MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO · seguintes fatos e fundamentos legais: 1. ......
Transcript of MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO · seguintes fatos e fundamentos legais: 1. ......
Página 1 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA
MUNICIPAL DA COMARCA DE VIANA – ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Jesus lhes respondeu: Não são os que têm saúde
que precisam de médico, mas sim os doentes.”
Lc. 5, 31.
7/4/2016 – DIA MUNDIAL DA SAÚDE
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, por seu Promotor de Justiça em
exercício junto à 1ª Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Viana, com fulcro nos
artigos 129, inciso III, da Constituição Federal; 5º, caput, da Lei Federal n º 7.347/85; 25,
inciso IV, "a", da Lei Federal nº 8.625/93; 27, inciso V, da Lei Complementar Estadual nº
95/97, vem, perante Vossa Excelência, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face do MUNICÍPIO DE VIANA, pessoa jurídica de direito público, representado
pelo seu Prefeito Municipal, Senhor Gilson Daniel Batista, e pela sua Secretária
Municipal de Saúde, Aline Lane Monteiro Fioresi, que poderão ser encontrados em
domicílio funcional na Avenida Florentino Avidos, nº 01, Centro, Viana/ES, pelos
seguintes fatos e fundamentos legais:
1. DOS FATOS
No dia 29 de julho de 2014 foi instaurado por esta Promotoria de Justiça Cível de Viana
o procedimento preparatório MPES nº 2014.0027.0881-69 (fl. 1 dos autos em anexo).
O mencionado procedimento teve como finalidade verificar o funcionamento do
Pronto Atendimento Vittório Sias, localizado no bairro Arlindo Villaschi, Viana/ES.
URGENTE!
SAÚDE
Página 2 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
O PA de Viana integra a rede assistencial de saúde do Município como um
componente “Pré Hospitalar Fixo” (não hospitalar), inscrito com o número 7329334 no
Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES). Constitui-se em referência
para procedimentos de urgência e emergência adulto e infantil e está habilitado a
prestar atendimento aos usuários com quadro clínico agudo de qualquer natureza,
dentro dos limites estruturais da unidade de saúde e, em especial, os caso de baixa
complexidade, à noite e nos finais de semana, quando a rede básica e o Programa
de Saúde da Família (PSF) não estiverem ativos.
Este estabelecimento de saúde está organizado para a prestação de serviços
médicos de clínica geral, pediatria e pequenas cirurgias; serviços de enfermagem;
assistência nutricional; assistência farmacêutica; apoio e diagnóstico (Laboratório, RX
e Eletrocardiograma); Central de Material e Esterilização (CME); lavanderia;
higienização; manutenção e Serviço Móvel de Atenção Básica (Ambulância). Está
organizado também para o atendimento odontológico de urgência, no entanto, o
serviço ainda não se estruturou devido à falta de profissionais para este fim.
Feita esta breve introdução sobre o PA em questão, vejamos os fatos que deram
origem à presente demanda.
Às fls. 3/9 dos autos em anexo consta Relatório de Inspeção nº 3/14 realizada pela
equipe da 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana no referido Pronto Atendimento,
onde foram constatadas DIVERSAS IRREGULARIDADES RELACIONADAS A ÁREA DA
SAÚDE E DA ACESSIBILIDADE PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E/OU MOBILIDADE
REDUZIDA.
A Prefeitura Municipal de Viana, ao ser cientificada das referidas irregularidades por
meio da Requisição nº 127/2014 de fl. 19 dos autos em anexo, informou pelos Ofícios
OF/PMV/SEMSA/Nº 258/14 (fls. 20/35 dos autos em anexo), OF/PMV/SEMSA/Nº 279/2014
(fls. 40/41 dos autos em anexo), OF.PMV.PROCURADORIA Nº 250/2014 (fls. 42/49 dos
autos em anexo) e OF/PMV/SEMSA/Nº 67/15 (fls. 57/67 dos autos em anexo) que
algumas haviam sido sanadas.
Com o intuito de ter subsídios técnicos nos autos do procedimento em anexo, esta
Promotoria de Justiça requisitou inspeção no PA de Viana à Vigilância Sanitária
Municipal, ao Corpo de Bombeiros e ao Centro de Apoio Operacional de
Página 3 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
Implementação das Políticas de Saúde do Ministério Público do Estado do Espírito
Santo – CAPS.
A Vigilância Sanitária Municipal encaminhou dois relatórios de inspeção, o 1º datado
de 30/04/2015 (Ofício/Gab/nº 346/2015 de fls. 129/139 dos autos em anexo) e o 2º
datado de 26/02/2016 (Ofício/Gab/nº 211/2016 de fls. 264/279 dos autos em anexo),
contendo, em ambos, a informação de existência de VÁRIAS IRREGULARIDADES NO PA
QUE TRAZEM RISCO A SAÚDE PÚBLICA, como pode ser observado da simples leitura dos
documentos supracitados.
Cumpre registrar que no 2º relatório de inspeção da Vigilância Sanitária foram
identificadas as seguintes pendências documentais:
1) Cópia do certificado de desinsetização e do alvará sanitário da empresa que a
realizou, pois a Dedetizadora Brasil não é cadastrada no Município;
2) Manual de Boas Práticas e Pop’s de acordo com legislação específica – falta a
assinatura da responsável técnica;
3) Cópia do Comprovante do CAT (Corpo de Bombeiros);
4) Cópia do Alvará de Funcionamento;
5) Cópia da Inscrição Estadual;
6) Cópia do Alvará de Funcionamento;
7) Projeto Arquitetônico/Planta Baixa; ou descrição do estabelecimento;
8) Nada consta de pessoa física ou jurídica;
9) Cópia do Certificado de desintetização por firma credenciada e alvará sanitário
dela;
10) Memorial Descritivo de limpeza da caixa d’água ou cópia do certificado de
limpeza com alvará sanitário de quem realizou o serviço;
11) Relação dos funcionários com sua função.
Verifica-se da análise dos relatórios da Vigilância Sanitária Municipal, que o Município
de Viana não vem cumprindo com as normas técnicas sanitárias, estando, portanto,
irregular.
O Corpo de Bombeiros do Estado do Espírito Santo, por sua vez, enviou a esta
Promotoria de Justiça os ofícios de nº 16/2015 (fls. 145/146 dos autos em anexo), de nº
Página 4 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
27/2015 (fls. 155/157 dos autos em anexo), de nº 36/2015 (fl. 161 dos autos em anexo) e
de nº 3/2016 (fl. 166/169 dos autos em anexo).
No Ofício nº 16/2015, datado de 22/6/2015, o Corpo de Bombeiros informou, após
inspeção, que O PRONTO ATENDIMENTO DE VIANA ENCONTRAVA-SE EM SITUAÇÃO
IRREGULAR PERANTE O CBMES, sendo, portanto, notificado (Auto de Notificação nº
18/15 de fl. 146 dos autos em anexo).
Já no Ofício nº 27/2015, datado de 16/9/2015, o Corpo de Bombeiros novamente,
após outra inspeção, verificou que O PA ENCONTRAVA-SE IRREGULAR, sendo
expedidos o Relatório de Vistoria e o Laudo de Exigências (fls. 156/157 dos autos em
anexo).
Quanto o Ofício nº 36/2015, datado de 28/12/2015, o Corpo de Bombeiros informou
que após todas as vistorias realizadas NENHUMA IRREGULARIDADE FOI SANADA, o que
IMPEDIRIA A EMISSÃO DO DEVIDO ALVARÁ DE LICENÇA DO CBMES.
Por fim, no Ofício nº 3/2016, datado de 21/1/2016, o Corpo de Bombeiros informou que
como não houve solicitação de vistoria por parte do responsável pelo Pronto
Atendimento, tampouco apresentaram recurso visando a extensão do prazo previsto
para início da fiscalização, o referido Pronto Atendimento foi autuado conforme Auto
de Infração Nº 001/16-CA e multado em R$ 11.815,60 (onze mil oitocentos e quinze
reais e sessenta centavos).
Adiante, o Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde –
CAPS do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, por meio do OF/CAPS/Nº
14/2015 (fls. 73/121 dos autos em anexo), encaminhou o Relatório Social referente à
qualificação do Pronto Atendimento em questão datado de 4/3/2015.
O mencionado relatório destacou a ausência de apresentação do alvará do Corpo
de Bombeiros e da Vigilância Sanitária por parte do Pronto Atendimento, relatando
também DIVERSAS OUTRAS IRREGULARIDADES, razões pelas quais foram feitas sugestões
a este Órgão Ministerial (fls. 86/88 dos autos em anexo) a fim de notificar o Pronto
Atendimento a realizar as seguintes adequações nos termos da legislação:
Página 5 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
“1) Providenciar o Alvará do Corpo de Bombeiros do Pronto Atendimento Municipal
Vittório Sias;
2) Providenciar as Certidões de Responsabilidade Técnica junto aos Conselhos
Regionais de Medicina e Farmácia;
3) Elaborar e implementar no Pronto Atendimento Municipal Vittório Sias os
Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) visando à garantia da uniformidade,
eficiência e coordenação efetiva de todas as atividades realizadas na Unidade em
conformidade com as normas em vigor que regulamentam o exercício dos
profissionais e os processos de trabalho em saúde. Cabe ressaltar que estas normativas
devem estar sob a responsabilidade de técnicas habilitadas para as devidas
capacitações dos profissionais envolvidos, monitoramento e avaliação das ações
recomendadas;
4) Implantar um Sistema de Informação para o devido gerenciamento operacional do
Acolhimento com Classificação de Risco de Viana;
5) Construir e pactuar uma Grade de Referência da rede municipal/estadual de saúde
para os devidos encaminhamentos de forma poder direcionar os usuários para outras
unidades de saúde de acordo com a complexidade de seu agravo, principalmente
em relação à sua rede de atenção básica;
6) Providenciar a devida cobertura assistencial do Acolhimento com Classificação de
Risco em relação aos profissionais de enfermagem e serviço social;
7) Capacitar todos os seus profissionais de saúde para o Manejo das Práticas de
Atendimento em Urgência e Emergência nos Núcleos de Educação em Urgências,
indicado no capítulo VII do Regulamento da Portaria GM/MS n° 2.048/02 e/ou em
outra Instituição habilitada para este fim;
8) Implementar no Pronto Atendimento Municipal Vittório Sias, a Política de Educação
Permanente em Saúde como forma de promover a qualificação dos serviços
prestados neste Estabelecimento de Saúde;
Página 6 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
9) Providenciar a devida cobertura assistencial de médico pediatra 24 horas conforme
estabelece a Portaria GM/MS n° 2.048/2002;
10) Providenciar as adequações requeridas no Auto de Infração / Termo de Intimação
n° 7489/2014 do Conselho Regional de Farmácia;
11) Regularizar os serviços da assistência em enfermagem, em atendimento às
irregularidades identificadas e providências recomendadas pelo COREN no seu
Relatório de Fiscalização n° 64/2013 e Notificação Jurídica n° 57/2013;
12) Providenciar a aquisição dos materiais, medicamentos e equipamentos em falta no
Pronto Atendimento Municipal Vittório Sias elencados no Relatório em anexo;
13) Regularizar a situação do CNES referente à atualização dos dados de seus recursos
humanos, serviços prestados e equipamentos disponibilizados no Pronto Atendimento
Municipal Vittório Sias;
14) Acompanhar e monitorar os Serviços Terceirizados prestadores no Pronto
Atendimento Municipal Vittório Sias, de forma adequá-los as suas respectivas
responsabilidades estabelecidas nos seus Contratos de Prestação de Serviço.”
Este Órgão de Execução atendeu as sugestões do CAPS e encaminhou no dia
31/3/2015 a Requisição nº 28/2015 para o Secretário Municipal de Saúde à época dos
fatos (fls. 122/123 dos autos em anexo) visando a adequação do Pronto Atendimento.
Todavia, os esforços do Ministério Público de tentar de forma extrajudicial que a
administração pública municipal viesse adequar o PA de Viana foram em vão, pois
em visita de monitoramento no dia 21/3/2016, ou seja, mais de 1 (um) anos depois da
1ª visita, o CAPS verificou a permanência das irregularidades (fls. 282/286-verso dos
autos em anexo).
Ainda, importante registrar as informações inverídicas sobre o PA de Viana que foram
publicadas no Jornal A Gazeta em 31 de julho de 2015, sessão Opinião (fl. 163 dos
autos em anexo), pela Prefeitura Municipal de Viana. Vejamos: “A melhoria passa na
porta da casa do cidadão que ganha ruas pavimentadas, iluminação adequada,
escolas reformadas e ampliadas, além de UNIDADES DE SAÚDE E PRONTO
Página 7 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
ATENDIMENTO COM ESTRUTURA DE HOSPITAL PARTICULAR. ASSIM É, POR EXEMPLO, O PA
DO ARLINDO VILLASCHI, obra que se alongou durante 15 anos e que foi concluída nos
primeiros sete meses da atual administração.”
Além disso, não é a primeira vez que o Município de Viana tem problemas com um
estabelecimento de saúde. No ano de 2013 o antigo Pronto Atendimento de Viana foi
fechado por causa de irregularidades encontradas pelo Ministério Público em sua
estrutura que poderia comprometer o atendimento à população e colocar em risco a
vida de servidores. Inclusive, o próprio CAPS do Ministério Público em seu relatório (fl. 86
dos autos em anexo) afirmou o seguinte: “Foi verificado que em geral o novo PAM de
Viana apresenta, em grande parte, as mesmas irregularidades identificadas no antigo
PAM de Viana e pontuadas em seu Relatório de Fiscalização/2013 [...]”.
Por fim, cumpre informar que apenas no período de janeiro à fevereiro do corrente
ano 12 (doze) pessoas foram à óbito, conforme declaração constante à fl. 288 dos
autos em anexo.
Assim, diante do exposto, verifica-se que o Pronto Atendimento Vittório Sias está
funcionando de forma irregular e não possui estrutura de hospital particular conforme
alega a Prefeitura Municipal de Viana, não havendo mais qualquer possibilidade de se
esperar que a unidade de saúde corrija voluntariamente as inconformidades
existentes, restando ao Ministério Público Estadual apenas a alternativa de ajuizar a
presente ação, buscando na via judicial garantir o direito à saúde e de acessibilidade
dos munícipes de Viana.
2. DA LEGITIMIDADE ATIVA
O Ministério Público, a par de seu conceito e da área de atuação estabelecidos no
art. 127 da Carta da República, tem, dentre as funções institucionais por ela
outorgadas, a contida no inciso III do art. 129 – exercida por intermédio desta actio,
qual seja:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
Página 8 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivo.
Sobre a matéria, ensina Hugo Nigro Mazzili:
Como se viu, a Constituição de 1988 quebrou o sistema anterior em que
as ações civis públicas eram conferidas ao Ministério Público caso a
caso, por lei expressa. Em muito a nova Constituição ampliou a
titularidade da ação civil pública para o Ministério Público, destinando-
a, agora, à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente
e de outros interesses difusos e coletivos, em disciplina mais ampla do
que a que lhe dera a própria Lei n º 7.347/85. A norma de extensão da
Lei n º 7.347/85, que tinha sido vetada, hoje acabou consagrada no
texto constitucional, que permite a defesa, pelo Ministério Público, de
outros interesses difusos e coletivos, além dos que expressamente
enumerou (Manual do Promotor de Justiça, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Editora Saraiva, 1991. pág. 498).
No campo infraconstitucional, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei
Federal nº 8.625/1993) tornou irrefutável a legitimação ministerial para a defesa dos
direitos difusos e coletivos, estabelecendo:
Art. 25 Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual,
na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
[...]
IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao
meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
b) para anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos aos
patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou do
Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de
entidades privadas de que participem.
O mesmo acontecendo com a Lei Complementar Estadual nº 95/1997:
Art. 27. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da
legislação aplicável:
[...]
V- promover o inquérito civil e propor a ação civil pública:
Página 9 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao
meio ambiente, à ordem econômica, à livre concorrência, ao
consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico, paisagístico e urbanístico, e a outros interesses difusos,
coletivos, individuais indisponíveis e sociais homogêneos;
b) para a anulação ou a declaração da nulidade de atos lesivos ao
patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de
Municípios, de suas administrações diretas e indiretas ou
fundacional ou de entidades privadas de que participem.
In respectu, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO
PÚBLICO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTELIGÊNCIA DO
ART. 129, III, DA CF/88, C/C ART. 1º DA LEI N º 7.347/85. PRECEDENTE.
RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. I O campo de atuação do
Ministério Público foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao
Parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta no art. 1 º da Lei n
º 7.347/85 (Resp n º 31.547-9-SP). II Recurso Especial não conhecido.
(Resp n º 67.148-SP, Relator Min. Adhemar Maciel, DJU de 04.12.95)
Por fim, cumpre registrar que a Constituição Federal institucionalizou o Ministério
Público como Órgão de Controle Social na preservação dos direitos fundamentais e,
saúde, induvidosamente, conquanto não esteja no rol exemplificativo do art. 5º da
Constituição. O acesso à saúde é de relevância fundamental e condicionado ao
Princípio da Dignidade da Pessoa humana, o que, por consequência, compete ao
Órgão Ministerial instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção desse
direito.
Depreende-se, portanto, que o Ministério Público possui legitimidade ativa para propor
a presente Ação Civil Pública.
3. DO DIREITO
3.1. DO DIREITO À SAÚDE E À ACESSIBILIDADE
Página 10 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
O direito à saúde, conforme disposto no artigo 196 da Constituição Federal – CF é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Colaborando com o artigo mencionado anteriormente, temos o art. 197 da CF que
versa que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
A prestação da saúde pública é um dever jurídico primário, ou seja, deve ser
cumprida pelo Estado. Muito embora este dever não esteja explícito no art. 1º da
Carta Magna e nem no rol exemplificativo do art. 5º do mesmo livro, encontra-se
implícito no Princípio da Dignidade Humana, posto ter aspecto indissociável do direito
à vida, assim como o art. 6º da CF que eleva a saúde ao patamar de Direito
Fundamental.
A administração Pública, em qualquer dos seus níveis de esfera constitucional e de
organização institucional, tem a obrigação de promover e fomentar ações voltadas e
relacionadas à saúde, não podendo mostrar-se indiferente e obstar-se aos problemas
da área em relação à população, sob pena das iras legais.
Tendo em vista as dificuldades existentes no âmbito das atividades correlacionas ao
caso em tela, no que tange ao cumprimento do dever constitucional, foi criado o
Sistema Único de Saúde, que contempla a União Federal, os Estados membros, Distrito
Federal e Municípios, Entes esses obrigados constitucionalmente, de maneira solidária,
a efetivar a saúde, tudo de acordo com os termos do art. 2º da Lei Federal n.º
8.080/1990, que versa “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”
Ademais, a prestação do serviço de saúde pelo Estado rege-se pelos princípios da
Universalidade, Igualdade e Integralidade e, consequentemente, não pode ser
tratado com discricionariedade. Ora, não se pode compreender acesso à saúde
como mera contraprestação a ser desenvolvida dentro de um lastro de interesses do
gestor da coisa pública.
Página 11 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
Vale frisar que cabe ao administrador público proporcionar ao doente que necessite
de cuidados para cura ou prevenção/controle todos os meios à sua disposição, visto
que saúde não é contraprestação e, sim, DIREITO E GARANTIA FUNDAMENTAL DO SER
HUMANO. A Lei n.º 8.080/90, em seu art. 7, XII, elucida isso, vejamos:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde
(SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.
198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes
princípios: (...)
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de
assistência; e (...)
Ainda no âmbito do direito internacional, insta frisar o Protocolo de San Salvador
(promulgado pelo Decreto nº 3.321/1999) que, em seu artigo 10, traz o seguinte
posicionamento sobre o direito:
Direito à Saúde
1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais
alto nível de bem-estar físico, mental e social.
2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes
comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e,
especialmente, a adotar as seguintes medidas para garantir este direito:
a. Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a
assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas
e famílias da comunidade;
b. Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas
sujeitas à jurisdição do Estado;
c. Total imunização contra as principais doenças infecciosas;
d. Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de
outra natureza;
e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos
problemas da saúde; e
f. Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e
que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis.
No presente caso verifica-se que o Município de Viana vem violando as normas
supracitadas por estar irregular com a Vigilância Sanitária e com o Corpo de
Bombeiros, estando, assim, completamente irregular, não podendo nem estar em
funcionamento, uma vez que não há alvarás para tanto.
Página 12 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
Importante mencionar também que no caso em tela o referido Ente também não
cumpre determinadas normas estipuladas nas Portarias GM/MS nº 2.048/2002 (instituiu
o regulamento técnico dos sistemas estaduais de urgência e emergência), nº
1.600/2011 (reformulou a Política Nacional de Atenção às urgências e instituiu a sua
rede de atenção no SUS) e nº 2.648/2011 (redefiniu as diretrizes para implantação do
componente Unidade de Pronto Atendimento [UPA 24 horas] e do conjunto de
Serviços de Urgência 24 horas da rede de atenção), conforme Relatório Social
referente à qualificação do Pronto Atendimento em questão confeccionado pelas
técnicas do Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde –
CAPS do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (fls. 73/121 dos autos em anexo).
Adiante, no que tange à acessibilidade para as pessoas com deficiências e/ou
mobilidade reduzida, este Órgão Ministerial passa a fundamentar.
Primeiramente, cumpre esclarecer que a acessibilidade são as condições e
possibilidades de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de
edificações públicas, privadas e particulares, seus espaços, mobiliários e
equipamentos urbanos, proporcionando a maior independência possível e dando ao
cidadão com deficiência ou àqueles com dificuldade de locomoção, o direito de ir e
vir a todos os lugares que precisar, seja no trabalho, estudo ou lazer, o que ajudará e
levará à reinserção na sociedade.
Além disso, a proteção e a acessibilidade das pessoas com deficiência e/ou
mobilidade reduzida constituem questões sociais de extrema relevância, tanto que
foram previstas constitucionalmente.
Com efeito, dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, §2º, que a lei
disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e
de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado
às pessoas com deficiência.
Este dispositivo constitucional encontra-se regulamentado desde a promulgação da
Lei Federal nº 7.853/1989 que, em seu artigo 2º, dispõe:
Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas
portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos,
Página 13 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à
previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros
que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar
pessoal, social e econômico.
Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os
órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar,
no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta
Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem
prejuízo de outras, as seguintes medidas:
(...)
V - na área das edificações:
a) a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a
funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou
removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência, permitam o
acesso destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte.
A fim de conferir maior efetividade à regulamentação do dispositivo constitucional
alhures transcrito foi editada a Lei Federal nº 10.098/2000, cujo objeto gravita
exclusivamente em torno da acessibilidade das pessoas com deficiência e/ou
mobilidade reduzida, consoante se depreende de seu art. 11, in verbis:
Art. 11 A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou
privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo
que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida.
Neste ínterim, merece destaque o Decreto Federal nº 5.296/2004, publicado em
03/12/2004, conhecido como Decreto da Acessibilidade, que regulamentou a Lei
Federal nº 10.098/2000.
Outrossim, insta salientar também que o direito de ir e vir e, principalmente, o direito de
acessibilidade, são direitos consignados na Convenção da ONU sobre os direitos das
pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida, que, aliás, possui caráter de
Emenda Constitucional, conforme segue:
Art. 9 - Acessibilidade
1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma
independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida,
os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às
pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e
Página 14 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e
comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao
público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas
medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e
barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:
Inclusive, ainda sobre a acessibilidade, em recente decisão do Supremo Tribunal
Federal, o Ministro Marco Aurélio Mello, no Recurso Extraordinário nº 440028/SP em
29/10/2013, a reconheceu como direito fundamental. Segundo o Ministro “a imposição
quanto à acessibilidade aos prédios públicos é reforçada pelo direito à cidadania, ao
qual têm jus as pessoas com necessidades especiais.” Ainda, em seu voto, o relator
inclui a acessibilidade no rol dos fundamentos e objetivos da República Federativa do
Brasil, com envolvimento no princípio da dignidade da pessoa humana e da busca de
uma sociedade justa e solidária – artigos 1º, inciso III, e 3º, inciso I, do Diploma Maior.
Importante ressaltar, também, que se encontra em vigor a nova Lei Federal nº
13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa
com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o
exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência,
visando à sua inclusão social e cidadania.
Os arts. 53 e seguintes da Lei supramencionada dispõem sobre a acessibilidade. A
questão da acessibilidade em prédio público encontra-se nos arts. 56 e 57 transcritos
abaixo:
Art. 56. A construção, a reforma, a ampliação ou a mudança de uso
de edificações abertas ao público, de uso público ou privadas de uso
coletivo deverão ser executadas de modo a serem acessíveis.
Art. 57. As edificações públicas e privadas de uso coletivo já existentes
devem garantir acessibilidade à pessoa com deficiência em todas as
suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de
acessibilidade vigentes.
Por fim, imperioso registrar que para garantir a acessibilidade deve ser seguida as
normas técnicas da ABNT NBR 9050 atualizada em outubro de 2015.
Página 15 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
No caso em tela, em que pese não haver relatório técnico nos autos em anexo, o que
será fruto de perícia judicial a ser requerida, é perceptível nas fotografias juntadas às
fls. 89/100 que o PA de Viana não é acessível integralmente. A título de exemplo, não
há piso tátil em seu interior, mapa em braile do estabelecimento na recepção, placas
em braile informando o setor, maçanetas etc.
Resta cristalino dizer, portanto, que o Município de Viana é descumpridor da
legislação e, via de consequência, violador do direito de acessibilidade.
Logo, é indubitável que a saúde e a acessibilidade devem ser tratadas como
prioridade, o que, não obstante à legislação Constitucional, Infraconstitucional e
Internacional ratificada pelo Brasil, todas citadas nesta peça vestibular, esta
Promotoria de Justiça, por ter como missão precípua a fiscalização dos atos em favor
dos cidadãos, ajuíza a presente ação para requerer a condenação do Município de
Viana na obrigação de fazer para regularizar por completo o Pronto Atendimento
Vittório Sias nos termos das normas da Vigilância Sanitária, do Corpo de Bombeiros,
das Portarias GM/MS nº 2.048/2002, nº 1.600/2011 e nº 2.648/2011, bem como da
legislação sobre acessibilidade para as pessoas com deficiência e/ou mobilidade
reduzida.
3.2. DA APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, DA
POSSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO JUDICIAL EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DA QUESTÃO DA
“RESERVA DO POSSÍVEL”
Imperioso registrar que, nos termos do §1º do art. 5º da Constituição Federal, as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata e a
vinculação do poder público e dos particulares aos direitos fundamentais é uma das
principais dimensões dessa eficácia.
Neste sentido, segue a lição de Ingo Sarlet (A eficácia dos direitos fundamentais. 9ª ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 385):
Diversamente do que enuncia o art. 18/1 da Constituição Portuguesa,
que expressamente prevê a vinculação das entidades públicas e
privadas aos direitos fundamentais, a nossa Lei Fundamental, neste
particular, quedou silente na formulação do seu art.5º, §1º, limitando-se
Página 16 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
a proclamar a imediata aplicabilidade das normas de direitos
fundamentais. A omissão do Constituinte não significa, todavia, que os
poderes públicos (assim como os particulares) não estejam vinculados
pelos direitos fundamentais. Tal se justifica pelo fato de que, em nosso
direito constitucional, o postulado da aplicabilidade imediata das
normas de direitos fundamentais (art. 5º, §1º, da CF) pode ser
compreendido como um mandado de otimização de sua eficácia,
pelo menos no sentido de impor aos poderes públicos a aplicação
imediata dos direitos fundamentais, outorgando-lhes, nos termos desta
aplicabilidade, a maior eficácia possível.
Assim, constatada a existência de normas cogentes impondo à Administração o dever
de adotar as medidas necessárias a conferir saúde e acessibilidade para a
população, impende reconhecer que não se cuida, simplesmente, de mero juízo de
conveniência e oportunidade.
O juízo de conveniência e oportunidade, ou seja, o espaço de liberdade para o
administrador agir diante de uma situação concreta, deve guardar consonância com
a Constituição Federal, e é função precípua do Poder Judiciário a análise da
constitucionalidade do ato administrativo.
O administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais
para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional.
Destarte, o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a
oportunidade e a conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas
na ordem social constitucional e elaboradas pelo legislador com as normas de
integração.
Ou seja, a discricionariedade administrativa, geralmente invocada como forma de
legitimar a omissão do Poder Público no caso concreto e afastar o controle pelo
Judiciário, deve ser limitada de maneira que não haja afronta aos direitos dos
particulares.
Assim, a omissão administrativa que, por via oblíqua, inviabiliza o exercício dos direitos
e a concretização da implementação das políticas públicas não é mais admitida.
Maria Sylvia Zanella di Pietro, em “Direito Administrativo”, 8ª ed., Atlas, p. 176, adverte:
Página 17 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
“O poder de ação administrativa, embora discricionário, não é
totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial a
competência, a forma e a finalidade, a lei impõe limitações. Daí porque
se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites
traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua
decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei”.
Possível então o controle da discricionariedade pautado em critérios que possibilitem a
efetivação dos direitos e a implementação de uma Política Pública de ação
compatível com a exigência dos preceitos constitucionais. Vejam-se algumas decisões
judiciais que corroboram com esse entendimento:
“Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, dessume-
se que não é facultado à Administração alegar falta de recursos
orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma
vez que a Lei Maior exige prioridade absoluta – art. 227 – e determina a
conclusão de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há, é porque
houve desobediência, consciente ou não, pouco importa, aos
dispositivos constitucionais precitados, encabeçados pelo § 7º, do art.
227”. (TJDF, Ap. civ.62, de 16.04.93, Acórdão 3.835)
Cumpre ressaltar também que quanto a possibilidade da intervenção judicial em
políticas públicas e a questão da “reserva do possível” ao julgar a ADPF 45/DF
(Informativo/STF nº 345/2004), o Relator Ministro Celso de Mello assim decidiu, nos
pontos que interessam para o caso em comento:
[...] DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE
COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. O
desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal
quanto mediante inércia governamental. A situação de
inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do
Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que
dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios
que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em
um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.-
Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização
concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos,
operantes e exequíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o
dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação
negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare,
resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total,
quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é
Página 18 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.- A omissão do
Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a
imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como
comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que,
mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição,
também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por
ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos
postulados e princípios da Lei Fundamental. (RTJ 185/794-796, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, Pleno) É certo que não se inclui, ordinariamente, no
âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta
Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de
implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os
Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item
n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no
entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder
Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por
descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem,
vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a
integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de
estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de
conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto -
consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter
programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode
converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o
Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de
conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao
tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R.
SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente
em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos
direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais),
cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste,
prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas
individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu
processo de concretização - depende, em grande medida, de um
inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades
orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada,
objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando
Página 19 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto,
ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de
sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo
artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de
fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação,
em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de
existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do
possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente
aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de
exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais,
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder
resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE
BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245-
246, 2002, Renovar): “Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma
contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em
conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim
como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por
outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter
recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação
de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os
objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das
Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser
resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem,
cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria
dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais,
condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos
fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão
estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos.
Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos
recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O
mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de
prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a
reserva do possível.” Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos,
pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização
dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -,
traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a
razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do
Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira
do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de
tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais,
que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade
da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-
Página 20 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois,
ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a
possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante
a formulação e a execução de políticas públicas dependam de
opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular,
receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que
não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do
legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes
do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara
intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos
sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de
uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento
governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um
conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência
digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então,
justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por
razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de
intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o
acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo
Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de
ANDREAS JOACHIM KRELL (“Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e
na Alemanha”, p. 22-23, 2002, Fabris): “A constituição confere ao
legislador uma margem substancial de autonomia na definição da
forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o
chamado 'livre espaço de conformação” (...). Num sistema político
pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser
abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas
periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores
econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e
aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos
governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve
intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de
conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções
legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente,
quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da
incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais
necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em
relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços
básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no
Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos
respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos
Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente,
dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação
constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos.
Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse
Página 21 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da
Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até
hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação
a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento
médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a
jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais
programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação
adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de
qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos
Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de
reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo
o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as
normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e
admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões
inconstitucionais. [...].
Desta forma, verificada a omissão da Administração Pública Municipal, afigura-se
plenamente cabível a intervenção do Judiciário para o escopo de compelir o Poder
Público a promover ações afirmativas no sentido regularizar o PA de Viana, não
havendo escusas para a inércia administrativa a genérica invocação da limitação de
recursos orçamentários.
3.3. DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
O art. 300, do CPC/2015 está assim redigido:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo;
Os elementos que evidenciam a probabilidade do direito estão consubstanciados na
transgressão das aludidas normas pelo Município de Viana por fazer funcionar o Pronto
Atendimento Vittório Sias de forma irregular e por não garantir acessibilidade às
pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida. Por sua vez, o receio de perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo se faz presente na medida em que a
omissão do Poder Público, nos termos relatados na presente ação, coloca as pessoas
que utilizam o estabelecimento em questão em risco, traz danos à saúde dos
Página 22 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
cidadãos, bem como representa óbice ao exercício de um direito fundamental
constitucionalmente garantido há tempos às pessoas com deficiência.
Assim, o requerimento ministerial a título de antecipação circunscreve-se:
a) na obrigação de fazer, consistente em cessar imediatamente todas as atividades
do Pronto Atendimento Vittório Sias enquanto não sanar, de forma comprovada a ser
demonstrada pela competente emissão de alvará pela Vigilância Sanitária e pelo
Corpo de Bombeiros, todas as irregularidades elencadas no Relatório Técnico de
Inspeção Sanitária de fls. 266/279 e no Relatório de Vistoria do Corpo de Bombeiros de
fls. 155/157-verso dos autos em anexo, bem como de quaisquer outras irregularidades
que venham a ser apontadas pelos referidos órgãos no curso do feito que sejam
impeditivas da expedição dos alvarás supracitados;
b) na obrigação de fazer, consistente em comprar os serviços de saúde junto à rede
hospitalar particular mais próxima do Município a fim de não deixar a população
desamparada em virtude do não funcionamento do PA em comento, bem como
realizar o transporte até a referida rede do cidadão que necessitar;
c) na obrigação de fazer, consistente em realizar, em prazo exíguo, os procedimentos
apontados pelo Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de
Saúde – CAPS do Ministério Público do Estado do Espírito Santo no Relatório Social de
fls. 74/121 dos autos em anexo (se encontram também na página 5/6 desta inicial);
d) na obrigação de fazer, consistente em elaborar, em prazo exíguo, projeto
específico de reforma do imóvel do Pronto Atendimento Vittório Sias, a fim de ser
inteiramente acessível às pessoas com deficiência e/ou mobilidade nos termos da
legislação vigente, em especial da Lei Federal nº 13.146/2015, do Decreto Federal nº
5.296/2004 e das normas da ABNT NBR 9050 atualizada de outubro de 2015, além do
orçamento e cronograma físico-financeiro;
e) com a comprovação do cumprimento da medida do item “d” nos autos, seja ainda,
como imposição de tutela antecipatória, determinado o imediato início das obras,
cujo tempo para conclusão deve estar previsto no cronograma físico do projeto,
Página 23 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
f) finalmente, o bloqueio dos recursos financeiros municipais necessários para o
cumprimento dos itens anteriores até decisão final desta demanda, o que é admitido
pela a jurisprudência, todavia, devendo ser bloqueados os recursos de áreas
secundárias que não afetarão diretamente à população de Viana, ou seja, não
devendo ser bloqueados recursos já destinados à área da saúde, educação e ao
pagamento dos servidores municipais.
3.4. DA NECESSIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA AOS GESTORES, EM CASO DE
DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL
Lamentavelmente, muitas das vezes a decisão judicial por si só não garante o
cumprimento da lei e a satisfação do direito. Neste aspecto, diante da necessidade
de fixação de determinadas medidas para efetivação do direito tutelado, reputamos
ser adequada a imposição de multa diária aos gestores municipais, para coibir o
cumprimento do comando judicial.
Vale dizer, uma vez descumprida a ordem judicial, deve ser imposta multa ao gestor,
que é quem possui atribuição para fazer valer o comando judicial.
Com efeito, cominar multa diária em caso de descumprimento da decisão judicial ao
Município revela-se desproporcional e insuficiente, uma vez que o dinheiro sai do
próprio ente municipal e, consequentemente, é a população que acaba sendo
punida mais uma vez, pois acaba custeando uma multa devida em função da inércia
dos gestores. O fato de o dinheiro da multa ser oriundo dos cofres públicos faz com
que a medida não surta os poderes coercitivos esperados sobre quem tem poderes
para cumprir a decisão judicial.
Por isso, não resta alternativa que não seja a imposição de multa diária e pessoal ao
Prefeito Municipal e a Secretária Municipal de Saúde (representantes do Município),
em caso de descumprimento da ordem judicial, já que são eles quem possuem o
poder para cumpri-la. Sobre esta possibilidade, temos o seguinte julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - ORDINÁRIA - FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS - ESTADO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA -
REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC - ANTECIPAÇÃO MANTIDA - MULTA
DIÁRIA - APLICAÇÃO AO RESPONSÁVEL PELO DESCUMPRIMENTO. 1-
Página 24 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
Existindo prova inequívoca hábil a convencer o juiz da verossimilhança
da alegação, aliada à comprovação do fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação ao direito da parte, defere-se a
antecipação da tutela. 2- A multa cominada pelo descumprimento de
obrigação de fazer deve ser aplicada não ao ente público, mais sim ao
agente político ou a qualquer pessoa a quem incumba cumprir a ordem
judicial. (AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.0439.08.084918-5/001 -
COMARCA DE MURIAÉ - AGRAVANTE(S): MUNICÍPIO DE MURIAÉ -
AGRAVADO(A)(S): GILBERTO BENTO DIAS - RELATOR: EXMO. SR. DES.
MAURÍCIO BARROS - Data do Julgamento: 31/03/2009. Data da
Publicação: 29/05/2009).
Importante também transcrever um outro trecho do acórdão acima mencionado, da
6 ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
“Com efeito, segundo o disposto no art. 14, V, do CPC, as partes e todos
aqueles que de qualquer forma participam do processo têm o dever de
"cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza
antecipatória ou final". A violação dessa norma legal constitui ato
atentatório ao exercício da jurisdição, "podendo o juiz, sem prejuízo das
sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável
multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da
conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo
paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da
decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa
da União ou do Estado". Desse modo, ante o não cumprimento da
ordem mandamental, o que o juiz deve fazer é aplicar multa ao
responsável pelo cumprimento da ordem judicial, sem prejuízo de ser
processado por crime de desobediência. Não cabe, portanto, a
imposição de multa ao ente público pelo eventual não cumprimento da
ordem mandamental, mas sim ao agente público que, estando
obrigado a cumpri-la, não o faz.”
Desta forma, indispensável é a imposição de multa diária ao Prefeito Municipal e a
Secretária Municipal de Saúde, em caso de descumprimento da ordem judicial.
4. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer o Ministério Público Estadual:
Página 25 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
a) a concessão da tutela antecipada nos termos do tópico 3.3 desta exordial,
fixando-se multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a ser suportada pelos
representantes do Município de Viana, quais sejam o seu Prefeito Municipal e a sua
Secretária Municipal de Saúde, no caso de descumprimento da decisão (art. 497 do
CPC, e art. 11 da Lei Federal nº 7.347/85), a ser revertido ao Fundo Estadual de
Reparação de Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual n° 4.329/90, e, na
impossibilidade, ao Fundo de Defesa de Direitos, regulamentado pelo Decreto Federal
n° 1.306/94, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados;
b) a realização de audiência de conciliação, nos termos do art. 319, VII, do CPC/2015;
c) a citação do Município de Viana para, querendo, contestar a ação, bem como a
sua intimação para tomar ciência da possível decisão de concessão de tutela
antecipada;
d) a produção de todas as provas em direito admitidas, em especial a testemunhal,
documental e pericial;
e) a ANULAÇÃO de qualquer ato praticado pelo Município de Viana em dissonância
com a tutela antecipada na hipótese de sua concessão;
f) ao final, a procedência integral do pedido com a confirmação da tutela antecipada
concedida, tornando-a definitiva, condenando o Município de Viana na:
f.1) na obrigação de fazer, consistente em sanar, de forma comprovada a ser
demonstrada pela competente emissão de alvará pela Vigilância Sanitária e pelo
Corpo de Bombeiros, todas as irregularidades elencadas no Relatório Técnico de
Inspeção Sanitária de fls. 266/279 e no Relatório de Vistoria do Corpo de Bombeiros de
fls. 155/157-verso dos autos em anexo, bem como de quaisquer outras irregularidades
que venham a ser apontadas pelos referidos órgãos no curso do feito que sejam
impeditivas da expedição dos alvarás supracitados;
f.2) na obrigação de fazer, consistente em realizar, em prazo exíguo, os procedimentos
apontados pelo Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de
Saúde – CAPS do Ministério Público do Estado do Espírito Santo no Relatório Social de
fls. 74/121 dos autos em anexo (se encontram também na página 5/6 desta inicial);
Página 26 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
f.3) na obrigação de fazer, consistente em realizar a reforma do imóvel do Pronto
Atendimento Vittório Sias, em prazo exíguo, para garantir acessibilidade às pessoas
com deficiência e/ou mobilidade nos termos da legislação vigente, em especial da
Lei Federal nº 13.146/2015, do Decreto Federal nº 5.296/2004 e das normas da ABNT
NBR 9050 atualizada de outubro de 2015;
f.4) fixação de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a ser suportada
pelos representantes do Município de Viana, quais sejam o seu Prefeito Municipal e a
sua Secretária Municipal de Saúde, no caso de descumprimento da decisão (art. 497,
e art. 11 da Lei Federal nº 7.347/85), a ser revertido ao Fundo Estadual de Reparação
de Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual n° 4.329/90, e, na
impossibilidade, ao Fundo de Defesa de Direitos, regulamentado pelo Decreto Federal
n° 1.306/94, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Nestes termos, pede deferimento.
Viana/ES, 7 de abril de 2016, Dia Mundial da Saúde.
MARCOS ANTÔNIO ROCHA PEREIRA
1º PROMOTOR DE JUSTIÇA CÍVEL DE VIANA
DOCUMENTOS EM ANEXO:
Autos do Procedimento Preparatório nº 2014.0027.0881-69
ROL DE TESTEMUNHAS:
1) Francilene Sales Figueiredo, Agente Técnico – Assistente Social do Ministério
Público do Estado do Espírito Santo, com endereço profissional na Rua
Procurador Antônio Benedicto Amancio Pereira, nº 121, Ed. Procurador Edson
Machado, Bairro Santa Helena, Vitória/ES, CEP: 29055-036;
Página 27 de 27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1ª Promotoria de Justiça Cível de Viana _____________________________________________________________________________________________________________________
Rua Governador Rubim, nº 175, Centro, Viana/ES, CEP 29135-000 – www.mpes.mp.br – Tel.: 3255-9200 _____________________________________________________________________________________________________________________
2) Maria da Penha Ferreira Nascimento, Agente Técnico – Assistente Social do
Ministério Público do Estado do Espírito Santo, com endereço profissional na
Rua Procurador Antônio Benedicto Amancio Pereira, nº 121, Ed. Procurador
Edson Machado, Bairro Santa Helena, Vitória/ES, CEP: 29055-036;
3) Samuel Lopes, Bombeiro Militar, nº funcional 899644, com endereço funcional
na Rod. BR 262, Trevo da CEASA, São Francisco, Cariacica/ES, CEP 29.145-409;
4) Sidney Jorge Lyra, Autoridade Sanitária do Município de Viana, com endereço
funcional na Avenida Espírito Santo, nº 1, quadra 32, Marcílio de Noronha,
Viana/ES;
5) André Martins de Oliveira, Autoridade Sanitária do Município de Viana, com
endereço funcional na Avenida Espírito Santo, nº 1, quadra 32, Marcílio de
Noronha, Viana/ES;
6) Karla Barbosa Rodrigues, Autoridade Sanitária do Município de Viana, com
endereço funcional na Avenida Espírito Santo, nº 1, quadra 32, Marcílio de
Noronha, Viana/ES;