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O ARTESANATO DA REGIÃO DO BAIXO SÃO FRANCISCO: SUAS CARACTERÍSTICAS, NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO E GERAÇÃO DE RENDA Analice Passos Costa Gramacho Natalia Silva Coimbra de Sá Regina Celeste de Almeida Souza Salvador 2017

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O ARTESANATO DA REGIÃO DO BAIXO

SÃO FRANCISCO: SUAS

CARACTERÍSTICAS, NÍVEIS DE

ORGANIZAÇÃO E GERAÇÃO DE RENDA

Analice Passos Costa Gramacho

Natalia Silva Coimbra de Sá

Regina Celeste de Almeida Souza

Salvador

2017

Justificativa

O artesanato caracteriza-se por ser uma prática cultural pautada em saberes e

fazeres que são transmitidos oralmente através de gerações, sendo passada

das pessoas mais velhas para as mais novas dentro das comunidades. Esse

tema é objeto de pesquisa do Projeto Rio São Francisco: cultura, identidade e

desenvolvimento (PPDRU/UNIFACS), uma vez que o artesanato é um dos

principais elementos identitários da cultura popular ribeirinha do vale

Sanfranciscano.

Fruto de observações em campo, esse trabalho é também a continuidade da

pesquisa das autoras Souza, Sá e Costa, “O artesanato do Vale

Sanfranciscano e seu potencial para o turismo de experiência”.

Objetivo Geral

Observar mudanças e permanências no artesanato na região

do Baixo São Francisco, comparando – as com a atividade

exercida ao longo do Vale, mais precisamente no Médio São

Francisco, e identificar o nível de organização em que se

encontra e como tal atividade pode ser um fator de renda

para a comunidade da foz.

Metodologia

Como metodologia utilizou-se pesquisa bibliográfica,

documental e trabalho de campo com registros fotográficos e

aplicação de entrevistas durante a referida V Expedição ao Rio

São Francisco, realizada no período de 03 a 09 de setembro de

2017 e que percorreu os municípios de Piranhas (AL), Canindé

do São Francisco (SE), Delmiro Gouveia (AL), Propriá (SE),

Porto Real do Colégio (AL), Pão de Açúcar (AL), Penedo (AL),

Piaçabuçu (AL), Coruripe (AL), Ilha das Flores (SE), Neópolis

(SE), Santana do São Francisco (SE) e Feliz Deserto (SE).

Caracterização

O artesanato dessa região possui um enorme valor histórico e cultural

É bastante diversificado

Praticada tanto por homens quanto por mulheres, com predominância

feminina

Tem influência do Cangaço, elemento constitutivo da identidade nordestina

Tem se tornado alternativa complementar à renda familiar devido à

regularização da vazão do rio, que impacta as atividades de pesca e

transporte fluvial.

Artesanato com fibra de licuri em Coruripe (AL)

Peças em couro no Centro de

Artesanato em Piranhas-ALAdornos produzidos na aldeia Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio- AL,

Bordadeira do povoado de Entremontes, Piranhas-AL

Objetos de cerâmica

em Santana do SãoFrancisco-SE

Mudanças e Permanências

A estrutura funcional de um ecossistema, a distribuição territorial de solos, climas e

espécies, bem como a dinâmica de seus ciclos naturais condicionam as práticas

sociais e os processos produtivos das comunidades (LEFF, 2010, p. 81).

Permanece fundamentada nos saberes tradicionais, passados de geração a

geração, dos mais velhos para os mais jovens.

Ainda utiliza matéria-prima local, em sua maioria.

Recebe influência de outros setores como moda e decoração,

Utiliza de tecnologias de informação, nas ações de divulgação e venda.

Organização

Apresenta-se em diferentes modos, através do

trabalho individual, familiar, em associações e

cooperativas.

Na Cooperativa Art-Ilha, as peças são

organizadas em catálogos com referências,

códigos e informações que demonstram que a

produção encontra-se inserida num contexto de

mercado.

Há forte atuação de agências de fomento como o

SEBRAE, Ongs como ARESOL, Prefeituras,

Governo, Bancos, bem como parcerias com

shoppings e profissionais de moda e decoração..

Catálogo de peças produzidas na Cooperativa

Art-Ilha, em Ilha do Ferro, Pão de Açúcar-AL

Organização

O artesão torna-se protagonista quando seu nome é inserido nas etiquetas do preço, dessa

forma, não apenas produto é valorizado, mas a pessoa que o confeccionou é também

nominada e reconhecida.

Em Ilha do Ferro, foi fundado em 2017 o Espaço de Memória Artesão Fernando Rodrigues

dos Santos, que congrega a produção artística da comunidade.

Os produtos são expostos em casas, feiras, centros, shoppings, sites, e outros.

As vendas são feitas nos locais expostos, bem como por encomenda, inclusive com o uso de

cartão de crédito.

Há uma política de intensa divulgação nacional e até internacional. A exemplo da arte

produzida na Ilha do Ferro, publicada pela revista Casa Vogue.

Organização

Na Companhia de Bordado de Entremontes, o

processo tem etapas de produção divididas em

engomadeiras e bordadeiras.

Na Associação de Feliz Deserto, as artesãs

também dividem as etapas de produção do

artesanato com a taboa.

Essa divisão proporciona um melhor

especialização e diferenciação dos materiais

produzidos, aproximando-os dos objetivos do

mercado atual de decoração e moda, ainda que

estejam pautados por técnicas e elementos

tradicionais.Etapas produtivas do artesanato com fibra de taboa em Feliz Deserto (AL)

Renda

De acordo com Rômulo Almeida, o artesanato se apresenta como fator de

desenvolvimento, na medida que gera renda e produção com investimento de pouco

capital, dessa forma “por uma pequena capacidade de investir pode-se desenvolver

atividades econômicas que utilizem pouco capital e muita mão de obra, sem prejuízo de

projetos que requerem intensidade maior de capital” (PEREIRA, 1957, p. 172).

Especialmente nos povoados de Entremontes e Ilha do Ferro e em Feliz Deserto, o

artesanato produzido tem migrado da categoria utilitária para a categoria de arte, moda e

decoração, aumentando seu valor de mercado e se estabelecendo como possibilidade

real de geração de renda.

Mesmo nesses povoados, os artesãos que não são membros de cooperativas e

associações, recebem assistência de programas de Governo para exposição, divulgação

e venda do material, a exemplo de Delmiro Gouveia e do Programa “Alagoas feito à mão”.

Renda

No que se refere à inovação, através de parcerias com instituições de fomento,

empresários do setor de moda e consultorias, o bordado de Entremontes tem

demonstrado um salto de qualidade, elevando o material produzido da categoria utilitária

para a categoria de arte, moda e decoração, aumentando seu valor de mercado e se

estabelecendo como possibilidade real de geração de renda.

O município de Santana do São Francisco tem no artesanato uma de suas principais

atividades econômicas, mesmo com a produção de peças em cerâmica sendo feita de

forma mais simples, nas casas, com matéria-prima local, e com menor influência do

mercado de decoração.

Na tribo Kariri-Xocó encontramos o artesanato mais rústico, feito com material colhido ou

trocado entre comunidades, e mesmo assim, a atividade é feita com intenção de

obtenção de renda.

Considerações Finais

Com a diminuição da pesca e das condições de navegabilidade, ou seja, com o uso

insustentável do rio, o artesanato tem seu processo produtivo transformado e aparece

como indutor de geração de renda para as populações.

Essa atividade, em muitas comunidades permanece sendo feita por pessoas mais velhas,

não refletindo uma ocupação e alternativa de renda para os mais jovens.

Contudo, uma análise da sua potencialidade para o mercado da produção cultural e do

turismo na contemporaneidade, indica que esta pode ser uma atividade econômica que

incorpore as novas gerações. Dessa forma, gerando não apenas renda e emprego, mas

uma valorização das identidades regionais e locais frente a um mundo cada vez mais

globalizado, mesmo com todas as suas contradições.

Considerações Finais

A rede estabelecida por Organizações Não-Governamentais (ONGs), SEBRAE,

Prefeituras, bancos, empresas e entes públicos é visivelmente articulada e demonstra

estar em ritmo de expansão e aprimoramento; diferentemente do observado em trechos

do Médio e Sub-médio São Francisco, que possuem uma produção em menor escala,

familiar ou com ajudantes, e de menor aporte institucional.

O artesanato nos locais visitados apresenta-se em diferentes níveis de organização,

sendo produzido por meio do trabalho familiar, de associações e de cooperativas, e

criando uma rede diversificada e dinâmica de trocas comerciais que apresenta crescente

expansão e aprimoramento. Esse contexto não é possível sem a organização da

comunidade e o suporte técnico e financeiro de órgãos externos; e o nível de

organização observado em que se encontra a atividade deve-se ao máximo

aproveitamento das oportunidades de capacitação e fomento.

Referências

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