MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS · Rio de Janeiro (ADI 1856) e farra do boi...

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DO PATRIMÔNIO CULTURAL Necessidade de ser vetado pelo Exmo. Sr. Governador do Distrito Federal o Projeto de Lei 225/2015, aprovado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal. RECOMENDAÇÃO N0 03 /2015 - PRODEMA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por intermédio da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural, representada pelos Promotores de Justiça abaixo subscritores, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelos artigos 127 e 129, 11, III, VI e IX, ambos da Constituição Federal c/c o artigo 5°, III, "b" e "d", e artigo 6°, incisos XIV, "g"e XX, ambos da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993 e art. 11, incisos, VI, VIII e XV, da Resolução 90, de 14 de setembro de 2009; vem expor e recomendar o que segue. 1. Considerando que o art. 3°, inciso "a", da Declaração Universal dos direitos dos animais, proclamada em Assembléia da UNESCO, em 27/1/1978, na cidade de Bruxelas, determina que nenhum animal será submetido a maus-tratos e atos cruéis, o que traduz o entendimento mundial na busca da preservação do meio ambiente, protegendo a fauna e a flora; 2. Considerando ainda que a mesma Declaração Internacional prevê no Artigo 10° que nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal;

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Necessidade de ser vetado pelo Exmo.

Sr. Governador do Distrito Federal o

Projeto de Lei 225/2015, aprovado pela

Câmara Legislativa do Distrito Federal.

RECOMENDAÇÃO N003 /2015 - PRODEMA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS, por intermédio da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente

e do Patrimônio Cultural, representada pelos Promotores de Justiça abaixo subscritores, no

exercício das atribuições que lhe são conferidas pelos artigos 127 e 129, 11, III, VI e IX,

ambos da Constituição Federal c/c o artigo 5°, III, "b" e "d", e artigo 6°, incisos XIV, "g"e

XX, ambos da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993 e art. 11, incisos, VI, VIII e

XV, da Resolução 90, de 14 de setembro de 2009; vem expor e recomendar o que segue.

1. Considerando que o art. 3°, inciso "a", da Declaração Universal dos direitos dos animais, proclamada em Assembléia da UNESCO, em 27/1/1978, na cidade de

Bruxelas, determina que nenhum animal será submetido a maus-tratos e atos cruéis,

o que traduz o entendimento mundial na busca da preservação do meio ambiente,

protegendo a fauna e a flora;

2. Considerando ainda que a mesma Declaração Internacional prevê no Artigo 10° que

nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. As exibições

de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a

dignidade do animal;

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3. Considerando que a Constituição Federal prevê em seu art. 225, caput, que todos tê

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações;

4. Considerando que prevê o §1°, inciso VII do mesmo diploma constitucional que cabe

ao Poder Público o dever de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as

práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies

ou submetam os animais à crueldade;

5. Considerando que o direito à vida, resguardado pelo artigo 5° da Constituição

Federal, deve ser estendido à preservação da vida não apenas humana, mas em todas as

suas formas existentes no Planeta;

6. Considerando que o artigo 296 da Lei Orgânica do Distrito Federal, ao disciplinar

sobre o tema, determina que "cabe ao Poder Público proteger e preservar a flora e a

fauna, as espécies ameaçadas de extinção, as vulneráveis e raras, vedadas as práticas

cruéis contra animais, a pesca predatória, a caça, sob qualquer pretexto, em tod o

Distrito Federal";

7. Considerando que art. 32 da Lei 9605/98 estabelece que quem praticar ato de abu o,

maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos u

exóticos, concorrerá ao crime ambiental punido com pena de detenção de três meses 1

ano, e multa, bem como poderá incorrer na aplicação de multa administrativa previ ta

nos art. 72 c/c art. 25 da mesma lei, além da multa administrativa prevista no

29 do Decreto 6.514/08;

8. Considerando que a Lei n° 9.605/98 estabelece em seus arts. 25, §1° c/c art. 72, inciso

IV que na eventualidade de cometimento de infração ambiental caberá a apreensão 2

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produto do crime ou dos animais, os quais serão libertados em seu habitat ou entregues a Jardins Zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a

responsabilidade de técnicos habilitados;

9. Considerando que o Projeto de Lei n° 225/2015, que regulamenta a vaquejada como

prática desportiva e cultural e fixa parâmetros para a sua realização foi aprovado pela

Câmara Legislativa do Distrito Federal no dia 30 de junho do corrente ano, restando

apenas a sanção ou veto do Governador do Distrito Federal;

10. Considerando que nenhuma norma legal infraconstitucional pode contrariar

dispositivos e princípios da Constituição Federal, a exemplo do artigo 225, inciso VII;

11. Considerando o Parecer Técnico SACEDAN/SEMA e COFAU/SUGAP/IBRAM n"

01/2015, elaborado pela Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) e o Instituto Brasília

Ambiental (IBRAM), contrário ao Projeto de Lei 225/2015, apresentado na ocasião da

audiência pública realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal, oportunidade

em que se analisa as implicações éticas e legais de eventos que abusam dos animais,

com prática de maus-tratos;

12. Considerando ainda que o mesmo Parecer Técnico afirma não ser possível reconhecer

tal atividade como modalidade esportiva, bem como não ser possível regulamentá-la

sob a justificativa de que será garantida a proteção da saúde e integridade física dos

animais em todas as etapas do evento, uma vez que é flagrante a ocorrência de maus-

tratos nos animais envolvidos com as práticas da vaquejada;

13. Considerando que a atividade que se busca regulamentar claramente fere os princípios

éticos, os aspectos fisiológicos e diversos preceitos constitucionais e legais;

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14. Considerando que na referida "modalidade esportiva" dois vaqueiros a cavalo devem

derrubar um boi dentro dos limites de uma demarcação, puxando-o pela cauda,

torcendo-o e, na ocasião da queda, deverá ser posicionado com as quatro patas para

cima e que antes e durante a "prática esportiva", o animal será submetido a intensos

níveis de maus tratos e crueldade, podendo ter a cauda quebrada, pêlos arrancados,

sofrer luxações, hemorragias internas, entre outros maus tratos;

15. Considerando que a Lei Distrital n° 1.492, de 30 de junho de 1997, prevê, em seu

artigo 1°, a proibição da realização de eventos de qualquer natureza que impliquem

atos de violência e crueldade contra os animais, em consonância com o artigo 225 da

Constituição Federal. A saber, tal artigo determina que incube ao poder público

proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco

sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à

crueldade;

16. Considerando que no Distrito Federal já se tentou, sem êxito, legislar sobre o terna,

através da propositura do Projeto de Lei 1.383, de 2004, em que se propôs a inclusão

da "Vaquejada Brasília/Nordeste" no calendário oficial de eventos do Distrito

Federal, sob a justificativa de se tratar de evento esportivo típico da cul

nordestina;

17. Considerando que na doutrina pátria há forte entendimento no sentido de que o direito

a manifestações culturais não pode se sobrepor ao direito ao bem-estar animal, de

modo que os animais presentes nas vaquejadas possam sofrer práticas cruéis e maus

tratos contra os animais presentes nas vaquejadas. A título de exemplo, Paulo

Affonso Lemes Machado, ao comentar o art. 32 da Lei n°. 9.605/98, assevera que "

... Atos praticados ainda que com caráter folclórico ou até histórico devem

punidos, não só quem os pratica, mas também, em coautoria, os que os incitam, de

qualquer forma" (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro.

10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 54);

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18. Considerando que os Desembargadores Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas comungam do mesmo entendimento, os quais também citam como exemplo condenável a famosa Farra do Boi: "... Por vezes esse tipo penal adquire

maior complexidade. É o caso da chamada farra do boi, praticada em Santa

Catarina pela população de origem açoriana. Argumenta-se que se está ai a defender

o meio ambiente cultural. Sem razão, contudo, pois a cultura não pode ser exercida

com o sofrimento dos animais, no caso os bois. Os rodeios ou vaquejadas são outro

exemplo. Movimentam interesses econômicos de vulto, mas frequentemente são

praticados com crueldade contra os animais. Tal prática deve ser fiscalizada e

reprimida, quando necessário" (FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 93).

19. Considerando a realidade de outros Estados-membros, o Ministério Público do Ceará

questionou a constitucionalidade da Lei Estadual n° 15.299/2013, que, pari passu, regulamenta a vaquejada e a classifica como atividade desportiva e cultural;

20. Considerando que o Supremo Tribunal Federal, ao aplicar o princípio da

proporcionalidade em conflito de normas e valores constitucionais, assim decidiu no

julgamento do RE 153531/SC: "COSTUME — MANIFESTAÇÃO CULTURAL —

ESTÍMULO — RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA —

ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno

exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das

manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225

da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à

crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do

boi" (sem destaque no original);

21. Considerando ainda que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade n° 1856, considerou inconstitucional a Lei Estadual n" 2.895/98, do Rio de Janeiro, que autoriza e disciplina a realização de competições

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entre "galos combatentes", afastando a alegação de que a briga de galos "é prática

desportiva ou mesmo manifestação cultural ou folclórica". Na oportunidade, o Relator

Min. Celso de Mello avaliou ser essa uma patética tentativa de fraudar a aplicação

da regra constitucional de proteção da fauna, vocacionada, entre outros nobres

objetivos, a impedir a prática criminosa de atos de crueldade contra animais;

22. Considerando que, recentemente, foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade

pela Procuradoria Geral da República (ADI 4983), contestando na íntegra a Lei

Estadual cearense n° 15.299/2013, a qual estabelece regras para a realização da

vaquejada como atividade desportiva e cultural;

23. Considerando ainda que com a profissionalização da vaquejada, algumas práticas

passaram a ser adotadas, como o enclausuramento dos animais antes de serem

lançados à pista, momento em que são açoitados e instigados, de modo a entrarem

agitados;

24. Considerando que, em situações específicas de embate entre as manifestações culturais

e o meio ambiente, como em julgamentos de grande repercussão — briga de galo no

Rio de Janeiro (ADI 1856) e farra do boi em Santa Catarina (RE 153531) — o STF

entendeu que "o conflito de normas constitucionais se resolve em favor da

preservação do meio ambiente quando as práticas e os esportes condenam animais a

situações degradantes.";

25. Considerando que o direito ao meio ambiente se insere nos direitos de 3' geração,

denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, conforme entendimento

exarado pelo pleno do STF, no Mandando de Segurança n°. 22164: "... O direito a

integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui

prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de

afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não

ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente

mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira 6

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geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas,

negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda

geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades

positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de

terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos

genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e

constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e

reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais

indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade";

26. Considerando ainda que o Supremo Tribunal Federal, no embate entre manifestações

culturais e o resguardo ao ambiente, tem se posicionado em defesa do meio ambiente,

principalmente quando a legislação estadual almeja regulamentar prática cultural que

permite o trato inadequado de animais, como foram os casos da farra do boi e das

brigas de galos. Ademais, tais leis infraconstitucionais e estaduais ao regulamentarem

essas práticas se contrapõem ao dever constitucional dos entes federativos de proteger

o ambiente, em todas as suas manifestações (art. 23, inciso VI, da CF);

27. Considerando que doutos professores médico- veterinários há muito repudiam tais

práticas (vaquejada, farra do boi, rinha de galos e rodeios), justamente por

configurarem práticas cruéis e maus-tratos contra os animais. Assim vejamos trecho

do parecer técnico, de 25/7/1999, emitido pela Dra. Irvênia Luiza de Santis Prada (apud LEITÃO, 2002, p. 23)1 :

Ao perseguirem o bovino, os peões acabam por segurá-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estanque e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma seqüência de vértebras, chamadas coccígeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra. Com essa ocorrência, existe a ruptura

1 LEITÃO, Geuza. A voz dos sem voz, direito dos animais. Fortaleza: INESP, 2002.

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de ligamentos e de vasos sangüíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco. como a porção caudal da coluna vertebral representa continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente na região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se ac contida dentro do canal vertebral. Esses processos patológicos s muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raiz dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímul nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além de dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental. A estrutura dos eqüinos e bovinos é passível de lesões na ocorrência de quaisquer procedimentos violentos, bruscos e/ou agressivos, em coerência com a constituição de todos os corptts formados por matéria viva. Por outro lado, sendo o "cérebro", o órgão de expressão da mente, a complexa configuraç o morfo-funcional que exibe em eqüinos e bovinos é indicativa a 'capacidade psíquica desses animais, de aliviar e interpretar situações adversas a que são submetidos, disto resultan o sofrimento. (sem destaque no original).;

28. Considerando que a natureza cruel das vaquejadas é atestada, ainda, pelas Regr s

das vaquejadas (2015, on line)2, onde se lê que "numa pista de 160 metros de

comprimento com variações em sua largura, demarca-se uma faixa onde os bois deverão

ser derrubados. Dentro deste limite será válido o ponto, somente quando o boi, ao cair,

não queimar a cal (material usado para demarcar as faixas), isso acontece quando o boi

é puxado dentro da faixa e mostra as quatro patas antes de se levantar, ainda

dentro das faixas de classificação. O boi que ficar de pé em cima da faixa receberá

nota zero de imediato. ... Deitado, somente caso não tenha condições de levantar-s". ft

(Sem destaque no original);

29. Considerando que caudas arrancadas são comuns em vaquejadas. Conforme dispo to

no regulamento do "IV Potro d.o Futuro & IV Campeonato Nacional ABQM

Vaquejada", realizado na cidade de Campina Grande — PB (2015, on line)3:

2 Regras das vaquejadas. Disponível em: <http://www.vaquejadas.com.br/regras/>.

3 Regulamento do IV Potro do Futuro ABQM de Vaquejada. Disponível

<http://www.anqm.org/eventos/2006_potrofuturovaquejada/circular.pdf>.

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REGULAMENTO DO IV POTRO DO FUTURO ABQM DE VAQUEJADA Disposições Gerais para o IV Potro do Futuro de Vaquejada

E — Caso o rabo ou a maçaroca do boi parta-se no momento da queda, e o boi não cair, o mesmo será julgado de acordo com os critérios abaixo, tanto na fase de classificação como na fase final: - Primeira quebra: caso o boi não caia, a dupla competidora terá direito a um boi extra;

- Segunda quebra: o boi será julgado, caindo ou não; a dupla competidora não terá direito a boi extra; - Terceira quebra: a dupla competidora terá nota zero, independente do julgamento do boi;

30. Considerando que de acordo com Geuza Leitão4, presidente da UIPA — União

Internacional Protetora dos Animais, a vaquejada é prática de meio cruel contra animais:

"É crime previsto no Art. 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/1998) e Art 225, „sÇ

I°, VII da Constituição Federal. Estudos da UIPA e pareceres de médicos veterinários

dão conta da violência e dor sofridos pelos animais numa vaquejada. Contudo, não são

divulgados para o publico os métodos cruéis utilizados para ocasionar a corrida dos

bois, mas sabe-se de seu confinamento prévio por longo período, a utilização de açoites

e ofendiculos, a introdução de pimenta e mostarda via anal, choques elétricos e outras

práticas caracterizadoras de maus-tratos. ";

31. Por fim, considerando os ensinamentos de Vania Tuglio5, Promotora de Justiça de São Paulo, que, em seu artigo intitulado Proteção à Fauna, destacou para a necessidade de se proteger todos os animais da maldade humana: "Todos os animais, os silvestres, os

domésticos, os domesticados, os nativos e os exóticos são protegidos da maldade

humana, expressa em atos de abuso (obrigar um animal a carregar carga superior à

sua capacidade natural), maus tratos (dar choques elétricos nos animais para forçá-los

a demonstrar uma violência que não possuem de figo -- prática comum nos rodeios e

provas afins), ferimentos (espetar os animais com instrumentos pétfuro-contusos nas

4 LEITÃO, Geuza. A voz dos sem voz, direito dos animais. Fortaleza: INESP, 2002.

5 TUGLIO, Vania. Proteção à Fauna. In:Direito Ambiental no STJ. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 303.

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mesmas provas e para os mesmos fins mencionados acima) e mutilações (cortar ttn

membro ou parte do corpo do animal). Estas condutas são consideradas crime e estão

sujeitas à pena de detenção de três meses a um ano, e multa. Lamentável exemplo do

desmonte acima mencionado foi o ressurgimento da tramitação do Projeto de Lei n°

4548, apresentado à mesa da Câmara dos Deputados em 26/05/1998, pelo Deputado

Federal José Thomaz Nono, do PSDB/AL. Na justificativa, após mencionar as

vaquejadas, festas de peões e outras "expressões da cultura popular" e da riqueza

advinda dessas práticas (...)."

Por todos os motivos acima explicitados, os Promotores de Just a

subscritores desta RECOMENDAM que o diploma normativo (PL225/15), aprovado p la

Câmara Legislativa do Distrito Federal, seja vetado integralmente por Vossa Excelênci o

Governador do Distrito Federal, nos termos facultados pelo artigo 74 da Lei Orgânica o

Distrito Federal, por se apresentar inconstitucional e contrário ao interesse público, b m

como pelo fato da lei distrital sob análise (PL225/15) violar o princípio da vedação o

retrocesso e da proibição de proteção insuficiente dos bens jurídicos, uma das dimensões do

princípio da proporcionalidade.

Brasília-DF, 5 de agosto de 2015.

Luciana Bertini Leitão Promotora de Justiça

MPDFT

rnstma gg.sia Wtontenegro Promotora de Justiça

MPDFT

Cesar Augu.- t Nardell justa Nromolo de Justiça junho

MPDFT

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