Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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Abilio Pacheco, nasceu em
Juazeiro (BA), viveu a primeira
infncia em Coroat (MA), dos 07
aos 27 morou em Marab, e hoje
reside em Belm (PA). Estudou
Eletricidade no SENAI-Marab,
fez Magistrio na Escola Estadual
Dr. Gaspar Vianna, cursou
Licenciatura Plena em Letras na
UFPA-Marab e Mestrado em
Letras Estudos Literrios na
UFPA-Belm. Trabalhou como
eletricista, foi bibliotecrio por
cinco anos e h dez atua no
magistrio. H quatro anos
leciona no Centro Federal de
Educao Tecnolgica do Par,
onde atualmente coordena o
Curso de Letras. Aos 17 anos
obteve o primeiro destaque em
certames literrios com o poema
Elegia de Maria. Publicou
Poemia (poesia) em formato
semiartesanal em 1998. Escrevetambm contos e crnicas, e est
com uma idia de narrativa longa
em gestao.
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Fundao Cultural do Par Tancredo Neves
______________________________________________________
P116m Pacheco, Abilio
Mosaico primevo / Abilio Pacheco. Belm: Edio doautor, 2008.53p.
ISBN: 978-85-908905-0-8
1. Poesia Paraense. 2. Literatura Paraense. I. Ttulo.
CDU: 869.0 (811.5-1)_______________________________________________________
mosaico primevo by abilio pacheco
Projeto grco, editorao eletrnica e capaElizabete N. R. Lopes
Desenho da capaRosineide Lourinho
Fotograa da capa: Mosaico de uma praa de BraganaAbilio Pacheco
RevisoAbilio Pacheco
Impresso e acabamentoGrca da UFPA
Todos os direitos reservados.Proibida a reproduo total ou parcial
desta obra sem autorizao por escrito do autor.
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No tenho certeza se uso comum ou vulgar escrever algoao leitor nos dias de hoje, mas o fao pois assim desejo, ecomeo lembrando oprlogo de Gonalves Dias aos seus PrimeirosCantos, especialmente porque gosto desse vate que de um modoou de outro me conterrneo, segundo porque senti vrias vezeso desejo de pr no ttulo de meu livro uma espcie de parfraseao ttulo do primeiro livro dele, s no o z porque descobri
que outro autor de Marab fez o mesmo, e terceiro porque noprlogo h algo muito importante para os versos deste livro: elesforam compostos em pocas diversas debaixo de cu diverso e sob a inuncia de impresses momentneas, por isso notm unidade de pensamento entre si, alm disso, certo queesses poemas escrevi para mim e que carei feliz se algum seagradar deles, mas se no se agradarem... sempre certo que tiveo prazer de ter composto.
Disse para algumas pessoas prximas que estava reunindo ospoemas que escrevi desde os 15 ou 16 anos at hoje com a intenode publicar alguns deles: os melhores eu iria guardar e os pioresseriam publicados. imperioso que eu acrescente exatamente isto:so poemas de qualidade literria oscilante; provvel que algumleitor crtico escolha um ou outro para sua antologia pessoal, mastambm provvel que esse mesmo leitor se chateie por ler cincoou dez poemas pssimos. As pessoas que me so mais prximas(e que conhecem um pouco da minha verve crtica) devem seperguntar o porqu de alguns poemas to ruins estarem nestapublicao. A estes e aos leitores crticos respondo que algunsfazem parte de minha histria pessoal como (pretenso) escritor evou dar apenas um exemplo.
O poemaElegia de Maria, alm de ter sido musicalizado pelo amigoPaulo Cardoso (de Marab), o que confere (e conferiu) ao texto
uma outra interpretao nesse caso ampliada do texto, foi
ao leitor, leitora,
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o primeiro poema com que obtive algum destaque em certamesliterrios. Com ele quei em 1 lugar no concurso nacional depoemas Irene Santini, organizado pela Casa do Poeta Brasileiro
de Praia Grande, litoral de So Paulo, quando tinha 17 anos. Sehoje o poema no me agrada (pelo menos no tanto quanto napoca) e desejo no mais v-lo ou l-lo, nem por isso devo exclu-lo, assim como no posso tirar do leitor o benefcio da dvida e oprazer do julgamento.
No m deste volume, resolvi pr uma segunda edio doPOEMIA, que em 1998 publiquei 300 exemplares em forma delivro semiartesanal, ou seja, z capa em cartolina cortada em A4, omiolo em folha de papel sulte e z toda a tiragem em impressorajato de tinta para depois (eu mesmo) grampear e vender.
Muito gostaria ainda de conversar sobre os poemas que seguem,mas cada linha que escrevo aqui para voc ler um tempo que lhefurto e que voc poderia usar para ler logo-de-uma-vez os textosou quem sabe fazer algo de til e importante. Anal, o soldoira sem literatura.
Abilio Pacheco
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Mosaico primevo traz-nos poemas que interrogam sobretudo apalavra potica (minha palavra a minha busca / de umavida inteira, em todo mundo / e ela dorme encantada sombra),a memria afetiva e a paisagem urbana. A cidade, como na poesiade Baudelaire e de Age de Carvalho, interpelada em poemascomo Noturno: H noite em mim! H noite em ti, Cidade/ E nesta noite imensa Solido / Que desliza pelo meu corpo
em vo / Enquanto a tua poesia me invade., fazendo do eulrico um novo neur, sempre a errar, brio de luz, pelas ruas(Deambulo em trapos pelas ruas...)
O tempo outro tema importante deMosaico primevo leiam-sepoemas como Dezembros, Rquiem ao tempo presente eRquiem for Rmulo No primeiro texto citado, a passagemdo tempo reveste-se de uma suave melancolia, na interrogaoda existncia humana e sua relao constitutiva com a fugacidade
das horas: Quando Dezembro chegar / Estarei na face fria /Do mesmo espelho que h anos / A rir de mim para mim / Vemsempre me revelar / O que o tempo vem esculpindo / Em meusrosto dezembral.
No plano da linguagem, h trechos que nos apresentam achadosimagticos, sem os quais no se alcana a poesia noturna emelanclica de Mosaico primevo. no trtaro do tinteiro / o sono
das trevosas Frias.; A morte uiva no cio / faminta noitefria; o crdio relgio da vida; Um dia, ave liberta em nuvens/ colorindo o brilho silente;. O plano imagtico, contudo, nofaz seno ressaltar a interrogao do humano, sua fragilidade, suaangstia diante do tempo e da morte, o amor e a ausncia dele.Sem tal indagao, no que no se seja poeta, no se homem,a falta que ama de que nos fala Drummond.
Associados a essa busca pela imagem, tm-se experimentos que
evocam a tradio concretista e sua tentativa de abandonar o
prefcio
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verso tradicional por uma poesia verbivocovisual, como se vem Epigramagrrio e Epigramalone. No falta, ainda, umapotica, que Escritura: Tecer versos , por fora, fazer
sulcos em penedos, / Singrar as pedras todas do mar de si aoavesso, / Derramar suores em gotas no fero vigor do remo. [...] navegar por entre as rochas / E extrair exangues lascas verges por dentro e por fora. Nessa potica vibra um otimismopelo poder de o verbo potico proporcionar, ao leitor, umadesmineralizao das horas: Para que tu, s tu possas sugaro cerne dos versos / Acumulados em poas pelos teus olharesttricos / Que desmineram as horas e se desmentem eternos.
Assim, o Mosaico primevo, montado pela argcia e pelo labor deAbilio Pacheco, incita-nos, pela beleza imagtica, a reavivar nossointeresse pela poesia, dimenso verbal interrogante por excelncia,e pela vida.
Prof. Slvio Holanda
(Professor de Literatura Portuguesa da UFPA)
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epigramagrrio
a p lavra em terrao sono.
a palavra em terrao sonho.
a palavra enterrao nome.
a p lavra, enterrao homem.
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mosaico primevo 12 abilio pacheco
No Prelo
Se a minha palavra a minha busca
de uma vida inteira, em todo mundo
e ela dorme encantada sombra
de um livro raro, quiencontr-la-ei num alfarrbio,
num sebo, numa biblioteca pblica...
Quem sabe minha resposta ainda
esteja no prelo.
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mosaico primevo 13 abilio pacheco
Ernias
Fatigado escrevo em transe
imerso em denso sono,
entre alaridos e vozes
e sob luzes vertiginantes.
Escrevo, mas s no basta!
Garatujo! Esgaravato
no trtaro do tinteiro
o sono das trevosas Frias.
Tremo e temo, porm teimo.
Que perigos reservados
para quem avana em vo
na tarefa de acord-las?
Entretanto, insisto: escrevo!
E elas, por meus esgaravos
soltam gritos ensurdantes
uivando injrias infames.
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mosaico primevo 14 abilio pacheco
Aborrecidas e em garras
levantam-se as justiceirasavanam-me sem retardo
e roubam-me de toda voz.
Tento ainda um verso toa
mas, de mim despertas, dizem
que nenhum mortal como eu
tem direito de invoc-las.
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mosaico primevo 15 abilio pacheco
Escritura
A Eliton Moreira e Ademir Braz
Tecer versos , por fora, fazer sulcos em penedos,
Singrar as pedras todas do mar de si ao avesso,
Derramar suores em gotas no fero vigor do remo.
ferir, quilha da fragata, as artrias espumosas
Das altas internas vagas. navegar por entre as rochasE extrair exangues lascas verges por dentro e por fora.
talhar a cerrados pulsos as pedras nas, mas duras.
E lapidar relevos pulcros em fendas pouco profundas.
um rduo trabalho infruto, que s lega palmas sujas.
Mas preciso faz-lo! Algum deve abrir as ostras
Abismadas em seu peito para junt-las a outras
Iguais na casca e no meio, mesmo que estejam ocas.
Por m: crer que vale a pena mineralizar as lavras
Como fulcros ao poema e inertes todas deix-las
Inativas pelas fendas palavras amortalhadas.
Para que tu, s tu possas sugar o cerne dos versos
Acumulados em poas pelos teus olhares ttricos
Que desmineram as horas e se desmentem eternos.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 16 abilio pacheco
Tessitura Noturna
A Joo Cabral de Melo Neto
Um latido apenas
no protege a rua
ele precisar sempre
que os ces o apanheme o lancem a outros ces
e a outros latidos
tal que somados todos
(latidos e ces) na noite
formem (no arca-
bouo da matilha)uma redoma protetora
em torno da rua.
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mosaico primevo 17 abilio pacheco
Brevssimo Ensaio sobre a Cegueira
A Jose Saramago
Am I blind?
Vejo, (enx) ergo sum
meu olho, se nego
(c)ego
!
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mosaico primevo 18 abilio pacheco
Retrato II
A Ceclia Meireles
Eu tambm no tinha este rosto
assim tenso, assim denso, assim calvo,
nem olheiras e rugas
nem cabelos alvos.
Eu no tinha estes olhos de agora
to rubros, to turvos, to vagos,
nem esta mo incerta,
nem dedos fracos.
Mal venho notando esta mudana
que lenta, constante e suave
do espelho vem desbotando
a minha face.
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mosaico primevo 19 abilio pacheco
O largo (do) buraco da Palmeiranunca mais pelos [telhados] da palmeira
que recendiam a po
Age de Carvalho
I
Da Palmeira, no tenho lembrana
e onde havia um grande buraco,
agora existe um Largo.
II
Antes, o buraco da Palmeiras,
Antes ainda, a Fbrica de biscoitos,
Antes mais antes ainda,
os caboclos tiravam aas das palmeiras,Antes mais antes que antes,
os jesutas rezavam missas sob as palmeiras,
Antes mais antes que antes-antes,
os ndios espreitavam as onas por trs das palmeiras.
III
Hoje, no h ndios, jesutas, caboclos,
aas ou biscoitos ou mesmo a Fbrica.
S o buraco.
Um buraco (de) concreto,
em que as palmeiras se queixam da falta de vento.
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mosaico primevo 20 abilio pacheco
IV
Na belle poque de Belm,
os telhados recendiam a po.
Na belle poque da casa de po,
os telhados recendiam...
ah! po!
VVagarei pela inexistncia da cidade,
pelos quintais da memria do menino de sonhos.
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mosaico primevo 21 abilio pacheco
Ru(g)as
Flanarei pela existncia da cidade
por sobre as guas
(nunca mais pelas caladas,
hoje submersas nas ruas)
sobre a vida que sua da peledos meus poucos tantos anos.
J nem ano mais (com o corao
exilado de mim) por entre os transeuntes.
Talvez eu que no exista (nem resista)
nesta cidade, nesta praa (quem sabenoutra praa doutra cidade), como este vo
entre as pessoas nos bancos, este vo
do canudo num copo de guaran.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 22 abilio pacheco
Escribaria
...
e surgem-me alguns garatujos,
caambas roem o lixo,
riscam o asfalto bas de rolim,
comuta a chuva com o sol cegante,trilam buzinas e sirenes,
brinda-se nas mesas a saideira da saideira,
ecoam mesmssimas msicas...
A rua das gaivotas... arruadas gaivotas,
primeiro de maro.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 23 abilio pacheco
Memrias de Maro
A Paulo Cardoso
Quando amanheo... leito manso e lento
Nesta manh sob este sol silente
A cidade desperta calmamente
Ao meu olhar atnito e em tormento.
Uma canoa tangida pelo vento
Com as lembranas da ltima enchente
Em mim desliza e a cidade sente,
margem, nos degraus, um leve alento.
Mas a tristeza morre neste instante
Quando, no Pontal, o Itacainas
Vem, farto de canoas, desaguar...
E sou, portanto, este olhar brilhante
Cheio de lembranas, de botos, de buinas...
Que corre lento assim de encontro ao mar...
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 24 abilio pacheco
Noturno
A Marab
H noite em mim! H noite em ti, Cidade
E nesta noite imensa Solido
Que desliza pelo meu corpo em vo
Enquanto a tua poesia me invade.
Negra noite em ns, terra to querida
E enquanto as guas reetem a lua
E meu peito tenro arde nesta rua
Esta noite nos serve de guarida.
E este colar de luzes sobre as guas
Brilha e mergulha nos olhos de mim
E o vento lento tange o tempo e assim
Vai tangendo tambm as minhas mgoas.
E j no h mais em mim Solido
Nem tantas trevas na alta madrugada
Que nos enche de luz enluarada
E banha de lirismo esta cano.
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mosaico primevo 25 abilio pacheco
Mas o sol vem quebrando a noite agora
E despertam os galos nos quintais
Que lanam acordes a tantos maisTangendo de ns dois a noite embora.
Fico aturdido e ento olhar-te tento
Com esses olhos brios de luzes tuas,
Sigo andando atnito pelas ruas
Na espera de encontrar um novo alento.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 26 abilio pacheco
Andana
Carrego meus males todos
juntos no mesmo bolso,
juntos do mesmo lado no peito esquerdo.
Sigo assim meio de ladopuxando de uma perna
e arrastando meu corpo torto
pela rua muda.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 27 abilio pacheco
Procura
Entre os silncios noturnos,
grito-me o teu nome
que mal vaga em vo
pelas paredes de mim;
pois tantas so as vozes,entrecortadas, entrecruzadas,
vozes s vezes bablicas,
buzinas, apitos e roncos,
miados, latidos e urros,
todas vivendo em mim,
que o meu grito se perde
pelas frestas da porta
rompe a rua silente
e desperta os olhos de mim.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 28 abilio pacheco
Nereida em Salinas
A nereida Deurilene Sousa
...seguro tua mo e contigo navego
(corpo velido) pelas alvssimas
planuras ondulantes dos lenis
de areia da enseadado quarto do chal
pelos vagas: ondas suaves,
sussurros de sereia,
corais em solo e em si bemol!
Deixemo-nos levar por este canto navegante
e nenhum arrecife nos h de avariar a nave.
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mosaico primevo 30 abilio pacheco
Revisita Casa Bipaterna
Aos meus pais-avs Ezequiel e D. Nen
A mesma rua ainda observa imvel porta,
janela e paredes da casa,
onde moram os nossos velhos, pai e me,
onde as aranhas pacientes esperam, teia urdida intacta,
pelos insetos que tardam a vir,onde pandora parece nunca ter aberto sua caixinha,
onde, porm, o relgio de hora em hora
nos lembra que tempo passa,
onde ns moramos sempre meninos
a brincar de enterrar tesouro,
fazer mapas, armar arapucas e pegar pombos,
onde tarde ouvimos as histrias
que nosso velho sargento ainda conta,
onde h galinhas, marrecos, patos, perus,
capotes, porcos, ces, gatos
e uma gara de asa quebrada,
onde h uma laranjeira, uma mangueira, um jenipapeiro,
uma s saudade dentro de dois coraes
e uma solido abissal, que s eles conhecem.
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mosaico primevo 31 abilio pacheco
Cantiga de Ninar Alyne
A minha flha Alyne
Vejo-te assim,
minha menina,
to pequenina,
de olhos em mim.
Fico a te olharmeio embasbaque
teu rosto to lindo
sempre sorrindo
vem me alegrar.
do teu sorrisoque eu preciso
para sonhar
e ver que a vida
tem outro sentido
do lado de c.
Mas se tu choras
parece que eu choro
te ponho no colo
te fao um carinho
te dou um beijinho.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 32 abilio pacheco
Se vou me embora
Papai no demora!Volta logo ou ca aqui!
o meu corao
Que te ouve
Falar assim para mim.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 33 abilio pacheco
Inteligncia Artifcial
(ou Pinquio ps-moderno)
Minha fada cor de cu,
Por mil pares de anos
Repito-te o mesmo pedido:Faze comigo o que zeste
com o lho de Gepeto.
Mas, acima de nossas cabeas
Toda nova era glacial passou
E com ela os lhos de Japeto.
Por mil pares de anos te peo...
Para que me transformes no que sempre fui,
Sem que nunca tenha sido de verdade.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 34 abilio pacheco
A demanda do Pssaro Azul
Pela oresta de grutas e rochedos,
noite a dentro, vida a fora, ambas inteiras,
comigo meus ces, meus gatos, meus medos e desejos
e do candeeiro, a luz, em corpo esguio de mulher.
Onde o pssaro azul?
No cemitrio? No vale? Nalgum arvoredo?
A coruja sbia... silente.
Os mortos sonsos... sabentes.
O pssaro em canto algum da oresta,ou da noite, ou da vida.
Sequer uma dica, sequer uma pista.
E durante a noite toda, a busca v.
Mas, pela manh, bem vista
no lugar de sempre engaiolado
e tmido, o pssaro em casa.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 35 abilio pacheco
Luzes da Cidade
A Charles Chaplin
Deambulo em trapos pelas ruas...
E vejo voc, serena e cega, alva e bela,
com uma cesta plena de ores claras.
Sbito amo-te! como uma criana a outra.
Simples como a rosa branca
que recebo e ponho na lapela.
Fao de tudo para que mesmo vendo-me trapalho
voc contemple as luzes da cidade.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 36 abilio pacheco
Brincadeira
No teu telhado, miam gatos
e os demnios brincam com anjos de pega-pega.
No teu quintal, ladram ces
e os demnios brincam com anjos de corre-corre.
No teu silncio, roncam homens
e os demnios brincam com anjos de esconde-esconde.
Mas, na tua ausncia:
acordam-se os homens, emudecem-se os ces,adormecem-se os gatos
e os demnios correm dos anjos;
quase so pegos no trisca.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 37 abilio pacheco
Habitao
H um silncio seco percorrendo as paredes da casa:
Ratos roem roupas sujas esquecidas nos sofs,
fazem seus ninhos entre os nossos tecidos
e mijam nas louas adormecidas sobre a pia;Baratas revoam sobre a mesa da sala
so insetos burocrticos, biblilos, alfarrbicos
que se fartam nos papis, cartas, revistas e jornais
que h dias esto reunidos na mesa de jantar;
Grilos entoam acordes de rias desanadose muriocas lhes riem nos gargalhos;
Formigas carregam as migalhas da ltima ceia
da ceia de ontem, da ceia de sempre;
Uma nica mariposa tenta a morte em vo na luz da sala;
E aranhas ressecadas nos telhados podres
permanecem estticas teia urdida
Enquanto os gatos, os ces,
os homens esto perdidos pelo mundo.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 38 abilio pacheco
Habitat
Sempre so meus os olhos que habitam esta casa:
paredes de tbuas despregadas,
ratos podres pelos cantos,
sapatos empoeirados nos tapetes,
comida estragada nos lixeiros,caibros comidos por cupins,
telhas quebradas no telhado,
vrias trancas nas janelas,
teias de aranha nos portais,
fogo engordurado por descuido,
quadros mal pregados nas paredes,livros espalhados pelo cho,
roupas sujas sobre a mesa,
porta e fechadura arrombadas a tiro;
e os meus olhos assustados e despertos
j no habitam mais em mim.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 39 abilio pacheco
Casa ou in-Habitat
telhados em srie srios
cumeeiras retilneas ou bifurcadas
portas solenemente trancadas
janelas ad eternum cerradas
mudas paredes surdasolhares trancaados, prisioneiras bocas, gritos retidos
gente!?
muros
mundo(s)
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 40 abilio pacheco
Construo
Na tarde quente de sol
areia pedra barro
tnue terra tenra
ocas cores curas
duro muro nu
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 41 abilio pacheco
Dezembros
Ao meu irmo Ezequiel Pacheco Neto
Quando Dezembro chegar
Meu mano e uns conhecidos
Reunidos todos em festa
De copos cheios na mo
Cantaro, me abraaro
E ho de quebrar
Em meio a risos e risos
Uns ovos em meus cabelos.
Quando Dezembro chegar
No serei mais o mesmo
Contarei mais umas rugasUns tantos os a menos
E outros claros a mais.
Quando Dezembro chegar
Estarei na face fria
Do mesmo espelho que h anosA rir de mim para mim
Vem sempre me revelar
O que o tempo vem esculpindo
Em meus rosto dezembral.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 42 abilio pacheco
Quando Dezembro chegar
Terei juntas mais duras
Movimentos mais lentos
Mos um pouco mais trmulas
Cansados olhos castanhos
Ralos cabelos grisalhos
E no entenderei gria alguma
Que os meus lhos disserem.
Quando Dezembro chegarOnde estaro os amigos?
Os ovos? Os copos?... Quebrados!?
Os lhos estaro casados.
O espelho velho embaado.
Os lhos dos lhos crescendo.
E os olhos de mim... quebrados.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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mosaico primevo 43 abilio pacheco
Rquiem ao Tempo Presente
Aos familiares dos amigos que partiram
preciso enterrar nossos mortos
J no ouvimos mais os fogos de artifcio
estourando luzes nos olhos do cu
preciso enterrar estes corposJ no ouvimos mais o som dos taris,
dos surdos, dos tan-tans, nem dos pratos
preciso enterrar nossos vizinhos
seu co atropelado, seu gato baleado,
seu jardim pisoteado, suas crias envenenadas
J no ouvimos mais tantos tirosou melhor ouvimos, ouvimos uma saraivada
gritos de uma aurora baleada
despertamos em plena guerra
preciso enterrar nossas asas, nossas penas,
instrumentos de nossos mais belos vos
J no ouvimos mais o som das trombetas
o som das desanadas trombetas
que os anjos, os demnios e os anjos tocam
preciso enterrar nossos entes
J no ouvimos mais os troves
prenunciadores de chuvas invernais
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mosaico primevo 44 abilio pacheco
alis, ouvimos os troves, ouvimos
nossas lgrimas que se quebram
nossos prantos, dentes que se rangem preciso enterrar estas horas
J no mais ouvimos os relgios
nem as pedras que se precipitam
nem os tiques do tempo (taque) porta
nem mesmo as ores que morrem murchas
preciso. preciso enterrar nossos olhos,nossos dentes, nossas lnguas, nossos tmpanos.
J no mais nos ouvimos a ns
J no mais nos ouvimos
J no mais...
preciso!
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mosaico primevo 45 abilio pacheco
Rquiem for Rmulo
Para Rmulo Santana
No dia que Rmulo morreu,
caiu uma chuva semelhante a esta
e a cidade como de praxe
tentava nas ruas reetir o cu.
Ser que anjos choravam?
E outros tocavam trombetas?
No dia que meu colega de sala morreu,
a tarde inteira pesava em mim sua grande mo.
No entanto, eu no me dera de acordo com o ocorrido,nem me dera conta do peso daquelas guas.
No dia que meu amigo morreu
meu Deus, por que tanta gua? ,
a Presidente Vargas era um charco s,
um enorme espelho dgua para nada.
No era a rua da tarde no sonho
em que todo de branco ele me veio visitar.
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mosaico primevo 46 abilio pacheco
Quando Rmulo morreu, no chorei.
Nem no dia, nem depois. (Chorarei ainda?)
que... Ser que... Talvez seja porquea lembrana que me h dele vivo!
Deve ento de ele no ter morrido.
Mas toda vez que chove como agora
pesa em mim as lgrimas no carem!
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mosaico primevo 47 abilio pacheco
Elegia de Maria
Maria deitada na cama
na lida profana da noite
na noite soturna do quarto
olha as horas paradas
e espera o brilho da aurorae espera o sol de amanh.
No corpo frgil o sustento
frtil odor de hortel,
nos beijos, pancadas na cara
gemidos, carcias e dor;estranhos estames ncados
(vibrante delrio frentico)
gros de plen gozados,
nas entranhas carne em or.
Depois de tanto sofrer
no martrio noturno,
o vrus maldito da morte
lhe leva a um longo suplcio
na solido do seu quarto,
na solido da espera.
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mosaico primevo 48 abilio pacheco
Maria velha levada
ao m dos dias to cedo.
No existe mais sonho.No existe mais quimera.
No existe mais fantasia.
No existe mais ... Maria.
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mosaico primevo 49 abilio pacheco
Elegia da Noite
Entre penumbras e sombras
sobras e restos de cores
de luzes ausentes...
abertas asas de ave emsecreto luar de estrelas
: vives!
Entre orvalhos de aurora
cantares de galos e galosem matinais cores...
claros horizontes abertos
estrelas falecidas
: morres!
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mosaico primevo 50 abilio pacheco
Aurora Frrea
A morte uiva no cio
faminta noite fria
e h demnios insanos
tocando suas trombetas
em desanados acordes(explosivos sons exangues).
A morte noite que nda
devora os corpos em chamas
entre ferros contorcidos
na locao trinta e nove.E o sangue nos lbios da morte
mistura-se ao brilho da aurora
numa cinza manh de Sexta.
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mosaico primevo 51 abilio pacheco
ltimo Ocaso
No lento passar das horas
(amargo silncio da tarde)
o sangue corre nas veias
do homem no leito de dor.
Na brevidade das horas
o crdio relgio da vida
bombeia o sangue no corpo
do homem no leito de dor.
Na brevidade da vidacontadas horas de espera
contadas horas de angstia
contados minutos de dor.
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mosaico primevo 52 abilio pacheco
Ocaso
Um pssaro sob o sol da tarde:
Um dia, ave liberta em nuvens
colorindo o brilho silente;
Hoje, um olhar tmido entre grades
e um desejo pulsando no peito.
Mas o tempo vai se apertando
contra o vazio do ventre
e o passarinho triste
sob o sol da tarde a pino
entre fortes grades denha.
Ento,
ao som dos raios solertes
a ave liberta em vo
bate as asas da alma
pelo azul do innito...
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mosaico primevo 53 abilio pacheco
epigramalone
O sonho vai e eu fco s.
O sonho vo e eu s fco.
Os sonhos vo e s eu fco.
Os sonhos vos e s fco eu.
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p o e m i a
abilio pacheco
2 edio
A Ezequiel Pacheco Neto,
Pedro Leite e Pombo (Janari).
2008
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Fundao Cultural do Par Tancredo Neves
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P116m Pacheco, Abilio
Poemia / Abilio Pacheco. Belm: Edio do autor,
2008.
27p.
1. Poesia Paraense. 2. Literatura Paraense. I. Ttulo.
CDU: 869.0 (811.5-1)
_____________________________________________________
poemia by abilio pacheco
Projeto grfco e editorao eletrnica
Elizabete N. R. Lopes
Reviso
Abilio Pacheco
Impresso e acabamento
Grfca da UFPA
Todos os direitos reservados.
Proibida a reproduo total ou parcial
desta obra sem autorizao por escrito do autor.
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Prefcio primeira edio
[...]
Poemia revela-nos um poeta com gosto pela linguagem
clara, contida, reetida que busca desvendar os mistrios da
soturna noite urbana com um olhar que apenas se insinuapor entre personagens meio perdidas. O anonimato dos seres
que povoam esse universo, as conversas captadas de raspo,
as sucessivas imagens aliadas ao condensamento dos textos
do uma rapidez de caleidoscpio ao poema, instigando-nos
a procurar nas entrelinhas, lendo e relendo, aquilo que no
localizvel de imediato na superfcie.Poemia pode ser lido como mero passatempo sem
maiores conseqncias mas certamente se presta a algo muito
maior a quem se aventurar a extrair dele signicaes universais.
Na verdade, um poema que trata de sensaes sentidas em
pretrito imperfeito: que se prolongam e no param nunca.
Eliane Machado SoaresProfessora de Lingstica do
Campus Universitrio do Sul do Par
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Quarta capa da primeira edio
O tema principal deste livro gira em torno do olhar do
eu-potico, durante uma noite, para a cidade, com todos os seus
encantos e desencantos.
A idia que durante a noite muita coisa acontecenas cidades. As pessoas se mostram mais. O que chamamos
de conscincia cede espao espontaneidade, ao ilgico, ao
popular. Em sntese: um olhar humano durante a noite.
H no texto, talvez por focalizar bares, casas noturnas,
vrios elementos carregados de signicado, imagens que
denotam um homem bastante regional. E essas caractersticaslingsticas fazem o perl de nossa regio: uma gelada, tira-
gosto, e os traos da garonete no poema IV.
Os versos so irregulares, mas h uma simetria no
que diz respeito a distribuio dos mesmos, assim como no
tamanho do poema.
A metfora noite pode estar sendo construda com
a seguinte carga semntica: A noite enquanto um espao
propcio ao encontro, ao devaneio, espontaneidade, mas
tambm noite pode signicar a falta de perspectiva, a curta
viso daqueles que valorizam o externo, o aparente, por falta
de condies reais de percepo. a chamada morte em vida.
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A escurido da noite, a impossibilidade de uma viso ntida das
coisas, o elemento comum ente noite, espao do dia sem luz
do sol, e a falta de senso crtico das pessoas.Para nalizar uma imagem forte: ...olhares em retinas
brias por sobre os copos que beijam lbios dormentes.
Gilson PenalvaProfessor de Teoria Literria do
Campus Universitrio do Sul do Par
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poemia 61 abilio pacheco
B O M I A
B O E M I A
P O E M AP O E S I A
P O E M I A
P O E S I AP O E M A
B O E M I A
P O E M I A
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poemia 64 abilio pacheco
IV
A garonete com outra gelada
Usa uma blusinha de ala (sem suti)Um cabelo castanho avermelhado,Um batom seduo eUma mini-saia colada
Para agradar os clientes.
V
A Noite devora no barum tira-gosto salgado
mal temperado e cru:entorna mais uma garrafa
e lambe nos lbios midosum amargo lquido etlico.
VI
Voc por aqui!O amigo conseguiuuma carta de alforria?Hum! Para todos os efeitosfui bater uma redondacom a turma no clube.Entendeu?Fique tranqilo.
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poemia 65 abilio pacheco
VII
A Noite arrota no bar
(como um trovo)e tic do relgio d tiqueno tempo (tac).
VIII
Tem-se que ser moderna.Eu se fosse voc, Fulana,Fazia isto... e oFulano, do lado, ferve.
IX
A Noite dana no barUm bolero, uma salsa, um merengue,Um shot, uma valsa, um rock-and-rollDepois suada e cansada
Senta-se entre nuvens clarasOuvindo uma MPB.
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poemia 66 abilio pacheco
X
Uma mulher chora num canto
E outra lhe d conselhos:... presta ateno numa coisa:Homem pisa quando sabeQue a mulher t gostando dele.Tu tem que fngir
que no gosta...vai por mim!...
XI
A Noite observa no barque os olhos se lanam
olhares em retinas briaspor sobre os coposque beijam lbios dormentes.
XII
Quem falar de amorexplicitamente,
sobre a mesa do barentre um copo e outro
entre uma cerveja e outra?Talvez (no) seja precisoConsultar as entrelinhas...
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poemia 67 abilio pacheco
XIII
A Noite depara-se no bar
com um relgio hipnotizantenu, na parede suja,tocando ponteiros tontos,
E ca olhando espantadaa nudez incansvelque move os ponteirospor vezes repetidas vezes
repetidas hipnticas...
XIV
Um indo amigo
Depois de um gole,Faz um gesto eSolta um sorriso breve ePodre de falsidade.O outro que ouveRevolve uns trapos recentes
Entre muitos outros em
Meio s traas de umBa de lembranas:Ela me disse quehavia bebido muitoe ele tambm. Pinto clima. No deupra controlar. Rol.Fica puto,
Esbraveja e sai.
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poemia 68 abilio pacheco
XV
A Noite vomita no bar,
Depois de tanto beber,E o relgio devora o tempoL e n t a m e n t ePouco a pouco h horas.
XVI
Sai com aquela menina ali,chegando de moto.Cara, mas boa.A gente fez isto assim...T vendo que a mulher
L em casa no topaUm negcio desse.E o outro responde: uma base.
XVII
A Noite ressurge no barAtnita, trpega e tonta
Com seu vestido de lua
Com pernas de vara verde
E olhos enrubrecidos
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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poemia 69 abilio pacheco
XVIII
A rua, em frente,
escura, porm plida,adormece asfltica.De repente: um carrorasga o silncio do asfalto,pneus cantam ao longe,
gritam os vidros num poste,
geme a cara no volante exangue
e resta um tom fnebrena buzina chorandopela madrugada a dentro.
XIX
Enquanto o relgio lentoTange as estrelas que brilhamNo toldo azul-marinhoQue nos cobre,A noite boceja no bar,Abre uma boca de escuridoE seus olhos incandescentesMarejam orvalhos plvios.
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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poemia 70 abilio pacheco
XX
A conta paga com cheque,
Mas no importa o valor,Pois a noite esta ganha,Os problemas esquecidosE a solido vencida.Abre a porta do carroCom o peito estufado de orgulhoSe sentindo mais macho
E querendo que todos o vejamE quem morrendo de inveja.
Entra no carro e sorri
Pensando no que certamenteOuvir na manh seguinte.
XXI
A Noite adormece no barAmarrotada, assanhada e tristeDebruada sobre a mesa;O vento lhe faz um afagoE o tempo, no relgio, lhe acalentaCom sua eterna cantiga de ninar:Tic tac
Tic tacTic tac
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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poemia 71 abilio pacheco
Um breve passeio pelas imagens pomicas
da poesia noturna de Abilio Pacheco
Inicialmente gostaria de armar que no estou aquipara sugerir matizes ou condies de leitura para os poemas deAbilio Pacheco que ora se apresentam e dos quais detive umolhar mais atento sobre os que fazem parte de Poemia.Estouaqui unicamente na condio de leitora, tentando capturar parasi os modos como o poeta construiu sua teia criativa.
Nesse conjunto de poemas, o poeta consegue colocar doavesso o cotidiano, na medida em que o dia-a-dia torna-se noite.Logo, a Noite e, por oposio simblica, o Dia, expressam-se,em Poemia, enquanto alegorias de uma forma mais sensvel de contemplar o mundo. A interseo entre estes dois locusalegricos o Tempo, pois o tempo da Noite pomica o tempoda bomia: algo aparentemente em suspense, contudo, medidopelas horas que marcam seu comeo e seu m.
Em Seis Propostas para o Prximo Milnio, ItaloCalvino diz que Paul Valrie a personalidade que em nossosculo melhor defniu a poesia como tenso para a exatido.Mas, o que seria essa exatido? Segundo Calvino, a evocaode imagens visuais ntidas, incisivas, memorveis, ou por outrolado, a linguagem trabalhada da forma mais precisa possveltendo por norte a traduo das nuanas do pensamento e da
imaginao. Nos poemas de Abilio Pacheco essa exatidomarca cada estgio de transio da Noite no espao da bomia,ou se nos permite o trocadilho, da poesia, expressa no tempo deviver o bomio e no tempo do olhar quase onipresente, quasecomo epifania, de algum que espreita: o eu-potico.
Nesse espreitar, o no-dizveldesse espao, por ser,talvez, muito desnudamente comum e visvel no dia-a-dia daNoite, torna-se dizvelpela via de uma linguagem lacunar:
viver a Noite como morrer um pouco para o Dia, sendoeste o lado apolneo da existncia, territrio das regras que
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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poemia 72 abilio pacheco
o presidem. Assim, a Noite dionsiaca seu oposto, mas aomesmo tempo sua complementao. Sendo dionisaca, a Noitese torna criao e se coloca distante da verdade apolnea, pois
igualmente territrio do desviado, do brio e do louco. E defato, a Noite o locus do eterno retorno, da des-represso, doxtase e dos estados hipnticos, onricos ou fronteirios entre oreal e a imaginao.
Contudo, a Noite no aniquila o Dia. Quando tomaseu lugar no discurso social abre as portas para a possibilidadede reinventar o cotidiano solar, ou antes, lanar sobre ele umolhar especulativo sobre as diferenas entre os dois locus. Essa
relao suplementar Dia-Noite, na produo de Pacheco, jse antecipa em poemas como epigramagrrio, conformetrecho a seguir:
a p lavra em terrao sono.
a palavra em terrao sonho.
E em Ernias:Fatigado escrevo em transe
imerso em denso sono,
entre alaridos e vozese sob luzes vertiginantes(...)Garatujo! Esgaravatono trtaro do tinteiroo sono das trevosas Frias.
Em ambos, o teor especulativo da relao estamalgamada com o prprio fazer potico. A relao Dia-Noite se faz na ambivalncia entre termos como terra-sonoe terra-sonho no epigramagrrio. Aqui, os termosfuncionam como imagens poticas estabelecendo limites paracada territrio, mas tambm evocam o processo construtivodo poema: o jogo com a expresso lavrar a terra estabelececonjuntos signicativos ligados constituio da palavra e,conseqentemente do poema.
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poemia 73 abilio pacheco
Processo parecido ocorre em Ernias. A relao Dia-Noite est mais uma vez na busca pela intermediao entreos dois locus (Fatigado escrevo em transe/ imerso em denso
sono,/ entre alaridos e vozes). Termos e expresses comotranse e denso sono estabelecem a associao penumbrosa entreduas zonas: a do real (representado por um eu oculto, mas quese coloca efetivamente como sujeito) e a da imaginao (quese cumpre justamente pela imposio das imagens onricas queinvadem a ao da escrita). Mas a mesma relao Dia-Noitese faz na prpria natureza noturna das Ernias. Habitantes doTrtaro como entidades punitivas, lhas da deusa Nix (Noite)
na verso de squilo, essas criaturas representam a foravingativa contra o deslocamento da Ordem. O trao da escritase faz na necessidade de expor o processo criador mergulhadonesse universo noturno, como metfora da diculdade em lidarcom o carter fugidio, orgistico e libertador, mas por vezespavoroso, que a Noite condensa.
Vale ressaltar ainda que muitas vezes a produo deAblio Pacheco se deixa sulcar profundamente pelas correlaes
intertextuais. No conjunto dos poemas, dos quais fazem parte osque compem Poemia, destaco o poema Tessitura Noturna,homenagem do poeta a Joo Cabral de Melo Neto. Cumpreobservar que nesse caso a intertextualidade se efetiva comobusca pela natureza noturna das coisas (veja pgina 16).
O jogo entre galo (do poema de Melo Neto) e co(no poema de Pacheco), com o segundo tomando o lugar doprimeiro, modicando-o sem anul-lo, ultrapassa a conotao
simblica o co como guia e guarda na noite e na morte,da mesma forma que se faz companheiro no dia e na vida e encadeia signicaes que perpassam pela dimenso social(tal que somados todos/(latidos e ces) na noite/ formem (no arca-/bouo da matilha)/ uma redoma protetora/ em torno da rua) e peladimenso psquica incrustada (redoma protetora). Os latidoscaninos se constituem (tambm) como rastros do tempo e no tempo.E nesse sentido resta dizer que o uxo do tempo sem dvida
umas das marcas dessa produo, tal qual marca na produo de
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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poemia 74 abilio pacheco
outro poeta, Age de Carvalho, com o qual Pacheco tambm dialogaintertextualmente em outra oportunidade. Na economia dessasrelaes, imprescindvel destacar que h um poema de Carvalho,
verdadeiro exerccio intertextual com a obra de Melo Neto, que decerta forma expressa consideravelmente os dilemas insuperveis,trazidos pelo (e no) tempo. Trata-se do poema Canto de Galo:
Na madrugada dormida,onde a chama
(agora apagada) do diareclama o fogo das manhs,um galo canta
(apodrecendo rgido ao passar das horas)
Para alm dos dilogos entre os poetas minha inteno observar que, justo ou no, o tempo passa e nesse passar tudoapodrece, at mesmo o incansvel galo cabralino e ageano, masnesse processo, prevalece a repetio de cada noite a reclamarpor novas manhs e de cada nova manh que, uma vez cansadasda azfama cotidiana, reclamam sucessivamente por umanova noite. Essa idia de uxo contnuo igualmente vlidapara a produo de Pacheco, mas aqui a sede de especulaoprocura localizar o problema desse uxo a partir do cartermais profundo e ao mesmo tempo mais visvel das condies esituaes que constituem a Noite.
Desse modo, como dito antes, os poemas de Pachecoesto aqui marcados por tempos de contemplao, masestes se enfeixam em outras possibilidades, ampliandoconsideravelmente o universo das signicaes, pois essestempos se traduzem em objetos-signos representativos de umterritrio, o da Noite: uma porta, um balco, uma mesa de bar.Assim, Poemia no apenas a incurso do olhar humano porentre as frestas da noite nos bares. Poemia um mosaico,construdo pela dilacerao da experincia diurna que se re-fazna cadncia noturna: dilogos lanados ao lu, que pairam notempo e tornam-se signos compostos em estilhaos, simulacros
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poemia 75 abilio pacheco
das vozes pomicas da Noite, arrebatadas da memria ao belprazer do eu-potico: vozes que ressoam nas impresses dessesujeito espreitador das vozes de outrns.
Nesse processo de espreitamento, a base tcnica dessaescritura a sinestesia. A polissemia sgnica , sem dvida,instaurada de maneira mais evidente a partir do recursoda percepo cuidadosa, porm contnua e aparentementedesavisada dos sentidos: so as impresses captadas queinseminam a signicao das palavras pescadas no universobomio das cidades. E na construo dos sentidos vale auniversalidade das palavras-efeitos. Assim, a contamelhor
seria dizer a noite paga com cheque, percebida segundoos tons e semi-tons dos rudos e dos silncios da Noite, desdeo crepsculo:
O sol sobre a cidadeLana seu ltimo olharCom um aceno de adeus.
A Noite surge no barCom seu relgio douradoDe estrelinhas, sons e tons.
Esses sons e semi-tons pousam igualmente sobre outrasformas perceptivas, como por exemplo, os movimentos dosobjetos, que se confundem aos sentimentos (poema XII).
EmPoemia, o poeta , de fato, um exato espreitador de
iluses. Das iluses construdas no labor do Dia e despojadasno alvorecer da Noite. Assim, cumpre-se um dilogo discretoe por vezes doloroso entre a poesia e a psicologia de um dadocotidiano noturno, pois a Noite, enquanto smbolo representa olocus do grotesco, do fantasmagrico, das tenses misteriosasdo inconsciente. Vista por esse prisma, a Noite torna-serepositrio e expresso do recalcado. No espao do bar dessaNoite pomica, os indivduos materializam esses recalques e
vo purgar as suas desiluses, como no poema III e em:
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poemia 76 abilio pacheco
A Noite vomita no bar,depois de tanto beber,e o relgio devora o tempo
lentamentepouco a pouco h horas.
Contudo o bar tambm o territrio da procura por tudoaquilo que cou em suspenso ou se tornou presa de adiamentosno decorrer do Dia. Desse modo, o mesmo espao de deglutioe de excreo das misrias o mesmo que alimenta a dimensodos desejos e da possibilidade de gozo em relao ao outro:
Parece to sugestivoAquele cigarro acesoCom dentes nos lbios rosados
E um olhar de serpenteRemetido via sensitivaDe uma mesa a outra.(...)
A Noite observa no bar
que os olhos se lanamolhares em retinas brias
por sobre os coposque beijam lbios dormentes.
Esse , enm, o espao-tempo que se espraia em Poemia:universo noturno dos bares, quiosques, bodegas e semelhantes.Nesse caso, no importa bem o gnero do local, pois so
solcitas nessa obra as imagens e atores arquetipicamente bemcolocados em seus papis. Contudo, o desejo de individuao deslocado e prevalecem imagens de vrios eu-universais,alegorias dos tantos indivduos que circulam na noite, comoaquele que senta no bar/Pede uma gelada e comea a beber,beber, beber.... Ou do indivduo que traduz a constituio daNoite sob outro vis: o de quem forja sua movimentao apartir dos estatutos da consumio. Na concepo de Pacheco
a garonete que:
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poemia 77 abilio pacheco
usa uma blusinha de ala (sem suti)um cabelo castanho avermelhado,um batom seduo e
uma minissaia coladapara agradar os clientes.
Essa garonete to imediatamente reconhecvel namemria, tal qual aquele amigo que conseguiu uma cartade alforria da Esposa, da Ordem diurna, de Si mesmo cuja incurso na Noite uma forma de purgar o Dia, mas,paradoxalmente a Noite ainda a extenso de seu exlio,
pois o tempo, como ceifeiro, logo se coloca entre ele e asindeterminaes to prprias do territrio da noturnidade:A Noite arrota no bar(como um trovo)e tic do relgio d tiqueno tempo (tac).
Sendo universo transformado em texto, Poemia convocaos elementos da Noite para ler o Dia. O verbo encarna-se de
experincia humana tornando-se aquilo que, em Signos emRotao, Octvio Paz chama depoesia prtica.
Por outro lado, em Poemia, o Amor uma espcie devetor da busca (Uma mulher chora num canto / e outra lhe dconselhos). Os indivduos aqui so nivelados a partir das pulsesinerentes personicao que alcanam perante o amor, assim,nsia, carncia, tristeza, frustrao ou raiva so sentimentosto interagentes no mbito indivduo-ambiente, nesses poemas,que passam a ser o prprio registro desses indivduos no espaopotico. Anal, como arma ainda Octavio Paz em A OutraVozo amor, a inveja e a clera so paixes que, por meio deuma operao de linguagem se transformam em pessoas, node carne e osso, mas imaginrias...
Assim, essa Noite pomica e bbada de lcoois edesejos o topos da purgao: inventrio do amor querido,do amor preterido, do amor procurado, do amor que se quermaterializado no corpo do outro. Essa noite tambm o
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poemia 79 abilio pacheco
Trs palavras mais sobre o Poemia
Abilio Pacheco (...) anexa um exemplar de Poemia, querecebemos com uma agradvel dedicatria. O nome sugestivo. Ummisto, talvez, de poema x Bomia. Da leitura que estamos fazendo,deduzimos que Abilio pretende, em seus versos descompromissados,louvar a noite e os momentos de descontrao em um bar qualquer,
procurando sentir a vida e os seus motivos. H doze anos que fugimosa esses momentos feiticeiros.
Humberto Del Maestro emLiteratura & Arte Maro de 1999 n 411, Serra ES
Com muita alegria recebi seu excelente Poemia. Suaspoesias so timas, mostrei para algumas pessoas que gostarambastante. Acho que estamos no mesmo barco, ou seja, fora da grandemdia massicante, lutando por idias que acreditamos.
Guido Viaro Curitiba PR
O tempo e a impermanncia dos atos, das pessoas, dosmomentos. A quase gratuidade de tudo, a frivolidade que transparecenos dilogos e atitudes do homem comum, formando verdadeiromosaico humano/urbano, que tem como fundo a noite. Porm,no uma noite qualquer, a noite de Abilio constitui um alter egodo poeta-observador, que, numa atitude socrtica, capta o visvel
e invisvel que o cerca. Enquanto o relgio implacvel alimentao escoar do tempo. Em seu primeiro livro solo, Abilio demonstrasegurana no manuseio da linguagem, lapidando cuidadosamentecada poema, explorando a fora do verso curto, num trabalho deminuciosa colagem, que resulta no poema maiorPoemia, que conferettulo Obra. No deixa de ser curioso, observar que essa estruturacorresponde tanto ao nome do Alternativo quanto ao da Editora doAutor, o que indica sua forma de perceber e revelar o mundo.
Ricardo Alfaya Rio de Janeiro RJ
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sumriomosaico primevo5 Ao leitor / leitora7 Prefcio11 Epigramagrrio12 No Prelo13 Ernias15 Escritura16 Tessitura Noturna17 Brevssimo Ensaio sobre a Cegueira18 Retrato II19 O largo (do) buraco da Palmeira21 Ru(g)as
22 Escribaria23 Memrias de Maro24 Noturno26 Andana27 Procura28 Nereida em Salinas29 Horas passadas30 Revisita Casa Bipaterna31 Cantiga de Ninar Alyne33 Inteligncia Articial34 A demanda do Pssaro Azul35 Luzes da Cidade36 Brincadeira37 Habitao38 Habitat39 Casa ou in-Habitat40 Construo41 Dezembros43 Rquiem ao Tempo Presente45 Rquiem for Rmulo47 Elegia de Maria
49 Elegia da Noite50 Aurora Frrea51 ltimo Ocaso52 Ocaso53 Epigramalone
poemia57 Prefcio primeira edio59 Quarta capa da primeira edio61 Poemia71 Um breve passeio pelas imagens pomicas...79 Trs palavras a mais sobre o Poemia
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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Ablio,
Os desenhos iniciais,
penso, quero, sinto, gosto
da folha 45:
metamorfo de fluidos
smen, lgrimas, chuva,sangue, lquido amnitico...
ciclo, corpo se desfazendo
Cores: branco, preto, vermelho.
O melhor seria o fundo
preto como num sonho.
Espero para melhor o risco
Rose Lourinho
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7/30/2019 Mosaicoprimevo Abilio Pacheco
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