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Zésouza.

O TREM DO MORIMBUNDO.

1ª Edição.

Pelotas.

José Freitas de Souza.

2018

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Doutor Potiguar Brasileiro do Brasil Varonil com todo esse nome era um sujeito dedicado a Pátria Amada, de

maneira tal que ocupava três importantes cargos; um federal, um estadual e um municipal. Era assessor do Senado

Federal no Rio de Janeiro, lugar que se diga ele nunca pisou. Era funcionário do Departamento Baiano de Combate a

Saúva, naquele tempo o slogan era: ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. Era fiscal da

Secretária Soteropolitana de Bons Costumes onde ele tinha o costume de ir uma vez por mês para assinar o ponto e

aproveitava para receber o honrado salário.

Potiguar de nascimento resolveu ser baiano de coração por ser a Bahia o berço da Pátria e o mais brasileiro

dos estados brasileiros. Segundo registros nos livros e cadernos da polícia de Natal os motivos de sua saída do Rio

Grande do Norte eram outros.

Era doutor em letras, números, riscos e rabiscos formado na Escola Superior de Alexandria. Alexandria na

fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Na verdade, tinha um diploma que conseguiu com um falsificador no

Pelourinho.

Tinha um nome muito grande pra ser dito pelos baianos e por isso foi reduzido a Po. Ele reclamou:

-Po! Po é uma interjeição e eu sou um substantivo próprio.

Reclamação feita, reclamação aceita e ficou sendo Poti. Doutor Poti.

Dos sacrificados e cansativos trabalhos o que ele mais gostava era o do Departamento Baiano do Combate a

Saúva. Sediado em Alagoinhas atendia as regiões servidas pelas linhas da Viação Férrea do Leste Brasileiro. Ele era

fiscal lotado no escritório em Alagoinhas, o Entroncamento do Sertão, pra atender a Linha Alagoinhas a Juazeiro e a

Linha Alagoinhas a Rio Real. Atendia a Linha do São Francisco; Alagoinhas a Juazeiro e a Linha do Sergipe;

Alagoinhas a Rio Real. A Linha de Juazeiro ele nem andava atendendo, porque, segundo os seus relatórios não tinha

problemas de formigas. Na verdade, ele abandonou aquele trecho porque na estação de Itareru ele meteu a mão com

uma moça que vendia passarinho assado no espeto de pau na hora do trem, foi que o pai da moça prometeu de capar

ele. Também naquele trecho em dia de vaquejada na cidade de Serrinha ele foi falar umas bobagens pra mulher de um

vaqueiro e dito tal vaqueiro junto com mais dezoito irmão prometeram de capar ele. Depois de ter o saco ameaçado ele

se dedicou ao trecho de Alagoinhas a Rio Real até porque em Rio Real tinha uma formiga especial; uma tanajura de

nome Jurema. Jurema cabocla trigueira, bonita além da conta, que vendia laranjas na estação de Rio Real.

Se em Rio Real tinha a Jurema em Alagoinhas tinha a Jandira Soteropolitana que ele conheceu na Igreja de

São Francisco. Doutor Poti foi a igreja?

Foi a igreja pagar uma promessa. Quando saiu de Natal, saiu debaixo de tempo feio já que dois delegados e

toda a Polícia Militar andava na cata dele. Fugiu a bordo de um “Ita” e quando chegou na Baia de Todos os Santos foi

recebido por feio tempo de trovões, relâmpagos e raios e foi no meio dessa tempestade que ele fez a promessa.

Promessa feita, promessa paga, estava ele saindo da Igreja de São Francisco e bateu com os olhos em Jandira e

foi amor à primeira vista. Da parte dele que ela já tinha o coração desencarrilhado pra essas coisas de paixão.

Paixão ela teve foi por um foguista da Leste, no tempo que ela vendia quebra-queixo na estação da Calçada.

Na garupa de uma locomotiva ela foi indo pros rumos do sul e foi bater lá em Iaçú até que o fogo da paixão do

foguista acabou. Lá no Iaçú, ela, namorou um chefe de trem e passou andar pra cima e pra baixo no Trem da Grota. De

Iaçú pra Senhor do Bonfim, de Bonfim pra o Iaçú. Foi no Bonfim que o namoro teve fim e ela passou a acompanhar

um guarda-freio que trabalhava no Trem Rabo Alegre, esse era um trem misto que corria no trecho de Juazeiro a

Salvador. Depois cansou de ouvir barulhos de trem e resolveu voltar pra Salvador e vender quebra-queixo no Mercado

Modelo.

Do namoro ao casamento foi pouco tempo e o casamento fez tremer o Pelourinho porque foi festa de batucada,

risada, bebes e comes pra ninguém reclamar; licor de jenipapo, efó, moqueca, vatapá e maniçoba. Maniçoba? Sim

maniçoba de Cachoeira e feita em Cachoeira pela madrinha da noiva, madrinha que era mulher de um chefe de trem, e

as panelas vieram no trem com muito cuidado.

Quando Poti conseguiu o cargo de fiscal da saúva, a Jandira bateu o pé que não queria morar em Alagoinhas,

mas depois concordou. Em Alagoinhas ela fazia o melhor quebra-queixo da Bahia. Esse quebra-queixo pegou tanta

fama que ela vendia até pra outras cidades no trecho de Alagoinhas a Senhor do Bonfim. Ela fazia o sacrifício de

viajar no Trem Rabo Alegre. Esse trem era um trem cargueiro com um carro de passageiros na cauda; onde viajavam,

artistas de feira, comprador de passarinho, quengas, recolhedor de jogo de bicho, gente que comia a mesma farofa, ria,

tocava música, jogava bozó. Tinha gente que dizia que as viagens de Jandira no Trem Rabo Alegre eram mais pra ter

encontro com um guarda-freio, mas a vida alheia é de cada um.

Foi dia de festa na Barroquinha, que ali era o comitê de deputado Zé do Pau Seco, dia de sarapatel. O

Deputado Zé do Pau Seco: a voz do sertão em Salvador, nascido, criado e fugido no chão de Jacobina na estação do

Pau Seco. Comes e bebes, tapinhas nas costas, cochichos e conchavos e no fim do dia o doutor Poti correu para a

Estação da Calçada pra subir no Estrela do Norte.

Movimento grande na plataforma da Calçada; camareiros e carregadores auxiliando os passageiros a embarcar

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no Expresso Estrela do Norte. Doutor Poti não conseguiu leito, pois os carros-dormitórios estavam lotados, comprou

passagem de primeira classe até Rio Real. Sim; ia passar direto por Alagoinhas já que o dever o chamava em Rio Real,

dito dever se chamava Jurema. Antes de embarcar foi até a frente da estação comprar um acarajé da baiana que tinha o

seu tabuleiro nos degraus da Calçada.

Numa quinta-feira as vinte horas partiu de Salvador o EN1 pra durante a noite vencer os quatrocentos e vinte e

nove quilômetros até Aracaju.

Doutor Poti sentou, pegou o jornal A Tarde e começou a ler as manchetes. Um garçom entrou no carro

perguntando quem ia jantar. Soltou o jornal, passou a mão na barriga, pensou e pediu:

-Favor! Eu, uma janta.

O garçom entregou a ele uma ficha azul:

-Quando chamarem as fichas azuis, o senhor pode se dirigir ao carro-restaurante.

O Expresso vencendo distâncias e passando pelas pequenas estações do trecho sem parar. Primeira parada só

em Alagoinhas. Doutor Poti soltou o jornal e pegou a revista O Cruzeiro, primeira página que procurou foi a do Amigo

da Onça.

-Ficha azul… Quem tem ficha azul por favor dirija-se ao carro-restaurante…

Doutor Poti passou a mão na barriga, estava indisposto, mas hora da janta é hora da janta. No carro-restaurante

pediu uma cerveja o tradicional prato nos carros-restaurante da Leste: bife a cavalo; bife, ovo frito, batatas fritas, arroz

e farofa.

As vinte e duas horas e quarenta e oito minutos o Estrela do Norte chegou em Alagoinhas. Doutor Poti se

sentido indisposto até pensou em desembarcar, mas os compromissos em Rio Real o chamavam.

A meia-noite o Estrela do Norte fez uma breve parada na estação Coty, e o doutor abriu janela para comprar

uma laranja, pagou ao vendedor, fechou a janela, olhou a laranja, estava se sentindo ruim do estômago.

Três horas e quarenta minutos o EN1 chegou em Rio Real. O expresso apitou, um galo cantou e doutor Poti

chegou a casa de Jurema. Ele entrou pela porta da frente e um maquinista da Leste saiu pela porta dos fundos. Jurema

cheia de dengos:

-Eita! Que chegou meu docinho de coco…

-Teu docinho de coco tá é azedo…

E Jurema correu a preparar um chá. E o chá fez foi é piorar. E o sol vinha saindo lá dos lados de Sergipe

naquela cidade de Rio Real na metade do Século XX, e um galo deu seu último canto da manhã. Uma tropa de jegues

com as cangalhas carregadas de balaios cheios de laranja tomou o rumo da Rua da Estação. E Severino, guarda-chaves

da Leste, saiu de casa correndo e vestindo a camisa, que já estava era atrasado, aliás como sempre. E da casa de dona

Maria de seu José a mistura de cheiros gostosos; café coado, cuscuz e ovo frito. E caminhando ligeiro, passando a mão

no cabelo a Jurema foi a casa de doutor Gerôncio Gerúndio.

-Acuda seu doutor Gerôncio que o Poti, ele lá, não tá é nada bem.

Meio acordado, meio dormindo, que ele tinha passado a noite jogando baralho na casa de Mané da Tapioca, o

doutor Gerôncio falou:

-Eita! Não se avexe, que a gente vai dá um jeito… Você vai indo na frente que eu cá vou dá um preparo numa

poção e já lá vou.

Doutor Gerôncio esfregou as mãos, era o momento de cumprir o juramento. O Juramento de Hipócrates? Não,

esse ele não fez. O juramento que ele fez, foi no dia que soube que o doutor Poti estava namorando a Jurema, ele

doutor Gerôncio era doido pela Jurema, e cheio de ciúmes jurou:

-Juro que o dia que puder eu lasco esse cabra.

Mas quando ele se formou médico, ele não fez o Juramento de Hipócrates? Fez não. Gerôncio Gerúndio

nasceu e conheceu a vida na República Independente de São Cristóvão e depois migrou pra Aracaju onde trabalhou

um tempo como enfermeiro. Resolveu ser enfermeiro de bordo e subiu num navio pra conquistar os sete mares. Um

temporal jogou ele lá na Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul. Lá no Sul ele ficou um tempo e por lá descobriu que

eles lá tinham uma tal constituição positivista de um certo Conte e que ali estava escrito que podia ter advogado

prático, dentista prático e médico prático. Isso, coisas lá do Rio Grande do Sul. Votou para São Cristóvão. Gerôncio

voltou doutor médico de medicina. Oxente! Tá é doido? To não! Doutor médico de medicina medicinal. Eita que agora

lascou! Só se fosse. Se fosse eu lá não ia. Santo de casa não faz milagre nem em São Cristóvão. Ele foi a Aracaju

comprou um terno preto, sapatos de bico fino, bengala com cabo de prata, uma mala de couro pintada de vermelho e

reforçada com tiras de metal dourado, um lenço branco no pescoço; esse lenço branco no pescoço é coisa que ele

trouxe lá do Rio Grande do Sul, negócio de não sei o quê, maragatos e chimangos. De Aracaju, ele, reservou uma

cabine no Expresso Estrela do Norte. Dezenove e trinta o EN2 saiu de Aracaju e as duas da madrugada chegou em Rio

Real onde o garboso doutor Gerôncio desembarcou.

Poção preparada e foi a casa do doente onde já chegou mandando:

-Tome uma colher dessa poção.

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Doutor Poti tomou e reclamou:

-Ruim.

-Remédio bom é ruim.

E tire a camisa, e respire fundo, e diga trinta e três, e vamos ver o olho, e vamos sentir o pulso. E doutor

Gerôncio olhou, preocupado, para doutor Poti e falou:

-É meu dever falar a verdade…

-É grave?

-Gravíssimo…

-E seu eu fizer promessa pra Nossa Senhora do Livramento?

-Nem prometendo mil rodas de dança pra São Gonçalo.

Consulta dada e devidamente cobrada, doutor Gerôncio saiu falando:

-Precisando do atestado de óbito eu to a disposição a qualquer hora.

Doutor Poti passou o dia tomando poção e no estômago a queimação e na cabeça a preocupação e a decisão.

Eu sou é potiguar e eu vou é morrer lá no Rio Grande do Norte.

E foi de madrugada que o apito do Estrela do Norte ecoou pelas ruas de Rio Real e pela rua o doutor Poti

correu a estação. Duas horas e trinta minutos e o EN2 saiu de Rio Real e as sete horas e dez minutos o doutor Poti

saltou na plataforma de Alagoinhas e correu pra casa onde chegou afobado.

-Jandira arrume suas coisas que a gente vai pro Rio Grande do Norte.

-Eita que agora lascou! Eu não vou pro Rio Grande do Norte nem com ordem de doutor Getúlio Vargas, que é

o presidente desse Brasil.

-Você intenda que eu vou morrer e você tem de ir no meu enterro lá em Natal.

-Homi eu não gosto de ir em enterro em Alagoinhas, vou ir em Natal… Enterra aqui em Alagoinhas, que eu

conheço o coveiro, e eu consigo um abatimento no preço.

Vou não vou, fico não fico. Uma vizinha de nome dona Maria Penta, que era penta porque tinha viuvado cinco

vezes e de viuvez ela entendia foi quem falou:

-Jandira você vai mais ele e na volta você já vem com o atestado de óbito, que daí é mais fácil de entrar com a

papelada pra receber a pensão.

Eita que agora lascou! Sabe que doutô Poti tá é muito doente. Oxente! I é? Moribundo, se já não morreu. Que

vão levar o corpo pro Rio Grande do Norte. Que doideira, vai chegar lá fedendo que só o cão! Morreu não, tá vivo e

bem vivo, mas vai morrer. E o fala que fala se espalhou pela Alagoinhas, foi pra Alagoinhas Velha, Barreiro, Catu,

Mangalô, Santa Isabel, Santa Terezinha e foi pro interior; Buri, Cangula, Quizambu e foi.

A estação de Alagoinhas era chamada de a Estação do São Francisco porque ali iniciava a linha que ia até

Juazeiro na margem do Rio São Francisco. Seu Zé da Laranja chegou cedo e armou o seu tabuleiro; um balaio cheio

de laranjas-de-umbigo, a pequena mesa, uma bacia cheia de laranjas descascadas e tapadas com um limpo guardanapo

branco e a máquina de descascar laranjas. Maquina inventada por seu Zé da Laranja; um eixo de madeira na vertical

tendo na ponta de baixo uma pinha de bicicleta que engrenava com outra pinha que estava na ponta do eixo de uma

manivela, o eixo vertical tinha na ponta de cima um suporte circular. Do lado do suporte circular uma haste, regulável,

com uma lâmina de canivete na ponta; colocava a laranja no suporte circular ajustava a lâmina e tocava a manivela.

Dona Maria do Mangalô chegou com seu carrinho de mão pra fazer pequenos fretes:

-Bom dia seu Zé… Tão falando que o moribundo vai é hoje.

No recinto uma preguiçosa máquina de manobra arrastava alguns vagões. La mais adiante um grupo de

mecânicos das Oficinas de Aramari estavam testando uma máquina recém-reformada. Mais aqui um grupo de homens

descarregavam canos metálicos de um vagão plataforma; canos para a rede de esgoto.

Doutor Poti colocou a roupa na mala amarela e na mala verde colocou todo o seu dinheiro enrolado em lençóis.

Fechando as malas e apressando a Jandira:

-Eita que você demora…

-Homi to passando batom nos beiços…

-Ta na hora do trem.

-O trem ainda não passou em Pau Lascado.

E na plataforma da Estação de São Francisco tava chegando gente, gente pra ver o trem, gente pra esperar

gente, gente pra viajar, gente pra faturar uns trocados, gente curiosa; queriam ver o moribundo. O Severino Carregador

avisando:

-Amanhã tem jogo do Campeonato Municipal de Futebol; amanhã é o Agulha contra o Gato Preto…

Severino era o goleiro reserva do Gato Preto Futebol Clube.

E chegou o casal; doutor Poti com cara de defunto e Jandira com a cara lambuzada de pó e os beiços

vermelhos de batom. E os curiosos espiando de longe e logo os primeiros palpites. Morre não. Eita! Já tá é com o pé

na cova.

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-Laranja de umbigo de Alagoinhas que é docinha.

E fala um e ri um outro e plataforma estava cheia de gente esperando o trem de Salvador para Aracaju. E

vinha chegando um trem do lado do Juazeiro.

-Tá chegando um misto. É o Mochila?

-É o Rabo Alegre.

A máquina velha que tinha mais de cinquenta anos atravessando as caatingas, cheia de vazamentos de água e

cheirando a ferro enferrujado quente, arrastando dez vagões de carga e na cola o carro de passageiros. Do carro de

passageiros saltou o grupo de retirantes, só uma família tinha dezoito filhos.

-Eita que vão encher São Paulo de meninos.

E o chefe de trem avisou:

-Aqui é Alagoinhas, vocês têm que ir até Salvador… Em Salvador é que vocês sobem no trem que vai pro sul.

E desembarcou o Adelino dos Passarinhos com uma gambiarra, invenção dele, apoiada nos ombros, uma

armação de madeira com quatro braços que se estendiam dois metros para cada lado e neles pendurados as gaiolas

cheias de passarinhos, desceu e saiu ligeiro, que era sábado e era dia de feira em Alagoinhas, mas antes ouviu a

reclamação de dona Maria do Mangalô:

-Eita Adelino! Cadê o papagaio que eu comprei? Já paguei, e o papagaio não veio.

-Se avexe não! Ele tá vindo.

Desceu o Cego Sanfoneiro de São Cristóvão reclamando:

-Oxe! O sertão tá numa pobreza que não dão esmola nem pra santo e nem pra cego.

Dona Maria do Mangalô conseguiu um frete, levar um balaio cheio de galinhas de Angola até a feira.

Desceu a Delaidina Cafetina e suas meninas que estavam vindo de Santa Luz; a capital da região sisaleira.

Cheia de colares e pulseiras, brincos de argolas grandes, rindo e falando em voz alta:

-Cabou a safra do sisal e agora os homens têm tesão mas não tem dinheiro, a gente vai pro Sergipe que lá tem

a safra do coco. De dia os homens sobem no pé de coco e de noite eles sobem na perna da quenga.

O guarda-freio José Severino contando:

-No Juazeiro tá com dois anos que não chove, mas no Jaguarari e no Bonfim até choveu uma chuva boa que a

caatinga tá verdinha.

Pulou do trem o Itiuba, esse fazia jogo de bozó nas feiras. O jogo do bozó de feiras era um jogo de dados, cada

dado tinha nas faces os distintivos de clubes de futebol. Os dados do Itiuba tinham três times da Bahia; Vitória, Galícia

e Bahia, e três times do Rio de Janeiro; Flamengo, Fluminense e Vasco. E tinha o tabuleiro com os seis distintivos

onde o apostador colocava as fichas. Batia seis dados e avisava:

-Faça seu jogo! Um não paga nada, dois paga dois… Seis paga seis… E vou bater… E valeu… Deu cinco

Galícias e quem apostou no Galícia leva é cinco fichas…

E desceu o Zé do Itareru, que esse recolhia apostas de jogo do bicho e também fazia rifas nas feiras.

E a plataforma da Estação São Francisco em Alagoinhas fervilhando de povo que já estava quase na hora do

trem pra Sergipe.

E dona Maria do Mangalô voltou, ligeiro, para a estação porque tinha que aproveitar a chegada do trem de

passageiros para conseguir algum frete.

E seu Zé da Laranja, dando manivela na maquinha de descascar laranja.

E bateu o sino da estação anunciando que o RN1 estava com licença concedida. E se agitou a plataforma.

O Telegrafista Zé do Pau Lascado, que esse era nascido e criado na estação do Pau Lascado onde aprendeu a

ser telegrafista, que era loco por jogo estava reunido com o Itiuba e o Zé do Itareru.

E foi seu Zé da Laranja que olhou o doutor Poti e falou:

-Vai morrer na viagem. Não chega vivo em Natal.

E formou o fala que fala e cada um dando uma opinião. Chega vivo, vivinho da Silva. Chega não! Chega é

mortinho da Silva. E jogo que chega vivo. E eu jogo. E jogo. E a palavra jogo chegou aos ouvidos dos três; Itiuba, Zé

do Itareru e Telegrafista Zé do Pau Lascado. E Jogo era com eles. Chega vivo? Ou chega morto em Natal? E o

Telegrafista Zé do Pau Lascado foi até o escritório da estação e voltou com lápis e papel e já traçou uma planilha e Zé

do Itareru começou a recolher as apostas. Seu Zé da Laranja foi o primeiro que jogou.

-Morto, aposto é vinte.

Em poucos minutos e já tinha duzentos no vivo e cem no morto. Sem descontar os dez por cento da banca;

vivo pagava um por um apostado e morto pagava dois. Uma voz forte ecoou na plataforma da Estação do São

Francisco: Major Elesbão de Esplanada dono de gado e gente, dono de mandioca e farinha.

-É jogo, pois jogo é coisa fora da lei, mas se vão fazer façam a coisa de um jeito legal.

E tava de um jeito que o Capitão Severino de Lagoa Redonda gostava. Gibão de couro, chapéu de cangaceiro

todo enfeitado com moedas de prata, cartucheira cheia de balas, punhal atravessado na frente da cintura, óculo de

armação bem grossa e já foi apostando:

-Vivo já tem demais no mundo; e eu jogo é cem que ele chega morto.

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Tenente Virgulino de Capianga, com uniforme todo roto da Guarda Nacional e o peito cheio de medalhas,

falou com voz de autoridade:

-Vivo, jogo é duzentos que chega vivo. O importante é a vida. Essas medalhas que eu carrego no peito eu

ganhei foi matando cangaceiro e jagunço.

Capitão Severino de Lagoa Redonda bateu com a mão na cartucheira e falou:

-Tampinha de garrafa eu carregava no peito quando era menino, hoje eu carrego é bala de trinta e oito. E jogo

trezentos que chega morto.

Doutor Romão de Itabaianinha foi olhar o moribundo. Examinou os olhos, pediu pra ver a língua. Doutor Poti

mostrou a língua. Doutor Romão de Itabaianinha voltou pra junto do grupo que estava fazendo o jogo e falou:

-Sinto ser o dever meu de avisar aos senhores que como doutor de medicina eu informe que o dito moribundo

goza de excelente saúde e chegará vivo em Natal e aproveito pra apostar quinhentos no vivo.

Major Elesbão de Esplanada sacudiu a mão no ar e perguntou:

-E os primeiramentes. Já organizaram?

O Telegrafista Zé do Pau Lascado respondeu:

-Sim senhor! Eu vou cuidar do dinheiro e das planilhas, o Itiuba vai no trem acompanhando o moribundo e

durante a viagem ele vai mandando telegramas avisando o estado de saúde do falado moribundo…

-E quem recolhe as apostas?

-O Zé do Itareru.

-I é de confiança?

-Sim senhor, é recolhedor de aposta de jogo do bicho.

-Gostei, trabalha numa das poucas instituições confiáveis nesse país. Eu jogo, mas não é cem e nem duzentos,

que eu não jogo mixaria, chega vivo e eu jogo é dois mil contos.

Dona Maria Vendedora de Milho Assado na Estação do Timbó, tava doida pra jogar, foi pedir palpite para o

seu Zé da Laranja.

-Favor! Meu colega vendedor fale em quem eu jogo; vivo ou morto?

-Morto, vai chegar em Natal mortinho da Silva.

Mulato magro alto com uma cruz de madeira no peito o Sacristão de Acajutiba andava de lá pra cá e de cá pra

lá, doido pra jogar, mas jogar é pecado. Capitão Severino de Lagoa Redonda bateu no ombro dele e perguntou:

-O moço não vai jogar?

-É seu capitão, querer eu quero, mas é pecado e eu sou Sacristão.

-Oxente! Pecado é se jogar e não der uma esmola pro santo. E você é Sacristão em que igreja?

-Na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias em Acajutiba.

-Eita! Pecado é não jogar. Jogue e ajude a terminar de construir aquela igreja, que faz é tempos que tão

construindo. Aposte no morto, que esse diabo vai é chegar morto em Natal.

Gibão de couro, cartucheira atravessada no peito, chapéu de cangaceiro com uma estrela dourada bem no meio

da aba, o Capitão Silvino de Irapiranga arrastou a alpercata e falou:

-To perguntando uma pergunta: sergipano pode jogar em jogo de baiano?

Capitão Severino de Lagoa Redonda respondeu:

-Se sergipano pode se fantasiar de cangaceiro…

E os dois levaram a mão ao cabo punhal, mas o Sacristão de Acajutiba levantou a cruz e falou:

-Com a fé em Jesus eu peço que reine paz em São Francisco.

-AMEM.

Foi o que gritou o Major Elesbão de Esplanada. Ficou tudo em paz e Capitão Silvino de Irapiranga pode jogar

na santa paz.

-Bota aí: chega é vivo, e eu aposto cinco mil contos.

A plataforma cheia de gente e muita gente apostando e o Zé do Itareru com os bolsos cheios de dinheiro, lápis

e talão na mão. Contava o dinheiro e enfiava no bolso no talão escrevia V de vivo ou M de morto, o valor da aposta

destacava e dá o papelzinho ao apostador:

-Guarde bem, só recebe quem tem o papelzinho.

Dona Maria do Mangalô segurou o braço do Zé do Itareru reclamando:

-Ei rapaiz! Tu não atende mais os pobres?

-Eita dona Maria, eu hoje to é assoberbado, mas fale.

-Coloca cinquenta no morto e eu quero fazer uma fezinha no jogo do bicho…

-Jogo do bicho, hoje não…

-E logo hoje que eu sonhei com a minha vizinha, hoje vai dá onça…

Doutor Poti sentado na mala, esfregou o pé no chão e reclamou:

-E cadê esse trem? Que chega é nunca.

Jandira bateu no ombro dele falando:

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-Pois falou no diabo e ele mostrou o chifre.

O trem apitou lá no sinal de apito. Sábado as nove horas e vinte minutos fervilhou a vida na plataforma da

Estação do São Francisco, o RN1 chegava batendo sino e seu apito ecoando nas ruas da Cidade Entroncamento do

Sertão.

Camareiros orientando o desembarque e o embarque, carregadores apressados. Gente saudando gente.

Procedente da estação Pojuca desembarcou o excelentíssimo senhor juiz de futebol que apitaria o clássico entre o

Agulha e o Gato Preto.

No primeiro carro de segunda classe embarcou o Cego Sanfoneiro de São Cristóvão, Sacristão de Acajutiba,

Delaidina Cafetina e Dona Maria Vendedora de Milho Asado na Estação do Timbó.

No segundo carro de primeira classe embarcou o doutor Poti e dona Jandira, mas ficaram de pé no corredor

porque o os lugares estavam ocupados. Capitão Severino de Lagoa Redonda correu os olhos no carro, viu dois

marmanjos sentados num banco e falou:

-Ei! Os dois, mostra que são de boa educação, levanta e dá o lugar pro casal.

Trem com licença concedida para avançar até a estação de Sauipe. E vamos embora que Aracaju é longe. E

Major Elesbão de Esplanada colocou a mão no ombro do Telegrafista Zé do Pau Lascado e falou:

-E os finalmentes?

-Sim; o resultado será informado a todas as estações por telegrama e no Sábado, que vem, eu vou nesse trem

fazendo os pagamentos pra quem ganhou.

E o RN1 seguiu sua viagem levando no último banco do último carro um viajante que vinha de longe: o

Aventureiro de Rio Grande que embarcou num trem lá na Estação Marítima na cidade do Rio Grande no Rio Grande

do Sul e ia para Natal no Rio Grande do Norte.

As nove horas e cinquenta minutos o RN1 chegou na estação Sauipe. Embarcou com uma sacola cheia de

piões e baladeiras o Vendedor de Pião de Sauipe, que ia vendendo pião e baladeira para os guris nas estações onde o

trem parava.

Chegou em Capianga as dez e vinte e três minutos. Desembarcou o Tenente Virgulino de Capianga e o doido

Iquizitinga, com uma túnica de cabo da Polícia Militar da Bahia e um boné vermelho de agente de estação da Leste e

que se intitulava ordenança do tenente, correu ao encontro de Tenente Virgulino de Capianga, bateu continência e

falou:

-Tudo nos conforme em Capianga, não nasceu e não morreu ninguém. Mariazinha do Severiano colocou um

par de chifres no marido…

Estação Coti e os vendedores de laranja cercaram o trem:

-Laranja de Coti, a melhor laranja é a de Coti…

E doutor Poti sentiu vontade de comer laranja, dona Jandira reclamou:

-Homi, você tá é doente…

-Jandira, laranja não é veneno, laranja faz é bem.

A correria no segundo de primeira. Que foi? O que não foi? É doença. Já tá é morto. Eita que tem um médico

no trem. Tem não! Tem sim. Doutor Romão de Itabaianinha. Ligeiro seu doutor que o homem tá é morrendo.

Jandira nervosa sacudindo a cabeça de doutor Poti que estava roxo e se contorcia todo.

No último carro o doutor Romão de Itabaianinha, pegou sua maleta. Formou uma confusão já que um tal

Pedrão de Pedrinhas, que se diga tinha jogado no “M” de morre, e mais outros que também apostaram no “M”,

resolveu atacar o médico no corredor do carro:

-Pode dá consulta não! Lugar de consulta é no hospital. No trem não pode: lei de doutor Getúlio Vargas.

E na plataforma da estação formou uma confusão entre apostadores; os do “M” apoiando o Pedrão de

Pedrinhas, os do “V” de vivo apoiando o médico.

Pedrão de Pedrinhas tinha um metro e dez de altura, era um anão de Itabaianinha que tinha fugido da polícia e

ido morar em Pedrinhas.

Itiuba redigiu o telegrama e foi ao escritório da estação pedir para o Telegrafista de Coti enviar para

Alagoinhas: Moribundo está passando mal em Coti.

O que não era bonito tava ficando mais feio: Capitão Severino de Lagoa Redonda estava tomando a liderança

dos que apostaram no “M” e Capitão Silvino de Irapiranga estava do lado dos que apostaram no “V”.

Major Elesbão de Esplanada tinha dois metros e dez de altura, um metro de ombro a ombro, o braço da

grossura da pata de um touro, não era atoa que ele era o rei da vaquejada nos sertões da Bahia e Sergipe. Major

Elesbão pegou o Pedrão pelos fundilhos, levantou no ar, e jogou dentro do “WC”. Doutor Romão seguiu para o

segundo carro de primeira.

Jandira encheu os olhos de lágrimas e pediu:

-Um padre pra dar extrema unção.

Não tem padre em Coti. Não tem padre no trem. Tem um sacristão. E sacristão dá extrema unção? Sei não,

mas não tem tu, vem tu. E cadê o dito? Tá na segunda classe de proza com as quengas de Adelaidina.

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Doutor Poti já sem cor a cabeça no colo de dona Jandira. Doutor Romão com a calma de homem acostumado

com a vida e com a morte, abriu a maleta, tirou a caneta, o bloco de notas, o termômetro, o fonidoscópio. Ia iniciar a

examinar o morto-vivo e esse deu o penúltimo suspiro. Dona Maria Vendedora de Milho Assado na Estação do Timbó

foi mais ligeira que rápida e empurrou o doutor médico, ajoelhou junto de doutor Poti, colocou a mão esquerda na

testa dele e enfiou a mão direita na boca e puxou a meia laranja que estava trancada na goela. Doutor Poti respirou

com a força de um touro.

As onze horas e sete minutos o trem chegou na estação de Entre Rios e o Itiuba correu até a sala do telégrafo

para enviar telegrama para Alagoinhas: Moribundo melhorou, problema era laranjite.

Morena nova e bonita a Coronela Maria da Fé Maior Viúva de Coronel José da Fé com chapéu de cangaceiro,

revolver na cintura andava na plataforma à cata do moço do jogo da vida e morte. Eita! Já chegou aqui a notícia?

Moço depois que inventaram o telégrafo a notícia chega primeiro que o fato. Itiuba explicou:

-Dona Coronela eu cá não recolho apostas.

Coronela Maria da Fé Maior Viúva de Coronel José da Fé se arretou e bateu o pé:

-Oxe! Que democracia democrática é essa? Que o jogo só pode ser jogado em Alagoinhas!

E tremeu a terra entre os rios Itapecuru e Inhambupe porque formou confusão na plataforma, tinha muitos

entrerrienses querendo jogar, inclusive o senhor Padre da Capela de Nossa Senhora dos Prazeres. E foi o Major

Elesbão de Esplanada que chegou puxando o Sacristão de Acajutiba pelo braço e falou:

-Minha amiga Coronela, já tenho a solucionática da problemática. A senhora junte o povo entrerriense e faça

dois bolões de jogo; um bolão no “M” e outro bolão no “V”. Amanhã é domingo e esse trem tá voltando de Aracaju e

as quatro horas da tarde ele tá passando aqui e uma pessoa de confiança confiável vai tá recolhendo os bolões de jogo.

-E quem é dita pessoa?

Major bateu no ombro do Sacristão de Acajutiba que ficou admirado e perguntou:

-Eu?! Eita! E onde eu vou dormir em Aracaju?

Foi Adelaidina quem respondeu:

-O Sacristão fica com eu e mais as minhas meninas na casa da luz vermelha de minha amiga Odete lá no

Bairro do Inácio Barbosa.

Major sacudiu a mão e falou:

-Boa ideia, e assim o Sacristão aproveita a vai aprendendo os primeiramentes do “crescei e multiplicai”.

Coronela Maria da Fé segurou o braço do Sacristão de Acajatiba e falou:

-Pois aguardo você no trem da tarde. Um dia que tiver tempo venha aqui em Entre Rios pra nós comer

escondidinho.

O Sacristão ficou vermelho e gaguejou:

-E eu sou sou um um homem da crença…

-Moço, escondidinho é uma comida.

Os tiros assustaram os passageiros do trem. Vinte e um cangaceiros montados formados em coluna ao lado da

estação de Lagoa Redonda, dando tiros de fuzis para o alto, saudando a chegada do chefe: Capitão Severino de Lagoa

Redonda.

Parado de braços cruzados na plataforma do carro o Capitão Silvino de Irapiranga, falou para Capitão

Severino que acabara de descer do trem:

-É um bandozinho.

Capitão Severino botou as mãos na cintura e falou:

-Com esse bandozinho na hora que eu quiser tomar o estado de Sergipe, eu tomo e fico de pai de todos os

homens e marido de todas as mulheres.

-Pois to lhe esperando no chão de Irapiranga.

-Afinal, o nome daquele chão é Irapiranga ou Itaporanga?

-Pode ser os dois.

-Em lugar que nem tem nome certo eu não vou.

-Bateu o medo?

-Bateu não. Escolha outro chão.

-Geru.

-Geru. De hoje a quinze dias.

As doze horas o trem chegou na estação de Pedras. O Vaqueiro Rubão deu rédea no jegue e encostou no trem,

na janela do carro onde estava o Major Elesbão de Esplanada, e falou:

-Bons dias seu Major.

O Major Elesbão debruçou na janela, sacudindo a mão, e falou:

-Rubão tome os providenciamentos, eu tive uma desconversa com o povo de Alagoinhas, você prepare uma

tropa de jegues, junte gente, faça os preparamentos de munição de guerra e munição de barriga. Provavelmentes

Esplanada vai declarar guerra contra Alagoinhas e vamos fazer a independência da Monarquia Republicana do

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Território do Timbó…

O trem de ferro chegou em Esplanada. Major Elesbão desembarcou e logo tava cercado de cupinchas. Foi o

Donda quem falou:

-Major, o doutor Dantinhas tá querendo ser prefeito.

-Vai ficar querendo.

De Esplanada a Timbó são três quilômetros. As doze horas e quarenta e dois minutos o trem chegou na estação

de Timbó; ponto de almoço. Perto da estação as barracas de vender comida. O cheiro gostoso e doutor Poti sentiu

fome, mas dona Jandira falou:

-Homi, você tá doente…

-Eita! Jandira, doente também come.

Dona Maria Vendedora de Milho Assado na Estação do Timbó, pulou do trem para o chão, que era o chão

dela, e correu pra sua barraca de vender milho. Os fogareiros de brasa onde estavam assando as espigas de milho, um

fogão grande onde estavam as panelas cozinhando milho e as garrafas com manteiga. Chegou perguntando,

fiscalizando e falando com suas cozinheiras enquanto as vendedoras correram pra junto do trem gritando:

-Milho… Assado ou cozido… Milho com manteiga de garrafa.

Dona Jandira concordou que doutor Poti fosse até a banca de café de dona Zefinha pra tomar um café e comer

uma bruaca.

Na plataforma da estação de Acajutiba o Senhor Padre dando um sermão no Sacristão:

-Você um devoto de Nossa Senhora das Candeias me diz que vai pra Aracaju e vai dormir numa casa de

quengas e que amanhã vem no trem de Sergipe recolhendo bolão de jogo, é um pecado...

-Senhor Padre é ordem de Major Elesbão de Esplanada, e olhe que Major mandou falar que ano que vem, ele

vai trazer um trem de gente pra prestigiar as festas de Santos Reis e falou que vai dar ajuda a todos os Ternos de Reis,

e falou que no dia dois de fevereiro, que é a festa da padroeira, ele vai trazer é dois trens de gente e que vai dá uma

ajuda pra terminar as obras da igreja.

O Senhor Padre levantou as duas mãos espalmadas falando:

-Escute, não interrompa, onde foi que eu parei?

-Um pecado.

-Pecado...Sim, um pecado se você não tivesse aceitado tão sublime missão…

E o trem da Bahia parou na estação de Itaiuba as treze horas e quarenta e cinco minutos. Embarcou um

Garimpeiro e a família; mulher e quinze filhos. Garimpeiro nas linhas da Leste era o apelido dos trabalhadores na

conservação da via permanente. A mulher do Garimpeiro olhou o doutor Poti e falou:

-Deus do céu, aquele homem tá passando mal.

Doutor Poti suando, olhos arregalados, e com a pele esverdeada. Dona Jandira correu até o último carro pra

chamar o Doutor Romão de Itabaianinha.

O Itiuba correu até o escritório da estação de Itaiuba e pediu ao Telgrafista de Itaiuba para transmitir o

telegrama: Moribundo passando mal em Itaiuba.

O trem seguiu e o Doutor Romão examinando o doente e procurando a causa de tanto suor e tanta tremura. A

causa não estava no corpo do doente, a causa estava na plataforma da estação de Rio Real. O trem de Salvador parou

em Rio Real e Jurema embarcou decidida falando:

-Cadê o meu docinho de coco?

O docinho azedou e foi ligeiro. Jandira cravou as dez unhas na cara de Jurema que segurou Jandira pelo

cabelo e arrastou pra fora do trem. E as duas eram baianas, e as duas sabiam a capoeira, e apareceu um berimbau, e as

duas dançando capoeira a valer e o Agente de Rio Real bateu o sino e Chefe do Trem fez sinal e o Maquinista puxou a

corda do apito e o trem foi e elas ficaram.

No chão sergipano em Gerú o trem parou e o Vendedor de Pião de Sauipe desembarcou e logo ficou rodeado

de meninos que queriam comprar pião e baladeira. Capitão Silvino de Irapiranga chegou na janela do carro e falou:

-Ei, dê a sacola com tudo pros meninos, que eu pago você… Ei meninos do Gerú; vão lá avisar pro dono do

boteco que arranje bastante cachaça e carne de bode, que de hoje a quinze dias eu vou dá combate ao bando de

Capitão Severino de Lagoa Redonda. Gerú vai ter a maior guerra de todo o sertão nordestino. Depois do combate vai

ter a festa e com um forró de pé de serra…

Itabaianinha, plataforma cheia de povo. Ao lado da estação, formado em fila, o Mini Grupo de Mini

Cangaceiros do Capitão Lamparina; vinte e três anões montados em pôneis. Capitão Silvino de Irapiranga foi saudar o

Capitão Lamparina:

-Boas senhor Capitão Lamparina.

-Boas ao maior Capitão do chão de Sergipe.

-Tudo na boa?

-Não. Temos que declarar guerra ao povo de Pedrinhas.

-Motivo?

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-Mandaram um presente pra meu bando; uma caixa de revólveres.

-Eita, e revólver é presente ruim?

-Era revólver de espoleta…

E na tarde morna de Sergipe a sanfona chorando um baião na segunda classe do trem e o Cego Sanfoneiro de

São Cristóvão abrindo o peito e cantando Asa Branca:

-Quando olhei a terra ardendo qual fogueira de São João. Eu perguntei a Deus do céu; por que tamanha

judiação…

E o Pedrão de Pedrinhas dançando com uma quenga, no corredor do carro. O trem parou em Pedrinhas e a

mulher do Pedrão; a Gingantona de Pedrinhas com dois metros e quarenta e quatro de altura subiu no trem e pegou o

Pedrão pelos fundilhos e arrastou pra fora do trem.

O trem chegando em Boquim e logo foi cercado pelos vendedores que gritavam:

-Laranja de Boquim, é laranja docinha. Laranja de Boquim...

-Queijada, olha a queijada de dona Alexandrina...

-Pirulito de dona Honória, pirulito...

-Saladinha, a saladinha...

Na plataforma da estação Adelino de Tom Zé, o rei da laranja, chupando um pirulito de dona Honoria e

buscando encontrar o Itiuba que era pra fazer uma aposta.

Também chupando um pirulito o Itiuba foi logo falando:

-Aposta é comigo não seu coronel...

Adelino de Tom Zé apontou o pirulito para Itiuba e interrompeu:

-Eu cá não sou coronel e nem tenho títulos militares e eu tenho títulos de nobreza e eu sou o rei da laranja...

Itiuba sacudiu o pirulito e falou:

-Pois vossa alteza tem é que fazer sua aposta é com o sacristão...

Quem sacudiu o pirulito foi Adelino e falando:

-Oxente! Eu não acredito em bispo, vou acreditar em sacristão.

-Agora é que lascou...

-Lascou não! Amanhã eu vou pessoalmente em Alagoinhas fazer a minha aposta.

-Eita! Que é desse jeito que eu gosto de escutar um rei falando. Pois que amanhã é domingo e as nove horas

esse trem tá é voltando de Aracaju pra Salvador e o senhor sobe nele e vai pra Alagoinhas...

Pirulito sacudido no ar e frase interrompida e frase falada:

-Não vou em trem de tabela junto com plebeus, eu vou é em trem especial. Eu o rei da laranja baia vou

contratar uma locomotiva e um carro de luxo...

Pirulito, saladinha e queijada, rapaz! Como é bom ser um homem livre das encrencas de uma mulher. E livre

de Jandira o doutor Poti comprou pirulito e comprou queijada e comprou saladinha e foi de punhado.

O trem parando em Riachão e os meninos correndo na volta dele vendendo pitomba e gritando:

-É a pitomba, tem pitomba...

Doutor Poti abriu a janela e comprou foi é dúzia de pitombas. E a mulher do Garimpeiro de Itaiuba olhou para

doutor Poti e falou:

-Esse vai morrer pelo bucho, não chega vivo em Aracaju.

E o trem seguiu seu rumo e parou em Salgado onde embarcou um grupo de pessoas que formavam a Confraria

do Doce de Salgado iam para um encontro com a Confraria do Salgado em Aracaju. E levavam potes e mais potes

com doces de mangaba e doces de jaca dura. E ofereceram doce para quem queria. E quem queria? Doutor Poti.

Apitando e batendo o sino o trem estava chegando em Itapiranga e o garboso capitão Silvino de Itapiranga se

passeando por dentro trem com a certeza que seu bando estava o esperando na estação e que seria saudado com vinte e

um tiros de bacamarte. Não estava o bando e nem foi vinte e um tiros, quem estava era sua companheira Maria Mais

Bonita. Mal o capitão Silvino colocou o pé no chão sagrado de Itapiranga e Maria Mais Bonita segurou ele por uma

orelha e foi arrastando ele e dando as broncas:

-Seu cabra safado, você tava brincando de micareta com as quengas da Bahia. Vamos pra casa e bem ligeiro

que tem duas mesas cheias de louças e panelas pra você lavar e dá o brilho e mais três tinas de roupa suja...

Trem é desse jeito, uns descem, outros embarca, uns ficam, outros vão e o trem chegou na estação de Rita

Cacete e na plataforma estava seu Genebaldo que estava moribundo motivo que tinha levado uma cacetada na cabeça.

Tudo começou por motivos de uma briga de meninos que estavam jogando pião e deu que fechou o cacete. Histórias

do povoado de Rita Cacete, que é um chão cheio de histórias onde a própria história de Rita Cacete tem várias versões.

Deixe de histórias e coloque o moribundo dentro do trem, que esse trem tem é que chegar em Aracaju.

Batendo o sino e apitando o RN1 procedente de Salvador e com destino a Aracaju chegou em São Cristóvão.

São Cristóvão com seus quatrocentos anos de cultura e histórias. O trem parou e um grupo de são cristovenses cercou

o Itauba para pedir informações sobre as apostas no jogo de vida e morte.

-O povo de São Cristóvão faz os bolões e amanhã o Sacristão de Acajatiba, vai passar aqui, no trem da manhã,

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para recolher os ...

O homem alto com o uniforme de major da Guarda Nacional, ergueu a mão e interrompeu:

-Pare, pode parar. Como representante do povo da Republica Independente de São Cristóvão quero falar que

nós cá não confiamos em sacristão baiano. Sacristão baiano de dia vai à missa e de noite vai para terreno de

candomblé. Sacristão é o que tem bastante aqui, e quem vai levar o nosso jogo será o Sacristão da Igreja do Rosário

dos Homens Pretos...

Enquanto isso, dentro do trem o doutor Poti conseguiu um pacote de briceletes uns doces finos feitos no

Orfanato Lar Imaculada Conceição. Não por culpa dos briceletes, mas por culpa dele que já estava de bucho cheio, foi

quando ele comeu o trigésimo biscoito, começou a espumar pela boca, se contorceu de dor, trocou de cor, revirou os

olhos.

Itiuba enviou telegrama para Alagoinhas: Doutor Poti está morrendo.

O Agente de São Cristóvão enviou mensagens para o Agente de Aracaju avisando que no trem iam dois

moribundos.

Em Aracaju começou o corre-corre providenciando médico, enfermeiros e ambulâncias para transferir os

moribundos da estação para o hospital.

O trem correndo entre as estações de São Cristóvão e Tebaida, doutor Poti estendido no corredor do carro com

o corpo gelado.

O trem parou na estação de Tebaida e o chefe de trem correu a o escritório para avisar que:

-Um dos doentes morreu.

Telegramas de Tebaida para Aracaju. Providencias em Aracaju: troquem uma ambulância por um carro

fúnebre.

Batendo o sino e apitando o trem da Bahia encostou na plataforma da estação de Aracaju. Viajantes apressados

desembarcando, jornaleiros gritando, carregadores oferecendo seus serviços.

Um enfermeiro entrou no trem para analisar os dois moribundos, analisou, debruçou na janela do carro e

avisou:

-Um entrou em óbito.

-Qual deles?

-O que morreu.

Doutor médico com anel de pedra, retirou do bolso da calça um bloco de apontamentos e do bolso do casaco

uma moderna caneta tinteiro, rabiscou e perguntou ao enfermeiro:

-E o que não morreu?

-Está vivo.

-Está bem?

-Sim.

-Bem bem ou bem mal.

-Bem mal.

Primeiro as burocracias da ferrovia: o chefe do trem entregou o trem ao agente. O agente pegou a antiga pena

metálica molhou a ponta no tinteiro e assinou a folha de trem, folha assinada, pegou o carimbo e carimbou.

Trem entregue o momento da segunda burocracia: para retirar o corpo do trem era preciso a presença da

autoridade policial.

O garboso cabo da Policia Militar do Estado de Sergipe assumiu o comando da operação e deu início a terceira

burocracia: solicitar a presença da Polícia Civil de Aracaju para identificar o morto.

Doutor Delegado, nomeado por apadrinhamento político, fez as devidas analises do caso e providenciou a

quarta burocracia. Faz se necessário a presença de um perito criminal.

Um camareiro do trem falou:

-Gente, o que entrou em óbito é defunto, está morto e já é um cadáver, vamos nos preocupar com o moribundo

que ainda está vivo e resta uma esperança.

O enfermeiro respondeu:

-A única esperança, que tem hoje em Aracaju, é que o Confiança ganhe o campeonato...

O médico examinou o moribundo e concluiu:

-No momento em que movimentar com ele tem cem por cento de possibilidade de entrar em óbito.

Então o melhor é chamar um padre para dar a extrema unção. Busquem o padre. E chegou o padre:

-Dominus séculos séculiris! A causa mortis est?

O camareiro do trem falou:

-Bucho cheio.

O padre sacudiu os braços e fez o sinal da cruz. O enfermeiro contou:

-Está empanturrado.

O padre uniu as mãos dizendo:

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Pater nostros!

O médico explicou:

-Excesso alimentar.

O padre sacudiu a mão e:

-Em vossa visão cientifico pagã. Em verdade vos digo: estamos diante de um pecado de gula. Gula! Não posso

dar extrema unção a quem está em pecado, ele é de satanás.

O médico ordenou aos enfermeiros:

-Coloca na maca e leva para a ambulância, seja o que o diabo quiser!

Itiuba enviou um telegrama para Alagoinhas: Poti levado para o hospital em Aracaju.

Chão que se presa tem o seu boteco e boteco que se presa tem o seu diferencial. O caldinho do Boteco de Zé

Chinfrim era bom demais. Ali em Alagoinhas na Rua Quinze naquele cantinho perto da Estação da Leste tinha o

Boteco do Zé Chinfrim, na frente do boteco, na calçada, o Tabuleiro de Inocência que vendia o melhor acarajé da

Bahia. Tinha a Banca de Toinho que vendia jornal, revista, bolinha de gude, pirulito, pião, baladeira, soldadinho de

chumbo e gibi, aliás gibi vendia e trocava. Quando não era hora de trem ali faziam ponto dona Maria do Mangalô com

seu carrinho de mão para fazer fretes e mais o seu Zé da Laranja com seu tabuleiro.

E foi no Boteco do Zé Chinfrim que o telegrafista Zé do Pau Lascado e o Zé do Itareru instalaram a banca

principal do jogo de vida ou morte de doutor Poti. Coisa bem ajeitada com mesa, e em cima da mesa, tinteiro, mata

borrão, pena metálica, lápis, blocos de apontamentos, jornais e revistas. Um quadro de avisos onde eram afixados os

telegramas e era anotado o valor total das apostas e os rateios.

Domingo e um sol brilhante iluminando a praia de Atalaia na bonita Aracaju a capital do estado de Sergipe.

Na Estação da Leste os preparativos para a partida do trem PN1 com destino a cidade de Propriá.

Trem de domingo muita gente alegre na plataforma. A delegação do Clube Sportivo Sergipe , equipe de

futebol , embarcando para ir a Maroim jogar contra o Ypiranga Sport Clube.

No carro de bagagens um colchão estendido no chão e deitado no colchão o doutor Poti. Ao lado dele as duas

malas: a amarela e a verde. Um médico fazendo a entrega do paciente ao Itiuba:

-Você será o responsável pelo moribundo. Digo que fizemos todos os procedimentos necessários para manter

em bio, foram ministrados laxantes e hidratantes e também sedativos. O paciente está sob efeito de uma poção

poderosa para o trazer de volta ao mundo dos vivos...

-Poção poderosa! De qual laboratório?

-É produto artesanal comprado na Feira de Caruaru.

-Boa procedência...

-Como eu estava falando: uma poção poderosa e cujo resultado será conhecido as dez horas e trinta minutos.

Exatamente isso: as dez horas e trinta minutos o paciente estará vivo ou estará morto...

A alegre equipe de remadores do Cotinguiba Esporte Clube que seguia para uma corrida de canoas em Propriá.

Pessoas coloridas embarcando para passarem o domingo nos sítios em Calumbi, Cotinguiba e Laranjeiras.

Itiuba assinou o devido documento de recebimento do moribundo. Documento assinado, carimbado, selado e

manchado do caldo da graviola que o enfermeiro estava comento.

-Vai partir o trem para Propriá. Passageiros para Laranjeiras, para Maroim, para Rosário Catete...

Oito horas e vinte minutos o trem PN1 saiu da Estação de Aracaju.

As oito e trinta e oito o trem chegou na estação do Calumbi e um grupo de meninos correu a o lado dele

vendendo mangaba. Gente que desceu, gente que subiu e trem que seguiu.

Cotinguiba e embarcou um grupo de Cantoria de Reis que iam para se apresentar em Laranjeiras.

Camareiros avisando:

-Próxima estação é Laranjeiras... Laranjeiras...

O trem chegou na bela, charmosa e cheia de história cidade de Laranjeiras. Gente alegre desembarcando,

gente alegre embarcando.

Um oficial de justiça entrou no trem procurando um cidadão com o pomposo nome de José da Silva mais

conhecido pela alcunha de Itiuba. Encontrado o dito cujo foi convidado a comparecer a sala de espera da estação onde

o aguardava uma comissão de cidadãos laranjerense, o qual líder falou:

-Senhor Itiuba estamos aqui para entregar as apostas dos cidadãos de Laranjeiras...

Itiuba esfregou o pé no chão e interrompeu:

-Agora é que lascou! Eu só acompanho o morto vivo. Eu não recolho apostas.

E lascou mesmo, o qual líder aumentou o tom de voz falando:

-Sabedores somos que os poveiros, quem vive em povoado e poveiro, de São Cristovão. Pergunto: por que nós

cidadãos, quem vive em cidade é cidadão, de Laranjeiras não podemos jogar?

-É pois que na linha de Aracaju pra Alagoinhas agora nessa hora está indo um trem e nesse trem está indo um

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sacristão e cujo falado sacristão vai fazendo o devido recolhimento das apostas...

-Entendi, o entendimento está entendido. Nesse trem aqui, trem de domingo vai de Aracaju a Propriá, chega lá

bebe água do São Francisco e da volta. Não vai um sacristão: vai um Frei da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da

Comandaroba e mais um Filho do Terreiro dos Filhos de Oba. Os ditos dois vão até Propriá e comem uma moqueca de

surubim e as quatorze horas sobem no trem e voltam recolhendo as apostas...

Estação Riachuelo e muita gente na plataforma e muito empurra e corre: eram os passageiros que

desembarcaram do trem e queriam pegar lugar no pequeno trolei a motor que ligava a estação com a cidade. A estação

ficava distante seis quilômetros da cidade. O burburinho fez com que o Itiuba enfrentasse uma Batalha do Riachuelo

até conseguir entrar no escritório da estação onde enviou telegramas para Alagoinhas, comunicou o combinado e

Laranjeiras e avisou: Poti está na porta para entrar em óbito.

O trem parou na pequena estação de São José da Mata onde desembarcou uma moça bonita e embarcou uma

velha feia.

Alegria na estação de Maruim. Bandeiras do Ypiranga Sport Clube, torcedores com a camisa azul e branca. A

madrinha do clube, diretores e atletas recepcionando a delegação do Clube Sportivo Sergipe.

O trem saiu da Capital Sergipana do Futebol e o Itiuba foi para o carro de bagagens. Aproximava-se a hora da

resposta da milagrosa poção comprada na Feira de Caruaru.

Dez horas e trinta minutos. O doutor Poti deitado de barriga para o ar, pele roxa, olhos arregalados. Parados,

olhando para ele, o Chefe do Trem e o Itiuba. O trem estava chegando na estação de Rosário do Catete. O Chefe do

Trem agachou e tocou na testa do moribundo:

-Está gelado.

Batendo o sino e apitando o Trem de Domingo chegando na Cidade dos Governadores, a Cidade da Política: a

bonita Rosário do Catete.

O Chefe do Trem orientando o Itiuba:

-Você providencia o enterro aqui em Rosário e pode voltar para Aracaju com a gente. Esse trem passa de volta,

aqui, logo as dezenove horas e trinta minutos...

Na plataforma duas bandas de música masculinas e uma feminina, prontas para tocarem a marcha fúnebre.

O trem parou e os vendedores de milho começaram a gritar:

-Milho catete asado... Milho catete assado...

-Olha o catete cozinhado com manteiga de garrafa...

Itiuba enviou telegrama para Alagoinhas: Doutor Poti entrou em óbito.

Os vendedores de milho gritando. No carro de bagagens o doutor Poti deu um suspiro, começou a soltar

espuma pela boca, deu um pulo e ficou de pé pedindo:

-Eu quero milho asado...

As bandas estavam iniciando a tocar a marcha fúnebre. Interromperam e começaram a tocar Tico-tico no Fubá.

Itiuba correu a enviar o telegrama: Doutor Poti saiu do óbito.

E o trem continuou sua viagem e chegou na estação de Carmópolis onde o Monge Louco de Carmopólis

estava na plataforma sacudindo o bastão e gritando:

-Aleluia que é pecado jogar. Jogo de vida e morte. Quem brinca com a morte morrerá e quem não brinca

também...

Estação de Jamparatuba a plataforma embandeirada para receber os visitantes. Muita gente, alegre e colorida,

descendo do trem para participar da Festa das Cabacinhas.

Desembarcou um grupo grande de pessoas que iam para o povoado de São José da Caatinga.

A moça bonita, que estava vendendo artesanato na plataforma da estação, jogou uma cabacinha perfumada no

Itiuba e ele muito alegre começou a descer do trem, mas o Chefe do Trem o segurou pelo braço:

-Você tem que continuar a viagem, você é responsável pelo morto vivo.

Murta, estação de entrada para o ramal de Capela. O mulato de terno branco, gravata vermelha e chapéu azul e

que se apresentou como sendo pirotécnico e que estava indo para a cidade de Capela onde ia vender espadas para a

tradicional Guerra das Espadas na Festa de São Pedro, queria saber a que horas tinha trem para Capela.

-Hoje é domingo, o trem para Capela só logo de noite.

-É longe?

-Daqui de Murta até Capela são doze quilômetros.

-E como eu faço para chegar em Capela?

-Está saindo daqui para Capela uma vagoneta dos garimpeiros...

-E aqui tem garimpo?

-Garimpeiro, o povo chama, é quem trabalha na conservação da via...

E o trem continuou sua viagem até chegar em Muribeca.

E a locomotiva sendo abastecida de água. E os meninos na volta do trem vendendo banana e doutor Poti

comprou um cacho de bananas.

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E as doze horas e quarenta e cinco minutos o trem saiu de Muribeca e as treze horas e quinze minutos chegou

em Malhada dos Bois. Embarcou um grupo de vaqueiros vestidos com roupa de couro, gente que ia trabalhar em

Batinga.

Estação de Batinga e perto da estação um grupo de vaqueiros com gibão de couro e com alguns cavalos para

os companheiros que estavam vindo de Malhada dos Bois. Ia ser dia de serviço de pega de boi nas caatingas de

Batinga.

As quatorze horas o PN1 chegou a estação de Propriá nas barrancas do Rio São Francisco. La na outra

margem a cidade alagoana de Porto Real do Colégio.

O marinheiro, que tinha embarcado em um trem lá no sul do Rio Grande do Sul, na estação Marítima na

cidade do Rio Grande, olhou as águas tranquilas do Velho Chico e encheu os olhos de lágrimas.

Viajantes apressados foram para a Orla embarcar nos tototós para atravessar o rio em busca de hotel.

Doutor Poti, segurando a mala amarela e a mala verde, foi um dos primeiros a desembarcar na Orla de Porto

Real e procurando um restaurante para comer uma peixada e o doce “pé de nêgo”: coisas de Porto Real.

Itiuba desembarcou tranquilo. Trem de Porto Real para Maceió só no outro dia. Resolveu passar a tarde de

domingo em Propriá.

Muito movimento na Orla de Propriá, era dia de corrida de canoas. Itiuba achou de faturar uns trocados e

montou seu tabuleiro de jogo do Bozó de Feira. De noite foi para um brega dançar com as quengas que ninguém é de

ferro.

Alagoinhas era dia de clássico do futebol entre o Agulha e o Gato Preto. E o movimento na cidade era grande.

No boteco de Zé Chinfrim o movimento era um fervo. Veio o Trio Elétrico do Catu. Era gente lendo o quadro de

avisos, era gente dando palpites, era gente jogando no Jogo da Vida e Morte.

Era tanta gente tomando o caldinho do boteco que Zé Chinfrim teve que contratar três cozinheiras.

Zé do Itareru e o telegrafista Zé do Pau Lascado daqui para ali e de ali para aqui, administrando o jogo. E

telegramas que chegavam dos quatro cantos da Bahia.

Na estação de Porto Real do Colégio o trem da Rede Ferroviária do Nordeste estava pronto para partir com

destino a Maceió. Carregadores se movimentando na plataforma, viajantes embarcando.

O Plantador de Fumo de Arapiraca conversando com o senhor Juiz de Paz de Quebrangulo. A Mulher Gorda

de Lagoa da Canoa orientando a Mulher Magra de Lagoa do Rancho. O Poeta de Palmeira dos Índios vendendo seus

livrinhos de versos.

Apressado o Itiuba chegou a estação ainda com o perfume das quengas e foi recebido pelo Sargento Soiza, o

Cabo Atanagildo e o Soldado Vinte e Cinco. E quem falou foi o Sargento Soiza:

-Alto lá seu Itiuba, temos que falar do jogo...

-Eita! A notícia já chegou aqui em Alagoas?

-Chegou no Brasil todo. A Rádio Nacional do Rio de Janeiro, interrompeu a Rainha do Rádio, a grande

Emilinha Borba, que estava cantando “Lencinho Branco” para transmitir a nota...

-Eita que lascou!

-Quero avisar que no Estado de Alagoas, terra do Proclamador da República...

-E foi no grito...

-Escute: em Alagoas esse jogo está proibido...

-No Brasil é proibido proibir...

-Escute: o Serviço Secreto da Policia Municipal de Urupema já descobriu nas estações do Ramal do Colégio

estão fazendo bolões desse jogo e que pretendem entregar a você. Você está proibido de receber os bolões.

-Cumprirei a ordem...

-Escute: o Cabo Atanagildo vai nesse trem para vigiar você...

Cabo Atanagildo um mulato alto, magro, dentes de ouro, tomou posição de sentido e bateu continência.

Sargento Soiza passou a ordem:

-Cabo acompanhe o Itiuba e qualquer tentativa de ele receber um bolão do jogo, dê voz de prisão, coloque a

algema e remeta para Maceió.

Formado na escola da vida o Itiuba coçou a cabeça e pensou em voz alta:

-Vou no comércio comprar um baú com cadeado...

-Pois aqui está o seu baú...

Quem falou foi o Vivancio Vivaldino que vinha atravessando a plataforma com um baú na cabeça. Vivancio

era recolhedor de jogo de bicho, garçom de brega e, em dia de feira, tinha uma banca de jogo da argolinha.

Itiuba sorriu e agradeceu. Vivancio entregou o baú falando:

-O baú e dentro os dois pacotes...

O esperto Cabo Atanagildo perguntou:

15

-Que dois pacotes?

Vivancio falou a explicação:

-É duas bíblias, a bíblia dos vivos e a bíblia dos mortos...

Transbordando de alegria o doutor Poti embarcou no trem e o Itiuba enviou telegrama: Poti com ótima saúde

iniciou viagem.

Apitando e batendo o sino o trem saiu de Porto Real. E batendo o sino e apitando chegou na estação de Lagoa

da Canoa. Na plataforma o Beato Zebedeu foi ao encontro de Itiuba a quem entregou a imagem de um santo, imagem

feita de barro: um cangaceiro segurando uma cruz. O esperto Cabo Atanagildo foi para junto dos dois e perguntou:

-Que santo é esse?

-São Virgulino o protetor dos pistoleiros.

O cabo falou grosso:

-Isso é santo do pau oco...

-Seu cabo, a imagem é de barro, é oca, mas aí dentro tem vida e morte...

Arapiraca Capital do Agreste, e o trem chegou na Terra do Fumo. Gente desembarcando, gente embarcando.

Na plataforma da estação pilhas de rolo de fumo prontas para serem carregadas no vagão de encomendas.

O fumo de Arapiraca adubado com esterco de bode. Um plantador de fumo deu de presente para o Itiuba dois

pacotes com fumo:

-O que tem a letra “V” é de fumo verde e o que tem a letra “M” é de fumo maduro...

Cabo Atanagildo saiu de perto porque não gostava do cheiro de fumo.

E vamos em frete que temos que chegar a Maceió.

Lagoa do Rancho, estação Lagoa do Rancho e a moça bonita vendendo café e bolo de inhame e doutor Poti

pulou de alegria e foi o primeiro e pedir:

-Dois cafés e quatro bolos.

De Lagoa do Rancho até Igaci: doze quilômetros. O trem parou na estação de Igaci e os vendedores de

churrasquinho de bode começaram a gritar:

-Churrasquinho baratinho... Churrasquinho.

E doutor Poti abriu a janela e mostrou a mão com dois dedos estendidos, e o vendedor perguntou:

-Dois espetinhos?

-Duas dúzias...

Churrasquinho de bode mergulhado no vinagrete e rolado na farinha de mandioca.

E o trem da Rede Ferroviária do Nordeste continuou sua viagem e chegou na bonita cidade de Palmeira dos

Índios. A Princesa do Sertão. E gente embarcando e gente desembarcando e Ranulfo Santeiro entregou dois santos

para o Itiuba.

-São Vivino e São Mortino...

Cabo Atanagildo escutou, olhou as imagens feitas de madeira e ficou desconfiado: é santo do pau oco.

Parada rápida na estação Anum onde embarcou o Cassaco de Anum e a família. Cassaco era como o povo

chamava os trabalhadores na conservação da via permanente da Rede Ferroviária do Nordeste.

Quebrangulo, cidade cortada pelo Rio Paraíba do Meio e pelo Rio Quebrangulinho; a Veneza do Sertão. E o

trem da Ferroviária parou na estação de Quebrangulo e uma moça bonita entregou dois pacotes ao Itiuba:

-O senhor está em Quebrangulo terra de Graciliano Ramos e nós o estamos regalando com dois livros desse

escritor. O pacote que tem a letra “V” é que tem o livro Vidas Secas, e o pacote com o “M” é o Memórias do Cárcere...

Cabo Atanagildo não tinha mais dúvidas: o sujeito estava recolhendo apostas do jogo. E ele tinha a ordem de

prender e ia prender o Itiuba.

Batendo o sino o trem chegou na estação de Paulo Jacinto. Na plataforma um soldado da Policia Militar do

Estado de Alagoas. Cabo Atanagildo saltou do trem e caminhou decidido ao encontro do soldado. O soldado

energicamente tomou posição de sentidos fez continência e se apresentou:

-Soldado meia- meia.

-Acompanha eu, vamos prender um meliante.

Um, dois e os dois marcharam ao encontro do Itiuba, e o Cabo Atanagildo deu voz de prisão:

-Você está preso por receber presentes...

-Eita que lascou! E receber presente é crime? Eu ando de trem por todo esse Brasil e sempre ganho presente...

-Dois presentes; um com “V” e outro com “M”???

-Acredite que eu em viagem no Mato Grosso, indo de Campo Grande para Corumbá, no Trem do Pantanal,

mas acredite que na estação de Piraputanga eu fui comprar um chipá e ganhei duas onças...

-Mas onça é com “O”, não tem “V” e nem “M”...

-Tinha: a onça V estava viva e a onça M estava morta...

-Mas você está preso...

-Cabo o senhor vai me prender por motivo de uma dádiva divina?

16

-Isso é conversa de cabra malandro...

-Cabo, pois eu conto: sempre viajando sempre ganhando dois presentes e eu fiquei cismado fui na estação da

Itiuba tomei um trem e fui bater em Aparecida do Norte. Fui ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do

Brasil e lá tomei um sermão do Bispo e recebi a penitencia de subir num trem e atravessar São Paulo, Rio de Janeiro,

Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e cortei a Paraíba de cabo a rabo...

-Como falou?!

-De Itabaiana a Sousa e de Sousa fui para a República do Cariri e no Juazeiro do Norte fazer o agradecimento.

Porque esse dom de ganhar presentes, que eu tenho, é uma graça de meu padrinho Padre Cicero Romão Batista...

Cabo e soldado tomaram posição de sentido e fizeram o pelo sinal da cruz.

E o trem de ferro saiu de Paulo Jacinto soltando fumaça e bufando pelos cilindros e viajou até Viçosa. Viçosa

a Princesa das Matas. Perto da estação muitas tropas de jumentos com as cangalhas carregadas com fardos de algodão

e pilhas de fardos na plataforma do armazém ferroviário.

A locomotiva foi abastecida de carvão e água e doutor Poti se abastecer. Perto da estação a Banca de Comidas

de Dona Maria do Sabalangá. E comeu galinha de cabidela e comeu bolo de macaxeira. E a Mulher do Cassaco de

Anum contou o número de pratos que ele comeu e falou:

-Foi, é cinco pratos de galinha de cabidela e mais dez pedaços de bolo de macaxeira. Ele vai morrer de

congestão.

Um maluco se passeando na plataforma e anunciando que ia começar a “Guerra Entre Lisos e Cabeludos”.

Roupa de vaqueiro vistosa, subiu no trem, o Vaqueiro de Urupema: o campeão da Vaquejada de Viçosa.

Cabo Atanagildo ficou abestado de olho caído pro lado da Mulata Bonita do Bairro Salabangá, que foi a

Princesa Moura na Cavalhada de Viçosa. Ela subiu no trem e ele foi atrás tropeçando na sombra dela.

Itiuba foi ao escritório da estação mandar telegrama: Em Viçosa o Poti está com muito viço.

E o trem de Colégio foi saindo lento do recinto da estação de Viçosa. Recinto que estava cheio de vagões, uns

carregados com algodão e outros com açúcar.

Cajueiro, estação Cajueiro. Os vendedores gritando:

-Olha o caju, é caju...

E doutor Poti comprou um punhado de cajus.

E o trem continuou sua viagem e a Mulata Bonita do Bairro Salabangá desfilando no corredor do vagão. Cabo

Atanagildo de olho caído, doutor Poti chupando caju e de olho na bunda dela. A Mulher do Cassaco de Anum beliscou

o marido.

Estação Tinguijabas, embarcou a bonita Professora de Tinguijabas e Cabo Atanagildo ficou vesgo. Doutor Poti

chupando caju ficou tonto. E o trem começou a sair da estação de Tinguijabas e doutor Poti se engasgou com a

semente do caju e ficou roxo, e com falta de ar, e levantou, e abriu a janela e debruçou, estava mal. Foi a Professora de

Tinguijabas que avisou:

-O senhor está engasgado.

E Mulata Bonita do Bairro Salabangá pediu:

-Alguém sacode ele.

Cabo Atanagildo correu para atender o pedido e sacudiu doutor Poti, mas sacudiu com muita força e doutor

Poti saiu pela janela e caiu do trem.

- O omi caiu! Para o trem.

-Guarda-freio! Para o trem.

Doutor Poti, de barriga para cima, estendido na beira dos trilhos. Correu o povo de Tiguijabas. O trem parou,

lá longe, e começou a recuar.

-Coitado. Morreu.

Chefe do Trem e o Agente de Tinguijabas trocaram ideias. Tem que desengatar a locomotiva e ir até Capela

para trazer a polícia.

Itiuba correu ao escritório da estação para mandar o telegrama: Doutor Poti morreu em Tinguijabas.

A Mulher do Cassaco de Anum tirou da bolsa um espelho e colocou perto da boca do defunto. Um mini micro

bafejo marcou o espelho. Tinha um fio de vida, tinha um fio de esperança.

E deitaram o doutor Poti no assoalho do carro de bagagens e continuaram a viagem.

Em Capela um auxiliar de enfermeiro estava na estação esperando o trem para atender o moribundo. Auxiliar

de enfermeiro? E o enfermeiro? Está de férias. E o médico da cidade? Está de folga. O auxiliar de enfermeiro colocou

uma compressa de água fria na testa do vivo morto e falou:

-Leva para Maceió que lá tem mais recurso.

Itiuba enviou telegrama: Doutor Poti ressuscitou em Capela.

A chegar em Atalaia. A estação de Atalaia ficava afastada da linha principal. O trem parou e começou a recuar,

entrou num desvio até a estação. Na plataforma um pelotão da Policia Militar. O sargento entrou no trem e deu voz de

prisão ao Cabo Atanagildo.

17

-Você está detido, por tentativa de homicídio. Você jogou um passageiro para fora do trem.

Urupema o trem parou e o Vaqueiro de Urupema seguiu na direção da Mulata Bonita do Bairro Salabangá,

segurou a mão dela e falou:

-Você quer casar mais eu?

-Só se for hoje.

-É agora.

E os dois desceram do trem abraçados

Estação de Lourenço de Albuquerque, entroncamento do Ramal de Colégio com a Linha Sul. Em Lourenço

desembarcou o Cassaco de Anum e a família. Curiosa, a Mulher do Cassaco de Anum, foi até o carro de bagagens para

espiar o moribundo. Espiou, tirou de dentro da bolsa uma pinça, que mulher usa para arrancar sobrancelhas, agachou

junto o moribundo, abriu a boca dele e com a pinça tirou o caroço de caju que ele tinha na garganta. Doutor Poti

respirou e perguntou:

-Falta muito pra chegar em Maceió? Eu estou doido para tomar um caldinho de sururu e comer cuscuz

recheado.

Maceió seis horas da manhã e era grande o movimento na Estação da Cidade. Na capital das alagoas eram

quatro estações ferroviárias: Jaraguá, essa era no porto, Bebedouro, Fernão Velho e Maceió que o povo chamava de

Estação da Cidade.

Passageiros apressados embarcando: gente que ia para longe, gente que ia para perto. Um grupo alegre de

Trabalhadores na Usina Açucareira de Utinga. A Cafetina Josenilda e suas quengas que seguiam para São José da Laje.

Doutor Florisvaldo, importante homem público em Murici. O rico Produtor de Cana em Branquinha. O Padre de

União dos Palmares. Um pelotão de soldados da Policia Militar que seguia para Barra do Canhoto onde um pistoleiro

estava infernizando a vida dos moradores. Um Grupo de Freiras de Recife.

Camareiros orientando o embarque, Carregadores atarefados, o Chefe do Trem fiscalizando tudo, Guarda

Freio examinando os engates e as mangueiras do freio a ar. Jornaleiros gritando:

-A Gazeta... Jornal a Gazeta...

- A Tribuna...

As seis horas e cinco minutos ecoou na Capital de Alagoas o apito da potente locomotiva tipo Garrat que saiu

tracionando o trem de prefixo PS1 com destino a Recife. Um vagão de encomendas, um carro de bagagens, cinco

carros de segunda classe, oito carros de primeira classe, compunham o comboio que com uma carga de mais de

seiscentas pessoas iria varar os trezentos e cinquenta quilômetros entre as duas importantes capitais, passando por

povoados, vilas e cidades.

Parada rápida na estação de Bebedouro, junto a estação o atracadouro das pequenas embarcações que

navegavam pela Lagoa do Mundaú e seus afluentes.

Estação Fernão Velho, junto a Lagoa do Mundaú onde embarcou a Nova Loira de Fernão Velho.

Estação Satuba onde embarcou um grupo de cortadores de cana que seguiam para os canaviais de São José da

Lage.

Trem chegando de vagar no recinto da estação Utinga, recinto cheio de vagões carregados com açúcar. A

grande usina açucareira com ferrovia própria para trazer a cana dos canaviais. Desembarcaram vários trabalhadores da

usina.

As sete horas o trem PS1 chegou na estação Gustavo Paiva e o Itiuba iniciou a trabalhar, foi ao escritório

enviar telegrama: Doutor Poti gozando de ótima saúde em vigem de Maceió para Recife.

Lento o trem entrou pela rua principal da cidade, encostou na estação de Rio Largo, gente descendo, gente

subindo. Os vendedores de beijus cercaram o trem. Doutor Poti comprou meia dúzia.

A potente Garrat batendo o sino e apitando atravessou a grande ponte sobre o Rio Mundaú e chegou com o seu

trem em Lourenço de Albuquerque o entroncamento com o Ramal de Colégio, muita gente para embarcar e os

meninos subindo no trem para marcar lugar e vender para os viajantes.

Em Lourenço embarcou o Aventureiro de Rio Grande que vinha da estação Marítima no Rio Grande do Sul e

ia para Natal, ele tinha chegado ali na véspera pelo trem de Porto Real do Colégio.

Confusão na segunda classe: a Mulher Gorda de Murici brigando com a Mulher Gorda de Nichó por causa de

lugar, é que as duas não cabiam no mesmo banco.

Na primeira classe o Nobre Vereador de Murici reclamando com o Camareiro a falta de lugar para sentar.

Trem lotado saiu de Lourenço e as sete horas e vinte e seis minutos chegou na estação de Mundaú.

Movimentada a estação com o cruzamento de dois trens.

Na segunda linha o trem de prefixo MS18 que procedia de São José da Laje: trem misto levando gente e carga.

Trem com leite, frutas e verduras para as feiras e mercado de Maceió.

Desconfiado embarcou o Bandido de Mundaú e sentou num canto de um dos carros de segunda classe.

Estação Itamaracá e embarcou na segunda classe o Sanfoneiro de Itamaracá.

18

As oito horas o PS1 chegou em Murici. Murici a Princesinha das Matas, cidade rica. A estação na praça

principal da cidade: Praça João Pessoa.

Doutor Poti desceu e correu até a Banca do Vendedor de Caldo de Cana. Itiuba também foi tomar caldo de

cana.

Doutor Poti olhou para o Itiuba e ficou cismando uma coisa: aquele sujeito ele já tinha visto no trem da Bahia,

tinha visto no trem de Colégio. É que doutor Poti, o personagem principal dessa história, ainda não sabia disso. Tomou

o caldo de cana e voltou para o trem e cismando.

De Murici a Nichó são sete quilômetros e o trem parou em Nichó onde desembarcou a Gorda de Nichó e

embarcou na segunda classe o Vendedor de Galinhas de Nichó com dois sacos cheios de galinhas vivas, ligeiro,

colocou os dois sacos com galinhas debaixo do banco antes que o Camareiro visse. As galinhas cacarejaram e a Velha

de São José da Laje reclamou:

-I pode? Galinha dentro do trem!

A Velha de União dos Palmares defendeu o Vendedor de Galinhas de Nichó:

-Deixe o omi ganhar a vida dele.

Para abafar o som dos cacarejos das galinhas o Sanfoneiro de Itamaracá abriu a gaita e começou a tocar um

baião.

Estação Branquinha e em Branquinha desembarcou o Produtor de Cana e embarcou no carro de segunda

classe onde a sanfona chorava um baião a Pretinha de Branquinha: negra alta, pele lustrosa, muito bonita que fez os

homens regalarem os olhos.

O Camareiro percorrendo trem e avisando:

-Próxima estação é União dos Palmares... União dos Palmares...

Terra da Liberdade a cidade de União dos Palmares onde o PS1 chegou as oito horas e quarenta minutos.

Muito movimento na plataforma, palmarianos desembarcando, palmarianos embarcando.

Desembarcou o Padre da Igreja Matriz de Santa Maria Madalena.

Na segunda classe embarcou o Corredor de Jegues de Peri-Peri: o campeão da Corrida Palmariana do Jumento

Alagoano.

Desembarcou o Vendedor de Galinhas de Nichó e rumou para a feira afim de vender suas galinhas.

E o trem deixou a cidade cujo lema é: Liberdade acima de tudo.

Estação Barra do Canhoto, pelo lado direito do trem desembarcou o pelotão de Soldados da Policia Militar

que vinha de Maceió para caçar um pistoleiro. Pelo lado esquerdo do trem embarcou, sorrateiro, o Pistoleiro de Barra

do Canhoto.

La vinha o trem entrando na ponta da rua, em Alagoas os trens andam dentro das cidades, e o Doidinho da

Estação saiu pulando e gritando:

-Aí vem o Maceió, o Maceió...

Estação de São José da Laje. Desembarcou a Cafetina Josenilda e as suas quengas e o Doidinho da Estação

saiu gritando:

-As quengas voltaram. As quengas...

Descarrega pacote com jornais, descarrega bolsa do Correio Nacional, descarrega latas com rolos de filme

para o cinema.

Doutor Poti pulou do trem e foi até a Banca do Caldo de Cana para tomar caldo de cana e comer pastel de

feira, ele que cismado estava, mais cismado ficou quando escutou o Vendedor de Caldo de Cana falar para um viajante:

-É nesse trem que está viajando o Moribundo do Jogo de Vida ou Morte...

E o Camareiro avisou:

-Vai sair o trem para Pernambuco: passageiros para Recife, Palmares, Catende e Garanhuns...

Bateu o sino da Estação de São José da Laje e o trem saiu apitando.

Estação Serra Grande e a grande usina de cana de açúcar, usina que tinha sua ferrovia para trazer a cana dos

canaviais. Subiu gente, desceu gente e o trem saiu de Serra Grande e saiu de Alagoas.

E a potente Garrat com seus dois tenderes, um para o carvão e outro para a água, entrou com o seu trem no

chão de Pernambuco. Nove horas e cinquenta minutos o trem parou em Água Vermelha. E na plataforma uma

importante comitiva: Juiz de Paz de Canhotinho, Comandante da Guarda Noturna de Canhotinho, Padre da Igreja

Matriz de Canhotinho, o Presidente da Comissão Organizadora da Festa de São Sebastião de Canhotinho, o Líder dos

Moradores de Água Vermelha e o Cabo Severino da Policia Militar de Pernambuco. E o Cabo Severino marchou por

dentro do trem dando a ordem:

-José da Silva desembarque... José da Silva é para descer do trem.

E desceu José, e não foi um: na plataforma da Estação de Água Vermelha uma fila de vinte e oito José da Silva.

E o senhor Juiz de Paz de Canhotinho falou:

-Todos com o documento na mão.

Documento, naquele tempo, era a certidão de nascimento ou a certidão de batismo.

19

Doutor Poti estava de olho arregalado e ouvido aberto prestando a atenção naquele fuzuê.

O primeiro da fila com uma certidão que de tanto dobrar e desdobrar já estava dividida em quatro pedaços.

-Você é de onde?

-Angicos no Rio Grande do Norte.

O segundo com a certidão manchada de gordura, caldo de cana e molho de tomate:

-Eu sou é de Cabedelo na Paraíba...

-E você?

-Lascou! Eu sou é de Itiuba na Bahia...

-É você mesmo. Os outros voltem pra dentro do trem. Você, seu Itiuba, é quem está recolhendo as apostas do

Jogo de Vida ou Morte?

-Não senhor, apenasmente só estou acompanhado a viagem do dito Moribundo...

-Pois muito bem, e dentro do Pernambuco você está proibido de recolher apostas. Em Pernambuco a gente deu

um jeitinho de legalizar este jogo deslegalizado. As apostas são feitas nas estações e os Agentes remetem o dinheiro

num envelope lacrado, carimbado e selado...

Doutor Poti escutou o que queria escutar e ficou sabendo o que queria saber.

Vamos embora que o Recife é longe.

Trem correndo e o Camareiro avisando:

-A chegar em Paquevira. Paquevira ponto de baldeação para o Ramal de Garanhuns. Passageiros para

Garanhuns, São João, Angelim e Canhotinho...

-Moço, eu vou para Angelim, a como é que eu faço?

-Em Paquevira você desce e sobe no trem de Garanhuns.

Movimentada a plataforma da Estação de Paquevira. O Senhor Deputado de Garanhuns sacudindo a bengala e

cumprimentando a todos, bom lembrar dos eleitores para eles não esquecerem dele.

Chapéu de vaqueiro, barba grande o Coronel Ângelo do Angelim fumando um cigarro de palha e

resmungando. Ora deputado! Eu vou direto falar com o governador, no Recife eu entro no Palácio do Campo das

Princesas é pela porta dos fundos.

Afastado, fumando um cachimbo, Capitão José de São João cuidava os movimentos do Deputado de

Garanhuns. Esse gosta de roubar eleitor dos outros, mas eu cuido o meu curral.

Doutor Poti queria ir para o hotel almoçar, mas o Camareiro avisou:

-Almoço aqui é para os passageiros do Ramal de Garanhuns, o Trem do Recife almoça em Catende.

E bateu o sino e o Camareiro avisou:

-Vai sair o Trem de Recife, quem vai para Quipapá, Maraial, Catende...

Estação Água Branca e embarcou na segunda classe a Mulata Bonita de Agua Branca. Doutor Poti que de

moribundo não tinha nada, viu a mulata e resolveu sair da primeira classe e ir para a segunda.

De Água Branca até Quipapá doze quilômetros. E o trem chegou na pequena e bonita Quipapá.

Naquele carro de segunda classe onde estavam viajando a Nova Loira de Fernão Velho, o Bandido de Mundaú,

o Sanfoneiro de Itamaracá, a Pretinha de Branquinha, o Pistoleiro de Barra do Canhoto, a Mulata Bonita de Água

Branca e o Doutor Poti, embarcou a Vidente de Quipapá. Antes de sentar, olhou bem para a carga do carro e falou:

-Tem muita tentação, esse trem está com cheiro de morte.

Falou e sentou ao lado do Mentiroso de Cunhambuca.

Próxima estação: Iraci, ali embarcou o Velho Cangaceiro de Iraci que entrou no trem resmungando:

-Sou velho, mas sou bom no gatilho.

A Vidente de Quipapá fez o sinal da cruz e falou:

-O que estava ruim ficou pior.

O sol esquentando o chão de Pernambuco, o trem correndo. O Doutor Poti de olhos cravados na Mulata

Bonita de Agua Branca. O Corredor de Jegues de Peri-Peri andando no corredor do carro tentando puxar prosa com a

Nova Loira de Fernão Velho. E o Mentiroso de Cunhambuca ia contando para a Vidente de Quipapá:

-Eu estou é vindo de São Paulo. São Paulo faz é frio demais. Uma noite eu fiquei tão gelado que tive que

entrar pra dentro de uma tina cheia de água fervendo.

Estação Peri-Peri e afobado o Corredor de Jegues de Peri-Peri segurou o braço da Nova Loira de Fernão Velho

falando:

-Moça bonita desce mais eu.

Ela ficou de pé, colocou as mãos na cintura e olhou firme para ele:

-Você é doido?

-Doido por tu...

A Preta de Branquinha e a Mulata Bonita de Água Branca foram em socorro da Nova Loira de Fernão Velho e

as três seguraram o Corredor de Jegues de Peri-Peri e Jogaram para fora do trem.

Muito movimento na estação de Igarapeba. Cruzamento dos dois trens principais da linha:PS1 com o PS2.

20

Embarcou o Cabo do Destacamento da Policia Militar de Maraial e dois soldados, percorreram o trem e

sentaram no carro de segunda classe onde viajavam: o Velho Cangaceiro de Iraci, o Bandido de Mundaú e o Pistoleiro

de Barra do Canhoto. A Vidente de Quipapá rezou um Pai Nosso.

E os dois trens saíram apitando e batendo sino da estação de Igarapeba.

O Mentiroso de Cunhambuca contando para a Vidente de Quipapá:

-Em São Paulo tem um trem que vai de São Paulo para Campinas que corre demais. O nome do trem é

Gualixo. Ele corre tanto, que ele passa e cinco minutos depois é que passa a sombra.

O Mentiroso mentindo, Doutor Poti olhando a Mulata Bonita de Água Branca e o trem correndo.

O trem chegando na estação Florestal e o Cabo do Destacamento da Policia Militar de Maraial mandou um

soldado para cada estremo do carro, mal o trem parou e o Bandido de Mundaú saiu pela janela e correu pela

plataforma, os dois soldados saltaram do trem e correram atrás dele. E começou um tiroteio e eles entraram no

cemitério da vila. E correu o cabo e era tiro e mais tiro.

O Coveiro de Florestal correu assustado e embarcou no trem.

Estação Maraial, na plataforma a Comissão Maraialense das Forças Vivas de Maraial aguardando o Senhor

Deputado de Garanhuns. E falou o Líder de Maraial:

-Deputado está faltando dinheiro...

-Ora bolas! Isso não é novidade nova...

-O senhor não entendeu. Não tem dinheiro circulando na cidade de Maraial, no estado de Pernambuco, no

Nordeste e nem no Brasil...

-Virgem Maria! E cadê o dinheiro?

-Está todo o dinheiro do Brasil investido nesse dito Jogo de Vida ou Morte...

-Nessa viagem viajada já escutei e ouvi alguma coisa sobre esse falado jogo, mas me explique mais.

O Líder de Maraial explicou detalhadamente o que era o jogo. O Deputado de Garanhuns sacudiu os braços e

falou:

-Vou tomar providências, vou passar telegramas...

-Para os ministros?

-Para o Presidente da República.

O Líder de Maraial olhou para os lados e falou no pé do ouvido do deputado:

-A gente tinha pensado numa solução caseira. O dito moribundo está aí dentro desse trem, a gente contrata um

pistoleiro pra fazer o serviço, ele vira defunto e o jogo acaba...

As doze horas o trem parou em Frei Caneca. Embarcou o Velho Pistoleiro de Frei Caneca e sentou ao lado do

Pistoleiro de Barra do Canhoto: velhos conhecidos, companheiros de profissão e o Velho Pistoleiro de Frei Caneca

contou:

-Fui contratado para um trabalhinho de última hora e o pior, estou sem munição...

-Oxente! Eu empresto, é trinta e oito?

-É não. É quarenta e cinco...

-Difícil, só na Feira de Caruaru...

-Em Catende tem um boteco que as vezes tem bala quarenta e cinco...

A bonita vila de Jaqueira e na plataforma da estação a Moça Namoradeira de Jaqueira que embarcou na

segunda classe.

Deputado de Garanhuns correu ao escritório da estação para enviar uma centena de telegramas. Tinha

telegrama até para o Bispo de Juazeiro do Norte.

E Doutor Poti escutou o Camareiro do Trem falar o que ele estava querendo ouvir.

-Próxima estação é Catende. Catende ponto de almoço...

E nem o trem tinha parado e o Doutor Poti já estava em solo Catendense rumando para o hotel.

Na porta do hotel o garçom gritava:

-Aqui a melhor buchada de bode de Pernambuco...

Catende a Cidade das Festas. A maior usina de açúcar do Brasil. No trem embarcou o Padre da Igreja Matriz

de Nossa Senhora de Santana.

Locomotiva sendo abastecida de carvão e água.

Uma máquina de manobra engatou mais um carro de passageiros no PS1: carro especial levando trabalhadores

para o sertão, gente que tinha vindo de Salgueiro e Afogados da Ingazeira para trabalhar na safra da cana.

A Vidente de Quipapá abriu o pote com a farofa de carne de bode e o Mentiroso de Cuiambuca foi comprar

uma garrafa de cajuína, refrigerante de caju.

Trem pronto para sair da cidade da Lenda da Mulher com a Sombrinha e o Velho Pistoleiro de Frei Caneca

retornou ao trem e contou para o Pistoleiro de Barra do Canhoto:

-Não tinha bala quarenta e cinco, mas eu vou tentar na Birosca de Boa Sorte.

E a bonita Garrat com seus quatro cilindros: dois empurrando e dois puxando reiniciou a sua marcha agora no

21

trecho de Catende a Recife, e o Chefe do Trem conferindo sua carga, anotando destinos e picotando passagens. Por

favor a passagem, Maceió a Recife, muito obrigado. Catende a Palmares...

Boa Sorte e o trem parou e o Velho Pistoleiro de Frei Caneca saltou e correu até a Birosca de Boa Sorte onde

não teve a sorte de encontrar balas calibre quarenta e cinco.

Cana e canavial, engenho e usina, fogo vivo e fogo morto e o PS1 correndo na tarde morna de Pernambuco.

Na segunda classe o Sanfoneiro de Itamaracá sacudindo a sanfona num baião de dois. E o Mentiroso de Cuiambuca

contando para a Vidente de Quipapá:

-Na linha de São Paulo para Santos tem uma estação que tem o nome de Paranapiacaba. Eu morei em

Paranapiacaba. O trem pra descer para baixo tem que descer amarrado num cabo de aço. É uma descida tão grande,

mas tão grande que se a gente jogar uma pedra lá de cima, a pedra leva uma hora pra chegar lá embaixo...

Estação Pirangi onde embarcou a Bonita Professora de Pirangi.

Hora do Trem da Uma, plataforma da estação de Palmares cheia de gente, viajantes, curiosos, cego pedindo

esmola, menino de calça curta e pés descalços, moça namoradeira e uma Comissão de Membros das Forças Vivas da

Capital da Mata Sul: entre eles o Sacristão da Capela de Bom Jesus dos Martirios, o Padre da Catedral de Nossa

Senhora da Conceição, o Presidente do Clube Literário de Palmares e o Líder do Partido da Oposição e muita gente

importante.

Batendo o sino trem chegou na Terra dos Poetas e o Deputado de Garanhuns desembarcou para saudar a

Comissão das Forças Vivas e logo escutou:

-O senhor precisa de tomar providencias urgentes. Esse maldito jogo está atrapalhando a economia regional: a

arroba do açúcar teve baixa de dez por cento no seu valor, o caldo de cana teve uma queda de noventa por cento nas

vendas, até o comércio da cachaça...

-Devo dizer que já tomei as devidas providencias e alertei as autoridades distritais, municipais, estaduais e

federais...

-A providência é acabar com esse jogo, no Brasil é proibido o jogo de azar...

-O de azar, mas esse é um jogo de vida ou morte...

-Jogo é...

-Acontece que no Brasil tem um jogo que não é um jogo de azar, é um jogo de perícia, eu falo do Jogo do

Osso no Rio Grande do Sul...

-E Rio Grande do Sul é Brasil?

-Há controvérsias...

Embarcou o Poeta de Palmares e foi para a segunda classe.

Estação Pumati, muita gente para embarcar no trem. A turma de trabalhadores que tinha trabalhado durante a

safra na Usina Pumati, gente que ia para Serra Talhada no alto sertão de Pernambuco. Gente com sacos cheios de suas

tralhas: panelas, redes, roupas e bugigangas. E deu confusão no primeiro carro de segunda classe por motivo de lugar.

O chefe da turma o seu Zelão de Serra Talhada reclamou com o Chefe do Trem.

-Oxente! Tá faltando banco e tá sobrando gente. A gente tem muito chão pra andar, a gente vai pra Capital do

Xaxado, a gente vai é para Serra Talhada...

-Em Riachão vai descer muita gente e vai sobrar lugar...

-A pois você vai até Riachão e esvazia o seu trem e volte aqui para me buscar, que eu paguei passagem pra ir

sentado e eu só saio de Pumati é sentado...

Tudo resolvido, o Doutor Poti que já estava com câimbras nos olhos de tanto olhar a Mulata Bonita de Água

Branca, voltou para a primeira classe e sobrou um lugar para o seu Zelão de Serra Talhada.

Vamos embora que precisamos chegar em Recife.

Joaquim Nabuco, o trem parou na estação e o Deputado de Garanhuns correu ao escritório com um punhado

de telegramas. Um maluco gritando na plataforma:

-Aqui em Nabuco a segunda-feira é o dia da preguiça. Joaquim Nabuco tem o dia da preguiça...

O trem saiu do chão Nabuquense e o Mentiroso de Cuiambuca se aproximava da verdade. A verdade era que

ele tinha deixado mulher e filhos em Cuiambuca e tinha ido para São Paulo trabalhar e juntar dinheiro: trabalhou, mas

o dinheiro ele gastou com a quengas.

Parada rápida na estação de Cuiambuca e a viagem continuou.

Na Avenida da Estação mais de cem homens a cavalo e todos com um fuzil em bandoleira. Apeado, segurando

o cavalo pela rédea, ao lado da estação o Coronel Ponciano da Gameleira: cartucheira atravessada no peito, fuzil nas

costas, peixeira do lado direito e revólver no lado esquerdo.

Estação Gameleira, o trem parou e o Deputado de Garanhuns foi ter uma conversa particular com o Coronel

Ponciano da Gameleira. O que um falou o outro escutou, o que um escutou o outro falou.

E o Camareiro do Trem percorrendo o comboio e avisando:

-Próxima estação é Ribeirão, ponto de baldeação. Passageiros para o Ramal de Cortez. Passageiros para o

Ramal de Barreiros. A chegar em Ribeirão.

22

Ribeirão rima com confusão. Uns descendo outros embarcando. Camareiros orientando.

Coronel Estilimbrino de Barreiros reclamando com um carregador de malas. A Linda Morena de Linda Flor

perguntando:

-Quem vai para a estação Linda Flor sobe em qual trem.

Os Camareiros apontando os trens e avisando:

-Quem vai para Barreiros, Pereira Lima, Estácio Coimbra, Primavera, Soares Meireles, Cocaú, Lobo, Antas e

Brejo é naquele trem.

-Esse trem aqui é para Cortez, Ilha das Flores, Linda Flor, Macacos, Progresso e José Mariano... Trem do

Ramal de Cortez.

E a Velha Gorda de Cocaú embarcou no trem errado. O Cego de Barreiros ficou dando voltas na plataforma.

-Vai partir o trem procedente de Maceió com destino ao Recife. Passageiros para Barão de Suassuna, Escada,

Cabo e Recife...

As quatorze horas e quinze minutos o trem chegou na estação de Aripibú. A Usina de Açúcar Aripibú.

Embarcou na segunda classe o Curandeiro de Aripibú e sentou ao lado da Vidente de Quipapá e já sentou contando:

-Vou a Caruaru, vou a Feira de Caruaru pra comprar os ingredientes pra modo de fazer os meus remédios, vou

comprar sangue de urubu, couro de cascavel, graxa de teiú, mijo de égua prenha...

O Poeta de Palmares conversando e fazendo versos para a Preta de Branquinha e a Mulata Bonita de Água

Branca e as duas sorriam contentes.

Estação Frexeiras. Em Frexeiras embarcou o Mestre Zé do Bumba Meu Boi de Frexeiras, estava indo ao

Recife para comprar coisas para organizar a Festa de Ano Bom em Frexeiras.

O Cabo Eleitoral de Barão de Suassuna andando de um lado para outro lado e de outro lado para um lado,

nervoso: e aquele trem que apitava e não chegava. E chegou o trem na estação de Barão de Suassuna e o Cabo

Eleitoral correu para falar com o Deputado de Garanhuns e foi conversa de pé de ouvido, bem cochichada: quem

cochicha o rabo espicha e quem escuta o rabo encurta. O cochichado acabou rimado pois o deputado voltou para o

trem, preocupado.

Escada a Princesa dos Canaviais. Muita agitação na plataforma da estação de Escada, uns embarcando outros

desembarcando. A mulher com o tabuleiro na cabeça e vendendo pitu. Os meninos vendendo rolete de cana.

O Deputado de Garanhuns e o Pistoleiro de Barra do Canhoto se encontraram ao lado do trem para acertar um

negócio. O deputado falou:

-Preciso de teu serviço...

-Estamos as ordens...

-Vamos começar pelo acerto de preço.

O Pistoleiro de Barra do Canhoto tirou um papel do bolso, mas o deputado fez um gesto falando:

-Essa sua tabela é de Alagoas, vamos usar a tabela de Pernambuco...

No quadro de avisos da estação um cartaz anunciando para o mês de abril a Festa da Cavalhada de Escada.

O trem chegando na estação de Timbó-Assú e debruçado na primeira janela do primeiro carro o Pistoleiro de

Barra do Canhoto e o Deputado de Garanhuns debruçado na última janela do último carro.

Calmo e tranquilo o Pistoleiro de Timbó-Assú caminhou pelo costado do trem e embarcou no último carro,

atento atravessou todo o trem e foi sentar no primeiro banco do primeiro carro de segunda classe.

De Timbó-Assú a Mauá são sete quilômetros. Trem chegando em Mauá e quem ia desembarcar estava com

pressa de descer para pegar lugar no bonde de burros que ligava a estação a vila.

O Pistoleiro de Timbó-Assú desceu pelo lado direito do trem. O Pistoleiro de Barra do Canhoto desceu pelo

lado esquerdo do trem. O Pistoleiro de Timbó-Assú seguiu caminhando pelo costado direito do trem. O Pistoleiro de

Barra do Canhoto seguiu caminhando pelo costado esquerdo do trem.

O Cocheiro do Bonde de Burros de Mauá, ajudando os passageiros a se acomodarem.

O Doutor Poti debruçado na janela olhando o movimento.

O Pistoleiro de Timbó-Assú subiu na última plataforma do trem, espiou pela porta, viu bem onde estava o

Deputado de Garanhuns, puxou o revólver.

Um tiro ecoou em Mauá, foi o Pistoleiro de Barra do Canhoto que atirou no Pistoleiro de Timbó-Assú.

Gente assustada correu. O Pistoleiro de Timbó- Assú saltou do trem e correu para a plataforma da estação. O

Pistoleiro de Barra do Canhoto correu atrás. E os dois começaram a duelar. Tiro que ia e tiro que vinha.

Uma bala perdida achou o pescoço do Doutor Poti, que deu um grito e desmaiou.

O Pistoleiro de Timbó-Assú correu e subiu no bonde de burros. O Pistoleiro de Barra do Canhoto correu

atirando.

O Camareiro do Trem correu para atender ao Doutor Poti que estava ferido.

O bonde de burros correndo, as pessoas pulando e os dois pistoleiros dando tiros.

Itiuba foi ao escritório da estação enviar telegrama: Doutor Poti entre a vida e a morte.

Vamos embora com esse trem para deixar o ferido no Cabo. No Cabo tem recursos.

23

O trem chegando em mais uma estação: Mercês e mais uma usina de açúcar. Doutor Poti deu um forte suspiro

revirou os olhos e caiu no corredor do carro.

O Camareiro do Trem correu até a segunda classe e chamou o Curandeiro de Aripibú.

O curandeiro examinou o ferido e foi até a locomotiva e pediu ao Maquinista uma chave de fenda e um alicate.

Munido de ferramentas ele ajoelhou ao lado do moribundo. Escarafunchou a ferida com a chave de fenda e com o

alicate tirou a bala. Ferida aberta e sangrando. Tirou do bolso um pote de pomada e passou pomada na ferida:

-É pomada feita com teia de aranha, baba de jegue, e sangue de morcego.

Doutor Poti respirou aliviado e o trem saiu de Mercês.

-A chegar na estação do Cabo. Cabo...

O trem chegou no Cabo das bonitas praias. Cabo já nas beiras do Recife. Na plataforma uma Comissão de

Políticos Cabense para prestar solidariedade ao Deputado de Garanhuns.

E o menino vendendo uvas:

-Uva boa e docinha... Uva.

O trem deixou uma boa parte da sua carga no Cabo.

Estação Ilha, os meninos vendendo manga e o cheiro de peixe.

Estação Pontezinha. Pontezinha dos melões e da fábrica de pólvora.

Entre mangues e coqueirais a estação Prazeres. O trem saiu de Prazeres e o Camareiro do Trem avisando:

-Próxima estação é Boa Viagem. Boa Viagem, depois o trem só para na Central do Recife. Esse trem não para

em Jangada e não para em Ipiranga.

Estação Boa Viagem e já era Recife e o Doutor Poti pegou a mala amarela e a mala verde e desembarcou que

estava doido para comer cartola, arranjar um hotel e ir procurar um terreiro de frevo.

A barra de um novo dia surgia no mar de Pernambuco e na Estação Central de Recife, a Capital do Nordeste,

já era grande o movimento. Um Jornaleiro gritando:

-Diário de Pernambuco, olha o Diário.

Ferroviários formando as composições. Uma locomotiva de manobra arrastando carros de passageiros.

Viajantes e Carregadores de Malas. Filas nas bilheterias.

Passageiros que seguem para o sul é no Trem de Maceió, quem vai para o Cabo, Escada, Quipapá, Palmares...

O Sargento da Cavalaria do Exército Brasileiro que ia para Bagé no Rio Grande do Sul.

E a Mulher Gorda de Afogados da Ingazeira perdeu a mala e a Mulher Magra de Campina Grande perdeu o

filho. E a Mulher Gorda de Afogados da Ingazeira achou o filho da Mulher Magra de Campina Grande que tinha

achado a mala da Mulher Gorda de Afogados da Ingazeira.

O Trem da Linha Centro é aquele ali. Passageiros que seguem para o Alto Sertão Pernambucano.

Coronel José de Tacaimbó fumando um cigarro de palha e em alta proza com senhor Prefeito Municipal de

Sanharó.

O Senhor Deputado de Arcoverde em conversa com o Rico Industrial de Pesqueira.

O Sanfoneiro de Caruaru buscando quem pagasse sua passagem.

E carrega bolsas do correio, e carrega pacotes de jornais e carrega latas com rolos de filmes e carrega balaios

cheios de pitu para serem vendidos na Feira de Caruaru e carrega dez caixões de defunto para a Estação de

Albuquerque Né: deu uma briguinha no forró.

E o Jornaleiro, e o Vendedor de Bilhete de Loteria, e a Vendedora de Cartola: cartola é banana frita com canela.

E o vaqueiro todo vestido com roupa feita de couro, e o mulato com a camisa do Sport Recife, e o padre

vestido com sua batina preta.

Gente se perdendo, gente tonta, gente se achando. Carregador carregando. Camareiro orientando.

A Família de Sertânia: marido, mulher e dez filhos, todos meninos e de pés descalços, calça curta e sem

camisa.

O Cinegrafista do Rio de Janeiro que estava indo fazer o reconhecimento das estações: Jaboatão, Moreno,

Tapera, Vitória de Santo Antão, Pombos, Gravatá, Bezerros, Gonçalves Ferreira. Nesse trecho aconteceu um episódio

histórico quando a Coluna Prestes estava no Nordeste. Em Jaboatão dos Guararapes o Tenente Cleto Campelo

liderando um grupo de revoltosos saqueou o comércio, desencarrilhou um trem e se apossou de um trem de

passageiros e rumou para Caruaru, em Vitória de Santo Antão conseguiram mais adesão, fizeram estripulias, e

seguiram. Em Gravatá foram recebidos por uma Força Legalista e teve um combate. Em Gonçalves Ferreira o trem

desencarrilhou devido a uma sabotagem.

O Telegrafista de Tamatemirim apressado para embarcar no trem.

Vai partir o Trem da Linha do Centro, passageiros para Jaboatão, Vitória de Santo Antão, Caruaru, Belo

Jardim...

O Rio Capiberibe, a Ponte e a Estação Central.

Doutor Poti tomou o café com bolo de rolo, pegou a mala amarela e a mala azul e saiu pela plataforma

24

procurando o trem para Natal.

-O senhor vai é no Trem da Linha Norte o Trem do Recife para João Pessoa.

E o Jangadeiro que ia para Fortaleza.

-Iche! O senhor vai de trem de ferro! De jangada não é melhor?

Um carro especial levando gente para a Romaria do Padre Cicero em Juazeiro do Norte.

Itiuba com sua mala preta correu para conseguir lugar no carro de primeira classe.

Um grupo de Salineiros de Macau que estavam voltando para Macau; tinham vindo ao Recife fazer tratamento

nos olhos que estavam afetados pelo brilho do sal.

Um Jornaleiro apressado e gritando:

-Extra! Edição Extra. O Governo Federal determinou que o Jogo da Vida e Morte tenha as apostas feitas nas

agências do Banco da Pátria...

Doutor Poti comprou o jornal que era todo dedicado a notícias do jogo. O Trem da Morte entre Santa Cruz da

Serra na Bolívia e Corumbá no Brasil chegou a Corumbá lotado de cidadãos bolivianos que vieram apostar. O Trem

Internacional que liga Montevidéu a São Paulo se deteve duas horas em Ponta Grossa para que os passageiros

pudessem apostar.

-Vai partir o Trem do Norte, passageiros para João Pessoa, Campina Grande, Natal e Itabaiana...

O grupo de Soldados de Pirassirica correu para embarcar.

Do Recife até Natal, quatrocentos e vinte e dois quilômetros de linha férrea. O trem saiu lento naquele

emaranhado de linhas dentro da cidade.

Estação Camaragibe e o trem foi cercado pelos meninos vendendo geladinho:

-Geladinho de Camaragibe que é bem bom...

E Doutor Poti não perdeu tempo, comprou uma dúzia de geladinhos.

E vamos em frente que a Paraíba é longe. Estação de São Lourenço da Mata. São Lourenço da Mata das

grandes usinas de açúcar. Desce gente e sobe gente, subiu mais do que desceu. O Mestre de Açúcar de São Lourenço

da Mata reclamando que o trem estava cheio.

E o trem continuou sua viagem, ainda nas beiras do Recife e no meio dos canaviais.

Estação Tiuma com o recinto cheio de vagões carregados de açúcar produzido pela Usina Tiuma. Em Tiuma o

Itiuba enviou o telegrama: Moribundo está muito bem.

Estação Pirassica que servia a Vila Militar de Pirassica. Desembarcou o Grupo de Soldados de Pirassica.

Parada rápida em Mussurepe. Embarcou o Velho Perneta de Mussurepe que sentou ao lado do Mestre de

Açúcar de São Lourenço da Mata a quem ele contou:

-Perdi uma perna num acidente que teve aqui no Mussurepe, chocou-se um trólei da ferrovia com um trólei da

usina...

São Severino e o trem lotou com o embarque de um grande grupo de Devotos de São Severino.

De São Severino a Pau D’Alho, dois quilômetros. O trem entrou de vagar no grande recinto de Pau D’Alho,

estação com oficinas e vila ferroviária. Embarcou o Mestre de Maracatu Rural de Pau D’Alho e como o carro estava

lotado o Itiuba deu o lugar para o Mestre que era um homem velho.

O Monge Doido de Pau D’Alho, com uma batina feita de sacos, pés descalços, cabelo grande e barbudo,

entrou no trem e falou:

-Aleluia, este trem fede a defunto, um vai morrer...

De Pau D’Alho a Carpina são onze quilômetros. O trem correndo e o Camareiro do Trem avisando de carro

em carro:

-Carpina, próxima estação é Carpina. Carpina é ponto de baldeação para o Ramal de Belo Jardim. Passageiros

para Limoeiro, Lagoa do Carro, Campo Grande, Pedra do Sono, Lagoa Comprida, Panjós, Espera e Bom Jardim...

Plataforma cheia de gente. Coroné Zé do Limoeiro com seu cigarro de palha no canto da boca, batendo uma

prosa com o Major Epaminondas da Lagoa do Carro.

Todo cheio de pose o Juiz de Paz de Belo Jardim andando de braço dado com sua noiva.

Os meninos vendendo pamonha:

-É pamonha, pamonha boa e barata...

Doutor Poti não perdeu tempo e comprou um punhado de pamonhas.

Gente descendo, gente subindo, gente perdida:

-Moço, a qual é o que vai para Lagoa Comprida?

O Mestre de Rapadura de Pajós discutindo com o Camareiro do trem, pois queria levar no carro de passageiros

um grande tacho de cobre.

-O tacho vai no carro de bagagens...

E o Sonolento de Pedra do Sono andava tonteando e perguntado:

-A qual que é o meu trem?

O Agente de Carpina bateu o sino e avisou:

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-O trem do Recife para João Pessoa vai partir. Passageiros para João Pessoa, Cabedelo, Campina Grande,

Natal, Itabaiana e Nova Cruz...

Estação de Tracunhaém. A moça bonita vendendo cerâmica. Na plataforma algumas caixas com utensílios de

cerâmica, para serem carregadas no trem.

Desembarcou o Mestre de Maracatu Rural de Pau D’Alho que ia se encontrar com os mestres de Tracunhaém.

Tracunhaém valoriza muito Maracatu Rural.

Estação de Nazaré da Mata. Nazaré da Mata a Terra do Maracatu. Muita gente a estação. Ali perto da estação

um acampamento de ciganos. As ciganas andando pela plataforma da estação, benzendo, lendo a sorte.

Uma cigana ofereceu para ler a sorte do Doutor Poti, ele riu e falou:

-Não acredito em vocês.

Braba, ela rogou a praga.

-Tu é miserável, tu vai morrer dentro desse trem.

E a moça arrastando a mala grande e avisando:

-Espera eu subir, eu vou para Mulungu.

O Agente de Nazaré da Mata bateu o sino, a locomotiva apitou e a viagem continuou.

Já está perto de Itabaiana? Está longe, ainda tem que passar na Aliança, agora ele vai parar em Junco. A

senhora vai para Itabaiana? Eu, eu vou pra Juazeirinho. Tem muito que rodar, Juazeirinho é depois de Campina

Grande.

Estação Junco, na plataforma alguns fardos de rapadura para serem carregados no vagão das encomendas. No

segundo carro de segunda classe embarcou o Doido de Junco e o Camareiro do Trem avisou a ele:

-Senta quieto num canto.

-Paguei a passagem e sou um cidadão pernambucano e se me der vontade eu mato um. Mato um dentro desse

trem.

Coroné Zé do Limoeiro, que estava picando o fumo para fazer um cigarro de palha, espiou o Doido de Junco e

falou para o Sonolento de Pedra do Sono:

-Esse doido mata, e mata de verdade.

De Junco a Upatininga são quatro quilômetros. Em Upatininga embarcou no segundo carro de segunda classe

a Velha de Upatininga com um papagaio dentro de uma caixa de papelão. Ela sentou e colocou a caixa ao lado, a caixa

com um furo, o papagaio colocou a cabeça para fora da caixa, pelo furo, e começou a falar:

-Filha da puta, corno, filha da puta...

Estação Baraúna. Sobe uns desce outros. Embarcou o Mocorongo de Baraúna e tonteou por dentro do carro e

quase sentou em cima da caixa do papagaio, recebeu uma bronca da Velha de Upatininga.

Viagem que segue e nova estação. Aliança a estação perto do Rio Siriji e a cidade lá no alto. Gente descendo

do trem e subindo para a cidade, gente descendo da cidade e subindo no trem.

O Pistoleiro de Aliança buscou o Doutor Poti para uma conversinha:

-Que seu doutor a vossa vida, nessa viajada, está muito valorizada, mas pensando bem a sua morte também

está no jogo. Se o senhor quiser proteção...

-Fico deveras agradecido, mas eu tenho a proteção de São Severino...

E o trem saiu de Aliança Berço Imortal do Maracatu.

Estação Pureza. Pureza que serviu de cenário para um romance escrito por José Lins do Rego, aliás o nome do

romance é Pureza.

Embarcou a Professora de Pureza e o trem continuou sua marcha rumo a Paraíba.

Timbaúba, na plataforma vários fardos de redes para serem carregados no trem. Embarcou o Fabricante de

Redes de Timbaúba.

Movimento na plataforma. O homem engolindo fogo, o palhaço dando cambalhotas e rodeado de meninos, a

moça bonita distribuindo cartazes e anunciando a estreia Del Gran Circo. O Realejo com seu tabuleiro e o periquito.

Doutor Poti foi ao Realejo tirar a sorte, o periquito tirou um envelope da pilha, Doutor Poti pagou, abriu o envelope e

leu a mensagem: Você fará uma ótima viagem.

Vamos em frente que ali está a Paraíba.

Estação Rosa e Silva o trem entrou pela segunda linha do recinto. Curiosos abriram janelas. O Guarda Chaves

de Rosa e Silva correndo para a outra ponta do recinto.

Itiuba foi a estação enviar telegrama: Doutor Poti atravessou o Pernambuco.

Alguém comentou:

-Aí vem o Asa Branca, esse é trem luxento.

E passou correndo pelo recinto de Rosa e Silva o Trem Asa Branca que ligava Fortaleza a Recife.

Adeus Pernambuco, com licença Paraíba.

A Estação Triangulo o entroncamento da Linha Norte com o Ramal de Campina Grande. Triangulo ponto de

apoio com galpão de locomotivas, oficinas, ponto de abastecimento.

26

Delegada Maristina e o Cabo Tenório entraram no trem procurando pelo passageiro de nome: Potiguar

Brasileiro do Brasil Varonil. Doutor Poti se apresentou:

-Eu.

-O senhor é Potiguar Brasileiro do Brasil Varonil?

-Em carne e osso a suas ordens.

-O documento.

Documento era a Certidão de Nascimento. A Delegada Maristina conferiu a Certidão e devolveu a ele. Ela

tirou um papel do bolso do jaleco:

-Isso é um Salvo Conduto para o senhor atravessar a Paraíba, bote junto de sua Certidão.

-Sim senhora.

-Aqui é Triangulo e aqui já é Paraíba. O senhor nessa sua viagem viajada tem valor vivo e tem valor morto. O

Governo da Paraíba zela pela vida de todos que estão em seu território. Na sua travessia um elemento da Polícia

Secreta da Paraíba vai zelar por sua vida.

-Sim.

Embarcou o Jovem Esperto de Triangulo, forte e ágil, prestando a atenção em tudo e em todos.

De Triangulo a Itabaiana são dois quilômetros o trem avançou. Passageiros procurando suas bagagens,

passageiros levantando e se preparando para trocar de trem. Camareiro avisando:

-Itabaiana, entrada do Ramal de Campina Grande. Passageiros para Campina Grande, Juazeirinho, Soledade,

Patos, Pombal, Sousa e Fortaleza...

Trem rodando bem devagar e os avisos:

-Esperem o trem parar. Cuidado com os batedores de carteira.

De ponta a ponta do Brasil as estações de baldeações eram o paraíso dos batedores de carteira.

Itabaiana Rainha do Vale. Hora dos trens, hora de movimento, hora de gentes de todos os cantos passar por ali.

Movimento na plataforma da estação. Carregadores apressados. Os meninos que marcavam lugar para ganhar uns

trocados.

-Quem vai para o Ceará é naquele trem. Quem vai para a Linha de Mossoró...

E desengata o carro com os romeiros que iam do Recife para Juazeiro do Norte, tira do trem de Recife e

engata no Trem de Sousa. Desengata a locomotiva e ela recua até o Triangulo para beber água e encher o tender com

carvão e lenha.

O Grupo de Retornates de Pombal, gente que tinha sido retirante devido à seca e que estava voltando porque

tinha chovido no sertão. O Grupo de Ciclistas de João Pessoa que seguia para Mossoró onde participaria de uma prova

de ciclismo. Os grupos de estudantes que estavam entrando em férias e voltando da capital para suas cidades.

E o senhor com a idade de oitenta anos que tinha embarcado em Cachoeiro do Itapemirim no Espirito Santo

em um trem noturno da Estrada de Ferro Leopoldina até o Rio de Janeiro e do Rio de Janeiro subiu num trem até Belo

Horizonte e de trem em trem estava ali para embarcar no Trem do Ramal de Campina Grande, mas o trem já estava

lotado.

E a Mulher Buchuda do Juazeirinho também não conseguiu lugar para sentar. E outros e mais outros não

estavam conseguindo lugar para sentar, tinha mais gentes que bancos. O Gaiato de Campina Grande avisou:

-Tem mais bunda que banco.

Coronel Estaphanio de Pombal, bufou, pensou: eu sou da Terra de Maringá e foi falar com o Agente de

Itabaiana:

-Bote mais um carro de carregar gente no Trem do Sertão.

Trem do Sertão, Trem do Ramal de Campina Grande, Trem de Sousa, apelidos eram muitos, mas o trem era

um e estava lotado.

Seu Zé Rei da Carne de Sol de Patos, fazia a carne de sol em Patos e levava para vender em Cabedelo, olhou

toda aquela gentama e falou:

-Lidar com bode é difícil, lidar com jegue é muito difícil e lidar com gente é dificílimo.

Itiuba comprou duas garrafas de cajuína e foi comer farofa com a Moça de Mulungu.

Doutor Poti desceu do trem e foi até a Banca do Mungunzá para comer um mungunzá.

O Agiota de Alexandria espiou o sujeito comendo mungunzá e teve a certeza: aquele patife é o que me deve

muito dinheiro, hoje ele me paga ou morre. E foi ao encontro de Doutor Poti:

-Você morou em Alexandria?

Doutor Poti sorriu e se fez de desentendido, respondeu:

-Nunca sai do Brasil.

-Estou falando na cidade de Alexandria na Linha de Sousa para Mossoró...

Doutor Poti fez sinal para um Cabo da Policia Militar da Paraíba e falou:

-Seu cabo, o moço aqui quer uma informação.

Pelo sim e pelo não o Agiota de Alexandria se afastou pensativo e cismado.

27

E não pelo não e sim pelo sim o Doutor Poti voltou para dentro do trem.

E as cargas dos dois trens foram se acomodando. O estudioso de religiões que seguia para Codó no Maranhão

afim de fazer pesquisas sobre o Terecô, embarcou apressado no Trem de Sousa.

O Jovem Esperto de Triangulo chamou o Revisteiro do Trem e comprou cinco gibis de bang-bang (histórias

do faroeste), tinha gibi para ler a viagem toda.

Trem pronto para continuar a viagem:

-Vai partir o trem procedente do Recife e com destino a João Pessoa e Cabedelo. Passageiros para Pilar, Paula

Cavalcanti, Mulungu, Guarabira, Pau Ferro.

O trem iniciou a marcha e embarcou a Velha Tonta de Itabaiana. Tonteou para lá tonteou para cá e sentou no

banco vizinho ao banco do Doutor Poti: ela de um lado do corredor e ele no outro.

-A chegar em Pilar. Pilar, ponto de almoço...

Estação de Pilar e o trem parou e muitos correram até o hotel. E Doutor Poti sentou junto a uma mesa de canto.

E a Velha Tonta de Itabaiana, tonteou e não conseguiu lugar, com calma ela se recostou numa janela e ficou esperando

que desocupasse um lugar.

O Garçom atendeu o Doutor Poti:

-Temos o Feijão de Pilar; feijão de corda cozinhado com maxixe, e acompanha carne de sol e farofa...

A Velha Tonta de Itabaiana parada junto a janela, espiava para a rua e espiava a cozinha do hotel.

E o Garçom colocou o prato na mesa diante de Doutor Poti e Velha Tonta de Itabaiana deu um salto falando:

-Caiu uma mosca.

Com agilidade ela pegou o prato e jogou a comida pela janela. Um cachorro cheirou a comida e caiu morto.

Ela foi até cozinha do hotel mandou a Cozinheira servir um novo prato para o Doutor Poti.

E o trem saiu de Pilar a terra natal do escritor José Lins do Rego. E a Velha Tonta de Itabaiana tirou de dentro

da sua bolsa o livro “Fogo Morto” e começou a ler.

O Jovem Esperto de Triangulo prestou a atenção em todos e em tudo, sentou e começou a ler gibi.

Estação Coitezeiras. Embarcaram na segunda classe quatro cortadores de cana, sentaram e com uma mala

improvisaram uma mesa, pegaram um baralho e começaram a jogar o Jogo do Gato.

Na primeira classe embarcou um Menino de Engenho de Coitezeiras.

De Coitezeiras a Itapuá são quatro quilômetros. O trem parou na estação de Itapuá e embarcou na primeira

classe o Suspeito de Itapuá. Andou por dentro do trem e ficou de pé no carro onde viajava o Doutor Poti.

A Velha Tonta de Itabaiana, parou de ler, fechou o livro e colocou dentro da bolsa, ficou cuidando os

movimentos do Suspeito de Itapuá.

Olhando para todos os lados o Suspeito de Itapuá enfiou a mão para dentro da camisa.

O Agente de Itapuá bateu o sino, a locomotiva apitou e seguiu.

-Próxima estação é Paula Cavalcanti. Em Paula Cavalcanti tem troca de trem. Passageiros que vão para Natal,

Nova Cruz, Guarabira, Sapé...

-Moço eu vou para Ilha do Bispo...

Paula Cavalcanti, o trem parou e o Doutor Poti pegou a mala amarela e a mala verde e correu para trocar de

trem, embarcou no último carro, sentou no último banco do lado direito do trem.

Ponto de baldeação, ponto de confusão, ponto de explicação:

-Quem vai para Cabedelo, João Pessoa, Mandacaru, Bayeux, Santa Rita e Ilha do Bispo.

Sempre com a mão enfiada dentro da camisa o Suspeito de Itapuá desceu e ficou parado recostado na parede

da estação.

A Velha Tonta de Itabaiana conversou com o Soldado da Policia Militar que estava de guarda na estação. O

Soldado foi conversar com o Suspeito de Itapuá, conversou e fez a revista. Debaixo da camisa o Suspeito do Irapuá

tinha um punhal. Entregou o punhal para o Soldado. Sem a ferramenta de trabalho resolveu voltar para o Irapuá

caminhando pela beira dos trilhos.

A Velha Tonta de Itabaiana embarcou no trem e sentou ao lado do Doutor Poti.

E o Menino Doidinho de Paula Cavalcanti corria e pulava na plataforma da estação gritando:

-Vai embora o trem do defunto...

Os trens estavam prontos para continuar a viagem e na plataforma e Mulher de Jacaré ainda estava confusa:

-Moço qual o trem que passa em Jacaré?

-Aquele ali passa em Jacaré, é o Trem de Cabedelo.

De Paula Cavalcanti até Nova Cruz são cento e dezessete quilômetros, o trem ainda tinha que passar muito

chão da Paraíba.

O Jovem Esperto de Triangulo soltou o gibi, levantou e olhou para todos os lados, tornou a sentar e voltou a

ler gibi,

Estação Cobé. Em Cobé embarcou o Índio de Cobé e foi para o último carro, antes de sentar olhou bem para

todos os lados e viu bem onde estava o moribundo.

28

O trem saiu de Cobé e a Velha Tonta de Itabaiana ficou muito atenta.

O Índio de Cobé sentou, tirou do bolso uma pequena zarabatana, do outro bolso tirou o pequeno dardo

envenenado, colocou o dardo na zarabatana. Colocou a zarabatana na boca, levantou ligeiro e soprou o dardo em

direção ao Doutor Poti. A Velha Tonta de Itabaiana deu um tapa no dardo e esse voltou e foi cravar no pescoço do

Índio de Cobé, que deu um pequeno gemido e se debruçou na janela e escorregou para fora do trem. Um morto ficou

na beira dos trilhos e o trem continuou correndo.

O Jovem Esperto de Triangulo ia atento a história do gibi.

Em Sapé o seu Zé da Botica escutou a batida do sino da estação anunciando que o trem estava por chegar.

Estava chegando a hora de ele ficar rico. Tinha jogado todas as suas economias no Morto. O moribundo ia chegar

morto em Natal. Pegou as duas garrafas com soda de abacaxi, abriu uma e colocou veneno, tampou e colocou um

pingo de tinta azul na tampa. Colocou as garrafas numa sacola e seguiu para a estação. Ia viajar ao lado do moribundo.

Conhecia? Não, mas era fácil de identificar, por linhas telegráficas já tinha viajado a informação que: o moribundo era

o único passageiro, daquele trem, que tinha uma mala amarela e uma mala verde.

E o trem chegou em Sapé. Sapé a Porta de Entrada do Brejo. Sobe gente, desce gente e seu Zé da Botica

embarcou no primeiro carro e foi olhando e olhando, e atravessou o trem, no último carro, no último banco o viajante

com uma mala amarela e uma mala verde, o homem sentado junto a janela e do lado dele uma mulher velha que estava

dormindo. Não podia sentar ao lado do moribundo, mas o banco da frente estava desocupado. Pediu licença se podia

virar o encosto do banco. Os carros de passageiros tinham os encostos que podiam ser trocados de posição, o que

facilitava o serviço, na viagem de retorno não precisava levar o carro ao gerador, bastava virar o encosto. Isso também

facilitava aos viajantes, se iam quatro pessoas que queriam ir conversando ou jogando baralho, virava um encosto.

Doutor Poti concedeu a licença e o seu Zé da Botica virou o encosto:

-Mania que eu tenho, é que eu gosto de viajar de costas...

O trem saiu de Sapé a Terra do Abacaxi, apitando e batendo o sino. De Sapé até Mari o seu Zé da Botica foi

puxando prosa e contando coisas de Sapé para o Doutor Poti.

Mari o trem parou e os vendedores de pastel começaram a gritar:

-Aqui o pastel de Mari. Pastel...

Doutor Poti chamou o menino do pastel e seu Zé da Botica começou a ajeitar a mesinha do carro, que ficava

pendurada abaixo da janela, levantou a mesinha e puxou a alavanca. E falou:

-Deixe que eu compro.

Comprou um pacote de pastéis. Colocou em cima da mesinha:

-E eu tenho uma bebidinha boa: soda de abacaxi.

Seu Zé da Botica pegou as garrafas. O Doutor Poti olhando e a Velha Tonta de Itabaiana dormindo.

O trem apitou e saiu da estação de Mari.

Seu Zé da Botica destampou a garrafa que tinha a tampinha marcada com tinta azul e colocou diante do

Doutor Poti, destampou a outra e colocou na frente dele. A Velha Tonta de Itabaiana deu um ronco, levantou, inclinou

acima da mesinha. Os dois fecharam os olhos, assustados. Ligeiro, ela, trocou a posição das garrafas, sorriu, pediu

desculpas, sentou e continuou dormindo.

Seu Zé da Botica pegou a garrafa, tomou um gole, sentiu a ardência no estomago, levantou e foi para

plataforma traseira do carro, passou a mão na barriga, se inclinou para a frente e caiu morto na beira dos trilhos.

O Jovem Esperto de Triangulo terminou de ler um gibi e começou a ler outro.

O trem apitando no sinal de apito da estação de Pau-Ferro e o Coronel Estefânio chegou na estação pedindo:

-Uma passagem de primeira classe até o Mulungu. Vou ao Mulungu visitar os amigos, tomar uma cachaça e

comer buchada de bode...

O trem parou em Pau-Ferro e o Coronel Estefânio embarcou e foi atravessando carro por carro e no último

carro viu a mala verde e a mala amarela, a mulher velha dormindo e o moribundo sentado junto a última janela do lado

direito do trem. O Coronel que tinha tirado todas as suas economias de dentro do colchão e tinha apostado que o

moribundo ia morrer, falava que em jogo não basta apostar, tem que jogar e ele estava naquele trem para fazer a sua

parte no jogo.

O trem saiu de Pau-Ferro e o Camareiro começou a avisar:

-Vai chegar no Mulungu. Mulungu tem troca de trem, passageiros para Capim, Bastiões e Alagoa Grande...

Mulungu, a plataforma cheia de gente, o trem parou e o Coronel Estefânio desceu e correu pelo lado do trem,

passou pela locomotiva e seguiu por cima dos trilhos indo para a ponte. Recostada na parede da estação a Velha Tonta

de Itabaiana espiou o movimento dele.

O Cego pedindo esmolas, O Violeiro de Alagoa Grande, a Moça Bonita de Capim, o Batedor de Carteiras.

Gente embarcando, gente descendo de um trem e subindo no outro.

-Bastiões é nesse?

Menino marcando lugar para vender. O homem velho vendendo rapadura. O Agente de Mulungu fiscalizando

a baldeação.

29

-O trem para Natal, Nova Cruz, Guarabira, Itamatai...

Seu Zezinho Sisaleiro de Alagoa Grande discutindo com um menino o preço do lugar.

Quatro Cortadores de Sisal embarcaram na segunda classe e logo se acomodaram para jogar o Jogo do Gato,

um joguinho de baralho ajudava a passar o tempo da viagem.

-Vai partir o trem para Guarabira.

E o trem saiu de Mulungu. A Velha Tonta de Itabaiana ia de pé na última plataforma do trem. Trem devagar e

apitando. Logo à frente a Ponte do Rio Mamanguape.

Pendurado na treliça lateral da ponte o Coronel Estefânio, segurou o revólver e ficou alerta a passagem do

trem. O último carro, a última janela.

Dois tiros, um para liquidar e o outro para confirmar. A Velha Tonta de Itabaiana, viu o corpo caindo da ponte,

guardou o revólver na bolsa e foi sentar dentro do trem.

Parada rápida em Catolé e embarcou o Sujeito de Catolé com uma mala feita de madeira. Andou por dentro do

trem e foi para o último carro.

De Catolé até Antônio Guedes são oito quilômetros.

Estação Antônio Guedes. O Sujeito de Catolé segurou a mala no colo, abriu a tampa, dentro da mala apenas

uma banana de dinamite. Ele riscou um fósforo e acendeu o pavio da dinamite. O trem começou a sair de Antônio

Guedes, ele com calma, levantou com a mala na mão, caminhou pelo corredor e deixou a mala ao lado do último

banco onde estava uma mulher dormindo e o moribundo. Desembarcou e esfregou as mãos.

-Moço a sua mala.

A Velha Tonta de Itabaiana jogou a mala para ele. Ele abraçou a mala e a dinamite estourou.

O Jovem Esperto de Triangulo terminou de ler um gibi levantou e andou no corredor do carro.

Camareiro avisando:

-Guarabira, a chegar em Guarabira...

Guarabira a Rainha do Brejo. Plataforma cheia de gente e o trem chegando. Gente para embarcar, gente

esperando gente e gente vendo o trem.

O Sacristão da Catedral de Nossa Senhora da Luz, distribuindo santinhos e convidando para uma peregrinação

até o Santuário do Padre Ibiapina.

A mulher gorda pedindo para um menino:

-Marca uma cadeira pra eu nesse trem.

O Doido de Guarabira gritando:

-Vai começar a Revolta dos Quebra Quilos... Os Quebra Quilos...

A Cafetina Dolores e suas quengas que estavam indo para Caiçara já por lá andava tendo bom movimento de

homens trabalhando na cultura do sisal.

O Agente de Guarabira bateu o sino e o Chefe do Trem sacudiu a bandeira.

-Próxima estação é Itamataí... Itamataí entrada do Ramal de Bananeiras... Passageiros para Pirpirituba,

Cacimbas, Borborema, Manitu e Bananeiras...

Estação Itamataí ponto de baldeação. Gente sabendo o que tinha que fazer, gente sem sabe e gente pedindo

informações.

-Moço, eu vou para a Usina São Francisco, qual é o trem que eu vou?

-O senhor vai no Trem do Ramal e desce no Desvio BX8.

-Pago no trem?

-Compre a passagem aqui na estação para Desvio BX8. Passa Pirpirituba e a outra estação é Desvio BX8...

O Banguelo de Pirpirituba reclamando:

-Tá errado esse negócio de menino marcar cadeira de trem pra vender...

Coronel Juvenildo de Borborema em alta conversa política com o Prefeito de Bananeiras.

O Feitor da Turma de Conservação da Via Férrea de Manitu e sua família: doze filhos.

A Parteira de Cacimbas pedindo que alguém a ajudasse a carregar a mala.

A Moça Bonita de Manitu convidando o Moço de Pirpirituba para ele ir à festa na Vila dos Ferroviários em

Manitu.

Cargas acomodadas, momento de os trens seguirem viagem.

-Vai embora o Trem da Linha Norte, quem vai para Nova Cruz, Sertãozinho, Duas Estradas, Caiçara...

O Doutor Poti olhando pela janela, o Jovem Esperto de Triangulo lendo gibi, o Itiuba com um baralho e

jogando paciência, a Velha Tonta de Itabaiana, com a bolsa no colo, dormindo.

O Camareiro do Trem entrou no último carro e avisou:

-Sertãozinho, quem desce em Sertãozinho.

Os meninos vendendo imbu:

-Imbu de Sertãozinho que é docinho. Imbu de Sertãozinho...

O Agente de Sertãozinho bateu o sino e o trem começou a sair de Sertãozinho. A Velha Tonta de Itabaiana

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acordou, levantou e gritou:

-Sertãozinho! Para o trem que eu desço aqui.

O Guarda-freio do Trem puxou a alavanca do freio de emergência e o trem parou, ela um pouco tonta

desembarcou. O Jovem Esperto de Triangulo falou:

-Como é que a família deixa uma pessoa tonta, desse jeito, viajar sozinha.

Estação Duas Estradas. Os meninos vendendo cajá:

-Cajá, olha o cajá de Duas Estradas, paga um e leva dois.

Na segunda classe a Cafetina Dolores inventou um passatempo e propôs aos quatro Cortadores de Sisal que

estava jogando o Jogo do Gato:

-Vocês pagam uns cajás pra nós e depois disputam no jogo, aquele que ganhar o jogo tem direito a dar uma

“namoradinha” com uma das meninas.

Homem é bicho triste, eles toparam a brincadeira. O Jogo do Gato é um jogo simples: podem jogar dois, três,

quatro, cinco ou mais jogadores. Distribui todas as cartas para todos os jogadores, entrega a carta virada o jogador

recebe a carta e não olha, coloca ela virada numa pilha a Pilha do Jogo. Depois de distribuídas as cartas o mão desvira

a carta de cima da Pilha do Jogo e coloca na mesa, o próximo jogador também desvira a carta de cima da Pilha do

Jogo e coloca na mesa e todos os jogadores fazem isso, aquele que jogou a carta maior (não importa o naipe, a carta

menor é ás e a maior é o rei) junta as cartas da mesa e coloca numa pilha com as cartas desviradas é a Pilha Jogada. O

jogador que juntou as cartas, dá prosseguimento no jogo; desvira a carta de cima da Pilha do Jogo e... Ganha o jogo o

jogador que juntar menos cartas o que tiver a Pilha Jogada menor.

Estação Caiçara. Em Caiçara estava aguardando o trem o Chefe da Polícia Secreta, esperando o Agente

Secreto que vinha zelando pela segurança do moribundo. Desembarcou o Jovem Esperto de Triangulo, que era o

Agente Secreto, e fez um relatório da viagem:

-Tudo em ordem, sem nenhum problema, ninguém tentou nada contra o moribundo, aliás nem intenções

alguém teve...

Na plataforma da estação de Caiçara o Coronel Secundino Primeiro, líder dos produtores de sisal, fez a

saudação de boas-vindas para a Cafetina Dolores e suas Putas:

-Vocês estão fazendo muita falta aqui em Caiçara. Aqui peão solteiro não para, vão pros bregas de Nova Cruz

e de lá não voltam...

Não mais a Capitania de Pernambuco e não a Província da Paraíba o trem chegou a Estado do Rio Grande do

Norte.

Estação de Nova Cruz. A comissão de recepção: Delegado de Polícia, Escrivão de Polícia, Capitão da Polícia

Militar e dez soldados, recepção ao Doutor Poti:

-Documento.

Documento era a Certidão de Nascimento. Entregou a certidão e o Escrivão de Polícia abriu o grande e grosso

caderno na página que tinha o título: Folha Corrida do Meliante.

-Você é o legitimo dono desta Certidão de Nascimento?

-Sim.

-Vou fazer umas perguntas. É para confirmar se você é você. Você nasceu onde?

-Nasci em Natal, sou Natalense.

-De Natal foi para onde?

-Para ser franco, eu fui para Porto Franco e de Porto Franco eu fui para Mossoró e fui trabalhar na Linha de

Mossoró a Sousa.

-Fazia o que?

-Era Corretor Zoológico...

-Recolhia listas de Jogo do Bicho.

-Movimentava com grandes e pequenos capitais.

-Naquela linha você era um livro de matemática.

-Por que?

-Cada estação era um problema. De Mossoró foi embora sem pagar o hotel. Em Caraúbas tinha uma namorada,

em Jordão tinha uma noiva e em Jatobá tinha uma amante. Em Patu levou um tiro de um marido ciumento. Em

Alexandria ficou devendo uma vela para cada santo. Em Inveja não podia descer do trem...

-Tudo inveja do Agente de Inveja...

-Em Fortuna ficou devendo uma fortuna. Em Alagoinha foi botado para fora do trem e em Sousa foi preso. De

lá foi para onde?

-Vim para São José de Mipibu...

-Montou um cabaré...

-Para crescer e se multiplicar é preciso treinar...

O Escrivão fechou o grande e grosso caderno, pegou um papel e entregou ao Doutor Poti:

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-Leve junto com a sua Certidão esse atestado: Atesto que o portador dessa Certidão é de fato e

verdadeiramente o dito cujo...

Amanhecendo em Nova Cruz, um galo cantou, uma tropa de jegues com as cangalhas carregadas, batendo

casco rumo ao armazém da estação.

Na estação o movimento de preparação dos trens de passageiros.

-Aqui o Trem do Sul para Caiçara, Duas Estradas, Guarabira, Pirpirituba...

Doutor Poti tomou um café com cuscuz e ovo frito. Passou na feira e comprou uma peruca de cabelo amarelo,

um bigode postiço e um óculo de sombra feito de vidro de péssima qualidade. E foi para a estação.

O Itiuba para não pagar a despesa no brega, pulou a janela e correu para a estação.

Coronel Colina de Montanhas, os dedos cheios de anéis, gesticulando e reclamando que o trem já estava cheio

e faltava cadeira para ele sentar.

O Velho Político de Goianinha falando para o Jovem Político de Pedro Velho:

-Em política se mente na hora da verdade e fala a verdade na hora da mentira.

Tudo pronto vamos embora:

-Trem para Natal, São José do Mipibu, Canguaretama...

Batendo o sino e apitando trem misto saiu de Nova Cruz a Rainha do Agreste. De Nova Cruz até Natal são

cento e vinte e um quilômetros de linha férrea.

Estação Montanha. Para carregar no trem quarenta bodes, uma pilha de sacos com feijão de corda e uma pilha

de cestos com abacaxi.

O Itiuba correu ao escritório da estação para mandar telegrama: Doutor Poti está ótimo.

Carga carregada vamos em frente.

Estação Pedro Velho e mais cargas para carregar: sacos de carvão, cestos com caju, sacos de farinha de

mandioca.

A Mulher Magra reclamou:

-Eita que esse trem é demorado.

O Homem Gordo explicou:

-Está levando coisas para a feira de Canguaretama.

O Agente de Pedro Velho bateu o sino e o trem saio de Pedro Velho.

Estação Pequeri. Mais cargas, até dois jegues, caixas com galinhas.

Enquanto carregavam o trem o Profeta Louco de Pequeri atravessou o trem falando em voz alta:

-A vida é curta a morte é longa. Quem ia chegar morto vai chegar vivo e quem ia chegar vivo vai chegar morto.

O trem saiu de Pequeri e o Doutor Poti abriu a mala verde, tirou todo o dinheiro e colocou num saco. Pegou o

saco com o dinheiro e o pacote com o bigode postiço, a peruca de cabelo amarelo e o óculo escuro.

Canguaretama, muita coisa para descarregar e muita coisa para carregar. O trem nem tinha parado e o Doutor

Poti saltou. Atrás da estação ele colocou a peruca, o bigode e os óculos. Correu até a Agencia do Banco.

Subiu gente, desceu gente. Descarregou, carregou. O Agente de Canguaretama avisou:

-Vai embora o Misto para Natal.

Doutor Poti jogou fora a peruca, o bigode e o óculo e correu para subir no trem que já estava saindo da estação.

O trem correndo entre Canguaretama e Goianinha no Litoral do Rio Grande do Norte.

Em Alagoinhas na Bahia chegou o telegrama enviado pelo Gerente do Banco em Canguaretama avisando de

uma aposta milionária no Morto. O que foi surpresa, ninguém mais estava jogando no Morto, pois o Doutor Poti já

estava perto de chegar em Natal e ia muito bem. A proporção estava que quem jogava um no Morto receberia nove.

Estação Goianinha e os meninos vendendo coco verde:

-Coco verde, água de coco...

Em Goianinha mais carga, até uma Jangada para botar no trem.

-Essa jangada vai para Macau.

Tudo pronto, tudo em ordem, vamos embora. De Goianinha até Estivas são quatro quilômetros. Estação

Estivas e bastante carga para a feira de São José do Mipibu.

O Agente de Estivas avisou:

-Vai sair o trem para São José do Mipibu, Parnamirim e Natal.

Estação de Trairi e os meninos vendendo caju:

-Aqui o caju do Trairi, é caju.

Doutor Poti ficou com vontade, mas não comprou.

Em Trairi o trem juntou mais carga para a feira de São José do Mipibu: coco verde, feijão de corda, macaxeira,

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jerimum e manteiga de garrafa.

Estação Nísia Floresta, que um tempo se chamou Papari, mas trocou de nome e recebeu o nome de sua filha

famosa a escritora Nísia Floresta.

O vendedor de pastel de camarão. Doutor Poti ficou com vontade, mas não comprou.

Estação de São José do Mipibu. Carga para descarregar e carga para carregar e o Doutor Poti pulou do trem e

correu até a botica. São José ele conhecia tudo e todos. Falou com o seu amigo Juca da Botica:

-Eu quero uma bala azul.

-Bala azul. Você vai matar alguém?

-Eu vou me matar. Se eu chegar em Natal e a polícia quiser me prender eu me mato. Melhor morto livre que

vivo preso.

-Aqui a bala azul, tem veneno de dente de cascavel, arsênico e ácido de tanajura. Bateu na língua e o sujeito

está morto mortinho...

Vamos embora que já estamos atrasados.

Estação Cajupiranga e os meninos vendendo peixe frito. Doutor Poti sentou ao lado do Itiuba e convidou:

-O companheiro de viagem quer comer peixe?

Itiuba esfregou as mãos e levantou ligeiro falando:

-Compre os peixes que eu vou no bar do trem buscar duas garrafas de cajuína.

O trem aguardando cruzamento com outro trem e os dois comendo peixe frito e tomando cajuína.

O trem saiu de Cajupiranga. Doutor Poti e Itiuba continuaram sentados juntos e conversando.

Estação Parnamirim já nas beiras de Natal. Muita gente desembarcou em Parnamirim.

Aventureiro de Rio Grande que vinha da estação Marítima no Rio Grande do Sul levantou e se espreguiçou:

finalmente estava chegando a Natal depois de andar seis mil e quinhentos quilômetros de ferrovia.

Na Estação Central de Natal estavam aguardando a chegada do Trem Misto procedente de Nova Cruz, dois

pelotões da Policia Militar do Rio Grande do Norte.

Estação Pitimbu. Desembarcou muita gente. Próxima estação é Natal.

Doutor Poti sorriu, esfregou as mãos, tirou a bala azul do bolso e ofereceu a o Itiuba:

-Aceite, para adoçar a sua chegada a Natal.

Itiuba agradeceu, pegou a bala, tirou papel, colocou a bala na boca deu um pequeno grande suspiro e ficou

encolhido e morto. Doutor Poti tirou a certidão do bolso do Itiuba e guardou no seu bolso e pegou a certidão dele,

Doutor Poti, que estava junto com o Salvo Conduto da Paraíba e mais o Atestado que tinha recebido em Nova Cruz e

colocou tudo no bolso do finado Itiuba. Pegou a mala preta e seguiu pelo corredor do carro, agora ele era José da Silva

vulgo Itiuba. Desembarcou e foi a sala do telégrafo enviar telegrama para Alagoinhas: Emocionado Doutor Poti sofreu

enfarto e morreu ao chegar em Natal.

Saiu da estação tranquilo, pois o dinheiro que ia ganhar com a sua morte lhe garantia uma boa vida.

FIM