polícia Militar, num novo “encontro” nada cordial que resultou em feridos e

detidos. Doze anos depois o Estado da Bahia foi condenado a pagar uma multa de R$10

milhões pelo uso desproporcional da força.

O protesto de diversos índios, integrantes do movimento negro, estudantes e outros

cidadãos foi considerado como pacífico pela Justiça. O grupo seguia da enseada de

Coroa Vermelha, há cerca de 20 Km de Porto Seguro, para o Centro Histórico da

cidade para expor a visão dos manifestantes sobre o significado dos 500 anos de

descobrimento do país.

Apesar de não portarem armas e carregarem apenas faixas, bandeiras e panfletos,

bem antes do local dos festejos oficiais os manifestantes foram surpreendidos por

uma barreira policial que impediu o prosseguimento da marcha com uso de bombas

de gás lacrimogênio e balas de borracha.

O episódio, que repercutiu nacional e internacionalmente na mídia, marcou as

comemorações pelos 500 anos do Brasil principalmente pela forma violenta e

desproporcional que a Polícia Militar dissolveu a passeata (REDAÇÃO, 2012).

Desta forma, a comemoração dos 500 anos do Brasil termina da mesma forma

como começou sua história como Brasil53

: violência com uso desproporcional da força contra

um povo desarmado que é expulso do seu direito de vivenciar uma cidadania plena.

Não é nosso objetivo neste trabalhar fazer um histórico detalhado dos mais de 500

anos desde a colonização do Brasil que nos colocam hoje no patamar de uma “independência

colonial” (QUIJANO54

, apud GROSFOGUEL, 2012), na qual o racismo, o machismo, a

LGBTQfobia55

, a força policialesca militarizada e o capitalismo que aumenta dia-a-dia a

desigualdade social, estão impregnados de tal forma que são naturalizados56

em nossa

53 História como Brasil porque as terras achadas e invadidas já possuíam habitantes e uma História que, portanto,

não se inicia em 1500.

54 QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, E. (ed.) Colonialidad

del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. CLACSO: Buenos Aires, 2000; QUIJANO, A. La colonialidad

del poder y la experiencia cultural latino-americana. In: BRICEÑO-LEÓN, R.; SONNTAG, H. R. [eds.],

Pueblo, época y desarrollo: la sociología de América Latina. Caracas: Nueva Sociedad, 139-155, 1998. 55

Sobre esta questão ver a tese de Estevão Rafael Fernandes, “Decolonizando sexualidades: enquadramentos

coloniais e homossexualidade indígena no Brasil e nos Estados Unidos, Brasília, 2015”. O autor explica que a

colonização criou um aparato burocrático-administrativo, político e psicológico (o enquadramento, em suas

múltiplas formas) para normalizar as sexualidades indígenas, moldando-as à ordem colonial. 56

De acordo com Chauí (2000, p. 88) as “divisões sociais são naturalizadas em desigualdades postas como

inferioridade natural (no caso das mulheres, dos trabalhadores, dos negros, índios, imigrantes, migrantes e

idosos) e as diferenças também naturalizadas, tendem a aparecer ora como desvios da norma (no caso das

73

sociedade, mas buscar na história os elementos coloniais que persistem até os dias atuais e

que contaminam nossas formas de sociabilidade.

Tendo em vista o objetivo deste estudo, nossas discussões e reflexões enviesam

para a categoria colonial do racismo, uma vez que, conforme mostramos, a ideia de raça e

consequente desenvolvimento do racismo não apenas esteve presente, mas estrutura toda a

formação sociocultural do país desde a escravidão, até os dias atuais em que o racismo

estrutural mantém as pessoas negras em condições de desvantagens social, econômica,

cultural, educacional, de saúde e lazer57

.

2.1. Um país colonial é um país racista

O título deste subitem é uma afirmação de Frantz Fanon (1968) que sintetiza o

que buscamos mostrar anteriormente, ou seja, de que o racismo é um desdobramento do

processo de colonização que surgiu a partir da hierarquização das raças a partir de supostas

diferenças biológicas presentes nas diferenças fenotípicas entre conquistadores e

conquistados. Assim, diz o autor “Quando se observa em sua imediatidade o contexto

colonial, verifica-se que o que retalha o mundo é antes de mais nada o fato de pertencer ou

não a tal espécie, a tal raça. [...] A causa é consequência: o indivíduo é rico porque é branco, é

branco porque é rico” (FANON, 1968, p. 29), ou seja, o racismo se fundou como uma

categoria que determina os lugares sociais ocupados por brancos, negros e indígenas.

De tal modo, fica evidente, que a colonização tem relação direta com os processos

de extermínio indígena, de sujeição e de escravidão de homens e mulheres vindos do

continente africano, que resultam no racismo que persiste até os dias atuais, apesar da negação

diferenças étnicas e de gênero), ora como perversão ou monstruosidade (no caso dos homossexuais, por

exemplo). Essa naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência, pois estas não são percebidas

como tais.”

57 Os estudos realizados pelo IPEA, evidenciam as desigualdades vivenciadas pela população negra em todas as

esferas da vida social. De acordo com Jaccoud e Beghin (2002, p.11), sob qualquer aspecto analisado,

impressiona a magnitude das injustiças que sofre esse grupo populacional. Os dados revelam que as

desigualdades são oriundas tanto de menores níveis de educação, como da discriminação racial, ou seja, a

convergência do preconceito e do racismo prejudica indivíduos somente em razão de suas características físicas

ou culturais. As autoras explicam ainda que apesar do crescimento econômico que marcou a segunda metade do

Século XX, as desigualdades econômicas entre brancos e negros não se alteraram. “A cor das pessoas é um

determinante importante das chances de vida, e a discriminação racial parece estar presente em todas as fases do

ciclo de vida individual”.

74

de sua existência. Sobre isso, Gomes (2017, p. 51) explica que o “Brasil construiu

historicamente um tipo de racismo insidioso, ambíguo, que se afirma via sua própria negação

e que está cristalizado na estrutura da nossa sociedade.”.

Ao tratar sobre “racismo”, faz-se importante elucidar o conceito de raça

empregado, para que não se caia na armadilha da simplificação biologista de “raça humana”

que busca suprimir o debate sobre racismo. O conceito de raça que estruturou o racismo está

diretamente atrelado ao conceito biológico, no entanto, o termo foi adquirindo diferentes

sentidos ao longo da história e, portanto, seu entendimento durante o período de colonização,

difere do entendimento contemporâneo acerca do termo.

De acordo com Memmi (1993), a palavra “raça” surge na língua francesa no

século XV e vem do latim ratio, sendo compreendida, neste momento, como um conjunto de

traços biológicos e psicológicos que liga ascendentes e descendentes numa mesma linhagem,

termo que só é aplicado ao homem no século XVII. Essas visões, baseadas no conceito

biológico de raça humana, foram nefastas na construção do racismo que, de acordo com

Guimarães (2003) não existiria sem essa ideia que divide os seres humanos em subespécies,

cada com qual com suas qualidades. “Foi ela que hierarquizou as sociedades e populações

humanas e fundamentou um certo racismo doutrinário” (GUIMARÃES, 2003, p. 96).

Petrucelli (2013) explica que na cultura ocidental as classificações de seres

humanos em diferentes grupos tiveram início no século XVIII quando Carl Von Linné (1707-

1778), Georges Georges Louis Leclerc, o conde de Buffon (1707-1788) e Johann Friedrich

Blumenbach (1752-1840) construíram as primeiras classificações humanas baseadas em

características morfológicas. Todos remetiam, em primeiro lugar ao traço mais marcante, a

cor da pele, seguido pelo tamanho e forma e, por fim, aos traços “morais” que questionaram a

humanidade dos indígenas e trataram como inferior a cultura africana. De tal modo, o

conceito de “raça” foi desenvolvido pela biologia e pela antropologia física e colocava que a

espécie humana, tal como os demais animais, poderia ser dividida em subespécies.

A partir desta perspectiva, a ideia de raça produziu nas Américas identidades

historicamente novas como: índios, negros e mestiços; e refinou outras como a identidade de

“europeu” que até então indicavam somente procedência geográfica, mas a partir de então

referia-se também a uma identidade racial e à medida em que as relações sociais eram

relações de dominação, as identidades acabaram por associar-se a hierarquias, ou seja, como

instrumento de classificação social das populações. “Desse modo, raça, converteu-se no

primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis e papéis na

75

estrutura de poder da nova sociedade” (QUIJANO, 2005, p. 118).

O sequenciamento do genoma humano em 2003 encerra a possibilidade de

hierarquização de humanos em raças porque a pesquisa permitiu concluir que as

características físicas utilizadas para distinguir “raças” não têm significado biológico. Assim,

a fim de superar a “raça”, diversos autores (PENA; BRICHAL, 2005-2006; GILROY, 2007),

utilizam desses argumentos para incidir o desejo de uma “sociedade não-racialista”, “cega a

cores”. Antes mesmo do Projeto Genoma, depois da tragédia do holocausto na Segunda

Guerra Mundial, houve um esforço de cientistas das diversas áreas – biologia, sociologia,

antropologia – para eliminar o conceito de raça e o seu uso como categoria científica

(GUIMARÃES, 2003).

O londrino Paul Gilroy, “um dos mais brilhantes intelectuais negros do nosso

tempo” de acordo com Guimarães (2002, p. 48), em sua obra “Entre campos: nações, cultura e

o fascínio da raça” lançada na Inglaterra e nos Estados Unidos no ano 2000, defende a ideia

de que após os horrores da II Guerra Mundial o conceito de “raça” não pode ter um lugar

eticamente defensável. A tese do autor nasce de suas memórias da infância sobre os horrores

sobre este momento histórico em que a raça foi utilizada como discurso de ódio na ideologia

nazista e fascista.

Lembro-me de ter ficado especialmente perplexo quando num final de semana,

durante uma caminhada de historiador através das áreas desoladas e destruídas pelos

bombardeios às margens do rio, meu pai e eu encontramos a insígnia da União

Britânica dos Fascistas [...] pintada cuidadosamente num muro, lado a lado com a

então tradicional injunção de Mantenha a Bretanha Branca. (GILROY, 200758

, p.

21).

A partir destas lembranças, o autor constrói a sua discussão em defesa da não

racialização. Gilroy (2007) reconhece que o determinismo genético transformou o significado

da diferença racial e que esta nova situação exige uma crítica renovada do pensamento sobre

“raça”. No entanto, coloca que mesmo uma mudança positiva que surja da crise no conceito

de raça não pode ser defensável uma vez que a “raça” “não pode ser prontamente

ressignificada ou dessignificada, e imaginar que seus sentidos perigosos possam ser

rearticulados com facilidade em formas benignas e democráticas” (p. 29).

O argumento do autor gira em torno do que ele chama de crise da raciologia que

advém das construções genômicas de “raça” e que, neste cenário, se esboça uma possibilidade

de se libertar “dos laços da raciologia por inteiro num projeto abolicionista novo e ambicioso”

58 A primeira versão traduzida para o português é de 2007.

76

(GILROY, 2007, p. 33) tendo em vista um humanismo planetário e pragmático. “A vontade

política de liberar a humanidade do pensamento racial deve ser complementada por razões

históricas precisas de por que essas tentativas valem a pena. Para Gilroy a primeira tarefa é

sugerir que a morte da “raça” não é algo que deva ser temido” (p.30) porque com ela acabaria

também as hierarquias raciais.

Gilroy critica ainda o conceito de raça com ênfase na cultura porque, para ele, a

relação entre diferenças culturais e as particularidades raciais são complexas sendo difícil

determinar o que é necessário para ser reconhecido como pertencente a determinada cultura.

Além do mais, para o autor

as versões culturalistas do discurso racial – ainda que superficialmente mais benigna

do que a força mais crua da teoria biológica de “raça” – não são menos malévolas ou

brutais para aqueles que estão no elo final das crueldades e terrores promovidos por

elas (GILROY, 2007, p. 55).

A discussão sobre cultura fica mais clara em sua obra “O Atlântico Negro59

lançada em 1993. Nesta obra o autor estrutura sua análise de política de raça, etnicidade,

cultura e nacionalidade sob a ótica da diáspora. Para Gilroy a diáspora traz à luz “não a raça, e

sim formas geopolíticas e geoculturais de vida que são resultantes da interação entre sistemas

comunicativos e contextos que elas não só incorporam, mas também modificam e

transcendem" (p. 25).

Para Guimarães (2002) ainda que Gilroy tenha razão quando se refere à Europa

Ocidental, a perspectiva contrária ao uso de conceito de “raça” não tem a mesma validade no

caso brasileiro ou estadunidense. Neste contexto, o desafio do exame crítico das relações

raciais – negritude e branquitude – está exatamente em se ater à irrealidade da raça, mas ao

mesmo tempo aderir tenazmente ao reconhecimento de seus efeitos sumamente reais

(FRANKENBERG, 2004).

Ao encontro disto, Munanga (2013), coloca que a saída não está no simples fato

de eliminar o conceito de raça, ensinando, por exemplo, que raça não existe, mas sim na

aceitação das diversidades como bandeira de luta a fim de exigir a convivência equânime de

todas. Munanga explica ainda que a retirada do conceito de raça dos textos científicos pelos

biólogos antirracistas não ajudou no combate ao racismo, pois o racismo sobreviveu por meio

de termos mais cômodos e, muitas vezes, invisíveis como “etnia” ou “identidade”.

Além do mais, entendemos ser perverso eliminar o conceito de “raça” justamente

59 Gilroy, P.. The Black Atlantic Modemity and Doiuble Consciouness. London, Verso, 1993. 261 p

77

quando esta é ressignificada dentro do contexto social a fim de, por meio de políticas de ação

afirmativa, possibilitar que a população negra tenha reconhecido o seu direito de reparação e a

afirmação da sua história e cultura, depois dos crimes de mais de trezentos anos de escravidão

que impactam negativamente a vida socioeconômica, cultural e psicológica dos negros e

negras até a atualidade. Gomes (2018) explica também que o Movimento Negro ressignificou

e politizou afirmativamente a ideia de “raça”, entendendo-a como potência de emancipação, e

não como uma regulação conservadora.

Ao politizar a raça, o Movimento negro desvela a sua construção no contexto das

relações de poder, rompendo com visões distorcidas, negativas e naturalizadas sobre

os negros, sua história, cultura, práticas de conhecimentos; retira a população negra

do lugar da suposta inferioridade racial pregada pelo racismo e interpreta

afirmativamente a raça como construção social; coloca em xeque o mito da

democracia racial (GOMES, 21018, p. 22).

Advertimos ainda que a preocupação com o perigo do uso do termo “raça” surgiu

“apenas” quando europeus brancos foram assassinados no terrível cenário do holocausto. Não

se encontra na História a mesma preocupação durante o “holocausto africano” (FABBRI,

2015, p. 94; CÉSAIRE, 1978), ou seja, após os quase quatro séculos de escravidão que

sequestrou, violentou das mais diversas formas, assassinou, e aculturou milhões de pessoas

africanas.

Neste contexto, como explicar com um “humanismo planetário” (GILROY, 2007)

não racializado as desigualdades raciais brasileiras nas taxas de analfabetismo na população

acima de 15 anos que, em 2008, entre a população branca era de 6,2%, enquanto na população

negra era de 13,6%, sendo superior à taxa de analfabetismo entre os brancos dez anos antes,

quando esta era de 12,1%? (PAIXÃO, et al., 2010). Como resolver apenas com medidas

universalistas a diferença entre brancos e negros, por exemplo, na proporção de pessoas de 25

anos ou mais com 12 anos ou mais de estudo na qual os brancos saltam de 12,5 em 1995 para

24,5 em 2013 e os negros partem de 3,3 e chegam à proporção 10,8 no mesmo período?

(IPEA et al., 2013). Ou seja, a população negra brasileira em 2013 tinha uma proporção de

adultos com 12 anos ou mais de estudos, menor que a proporção entre os brancos em 1995.

Desta forma, concordamos com Guimarães (2002) para quem “raça” não é apenas

uma categoria política necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é

também categoria analítica indispensável para revelar que as discriminações e as

desigualdades brasileiras não são apenas de “classe”. Ressaltamos, portanto, o uso social do

conceito e trazemos novamente Guimarães (2003, p. 96) que nos explica que

78

as raças são, cientificamente, uma construção social e devem ser estudadas por um

ramo próprio da sociologia ou das ciências sociais, que trata das identidades sociais.

Estamos, assim, no campo da cultura e da cultura simbólica. Podemos dizer que as

“raças” são efeitos de discursos; [...] São discursos sobre as origens de um grupo,

que usam termos que remetem à transmissão de traços fisionômicos, qualidades

morais, intelectuais, psicológicas, etc., pelo sangue (conceito fundamental para

entender raças e certas essências).

O autor explica ainda que na formação do campo da sociologia ocorre um

deslocamento das explicações sobre o mundo social baseadas em raça ou clima, trazendo à luz

as explicações baseadas no social e na cultura. “É a idéia de que a vida humana, a sociedade

política, etc., não são determinadas, de maneira forte, por nada além da própria vida social”

[grafia segundo o original] (GUIMARÃES, 2003, p. 95). Ou seja, não há, na espécie humana

nada que possa ser classificado a partir de critérios científicos que corresponda à compreensão

que se tem de raça, assim, “o que chamamos de “raça” tem existência nominal, efetiva e

eficaz apenas no mundo social e, portanto, somente no mundo social pode ter realidade plena”

(GUIMARÃES, 2002, p. 50).

Apesar da conceituação sociológica sobre raças e etnias há ainda no senso comum

e mesmo entre muitos intelectuais o questionamento sobre “Quem é negro no Brasil?” questão

frequentemente presente nos debates acerca das diversas políticas públicas de ação afirmativa

para grupos com histórico de discriminação e usurpação de direitos ao longo da história do

Brasil. Da mesma forma, na questão indígena, a questão “O que é um ‘índio’?” predominando

ainda no senso comum a ideia de que os indígenas ao lutarem por suas terras, atrasam o

desenvolvimento do país, que são preguiçosos, e que se não estiverem nus e com cocar na

cabeça, não são mais “índios”. Além disso, a questão não é simplesmente acadêmica porque

envolve o destino econômico de muitas populações, tendo em vista que a política indigenista

busca garantir aos indígenas a posse das terras em que vivem.

Assim, no Brasil, aceita-se a discussão feita por Caneiro da Cunha (198660

) e

Ribeiro (195761

) que concluíram que a identidade étnico-racial deve estar vinculada à

autodeclaração do grupo e à identificação deste pela sociedade em que está inserido

(SALZANO, 1998). Em outras palavras, a classificação racial no Brasil, diferente do que

acontece nos Estados Unidos62

, é baseada na autodeclaração individual. É a autopercepção

60 CARNEIRO DA CUNHA, M.. Antropologia do Brasil. São Paulo: Brasiliense; Edusp, 1986.

61 RIBEIRO, D.. Culturas e línguas indígenas do Brasil. In: Educação e Ciências Sociais. v. 2, n. 6, pp. 5-102.

Rio de Janeiro, 1957

79

que faz um sujeito definir se é negro, indígena ou branco.

Neste cenário, a luta dos movimentos negros na valorização da identidade e

cultura negra tem feito com que haja uma percepção positiva da negritude que trouxe como

consequência um crescimento da população que se autodeclara como negra. Isto deve-se

também pelo acesso ao conhecimento efetivo da História Africana e Afro-brasileira, conforme

explica a coordenadora da primeira licenciatura do Brasil de estudos africanos e afro-

brasileiros, Katia Regis (ROSSI, 2015). A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

(PNAD, 2014), realizada pelo IBGE mostrou que em 2014 53,6% da população brasileira se

autodeclararam como negra (pardos 45% e pretos 8,6%), em 2004 este percentual era de

48,1% (42,2% de pardos e 5,9% de pretos).

Podemos inferir que o pensamento colonial começa a se esfacelar quando pessoas

negras negam o padrão imposto, rompendo com a política de branqueamento iniciada no

século XIX e passam, em contrapartida, num movimento decolonial, a construir uma

identidade negra positiva, apesar do racismo enfrentado cotidianamente. Esta inferência se

reforça na explicação de Adriana Beringuy, técnica do IBGE, que avalia que o aumento desse

percentual não tem relação com a taxa de natalidade entre negros, mas sim com o aumento da

autodeclaração porque as pessoas têm começado a se perceber e a valorizar a identidade negra

como algo positivo (ROSSI, 2015). Petruccelli (2013) explica que toda percepção é orientada

e informada, ou seja, a maneira como uma pessoa se percebe não é simplesmente a imagem

óptica que se forma em sua retina, mas o produto de uma seleção dos componentes desta a

partir de um arcabouço mental configurado pelos seus conhecimentos, ideias, ideologias,

crenças, conceitos e, também, seus preconceitos. Daí a importância da construção educacional

e social de uma imagem negra positiva, que fuja dos velhos estereótipos preconceituosos e

racistas.

O quesito “raça/cor” com as cinco categorias conforme se tem atualmente:

“branca, preta, amarela, parda e indígena”, apareceu pela primeira vez no censo brasileiro no

ano 2000. No primeiro recenseamento do Brasil, realizado em 1872 foram utilizadas as

categorias: branco, preto, pardo e caboclo. No segundo censo, em 1890, o termo pardo foi

62 Nos Estados Unidos é considerada negra a pessoa que tem qualquer ancestral africano – assim o preconceito

racial relaciona-se com a origem genotípica do indivíduo e, neste cenário, o preconceito racial vem da suposição

de que o indivíduo descende de um determinado grupo étnico sendo considerado como “ preconceito de origem”,

fazendo com que as restrições impostas ao grupo negro, em geral, se mantenham independentemente de

condições pessoais como a instrução, ocupação etc. (NOGUEIRA, 1985).

80

substituído por mestiço. Nos anos 1900 e 1920 a questão racial foi excluída da pesquisa. O

censo de 1940 foi o primeiro realizado pelo IBGE e, neste ano, foi incluída a categoria

“amarela” em função da imigração japonesa ao Brasil. Em 1950 foi reincorporada a categoria

“pardo” mantendo as categorias branco, preto, pardo e amarelo nos censos de 1960 e 1980

(em 1970 novamente foi excluída a pergunta sobre raça/cor). A categoria “indígena” foi

introduzida apenas no censo de 1991 e tão somente em 2010 as pessoas que se identificaram

como indígenas foram questionadas acerca da sua etnia e língua falada (PETRUCCELLI,

2013).

Este registro é importante porque, além de apresentar um retrato sobre a formação

da sociedade brasileira, permite a elaboração de políticas públicas de acordo com o perfil

desta sociedade, por isso as informações referentes à raça/cor são uma antiga reinvindicação

dos movimentos negros. Em 1995 a senadora Benedita da Silva (PT) apresentou o Projeto de

Lei nº 16 de 1995 que previa a obrigatoriedade do registro raça/cor em registros de

instituições públicas e privadas como: registros escolares, prontuários hospitalares, postos de

atendimento, estabelecimentos médicos e registros policiais. O projeto foi aprovado pelo

Senado Federal, mas acabou arquivado na Câmara dos Deputados.

Apenas em dezembro de 2012 este quesito passou a ser um campo obrigatório,

mas abrangendo somente os registros administrativos, cadastros, formulários e bases de dados

do Governo Federal.

A medida foi divulgada através do Aviso Circular Conjunto n° 01, de 28 de

dezembro de 2012, assinado pelas ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Luiza

Bairros (Igualdade Racial), e Miriam Belchior (Planejamento). De acordo com o

documento, a inclusão do campo “cor ou raça” deve ser feita conforme classificação

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. O preenchimento do

quesito é obrigatório, mediante autodeclaração nos documentos que contenham

informações pessoais, inclusive do público externo, no âmbito dos órgãos e de seus

vinculados (SEPPIR, 2013).

Apesar disso, intelectuais renomados como Simon Schwartzman (2006), por

exemplo, desconsideram a importância de tal registro. O autor justifica que a classificação

joga as pessoas em valas comuns da uniformidade que, muitas vezes, encobre situações

odiosas de discriminação e desigualdades. Diz ainda que a recuperação e valorização das

identidades é um processo rico e profícuo que pode dar às pessoas mais sentido para suas

existências, mas que este deve ser um processo das pessoas, dos grupos, e permanecer sempre

aberto e plural, não devendo o Estado assumir para si a tarefa de definir de forma forçada a

identidade das pessoas, mesmo em nome de ideais tão nobres como a "pesquisa" ou o

81

"conhecimento", pois pode se transformar com facilidade em um instrumento de

discriminações e conflitos entre cidadãos de diferentes classificações.

Ignora o autor que as situações odiosas de discriminação e desigualdades

aconteceram e acontecem desde a invasão portuguesa ao Brasil, independente do registro

racial oficial. O autor demonstra ainda total desarticulação com os movimentos negros que

lutaram para ter o direito ao registro de “raça/cor”, uma vez que esta é uma medida que, além

de reiterar as persistentes diferenças socioeconômicas e culturais entre a população negra e a

não-negra, torna o registro um instrumento político que possibilita a implementação de

políticas públicas de reparação a povos historicamente excluídos na sociedade brasileira,

capazes de promover a equidade e combater o racismo.

Diferente do que afirma Schwartzmann, o racismo não acontece a partir da

categorização e quantificação de autodeclarações, mas sim a partir do fenótipo das pessoas, ou

seja, é a aparência, os traços físicos, a fisionomia, os gestos ou o sotaque das pessoas, que as

tornam vítimas do racismo, uma vez que, no Brasil, o preconceito é de marca, ou seja, quanto

mais características negras uma pessoa tiver, mais exposta ao racismo estará (NOGUEIRA,

1985). Ao encontro disso, Rosemberg (2010) enfatiza que embora desacreditado no meio

acadêmico, o sentido biológico de raça permanece vivo no senso comum e classifica

hierarquicamente segmentos sociais.

Além disso, a introjeção de uma história única contada pelos colonizadores e a

europeização do mundo moderno a partir da colonização que se estende até os tempos atuais

pela colonialidade é a estrutura que opera o racismo enraizado nas relações sociais do Brasil.

O racismo, de acordo com Albert Memmi (1993, p. 128) “é a valorização, generalizada e

definitiva, de diferenças, reais ou imaginárias, em proveito do acusador e em detrimento de

sua vítima, a fim de justificar os seus privilégios e a sua agressão”. O autor ressalta que, no

entanto, não é fácil uma definição sobre o conceito que contenha unanimidade.

Fanon (1980) nos explica que o racismo vulgar, primitivo, simplista, de

exploração brutal física, que buscou no biológico a base material da sua doutrina compreende

ao período anterior ao racismo atual, ao que denomina racismo cultural. Neste caso, o racismo

é um elemento cultural, dentro da perspectiva de que a cultura é o conjunto dos

comportamentos físicos e mentais que nascem do encontro do homem com a natureza e com

seus semelhantes. Assim, o objeto do racismo não é mais o homem em particular, mas a

forma de existir de um povo, ele torna-se a opressão sistematizada de um povo pela destruição

dos seus sistemas de referência: os valores culturais, a linguagem, o vestuário, suas formas de

82

existir, enfim.

Como doutrina, o racismo data do século XVI quando os espanhóis colocam à

missão civilizadora a sua superioridade natural em contraposição a perversidade dos índios,

que garante o aval à recriminação, ou correção, legitimando assim a missão do branco. “O

racismo do colonizador quer demonstrar a impossibilidade de incluir o colonizado numa

cidadania comum: porque ele seria muito diferente biológica e culturalmente; porque ele seria

incapaz, técnica e politicamente, etc.” (MEMMI, 1993. p. 121).

No Brasil, uma característica marcante do racismo, conforme já dissemos no

início, é a sua aparente invisibilidade que se dá via a ideologia da democracia racial, na qual

uma suposta igualdade entre as raças é destacada (GOMES, 2017). Esta invisibilidade impede

uma discussão séria e profunda sobre as relações étnico-raciais brasileiras e, pior, impede a

implementação de políticas públicas específicas para a população negra.

Concordamos com Santos (2007) que explica que passou a fazer parte do ethos

brasileiro a indiferença moral em relação à situação social das pessoas negras de forma que

nem ficamos constrangidos com a constatação das desigualdades raciais. É como se negros e

negras não existissem e não participassem da sociedade brasileira.

Esta indiferença se expande nas relações do cotidiano no interior das instituições

que vão reproduzir as práticas sociais corriqueiras, dentre as quais o racismo de forma

explícita ou em microagressões como piadas, silenciamento, isolamento etc., o que se

denomina “racismo estrutural”. Assim, sem nada fazer, quase que automaticamente, toda

instituição se torna uma correia de transmissão de privilégios e violências racistas e sexistas,

constituído o que se denomina “racismo institucional” (ALMEIDA, 2018). Ou seja, racismo

estrutural e racismo institucional estão diretamente ligados tendo em vista que “as instituições

são racistas porque a sociedade é racista (idem, p. 36).

Deste modo, o racismo institucional não se resume aos comportamentos

individuais, mas ao funcionamento das instituições que atuam em uma dinâmica que confere,

ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios a partir da raça (ALMEIDA, 2018).

Almeida (2018) explica que a primeira obra a usar o adjetivo institucional para se referir ao

racismo foi “Black Power: Politics of Liberation in America, de Charles V. Hamilton e

Kwame Ture. Os autores, nesta obra, propõem um rompimento com as análises que

restringiam o racismo a comportamentos individuais para compreender o racismo como “a

aplicação de decisões e políticas sobre considerações de raça com o propósito de subordinar

83

um grupo racial e manter o controle sobre esse grupo” (TURE, HAMILTON, 196763

apud

ALMEIDA, 2018, p. 33). O racismo institucional é menos evidente que o racismo individual,

ele “se origina na operação de forças estabelecidas e respeitadas na sociedade e, portanto,

recebe muito menos condenação pública do que o primeiro tipo64

” (idem, pp.33-34)

Figueiredo (2017) explica que os brasileiros estão convencidos da existência do

racismo, no entanto, na maioria das vezes, não acreditam que isto afeta profundamente a vida

daqueles que são discriminados, menos ainda acreditam que o racismo comprometa o

desempenho escolar das crianças e jovens negros, assim como as suas expectativas de vida e

escolhas profissionais. Assim, diz a autora, o Brasil é um país em que existe racismo, sem que

haja racistas, tendo em vista que o racismo é visto como algo abstrato, que não afeta a vida

real.

Essa mesma dificuldade ocorre com alguns acadêmicos e intelectuais brasileiros,

que têm enorme dificuldade em reconhecer o racismo institucional existente no

espaço universitário, como associado às práticas cotidianas que desqualificam ou

desestimulam a trajetória de acadêmicos negros (FIGUEIREDO, 2017, p. 96).

O racismo estrutural/institucional ao valorizar apenas as formas eurocêntricas de

conhecimento leva ao “racismo epistêmico” (NOGUEIRA, 2008; GROSFOGUEL, 2016;

MIGNOLO, 2017), ou seja, desde a colonização foi designada uma superioridade ao

conhecimento europeu, de modo que os conhecimentos subalternizados foram excluídos,

omitidos, silenciados e ignorados sob a justificativa de que tais conhecimentos representam

um saber mítico, inferior, pré-moderno e pré-científico do conhecimento humano (CÁSTRO-

GÓMEZ E GROSFOGUEL, 2007). Neste sentido, Grosfoguel (2016, p. 25) explica que

A inferiorização dos conhecimentos produzidos por homens e mulheres de todo o

planeta (incluindo as mulheres ocidentais) tem dotado os homens ocidentais do

privilégio epistêmico de definir o que é verdade, e que é a realidade e o que é melhor

para os demais. Essa legitimidade e esse monopólio do conhecimento dos homens

ocidentes tem gerado estruturas e instituições que produzem o racismo/sexismo

epistêmico, desqualificando outros conhecimentos e outras vozes críticas frente aos

projetos imperiais/coloniais/patriarcais que regem o sistema-mundo.

Santos (1999) e Carneiro (2005) compreendem o “racismo epistêmico” como um

63 HAMILTON, C. V.; KWAME, T.. Black Power: Politics os Liberation in America. Nova York: Random

House, 1967. 64

A obra de HAMILTON e KWAME citada por Almeida (2018, p. 34) traz um exemplo bem elucidativo acerca

da concepção do racismo individual e do racismo institucional: “Quando terroristas brancos bombardeiam uma

igreja negra e matam cinco crianças negras, isto é um ato de racismo individual, amplamente deplorado pela

maioria dos segmentos da sociedade. Mas quando nessa mesma cidade, quinhentos bebês negros morrem a cada

ano por causa da falta de comida adequada, abrigos e instalações médicas, e outros milhares são destruídos e

mutilados fisicamente, emocionalmente e intelectualmente por causa das condições de pobreza e discriminação,

na comunidade negra, isto é uma função do racismo institucional”.

84

“epistemicídio”, uma vez que o genocídio causado pela expansão europeia, além de eliminar

os povos considerados estranhos/diferentes, eliminou também as suas formas de

conhecimento porque eram sustentadas por práticas sociais desconhecidas por eles. Santos

considera o epistemicídio como um dos grandes crimes contra a humanidade porque além do

sofrimento e da devastação que produziu nos povos e nas práticas sociais, significou um

empobrecimento irreversível das possibilidades de conhecimento. O autor ainda explica que

O epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio porque ocorreu sempre que se

pretendeu subalternizar, subordinar, marginalizar ou ilegalizar práticas e grupos

sociais que podiam constituir uma ameaça à expansão capitalista ou, durante boa

parte do nosso século, à expansão comunista (neste domínio tão moderna quanto a

capitalista); e também porque ocorreu tanto no espaço periférico, extra-europeu e

extra-norte-americano do sistema mundial, como no espaço central europeu e norte-

americano, contra os trabalhadores, os índios, os negros, as mulheres e as minorias

em geral (étnicas, religiosas, sexuais) (SANTOS, 1999, p. 283).

Carneiro (2005) explica que o epistemicídio vai além da anulação e

desqualificação do conhecimento dos povos subjugados porque ele é um processo persistente

na produção da indigência cultural através da negação ao acesso à educação; pelos diferentes

mecanismos de deslegitimação do outro como portador e produtor do conhecimento e pela

desqualificação das formas de conhecimento desses povos. Assim, o epistemicídio sequestra a

capacidade de aprender porque nega a racionalidade de quem está subjugado e/ou porque lhe

impõe a assimilação cultural dos dominadores.

Autores da sociologia da ciência hegemônica como o polonês Ludwik Fleck

(2010), o francês Pierre Bourdieu (2003) e, de certa forma, até mesmo o estadunidense

Thomas Kuhn (1979) apresentam elementos que ajudam a compreender como a constituição

da ciência se deu a partir de interesses que estabeleceram as regras que privilegiam uma forma

de compreender o mundo em detrimento de outras e, assim, fizeram com que o eurocentrismo

ditasse as regras sobre todo conhecimento científico e cultural promovendo epistemicídios.

Fleck (2010) nos alerta que o processo de conhecimento representa a atividade

humana que mais depende das condições sociais, sendo o próprio conhecimento um produto

social por excelência. Ou seja, a ciência é uma instituição social que tem a sua dinâmica e

funcionamento como resultados de um processo histórico, cultural e social que apresenta uma

parte, de uma verdade, implicando na imposição de um “estilo de pensamento” que, além de

não levar em consideração o condicionamento cultural e histórico da suposta escolha

epistemológica, impõe um estilo de todo um conceito no qual convenções igualmente

possíveis não são tidas como equivalentes (FLECK, 2010).

85

Na prática, colonização europeia implicou não só na desconstrução societal dos

povos da África e América, mas impôs o seu “estilo de pensamento” reduzindo os saberes dos

povos colonizados à categoria de crenças ou pseudossaberes, desqualificando e

invisibilizando os saberes tradicionais, proporcionando a completa desconsideração do

pensamento filosóficos desses povos, voltando todo o mundo para uma visão eurocentrada de

ciência, cultura e filosofia, ou seja, a colonização europeia produziu o que, conforme já

apresentado, Nogueira (2011); Grosfoguel, (2016); Mignolo (2017) denominam racismo

epistêmico.

Para Grosfoguel (2016, p. 29) há quatro genocídios/epistemicídios que são partes

constitutivas das estruturas epistêmicas do sistema-mundo. São eles:

1. contra os muçulmanos e judeus na conquista de Al-Andalus em nome da “pureza

do sangue;

2. contra os povos indígenas do continente americano, primeiro, e, depois, contra os

aborígenes na Ásia;

3. contra africanos aprisionados em seu território e, posteriormente, escravizado no

continente americano; e

4. contra as mulheres que praticavam e transmitiam o conhecimento indo-europeu na

Europa, que foram queimadas vivas sob a acusação de serem bruxas.

Esses quatro genocídios/epistemicídios dos séculos XV e XVI trouxeram à tona a

criação do poder racial e patriarcal e as estruturas epistêmicas em escala mundial

emaranhadas com o processo da acumulação global capitalista (GROSFOGUEL, 2016). Desta

forma, Santos (2007b) coloca que o pensamento moderno ocidental é um “pensamento

abissal” uma vez que a realidade social é dividida por linhas radicais em dois universos

distintos “o deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”. Assim, o pensamento abissal

elimina definitivamente quaisquer realidades que se encontrem no “do outro lado da linha”

(SANTOS, 2007b, p. 73).

Este “estilo de pensamento” (FLECK, 2010) – abissal e bifurcado – não ocorre ao

acaso, mas é institucionalizado por meio das universidades, centros de pesquisa, escolas e as

sofisticadas linguagens técnicas da ciência, que tornam a exclusão simultaneamente racial e

inexistente ao considerar o que está do “outro lado da linha” como subumano e, portanto,

sequer candidatos à inclusão social. “A negação de uma parte da humanidade é sacrificial, na

medida em que se constitui a condição para que a outra parte da humanidade se afirme como

universal” (SANTOS, 2007b, p. 76).

86

Desta forma, o “campo científico65

” (BOURDIEU, 2003, p. 128), determina o que

tem e o que não tem valor na disputa científica, sendo que os dominantes são “aqueles que

conseguem impor uma definição de ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste

em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem”, ou seja, o “campo científico” é

legitimado na força relativa dos grupos dominantes que faz perpetuar um sistema que esteja

de acordo com seus interesses. Daí a imagem difundida pelo eurocentrismo de uma África,

conforme palavras de Hegel, “negra e selvagem”, construindo no imaginário popular que o

Egito não faz parte do continente africano (VIEIRA, 2012). Neste cenário, diz Grosfoguel

(2016, p. 43):

As universidades ocidentalizadas, desde o início, internalizaram as estruturas

racistas/sexistas criadas pelos quatro genocídios/epistemicídios do século XVI.

Essas estruturas eurocêntricas de conhecimento se tornam consensuais. Considera-se

normal haver homens ocidentais de cinco países que produzem o cânone de todas as

disciplinas daquela universidade. Não há um escândalo nisso, é tudo um reflexo da

naturalização das estruturas epistêmicas racistas/sexistas de conhecimento que

imperam no mundo moderno e colonial.

O que se percebe, portanto, é que o eurocentrismo reivindicou a si uma

universalidade que organizou a ciência moderna e, sob o pretexto da missão colonizadora,

procurou homogeneizar o mundo, suprimindo todas as práticas sociais do conhecimento que

contrariassem os interesses que ela servia (SANTOS; MENESES, 2010) a partir de um “estilo

de pensamento” (FLECK, 2010) legitimado pelo “campo científico” (BOURDIEU, 2003).

Grosfoguel (2016, pp. 26-27), no entanto, questiona

Como é possível que o cânone do pensamento em todas as disciplinas da ciências

sociais e humanidades nas universidades ocidentalizadas (GROSFOGUEL, 2012) se

baseie no conhecimento produzido por uns poucos homens de cinco países da

Europa Ocidental (Itália, França, Inglaterra, Alemanha e os Estados Unidos)?

Como foi possível que os homens desses cinco países alcançaram tal privilégio

epistêmico ao ponto de que hoje em dia se considere o seu conhecimento superior ao

do resto do mundo?

[...]

Como é possível que no século XXI, com tanta diversidade epistêmica existente no

mundo, estejamos ancorados em estruturas epistêmicas tão provincianas camufladas

de universais?

Para Kuhn (1979), embora o dogmatismo das consideradas ciências maduras

tenha alcançado uma adesão profunda a uma maneira particular de ver o mundo e praticar a

ciência, tal adesão pode ser, e é, de tempo em tempos, substituída por outra, ainda que não

65 Campo científico é o espaço de jogo de uma luta concorrencial em que o que está em jogo é o monopólio da

autoridade científica, compreendida como a capacidade de falar e de agir legitimamente (BOURDIEU, 2003).

87

possa ser abandonada. Para o autor, uma “anomalia”, ou seja, uma quebra nas regras do jogo

preestabelecido é o início para uma inovação científica importante, a fim de que se ajuste ao

paradigma vigente ou, se isso for impossível, justifique a proposição de um novo paradigma.

No entanto, na perspectiva da decolonialidade, não se trata de ajuste ou

substituição de um novo paradigma nos termos de Kuhn, mas do surgimento de paradigmas

outros, em outras palavras, trata-se de um movimento de descobrimento e de revalorização

das teorias e epistemologias do Sul (BALLESTRIN, 2013 apud MIGNOLO, 2003) e, neste

sentido, temos caminhado para a proposição de um novo paradigma que transcenda o

eurocentrismo a partir de uma interculturalidade crítica.

Isto porque, percebemos que o processo de colonização resultou em uma

sociedade esvaziada de si própria, de culturas espezinhadas, de terras confiscadas, de religiões

assassinadas, de grandezas artísticas aniquiladas, de possibilidades suprimidas (CÉSAIRE,

1978). Ou seja, o colonizador é um usurpador que ao chegar em terras desconhecidas,

conseguiu não apenas um lugar, mas tomar a do habitante legítimo, e outorgar-se privilégios e

direitos pela subversão das normas vigentes e ainda que haja alguns privilégios entre os

colonizados, são sempre menores que o do colonizador (MEMMI, 1978).

O racismo, portanto, é uma construção social que cria categorias dialéticas em

que, tanto o negro como o indígena como categorias de classificação racial, só existem em

relação com o outro, o branco. Desta forma, uma vez que se fala e estuda a “negritude”, é

preciso também que se fale e estude sobre a branquitude. Guerreiro Ramos, já em 1957,

sustentou que teorias sobre relações raciais no Brasil são na verdade uma “sociologia do

negro brasileiro” (RAMOS, 1995[1957]c, pp. 163-211, SOVIK, 2004ª, pp. 363-386) porque

não se fala, de fato, sobre relações raciais, trata-se de uma abordagem unilateral, feita muitas

vezes por prestigiados pesquisadores brancos preocupados em analisar o “problema do

negro”.

Em função disso, diversos autores e autoras, geralmente negros e negras,

trouxeram à tona um termo que diga respeito à identidade racial branca, ou seja, uma vez que

a negritude se refere ao pertencimento étnico-racial do negro, a branquitude é a pertença

étnico-racial atribuída ao branco (CARDOSO, 2011; SCHUCMAN, 2012).

A palavra branquitude no Brasil surge como neologismo da palavra negritude

numa ironia a Gilberto Freire (1962) que na sua obra “Casa-Grande & Senzala” coloca que

não é preciso, mas a ideia de se problematizar o branco vem com Guerreiro Ramos que em

1957 coloca a branquitude como objeto de análise sociológica necessária para o entendimento

88

do racismo e das situações adversas em que os negros estão expostos.

É nesse sentido que a discussão sobre a branquitude é tão importante, porque por

muito tempo as questões raciais estiveram focadas apenas na negritude, ou seja, na população

negra, ignorando-se o fato que as condições do povo negro foram assim designadas em um

processo dialético do qual a população branca não pode se esquivar, uma vez que, sob a

crença racista de raça superior, escravizou, dominou, subjugou, aculturou e, com o fim da

escravidão, deixou a população negra à sua própria sorte à margem da sociedade o que reflete

em desigualdades raciais até os dias atuais.

Ao ignorar a branquitude, coloca-se nas discussões sobre relações raciais que as

desigualdades existem pelo legado histórico da escravidão, no entanto, isto acaba aparecendo

como um legado inerte de um passado no qual os brancos parecem ter estado ausentes, ou

seja, os brancos não se reconhecem como parte absolutamente essencial na permanência das

desigualdades raciais no Brasil, reiterando que estas constituem um problema exclusivamente

do negro, que é sempre problematizado, estudado, dissecado para compreensão das relações

raciais (BENTO, 2002).

É a partir destas reflexões que o termo branquitude passou a fazer parte das

pesquisas e entrou na discussão do movimento negro. No Brasil, o termo foi usado pela

primeira vez por Gilberto Freyre em oposição a “negritude”, ressaltando, entretanto, que não

se precisava de um ou outro termo, uma vez que a miscigenação fez do Brasil uma

“democracia racial”66

. Mas o uso, no entendimento que estamos mostrando, foi feito pela

primeira vez por Guerreiro Ramos que utilizou o termo “brancura” no sentido de branquitude.

Entretanto, assim como tantos outros termos, “branquitude” se constrói e reconstrói histórica

e socialmente no decorrer do tempo (CARDOSO, 2011).

Assim, branquitude vem sendo compreendida por alguns autores67

como uma

identidade branca que busca romper com os privilégios e nega a supremacia branca numa

reflexão a partir da própria experiência como branco que pode levar a uma ação política

antirracista. Em contrapartida a “branquidade” diz respeito a uma identidade social e cultural

66 Democracia racial é a ideia de que a sociedade brasileira foi concebida sob relações harmônicas entre

colonizador e colonizado, senhor e homem escravizado. Aparece pela primeira vez em textos do século XIX, no

“Abolicionismo” de J. Nabuco. Entretanto, foi Gilberto Freyre que eternizou a ideologia da democracia racial na

sua Obra Casa Grande e Senzala de 1933 (1ª edição).

67 Edith Piza no seu artigo “Adolescência e Branquitude” apresentado em 2005 e Camila Moreira de Jesus

endossam as novas concepções no artigo “Branquitude X Branquidade: uma análise conceitual do ser branco”,

apresentado em 2012.

89

não demarcada racialmente e voltada para os valores do próprio grupo social e que geralmente

incorpora os traças do racismo, ainda que inconscientemente. A branquidade apresenta-se

para os negros como uma barreira para a construção de uma identidade racial positiva

(negritude) uma vez que coloca como modelos de humanidade positivas apenas pessoas

brancas (PIZA, 2005).

A branquidade se dá por um processo de acumulação de vazios e silêncios sobre o

outro, até que sejamos obrigados a nos defrontar com ele. Só então o preconceito e a

discriminação podem se manifestar como elementos da sociedade e da cultura.

Antes disso, o outro não existe, ou sua existência é totalmente irrelevante (PIZA,

2005, s/p.)

Portanto, as identidades raciais que legitimam as relações raciais, e se colocam

como parte de um processo que é necessariamente dialógico, são concebidas como

branquitude e negritude e, assim definidas, significam a compreensão por ambas as partes de

que a escravidão por quase 400 anos e o racismo persistente se dá pela presença de dois atores

– o branco e o negro ou o branco e o indígena, no qual, em ambos os casos, o primeiro detém

até os dias atuais os privilégios do trabalho do segundo, que em consequência continua em

situação de desvantagem socioeconômica em relação ao branco.

Compreendemos a diferença entre branquitude e branquidade, na qual o primeiro

termo se coloca numa postura crítica diante das desigualdades raciais, no entanto, apesar

disso, ambas, branquitude e branquidade, apesar de posturas diferentes, associam-se e se

privilegiam do prestígio social, econômico e político e ligam profundamente os modos de

funcionamento do racismo no Brasil às hierarquias raciais de outras sociedades fundadas no

colonialismo europeu. Assim, explica Laborne (2014), a branquitude e branquidade enquanto

esse lugar de poder articula-se nas instituições (universidades, empresas, organismos

governamentais etc.) que são por excelência reprodutoras e mantenedoras do quadro das

desigualdades raciais.

No entanto, a análise sobre a branquitude e o conhecimento no Brasil, não pode

deixar de considerar a dimensão da mestiçagem que acarreta maior complexidade para o

entendimento das relações raciais e de poder. É preciso, portanto, compreender como a

política de branqueamento a partir da mestiçagem corroborou na construção dos significados

culturais que a branquitude forjou em nossa cultura desde o período colonial e continua

operando nos tempos atuais marcada pela colonialidade do poder e do saber, na perspectiva

abordada por Quijano (2010) e Santos (2008) (LABORNE, 2014, p. 156).

90

2.2. Colonialidade do poder, do ser e do saber – Pós Colonialismo e

Decolonialidade

Ao longo deste capítulo buscamos demonstrar os traços coloniais que

permanecem apesar do fim da colonização política e jurídica. Mostramos como o racismo se

estruturou a partir da concepção biológica de raça que dividiu a sociedade entre brancos,

negros, amarelos e indígenas de forma hierárquica, na qual os brancos se mantém em situação

de privilégio, no que se denomina branquitude e branquidade.

Isto porque, o colonial vai além do período colonialista e impute situações de

opressão diversas, definidas a partir de fronteiras étnico-raciais, sexual ou de gênero,

econômica, espiritual, epistemológica, pedagógica, linguística, cultural (COSTA, 2006;

GROSFOGUEL, 2012), entretanto, conforme já dissemos, a colonialidade do poder tem a

raça e o racismo como princípio organizador que estrutura todas as múltiplas hierarquias do

sistema-mundo (GROSFOGUEL, 2009)

Assim, com o fim da colonização os países tornam-se “Estados independentes e

sociedades coloniais” (QUIJANO, 2005, p. 134). O Século XVI lançou uma nova matriz de

poder colonial que, os finais do século XIX, já havia se alastrado para todo o planeta

(GROSFOGUEL, 2008). Com o fim da colonização a pequena minoria branca –

branquidade/branquitude – no controle dos Estados agora independentes não tinha nenhum

interesse social comum com indígenas, negros e mestiços, uma vez que seus interesses,

amparados nos seus privilégios compunham-se no domínio e na exploração dessas gentes,

estando, portanto, muito mais próximos dos interesses dos europeus, o que levava a

aristocracia branca a seguir os interesses da burguesia europeia, ou seja, havia uma

dependência histórico-estrutural. Dessa forma, não havia nenhum interesse nacional comum a

todas as gentes que compunham os países (QUIJANO, 2005). De acordo com Figueiredo

(2017), no Brasil, a independência sem decolonialização manteve os negros e indígenas

excluídos, explorados, marginalizados e segregados dos espaços de poder social, cultural,

econômicos, político e educativo.

A dependência dos senhores capitalistas não provinha de uma subordinação

nacional, mas como consequência de interesses raciais que impediu o Brasil de desenvolver

seus interesses sociais na mesma direção que os europeus, isto é, transformar capital

comercial em capital industrial. A industrialização veio apenas durante a crise econômica

mundial nos anos 30, quando a burguesia foi forçada a produzir localmente os bens que

91

serviam para seu consumo ostentador e que antes tinham que importar. “A industrialização

através da substituição de importações é, na América Latina, um caso revelador das

implicações da colonialidade do poder” (QUIJANO, 2005, p. 135).

Desde então, os países da América Latina, no qual se inclui o Brasil, estiveram

ocupados na tentativa de avançar no caminho da nacionalização das sociedades e dos Estados,

mas ainda não é possível encontrar nenhum país latino-americano plenamente nacionalizado,

nem tampouco um genuíno Estado-nação (QUIJANO, 2005). Isto porque as independências

no terceiro mundo, nos últimos cem anos, nunca mexeram nas hierarquias globais criadas ao

longo dos mais de quatro séculos de colonização europeia no mundo. De tal modo, a ideia de

que cada Estado é “soberano” porque decide sobre seu destino histórico, podendo agir com

liberdade independente das relações de força política e econômica do sistema-mundo

capitalista68

, é um dos mitos mais importantes da modernidade capitalista – “o mito da

independência dos Estados periféricos” (GROSFOGUEL, 2012, p. 347) que nos coloca num

período de colonialidade global.

A noção de “colonialidade do poder” aponta que o colonialismo foi a condição

sine qua non de formação da modernidade e que a raça e o racismo se constituem como

princípios organizadores da acumulação de capital em escala mundial e das relações de poder

do sistema-mundo (BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016). Atenta ainda que o

mundo não foi completamente descolonizado. A descolonização foi incompleta porque se

limitou a independência jurídico-política dos países periféricos. A segunda descolonização – a

qual aludimos com a categoria decolonialidade – dirige-se a heterarquia, ou seja, na ausência

de um controle centralizado vertical, das múltiplas relações raciais, étnicas, sexuais,

epistêmicas, econômicas e de gênero que a primeira descolonização deixou intactas. Como

resultado, o mundo do século XXI necessita de uma decolonialidade que complemente a

descolonização dos séculos XIX e XX. “En pocas palabras: necesitamos avanzar hacia lo

que el sociólogo griego Kyriakos Kontopoulos denomino pensamiento heterárquico69

(1993)”

(CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p. 18).

68 Grosfoguel (2009, 2012) considera que diferente do que propõe a economia marxista ortodoxa, o capitalismo

histórico desde seu começo, no século XVI, tem sido um sistema mundial que engloba outras categorias sendo,

portanto, um “sistema mundo europeu/norte-americano moderno capitalista colonial/patriarcal”.

69 O pensamento heterárquico tem como objetivo conceitualizar as estruturas sociais com uma nova linguagem

que transpassa o paradigma da ciência social eurocêntrica herdada desde o século XIX (CASTRO-GÓMEZ;

GROSFOGUEL, 2007).

92

A colonialidade do poder70

, portanto, exprime a ideia de que as relações coloniais

nas esferas econômica e política não findaram com o fim do colonialismo. Mas a

colonialidade se estende ainda para outros âmbitos e se reproduz em uma tripla dimensão: do

poder, do ser e do saber.

Conforme já dissemos, a colonialidade liga-se diretamente à hierarquia racial,

tendo em vista que raça e racismo são os princípios organizadores da estrutura do sistema-

mundo. Assim, ao espaço e à experiência, a “colonialidade do ser refere-se ao processo pelo

qual o senso comum e a tradição são marcados por dinâmicas de poder de caráter preferencial:

discriminam pessoas e tornam por alvo determinadas comunidades” (MALDONADO-

TORRES, 2008, p. 96). Compreender a colonialidade do ser implica em reconhecer a

experiência da colonização no tocante à perseguição das diferentes subjetividades.

Um diagnóstico crítico da topologia europeia do ser deve trazer nitidez ao que

permaneceu invisível até agora e desvendar como funcionam as categorias da condenação, por

exemplo, do negro, do judeu e/ou do muçulmano. Essa invisibilidade é fruto da terceira

dimensão da colonialidade, a colonialidade do saber (idem).

A colonialidade do saber atua como uma hierarquia epistêmica global e é traço de

extrema importância na construção do colonialismo global. Construída desde 1492 pelos

processos colonizadores, é fundamental porque determina quais conhecimentos são válidos e

quais não são, a partir de uma ‘geopolítica do conhecimento’71

, na qual se torna

imprescindível o “de que lugar” se está pensando, uma vez que é esta geopolítica que

condiciona as experiências que se viabilizam e as que se inviabilizam (GROSFOGUEL,

2012). A colonialidade do saber se relaciona diretamente a uma “geopolítica racista do

conhecimento” (MALDONADO-TORRES, 2008 p. 108) – racismo epistêmico/epistemicídio,

uma vez que legitima apenas as epistemologias eurocêntricas, que são, portanto, uma lógica

fundamental para a reprodução da colonialidade do saber. Importante ressaltar que

compreendemos Eurocentrismo como uma

uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa

Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são

sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou

mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa

burguesa. Sua constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do

pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder

capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América.

Não se trata, em conseqüência, de uma categoria que implica toda a história

70 Conceito desenvolvido originalmente por Aníbal Quijano em 1989 (BALLESTRIN, 2013).

71 Conceito definido pelo filósofo latino-americano Enrique Dussel (1977).

93

cognoscitiva em toda a Europa, nem na Europa Ocidental em particular. Em outras

palavras, não se refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em

todas as épocas, mas a uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento

que se torna mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as

demais, prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na

Europa como no resto do mundo. [conforme original] (QUIJANO, (2005, p. 126)

Neste contexto, o eurocentrismo, como epistemologia dominante, reduziu a

diversidade cultural e impôs como verdadeira e válida apenas a perspectiva paradigmática que

vê a Europa como origem única dos significados (VIEIRA, 2012), eliminando da reflexão

científica, o contexto cultural e político da produção e reprodução do conhecimento sob a

égide de neutralidade e/ou rigor científico (SANTOS; MENESES, 2010). Assim sendo, o

sujeito que produz conhecimento está sempre encoberto para produzir a ideia de

universalidade e neutralidade pelo ocultamento do lugar de quem fala e sua localização

epistêmica nas estruturas de poder (FIGUEIREDO, 2017). Santiago Castro-Gomez (2003

apud FIGUEIREDO, 2017) chamou isto de epistemologia do “ponto zero”. “O “ponto zero” é

o ponto de vista que esconde e encobre seu próprio ponto de vista particular, isto é, a

construção de um ponto de vista que representa a si mesmo como não tendo nenhum ponto de

vista e, portanto, almeja ser neutro universal.” (idem, p. 94).

Esta estratégia epistêmica coloca a perspectiva particular do homem branco sem,

no entanto, evidenciar esta localização, recorrendo na crença de que este pensa fora de um

corpo, de um tempo e um espaço, sob um suposto universalismo que se ergue como a norma

universal de produção de conhecimentos e, portanto, é utilizada como referência para todas as

outras formas de produzir conhecimentos. Isto tem sido crucial para os desenhos

imperiais/globais ocidentais e para a hegemonia europeia/euro-norte-americana. De acordo

com Figueiredo (2017) é por meio deste encobrimento da localização particular do sujeito de

enunciação que se tornou possível a expansão e a dominação colonial europeia/euro-norte-

americana, e o poder das elites euro-latino-americanas que acabaram por construir uma

hierarquia do conhecimento superior versus conhecimento inferior e, portanto, de seres

superiores versus seres inferiores no mundo. Com isso, diz a autora, passamos “de povos sem

escrita no século XVI a povos sem história no século XVIII, a povos sem civilização no

século XIX, a povos sem desenvolvimento em meados do século XX e, agora, a povos sem

democracia no início do século XXI” (idem, p. 93).

De tal modo, os autoconsagrados ‘seres superiores’ buscam invisibilizar a

diversidade epistemológica existente. Carneiro (2005) explica que atualmente o epistemicídio

se manifesta no discurso que coloca em oposição o discurso militante do discurso acadêmico,

94

em que o pensamento do ativismo negro é tratado como fonte de saber, mas é desqualificado

como fonte de autoridade do saber e interlocução sobre o negro, enquanto é legitimado o

discurso do branco sobre o negro. Em outras palavras, “qualquer demanda de acadêmicos

negros que reivindique sua própria geopolítica e corpo-política do conhecimento é

imediatamente rechaçada pela grande maioria dos universitários brancos como uma

perspectiva particular e parcial” (FIGUEIREDO, GROSFOGUEL, 2007, p. 38).

A crítica a esta hierarquia epistêmica global fez emergir os estudos pós-coloniais

que buscam “o esforço de esboçar, pelo método da desconstrução dos essencialismos, uma

referência epistemológica crítica às concepções dominantes da modernidade” (COSTA, 2016

p. 117). Esta crítica é encontrada com muita nitidez na obra “Orientalismo72

”, do palestino

Edward Said73

, considerada como um dos textos fundadores dos estudos pós-coloniais.

Publicada em 1978, nela o autor denuncia a relação de poder e de dominação em variados

graus de uma complexa hegemonia do Ocidente sobre o Oriente. De acordo com Said (1990)

o orientalismo é o modo pelo qual a experiência ocidental europeia compreende o Oriente.

O Oriente não está apenas adjacente à Europa; é também onde estão localizadas as

maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, a fonte das suas civilizações e

línguas, seu concorrente cultural e uma das suas mais profundas e recorrentes

imagens do Outro (SAID, 1990, p. 13).

Esta obra traz em seu cerne a crítica à concepção dominante da modernidade. Ela

aponta como o “orientalismo” traz em si uma distinção binária entre Ocidente e Oriente, e a

ideia de superioridade da identidade europeia em comparação com os povos e culturas não-

europeus, ou seja, o orientalismo é um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter

autoridade sobre o Oriente. Said denuncia o imperialismo presente nas metanarrativas da

modernidade demonstrando como as teorias de renomados intelectuais como Ernest Renan,

Edward William Lane, Gustave Flaubert, Karl Marx, etc. estão permeadas de doutrinas de

superioridade europeia, vários tipos de racismo, visões dogmáticas do “oriental” como um

lugar que precisava de atenção, reconstrução e até mesmo da redenção ocidental.

Tomamos como ilustração Marx, para quem o Oriente, como material humano,

72 Do início do Século XIX até o final da Segunda Guerra, a França e a Inglaterra dominaram o Oriente e o

orientalismo; desde a Segunda Guerra os Estados Unidos têm dominado o Oriente, e o abordam do mesmo modo

que a França e a Inglaterra o fizeram outrora.

73 Said explica que a motivação para este trabalho deve-se à sua consciência de ser um “oriental” que cresceu em

duas colônias britânicas (Palestina e Egito) e depois nos Estados Unidos, no qual teve uma educação ocidental.

Assim, o estudo do orientalismo foi uma tentativa de inventariar em si o oriental, os traços dessa cultura cuja

dominação foi um fator tão poderoso na vida de todos os orientais.

95

era menos importante que como um elemento em um projeto redentor romântico, uma vez que

as suas concepções socioeconômicas teóricas são abafadas pela imagem de uma Inglaterra

regeneradora, ainda que a humanidade de Marx e a sua solidariedade pela miséria do povo

estejam envolvidas. Diz o autor:

Ora, por revoltante que deva ser para o sentimento humano

testemunhar essas miríades de organizações sociais patriarcais e inofensivas

desorganizadas e dissolvidas em suas unidades, atiradas em um mar de infortúnios, e

os seus membros individuais perdendo ao mesmo tempo a sua antiga forma de

civilização e os seus meios hereditários de subsistência, não devemos esquecer que

essas idílicas comunidades de aldeia, por inofensivas que possam parecer, sempre

foram a sólida fundação do despotismo oriental, que elas restringiam a mente

humana ao menor compasso possível, transformando-a no instrumento dócil da

superstição, escravizando-a sob as regras tradicionais, privando-a de toda grandeza e

energia histórica. [...]

A Inglaterra, é verdade, ao causar uma revolução social no Indostão,

foi movida apenas pelos interesses mais vis, e estúpida em sua maneira de pô-los em

prática. Mas essa não é a questão. A questão é: pode a humanidade cumprir o seu

destino sem uma revolução fundamental no estado social da Ásia? Se não, quaisquer

que tenham sido os crimes da Inglaterra, ela foi o instrumento inconsciente da

história ao dar origem àquela revolução.

Então, qualquer que seja a amargura que o espetáculo do desmoronamento de um

antigo mundo possa provocar em nossos sentimentos pessoais, temos o direito, no

tocante à história, de exclamar com Goethe: “Deveria essa tortura atormentar-nos

Posto que nos traz maior prazer?

Não foram, pelo governo de Timur,

As almas devoradas sem medida?” (MARX74

, 1973 apud SAID, 1990

pp.161-162)

Grosfoguel (2012) explica que essa visão se dá porque o marxismo eurocentrado

não escapa às dinâmicas coloniais e por isso a importância de reconhecermos que vivemos em

um mundo no qual as relações entre culturas se realizam verticalmente, isto é, entre

dominados e dominadores, entre colonizados e colonizadores. E, neste sentido, a obra de Said

lança luz ao projeto imperial europeu, seguido num segundo momento pelos Estados Unidos,

no qual a dominação dá-se também pelo silenciamento do outro, da cultura, das tradições, na

qual a colonização não apenas destrói pela violência física, mas também pela simbólica ao

colocar o outro como ponto para apregoar uma diferença que acaba por determinar as

desigualdades.

O triunfo desta corrente orientalista, diz Said, está no novo imperialismo dos

Estados Unidos, no qual o mundo árabe é hoje seu satélite intelectual, político e cultural, tanto

pelas universidades do mundo árabe que são geralmente administradas de acordo com o

74 MARX, K.. Surveys from exile. Londres: Pelicam Book, 1973

96

padrão herdado pela experiência colonial, como pela busca dos estudantes e professores

orientais em estudar com os orientalistas estadunidenses para mais tarde repetir os dogmas

orientalistas das suas experiências para as suas audiências locais. Este triunfo deve-se ainda

ao consumismo do Oriente, em que os árabes são “consumidores altamente diversificados de

uma vasta de gama de produtos americanos, materiais e ideológicos” [grifo nosso] (SAID,

1990, p. 329).

A abordagem pós-colonial traz em seu cerne a crítica a este processo de produção

do conhecimento científico que privilegia modelos e conteúdos eurocêntricos – e atualmente

também estadunidense – e, portanto, busca produzir uma outra lógica da relação colonial e

imperialista.

Stuart Hall, jamaicano que viveu e atuou no Reino Unido, amplia o debate sobre o

imperialismo europeu dentro de uma perspectiva pós-colonial. O autor examina a ideia de

“West/Rest” e busca mostrar a relação assimétrica entre o “Ocidente e o Resto”. Neste

cenário, o conceito de “Ocidente” acaba adquirindo um sentido polissêmico porque, além de

se relacionar a questões geográficas de localização, da forma como é tratado pela visão

eurocêntrica, torna-se um conceito histórico e não geográfico75

à medida que se emprega

“Ocidente” para designar um tipo de sociedade, um nível de desenvolvimento e assim por

diante. Este segundo significado se originou na Europa Ocidental, no entanto, o “Ocidente”

não se limita mais apenas à Europa, e nem toda a Europa se encaixa geográfica

ideologicamente no “Ocidente” (HALL, 1996).

Para o autor, “Ocidente” e “moderno” são categorias ideológicas que têm o

mesmo significado porque condensam uma série de características em uma mesma imagem:

urbano, desenvolvido, industrial... Assim como Said, Hall investiga obras de autores

fundadores das ciências humanas como Karl Marx e Max Weber e encontra traços de

pressupostos “orientalistas”, ou seja, ambos os modelos fornecem evidências de que o

discurso de “o Ocidente e o Resto” ainda opera em algumas categorias conceituais, como as

oposições extremas, simples e amplas, e os dualismo teóricos da sociologia moderna.

Desta forma, para Stuart Hall (200376

apud BERNARDINO-COSTA;

GROSFOGUEL, 2016) o pós-colonial é uma abordagem crítica que se propõe a superar a

75 “the West” is a historical, not a geographical, construct. (HALL, 1992, p. 186)

76 HALL, S.. Quando foi o pós-colonial? Pensando no limite. In: HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e

mediações culturais, p. 101-131. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

97

crise de compreensão produzida pela incapacidade dessas antigas teorias e categorias de

explicar o mundo. Assim, o que difere o pós-colonialismo é a capacidade de fazer uma

releitura da colonização, bem como do tempo presente a partir de uma escrita descentrada das

grandes narrativas imperiais do passado.

Vieira (2012) dialoga com esta ideia e discute que a construção eurocêntrica

bifurcou o mundo em o “ocidente e o resto” e organizou a linguagem do dia-a-dia em

hierarquias binárias que implicitamente favoreceram a Europa: nossas nações, as tribos dele;

nossas religiões, as superstições deles; nossa cultura, o folclore deles; nossa arte, o artesanato

deles; nossa defesa, o terrorismo deles.

Os autores pós-coloniais buscam, portanto, mostrar que a polaridade West/Rest

arquitetada principalmente pelos processos de colonização, constrói uma relação assimétrica

irreversível entre o Ocidente e o Oriente, conferindo ao primeiro uma superioridade que não é

circunstancial, mas ontológica e total, imutável e essencializada. Esta identificação do viés

colonialista no processo de produção do conhecimento é o que melhor define o prefixo “pós”

do termo pós-colonial (COSTA, 2006).

Para Ballestrin (2013) do termo “pós-colonialismo” depreendem-se dois

entendimentos: i. tempo histórico posterior aos processos de descolonização; e, ii. um

conjunto de contribuições teóricas oriundas principalmente dos estudos literários e culturais.

Ainda de acordo com a autora (p. 91)

O argumento pós-colonial em toda sua amplitude história, temporal, geográfica e

disciplinar percebeu a diferença colonial e intercedeu pelo colonizado. Em essência,

foi e é um argumento comprometido com a superação das relações de colonização,

colonialismo e colonialidade.

Para a desconstrução da dicotomia “Ocidente/Oriente” ou “West/Rest”, os estudos

pós-coloniais buscam mostrar que estes termos correspondem a construções mentais sem

correspondência empírica, buscam ainda pela reinterpretação da história moderna a fim de

reinscrever o colonizado na modernidade, não como o outro, sinônimo de atraso, mas como

parte constitutiva essencial daquilo que foi construído discursivamente como moderno

(COSTA, 2006).

Para Santos (2004) o pós-colonialismo é um conjunto de correntes teóricas e

analíticas, com forte ligação com os estudos culturais, mas hoje presentes em todas as ciências

sociais que têm em comum o fato de darem preferência teórica e políticas às relações

desiguais entre o Norte e o Sul (geopolítica do conhecimento) na explicação e/ou

98

compreensão do mundo contemporâneo. Diferente de Hall, Santos divide a geopolítica do

conhecimento entre Norte e Sul e explica que as diferenças entre estes polos foram

construídas historicamente pelo colonialismo e o fim deste, enquanto relação política, não

acarretou no fim do colonialismo nas relações sociais, nas mentalidades e formas de

sociabilidades marcadas pelo autoritarismo e discriminação.

Entretanto, apesar da longa história colonial e as consequências que moldam as

sociedades na América Latina, a mesma não se figura no campo dos estudos pós-coloniais,

nem na referência de autores como Homi Bhabha, Edward Said e Gauatri Spivak, nomes

expressivos do campo acadêmico pós-colonial, nem com a participação de intelectuais latino-

americanos na construção do paradigma pós-colonial (BERNARDINO-COSTA;

GROSFOGUEL, 2016).

Além disso, Castro-Gómez e Grosfoguel (2007) atentam que os estudos pós-

coloniais caracterizam o sistema-mundo moderno como um sistema de significações culturais

que se sobrepõe às relações econômico-políticas, no entanto, devemos entender que o

capitalismo não é apenas um sistema econômico, nem apenas um sistema cultural, mas uma

rede global de poder. Daí a necessidade de desenvolver uma nova linguagem que abarque os

complexos processos do sistema-mundo capitalista/patriarcal moderno/colonial sem depender

das ciências sociais do século XIX. Para os autores do pensamento decolonial era preciso

encontrar novos conceitos que dessem conta da complexidade das hierarquias de gênero, raça,

classe, sexualidade, conhecimento e espiritualidade dentro dos processos geopolíticos,

geoculturais e geoeconômicos do sistema-mundo.

Desse cenário emerge, no final do Século XX, a rede de pesquisadores da

decolonialidade que lançou outras bases e categorias interpretativas da realidade a partir das

experiências da América Latina. A articulação desta ideia, com o conceito de colonialidade,

foi formulada de maneira explícita por Immanuel Wallerstein (1992). Anibal Quijano, na

sequência, passou a nomear o conceito como colonialidade do poder (BERNARDINO-

COSTA; GROSFOGUEL, 2016). Contudo, Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016) explicam

que já era possível encontrar a ideia de “colonialidade” na tradição do pensamento negro em

autores e autoras como W. E. B. Du Bois, Oliver Cox, Frantz Fanon, Cedric Robinson, Aimé

Césaire, Eric William, Angela Davis, Zora Neale Huston, Bell Hooks etc..

Fanon, em sua obra “Os condenados da terra”, embora discuta o processo de

descolonização político jurídico, abarca a necessidade de descolonizar também as ideias e os

valores. O autor explica que

99

a violência com que se afirmou a supremacia dos valores brancos, a agressividade

que impregnou o confronto vitorioso desses valores com os modos de vida ou de

pensamento dos colonizados fazem com que, por uma justa reviravolta das coisas, o

colonizado ria com escárnio antes a evocação de tais valores. [...] No período de

descolonização a massa colonizada zomba desses mesmos valores, insulta-os,

vomita-os” (FANON, 1969, p. 32).

Para o autor (FANON, 1969), se a descolonização acontece sem ser abalada

suficientemente pelas lutas de libertação, mantendo os mesmos intelectuais ardilosos, as

normas de conduta e as formas de pensamento acumuladas na convivência com a burguesia

colonial continuarão intactas de forma que “meninos mimados ontem pelo colonialismo, hoje

pela autoridade nacional” (p. 36) erguem-se por meio dos roubos legais e, doutrinalmente,

proclamam a necessidade imperiosa de nacionalizar o roubo da nação.

Conceitualmente, a decolonialidade se diferencia e supera a descolonização

porque enquanto a última indica a superação do sistema colonial, a ideia de decolonialidade

procura transcender a colonialidade, a face da modernidade que opera, apesar do fim da

colonização, em um padrão de poder mundial que inclui a colonialidade do poder, do ser e do

saber (GALLAS, MACHADO, 2013).

Tendo em vista este cenário, o projeto decolonial reconhece a dominação colonial

nas margens externas aos impérios (nas Américas, no sudeste da Ásia, na África), e reconhece

também a dominação colonial dentro dos impérios, por exemplo, o negro e os latinos nos

Estados Unidos e os negros e indígenas no Brasil. Essa diferença colonial nas fronteiras

internas dos impérios foi conceituada por Pablo Conzales Casanova de “Colonialismo

Interno” em que, sobretudo, o eixo racial estabelece uma divisão de privilégios, de

experiências e de oportunidades diferentes entre negros, indígenas e brancos, tal como é

perceber nas relações raciais do Brasil.

A decolonialidade representa, portanto, um giro epistemológico a fim de construir

e reconstruir as particularidades perdidas pelo violento processo de colonização. Isto porque a

elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de

conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão

mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado – colonialidade do saber

(QUIJANO, 2005).

Maldonado-Torres (2008) explica que os conceitos de colonialidade do poder, do

saber e do ser seguem o radicalismo de Fanon, no entanto, também podem vir a se tornar

problemáticos se não derem espaço à enunciação de cosmologias não-ocidentais e à expressão

100

de diferentes memórias culturais, políticas e sociais, ou seja, a crítica radical deve assumir

formas dialógicas e uma crítica das raízes que inibem o diálogo e a formulação de uma

geopolítica do conhecimento decolonial e não-racista. Mignolo (2007) vai além e explica que

a coexistência do conceito decolonial não deve ser tomado como uma deslegitimação das

ideias críticas europeias ou das ideias pós-coloniais, mas coloca que a opção decolonial é

epistêmica, ou seja, ela retira do centro hegemônico os fundamentos genuínos dos conceitos

ocidentais de acumulação do conhecimento.

Santos (2007) explica que a nossa compreensão de mundo é ainda hoje uma

compreensão ocidental do mundo e, portanto, precisamos de uma revolução epistemológica,

outros olhares, outros sentidos que nos permitam captar a diversidade a partir de uma

“sociologia das ausências”77

(p. 178), a partir do que o autor chama de “Epistemologias do

Sul” (p.176) porque o sul simboliza o sofrimento humano causado pelo capitalismo global.

E essa epistemologia do Sul tem que ser construída, porque não podemos confiar na

epistemologia do Norte. A epistemologia do Norte, que ainda hoje domina as nossas

universidades, que ainda hoje domina o nosso saber, é uma epistemologia que, de

algum modo, ainda está fechada dentro de si mesma. Nós não podemos esquecer que

as teorias, por exemplo, sociológicas e antropológicas, foram criadas em quatro ou

cinco países do Atlântico Norte no século 19 e a partir daí ousaram a se considerar

universais e são elas que ainda estudamos e repetimos, quando de fora delas ficou

toda a experiência do mundo, que ainda hoje é muito mais diversa e que, na altura,

não contava, porque esse outro mundo, essa outra grande diversidade da América

Latina, da África, da Ásia, na altura, eram colônias, estavam incluídas dentro desse

imaginário europeu e eurocêntrico como não significando uma alternativa viável,

uma diversidade credível, as vivências e as consciências dos países do Norte (idem,

p. 177).

É a partir deste cenário que acreditamos na necessidade de uma desobediência

epistêmica num processo de decolonização das estruturas de conhecimento da universidade

ocidental que principalmente reconheça o provincialismo e o racismo/sexismo epistêmico que

constituem a estrutura fundamental das universidades; rompa com o universalismo da

epistemologia ocidental; reconheça a diversidade epistêmica do cânone do pensamento,

criando o pluralismo de sentidos e conceitos, onde a conversação interepistêmica, entre

muitas tradições epistemológicas, produza novas redefinições para velhos conceitos e crie

novos conceitos plurais. Esses três pontos programáticos podem transformar as uni-versidades

ocidentais em pluri-versidades decoloniais (GROSFOGUEL, 2016).

Ao encontro do que nos convoca Fanon (1969)

77 “Sociologia das ausências” é a ideia de que muito daquilo que não existe é produzido ativamente como não

existente. De fato, existe, mas não se vê, é invisível, é desprezível, está marginalizado, suprimido, oprimido,

ocultado, impronunciável. Não tem sequer linguagem ou conceito para ser falado. (SANTOS, 2007, p. 178).

101

temos muito trabalho, não podemos divertir-nos com jogos da retaguarda. A Europa

fez o que tinha de fazer e, no fim de contas, fê-lo bem; vamos parar de acusa-la e

dizer-lhe com firmeza que não deve mais continuar a fazer tanto barulho. Não

precisamos temê-la mais; paremos, portanto, de invejá-la. [...] Há dois séculos uma

antiga colônia europeia resolveu alcançar a Europa. E tal foi o seu êxito que os

Estados Unidos da América se converteu num monstro em que as taras, as doenças e

a desumanidade da Europa atingiram dimensões espantosas. [...] se queremos que a

humanidade avance um futo, se queremos levar a humanidade a um nível diferente

daquele onde a Europa a expôs, então temos de inventar, temos de descobrir.

Pela Europa, por nós mesmos e pela humanidade, camaradas, temos de mudar de

procedimento, desenvolver um pensamento novo, tentar colocar de pé um homem

novo. (FANON, pp. 273-275).

102

3. Políticas Públicas de Ação Afirmativa (PAAs)

As políticas de ação afirmativa (PASs) são um conjunto de orientações e ações

destinadas a grupos minorizados que tenham sido historicamente discriminados seja pela

questão racial, de sexo/gênero e/ou origem social e que, assim sendo, estão sub-representados

em instituições e posições de maior prestígio e poder social. Desta forma, as PAAs visam em

caráter provisório, a criação de incentivos a estes grupos para que haja representatividade

numérica do conjunto de população em universidades, cargos públicos etc., por exemplo

(MOROSINI, 2006).

Universidades em diversos países têm implementado esse tipo de política, o que

contribui para aumentar a diversidade nos sistemas de educação superior, tanto na

composição dos alunos, professores e funcionários como, também na organização do

currículo, programas de estudos e de pesquisas (MOROSINI, 2006, p. 198)

Para Joaquim Barbosa Gomes, Ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal do

Brasil, as políticas de ação afirmativa são “voltadas a concretização do princípio

constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de

gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física” (GOMES, 2007, p. 47). Desta

forma, a igualdade não é um simples princípio jurídico a ser respeitado por todos, mas sim um

objeto constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. As PAAs

Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por

entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações

flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural,

estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente

impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o

engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos

atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do

pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano

(GOMES, 2007, p. 51).

Para Carmen Lúcia Antunes Rocha, atual presidenta do Supremo Tribunal Federal

e do Conselho Nacional de Justiça, a igualdade de fato, sem um traço de ingenuidade cômoda

ou de hipocrisia mal dissimulada, não pode ser alcançada de modo eficiente e democrático

apenas pela negação jurídica da desigualdade formal e pela proibição da manifestação do

preconceito. Ao encontro do que explica a teoria da colonialidade, ela coloca que “o mundo

ocidental continua sendo o espaço do homem médio branco” (ROCHA, 1996, p. 284) e,

portanto, a ação afirmativa é “a expressão democrática mais atualizada da igualdade jurídica

promovida na e pela sociedade” (p. 295). A ação afirmativa reconstrói o tecido social com

103

propostas novas à convivência política de fato democrática, nas quais se descobrem novos

caminhos para trazer a igualdade na verdade do direito, e não apenas na palavra da lei, o que o

racismo histórico desigualou.

Desta forma, os programas de ação afirmativa trazem em si a compreensão de que

a igualdade completa não é possível apenas com a aplicação das mesmas regras de direito a

todas e todos. A igualdade de fato precisa se materializar por meio de medidas específicas que

considerem as situações particulares das pessoas pertencentes a grupos minorizados

(SILVÉRIO, 2007). Em outras palavras, a igualdade material tem que ser acompanhada da

igualdade real nas condições concretas de existência.

Rocha coloca ainda que um país que se quer republicano e democrático não pode

aceitar que a cidadania esteja restrita a apenas uma elite em função de preconceitos que

subsistem sob o silêncio branco com o negro, da palavra gentil com as mulheres, da esmola

para os pobres, da frase lida para os analfabetos. Para ela (ROCHA, 1996, p. 295):

não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da

Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe rebuscasse a

alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história

feita pelas mãos calejadas dos discriminados.

Na ordem das políticas públicas, as ações afirmativas são uma forma de

discriminação positiva a partir da decisão do Estado em oferecer tratamento especial a

determinado grupo em razão da sua marginalização, de modo a lhe permitir o direito

fundamental da igualdade, tendo em vista as condições desiguais de competição (VOLPE,

SILVA, 2016).

Para Oliven (2007) a ação afirmativa é um conjunto de políticas para proteger

minorias e grupos que tenham sido discriminadas no passado e/ou no presente, visando assim,

remover barreiras formais e informais que impedem ou dificultam o acesso desses grupos ao

mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Silvério (2007) complementa

explicando que as políticas de ação afirmativa são, antes de tudo, políticas sociais

compensatórias, ou seja, são intervenções do Estado por uma demanda da sociedade civil que

garantem o cumprimento de direitos sociais que não são integralmente cumpridos pela

sociedade. Estas políticas abrangem programas sociais que buscam corrigir problemas

gerados pela ausência ou ineficiência de políticas preventivas de exclusão e devem ter uma

duração definida, deixando de existir quando os mecanismos de exclusão social que lhe deram

origem forem eliminados. Silvério (2007, p. 21-22) coloca ainda que:

As políticas de ação afirmativa apresentam-se como importante mecanismo social

104

com características ético-pedagógicas para os diferentes grupos vivenciarem o

respeito às diversidades, sejam elas raciais, étnicas, culturais, de classe, de gênero ou

de orientação sexual. Essa percepção do direito à diferença leva em conta que a

realidade das políticas denominadas universalistas – ou, no caso das políticas raciais,

cegas em relação à cor – não atendem às especificidades dos grupos ou indivíduos

vulneráveis, permitindo a perpetuação da desigualdade de direitos e de

oportunidades. Disso emerge a idéia de adoção de políticas compensatórias focais

(ou particularistas) que, atendendo ao direito à diferença, percebem os grupos ou

indivíduos como sujeitos concretos, historicamente situados, que possuem cor, etnia,

deficiências, transtornos emocionais, orientação sexual, origem e religiões diversas.

É a superação da idéia filosófica moderna, que encarava o ser humano como uma

unidade homogênea, pela idéia pós-moderna dos seres humanos que possuem as

especificidades relatadas.

Em resumo, de acordo com Jaccoud e Beghin, (2002), a defesa das políticas de

ação afirmativa parte do reconhecimento da urgência em não mais postergar o enfrentamento

da exclusão social de caráter racial que existe no Brasil.

A partir do exposto, entendemos que as políticas de ação afirmativa são

construções decoloniais à medida que trazem à tona pessoas, conhecimentos, culturas e

histórias silenciadas pela colonização e que a colonialidade busca manter no mesmo lugar de

exclusão social, política e econômica. Wedderburn (2007) explica que as políticas públicas de

ação afirmativa foram implantadas em vários países do chamado “Terceiro Mundo” – exceto

nos da América Latina – a fim de resolver os graves problemas decorrentes da marginalização

seletiva do segmento marginalizado herdado do passado colonial. De acordo com o autor, elas

se integraram à consciência mundial a partir das lutas pela descolonização após a Segunda

Guerra Mundial quando países africanos e asiáticos se defrontaram com o urgente problema

de substituir em tempo relativamente curto os europeus que, sob o regime colonial,

monopolizaram todos os postos de comando da sociedade, inclusive da rede de ensino. As

ações afirmativas estavam voltadas, portanto, para a formação de quadros autóctones. Desta

forma, as PPAAs dialogam perfeitamente com a perspectiva de uma Educação Decolonial,

uma vez que reconhece e busca trazer à tona e colocar em diálogo crítico as diferenças que o

projeto expansionista europeu buscou eliminar a partir da homogeneização do mundo.

A primeira implementação formal de uma política de ação afirmativa no formato

de cotas foi registrada em 1902 em Kollapur, estado da Índia Central, que reservou 50% das

vagas em cargos de administração pública para as “classes atrasadas” ou desfavorecidas

(PAZICH, 2015). Assim, o conceito de ação afirmativa originou-se na Índia

(WEDDERBURN, 2007). Em 1921 e 1936 os estados indianos de Madras (atual Chennai) e

Travencore, respectivamente, implementaram cotas na administração pública para os não

105

Brâmanes, os Mulçumanos e alguns grupos cristãos (KRISHNAKUMAR, 200478

; LASKAR,

201079

apud PAZICH, 2015).

No campo educacional, há registros da existência de sistema de cotas na Índia

logo após a sua independência, em 1947, quando por meio da primeira emenda constitucional,

em 1951, uma cláusula permitiu a reserva de vagas na proporção de 15% na Educação para os

integrantes da casta dos Dalits, conhecidos como “intocáveis” (MUNANGA, 2007; SILVA,

2010; PAZICH, 2015). Munanga (2007) conta que apesar dos conflitos e tensões provocados

pela política de cotas no país, os partidos políticos dirigentes da Índia continuam a apoiá-la.

Os protagonistas emblemáticos do primeiro conflito histórico em torno das ações

afirmativas foram Mahatma Mohandas Ghandi (1869-1948), promotor da luta

antibritânica, pela independência – e pertencente à “casta superior” brahmin –, e o

pensador e militante nacionalista dravídio, B. R. Ambedkar, dirigente dos dalits e

adivasis, e verdadeiro genitor histórico do conceito e prática das ações afirmativas

(MOWLI, 199080

apud WEDRERBRUN, 2007, P. 309).

Na Índia, o drama dos shudras, dalits, adivasis e das “tribos estigmatizadas”, em

que as pessoas são consideradas praticamente como sub-humanas, também tem sua essência

na opressão racial. Isto porque o termo “casta” se traduz literalmente por “cor de pele” e,

portanto, estamos de frente a um sistema de opressão que é sócio-racial-religioso de natureza

pimentocrática, “protegido por um vasto arcabouço teórico-religioso e sócio-racial, articulado

a partir da religião hinduísta” (WEDDERBURN, 2007, p. 309).

Apesar do pioneirismo indiano, a expressão “ação afirmativa” foi utilizada pela

primeira vez numa ordem executiva federal dos EUA, em 1965 (ROCHA, 1996), o primeiro

país do “Primeiro Mundo” a incorporar, à sua legislação e prática social, mecanismos

surgidos do contexto de descolonização do mundo afro-asiático (WEDDERBURN, 2007). A

adoção de tais medidas deve-se à luta pelos direitos civis, desencadeada a partir dos anos 50

pela comunidade afro-estadunidense. Importante destacar que:

A luta dos negros norte-americanos pelos direitos civis teve como pano de fundo a

Guerra Fria entre os dois blocos ideológicos mundiais – a União Soviética e os

Estados Unidos – e revelou ao mundo as terríveis desigualdades e o racismo que

corroíam a democracia. Essa complexa interação, entre o contexto internacional e a

luta orgânica desencadeada pelos afro-norte-americanos, fez com que o Estado se

mostrasse menos omisso em relação à mais flagrante das contradições que afligiam e

fragilizavam o sistema democrático estadunidense – a questão racial

(WEDDERBRUN, 20070, p. 312).

78 KRISHNAKUMAR, R. A history of reservation. In: Frontline, v. 21, n. 17, 14 Aug. 2004.

79 LASKAR, M. H. Rethinking Reservation in Higher Education in India. In: ILI Law Review, v. 1, n. 1, p. 25,

2010 80

MOWLI, V. C.; B. R. Ambedkar – Man and His Vision. New Delhi: Sterling Publishers Pvt. Ltd., 1990.

106

Assim, a ação afirmativa neste país surgiu, em 1965 quando as empresas

empreiteiras contratadas pelas entidades públicas foram obrigadas aumentar a contratação dos

grupos minorizados, por meio de percentuais reservados de oportunidades de empregos, de

cargos, de espaço sociais, políticos e econômicos em entidades públicas e privadas (ROCHA,

1996). No Ensino Superior, a Universidade de Califórnia (UC) foi a pioneira na adoção de

ação afirmativa quando em 1960, diante do crescimento de candidatos e demanda por vogas, a

Universidade decidiu que deveria selecionar seus novos estudantes dentre os que estivessem

entre os 12,5% melhores de sua classe no ensino médio e a adoção de um teste nacional

padronizado, o Scholastic Assesment Test (SAT). Como contrapeso ao aumento da

importância dos testes foram criados também programas de ação afirmativa para garantir uma

igualdade nas oportunidades de acesso à Universidade (MOEHLECKE, 2004).

In 1964, at the peak of the civil rights movement, Berkeley instituted its Education

Opportunity Program to bring in more students from disadvantaged minority

groups. Under the master plan, the university could select up to two percent of its

incoming freshman from the pool of applicants who did not meet its eligibility

requirements. Though this loophole was probably added to the plan to allow the

schools to stay athletically competitive, Berkeley partially used it to admit low-

income and minority students that otherwise wouldn't have been accepted81

(FRONTLINE, 2014).

A partir dos anos 70 outras universidades estadunidenses passaram a adotar

políticas de ação afirmativa com o objetivo de atingir entre seus alunos e professores uma

distribuição racial, étnica e sexual condizente com os percentuais existentes na sociedade

estadunidense como um todo e um “dos caminhos para se atingir esses percentuais de maneira

rápida foi o estabelecimento de cotas mínimas para negros, hispânicos, orientais e outras

minorias” (BRANDÃO, 2005, p. 53).

A utilização do critério “raça” para admissão de novos estudantes levantou um

intenso debate principalmente após o que ficou conhecido como “Caso Blake” de 1978, em

que Allan Blacke abriu um processo contra a Universidade de Califórnia, alegando que a

faculdade de medicina o discriminou por ser branco ao adotar o sistemas de admissão

distintos para brancos e negros e, desta forma, negou-lhe admissão, aceitando estudantes

81 Em 1964, no auge do movimento dos direitos civis, a Universidade da Califórnia em Berkeley instituiu o

Programa Oportunidade Educacional para trazer mais estudantes de grupos minoritários desfavorecidos. Sob o

plano diretor, a universidade poderia selecionar até 2% dos seus ingressantes do conjunto de candidatos que não

cumpriram seus requisitos de elegibilidade tradicionais. Embora esta lacuna provavelmente tenha sido incluída

ao plano para permitir que as escolas ficassem atleticamente competitivas, Berkeley, em parte, usou para admitir

estudantes de baixa renda e de minorias que de outra forma não teriam sido aceitos (livre tradução).

107

negros com notas inferiores às suas (MOEHLECKE, 2004). A Suprema Corte dos EUA

julgou o caso e por cinco votos a quatro, proibiu a adoção de cotas rígidas para minorias na

admissão de estudantes nas universidades, mas considerou legítima a utilização da raça como

critério na seleção de alunos desde que combinado com outros (BRANDÃO, 2005;

MOEHLECKE, 2004).

Justifica-se que a raça poderia ser utilizada como critério de ingresso desde que isso

ocorresse para reparar uma situação de desvantagem que atingisse determinado

grupo em conseqüência da discriminação racial passada e presente. Ou, ainda, que a

raça seria um meio de garantir a diversidade no interior das instituições de ensino

superior, já que a convivência entre diferentes grupos étnicos enriqueceria essa

experiência e seria parte dos objetivos da educação (MOEHLECKE, 2004).

A partir de então, universidades públicas e privadas têm se baseado em outros

meios para promover a integração, mas esses meios foram novamente limitados pela Suprema

Corte em 2003. “As decisões decretaram que as universidades não podem utilizar um sistema

mecanicista de pontos, que incluem a raça, ao decidir as admissões, mas podem, de maneira

informal, levar em conta a raça, sem dar a esse fator um peso específico e constante”

(D’ÁVILLA; LESSER, 2008, p. 131).

Apesar desta decisão, de acordo com Munanga (2003) a maioria das universidades

públicas americanas, até mesmo as mais conceituadas como Princeton, Harvard e Stanford,

continua com programas de ações afirmativas em termos de meta, sem recorrer

necessariamente às cotas ou estatísticas definidas. Isto porque nos Estados Unido as

universidades priorizam, além da diversidade étnica, a diversidade cultural entre os estudantes

que contribui para elevar o nível educacional de todos. Em três décadas de política de ação

afirmativa, incluindo as cotas, o número de negros com formação universitária e em escolas

profissionais estadunidenses aumentou de 5,4% em 1960 para 15,5% em 1995 (BRANDÃO,

2005).

Isto num cenário em que a presença da população negra é significativamente

menor que no Brasil, atingindo no ano de 2010 pouco mais de 17% do total de estadunidenses

(UNITED STATES, 2013), grande parte dela concentrada em centros empobrecidos das

grandes metrópoles (OLIVEN, 2007). No Brasil o censo demográfico de 2010 mostrou que a

porcentagem de negros (soma de pardos e pretos, segundo classificação do IBGE) é de 50,7%

(PORTAL BRASIL, 2012) e, tendo em vista que em 1999 apenas 2% dos jovens negros de 18

a 25 anos ingressaram no Ensino Superior, o movimento negro constatou que as políticas

públicas de educação de caráter universal, ao serem implementadas, não atendiam a grande

108

parcela do povo negro e, portanto, as cotas emergem nas discussões como uma possibilidade

para mudar este cenário (GOMES, 2004).

Na América Latina as primeiras políticas de ação afirmativa foram as cotas

baseadas nas questões de gênero. A Argentina foi o primeiro país a adotar uma cota mínima

obrigatória de 30% para as candidaturas femininas em todos os partidos políticos pela Lei de

Cupos em 1991. Leis semelhantes foram seguidamente adotadas também o Paraguai, Peru,

República Dominicana, Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Venezuela, México e

Costa Rica, em porcentagens que variam de 20 a 40% de cotas para mulheres que permitiram

uma redução na assimetria de gênero na América Latina (WEDDERBURN, 2007).

Há ainda experiências de políticas de ação afirmativa em vários países da Europa

Ocidental, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Cuba, Afeganistão, Índia, Irã,

Paquistão, Turquia, etc. O público alvo destas políticas varia de acordo com as situações

existentes podendo abranger: minorias étnico-raciais, mulheres, grupos religiosos, pessoas

com deficiência etc.. As principais áreas contempladas para políticas de ação afirmativa são o

mercado de trabalho, o sistema educacional (principalmente o Ensino superior) e a

representação política (MOEHLECK, 2002; WEDDERBURN, 2007).

Como se vê, a definição de ação afirmativa é bastante ampla e engloba uma

variedade de desenhos e parâmetros que dependem dos contextos institucionais e culturais

(FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2007). Assim, as experiências de políticas de ação afirmativa

feitas por diversos países servem de inspiração para o Brasil, respeitando as peculiaridades

culturais e históricas do racismo à moda nacional (MUNANGA, 2003).

3.1. As Políticas Públicas de Ação Afirmativa no Brasil

Tendo em vista os objetivos do trabalho, não esgotaremos a temática “Ações

Afirmativas” em seus diversos desdobramentos de objetivos, metodologias e público-alvo,

focaremos, portanto, a partir deste ponto, nas ações afirmativas brasileiras que têm como

critério a “raça/cor” no âmbito do campo da Educação.

Entretanto, faz-se imprescindível ressaltar que a adoção de medidas de políticas

de ação afirmativa não faz parte de um movimento de natural de reconhecimento por parte da

sociedade brasileira em reparar os danos causados por mais de 300 anos de escravidão,

109

contudo, é resultado da luta dos Movimentos Negros que têm uma história de resistência e

contestação desde o período colonial escravista.

Enquanto no período escravista muitos negros e negras resistiam ao sistema na

forma de revoltas, fugas e até suicídio para se livrar da dominação colonial, organizando-se

em quilombos que formavam sociedade que rompiam com a colonização, possuindo

estruturas decoloniais ainda durante o processo de colonização do Brasil; após a libertação

seguiram organizando-se em movimentos políticos e culturais em busca de reparação e justiça

social pelos danos causados pelos quase 400 anos de escravidão que criaram e seguiram,

mesmo após a abolição, alimentando a profunda desigualdade racial entre negros e brancos

nas esferas educacional, cultural, política e econômica na sociedade brasileira.

No período republicano (proclamado um ano após a abolição da escravatura, em

1889) foram criados dezenas de grupos organizados em grêmios, clubes ou associações que,

inicialmente, tinham cunho assistencialista, recreativo e/ou cultural. A agremiação negra mais

antiga de São Paulo foi o Clube 28 de setembro, constituído em 1897, enquanto que as

maiores foram o Grupo Dramático e Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares fundadas

em 1908 e 1926, respectivamente, conforme explica Domingues (2007). Destacamos ainda as

“associações formadas estritamente por mulheres negras, como a Sociedade Brinco das

Princesas (1925), em São Paulo e a Sociedade de Socorro Mútuos Princesa do Sul (1908), em

Pelotas” (DOMINGUES, 2007, p. 104).

A imprensa negra – jornais publicados por negros – também teve um papel

importante porque dava visibilidade às diversas mazelas que afetavam a população negra no

âmbito do trabalho, habitação, educação e saúde, além de fazerem a denúncia do regime de

segregação racial que incidia em diversas cidades brasileiras, impedindo que a população

negra frequentasse determinados hotéis, clubes, cinemas, teatros, restaurantes,

estabelecimentos comercias e religiosos, além de algumas escolas, ruas e praças públicas

(DOMINGUES, 2007).

Um marco importante para a mobilização política dos negros em São Paulo foi o

Centro Cívico Palmares, criado em 1926 e que, de acordo com Andrews (1998, p. 22782

apud

PEREIRA, 2012) foi assim chamado em homenagem ao quilombo de Palmares do século

XVII e

originalmente destinava-se a proporcionar uma biblioteca cooperativa para a

comunidade negra. A organização logo progrediu e passou a patrocinar encontros e

82 ANDREWS, George R. Negros e brancos em São Paulo. Bauru: EDUSC, 1998.

110

conferências sobre questões de interesse público, e em 1928 lançou uma campanha

para derrubar um decreto que proibia aos negros ingressar na milícia do Estado, a

Guarda Civil. O centro foi bem sucedido ao requerer do governador Júlio Prestes

que suspendesse o decreto, e depois o convenceu a derrubar uma proibição similar

que impedia as crianças negras de participar de uma competição patrocinada pelo

Serviço Sanitário de São Paulo para encontrar o bebê mais “robusto” e

eugenicamente desejável do Estado.

Em 1931 é fundada a Frente Negra Brasileira (FNB) em São Paulo, considerada a

sucessora do Centro Cívico de Palmares e a mais importante do país na primeira metade do

século XX. A Frente, que possuía grupos homônimos em diversos estados brasileiros e tinha

caráter recreativo e beneficente, destacou-se pela realização das primeiras reivindicações

políticas mais deliberadas, tornando-se um partido político em 1936. (DOMINGUES, 2007;

GOMES, 2011). Além disso, a entidade mantinha ainda escola, grupo musical e teatral, time

de futebol, departamento jurídico, além de oferecer serviço médico e odontológico, cursos de

formação política, de artes e ofícios, assim como publicar um jornal, o A Voz da Raça

(DOMINGUES, 2007). A participação das mulheres também é destaque na organização, de

acordo com um dos seus líderes, Francisco Lucrécio as mulheres “eram mais assíduas na luta

em favor do negro, de forma que na Frente a maior parte era mulher. Era um contingente

muito grande, eram elas que faziam todo o movimento, que ajudavam...” (BARBOSA, 2007,

pp. 37-38)

Com a ditadura do “Estado Novo” de Getúlio Vargas, em 1937, todos os partidos

políticos foram extintos e, consequentemente, também a FNB. Na segunda fase do

movimento negro organizado durante a República surgiu em 1943 a União dos Homens de

Cor (UHC), fundada por João Cabral Alves, em Porto Alegre. A UHC atuava principalmente

na promoção de debates na imprensa local, publicação de jornais próprios, serviços de

assistência jurídica e médica, aulas de alfabetização, ações de voluntariado e participação em

campanhas eleitorais (DOMINGUES, 2007).

Em 1944 surgiu o Teatro Experimental do Negro, ou TEN, no Rio de Janeiro

que, liderado por Abdias do Nascimento, defendia os direitos civis dos negros na qualidade de

direitos humanos e propugnava a criação de uma legislação antidiscriminatória para o país

(DOMINGUES, 2007). De acordo com Abdias do Nascimento (2004, p. 210) O TEN

se propunha a resgatar, no Brasil, os valores da pessoa humana e da cultura negro-

africana, degradados e negados por uma sociedade dominante que, desde os tempos

da colônia, portava a bagagem mental de sua formação metropolitana européia,

imbuída de conceitos pseudo-científicos sofre a inferioridade da raça negra.

Propunha-se o TEM a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, através

da educação, da cultura e da arte. [Grafia de acordo com o original]

111

O Teatro Experimental do Negro disponibilizou curso de alfabetização aos seus

primeiros participantes e também um curso de iniciação à cultura geral, lecionado por

Aguinaldo Camargo, enquanto que as primeiras noções de teatro e interpretação ficaram a

cargo de Abadias do Nascimento (NASCIMENTO, 2004). Em 8 de maio de 1945 o TEN

apresentou seu espetáculo fundador no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, concedido ao

grupo por apenas uma noite, e por intervenção direta do presidente Getúlio Vargas. A

apresentação de “O imperador Jones” que causou alvoroço no meio cultural principalmente

pelo grande sucesso de Aguinaldo de Oliveira Camargo no papel do negro Jones e abriu

passagem à criação de peças dramáticas brasileiras para o artista negro.

Mais uma vez, uma ditadura amorna as atividades do movimento negro, dessa vez

a ditadura militar instaurada em 1964. No final dos anos 70 começa a reorganização política

da luta antirracista e em 1978 é fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), inspirado na

luta a favor dos direitos civis dos negros estadunidenses, projetados em lideranças como

Martin Luther King, Malcolm X e as Panteras Negras, assumiu um discurso radicalizado

contra a discriminação racial (DOMINGUES, 2007). No Programa de Ação de 1982 o MNU,

dentre outras reivindicações, passou a intervir no terreno educacional. De acordo com Gomes

(2011, p. 137)

Os estudos de Pinto (1994), Gomes (1999; 2008; 2010), Gonçalves e Gonçalves e

Silva (2000), Silvério (2002), Passos (2004) revelam que o movimento negro, no

Brasil, conquanto sujeito político, tem sido o principal responsável pelo

reconhecimento do direito à educação para a população negra, pelos

questionamentos ao currículo escolar no que se refere ao material didático que

apresenta imagens estereotipadas sobre o negro, pela inclusão da temática racial na

formação de professores(as), pela atual inclusão da história da África e da cultura

afro-brasileira nos currículos escolares e pelas políticas de ação afirmativa nas suas

mais diferentes modalidades

Abdias do Nascimento, no papel de deputado federal (PDT/RJ), apresentou o

primeiro Projeto de Lei (PL) sobre políticas públicas de igualdade racial no Brasil (MÜLLER,

COELHO, 2013). Abdias apresentou, em 1983, o Projeto de Lei Nº 1332/83 que dispunha

sobre ações compensatórias visando à implementação do princípio da isonomia social do

negro. O PL propunha, dentre outros pontos, que fosse assegurada a isonomia concedida a

todos os brasileiros, também aos brasileiros negros, nos setores de oportunidades de trabalho,

remuneração, educação e tratamento policial, entre outros; que nos órgãos de administração

pública e também no setor privado (empresas, firmas, estabelecimentos de comércio,

indústria, serviços, mercado financeiro e setor agropecuário) se garantisse a participação de

112

pelos menos 20% de homens negros e 20% de mulheres negras em todos os escalões de

trabalho e de direção, particularmente aquelas funções que exigem melhor qualificação e que

são melhor remuneradas, sendo obrigados a comprovar anualmente o cumprimento da medida

(BRASIL, 1983).

No campo educacional, o PL propunha bolsas de estudo para estudantes negros;

reserva, no Instituto Rio Branco, nos cursos das três armas (Marinha, Exército e Aeronáutica)

de 20% das vagas para candidatos negros e 20% para candidatas negras (BRASIL, 1983).

Para o currículo, o PL propunha no Artigo 8º que:

O Ministério da Educação e Cultura, bem como as Secretariais Estaduais e

Municipais de Educação, conjuntamente com representantes das entidades negras e

com intelectuais negros comprovadamente engajados no estudo da matéria,

estudarão e implementarão modificações nos currículos escolares e acadêmicos,

em todos os níveis (primário, secundário, superior e de pós-graduação), no sentido

de:

I – Incorporar aos conteúdos dos cursos de História Brasileira o ensino das

contribuições positivas dos africanos e seus descendentes à civilização brasileira,

suas resistências contra a escravidão, sua organização e ação (a nível, social,

econômica e política) através dos quilombos, sua luta contra o racismo no período

pós-abolição;

II – Incorporar aos conteúdos dos cursos sobre História Geral o ensino das

contribuições positivas das civilizações africanas, particularmente seus avanços

tecnológicos e culturais antes da invasão européia do continente africano;

III – Incorporar ao conteúdo dos cursos optativos de estudos religiosos o ensino dos

conceitos espirituais, filosóficos e epistemológicos das religiões de origem africana

(candomblé, umbanda, macumba, xangô, tambor de minas, batuque, etc.);

IV – Eliminar de todos os currículos referências ao africano como “um povo apto

para a escravidão”, “submisso” e outras qualificações pejorativas;

V – Eliminar a utilização de cartilhas ou livros escolares que apresentem o negro de

forma preconceituosa ou estereotipada;

VI – Incorporar ao material de ensino primário e secundário a apresentação gráfica

da família negra de maneira que a criança negra venha a se ver, a si mesma e à sua

família, retratadas de maneira igualmente positiva àquela em que vê retratada a

criança branca/

VII – Agregar ao ensino das línguas estrangeiras européias, em todos os níveis em

que estas são ensinadas, o ensino de línguas africanas (yoruba ou kiswaihili) em

regime opcional;

VIII – Incentivar e apoiar a criação de Departamentos, Centros ou Institutos de

Estudos e/ou Pesquisas Africanos e Afro-Brasileiros, como parte integral e normal

da estrutura universitária, particularmente nas universidades federais e estaduais

(BRASIL, 1983, p.65). [grafias como no original]

O PL propunha ainda cursos obrigatórios de orientação antirracista para as

polícias civis e militares; obrigação do IBGE de incluir em todas as pesquisas o quesito

cor/raça ou etnia; e, por fim, determina no Art. 13 que a “expressão ‘negro’ compreende todos

aqueles classificados como ‘pretos’ e ‘pardos’ segundo os critérios utilizados pelo IBGE no

PNAD de 1976 (BRASIL, 1983, p. 65)

Vê-se, portanto, que já em 1983 havia a disputa por um projeto de sociedade que

113

reconhecesse a dívida com o povo negro e que a saldasse por “uma ação compensatória da

sociedade e do Estado, destinada a indenizar, embora tardiamente, o trabalho não remunerado

do negro escravizado e o trabalho sub-remunerado do negro supostamente libertado a 13 de

maio de 1988 (BRASIL, 1988, p. 65). No entanto, o projeto, apesar de ter votos favoráveis

nas três comissões83

: de Constituição e Justiça; de Trabalho e Legislação social; de Finanças,

não foi aprovado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que determinou o

arquivamento do PL.

Outro Projeto que merece destaque no âmbito das PAAs é o PL nº 4.339/93

apresentado pela deputada Benedita da Silva do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro,

à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias no dia 16 de dezembro de

1993. É o primeiro projeto que previa a adoção de cotas de 10% (dez por cento) das vagas das

instituições de ensino superior públicas e particulares, federal, estadual e municipal, para

estudantes negros e indígenas. A deputada justifica a adoção da reserva de vagas tendo em

vista que:

A composição étnica da população brasileira acusa que 44% (quarenta e quatro por

cento) do nosso povo é afro-brasileiro, isto é, descendentes de raça negra (pretos e

pardos, conforme a denominação do IBGE). Independente desta estatística, setores

etno-raciais permanecem marginalizados. As razões históricas, sociais, econômicas e

culturais desta desproporção e exclusão são conhecidas. A garantia de uma cota

mínima de 10% (dez por cento) em instituições de ensino superior não resolve o

problema estrutural, mas cria um precedente para minimizar esta injustiça e atenuar

a exclusão que desfaz, na prática, todas as garantias constitucionais de igual acesso

ao ensino, conforme determina o art. 206 (BRASIL, 1993).

Da mesma maneira que o PL 1332/83, o Projeto de Lei da deputada Benedita da

Silva não foi aprovado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, tendo o mesmo destino

do seu precursor: o arquivamento. Atentamos para o fato de estas leis, de alguma forma,

serem precursoras das Leis 10.639/03 – institui obrigatoriedade do ensino de história e cultura

africana e afro-brasileira, 11.645/08 – inclui a questão indígena à obrigatoriedade do ensino

de história e cultura afro-brasileira, e 12.711/12 – conhecida como Lei de Cotas, promulgadas

com um atraso de pelo menos vinte anos.

Santos (2014) aponta os diversos Projetos de Lei com propostas de políticas de

ação afirmativa em prol da população negra apresentados a partir dos anos 90 e que acabaram

83 As comissões possuem o chamado poder de apreciação conclusiva e são grupos formados por membros de

cada Casa Legislativa (Câmara e Senado que analisam técnica e legalmente os projetos de lei apresentados para

saber se eles têm as condições necessárias para se tornar uma lei.

114

arquivados. Em 1990, José Luiz de Sá do PL/RJ apresentou o Projeto de Lei 493284 o qual

versava sobre a participação do negro em espetáculos cênicos obrigando a participação de

artistas negros, na proporção mínima de 30% em espetáculos cênicos, compreendendo teatro,

circo, televisão, exibições de canto e música instrumental com ingresso pago. Em 1993, o

PL85 que propunha a participação de 45% de atores/atrizes e modelos negros/as em filmes e

peças publicitárias encomendadas por órgãos do governo Federal. No âmbito do mercado de

trabalho, Abdias do Nascimento apresenta a primeira proposta86

em 1997 e demanda que 40%

das vagas dos órgãos da administração direta e indireta, empresas públicas e as sociedades de

economia mista sejam destinadas à população negra (20% para homens negros e 20% para

mulheres negras). Na política, a proposta de reserva de vagas surge pelo então deputado Paulo

Paim (PT/RS) no ano 2000 e prevê “que cada partido ou coligação deveria reservar o mínimo

de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, e os mesmos percentuais

deveriam ser reservados para afrodescendentes87

.

Todos esses projetos buscavam de alguma forma o rompimento da política de

branqueamento e da eugenia silenciosa, mas nefasta, ainda vigente no século XX, construída

sob a égide do eurocentrismo imposto pela colonização. No entanto, todos foram solapados

sob a prerrogativa da democracia (racial!?) de uma Câmara e Senado com maioria de homens

brancos bem nascidos. É esta a colonialidade que denunciamos. Ela se manifesta no racismo

que exclui a possibilidade de ascensão social e silencia possibilidades de uma verdadeira

democracia racial.

Prova disso, é que as cotas em ensino técnico e superior não eram tema inédito no

Brasil. As primeiras cotas deste tipo datam do ano de 1968, período em que o Brasil vivia sob

o regime militar e que, por força da Lei nº 5.465, de 3 de julho do citado ano, o então

presidente Arthur da Costa e Silva sancionou que:

Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura

84 Projeto de Lei 4932/1990 de autoria de Jose Luiz de Sá (PL/RJ) “Disciplina a participação do negro em

espetáculos cênicos”. Situação: arquivado 85

Projeto de Lei 3809/1993 de autoria de Cyro Garcia (PT/RJ) – “Dispõe sobre a participação de artistas e

modelos da raça negra nos filmes e peças publicitárias encomendadas e/ou realizadas pelo Governo Federal”.

Situação: arquivado 86

Projeto de Lei do Senado nº 75, de 1997 de autoria do senador Abdias Nascimento – arquivada ao final da

legislatura – “Dispõe sobre medidas de ação compensatória para a implementação do princípio da isonomia

social do negro”. “ 87

Projeto de Lei 3435/2000 – de autoria de Paulo Paim (PT/RS) “Altera a redação do § 3º do art. 10 da Lei nº

9.504, de 30 de setembro de 1997, para instituir cotas para candidaturas de afrodescendentes”. Situação:

apensada ao PL 3198/2000 – Institui o Estatuto da Igualdade Racial, em defesa dos que sofrem preconceito ou

discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor, e dá outras providências).

115

e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de

50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos

dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e

30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras,

que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio

(BRASIL, 1968). [grifo nosso].

A Lei durou dezessete anos e não se encontra na história uma oposição que se

aproxime à que sofre a atual Lei de Cotas (12.711/12). A Lei 5.465/68 foi revogada quando o

Brasil retomava a democracia, pelo então presidente José Sarney que sancionou a Lei nº 7.423

em 17 de dezembro de 1985 acabando, portanto, com as cotas para agricultores ou filhos

destes.

Uma elucidação que consideramos importante fazer é que políticas de ação

afirmativa e cotas não são termos sinônimos. As políticas de ação afirmativa referem-se a um

conjunto mais amplo de ações do que a reserva de vagas para grupos minorizados (MÜLLER,

COELHO, 2013). Santos (2014) chama ainda atenção para a diferença entre políticas de ação

afirmativa e políticas de promoção de igualdade racial pois, ainda que haja relação entre as

mesmas, elas não são sinônimas uma vez que nem toda política de ação afirmativa é uma

política de promoção de igualdade racial.

As pesquisadoras Jaccoud e Beghin (2002) classificam as políticas para a

promoção de igualdade racial em três tipos: ação afirmativa; políticas repressivas e ações

valorizativas. “As políticas repressivas visam combater o ato discriminatório – a

discriminação direta – usando a legislação criminal existente.” (p.55), enquanto isso as ações

afirmativas procuram combater a discriminação indireta, ou seja, a discriminação presente em

atos velados que provoca a exclusão de caráter racial, assim, as ações afirmativas visam

combater o resultado da discriminação.

As ações valorizativas são aquelas que têm como objetivo combater os

estereótipos negativos historicamente construídos e consolidados no e pelo racismo, ou seja,

elas buscam reconhecer e valorizar a pluralidade étnica, reconhecendo a importância do papel

do povo negro e indígena na construção nacional. Assim, “as políticas e ações valorizativas

possuem caráter permanente e não focalizado

Entretanto, para este trabalho, assumimos que o termo “política pública de ação

afirmativa” (PPAA) se refere a toda ação direcionada ao enfrentamento das desigualdades

sociais, não apenas as de caráter racial, causadas por ações discriminatórias direcionadas a

grupos específicos como: pessoas negras; indígenas; mulheres; homossexuais, transexuais;

116

seguidores de determinadas religiões etc., ao encontro do que pressupõe autores como: Rocha

(1996); Moehleck (2002); Morosini (2006); Wedderburn (2007); Silvério (2007); Gomes

(2007). Desta forma, entendemos que as PPAAs podem ser classificadas como valorativas,

repressivas ou de inclusão, como é o caso das políticas de cotas, por exemplo.

Compreendemos ainda que as políticas de inclusão são também políticas de reparação, uma

vez que abrem um espaço negado pelo racismo estrutural presente na sociedade.

A seguir apresentamos um quadro com as principais políticas de ação afirmativa

implementadas no Brasil a partir do período de redemocratização da sociedade brasileira,

classificando-as de acordo com o seu tipo: valorativo, repressivo ou de inclusão.

Quadro 1 – Políticas Públicas de Ação Afirmativa brasileiras

AN

O

AÇÃO AFIRMATIVA OBJETIVO TIPO

19

88

Art. 37º, § VIII da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 5 de outubro 1988

Reservar percentual dos cargos e

empregos públicos para pessoas

com deficiência.

Inclusão

19

90

Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 –

Art. 5º, §2º Às pessoas portadoras de

deficiência é assegurado o direito de se

inscrever em concurso público para

provimento de cargo cujas atribuições sejam

compatíveis com a deficiência de que são

portadoras; para tais pessoas serão

reservadas até 20% das vagas oferecidas no

concurso.

Garantir o ingresso de pessoas com

deficiência física ou intelectual no

serviço público civil da União.

Inclusão

19

91

Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 – Art.

93 A empresa com 100 (cem) ou mais

empregados está obrigada a preencher de 2%

(dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos

seus cargos com beneficiários reabilitados ou

pessoas portadoras de deficiência, habilitadas

Garantir o ingresso de pessoas com

deficiência física ou intelectual no

mercado de trabalho privado.

Inclusão

19

93

Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Art.

24, inciso XX - na contratação de associação

de portadores de deficiência física, sem fins

lucrativos e de comprovada idoneidade, por

órgãos ou entidades da Administração

Pública, para a prestação de serviços ou

fornecimento de mão-de-obra, desde que o

preço contratado seja compatível com o

praticado no mercado

Garantir a contratação de

Associações filantrópicas de

pessoas com necessidades especiais

Inclusão

19

95

Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995 – Proíbe

a exigência de atestado de gravidez e

esterilização, e outras práticas

discriminatórias, para efeitos admissionais

ou de permanência da relação jurídica de

trabalho, e dá outras providências.

Proíbe práticas discriminatórias,

para efeitos admissionais ou de

permanência da relação jurídica,

por motivo de sexo, origem, raça,

cor, estado civil, situação familiar

ou idade, e dá outras providências

Repressiva

19

95

Lei nº 9.100, de 29 de setembro de 1995 –

“Lei de cotas” – estabeleceu, no parágrafo

terceiro do artigo 11, cota mínima de 20%

das vagas de cada partido ou coligação para a

candidatura de mulheres, foi alterada da pela

Lei 9.504 de 1997 que, no Art. 10 aumentou

a reserva para 30%

Garantir a representatividade

feminina no cenário político.

Art.10, § 3o Cada partido ou

coligação preencherá o mínimo de

30% e o máximo de 70% para

candidaturas de cada sexo.

(Redação dada pela Lei nº 12.034,

de 2009)

Inclusão

19

96 Lei nº 9.315, de 20 de novembro de 1996 –

Inscreve o nome de Zumbi dos Palmares no

Livro dos Heróis da Pátria

Garante a representatividade do

povo negro, na figura de Zumbi. Valorativa

117

19

97

Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997 – Define

os crimes de tortura e dá outras providências

Caracteriza crime de tortura

qualquer constrangimento que

cause sofrimento físico/mental,

dentre outras coisas, em razão de

discriminação racial.

Repressiva

20

00

Lei nº 3.524, de 28 de dezembro de 2000 –

Dispõe sobre os critérios de seleção e

admissão de estudantes da rede pública

estadual de Ensino em Universidades

Públicas do Rio de Janeiro.

Estabelece no Art. 2º a reserva de

50% das vagas para estudantes que

cursaram integralmente os Ensinos

fundamental e médio em

instituições da rede pública dos

Municípios e/ou do Estado (RJ).

Inclusão

20

01

Lei nº 3708, de 09 de novembro de 2001 –

Institui cota de até 40% para as populações

preta e parda no acesso à Universidade do

Estado do Rio de Janeiro e à Universidade

Estadual do Norte Fluminense

Garantir o acesso da população

negra nas universidades estaduais

do Rio de Janeiro

Inclusão

20

02

Decreto nº 4.228, de 13 de maio de 2002 –

Institui, no âmbito da Administração Pública

Federal, o Programa Nacional de Ações

Afirmativas e dá outras providências.

Incentivar a inclusão de mulheres,

negros e pessoas com deficiências

como critério de pontuação em

licitações que beneficiem

fornecedores que comprovem

desenvolver políticas compatíveis

com o programa

Inclusão

20

02 Lei n° 10.558, de 13 de novembro de 2002 –

Cria o Programa Diversidade na

Universidade e dá outras providências

Implementar e avaliar estratégias

para a promoção do acesso ao

ensino superior de pessoas

pertencentes a grupos minorizados,

especialmente afrodescendentes e

indígenas brasileiros.

Inclusão

20

03

Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003 - Cria

a Secretaria Especial de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial, da

Presidência da República (SEPPIR), e dá

outras providências.

Tem como objetivo principal a

formulação, coordenação e

articulação de políticas e diretrizes

para a promoção da igualdade

racial.

Inclusão

20

03

Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 –

Altera a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) e torna

obrigatório o Ensino de história e cultura

africana e afro brasileira na educação básica

Ambas as Leis (10.639/03 e

11.645/08) têm como objetivo

corrigir injustiças, eliminar

discriminações e promover a inclusão

social e a cidadania para todos no

sistema educacional brasileiro a

partir de uma visão positiva acerca da

história e cultura das pessoas negras

e de indígenas mostrando a

importância destes povos e culturas

na formação do Brasil.

Valorativa

20

08 Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 –

Altera novamente a LDB e torna obrigatório

o Ensino de história e cultura afro brasileira e

indígena nos currículos da educação básica

Valorativa

20

10

Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010 –

Institui o Estatuto da Igualdade Racial

Objetiva garantir à população negra

a efetivação da igualdade de

oportunidades, a defesa dos direitos

étnicos individuais, coletivos e

difusos, e o combate à

discriminação e às demais formas

de intolerância étnica

Inclusão e

valorativa

20

12

Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 –

“Lei de Cotas” - reserva de 50% das vagas

por curso e turno nas universidades e

institutos federais de educação, ciência e

tecnologia a estudantes oriundos

integralmente do Ensino Médio público e,

dentre estes para pretos, pardos e indígenas

Garantir o acesso de estudantes de

escolas públicas, negros e

indígenas no Ensino público

(federal) brasileiro.

Inclusão

20

14 Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 –

Reserva de 20% das vagas oferecidas em

concursos públicos para pessoas negras

Garantir o ingresso e, portanto, a

representatividade de pessoas

negras nos serviços públicos.

Inclusão

118

20

16

Portaria Normativa n 13, de 11 de maio de

2016 – dispõe que as Instituições Federais

de Ensino Superior, no âmbito de sua

autonomia e observados os princípios de

mérito, terão o prazo de noventa dias para

apresentar propostas sobre inclusão de

negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas

com deficiência em seus programas de pós-

graduação (Mestrado, Mestrado Profissional

e Doutorado), como Políticas de Ações

Afirmativas

Ampliar, para a pós-graduação a

garantia de representatividade de

pessoas negras, indígenas e com

deficiência.

Inclusão

Elaboração própria

Fontes: http://www4.planalto.gov.br/; IPEA, Políticas sociais: acompanhamento e análise. v. 7, Ago. 2003.

Como se viu, as políticas públicas de ação afirmativas brasileiras, apesar de

tardias quando comparadas com as temporalidades do cenário internacional, têm diferentes

objetivos, público alvo e metodologias, entretanto, o tema ficou amplamente conhecido e

ganhou notoriedade na sociedade, principalmente por meio da grande mídia, pela adoção das

cotas, especialmente as voltadas à questão étnico-racial. Tendo em vista que o Brasil se

desenvolveu sob a égide da ideologia da democracia racial que ampara a negação do racismo,

é de se compreender que cause controvérsia a ideia de política de reparação histórica às

pessoas negras uma vez que, nesta perspectiva (de democracia racial e negação do racismo),

de quem sempre esteve na Casa Grande e nunca sentiu o açoite no pelourinho, que nos dias

atuais se manifesta na violência policial e na crença de que todos os brasileiros são iguais, a

ideia da meritocracia acaba por ocupar um lugar central.

A visão colonial e racista do Brasil faz com que apenas a partir de 1996 as PPAAs

começassem, ainda que timidamente, a atender de forma mais específica as particularidades

da população negra. Resultado da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela

Cidadania e a Vida, ocorrida em novembro de 1995, em comemoração ao tricentenário da

morte de Zumbi. O evento contou com a participação de diversas organizações do movimento

negro brasileiro e também de várias organizações da esquerda que, pela primeira vez,

somaram-se à luta antirracista. Nesta mobilização foi entregue ao então presidente da

República, Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Superação do Racismo e da

Desigualdade Racial, exigindo uma posição do governo brasileiro diante das situações de

racismo (GOMES, 2011).

Dentro deste cenário, Fernando Henrique Cardoso (FHC) acabou por reconhecer

pública e claramente em 1995 a existência de racismo na sociedade brasileira, ato que foi

importante para fazer avançar políticas de ação afirmativa para o povo negro. Isto porque o

peso político e a importância simbólica do reconhecimento do racismo, feito por um

presidente da República, evidenciaram que a questão não poderia mais ser ignorada. FHC

também ratificou a importância da criação de políticas para a eliminação das desigualdades

ligadas à “raça” durante o Seminário Internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da

119

ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos, organizado pelo Ministério da

Justiça em 1996 (BERNARDINO, 2002; SANTOS, 2007; PAULA, 2010).

Além disso, o então presidente FHC, por meio do Decreto nº 1904 de 13 de maio

de 1996, instituiu o I Programa Nacional de Direitos Humanos que previa o desenvolvimento,

a médio prazo, de ações afirmativas para o acesso da população negra aos cursos

profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta; e o estímulo para que os

livros didáticos enfatizassem a História e as Lutas do povo negro na construção do Brasil, a

fim de eliminar estereótipos e discriminações (BRASIL, 1996b),

Um ano após a Marcha Zumbi dos Palmares, Fernando Henrique Cardoso

sancionou a Lei 9.315/96 que “inscreve o nome de Zumbi dos Palmares no ‘Livro dos Heróis

da Pátria’”.

Apesar disso, a emergência de ações afirmativas governamentais para a população

negra no Brasil se deu notadamente no período “pós-Durban” (VOLPE, SILVA, 2016). A

Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância foi

realizada em setembro de 2001 em Durban, na África do Sul e constituiu um marco para a

luta antirracista no Brasil.

Diferente do que se observou nos Estados Unidos em que as ONGs, a imprensa e

até mesmo as universidades quase não deram atenção à Conferência, no Brasil os preparativos

foram intensos, envolvendo o Governo e a Sociedade civil (ALVES, 2002). O então

presidente FCH, por meio do Decreto de 8 de setembro de 2000, criou um Comitê Nacional

para a Preparação da Participação Brasileira na III Conferência Mundial contra o Racismo,

Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Entre outras atribuições, o comitê

deveria promover, em cooperação com a sociedade civil, seminários e outras atividades de

aprofundamento e divulgação dos temas de discussão e objetivos da Conferência Mundial.

Além de Pré-Conferências que constituíram a base temática para a Conferência Nacional

contra o Racismo e a Intolerância realizada em julho de 2001, na Universidade Estadual do

Rio de Janeiro da qual se retirou o “Plano Nacional de Combate ao Racismo e Intolerância –

Carta do Rio” (SANTOS, 2007). As Pesquisadoras Jaccoud e Beghin (2002, p. 22) destacam

que

ao longo de todo o processo preparatório da Conferência de Durban, a participação

do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), particularmente no que diz

respeito à produção de diagnósticos inéditos sobre a magnitude das desigualdades

raciais no Brasil: o governo reconhece, a partir de números oficiais, as imensas

distâncias que existem entre negros e brancos.

120

A “Conferência de Durban”, como ficou conhecida, abordou temas como o tráfico

transatlântico de escravo, o antissemitismo, a islamofobia, a discriminação contra ciganos e de

gênero, a segregação de castas, a marginalização dos povos indígenas, a discriminação de

migrantes etc., trazidos pelas mãos de descendentes de pessoas escravizadas, israelenses,

muçulmanos, ciganos, mulheres, dalits etc.. Ela constituiu um marco para as organizações e

movimentos negros no Brasil, uma vez que um de seus principais objetivos foi o de fornecer

um conjunto de elementos normativos em torno do emprego de instrumentos mais eficazes no

combate às manifestações de racismo e à discriminação racial contemporânea (THOMAZ,

NASCIMENTO, 2003).

Após a Conferência foi criado, por meio de decreto88

o Conselho Nacional de

Combate à Discriminação (CNCD), no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos

do Ministério da Justiça. O CNCD89

foi instituído com o objetivo de atuar na proposição e

acompanhamento de políticas públicas envolvidas na defesa dos direitos sociais e individuais

de vítimas de discriminação racial ou outra forma de intolerância.

A primeira ação, resultado da discussão iniciada no período pré-Durban, foi a

criação do Programa de Ação Afirmativa pelo então Ministro do Desenvolvimento Agrário

(MDA), Raul Belen Jungmann Pinto, que determinou a adoção de medidas compensatórias,

especiais e temporárias, que acelerassem o processo de construção da igualdade racial no

campo, de acordo com o Artigo 1º da Portaria nº 202, de 4 de setembro de 2001. A Portaria

previa a adoção de política progressiva de cotas para assegurar o acesso de servidores e

servidoras negros e negras em no mínimo 30% (trinta por cento) nos cargos de direção no

MDA/INCRA. O impacto da Conferência nesta determinação está relatado na Portaria:

O MINISTRO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, no uso da

competência que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da

Constituição Federal, Considerando que a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de

Discriminação Racial e contra a Mulher, a Convenção Internacional sobre a

Repressão e Castigo de Crime de Apartheid, III Conferência Mundial das Nações

88 Decreto presidencial nº 3.952/01 que trata da competência, da composição e do funcionamento do Conselho

Nacional de Combate à Discriminação

89 Com as políticas voltadas para a promoção da igualdade racial e para a população indígena sendo executadas

por outros órgãos, em dezembro de 2010 o Governo Federal institui nova competência e estrutura

ao CNCD/LGBT, por meio do Decreto nº 7388, de 9 de dezembro de 2010. Para atender uma demanda histórica

do movimento LGBT brasileiro e com a finalidade de potencializar as políticas públicas para a

população LGBT, o agora CNCD/LGBT passa a ter como finalidade formular e propor diretrizes de ação

governamental, em âmbito nacional, voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos

direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (BRASIL, MINISTÉRIO DOS DIREITOS

HUMANOS. Participação social. Conselho Nacional de Combate à discriminação de LGBT (CNCD/LGBT).

Brasília, s/d.

121

Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Intolerância Correlata, ora em curso na África do Sul, reafirmam o direito

inalienável de toda as pessoas viverem em uma sociedade livre de racismo,

xenofobia e de toda forma de intolerância e discriminação (BRASIL, 2001) [grifo

nosso]

Apesar desses primeiros esforços para a inclusão da população negra, de fato, na

sociedade brasileira, no governo Fernando Henrique Cardoso a estratégia discursiva e a

política se pautaram na promoção do reconhecimento sem investimentos no aspecto

redistributivo, embora a desigualdade racial fosse a principal justificativa para as políticas de

valorização da população negra (LIMA, 2010, p. 81). De tal modo, as PPAAs que dialogam

mais diretamente com as pautas do movimento negro começam a se consolidar no Governo

Lula a partir de 2003. A primeira Lei sancionada pelo então presidente, foi a Lei 10.639/03

que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura africana e afro-brasileira na Educação

Básica. Outra ação marcante na luta contra o racismo e a desigualdade racial foi a criação da

Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) da Presidência da

República, em 21 de março de 200390

.

A constitucionalidade do princípio de cotas, instituídas pela Lei nº 12.711/12, é

outro marco de vitória dos anos de luta do movimento negro. Importante ressaltar que quando

da aprovação da Lei, muitas universidades já possuíam por iniciativa própria ou do Estado em

que se localizavam uma política de cotas. Doze anos antes da Lei de Cotas, o Estado do Rio

de Janeiro instituiu a reserva de 50% das vagas das universidades estaduais para estudantes de

escola pública, e no ano seguinte, em 2001, institui cota de até 40% para negros e negras,

sendo assim o primeiro estado a instituir a política de cotas. Depois do Rio de Janeiro, a

Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) instituíram um

sistema de cotas, tipo de política de ação afirmativa de inclusão que veremos com mais

detalhes na sessão a seguir.

3.1.1. O debate sobre as “cotas” – a Lei 12.711/12

Antes de apresentar o histórico e a discussão acerca das políticas públicas de ação

90 Criada pela Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº 10.678. Foi vinculada ao

Ministério da Justiça no Governo de Michel Temer pela Medida Provisória nº 726 de maio de 2016. Em

fevereiro de 2017, a Medida Provisória incluiu a SEPPIR à estrutura do Ministério dos Direitos Humanos

122

afirmativa na forma de cotas para negros(as) e indígenas nas instituições de ensino superior,

faz-se importante retomar o que já fora apresentado na introdução: o ensino superior brasileiro

foi criado para atender aos interesses da elite do país e até o final do Século XX se

configurava como privilégio de uma minoria que representava pouco mais de 20% da

população de 18 a 24 anos, sendo ainda mais excludente para a população negra, uma vez

que, destes, apenas 4% eram negros. Ou seja, uma universidade inclusiva e diversa nunca

esteve no projeto político brasileiro que mantém um paradigma positivista de ciência que

deslegitima qualquer conhecimento que não se respalde em valores eurocêntricos.

Dito isso, torna-se menos surpreendente as reações contrárias à política de cotas

para as universidades brasileiras, conquistada através da luta dos movimentos negros que

reivindicaram e reivindicam políticas públicas que corrijam as diferenças socioeconômicas e

culturais causadas pelo legado da escravidão e pela ideologia da democracia racial.

Prova disso é que a Lei das cotas aprovada em 2012 é resultado de um longo

processo de debates e disputa pela inclusão da questão étnico-racial na reserva de vagas para o

ensino superior.

O projeto de lei que deu origem à Lei 12.711/12 data de 1999. Foi o PL nº73/1999

de autoria da Deputada Nice Lobão (PFL/MA) que dispunha sobre a reserva de 50% das

vagas nas universidades públicas, a serem preenchidas mediante seleção de alunos nos cursos

de ensino médio, tendo corno base o Coeficiente de Rendimento (CR), obtido através da

média aritmética das notas obtidas no período, considerando-se o currículo comum a ser

estabelecido pelo Ministério da Educação e do Desporto, ou seja, tratava-se de um novo

mecanismo de seleção de estudantes para ingresso no ensino superior, alternativo ao

vestibular, que previa a inclusão de estudantes das escolas públicas, mas ainda sem recorte

étnico-racial. O quadro a seguir apresenta os PLs que foram sendo apensados até chegar a

sanção da Lei 12.711/12

Quadro 2 – Projetos de Lei que resultaram na Lei 12.711/12

DATA APENSADO AUTOR(A) EMENTA

24/02/1999 PL 73/1999 Deputada Nice

Lobão (PFL/MA)

Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e

estaduais e dá outras providências. Reserva

cinquenta por cento das vagas para serem

preenchidas mediante seleção de alunos nos cursos

de ensino médio - cota universitária.

23/09/1999 PL 1.447/1999 Deputado Celso

Giglio (PTB/SP)

Dá nova redação ao art. 53 da Lei nº 9.394, de 24 de

dezembro de 1996, estabelecendo reserva de 40%

das vagas nas faculdades públicas, para alunos

oriundos de cursos médios, ministrados por escolas

123

públicas.

14/02/2000 PL 2.069/1999

Dep. Raimundo

Gomes de Matos

(PSDB/CE)

Dispõe sobre reserva de 50% das vagas nas

instituições de ensino superior públicas para alunos

que tenham cursado integralmente, os níveis

fundamental e médio em escolas públicas.

16/05/2000 PL 1643/1999 Senador Antero

Paes de Barro

(PSDB/MT)

Estabelece reserva de 50 % das vagas nas

universidades públicas para alunos que tenham

cursado integralmente, os níveis fundamental e

médio em escolas públicas. 13/12/2000 PL 1643/1999*

236/06/2004 PL 3.627/04

Poder executivo

(Ministro da

Educação Tarso

Genro)

Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para

estudantes egressos de escolas públicas, em especial

negros e indígenas, nas instituições públicas

federais de educação superior e dá outras

providências.

06/06/2005 PL 615/2003 Murilo Zauith

(PFL/MS)

Dispõe sobre a obrigatoriedade de vagas para

indígenas que forem classificados em processo

seletivo, independentemente de sua classificação,

sem prejuízo das vagas abertas para os demais

alunos.

11/08/2005 PL 1.313/03 Deputado Rodolfo

Pereira (PDT/RR)

Institui o Sistema de cota para a população

indígena nas Instituições de Ensino Superior.

28/05/2007

PL 373/03 Deputado Lincoln

Portela (PL/MG)

Institui cotas para idosos nas instituições públicas de

educação superior.

PL 2.923/04 Deputado Lincoln

Portela (PL/MG)

Dispõe sobre a dispensa de vestibular nas

universidades públicas federais para maiores de

sessenta anos de idade.

23/08/2007 PL 1.736/07

Deputado

Neucimar Fraga

(PR/ES)

Dispõe sobre reserva de vagas em instituições

públicas federais de ensino nas condições que

especifica (50% para estudantes que tenham cursado

integralmente o ensino público e destas vagas, a

proporção de autodeclarados negros e indígenas

de acordo com a população na Unidade da

Federação onde estiver localizada a instituição,

segundo o IBGE).

30/08/2007 PL 14/07

Deputado José

Aristodemo Pinotti

(DEM/SP)

Garante, no mínimo, 20% (vinte por cento) das

vagas nas universidades públicas aos alunos que

tenham cursado todo ensino médio em

estabelecimento público de ensino, modificando o

inciso IV do art. 53 da Lei nº 9.394/96.

04/09/2008 PL 3.913/08 Senador Ideli

Salvatti (PT/SC)

Institui o sistema de reserva de vagas para

estudantes egressos de escolas públicas nas

instituições federais de educação superior,

profissional e tecnológica.

29/08/2012 Lei 12.711/12

Fonte: câmara.gov.br

Elaboração própria

* A repetição de apensamentos deve-se à discussão nas diferentes Comissões onde os PLs são desapensados e

apensados novamente em novas discussões

Como foi possível visualizar no quadro, apenas em 2004 é incluída a questão

étnico-racial no debate sobre cotas. O PL 3.627/04 foi o primeiro a trazer o debate sobre a

124

necessidade de inclusão de pessoas negras e indígenas. O projeto previa a reserva de 50% das

vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas e,

destas, a proporção de autodeclarados negros e indígenas na população da Unidade da

Federação onde estivesse situada a instituição, segundo o último censo do IBGE.

Dos doze projetos apresentados antes da Lei 12.71/12, apenas dois incluíam a

questão étnico-racial na política de inclusão ao ensino superior e dois traziam apenas a

questão indígena para o foco do debate. Desta forma, foram 13 anos de disputas entre diversas

propostas até chegar à Lei 12.711, sancionada em 29 de agosto de 201291

, pela então

presidenta Dilma Rousseff. De acordo com a Lei:

Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da

Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de

graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas

para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas

públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50%

(cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias

com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per

capita.

Art. 2o (VETADO).

Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art.

1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos

e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção

ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos,

indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde

está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística - IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)

A Lei 12.711/12 ficou conhecida popularmente como a Lei de Cotas e acalorou o

debate nacional sobre as relações étnico-raciais, acabando por explicitar o racismo na

perversidade de quem utiliza-se da ideologia da democracia racial para reclamar uma

igualdade falsa que mantém o status quo no qual a população negra se mantém em

desvantagem em todas as esferas da sociedade.

Importante destacar que antes da Lei, 40 das 58 universidades federais já

realizavam alguma modalidade de ação afirmativa, entretanto, ao homogeneizar os

procedimentos e estabelecer a obrigatoriedade da reserva de vagas, a Lei passa a assegurar

uma maior efetividade da ação afirmativa (FERES JÚNIOR et. Al, 2013). Além disso, 27

91 A lei foi regulamentada pela Portaria Normativa nº 18 do MEC, de 11 de outubro de 2012, e o Decreto nº

7.824, da mesma data.

125

universidades estaduais já possuíam algum tipo de ação afirmativa antes da Lei (que abarca

apenas as instituições federais), conforme se pode observar no gráfico a seguir:

Gráfico 2 - Universidades com Ação Afirmativa de inclusão antes da Lei 12.711/12

Conforme foi possível observar, diversas universidades públicas, federais e

estaduais já praticavam algum tipo de ação afirmativa de inclusão antes da Lei normatizar a

política para as instituições federais.

A nível estadual, conforme apresentado no capítulo anterior, o Estado do Rio de

Janeiro foi o pioneiro na discussão de cotas. A Lei Estadual nº 3.527/00 estabeleceu a reserva

de 50% das vagas para estudantes que cursaram integralmente os Ensinos fundamental e

médio em instituições da rede pública dos Municípios e/ou do Estado (RJ) nas duas

universidades estaduais – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade

Estadual do Norte Fluminense (UENF). A partir de 2001, a Lei Estadual n. 3708/01

estabeleceu cota de até 40% para a população negra no preenchimento das vagas relativas aos

cursos de graduação destas Universidades (RIO DE JANEIRO, 2000; 2001). Nos anos

seguintes, o Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul

estabeleceram Leis Estaduais para políticas de ação afirmativa.

A UnB, no entanto, foi a primeira universidade pública federal a adotar 20% de

cotas para a população negra e indígena, iniciando a inclusão no segundo semestre de 2004.

De acordo com Filice e Santos (2010) a UnB descarta, desta forma, a indiferença e o

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

2 2 2 1

7

1

4

1 3

4

1

0 1

3

6

4

5

12

7

2

IES Estadual IES Federal

126

desconhecimento do mundo acadêmico com a relação à exclusão racial, rompe com a

homogeneidade racial no corpo discente e abre novos saberes originários de outras realidades

vividas.

O quadro a seguir apresenta as universidades públicas – estaduais e federais – que

estabeleceram algum tipo de política de ação afirmativa antes de se tornar Lei em âmbito

federal.

Quadro 1 - Adoção de Política de Ação Afirmativa nas IES brasileiras – 2000 a 2014

AN

O

IES PAA Beneficiários %

reserva

Meio de

adoção

20

00

Universidade Estadual do

Norte Fluminense Darcy

Ribeiro - UENF

Cota

Escola pública, negros,

indígenas, pessoas com

deficiência, outros

45,5% Lei Estadual

Universidade do Estado do

Rio de Janeiro - UERJ Cota

Escola pública, negros,

indígenas, pessoas com

deficiência, outros

45,0% Lei Estadual

20

01

Universidade Estadual do

Paraná - UNESPAR

Acréscimo

de Vaga Indígenas Lei Estadual

Universidade Estadual do

Norte do Paraná -

UNESPAR

Acréscimo

de Vaga Indígenas Lei Estadual

20

02

Universidade do Estado do

Rio Grande do Norte -

UERN

Cota Escola pública e pessoas com

deficiência 56,8% Lei Estadual

Universidade Estadual do

Rio Grande do Sul -

UERGS

Cota

Escola pública, negros,

indígenas e pessoas com

deficiência

60,3% Lei Estadual

20

03 Universidade Estadual de

Mato Grosso do Sul -

UEMS

Cota Negros e indígenas 30,1% Lei Estadual

20

04

Universidade de Brasília -

UnB

Cota e

acréscimo

de vaga

Negros e indígenas 20,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade do Estado do

Amazonas (UEA)

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública, indígenas e

residentes do Estado 75,0% Lei Estadual

20

04

Universidade do Estado de

Mato Grosso Unemat

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública, negros e

indígenas 60,5%

Resolução

Conselho

Universitário

Universidade (Estadual) de

Pernambuco Cota Escola Pública 20,0%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Estadual de

Alagoas - UNEAL Cota Escola Pública 49,9% Lei Estadual

Universidade Federal do

Recôncavo da Bahia -

UFRB

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola Pública, Baixa renda,

negros, indígenas,

quilombolas e pessoas com

51,4%

Resolução do

Conselho

Universitário e

127

deficiência Lei Federal

Universidade Estadual de

Montes Claros - Unimontes Cota

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

45,0% Lei Estadual

Universidade do Estado de

Minas Gerais - UEMG Cota

Escola pública, negros,

indígenas e pessoas com

deficiência

49,9% Lei Estadual

Universidade Estadual de

Campinas - Unicamp Bônus

Escola Pública, negros e

indígenas

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Federal do

Tocantins - UFT Cota

Indígenas (1ª a adotar cotas p

indígenas) 5,0%

Resolução do

Conselho de

Ensino,

Pesquisa e

Extensão, Lei

Federal

20

05

Universidade Federal da

Bahia Cota

Escola pública, negros e

indígenas 45,0%

CONSEPE N°

3A/2004

Universidade da Integração

Internacional da Lusofonia

Afro-Brasileira - UNILAB

Cota e

bônus

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,4% Lei Federal

Universidade Federal do

Rio Grande do Norte -

UFRN

Cota e

bônus

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e residentes

do interior

50,1%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal do

Pará - UFPA

Cota,

Bônus e

acréscimo

de vaga

Escola Pública, Baixa renda,

negros, indígenas,

quilombolas e pessoas com

deficiência

54,6%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Juiz de Fora - UFJF Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,6%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

São Paulo - Unifesp Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Estadual de

Londrina

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública e negros 40,1%

Resolução do

Conselho

Universitário

20

06

Universidade Federal do

Maranhão - UFMA Cota

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

59,1%

Resolução

Conselho

Universitário

Universidade de São Paulo -

USP

Cota e

bônus

Escola Pública, negros e

indígenas 10,5%

Resolução do

Conselho

Universitário

20

06

Universidade Federal Rural

de Pernambuco - UFRPE

Cota e

bônus

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e residentes

do interior

50,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Estadual de

Feira de Santana - UEFS

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública, negros,

indígenas e quilombolas 55,5%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Estadual de

Santa Cruz - UESC Cota

Escola pública, negros,

indígenas e quilombolas 52,0%

Resolução do

Conselho

Universitário

128

Universidade Estadual de

Ponta Grossa - UEPG Cota

Escola pública, negros e

indígenas 37,9%

Resolução do

Conselho

Universitário

20

07

Universidade do Estado da

Bahia - UNEB

Cota e

acréscimo

de vaga

Negros e indígenas 46,1%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Federal

Fluminense - UFF

Cota e

Bônus

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 51,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal do

ABC - UFABC Cota

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

53,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal do

Paraná - UFPR

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

50,8%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Santa Catarina

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 52,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Santa Maria Cota

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

52,8%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

20

08

Universidade do Estado do

Amapá Cota

Escola pública, negros,

indígenas e pessoas com

deficiência

11,8% Lei Estadual

Universidade Estadual do

Piauí - UESPI Cota Escola pública e negros 29,3%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Estadual de

Ciências da Saúde de

Alagoas - UNCISAL

Cota Escola Pública 50,0%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Federal de

Sergipe - UFS Cota

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

52,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Goiás - UFG Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,1%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal dos

Vales do Jequitinhonha e

Mucuri - UFVJM

Cota Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,7%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Uberlândia - UFU Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,3%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Ouro Preto - UFOP Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 44,6%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Minas Gerais - UFMG Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

129

Lei Federal

Universidade Federal do

Espírito Santo - UFES Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 56,1%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Fundação Universidade

Federal da Grande

Dourados - UFGD

Cota Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 51,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

São Carlos - UFSCar

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola Pública, baixa renda,

negros, indígenas e refugiados 52,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal da

Grande Dourados - UFGD cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 51,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Estadual de

Maringa - UEM Cota Escola pública e indígenas 15,5% Lei Estadual

20

09

Universidade Estadual da

Paraíba - UEPB Cota Escola Pública 23,2%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Federal do

Piauí - UFPI Cota

Escola pública, baixa renda,

pretos e pardos, indígenas 50,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia - UESB

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola pública, negros,

indígenas e quilombolas 61,7%

Resolução do

Conselho

Universitário

Universidade Federal do

Triângulo Mineiro - UFTM Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

Viçosa - UFV Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,2%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Federal de

São João Del-Rei - UFSJ Cota

Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,3%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

Universidade Estadual do

Oeste do Paraná - Unioeste

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola Pública e Indígenas 29,9% Lei Estadual

20

09

Universidade Estadual do

Centro-Oeste - Unicentro

Cota e

acréscimo

de vaga

Escola Pública e Indígenas 20,0% Lei Estadual

Universidade Federal do

Pampa - Unipampa Cota

Escola pública, baixa renda,

negros, indígenas e pessoas

com deficiência

52,1%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

20

10 Universidade Federal do

Vale do São Francisco -

Univasf

Cota Escola pública, baixa renda,

negros e indígenas 50,0%

Resolução do

Conselho

Universitário e

Lei Federal

130

20

11

Universidade do Estado de

Santa Catarina - UDESC Cota Escola pública e negros 30,0%

Resolução do

Conselho

Universitário

20

14 Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita

Filho - UNESP

Cota Escola Pública, negros e

indígenas 35,4%

Resolução do

Conselho

Universitário

20

16

Universidade Estadual de

Campinas Cota

Aprova a adoção de cotas e

vestibular indígena para o

vestibular 2019.

Elaboração própria.

Fonte: Mapa das Ações Afirmativas do GEMAA e Portal MEC

Desde então iniciou-se nos cenários acadêmico, midiático e social de forma geral,

um debate entre favoráveis e contrários às cotas nas universidades, como também o

questionamento sobre a constitucionalidade das mesmas. Debate que, nestes termos, deveria

ter se findado quando, em abril de 201292

, os ministros votaram em unanimidade a favor do

voto do relator ministro Ricardo Lewandowski (2012) que decidiu pela constitucionalidade

das cotas ao examinar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental atos que

instituíram o sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial (cotas) no

processo de seleção para ingresso em Instituição Pública de ensino Superior, alegada ofensas

aos Arts. 1º, Caput, III, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, Caput, 205, 206, Caput, I,

207, CAPUT, E 208, V, todos da Constituição Federação, requerida pelos Democratas

(DEM).

O ministro justificou sua decisão, dentre outros pontos, explicando que a adoção

das políticas de ação afirmativa leva à superação de uma perspectiva meramente formal do

princípio da isonomia, integra o próprio cerne do conceito de democracia e nas palavras de

Boaventura de Sousa Santos93

(LEWANDOWSKI, 2012) coloca que

(...) temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o

direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a

necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que

não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

92 O Acórdão de ADPF foi publicado na íntegra apenas em 20 de outubro de 2014 devido a pendências na

Secretaria Judiciário do STF. 93

SANTOS, B. de S. S.. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 56.

131

Lewandowski coloca ainda que a Constituição de 1988 não se restringe a

proclamar solenemente, em palavras grandiloquentes, a igualdade de todos diante da lei, mas

buscou emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, de maneira a assegurar a

igualdade material ou substancial a todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no país,

levando em consideração a diferença que os distingue por razões, naturais, culturais, sociais,

econômicas ou até mesmo acidentais. A Portaria Normativa nº 18 do MEC, de 11 de outubro

de 2012, e o Decreto nº 7.824, também de 11 de outubro de 2012, regulamentam a questão.

Assim, a universidade pública brasileira está sendo chamada a participar da

correção dos erros de 500 anos de colonialismo, escravidão, extermínio físico, psicológico e

simbólico dos povos indígenas e negros africanos e seus descendentes (SILVA, 2003). Para

Antonio Sergio Guimaraes, professor da USP, a sociedade está cada vez mais democrática e

há uma questão de princípio no critério de cotas: a finalidade é aumentar a inclusão e fazer

com que a elite intelectual não se confunda com a elite econômica, que pessoas talentosas,

mas pobres não sejam simplesmente barradas. Essa perversão do sistema é o que se busca

corrigir (MARQUES, 2008).

No entanto, apesar de julgada a constitucionalidade das cotas, há ainda muita

discussão e contrariedade a tais políticas de ação afirmativa voltadas a esses grupos em

específico. Paixão (2008) apresenta sete matrizes teóricas mobilizadas para combater a

validade das políticas de promoção da igualdade racial com foco em cotas raciais. São elas:

liberal; democrático-racial; nacionalista; culturalista contemporânea; funcionalista; marxista e

geneticista.

A fundamentação liberal embasa-se primordialmente no conceito de igualdade

jurídica de todos os cidadãos, como também no mérito num ideário individualista liberal

(PAIXÃO, 2008). Entretanto, as cotas – sociais e raciais – não tiram o mérito na disputa por

uma vaga no ensino superior tendo em vista que o número total de concluintes no ensino

médio (1.877.960 em 2012) é maior que o número de vagas disponíveis no ensino superior

público federal (334.212 vagas em 2012). Além do mais, se formos levar em consideração a

porcentagem (%) de estudantes vindos do ensino médio público, a concorrência em números

absolutos, mesmo com cotas, para estes acaba sendo abundantemente maior que a

concorrência para os estudantes de escola privada conforme é possível observar nos gráficos a

seguir:

132

Gráfico 3 - Concorrência às vagas nas Universidades Federais segundo % de concluintes e vagas

Fonte: INEP, 2014; Lei 12.711/12. Elaboração própria

Gráfico 4 - Relação entre número absoluto de concluintes do Ensino Médio e vagas em instituições

públicas federais de nível superior

Fonte: Censo, 2013; INEP, 2014. Elaboração própria

Os gráficos ilustram como a reserva de vagas implementada após a Lei para as

universidades federais não elimina a meritocracia para os concorrentes, sejam optantes pelo

sistema de cotas, ou não. O que a Lei busca é separar a concorrência, inserindo a disputa entre

iguais. Ainda assim, a concorrência entre pessoas que optaram pelo sistema de cotas no

processo seletivo de 2013, em números absolutos, seria de 10 candidatos/vaga, enquanto para

EM Público EM Privado

87,2%

12,8%

50,0% 50,0%

% estudantes

Cotas

EM Público EM Privado

1637581

240379

334212 334212

Concluintes EM (2012)

Vagas ES Público Federal

133

os concluintes de escolas privadas na ampla concorrência, seria de 1,5 candidatos/vaga,

considerando em ambos os casos um cenário ideal em que só os concluintes concorressem às

vagas e desconsiderando as diferenças de concorrências entre os diferentes cursos, o que não

reflete a realidade, na qual muitos tentam uma vaga por vários anos, aumentando assim a

concorrência em ambos os tipos de vagas – concorrência ampla e cotas.

A segunda vertente contrária às cotas é a democrático-racial que se pauta na

ideologia da democracia racial, ideia que tem uma longa trajetória no pensamento social e do

senso comum brasileiro que, além de acreditar que as relações raciais são harmônicas e

igualitárias, coloca ainda que “num país em que ninguém sabe ao certo quem é branco e quem

é negro, a medida é de difícil aplicação” (KAMEL apud PAIXÃO, 2008, p. 139).

Na fundamentação nacionalista expressa-se o racismo estruturante da sociedade.

Isto porque, os autores contrários às políticas de ação afirmativa, nesta perspectiva,

argumentam que as especificidades culturais são fundamentais em termos da construção de

um ambiente ideológico e cultural propício ao desenvolvimento econômico e institucional do

Brasil. Inferimos, portanto, que, ao afirmar isso, tal perspectiva nega a possibilidade de

desenvolvimento a partir da inclusão dos povos minorizados numa clara acepção racista. De

acordo com Paixão (2008, p. 159) “parece óbvio que quando os nacionalistas, em nome da

preservação de algum patrimônio cultural imaterial tipicamente brasileiro, se opões às

políticas de equidade racial, estão mais justificando as tradicionais hierarquias socioraciais”.

A 4ª corrente apresentada é a culturalista contemporânea na qual se reconhece

que a democracia racial é, de fato, um mito, no entanto, há a crença de que no Brasil há

espaços de relações inter-raciais e de repúdio ao racismo e, portanto, as políticas de ação

afirmativa (PAAs) poderiam colocar em risco os princípios de paz inter-racial vigente.

(PAIXÃO, 2008) Wedderbrun (2007) explica que os defensores do status quo racial na

América Latina argumentam que a implementação de medidas étnico-raciais resultará em

rachaduras na coexistência inter-racial harmônica que prevalece na América Latina em

contraposição ao resto do mundo.

A crítica funcionalista é a 5º corrente e nesta, os críticos às cotas endossam a

crença de que “as desigualdades raciais brasileiras seriam produtos espontâneos, causados

pela maior concentração de afro-descendentes na população mais pobre (PAIXÃO, 2008,

p.147), não estando esta situação ligada às relações raciais vigentes, mas sim ao preconceito

social. A teoria funcionalista elabora o estratagema de afirmar que a pobreza não tem cor,

embora reconheça que quem carrega as marcas raciais negra é, em geral, pobre.

134

Entretanto, a história pode fornecer elementos para ilustrar como as desigualdades

entre negos e brancos foram construídas socialmente durante os quase 400 anos de escravidão

que, além de toda a violência física e simbólica, impôs no campo educacional medidas legais

que impediram o acesso da população negra à escola. Exemplo disso é o Artigo 69 do Decreto

nº 1.331 de 1854 (BRASIL, 1854) que estabelecia que:

Art. 69. Não serão admitidos à matricula, nem poderão frequentar as escolas:

§ 1º Os meninos que padecerem moléstias contagiosas.

§ 2º Os que não tiverem sido vacinados.

§ 3º Os escravos. (BRASIL, 1854). [grifo nosso]

Feres Júnior et. al (2013) atenta que a alegação de que a adoção exclusiva de cotas

sociais nas universidades, com o argumento de que os negros estão concentrados nas classes

sociais mais baixas e, portanto, esses grupos seriam imediatamente incluídos, não se

comprova empiricamente. Os autores explicam que:

Segundo o pesquisador Thomas Weisskopf, “quanto maior a aceitação em definir

beneficiários de políticas sociais em termos étnicos – e não sócio-econômicos –

maiores serão os benefícios da discriminação positiva” (Weisskopf, 2004: 9194

). De

acordo com o modelo de Darity, Deshpande & Weisskopf (2011), políticas de ação

afirmativa baseadas exclusivamente em classe em vez de raça e etnicidade falham

em incluir membros dos grupos étnico-raciais discriminados. Os autores testam o

argumento que sustenta que o critério socioeconômico é a melhor forma de

promover a integração racial – dada forte convergência entre raça e classe – a partir

de um modelo aplicado aos casos dos Estados Unidos e Índia.

De acordo com as estimativas estatísticas para esses dois casos, a adoção dos

critérios de classe ou de raça/casta/etnicidade conduz a resultados muito distintos.

No primeiro caso, isto é, quando as ações afirmativas baseiam-se no critério da

renda familiar apenas, o número de potenciais beneficiários provenientes dos grupos

étnicoraciais discriminados cai substancialmente e eleva-se o percentual de

potenciais beneficiários de grupos que não sofrem discriminação. No segundo caso,

o objetivo de dessegregar as elites, introduzindo nelas membros de grupos

discriminados, é atingido de forma mais eficaz. A análise procura demonstrar que a

substituição de políticas baseadas em raça e etnicidade por políticas que utilizam

apenas o critério de renda pode inclusive agravar a discriminação do grupo étnico-

racial visado, uma vez que são excluídos do benefício justamente aqueles indivíduos

do grupo que melhor poderiam se qualificar para as vagas ofertadas (Darity,

Deshpande & Weisskopf, 201195

apud FERES JÚNIOR et. al., 2013, p. 17).

A 6ª corrente vem do campo da esquerda, na qual os marxistas ortodoxos se

opõem às PPAAs pois, para estes, a contradição se dá entre operários e os proprietários dos

meios de produção. Para a tradição marxista, determinadas lutas – tais como a antissexista,

antirracista ou em prol da preservação ambiental, por exemplo, atingiriam seus objetivos após

94 Weisskopf, Thomas E. Affirmative Action in the United States and India. Londres: Routledge, 2004

95 Darity, William, Deshpande, Ashwini, & Weisskopf, Thomas. “Who Is Eligible? Should Affirmative Action

be Group- or Class-Based?” In: American Journal of Economics and Sociology, vol. 70, nº. 1: 238-268, 2011

135

a superação da sociedade capitalista, antes disso, elas assumem um caráter que acaba por

dividir a classe operária. Importante destacar que:

Evidentemente, não se ignora que a tradição marxista incorpora diversas correntes e

que, portanto, no seu interior podemos encontrar diversos autores vinculados a este

aporte que leem, por exemplo, o racismo como estrutural do sistema capitalista:

Oliver Cox, Jean-Paul Sartre, Franz Fanon, herbert Blaumer e, mencionando

intelectuais marxistas brasileiros, Leôncio Basbaum e Florestan Fernandes

(PAIXÃO, 2008, p. 149).

Glória (2006) e Leite (2011; 2012) são autoras que combatem o princípio das

cotas sob a prerrogativa marxista ortodoxa. Para as autoras, as cotas são uma estratégia do

capitalismo e do neoliberalismo que visam eliminar a luta política dos trabalhadores e

escamotear as expressões da questão social, sendo as políticas públicas de caráter universal

capazes de contribuir para a construção de uma sociedade justa e igualitária,

Por fim, a perspectiva geneticista se baseia na questão racial pelo viés da origem

genética de que “todos os seres humanos atualmente presentes na Terra compartilham um

ancestral africano relativamente recente” (PENA; BRICHAL, 2006). Esses argumentos

acabam servindo de fundamentação para os contrários às cotas, que se utilizam da

mobilização instrumental da genética para deslegitimar o discurso do povo negro, racialmente

discriminado (PAIXÃO, 2008).

O médico (geneticista) Sérgio D. J. Pena é um expoente no Brasil desta

perspectiva provando com seus estudos a inexistência de diferenças genéticas significativas

entre “brancos” e “negros”. No artigo “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das

cotas universitárias e demais ações afirmativas?”, que assina junto com a bióloga Maria Cátira

Bortolini, ambos buscam deslegitimar a política de cotas a partir do perfil genético da

população brasileira afirmando que

muitos dos que se identificam como negros apresentam uma proporção significativa

de ancestralidade européia. Dessa maneira, não é nada surpreendente que existam

confusões e problemas relacionados aos critérios adotados para definir quem deve

ser beneficiado pelas políticas de ação afirmativa no Brasil (PENA, BORTOLINI,

2004, p.46).

O médico afirma ainda em entrevista que

manter o conceito de raça vivo é igual a ter em casa um pitbull: a qualquer hora ele pode

te morder. Parece irrelevante acreditar que as raças existem. Até que, de repente, começa a

haver uma luta entre elas. E aí se cria um problema. No Brasil, a questão de cotas raciais

tem gerado conflito. Se tivessem feito um programa de ações afirmativas com bases mais

financeiras e de classes, mais do que de raças, os mesmos objetivos seriam atingidos sem

criar ressentimentos96

.

96 https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2017/07/racas-nao-existem-trata-se-de-um-conceito-

136

Yvonne Maggie e Peter Fry (2004, p. 70), apesar de não serem autores da linha

geneticista, constroem a partir da perspectiva biológica de raça, que ignora a construção social

e a luta de grande parte do movimento negro97

acerca do termo, a argumentação contrária à

política de cotas, aproximando-se da perspectiva geneticista. Para os antropólogos

as "raças" de fato não existem naturalmente, e um sistema de cotas implica

logicamente a criação de duas categorias "raciais": os que têm direito e os que não

têm. Afinal, ou você tem direito à cota ou não tem! O sistema de cotas, então,

representa, de certa forma, a "vitória" de uma taxonomia bipolar sobre a velha e

tradicional taxonomia de muitas categorias

Como se viu, de forma geral, as críticas se baseiam na ideia de meritocracia, de

democracia racial, da não racialização e na luta de classes como única possibilidade de

superação do racismo, o que inclui a ideia de políticas universalistas para enfrentamento das

desigualdades. No entanto, Norões (2011) explica que apesar de toda a polêmica em torno das

cotas raciais, foram essas que possibilitaram alguns avanços sociais à medida que para

discuti-las tornou-se necessário discutir estrutura, marginalização social e meios para

modificar os índices alarmantes de desigualdade salarial, mortalidade juvenil, violência

policial, perseguição religiosa, entre outros, denunciados há tempos pela população negra,

encarnada nos movimentos negros.

Para Gomes (2007) as ações afirmativas, como as cotas, concebidas com o

objetivo de quebrar as dinâmicas perversas das desigualdades sociais que operam

principalmente nas minorias, notadamente as minorias raciais, sofrem o influxo de forças

contrapostas e atraem resistência porque alteram estruturas ocupadas por aqueles que

historicamente se beneficiavam da exclusão dos grupos excluídos e marginalizados. Além

disso, as políticas de ação afirmativa na forma de cotas, por exemplo, não desvalorizam o

princípio do mérito, mas o reafirmam uma vez que a prática cotidiana e os dados estatísticos

mostram que diante de qualificações iguais existe preferência em favor do branco98

. Desta

inventado-garante-o-geneticista-sergio-pena-9835374.html 97

O movimento Negro embora utilizado no singular é plural e possui diversas vertentes político-ideológicas. 98

Um exemplo disso é o caso do Professor de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo que afirmou

em sala de aula que prefere ser atendido por um médico branco a um negro. Em entrevista a um Jornal, ele negou

essa frase, mas afirmou ter dito, sim, que preferia ser atendido por um médico branco, pela "possibilidade

estatística" deste ter tido uma melhor formação ("mais preciosa, mais cultivada") do que um colega negro, caso o

currículo de ambos fosse igual. Correio 24 horas. Professor causa polêmica ao dizer que prefere ser atendido por

médicos brancos a negros.

137

forma, cabe à política pública intervir no sentido de reverter esta situação de desigualdade

arbitrária baseada na ação discriminatória (JACCOUD; BEGHIN, 2002).

Ao encontro disso, Volpe e Silva (2016) explicam que as ações afirmativas

destinadas à população negra sempre foram objeto de contestação mais intensa porque se nega

o racismo, ou acredita-se que ele opera apenas subjugado a condições socioeconômicas. No

entanto, uma prova da discrepância racial, de acordo com Kleinke (2006), é que basta um

olhar mais atento a um campus de universidade pública para se perceber que, apesar de o

Brasil apresentar uma população parcialmente pobre, negra e mestiça, os estudantes das

universidades públicas são ainda, em sua grande maioria, ricos e brancos. É neste cenário real

que se encontram as fundamentações para o desenvolvimento de políticas de acesso à

educação superior, tendo em vista diminuir essa discrepância. Completando a proposta de

empiria de Kleinke, destacamos ainda que, também com um olhar atento, é possível notar que

a maioria dos trabalhadores terceirizados das universidades são negros e negras.

A ação afirmativa, na forma de cotas, nas universidades brasileiras traz uma

população antes excluída deste nível de ensino, mas ainda o faz, de forma geral, numa

perspectiva multiculturalista prescritiva, ou seja, pessoas pobres, negras e indígenas são

incluídas no ensino superior, mas sem que se questione o caráter monocultural presente na

dinâmica acadêmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo, quanto às estratégias

utilizadas em sala de aula, aos valores privilegiados etc. (CANDAU, 2008).

Hooks (2017) evidencia como a integração racial educacional dos EUA

transformou a experiência do aprendizado como revolução em uma educação bancária. Conta

a autora:

Quando entramos em escolas brancas, racistas e dessegregadas, deixamos para trás

um mundo onde os professores acreditavam que precisavam de um compromisso

político para educar corretamente as crianças negras. De repente, passamos a ter aula

como professores brancos cujas lições reforçavam os estereótipos racistas. Para as

crianças negras, a educação já não tinha a ver com prática de liberdade (HOOKS,

2017, p. 12).

Por isso, não basta incluir num processo de “neo-aculturação”, é necessário pensar

em uma educação decolonial, que surja da perspectiva de uma interculturalidade crítica, ou

seja, capaz de reconhecer e romper com a hierarquia existente entre as culturas, filosofias,

pedagogias e epistemologias. Isto porque, em boa medida, o combate à pobreza passa pela

inclusão da criança e do jovem negro nas instituições educacionais, no entanto, com a

possibilidade de uma educação de qualidade que consiga ensinar, sem mistificação, a

138

contribuição de cada raça e de cada etnia na formação sociocultural do Brasil. A construção

deste processo escolar depende de uma política educacional que considere, principalmente,

duas condições básicas: a inclusão imediata dos jovens negros nas universidades e a

reformulação curricular a partir de parâmetros multiculturais (SILVÉRIO, 2002) e

decoloniais. De acordo com Norões (2011) assumir políticas públicas de ação afirmativa

requer um modelo de Estado assumidamente intercultural, o que significa a continuação e

aprofundamento das discussões acerca das PPAAs a fim de construir outra sociedade a ser

assumida por todas e todos.

Neste cenário, de fato, as cotas são uma barreira eficaz à progressão do racismo e

das desigualdades sociais que dele se desenvolvem. “Por isso, derrubá-las é uma necessidade

de todo projeto conservador de sustentação de um status quo sócio-racial baseado na

dominação hegemônica de uma raça sobre outra, e da supremacia social de uma classe sobre

todas as outras” (WEDDERBRUN, 2007, p. 318).

As Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino de História da

África, Cultura Africana e afro-brasileira e indígena, e a educação das relações étnico-raciais

nos currículos escolares da Educação Básica vêm no sentido de romper com o caráter

monocultural presente nas instituições e também, de acordo com Filice e Santos (2010) as

Leis, se cumpridas, serviriam de mecanismos sensibilizador para a maior compreensão e

aceitação das políticas de cotas nas universidades públicas brasileiras. Ao encontro disso,

Oliveira e Candau (2010) colocam que a possibilidade de uma emancipação epistêmica se dá

na coexistência de diferentes epistemes ou formas de produção de conhecimento entre

intelectuais da academia e dos movimentos sociais.

Esta reflexão dialoga com a nossa hipótese de que estas PPAAs são instrumentos

que possibilitam o rompimento com a colonialidade, ou seja, com a exclusividade

eurocêntrica presente no Ensino Superior e que reverbera em todos os níveis de ensino. A

discussão seguinte, a respeito das Leis 10.639/03 e 11.645/08 evidenciará melhor esta

possibilidade.

3.1.2. História e Cultura africana, afro-brasileira e indígena – as Leis 10.639/03 e

11.645/08

Para lecionar em comunidades diversas, precisamos mudar não só

139

nossos paradigmas, mas também o modo como pensamos, escrevemos

e falamos. (HOOKS, 2017, p. 22)

Muitas das crianças que frequentam a escola se deparam com o ensino de uma

história que não é a sua. “Os livros lhe falam de um mundo que em nada lembra o seu; o

menino chama-se Toto e a menina Marie; e, nas tardes de inverno, Marie e Toto voltam para

casa por caminhos cobertos de neve, detêm-se diante do mercado de castanhas” (MEMMI,

1978, p. 96). Silvério explica que muitas crianças negras, no Brasil e no mundo, “sentem-se

silenciadas, ou seja, sentem que suas vozes, experiências e histórias não são validadas e

ouvidas pela escola” (2002, p. 242).

Num aceno positivo a uma pauta histórica do Movimento Negro, o então

presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 09 de janeiro de 2003 a Lei 10.639/03 que

tornou obrigatório o ensino de História e Cultura africana e afro-brasileira na Educação

Básica e o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra” ao alterar os artigos

26-A e 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em 2008 a Lei 11.645

incluiu no artigo 26-A o estudo da História e Cultura Indígena. O Artigo 26-A tem atualmente

a seguinte redação:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,

públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira

e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 1

o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos

da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir

desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos,

a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena

brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas

contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do

Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 2

o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos

indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em

especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação

dada pela Lei nº 11.645, de 2008) (BRASIL, 2008).

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional

da Consciência Negra’. (Incluído pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003)

Ambas são leis inseridas no âmbito das políticas públicas de ação afirmativa

sancionadas como resultado da legitimidade ganha pelo movimento negro na batalha para

atacar as persistentes e crescentes desigualdades raciais no país e convencer a opinião pública

e o governo federal de que há uma questão racial a ser enfrentada no Brasil (GUIMARÃES,

2009). Assim, elas visam romper com o racismo epistêmico trazendo para dentro da sala de

140

aula representações positivas acerca da população negra e indígena. Importante destacar aqui

que as Leis, quando colocadas em prática, agem em consonância com a Constituição Federal

que determina em seu Artigo 215, § 1o que “o Estado protegerá as manifestações das culturas

populares, indígena e afro-brasileiras” (BRASIL, 1988).

Neste cenário, a escola tem um papel importante a cumprir diante dos

preconceitos e discriminações raciais. Ela deve ser o espaço de práticas pedagógicas e

estratégias de promoção da igualdade racial a partir do conhecimento sobre a história e a

cultura africana, afro-brasileira e indígena para superar opiniões preconceituosas e denunciar

o racismo existente, rompendo com a ideologia da democracia racial (GOMES, 2005).

Neste sentido, estamos de acordo com Miranda (2013, p. 103) para quem

Assumidamente, o que propomos são bases teórico-metodológicas que nos permitam

experiências curriculares expedicionárias capazes de influir nas “desaprendizagens”

que, na atualidade, empurram as portas das instituições educacionais sustentadas,

ainda, por orientações eurocêntricas das práticas pedagógicas.

[...]

As trajetórias dos sujeitos representados como o “Diferente” da colonização passam

a ganhar relevo, bem como suas ancestralidades, tendo em vista os objetivos da

agenda antirracista a qual defendemos.

Desta forma, salientamos que embora no artigo da Lei o escopo seja a Educação

Básica, os diversos documentos que visam orientar e normatizar a aplicabilidade da lei

ampliam o escopo para todos os níveis e modalidade da educação brasileira. O Parecer

CNE/CP003/2004 (BRASIL, 2004a) que apresenta as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCNs) para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana dispõe que deverá haver a

Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino Superior, nos

conteúdos de disciplinas e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de

Educação das Relações Étnico-Raciais, de conhecimentos de matriz africana e/ou

que dizem respeito à população negra. Por exemplo: em Medicina, entre outras

questões, estudo da anemia falciforme, da problemática da pressão alta; em

Matemática, contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela Etno-

Matemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições

de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade.

[...]

Inclusão, em documentos normativos e de planejamento dos estabelecimentos de

ensino de todos os níveis - estatutos, regimentos, planos pedagógicos, planos de

ensino - de objetivos explícitos, assim como de procedimentos para sua consecução,

visando ao combate do racismo, das discriminações, e ao reconhecimento,

valorização e ao respeito das histórias e culturas afro-brasileira e africana (BRASIL,

2004a, p.14) [grifo nosso].

Mais especificamente, o Parecer enfatiza em diversos tópicos a necessidade da

inclusão da questão racial como parte integrante da matriz curricular dos cursos de formação

141

de professores, inclusive de docentes do Ensino Superior, como também a necessidade de

adequação dos mecanismos de avaliação nos itens relativos a currículo, atendimento aos

alunos, projeto pedagógico, plano institucional, de quesitos que contemplem as orientações e

exigências formuladas pelo Parecer. (BRASIL, 2004a).

A Resolução Nº 1 de 17 de junho de 2004 que institui as Diretrizes para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana determinam no Artigo 1º que a resolução deve ser observada pelas instituições de

ensino que atuam em todos os níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial,

por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores.

Os parágrafos a seguir complementam:

§ 1º As instituições de ensino superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e

atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-

Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos

afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP003/2004.

§ 2º O cumprimento das referidas Diretrizes Curriculares, por parte das instituições

de ensino, será considerado na avaliação das condições de funcionamento do

estabelecimento (BRASIL, 2004b).

No Parecer CNE/CEB Nº2/2007 quanto à abrangência das DCNs para a Educação

das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

(BRASIL, 2007) é relatado que há um hiato entre as determinações trazidas pelas Diretrizes e

a execução concreta nos sistemas de ensino de todo o território nacional. De acordo com o

Parecer:

A persistência desse hiato pode resultar em prejuízos à celeridade do processo de

construção de uma efetiva igualdade étnico-racial na educação brasileira, atrasando a

oportunidade histórica conquistada pela sociedade, em especial, pelas populações

negras e demais grupos populacionais, historicamente discriminados, de verem as

suas especificidades culturais, suas identidades, seus sistemas filosóficos, suas artes,

seu conjunto de valores relacionais, suas religiões e celebrações, seus heróis míticos

e históricos, seus homens, mulheres e crianças, não mais serem retratados e

representados em materiais didáticos, órgãos, instituições e práticas pedagógicas de

modo pejorativo, desrespeitoso, inferiorizante e subalternizados pela hegemonia de

referenciais de pensamento e de conhecimento intrinsecamente refratários à riqueza

representada pela diversidade (BRASIL, 2007, p. 02).

Esse hiato deve-se principalmente, salvo algumas louváveis exceções, a escassa

produção e distribuição de material didático diversificado, como também à insuficiente

atenção oficial dada ao necessário processo de formação de professores com conteúdos

específicos aos objetivos preconizados pelas Diretrizes. A partir deste contexto, portanto, o

Parecer determina que as Diretrizes se configuram como “um documento normativo ímpar

cuja aplicação imediata, da Educação Infantil à Educação Superior, é uma necessidade

142

indiscutível” (BRASIL, 2007, p. 05).

Para Miranda (2013) as políticas de ação afirmativa são parte de um conjunto que

reconfiguraram o acontecimento universitário, mas não podemos ignorar os confrontos

ideológicos que envolvem diferentes esferas na agenda das políticas com foco nas DCNs para

a Educação das Relações Étnico-raciais.

As leis tornam-se medidas decoloniais à medida em que buscam romper com os

estereótipos criados no processo de colonização em que a produção da inferioridade foi

construção sine qua non para sustentar a descoberta imperial em que o descoberto foi dotado

em três formas principais: o Oriente, o selvagem e a natureza” (SANTOS, 2006). Em outras

palavras, a colonização produziu o “diferente” e o sistema educacional o deixou de fora

(MIRANDA, 2013). Por isso

O trabalho da informação e de educação deve repensar a noção de diferença. Para o

racista, quer ele o seja por desorientação ou por medo do desconhecido, a diferença

é má, e, portanto, condenável. Paradoxalmente, o humanista e o antirracista não o

contradizem: eles limitam-se a negar a existência de diferenças, o que é uma

maneira de fugir do problema. Será então necessário constatar certas diferenças

entre os homens e mostrar que elas não são nocivas nem escandalosas” (MEMMI,

1993, p. 128).

Portanto, as Leis colocam em evidência a proposição de um novo paradigma que

surge do princípio que o mundo é epistemologicamente diverso e que essa diversidade

representa um enorme enriquecimento das capacidades humanas. Romper com a

colonialidade vigente até então, permite uma mudança nas condições dadas para o ato de

conhecer, ou seja, abrange novas possibilidades epistêmicas. Além disso, as leis objetivam a

formação de cidadãos empenhados em promover condições de igualdade no exercício de

direitos sociais, políticos e econômicos, sendo capazes de reconhecer e valorizar visões de

mundo, experiências históricas, contribuições dos diferentes povos que têm formado a nação

(SILVA, 2007).

A construção deste novo paradigma implica em pensar sob uma perspectiva

afrocentrada que, diferente do eurocentrismo, não busca assumir uma postura universalista,

pelo contrário, consiste em estudar, articular e afirmar aquilo que diferencia o ponto de vista

africano, identificando, ao mesmo tempo, os postulados supostamente universais do

eurocentrismo (VIEIRA, 2012). Melofi K. Asante (apud MUNANGA, 2003b, p.14)

complementa explicando que o afrocentrismo “serve como base de resistência ao

etnocentrismo ocidental e à hegemonia da brancura, mas não se opõe ao dinamismo cultural e

ao interculturalismo, conforme o acusam, sem fundamentar-se nos textos, os críticos

143

apressados”.

As Leis, dentro de uma perspectiva afrocentrada, possibilitam tirar do

ocultamento os impérios e sociedades africanos nos tempos pré-coloniais, como também a

diversidade de etnias, línguas e culturas indígenas presentes no território brasileiro quando da

chegada dos portugueses e que persistem, ainda que em menor representatividade, até os dias

atuais e, assim, superar um estado de ignorância sobre a constituição da brasilidade.

Além de evidenciar as desigualdades raciais e romper com a ideologia da

democracia racial, a Lei 10.639/03 busca destacar a importância da África na origem da

humanidade, tendo em vista que foi o lugar onde foram encontrados os primeiros hominídeos

há cerca de 7 milhões de anos. Foi também onde surgiu o Homo Sapiens, há cerca de 160 mil

anos, com o início da evolução da espécie humana na África Oriental e Meridional, o ponto

de partida para a povoação do restante do continente e do mundo.

Com o rompimento da visão eurocêntrica de mundo, será possível trazer à luz que

grande parte dos conhecimentos médicos têm sua raiz em solo africano, elucidando que o

verdadeiro pai da medicina não foi Gregório Hipócrates, mas sim o cientista clínico egípcio

Imhotep, que há três mil anos antes de Cristo já praticava grande parte das técnicas básicas da

medicina; na África central, o conhecimento dos Banyoro já era capaz de realizar cesarianas

antes de 1879; em Mali e no Egito há cerca de 4600 anos já se realizam cirurgias dos olhos

que removiam cataratas. Além da medicina, a astronomia é outra ciência que esteve presente

no continente antes da colonização.

Pesquisas feitas no Quênia, em 1978, pela equipe de Lynch e Robbins da

Universidade de Michigan encontraram restos de um observatório astronômico. Eles

concluíram que as evidências “atestam a complexidade do desenvolvimento cultural

pré-histórico na África Sub-saariana. E a pesquisa também sugere que um sistema

de calendário complexo e preciso, baseado nos cálculos astronômicos, foi

desenvolvido até o primeiro Milênio a.C. na África Oriental” (NASCIMENTO,

199499

apud VIEIRA, 2012).

Há também registros de sociedades altamente desenvolvidas com sistema

econômico, político e científico complexos e que se diferenciam ao longo da diversidade dos

30.343.551 km² de extensão territorial do continente. A visão negativa sobre o continente

africano começou após a Conferência de Berlim (1885) que definiu a partilha colonial da

África entre os países europeus interessados em explorar econômica e politicamente o

continente. Até então, era comum encontrar imagens positivas sobre a África. Árabes e

99 NASCIMENTO, E. L.. Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Seafro, 1994.

144

europeus falavam com admiração das formas sociopolíticas africanas altamente elaboradas

que se alternavam em reinos, impérios, cidades-estados, clãs, linhagens etc. (MUNANGA,

GOMES, 2006).

Do ponto de vista filosófico, tirar do quase anonimato autores como George

Granville Monah James (1894-1958), Cheikh Anta Diop (1923-1986), Frantz Fanon (1925-

1961) e Molefi Kete Asante (1942) que recusam a exclusividade do ocidente como regulador

epistemológico aponta para o rompimento do racismo epistêmico que inviabilizou as

produções negro-africanas (NOGUEIRA, 2011).

No âmbito da Lei 11.645/08100

que trata do ensino de História e Cultura

indígenas, faz-se urgente romper com os estereótipos que habitam sobre a cultura indígena, a

começar pela própria denominação “índio”. Diversos indígenas têm atentado para o fato de

que “índio” não é a expressão mais adequada, uma vez que esta foi uma denominação

utilizada pelos portugueses que acreditavam (segundo conta a História oficial) estar na Índia e

por muito tempo chamaram as terras invadidas de Índia Ocidental. Assim, ao se depararem

com a população nativa, automaticamente denominaram-na “índios”. Contudo, atualmente

tem sido mais aceita a expressão “indígena” que significa “originário da terra”, “nativo”

(KEZO, 2015).

O termo “Tribo” é outro ponto que precisa ser melhor trabalhado porque, apesar

de possuir diversos significados na história e na antropologia, no senso comum remete à ideia

de selvagem, colocando-se como antagônico ao termo “sociedade”. Por isso, Luciano Arikabo

Kezo, indígena do povo Balatiponé, explica que os povos indígenas têm mecanismos

extremamente complexos que se equiparam em muitos aspectos em relação às populações que

são enxergadas como sociedade: eles têm seu próprio idioma, regimentos próprios além do

regimento do Estado Brasileiro, sua própria liderança política e produção de conhecimento

independente e, desta maneira, “tribo” não é um termo suficiente para descrever as

“sociedades ou povos indígenas” (KEZO, 2015). Sociedades que se diferenciam em diferentes

etnias, línguas e culturas indígenas. De acordo com o último senso do IBGE (2010) há 305

diferentes etnias no país e 274 línguas indígenas ainda presentes no Brasil.

Importante ressaltar novamente que não se trata de, com essa perspectiva,

desprezar ou depreciar a ciência moderna eurocêntrica, mas colocá-la em seu contexto. Nosso

100 Embora as duas leis resultem na alteração do mesmo artigo 26-A da LDB, faz-se importante a utilização em

separado para dar destaque às lutas dos dois movimentos – negro e indígena.

145

interesse está em superar o eurocentrismo, essa tentativa ideológica de reduzir a diversidade

cultural a apenas uma perspectiva paradigmática que vê a Europa como a origem única dos

significados (SANTOS, 2007, VIEIRA, 2012).

O que criticamos na ciência moderna não é aquilo que ela pode produzir como

intervenção no mundo. É o arrogar-se como uma única forma de conhecimento

válido no mundo. É o monopólio do rigor que nós criticamos. E, portanto, estamos

em condições de poder apreciar o que na ciência deve ser apreciado, e deve ser

resgatado ao mesmo tempo criando espaço para outros conhecimentos, para outras

experiências de saberes.

[...]

As teorias, por exemplo, sociológicas e antropológicas, foram criadas em quatro ou

cinco países do Atlântico Norte no século 19 e a partir daí ousaram a se considerar

universais e são elas que ainda estudamos e repetimos, quando de fora delas ficou

toda a experiência do mundo, que ainda hoje é muito mais diversa [...] (SANTOS,

2007, p.178-177).

Essa crítica que fazemos é porque o legado do eurocentrismo justificou e

legitimou o colonialismo porque abstraiu os elementos comuns a muitos grupos étnicos e

articulou uma visão generalizada a partir de suas referências clássicas (as civilizações grega e

romana), deixando como efeitos intelectuais um conjunto de representações negativas

contemporâneas sobre a história e culturas africana e indígena (VIEIRA, 2012). Viera (2012,

p. 101) atenta que esta universalização do modelo europeu, diferencia o eurocentrismo do

etnocentrismo, uma vez que este último se refere a forma como cada grupo étnico tende a

elaborar o seu centro como referência e valorizar sua própria cultura, enquanto que o

eurocentrismo se expande para processos violentos de dominação/exploração e de falsificação

histórica para impor o seu etnocentrismo como universal a todos os povos.

É diante disto que urge a decolonização do poder, do saber e do ser. Isto significa

mexer com valores, crenças e culturas consideras como verdades exclusivas; “significa

desconstruir práticas pedagógicas escolares que ainda se pautam por uma concepção

colonialista, racista, conservadora e excludente que banalizam e tornam insignificantes as

práticas culturais ditas como “populares”” (VIEIRA, 2012, p. 113).

146

4. As Políticas Públicas de Ação Afirmativa e seus efeitos – os casos da

Ufscar e da Unicamp

A fim de desvelar como as políticas públicas de ação afirmativa impactam as

universidades escolhemos estudar o caso de duas universidades – UFSCar e Unicamp.

Ambas as Universidades nasceram na década de 60, após a interiorização

industrial no país e, em especial em São Paulo, e a interiorização do “ensino ginasial” por

quase todos os municípios do Estado quando houve o que se chamou de “explosão

educacional”. Desta forma, houve a necessidade de expansão e interiorização do ensino

superior no Estado de São Paulo para atender a demanda de alunos excedentes à época

(SGUISSARD, 1993, MENEGHEL, 1994). Elas possuem em comum, portanto, a idade e a

localização dos seus campi em cidades do interior do Estado de São Paulo, mas são diferentes

quanto à: organização administrativa e política de ação afirmativa para inclusão

implementadas, conforme é possível observar no quadro a seguir em que estão apresentadas

as características gerais dessas universidades.

Quadro 3 – Características Gerais das IES’s investigadas

UFSCar Unicamp

Ano de Criação 1968 1966

Organização Administrativa Pública Federal Pública Estadual (SP)

Ano de implementação da PPAA 2008 2004 (para vestibular ano 2005)

Tipo da PPAA Cotas – reserva de vagas PAAIS – Bonificação na nota do/a

estudante

Localização dos Campi São Carlos, Araras, Sorocaba e

Lagoa do Sino Campinas, Limeira, Piracicaba

Cursos presenciais de graduação

presenciais oferecidos 64 66

Vagas oferecidas anualmente em

cursos de graduação 2897 3330

nº total de alunos(as) 101

(em 2016) 25.167 36.268

nº total de docentes (em 2016) 1256 2179

AE* Bolsa Alimentação102

1950 550

101 Alunos matriculados incluindo: graduação, graduação à distância (no caso da UFSCar), Mestrado

Profissional, Mestrado acadêmico, Doutorado e Pós-graduação Lato Sensu

102 Na UFSCar a bolsa é alimentação dá direito a duas refeições gratuitas no restaurante universitário do

respectivo campus. Na Unicamp a bolsa alimentação dá direito às três refeições (café-da-manhã, almoço e jantar)

nos restaurantes universitários (RUs)do campus e está atrelada à bolsa transporte em que o(a) aluno(a) receberá o

valor de dois passes municipais por dia útil com valor vigente em Campinas

147

AE* Bolsa auxílio Moradia 1544 705

AE* Prédio Moradia Estudantil

(PME) - 1191

AE* Bolsa Atividade/Bolsa

auxílio social103

184 1364

AE* Bolsa Permanência 235 -

AE* Bolsa Auxílio Estudo e

Formação - 50

AE* Bolsa Emergência - 344

AE* Bolsa Auxílio Social

Iniciação Científica - 280

AE* Bolsa Auxílio instalação - 200

TOTAL AE* 3.913 4684

*AE: Assistência estudantil com base no perfil socioeconômico do(a) estudante

Elaboração própria. Fontes: Anuário estatístico Unicamp 2017 (base 2016); www.saewiki.sae.unicamp.br;

UFSCar em números 2017 (base 2016)

O quadro apresentado mostra que em relação à assistência estudantil, as duas

universidades contam com um número significativo neste quesito. A Unicamp é uma

universidade que se destaca no cenário pelos tipos e quantidades de assistência oferecidas a

partir de critérios socioeconômicos, no entanto, ela só fica à frente da UFSCar em números

absolutos quando são somadas as vagas disponíveis no Prédio da Moradia Estudantil. Se

fossem considerados apenas as bolsas, a UFSCar estaria à frente com 3913 bolsas oferecidas,

contra 3493 oferecidas pela Unicamp. Além disso, se, de forma grosseira, dividíssemos o total

de assistência estudantil oferecida por uma e outra Universidade pelo número do total de

estudantes, a UFSCar conseguiria atender 15,5% do total de matriculados, enquanto a

Unicamp atenderia 12,9%.

Importante destacar que a ausência de uma moradia estudantil na UFSCar faz

parte do seu projeto de criação nos idos de 1968 no qual, dentre outras coisas “decidiu-se que

não haveria área residencial dentro do campus” (SGUISSARD, 1993, p. 129). Era o auge da

Ditadura Militar e aglutinar estudantes em um mesmo espaço de convivência não poderia ser

algo interessante ao regime.

103 Na UFSCar a Bolsa atividade tem como objetivo fornecer auxílio financeiro, prioritariamente ao estudante

ingressante, de modo a subsidiar sua manutenção, permanência e conclusão de curso de graduação presencial,

integrando-o às atividades acadêmicas e administrativas da Instituição. O recebimento da bolsa-atividade e a

participação nas atividades acadêmicas e administrativas não estabelecem vínculo de natureza empregatícia com

a UFSCar. Na Unicamp, na Bolsa auxílio social o/a estudante realiza atividades em projetos dentro de diversas

áreas da Universidade, devendo cumprir 60h mensais (15h semanais), sempre com a orientação (professores,

coordenadores ou outros profissionais das unidades da Unicamp) e recebe R$678,81 (valor em 2017), mais

alimentação (3 refeições/dia nos RUs), mais o valor correspondente a 2 vales-transportes. Ambas as bolsas

(UFSCar e Unicamp) são atribuídas com base em critérios socioeconômicos.

148

Estes dados referentes à assistência estudantil são importantes nesta pesquisa

porque pensar em políticas públicas de ação afirmativa, passa também por pensar em como

garantir a permanência dos estudantes incluídos, a fim de que a inclusão se torne uma política

de fato eficaz. Assim, para efetivar a inclusão, pensar a permanência é essencial e não se

encerra nas bolsas de auxílio financeiro, ou seja, na permanência material. Compreendemos

que a permanência abarca ainda as condições simbólicas de existência na Universidade, a

“Permanência Simbólica” conforme nos aponta Santos (2009, p. 71). Para a autora a

permanência traz “uma concepção de tempo que é cronológica (horas, dias, semestres, anos) e

outra que é a de um espaço simbólico que permite o diálogo, a troca de experiências e a

transformação de todos e de cada um” (idem, p. 68).

A permanência material é importante porque ela visa garantir a possibilidade dos

estudantes vivenciarem a universidade em sua plenitude, sem que precisem trabalhar, pois

neste caso, a falta de tempo suficiente para a dedicação exclusiva aos estudos, leituras de texto

e realização dos trabalhos acadêmicos, contribui para alguns resultados insuficientes e atrasos

durante o curso. “Pode-se afirmar seguramente que estes estudantes-trabalhadores terminam

excluídos; não pertencendo às inúmeras atividades que propiciam a imersão na nova cultura”

(SANTOS, 2009, p. 73).

Neste sentido, para as universidades federais foi lançado em 2013 o Programa

Bolsa Permanência104

que concede auxílio financeiro a estudantes das instituições federais em

situação de vulnerabilidade socioeconômica, e para estudantes indígenas e quilombolas, com

objetivo de minimizar as desigualdades sociais e contribuir para a permanência e a

diplomação dos estudantes de graduação. O valor estabelecido pelo Ministério da Educação é

equivalente ao praticado para as bolsas de iniciação científica (R$400,00). Esta bolsa tem a

vantagem de ser acumulável com outras modalidades de bolsas acadêmicas. Como foi

possível observar no quadro anterior, a UFSCar conta com 235 Bolsas Permanência.

No entanto, além da permanência material, é preciso haver uma política de

permanência simbólica, que garanta que os estudantes ao ingressarem à universidade se

integrem a todo o ambiente acadêmico, com direito à experiência universitária em todos os

seus âmbitos, garantindo a sobrevivência no sistema de ensino superior. Isto porque os

104 No 1º semestre de 2018 o Governo Temer interrompeu novas bolsas do Programa Bolsa-Permanência para

cerca de 2.500 calouros indígenas e quilombolas de todo o país. O ministro da Educação, Rossieli Soares,

colocou que a nova proposta do Ministério é de apenas 800 novas bolsas para este ano (FOLHA DE SÃO

PAULO, 2018).

149

estudantes das classes populares que ingressam à universidade, em geral, são os primeiros de

suas famílias a entrar em um curso superior e ao chegarem no campus se deparam, muitas

vezes, com códigos que não lhe são conhecidos ou íntimos. Carvalho (2002105

apud

SANTOS, 2009, p. 77) explica que

Nossa academia, num país que quando interessa à elite é descrito como mestiço, se

imagina europeia. Tudo são imagens evocadoras do Ocidente Branco: as bibliotecas,

os auditórios, as línguas de prestígio, os lugares mitificados das biografias dos

grandes acadêmicos, etc.. para o universitário negro, ao stress de classe, soma-se o

stress racial.

Não se pode negar que a sociedade estabelece os meios de classificar as pessoas e

os códigos tidos como naturais para cada categorial e espaço social, estabelecendo, desta

forma, quais pessoas têm probabilidade de estar em determinado lugar e quais não. A

universidade, inserida neste contexto, não se difere deste sistema e, portanto, a entrada de um

“estranho” acaba por produzir relações tensas. A permanência simbólica precisa, portanto, ser

pensada para garantir e fortalecer a trajetória acadêmica de estudantes negros(as) e pobres

(SANTOS, 2009).

A garantia de permanência simbólica deve visar o rompimento com o preconceito

que transforma diferenças em desigualdades e que cria formas institucionais de inferiorizar, e

que deslegitima os grupos considerados subalternos nos processos de participação social. De

acordo com Amaral (2013, pp. 230-231)

Pensar o processo de democratização da universidade interpelando questões e

dilemas cruciais para ela exige nos debruçarmos teoricamente sobre as normas e

valores produzidos e reproduzidos na/pela universidade bem como sobre a

diversidade de atores sociais no seu interior que se relacionam e se contrapõe a esses

valores e normas. Análises sobre os processos de democratização da universidade

precisam revelar as dinâmicas de inferiorização social que ocorrem no seu interior e,

para além disso, os processos de politização e de reflexão dessas relações tomando-a

como objeto passível de (auto)reflexão e de (auto)crítica.

Neste sentido, entendemos que os Coletivos criados nas universidades após a

implementação das políticas públicas de ação afirmativa de inclusão apontam para a

politização dessas dinâmicas e para a emergência de lutas sociais de enfrentamento ao

preconceito e às hierarquias sociais reiteradas na/pela universidade, pois ao se apropriar do

discurso científico os militantes dos coletivos universitários entendem o potencial que ele tem

para legitimar ou não certos discursos e que interpelar a universidade envolve repensar suas

105 CARVALHO, J. J.. Exclusão racial na universidade brasileira: um caso de ação não negativa: In: QUEIROZ,

D. M.. [coord]. O negro na universidade. Programa a Cor da Bahia/ Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Salvador: Novos Toques, n.5, 2002

150

práticas, sendo a principal delas a produção do conhecimento. Amaral (2013, p. 255) explica

ainda que:

A emergência política de novos atores sociais acaba por fazer uma denúncia, política

e epistemológica, do histórico de desrespeito de certos grupos e o esforço para

romper com a reprodução e atualização dessas lógicas provenientes das normas que

perpassam as instituições de produção do conhecimento. Essa renovação reivindica

um novo tipo de comprometimento ético por parte dos sujeitos envolvidos com a

produção de conhecimento, o que faz emergir alguns pesquisadores preocupados

com os aspectos sociopolíticos de sua produção considerados como MILITANTE.

Entretanto, essa inserção não se dá sem conflitos. Alas mais tradicionais e/ou

conservadoras da produção acadêmica não encaram essa renovação como científica,

mas a desqualificam taxando-a, pejorativamente, como MILITANTES. Sustentadas

por uma visão de ciência neutra e objetiva, essas correntes enxergam essa produção

como cientificamente ilegítimas. Importante ressaltar aqui que um pesquisador

engajado ou MILITANTE, não é aquele que, necessariamente, milita em algum

grupo ou movimento social (ainda que essa possibilidade se coloque). Fazer ciência

comprometida ou MILITANTE, requer pensar a produção científica como um

instrumento de manutenção, de questionamento ou de construção de um

posicionamento alternativo em relação às desigualdades sociais.

Nesta perspectiva, levantamos os coletivos universitários criados na UFSCar e

Unicamp que têm como pauta a questão étnico-racial, os quais apresentamos no quadro a

seguir.

Quadro 3 – Coletivos atuantes nas IES e seus propósitos

Coletivo Sobre

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Café das Pretas

Fundado em 10 de setembro de 2014. Coletivo formado por mulheres

negras de São Carlos- SP. Surgiu da necessidade de discutir temas que

englobam a vivência de ser mulher e negra na sociedade.

Centro de Culturas

Indígenas

O CCI (Centro de Culturas Indígenas) é composto pelos estudantes

universitários indígenas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

que buscam sua autonomia e lutam por seus direitos e melhorias dentro e

fora da universidade, de forma que favoreça a permanência dos estudantes

indígenas no meio acadêmico.

Frente negra – São

Carlos

Construção de uma frente única de estudantes e coletivos negros em São

Carlos. Unificação da Força na luta antirracista.

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Núcleo de

Consciência Negra

da Unicamp

Fundado no final de 2012, pela iniciativa de estudantes que impulsionaram a

organização das atividades no mês da Consciência Negra, realizadas em

conjunto com outros setores da Unicamp.

A partir desta mobilização, foi possível articular vários grupos organizados

da comunidade negra, dentro e fora da universidade, para promover a luta

racial, a partir do acúmulo de uma série de conquistas do movimento negro e

da necessidade de propiciar um espaço de politização das relações raciais no

Brasil. Tem como principal objetivo a construção de uma luta conjunta entre

estudantes, professores e funcionários da Unicamp e movimentos sociais

contra opressão rumo à conquista das bandeiras históricas do movimento

negro tais como: fim do genocídio da juventude negra, igualdade de

oportunidades no mundo do trabalho, valorização das contribuições da

cultura afro-brasileira para a formação da cultura nacional, reconhecimento

da dívida histórica com o povo negro decorrente dos crimes cometidos no

período da escravidão. Busca ainda criar espaços de sociabilidade para o

151

estudante negro da Unicamp, compreendendo que o racismo instituído

segrega, hostiliza e ataca diariamente a autoestima destes estudantes.

Frente Pró-cotas da

Unicamp

Fundação em 30 de julho de 2012. Tem como objetivo enegrecer o debate

sobre o acesso dxs negrxs ao ensino superior público, pautando a reparação

histórica e a luta de classes.

Elaboração própria. Fonte: rede social (facebook)

A data de criação dos coletivos apresentados106

mostra que todos foram criados no

período pós políticas públicas de ação afirmativa de inclusão no ensino superior, o que aponta

indícios para comprovar a nossa hipótese de que as PPAAs causam efeitos no meio

acadêmico, uma vez que estes coletivos trazem novos debates e reflexões, além de disputar,

muitas vezes, as pautas políticas das universidades.

A pesquisa empírica foi realizada por meio de questionário on line107

aos

integrantes dos Coletivos, como também com algumas entrevistas. Este levantamento buscou

conhecer pessoal e academicamente os integrantes, como também a atuação do coletivo na

universidade, ou seja, o questionário108

, além de traçar o perfil pessoal e socioeconômico dos

integrantes dos Coletivos, desvela suas percepções pessoais acerca da adaptação e

permanência no curso e na universidade; quais atividades acadêmicas participam; se e quais

pesquisas realizam; se já enfrentaram situações de racismo e, se o como, o coletivo auxiliou

nesta situação; quais as pautas defendem, se promovem a discussão de Histórias e Culturas

Africanas, afro-brasileiras e indígenas a fim de romper com a exclusividade da tradição

eurocêntrica, caminhando para uma perspectiva decolonial.

O questionário foi enviado por meio dos grupos virtuais dos Coletivos – Café das

Prestas; Centro de Culturas Indígenas; Frente Negra da UFSCar; e à Frente Pró-Cotas

Unicamp “Núcleo da Consciência Negra da Unicamp” – disponíveis em rede social virtual.

Nos coletivos da UFSCar o questionário foi disponibilizado em dois momentos,

devido ao baixo número de respostas que tivemos na primeira tentativa. Os dois envios

alcançaram 76 pessoas (63 na primeira tentativa e 13 na segunda), o que resultou em um total

de 18 (dezoito) respondentes, com 11 (onze) questionários finalizados, ou seja, respondidos

106 Não encontramos a data de criação do Centro de Culturas Indígenas, mas as atividades apresentadas na página

iniciaram no ano de 2015 com a organização da I Semana de Estudantes Indígenas da UFSCar.

107 Utilizamos a plataforma www.encuestafacil.com que proporciona um relatório de resultados que abarca, além

dos resultados obtidos nas respostas, a data e horário em que o participante iniciou a responder o questionário, a

que finalizou e também a de abandono, quando for o caso. Permite ainda verificar o IP de onde foi respondido

cada questionário, o que garante maior segurança no tocante à participação não repetida de um mesmo

respondente. 108

Disponível no Apêndice 1

152

integralmente até o final. As imagens a seguir ilustram as respostas ao longo dos períodos.

Nos Coletivos da Unicamp, o questionário ficou disponível 26/06/2018 a

13/07/2018 e alcançou 158 pessoas, no entanto, o índice de resposta foi baixo, com 17

respondentes, dos quais apenas 8 responderam a todas as perguntas. A seguir é possível

observar o diagrama de respostas durante o período.

A fim de complementar e enriquecer a análise utilizamos também dados

disponíveis nos Grupos Virtuais, tais como: postagens e interações entre os membros que se

mostrem relevantes para compreender a práxis, ou seja, o “agir e refletir sobre o mundo a fim

de modificá-lo” (HOOKS, 2017, p. 26) dos Coletivos pesquisados. A busca de dados nos

Grupos nos traz a potência do registro histórico das movimentações, acontecimentos, eventos

e discussões, ou seja, tem a potência da história que nos interessa, da história dos

“subalternos” (SPIVAK, 2010) a quem nos interessa garantir a fala.

Ao encontro do que nos coloca Gomes (2017), reconhecemos a força desses

Coletivos como movimentos sociais e, especificamente como Movimentos Negros Brasileiro,

nas lutas emancipatórias e pela democracia, além da produção engajada da intelectualidade

negra que se coloca contra os processos de colonização incrustrados na América Latina e no

mundo e indagam a primazia da interpretação e da produção eurocentrada de mundo e do

conhecimento científico

A seguir apresentaremos as análises realizadas a partir dos documentos,

questionários e entrevistas acerca das universidades e coletivos investigados.

Figura 3 – Diagrama de respostas ao questionário - UFSCar

Figura 4 - Diagrame de respostas ao questionário - Unicamp

153

4.1. UFSCar

A história da criação da UFSCar que apresentaremos nas linhas a seguir nos é

desvelada por Sguissard (1993) que ocupou-se em recuperar a origem e trajetória da

instituição porque registrar, analisar e avaliar os caminhos percorridos por uma instituição, de

seu nascimento à encruzilhada de suas crises109

, pode ajudar a compreender e a superar os

críticos impasses de sua existência e ainda auxiliar a planejar o seu futuro.

A data oficial de nascimento da UFSCar é 22 de maio de 1968, no entanto, até que

se chegasse a este momento, foram oito anos de articulações políticas iniciadas na Ordem do

dia da 8ª Reunião Ordinária da Comissão de Educação e Cultura, realizada em 25/08/60 em

que, dentre outros, estava o Projeto n. 2007-60 que propunha a federalização da Universidade

da Paraíba e também propunha, na Emenda 6, a criação da Universidade Federal de São Paulo

de autoria do deputado Lauro Monteiro da Cruz (médico, pastor presbiteriano e deputado

federal pela UDN e ARENA).

O Projeto em questão (n. 2007-60) transformou-se na Lei 3.835 sancionada pelo

presidente Juscelino Kubitscheck em 13 de dezembro de 1960. Lauro Cruz transformou a

Emenda 6 nos artigos 11, 12 e 13 e parágrafos que determinavam que:

Art 11. Fica criada a Universidade Federal de São Paulo (U.F.S.P.) com sede na

cidade de São Carlos, Estado de São Paulo, e que será integrada no Ministério da

Educação e Cultura. Parágrafo único. A Universidade terá personalidade jurídica e gozará de autonomia

didática, financeira, administrativa e disciplinar, na forma da lei. Art 12. A universidade compor-se-á dos seguintes estabelecimentos de ensino

superior. (Revogado pela Lei nº 4.421, de 1964) a) Escola Paulista de Medicina (Lei nº 2.712, de 21 de janeiro de 1956); (Revogado

pela Lei nº 4.421, de 1964) b) Escola de Engenharia de São Carlos (Decreto nº 41.797, de 8 de julho de

1957); (Revogado pela Lei nº 4.421, de 1964) c) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (Decreto número 45.776,

de 13 de abril de 1959); (Revogado pela Lei nº 4.421, de 1964) d) Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araçatuba (Decreto número 41.557, de

22 de maio de 1957); (Revogado pela Lei nº 4.421, de 1964) e) Faculdade Municipal de Ciências Econômicas de Santo André (Decreto nº

42.706, de 29 de novembro de 1957). (Revogado pela Lei nº 4.421, de 1964) Parágrafo único. São transformados em estabelecimentos federais de ensino superior

os estabelecimentos referidos nas letras b e e dêste artigo, sem ônus para a União e

mediante a incorporação ao patrimônio desta dos bens imóveis em que funcionam as

escolas, de propriedade do Govêrno do Estado de São Paulo e da municipalidade de

Santo André, Estado de São Paulo, bem como suas atuais instalações. (Revogado

pela Lei nº 4.421, de 1964) (BRASIL, 1960).

109 Sguissard publicou o livro em 1993 período em que os governos (anos 80 e 90) priorizaram a privatização na

política universitária.

154

Após sancionada essa lei, foram oito anos de luta pela implantação da

Universidade até que em 22 maio de 1968, no auge da ditadura militar, Costa e Silva assinou

o Decreto 62.758 que autorizava a instituição da 4ª universidade sob o regime, a Fundação

Universitária Federal de São Carlos, responsável pela instalação e manutenção da

Universidade do mesmo nome.

Art. 1º. É autorizada a instituição da Fundação Universidade Federal de São Paulo,

que terá por objetivo instalar progressivamente e manter na forma estabelecida neste

decreto, a Universidade Federal de São Paulo (UFSP), criada pela Lei nº 3.835, de

13 de dezembro de 1960 (art. 11).

Art. 2º. A fundação, com sede e fôro na cidade de São Carlos, Estado de São Paulo,

gozará de autonomia didática, financeira, administrativa e disciplinar, de acôrdo

com a Lei número 4.024 de 20 de dezembro de 1961, e adquirirá personalidade

jurídica a partir da inscrição de seu ato constitutivo no registro civil das pessoas

jurídicas, do qual serão partes integrantes o estatuto e o Decreto que o aprovar.

[...]

Art. 8º. A Universidade será constituída de um ou mais "campus", situados em

cidades diferentes e integradas por institutos básicos de ensino e pesquisa, e por

faculdades destinadas à formação profissional, cabendo:

I - aos institutos:

a) ministrar cursos básicos de ciências, letras e artes;

b) fornecer pesquisadores especialistas; e

c) realizar cursos de pós-graduação, estudos e pesquisas, nas respectivas

especializações; e

II - às faculdades:

a) ministrar cursos de graduação, para formação profissional e técnica;

b) realizar cursos de especialização e pós-graduação;

c) realizar estudos e pesquisas nas respectivas áreas de trabalho.

§ 1º O primeiro núcleo universitário, com "campus" próprio, será instalado

progressivamente no Município de São Carlos, sede da Fundação e da Universidade

(BRASIL, 1968).

Assim a FUFScar foi a única entre as 19 universidade fundacionais federais a

nascer via decreto, o que, do ponto de vista jurídico, somente poderia acontecer mediante

norma legislativa votada pelo Congresso Nacional.

Um primeiro desafio imposto era a ideia de uma universidade multicampi, o que

só veio a se consolidar 20 anos depois, em 1991, quando houve a incorporação do campus de

Araras/SP – ex-Instituto do Açúcar e do Álcool), portanto, durante a criação da nova

universidade voltou-se à ideia de professores como Sérgio Mascarenhas que defendia “uma

universidade pequena de alta qualidade [...] e revolucionária, no sentido da pesquisa e do

ensino” (SQUISSARD, 1993, p. 131).

Em fevereiro de 1969, o presidente Costa e Silva aprovou o Estatuto da Fundação,

o qual constituiu-se como o mais autoritário na história recente da universidade brasileira. Em

outras, palavras, buscou-se uma instituição que servisse à população de São Carlos e do

155

Estado, sim, mas, porque conquistada e garantida pelas ações do grande político-empresário e

aliado das forças que sustentaram o regime militar-autoritário, que pudesse servir

“legitimamente” aos seus interesses. Assim, o reitor e vice-reitor deveriam ser eleitos pelo

Conselho de curadores da Universidade.

Diferente da História da Unicamp, como se verá logo a frente, a UFSCar nasceu

sem a incorporação de unidades pré-existentes, sem campus, sem prédios, sem laboratórios e

sem reitor, ou seja, não possuía um projeto de universidade bem definido e orgânico, uma vez

que atendia a interesses particularmente políticos e empresariais. Neste contexto, o Conselho

de Curadores tinha o caráter de Conselho Universitário e deveria elaborar uma lista sêxtupla

com nomes de possíveis reitores a ser escolhido pelo Presidente da República. De tal forma,

em 16 de Agosto de 1970, o prof. Heitor Gurgulino de Souza foi nomeado reitor, tomando

posse em Brasília em 20 de setembro do mesmo ano.

O Projeto de Implantação da Universidade previa que a ela deveria atuar no

campo científico-tecnológico, de forma criadora a fim de responder à demanda social por uma

tecnologia de ponta, autônoma, com o cunho da multidisciplinaridade, por meio da pesquisa,

formando profissionais com qualificação nos níveis de mestrado e doutorado, como de cursos

de extensão, procurando interagir com o complexo industrial avançado; Chegou-se até a

cogitar a hipótese da implantação somente de cursos de pós-graduação, ideia que foi

abandonada, levando seis anos para ser implementada. A outra linha marcante nas diretrizes

era a predisposição para atuar a fim de resolver o problema do ensino secundário, o que é

expresso no Decreto de criação que previa uma Faculdade de Educação que deveria incluir

obrigatoriamente cursos de pós-graduação em administração escolar.

Os primeiros cursos da UFSCar se iniciam dois anos após a sua criação, em 1970,

com 50 vagas para a Licenciatura em Ciências e também 50 vagas para o Bacharelado em

Engenharia de Ciências de Materiais, área pioneira no país. “O prof. Mascarenhas, alguns

anos antes da implantação definitiva da UFSCar, via a criação dessa universidade como uma

oportunidade rara de pôr em prática muitas das idéias consideradas avançadas à época nessa

área” (SGUISSARD, 1993, p. 154).

No segundo semestre de 1970 começaram a ser definidos os novos cursos para

início em 1971, com a preocupação de não criar cursos que se sobrepusessem aos existentes

na Universidade de São Paulo, campus São Carlos. Assim discutiu-se sobre a criação de seis

cursos: Licenciatura em Matemática; Licenciatura em Biologia; Curso de Língua Portuguesa;

Licenciatura em Física; Licenciatura em Química e Curso de Pedagogia; mas apenas os três

156

últimos foram implantados a partir de 1971.

O Conselho de Curadores da FUFSCar detinha o poder da universidade e exercia

o papel de “Comissão Organizadora da Universidade” sendo, portanto, o responsável pela

elaboração do Estatuto da UFSCar em 1972. O estatuto previa um Conselho Universitário,

mas este estava subordinado ao Conselho de Curadores da Fundação para decisões como:

aprovação da elaboração do Regime Geral; Orçamento interno etc.. Como a criação dos

órgãos colegiados da Universidade dependiam do Conselho de Curadores da FUFSCar, os

colegiados superiores, dentre eles, o Conselho Universitário da UFSCar, somente passam a

funcionar a partir de 1978.

As marcas do autoritarismo na UFSCar começam a se esfacelar no segundo

semestre de 1984, quando houve a consulta à comunidade universitária para a composição da

lista sêxtupla para Reitor, sendo nomeado, Munir Rachid, o primeiro desta lista por ordem de

votos. A nomeação do vice-reitor seguiu a mesma lógica, sendo eleito e nomeado o Prof.

Sebastião. Em 1988 a consulta e nomeação de reitor e vice-reitor passou a acontecer na forma

de “equipe”, como se chamou à época.

Em 1991 foi aprovado o novo Estatuto da Fundação que significou a conquista da

autonomia universitária, encerrando finalmente os conflitos de competências entre a Fundação

e a Universidade. A partir de 1992 a Universidade Federal de São Carlos passou a elaborar

planos estratégicos, para períodos de quatro anos, com a participação da comunidade

universitária.

A partir de então os horizontes da Universidade se alargaram na busca de atuação

em outras áreas que não as escolhidas de início, e com intenção de atingir os vários segmentos

da sociedade e não mais preferencialmente aqueles vinculados ao complexo industrial

(UFSCAR, 2002). No Plano de Desenvolvimento Institucional aprovado no ano de 2004,

foram incluídas Diretrizes para a ampliação, acesso e permanência na Universidade, dentre as

quais:

Desenvolver e apoiar ações que ampliem as oportunidades de acesso e permanência

dos estudantes na universidade e contribuam com o enfrentamento da exclusão

social.

Buscar o pleno aproveitamento da capacidade já instalada na UFSCar na ampliação

do acesso à Universidade.

Buscar a garantia da permanência a estudantes sem condições financeiras na

Universidade, através de políticas e infra-estrutura que atendam a toda a demanda

(UFSCAR, 2004, p. 29).

A fim de cumprir com essas Diretrizes, em maio de 2005, o Conselho

157

Universitário instalou a Comissão de Ações Afirmativas (CAA)110

, com o objetivo de

formular propostas para um Programa de Ações Afirmativas na UFSCar. A Comissão

organizou eventos para subsidiar os debates e estudos sobre as implicações políticas, sociais e

jurídicas das ações afirmativas, apresentando a primeira Proposta de Programa de Ações

Afirmativas para a UFSCar, em abril de 2006.

Essa proposta previa a criação de um sistema de reserva de vagas para alunos que se

submetessem ao exame vestibular, com 50% das vagas de todos os cursos da

UFSCar destinadas a alunos que tivessem cursado integralmente todo o ensino

médio no sistema público de ensino; destes 50%, 46% das vagas reservadas seriam

destinadas a candidatos afro-descendentes e indígenas. O objetivo desta proposta

preliminar foi promover consulta aos diferentes segmentos e instâncias da

comunidade universitária, a fim de que o Programa de Ações Afirmativas da

UFSCar, a ser submetido aos órgãos superiores, representasse expectativas e

proposições da comunidade (UFSCAR, 2006, p. 04).

Com as sugestões enviadas pela comunidade acadêmica, a Comissão elaborou

uma segunda Proposta, que tinha como diferença substancial o escalonamento da implantação

e o percentual reservado às pessoas negras. A nova Proposta foi encaminhada ao Conselho de

Ensino e Pesquisa (CEPE) e ao Conselho Universitário (ConsUni). Em 7 de julho de 2006 o

CEPE decidiu prorrogar até novembro a discussão sobre a Proposta de PAA sob a justificativa

de uma demanda da comunidade acadêmicas por mais debates sobre o tema.

A Comissão, empenhada em informar e subsidiar a discussão, promoveu uma

série de atividades entre agosto e outubro, com destaque para o ciclo “UFSCar debate Ações

Afirmativas” que ocorreu durante uma semana inteira de setembro. Além disso, a Comissão

reuniu e disponibilizou na página da UFSCar estudos produzidos por pesquisadores sobre as

questões relativas a ações afirmativas e reserva de vagas. Uma nova consulta sobre a Proposta

mostrou que uma parte significativa da comunidade apoiava integralmente o Programa

apresentando; outra parte, também significativa, concordava com o Programa de Ações

Afirmativas, mas discordava da sua abrangência para negras e indígenas; e uma terceira parte,

minoritária, foi contrária à quase totalidade do Programa apresentado. Diante disto, foi

elaborada e aprovada em deliberação conjunta do Conselho Universitário com o Conselho de

Ensino, Pesquisa e Extensão, em dezembro de 2006, a Proposta implementada111

a partir de

110 A comissão teve como integrantes: Prof.ª Dra. Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil, Prof.ª Dra. Petronilha

Beatriz Gonçalves e Silva, Prof. Dr. Francisco José da Costa Alves, Prof. Dr. Valter Roberto Silvério, Prof.ª Dra.

Tânia Maria Santana de Rose, Prof.ª Dra. Lúcia Maria de Assunção Barbosa, o estudante de pós-graduação

Danilo de Souza Morais e o estudante de graduação Joéverson Evangelista, assistente em administração Andrea

Ferreira Palhano de Jesus. 111 Implantada oficialmente pela Portaria GR nº 695/07

158

2008. Esta tinha como Princípios e Objetivos:

Princípios 1. Afirmação do atendimento plural pelas instituições públicas federais de ensino

superior à diversidade da sociedade brasileira.

2. Correção de desigualdades sociais e étnico-raciais, tendo em vista a vocação da

UFSCar para a qualidade acadêmica, o compromisso social e a ousadia.

Objetivos

1. Implantar um sistema de reserva de vagas para ingresso na instituição, que

contemple o critério sócio-econômico e o critério étnico-racial;

2. Ampliar as ações institucionais existentes que garantam as condições de

permanência e sucesso acadêmico de todos os alunos da UFSCar, por meio de um

Programa de Apoio Acadêmico aos alunos de graduação, de modo a atender as

necessidades dos estudantes;

3. Implantar um sistema de avaliação do Programa de Ações Afirmativas (UFSCAR,

2006, pp.12-13).

A Proposta previa uma progressão trienal no percentual reservado para egressos

do ensino médio de escolas públicas e de escolas indígenas começando com 20% do tal de

vagas no triênio que compreende 2008 a 2010; 40% de 2011 a 2013, 50% de 2014 a 2016. Em

todos os triênios, dentro do percentual reservado, 35% das vagas (% referente à proporção da

população negra no Estado de São Paulo) eram reservadas para pessoas negras e foi

adicionada uma vaga em cada curso para indígenas (UFSCAR, 2006). O critério de “baixa

renda” foi adicionado somente a partir da Lei de Cotas (Lei 12.711/12), em 2012 (UFSCAR,

2016).

O ingresso de indígenas, para ocupar a vaga adicional em cada um dos cursos de

graduação da UFSCar, é realizado desde o ano de 2008 por meio do vestibular indígena

destinado exclusivamente a candidatos(as) das etnias indígenas do Brasil que tenham cursado

o Ensino Médio integralmente na rede pública e/ou escolas indígenas reconhecidas pela rede

pública de ensino. Até 2014 o vestibular indígena era aplicado apenas no campus da UFSCar

em São Carlos, nos anos 2015 e 2016 foi aplicado em quatro capitais: Cuiabá (MT), Recife

(PE), Manaus (AM)) e São Paulo (SP). A partir de 2017 (ingresso 2018) a prova não será

realizada em Manaus, mantendo-se nas outras três capitais.

A prova do exame indígena é realizada em uma única etapa com avaliações

compostas por questões objetivas de múltipla escolha sendo 14 de Linguagens e Códigos; 12

de Ciências da Natureza; 12 de Matemática; 12 de Ciências Humanas e uma Redação. Apenas

para concorrer ao curso de Licenciatura em Música é necessária ainda a realização de uma

Prova de Conhecimento e habilidade em Música, a ser realizada na UFSCar, campus São

Carlos.

Além da reserva de vagas e do vestibular indígena, a Proposta previu também a

159

ampliação de apoio institucional visando oferecer condições de permanência e sucesso

acadêmico. Assim, moradia estudantil; restaurante universitário; assistência médica e

odontológica ambulatorial; bolsa atividade e alimentação; apoio pedagógico; espaços

acadêmicos de convivência da diversidade; promoção da educação das relações étnico-raciais

a estudantes, docentes e servidores, nos diferentes âmbitos da vida universitária foram

medidas tomadas a fim de garantir permanência material e simbólica no curso e na

universidade.

A comunidade negra são-carlense e de estudantes da UFSCar, notadamente

negros e negras, tiveram papel fundamental porque despertaram discussões e apresentaram

propostas a órgãos superiores da Universidade, a fim de possibilitar o ingresso de maior

número de estudantes negros(as). A existência do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros

(NEAB112

), desde 1991, também foi importante porque criou condições com projetos,

dissertações, teses e articulações locais, nacionais e internacionais para que as propostas

pudessem se articular e serem apresentadas, resultando na política de cotas implementada em

2008 pela UFSCar (UFSCAR, 2016).

Outro fato a se destacar na História da UFSCar foi sua adesão ao Programa de

Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI113

, no

ano de 2008, o que resultou na ampliação de vagas na graduação em 16 cursos já existentes e

a criação de 20 novos cursos, totalizando 1012 novas vagas.

Em relação ao vestibular, Sguissard (1993) revela que a UFSCar realizou suas

primeiras provas de processo seletivo para a graduação em fevereiro de 1970, no entanto não

detalha as características destas. O Plano de Desenvolvimento Institucional de 2004 informa

que, ao longo dos anos, os exames vestibulares foram bastante diversificados, buscando

sempre o seu aprimoramento. Assim, o vestibular, que até 1999, era realizado pela FUVEST,

a partir do ano 2000 passou a ter um processo seletivo exclusivo, realizado pela Vunesp

(UFSCAR, 2003).

O vestibular aplicado para ingresso na UFSCar, via Fundação Vunesp até o ano de

112 O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal de São Carlos foi criado em 1991, por

iniciativa de professores, estudantes, servidores e de militantes do Movimento Negro da cidade de São

Carlos/SP. Desde sua criação o NEAB tem desenvolvido atividades de pesquisa, ensino e extensão.

113 O REUNI foi instituído pelo Decreto nº 6.096 de 24 de Abril de 2007 na gestão do Presidente Luiz Inácio

Lula da Silva e tinha como objetivo criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação

superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes

nas universidades federais.

160

2009114

era realizado em uma única fase dividida em três dias; com provas com duração de 4

horas, organizadas da seguinte forma: 1º dia: Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Redação,

contendo 16 questões objetivas, 12 questões dissertativas e uma proposta de redação; 2º dia:

Química, Matemática e História e, 3º dia: Biologia, Física e Geografia. Nos 2º e 3º dias as

provas eram compostas por 30 questões objetivas e 15 discursivas.

No ano 2010, a UFSCar dividiu o seu exame vestibular em duas fases, tendo o

ENEM como a primeira, e a segunda composta por duas provas, realizadas em dois dias, com

duração de 4h30m cada. A prova do primeiro dia era composta por conteúdos de Matemática,

Língua Inglesa, Língua Portuguesa com 15 questões discursivas, mais uma proposta de

Redação. No segundo dia, 25 questões discursivas, avaliavam os conhecimentos sobre

História, Geografia, Física, Química e Biologia.

Ainda no ano de 2010, em junho, o Conselho Universitário da UFSCar decidiu

abandonar o vestibular próprio e adotar o Sistema de Seleção Unificado (SiSU115

) como

forma de seleção para o ingresso nos cursos de graduação já em 2011. O Reitor da

Universidade à época, Targino de Araújo Filho, destacou a importância da decisão do

Conselho e reiterou que ela representa um avanço para democratização do acesso ao Ensino

Superior público e de qualidade.

"A nossa participação no SiSU faz com que a UFSCar esteja acessível a estudantes

de todo o País. No modelo de vestibular próprio as provas eram realizadas em doze

cidades. Com o SiSU apoiado na realização do Enem, nós vamos possibilitar que

estudantes de todo o País participem do processo seletivo" enfatizou o Reitor, que

aponta também que a participação da UFSCar no Sistema está respaldada nos bons

resultados que o SiSU já tem apresentado (SACI UFSCAR, 2010).

Apresentar esta trajetória do vestibular é importante porque, embora ele não seja o

início, é um marco importante para a exclusão ou inclusão no ensino superior, uma vez que,

dificuldades como o pagamento da taxa de inscrição116

, deslocamento para realização das

provas e até mesmo o formato da prova, são elementos que podem excluir estudantes

desfavorecidos por um processo denominado autoexclusão, ou seja, situação em que o(a)

estudante não chega a se inscrever para o vestibular por não se sentir capaz e/ou não ter

114 Não encontramos dados sobre o vestibular da UFSCar quando o mesmo estava sob responsabilidade da

FUVEST. Os dados sobre o vestibular, quando este era realizado via Vunesp, são escassos. Nossa busca

encontrou as provas aplicadas a partir do vestibular 2000 (vestibular de verão para ingresso no 1º semestre de

2000), que nos permitiu explicar a configuração da prova no período de 2000 a 20009, conforme consta no texto. 115

O Sisu é o sistema Informatizado do Ministério da Educação por meio do qual instituições públicas de ensino

superior oferecem vagas a candidatos participantes do ENEM de acordo com a sua classificação no exame.

116 Embora muitas universidades ofereçam isenção nesta taxa, nem todas as pessoas que precisam são atendidas,

e muitas não conhecem essa possibilidade.

161

Alunos de escola Pública

Renda ≤ 1,5 salário-mínimo per capta

Negros(as) e Indígenas

Renda > 1,5 salário-mínimo per capta

Negros(as) e Indígenas

Ampla concorrência

condições econômicas de participar do processo seletivo. Neste sentido, a UFSCar apresenta

uma trajetória que demonstra uma busca em tornar seu processo seletivo mais inclusivo, com

a adoção do SiSU como uma marca significativa neste processo, uma vez que o ENEM é

gratuito para todos os(as) estudantes do 3º ano de escolas públicas e é realizado em cerca de

1700 cidades brasileiras.

A Política de cotas, implantada na universidade em 2008, atingiu no ano de 2014

o percentual de 50% de reserva de vagas que a Lei 12.711/12 estabeleceu como meta para

implantação o ano limite de 2016, ou seja, a universidade reserva o mínimo de 50% do total

de vagas de cada curso para estudantes de escola pública, destas, o mínimo de 50% são para

estudantes com renda per capta inferior a 1,5 salário mínimo e destas últimas, 34,7% das

vagas destinadas a pretos(as) pardos(as) e indígenas (de acordo com as estatística

representativa da população negra no Estado de SP medida pelo IBGE). Destacamos o fato de

ser o mínimo de 50% porque em caso de cursos com número ímpar de vagas, a vaga

indivisível vai para o sistema de cotas. A imagem a seguir ilustra esta divisão em um curso

que oferece, por exemplo, 45 vagas.

Fonte: Portal do MEC

A seguir, apresentamos o gráfico que ilustra a evolução da inclusão de estudantes

oriundos de escolas públicas nos cursos de graduação da UFSCar.

Figura 5 - Sistema de reserva de vagas de acordo com a Lei 12.711/12

162

Gráfico 5 - Percentual de ingressantes na UFSCar de acordo com o tipo de Ensino Médio cursado (público

ou privado)

Elaboração própria. Fonte: Indicadores UFSCar 2003-2012, dados da política de cotas (2014).

Com a implementação da política de cotas no ano de 2008, o percentual de

ingressantes oriundos de escolas públicas começou a aumentar, alcançando em 2014 a meta

de 50% dos estudantes matriculados na UFSCar que cursaram o Ensino Médio em escolas

públicas.

A UFSCar deixou no passado a história de autoritarismo e, atualmente, assume

um compromisso com as diferentes realidades da sociedade brasileira da busca pela garantia

da equidade. Assim, considerou fundamental formalizar um espaço institucional para

formular propostas que contemplem as diferenças e diversidades da comunidade universitária,

garantindo que todos e todas se sintam respeitadas nas suas especificidades e atendidas nas

suas necessidades. Neste contexto, o Conselho Universitário aceitou a proposta de criação da

Secretaria Geral de Ação Afirmativa, Diversidade e Equidade (SAADE), oficializada por

meio da Resolução nº 809 de 29 de maio de 2015. A SAADE compreende um órgão de apoio

administrativo vinculado à Reitoria da universidade, responsável pelo estabelecimento e

implementação de políticas de ação afirmativa, diversidade e equidade para a UFSCar e

divide suas atividades em três coordenadorias: Coordenadoria de Inclusão e Direitos

Humanos (CoIDH); Coordenadoria de Relações Étnico-Raciais (coRE); Coordenadoria de

Diversidade e Gênero (CoDG).

32% 28% 27%

23% 22%

28%

34% 37%

45% 44% 50%

68% 72% 73%

77% 78%

72%

66% 63%

55% 56% 50%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2014

EM público EM privado

163

Tendo em vista o objetivo do trabalho – analisar os efeitos das Políticas Públicas

de Ação Afirmativa na Universidade –, identificamos e buscamos compreender melhor os

movimentos estudantis criados após a implementação das PPAAs. Assim, levantamos três

Coletivos criados: Café das Pretas, Frente Negra – UFSCar e Centro de Culturas Indígenas e

aplicamos um questionário on line, conforme já apresentamos. No entanto, contamos com

respondentes apenas dos dois primeiros coletivos, não tendo sido possível avançar na

pesquisa sobre o Centro de Culturas Indígenas.

O perfil dos respondentes, quanto à raça/cor e gênero foi solicitado em uma

questão aberta uma vez que nosso interesse é captar a autopercepção individual de cada

pessoa, sem que esta tenha que buscar se encaixar em categorias pré-estabelecidas. Os 100%

dos respondentes (17) se autodeclararam como negros, no entanto, as subcategorias se

dividiram entre – preto/a/; negro/a; negro/a; pardo/a e africana da diáspora, conforme é

possível observar no gráfico abaixo

Gráfico 6 - Autoidentificação quanto ao gênero e raça/cor (17 respondentes)

Optamos por manter as subcategorias tais como apareceram117

, uma vez que não

encontramos sentido em garantir tal liberdade na resposta, para posteriormente enquadrá-las

117 Apesar de sabermos que “negros” referem-se a pretos e pardos, mantivemos as declarações tais como foram

apresentadas pelos respondentes..

Homem Pardo

6%

Homem Negro

23%

Mulher Parda (tez

clara)

12% Mulher Negra

41%

Mulher Preta

12%

Africana da

diáspora

6%

164

em moldes pré-estabelecidos. De tal modo, percebe-se que apesar de uma amostra 100%

autodeclarada negra, as pessoas têm percepções diferenciadas quanto a raça/cor. Em relação

ao gênero, além de se autodeclararem como mulheres, duas respondentes incluíram nas suas

respostas a orientação sexual: bissexuais. Outro ponto que nos chamou a atenção foi o fato de

duas respondentes colocarem em suas respostas o termo “cisgênero”. Isto porque esta

percepção demonstra um olhar ampliado para além da heteronormatividade, uma vez que

reconhece outras possibilidades de identidades de gênero.

O gráfico a seguir apresenta os dados referentes à escolaridades dos responsáveis

(divididos em responsável 1 e responsável 2). Obtivemos 17 respostas acerca da escolaridade

do responsável 1 e 15 respostas acerca do responsável 2.

Gráfico 7 - Escolaridade dos responsáveis (R1 17 respondentes e R2 15 respondentes)

Os resultados mostram que 41,2% dos responsáveis 1 concentram-se nas

categorias que vão de ensino fundamental incompleto a ensino médio incompleto, 41,2%

possuem ensino médio completo. Apenas 11,8% (2 respostas) possuem ensino superior

completo. No caso do/a responsável 2, 53,4% têm ensino fundamental incompleto ou ensino

médio completo. Apenas 20% possui ensino superior completo. Esses dados evidenciam a

entrada dos jovens que são 1ª geração no ensino superior.

Em relação a como se mantém na universidade, a maioria dos/as 14 respondentes

(32,1%), indicou que recebe auxílio financeiro da família, seguido de ¼ da amostra que conta

com os auxílios sociais da universidade. Apenas duas pessoas responderam que trabalham em

NF EF

incompleto

EF

completo

EM

incompleto

EM

completo

ES

incompleto

ES

completo

0,0%

29,4%

5,9% 5,9%

41,2%

5,9%

11,8%

0,0%

46,7%

0,0%

6,7%

13,3% 13,3%

20,0%

Responsável 1 Responsável 2

165

atividade sem relação com o curso. Na categoria “outra”, seis estudantes responderam

realizarem atividades diversificadas tais como: transcrição de entrevistas de outros

pesquisadores; participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência e

confecção de artesanatos; freelancer em eventos (2 respostas); bolsa em projeto de extensão e

auxílio financeiro do namorado.

Gráfico 8 - Fonte de renda durante o curso universitário – por categoria de fonte de renda (14

respondentes)

Em relação ao ano de ingresso, a maioria dos respondentes (8) ingressou a partir

de 2016 e dos 6 respondentes sobre o uso ou não da política de cotas, 5 afirmaram terem

utilizado-a em um ou mais dos critérios que se encaixavam, como é possível observar no

gráfico 10.

Gráfico 9 - Ano de ingresso na UFSCar (14 respondentes)

Trabalho meio período – em atividade sem relação

profissional com o curso

Trabalho período integral – em atividade sem relação

profissional com o curso

Estágio remunerado

Iniciação Científica financiada pela Capes, CNPq,

Fapesp ou outro órgão de fomente à pesquisa

Trabalho período integral – em atividade com relação

profissional com o curso

Outra (Por favor especifique)

Assistência Estudantil da Universidade

Auxílio financeiro da família

3,6%

3,6%

3,6%

7,1%

7,1%

17,9%

25,0%

32,1%

2

0

1

2

1

3 3

2

2011 ou

antes

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

166

Gráfico 10 - Meio de ingresso na UFSCar (06 respondentes)

Quanto ao curso, a maioria dos respondentes (78,6%) é da graduação, dividindo-

se nos cursos de Ciências Sociais, Pedagogia, Medicina, Psicologia e Engenharia Física.

21,4% são estudantes da Pós-Graduação – mestrado em Antropologia Social e Pós-graduação

em Educação (sem identificação quanto ao nível).

Questionamos então se os respondentes tiveram, nas disciplinas obrigatórias do

Sim, como egresso/a de escola pública

Sim, como pessoa negra

Sim, como pessoa indígena

Sim, renda familiar per capta igual ou inferior a 1,5 salário

mínimo

Não utilizei o sistema de cotas

3

4

0

1

1

Pedagogia

23%

Ciência Sociais

31%

Psicologia

7%

Engenharia Física

8%

Mestrado em

antropologia social

15%

Medicina

8%

Pós-graduação em

Educação

8%

167

curso, alguma disciplina que abordasse a História e Cultura Africana, Afro-brasileira e/ou

Indígena (obrigatórias a partir das Leis 10.639/03 e 11.645/08) e apenas o curso de pedagogia

apresentou resposta afirmativa para a questão.

Quadro 4 – Presença de Disciplina com a temática de História e Cultura Africana, Afro-brasileira e

indígena (13 respondentes)

CURSO SIM NÃO

Pedagogia 3 0

Ciência Sociais 0 3

Psicologia 0 1

Engenharia Física não respondeu

Mestrado em antropologia social 0 2

Medicina 0 1

Pós-graduação em Educação 1 0

Interessante notar que a graduação em Pedagogia e a Pós-Graduação em Educação

foram os únicos cursos que, segundo os respondentes, contemplam as questões de História e

cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena cumprindo ao pressuposto pelo Parecer do

Conselho Nacional da Educação118

.

Sim. Em duas disciplinas. Uma obrigatória que antes de mudarem a grade está mais

próxima ao fim do curso e agora na nova colocaram no primeiro semestre (Didática

nas relações étnico-raciais) e uma optativa Infância, Raça e Cinema. Sei que tem

mais uma, mas ainda não fiz. (sujeito 3, graduanda em pedagogia, mulher, negra)

Tive aula de Literatura Africana de autoria feminina (Optativa) e de Literatura

africana de língua portuguesa (Obrigatória) (sujeito 17, pós-graduanda em

Educação, mulher negra)

Não contém! Para se ter a acesso a esses conteúdos deve se buscar em disciplinas

optativas (que são poucas) ou no Núcleo de Estudos Afro-brasileira (NEAB).

(sujeito 8, graduando em ciências sociais, homem negro).

Não tive disciplinas sobre história e cultura africana, apenas em antropologia temos

mais contato com a cultura indígena. (sujeito 9, graduanda em ciências sociais,

mulher negra).

118 De acordo com o documento, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de

Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, Educação Superior,

precisarão providenciar, dentre outros pontos, a inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino

Superior, nos conteúdos de disciplinas e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de Educação das

Relações Étnico-Raciais, de conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população negra. Por

exemplo: em Medicina, entre outras questões, estudo da anemia falciforme, da problemática da pressão alta; em

Matemática, contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela Etno-Matemática; em Filosofia, estudo

da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade.

168

64,2% da amostra (14 respondentes) responderam que possuem vínculo com

pesquisa em diferentes níveis – iniciação científica (IC), trabalho de conclusão de curso

(TCC), mestrado ou doutorado. Destes, 55,6% (5 respondentes) desenvolvem pesquisa com

temática voltada para as questões relacionadas à raça, racismo e/ou relações étnico-raciais.

Gráfico 11 - Vinculação à Pesquisa (14 respondentes)

Os respondentes, além de indicarem o tema da pesquisa, também apresentaram as

dificuldades que encontram para desenvolvê-la como se pode observar a seguir:

[Pesquiso] Aquilombamento como política de permanência de estudantes

afrodescendentes no Ensino Superior. Escolhi essa pesquisa para mensurar de que

forma os Aquilombamentos (coletivos de iniciativa e liderança negra) podem

contribuir para o enfrentamento do epistemicídio presente nas universidades

brasileiras. A dificuldade que tenho enfrentado são as críticas devido a minha

escolha de não estar disposta a referenciar intelectuais brancos e europeus. Escolhi como epistemologia o Pan Africanismo e a Afrocentricidade [grifo nosso]

(sujeito 18, mulher, africana da diáspora, pós-graduanda em educação).

Meu tema de pesquisa é: "Representatividade negra nos cordéis: a literatura como

estratégia educativa" Penso que escrever sobre a temática racial, sendo negro,

permite uma conexão maior com os problemas sociais que nos afetam todos os dias,

analisando possíveis estratégias para acabar com eles. Além disso, estudar sobre

esse tema permite que eu construa uma base forte com minha identidade. Acho um

tema um tanto complexo (Sujeito 9, homem negro, graduando em Pedagogia).

Tema: Entender a tríade: família, preconceito racial e afeto. Escolhi esse tema

devido a admiração pelo trabalho da Lia Vainer Schucman. (sujeito 5, mulher negra,

graduanda em Psicologia)

Sim, IC; 22%

Sim, TCC; 14%

Sim, Mestrado;

21%

Sim, Doutorado;

7%

Não ; 36%

169

Pesquiso em meu TCC a temática da Afrocentricidade no campo da educação.

Escolhi esse tema devido a aproximação e vínculo com a perspectiva. No momento

não encontro dificuldades para desenvolver tal temática, devido a minha

orientadora ter aproximação com a temática (Sujeito 14, mulher parda,

graduanda em Ciências Sociais).

Trabalho com a representação da afetividade negra no romance de estreia da autora

Norte-Americana Toni Morrison. Passo por muitas dificuldades pois não tenho

bolsa, fiquei desempregada boa parte do curso, mudei de cidade para ampliar as

possibilidades de emprego e me afastei muito da pesquisa, agora estou negociando

prazos com o departamento para tentar finalizar (Sujeito 16, mulher negra,

graduanda em Ciências Sociais).

Alguns pontos nos chamam a atenção nas falas dos sujeitos. O mais gritante é a

dificuldade apontada pela respondente identificada como sujeito 18 que aponta as críticas

sofridas devido ao fato da escolha em não referenciar intelectuais brancos e europeus. Isto

porque a ciência moderna, baseada nas tradições epistemológicas do primeiro período do

Renascimento, assumiu o privilégio epistemológico de ser a única forma de conhecimento

válida. No entanto, os saberes produzidos pela comunidade negra, são marcados pela criação,

recriação, produção e potência. Este conhecimento significa a intervenção social, cultural e

política de forma intencional e direcionada dos negros e negras ao longo da história, na vida

em sociedade, nos processos de produção e reprodução da existência (GOMES, 2017).

Ao encontro disso, a pesquisa de Pires (2014) revela que o professor ou professora

negra, consciente de seu papel na universidade, pode representar aos estudantes um

referencial, uma personalidade paradigmática, na medida em que, enfrentando toda sorte de

obstáculos, conseguiu ocupar o espaço da docência e está particularmente sensível aos

grandes obstáculos enfrentados por seus alunos e alunas. De acordo com a autora o “olhar

militante de professores negros serve de referência e apoio a esses alunos” (PIRES, 204, p.

161). Apesar de a respondente 14 não indicar a identidade racial de sua orientadora, ela

reconhece que não encontra dificuldade na realização da pesquisa que tem como temática a

“Afrocentricidade” pelo fato de sua oientadora ter aproximação com a temática119

.

Pires questiona ainda se não estamos em um momento da luta antirracista em que

o protagonismo está colocado também na mão de professores negros que com seu olhar

crítico sobre os conteúdos e currículos, e sensibilizados a identificar o conteúdo racista e

estigmatizante presente no conteúdo das diferentes disciplinas, estimulariam um repensar

sobre o saber eurocêntrico de nossas universidades, favorecendo aos alunos de diferentes

119 Sabemos da presença de dois docentes negros no IFCH que atuam também com temáticas relacionadas as

questões étnico-raciais e África, o que nos leva à suposição de que seja um desses professores a orientadora em

questão.

170

trajetórias e, especialmente, aos estudantes negros, a possibilidade de desconstrução e

reconstrução desses saberes, tornando-se, efetivamente, protagonistas de sua formação.

A próxima questão abordava a participação dos sujeitos em coletivos com

temáticas ligadas à raça/cor. A princípio havíamos selecionados três coletivos da UFSCar: o

Café das Pretas, a Frente Negra e o Centro de Culturas Indígenas, no entanto, apesar desta

pré-seleção, a questão foi feita de forma aberta para que os sujeitos respondessem se e em

quais coletivos atuam ou atuavam. Interessante notar que nas respostas apareceram outros

Coletivos, sendo o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) o Coletivo ligado à raça/cor

que não constava em nosso levantamento inicial. Atentamos ainda para o fato de alguns

respondentes estarem ligados à dois coletivos – Café das Pretas e Frente Negra e NEAB e

Frente Negra. Apesar disso, não tivemos respondentes integrante do Centro de Culturas

Indígenas, conforme é possível observar no gráfico a seguir.

Gráfico 12 - Participação em coletivos (13 respondentes)

Na questão seguinte, os sujeitos responderam os motivos que os fizeram participar

dos Coletivos em questão.

Decidi participar do Café porque, em diversos momentos a universidade me esgotou

emocionalmente e eu não me via sendo engolida pelo racismo institucional... várias

coisas que deixava passar sem entender o porquê aquilo estava acontecendo, não

querendo admitir que eram atitudes racistas. Uma amiga me convidou para o

Café das Pretas

15%

Café e Frente Negra

8%

NEAB

15%

NEAB e Frente

Negra

15%

Coletivo Feminista

8%

Não participo

39%

171

primeiro encontro, pois a mesma cansada de passar por isso e ouvir de outras

colegas discursos parecidos, percebeu que precisávamos de força para continuar e

seguir em frente, sem deixar que a universidade nos engolisse de vez (sujeito 3,

mulher negra, graduanda em Pedagogia).

Frente Negra decidi fazer parte quando estava me descobrindo enquanto negro, para

me auxiliar nessas questões... (sujeito 11, homem negro, graduando em Ciência

Sociais).

Eu comecei a participar do Café já na primeira reunião aberta, sabia que algumas

amigas minhas estavam se reunindo para conversar e quando surgiu o convite,

aceitei. Carregava muitas dores e frustrações acadêmicas e sociais e senti que aquele

espaço era o lugar em que seria compreendida e aceita. Logo o coletivo ganhou

expressão política e acreditei que seria uma forma de fazer mais pela universidade e

pela a cidade, dando visibilidade a outras mulheres negras. A frente foi uma

consequência deste movimento (sujeito 16, mulher, negra, graduanda em Ciências

Sociais).

Os relatos apontam o que Gomes (2017) explica sobre os Coletivos nas

Universidades. De acordo com a autora, essas organizações acabam por representar mais os

estudantes do que as formas convencionais dos movimentos estudantis. A autora denomina

esse movimento como “saberes estéticos-corpóreos”, ou seja, são saberes ligados às questões

da corporeidade e da estética negras. Ela explica ainda que a “partir do advento das ações

afirmativas configurou-se um outro perfil de juventude negra que se afirma por meio da

estética e da ocupação de lugares acadêmicas e sociais” (idem, p. 75, 2017).

Os resultados da questão seguinte ilustram o que a autora explica tendo em vista

que, embora com poucos respondentes (8), a concordância foi total sobre a importância dos

Coletivos para o fortalecimento pessoal e emocional, alcançando o score máximo de 5

(concordo totalmente), conforme é possível observar no gráfico a seguir. A questão foi

apresentada em forma de alternativas em que os respondentes deveriam, em uma escala likert

de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente) apontar o grau de concordância com a

afirmativa apresentada.

172

Gráfico 13 - Importância dos Coletivos - UFSCar (8 respondentes)

Os resultados (scores) foram obtidos a partir do cálculo da média ponderada que

aponta a tendência da amostra diante das afirmativas apresentadas.

Apresentamos a seguir de forma mais detalhada a história, especificidades dos

Coletivos: Café das Pretas e a Frente Negra UFSCar. Antes, porém, elucidamos que não nos

debruçamos sobre o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) porque o núcleo, criado em

1991 por iniciativa de professores, estudantes, servidores e de militantes do Movimento

Negro da cidade de São Carlos/SP já está institucionalizado pela Universidade e não se

enquadra como um coletivo criado apenas por estudantes após o período da implementação de

políticas públicas de ação afirmativa. Entretanto, destacamos a importância de tal núcleo que

desde sua criação desenvolve atividades de pesquisa, ensino e extensão atuando em 3 áreas:

Negros e Pesquisa; formação de Educadores; Memória social e intelectual dos afro-

Participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para

minha adaptação e/ou permanência na Universidade.

Participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para

minha adaptação e/ou permanência no curso.

O Coletivo foi o espaço onde encontrei grande parte

das minhas amizades na universidade.

O tema de pesquisa que desenvolvo (ou penso em

desenvolver) tem relação com minha vivência e…

O(s) Coletivo(s) me fortalece(m) pessoalmente/

emocionalmente.

O(s) Coletivo(s) me fortalece(m) academicamente.

O(s) Coletivo(s) já me ajudaram a enfrentar situações

de racismo na universidade e/ou fora dela.

Compreendo o(s) Coletivo(s) como uma militância

política.

A atuação do(s) Coletivo(s) ajudam a alterar as

lógicas eurocêntricas da Universidade.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para

estudos e discussões acadêmicas.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para a

sociabilidade e lazer.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para

discussões e atuações políticas.

As atividades promovidas pelo(s) Coletivo(s)

enriquecem minha formação pessoal.

4,000

4,000

3,750

4,125

5,000

4,625

4,750

4,875

4,875

4,750

4,750

4,875

4,875

173

brasileiros. De tal modo, o NEAB tem como objetivo:

realizar estudos cujos resultados possam ser aplicados na formulação e execução de

políticas públicas de promoção da equidade racial; estudar e divulgar a realidade dos

descendentes de africanos na sociedade brasileira; analisar as relações inter-

pessoais, culturais, sociais, econômicas mantidas pelos descendentes de africanos

com outros grupos étnico-culturais com que convivem, com vistas a criar

mecanismos de combate ao racismo e as discriminações; registrar a memória social

afro-brasileira; promover a formação de professores, agentes comunitários e outros

educadores, para que promovam atitudes de respeito às culturas dos grupos de

diferentes etnias e classes sociais presentes na escola, bem como organizem

programas e materiais de ensino que visem ao diálogo entre estas culturas e que a

escola tem por meta transmitir (NEAB, UFSCAR).

4.1.1. Café das Pretas e Frente Negra – UFSCar

O Coletivo Café das Pretas foi fundado em 10 de setembro de 2017 por mulheres

negras de São Carlos. De acordo com duas respondentes do questionário:

O Café das Pretas surgiu na necessidade de pretas se verem na universidade e se

ouvirem. Era um momento de acolhimento quinzenal em que compartilhávamos as

angustias na vida social, afetiva, acadêmica e emocional. Depois de um tempo ficou

um pouco mais acadêmico, passamos a discutir textos para ir além das mazelas que

nos assolavam na academia. Textos da Bell Hooks que nos levava a reflexão

[grifo nosso] (sujeito 3, mulher negra, graduanda em Pedagogia).

O Café surgiu em 2014, inicialmente como um papo entre amigas que tinham em

comum a cor da pele. As reuniões começaram a ganhar força a partir do momento

em que estas amigas perceberam que enfrentavam os mesmos problemas

financeiros, de aceitação, de espaço para compartilhar seus saberes e de auto estima,

então resolveram abrir para outras estudantes participarem (sujeito 16, mulher,

negra, graduanda em Ciências Sociais).

Como se pode observar nas “falas”, o Café das Pretas surge como um espaço de

acolhimento que ultrapassa o âmbito acadêmico, no entanto, ele também protagoniza a leitura

de autores não convencionais na academia. Sobre isso, Gomes (2017, p. 76) enfatiza a

importância dos Coletivos porque estes retomam “a leitura de autoras e autores negros

brasileiros e estrangeiros que refletem sobre racismo, feminismo negro, relações raciais e

educação, muitos dos quais não tinham suas obras conhecidas nem estudadas nas licenciaturas

e bacharelados”.

A primeira postagem no grupo virtual do coletivo é uma imagem de Angela Davis

discursando nos anos 60 que, de forma simbólica, mostra como o grupo se apresenta: um

coletivo de mulheres negras organizadas para lutar contra as opressões a que são

174

historicamente submetidas e que, na universidade se manifesta das mais diversas formas.

Figura 6 – 1ª foto postada no 'Café das Pretas' - Angela Davis discursando

Fonte: https://www.facebook.com/pg/Cafe.das.Pretas/posts/?ref=page_internal

A primeira reunião do Café aconteceu em 16 de setembro do ano da criação,

2014, com convite publicado na comunidade virtual. A partir de então, os encontros passaram

a ser quinzenais. Além destes encontros, o Coletivo realizou eventos diversos entre 2014 e

2017 como a I Oficina de Turbantes – Café das Pretas; o Café de Calourada (2016 e 2017); o

Primeiro Encontro de Formação Teórica do Café das Pretas; Feminismo Negro com Café das

Pretas.

175

A graduanda em Pedagogia (sujeito 3, mulher negra) conta que as principais

atividades do grupo eram “acolhimento; oficinas; rodas de conversa; discussão de textos”. Ela

diz ainda que “atualmente o café das pretas não tem se reunido”. A graduanda em Ciências

Sociais (sujeito 16, mulher, negra) conta que:

A princípio, as reuniões semanais consistiam em conversas sobre nossas vivências e

sentimentos naquele espaço, aos poucos passamos a transformar as reuniões em um

grupo de estudos da negritude, discutir questões de saúde mental da comunidade

negra, afetividade, identidade, pertencimento, classe social, periferias, cultura

negra... discutíamos e estudávamos os mais variados assuntos voltados para a

comunidade negra e, principalmente, para as mulheres. Também passamos a dar

Figura 7 - Eventos realizados pelo "Café das Pretas"

Fonte: Rede social - https://www.facebook.com/Cafe.das.Pretas/events/?ref=page_internal

176

palestrar e desenvolver atividades culturais em escolas e participar das atividades

políticas da universidade (sujeito 16, mulher negra, graduanda em Ciências Sociais).

Assim, é possível perceber que o Coletivo Café das Pretas traz à Universidade

novas possibilidades de sociabilidades, como também inclui a representatividade negra,

incomum de se encontrar nas universidades brasileiras até o início do século XXI. Além

disso, torna-se espaço de enfrentamento do racismo e de acolhimento, conforme é possível

observar nas respostas sobre os motivos para participar do coletivo.

Decidi participar do Café porque, em diversos momentos a universidade me esgotou

emocionalmente e eu não me via sendo engolida pelo racismo institucional... várias

coisas que deixava passar sem entender o porquê aquilo estava acontecendo, não

querendo admitir que eram atitudes racistas. Uma amiga me convidou para o

primeiro encontro, pois a mesma cansada de passar por isso e ouvir de outras

colegas discursos parecidos, percebeu que precisávamos de força para continuar e

seguir em frente, sem deixar que a universidade nos engolisse de vez (sujeito 3,

mulher negra, graduanda em Pedagogia).

Eu comecei a participar do Café já na primeira reunião aberta, sabia que algumas

amigas minhas estavam se reunindo para conversar e quando surgiu o convite,

aceitei. Carregava muitas dores e frustrações acadêmicas e sociais e senti que aquele

espaço era o lugar em que seria compreendida e aceita. Logo o coletivo ganhou

expressão política e acreditei que seria uma forma de fazer mais pela universidade e

pela a cidade, dando visibilidade a outras mulheres negras (sujeito 16, mulher,

negra, graduanda em Ciências Sociais).

Outro evento que nos chamou atenção na Comunidade virtual do Coletivo foi o

“Cine + Palquinho das Divas Pretas” porque o evento não se encerra numa perspectiva de

lazer apenas, mas como espaço político de resistência, bazar, Exibição do documentário da

Nina Simone e roda de conversa. O

dinheiro do evento foi revertido para

que as participantes do “Café” irem ao

“I Encontro Estadual da Juventude

Negra” que aconteceu em Campinas.

No ano de 2016, alguns

estudantes sentiram a necessidade

ampliar a discussão étnico-racial para

além da questão das mulheres negras e,

de tal modo, surgiu em 26 de abril

deste ano a Frente Negra da UFSCar, a

qual caminhou em consonância e Figura 8 - Divulgação do Evento

177

complementaridade de ideias com o Café das Pretas, conforme nos contou em entrevista a

graduanda em Ciências Sociais (mulher preta, 33 anos)

Quando eu cheguei em 2016 aqui, tinha o coletivo café das pretas, que era o coletivo

liderado por mulheres negras aqui da universidade e também pessoas negras que

estivessem próximas e quisessem participar e era um grupo apenas para mulheres. E

fazendo um debate sobre a questão das experiências das mulheres, das vivências na

universidade, quais eram os perrengues, as questões afetivas, religião, enfim, era um

grupo que fazia debate de várias questões, fazia atividades com convidadas em

departamentos ou até no SESC. Em 2016 tiveram duas meninas do coletivo que

foram ao SESC fazer uma mesa falar sobre questão de gênero racial,

interseccionado, só que acho que até 2017, começo de 2017 que não se reúne mais o

café das Pretas. Antes também de 2016 já tinha um coletivo que já estava também

parando de se reunir que era o CONAJIR120

. O CONAJIR é uma articulação

nacional de combate ao racismo, não sei bem qual é a sigla porque eu não

participava, o café das pretas eu participava. aí esse CONAJIR tinha dois integrantes

do CONAJIR, dois meninos, um dos rapazes está no Mestrado na Educação agora,

ele era estudante de Ciências Sociais, ele foi um dos articuladores e organizadores

do EECUN que era o Encontro de coletivos de Universitários Negros lá no RJ na

UFRJ, ele também ganhou esses dias uma premiação como um dos jovens mais

influentes pretos do mundo, sei lá... Eles articulavam junto com outras pessoas

antes, né, esse CONAJIR e a ideia da FRENTE era fazer uma articulação entre

esses dois coletivos para fazer o enfrentamento dentro da universidade em

relação às políticas que perpassam diretamente os estudantes negros, né, não

falando só das mulheres negras, mas juntar esses dois coletivos, né, nessa

articulação. Então a frente era justamente a junção desses dois coletivos. Como

esses coletivos não têm se organizado, né, o coletivo, acho que em 2016 mesmo já

não tinha mais o CONAJIR, eles tentaram fazer um pouco, não conseguiram, o Café

das Pretas em 2016 continuou atuando normalmente e junto com a Frente também,

então a maior parte dos trabalhos que puxavam na Frente foram as mulheres mesmo,

aí muito dos debates que eram feitos na Frente era justamente uma extensão do Café

das Pretas, tipo eram 2 grupos, duas agendas, mas o trabalho sempre era das

meninas. A proposta era essa, fazer uma articulação entre os estudantes para

fazer os enfrentamentos aqui na universidade considerando essa intersecção da

questão racial e de gênero, e da permanência estudantil, participação das

atividades da universidade, a discussão da própria 10.639 e 11.645 dentro dos

cursos e tal, acho que era um pouco isso.

O graduando em Ciências Sociais explica que a “A Frente Negra é um grupo

maior, onde todos os coletivos negros da universidade são bem-vindos e as reuniões têm

como objetivo alinhar pensamentos e ações políticas, sociais e culturais na universidade”

(sujeito 11, homem, preto).

De tal modo, a 1ª Reunião da Frente aconteceu em 22 de maio de 2016. O convite

no grupo virtual do Coletivo trazia o seguinte chamado:

Boa noite Negras e Negros maravilhosos da UFSCar! Vamos conversar sobre o

120 http://conajir.blogspot.com/

178

nosso atual cenário político??? Está na hora de pautarmos o que tem acontecido no

nosso espaço de vivência e de luta e o que queremos enquanto negras e negros

estudantes dessa universidade. Vamos colaborar??? [...] Esperamos todas e todos :)

A 1ª Reunião da Frente, dentre outros assuntos, discutiu a necessidade de

posicionamento na Assembleia Geral que aconteceria no dia seguinte (23/05/2016) com a

leitura de uma carta, a fim de dar maior visibilidade às pautas e aos coletivos (RELATO

REUNIÃO, FRENTE NEGRA, 2016121

).

Carta da Frente Negra – UFSCar- São Carlos

Nós estudantes negros e negras, graduandas/os, pós-graduandas/os, integrantes dos

coletivos Café das Pretas, Conajir e estudantes não vinculados à coletivos, alunos

cotistas, não cotistas e pessoal da comunidade externa, nos posicionamos com

indignação e resistência diante do cenário político e do plano de governo do

golpista, seus aliados e simpatizantes de projetos fascista, racista, sexista,

homofóbico e transfóbico.

O golpe em curso representa graves retrocessos aos direitos conquistados após lutas

cotidianas por transformações sociais encampadas pelo movimento negro brasileiro

composto por mães, pais, mulheres, jovens e educadoras/es. Reiteramos que nosso

posicionamento não está vinculado à partido político, pois ao longo da história as

pautas do povo negro não foram centrais nas agendas políticas da esquerda e nem da

direita.

A nossa formação social é racista e escravagista e desde que os primeiros africanos

foram sequestrados e transportados forçadamente para este país, houveram lutas

espirituais e física, sem recuo, sem temer o enfrentamento contra a situação de

desumanização imposta.

Se no passado a luta foi por liberdade, hoje lutamos pela a efetivação de direitos

conquistados ao longo de pouco mais de um século. É necessário reconhecer os

121 https://www.facebook.com/groups/1763523977212744/permalink/1773843629514112/

Figura 9 - Publicação para a 1ª Reunião da Frente Negra UFSCar

179

avanços ocorridos nos últimos anos: o acesso ao ensino superior público por meio

das políticas de ações afirmativas; PROUNI; FIES; criação da SECADI (Secretaria

de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão); a aprovação e

implementação do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena; a

criação da SEPPIR; o estatuto da Igualdade racial, mas não esqueçam, que todos

esses avanços são resultados da nossa luta histórica.

Ressaltamos ainda que não estamos aqui apenas pra engrossar as fileiras contra o

golpe, mas por considerarmos que num país com raízes racistas, o processo de

democratização do ensino superior deve ter centralidade no debate racial.

Quem vem pra luta quando jovens negros são mortos na periferia? Quando estudante

negro passa fome para se manter na universidade? Quem vem pra luta quando

mulheres negras são hiperssexualizadas dentro do campus? Quem vai lutar quando o

DeSS indefere pedido de bolsa para estudantes negros? Quem vem pra luta contra a

falácia da meritocracia?

É de extrema importância a união para barrar esse rolo compressor em cima dos

nossos direitos conquistados. Se esta instituição foi uma das pioneiras na

implementação da Lei de Cotas e ajudou que outras Universidades trilhassem o

mesmo caminho, essa é a hora da UFSCar liderar o caminho de ampliação da

equidade racial, pois a ausência de representatividade não acontece apenas nos

primeiros escalões dos Ministérios do Golpista, mas também dos governos

anteriores. Quantos negros ocupam espaços deliberativos da UFSCar?

Reiteramos que esse é o momento de lutarmos juntos, mas é preciso pensar formas

de criar coesão entre a comunidade universitária à longo prazo, colocando como

centralidade a desigualdade racial histórica existente no país.

Estamos aqui apoiando toda forma de mobilização em prol de um país mais

equânime e democrático, mas não temos dúvida que quando nossas pautas são a

linha de frente, estamos por nossa própria conta!!! É necessário que essa realidade

mude!!!

Em defesa do acesso e permanência de negros e negras no ensino superior, pelas

demarcações das terras quilombolas e contra o genocídio da juventude negra.

Honrando o sangue de Dandara e Zumbi, não recuaremos!

Nenhum passo atrás!!!!!!

Assim, como o Café das Pretas, a Frente também se configurou como um espaço

de acolhimento e cuidado com a saúde psicológica dos estudantes negros da UFSCar. O

graduando em Ciências Sociais conta que decidiu participar do Coletivo porque “estava [se]

me descobrindo enquanto negro, para me auxiliar nessas questões [...]” (sujeito 11, homem

preto, graduando em Ciências Sociais). A entrevistada (graduanda em Ciências sociais,

mulher preta, 33 anos) explica que

A Frente normalmente se articulava pra trocar ideias sobre a convivência

universitária mesmo, pra pensar quais são os arranjos na instituição que estavam

pegando, né, pros estudantes, que estavam sendo mais difíceis pros estudantes

negros e a partir disso cobrar, né, fazer uma, fazer uma... cobrar, enfim, participar

dos conselhos, das reuniões, fazer coisas desse tipo. Participava também dos debates

do CAs [Centros Acadêmicos] dos cursos, ou sei lá, DCE [Diretório Central dos

Estudantes], chamavam os estudantes também pra contar um pouco da importância

dos negros na ciências, os negros não sei onde, aí a gente fazia um pouco desse

trampo também, né, por exemplo, se fosse conversar sobre sociologia, autores

negros, ou a importância de se debater autores negros, ou quais são os prejuízos que

a gente tem em não discutir os autores negros...

A atenção a estas questões trouxe a proposta de uma reunião com a Frente e a

180

SAADE a fim de tratar sobre a necessidade de um estudo/mapeamento das doenças

psicológicas em mulheres negras. A Reunião aconteceu em 07 de julho de 2016 com a pauta

“Contratação Emergencial de Psicólogo Negro com formação em Relações Étnico-raciais e

Verbas e orçamento para coletivo” e teve acrescentada a “Avaliação de 10 anos de Cotas na

UFSCar”. A reunião encaminhou o seguinte:

Ver se a ProGrad já possui um documento que engloba essas questões. E articular

essa necessidade do recorte racial e cotista. Avaliação das ações afirmativas, pensar

a metodologia (depois da conversa com a ProGrad) Conversar com a ProGPe – ver contratação de psicólogos negros ou com formação

em relações étnico-raciais Contato com o Instituto AMA/Psique-Juventude Universitária: roda de conversa

com os estudantes, orientada pelas profissionais. Articular uma

atividade/atendimento, formação dos profissionais (TA’s) que fazem atendimento e

profissionais da saúde pública da SAADE que agregue coletivos e pesquisadores na

avaliação. Comitê Gestor, articular editais específicos para coletivos (agosto), será resultado da

conversa com o SPDI. SAADE pode intermediar o coletivo para concorrer a editais/bolsas e verbas já

existentes.

Além disso, ambos os coletivos – Café das Pretas e Frente Negra – atuaram no

processo de construção e aprovação da “Política de Ações Afirmativas, Diversidade e

Equidade” elaborado pela SAADE. De acordo com a postagem de uma das integrantes do

“Café” no evento: “Ocupa ConsUni pela aprovação da Política de Ações Afirmativas”:

Os impactos e desdobramentos do Programa de Ações Afirmativas na UFSCar,

resultou em novas necessidades, incluindo a criação de uma estrutura mínima, que

pudesse se articular com as diferentes unidades administrativas e que atendesse,

também, aos outros campi, claramente explicitados no PDI (2013) e que

transcendem o escopo dos estudantes de graduação" (Resolução ConsUni no. 809,

de 29 de maio de 2015, que cria a Secretaria Geral de Ações Afirmativas,

Diversidade e Equidade)

(Quer saber mais entra aqui http://blog.saade.ufscar.br )

A partir disso, foi criada no início deste ano a Secretaria de Ações Afirmativas,

Diversidade e Equidade. Que ampliou o escopo de atuação da universidade e

também sua capacidade de articulação por estar diretamente ligada à reitoria. E

resumidamente, destes últimos meses de muito trabalho, materializou-se a Política

de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade. Se a política for aprovada neste

momento, caberá à próxima gestão construir um Plano de Execução dessa política,

porém, se não for aprovada agora, corremos o risco de que esse trabalho se perca, e

que o caminho de uma universidade mais justa e equânime se torne cada vez mais

longo.

Assim, esperamos a presença de todos amanhã para fortalecer essa luta. Se você não

vai conseguir chegar as 8h, beleza, mas colem assim que puder, chama os colegas de

turma, amigos de rep. e os crush tudo.

É dispensável dizer que vivemos tempos difíceis na conjuntura nacional, porém não

podemos perder de vista nossas demandas locais e a nossa responsabilidade por

sermos ocupantes de uma vaga no ensino superior público e também com os

próximos que entrarão neste espaço.

181

Como diz Cortella, "ser pessimista é uma forma extremamente cômoda de existir".

Assim, no dia 21 de outubro de 2016, entrou para Ordem do dia da 223ª Reunião

Ordinária do Conselho Universitário a votação da “Política de Ações Afirmativas,

Diversidade e Equidade, elaborada pela SAADE. Destacamos a seguir algumas falas durante

a discussão sobre a Proposta:

o discente Iberê parabenizou o trabalho excepcional da equipe da SAADE,

destacando o momento de diálogo com a comunidade no sentido da democratização

no ensino superior e que a proposta se constitui em uma resposta crítica e

posicionamento firme de responsabilidade da universidade com a sociedade. Na

sequência, um discente pós-graduando com necessidades especiais se manifestou

lembrando da importância do momento para os estudantes que chegaram à

universidade por meio das ações afirmativas e de políticas públicas implementadas

nos últimos anos e da importância da aprovação dessa proposta.

Ornaldo Baltazar Sena: Com o lema ‘Fora Temer’ disse que os indígenas dessa

instituição não reconheciam política de retrocesso nesse atual contexto político.

Parabenizando a equipe da SAADE falou das conquistas dos indígenas e a

importância dessa política, lembrando da implantação do vestibular indígena em

2008, seguida da descentralização do processo seletivo para quatro capitais do País,

culminou no último vestibular com mais de 900 inscritos, de 89 povos de diferentes

locais de 17 estados. Comentou que naquele momento, a UFSCar contava com 38

etnias e mais de 130 alunos ativos. Reafirmou que a política de ações afirmativas

precisa ser ampliada e fortalecida, não só para os povos indígenas, mas para os

grupos sociais e historicamente marginalizados. Que, infelizmente ainda é preciso

lutar pela implantação de direitos, sendo que esse direito já poderia estar sendo

usufruído, pois são mais de quinhentos anos de história, de resistência, e de luta

contínua, e que os indígenas continuarão lutando por essas políticas e por sua

consolidação. Registrou, ainda, ter ficado feliz ao ouvir a futura reitora dizer que

Figura 10 - Evento para Participação estudantil no ConsUni de aprovação da Política de Ações Afirmativas,

Diversidade e Equidade

182

estará aberta ao diálogo e às políticas afirmativas, visto que na atual gestão, os

indígenas sempre foram ouvidos tanto na Reitoria, quanto na ProGrad e ProACE.

Em complementação, o discente Marcondy Maurício de Souza, manifestando-se

como liderança indígena e representante discente do ConsUni, CoG, e CoAd,

registrou algumas atitudes de grande benefícios e avanços conquistados nos últimos

anos em relação aos povos indígenas: criação do Centro de Cultura dos Indígenas

em 2012; 1º Encontro Nacional dos Indígenas em 2013; consolidação do SBPC

Indígena, com a oportunidade de trazer a ciência indígena para a universidade; a

participação de dois estudantes indígenas representando a UFSCar na 14ª Sessão do

Fórum Permanente para Questões Indígenas, realizada na sede da ONU, em Nova

Iorque, em 2015; também em 2015, a realização da 1ª Semana Indígena na UFSCar.

Como liderança indígena e porta voz das comunidades indígenas, registrou

agradecimentos à Reitoria, PROGRAD, PROACE, SAADE, aos conselheiros do

ConsUni e CoG, por terem acompanhado e aprovado as ações afirmativas e o

ingresso dos povos indígenas na universidade. Complementou dizendo que, talvez

nem todos tenham noção dos benefícios às comunidades, mas foram grandes os

avanços às comunidades que estão distantes de suas capitais e que demoram seis

dias para chegar de barco, lugares que ficam dentro de florestas, que até então o

estado não conseguia alcançar, e no momento, com muito orgulho em dizer que a

UFSCar está chegando lá e isso se deu principalmente, por meio do vestibular, ou

por ter um estudante formado trabalhando na FUNAI, ou ocupando cargos em

prefeituras, lutando não só pelos povos indígenas, mas também por outros povos em

que o estado acaba sendo omisso; e que isso não iria acontecer se não houvesse o

Programa de Ações Afirmativas. (CONSUNI122

, 2016, pp 12-13).

A Política de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da Universidade

Federal de São Carlos123

foi assim, aprovada em 21 de outubro de 2016 na 223ª Reunião do

Conselho Universitário, por unanimidade dos membros presentes. O Café das Pretas e a

Frente Negra da UFSCar tiveram papel importante neste momento, conforme relatado pela

graduanda em Ciências Sociais (sujeito 16, mulher, negra, graduanda em Ciências Sociais).

Acredito que nossa maior conquista foi o desenvolvimento e o fortalecimento de

todas as participantes. Mas também demos visibilidade às mulheres negras dentro da

universidade e as nossas demandas sociais, culturais e estruturais, vejo que o café,

assim como a Frente, caminhou lado a lado com os órgãos responsáveis pelas

ações afirmativas na universidade, nossa voz foi ouvida por toda a comunidade

acadêmica, passamos a ser respeitados e consultados sobre todas as questões

pertinentes à comunidade acadêmica [grifo nosso].

O documento “Política de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da

Universidade Federal de São Carlos” (UFSCar, 2016, p. 01) endossa a fala da estudante,

122 Ata da 223ª Reunião do ConsUni. Disponível em http://www.soc.ufscar.br/consuni/2016/arquivos/223a-

reuniao-ordinaria21102016/consuni223ata.pdf . Acesso em 19/11/2018.

123 No documento, a UFSCar renovou seus compromissos social e político de assumir, o mais plenamente

possível, a responsabilidade de garantir a articulação entre a construção de conhecimentos e a formação de

profissionais e de cientistas engajados/as na garantia de uma sociedade cada vez mais democrática, participativa

e dialógica” por meio de 17 princípios que visam contribuir para a consolidação de uma cultura de respeito as

diversidades e de promoção da equidade, prevenindo e combatendo atitudes racistas, misóginas, LGBTfóbicas e

capacitistas.

183

afirmando que a “participação de grupos de pesquisa, grupos, coletivos e movimentos sociais

e especialistas acadêmicos, trazendo à Secretaria textos, proposições e reflexões” foi um

processo fundamental para a construção dos princípios e diretrizes que possam fazer frente ao

desafio da promoção da equidade.

Em dezembro de 2016 a Frente organizou a Roda de conversa “Universidade

Pública e Política de Cotas Étnico-Raciais: perspectivas históricas e desafios futuros”. O

evento no grupo da rede social trazia que:

A Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE) convida

todas as pessoas interessada em debater a temática das Políticas de Cotas Étnico-

Raciais na Universidade Pública com a intenção de contextualizar este tema dentro

de uma perspectiva histórica ampla que aponta o protagonismo da resistência dos

movimentos negro e indígena.

As Cotas Étnico-Raciais fazem parte de Políticas de Ações Afirmativas que surgem

como resposta e compromisso do Estado na tentativa de ilidir desigualdades

socialmente construídas das quais resultam restrições no acesso a direitos

fundamentais, tais como a educação. Neste sentido, é de fundamental importância

que a UFSCar, uma universidade pública, há muito tempo compromissada com

políticas de equidade no Ensino Superior, enverede esforços para que a execução das

Políticas de Ações Afirmativas consiga êxito em seus propósitos. Pretendemos,

nesta Roda de Conversa, compartilhar perspectivas e ouvir expectativas da

comunidade universitária que permitam a UFSCar aprimorar cada vez mais sua

Política de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade. Para esta Roda de Conversa

trazemos alguns eixos orientadores para o debate:

- Política de Cotas Étnico-Raciais e Universidade Pública

- Ações Afirmativas na UFSCar

- Fortalecimento e ampliação das Ações Afirmativas na UFSCar

- Combate e enfrentamento às fraudes no sistema de cotas étnico-raciais

Os dados que encontramos mostram atividades intensas no ano de 2016 de ambos

Figura 11 - Evento organizado pela Frente Negra - UFSCar

184

os Coletivos, no entanto, a partir de 2017 já não encontramos dados recorrentes de atividades

organizadas por estes Coletivos. De acordo com a entrevistada (mulher, negra, graduanda em

Ciências Sociais)

A frente não tem se reunido mais, né, faz tempo, desde o ano passado, não sei

exatamente de quando, começo, 1º semestre do ano passado. Porque, enfim tinham 2

coletivos, e aí ficaram as mesmas pessoas que acabavam tocando o café a Frente, e

aí meio que ficou numa função de não se reunir assim, as pessoas foram

organizando as vidas, os estudos e tal, as militâncias em outros espaços e acabou que

acabaram as reuniões dessa articulação, mesmo que as demandas não deixem de

existir, né. Então houve uma mudança, existe agora uma articulação dos estudantes

Panafricanistas que é a OUA, Organização da Unidade Africana, mas aí a proposta

deles não sei bem qual é, não sou próxima deles.

Interessante notar que, apesar da desmobilização dos Coletivos investigados,

começam a surgir novas organizações para discussões que envolvem as relações étnico-raciais

e africanidades como a “Organização da União Africana – OUA”. De acordo com a

mestranda em Antropologia Social o “Coletivo O.U.A - Organização da União Africana, se

iniciou como grupo de estudos pan-africanista e tem a intenção de aumentar o grupo em suas

práticas”. As principais atividades do Coletivo são “Encontros semanais para debater

textos/documentários/filmes, e fazer eventos (ciclo de palestras, cine-debate, panfletagem)”

(sujeito 15, mulher, negra).

O graduando em Ciências Sociais explica que, embora a Frente não esteja mais

organizada, mantém algumas “reuniões esporádicas para tratarmos das questões que afetam os

negros e negras, e a um grupo do WhatsApp onde discutimos diversas coisas sobre essa

mesma temática”. O estudante reforça ainda a importância do Coletivo para o autocuidado:

“de vez em quando realizamos algumas confraternizações onde podemos cuidar de nossa

saúde mental em uma boa roda de samba, pagode etc.” (sujeito 11, homem preto, graduando

em Ciências Sociais).

4.2. Unicamp

Em 1963, o curso de medicina já estava em funcionamento, mesmo antes da

fundação da universidade. Dos seus 50 alunos, nenhum era negro. Isso não

significa que não houvesse negros na universidade. Embora pequeno, o contingente

de funcionários negros estava se formando (DAMASCENO, 2008, p. 63).

A Universidade Estadual de Campinas – Unicamp – foi criada pelo Decreto-lei

185

7.655 de 28 de dezembro de 1962 (SÃO PAULO, 1962), no entanto, apenas em 05 de outubro

de 1966, foi inaugurada a pedra fundamental da Unicamp, com a presença do então presidente

da República General Humberto de Alencar Castelo Branco, do Governados do Estado de São

Paulo, de Ministros e Secretários de Estado, do Presidente do Conselho Estadual de Educação

e de várias outras autoridades civis, militares e eclesiásticas (MENEGHEL, 1994).

De acordo com o Artigo 2º da Lei de criação (SÃO PAULO, 1962, p. 01), a

Unicamp tinha por finalidade:

I – ministrar o ensino universitário e pós-graduado;

II – promover a pesquisa pura e aplicada;

III – formar e treinar técnicos de nível médio e superior;

O projeto de fundação da Unicamp, em plena ditadura militar, pretendia responder

às necessidades de pessoal qualificado, e atender as exigências do processo de

industrialização do país sendo, portanto, uma universidade que desse ênfase à pesquisa

tecnológica e que mantivesse vinculação sólida ao setor produtivo (BEZZON, 1997). Assim,

a lei de criação da Unicamp, incluiu quatro faculdades – Ciências, Medicina, Odontologia e

Química Industrial e cinco institutos – Biologia, Morfologia, Química, Física e Matemática –

e encorpou a Faculdade de Medicina criada pela Lei 4.998 de 1958 à Universidade (SÃO

PAULO, 1962).

Apesar da criação no ano de 1962, a Unicamp começou a funcionar um ano

depois, em maio de 1963, apenas com a Faculdade de Ciências Médicas provisoriamente

instalada nos porões da Santa Casa de Misericórdia de Campinas. Com esta situação o

Conselho Estadual de Educação de São Paulo nomeou, em 1964, uma Comissão

Organizadora, da qual Zeferino Vaz era o presidente, para avaliar a viabilidade de

efetivamente se instalar o projeto de Universidade.

A instalação efetiva do curso médico, no entanto, deu-se apenas em 1965 com o

funcionamento das cadeiras básicas e das clínicas para o 3º ano do curso. Àquela

época a Faculdade de Medicina via-se com poucos recursos financeiros e a

implantação da Universidade ainda não havia começado (MENEGHEL, 1994, p. 97)

A atuação do Prof. Zeferino Vaz à frente da Comissão foi decisiva para os rumos

da universidade. Isto porque ele já havia atuado como professor do Instituto Biológica em São

Paulo, diretor na Faculdade de medicina veterinária da recém-fundada Universidade de São

Paulo, e foi nome importante na criação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP).

Com o golpe militar, em 1964, Zeferino Vaz tornou-se reitor-interventor da UnB, onde

adquiriu a percepção da Universidade como um todo integrado devido à convivência de todas

186

as ciências e das artes em um mesmo campus, percebendo a importância da formação

humanista para o estudante universitário. Assim, ao ser nomeado para presente da Comissão

Organizadora, aproveitou o momento político de enfraquecimento dos meios universitários

pela repressão do regime militar e, apesar de ter sido responsável por atos repressivos e

destituições na UnB, trabalhou para que a Unicamp se transformasse num porto seguro para a

intelectualidade contrária ao regime, fazendo da Unicamp uma Universidade Crítica

(BEZZON, 1997).

Como se vê, Zeferino Vaz foi um homem com ações contraditórias pois, ao

mesmo tempo em que agiu de forma repressiva na UnB e circulava muito bem entre os

militares, acolheu professores expulsou de outras universidades e buscou implantar na

Unicamp um projeto, que se reflete no próprio logotipo da universidade, que compreendesse a

universidade como um todo orgânicos ao invés de uma colônia de organismos trabalhando

independentemente:

O que confere a unidade à universalidade dos conhecimentos humanos é o objetivo

final perseguido por todos que é a promoção do bem estar físico, espiritual, e social

do homem comum. Não acredito e não aceito a arte pela arte, a ciência pela ciência,

Ciência, Artes, Filosofia não contêm em si mesmas um objetivo alto, nobre e digno,

quando não exercidas visando o bem estar do homem” (BEZZON, 1997, p. 09 apud

JORNAL ÚLTIMA HORA, 03/08/1971).

Dentro desta perspectiva, a comissão trabalhou também no sentido de realmente

implantar uma Universidade em Campinas e não apenas solidificar a Faculdade de Ciências

Médicas como queriam alguns. Para tanto conseguiram: levantar verbas junto ao governador

do estado da época, Laudo Natel; comprar equipamentos importados e também livros e

revistas científicas visando o estímulo à pesquisa; a doação do Sr. Adhemar de Almeida Prado

de 30 alqueires, parte de uma fazenda, para edificação da cidade universitária e, por fim,

conseguiram um adiantamento de verbas do governo estadual para que pudesse abrir

concorrência pública para a construção do 1º edifício da Universidade (MENEGHEL, 1994).

Em termos de recursos humanos, o principal objetivo da Unicamp era conseguir os melhores

nomes do mundo científico e, já em 1971, 50% do corpo docente era composto por doutores,

em regime de Dedicação Integral (BEZZON, 1997).

Um aspecto importante que compôs o “modelo Unicamp” alçado por Zeferino

Vaz era de que a Unicamp não deveria ser uma grande universidade, ao contrário, ela deveria

evitar o gigantismo, limitando o número de alunos no global e, mais ainda, no ensino de

graduação. “Ela procuraria não se incomodar em ter o mesmo número de estudantes de pós-

187

graduação que teria na graduação, e deveria investir pesadamente em instalações e meios de

pesquisa, como laboratório e bibliotecas (BEZZON, 1997).

Para Bezzon (1997), a Unicamp já nasceu com “ares” de melhor e, portanto,

somente as melhores cabeças é que poderiam integrar seus corpos docentes e discentes. Com

isto, criou-se uma certa mística de “elite” em torno da universidade.

Com a abertura política do país, a Unicamp caminhou para a construção da sua

autonomia e descentralizou-se a estrutura de poder através da criação das Pró-Reitorias e

instalou-se o Conselho Universitário que substitui o antigo Conselho Diretor. Foi neste clima

que se solidificou a ideia de ter um vestibular próprio, desvinculando-se da Fuvest em 1986.

O candidato à estudantes da Unicamp deveria: ser capaz de exprimir-se com

clareza; capaz de organizar ideias; capaz de estabelecer relações; capaz de interpretar dados e

fatos; capaz de elaborar hipóteses e que demonstrasse domínio dos conteúdos das disciplinas

do núcleo comum do então 2º Grau demonstrando estas características por meio de prova

discursiva realizada em duas fases. A primeira, constituída de uma redação e 12 questões,

duas de cada disciplina (Física, Química, Matemática, Biologia, História e Geografia). Na

segunda fase, o estudante deveria responder a 16 questões de cada uma das mesmas matérias

do núcleo comum do 2º grau (BEZZON, 1997).

Neste cenário da busca pelos melhores alunos a Unicamp mantém forte a

ideologia da meritocracia e foi uma das últimas universidades a aprovar o sistema de cotas124

,

à frente apenas da USP. No entanto, com a necessidade de responder à pressão política no que

tange à possibilidade de equidade de oportunidades de acesso, a Unicamp, criou o Grupo de

Trabalho sobre Inclusão Social, instituído em 2003, que realizou um estudo para determinar

quais os fatores que poderiam ser considerados para selecionar os candidatos de maior

potencial. O estudo demonstrou, a partir da comparação do coeficiente de rendimento médio

ao longo do curso de graduação de todos os ingressantes entre 1994 e 1997 com sua

classificação no vestibular, que os estudantes que concluíram o ensino médio em escolas

públicas apresentaram um desempenho acadêmico positivo e melhor do que os demais

(TESLER, 2008).

124 A 151ª Sessão Ordinária do Consu, em 30/05/2017, aprovou o princípio de Cotas como Política Pública de

Ação Afirmativa e o Reitor designou um grupo de Trabalho denominado GT-Ingresso-Unicamp-2019 para

elaborar proposta de implementação progressiva das cotas étnico-raciais e do vestibular indígena, buscando a

meta de autodeclarados pretos, pardos e indígenas, conforme parâmetro do IBGE no Estado de São Pulo, por

curso e turno e preservando a meta de 50% dos estudantes de escola pública, buscando incluir estudantes de

baixa renda (DIÁRIO OFICIAL, SÃO PAULO, 03/06/2017).

188

É dentro deste cenário que foi apresentada a proposta do Programa de Ação

Afirmativa e Inclusão Social – PAAIS pois, de acordo com Tesler (2006, p. 06)

se dois candidatos, um egresso de escola pública e um de escola privada empataram

(tiveram pontuação semelhante) no vestibular, se optarmos pelo que veio da escola

pública teremos um melhor aluno na Unicamp. Um mecanismo de ação afirmativa

que considera prioritariamente o mérito medido pelo vestibular pode na verdade

melhorar o corpo discente da universidade

A proposta foi votada e aprovada na 87ª Sessão Ordinária do Conselho

Universitário em 25 de maio de 2004. A Ata dessa Sessão mostra que, apesar da aprovação do

programa em formato de adição de pontos à prova do estudante, já existia a proposta de cotas

para a Unicamp, conforme é possível observar nos trechos abaixo.

O Conselheiro ODIRLEI CONRADO DE SOUSA com a palavra, explica que é

membro do Grupo de Trabalho sobre inclusão social e não assinou o relatório em

respeito a deliberação da assembléia geral dos estudantes que assim determinou,

considerando basicamente a não reflexão dentro do relatório da deliberação do V

Congresso dos Estudantes da UNICAMP, que prevê outra política de ação

afirmativa, com um fator complicante que é a pouca discussão que foi feita com a

comunidade acadêmica como um todo e também com a sociedade que é a mais

diretamente interessada no assunto. Então, por esses motivos a assembléia deliberou

que não assinasse. Em relação a assistência estudantil, como representante discente

louva qualquer política que vise o aumento da assistência estudantil, mas o fato de

existir mais egressos de escola pública nos cursos de graduação, não significa

necessariamente que a UNICAMP está contribuindo com a inclusão

socioeconômica. É fundamental deixar claro que grande parte dos estudantes que

entrarem através dessa proposta do Grupo de Trabalho, sejam egressos de escolas

públicas diferenciadas, que são as escolas técnicas estaduais e federais, a exemplo

do COTUCA, o CEFET e a ETECAP, que notadamente têm uma qualidade superior

de ensino e seu quadro discente tem estudantes de um nível socioeconômico elevado

também. Então, deixa claro a diferenciação entre egresso de escola pública e

estudante carente do ponto de vista socioeconômico. Acha que a proposta melhora

um pouco em relação ao que existe hoje, mas está longe de resolver o problema, e

isso é consenso entre todos. Termina reafirmando a deliberação do V Congresso dos

Estudantes que é a inclusão socioeconômica de estudantes de graduação e pós-

graduação na UNICAMP (CONSU, 2004, pp. 128-129).

RONALDO LUÍS DE ALMEIDA com a palavra, parabeniza a UNICAMP por essa

atitude de estar abrindo esse debate, embora o que está sendo proposto é uma

questão um pouco tímida em relação a necessidade e a importância da discussão.

[...] Reafirma a proposta apresentada pelo Conselheiro Miguel dos 30% de todos os

cursos da universidade e não apenas dessa proposta. [...] Conclamamos os ilustres

representantes do CONSU a não ficar na contra mão da história, a efetuarem uma

discussão qualificada sobre as cotas raciais, não perdendo assim a oportunidade de

reafirmar a universidade como um espaço democrático para debate de questões de

interesse da sociedade brasileira. [...] Hoje cerca de 10 Universidades em todo o país

já aprovaram e implementaram esta proposta de reparações afirmativas. A história

os convoca a cumprir o papel de vanguarda que a UNICAMP merece, ocupando o

lugar de destaque na galeria daqueles que lutam pela democracia contra as injustiças

sociais. Que aprovem as cotas para negros, contra ao corporativismo de mais de

90% da cota para os brancos, sob a falsa. Aprovar as cotas é no mínimo reparar o

grande malfeito e fazer justiça social para o povo brasileiro”. O (CONSU, 2004, pp.

133-135).

189

O Conselheiro ALAN SILVIO RIBEIRO CARNEIRO com a palavra, lembra e

reafirma a proposta da estudante secundarista de que 50% das vagas fossem

reservadas para os estudantes oriundos de escola pública e 20% dentre esses 50%

para os estudantes afro-descendentes, e no caso solicitou também, que isso fosse

discutido na Comissão, não decidido agora. [de acordo com o original] (CONSU,

2004, p. 161).

A então presidenta da ADUNICAMP, Professora Maria Aparecida Afonso

Moysés, falou em nome dos associados da associação dos docentes e defendeu a proposta

apresentada pelo Professor Meyer de adicionar 30 pontos a alunos oriundos de escolas

públicas e mais dez pontos para os autodeclarados como “afrodescendentes125

”.

Após intensa discussão entre os conselheiros a Minuta é votada com a observação

do Professor Meyer que incluiu, além dos 30 pontos para alunos de escolas públicas, mais 10

pontos para autodeclarados negros ou indígenas. A proposta foi aprovada com 62 votos

favoráveis e 02 abstenções.

Desta forma, inicialmente, o programa foi moldado para acrescentar

automaticamente, aos estudantes que tenham cursado integralmente o Ensino Médio comum

ou supletivo (Educação de Jovens e Adultos – EJA, modalidades presencial, semipresencial e

a distância), em escolas da rede pública no Brasil e optarem pelo PAAIS na inscrição para o

vestibular, 30 pontos a mais na nota final, ou seja, após a segunda fase, e para candidatos

autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, dentro deste contexto, mais 10 pontos acrescidos

à nota final (MARQUES, 2008).

A escolha dessa faixa de pontuação não foi casual. Trata-se de uma espécie de zona

de empate técnico do vestibular, dentro da qual a oscilação de desempenho dos

candidatos não indica propriamente uma vantagem – caso os mesmos candidatos

submetam-se a sucessivos exames, suas colocações costumam variar dentro dessa

área cinzenta. A ideia, portanto, era privilegiar alunos de escolas públicas, negros e

índios apenas como critério de desempate dentro de uma amostra de candidatos com

rendimentos acadêmicos muito semelhantes (MARQUES, 2008, p. 96).

Vê-se, portanto, que a Universidade, mais que a inclusão, tinha com o PAAIS o

objetivo de buscar pelas melhores cabeças para o seu corpo discente, ao encontro do que

pressupunha Zeferino Vaz quando da criação da Unicamp, sob a justificativa de estimular o

ingresso de estudantes da rede pública na Unicamp e também a diversidade étnica e cultural

com o slogan de ser a primeira ação afirmativa sem cota implantado em uma universidade

brasileira (COMVEST, 2015).

De acordo com Kleinke (2006, p. 02) “um dos principais objetivos do PAAIS é

125 Termo utilizado na Sessão.

190

buscar as excelências escondidas entre os candidatos da escola pública, além de ampliar a

diversidade cultural, étnica e de classes sociais” entre os estudantes da Unicamp. Renato

Pedrosa (apud MARQUES, 2008, p. 96) explica que

O que os nosso dados mostravam e que, para além da questão da inclusão social e da

promoção da diversidade, essa fórmula também interessava à Unicamp do ponto de

vista acadêmicos, uma vez que, historicamente os alunos oriundos de escola pública

apresentavam um desempenho crescente em relação aos do ensino privado com

nível equivalente de conhecimento.

De acordo com Marques (2008), em 2005, primeiro ano de implantação do

PAAIS, a admissão de alunos vindos de escolas públicas na Unicamp cresceu de 29,6% para

34,1% e o ingresso de negros e indígenas cresceu 44% em relação aos dois anos anteriores,

subindo de 10,9% para 15,7% do total.

Outro dado apresentado por Tessler e Pedrosa (2008) é que os beneficiados pelo

PAAIS melhoram seu desempenho em relação ao vestibular; na maior parte dos cursos eles

apresentam desempenho acadêmico (medido pelo coeficiente de rendimento – CR) superior

aos demais estudantes e têm menor taxa de abandono de disciplinas.

Importante destacar que o PAAIS foi pensado quando o vestibular da Unicamp

era diferenciado e tinha como objetivos “influenciar no redirecionamento do ensino do 1º e 2º

graus” e buscava no perfil do seu corpo discente um aluno capaz de “...exprimir-se com

clareza...organizar suas idéias; ... estabelecer relações; ... interpretar dados e fatos; ... elaborar

hipóteses; ... dominar os conteúdos das disciplinas do núcleo comum do 2º grau” (SOUZA126

,

1986 apud KLEINKE, 2006). Assim, o mesmo foi pensando em uma prova que era realizada

em duas fases, sendo ambas compostas por questões discursivas127

. Na primeira fase o

candidato era avaliado a partir de uma redação, que correspondia a metade de pontos, e mais

12 questões discursivas elementares (TESSLER, 2008).

No entanto, no ano 2011 o vestibular passou por alterações. Na primeira fase o

candidato era solicitado a elaborar três textos de redação e a responder 48 questões de

múltipla escolha com quatro alternativas cada. Este modelo durou apenas dois anos. Em 2013

uma nova alteração trouxe como exigência na prova de redação dois textos de redação ao

invés de três. As 48 questões de múltipla escolha se mantiveram da mesma forma. A segunda

fase permaneceu sem alterações no período – 2011 a 2014. Era composta por três provas

discursivas por área de conhecimento: ciências da natureza; ciências humanas e artes e Língua

126 SOUZA, P.R.C. Portaria GR-250/86, Unicamp, Campinas (1986).

127 Este modelo de vestibular perdurou até o ano de 2010 conforme se pode averiguar no site da comvest.

191

Inglesa; Língua Portuguesa e Literaturas da Língua Portuguesa e Matemática.

Em 2013 o PAAIS passou por uma reformulação e passou de 30 para 60 pontos a

bonificação na nota final (segunda fase) dos candidatos egressos de escolas públicas e de 10

para 20 o bônus extra para quem se autodeclara como negro, pardo ou indígena, totalizando

80 pontos. A modificação foi implantada no vestibular 2014 (SUGIMOTO, 2013).

Para o vestibular 2015 houve nova alteração no formato das provas e a primeira

fase passou a ter 90 questões objetivas sobre as áreas do conhecimento e a redação foi

transferida para a segunda fase que ficou composta da seguinte maneira: i. Prova de Redação

(composta por duas propostas de textos a serem desenvolvidas pelos candidatos) e prova de

Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, no primeiro dia; ii. Prova de

Matemática, prova de História e prova de Geografia, no segundo dia; iii. Prova de Física,

prova de Química e prova de Biologia, no terceiro dia.

Neste formato, o vestibular se aproxima novamente do formato criticado pelo

Professor Rubem Alves quando da discussão com a comunidade acadêmica sobre os

vestibulares. Segundo o professor (apud KEINKE, 2006)

Duas coisas ficam claras:

1. Os exames vestibulares, longe de serem simples exames de entrada, são fatores

que tem determinado, em grande medida, as linhas de desenvolvimento da nossa

educação, nos 1ºs e 2ºs graus, cristalizando e institucionalizando uma série de

deformações que vão desde o estreitamento do interesse dos jovens e o desperdício

da inteligência até a injusta seleção preliminar que elimina as classes menos

favorecidas.

2. Considerando-se que é inevitável que haja um processo de seleção daqueles que

vão ingressar em nossas universidades, é necessário não nos esquecermos de que há

muitas alternativas ainda não exploradas de se fazer isto, e que poderiam ser

investigadas e sugeridas pela Unicamp (ALVES, 1985128

).

Perdeu-se com esse novo modelo o que era uma das características marcantes das

provas do vestibular da Unicamp: as questões dissertativas e associadas à leitura e

interpretação de textos que fazia com que os candidatos necessitassem menos de conteúdo

programático e mais de capacidade de síntese, análise e interpretação. Perdeu-se, portanto, a

busca daquele perfil de estudante implementando em 1986 quando a Unicamp se separou da

Fuvest para realizar a seleção dos seus estudantes.

Para o vestibular de 2017 houve uma nova mudança no PAAIS. De acordo com o

site129

do programa, a partir deste vestibular, os estudantes que optarem pelo PAAIS na

128 ALVES, R. Ofício Circular AEAE 35/85, Unicamp, Campinas (1985).

129 https://www.comvest.unicamp.br/inclusao-paais/

192

inscrição para o vestibular receberão automaticamente 60 pontos a mais já na nota da primeira

fase. Candidatos autodeclarados negros ou indígenas que atendam aos requisitos acima, terão

mais 20 pontos acrescidos à nota da primeira fase, somando um total de 80 pontos. Para os

convocados para a segunda fase, serão adicionados outros 90 pontos à nota da Redação e

outros 90 pontos para as demais provas da segunda fase. Candidatos autodeclarados pretos,

pardos ou indígenas receberão, além dos 90 pontos, mais 30 pontos à nota da Redação e mais

30 pontos para as demais provas da segunda fase.

Interessa-nos, neste cenário, analisar se a política de inclusão social e racial

adotada pela Unicamp – o PAAIS – foi eficiente no sentido de aumentar o percentual de

ingressantes oriundos de escolas públicas e, principalmente, se possibilitou a inclusão de

negros(as) e indígenas, que rompem com a estrutura hierárquica de sistema-mundo criada

pelo processo de colonização. Seguimos, portanto, apresentando as análises dos dados

disponíveis sobre o perfil dos candidatos e ingressantes do vestibular da Unicamp no período

de 2003 a 2017.

Importante destacar que no ano de 2010 a Unicamp implementou também o

Programa de formação interdisciplinar superior da Unicamp (ProFIS) no intuito de amenizar a

autoexclusão dos jovens das classes sociais menos favorecidas. De tal modo, desde 2011 são

oferecidas 120 vagas anuais para os melhores alunos classificados no ENEM de cada uma das

96 escolas públicas de Campinas, garantindo a cada escola, pelo menos, uma vaga. O

Programa foi concebido como um curso sequencial, com duração de dois anos, podendo ser

estendido para até três anos para a sua integralização.

Ao término do curso, os alunos, além de receberem o certificado de Formação

Interdisciplinar Superior, podem ter acesso a uma vaga em 62 dos 68 cursos de graduação

regular da Unicamp, fazendo a escolha por ordem da sua classificação acadêmica registrada

no CRO – coeficiente de rendimento das disciplinas obrigatórias. Desta forma, um dos

objetivos específicos do curso é também apoiar o aluno na escolha da carreira, pois primeiro o

aluno ingressa na universidade e só depois no curso em que vai se profissionalizar.

Além do caráter de inclusão social, o ProFIS apresenta sua estrutura curricular

pautada nos pressupostos da Educação Geral130

. De acordo com o Projeto Pedagógico do

130 Peterson (2012) apresenta que em várias partes do mundo países desenvolvidos ou em desenvolvimento estão

revitalizando a Educação Geral de alguma forma. Entre os países mais ricos o exemplo mais notável é a Holanda

que na última década criou oito Colleges de Artes Liberais como parte do seu sistema universitário. O autor

apresenta ainda experiências em vários países do mundo, seja na Ásia (Hong Kong, Singapura, Bangladesh e

193

Curso, o objetivo do Programa é possibilitar uma formação geral, de caráter multidisciplinar,

que proporcione aquisição de conhecimentos nas ciências humanas, ciências da natureza e

arte, visando abordagens integradas sobre o conhecimento, sobre as suas relações com o

mundo, com o ambiente e mundo do trabalho e a compreensão de si mesmos como indivíduos

e cidadãos de uma sociedade diversificada, globalizada e em constante mudança (PRÓ-

REITORIA DE GRADUAÇÃO, 2010). Assim, o curso apresenta três inovações ao cenário

do ensino superior na Unicamp: é um programa de inclusão social, tem sua base curricular na

educação geral e a seleção dos estudantes é realizada por meio do Exame nacional do Ensino

Médio (ENEM).

O Programa responde a uma política de inclusão social efetiva garantindo a

permanência dos alunos por meio de atendimento às suas carências econômicas e dificuldades

educacionais. Estudos da Avaliação longitudinal do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas

(NEPP) da Unicamp mostram que o impacto em termos de representação das escolas públicas

foi imediato quando da seleção da primeira turma. Até o oferecimento deste curso mais da

metade dessas escolas não tinha matriculado um aluno na Unicamp. Parte delas porque os

alunos não conseguiam passar pela peneira do vestibular, outra parte pelo fenômeno da

autoexclusão, pois seus alunos não tinham o ingresso no ensino superior em seus horizontes,

muito menos em uma universidade com a fama e o prestígio da Unicamp. Esta política de

inclusão resultou na atração de uma maioria dos alunos do ProFIS (entre 73% a 80%

dependendo da turma) que são a primeira geração a frequentar o ensino superior,

considerando-se a maior escolaridade de seus pais. Ainda como política de inclusão social

efetiva, todos os alunos recebem uma bolsa de estudos cuja verba vem do orçamento da

Unicamp e ainda bolsas alimentação e transporte. Os alunos do ProFIS contam também com

serviço de apoio psicológico, assistência médica, odontológica e jurídica, que são apoios

oferecidos a todos os estudantes da Unicamp.

De tal modo, além do PAAIS, o ProFIS, de maneira diferenciada, é também uma

política de inclusão da Unicamp uma vez que o ingresso ao programa se dá por meio de uma

“cota geográfica”, ou seja, alunos de todas as escolas públicas de Campinas têm ao menos

Japão), Austrália, Europa (Suécia e Polônia), Eurásia (Rússia e Turquia) e na África do Sul. Para o autor uma

lição importante na construção da história da Educação Geral é a de que ela não é estática. O ideal socrático de

examinar a vida por meio de inquéritos críticos e argumentos respeitosos agora é somado com o mais moderno

compromisso de entender as pluralidades sociais em que nós vivemos social e profissionalmente (NUSSBAUM,

2003 apud PETERSON, 2012).

194

uma chance de ingressar na Unicamp via ENEM. Assim, os dados a seguir, a partir de 2011

incluem também os estudantes oriundos desta política.

O gráfico a seguir nos permite visualizar como se dividem os ingressantes na

Unicamp de acordo com o percentual de ingressantes que estudaram todo o Ensino Médio em

Escolas Públicas (linha azul) com os que estudaram todo o Ensino Médio em Escolas

Privadas (linha verde).

Gráfico 14 - Percentual de ingressantes na Unicamp de acordo com o tipo de Ensino Médio cursado

(público ou privado)

Elaboração própria. Fonte: Perfil socioeconômico dos inscritos e matriculados anos 2003 a 2017

Importante salientar que o gráfico apresenta os dados de ingressantes que

estudaram todo o ensino médio em escolas públicas ou todo o ensino médio em escolas

privadas, deixando de fora outras situações (estudaram maior parte em escola pública, maior

parte em escola particular, no exterior etc.), por isso a soma do percentual por ano entre

oriundos de escolas públicas e escolas privadas não resulta em 100%.

O gráfico evidencia que até o ano de 2015 a Unicamp teve entre seus ingressantes

majoritariamente estudantes oriundos do ensino médio privado, com uma média entre os anos

2003 a 2015 de 60,5% de estudantes desta realidade. Nota-se que mesmo com a adoção do

PAAIS para o vestibular de 2005, os dados não se alteram significativamente. Neste ano,

2005, o percentual de estudantes vindos de escola pública aumentou de 28 para 34,1%, no

entanto, nos anos seguintes o valor decresceu atingindo em 2010 índice de 29,1%, menor que

em 2003 que foi de 29,7%, quando não havia o programa de ação afirmativa e inclusão social.

29,7%

28,0%

34,1%

32,0%

32,4% 32,8%

29,7% 29,1%

31,9%

31,6% 30,7%

36,6%

30,2%

47,4% 50,2%

63,8%

65,3%

49,8%

59,2%

60,2%

60,1% 63,4% 64,3%

58,9%

60,8% 61,1%

56,2%

63,3%

47,7%

44,4%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Todo EM Escola pública Todo EM Escola privada

195

Ou seja, os dados demonstram que a primeira versão do PAAIS não garante a inclusão tendo

em vista que este percentual só se altera significativamente quando há alteração da política,

para o vestibular de 2016, incluindo 60 pontos a mais aos candidatos vindos de escolas

públicas e aos candidatos autodeclarados negros ou indígenas que atendam aos requisitos

anteriores, mais 20 pontos já na nota da primeira fase, neste caso, somando um total de 80

pontos. Para os convocados para a segunda fase, foram adicionados outros 90 pontos à nota da

Redação e outros 90 pontos para as demais provas da segunda fase. Neste formato, a Unicamp

alcançou os percentuais de 47,7% e 50,2% em 2016 e 2017 respectivamente, de estudantes

que cursaram ensino médio na rede pública de ensino. Este formato, apesar de nos dois anos

de experiência terem se mostrado mais inclusivos do ponto de vista de escola de origem,

também não altera significativamente a inclusão de pessoas negras e indígena como será

possível observar no gráfico a seguir. Além do mais, tendo em vista que esta política deposita

no estudante a responsabilidade da inclusão, não se garante um percentual mínimo de

inclusão, como no caso da política de cotas.

Interessante ainda notar que a partir de 2011, ano que se inicia o ProFIS, o

percentual de estudantes oriundos de escolas públicas aumenta em 2 pontos, mantendo-se a

partir de então, sempre acima dos 30%, alterando-se mais significativamente após as

alterações no PAAIS.

O gráfico a seguir apresenta o percentual de candidatos e ingressantes segundo a

autodeclaração de raça/cor no período de 2003 a 2017.

196

Gráfico 15 – % de candidatos e ingressantes de 2003-2017 segundo raça/cor autodeclarada

Elaboração própria

Fontes: Perfil socioeconômico Comvest

Escolhemos o mapa que ilustra a área para mostrar o que denunciou Carvalho

(2006) sobre o confinamento racial nas universidades. Percebe-se que mesmo com a adoção

do PAAIS para o vestibular de 2005 a inclusão de pessoas negras e indígenas não se altera de

modo significativo. Apenas nos anos 2016 e 2017 a inclusão de pessoas negras ultrapassou os

20%, alcançando 22.2% e 21,8% de ingressantes respectivamente, porcentagem maior que de

candidatos que foi de 19,2% e 20,1%. A média simples nos 15 anos de ingresso de pessoas

autodeclaradas brancas, que não incluem os “amarelos” é de 75,5%. Os indígenas não chegam

a aparecer no gráfico, tão pequena a expressão percentual de candidatos e ingressantes que

não passam de 0,5% no período (2003-2017), com exceção do ano de 2005, ano de

implementação do PAAIS, quando houve 0,7% de candidatos e 0,6% de ingressantes. 2007

foi o ano com menor ingresso de indígenas com 0,1% o que em número resulta em 3

ingressantes indígenas num universo de 2.934 ingressantes não indígenas. Nos anos 2012,

2014, 2015, 2016 e 2017 a porcentagem de ingressantes indígenas foi de 0,2%.

Além disso, a pesquisa de Souza (2006), que buscou recuperar as trajetórias de

estudantes negros na Unicamp, revelou que a maior parte destes estudantes eram pertencentes

a um segmento social com condições financeiras semelhantes à média do quadro geral da

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

80,0%

90,0%

C I C I C I C I C I C I C I C I C I C I C I C I C I C I C I

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Branca Negra (preta+parda) Amarela Indígena Em branco

197

universidade, ou seja, não estava entre o grupo de condições socioeconômicas mais baixas.

Este dado nos revela que a instituição que não possui uma política pública adequada para

inclusão de grupos historicamente excluídos do ensino superior, é excludente à medida em

que, além de subrepresentar numericamente estes grupos, ainda traz uma representatividade

seletiva, que não dialoga com as reais condições da maior parte da população negra brasileira.

Se compararmos a distribuição segundo raça/cor da população discente da

Unicamp com a população do Brasil e do Estado de São Paulo, veremos que a Unicamp,

percentualmente, tem em sua população mais pessoas brancas e amarelas que no Estado de

São Paulo (63,91%, IBGE 2010) e no Brasil (47,73% IBGE 2010) e, consequentemente,

menos pessoas negras, não representando racialmente, portanto, o Estado ou o País na qual

está inserida, conforme é possível observar no gráfico a seguir.

Gráfico 16 – Comparação da população segundo raça/cor no Brasil, São Paulo e ingressantes Unicamp -

2010 e 2017

Elaboração própria.

Fontes: Censo IBGE ano 2010 e Perfil socioeconômico Comvest anos 2010 e 2017.

Apesar da distribuição na Unicamp não corresponder ao perfil no Estado ou País

na qual está instalada, percebe-se que houve um aumento de ingresso de pessoas

autodeclaradas negras no vestibular de 2017, quando se alcançou o patamar 21,8% pessoas

autodeclaradas negras matriculadas na Unicamp, um aumento de 8,3% em comparação ao

percentual de 2010 que foi de 13,5%.

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

Branca Negra Amarela Indígena Sem declaração

Brasil (2010) São Paulo (2010) Unicamp 2010 Unicamp 2017

198

O gráfico a seguir apresenta a distribuição de ingressantes via PAAIS no período

de 2005 a 2017, e segundo autodeclaração de raça/cor dentro do universo PAAIS e do

universo total de ingressantes.

Gráfico 17 - % de ingressantes PAAIS e segundo raça/cor no universo total e universo PAAIS

Elaboração própria.

Fontes: Perfil socioeconômico Comvest e Persil socioeconômico inscritos e matriculados no PAAIS

O gráfico anterior mostra que do ano da implementação do PAAIS (2005) até

2015 o percentual de estudantes ingressantes via o programa (linha cinza) se manteve na faixa

entre 28% (menor percentual em 2010) a 36,7% (maior percentual em 2014), com uma média

no período de 11 anos de 31,4% de ingressantes via PAAIS. Este cenário se altera

significativamente em 2016 (ano em que a bonificação já é incluída na 1ª fase do vestibular)

quando o ingresso via PAAIS sobre para 47,6% e para 50,3% em 2017. Entretanto, o

crescimento de ingresso de pessoas autodeclaradas negras não acompanha tal aumento. No

universo do total de ingressantes (linha azul) o ano com maior percentual de negros foi 2016

com 22,2%, decaindo em 2017 para 21,8%. De 2005 a 2015 a média percentual de negros foi

de 14,8% variando de 15,5% (maior percentual em 2009 e 2015) a 12,9% (menor percentual

em 2013). Dentro do universo do PAAIS, ou seja, pessoas negras que tenham cursado todo o

Ensino Médio em escola pública de 2005 a 2015 o percentual é maior, com média de 27,3%

em toda a série. O ano com maior ingresso foi 2016 como 33,7% de ingressantes

autodeclarados negros entre todos os optantes pela política de ação afirmativa.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

% total PAAIS % negros universo PAAIS

% indígenas universo PAAIS % negros universo total

% indígenas universo total

199

Apesar de não haver mudança significativa no ingresso de estudantes oriundos de

escolas públicas e de grupos minorizados nos dez primeiros anos do PAAIS (até 2014), nota-

se que os dois coletivos de grande destaque na universidade – a Frente Pró-Cotas e o Núcleo

de Consciência Negra da Unicamp – foram criados após a implementação da política, ambos

em 2012. Queremos agora compreender quem são seus integrantes, quais são as

especificidades, lutas e propósitos dos coletivos, assim como sua importância individual para

seus integrantes.

Durante a aplicação do questionário realizamos também uma enquete dentro do

Grupo “Frente Pró-cotas Unicamp” a fim de saber se os integrantes do grupo utilizaram a

política de inclusão adotada pela Unicamp desde o vestibular 2005, o PAAIS. Assim como no

questionário, as respostas não alcançaram grande número de participantes, dos 358 membros

do grupo, apenas 13 responderam (3,7%). Apesar do baixo número de respondentes, o

resultado aponta que nem todos os membros engajados, de alguma forma, na luta por cotas,

foi beneficiário do PAAIS. Dos treze respondentes, cinco (38,5%) não utilizaram o PAAIS,

quatro (30,8%) utilizaram a política na categoria egressa/o de escola pública e negra/o, e 3

(23,1%) utilizaram como egressa/o de escola pública.

A fim de traçar um breve perfil dos respondentes, solicitamos que se

autodeclarassem quanto ao gênero e raça/cor em uma questão aberta.

Gráfico 18 - Autoidentificação dos respondentes quanto ao gênero e raça/cor

Das 16 respostas obtidas na questão, observa-se que a maior parte das pessoas

respondentes é negra, sendo 18,8% de mulheres autodeclaradas negras e 37,5% de homens

Negra; 18,8%

Indígena ; 6,3%

Negro; 37,5%

Branco; 18,8%

Feminino ; 6,3%

Branca; 12,5%

200

negros que resulta num total de 56,3%. Uma pessoa não se identificou em relação a raça/cor,

apenas quanto ao gênero – feminino. Ao cruzar a autoidentificação com a participação nos

Coletivos, identificamos que todos as pessoas autodeclaradas negras indicaram a participação

em ao menos um dos coletivos investigados: Frente ou Núcleo.

A complexidade da questão racial é evidenciada na fala da respondente que se

autoidentificou como indígena, porém, sem deixar de narrar a dificuldade que encontra em se

autodeclarar.

Depende, na jerarquia racial cá no Brasil sou branca, ao mesmo tempo que para

outros sou indígena, para a maioria sou da grande Bolívia. No meu país meu

fenótipo é de indígena, mas como não tenho sobrenome indígena então não sou

indígena. Em resumo: como cara de indígena como os imigrantes da grande Bolívia.

Acho que assim já fui tratada no Brasil. (Sujeito 7, mulher, indígena estrangeira,

doutoranda)

Sobre o nível de escolaridade dos responsáveis, dos 15 respondentes, observa-se

que a maioria faz parte da 1ª geração no Ensino Superior, tendo em vista que 80% dos

responsáveis 1 e 85% dos Responsáveis 2 alcançaram no máximo a finalização do Ensino

Médio, conforme é possível observar no gráfico a seguir.

Gráfico 19 - Escolaridade dos responsáveis (15 respondentes)

Questionamos ainda qual a fonte de renda para se manter na Universidade. A

questão possibilitava que os respondentes pudessem assinalar mais de uma alternativa, tendo

em vista que, muitas vezes, a fonte de renda não é única, o que se mostrou como regra nos

resultados.

Não

frequentou

escola

EF

incompleto

EF

completo

EM

incompleto

EM

completo

ES

incompleto

ES

completo

7% 7%

13% 13%

40%

7%

13%

0%

23% 23%

8%

31%

0%

15%

Responsável 1: Responsável 2:

201

Gráfico 20 – Fonte de renda durante o curso universitário – por categoria de fonte de renda (12

respondentes)

Como se viu, a maioria as Bolsas de Iniciação Científica e a Assistência estudantil

oferecida pela Universidade são as principais fontes de renda dos 12 respondentes da questão,

o que evidencia a importância, tanto das agências de fomento à pesquisa, como da assistência

estudantil para a manutenção do estudante durante o Ensino Superior, corroborando com o

que Santos (2009) apresenta sobre a importância da permanência material na universidade.

Na categoria “outras” apareceram como fonte de renda: bolsa como colaborador

de cursinho popular, bolsa de Mestrado, bolsa do Programa de Apoio Didático131

(PAD) e

trabalhos em final de semana para complementar a renda.

Ao analisar os dados por respondente, verifica-se que apenas quatro pessoas (32%

da amostra) se mantém com uma única fonte de renda (Bolsa de iniciação científica; estágio

remunerado ou Bolsa de Pós-graduação). A maioria dos respondentes tem duas ou mais fontes

de renda, conforme se pode observar no gráfico a seguir.

131 Programa de bolsas destinado exclusivamente a alunos de graduação regularmente matriculados na Unicamp

que visa o aprimoramento do ensino de graduação através de monitoria exercida por estudantes que devem ter a

supervisão do professor responsável pela disciplina.

Trabalho período integral – atividade c/ relação com o curso

Trabalho meio período – atividade c/ relação com o curso

Trabalho período integral – atividade s/ relação com o curso

Estágio remunerado

Trabalho meio período – atividade s/ relação com o curso

Outra (Por favor especifique)

Auxílio financeiro da família

Assistência Estudantil da Universidade

Iniciação Científica financiada por órgão de fomente à pesquisa

0%

8%

8%

8%

25%

42%

42%

58%

58%

202

Gráfico 21 - Fonte de renda durante o curso universitário por respondente (IC = Iniciação científica; AE =

assistência estudantil SAE) (12 respondentes)

Após traçar este breve perfil da amostra, o questionário, em uma segunda parte,

abordou questões relacionadas à vida acadêmica dos integrantes dos coletivos. Quanto ao

nível/modalidade de curso em que estão matriculados na Unicamp e é interessante notar que

há presença de estudantes de todos os níveis de ensino: ProFIS, graduação, mestrado e

doutorado sem grandes discrepâncias numéricas tendo em vista o número de respondentes:

doze (12).

AE + IC

17%

Família, AE, IC,

trabalho

17%

Bolsa pós-graduação

17% Estágio Remunerado

9%

Família + AE

8%

Família + bolsa

como colaborador de

cursinho popular

8%

Família, IC e

emprego em meio

período

8%

Iniciação Científica

8%

AE + empregos

8%

203

Gráfico 22 - Matrícula na Unicamp (12 respondentes)

Os dados evidenciam ainda o caráter de pesquisa da Unicamp desde os ideais de

sua formação e que se mantém até a atualidade uma vez que, dos 11 respondentes na questão,

81,2% da amostra está vinculada à pesquisa de: doutorado (36,4%), mestrado (18,2%),

trabalho de conclusão de curso (18,2%) e iniciação científica (9,1%). Outro dado interessante

é que das 4 pessoas que fizeram iniciação científica, 3 prosseguiram na pós-graduação e

encontram-se atualmente em nível de mestrado e uma já se encontra no doutorado.

Em 50% das 8 respostas sobre a temática abordada nas pesquisas a questão racial

aparece de forma evidente em subtemas como: cultura afro-brasileira na Bahia, racismo, raça

e sexualidade, encarceramento e genocídio da juventude negra). Algumas respostas

evidenciam ainda a dificuldade em inserir na academia demandas de temas antes excluídos.

Meu tema de pesquisa gira em torno da discussão da cultura afro-brasileira na Bahia

e sua relação com a política local. Escolhi tal tema pelo interesse na relação entre

cultura e política no âmbito dos movimentos negros brasileiros e pela aproximação

ancestral (sou descendente de baianos), aproximação política (me considero

componente dos movimentos negros) e racial (sou negro). Com exceção do racismo

institucional que a todo momento o questiona sobre a importância ou não em

desenvolver pesquisa sobre questão racial, não tive maiores problemas em

desenvolver a pesquisa. [grifo nosso] (Sujeito 15 – homem, negro, mestrando)

Minha pesquisa atual é uma aproximação entre os pensamentos de Angela Davis e

Abdias Nascimento, com o intuito de elaborar uma base teórica que permita pensar

os problemas de encarceramento em massa e genocídio da juventude negra brasileira

nos dias de hoje. Escolhi esse tema porque gosto de trabalhar com teorias e também

acho que é fundamental utilizar as teorias para pensar os problemas

contemporâneos. Não tenho encontrado entraves para desenvolver a pesquisa no

programa de sociologia, mas já tentei desenvolver uma pesquisa semelhante no

doutorado em filosofia e não pude concluir o curso, pois não havia espaço para

desenvolver esse tipo de pesquisa. [grifo nosso] (Sujeito 17, homem, negro,

doutorando).

ProFIS; 17%

Graduação; 33%

Pós-Graduação -

Mestrado; 17%

Pós-Graduação -

Doutorado; 33%

204

Atualmente estudo a cena preta LGBT da cidade de São Paulo, a partir de duas

festas produzidas por e para negros LGBT. Tento compreender a relação entre

estética e política, festa e engajamento e as conexões nacionais e internacionais

destas iniciativas de sociabilidade; Fiz duas iniciações cientificas na Unicamp; na

primeira, tentei compreender e mapear os entrecruzamentos das categorias raça e

sexualidades na literatura sobre diversidade sexual e de gênero no brasil, a partir da

consolidação das Pós-graduações, na década de 1960; Já na segunda tentei

compreender as articulações de gênero e sexualidade em duas festas "negras" de São

Paulo. Estas pesquisas seguem um interesse político-acadêmico de contribuir para a

construção de material que possa ajudar na construção de políticas públicas voltadas

para negros LGBT, como também compreender fenômenos como os rolezinhos, os

efeitos das ausências de equipamentos de cultura nas periferias urbanas, a

articulação de "diversão" e "política" nas estratégias de combate ao racismo

articuladas a desigualdades de gênero e discriminações por sexualidades dissidentes.

As minhas dificuldades começam pela ausência de bibliografia e empatia por parte

da academia. A todo momento tenho que provar que este tema tem relevância.

Creio que o professorado e a estrutura da universidade não têm total disposição para

lidar com as existências negras e as demandas que emergem com elas.” [grifo nosso]

(sujeito 20, homem negro, egresso do curso de ciências sociais e atualmente

mestrando).

Gomes (2017) explica que as dificuldades apontadas pelos respondentes quanto à

legitimidade da pesquisa que aborda questões não hegemônicas são resultado do contexto

atual da educação, regulada pelo mercado e pela racionalidade científico-instrumental, que

acabam por tornar esses conhecimentos em não existência, ou seja, em ausências. De acordo

com a autora há produção de ausência “sempre que determinada entidade é desqualificada e

tornada invisível, ininteligível ou descartável de modo irreversível” (2017, p. 41).

A autora coloca ainda que os saberes produzidos pelo Movimento Negro são

emancipatórios porque são uma forma de conhecer o mundo marcado pela vivência da raça

numa sociedade racializada desde o início da sua conformação social. Esses conhecimentos

ainda são negligenciados pela universidade, apesar da obrigatoriedade estabelecidas pelas

Leis 10.639/03 e 11.645/08, conforme se pode observar nas respostas a seguir sobre a

presença de disciplinas obrigatórias que contemplassem a História e Cultura Africana, Afro-

brasileira e/ou Indígena:

Quadro 5 - Presença de disciplinas que abordem História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígena

(8 respondentes)

Curso SIM NÃO

Doutorado em Educação 2

Economia 1

ProFIS 1

Sociologia 1

Doutorado em Sociologia 1

205

Ciências Sociais 1

Engenharia Elétrica 1

Graduação (não especificou

curso) 1

Infelizmente não. Ao contrário a questão racial foi intencionalmente apartada dos

temas que discutiríamos, mesmo estudando a obra de autores como Florestan

Fernandes. Cursei economia (sujeito 12, homem negro, graduação [não especificou

o curso]).

Durante o ProFIS as discussões sobre a temática foram quase inexistentes.

Apareceram de forma superficial na disciplina de Bioética (formada por professores

da FCM, cujo nome não me lembro), Psicologia e Educação (com a Profª Angela

Soligo) e na disciplina de História (ministrada na época pelo Profº Sidney

Chalhoub). No curso de Química a temática é invisível. No curso de ciências sociais

a temática aparece de forma transversal, em especial nas disciplinas de professores

comprometidos com a luta anti-racista. Geralmente aparece em tópicos especiais. O

curso em si não conta com nenhuma disciplina francamente obrigatória sobre os

temas (sujeito 14, mulher preta, ex-aluna do ProFIS, atualmente graduanda em

Química).

Meu curso atual possui apenas uma disciplina obrigatória, dedicada a discussão de

de projetos de mestrado e doutorado. Como vários projetos lidam com questões que

estão do escopo da 10639 e da 11645, a disciplina discute esses temas. As demais

disciplinas necessárias para completar o total de créditos ficam à escolha do

estudante. No meu caso, as disciplinas que escolhi sempre trabalhavam com temas

relacionados à 10639. No entanto, dependendo da escolha feita pelo aluno, é

possível fazer outras disciplinas que não abordem essa temática (sujeito 17, homem

preto, doutorando em Sociologia).

Sobre a participação nos Coletivos, interessante notar que 2 (dois) dos

respondentes (em um total de 10) não atuam ou atuaram em nenhum dos Coletivos

investigados, o que acaba, ainda que de forma não estatística, sendo representativo dos

membros presentes no Grupo e Página, uma vez que estes alcançam além dos seus

integrantes, simpatizantes e apoiadores das causas. O gráfico a seguir ilustra o resultado.

206

Gráfico 23 - Participação em Coletivo com pautas sobre Raça/cor (10 respondentes)

Como se tratava de uma questão aberta, foi relatada ainda a participação em três

outros Coletivos: Feminista; Ateliê TransMoras (coletivo de arte e política); e Cursinho

Popular Dandara de Palmares, o que demonstra engajamento em causas diversas, mas com

foco em grupos historicamente minorizados – negros, pobres, mulheres e LGBTQs.

Buscamos ainda conhecer a importância dos coletivos – Frente e Núcleo – para

seus participantes em uma questão com diversas afirmativas em que os respondentes

deveriam assinalar o grau de concordância (escala likert) de 1 a 5, sendo 1 discordo

totalmente e 5 concordo totalmente. A partir dos resultados, fizemos a média ponderada para

chegar à tendência da amostra, conforme o gráfico a seguir.

Núcleo da

Consciência Negra

20%

Frente Pró-Cotas

30%

Núcleo e Frente

30%

Não

20%

207

Gráfico 24 - Importância dos Coletivos (8 respondentes)

Os resultados apontam que os Coletivos têm grande importância na vida dos

estudantes. Destacamos a afirmativa “participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para minha

adaptação e/ou permanência na Universidade” em que duas (2) pessoas concordaram e 6

(seis) concordaram totalmente. As afirmativas com maior índice de concordância total – 7 dos

8 respondentes e 1 com concordância – discorrem sobre a importância dos coletivos para

formação pessoal; discussão, atuação e militância política.

Destacamos ainda a importância dos Coletivos para a “adaptação e permanência

na universidade” na qual a amostra tende a “concordar totalmente” com a afirmação. Isso

reforça o argumento de Mayorga e Souza (2010) que entendem que uma política de ação

afirmativa de permanência dos alunos negros e de origem popular na universidade devem

também contribuir para que esses possam compreender de forma críticas as dinâmicas do

Participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para

minha adaptação e/ou permanência na Universidade.

Participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para

minha adaptação e/ou permanência no curso.

O Coletivo foi o espaço onde encontrei grande parte

das minhas amizades na universidade.

O tema de pesquisa que desenvolvo (ou penso em

desenvolver) tem relação com minha vivência e …

O(s) Coletivo(s) me fortalece(m) pessoalmente/

emocionalmente.

O(s) Coletivo(s) me fortalece(m) academicamente.

O(s) Coletivo(s) já me ajudaram a enfrentar situações

de racismo na universidade e/ou fora dela.

Compreendo o(s) Coletivo(s) como uma militância

política.

A atuação do(s) Coletivo(s) ajudam a alterar as

lógicas eurocêntricas da Universidade.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para

estudos e discussões acadêmicas.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para a

sociabilidade e lazer.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para

discussões e atuações políticas.

As atividades promovidas pelo(s) Coletivo(s)

enriquecem minha formação pessoal.

4,75

4,5

3,625

4

4,25

4,625

4

4,875

4,625

4,625

4,125

4,875

4,875

208

racismo e da exclusão social na sociedade brasileira e também na universidade que marcam

seus corpos e percursos, para que a partir daí possam construir novos posicionamentos.

Posicionamentos estes que recusem o lugar do incômodo ou do ruído, ou ainda da

aculturação ou inclusão subalterna, mas que sejam marcados pela valorização da

diversidade como um princípio fundamental para a democracia, a igualdade, a

universidade na forma de vozes que possuem autores, história e legitimidade para se

expressar (idem, p. 229).

A pesquisa de Gomes (2008) ao tratar sobre a importância das redes de

solidariedade entre jovens negros, para quem a universidade não funciona como meio de

assimilação ou embranquecimento, aponta que parece “significativo que o primeiro estudante

negro da UNICAMP pertença e seja presidente da associação negra mais antiga de Campinas:

a Liga Humanitária dos Homens de Cor” (GOMES, 2008, p. 141). A autora (p. 140) explica

que

Através de suas práticas o grupo de estudantes negras pesquisado mostra que

ascensão, embranquecimento e assimilação são coisas distintas. Elas retornam a

grupos semelhantes ao seu grupo de origem. São trânsfugaz interculturais no sentido

empregado por Ricardo Vieira132

, já que tornam sua própria existência de vida como

mote para ter uma atuação mais crítica. Nesse sentido exerceriam um certo tipo de

feminismo negro, ligado à educação de outros negros e interessadas também em sua

entrada na universidade. Desse modo, notar-se-ia que a assimilação não é um

modelo determinista de ascensão social, como já mostrava Virgínia Bicudo133

nos

anos 1940. Para esse grupo a universidade não funciona como meio de assimilação

ou embranquecimento, mas como reforço e descoberta de sua negritude e de um

possível ativismo a partir dela.

A história de luta de estudantes negros e negras dos Coletivos – Frente Pró-Cotas

e Núcleo da consciência Negra – que apresentaremos a seguir evidenciará este

posicionamento crítico, capaz de interpelar a universidade nos seus pilares basilares: a

meritocracia, as dinâmicas institucionais burocratizadas e as concepções de ciência

hegemônica.

4.2.1. Frente Pró-Cotas da Unicamp

A pesquisa sobre a Frente Pró-Cotas (FPC) se iniciou em 2015, no auge da luta

132 VIEIRA, Ricardo. Vidas revividas: etnografia, biografia e a descoberta de novos sentidos. Disponível em:

<http://www.identidades.esel.ipleiria.pt/fct/tsip/Ricardo%20Vieira%202003.doc>. Acesso em 12 ago. 2006.

133 Em 1945, Virgínia Leone Bicudo tornou-se uma das três primeiras estudantes a concluírem os estudos de pós-

graduação na Escola Livre de Sociologia e Política, sendo a primeira a defender uma dissertação sobre relações

raciais (GOMES, 2008, p. 40).

209

por cotas étnico-raciais no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação. Além da

participação em algumas reuniões, a pesquisa se deu por documentos produzidos pelo

coletivo, como também com uma entrevista com um membro do Coletivo, estudante de

mestrado no IFCH, que preferiu não se identificar, uma vez que o grupo é formado sem

hierarquias institucionalizadas e tem por preceito se apresentar apenas enquanto coletivo.

Além disso, outros motivos que levam os participantes a preservarem a identidade individual

é a possibilidade de perseguição política dentro dos seus institutos, o que já foi vivenciado em

forma de assédio por membros do corpo docente, e também para evitar um protagonismo

individual.

O manifesto de formação da Frente134

data de 08 de outubro de 2012, assinado por

diversas entidades apoiadoras (coletivos, movimentos negros, cursinhos populares, centros

acadêmicos, sindicatos etc.) traz que o objetivo da Frente é

reivindicar cotas raciais e sociais na Unicamp e não apenas políticas de ações

afirmativas, como o PAAIS que não oferece o mesmo resultado que as cotas, por

exemplo em 2012, em oito dos dez cursos mais concorridos da Unicamp, não

ingressou nenhum preto. Defendemos uma política de cotas equivalentes às

proporções raciais de cada Estado e também uma análise mais apurada dos projetos

de lei já existentes que, embora apresentem problemas sérios em sua redação,

sobretudo no que se refere à questão racial, representam um importante avanço.

Assim, a Frente Pró-Cotas da Unicamp é uma entidade formada por estudantes de

graduação e pós-graduação de diversos cursos da universidade que trazem à tona a discussão

sobre a necessidade de cotas étnico-raciais. O entrevistado, que participou dos primeiros anos

do coletivo, conta que:

O novo grupo que se organizou na Frente discutir seu objetivo principal: formular a

proposta de cotas e aprová-la na congregação do IFCH. Em tese, uma aprovação

neste âmbito não impõe uma regra aos programas de todos os cursos. Contudo, além

de colocarmos a discussão das cotas no principal espaço institucional no IFCH,

fazendo com que o corpo docente se posicionasse sobre o assunto, uma decisão da

congregação tinha um forte efeito simbólico que poderia nos ajudar nas discussões

internas nos departamentos.

O grupo passou a se reunir e traçamos uma estratégia. O seu resultado é a nossa

proposta. Primeiro, mapeamos todas as propostas de cotas étnico-raciais em pós-

graduações no Brasil. Depois reunimos as principais propostas de cotas nos cursos

de graduação de universidades brasileiras, conferindo importância para as que foram

pioneiras e as que foram criadas nas universidades consideradas mais importantes.

Além disso, reunimos uma bibliografia nacional e internacional sobre a questão das

ações afirmativas. Outros documentos, como o elaborado pelo STF a respeito da

constitucionalidade das cotas, e vídeos com debates, foram também importantes.

Com este material, fora a experiência de alguns dos membros da Frente, os quais já

tinham atuado em outras universidades do Brasil, traçamos os principais pontos do

134 O que defende a Frente Pró-Cotas da Unicamp? Disponível em:

https://cotasunicamp.wordpress.com/2012/10/08/texto-com-o-posicionamento-do-grupo/ Acesso em 21/07/2018.

210

debate. Estávamos preocupados em pontuar os principais argumentos contra e a

favor das cotas. Refletimos que este debate deveria entrar em nossa proposta, pois

quase não havia debate acerca do assunto no instituto.

Por isso, na medida em que fazíamos as reuniões internas, promovemos atividades

no IFCH para colocar a discussão. Debater a questão já era um avanço. Era

importante confrontar as posições contrárias em um espaço público com estudantes,

funcionários e professores (entrevistado, homem, negro, doutorando).

Outra integrante evidencia que, mesmo que indiretamente, a Frente Pró-Cotas

descende da história dos Movimentos Negros no Brasil e no mundo, assim como da crítica à

política de inclusão utilizada pela Unicamp, o PAAIS.

Tem uma história longa a luta do movimento no mundo e no Brasil. Ao mesmo

tempo, a frente pró-cotas deriva dessa história, e em específico na Unicamp da

existência de colectivos que acolhem e promovem as pautas do movimento negro x

direito à educação. De fato, um de nossos antecedentes é em torno da discussão

sobre o PAAIS... (sujeito 7, mulher, indígena estrangeira, doutoranda).

As reuniões da Frente à época aconteciam semanalmente e eram abertas a todas/os

interessados na discussão sobre ações afirmativas. O grupo contou também com a

participação de professores e funcionários que atuaram como apoiadores, algumas vezes com

grande importância, conforme nos relata o entrevistado:

Os professores que se dispuseram a nos auxiliar deram apoio no âmbito institucional

do IFCH, abrindo espaços, por exemplo, para nossa participação nas reuniões de

departamentos e na congregação. Alguns professores também participaram de rodas

de conversas e debates que organizamos ao longo do ano passado (2014). Já os

funcionários, nos ajudaram nos momentos em que a mobilização precisava se

intensificar. O STU deu apoio com estrutura de som e impressões de textos e

cartazes que produzimos (entrevistado, homem, negro, doutorando).

A primeira conquista expressiva do Coletivo foi a aprovação das cotas étnico-

raciais na pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH. A luta

começou no final de 2013 quando, inspirados no exemplo do Museu Nacional do Rio de

Janeiro, que determinou a implementação de cotas étnico-raciais no programa de

Antropologia Social (segundo semestre de 2013), um grupo de estudantes encontrou uma

brecha institucional para discutir as cotas na Unicamp: a autonomia dos programas de pós em

decidir a forma e os critérios dos processos seletivos sem passar pelo Conselho Universitário.

211

Figura 12 - Roda de Conversa realizada pela Frente Pró-Cotas em 2014

Fonte: Grupo “Frente Pró-Cotas” Rede social.135

O debate sobre as cotas na pós-graduação do IFCH foi também um disparador

para novos participantes na Frente, conforme relatado por um dos respondentes (sujeito 21,

homem, negro, doutorando)

No IFCH houve uma discussão por meio de uma mesa organizada pelo

departamento de História sobre a questão das cotas na pós-graduação. Começamos a

discutir sobre a possibilidade de implementar as cotas na pós, compreendendo que

isso seria uma forma de reiniciar a discussão sobre cotas na Unicamp. Era uma pauta

concreta, que achávamos que poderia ter força para mobilizar as pessoas. Então

começamos a participar da Frente, que já tinha feito um trabalho bem importante,

mas que sofria com a saída de muitos membros. Isso é um pouco do processo de

consolidação do grupo que participei. Minha decisão, para ir diretamente na

135 Disponível em:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=384324448400082&set=gm.769119266493193&type=3&theater&if

g=1

212

pergunta, acho que ocorreu nesse processo. Eu já tinha lido e conversado sobre a

questão das cotas com alguns amigos e amigas de outras universidades. Com o

início das conversas com algumas pessoas que eram do Núcleo e também da

Moradia, passamos a conversar muitos e depois a estudar a questão das cotas e como

ela poderia se fortalecer na Unicamp. Como também tive muita dificuldade para

entrar na universidade, vi, por meio dessa troca de ideias, que a questão das cotas

representava uma possibilidade de democratizar o acesso. Hoje vejo que a relação

entre estudantes da moradia e do Núcleo foi fundamental para consolidação do

grupo naquela época. Depois vieram outros alunos da pós e da graduação do

Instituto, que também contribuíram.

Assim, após diversas reuniões e atividades no IFCH que colocavam a temática em

discussão, o grupo teve como primeiro resultado a “Proposta de Cotas Étnico-Raciais e de

pessoas com deficiência para Programas de Pós-Graduação” que explica a necessidade de

cotas tendo em vista

o quadro de sub-representação de negros, indígenas e pessoas com deficiência nas

posições tanto de professores, quanto de alunos das pós-graduações nas

universidades públicas em geral, e em particular nas universidades paulistas, faz-se

necessária e urgente a implementação de uma política de ação afirmativa a fim de

agir como ferramenta tanto de reparação política sobre os efeitos da exclusão

histórica dessas populações dos espaços educacionais e acadêmicos, quanto de

garantia dos direitos constitucionais dessas populações ao acesso à educação - em

especial à educação diferenciada no que toca às populações indígenas e pessoas com

deficiência.

Como toda política de ação afirmativa, ela deve ter caráter emergencial,

temporário e experimental. Emergencial porque não há indícios de que a situação

de exclusão virá a modificar-se somente a partir de políticas educacionais globais e

universalistas. Para que as universidades cumpram seu papel democrático, é preciso

forjar políticas que incidam diretamente sobre este descompasso, levando em conta

as diferenças nas trajetórias sociais dos envolvidos. Temporário porque a função de

políticas dessa natureza é justamente a de deixar de ser necessária: ao atuar na

correção da desigualdade, esta, ao deixar de existir, permite que em condições de

igualdade os critérios possam ser avaliados, enfim, no âmbito das políticas

universalistas. Nesse sentido, para se medir sua eficácia, os efeitos da ação

afirmativa devem ser continuamente acompanhados. Assim sendo, propõe-se fazer

um balanço anual da aprovação afirmativa e de seu impacto através de seminários e

da criação de um Fórum Permanente. Ao término de 10 anos de aplicação, após a

conclusão de duas turmas de doutorado e de aproximadamente quatro de

mestrado, deve-se realizar uma avaliação da pertinência dessa política e de seus

critérios. Por isso, ela é também experimental, uma vez que não há nada que

impeça que esta política específica seja alterada, refinada ou mesmo suprimida nos

anos posteriores, desde que exista um acompanhamento preciso de seus efeitos,

carências e acertos (FRENTE PRÓ-COTAS DA UNICAMP, 2015, pp.19-20).

[conforme original].

A Proposta previa um adicional de vagas mínimo de 25% para negros/as, um

adicional de vagas para pessoas com deficiência de no mínimo 1 (uma) vaga no mestrado e

mais no doutorado e o adicional de vagas para indígenas também de no mínimo 1 (uma) vaga

no mestrado e uma no doutorado do total oferecido a cada ano em seus processos seletivos. O

documento foi apresentado e discutido na 209ª Sessão Ordinária do Instituto de Filosofia e

213

Ciências Humanas em 11 de março de 2015 sob mobilização de muitos estudantes de

graduação e de pós-graduação. Na sessão:

A representante discente Tatiane Lopes leu uma moção de apoio à adoção de cotas

étnico-raciais na Pós-Graduação do IFCH. O documento havia sido aprovado por

assembléia estudantil realizada no dia anterior. Em seguida, o Prof. Sidney

Chalhoub passou a palavra ao mestrando Rodrigo, integrante da Frente Pró-Cotas,

fórum que confeccionou a proposta protocolada na Congregação. O aluno comentou

o histórico que levou à elaboração da proposta, explicou a sistemática, o percentual

de 25% de cotas e os mecanismos sugeridos para os processos seletivos da pós-

graduação. Em seguida, a Profª. Suely Kofes falou que, com relação aos negros, o

documento justifica bem a necessidade das cotas. Já a questão dos deficientes físicos

pareceu-lhe enxertada na proposta. Com relação às populações indígenas, disse

haver uma ambigüidade: se, por um lado, reconhece-se suas especificidades em

relação à população afrobrasileira, por outro, o documento pecou em não trazer uma

proposta mais efetiva para esta população. Em seguida, questionado, o Prof. Sidney

Chalhoub explicou que o encaminhamento sugerido é que o documento seja

apreciado pela instância máxima do Instituto, sendo política a decisão quanto a

adoção de cotas. Afirmou ser evidente que a sistemática e aspectos da aplicação da

proposta terão de ser, posteriormente, discutidos em cada programa de pós-

graduação. O Senhor Presidente ponderou que o documento não deve ficar como

uma espécie de princípio pétreo, que não possa ser modificado, sugerindo sua

discussão em diferentes instâncias. O Prof. José Alves argumentou que seu voto

deve representar a posição de seu Departamento. Entretanto, ele afirmou não saber

como seus colegas se posicionam quanto a este tema, pois alguns não tiveram acesso

ao documento. Assim, acredita que a dinâmica deva ser devolver aos

Departamentos, para que os mesmos possam apreciar a questão. A representante

discente Tatiane Lima sublinhou que a Unicamp está atrasada em relação a esta

temática. Afirmou que a UERJ tem cota há mais de dez anos, enquanto as

universidades estaduais paulistas não têm projetos quanto a isso. A Profª. Yara

Frateschi comemorou que o tema das cotas entrou na agenda da Congregação.

Entretanto, para ela, o teor do documento ainda não entrou na agenda do Instituto,

em todas as suas instâncias. Diante do tamanho do que está em questão, manifestou-

se pelo encaminhamento do tema aos departamentos e aos programas de pós. Assim,

o debate seria retomado posteriormente na Congregação. Para que o assunto não se

arraste por muito tempo, a representante discente Tatiane Lima solicitou a

determinação de um prazo para a implantação das cotas. Em seguida, com o intuito

de conciliar todos os pontos levantados, formularam-se três quesitos, que foram a

escrutínio: 1 - A Congregação acatou o princípio e a regra de cotas nos

Programas de Pós-Graduação (aprovado, com três abstenções); 2 - O

documento apresentado pela Frente Pró-Cotas é base para discussões e decisões

departamentais quanto à aplicação da ação afirmativa em cada Programa de Pós

(aprovado por unanimidade) e; 3 - Os Programas devem se organizar de modo que o

princípio de cotas esteja plenamente em vigor no próximo exame de seleção

(aprovado, com cinco abstenções) (ATA da 209ª SESSÃO ORDINÁRIA DA

CONGREGAÇÃO136

, 2015). [grifo nosso].

O trabalho prosseguiu com participação nas reuniões dos departamentos e, de

acordo a Frente, atualmente apenas o curso de demografia apresenta resistência para a

aprovação das cotas, embora existam professores deste curso que apoiam a ideia. Os cursos de

Antropologia Social, Ciências Sociais, Ciência Política, História, Relações Internacionais e

136 Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/ifch/pf-ifch/public-files/congregacao/atas/ata_da_209a_0.pdf

214

Sociologia apresentaram edital com cotas étnico-raciais no ano de 2015. Os cursos de

Filosofia, Demografia e Ambiente & Sociedade lançaram os processos seletivos com cotas em

2016. Nenhum curso adotou cotas para pessoas com deficiência como constava na proposta

elaborada pela Frente.

O objetivo desta proposta, segundo a Frente, não é, contudo, questionar a

meritocracia uma vez que as cotas também constituem sistemas meritocráticos de seleção,

dado que a disputa pelas vagas entre os optantes é inevitável. Porém, as cotas intentam criar

condições de competitividade entre pessoas e grupos com equivalentes trajetórias sociais, ou

seja, o que os sistemas de cotas fazem é questionar os modelos atuais de aplicação da

meritocracia nos processos seletivos, os quais se sustentam em uma pretensa igualdade de

direito, mas não de fato.

A criação de cotas na pós-graduação possui ainda o objetivo de trazer para o

espaço de pesquisa acadêmica o questionamento das formas de exclusão racial que, por muito

tempo, foram pensadas como restritas às etapas anteriores de ensino. Elas podem ainda

proporcionar a produção de conhecimentos vinculados a concepções teóricas,

questionamentos e referências culturais dos grupos até então não participantes deste espaço.

Salientamos ainda que após a aprovação, seguiram os eventos com objetivo de

dialogar com a sociedade acadêmica o tema das ações afirmativas. Exemplo disso é o evento

“Prosa Sociológica – Por que Ações Afirmativas?” que, embora não tenha sido organizado

pela Frente, foi divulgado nas redes sociais do coletivo.

215

Figura 13 - Divulgação de Evento para discussão sobre Cotas.

Fonte: Grupo “Frente Pró-cotas” em Rede Social137

A aprovação de cotas no IFCH foi apenas a primeira vitória da Frente. A ação,

conforme era expectativa do grupo, teve um efeito multiplicador, primeiro na pós-graduação

de outros institutos e faculdades que acabaram por aprovar cotas étnico-raciais em seus

programas (Faculdade de Educação, 2016; Instituto de Economia, 2017; Instituto de Estudos e

Linguagem, 2018) até a aprovação de cotas para a graduação em 2017 para o vestibular ano

2019.

Em maio de 2016 a greve deflagrada pelas três categorias – docentes, funcionários

e estudantes – embora com tempo de duração diferentes, foi o momento de grande

137 Disponível em:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=960712590606652&set=a.713750728636174.1073741826.1000000

37614865&type=3&theater&ifg=1

216

protagonismo dos coletivos Frente Pró-Cotas e Núcleo da Consciência Negra.

A greve dos estudantes, iniciada em 5 de maio, tinha como mote geral a

contrariedade do corte de gastos de R$ 40 milhões, aumento no número de moradias e adoção

de cotas étnico-raciais para a graduação. Em 10 de maio a ocupação da reitoria forçou um

diálogo com as Instâncias Superiores da Universidade que, dentre outras coisas, pautava a

necessidade

adoção de uma política de cotas étnico-raciais na graduação da Unicamp como

principal política afirmativa para promoção da inclusão social e étnico-racial na

universidade, a ser construída em conjunto e de forma paritária com toda a

comunidade acadêmica – estudantes, professores e funcionários – e, juntamente aos

movimentos sociais que levantam e constroem esse debate na universidade (Frente

Pró-Cotas e Núcleo de Consciência Negra), por meio da aprovação do princípio de

cotas étnico-raciais, referente ao documento anexo (PRIMEIRA PAUTA DE

REIVINDICAÇÕES, 2016).

Conforme relatado pela integrante da Frente, durante os três meses de greve, o

movimento para disseminar a discussão sobre a necessidade de cotas étnico-raciais para a

graduação da Unicamp aconteceu por meio das ações de debates e rodas de conversa lideradas

pelos membros do Coletivo. De tal modo, a discussão se estendeu aos diversos institutos e

faculdades da Universidade entre estudantes, funcionários e docentes, ocupando reuniões de

departamentos e rodas de conversa, dentro de um processo democrático que buscou trazer

maior nitidez ao tema. Houve ainda a realização de assembleias que resultaram em diversos

institutos aderindo à greve e incluindo como mote a adoção das cotas étnico-raciais, até

mesmo em alguns institutos e/ou faculdades historicamente avessos a greves, como foi o caso

do curso de engenharia mecânica, por exemplo.

À época da greve a Frente publicou uma Carta Aberta intitulada “Cotas sim!

Cortes não!” a qual pode ser conhecida a seguir.

217

Figura 14 - Carta Aberta da Frente Pró-Cotas

Fonte: Grupo “Frente Pró-Cotas da Unicamp” em rede social138

A Frente Pró-Cotas produziu ainda um documento de estudo sobre a falta de

representatividade negra e indígena na Unicamp, assim como demonstrou que o PAAIS não é

eficiente na inclusão nos cursos de maior prestígio.

Paralelo a isso, na Faculdade de Educação a discussão sobre a implementação de

cotas no Programa de Pós-Graduação139

ganha espaço quando também em maio de 2016 um

grupo de estudantes de graduação ocupou o Prédio principal da Faculdade de Educação como

meio de, dentre outras coisas, pressionar a direção para incluir o debate sobre as cotas na

138 Disponível em

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=596803803818811&set=gm.1059439220794528&type=3&theater&i

fg=1

139 A luta pela implementação de cotas no PPGE da FE começou com o “X Seminário de Teses e Dissertações

em andamento – Qual é o lugar da Pesquisa e da Formação na Pátria Educadora” em setembro de 2015. O

evento, promovido pela Associação de Pós-Graduandos (APG) em diálogo com a Frente Pró-Cotas, teve a Mesa

“Cotas na pós-graduação em educação: Construindo uma proposta” composta pelo Prof. Douglas Belchior -

Prof. da Rede Estadual e membro do Movimento Negro e pela Profª Dra. Maria Valéria Barbosa da UNESP de

Marília. A partir de então, uma parceria entre a APG e a Frente promoveu diversas rodas de conversa para

fomentar o debate acerca do tema na FE. O primeiro debate ocorreu em 04 de novembro de 2015.

218

Figura 15 - Divulgação de debates sobre “Cotas Étnico-raciais” na FE

agenda oficial da Faculdade. Após 3 dias de ocupação, o acordo foi realizado e o prédio

desocupado140

.

Importante destacar que a discussão sobre Cotas vinha sendo feito na Faculdade

de forma mais sistematizada desde o ano anterior (11/2015), conforme é possível observar na

imagem a seguir.

Fonte: página da APG em Rede Social141

A questão da implementação do princípio de cotas foi incluída na Pauta da 304ª

Reunião Ordinária da Congregação da Faculdade de Educação que aconteceu em 29 de junho

de 2016. Na discussão sobre a Proposta de cotas étnico-raciais e pessoas com deficiências no

programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE):

A Professora Ana Archangelo questionou em que se basearam 46 para chegar ao

período experimental de 10 anos. O acadêmico José Claudio do Espírito Santo

Souza esclareceu que o prazo de 10 anos é um período considerável para avalição de

um programa dessa natureza. O Professor Maurício Érnica como chefia do

DELART, colocou a posição do departamento sempre favorável às cotas, mas

gostaria de ouvir dos docentes que estiveram envolvidos, como foi pensada a

entrada, para que a Congregação pudesse ter ciência das discussões. A acadêmica

Liliane Bordignon de Souza expressou seu contentamento em estar na Congregação

da FE que deu a contribuição para a minimização do problema social. Em seguida

passou a palavra para o acadêmico Bruno. O acadêmico Bruno Botelho Costa fez

uma breve explanação do processo de elaboração da proposta de cotas do PPGE,

cujo encaminhamento partiu de uma comissão criada pela CPG, encaminhada pela

Direção, após mobilização dos estudantes. O Professor Maurício Érnica questionou

o item da proposta onde consta o percentual de 35% para negros/as, uma vez que

não ficou claro para ele como se dará o cálculo no processo de ingresso. A

Professora Débora Mazza manifestou sua alegria em ver a diversidade presente

naquela Congregação. Propôs alterações no texto apresentado. O Professor Renê J.

140 Notícias sobre a ocupação: http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/05/predio-da-faculdade-de-

educacao-da-unicamp-sera-desocupado-16h.html; https://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/05/estudantes-

ocupam-predio-da-faculdade-de-educacao-da-unicamp.htm

141 Disponível em: https://www.facebook.com/pg/Associa%C3%A7%C3%A3o-de-P%C3%B3s-Graduandos-

da-FEUnicamp-347645652105503/photos/?ref=page_internal

219

Trentin perguntou se alguém pertencente aos povos indígenas presentes gostaria de

se manifestar. Assim, 3 representantes de comunidades indígenas se manifestaram

alegres em poderem participar dessa discussão sobre a diversidade. A Professora

Mara Jacomeli destacou que caso se fechassem na definição do percentual a partir

das vagas nas linhas de pesquisa não daria certo. Salientou que a proposta não é da

Coordenação de Pós, mas da CPG e docentes representantes dos departamentos. Há

compromisso formal do edital que será feito pela comissão do processo seletivo com

a comissão de cotas para avaliação jurídica do que é possível ser feito, além do que,

a implementação dessa política será frequentemente revisada e acompanhada. Para

tanto, pediu um voto de confiança da Congregação da FE. O Professor Renê J.

Trentin registrou a importância da discussão no departamento. Salientou que no

DEFHE a posição foi unânime e a reunião contou com 4 representantes do segmento

estudantil. Registrou sua felicidade em estar participando daquela reunião de

Congregação, com a presença dos representantes indígenas e também do grande

grupo de discentes que acompanhava a seção. O Professor Antonio Carlos Dias

Júnior, registrou a alegria em receber todos naquela Congregação. Enquanto

membro da comissão de bolsas, reafirmou o compromisso assumido. A Professora

Lavínia Magiolino também registrou sua felicidade, uma vez que sentiu-se honrada

em participar desse momento histórico. A Professora Débora Jeffrey salientou que

não dá para discutir cotas sem discutir permanência. O Professor Lalo W. Minto

defendeu que o encaminhamento fosse feito de acordo com a proposta original, haja

vista que representa garantia suficiente para que o princípio geral de 35% das vagas

para negros (as), bem como as demais cotas, estejam representadas no final do

processo. A Professora Mara Jacomeli frisou que o documento é composto por

posicionamentos diversos. Sugeriu que o mesmo seja aprovado como está e as

comissões vão estudando as sugestões da Congregação e dos alunos. O servidor

Jórgias Alves Ferreira salientou que havia consenso pela aprovação das cotas e o

que estava em discussão era a operacionalização. Sendo assim, sugeriu aprovar

como está, e depois vai se discutindo a operacionalização. A Professora Ana

Archangelo disse que o texto do documento estava produzindo equívocos, ou seja, o

que estava escrito não estava suficientemente claro para garantir o que se queria.

Após diversas intervenções dos senhores conselheiros quanto à forma de cálculo dos

35%, se referente ao número de vagas abertas no edital ou se referente aos

aprovados ao final do processo seletivo, e todos os esclarecimentos ali prestados, a

Professora Dirce Zan propôs a votação do documento como foi encaminhado à

Congregação, apenas com as alterações propostas pela Profa. Débora Mazza.

Aproveitou para manifestar a alegria da Direção e agradeceu a Coordenação de Pós-

Graduação por ter abraçado o trabalho. Salientou que a FE estaria fazendo história.

Reiterou que seriam necessárias outras ações para garantir o avanço do processo de

democratização da pós, aprovar o documento seria a 1ª parte. Frisou que a Direção

confia na comunidade, no Fórum de Diversidade e nas instâncias gestoras da FE.

Salientou que o momento era de se repactuar a relação de confiança entre todos.

Assim, a Professora Dirce Zan colocou o item para votação, o qual foi aprovado

com a seguintes votos: 22 votos favoráveis e 1 abstenção. A Professora Selma

Martinelli que se absteve, fez a seguinte declaração de voto: “O DEPE aprova o

mérito da proposta, mas não o documento apresentado, tendo em vista que as

discussões no departamento apontam para muitas fragilidades no documento que

precisariam ser revistas, e que foram esclarecidas no ofício enviado a CPG. Os

professores manifestaram a necessidade de que o documento com as alterações

propostas pelo conjunto dos departamentos fosse novamente apreciado antes de seu

envio à Congregação. (ATA DA 304ª REUNIÃO, 2016142

) [grifo nosso].

Na greve que abarcava estudantes de diversos institutos e faculdades, após três

142 Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/system/files/reunioes/3267/20160824-

14252426787500_168947_phpfbfnl9.pdf

220

meses de ocupação e negociação, a pauta das cotas foi atendida com o acordo de que

haveriam discussões em três Audiências Públicas na Unicamp. Assim, por meio da GR-

050/2016 de 06/09/2016, foi criado o Grupo de trabalho responsável pela organização das

Audiências Públicas para debater a Política de Cotas na Unicamp. O grupo foi constituído

pelos seguintes membros: Profa. Dra. Rachel Meneguello – Presidente; Prof. Dr. João

Frederico da Costa Azevedo Meyer; Prof. Dr. Julio Cesar Hadler Neto; Profa. Dra. Lucilene

Reginaldo; Prof. Dr. Mário Augusto Medeiros da Silva; Profa. Dra. Adriana Nunes Ferreira

(convidada); Gabriela Nascimento Ananias; Gustavo Reis de Araújo; Mariel Mitsuru Nakane

Aramaki; Taina Aparecida Silva Santos e Teófilo de Souza Carmo Reis.

A primeira audiência aconteceu em 13 de outubro com o tema “Cotas e ações

afirmativas: perspectiva histórica e o papel da Universidade Pública no Brasil” e teve como

objetivo, de acordo com o Edital143

publicado:

Realizar Audiência Pública, com a participação da comunidade acadêmica e de

todos os interessados da sociedade civil, visando subsidiar a discussão e deliberação

pelo Conselho Universitário da UNICAMP sobre a implementação da política de

cotas étnico-raciais nos cursos de Graduação da Universidade Estadual de

Campinas.

Além dos professores convidados para compor a mesa desta 1ª Audiência – Luiz

Felipe de Alencastro (FGV), José Jorge de Carvalho (UnB) e João Paulo Tukano (UFAM) –

houve espaço também para a falas da Plenária, na qual a Frente Pró-Cotas f oi a primeira e

fazer uso da palavra:

O objetivo da educação está em inventar e reinventar a civilização sem barbárie"

(Florestan Fernandes). Embora tenha nascido pobre e tenha chegado ao posto de

professor, Florestan seguramente não acreditava na meritocracia como ideal de auto

constituição do indivíduo, sua questão não era como ele chegou lá, mas sim, por que

seus amigos e amigas de infância não chegaram. A Frente Pró-Cotas, nós

entendemos, que a melhor defesa para universidade pública está na defesa da

diferença, da diferença epistemológica, da diferença cultural, étnico-racial de classe,

de gênero, enfim, na abertura para outras formas de se fazer a universidade. Essa

defesa da diferença que mais do que agregar novas manifestações culturais e sociais

ter esses postos de que somos pessoas diferentes que partimos de trajetórias sociais,

históricas diferentes, contudo, ressaltamos tudo isso visando uma igualdade de fato

(GT, 2017, pp. 11-12).

A defesa da FPC reconhece que “as parcialidades que sustentam e mantêm a

supremacia branca, o imperialismo, o sexismo e o racismo distorcem a educação a tal ponto

143 Disponível em:

http://www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/field/arquivo/edital_da_1a_audiencia_publica_cotas_etnico-

raciais_graduacao.pdf#overlay-context=noticias/2016/10/03/primeira-audiencia-publica-de-cotas-etnico-raciais-

sera-dia-13

221

que ela deixou de ser uma prática de liberdade (HOOKS, 2017, p. 45). De tal modo, esse

clamor pelo reconhecimento da diversidade cultural e epistemológica, bem como a

concomitante transformação das salas de aula, de como se ensina e do que se ensina, são

revoluções necessárias – “que buscam devolver a vida a uma academia moribunda e corrupta”

(idem.)

A segunda Audiência Pública teve como tema “Cotas e ações afirmativas:

experiências nacionais e internacionais”. Realizada em 18 de novembro, contou com o

auditório da Faculdade de Ciências Médicas lotado, assim como aconteceu na Primeira

Audiência. Uma das professoras convidada para esta audiência, Tatiane Cosentino Rodrigues

da UFSCar, relatou a importância não apenas do acesso, mas de modificar uma estrutura a fim

de que a política seja eficiente em toda a sua potencialidade (SUGIMOTO, 2016), de acordo

com ela:

O pressuposto é que as políticas de ação afirmativa não se limitem a questões

relativas ao acesso de estudantes anteriormente excluídos ou com desiguais

possibilidades de ingresso. A meta é que essas políticas passem a integrar e

modificar a estrutura universitária, estando presentes em diferentes componentes do

dia a dia da universidade, como indicam todos os documentos normativos da

proposta para educação das relações étnico-raciais no ensino superior.

A última audiência, ocorrida em 12 de dezembro, debateu o PAAIS sob o tema

“Cotas e ações afirmativas: o PAAIS, seus alcances e limites”. Um representante da Frente

Pró-Cotas atentou sobre como a política adotada pela Unicamp há mais de uma década não foi

eficiente para a inclusão de pessoas negras e indígenas.

[…] em vigor há doze anos, apresenta falhas lamentáveis no que diz respeito a

inclusão racial. No período entre 2005 e 2015, houve uma média de 16% na

inscrição, na inserção de alunos e alunas negras na universidade, número muito

abaixo da porcentagem da população do estado de São Paulo, que corresponde a

35% segundo dados do IBGE. Em 2016 com a atualização do PAAIS, esse número

subiu para 22%, onde 16% dos matriculados utilizaram o PAAIS. Após doze anos, o

PAAIS não atingiu a meta que ele mesmo se propôs, que era de 35%, e está claro

que ele não vai cumprir, a gente viu claramente isso nas falas, nos dados

apresentados. O programa da Unicamp não apresenta recorte racial nessa seleção e

nem mesmo de renda, pois a bonificação de pontos é dado a alunos de escola

pública, sem considerar que escolas são essas, as famosas escolas modelos, em sua

maioria, sem considerar que tipo de aluno frequentam essas escolas-modelo[…] Por

que o PAAIS ainda não atingiu a meta que ele mesmo se propôs atingir? O PAAIS

quer atingir a meta? Sendo que as cotas garantem a meta? E todas as federais que a

adotaram comprovaram esse sucesso? Porque a Unicamp ainda nega cotas? A

porcentagem de alunos brancos muda muito pouco em todos esses anos de PAAIS,

nass artes o percentual de alunos brancos somente neste ano foi de 75%, na ciências

biológicas e saúde, matriculados negros não ultrapassam os 22%, que é a média de

ingressantes deste ano de 2016. Dados de 2013 mostram que existem 2.077 docentes

na Unicamp, apenas 32 são negros, ou seja, 1,54%, o conhecimento aqui fornecido é

baseado em brancos, em sua maioria homens, e para brancos, até estudos sobre

racismo e movimentos negros são feitos por brancos. […] Coincidentemente, os

restaurantes universitários que aqui frequentamos, mostram o inverso, os

222

trabalhadores e trabalhadoras terceirizados são esmagadoramente negros, e é esta a

imagem da Unicamp, quem ensina são os brancos, eles são os bons e recebem os

melhores salários e o melhor tratamento; os negros estão aqui para limpar e servir, e

os que entram para estudar precisam passar pelo constrangimento de sentir que não

pertencem a este lugar. Isto é aceitável para Unicamp? (GT, 2017, p. 48).

A Frente questionou ainda a inclusão de indígenas, conforme o registro da fala a

seguir:

O PAAIS é uma ação afirmativa à qual de forma indireta, porém formal,

compromete-se com a inclusão de estudantes indígenas na universidade. O “I” do

PPI, no entanto, na realidade cotidiana da Unicamp, o objetivo de inclusão de

estudantes indígenas, parece de fato não existir. O que a Unicamp sabe sobre seus

estudantes indígenas? Qual é o compromisso da Unicamp para com os estudantes

indígenas? Entre 2005 e 2016, doze anos de PAAIS,119 estudantes autodeclarados

indígenas ingressaram na Unicamp, desses, 59% não utilizaram o PAAIS. É

aceitável que uma política de Ação Afirmativa seja subutilizada? A realidade é que o

PAAIS não se apresenta verdadeiramente como uma Ação Afirmativa para a maioria

dos estudantes indígenas, desses 119 estudantes, 70, 70% tiveram que fazer cursinho

pré-vestibular, O que nos levar questionar se algum momento, desde a sua criação

até o ano atual a Comvest ou Unicamp consideraram respeitar o direito indígena, a

educação específica, intercultural e pautada pelos de línguas indígenas, prevista na

constituição de 88, na lei diretrizes de bases da educação nacional, e no plano

nacional de educação, desenhando uma seleção que respeitasse e promovesse esses

direitos, como fazem os vestibulares indígenas em diversas universidades federais.

A realidade, é que o PAAIS como ação afirmativa pela inclusão de estudantes

indígenas, apresenta-se mais como um mecanismo de violação dos direitos desses

povos, seguindo agenda histórica de 516 anos. Desses 119, 41% não permaneceram

na Unicamp, seja por abandono ou por desligamento, o que nos leva a questionar:

Qual o compromisso da Unicamp com a permanência material e simbólica de seus

estudantes indígenas? Perguntam-lhes a que povos pertencem? Não. Oferecem-lhes

ensino bilíngue ou auxílio com português? Não. Preparam os professores para lidar

com as suas especificidades culturais? Também

não. Oferecem-lhes apoio psicológico diferenciado? Não. Oferecem-lhes espaço

para vivência multicultural? Não. Atualmente, 25 estudantes indígenas cursam a

graduação da Unicamp, 25 estudantes cujas dificuldades e necessidades não são

expostas, porque a universidade, a bem da verdade, simplesmente não está

interessada. Professor Pedrosa, a Unicamp considerou visitar alguma das 30 terras

indígenas demarcadas do estado de São Paulo, para abrir as demandas desses

povos quanto à educação superior? Considerou conversar com os professores

indígenas do estado para desenhar uma política de Ação Afirmativa condizente com

a realidade da educação escolar indígena de São Paulo? Professor Edmundo, a

Unicamp dialogou ou com os Mbyá, com os Ñandeva, com os Terena, com os

Krenak, com os Kaingang, com os Fulni-ô, com os Atikum, com os Pankararu, ou

com os Cariri-Xocó para traçar como deveria ser uma política de ação afirmativa

para os indígenas na Unicamp? Unicamp, se você reconhece a importância da

presença de estudantes indígenas no ensino superior público, explique-nos por favor,

como pode estar satisfeita com uma política de ação desafirmativa como é o

PAAIS? Se para as pretensões de inclusão o PAAIS é ineficaz, por que a Unicamp

não tem cotas? (GT, 2017, pp.48-49).

A partir destas três Audiências o Grupo de Trabalho (GT) apresentou, em

223

fevereiro de 2017, um Relatório144

no qual propõe a adoção de cotas étnico-raciais pela

Unicamp uma vez que o PAAIS

não se mostra eficaz enquanto mecanismo de inclusão socioeconômica, pois os

dados de distribuição dos matriculados segundo faixas de renda mostram que

segmentos mais privilegiados da sociedade (renda familiar muito superior à média

do estado e do país) têm se beneficiado do programa de inclusão (GT, 2017, p. 54).

O GT coloca ainda que definição de excelência acadêmica de universidade deve

ser redimensionada pela inclusão e diversidade e que esse “redimensionamento se dá por uma

dupla via na qual atuam novos sujeitos e novos saberes, o que conduz à oportunidade de

emergência de novas epistemes, novas formas de observar e compreender o mundo, de

maneiras mais amplas”. (GT, 2017, p. 55).

Neste sentido, a reserva de vagas no acesso ao ensino superior, para grupos étnicos

historicamente expostos à desigualdade de variadas ordens em nossa sociedade, é

uma sinalização assertiva numa concepção distinta do papel da universidade pública

e sua possibilidade de promover justiça social. Esta nova concepção reconhece a

desigualdade do ponto de partida. Reconhece as razões históricas da homogeneidade

étnica do ponto de chegada (em nosso caso, maioria esmagadora de brancos no

ambiente universitário). Reconhece a exclusão de negros e indígenas neste mesmo

ponto de chegada, enquanto contingente expressivo. Reconhece também que as

desigualdades não são apenas de classe econômica, mas que são compostas por

componentes históricos e operativos no cotidiano, de maneira estrutural, tanto

violenta, quanto sutil como o racismo e os privilégios étnicos que ele impõe

socialmente. Reconhece que enquanto universidade pública e gratuita, temos que

nos pautar pelos desafios que a sociedade brasileira nos impõe e responder ao que

ela espera da instituição com relação ao combate ao racismo, à pobreza, assim como

pelo acesso ao direito à educação e a vivência dos direitos civis e sociais.

Essa concepção de universidade reconhece, ainda, que a inclusão e a convivência

com a diversidade social, com sujeitos com trajetórias sociais diversas, fundadas na

heterogeneidade étnico-racial é um projeto de excelência acadêmica e científica.

Constitui bases para a construção de um novo conhecimento no ambiente

acadêmico, a partir de novos temas, objetos e problemas, tendo na prática da

diversidade um valor a partir do qual ganha a ciência em todas as áreas, pela

inclusão de novas formas de produção de sabe, e ganha a universidade, que

incorpora novos sujeitos e novas experiências, modificando positivamente seu

ambiente e faz jus a sua função social.

Esta mudança representa uma aposta na pluralidade empreendida em instituições

nacionais de mesma importância como a Unicamp ou instituições de renome

internacionais em países como EUA, Canadá, Rússia, África do Sul, China, dentre

outros.

As metas para inclusão social e étnico-racial devem ser acompanhadas de políticas

de ação afirmativa que possibilitem o seu cumprimento. O GT entende que a política

de ação afirmativa contempla as dimensões do acesso (com programas que incidam

no sistema de acesso à Unicamp), e da permanência (tanto material, quanto

simbólica), fomento à diversidade no tripé nas áreas de ensino, pesquisa e extensão,

bem como o combate a toda e qualquer forma de discriminação (GT, 2017, pp.56-

57).

144 Disponível em: https://www.sg.unicamp.br/pautas/p2017/consu/1-extraordinaria/relatorio-gt-cotas-anexos.pdf

224

Buscamos evidenciar até aqui o processo construído pela Frente Pró-Cotas e pelo

Núcleo da Consciência Negra em trazer o debate sobre as cotas na Unicamp a partir da

ocupação de diversos espaços até que se chegasse à aprovação do princípio de cotas em 30 de

maio de 2017, na 151ª Sessão Ordinária do Conselho Universitário145

, com a determinação da

Criação de um Grupo de Trabalho responsável por elaborar uma Proposta de implementação

progressiva de cotas a partir do ano 2019.

Este é o momento indicado pelos respondentes do questionário como a maior

conquista da Frente Pró-Cotas e do Núcleo de Consciência Negra (NCN). O relato de uma

integrante dos coletivos mostra o caminho percorrido para que se chegasse à aprovação das

cotas na graduação.

Frente: aprovação de cotas na pós da faculdade de educação, assim como na

graduação. (sujeito 7, mulher estrangeira, indígena, doutoranda).

Penso que a maior conquista foi ter colocado a questão racial como uma questão

legítima dentro da discussão política da universidade. Isso foi essencial para que se

tratasse a questão das cotas, por exemplo como uma questão séria. A partir do

momento em que discutir racismo entrou na pauta da universidade como uma

questão importante e não apenas como uma discussão lateral, foi possível construir

conjuntamente com outros grupos, com destaque para a Frente Pró-Cotas, estratégias

que levaram à aprovação das cotas étnico-raciais na graduação da Unicamp (Sujeito

17, homem negro, doutorando).

A conquista da aprovação do princípio de Cotas para o vestibular da Unicamp

trouxe à tona o racismo da “elite intelectual” universitária que ao ver seus privilégios

ameaçados utiliza-se de jargões e argumentos já refutados que servem apenas para escancarar

o racismo sempre presente na nossa desgastada “democracia racial brasileira”. O caso de

maior destaque foi a do docente Paulo Palma da Faculdade de Ciências Médicas que publicou

uma mensagem encaminhada (publicamente) ao Reitor Marcelo Knobel em rede social,

seguido da entrevista que cedeu ao Jornal Correio146

no qual afirmou que “quando permite

cota, ela (Unicamp) está trocando cérebro por nádegas ou por cor de pele e outros valores”. O

professor disse ainda: “Em vez de corrigir o problema, dão cotas para quem não tem condição

de acompanhar. Não digo cursos como dança. Digo curso técnicos que exigem um pouco

mais de QI.”.

145 Ata disponível em: https://www.sg.unicamp.br/pautas/p2017/consu/152/ata-151.pdf

146 Disponível em: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2017/06/campinas_e_rmc/481708-professor-da-unicamp-

anticotas-gera-polemica.html

225

Figura 16 - Publicação racista após a aprovação do princípio de Cotas na 151ª Sessão do Consu

Esse tipo de reação exacerba o elitismo prosaico ainda arraigado nas

universidades, brasileiras em que a autodenominada “elite intelectual” é antes de tudo a elite

econômica do país que carrega os valores construídos no período colonial – racismo e

machismo, principalmente. Rosemberg (2010) apresenta a associação entre o poder

político/econômico e a universidade pública (98,7% dos ministros do STF, 75,5% dos

ministros da Educação e 88% dos consultores do Senado estudaram em universidades

públicas) para explicar a oposição às cotas. De acordo com a autora, esta oposição constitui

defesa de posições de poder, ou seja, opor-se “a estratégias de aceleração do ingresso e de

apoio à permanência de egressos do ensino público, de negros e de indígenas, significa, para

as elites, defender seu poderio acumulado graças à subordinação dos demais segmentos

sociais.” (idem, p. 11).

Apesar do destaque da Frente Pró-Cotas, o Núcleo de Consciência Negra também

teve participação ativa nos processos de luta para a implementação de cotas. Os Coletivos se

cruzam tanto por membros que participam de ambas entidades, como também pelo seu caráter

de discussão racial. A divisão que fizemos na apresentação dos coletivos visa evidenciar as

particularidades de cada um sem, no entanto, deixar de apresentar o diálogo presente entre os

mesmos.

4.2.2. Núcleo de Consciência Negra da Unicamp

A fundação do núcleo se deu no contexto de abertura das discussões sobre a

implementação das cotas raciais na UNICAMP. O grupo que debatia as cotas era

misto – composto de pessoas brancas e negras – e nós sentíamos necessidade de

estarmos apenas entre pessoas negras para nos fortalecermos tanto de forma

226

coletiva, como individual. O racismo nos deixa muito vulneráveis e acreditávamos

que um grupo que pudesse pautar questões para além das cotas raciais poderia ser

importante para o combate à situação. Além de reuniões, tínhamos atividades de

formação política e eventos. Através de um evento no mês da consciência negra,

realizamos um chamado aos estudantes negros e negras da UNICAMP. A partir

disso, o Núcleo foi formado. Posso dizer que a situação – de racismo expresso de

diversas formas - é que nos levou a fundar o núcleo. Os primeiros debates em torno

da necessidade do Núcleo foram realizados por duas mulheres negras, já estudantes

da pós-graduação. Na fundação do núcleo, durante as primeiras reuniões, 3 homens

brancos – com origem periférica – frequentavam as reuniões e se identificavam

como membros do núcleo. Não tínhamos maturidade política para entender que

poderíamos colocar como pré-condição ser negro ou negra para se reivindicar como

componente do NCN. O que acabou acontecendo em um período posterior. Mas,

chegamos a ter reuniões com até 20 pessoas negras. O que era algo muito marcante

porque conseguimos mapear quem eram os negros que estavam espalhados pela

UNICAMP. Mas, existia um grupo de cerca de 8 pessoas que estavam em todas as

reuniões e que executaram o projeto do I Quem Tem Cor Age – evento que

aconteceu em novembro de 2012 e que contou com a participação de pessoas negras

de diversos estados, apesar do público não ser muito grande. (mulher, negra, egressa

do doutorado em Educação/Unicamp).

Iniciamos esta sessão da tese com a fala de uma das fundadoras do Coletivo

Núcleo de Consciência Negra da Unicamp, pois queremos também com este trabalho

evidenciar as vozes muitas vezes silenciadas por conta das barreiras institucionais que

impedem a promoção de vozes dissonantes. Pretendemos, portanto, desestabilizar e tensionar

o status quo a fim de fazer emergir outros referenciais e geografias, e pensar outras

possibilidades de existências para além das impostas pelo regime discursivo dominante

(RIBEIRO, 2017).

De tal modo, a fim de compreender as ações, objetivos e propostas do coletivo,

além da entrevista com uma das fundadoras do NCN, utilizamos como fonte: a página do

grupo em uma rede social virtual e as vozes dos integrantes do Coletivo que responderam ao

questionário aplicado.

De acordo com a comunidade virtual do coletivo, o Núcleo de Consciência Negra

foi fundado no final de 2012, a partir da iniciativa de estudantes que impulsionaram a

organização das atividades no mês da Consciência Negra, realizadas em conjunto com outros

setores da universidade.

O principal objetivo do coletivo é a construção de uma luta conjunta entre

estudantes, professores e funcionários da Unicamp e movimentos sociais contra opressão

rumo à conquista das bandeiras históricas do movimento negro tais como: fim do genocídio

da juventude negra, igualdade de oportunidades no mundo do trabalho, valorização das

contribuições da cultura afro-brasileira para a formação da cultura nacional, reconhecimento

da dívida histórica com o povo negro decorrente dos crimes cometidos no período da

227

escravidão. Além disso, objetiva ainda a criação de espaços de sociabilidade para o estudante

negro, compreendendo que o racismo instituído na universidade segrega, hostiliza e ataca

diariamente a autoestima destes estudantes.

Ao encontro desse propósito, foi realizado o I Quem tem Cor Age com a temática

“Desmistificando o racismo à brasileira”.

Figura 17 - Divulgação do I Quem tem Cor age147

Fonte: Rede social

147 Disponível em: https://quemtemcorageunicamp.blogspot.com/

228

O evento foi catalisador para a consolidação do NCN. Além da fala da entrevista,

este fato é relatado também por mais 5 (cinco) integrantes do coletivo que responderam ao

questionário.

O NCN surgiu em 2012, a partir de um grupo de estudantes negros que desenvolveu

o I Quem Tem Cor Age, que se não me engano, tinha como temática a discussão do

racismo à brasileira.

O NCN surgiu em meados de 2012 a partir da movimentação de alguns estudantes

negros da Unicamp, em torno da organização do evento Quem Tem Cor Age. A

ideia era, ao primeiro momento, criar espaços de diálogo sobre questão racial dentro

do ambiente universitário unicampiano, haja vista, a escassez de discussões e o

racismo institucional (sujeito 15, homem, negro, mestrando).

Eu e uma amiga fundamos o núcleo de consciência negra pq vimos que a

UNICAMP necessitava de um espaço para os negros e negras poderem se reunir e se

proteger do racismo institucional. O NCN surgiu após o primeiro evento promovido

pelo grupo de pessoas que conseguimos agregar inicialmente: o Quem tem Cor Age

(sujeito 6, mulher, preta, doutoranda).

O Núcleo de Consciência Negra surgiu no final de 2012 por meio da organização do

evento Quem tem cor age. Em 2013 o grupo que organizou o evento passou a se

encontrar regularmente e se constituir como um coletivo, e foi nesse momento que

me juntei ao grupo. A proposta era propiciar um espaço para discussão de questões

raciais entre os estudantes negros, e também agir dentro da universidade em defesa

dos estudantes negros. (sujeito 17, homem preto, doutorando).

NCN- Segundo os fundadores, o Núcleo surgiu em meio a realização de uma

semana da consciência negra na Unicamp em 2012. Após o evento, as e os

estudantes negr@s entenderam que era possível e necessária a existência de um

coletivo de acolhimento e de combate ao racismo no interior da Unicamp (sujeito

20, homem negro, egresso do curso de ciências sociais e atualmente mestrando).

Assim, de 2013 a 2018 foram 5 edições do evento “Quem ter Cor Age” com

propostas temáticas que, de forma geral, abarcaram questões acerca do racismo, epistemicídio

e políticas públicas, conforme é possível observar no quadro a seguir.

Quadro 6 – Edições do Evento "Quem tem Cor Age"

Ano Temática Objetivo

2012 1ª ed. “Desmistificando o

racismo à brasileira”

Criar um espaço para debater questões urgentes para o povo negro,

além de articular a comunidade acadêmica negra com os

movimentos sociais.

2013 2º ed. “Racismo institucional:

omissão e perseguição”

Questionar o silêncio acerca do racismo persistente nas instituições

e compreender como são estabelecidas, na prática, políticas e ações

diversas com pano de fundo racial em meio ao silêncio.

2014

3ª ed. “Intelectualidade Negra:

Conhecimento, Racismo e

Epistemicídio”

Discutir o racismo, o conhecimento acadêmico, epistemicídio e

assuntos relacionados a fim de estabelecer um diálogo com

pesquisadores, estudantes, funcionários, professores, movimentos

sociais e demais interessados na temática.

229

2017

4ª ed. “A dissimulação do

racismo e a interdição da

cidadania negra: políticas

sociais em tempos de golpe”

Discutir as políticas públicas no contexto de golpe vivenciado pela

sociedade brasileira. Cientes dos problemas existentes nas políticas

adotadas nos períodos anteriores, não podemos deixar de

reconhecer que o atual governo golpista representa um retrocesso e

uma ameaça: as retiradas de direitos e as mudanças de leis afetam

sobretudo as pessoas mais pobres, majoritariamente negras. Em

tempos temerosos, entendemos que a saída é apostar na

radicalização da democracia, o que não pode ser feito sem que as

políticas públicas tratem de forma adequada a maior parte da

população brasileira e incorporem à ordem do dia a superação do

racismo.

2018

5ª ed. “Estratégias de

sobrevivência em meio à falsa

abolição”

Discutir práticas libertadoras na conjuntura atual, em que os efeitos

do racismo se manifestam de forma sempre violenta sobre a

população negra. Ainda que a luta antirracista tenha conquistado

avanços na equidade em diferentes contextos da vida pública e

institucional, isto não é suficiente! Falta muito a conseguir e a

preservação de vidas negras é ponto crucial na construção de uma

sociedade antirracista e na ressignificação de um pacto de

humanidade em que vivências negras tenham a importância que

lhes é devida, mas que há tempos lhes é retirada.

Elaboração própria - Fonte: Rede social

Figura 18 - Cartazes de divulgação das 4 últimas edições do "QUEM TEM COR AGE"

Fonte: Rede social

230

As pautas das 5 (cinco) edições do “Quem ter Cor Age” revelam o valor

epistemológico das lutas e movimentos sociais, ou seja, revelam que eles são produtores de

um tipo de conhecimento específico, o conhecimento nascido na luta que contribui de forma

decisiva para legitimar e fortalecer as lutas pois permite aos movimentos construir

argumentos novos para sustentar as suas reivindicações; com conhecimento próprio capaz de

enfrentar, contrapor ou dialogar com o conhecimento convencional eurocentrado (SANTOS,

2018).

De acordo com Santos (2018) a riqueza epistemológica do Movimento Negro é

que é um movimento educador porque gera conhecimento novo, que não só alimenta as lutas

e constitui novos atores políticos, como contribui para que a sociedade em geral se dote de

outros conhecimentos que a enriqueçam no seu conjunto. Além do mais, operam

frequentemente a tradição intercultural entre o conhecimento nascido na luta e o

conhecimento acadêmico, com vistas a construir novas configurações cognitivas e políticas.

Concordamos com Gomes (2018), para quem as lutas do Movimento Negro

questionam os processos de colonização do poder, do ser e do saber presentes na estrutura do

imaginário social e pedagógico latino-americanos e de outras regiões do mundo e, de tal

modo, produzem conhecimento sociológico, antropológico e educacional no Brasil

dinamizando o conhecimento.

As temáticas das cinco edições do “Quem ter Cor Age” demonstram ainda que o

conhecimento produzido pelo Núcleo dialoga com os pressupostos da Lei 10.639/03 que, por

sua vez, é orientada por documentos como o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de

História e Cultura Afro-brasileira e Africana que prevê o desenvolvimento de atividades

acadêmicas, encontros, jornadas e seminários de promoção das relações étnico-raciais

positivas para seus estudantes (BRASIL, 2009); e também como as Orientações e Ações para

Educação das Relações Étnico-Raciais que, dentre outros pressupostos, prevê que “a inserção

coerente e comprometida verdadeiramente com o combate a todas as formas de preconceito e

discriminação dá-se nos diferentes espaços por onde circula toda a comunidade acadêmica ou

não, negra e não-negra” (BRASIL, 2006, p. 132).

As respostas sobre os motivos que levaram a integrar o NCN revelam a

importância de um espaço que possibilite vivências decolonizadoras – antirracistas e

feministas, principalmente, capazes de acolher as dores causadas pela ideologia eurocêntrica

em evidência no espaço universitário.

231

Me sentia sozinha e isolada na universidade. Tinha vontade de compartilhar as dores

e as alegrias de ser uma mulher negras em um ambiente branco (sujeito 6)

O primeiro coletivo do qual fiz parte foi o NCN, e ao mesmo tempo a Frente

Feminista. Minha entrada no NCN se deu em um contexto bem turbulento

pessoalmente, onde após anos de ProFIS e a tão esperada entrada em um curso

tradicional da Unicamp (Química), me encontrava bastante desanimada, com

inúmeras dificuldades no curso, e em relação aos colegas, que tinham um perfil bem

diferente dos amigos do ProFIS, que no geral, vinham da mesma realidade que eu. A

entrada na Química e várias coisas que se sucederam ali foi um choque, um

momento de muita depressão e rebaixamento de minha autoestima. Até então, eu

nunca havia me envolvido com nada relacionado ao movimento estudantil. Foi nesse

período que conheci o Portuga, um aluno na época do curso de ciências sociais e que

era membro do NCN, e que me apresentou ao coletivo. Logo depois (Outubro/2013)

houve a ocupação da reitoria exigindo que a polícia não entrasse no campus,

processo do qual participei ativamente, dormindo na reitoria todos os dias de

ocupação. Enfim, encontrei no NCN e no movimento estudantil à época um espaço

de acolhimento, de formação e melhor compreensão dos problemas que vivia e até

então não sabia explicar. (sujeito 14, mulher preta, egressa do ProFIS, graduanda em

Química).

Na época optei por ajudar a construir o NCN porque era o único espaço que eu via

que era capaz de lidar seriamente com as questões que mais me preocupavam. Os

demais coletivos da universidade não trabalhavam de maneira satisfatória a questão

racial, e o NCN foi o espaço que melhor me propiciou essa possibilidade. (sujeito

17, homem preto, doutorando em Sociologia)

Uma ação que dialoga com a necessidade de acolhimento de grupos minorizados

num espaço de privilégio da branquitude é a “Calourada Negra”, organizada pelo NCN desde

2014. Segundo o coletivo, apesar de os negros serem a maioria nas escolas públicas, nas

periferias e favelas, ao olhar para a Unicamp e outras universidades públicas vê-se um cenário

completamente diferente, por isso o Núcleo levanta a importância de se discutir o racismo

dentro e fora da universidade, em suas diversas formas.

Figura 19 - Ações durante a Calourada Negra de 2014

Fonte: Rede social

232

Figura 20 - Cartaz de divulgação da Calourada Negra de 2018

Fonte: Rede social

O Núcleo também se organiza em ações para denunciar situações de racismo

ocorridas dentro e fora da universidade como, por exemplo, os casos ocorridos durante a

Integração de calouros à universidade no ano de 2015, denunciados pelo Coletivo em sua

página na rede social; o caso de racismo no Supermercado Dia% e os ataques

233

racistas/fascistas em diversas pichações por prédios da universidade em 2018.

Figura 21 - Denúncia realizada pelo NCN sobre atos de racismo na Unicamp

Fonte: Rede social

ATÉ QUANDO A UNICAMP CONTINUARÁ ACEITANDO E

REPRODUZINDO O RACISMO?

Atualmente estão sendo noticiados vários casos de racismo nas universidades. Há

alunos barrados nas portarias das universidades, estudantes que faltam às aulas por

sentirem a hostilidade de um ambiente racista, pichações ofendendo negras e

negros.

A situação na UNICAMP não destoa do quadro geral: vários relatos de estudantes

negros mostram o enorme desconforto que estes experimentam em sua rotina na

universidade. Seja por meio do menosprezo por parte de professores, seja por

discussões em que a simples menção a preconceito se torna alvo de chacotas e

retaliações, o racismo se faz presente diariamente na UNICAMP, e a universidade

não apresenta qualquer medida prática no sentido de combater este problema.

O caso a ser relatado hoje já foi alvo de publicação de uma nota de repúdio por nós

do Núcleo de Consciência Negra da Unicamp, mas vale ser recontado, visto as

atuais discussões que estão sendo feitas sobre a prática de black-face (vide a

polêmica da peça “A Mulher do Trem”, da Companhia Os Fofos, na qual utiliza-se o

recurso da black-face de maneira extremamente negativa para as mulheres negras).

Na confirmação de matrícula, dia 24 de fevereiro de 2015, a Unicamp foi cenário de

atos racistas e machistas. Veteranos de diferentes cursos receberam seus calouros

pintando-os de preto e em alguns casos amarrando panos em suas cabeças simulando

turbantes (símbolo de luta e resistência do povo negro), sem contar que ainda

fazendo parte dos trotes opressores, veteranos dentro do bandejão (restaurante

Universitário) tiraram os garfos dos calouros, obrigando-os a comer apenas de facas.

234

Ainda nesse ambiente presenciamos hinos Homolesbobitransfóbicos e machistas que

foram cantados junto a pressões para que os calouros seguissem o que era ditado.

Este cenário evidencia as pressões que agem sobre os calouros que são

implicitamente obrigados a participarem dos atos visando à integração.

Algumas pessoas negras ao verem este ato de racismo e opressão na universidade,

sentiram-se violentadas e oprimidas, uma vez que a atitude tomada pelos sujeitos

que fizeram os trotes promovendo Black faces (pintando os corpos de negros,

usando turbantes, se” fantasiando” de pessoas pretas) ridicularizou a existência e

humanidade de todo o povo negro.

Esse tipo de atitude que presenciamos e sofremos, não ocorre apenas durante a

calourada, mas sim cotidianamente, e é mais um reflexo do caráter racista e elitista

da Universidade que assim como a sociedade brasileira, funciona pautada no

racismo estrutural e estruturante, além da falsa ideologia da democracia racial.

Ao não tomar atitudes efetivas para o combate ao racismo no meio acadêmico, a

UNICAMP aceita tacitamente a discriminação racial imposta à população negra, e

passa a reproduzir no meio acadêmico as mazelas que encontramos na sociedade

como um todo.

P.S: Na camiseta do estudante de engenharia, entre outras coisas, lê-se: "Xupa

cozinheira, Xupa pica-fio, Xupa servente de pedreiro (...) Xupa bóia-fria".

#13deMaionãoédiadeNegro! #AhBrancoDáUmTempo!

Sobre o caso de racismo praticado por um segurança do Supermercado Dia%

contra uma mulher negra, o Núcleo publicou em sua rede social uma “Nota de Repúdio aos

casos de racismo na rede dia de supermercados e em recintos comerciais de Campinas”:

Nós, membras e membros do Núcleo de Consciência Negra da Unicamp,

expressamos nossa solidariedade à companheira Rosana Meneses, vítima de racismo

em um dos supermercados Dia% de Campinas no dia 25 de maio. Ela foi abordada

por um segurança do supermercado que se apresentou como agente da polícia militar

a coagindo para que realizasse uma revista em sua bolsa, sob a “suspeita” de que

Rosana, mulher negra que estava de turbante no momento da abordagem, poderia ter

roubado um pacote de peixe.

Esta foi a justificativa para mais uma conduta racista em estabelecimento comercial,

mas apesar da burocracia jurídica impor barreiras tremendas para que nós, negros e

negras, registremos casos de racismo, Rosana contatou advogadas e registrou a

ocorrência no 1º Distrito Policial de Campinas. É oportuno lembrar que racismo é

crime e sua prática passou a ser considerada crime inafiançável e imprescritível. Os

crimes de racismo expressos na Lei n. 7.716/89 são inafiançáveis e consistem em

praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião

ou procedência nacional. A pena prevista é de reclusão de um a três anos, além de

multa. Ainda assim, os estabelecimentos comerciais insistem em perseguir seus

clientes negros e negras de forma sútil, como nas práticas constrangedoras de

conferir o dinheiro, e de forma explícita coagindo e fazendo revistas.

Diante disso, o Coletivo Lélia Gonzalez de Feminismo Negro Interseccional de

Campinas publicou uma denúncia nas redes sociais e convidou coletivos e

organizações para pensar um plano de ação contra este e outros casos de racismo,

relatados a partir da publicação da denúncia em sua página.

Assim, reiteramos nossa disposição em contribuir às ações de combate ao racismo

articuladas na reunião a convite do Coletivo de Feminismo Negro Lélia Gonzalez e

das Promotoras Legais Populares Cida da Terra, ontem, dia 29 de maio, na Casa

Sem Preconceito. Além do ato que está sendo programado em conjunto, convidamos

todas e todos a publicarem casos de racismo em estabelecimentos comerciais usando

a hashtag #RacismoTodoDia para que possamos pensar respostas coletivas a estes

casos.

“Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens”

235

Proverbio africano

Sigamos na luta!

Campinas, dia 1º de junho de 2018

Núcleo de Consciência Negra da Unicamp

Em meados de agosto de 2018 a Unicamp sofreu pichações racistas e fascistas,

amplamente veiculadas por diversas mídias – visual e escrita. Os alvos foram o Instituto de

Estudos da Linguagem (IEL) e o de Geociências que tiveram suas paredes, banheiros e

computadores pichados com suásticas, incitações racistas, apologias ao nazismo e à

supremacia branca e ameaças de massacre. Diante de tal violência, o Coletivo organizou um

“Ato e Manifesto contra o racismo e fascismo na Unicamp” a fim de, além de evidência o

caso, cobrar providências da reitoria. O ato ocorreu em forma de uma marcha que saiu de um

dos locais onde houve um dos casos de ataque racista, o novo prédio do Instituto de

Geografia, passando por outros pontos em que também houve ataques racistas/fascistas.

Figura 22 - Cartaz de divulgação do Ato contra o racismo e o fascismo na Unicamp

O Coletivo se mobiliza também em cobrar da Universidade ações de

enfrentamento ao racismo. Em 2016 foi lançado um Manifesto pela criação da Comissão

Permanente de Combate ao Racismo na Unicamp, disponível também em sua página na rede

social virtual.

Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo 7º

estabelece os direitos à proteção contra qualquer forma de discriminação e à

proteção contra incitamento à discriminação;

Considerando que a Declaração supracitada estabelece em seu artigo 22º que toda

236

pessoa tem direito à segurança social e “pode legitimamente exigir a satisfação dos

direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis”; e que o artigo 26º determina

que a educação deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todos

os grupos raciais;

Considerando que o Brasil é signatário da Declaração e Plano de Ação adotados na

III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia

e Intolerância Correlata, ocorrida no ano de 2001 em Durban, África do Sul;

Considerando que estamos no início da Década Internacional de Afrodescendentes

(2015-2024), estabelecida pela Organização das Nações Unidas;

Considerando as flagrantes desigualdades raciais apontadas por diversos indicadores

econômicos e sociais no Brasil;

Considerando o racismo estrutural que molda a sociedade brasileira, e que se

manifesta em todos os ambientes;

Considerando a Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu artigo 5º,

inciso XLII, a prática do racismo como crime;

Considerando as Leis Federais 7.716/1989 e 12.735/2012, que criminalizam os

preconceitos de raça ou de cor, inclusive as condutas realizadas por meio eletrônico;

Considerando que a UNICAMP vem sistematicamente descumprindo as Leis

10.639/2003 e 11.645/2008, que alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional no sentido de incluir a obrigatoriedade da educação para as relações

étnico-raciais e história e cultura afro-brasileira, africana e indígena em todos os

níveis de ensino;

Considerando a Resolução 1/2004 do Conselho Nacional de Educação, e o Parecer

3/2004 do mesmo Conselho, que instituem diretrizes curriculares nacionais para a

educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-

brasileira e africana;

Considerando a sub-representação de negras, negros e indígenas no corpo discente

da UNICAMP;

Considerando a sub-representação de negras, negros e indígenas no corpo docentes

da UNICAMP, que, de acordo com dados institucionais, são menos de 2% do total

de docentes;

Considerando a necessidade de a UNICAMP ser uma instituição verdadeiramente

inclusiva, tanto na composição de seus recursos humanos quanto na produção e

transmissão de conhecimento;

Considerando a insuficiência do sistema de bonificação adotado pela UNICAMP no

vestibular, em detrimento de um sistema de cotas;

Considerando que a UNICAMP é palco de manifestações racistas;

Nós, signatários do presente documento, nos manifestamos no sentido de propor à

UNICAMP a criação de uma Comissão Permanente de Combate ao racismo. Dada a

importância do tema e seu indubitável impacto social, temos a firme convicção de

que tal Comissão deve necessariamente ser integrada por setores engajados na luta

antirracista, tanto dentro quanto fora dos muros da Universidade. A integração com

os movimentos sociais em geral, e com os movimentos negros em particular, é

fundamental para que se possa empreender um combate sério e efetivo ao racismo.

Chamamos a UNICAMP a se incorporar a esta luta tão fundamental para a

construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Campinas, 21 de março de 2016

Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial

A importância das ações desenvolvidas pelo Núcleo é evidenciada nas respostas

ao questionário por integrantes que reconhecem o coletivo como um espaço de acolhimento,

denúncia do racismo, diálogo institucional e organização de atividades que fomentem o

combate ao racismo, conforme se pode observar a seguir:

O NCN representa na universidade um espaço de formação, acolhimento de

sujeitos negros, de educação do movimento estudantil (na medida em que muito

237

aprenderam/ainda aprendem sobre racismo na esquerda através de nossas

intervenções), um espaço de resistência e participação política, expressa nas

respostas a situações individuais de racismo e denuncia de seu caráter sistêmico nas

diferentes instancias da Universidade/ sociedade, através de reivindicações diretas

(foram inúmeras as vezes em que nos deparamos dialogando diretamente no

gabinete do reitor sobre diversas questões), de reorganização política/epistemológica

- a participação ativa de estudantes do NCN em todas as propostas de cotas já

aprovadas na universidade, seja em marchas e atos, seja na escrita dos textos dos

projetos de cotas é o exemplo mais recente e talvez emblemático disso. (sujeito 14,

mulher preta, egressa do ProFIS, graduanda em Química).

Fomento a ações políticas, interlocução entre os movimentos negros e a reitoria da

Unicamp, espaços de acolhimento para estudantes negros e negras, denúncia de

ações racistas no âmbito universitário, dentre outras (sujeito 15, homem, negro,

mestrando).

Os dois coletivos [NCN e FPF] realizam reuniões ordinárias, organizam mesas e

atividades de combate à discriminação, formação de professores e de estudantes em

escolas públicas e também se coloca como um lugar de enfrentamento ao ódio

que, não raramente, acontece dentro e fora da universidade (sujeito 20, homem

negro, egresso do curso de ciências sociais e atualmente mestrando).

Para a entrevistada, fundadora do NCN, os 6 (seis) anos de atuação do Coletivo

Contribuiu para a melhora da qualidade de vida de estudantes negros e negras e

mostrou a importância da diversidade racial na universidade. Através dos debates

encabeçados pelo NCN o racismo na UNICAMP ficou explícito, algo que era

sempre foi escamoteado. Vejo que tivemos conquistas para além das cotas e que o

NCN deve aumentar de importância no próximo período com a diversificação do

perfil racial na universidade.

As respostas evidenciam a importância de uma política de ação afirmativa de

permanência que não se resuma a uma perspectiva assistencialista, na qual os beneficiados

não passem de objetivo da política, sem poder alçar o lugar de sujeitos com vozes próprias se

busca, de fato, transformar as desigualdades raciais. Assim, a práxis do Núcleo de

Consciência Negra da Unicamp se revela também como espaço de política de permanência

uma vez que acolhe e coloca em disputa na universidade as histórias e trajetórias de vida das

pessoas negras e suas referências culturais, além de contribuir para o entendimento de forma

crítica das dinâmicas do racismo e da exclusão social na sociedade brasileira e também na

universidade, que marcam os corpos e percursos, para que a partir daí possam construir novos

posicionamentos (MAYORGA, SOUZA, 2010).

O Núcleo de Consciência Negra, em parceria com a Frente Pró-Cotas, teve ainda

um papel ativo na luta pela adoção da Política Pública de Cotas tanto nos cursos de pós-

graduação, como para a graduação, seja pela promoção de debates e rodas de conversa sobre a

temática, como na mobilização em datas importantes de tomada de decisão institucional. Este

fato é também narrado, assim como na Frente Pró-Cotas, como uma grande conquista do

238

Núcleo

Acredito sem sombra de dúvidas que [a maior conquista] foi a aprovação das cotas,

inicialmente na pós-graduação do IFCH, depois em outros institutos, e mais

recentemente, as cotas da graduação da UNICAMP. Esse processo teve a

participação de outros setores do movimento estudantil, e inclusive não podemos

deixar de levar em conta o papel que a ocupação da reitoria de 2013 teve, ao impedir

a entrada da polícia no CAMPUS, para o processo de 2016, pois seria praticamente

impossível construir uma greve como aquela se a polícia estivesse na universidade.

Mas sem sombra de dúvidas o NCN foi o grande responsável por colocar a proposta

de cotas, sempre tão marginalizada, na linha de frente das exigências da greve e

inclusive fomos nós os responsáveis direitos por educar a universidade sobre a

temática, passando toda a greve percorrendo a Universidade e fazendo espaços de

discussão sobre a temática em praticamente todos os cursos da UNICAMP. Esse

processo educativo serviu para que boa parte da comunidade acadêmica fosse

convencida da necessidade de cotas e acontecesse a aprovação massiva da pauta nas

assembleias dos cursos, fortalecendo a greve que depois culminaria nas audiências

públicas, também organizadas sobretudo pelo NCN e frente pró-cotas, enfim, todo o

processo (Sujeito 14, mulher preta, egressa do ProFIS e graduanda). [grifo nosso].

NCN da Unicamp: Aprovação das cotas raciais e do vestibular indígena na

graduação da Unicamp; aprovação das cotas em PPGs de várias unidades, derrota do

PIMESP há alguns anos. (sujeito 15, homem, negro, mestrando).

239

Figura 23 - Cartaz de divulgação para o Ato de Mobilização para aprovação do Projeto que previa a

inclusão de cotas na graduação da Unicamp (21/11/2017)

240

O Núcleo de Consciência Negra pauta discussões das quais, historicamente a

universidade se isentou, seja pela incapacidade de diálogo real com a sociedade formada por

pessoas que, muitas vezes, desconhecem a existência da Unicamp como instituição de ensino

superior, seja sob o viés da neutralidade epistemológica. De tal modo, diante do fascismo que

se escanara na sociedade e atinge principalmente pessoas negras, LGBTTs e mulheres, o

Núcleo lançou uma nota se posicionando contra a ameaça fascista.

Figura 24 - Nota do NCN contra a ameaça fascista

Diante da barbárie, da violência e da ameaça da eleição de um governo autoritário,

não poderíamos fugir da nossa história de luta por uma sociedade mais justa e livre

de opressões.

Vivemos tempos bicudos em que a possibilidade de expressar posições políticas está

sendo expurgada por um ódio autoritário de feições fascistas, cuja concretização

ceifou a vida do Mestre Moa do Katendê, quando ele declarou seu voto no Partido

dos Trabalhadores e foi brutalmente assassinado a facadas. Cenas de agressões,

ameaças de morte, humilhações e coação estão ocorrendo nos 4 cantos do país.

Sobre estes casos, apontamos dois fatores em comum: 1) os alvos principais são

pessoas negras, LGBTs, mulheres e, também, qualquer um que expresse apreço pela

democracia, pelo respeito e pela diversidade; 2) os agressores são eleitores do

candidato que desponta nas pesquisas eleitorais, aos gritos de "Bolsonaro

presidente!", eles gritam, batem, humilham e até assassinam.

Chamamos a atenção para o fato de que estas ações estão absolutamente de acordo

com as posições que Bolsonaro defendeu durante seus 30 anos de carreira como

raposa da velha política (ainda que ele minta se colocando como novidade). Uma

rápida pesquisa desmascara seu racismo e seu ódio pelos LGBTs e mulheres. O

candidato da violência não esconde sua vontade de dar carta branca para que

policiais matem.

Nesse contexto tão grave, sabemos que o ódio não está na essência das pessoas,

portanto ele pode ser acalentado e direcionado para uma busca incansável pelo bem

241

viver. Assim, há diferenças entre os eleitores que defendem o amor e a justiça, mas

que votaram em Bolsonaro por ele encarnar uma pretensa cruzada contra a

corrupção, entre aqueles que votam por desinformação ou por acreditarem que ele é

a solução dos nossos problemas sociais e econômicos. Todavia, há aqueles que

votam no Bolsonaro, pois sabem que ele defende a tortura, vai manter os privilégios

de uma elite, vai aumentar os impostos dos pobres, vai ampliar o encarceramento da

juventude negra e periférica, vai (como o próprio Bolsonaro disse após o 1º turno)

"acabar com o ativismo no Brasil". Sobre estes eleitores convictos já não há o que

fazer.

Por isso, convocamos todas e todos para que alertem seus amigos, companheiros e

familiares. Bolsonaro não é a solução e o descontentamento por erros do PT não

justifica fechar os olhos para as mortes, para o sofrimento que já estamos

presenciando e, sobretudo, para o que virá se o ódio vencer.

Estamos entre um projeto que respeita a democracia e um projeto da barbárie.

Sigamos junt@s

Pela Marielle!

Pelo Mestre Moa do Katendê!

Por todas e todos que morreram na luta por um mundo melhor!

#EleNão #ContraOFascismo #BolsonaroNão

242

5. Considerações finais

Ao nos debruçarmos sobre o pensamento decolonial, compreendemos melhor

como a Europa, durante o processo de colonização, impôs um sistema-mundo baseado em

hierarquias que colocam o homem branco, heterossexual, cristão, capitalista e militar nas

posições de poder e domínio. Estas hierarquias – racistas, machistas, lgbttfóbicas etc. – se

mantém apesar do fim jurídico e político do período colonial no que se denomina

colonialidade, sendo o racismo o princípio organizador das demais estruturas deste sistema-

mundo construído sobre o genocídio e exploração dos povos nativos e colonizados.

A produção de conhecimento e a universidade em particular impulsionam a

reprodução de tais valores, uma vez que seguem a tradição eurocêntrica que traz em si uma

visão de sociedade, humanidade e realidade que legitima apenas o que foi produzido pela

Europa ou dentro de seus cânones, numa perspectiva epistemológica da geopolítica racista ;

de dominação de formas de pensar, sentir e agir e de tentativa de extermínio e silenciamento

de outras expressões e conhecimentos que acabam diminuídos ao status de crendices.

Entretanto, o sistema-mundo constituído com os processos de colonização não foi

capaz de evitar os processos de resistência desde o período da escravidão e que seguem até a

atualidade nos diversos movimentos dos grupos não hegemônicos tais como movimentos

negro; feminista; LGBTTQ; etc.. É neste cenário que a luta dos movimentos negro conseguiu,

ainda que tardiamente, ao final da década de 90, o reconhecimento institucional brasileiro

sobre a existência do racismo. A partir disto, algumas pautas foram sendo conquistadas como

a implementação de políticas públicas de ação afirmativa das Leis 10.639/03, 11645/08 e

12.711/12 as quais, respectivamente, buscam tirar do ocultamento as Histórias e Culturas

Africanas, Afro-brasileiras e Indígenas e possibilitar uma equidade no acesso ao ensino

superior ao povo negro e indígena a partir da implementação da Política de Cotas.

Dentro desse contexto, buscamos responder os efeitos de tais políticas em duas

universidades públicas brasileiras – UFSCar e Unicamp. A pesquisa nos mostrou que as

universidades, apesar de terem pontos em comum tais como data de criação, localização dos

campi em cidades do interior e terem seus princípios voltados para o conhecimento

tecnológico de ponta, elas se diferenciam na ideologia e na implementação de suas políticas

de ação afirmativa.

A filosofia que conduziu e conduz a política de ação afirmativa na UFSCar, além

243

de democrática, uma vez que foi fortemente marcada pela participação da comunidade

acadêmica com seminários e discussões, tem a ênfase na busca de inclusão de grupos

minorizados e historicamente excluídos, tendo em vista a equidade social, resultando em uma

política de cotas que começou a vigorar em 2008 e alcançou no ano de 2014 a meta

estabelecida pela Lei 12.711 para 2016 de ter 50% de estudantes oriundos de escolas públicas

ingressantes em todos os cursos da universidade, sendo destes, 35% autodeclarados

negros(as). Além disso, há uma vaga adicional em cada curso de graduação destinada a

pessoa de etnia indígena brasileira, ocupada a partir de um vestibular próprio que respeita as

particularidades da população indígena em consonância com o Artigo 210, § 2º da

Constituição Federal que assegura às comunidades indígenas a utilização de suas línguas

maternas e processos próprios de aprendizagem.

A Secretaria Geral de Ação Afirmativa, Diversidade e Equidade (SAADE),

instituída em 2015 na UFSCar é outro ponto de destaque, uma vez que a secretaria é

vinculada à Reitoria da Universidade e tem como objetivo o estabelecimento e implementação

de políticas de ação afirmativa, diversidade e equidade, bem como criar mecanismos

permanentes de acompanhamento e consulta à comunidade. Assim, compreendemos que a

busca pela inclusão, diversidade e equidade na UFSCar é pauta institucionalizada e abranges

diversos segmentos marginalizados da sociedade como negros e negras, indígenas, pessoas

com deficiência e LGBTT, rompendo com a lógica colonial que historicamente exclui dos

espaços de poder estas pessoas.

Na Unicamp, o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social – PAAIS foi

pensado a partir de uma pesquisa que demonstrou que estudantes oriundos de escolas públicas

obtinham ao final dos cursos de graduação um melhor coeficiente de rendimento. Foi dentro

da perspectiva de busca das “melhores cabeças” e da meritocracia, sem levar em consideração

o critério de renda, que o PAAIS foi implementado, apesar de já haver dentro da universidade

a discussão acerca da necessidade de se implementar uma política de cotas a fim de garantir a

equidade no acesso à universidade em todos os cursos, conforme demonstra a Ata de

Aprovação do Programa em 2004. Neste cenário, o que se percebe é que nos primeiros dez

anos do PAAIS, o percentual de ingressantes oriundos de escolas públicas, pessoas negras e

indígenas não se alterou significativamente. Nos dois últimos anos do Programa, após a sua

reformulação com a adição do bônus já na primeira fase do vestibular, houve um aumento

significativo de egressos de escolas públicas matriculados na Unicamp, no entanto, além desta

política não garantir a o mesmo percentual para os anos seguintes, a inclusão acontece de

244

forma desigual entre os cursos, diferente do que ocorre com a Política de cotas.

Nossa crítica se direciona ainda ao fato de que que, enquanto a política de cotas

reconhece o problema da diferença e da desigualdade histórico-social no Brasil como

estrutural e busca reverter alguns marcadores de exclusão por meio de reserva de vagas para

pessoas de escola públicas, com baixa renda, negras e indígenas, ou seja, altera as estruturas

das universidades, a fim de corrigir as desigualdades, o PAAIS, foca o problema da exclusão

nas aptidões individuais, deixando a cargo do sujeito a solução para a superação das

desigualdades, ignorando, desta forma, as hierarquias construídas no sistema-mundo que

mantém em situação de desvantagem socioeconômica e cultural principalmente pessoas

negras e indígenas.

Apesar disso, a criação dos coletivos e, particularmente, a experiência da

Unicamp com a Frente Pró-Cotas e o Núcleo de Consciência Negra, demonstra que as

políticas afetam a universidade ao trazerem novos sujeitos com novas agendas políticas e

demandas, como foi a conquista pela Política de Cotas na Unicamp protagonizada pela Frente

Pró-Cotas, política que passou a vigorar no vestibular para o ingresso deste ano, 2019.

A atuação dos coletivos evidenciam ainda a mudança de postura de estudantes

negros ao longo de pouco mais de uma década. A pesquisa de Souza (2006) mostrou que os

estudantes negros da Unicamp entrevistados entre os anos de 2003 a 2005 não avaliavam

positivamente a reserva de vagas para os negros nas universidades públicas. A autora explica

que estes consideravam mais justo beneficiar os estudantes pobres, independente de seu

pertencimento étnico-racial, pois os mesmos compreendiam o problema do reduzido número

de negros no ensino superior, como socioeconômico e não racial. Os entrevistados

demonstravam ainda temor quanto às consequências que as cotas poderiam gerar no ambiente

acadêmico, pois, segundo estes, os cotistas seriam vítimas de discriminação e, por fim,

endossam a ideologia da meritocracia. Para “estes entrevistados, sua experiência pessoal serve

de parâmetro para avaliar que qualquer um que se esforce passa pelo vestibular com êxito.

Tudo é uma questão de empenho pessoal, pois os negros têm tanta capacidade quanto

qualquer outro grupo étnico-racial.” (SOUZA, 2006, p. 87). De encontro a esta ideia, temos

em 2012 a criação da Frente Pró-Cotas que tem entre suas principais conquistas: a

implementação de uma política de cotas na Unicamp!

Além disso, a pesquisa empírica mostrou a importância dos coletivos para

acolhimento e sociabilidade dos e das estudantes negros e negras, e como estes constroem

novas narrativas, novas estéticas e novas epistemologias com a organização de eventos que

245

trazem à universidade novas perspectivas teóricas e metodológicas de ensino e pesquisa,

como é o caso do evento “Quem tem cor age” na Unicamp e o EECUN – Encontro Nacional

de Estudantes e Coletivos Negros, por exemplo, o que já revela novas práticas e temáticas

sendo evidenciadas.

O EECUN foi planejado pelo CONAJIR em 2015 com o objetivo de debater os

problemas nas políticas de permanência estudantes na universidade. A ideia surgiu no “Fórum

Nacional de Encontro da Juventude Negra” quando três estudantes de diferentes universidades

– UFSCar, UFRJ e UFPR – se encontraram e tiveram a ideia de caminhar numa pauta

específica de debater a permanência universitária. A ideia ganhou corpo e passou a envolver

diversos estudantes negros de diversas universidades brasileiras148

.

Apesar dos entraves burocráticos, como a impossibilidade de realização do

encontro na UFSCar, uma comissão organizadora, composta por cerca de 50 estudantes de

diferentes universidades brasileiras, levou à cabo a tarefa de realizar o Encontro que

aconteceu entre os dias 13 e 16 de maio de 2016 na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Figura 25 - EECUN - UFRJ

148 Vídeo disponível no ALMA PRETA - https://www.youtube.com/watch?v=visIpExQOaA

246

Na legenda da foto do “I Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Negros” a

citação de Steve Biko: “Ao dizermo-nos negros, iniciamos um caminho em direção da

emancipação, que desemboca em comprometimento para lutar contra os que se referem à cor

negra de nossa pele, como se essa fosse carimbo que nos marcaria como destinado a ser

sobreviventes”.

O evento repercutiu em diversas mídias, como na Revista Fórum, por exemplo,

que trouxe o texto do estudante Leopoldo Duarte “EECUN – minhas definições de academia

foram denegridas149

Tal como nos quilombos, era de se admirar toda a diversidade do nosso povo: casais

negros gays e lésbicos eram mais fáceis de se ver que nas festas LGBT “para todos”

que costumava frequentar; os closes e tombamento das não-binárias no bandejão

também foram assimilados rapidamente; assim como o respeito a identidade das

pessoas trans estampava os crachás. Também não foi difícil perceber a excelente

recepção das mães e pais que trouxeram seus (e nossos) pequenos; a nada

complicada convivência de todos os mais diferentes fenótipos da negritude; o

diálogo entre os diversos campos do conhecimento; e a fortificante sensação de estar

entre os nossos. De não estar “fora do ninho” numa instituição, ao menos

teoricamente, do povo.

Terminados os três dias, a impressão que ainda tenho é de que nada mais poderá ser

como antes e que dali todos saímos mais confiantes em soluções mobilizadas. E que

os desafios podem ser muitos. Contudo, sem sombra de dúvidas, tanto espiritual

quanto intelectual e comunitariamente não andamos só. Não apenas por termos uns

aos outros, mas por termos aprendido a nos ver uns nos outros nessa jornada de

(re)construção um conhecimento que nos contemple e não nos ignore, nos trate

como “recorte” ou nos resuma a estatísticas sem vida interna e indiferentes aos

abalos provocados pelas estruturas racistas.

Posso ter descoberto só agora o sonho de uma universidade menos branca e

eurocêntrica, mas serei eternamente grato aos produtores que proporcionaram a

tantos pretos e pretas a experiência única que pudemos vivenciar nesse final de

semana. Mais do que nunca tenho a certeza de que denegrir o meio acadêmico pode

ser algo tão revolucionário quanto prazeroso. E que vontade não nos falta e nem

amparo. Tanto da ancestralidade quanto teórica. (DUARTE, 2016150

).

Este encontro mostra a potência dos Coletivos Negros que se fortalecem e, apesar

das adversidades, constroem novas agendas nas e entre as universidades.

Outro ponto que queremos evidenciar é a inclusão indígena na UFSCar por meio

de vestibular próprio com uma vaga para cada curso que acabou por levar à criação do Centro

de Culturas Indígenas criada por estudantes indígenas, responsáveis pela promoção, desde o

ano de 2015, da Semana dos Estudantes Indígenas da UFSCar. Além disso, estes estudantes

conseguiram, a partir de estudos dos vestibulares anteriores, que a partir de 2015 o vestibular

149 Intelectuais negros tem ressignificado a palavra “denegrir”, não mais como uma referência negativa, mas

como a positividade em “se tornar negro”. 150

https://www.revistaforum.com.br/osentendidos/autor/leodu/

247

indígena acontecesse em quatro capitais e não mais apenas na UFSCar de São Carlos.

Infelizmente, não conseguimos acessar maiores informações e ter contato empírico com

integrantes indígenas, no entanto, apenas estes dados já revelam como estes sujeitos, antes

majoritariamente excluídos, alteram as lógicas e as demandas da Universidade.

As pesquisas dos sujeitos respondentes dos questionários apontam que há novas

temáticas emergindo no cenário acadêmico brasileiro e também um diálogo com as Leis

10.639/03 e 11.645/08. Temas como “cultura afro-brasileira”; “encarceramento em massa e

genocídio da juventude negra brasileira”; “sociabilidade negra LBGT”; “Aquilombamento”;

“representatividade negra nos cordéis”; “Família, preconceito racial e afeto”;

“Afrocentricidade” e “Afetividade negra” são alguns exemplos de “saberes emancipatórios”

que, de acordo com Gomes (2017, p. 136) nos ajudam a conhecer e compreender novos

processos de produção do conhecimento e outros conhecimentos e nos pressiona a repensar

conceitos, termos e categorias analíticas por meio dos quais os processos educativos têm sido

interpelados pela racionalidade científico-instrumental.

Consideramos que essas são experiências decoloniais uma vez que trazem à tona a

fala e experiência de sujeitos antes silenciados tanto pela hierarquia racista que impedia que

chegassem à universidade, como pelo rigor da tradição eurocêntrica de produção do

conhecimento que desvalorizava as produções intelectuais destes grupos.

Assim, para além da denúncia, ainda em tempo, das desigualdades raciais que se

traduzem em desigualdade econômica-social e de acesso a serviços, dentre eles, o acesso ao

ensino superior; para além da denúncia do racismo que se acirra com o ingresso de pessoas

negras e indígenas nas universidades em publicações on line e pichações no campus,

buscamos, em tempos de tantas distopias, manter a utopia151

que nos mantém a caminhar.

Buscamos com esta pesquisa mostrar como caminhos mais democráticos e inclusivos são

possíveis e que não se pode mais pensar uma universidade que não represente a sociedade em

sua totalidade, mantendo-a sob a ilusão da ideologia da democracia racial, jamais existente

neste país.

Esta pesquisa nos mostra quão limitada é uma universidade que não se abra a

receber a diversidade própria da experiência humana. Temas, autores e epistemologias antes

151 "A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se

distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei, porque ela vai se distanciando quando mais

me aproximo. Para que serve, então? Pois a utopia serve para isso, para caminhar!" Fernando Birri (diretor de

cinema argentino – disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8>)

248

ignorados começam a ganhar corpo enriquecendo o escopo acerca do conhecimento. De tal

modo, diante do cenário nacional e internacional que aponta para retrocessos no âmbito dos

direitos sociais, encolhimento das políticas públicas universalistas, reforma trabalhista

precarizando as condições de trabalho, salário e contrato, lógica privada regulando todas as

esferas produtivas e institucionais, ressurgimento de movimentos neoconservadores e

aprofundamento de intervenções neoliberais; a pesquisa se afirma como relevante e

visionária.

Paulo Freire (2006) diz:

Os recuos não são um transito para trás. Retardam-no ou destorcem-no. Entretanto,

os novos temas e as novas visões reprimidas nos recuos “insistem” [...] até que

alcancem a sua plenitude e a sociedade então se encontrará em seu ritmo de

mudanças [...] em que o homem e a mulher se humanizem cada vez mais (p. 56).

Por isso mesmo, existir é um conceito dinâmico (p. 68).

A educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, se

caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de

explicações mágicas por princípios causais. Por procurar testar os achados e se

dispor a revisões. Por despir-se ao máximo de preconceitos na análise dos problemas

e, na sua apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Pela recusa a posições

quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo (p. 69).

O povo tem assistido bestificado aos mais recuos do processo brasileiro [...] mas

começa a entender que os recuos estão se fazendo por causa dos seus avanços.

Começa a entender que era a sua crescente participação nos acontecimentos políticos

brasileiros que assustava as forças irracionalmente sectárias, ameaçadas nos seus

privilégios com a participação popular.

Assim, desejamos que mais que um emaranhado de palavras organizadas

metodologicamente com citações, esta pesquisa seja também – ainda que utopicamente –

parte de uma educação dialogal e ativa, que se coloque como resistência frente aos recuos que

já começamos a enfrentar. Que esta tese não nos deixe esquecer que os recuos estão se

fazendo por causa dos avanços, alguns dos quais aqui apontados e que, portanto, devemos

manter a utopia da construção decolonial que preza por um mundo que seja capaz de romper

com as hierarquias raciais, políticas, econômicas e de gênero construídas sob séculos de

colonialismo europeu no mundo (GROSFOGUEL, 2012).

249

6. Referências

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267

7. APÊNDICES

7.1. Questionário

Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa intitulada: Políticas Públicas de

Ação Afirmativa: possibilidades decoloniais no Ensino Superior, desenvolvida no Programa de Pós-

Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp pela doutoranda Mirian Lúcia Gonçalves sob

orientação da Profa. Dra. Debora Mazza.

2.- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Este documento visa assegurar seus direitos como participante. Por favor, leia com atenção e calma e

esclareça suas possíveis dúvidas com a pesquisadora. Não haverá nenhum tipo de penalização ou

prejuízo se você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.

Participando do estudo você está sendo convidado a preencher o questionário a seguir. Desconfortos e

riscos: Essa pesquisa não apresenta riscos físicos para os seus participantes, e caso haja algum

desconforto emocional/psicológico o(a) participante pode optar por não participar da pesquisa ou

interrompê-la em qualquer momento.

Benefícios: Esta pesquisa não implica em benefícios diretos aos participantes.

Acompanhamento e assistência: Caso haja algum desconforto o participante pode optar por não

participar da pesquisa. O pesquisador responsável estará disponível para garantir mecanismos de

acompanhamento e assistência, inclusive após o encerramento ou interrupção da pesquisa.

Sigilo e privacidade: Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma

informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores (doutoranda e

orientadora apenas). Na divulgação dos resultados desse estudo, sua identidade não será citada de

forma alguma.

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO: Após ter recebido esclarecimentos sobre a

natureza da pesquisa, seus objetivos e métodos:

SIM, eu aceito participar

Eu NÃO aceito participar

PARTE 1 - DADOS PESSOAIS

2. Como você se descreve em termos de raça/cor e gênero?

3. Grau de instrução dos(as) responsáveis (R) (indique o grau de parentesco com os(as)

responsáveis):

R1: R2:

Não frequentou Não frequentou

Fundamental incompleto Fundamental incompleto

Fundamental completo Fundamental completo

Seguinte->

268

Ensino Médio incompleto Ensino Médio incompleto

Ensino Médio completo Ensino Médio completo

Superior incompleto Superior incompleto

Superior completo Superior completo

Parte 2 – VIDA ACADÊMICA

5. Qual seu ano de ingresso na graduação da UFSCar/ Unicamp?

2011 ou antes

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

6152

. Você ingressou na UFSCar utilizando o sistema de cotas? Sim

Não

Prefiro não responder

6.1. Se você respondeu SIM na pergunta anterior, você utilizou uma política baseado nos

critérios (assinale todos que você se insere):

Sim, como egresso/a de escola pública

Sim, como pessoa negra

Sim, como pessoa indígena

Sim, renda familiar per capta igual ou inferior a 1,5 salário

mínimo

Não utilizei o sistema de cotas

Prefiro não responder

7. Como você se mantém financeiramente na Universidade? (Assinale todas as formas de renda que

você tem)

Auxílio financeiro da família

Assistência Estudantil da Universidade

Iniciação Científica financiada pela Capes, CNPq, Fapesp ou outro órgão de fomente à

pesquisa

Trabalho meio período – em atividade sem relação profissional com o curso

Trabalho meio período – em atividade com relação profissional com o curso

Trabalho período integral – em atividade sem relação profissional com o curso

Trabalho período integral – em atividade com relação profissional com o curso

Estágio remunerado

152 Apenas no questionários enviados aos Coletivos da UFSCar

269

Outra (Por favor especifique)

7.1. Se você recebe ou recebeu Bolsa Assistência estudantil, por favor, indique qual(is) e se

você é ou foi beneficiário(a) marcando S para SOU BENEFICIÁRIO e F para FUI

BENEFICIÁRIO.

Bolsa Atividade

Bolsa Alimentação

Bolsa Moradia

Bolsa Emergencial

Bolsa Permanência

8. Na UFSCar/Unicamp você é ou foi estudante de? Graduação

Mestrado

Doutorado

9. Qual o curso você está atualmente matriculado(a)?

10. Nas disciplinas obrigatórias do seu curso, você teve, ou sabe se o currículo contempla a

História e Cultura Africana, Afro-brasileira e/ou Indígena (obrigatórias a partir das Leis

10.639/03 e 11.645/08)? Comente:

11. Você está ou já esteve vinculado(a) a alguma pesquisa? Sim, Iniciação Científica (IC)

Sim, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Sim, Pesquisa de Mestrado

Sim, Pesquisa de Doutorado

Não

Outra (Por favor, especifique)

12. Se você respondeu sim à pergunta anterior, qual é o tema da sua pesquisa? Por que você o

escolheu para esta pesquisa? Teve alguma dificuldade para desenvolvê-lo? Comente:

270

13. Você participa ou participou de algum coletivo que contemple questões de raça/cor/gênero

na UFSCar? Qual? Há quanto tempo?

14. Por que, como e quando surgiu o Coletivo que você participa/participou? (por favor,

indique o Coletivo na sua resposta).

15. Por que você decidiu fazer parte do(s) Coletivo(s)? (por favor, indique o(s) coletivo(s).

16. Quais as principais atividades do(s) Coletivo(s)? (por favor indique o(s) coletivo(s).

17. Qual foi a maior conquista do(s) Coletivo(s)? (por favor, indique o(s) Coletivo(s). Conte

com o máximo de detalhes possíveis.

18. Para as afirmativas a seguir, assinale a alternativa que corresponde à sua avaliação sobre a

participação no(s) coletivo(s) sendo 1 discordo totalmente, 2 discordo, 3 indiferente, 4

concordo, 5 concordo totalmente e NA para não se aplica:

1 2 3 4 5 NA

Participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para

minha adaptação e/ou permanência na Universidade.

Participar do(s) Coletivo(s) foi fundamental para

271

minha adaptação e/ou permanência no curso.

O Coletivo foi o espaço onde encontrei grande parte

das minhas amizades na universidade.

O tema de pesquisa que desenvolvo (ou penso em

desenvolver) tem relação com minha vivência e

atuação no(s) Coletivo(s).

O(s) Coletivo(s) me fortalece(m) pessoalmente/

emocionalmente.

O(s) Coletivo(s) me fortalece(m) academicamente.

O(s) Coletivo(s) já me ajudaram a enfrentar situações

de racismo na universidade e/ou fora dela.

Compreendo o(s) Coletivo(s) como uma militância

política .

A atuação do(s) Coletivo(s) ajudam a alterar as lógicas

eurocêntricas da Universidade.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para

estudos e discussões acadêmicas.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para a

sociabilidade e lazer.

O(s) Coletivo(s) é(são) espaço(s) importante(s) para

discussões e atuações políticas.

As atividades promovidas pelo(s) Coletivo(s)

enriquecem minha formação pessoal.

19. Há alguma coisa que não foi perguntada sobre a sua vivência na universidade e/ou no(s)

Coletivo(s) que você gostaria de comentar?

7.2. Entrevista – Frente Negra UFSCar

Identifique-se sobre seu gênero, idade e autodeclaração racial

Curso:

Como surgiu a ideia de criar a Frente Negra – UFSCar? Quais eram as pessoas envolvidas

(estudantes, professores/as, funcionários/as...?)

Quais eram/são os objetivos da Frente? Eles mudaram do momento da criação até agora?

Quais eram/são as principais atividades da Frente?

272

Qual você considera a maior conquista da Frente?

Quais os projetos/planos da Frente a partir de agora?

7.3. Entrevista – Núcleo de consciência Negra – Unicamp

Como foi o processo de fundação do Núcleo de Consciência Negra da Unicamp (motivações,

objetivos...?)

Quantos e, de forma geral, qual era o perfil das pessoas engajadas no Núcleo à época da

criação e ao longo destes 6 anos?

Como você analisa os 6 anos de atuação do Núcleo de Consciência Negra?