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inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral F Distribuição gratuita
Nº 004 Setembro 2009MosaikoMosaiko
Confira nesta edição pág. 9
Principais resultados do Trabalho do Mosaiko em 12 Anos
12Mosaiko
“Caminhante, não existe caminho.O caminho faz-se caminhando"
Dizia o grande poeta espanhol, António Machado. Ora, a realidade é
toda ela feita de desafios. Cada victória é, em face do futuro, uma derrota
a superar, pois apenas nos faz descobrir que ainda há muito por fazer.
Sem fé, sem aquele estímulo que nos diz “o caminho é para frente”, não
para ti, mas para os outros; que não és senão servo inútil, que não fizeste
senão aquilo que te estava mandado, qual Abraão chamado a deixar a
sua terra para ir a busca da terra prometida… escusado será pensar que
se consegue ir para frente. O combustível acaba a meio do caminho e o
carro pára! Para onde vais? Vou andando. Mas para onde? Vou andando.
E vou convidando os outros a andar.
São 12 anos: muitos acertos, mas também muitos desacertos. Angola
mudou: o Mosaiko não deixou nela a sua marca? Alguns, entre os muitos
testemunhos possíveis, dão as suas respostas nesta edição do Mosaiko
Inform.
Resta continuar a andar… com gratidão a Deus, aos dominicanos, aos
bispos e à Igreja, aos colaboradores, aos grupos locais parceiros, aos
benfeitores, ao Estado Angolano nos seus diferentes órgãos, aos parcei-
ros institucionais…
Dificuldades… é possível viver sem elas? Mas algumas raiam o absur-
do! São apenas desafios… e continuar a marchar!
Os Direitos Humanos são um desafio permanente
Busca infinita
Não fosse o Criador Infinito
Imagem e semelhança de quem, é a pessoa humana.
José Sebastião Manuel, op
2Mosaiko
informMosaiko
ÍNDICE
Editorial .......................................................02
José Manuel Sebastião, op
Informando
12 Anos pela Promoção dos Direitos Humanos
em Angola ..................................................03
Mário Rui, op
Os Direitos Humanos em Angola ..................... 05
Dr. Benja Satula
Estórias da História
A Criação da ONU .....................................07
Mónica Guedes
Figura em destaque
João XXIII um raio de Luz no ceú
da “Guerra Fria” ......................................... 08
Luís de França, op
Construindo
Principais resultados do trabalho
do Mosaiko em 12 Anos ..............................09
Paulo Máquina
Entrevista com
Virgílio Catalaio ...................................... 13
Mónica Guedes
Reflectindo
Núcleo dos Direitos Humanos da Matala ........ 16
Ir. Sebastiana de Oliveira
Testemunhos ................................................ 17
Dra. Eliseth da Graça Paulo
José Nunes, op
Breves ............................................................ 20
e d i t o r i a l
Nº 004 / Setembro 2009 3
e d i t o r i a l I n f o r m a n d o12 anos
pela promoção
dos Direitos
Humanos em
Angola
Quando em Setembro de 1997, iniciou a sua
actividade, o Centro Cultural Mosaiko foi a primeira
organização angolana a dedicar-se explicitamente à
promoção dos Direitos Humanos em Angola. Numa
altura em que os “Acordos de Paz de Lusaka”, assina-
dos em Novembro de 1994, suscitavam mais dúvidas
que certezas, pretender trabalhar na promoção dos
Direitos Humanos parecia a muita gente como algo
desadequado e perigoso - desadequado num contexto
onde se ia adivinhando já um recrudescer da guerra;
perigoso por ser tido como um assunto político usado
como arma contra o Governo.
O Mosaiko nasceu assim num contexto adverso,
antes de mais como fruto da convicção evangélica e
da experiência cristã dos Missionários Dominicanos,
desejando tornar-se um instrumento vivo cuja acção
contribuísse para suscitar e apoiar iniciativas de
desenvolvimento integral e integrado na sociedade
angolana.
Na visão do Mosaiko esse desenvolvimento, para
ser verdadeiro e sustentável, só poderia centrar-se
nas pessoas que existem, com as suas qualidades e
limitações. Por isso, com a colaboração preciosa de
algumas paróquias e dioceses, o Mosaiko começou por
reunir pessoas representativas dos diferentes sectores
da sociedade local e com elas estudar a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, analisando o que
seria possível fazer a nível local para que os Direitos
Humanos fossem mais respeitados. Em muitos locais
foi a primeira vez que pessoas de sectores tão diversos
se reuniram para tratar de problemas comuns. Este
tipo de iniciativa permitiu adoptar uma abordagem
participativa e inclusiva, contribuindo para dissipar
alguns medos e perceber que a promoção dos Direitos
Humanos se centra na dignidade da Pessoa Humana
e não em qualquer opção de tipo partidário.
Estas sessões de formação foram-se multipli-
cando, dando em alguns casos origem a grupos locais
de promoção dos Direitos Humanos, com os quais o
Mosaiko continua a colaborar de forma regular.
A partir do conhecimento da lei e do contexto
em que estão inseridos, são estes grupos os
grandes protagonistas das mudanças positivas
que se verificam em muitos locais. Graças à sua
acção há geralmente um maior envolvimento
das entidades competentes – órgãos de Justiça,
Administrações, Polícia Nacional, etc - e uma
maior confiança das populações na resolução
dos seus problemas.
A partir das acções de formação foi surgindo
a necessidade de produzir materiais de divulga-
ção que, por um lado, permitissem aprofundar
os conhecimentos partilhados nas sessões de
formação e, por outro, contribuissem para a
criação de um clima em que as problemáticas
de Direitos Humanos não fossem encaradas
como algo “exterior” e “perigoso”, mas como
uma forma privilegiada de contribuir para o bem
estar de todos. Nesta perspectiva, em 1999 foi
produzido o livro “Direitos Humanos – Guia de Apoio
a Cursos de Formação” e foi difundido um primeiro
calendário de Direitos Humanos e uma série de 12
programas de televisão - “Caminhos de Paz” - dedi-
cados explicitamente a abordar os Direitos Humanos
de forma pedagógica. Dando amplitude a esta vertente
de trabalho, desde 2004, o Centro Cultural Mosaiko
produz, em parceria com a Rádio Ecclesia, o programa
de rádio semanal “Construindo Cidadania” e, desde
2009, está a emitir o programa radiofónico “Cidadania
Activa”, na província da Huíla, através da Rádio 2000.
Além disso, em parceria com a Direcção Nacional de
Saúde Pública, o Mosaiko produz anualmente, desde
2006, uma Agenda Cívica que permite a divulgação
de muita informação sobre Direitos Humanos.
O trabalho do Mosaiko para ajudar a difundir uma
nova mentalidade relativamente aos Direitos Humanos
4Mosaiko
informMosaiko
i n f o r m a n d o i n f o r m a n d onão foi feita apenas através de materiais didácticos e
de programas nos meios de comunicação social, mas
incluiu também a organização, em colaboração com a
CEAST – Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé
- de Semanas Sociais em 1999, 2003 e 2007, em que
participaram representantes das diferentes dioceses
dos país e representantes de instituições chave da so-
ciedade angolana. Na mesma linha foram organizados
os “Encontros Nacionais de Educação Cívica e Direitos
Humanos” (1998 e 1999) e o Forum Nacional sobre a
Participação dos Cidadãos no Processo Constitucional
(2001). O contributo para
a criação de uma nova
mentalidade cívica passou
também pela participação
e dinamização de vários
processos que visavam a
participação dos cidadãos
na elaboração de legis-
lação chave para Angola,
nomeadamente a Lei de
Imprensa, a Constituição,
a Lei de Terras, etc..
Todo este t rabalho
corria o risco de ser con-
siderado pouco eficaz se
às dimensões anteriormente enunciadas não fosse
acrescentada a possibilidade de defesa, particular-
mente daqueles(as) que por ignorância, medo ou
insuficiência de meios económicos não ousavam
recorrer às instâncias competentes para a resolução
dos litígios. Por isso, desde 2005 o Mosaiko conta com
a colaboração de advogados que em articulação com
grupos locais de promoção de Direitos Humanos em
diferentes pontos do país acompanham, se necessário
diante dos Tribunais, casos que configuram violações
de Direitos Humanos. Tendo em conta que a maioria
das Províncias de Angola não dispõe sequer de um
advogado, o impacto da possibilidade das pessoas
com menor poder político, social e económico poderem
ter alguém que defenda os seus direitos de acordo
com a lei é muito significativo a nível local, levando as
instituições do Estado e os mais poderosos a serem
muito mais cautelosos e a estarem muito mais atentos
ao cumprimento da lei.
Como base de todo o trabalho desenvolvido está
o estudo, a reflexão e o debate sobre os diferentes
assuntos. Por isso, a Biblioteca Mosaiko (e o respec-
tivo ciber) constitui um pilar fundamental que procura,
por um lado, alimentar o trabalho interno de estudo
e reflexão e, por outro, pôr
à disposição dos milhares
de leitores que a procuram
anualmente informação re-
levante particularmente na
áreas de Direitos Humanos
e das Ciências Sociais e
Humanas.
Importa ainda referir
que, ao longo dos últimos
anos, o trabalho do Centro
Cultural Mosaiko tem tam-
bém incluído a realização
de estudos e pesquisas
sociais que permitam co-
nhecer melhor a realidade do país e reflectir de forma
fundamentada sobre certas questões específicas,
podendo destacar-se a colaboração no “Primeiro in-
quérito sobre Direitos Humanos” realizado em Luanda,
em 2000, assim como o “Estudo sobre 9 províncias
do país” ou “Que modelo de desenvolvimento para
Angola – O caso do Waku Kungo”.
Para além do que foi possível realizar desde 1997,
resta também a consciência de que ainda há imenso
por fazer. Por isso, é importante que continuem a surgir
iniciativas - de pessoas, grupos, associações, entida-
des do Estado,… - que contribuam para uma CULTURA
DE DIREITOS HUMANOS EM ANGOLA!
Mário Rui, op
5Nº 004 / Setembro 2009
i n f o r m a n d o i n f o r m a n d oNo limiar de um novo milénio, a realidade dos
direitos humanos continua a ser, à escala do uni-
verso, preocupante. O quadro jurídico, apesar de
ambicioso, não foi suficiente para evitar regressões
que, em alguns casos, se traduzem num retorno ao
ponto de partida – barbárie.
O catálogo dos Direitos Humanos está incorpora-
do na Constituição Angolana sob a veste de direitos,
liberdades e garantias. O nível de cumprimento dos
direitos e liberdades e a sua eficácia é aferido a partir
dos métodos de protecção de direitos, liberdades e
garantias.
1. Direito à vida
O direito à vida impõe-se ao Estado e à socie-
dade no geral, o que pressupõe a sua consagração
como um bem jurídico – penal, atribuindo-se um
direito aos indivíduos de exigirem do Estado as
medidas necessárias e adequadas para a protecção
da sua vida.
Este direito abarca uma dupla dimensão: por um
lado, a adopção de medidas necessárias para que a
vida dos indivíduos não seja violada, implicando o
combate eficaz a todos os actos e práticas contrá-
rias, por outro, o direito a nascer, que se caracteriza
pela existência de um quadro legal e administrativo
que contribua e garanta uma gestação saudável e
um parto adequado, o que deve combinar com a
existência de condições médicas e/ou sanitárias,
técnicas e profissionais capazes de responder à
pretensão dos particulares.
Permite-nos a prática demonstrar que este direito
tem sido assegurado mediante a aplicação de penas
privativas de liberdade aos agentes que perpetram
homicídios. Por outro lado, a proibição da pena de
morte eleva o grau de protecção do direito à vida.
Quanto à dimensão do direito a nascer, as con-
dições sanitárias e técnico-hospitalares não são
uniformes em toda a extensão do território nacional,
apesar de se ter criado um quadro normativo que
permitiu a intervenção dos particulares nos serviços
de saúde. A taxa de mortalidade materno-infantil é
muito elevada em Angola.
Não obstante as debilidades institucionais e de
logística executiva, o direito à vida no ordenamento
jurídico angolano é uma realidade, porém esforços pre-
cisam ser incrementados quanto ao direito a nascer.
2. Proibição de tortura/tratamen-
tos cruéis – direito à integridade
física
Visando garantir a dignidade da Pessoa Humana,
a sua integridade física e mental, estas disposições
contêm não só uma proibição universal como uma
garantia absoluta: os tratamentos cruéis, desumanos
e degradantes não podem, nem devem ter lugar no
ordenamento jurídico angolano, quaisquer que sejam
as circunstâncias que os provoquem.
Este direito encontra a sua conformação nas
disposições penais e processuais penais, as pri-
meiras ao criminalizarem as ofensas corporais, e
as segundas ao barricarem qualquer meio de prova
que tenha sido obtido com tortura, vexames ou
tratamentos degradantes aos detidos.
Estes dispositivos legais contrastam com a práti-
ca quer dos órgãos de polícia criminal, quer com os
órgãos da polícia penitenciária, ao se multiplicarem
actos de denúncia quer da submissão dos detidos a
tratamentos degradantes para obtenção da confissão
dos actos ilícitos praticados ou não, quer na, óbvia,
constatação do estado desumano como os detidos
e os reclusos são acomodados nos estabelecimen
... os tratamentos
cruéis, desumanos
e degradantes
não podem, nem
devem ter lugar
no ordenamento
jurídico angola-
no, quaisquer que
sejam as circuns-
tâncias que os
provoquem.
Os Direitos Humanos em Angola
Radiografia aos DH em Angola
6Mosaiko
informMosaiko
i n f o r m a n d o e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a
Não fossem o trá-
fico de influências
e a corrupção en-
traves gravosos
à igualdade, ela
seria um direito
imaculado, quer
na forma, quer na
substância.
* Dr. Benja Satula
tos prisionais em todo o país e, fundamentalmente
na capital, onde reside
mais de 60% da popula-
ção reclusa do país.
Na execução da
pena deve assegurar-
se que o preso não viva
um sofrimento de uma
intensidade tal que ex-
ceda o nível evitável
inerente à detenção.
Esta garantia de não
submissão a tratamen-
tos cruéis e desumanos
está longe de ser uma realidade, fundamentalmente
quando se trata de detidos e condenados.
3. Direito à liberdade
A liberdade humana é uma possibilidade de es-
colha, uma possibilidade que tem sentido somente
graças a um fim, a um projecto que se pretende
realizar, ao sentido dado à vida. É neste prisma e
com este sentido que a Lei Constitucional (LC) tutela
a liberdade de consciência que vai desembocar na
liberdade de pensamento, de opção, de opinião e de
locomoção. As leis de conformação deste direito são
várias, desde o estabelecimento de um estado plural
e multipartidário, à consagração de um Estado laico,
a diversificação da imprensa, ao reconhecimento da
iniciativa privada nos sectores do ensino e saúde.
Na prática, o direito à liberdade em Angola tem
sido cerceado flagrantemente quanto ao cumprimen-
to dos limites e prazos da prisão preventiva, acarre-
tando consigo as violações referidas na proibição de
torturas e tratamentos degradantes e desumanos.
Também à luz dos instrumentos internacionais
a liberdade de imprensa tem sido violada reiteradas
vezes, não por inexistência de leis de “conformação”
mas sim pela presença de obstáculos claros ao
fornecimento de informação, ao acesso da imprensa
privada a determinada informação e ao acesso aos
eventos dos órgãos do poder executivo, bem como
pela violação do princípio da igualdade no acesso a
certos serviços de reconhecida utilidade pública.
4. Direito a igualdade
O direito à igualdade configura-se um dos princí-
pios estruturantes do Estado democrático de direito,
não é um princípio autónomo, deve ser integrado e
conjuntamente interpretado com todos os outros.
Compreende o princípio da não discriminação,
amplamente falando, salvo questões pontuais de trá-
fico de influência, corrupção e ascendência partidária
no acesso aos serviços públicos e nas empreitadas
públicas, não se surpreende flagrantes violações
do princípio da igualdade. Não fossem o tráfico
de influências e a corrupção entraves gravosos à
igualdade, ela seria um direito imaculado, quer na
forma, quer na substância.
5. Direito de acesso à justiça e a
julgamento equitativo
No ordenamento jurídico angolano a cláusula
geral do acesso à justiça vem plasmado na LC no seu
art. 43.º .Esta cláusula genérica da acessibilidade
aos tribunais é complementada pelas disposições
conjugadas do n.º 1, do art. 7.º da Carta Africana
dos Direitos do Homem e dos Povos.
O acesso aos tribunais e o direito a julgamento
equitativo representam uma realidade no nosso orde-
namento jurídico. O Instituto da Assistência Judiciária
assegura a não denegação da justiça, porém, o estádio
de desenvolvimento da cada região do país assegura
em maior ou menor grau este instituto, pois quanto mais
poder económico a região detiver mais abundante é a
presença de profissionais e agentes da justiça.
* É professor assistente na Universidade Católi-ca de Angola, no curso de Direito.
7Nº 004 / Setembro 2009
i n f o r m a n d o e s t ó r i a s d a H i s t ó r i aA Criação da ONU
A Organização das Nações Unidas (ONU) nas-
ceu oficialmente em 24 de Outubro de 1945. Nesta
data entrou em vigor a Carta das Nações Unidas,
que é uma espécie de Constitui-
ção da entidade, assinada na
época por 51 países.
A ONU foi criada após a Se-
gunda Guerra Mundial com o ob-
jectivo principal de manter a paz
e a segurança internacionais,
propósito que resulta claramen-
te do preâmbulo da Carta das
Nações Unidas.
A expressão “Nações Unidas”,
cunhada pelo presidente norte-americano Franklin
Delano Roosevelt, foi utilizada pela primeira vez
na “Declaração das Nações Unidas”, em 1 de Ja-
neiro de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial,
quando representantes de 26 nações expressaram
a intenção de continuar lutando contra os países do
Eixo (Alemanha, Japão e Itália). Dois anos depois,
líderes da China, da União Soviética, do Reino Uni-
do e dos Estados Unidos esboçaram uma proposta
de estatuto para uma organização internacional de
países.
Antes mesmo de ser constituída oficialmente
a organização, realizou-se na cidade de Bretton
Woods, nos Estado de New Hampshire, nos EUA,
a Conferência Monetária e Financeira das Nações
Unidas, tendo em vista as questões económicas
relacionadas ao final da Segunda Guerra Mundial
e ao pós-guerra. Na mesma linha, realizou-se em
Washington a Conferência para a Organização da
Paz no Mundo do Pós-Guerra.
Em 1945, representantes de 50 países reuni-
ram-se em São Francisco, nos Estados Unidos, na
Conferência das Nações Unidas para uma Organi-
zação Internacional. No encontro, foi elaborado um
rascunho da Carta das Nações Unidas. A Carta foi
assinada em 26 de Junho de 1945, e ratificada por
51 países em 24 de Outubro de
1945.
A primeira Assembleia Geral
celebrou-se a 10 de Janeiro de
1946, em Westminster Central
Hall, em Londres.
As Nações Unidas são cons-
tituídas por seis órgãos prin-
cipais: a Assembleia Geral,
o Conselho de Segurança, o
Conselho Económico e Social,
o Conselho de Tutela, o Tribunal Internacional
de Justiça e o Secretariado. Todos eles estão
situados na sede da ONU, em Nova Iorque, com
excepção do Tribunal Internacional de Justiça, que
fica em Haia, na Holanda.
Ligados à ONU há organismos especializados
que trabalham em áreas tão diversas como saúde,
agricultura, aviação civil, meteorologia e trabalho –
por exemplo: OMS (Organização Mundial da Saú-
de), OIT (Organização Internacional do Trabalho),
Banco Mundial e FMI (Fundo Monetário Internacio-
nal). Estes organismos especializados, juntamente
com as Nações Unidas e outros programas e fun-
dos (tais como o Fundo das Nações Unidas para
a Infância, UNICEF), compõem o Sistema das Na-
ções Unidas.
Em 10 de Dezembro de 1948, a ONU aprovou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual,
em seu artigo 1º, diz que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e,
por isso, ficou conhecida como o marco no combate
a todas as formas de preconceitos existentes entre
os seres humanos.
Mónica Guedes
8
F i g u r a e m D e s t a q u e
Mosaikoinform
Mosaiko
Ficha Técnica
Mosaiko Inform
PropriedadeCentro Cultural Mosaiko
NIF: 7405000860
Nº registoMCS-492/B/2008
RedacçãoBelarmino Márcio Cardoso
Fernando da SilvaFlorência ChimuandoJúlio Candeeiro, op
Mónica Guedes
Colaboradores: Dr. Benja Satula
Dra. Eliseth da Graça Paulo José Nunes, op
Luís de França, opMário Rui, opPaulo Máquina
Sebastiana de Oliveira
Técnico GráficoPaulo Bento
ContactosCentro Cultural Mosaiko
Bairro da Estalagem Km 12 - Viana
Caixa Postal 6945 CLuanda - Angola
Telefones923 543 546 / 912 508 604
Endereço electró[email protected]
Sítio na internethttp://mosaiko.op.org
ImpressãoIndugráfica, LdaFátima - Portugal
Tiragem: 2 500 exemplares
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
João XXIII um raio de luz no céu da “Guerra Fria”
O final dos anos 50 do século XX foram anos de muito confronto a nível mundial. Vivia-se então sob a ameaça constante de uma guerra nuclear resultado do confronto ideológico e económico entre as duas grande superpotên-cias, os Estados Unidos da América e a União Soviética. O clima no mundo era de medo, suspeita e total falta de confiança entre as nações. Na Igreja Católica um papa agonizante – Pio XII - não ajudava a criar melhor clima mesmo entre os fiéis católicos. É então que aparece na Igreja uma figura inesperada e que trará muita surpresas à Igreja e ao mundo. Na Igreja o novo papa João XXIII inaugura uma época de renovação e de iniciativas que a todos surpreendem. Convoca um Concílio o que não acontecia na Igreja Católica há quase um século. Publi-ca encíclicas numa perspectiva de grande diálogo com o mundo, concorrendo para que se crie um clima de apazi-guamento no contexto da guerra fria. Em 1961 a encíclica “Mater et Magistra” propõe uma nova leitura das realida-des económicas em confronto, e em 1963 publica então a famosa encíclica “Pacem in Terris”.
Famosa porquê? Porque foi neste texto papal que a Igreja Católica pela primeira vez reconheceu a existência, o valor e o lugar dos Direitos Humanos, proclamados pe-las Nações Unidas havia 15 anos. Com efeito por razões internas da Igreja, mas também como consequência do tal clima de suspeição da guerra fria a Igreja Católica en-tendia que não devia dar lugar na sua doutrina aos cha-mados Direitos Humanos. Por outro lado, a Igreja vivendo numa atitude de reserva face ao mundo de então não con-siderava importante a existência das Nações Unidas.
Foi então que aconteceu o inesperado. Em Janeiro de 1959 quando pela primeira vez, e seguindo o proto-colo habitual do Vaticano, o papa João XXIII recebeu os embaixadores acreditados na Santa Sé para os cumpri-mentos do Ano Novo, disse-lhes o seguinte: “ vede as Na-
ções Unidas existem, dêem-lhe uma ajuda”. Tanto bastou para que sobretudo as nações ocidentais começassem a
adoptar uma atitude de maior colaboração. E em breve o Vaticano nomeou, pela primeira vez, um representante da Santa Sé junto da Organização das Nações Unidas. Estas iniciativas concorreram par criar num mundo de grandes tensões um clima de diálogo entre as instituições e alguns Estados.
Em 1963, já com o concilio Vaticano II a decorrer, João XXIII publicou a encíclica Pacem In Terris que se tornou uma magna carta, ou seja, um texto de referência para as relações internacionais. Nessa encíclica o papa enquanto chefe da Igreja Católica fez o reconhecimen-to público da Organização das Nações Unidas e logo a seguir o reconhecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos dizendo nomeadamente: “ Um acto de
grandíssima relevância efectuado pelas Nações Unidas
foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, apro-
vada pela Assembleia Geral, a 10 de Dezembro de 1948.
Contra alguns pontos particulares da Declaração foram
feitas objecções e reservas fundadas. Não há dúvidas,
porém, de que o documento assinala um passo impor-
tante no caminho para a organização jurídico-política da
comunidade internacional” A Igreja Católica que sempre se afirmou universal,
aceitou publicamente que na arena internacional haja lu-gar para uma organização não confessional que também assume uma missão universal, nomeadamente na im-plantação da paz no mundo. Isto foi uma grande novidade no contexto de reserva e confronto que então se vivia.
Poucos meses depois deste reconhecimento pú-blico da Igreja a favor dos Direitos Humanos morria o “bom papa João” como então se dizia na imprensa. O seu sucessor, Paulo VI pegou na herança, e nos quinze anos do seu pontificado, ficou conhecido como o papa dos Direitos Humanos. A Igreja e o mundo ficaram dife-rentes depois de no céu da guerra fria ter brilhado esse raio de luz de fé e humanismo que foi João XXIII.
Luís de França, op
9Nº 004 / Setembro 2009
C o n s t r u i n d oA 20 de Setembro de 1997, depois de dois anos
árduos de trabalhos preparatórios, foi fundado o
Centro Cultural Mosaiko que, para alcançar os seus
objectivos “trabalha com” os diferentes actores da
sociedade angolana abrindo caminhos concretos
para uma Angola justa e próspera. Na altura, vivia-
se num contexto político bastante difícil, sobretudo
para se trabalhar na temática de Direitos Humanos,
mas os dominicanos aceitaram o desafio e o risco
de ajudar a edificar uma Angola diferente.
Hoje, passados 12 anos, que referências se
pode fazer do seu contributo na sociedade ango-
lana? É uma questão que vamos tentar responder
ao longo deste texto. Antes, há que clarificar um
aspecto: todo o contributo que for aqui referido
inscreve-se no âmbito da plausibilidade, quer dizer,
não se vincula única e exclusivamente ao Mosaiko.
Posto isto, diríamos então que a nossa abordagem
incluirá três eixos principais
– acesso à informação,
participação dos cidadãos
e monitoria das Políticas
Públicas - em diferentes
níveis: (1) parceiros do Mo-
saiko, (2) participantes nas
actividades do Mosaiko,
(3) Comunidades locais, (4)
Sociedade em geral e/ou
Instituições do Estado.
Neste sentido, ao nível
dos parceiros, destacamos
como contributos princi-
pais (aqui, parceiros equivale dizer grupos e/ou
comissões de DH) o maior acesso à informação,
às leis, às políticas públicas, etc., o que propiciou
uma consciência crítica sobre a realidade social e
a maneira de intervir nela. Nesta perspectiva sur-
gem grupos e/comissões (associações) de direitos
humanos, como são os casos da Comissão Mista
de Direitos Humanos do Kwanza Norte (Março de
1999), do Núcleo de Direitos Humanos da Matala
(Setembro de 1999), do Núcleo Dinamizador dos
Direitos Humanos do Cubal (2000), da Associação
de Direitos Humanos do Waku Kungo – Nhangue
(2004) e a Associação de Direitos Humanos da
Missão Católica da Ndjinga – YOVE (2009). Todas
se encontram actualmente em processo de for-
malização, à excepção da do Kwanza Norte, cuja
aprovação foi publicada recentemente no Diário
da República, e dois anos depois de ter começa-
do o processo. Isto significa que, 50% dos grupos
com os quais o Mosaiko colabora hoje, de forma
contínua, são frutos, em parte do trabalho que tem
vindo a desenvolver ao longo desses anos. Além
desses grupos, há que fazer referência a algumas
Comissões de Justiça e Paz da Igreja Católica que
têm hoje, uma dinâmica de trabalhos mais pró-acti-
va, o que é salutar para o vasto campo de trabalho
dos Direitos Humanos. Muitos deles conseguiram
um reconhecimento considerável por parte das ins-
tituições competentes do Estado ao nível local.
Ora, entendemos que tudo isto é importante
Principaisresultados
do trabalho
doMosaiko
em 12 Anos
10Mosaiko
informMosaiko
c o n s t r u i n d o
Ao nível dos
Participantes das
actividades do Mo-
saiko, destaca-se o
facto de se verificar
já um certo “apro-
priamento” dos
Direitos Humanos,
vivendo-os cada vez
mais.
e acreditamos que essa aproximação enquanto
conquista, pode abrir precedentes para que outros
grupos em outros locais possam se servir dessas
experiências como “modelo-tipo” nesse tipo de tra-
balho.
Ao nível dos PARTICIPANTES das actividades
do Mosaiko, destaca-se o facto de se verificar já
um certo “apropriamento” dos Direitos Humanos,
vivendo-os cada vez mais. Vejamos os seguintes
exemplos: em Malange, algumas mulheres afectas
a um Projecto da Caritas relataram ter tido algum
problema com os seus esposos/parceiros pelo facto
daqueles terem constatado um aumento de capaci-
dade na gestão interna do lar por parte de suas par-
ceiras reclamando de protagonismo no seio familiar;
na Matala, um dos sobas de uma comunidade não
aceitou assinar um documento para ceder terras da
referida comunidade a um governante, um Ministro.
Estando a ser coagido a assinar, ele defendeu-se
do seguinte modo: “(...) Eu não vou assinar este
documento, porque aprendi no seminário de Direi-
tos Humanos que os terrenos das nossas comuni-
dades só podem ser recebidos pelo Conselho de
Ministros, mas avisam e dão outro terreno. Por isso,
não vou assinar, isso é trair o povo. Se me compli-
carem mais, eu vou apresentar queixa nos Direitos
Humanos!” E o referido governante desistiu das re-
feridas terras. Noutros casos, cidadãos sentem-se
influenciados pelas formações administradas pelo
Mosaiko para seguir uma carreira em Direito. É o
caso de um juiz de Direito do Tribunal Provincial do
Kuando Kubango que, convidado a dissertar sobre
um tema durante a Semana Social da Diocese de
Menongue em 2007 disse que a sua formação hoje,
enquanto magistrado judicial tinha sido fortemente
influenciada pelo seminário de Direitos Humanos
ministrado pelo Mosaiko no qual teria participado: “
(...) Deixem-me dizer–vos que, a minha formação
Parceria/trabalho conjunto entre Núcleos e/Comissões e as Instituições locais do Estado
No Kwanza Norte, a Comissão Mista participa nas Reuniões da Família da Justiça que se reali-zam todos os anos para avaliar a situação da justiça na província, a convite dos próprios órgãos e é parceira directa das instituições do Estado. Além disso, essa Comissão, a pedido da Comissão Provincial Eleitoral, desenvolveu um projecto de Educação Cívica Eleitoral apoiado por aquela instituição governamental em 2008 antes da realização de eleições legislativas.Na Matala, a Administração Municipal solicita, com regularidade ao Núcleo, assessoria na re-alização das suas actividades. Cite-se o exemplo de um conflito de interesse entre este órgão e os cidadãos que construíram casas junto do aeroporto local sem a sua prévia autorização. Aquele órgão solicitou uma espécie de “assessoria” do Núcleo na resolução pacífica do mesmo. Além disso, este e outros órgãos do Estado encami-nham, com frequência, ao Núcleo casos de feitiçaria e consequente usurpação de bens, divórcio, terras, etc. Neste sentido, esse Núcleo é visto como uma instituição de referência para mediar conflitos ou conciliar as partes desavindas.
11Nº 004 / Setembro 2009
c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o
Ao nível das Co-
munidades, deve-se
dizer que ainda é
necessário mais e me-
lhor mobilização para
que os seus membros
tomem mais inicia-
tivas e provoquem
mudanças concretas
no seu seio, a partir
dos conhecimentos
de Direitos Humanos
que vão adquirindo.
hoje, enquanto magistrado judicial é fruto da partici-
pação num seminário de Direitos Humanos facilita-
do pelo Centro Cultural Mosaiko do qual agradeço.
E uma das formas de agradecer é ajudar a esclare-
cer outras pessoas sobre os seus direitos e deveres
enquanto cidadãos deste país”.
Ao nível das COMUNIDADES, deve-se dizer que
ainda é necessário mais e melhor mobilização para
que os seus membros tomem mais iniciativas e pro-
voquem mudanças concretas no seu seio, a partir
dos conhecimentos de Direitos Humanos que vão
adquirindo. Vejamos alguns casos em que comuni-
dades se mobilizaram para exercer um determina-
do direito. Na comunidade da Lapala, no município
do Amboim, Gabela, província do Kwanza Sul, por
exemplo, os cristãos da referida comunidade jun-
taram-se e reflectiram sobre os vários problemas,
tendo enviado um memorando à Comissão Paro-
quial de Justiça e Paz pedindo apoio para que inter-
pelasse junto dos órgãos competentes no sentido
de prestarem (mais) atenção aos vários problemas
que os afecta, entre os quais, a falta de professo-
res e a corrupção, os altos preços praticados pelos
serviços de identificação e notariado, entre outros.
Infelizmente, até ao momento não houve qualquer
resposta dos órgãos competentes. Mas da Matala
nos vem o exemplo de um processo que foi total-
mente diferente, tal como se pode ver abaixo:
Este é dos poucos casos em que a comunidade
se mobilizou de forma eficaz e conseguiu influen-
ciar as entidades competentes a assumir um com-
promisso seu.
No que diz respeito ao contributo ao nível da
SOCIEDADE em geral e/ou das INSTITUIÇÕES DO
ESTADO, deve-se ressaltar o facto de durante este
tempo ter-se privilegiado igualmente o trabalho com
as instituições do Estado, pois constatou-se, desde
muito cedo que muitos dos seus agentes agem à
margem da lei, dos códigos de conduta e demais
instrumentos necessários ao bom desempenho
profissional. Neste sentido, várias intervenções do
Mosaiko e/ou dos grupos que orientou, contribuí-
ram para um certo melhoramento no funcionamento
das mesmas e não só. De ressaltar que, nalguns
casos, esse processo levou à demissão de alguns
dos seus membros. Foram os casos do chefe da
Secção de Investigação Criminal do Município da
Matala, da administração do Parque Nacional do Bi-
cuar do mesmo município e de alguns funcionários
da Direcção Provincial da Habitação do Kwanza
Norte. Hoje, relatos vindos dos próprios núcleos e/
ou comissões, dão conta de uma considerável mu-
dança de atitudes por parte das entidades locais
competentes diante dos cidadãos nestes últimos
Criação do Instituto Médio de Educação da MatalaDepois de criado o Núcleo de Direitos Humanos da Matala, uma das questões que mobilizou a
comunidade na altura, foi a falta de uma escola do ensino médio no município. A comunidade
teve a ideia de criar um Instituto Médio com o curso de Ciências Sociais, num sistema de ensino
a distância, cujo funcionamento só foi possível a partir de 2002. Contou com o apoio de missioná-
rios e técnicos da empresa de construção “Odebrechet” que reabilitavam, na altura, o perímetro
irrigado da Matala. Quatro anos depois, o instituto foi assumido pela Secção Municipal da Educa-
ção e consequentemente da Delegação Provincial e, por unanimidade mudaram para o curso de
pedagogia, uma vez que a maior parte dos estudantes era professor do ensino de base e haveria
assim a possibilidade de fazer carreira e mesmo de poderem ser promovidos no emprego. Hoje,
a comunidade conta com um Instituto Médio de Educação em pleno funcionamento.
12Mosaiko
informMosaiko
c o n s t r u i n d o
* Paulo Máquina
... a experiência do
Mosaiko, passados
12 anos, mostra
claramente que é
possível trabalhar
especificamente em
Direitos Humanos,
apesar do contex-
to, e daí podermos
augurar uma An-
gola cujos direitos
humanos sejam
conhecidos e respei-
tados por todos.
anos, e daí que o clima de trabalho tem sido de
maior responsabilidade, tendo aumentado, conse-
quentemente a confiança dos cidadãos em alguns
sectores.
CONSIDERAÇÕES FINAISPor último, mas sem nenhuma pretensão con-
clusiva, mas principalmente com o intuito de lançar
alguns desafios e estimular a reflexão, gostaríamos
de dizer que a experiência do Mosaiko, passados
12 anos, mostra claramente que é possível traba-
lhar especificamente em Direitos Humanos, apesar
do contexto, e daí podermos augurar uma Angola
cujos Direitos Humanos sejam conhecidos e respei-
tados por todos.
Neste sentido, alguns desafios ficam no ar. O
primeiro tem a ver com a necessidade de circular
mais e melhor a informação “simples e detalhada”,
sobre as leis, políticas públicas, etc., pelo país
adentro, visto que mais informação é sinónimo
de liberdade para se pensar no próprio destino.
Consequentemente, o segundo tem a ver com o
nível de participação dos cidadãos nos processos
de tomada de decisões, seja no sentido de exigir
prestação de contas e fazer parte dos processos
de tomadas de decisões, assim como de ter inicia-
tivas próprias, aproveitando melhor os espaços de
concertação e debate existentes. Por último, con-
sideramos a monitoria das Politicas Públicas, isto
é, o acompanhamento e responsabilização das
instituições competentes no processo de execução.
Supondo a exigência da participação dos cidadãos
em todas as fases do processo das políticas pú-
blicas (elaboração, execução e avaliação). Todos
esses desafios devem ser implementados de forma
articulada, pois a concretização de um desafio é
condição fundamental para a realização de outro,
e assim sucessivamente. Portanto, uma Angola
cujos Direitos Humanos sejam conhecidos e respei-
tos por todos é possível!
* Exerce funções no Mo-saiko desde Março 2003, como monitor de Direitos Humanos. Acumulou tam-bém a função de Coorde-nador do Departamento de Justiça e Direitos Humanos durante, apro-ximadamente, 4 anos.
E n t r e . . . v i s t a
13Nº 004 / Setembro 2009
MI: O Núcleo de Direitos Humanos da Matala foi cria-do em 1999. Como é que nasceu este núcleo?
VC: A Matala foi um sítio de alta concentração de deslocados de guerra, de vários cantos da provín-cia da Huila e de outras províncias vizinhas. Os deslocados de guerra sentiam-se tão oprimidos, eram vítimas de violações e não tinham como re-agir, não tinham voz, eram deslocados. Naquele tempo a situação era mesmo assim, um elemento deslocado era mal considerado. E assim fundou-se o Núcleo de Direitos Humanos da Matala para ver se se conseguia proteger aquela gente dos seus direitos.
MI: O Núcleo começou com quantos elementos?
VC: Começou com 11 elementos, quatro eram profes-sores, e os restantes não tinham profissão, eram simples religiosos.
MI: Quais eram os principais objectivos do Núcleo?
VC: Os objectivos eram divulgar e defender os direi-tos e deveres dos cidadãos de acordo com a lei vigente em Angola.
MI: Onde é que se reuniam? Quais eram os assuntos que tratavam?
VC: Naquele tempo o núcleo não tinha um lugar pró-prio onde poderia trabalhar. Por vezes reunia-se debaixo de uma mulembeira que se encontra junto da paróquia, outras num campo livre onde desse para conversar sem interrupções. O grupo reunia-se uma vez por semana, principalmen-te aos sábados. Nessas reuniões tratávamos
das violências que existiam no povo da Matala, e como combatê-las. Queríamos fazer com que os cidadãos conhecessem os seus direitos e tratar os progra-mas de como ir ao encontro das outras autoridades para nos ajudar a divulgar os direitos e como protegê-los.
MI: Como é que o Núcleo trabalha-va?
VC: Em geral o grupo fazia peque-nas palestras no campo dos deslocados de guerra, nas al-deias, igrejas, unidades milita-res. Fazia também encontros com as diversas autoridades do município da Matala para, em conjunto, descobrirem os direitos de cada cidadão e as formas de o proteger des-sas violações.
MI: Era fácil ao núcleo intervir na área dos direitos humanos nessa altura?
VC: Era muito difícil, tinha que existir mesmo muita coragem e entregar-se em sofrimento daquele que também sofre. Havia certos elementos, os próprios acusadores e violadores, digamos as-sim, que estavam contra aqueles que combatiam a violência. Foram criadas algumas calúnias con-tra o núcleo, acusações e até ameaças e agres-sões contra os membros do núcleo. O núcleo já respondeu por três vezes perante o Tribunal por uma acusação falsa. Era acusado de estar contra
c o n s t r u i n d oDurante a guerra civil angolana instalou-se na Matala, tal como em outras províncias, um campo de deslocados. Para além de viverem as consequências directas da guerra, os deslocados eram dis-criminados e vítimas de violações dos seus direitos fundamentais. Foi com o objectivo de os proteger e defender que um grupo de pessoas da Matala se juntou e criou um Núcleo de Direitos Humanos. Estávamos em 1999. A guerra acabou, mas o grupo continuou o seu trabalho, até hoje. Para nos contar o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Direitos Humanos da Matala ao longo dos 10 anos, o Mosaiko Inform (MI) entrevistou o Sr. Virgílio Catalaio (VC), um dos seus fundadores.
PERFIl DE
Virgílio Catalaio
Nasceu em Ekunba, Huambo,
em 1961.
Concluiu o ensino primário,
na Escola do Dondeiro da
Missão Católica do Quipeio
Actualmetne frequenta a 10ª
classe.
É professor, e em 1999 fun-
dou, juntamente com outros
dez elementos, o Núcleo de
Direitos Humanos da Mata-
la, exercendo a função de Co-
ordenador
14Mosaiko
informMosaiko
o Governo no poder, contra a lei, que não éra-mos pessoas reconhecias, de que estávamos a favor daqueles que eram gatunos, dos inimigos da paz. Ou seja, tudo falsas acusações. O núcleo não fez caso dessas acusações porque tínhamos a matéria própria para informar sobre os nossos objectivos. Mas o núcleo não era bem visto!
MI: Sabemos que é graças ao Núcleo de Direitos Hu-manos que hoje existe na Matala um instituto mé-dio. Pode contar-nos como foi esse processo?
VC: Na Matala não existia um instituto médio. Os en-carregados de educação não tinham meios finan-ceiros para enviar os seus filhos para fora, para continuarem os seus estudos. Vimos que muitos tinham a oitava classe e não tinham possibilidades de seguir os estudos. Por outro lado, havia certos professores com a oitava classe, professores do ensino geral do primeiro nível, e encontravam-se muito distantes. Então, o Núcleo de Direitos Humanos tinha que experimentar discutir nesta base: se outros munícipes estão avançando com os estudos, porque não o município da Matala? O Núcleo fez essa reclamação numa assembleia, no Lubango e teve frutos. A questão foi submeti-da a estudo, até que foi aprovada a construção do Instituto Médio de Educação da Matala. Este pro-cesso começou em 2002 e em 2004 é que saiu a aprovação para construir o instituto.
MI: O grupo trabalhava de forma independente ou contava com a ajuda de outras pessoas?
VC: Primeiro, o grupo formou-se e depois, graças a Dom Zacarias Camwenho, conseguimos o con-tacto do Centro Cultural Mosaiko para receber formação sobre Direitos Humanos, porque não tínhamos nenhum conhecimento. Apareceram na Matala o Frei Zeca e o Frei Mário para as primeiras formações. Deram-nos a conhecer a Lei Constitucional e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Posteriormente, tratou-se de elaborar um plano de formações para o ano se-guinte e calendarizá-las. A partir dali consegui-
mos a colaboração aberta do Mosaiko e que se mantém até hoje. O Centro Cultural Mosaiko é o padrinho do nosso trabalho
MI: Como é que era a relação entre o Núcleo e os órgãos de Estado?
VC: Quando surgiu o núcleo a relação já era muito positiva. Através do nosso trabalho desenvolvi-do, das nossas discussões reconheceram qual era realmente a finalidade deste núcleo, que trabalhava para o interesse de defesa dos di-reitos de cada cidadão. Os órgãos do Estado passaram a consultar o núcleo de Direitos Hu-manos.
MI: A nossa revista tomou conhecimento de algumas iniciativas levadas a cabo pelo Núcleo que envol-veram a colaboração de instituições do Estado para a resolução de algumas situações. Pode contar-nos alguma situação?
VC: Houve uma cadeia ilegal na área do Kaholo, no município do Changongo, isto é, na província do Cunene, onde o povo do Molondo, que pertence ao município da Matala era vítima de roubo de cabeça de gado bovino e de prisões. Ficavam cinco, seis, sete, quinze dias numa cadeia não reconhecida. Essa cadeia foi descoberta pelo Núcleo de Direitos Humanos da Matala. To-mamos também conhecimento de que haviam alguns fugidos daquela cadeia. Então nós tí-nhamos que procurar estas pessoas, saber se estiveram nessa cadeia. Encontramos um ele-mento bem ferido, com cicatrizes de chicotes. A partir dali fizemos o recurso à Polícia Municipal da Matala para irmos ao encontro da polícia que se encontrava naquele posto. Confiando naqui-lo que o núcleo de Direitos Humanos descobriu, a Polícia Municipal da Matala decidiu sair com o núcleo ao encontro dessa cadeia. Fomos até ao sector do Kaholo, a polícia destruiu a prisão e tirou as pessoas que estavam lá. Imediata-mente comunicaram ao município vizinho do Changongo para terem em conta as acções que
e n t r e . . . v i s t a
15Nº 004 / Setembro 2009
os polícias daquele município da província do Cunene estavam a praticar.
MI: Actualmente quais são as principais áreas de in-tervenção do Núcleo?
VC: São a resolução de conflitos através de encon-tros, palestras, registo de casos e encaminha-mento para as autoridades competentes, criação de sub-núcleos de Direitos Humanos nos muni-cípios vizinhos e as formações. Já fomos até ao município da Chicomba, à comuna de Kutenda, ao município do Kuvango, e temos a previsão de ir ao município de Chipindo. Temos também previsões de criar sub-núcleos nos municípios do Kaluquemba e Caconda.
MI: É o Núcleo da Matala que está a dar formação a esses sub-núcleos?
VC: Sim, é o Núcleo que está a dar a formação, com a ajuda de alguns membros do Centro Cultural Mosaiko. A formação inicial dada é em Direitos Humanos, dar a conhecer a Lei Constitucional e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na segunda fase, são abordados os órgãos do Esta-do, como é que funcionam, o que é a cidadania, a democracia, como é que as pessoas devem viver na democracia.
MI: Actualmente quais são as questões de Direitos Humanos que é preciso resolver e que estão na agenda do Núcleo?
VC: São as questões de terras e a feitiçaria, princi-palmente. Existem outros problemas que tarde ou cedo surgem em zonas que não conhecem o que é um jornal, uma televisão e que vivem uma situação muito, muito pesada. As pessoas desde que regressaram às suas terras de ori-gem nunca por lá passou nenhum membro de Direitos Humanos para explicar como é que um cidadão pode viver no seu país, não sabem o que se passa dentro do país. E nós estamos a penetrar nessas áreas.
MI: Em Outubro o Núcleo vai realizar um seminário
em Chipindo, que fica fora do município da Mata-la. Como é que surgiu esta oportunidade
VC: Alguns dos deslocados que regressaram às suas terras de origem já andavam a participar nos en-contros de Direitos Humanos, organizados pelo Núcleo. Depois, algumas autoridades que se encontravam na Matala e que hoje funcionam no Chipindo, conheceram o funcionamento do Núcleo de Direitos Humanos da Matala, também participavam nos seminários. Depois de consta-tarem a realidade no Chipindo, as suas neces-sidades, contactaram o Núcleo para que fosse para lá formar um outro sub-núcleo e trabalhar no sentido real da Lei Constitucional e dos Direitos Humanos.
MI: No inicio o Núcleo não tinha uma sede. E agora?
VC: Desde há cinco anos que o Núcleo funciona junto à Delegação Municipal de Desporto da Matala. O Governo, depois de reconhecer devidamente o contributo do Núcleo de Direitos Humanos, dis-ponibilizou esse espaço para o grupo funcionar, provisoriamente.
MI: O Núcleo age sozinho ou conta com apoio(s)?
VC: O Núcleo conta com o apoio da Procuradoria Municipal.
MI: Como dinamizador de um Núcleo de Direitos Hu-manos, como é que avalia o impacto do trabalho que realizam na sociedade?
VC: O trabalho que o Núcleo está a desenvolver no mu-nicípio da Matala é de grande vantagem. O núcleo trabalha para a divulgação e a defesa dos Direitos Humanos na Matala. Trabalha também para a re-conciliação, promovendo o encontro com as auto-ridades tradicionais, entidades religiosas, dirigentes dos partidos políticos. Há uma união para resolver os problemas da população. Mesmo aquelas pes-soas de origens mais humildes, que não conheciam as leis, hoje conhecem e têm princípios para dis-cutir sobre os seus direitos. Então, o trabalho em Direitos Humanos é sempre bem-vindo!
Mónica Guedes
e n t r e . . . v i s t a e n t r e . . . v i s t a
“Existem outros
problemas que tar-
de ou cedo surgem
em zonas que não
conhecem o que
é um jornal, uma
televisão e que
vivem uma situa-
ção muito, muito
pesada (...) e nós
estamos a penetrar
nessas áreas”.
R e f l e c t i n d o
16Mosaiko
informMosaiko
r e f l e c t i n d o
“Caminheiro, caminheira, você sabe. Não exis-
te caminho. Passo a passo...Pouco a Pouco....E O
CAMINHO SE FAZ”.
Percebi ser essa a realidade da caminhada do
Núcleo de Direitos Humanos da Matala.
Pela primeira vez cheguei àquelas terras para
colaborar com Paulo Máquina e João Lima de Oli-
veira no Seminário sobre ELEIÇÕES E TOLERÂN-
CIA, a mais de cem pessoas, pertencentes ao Nú-
cleo dos Direitos Humanos e convidadas.
Algumas vezes ouvi falar sobre a caminhada
desse Núcleo, por isso, o meu grande interesse em
conhecê-lo mais de perto. Foi esse o motivo que
me fez acolher o convite da Direcção do
Centro Cultural MOSAIKO, para partici-
par desse Seminário.
Dia 07 de Maio, pela manhã, ao che-
garmos ao local do Seminário, encon-
tramos muitas pessoas à nossa espera,
pois a pontualidade foi um dos sinais de
interesse dos e das participantes, du-
rante os quatro dias do Seminário.
Apesar dos desafios: de pouco espa-
ço físico na sala do Encontro; do calor;
da falta de acomodação na sala; da ne-
cessidade de tradução na língua local;
da precariedade dos quartos de banho
etc, o Seminário decorreu num clima
muito bom e interessante. Os e as participantes es-
tavam sempre atentos e atentas e o interesse pelo
assunto era visível e crescia cada dia.
Neste Seminário houve mais mulheres do que
nos anteriores e boa participação das mesmas,
especialmente nos trabalhos em grupos. Lá, geral-
mente, eram elas que dinamizavam os trabalhos e
traduziam em línguas locais, para os que sentiam
necessidade de tradução.
A riqueza do Seminário estava, também, na di-
versidade de serviços exercidos pelas pessoas pre-
sentes, como: pastores, sobas, sekulos, catequis-
tas, administradores, professoras e professores,
estudantes, membros de partidos políticos, jovens
e mais velhos, mulheres e homens e até crianci-
nhas de colo, alternativa para que as mães pudes-
sem participar.
A metodologia usada pelos formadores, contri-
buiu bastante para a caminhada crescente na par-
ticipação e interesse dos e das participantes. Par-
tiam do trabalho em pequenos grupos, com análise
de caso, onde, por serem em poucos, participavam
sem receio. Após o plenário, os formadores, com
muita eficiência e criatividade, aprofundavam o
conteúdo, que era enriquecido também pela parti
NÚClEO DOS DIREITOS HUMANOS DA MATAlA
A metodologia usa-
da pelos formadores,
contribuiu bastante
para a caminhada
crescente na partici-
pação e interesse dos
e das participantes.
Partiam do trabalho
em pequenos grupos,
com análise de caso,
onde, por serem em
poucos, participavam
sem receio.
R e f l e c t i n d o
17Nº 004 / Setembro 2009
r e f l e c t i n d o
* Ir Sebastiana de Oliveira
cipação das demais pessoas.
Momentos fortes de participação, de animação,
de criatividade e de levar o conteúdo ao coração
foram proporcionados pelos cantos. Cantavam com
vibração e em muitas vozes. Alguns cantos foram
traduzidos nas línguas locais e a proposta foi de
traduzirem os demais cantos e de criarem outros,
de acordo com a realidade local.
Através dos cantos e de estudo de casos, tra-
balhou-se um pouco a questão de género, de um
modo simples e natural, tendo boa aceitação e re-
sultado concreto e imediato, visível por exemplo no
modo de se cumprimentar, dizendo: “Bom dia a
todas e a todos!” Nos cantos: cantava-se as
angolanas e os angolanos; companheiras e
companheiros, etc. Nos trabalhos em grupos e
na análise de caso, era defendida a liberdade
de escolha da mulher, em votar em quem ela
quisesse, mesmo que fosse de partido dife-
rente do partido do esposo. Nos grupos eram
aceites as mulheres para coordenar e traduzir
na língua local. Na avaliação diária dos traba-
lhos sempre teve a participação de mulheres
e homens; nos debates e reflexões chegou-se
a conclusão de que, a mulher e o homem têm
direitos iguais, também no lar. Por isso, o ho-
mem deve cuidar das criancinhas, se a mulher
estiver ocupada com outros trabalhos, pois os
filhos são dos dois. Alguém até disse: “Afinal, o boi
pertence também à mulher. Portanto, se precisar
vender um boi, devo combinar com a mulher e o
dinheiro da venda do boi será nosso e não meu.” E
assim, tantos outros exemplos práticos.
Portanto, posso dizer que, encontrei neste Nú-
cleo muitos sinais de maturidade, de coragem, de
compromisso, de passos dados na CAMINHADA,
como: a credibilidade do Núcleo junto às autorida-
des locais; a sabedoria e coragem em desmascarar
pessoas por fazerem mau uso do poder; os exem-
plos de luta e de propostas de solução de proble-
mas; os resultados dos trabalhos em grupos, até
com citação da própria Lei ou do Código de Conduta
Eleitoral; a proposta de alguns sub-núcleos de rece-
berem formação do CCM, na própria comunidade; a
pontualidade e a seriedade durante o Seminário e o
aumento numérico, diário, de participantes
Tudo isso, não se faz em um dia, nem com mui-
ta rapidez, mas, passo a passo! Pouco a pouco!
Com firmeza, coragem, estudo, sabedoria e perse-
verança.
Parabéns, ao Núcleo dos Direitos Humanos de
Matala! Parabéns, ao C.C.M! Pois, se hoje este Nú-
cleo está firme nesta caminhada é porque o C.C.M.
semeou a boa semente, de modo a provocar o Nú-
cleo a assumir a própria caminhada, sendo assim,
ele mesmo, o PROTAGONISTA DA PRÓPRIA HIS-
TÓRIA. E assim, aos poucos, vamos dando a nossa
contribuição para que “A FELICIDADE SE INSTALE
NA ALDEIA ANGOLANA.” .
* É assessora pedagó-gica. Colaborou com o Mosaiko de Outubro de 2007 a Novembro de 2008.
r e f l e c t i n d oÉ com emoção que hoje olho
para trás e digo com um misto de
saudades, melancolia, reconheci-
mento e um profundo aperto no co-
ração: “o aprendizado obtido com
muita garra e amor na escola da
vida do Mosaiko tornou-me numa
mulher mais e melhor preparada
para a vida”.
Tive o privilégio durante os áu-
reos anos em que trabalhei no Mosaiko de fazer
parte de uma equipa forte, lúcida, brilhante e extre-
mamente dinâmica, o que teve fortes repercussões
na minha vida a todos os níveis - pessoal, familiar,
profissional, social, religioso, etc..
Tive a felicidade de conhecer e integrar a família
Mosaiko, à semelhança do que acontece em todas
as famílias, nem tudo foram rosas; desentendemo-
nos, rimos, choramos, enfim..., juntos festejamos e
sofremos intensamente de tal modo que por várias
vezes e em inúmeras ocasiões fomos obrigados a
nascer de novo, não apenas no sentido do Ser que
vem ao mundo com a pureza das crianças, mas
também do Ser gerador de vida com todas as dores
inerentes às de um verdadeiro parto.
Profissionalmente a riqueza de trabalhar em vá-
rias partes e com as inúmeras realidades do país
permitiu-me conviver com as “nossas” diferenças,
pôr-me no lugar do outro - de Cabinda ao Cunene, * Dra. Elizeth da Graça Paulo
governados e governantes, sem voz e com voz, le-
trados e iletrados, ... - e tentar entender o porquê
da nossa situação actual. Permitiu-me ver Angola
através dos olhos de todos os que amam o país,
acreditam e fazem por acreditar que as coisas vão,
podem e devem melhorar.
Aprendi que não devemos ser anónimos, meros
espectadores e, no sentido de consolarmos à nós
próprios, acreditar que estamos “pura e simples-
mente de passagem”. Todos temos uma missão a
cumprir e na luta diária pelo cumprimento da mes-
ma devemos humanizar os nossos conhecimentos,
actuar de modo sério, coerente, profissional e cor-
tês pois, apenas deste modo carimbamos o nosso
nome, deixamos o nosso selo, a nossa marca re-
gistrada aonde quer que labutemos, por onde quer
que passemos. Esta é a única maneira que temos
de mostrar que damos valor àquilo que realmente
tem valor, isto é ao Ser Humano.
Obrigada ao Mosaiko por me ter dado garra su-
ficiente para enfrentar o mundo com amor. De reco-
nhecer que apesar de frágil e falível sempre posso
de modo construtivo unir-me, com o meu trabalho e
as minhas acções, a todos aqueles que acreditam
ser possível mudar.
Ficam não apenas as saudades, mas a certeza
de que o trabalho actual é uma extensão do iniciado
no Mosaiko aonde com responsabilidade nos empe-
nhamos para bem e cada vez melhor servir. [...]
* Foi colaboradora do Mo-saiko, de 2000 a 2005, exercendo a função de Jurista / Formadora. Actualmente é Procura-dora junto da DNIC
Mosaikoinform
Mosaiko18
r e f l e c t i n d o r e f l e c t i n d oEnquanto actual Prior Provincial e um dos pri-
meiros dominicanos a fundar a nossa missão em
Angola (há 25 anos), não só não me é difícil como
até motivo de grande regozijo dar um testemunho
sobre o Centro Cultural Mosaiko pela ocasião do
seu aniversário.
Em primeiro lugar, o Mosaiko é importante por
aquilo que é e por aquilo que de facto faz! Em qual-
quer par te do mundo, uma instituição que serve o
desenvolvimento da cultura e que segue atentamen-
te a problemática dos Direitos Humanos é sempre
imprescindível. Em Angola, num contexto de guerra
e de enormes problemas sociais – como era a situ-
ação há 12 anos atrás – mais ainda se justificava a
criação de um Centro como o Mosaiko.
Em segundo lugar, o Mosaiko nasceu, cresceu
e continua a desenvolver-se com uma impressio-
nante nota de rigor e exigência em todos os seus
projectos e actividades. Esse rigor, essa dimensão
criteriosa em todo o seu funcionamento, é um exem-
plo para todas as instituições e levou este Centro
Cultural a ser elogiosamente reconhecido no país e
internacionalmente, por pessoas das mais diversas
crenças religiosas ou perspectivas sócio-político-
económicas.
Com justiça, pois, algum prémio lhe
foi concedido. A criação do Mosaiko,
além disso, abriu novas perspectivas à
presença dos Dominicanos em Angola.
Mais ligados, desde o início, à pastoral
directa – quer no Waku-Kungo quer em
Luanda –, e ainda que progressivamen-
te a assumir, cada vez mais alguma e
diversificada leccionação, os Dominica-
nos vêem agora a possibilidade, com
o Mosaiko, de trabalhar em áreas e
perspectivas que não só lhes são mais
próprias como, sobretudo, em iniciativas
que poucos ou mesmo mais ninguém de-
senvolvia.
Por isso mesmo, tam-
bém, a nível da Ordem
dos Dominicanos em
todo o mundo, o Centro
Cultural Mosaiko não só
é muito conhecido como
elogiado, justamente
porque, pelo estudo e na
busca da verdade – dois
lemas fundamentais da
Ordem desde sempre –,
conseguiu traduzir em
projecto concreto e ac-
ção duas das grandes prioridades da pregação: o
diálogo com a cultura e a luta pela justiça e paz.
Tudo razões, pois, mais que suficientes, para nos
congratularmos e nos sentirmos honrados, enquan-
to Dominicanos, pela existência do Centro Cultural
Mosaiko. E, claro, aqui ficam os nossos votos de
que ele continue a cumprir o serviço para o qual
verdadeiramente nasceu.
Angola precisa, a Ordem dos Pregadores precisa.
fr. José Nunes, op
Nº 004 / Setembro 200919
b r e v e s
Mosaikoinform
Mosaiko
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 97% dessas mor-
tes ocorrem em países pobres ou em desenvolvimento; a maioria das
fatalidades devem-se a acidentes nas estradas, complicações durante
parto ou gravidez, violência, HIV/Sida e suicídio.
As principais causas das mortes de 2,6 milhões de jovens a cada
ano são evitáveis e tratáveis, revelou um novo estudo da Organização
Mundial da Saúde.
O primeiro documento
global sobre o tema indica
que os maiores factores
de morte de jovens de 10
a 24 anos são acidentes
nas estradas, complica-
ções durante parto ou gra-
videz, violência, HIV/Sida,
suicídio e tuberculose.
O relatório da OMS revela que 97% das fatalidades entre os jovens
acontecem nos países pobres ou em desenvolvimento.
O órgão da ONU realça que estas mortes evitáveis ameaçam 1,8 mil
milhão de jovens no mundo, 30% da população mundial, quando este
grupo está pronto para se tornar parte produtiva da sociedade.
Entre as medidas preventivas propostas pela OMS estão o ensino
da saúde reprodutiva, campanhas para a redução do consumo de álcool
e a promoção da participação activa dos pais nas vidas dos jovens.
(Fonte: Rádio ONU)
2,6 milhões de jovens morrem todos os anos
Construindo Cidadania direitos Humanos
na sua rádio de Confiança
aos sábados das 08H30 às 09H30
O uso generalizado e crescente da
medicina tradicional em África tem cria-
do problemas de saúde pública, já que
muitas pessoas acreditam que os me-
dicamentos tradicionais são naturais e
seguros.
A afirmação consta de uma nota do
director regional da Organização Mun-
dial da Saúde, OMS, para o continente,
Luís Sambo, por ocasião do Dia Africano da Medicina Tradicional, come-
morado no dia 31 de Agosto.
Sambo indica que muitos pacientes em África pensam que medica-
mentos tradicionais não representam qualquer risco para a saúde. Con-
tudo, todo o medicamento, natural ou não, pode ter efeitos secundários.
É por isso que o tema das comemorações este ano foi “Medicina
Tradicional e Segurança dos Doentes”.
(Fonte: OMS)
Medicina Tradicional em África
Bento Xvi eXpressa apoio a Cimeira de Copenhaga
O Papa Bento XVI expressou o seu “apoio” aos governantes e agências internacionais que irão reunir-se na cimeira das Nações Uni-das sobre o combate às alterações climáticas, agendada para Dezembro deste ano em Cope-nhaga.
“É muito importante que todos os chefes de
Governo possam actuar conjuntamente a fa-
vor da defesa do ambiente, mas também para
promover condições de vida mais dignas para
todos os povos”, declarou o Papa, durante uma audiência geral, realizada no passado dia 26 de Agosto, na residência pontifícia de Castel Gandolfo.
“A comunidade internacional e cada governo terão de dar sinais aos
seus cidadãos para usar os recursos naturais de um modo justo e em be-
nefício das futuras populações, substituindo o actual modelo de desenvol-
vimento global para um modelo de desenvolvimento humano integral como
é exigido pelo escândalo da fome e da pobreza que continuam”, declarou.O Papa pediu ainda a defesa do meio ambiente, que “depende da
comunidade internacional e de cada ser humano”, sendo “absolutamen-
te necessário converter o actual modelo de desenvolvimento global
numa maior assunção de responsabilidade”. (Fonte: Lusa)