O USO DE MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA FORMAÇÃO INICIAL...
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O USO DE MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES REFLEXIVOS
Maria Candida Varone de Morais CAPECCHI, Universidade Federal do ABC.Marissel MARQUES, Universidade Federal do ABC.
Relato de ExperiênciaFAPESP/CnPQ
1.Introdução
A reflexão sobre a experiência de ensino que será apresentada neste artigo
compreende as aulas da componente curricular Questões Atuais no Ensino de Ciências,
comum aos Cursos de Licenciatura em Biologia, Filosofia, Física, Matemática e Química
e aos Bacharelados Interdisciplinares da Universidade Federal do ABC e oferecida com
trinta vagas no terceiro quadrimestre letivo de 2014.
A Universidade Federal do ABC está localizada no município de Santo André,
Estado de São Paulo - Brasil. Esta instituição, criada em 2005, tem um enfoque
tecnológico e interdisciplinar, apresenta uma nova proposta para a educação superior
brasileira, baseada na visão sistêmica que visa à integração das diversas áreas do
conhecimento (Projeto Pedagógico da UFABC; 2006, p.2). A universidade é composta
pelos Centros: Centro de Ciências Naturais e Humanas; Centro de Matemática,
Computação e Cognição e Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais
Aplicadas. O acesso é através dos Bacharelados Interdisciplinares, com a opção para o
Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia ou o Bacharelado em Ciências e
Humanidades. Sendo que o estudante somente após concluir a formação em um do
Bacharelados é aceito na candidatura de estudante para as Licenciaturas, no entanto a
seleção é feita através de regime interno. As Licenciaturas tem como missão “Promover o
avanço do conhecimento através de ações de ensino, pesquisa e extensão, tendo como
fundamento básico a interdisciplinaridade, a excelência e a inclusão social.” (Projeto
Pedagógico da Licenciatura em Ciências Biológicas; UFABC, 2006, p.6).
A estratégia da estrutura curricular dos Bacharelados e das Licenciaturas confere
a cada curso uma matriz curricular contendo disciplinas obrigatórias, disciplinas de opção
limitada, específicas para determinados cursos, e disciplinas livres, que compreendem
todas as disciplinas oferecidas a cada quadrimestre por todos os cursos e atividades
extracurriculares, que contemplam o estágio e a participação em atividades
acadêmico/científico e culturais. Dessa maneira, o currículo possibilita uma mobilidade
para a composição dos créditos entre as disciplinas livres e atividades extracurriculares
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conforme a vocação e o interesse de cada estudante, o que torna única a trajetória de
cada um na universidade.
A proposta da disciplina aqui relatada, de opção limitada para os cursos de
Licenciatura da UFABC e opção livre para os demais, foi voltada para a reflexão sobre
diversos temas, com a finalidade de fornecer um panorama sobre a produção atual das
pesquisas nas áreas de Ensino de Ciências e Matemática publicados em anais de
eventos e periódicos dessas áreas. Os temas foram: a interdisciplinaridade; abordagens
investigativas; analogias; argumentação; história da ciência; avaliação; conhecimento dos
professores; materiais didáticos; modelos e visualizações e natureza do conhecimento
científico, todos no âmbito do ensino de ciências e matemática.
Pretendíamos através da experiência criar condições para a produção e
construção de conhecimento, incitar a reflexão por meio da integração em um espaço
que favorecesse a expressividade, reiterada a reflexão à necessidade da ética, para se
produzir novas visões sobre as relações entre professor-aluno.
Consideramos que as aulas dessa disciplina configuraram-se como um espaço
privilegiado devido às práticas e procedimentos adotados, que compreenderam o uso de
múltiplas linguagens para se apresentar os temas acima descritos, e que este relato
poderá fomentar uma discussão sobre o processo pedagógico de ensino-aprendizagem,
pois, mesmo que de forma inicial, promoveu-se, entre os participantes, a autonomia para
a pesquisa, essencial para uma formação de professor; a reflexividade, que ocorreu por
meio do debate em sala de aula, pelas respostas dos estudantes sobre cada tema
apresentado pelas equipes e pela autoavaliação; fomento ao trabalho interativo e, sendo
esta a faceta mais importante, o estímulo à criatividade, por meio do uso de múltiplas
linguagens para se tratar os diversos conteúdos propostos.
2.Perspectiva para se alcançar a autonomia e a consciência na formação inicial
do professor
Como a disciplina Questões Atuais no Ensino de Ciências configurava-se como
disciplina livre da grade horária de vários dos bacharelados interdisciplinares da UFABC,
tínhamos uma diversidade de formação entre os participantes, contávamos com alunos
dos cursos de engenharia: robótica, biomédica, aeroespacial, materiais; de ciências
biológicas, de matemática, de gestão, de física, de ciências econômicas, dentre outros, o
que possibilitava, a cada aula da disciplina, reflexões heterogêneas sobre os temas
abordados. Sobretudo, as diversas interpretações e contribuições de cada participante
provenientes das diversas áreas de conhecimento criavam um espaço de convivência
fértil à construção de significados acerca dos temas propostos e à dinamicidade de cada
encontro.
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Logo no primeiro dia de aula, os participantes foram envolvidos por uma
atmosfera de invenção, que relacionava a aparência com múltiplas verdades. Com o
intento de fazer a apresentação, cada presente escolheu uma pessoa que não
conhecesse, para então olhá-la e adivinhar o nome, qual área que ela cursava, qual o
seu passa tempo predileto, seguido de um porquê. Os pares se dirigiam até a frente da
sala já com seus palpites em mãos, falavam sobre o colega para todos, para então a
pessoa se apresentar de fato.
A dinâmica das aulas tinha o intuito de mobilizar a apreensão de conhecimentos
por meio da participação de forma criativa e reflexiva, numa pratica de relacionar os
múltiplos eventos que ocorriam ao redor e dentro de cada um, de maneira a configurar a
experiência a um significado, ou a vários.
Dentre as perspectivas teóricas tínhamos em vista a a/r/tografia que é uma
metodologia de pesquisa voltada essencialmente para a pesquisa em arte e ensino de
arte. A a/r/tografia desloca, intencionalmente, o modo de produção de conhecimento
priorizando as categorias: incerteza, imaginação, ilusão, introspecção, visualização e
dinamismo. A metodologia da a/r/tografia possui um carácter de Pesquisa Viva, de pratica
viva, é uma busca para se viver poeticamente, do ponto de vista que:
investigações impregnadas de práticas não são apenas agregadas à
vida de alguém, mas são a própria vida deste, de modo que ‘quem se é
torna-se completamente emaranhado naquilo que se sabe e faz’(...) É
uma Pesquisa Viva porque se trata de estar atento à vida. (IRWIN, 2013.
p. 28-9)
Para Fayga Ostrower (1978; p.9) os processos de pensar e sentir o evento se
tornam conscientes na medida que são expressos, pois, há uma ordenação interna da
apreensão das formas que se configuram de maneira singular para ser externalizadas:
“de certo modo somos nós o ponto focal de referência, pois ao relacionarmos os
fenômenos nós os ligamos entre si e os vinculamos a nós mesmos.”
Buscamos nos apoiar, para a estruturação das aulas, no relatório para a UNESCO
da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI (DELLORS, 2010), que
apresenta quatro pilares para se construir o saber: aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a conviver e aprender a ser. A linha que separa cada um desses pilares é
muito tênue, sendo difícil especificar onde termina um e onde se inicia o outro, como na
imagem de uma cobra que segura seu próprio rabo, tornando-se quase imperceptível a
transição entre eles. Desta forma, observamos cada um deles em quase todo o processo,
porém buscaremos especificá-los aqui.
Para as aulas, formaram-se equipes, sendo que cada uma delas tinha a
responsabilidade de preparar uma atividade que possibilitasse discutir um dos temas
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propostos. Os temas foram apresentados por meio de artigos extraídos de anais de
eventos científicos ou periódicos de pesquisa (TEXTO A), definidos no cronograma da
disciplina.
O primeiro pilar, aprender a conhecer, caracterizado pela necessidade de uma
escola que venha a formar o indivíduo com todos os elementos de uma educação básica
de qualidade, foi contemplado pelo fornecimento desses artigos como referenciais de
base para a discussão de cada tema da ementa, selecionados dentre artigos da
produção atual das pesquisas publicadas em anais, eventos e periódicos de pesquisa
reconhecidos por sua excelência na área.
Para incentivar cada jovem ao gosto e ao prazer de aprender, a capacidade de
aprender a aprender, além da curiosidade intelectual, voltada para um aprender
permanente, isto é, uma educação ao longo da vida, referente ao primeiro pilar, a cada
semana se sorteava a equipe que seria responsável pela condução da aula, assim como
um recurso didático que deveria ser usado para se planejar a atividade de discussão.
Tínhamos, assim, o elemento surpresa para cada aula, quase como jogo de sorte ou
azar, já que alguns temas eram tidos como mais fáceis que outros pelo senso comum,
assim como os recursos disponíveis, que compreendiam diferentes formas de expressão.
Com isso evitava-se que determinados grupos fossem prejudicados por problemas de
calendário e, também, se buscava estimular que todos os alunos, em algum momento,
tivessem papel protagonista no curso.
Consiste no segundo pilar, aprender a fazer, que seja desenvolvida uma formação
para uma profissão, com princípios de uma aprendizagem continuada, principalmente
para profissão da docência. No entanto, que não se restrinja à profissão, mas que se
desenvolvam as competências necessárias para lidar com os problemas da realidade
dinâmica e concreta da vida, para poder conviver com as mudanças e incertezas, uma
educação que possibilite uma visão abrangente e real a respeito da vida e do mundo.
No relatório da UNESCO é apresentada também a necessidade de se formar para
a autonomia nas tomadas de decisões, sob um ponto de vista crítico, com uma
capacidade para julgar e agir. Para Contreras (2012), a autonomia é um exercício da
responsabilidade e da moral que propicia a reflexão. Portanto, espera-se por uma
capacitação à responsabilidade e discernimento pelos impactos das ações pessoais no
meio ambiente e no destino coletivo, segundo Dellors. (2010)
A exigência de que cada equipe criasse e conduzisse uma atividade que
possibilitasse a condução da discussão de um dado tema estimulava o terceiro pilar,
aprender a conviver. A equipe responsável pela dinâmica de cada semana deveria fazer
uma pesquisa sobre o tema definido e disponibilizar outro artigo (TEXTO B) para a turma,
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com cinco dias de antecedência. A responsabilidade pela escolha dos textos, implicava
que todos os participantes do curso dependeriam de cada equipe em algum momento.
O terceiro pilar é compreendido pela necessidade de se entender melhor o outro,
conhecer e respeitar aos outros e ao mundo por meio do trabalho colaborativo e pela
interação. Tendo em vista os fatores que compõem cada biografia, as diversas histórias,
as tradições e a espiritualidade, são tais aspectos que influenciam indiretamente o
envolvimento e o reconhecimento de determinados elementos, com efeito cada pessoa
salienta em suas falas e ações de modo a tornar evidente tais elementos.
Dellors (2010) defende que há a necessidade de se criar um novo espírito que
potencialize a troca de conhecimento e a análise compartilhada dos saberes. Também de
se assumir os riscos, os desafios e principalmente a responsabilidade da condução à
realização de projeto. Além da necessidade de desenvolver pessoas para propiciar a
gestão inteligente e apaziguadora dos inevitáveis conflitos. De modo que se furte o
cinismo e a resignação notado nas relações de poder.
Para a formulação da atividade de discussão de um dado tema, cada grupo
deveria utilizar um recurso específico, que selecionamos: jogos; reportagens; maquetes;
instalações artísticas; esculturas; vídeos; fotografia; experimentos; textos literários;
músicas; colagens e jogos teatrais.
Temática Recurso1. Apresentação dos alunos e da disciplina Dinâmica 2.Interdisciplinaridade no Ensino de Ciências Vídeo3. Abordagens investigativas no Ensino de Ciências Música4.Analogias no Ensino de Ciências Colagem5.Argumentação no Ensino de Ciências Meios de comunicação/ reportagem6.Aspectos históricos no Ensino de Ciências Poesia e/ou texto literário7.Avaliação no Ensino de Ciências Condução da discussão pela docente8.Conhecimento dos professores no Ensino de Ciências Instalação, maquete ou escultura9.Materiais didáticos no Ensino de Ciências Audiovisual10.Modelos e visualização no Ensino de Ciências Jogos teatrais 11.Natureza da Ciência (NOS) no Ensino de Ciências Jogos12.Auto avaliação e avaliação da disciplina Dramatizações
Quadro 1 - Temas abordados nas aulas e recursos usados pelos grupos para conduzir a discussão
Consideramos que, devido ao uso de diversas linguagens nos recursos indicados
para a criação das atividades, essas proporcionaram aos estudantes o contato com
diferentes formas de expressão, verbal e não verbal, havendo um considerável
enriquecimento na maneira de cada grupo expor os conteúdos programáticos da
disciplina, sobretudo nas diversas interações entre os participantes.
A criatividade foi um elemento indispensável para a execução das atividades dos
grupos em cada aula da disciplina. Está relacionada ao quarto pilar, aprender a ser, para
Dellors (2010) é o pilar mais importante, pois visa o desenvolvimento da personalidade e
da capacitação para a autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Para isso a
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educação deve levar em consideração todas as potencialidades de um indivíduo:
memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.
Ostrower (1978) considera o ato criativo intrinsecamente relacionado a
intencionalidade. A intenção pressupõe uma mobilização consciente para se ordenar o
que se deseja expressar, portanto, envolve a necessidade de compreender-se a si
mesmo minimamente, a ponto de reconhecer o desejo e/ou a emoção. Em outras
palavras, para se expressar é necessário selecionar e organizar o conteúdo. No entanto,
somente quanto se está atento, é possível inspecionar esse fenômeno da percepção
sobre a ação confrontada com a presença, interrogando e interpretando as condutas e o
estado de consciência propriamente dito. Neste sentido, Sartre (2014) propõem que a
consciência existe na medida exata à consciência objetivamente percebida, portanto,
requer um continuo exercício para se delimitar um círculo na percepção do sujeito.
Para o Professor Rafael Laboissière, pesquisador do CNRS (Centre National de la
Recherche Scientifique) da França, nos seus estudos transdisciplinares sobre a fala e
sobre o controle motor humano, em palestra sobre o tema: Neurociência, Fala e
Linguagem, proferida no Encontro Transdisciplinares: 2010, no Instituto de Estudos
Avançados Transdisciplinares, na UFMG, a fala e a linguagem são o que diferencia o
Homo Sapiens de todos os outros primatas. Em sua apresentação, apoiada nos estudos
da neurociência, mostrou uma comparação entre as áreas acionadas no cérebro do lado
esquerdo para se realizar um movimento, confrontando com as áreas acionadas no
cérebro do mesmo lado para se obter a fala. Apontou que para se executar um
movimento é necessário o envolvimento de praticamente todas as áreas do cérebro
desse lado, pois são acionadas diversas áreas sensoriais, sendo essas: a visão; a
espacialidade; a audição; percepção da posição dos membros do corpo; integração
multissensorial; os comandos motores; a coordenação dos movimentos, o que torna o
movimento fator essencial para que o Homo Sapiens tenha alcançado o desenvolvimento
das suas aptidões, sendo assim, o próprio desenvolvimento do cérebro. Para o
pesquisador o sistema nervoso é igual a movimento. Em comparação com a fala, são
observados impulsos nervosos, em movimento, entre duas áreas do cérebro, localizadas
especificamente no lado esquerdo. Em sua exposição, abandona por completo a ideia de
que o pensar é o responsável pelo desenvolvimento do córtex humano.
O uso dos diversos recursos nos mostrou que a expressividade, verbal e não
verbal, possibilitou uma experiência inédita para se promover a construção dos
conteúdos programáticos da disciplina, o uso do corpo como linguagem foi um dos
recursos de certa forma mais desafiador, como por exemplo a mímica. Outra evidência
com certo grau de espanto foi o fator sociabilidade, pois nas diversas interações
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estabelecidas entre os participantes nas aulas, esses passaram a se conhecer e
reconhecer na figura do outro.
Essa constatação ficou evidente na décima segunda aula, em que foi realizada
uma avaliação do processo desenvolvido ao longo do quadrimestre letivo,
compreendendo as seguintes dimensões: auto avaliação de cada participante, avaliação
do processo grupal vivenciado na disciplina e avaliação da metodologia adotada pela
professora. Essa avaliação, que será descrita mais adiante, foi inserida no processo com
a intenção de fechar um ciclo e ensino-aprendizagem voltado para uma formação crítico-
reflexiva dos envolvidos, tanto alunos, quanto professora. Consideramos o envolvimento
dos alunos em avaliações desse tipo um processo delicado, que deve ser construído e
aprofundado aos poucos. Para que chegássemos ao formato de avaliação adotado foi
fundamental identificar um processo de amadurecimento dos alunos ao longo das aulas,
que gerou as condições necessárias para a realização de uma conversa franca e
aprofundada sobre o papel de cada um dos envolvidos no processo vivido, ponderando
sobre suas contribuições e limitações, assim como, formas de aprimoramento futuro.
Em todas as aulas, os artigos de referência eram discutidos por meio de
atividades propostas e conduzidas pelos alunos, em que relacionavam os temas
discutidos com conhecimento prévios sobre o assunto e vivências pessoais, sempre com
suporte da professora da turma e da estagiária. De certo modo, foi possível confrontar
visões pré-concebidas com novas visões sobre a atuação de professores de ciências e
matemática e as várias maneiras de se introduzir um tema científico. Ainda, para alguns
temas, foi solicitado aos participantes da disciplina, que respondessem uma pergunta
elaborada de forma a relacionar, direta ou indiretamente, suas vidas acadêmicas e o
tema estudado, o que visava um aprofundamento na reflexão iniciada em sala. Para a
equipe responsável por uma dada aula era necessário que individualmente fizesse uma
análise de um dos artigos de referência adotados.
Assim, a medida que as aulas foram transcorrendo, os grupos foram se tornando
cada vez mais desenvoltos em suas propostas, surgindo evidências de que um processo
de maior amadurecimento e compreensão do trabalho criativo que deles era esperado,
mais próximo do lúdico e da interação, estava em andamento.
Os primeiros grupos mostraram-se com dificuldades para sair do modelo canônico
de seminário em suas propostas de condução das discussões acerca dos artigos de
referência, além de demonstrar um parco repertório artístico. De certa forma, tal situação
foi condizente com a falta de familiaridade dos estudantes com a proposta da disciplina,
já que os pré-supostos acima estavam subjacentes à componente curricular, que os
colocava em posição de maior autonomia diante da forma de condução das discussões e
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também trazia recursos em muitos casos bem distantes das práticas realizadas em seus
cursos de origem.
Para orientá-los tivemos que encaminhar as aulas com um maior rigor nas
intervenções realizadas pela professora da turma, como forma de evitar que os recursos
criativos utilizados se tornassem apenas formas de distração e alienação divertida, com
debates superficiais, inconsistentes e sem responsabilidade ética. Para tanto, foram
estipuladas orientações para a participação nas discussões em aula: delimitação do
tempo que o grupo condutor da aula tinha para desenvolver a atividade disparadora da
discussão com os colegas e exigência de que a participação de todos os alunos nas
discussões fosse sempre referenciada a trechos dos textos de referência.
Uma das propostas que bem evidenciou o amadurecimento das formas de
condução das aulas desenvolvidas pelos grupos e os resultados alcançados foi a que
utilizou o recurso instalação, realizada pelo sétimo grupo a conduzir uma discussão, na
oitava aula da disciplina. O tema era “Conhecimento dos professores no ensino de
ciências”, tendo sido adotados como referência para a discussão textos sobre “PCK”.
A equipe fez um varal que cruzava a sala de um
lado ao outro, em que prenderam papéis coloridos com
pregadores de roupa. Cada papel continha uma palavra
chave relacionada a um dos textos. Também trouxeram
um boneco que representava um professor/cientista.
Solicitaram aos participantes que selecionassem uma
palavra do varal e a colassem no boneco, de modo que
esta se relacionasse a uma parte do corpo do cientista.
Por exemplo, a palavra razão foi colada na cabeça. Em
seguida, os integrantes da equipe iniciaram uma
reflexão sobre cada palavra e a associação com o
membro do corpo escolhido, incitando a participação
dos colegas com perguntas e criando outras
associações para relacionar as palavras-chave com os
artigos utilizados como referência para a discussão.
Para finalizar esse relato, gostaríamos de descrever a décima segunda aula da
disciplina, que teve como tema a avaliação do processo e foi muito significativa, nos
motivando a compartilhar tal experiência.
A aula iniciou com a proposição por parte da professora de realização de alguns
jogos teatrais com o intuito de promover uma discussão sobre o processo vivenciado por
todos, enfatizando o caráter construtivo da avaliação. Depois de afastadas as cadeiras e
formada uma roda no espaço aberto, iniciamos o jogo de integração, atenção e agilidade
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chamado de “ZAP”, bastante conhecido no universo de aulas de teatro. O jogo ocorreu
em meio a muitas risadas, algumas de constrangimentos, e, entre falas às vezes
contraditórias, como: “Vamos fazer certo!” e “Não existe errado!”.
Após o jogo, os participantes foram convidados a caminhar livremente pelo
espaço, ocupando-o da forma ampla possível. Ao som de um bater de palmas emitido
pela professora passariam a andar em duplas, lado a lado, se despedindo ao som de um
novo sinal e voltando a andar sozinhos. Por meio desse processo, foram formados trios e
quartetos. Em seguida foi solicitado que, nos pequenos grupos, retomassem suas
memórias sobre as aulas passadas e escolhessem uma delas para representar por meio
uma imagem corporal. Essa imagem deveria ter um nome e seria apresentada para a
turma. Para alguns grupos, as imagens eram compostas não somente por esculturas
corporais, mas, também, por movimentos, o que acabou transformando-as em pequenas
cenas.
A primeira imagem se chamou: O abacaxi e a ferrari!. Esta remetia a um
comentário de um aluno do curso de engenharia na aula voltada para o tema
Interdisciplinaridade, uma das primeiras do curso, em que comparou o uso de recursos
naturais com a ineficiência e desperdício envolvidos, a imagem foi o uso de suco de
abacaxi como combustível para uma ferrari. Esse comentário gerou bastante
estranhamento da turma na ocasião em que foi emitido, por seu caráter tecnológico, e
aqui foi relembrado pelo grupo.
A segunda cena foi denominada pelo grupo como Mímica e ligação química. Aula
a que se relacionava teve como tema Modelos e visualizações no ensino. Segundo
comentário do grupo, esta aula foi bastante divertida, pois enquanto uma pessoa tinha
que fazer mimica para representar um modelo, os outro participavam tentando adivinhar.
A terceira, O homem com post-it!, referiu-se à proposta da instalação descrita
acima. Segundo a explicação dos alunos, nesta aula houve uma interação na classe,
onde todos tiveram que se comunicar para dizer o que consideravam mais importante
nas relações estabelecidas pelas palavras e pelas partes do corpo representada no
boneco.
A quarta imagem foi chamada Aquamen! e retomava uma história contada por um
dos alunos, em uma das discussões realizadas em aula, sobre uma professora que
convenceu todos seus alunos de que o homem surgiu da água.
A quinta cena, Entrevista, referia-se à maneira diferente de apresentação da
turma, feita em duplas no primeiro dia de aula.
A sexta imagem, A poesia e o conhecimento, trouxe à tona a forma marcante com
que um dos membros de grupo declamou uma poesia na aula sobre Aspectos históricos
no ensino de ciências.
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A sétima imagem, Interdisciplinaridade, trouxe a representação do semicírculo
formado pelos alunos durante todas as aulas para discussão dos temas, indicando
interdisciplinaridade como tema que entrelaçava praticamente todos os demais.
Após a apresentação das imagens e os comentários realizados tanto por aqueles
que estavam na posição de plateia, indicando suas interpretações sobre o que era
mostrado, e por aqueles que as construíram, indicando suas intenções de comunicação,
seguimos para as perguntas da auto-avaliação, avaliação do processo vivido e avaliação
da docente. A turma organizou-se numa roda de conversa e uma cestinha contendo
questões passava de mão em mão, enquanto uma música tocava. Quando a música
parava, a pessoa que estava com o cesto pegava um dos papéis, lia para todos da sala e
falava sobre a questão levantada durante 1 minuto. Havia a opção de responder a uma
pergunta por meio de dança.
A criação de imagem está atrelada à criatividade humana, para se formar uma
imagem no cérebro há uma combinação de aspectos intangíveis, como: o tempo, espaço,
a plasticidade da imagem; a apreciação, a contemplação e a percepção do indivíduo.
Havia uma complexidade do exercício acima descrito, pois os trios e quartetos deveriam
formar imagens com um tema ou situação que lembrasse aos demais um dos encontros.
3.Considerações finais
Tendo formulado tal perspectiva teórica, que adota em primeiro plano o criar, o
formar, e tendo compreendido que o gesto é uma ação singular, salientamos a
perspectiva de entendimento da construção do saber que valoriza o estimulo à criação
para o desenvolvimento da sensibilidade humana, sob os aspectos da necessidade de se
pensar numa nova educação, num novo mundo. Pois, somente quando se integra a
consciência com a sensibilidade é que podemos alcançar uma visão mais abrangente
para se construir uma cultura pautada na dignidade humana.
Tratar as habilidades pessoais como a criatividade; a intuição; a improvisação e as
tentativas humanistas como componentes ‘artísticos’ torna-se descortês aos artistas
intelectuais e de uma irracionalidade insustentada.
De acordo com Schön (1983, apud CONTRERAS; 2013) o dilema que carrega o
uso de procedimentos artísticos no ensino consiste que tais procedimento não
possibilitam se obter uma única situação (resposta), pois tratam de categorias como a
complexidade, a instabilidade e a incerteza, impossibilitando a aplicação do critério de
rigor ou relevância na avaliação. Tais categorias, ainda, fragilizam a condição de
autoridade da posição do professor, que detêm o conhecimento inquestionável, da
decisão unilateral para analisar situações como fixas e estáveis, próprio do Iluminismo,
em confronto com o desconforto de seus próprios preconceitos e das suas limitações,
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que o obrigariam a assumir a sua incompletude e a necessidade de uma continua análise
e revisão de sua prática.
O componente artístico é a forma criativa e espontânea para se responder de
maneira singular às diversas situações incertas e complexas da prática docente, já que
tais situações, frequentemente, estão relacionadas ao imprevisto, à incerteza e aos
dilemas, que são da ordem de conflito de valores, dentro de uma perspectiva em que se
interpreta e avalia de maneira pessoal e se valoriza as sensibilidades em detrimento das
autoridades e das regras normativas. Assim, tal componente, possibilita que as relações
se humanizem, de maneira que se estabeleça um contrato invisível entre os pares, em
que cada um assumi a responsabilidade das suas escolhas, transferindo o foco para a
experiência e para as relações e tornando o compromisso entre as pessoas o fator de
maior relevância.
Para Schön (1983, apud CONTRERAS; 2013) as atividades espontâneas da vida
diária, distinguem-se entre o “conhecimento na ação” e a “ reflexão na ação”. Quando
realizamos uma ação espontaneamente, sem compreender quais são as motivações
implícitas no fazer, o conhecimento não precede a ação, mas está na ação. Por outro
lado, em algumas ocasiões o pensar sobre o fazer, ou ainda enquanto se faz algo é
interativo, isto é, há uma análise sobre a ação em relação à situação. A análise da ação é
a maneira que possibilita o profissional, a partir do contexto da prática, reconhecendo-se
em suas escolhas, ao mesmo tempo que avalia a singularidade da situação. Assim a
reflexão na ação dirige o papel profissional dentro do contexto institucional e social de
maneira mais ampla, em contraposição à postura de apenas resolver os problemas de
acordo com determinados fins. “Nesse caso, a prática é em si um modo de pesquisar, de
experimentar com a situação para elaborar novas compreensões adequadas ao caso, ao
mesmo tempo que se dá a transformação da situação.” (CONTRERAS; 2013, p. 123)
Desta maneira a reflexão fomenta novos conflitos e discussões não só para
compreender a ação, mas também para questionar as instituições que abrangem o
contexto social, no qual está inserida a questão problema, gerando um diálogo entre a
ação e a reação manifesta. Neste sentido, o profissional é integrado à realidade e não
alheio a ela.
Dentro desse contexto, por que não dizer que podemos construir uma cultura
enraizada na sabedoria, que integra o conhecimento à vida, tomando a sabedoria não
apenas destinada a eruditos, mas para todos nós. Assim como a sensibilidade que não é
apenas privilégio de artistas, mas um estado desperto para se perceber as sensações?
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Blog da disciplina Questões Atuais no Ensino de Ciências Disponível em:
<https://sites.google.com/site/nh41072014matutino/>