O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi
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O enfraquecimento do Leviatã brasileiro
Renato Hayashi
Universidade Federal de Pernambuco
Trabalho preparado para sua apresentação no 9º Congresso Latino-americano em Ciência
Política, organizado pela Associação Latino-americana de Ciência Política (ALACIP).
Montevidéu, 26 a 28 de julho de 2017.
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O enfraquecimento do Leviatã brasileiro
RESUMO
Este trabalho se propõe a analisar o enfraquecimento institucional do Supremo Tribunal Federal
brasileiro. Surpreendentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal foi descumprida
pelo presidente do Senado Federal e nem a coercitividade (possibilidade do uso da força para
se cumprir a ordem jurídica) foi suficiente. Para amenizar o enfraquecimento jurídico-político,
o Pleno do STF encontrou uma saída: manter o Presidente do Senado Federal no cargo, mas o
impossibilitando de assumir a presidência do Brasil quando necessário. Mas será que a segunda
parte da decisão será realmente cumprida? É importante lembrar que nos termos do art. 80, da
Constituição Federal, a ordem de sucessão presidencial é: 1º Presidente da Câmara dos
Deputados, 2º Presidente do Senado Federal e 3º Presidente do STF. Há muito mais elementos
importantes envolvidos nesse caso do que os debates ideológicos e partidários.
Palavra-chave: Supremo Tribunal Federal. Institucionalismo. Enfraquecimento do STF.
RESUMEN
Este trabajo se propone analizar el debilitamiento institucional del Supremo Tribunal Federal
brasileño. Sorprendentemente una decisión del Supremo Tribunal Federal fue incumplida por
el presidente del Senado Federal y ni la coercitividad (posibilidad del uso de la fuerza para
cumplir el orden jurídico) fue suficiente. Para suavizar el debilitamiento jurídico-político, el
Pleno del STF encontró una salida: mantener al Presidente del Senado Federal en el cargo, pero
imposibilitando asumir la presidencia de Brasil cuando sea necesario. ¿Pero la segunda parte
de la decisión se cumplirá realmente? Es importante recordar que, de conformidad con el art.
De la Constitución Federal, el orden de sucesión presidencial es: 1º Presidente de la Cámara de
Diputados, 2º Presidente del Senado Federal y 3º Presidente del STF. Hay muchos más
elementos importantes involucrados en este caso que los debates ideológicos y partidarios.
Palabra clave: Supremo Tribunal Federal. Institucionalismo. Enfriamiento del STF.
Sumário: Introdução, 1. A estrutura do Judiciário brasileiro. 2. As proporções
institucionais do Leviatã brasileiro. 3. O conflito entre o STF e o Presidente do Senado
Federal. 4. Conclusão.
Introdução
O presente trabalho busca uma análise da infraestrutura e da atuação do Poder Judiciário
brasileiro, em especial, do Supremo Tribunal Federal. Por analogia, utilizamos a teoria de
Thomas Hobbes, O Leviatã, para apresentar o Poder Judiciário no Brasil.
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O crescimento do judiciário tem ocorrido em várias sociedades ocidentais desde o final
do século passado. A existência de tribunais constitucionais passou a ser uma variável no
desenho metodológico das políticas públicas (CARVALHO, 2004).
É principalmente por causa do controle de constitucionalidade que o judiciário possui
tanto poder em face do executivo e do legislativo. No sistema brasileiro o judiciário exerce
tanto o controle concentrado, quanto o controle difuso.
O controle concentrado de constitucionalidade é exclusivo do Supremo Tribunal
Federal (art. 102, I, a, da Constituição Federal de 1988), cujas decisões possuem efeitos erga
omnes, ou seja, para todos. A competência para impetrar um dos remédios constitucionais
necessários ao exercício do controle de concentrado de constitucionalidade é concedida à
poucos atores, que estão previstos no art. 103, da Constituição Federal de 1988. No tempo, as
decisões, em regra, possuem efeito ex nunc (para o futuro) (MORAES, 2007).
Entre os cinco maiores impetrantes de Ação Direta de Inconstitucionalidade, temos1:
Tabela 1 – os cinco maiores impetrantes de ADI’s
Legitimado Quantidade de
processo
Porcentagem
Procurador Geral da
República
971 18,82%
Conselho Federal da
Ordem dos Advogados
do Brasil
152 2,95%
Partido Democrático
Trabalhista - PDT
135 2,62%
Governador do Estado
de São Paulo
131 2,54%
Associação dos
Magistrados Brasileiros
130 2,52%
Total de ADI’s até
05/02/2017
5.159 100%
Entre os partidos políticos2:
Tabela 2 – os cinco partidos que mais impetraram ADI’s
Partido
Quantidade de
processo Porcentagem
PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT 135 2,62%
PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT 119 2,31%
1 Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi 2 Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi
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PARTIDO SOCIAL LIBERAL – PSL 88 1,71%
PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA
BRASILEIRA – PSDB 67 1,30%
PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB 49 0,95%
No tocante aos partidos, em especial, os partidos de oposição, que são minoria nas
casas legislativas, costumam usar o judiciário para barrar os projetos de lei contrários aos seus
interesses (CARVALHO, 2014).
O controle difuso é exercido por qualquer magistrado, ou seja, não se limita ao STF,
embora caiba análise pelo Supremo em sede de recurso. Os efeitos do controle de
constitucionalidade são inter partes, ou seja, para as partes do processo, podendo
excepcionalmente ser erga omnes. No tempo, as decisões, em regra, possuem efeito ex tunc
(retroativos) (MORAES, 2007).
A judicialização da política se dá em duas perspectivas: normativa e analítica. A
perspectiva analítica tem como pressuposto que a Constituição está acima das decisões
políticas, o que nos leva a teoria da pirâmide de Kelsen, onde a Constituição está no topo do
ordenamento jurídico e todas as demais regras não podem contrariar a lex superior (KELSEN,
2003). A perspectiva analítica aborda o judiciário enquanto elemento formador da política
pública (CARVALHO, 2014).
Para uma melhor compreensão do tema, abordaremos no próximo capítulo uma análise
da infraestrutura do Poder Judiciário, principalmente sobre a ótica constitucional.
No segundo capítulo apresentamos as proporções institucionais do leviatã brasileiro
(Poder Judiciário).
No terceiro capítulo apresentamos uma análise de um fato inédito na história recente
do Brasil e que representa um enfraquecimento da Suprema Corte brasileira: um caso em que
o Presidente do Senado Federal se recusou a cumprir uma decisão do STF, que determinou seu
afastamento da presidência da casa legislativa.
Por fim, a conclusão apresentada é no sentido de o Supremo Tribunal Federal errou
duas vezes: na decisão liminar e na decisão colegiada.
As decisões estão maculadas pela ausência de fundamentação jurídica e da imposição
que fere manifestamente a tripartição dos poderes.
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1. A estrutura do Judiciário brasileiro
O Poder Judiciário é dotado de independência e autonomia, cuja função não se limita
a gerir a administração da justiça, tem a importante função de ser o guardião da Constituição
Federal e das leis (MORAES, 2007, p. 485).
Segundo Eugênio Zaffaroni (1995, p. 87), “a chave do poder judiciário se acha no
conceito de independência”.
Para a existência e funcionamento da tripartição dos poderes (na concepção de
Montesquieu) a democracia é fundamental. Não há de falar em judiciário independente sem a
democracia.
Ao Judiciário brasileiro cabe tanto a função típica (aplicar a lei ao caso concreto),
quanto as funções atípicas (administrar e legislar):
Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada
pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese
controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa
julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das
partes. Evidentemente tem-se que distinguir a atividade jurisdicional da
administrativa e da legislativa. As duas últimas, especialmente a
administrativa, consistem em atuação em conformidade com a lei, mas
são nitidamente diversas da atividade jurisdicional, pois esta é atividade
secundária ou substitutiva, ao passo que a administrativa é primária
(ALVIM, 1985, v. 1, p. 149).
A função administrativa corresponde à gestão da estrutura, por exemplo, concessão de
férias dos servidores e magistrados. A função legislativa consiste na criação de normas
regimentais (MORAES, 2007).
A Constituição brasileira traz em seu texto a previsão de toda a estrutura do Poder
Judiciário (arts. 92 a 126).
Para melhor visualização de toda a estrutura, apresentamos o gráfico abaixo:
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Na base da estrutura temos o primeiro grau de jurisdição formado pelos juízes de
primeiro grau: juiz de direito, juiz federal, juiz do trabalho, juiz eleitoral e juiz militar. No
segundo grau estão os Tribunais: Tribunais de Justiça, Tribunal Regionais Federais, Tribunais
Regionais Eleitorais e Tribunais Militares. No terceiro grau de jurisdição temos os Tribunais
Superiores: Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do
Trabalho e Superior Tribunal Militar, cujas sedes são em Brasília. No topo do judiciário (quarto
grau de jurisdição) temos o Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição e
última instância recursal.
Para movimentar toda a estrutura do judiciário há uma grande quantidade de servidores
e magistrados.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2016) a força de trabalho totaliza
451.497 servidores, na seguinte distribuição:
Tabela 03: força de trabalho do judiciário3
Magistrados 17.338
Servidores:
(efetivos)
(cedidos/requisitados)
(sem vínculo efetivo)
278.515
(242.646)
(20.405)
(15.464)
Auxiliares 155.644
Total 451.497
3 Dados obtidos do Relatório do CNJ 2016
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Vale ressaltar que ainda não houve preenchimento da totalidade das vagas, existem
ainda 5.085 cargos vagos para magistrado e 55.031 cargos vagos para servidores (CNJ, 2016).
Para garantir o exercício com independência das funções judiciais, de forma a
resguardar os magistrados das pressões institucionais, sociais e políticas, aos magistrados são
garantidos constitucionalmente três direitos (art. 95, da CF) (MORAES, 2007). A vitaliciedade
(1) garante que o magistrado permanecerá no cargo até a idade limite (75 anos) e que só perderá
o cargo após decisão final transitada em julgado, ou seja, quando não couber mais recursos. A
inamovibilidade (2) garante que o magistrado não poderá ser movido da sua comarca, salvo por
interesse público ou vontade própria. A irredutibilidade de subsídios garante a impossibilidade
de redução dos “salários” dos magistrados.
Além de proteger a atuação da magistratura, essas garantias são imprescindíveis a
democracia e manutenção dos direitos fundamentais (MORAES, 2007). Segundo Fayt (1994),
as garantias dos magistrados não são privilégios pessoais, servem para o livre desempenho do
cargo público.
Há de se destacar ainda as garantias institucionais, que preservam o judiciário
enquanto instituição. Nos termos do art. 85, II, da Constituição, é considerado crime de
responsabilidade do Presidente da República atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário
e dos demais poderes:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público
e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
A independência do judiciário tem como principal alicerce a ausência de hierarquia
entre os magistrados e o princípio do livre convencimento do juiz. Ambos estão devidamente
previstos nos arts. 371 e 372, do Código de Processo Civil de 2015. Não obstante, a
independência financeira do judiciário liberta-o de quaisquer pressões por parte dos outros
poderes.
Em termos orçamentários, historicamente, o judiciário sempre realizou elevados
gastos, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (2016):
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Apresentamos, ainda, a distribuição da despesa por Justiça. É importante ressaltar que
a Justiça Estadual é responsável por 56,4%, o que decorre da maior capilaridade no território
nacional e o tamanho da sua estrutura.
Apesar de possuir um orçamento bilionário o Judiciário brasileiro apresenta uma
elevada taxa de processos pendentes de apreciação, o que gera uma elevada morosidade
judicial:
Tabela 04: Número de processos pendentes
Ano 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Processos
Pendentes/Milhões
60,7 61,9 64,4 67,1 70,8 72 73,9
Elaborado pelo autor a partir dos danos do CNJ (206)
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O sistema constitucional brasileiro não previu uma forma de fiscalização e
acompanhamento do judiciário. Por diversas vezes o STF julgou inconstitucional as tentativas
de criação de um órgão fiscalizador.
Em 2005 o Brasil passou por uma reforma do judiciário, por meio da Emenda
Constitucional 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz parte do Poder
Judiciário (art. 92, da Constituição Federal) e possui competência para controle da atuação
administrativa e financeira do Judiciário, bem como do cumprimento das obrigações legais da
magistratura (art. 103-B, §4º, da Constituição Federal). Ocorre que o CNJ não goza de plena
liberdade ou autonomia, pois é um órgão fiscalizador que faz parte do poder que fiscaliza, o
que gera problemas de credibilidade quanto à sua atuação:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com
mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de
outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
Entretanto, a Associação dos Magistrados do Brasil impetrou a ADI nº 4.638-DF, em
face de possível inconstitucionalidade do CNJ quanto ao poder de punir os magistrados. O
conflito de competência ocorre por causa da existência prévia da corregedoria do judiciário.
Ocorre que o STF julgou pela competência concorrente do CNJ e da corregedoria para
processar os magistrados que cometem infrações.
Mesmo com a decisão do STF o CNJ tem se mostrado mais um conselho analítico do
que julgador. O que, ao menos, tem contribuído para a transparência do judiciário brasileiro.
Por meio do relatório do CNJ (Justiça em números), observa-se que há um sério
problema de gestão financeira no judiciário, pois mesmo com orçamentos bilionários tem
prestado um serviço público de baixa qualidade.
Tabela 5 – Evolução da despesa total, número de decisões, casos novos e processos baixados do Poder
Judiciário4
Ano Despesa Total
do Judiciário
Número de
decisões
Casos
novos
Processos
baixados
Casos
pendentes
2009 R$51,2
bilhões
23,7 milhões 24,6
milhões
25,3 milhões 60,7 milhões
4 Informação extraída do Relatório CNJ em números, disponível em http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros
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2010 R$ 53 bilhões 23,1 milhões 24 milhões 24,1 milhões 61,9 milhões
2011 R$ 60 bilhões 23,6 milhões 26,1
milhões
25,8 milhões 64,4 milhões
2012 R$ 64,6
bilhões
24,8 milhões 28 milhões 27,7 milhões 67,1 milhões
2013 R$ 65,6
bilhões
25,9 milhões 28,5
milhões
28,1 milhões 70,8 milhões
2014 R$ 68,4
bilhões
27 milhões 28,9
milhões
28,5 milhões 72,0 milhões
2015 R$ 79,2
bilhões
27,2 milhões 27,3
milhões
28,5 milhões 73,9 milhões
Observa-se que apesar da elevada despesa, o número de decisões proferidas pelos
magistrados e tribunais sempre fica abaixo da quantidade de novos processos, o que cria um
enorme passivo (12.100.000) de processos que aguardam julgamento. Infelizmente as
informações ainda são pouco estudadas no Brasil. Tem-se, ainda, um elevado número de
processos casos pendentes, que em 2015 totaliza 73,9 milhões de processos.
Nesse sentido (CÉSAR, 2017):
Assim, a fiscalização propriamente dita garantiria um mero controle e
consequentemente aumento da segurança jurídica. A proposta do autor não
implica na revisão das decisões judiciais (formais e materiais), não há de se
falar em censura judicial, tampouco em supressão da competência disciplinar
do próprio judiciário.
Outro aspecto que contribui para o fortalecimento do judiciário brasileiro é a grande
quantidade de escândalos de corrupção que envolvem diversos atores políticos tanto do
executivo, quanto do legislativo. Além da descrença social nesses atores, a capacidade de
governar e de produzir leis fica altamente comprometida, de forma que sobra para o judiciário
tomar as decisões mais importantes para a nação.
Em termos de legitimidade, o Judiciário não sofre com a pressão social
(accountability). O termo accountability ainda não tem uma tradução precisa para nosso idioma,
mas em linhas gerais trata-se de uma forma de controle/prestação de contas (ODONNELL,
1998).
Pela própria natureza do judiciário não há de se falar em accountability vertical, ou
seja, o povo não cobra ou faz pressão social sobre os magistrados, uma vez que a investidura
no cargo e sua permanência independe da vontade direta do povo, portanto, o risco político do
judiciário é zero. O mesmo ocorre em relação ao accountability horizontal, que é realizado por
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outros entes governamentais. No Brasil, tanto o legislativo, quanto o executivo não possuem
ferramentas para fiscalizar ou rever os atos do judiciário, não há uma prestação de contas.
Assim, a fiscalização propriamente dita garantiria um mero controle e
consequentemente aumento da segurança jurídica. A proposta do autor não implica na revisão
das decisões judiciais (formais e materiais), não há de se falar em censura judicial, tampouco
em supressão da competência disciplinar do próprio judiciário.
Accountability vertical pode ocorrer nas eleições, quando os cidadãos punem o mau
político através do não voto ou premiam pelo bom desempenho. Esse fenômeno só ocorre em
países democráticos, ou seja, países nos quais os cidadãos participam livremente das eleições
(ODONNELL, 1998).
2. As proporções institucionais do Leviatã brasileiro
Segundo Faria (2004), os juízes brasileiros possuem um histórico destaque na
sociedade brasileira, decorrente das garantias constitucionais. Tanto protagonismo carece de
legitimidade e exacerba a independência e a autonomia em detrimento de princípios
constitucionais, tais como, eficiência, transparência, etc. (FARIA, 2004).
Uma análise do elevado custo e da baixa produtividade caracteriza uma máquina
pública morosa e ineficiente (FARIA, 2004).
Dois fenômenos são fortemente presentes no Brasil: a judicialização da política e da
economia e o ativismo judicial.
A judicialização da política e da economia tem ocorrido em diversos países
democráticos, tendo como base a teoria da supremacia constitucional, oriunda da Constituição
Americana de 1787 (BARBOZA; KATYA, 2012).
Vários significados podem ser atribuídos à judicialização da política, destacam-se a
ideia de que o judiciário decide temas de competência do legislativo e do executivo e a ideia de
que os magistrados decidem de forma a extrapolar os limites originários (VALLINDER, 1995,
p. 13).
A judicialização da política é muitas vezes confundida com o ativismo judicial, que
ocorre quando o magistrado cria o direito através de uma decisão judicial. Existem duas fortes
críticas ao ativismo judicial: 1) os magistrados não foram eleitos, logo carecem de legitimidade,
pois não estão nos respectivos cargos por vontade direta do povo; 2) não há critérios
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estabelecidos previamente que regulem a criação do direito pelos magistrados, as decisões são
orientadas pelo livre convencimento do juiz, um dos princípios inerentes à magistratura no
Brasil (DICKSON, 2007, p. 367).
Democracia é conditio sine qua non para o fenômeno da judicialização da política
(CARVALHO, 2004). Não há de se falar em fortalecimento do judiciário e autoritarismo no
mesmo cenário sócio-político.
Em especial, o Executivo e o Legislativo no Brasil possuem elevada dificuldade para
elaborar normas jurídicas constitucionais, legais e que harmonizem com os princípios gerais do
direito, o que cria um vácuo normativo que vem sido ocupado estrategicamente pelo Judiciário
(FARIA, 2004).
Ran Hirschl (2006, p. 273), aborda três esferas de judicialização: expansão da retórica
legal, judicialização de políticas públicas e judicialização da política em sentido amplo.
A expansão da retórica legal está diretamente ligada ao aumento da complexidade
social, o que nos leva a criação de critérios objetivos e universais para prescrição das condutas
sociais (normas éticas) (HIRSCHL,2006, p.724-725).
A judicialização de políticas públicas decorre do controle de constitucionalidade feito
pelo judiciário, que acaba sendo uma forma extremamente utilizada de revisão dos atos
administrativos e das leis. Ocorre que muitas políticas públicas acabam não saindo do papel ou
são canceladas quando o judiciário interpreta a política pública como inconstitucional. Da
mesma forma diversas leis são retiradas do ordenamento jurídico por causa de decisões judiciais
que estabelecem a inconstitucionalidade. Esse tipo de judicialização interfere diretamente na
gestão pública e nos atos legislativos, de forma que aumenta demasiadamente o poder do
judiciário ao tempo que enfraquece os demais poderes (BARBOZA; KATYA, 2012).
A judicialização da política permite que o judiciário decida sobre questões que estão
além do direito, tais como cultura, moral, política em sentido estrito, etc. Essas decisões
ocorrem por meio da flexibilização da letra da lei, tendo a hermenêutica jurídica como principal
ferramenta. Cria-se, assim, um “novo estatuto dos direitos fundamentais” (VERBICARO,
2008, p. 391). Vale ressaltar que o elevado grau de abstração normativa das normas
constitucionais acaba por aproximar o sistema jurídico brasileiro (civil law) do sistema
jurisprudencial (common law), pois as decisões dos tribunais superiores (BARBOZA; KATYA,
2012), em especial, as súmulas, passam a ter um poder vinculante maior que a própria lei. Por
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exemplo, a Súmula 331, V, do Tribunal Superior do Trabalho é aplicada em detrimento do
disposto no Art. 71, §1º, da Lei Federal 8.666/90:
Lei 8.666/90 (BRASIL, 1990)
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários,
fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais
e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o
uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Súmula nº 331 do TST (TST, 2011)
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do
item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em
27, 30 e 31.05.2011
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem
subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta
culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993,
especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da
prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de
mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
regularmente contratada.
No tocante à aplicação da norma jurídica, Sobota (1995) apresenta a teoria da
aplicação entimemática da lei, na qual o magistrado decide com base em aspectos diversos do
direito, mas ao fundamentar sua decisão utilizam as normas jurídicas para evitar um colapso da
dogmática jurídica, cujos pressupostos são: pretensão de monopólio do poder pelo Estado,
inegabilidade dos pontos de partida, que é a norma jurídica e proibição de non liquet, que é a
proibição de deixar de decidir (ADEODATO, 2007, p. 175).
Exemplificando as decisões políticas do Supremo Tribunal Federal, temos a
fidelização partidária, aborto, pesquisa em células-tronco, etc (BARBOZA; KATYA, 2012).
Em se tratando de segurança jurídica, o Brasil enfrenta uma difícil realidade, uma vez
que existem decisões divergentes sobre a mesma matéria. Mesmo quando há entendimento
consolidado nos tribunais superiores, nada garante que um magistrado do primeiro grau aplicará
o entendimento uniforme.
3. O conflito entre o STF e o Presidente do Senado Federal.
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Nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 402, do
Distrito Federal5, impetrada pelo partido político REDE Sustentabilidade, o Ministro do STF
Marco Aurélio proferiu uma decisão liminar monocrática extremamente controvertida:
determinou o afastamento do Senador Renan Calheiros da presidência do Senado Federal, mas
não do mandato de senador (BRASIL, 2016):
Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de
Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de Presidente do Senado o
senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por
mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão.
A decisão tem como fundamento o fato de que o Senador Renan Calheiros passou a
ser réu em ação criminal, que tramita no Supremo Tribunal Federal e há incompatibilidade de
um político que está na linha sucessória da presidência assumir o cargo sendo réu em ação
criminal.
A Constituição Federal estabelece, no art. 80, a linha sucessória para a presidência do
País:
Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância
dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o
Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal
Federal.
Segundo o texto constitucional o Presidente do Senado é o terceiro na linha sucessória.
Contudo, o Brasil passa pela maior crise política e financeira da sua história, que causou o
impeachment da Presidente Dilma Rousseff, sendo que seu Vice-Presidente, Michel Temer,
assumiu a presidência, o que faz de Renan Calheiros o terceiro na linha sucessória.
O fato é que a decisão monocrática não possui amparo legal, pois não há previsão
normativa que proíba um réu de estar na linha sucessória ou assumir a presidência do País. Não
obstante, o atual presidente do Senado Federal não adquiriu o status de condenado pela justiça
brasileira, ainda haverá um longo processo judicial que determinará sua culpabilidade.
Nos termos do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o sistema jurídico
brasileiro é regido pelo princípio da presunção de inocência, ou seja, o réu só é considerado
culpado após decisão judicial em última instância:
5 Todo o andamento processual está disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF%24%2ESCLA%2E+E+402%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/h8zxkr3
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;
Há de se falar em verdadeiro consenso entre os juristas brasileiros quanto à
inviolabilidade da presunção de inocência. Segundo D’urso (2007):
O princípio da presunção de inocência está entre as principais garantias
constitucionais do cidadão brasileiro, ao estabelecer que todo e qualquer acusado deve
ser considerado inocente até a decisão final, contra a qual não caiba mais recurso,
independente da acusação que lhe seja imputada. Ou seja, ninguém pode ser
considerado culpado antes da sentença final, que advirá após lhe ser garantida a ampla
defesa e o contraditório, dentro do devido processo legal. O Art. 5, inciso LVII da
CF, é muito claro: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória”.
Além da Constituição brasileira, há de se ressaltar o disposto na Declaração Universal
dos Direitos Humanos:
Artigo 11°
1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que
todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2.Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática,
não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo
modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em
que o acto delituoso foi cometido.
Não obstante, uma simples análise da decisão liminar (anexo 1) já mostra a carência de
fundamentação legal, assim, a conclusão que se faz quanto à natureza da decisão liminar é que
ela possui natureza política.
Decisões políticas proferidas pelo STF e o protagonismo não são novidades no Brasil.
Segundo Falcão (2012), “A presença do STF na mídia vem crescendo consideravelmente nos
últimos anos”.
Falcão (2010) fez um levantamento nos principais sites de notícias do Brasil (Folha,
Veja e O Globo), apresentando o seguinte resultado ao se pesquisar notícias sobre o STF:
Gráfico 04 elaborado por Falcão (2010)
16
Aliado ao protagonismo e às decisões estritamente políticas, o Judiciário brasileiro não
passa por fiscalização financeira, tampouco revisão dos seus atos, o que cria uma enorme e
poderosa instituição: o leviatã.
Inesperadamente o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, não cumpriu a
decisão liminar que determinou seu afastamento da presidência. Contou, ainda, com o apoio da
maioria dos Senadores. (In)Felizmente, o STF não possui meios de exigir por meio da coação
o cumprimento de uma decisão dessa natureza em face de outro Poder, o que causou um abalo
na imagem do STF, pois, inusitadamente, alguém não cumpriu uma decisão do STF e
permaneceu no cargo.
Diante do cenário, o Pleno do STF decidiu julgar a liminar concedida pelo Ministro
Marco Aurélio. Numa tentativa de não gerar contradição interna e de não mostrar fraqueza
perante a sociedade, a decisão foi no sentido de que um réu não pode figurar na linha sucessória
da presidência da república, mas que o Senador Renan Calheiros poderia permanecer no cargo
de Presidente do Senado, mas não poderia assumir a presidência em caso de necessidade:
os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80
da Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte
Suprema, ficarão unicamente impossibilitados de exercer o ofício de
Presidente da República
A decisão proferida gera a seguinte dúvida: O STF poderá barrar a linha sucessória da
presidência da república? Caso isso aconteça o próximo da linha sucessória é o Presidente do
próprio STF, que atualmente é a Ministra Cármen Lúcia.
Talvez essa pergunta seja respondida em breve, pois no atual cenário político
brasileiro, surgiram denúncias criminais contra o atual Presidente da República, Michel Temer,
17
o que pode levar a um novo impeachment, que acarretaria eleições diretas, nos termos do art.
81, §1º, da Constituição Federal:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-
se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a
eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo
Congresso Nacional, na forma da lei.
Não obstante, tudo indica que o STF não levou em consideração os efeitos políticos e
econômicos das suas decisões, pois resultou em um aumento da insegurança política, jurídica
e econômica.
A bancada governista do Senado se manifestou contrariamente à decisão do
STF, enquanto a bancada de oposição se mostrou favorável. De fato, o
afastamento não ocorreu por causa do poder político que o Presidente do
Senado possui na Casa Legislativa:
O líder do Governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), avalia que o
afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência da Casa
por decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) coloca
em risco a estabilidade política. Ele considera, no entanto, que uma eventual
mudança no comando do Senado não vai atrapalhar as votações finais,
incluindo a da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 55/2016) que
estabelece um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos.
Já o líder da Minoria, senador Lindbergh Farias (PT–RJ), considera que
independentemente de uma decisão definitiva do Supremo, o Senado não tem
condições de votar o segundo turno da PEC do Teto de Gastos, previsto para
o dia 13. O segundo vice-presidente do Senado e líder do Governo no
Congresso Nacional, senador Romero Jucá (PMDB-RR), ressaltou que a
votação em segundo turno da PEC faz parte de um acordo firmado com todos
os partidos e que independe de quem presida a sessão. Reportagem de Hérica
Christian, da Rádio Senado. (SENADO FEDERAL, 2016)6
Através de uma pesquisa popular no site de notícias UOL, foi constatado que a maior
parte da população apoia a decisão do STF de afastar Renan Calheiros da presidência do STF.
A pergunta foi: O que você achou da decisão do STF de manter Renan Calheiros como
presidente do Senado? E o resultado foi: 92,33% votaram em apoio à decisão do STF, 6,26%
votaram em desfavor da decisão do STF e 1,41% votaram indiferente. O total foi de 42.680
votos.
6 Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2016/12/senadores-avaliam-impacto-da-decisao-do-ministro-do-stf-sobre-renan-calheiros
18
4. Conclusão
Diante do exposto, a conclusão do presente trabalho reside no fato de que o Supremo
Tribunal Federal brasileiro há muito tempo deixou de lado a norma jurídica ao julgar e se vale
da política para nortear suas decisões.
A despreocupação com a ausência de fundamentação jurídica chegou a tal ponto que
determinaram o afastamento de um representante do Poder Legislativo discricionariamente. É
importante destacar que o presente artigo não faz nenhum juízo de valor quanto à inocência ou
culpabilidade do Senador Federal Renan Calheiros. A análise vai do aspecto institucional ao
jurídico-formal.
Nos termos da Constituição Federal de 1988, Art. 53, o devido processo legal deve ser
seguido, inclusive, no que se trata ao processamento dos Deputados e Senadores, que possuem
imunidade civil e penal sobre suas opiniões, palavras e votos:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 35, de 2001)
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não
poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os
autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para
que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto
da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento
da ação.
O foro competente para julgar os Deputados e Senadores é o Supremo Tribunal
Federal, contudo cabe ao Ministério Público Federal oferecer a denúncia ao STF que, caso
aceite os termos, deve enviar a denúncia à respectiva Casa Legislativa (Câmara dos Deputados
ou Senado Federal). Essa regra se aplica aos crimes praticados após a diplomação.
Encaminhada a denúncia a Casa Legislativa o parlamentar será afastado apenas por
decisão da maioria dos membros.
19
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ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
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jurisprudência e doutrina. São Paulo: Revista dos Tribunais, Vol. 1, 1985.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm Acesso em 13/02/2017.
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FAYT, Carlos S. Supremacía constitucional e independência de los jueces. Buenos Aires:
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Trad. De Juarez Tavares. São Paulo: Revista
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20
ANEXO 1 – DECISÃO LIMINAR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL 402 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : REDE SUSTENTABILIDADE
ADV.(A/S) : EDUARDO MENDONÇA E
OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : PARTIDO DO MOVIMENTO
DEMOCRÁTICO
BRASILEIRO - PMDB
ADV.(A/S) : MARCELO DE SOUZA DO
NASCIMENTO E
OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE -
PHS
AM. CURIAE. : PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL - PTN
AM. CURIAE. : PARTIDO PROGRESSISTA - PP
AM. CURIAE. : PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO - PRB
ADV.(A/S) : CARLOS BASTIDE HORBACH E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : SOLIDARIEDADE - SDD
AM. CURIAE. : PARTIDO SOCIAL CRISTÃO - PSC
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
DECISÃO
21
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
– LIMINAR – RELEVÂNCIA E URGÊNCIA – DEFERIMENTO.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
– LINHA DE SUBSTITUIÇÃO –
CARGO – OCUPAÇÃO – RÉU.
1. O assessor Dr. Vinicius de Andrade Prado prestou as
seguintes informações:
ADPF 402 MC / DF
22
Rede Sustentabilidade, por meio da petição/STF nº 69.260/2016,
subscrita por profissionais da advocacia regularmente habilitados,
protocolada às 11h16 de 5 de dezembro de 2016, reitera, ante o
surgimento de fatos novos, o pedido liminar descrito no item 55, “b”,
da inicial.
Segundo narra, postulou, ao formalizar a arguição de
descumprimento de preceito fundamental, o deferimento de medida
acauteladora voltada à fixação, em caráter provisório, do
impedimento preconizado no artigo 86, § 1º, da Constituição Federal
relativamente aos ocupantes dos cargos em cujas atribuições figure a
substituição do Presidente da República. Consoante destaca, além da
plausibilidade do direito, o requisito da urgência se fazia presente, à
época do ajuizamento, em virtude de a Presidência da Câmara dos
Deputados estar ocupada por parlamentar que respondia a ação penal
em trâmite no Supremo. Esclarece o afastamento deste do cargo antes
da apreciação do pleito de urgência considerada a decisão do ministro
Teori Zavascki na ação cautelar nº 4.070, posteriormente referendada
pelo Pleno.
Aponta o início da análise do tema de fundo deste processo
objetivo em 3 de novembro último, quando, rejeitadas as
preliminares, a ilustrada maioria admitiu a arguição. Esclarece terem
se manifestado, além de Vossa Excelência, os ministros Edson Fachin,
Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello, totalizando seis
votos, no sentido da procedência do pleito, no que evidenciada a
formação da maioria absoluta. Salienta a suspensão do julgamento
ante pedido de vista formulado pelo ministro Dias Toffoli.
Menciona o parcial recebimento de denúncia, em 1º de
dezembro de 2016, pelo Pleno, contra o atual Presidente do Senado
Federal, senador Renan Calheiros, que passou à condição de réu
devido à acusação veiculada no inquérito nº 2.593, presente a alegada
prática do crime de peculato, acórdão
2
ADPF 402 MC / DF
23
pendente de publicação. Argumenta que o citado parlamentar está
alcançado pelo impedimento noticiado na arguição, proclamado pela
maioria do Tribunal. Diz do ressurgimento do perigo da demora tendo
em vista o fato superveniente.
Faz referência, no tocante ao requisito da plausibilidade do
direito, ao consignado na inicial. Frisa a formação da maioria no
julgamento iniciado. Aponta a improbabilidade de alteração do
entendimento adotado por ocasião da conclusão do exame,
observado o decidido pelo Colegiado na ação cautelar nº 4.070, relator
o ministro Teori Zavascki. Afirma estar em jogo, quanto à configuração
do risco, a honorabilidade do Estado brasileiro e a funcionalidade da
separação de poderes. Articula com a proximidade do recesso, no que
improvável a retomada da apreciação do processo objetivo. Defende
possível a atuação monocrática do Relator na situação retratada,
reportando-se ao disposto no artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999,
mesmo suspensa a análise da arguição. Evoca a liminar deferida por
Vossa Excelência na ação direta de inconstitucionalidade nº 5.326, na
qual debatida a validade de atos normativos por meio dos quais
atribuída à Justiça do Trabalho a competência para autorizar a
participação de crianças e adolescentes em representações artísticas.
Segundo relembra, embora suspenso o julgamento em virtude de
pedido de vista formulado pela ministra Rosa Weber, Vossa Excelência
implementou medida acauteladora, passível de referendo pelo Pleno,
considerada a excepcionalidade da situação.
Requer o acolhimento do pleito deduzido no item 55, “b”, da
inicial, para que, “até o julgamento definitivo desta ADPF, seja
reconhecida, em caráter provisório, a impossibilidade de que pessoas
que respondam ou venham a responder a ação penal instaurada pelo
STF assumam ou ocupem cargos em cujas atribuições constitucionais
figure a substituição do(a) Presidente da República”. Postula, em
consequência, o afastamento cautelar imediato do senador Renan
Calheiros do
3
ADPF 402 MC / DF
24
cargo de Presidente do Senado Federal, expedindo-se as notificações
decorrentes ao Primeiro Vice-Presidente e ao Primeiro Secretário.
2. Observem os dados alusivos à tramitação deste processo e precedente
de minha lavra. Recebi-o, por distribuição, em 3 de maio de 2016. À época,
presidia a Câmara dos Deputados o parlamentar Eduardo Cunha. Ante a
delicadeza extrema da matéria e a urgência notada, conferi preferência para
imediata apreciação, pelo Plenário, como convém, do pedido de concessão de
medida acauteladora, a implicar o entendimento segundo o qual réu – e o
Deputado já o era – não pode ocupar cargo compreendido na linha de
substituição do Presidente da República. Na sessão do dia 4 seguinte, informei ao
Presidente do Tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, encontrar-me habilitado
a votar. Perguntou-me sobre a divulgação de que o processo estaria na bancada,
para exame, na sessão imediata, de quinta-feira, 5 de maio. Disse que sim,
considerada a publicidade dos atos judiciais.
Surgiu situação de maior emergência. O ministro Teori Zavascki, na
ação cautelar nº 4.070/DF, acolhera pedido do Procurador-Geral da
República e implementara, de quarta para quinta-feira, liminar não só
afastando o citado parlamentar da Presidência da Câmara como também
do exercício do mandato. Entendeu-se que o Colegiado deveria
pronunciar-se sobre o referendo, ou não, da medida. Ante o referendo e
indagado sobre a urgência da análise da pretensão da Rede, veiculada
nesta arguição, informei não persistir. A razão foi simples: já não havia réu
ocupando cargo na linha de substituição do Presidente da República.
O processo teve sequência para, aparelhado, haver o julgamento de
fundo. Foi inserido na pauta de 3 de novembro de 2016, tendo sido
apregoado no mesmo dia. Proferi voto acolhendo o pleito formulado,
prejudicado aquele alusivo ao afastamento do Presidente da Câmara.
Acompanharam-me os ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa
Weber e Luiz Fux, seguindo-se, presente o escore de cinco votos a zero, o
4
ADPF 402 MC / DF
25
pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O decano, ministro Celso de
Mello, direcionou à Presidência o desejo de antecipar o voto. Fê-lo,
prolatando o sexto voto no sentido dos outros cinco, sendo alcançada a
maioria absoluta de seis votos – seis a zero. Os seis ministros concluíram
pelo acolhimento do pleito formalizado na inicial da arguição de
descumprimento de preceito fundamental, para assentar não poder réu
ocupar cargo integrado à linha de substituição do Presidente da República.
O tempo passou, sem a retomada do julgamento. Mais do que isso, o
que não havia antes veio a surgir: o hoje Presidente do Senado da
República, senador Renan Calheiros, por oito votos a três, tornou-se réu,
considerado o inquérito nº 2.593. Mesmo diante da maioria absoluta já
formada na arguição de descumprimento de preceito fundamental e réu, o
Senador continua na cadeira de Presidente do Senado, ensejando
manifestações de toda ordem, a comprometerem a segurança jurídica. O
quadro é mais favorável do que o notado, no segundo semestre do Ano
Judiciário de 2015, na ação direta de inconstitucionalidade nº 5.326. Após
o voto que proferi, deferindo a liminar, e o voto do ministro Luiz Edson
Fachin, acompanhando-me, pediu vista a ministra Rosa Weber. Acolhi o
pleito de urgência, em decisão individual, e, até hoje, não houve a
continuidade do exame, embora a Colega tenha devolvido o processo para
reinclusão em pauta.
Urge providência, não para concluir o julgamento de fundo,
atribuição do Plenário, mas para implementar medida acauteladora, forte
nas premissas do voto que prolatei, nos cinco votos no mesmo sentido, ou
seja, na maioria absoluta já formada, bem como no risco de continuar, na
linha de substituição do Presidente da República, réu, assim qualificado
por decisão do Supremo.
3. Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do
mandato de Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de
5
26
Presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a
urgência que o caso requer, deem cumprimento, por
mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão.
4. Publiquem.
Brasília – residência –, 5 de
dezembro de 2016, às 15h.
Ministro
MARCO
AURÉLIO
Relator
27
ANEXO II – DECISÃO DO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Decisão: O Tribunal referendou, em parte, a liminar concedida, para assentar, por
unanimidade, que os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da
Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte Suprema, ficarão
unicamente impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República, e, por maioria, nos termos
do voto do Ministro Celso de Mello, negou referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a
determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do Presidente da
República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas,
no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e
Cármen Lúcia (Presidente), vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber,
que referendavam integralmente a liminar concedida. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal,
também por votação majoritária, não referendou a medida liminar na parte em que ordenava o
afastamento imediato do senador Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado Federal, nos
termos do voto do Ministro Celso de Mello, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson
Fachin e Rosa Weber, restando prejudicado o agravo interno. O Ministro Celso de Mello ajustou a parte
dispositiva de seu voto de mérito, proferido na assentada anterior, aos fundamentos dele constantes,
para julgar parcialmente procedente o pedido formulado na presente argüição de descumprimento de
preceito fundamental, mantidos os termos de seu voto. Declarou-se suspeito o Ministro Roberto
Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes, em face da participação na 25ª Sessão
do Conselho de Estados Membros do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral
(Idea), realizada em Estocolmo, Suécia. Falaram, pela requerente, REDE SUSTENTABILIDADE, o Dr.
Daniel Sarmento; pelo Senado Federal, o Advogado-Geral do Senado, Dr. Alberto Cascais; e, pelo
Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros. Presidência da Ministra Cármen
Lúcia. Plenário, 07.12.2016.