Investimmento Direto Externo e Industrialização No Brasil - M. Curado
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399M. Curado e M. J. Vargas da Cruz Investimento direto externo e industrializao...
399R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 399-431, set./dez. 2008
* Artigo recebido em 13 de agosto de 2007 e aprovado em 23 de outubro de 2008.
** Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paran. Doutor em Econo-mia pela Unicamp, e-mail: [email protected]
*** Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paran. Mestre em Desen-volvimento Econmico pelo PPGDE-UFPR, e-mail: [email protected]
INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO E INDUSTRIALIZAO NO BRASIL*
Marcelo Curado**
Marcio Jos Vargas da Cruz***
RESUMO Este artigo tem como objetivo discutir o papel do investimento direto externo IDE no processo de industrializao da economia brasileira entre 1860 e 1980. Utiliza-se como referncia de periodizao desse processo a proposta ela-borada por Tavares (1975) e Mello (1982), que apresenta a seguinte confi gurao: (1) Crescimento com diversifi cao da atividade industrial (1860-1933); (2) Indus-trializao restringida (1933-1955); e (3) Industrializao pesada (1955-1980). A anlise demonstra que o comportamento dos IDEs deve ser entendido luz das condies vigentes no plano interno e externo, como proposto originalmente por Possas (1983).
Palavras-chave: investimento estrangeiro direto; industrializao; economia bra-sileira
Cdigo JEL: N 66 economic history; manufacturing and construction; Latin America; Caribbean
FOREIGN DIRECT INVESTMENT AND INDUSTRIALIZATION IN BRAZIL
ABSTRACT This paper analyses the role of the foreign direct investment FDI, in the industrialization process of Brazilian economy between 1860 and 1980. The reference for the division the period was the proposal by Tavares (1975) and Mello (1982): Growth with industrial activity diversifi cation (1860-1933); Restrict indus-
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trialization (1933-1955) and 3. Heavy industrialization (1955-1980). The research demonstrate that to comprehend the behavior of the FDI, its necessary to conside-rate the domestic and foreign conditions, as the proposal by Possas (1983).
Key words: foreign direct investment; industrialization; brazilian economy
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INTRODUO
O objetivo deste artigo discutir o papel do IDE no processo de industriali-
zao da economia brasileira para o longo perodo compreendido entre
1860 e 1980. Utiliza-se como referncia de periodizao desse processo a
proposta elaborada por Tavares (1975) e Mello (1982), que apresenta a se-
guinte confi gurao:
(1) crescimento com diversifi cao da atividade industrial (1860-1933);
(2) industrializao restringida (1933-1955); e
(3) industrializao pesada (1955-1980).
Os movimentos do capital produtivo internacional so analisados a par-
tir da proposta de interpretao elaborada por Possas (1983). De acordo
com autor, os movimentos do capital produtivo devem ser entendidos como
resultantes da conjuno das condies vigentes na economia internacional
e das condies internas de acumulao. A discusso sobre o papel dos IDEs
no processo de industrializao muito vasta, o que torna necessria a foca-
lizao da anlise em algumas variveis. Nesse sentido, este artigo concentra
a anlise do comportamento do capital produtivo no Brasil ao longo do
perodo estudado em trs variveis centrais:
(1) o volume dos investimentos;
(2) a concentrao setorial; e
(3) a origem de propriedade do capital.
A principal contribuio do trabalho apresentar, de forma sinttica,
a evoluo do comportamento do capital produtivo no Brasil para um lon-
go perodo de anlise (1860-1980), demonstrando que esse comportamento
deve ser entendido luz das condies vigentes no plano interno e externo,
como proposto originalmente por Possas (1983).
O trabalho encontra-se organizado da seguinte forma. Alm desta breve
introduo, realiza-se na seo 1 uma breve reviso da literatura acerca dos
determinantes do IDE. A seo 2 apresenta uma discusso sobre a periodiza-
o do processo de industrializao utilizado. A seo 3 discute o IDE na fase
de crescimento com diversifi cao da atividade industrial. A discusso do
papel do IDE no contexto da industrializao restringida realizada na se-
o 4. A seo 5 aborda a importncia do IDE na fase da industrializao
pesada da economia brasileira. A seo 6 apresenta algumas breves conclu-
ses do trabalho.
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1. DETERMINANTES DO INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO:
UMA BREVE REVISO DA LITERATURA
O objetivo desta seo realizar uma breve reviso da literatura econmica
que estuda os determinantes dos movimentos do capital produtivo. A am-
plitude da literatura torna esta resenha limitada a um conjunto de trabalhos
selecionados e reconhecidamente incompleta.1 Sero analisadas as contri-
buies de Hymer (1976) e a teoria do poder de mercado, a teoria da inter-
nalizao das fi rmas, o paradigma ecltico de Dunning (1979), as contribui-
es tericas associadas competio internacional intra-indstria, os
recentes desenvolvimentos da macroeconomia e, fi nalmente, mas no me-
nos importante, a proposta de anlise metodolgica apresentada por Possas
(1983).
Hymer (1976) parte da hiptese, muitas vezes utilizada pela literatura de
organizao industrial do perodo, de que existe uma tendncia formao
de estruturas de mercado do tipo oligoplica derivada dos processos de
acordo/coluso entre fi rmas que possuam a priori alguma vantagem com-
petitiva em relao a suas concorrentes no mercado local. No entanto, esse
processo de oligopolizao, que garante a obteno de uma taxa de lucro
supranormal, encontra limites na economia local, sendo o processo de in-
ternacionalizao da produo uma das formas de superao dessa limita-
o. De acordo com Cantwell (1990), esse movimento para fora das fi rmas
pode inclusive ser acelerado pela retrao do crescimento do mercado do-
mstico, que resulta da diminuio dos incentivos ao investimento em um
contexto de elevao do poder de mercado das fi rmas.
Em suma, de acordo com Hymer (1976), o processo de internacionaliza-
o motivado pelos limites impostos pelas dimenses do mercado local s
fi rmas oligopolistas, o que em ltima instncia se traduz em limites impos-
tos obteno/manuteno de lucros supranormais. A internacionalizao
da produo uma deciso interna fi rma motivada, conforme exposto,
pelo limite ao processo de oligopolizao imposto pela dimenso restrita do
mercado local.
A teoria da internalizao da fi rma baseada nos trabalhos originais de
Coase (1937) tambm utilizada para explicar o processo de internaciona-
lizao produtiva. Hennart (1990), por exemplo, argumenta que esse pro-
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cesso de internacionalizao decorre dos custos de transao existentes na
presena de falhas de mercado. A transnacionalizao da fi rma ocorrer
quando o custo de organizao de determinada transao econmica via
mercado for superior ao custo de internalizao. A questo central da teoria
da internalizao encontra-se, portanto, no ganho de efi cincia que o pro-
cesso de internacionalizao da produo ir gerar vis--vis a manuteno
de transaes via mercado. Nesse sentido, a presena das vantagens compe-
titivas enfatizadas por Hymer (1976) necessria, porm insufi ciente para
explicar os movimentos do capital produtivo em nvel internacional.
Dunning (1979) defende a necessidade de explicar os padres de inter-
nacionalizao produtiva atravs da construo de um paradigma ecltico,
entendido como uma proposta metodolgica de unio de diversas aborda-
gens tericas, em particular a teoria do poder de mercado de Hymer (1976),
a teoria da internalizao e de uma teoria da localizao. Objetivamente, a
fi rma ir se engajar na internacionalizao de suas atividades caso trs con-
dies sejam satisfeitas:
(1) as fi rmas devem possuir vantagens monopolsticas vis--vis as fi rmas
de outros pases, tal como proposto por Hymer (1976);
(2) assumindo satisfeita a condio 1, deve ser benfi co para a empresa
que possua tais vantagens internaliz-las atravs da extenso de suas
prprias atividades, em vez de externaliz-las licenciando ou reali-
zando transaes via mercado, elemento diretamente derivado da
teoria da internalizao; e
(3) assumindo 1 e 2 satisfeitas, deve ser mais lucrativo para a empresa
utilizar essas vantagens em conjuno com fatores externos ao seu
pas.
A construo do paradigma ecltico tem a vantagem de reunir as prin-
cipais abordagens tericas sobre os determinantes dos movimentos do capi-
tal produtivo, fornecendo, em alguma medida, uma unidade a esse conjunto
de contribuies sem precedentes na literatura sobre o tema e que as tor-
nam leitura essencial para os pesquisadores da rea.
Cantwell (1990) organiza ainda um outro conjunto de contribuies so-
bre o tema da internacionalizao da produo. Duas reas merecem desta-
que, de acordo com o autor:
(1) a anlise da competio intra-indstria em nvel internacional; e
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(2) as contribuies derivadas dos desenvolvimentos da macroeco-
nomia.
No que se refere ao primeiro grupo, o autor destaca a ampliao do n-
mero de trabalhos que incorporam a questo da competio tecnolgica
como determinante do processo de internacionalizao produtiva. Esse pro-
cesso, sobretudo entre pases desenvolvidos, deve ser entendido como fruto
da capacitao tecnolgica da qual as empresas multinacionais so capazes
de apropriar-se em funo da existncia de extravazamentos do sistema.
Assim, por exemplo, quanto maior o grau de desenvolvimento dos centros
de pesquisa e mais aperfeioado o sistema educacional, maior a atratividade
do pas para o capital produtivo internacional.
Ainda seguindo o trabalho de Cantwell (1990), merecem ser destacadas
algumas contribuies derivadas dos desenvolvimentos da macroeconomia
para o entendimento dos movimentos do capital produtivo em nvel inter-
nacional. Merece destaque, ainda segundo o autor, os trabalhos de Vernon
(1966) e o modelo de Kojima e Osawa (1985).
A contribuio de Vernon (1966) est diretamente relacionada inter-
pretao dos movimentos iniciais das empresas norte-americanas em dire-
o Europa. De acordo com o trabalho, os elevados nveis de renda e de
demanda nos Estados Unidos promoveram um movimento de inovaes,
especialmente nos setores de bens de consumo durveis com tcnicas labour
intensive. Essa vantagem monopolstica foi inicialmente explorada atravs
de exportaes. Porm, o amadurecimento dos produtos e o processo de
catching up tecnolgico conduzido pelos pases da Europa reduziram sig-
nifi cativamente a vantagem competitiva das empresas norte-americanas
que passam, em funo dos custos com transportes e das barreiras tarifrias,
a transnacionalizar suas atividades produtivas. O processo de transnaciona-
lizao em direo periferia seria, ainda de acordo com o trabalho, fruto
da maturao de produtos e de processos produtivos e da ampliao da
competio via preos no mercado internacional.
O modelo de Kojima e Osawa (1985) parte das hipteses neoclssicas
caractersticas do modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson (H-O-S), reafi rman-
do ser de particular importncia na determinao dos IDEs a dotao de
recursos naturais de cada nao. A principal limitao do trabalho assim
como de toda a literatura baseada no modelo H-O-S encontra-se em ex-
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plicar os motivos para a transnacionalizao entre pases com estruturas
produtivas semelhantes ou ainda os movimentos do capital produtivo in-
ternacional de instalao de plantas em setores de alto contedo tecnolgico
em pases perifricos.
Esta breve reviso da literatura evidencia a amplitude e diversidade das
contribuies da literatura na explicao dos movimentos do capital produ-
tivo. No obstante sua importncia, deve-se ressaltar que, de forma geral,2
esses trabalhos pretendem se constituir em teorias gerais dos movimentos
do capital produtivo em nvel internacional, as quais em sua grande maioria
concedem pouca ou nenhuma importncia ao contexto histrico especfi co
no qual esses movimentos foram realizados.
A proposta de intrepretao de Possas (1983) sugere explicitamente que
o entendimento dos movimentos do capital produtivo em direo a uma
economia deve levar em considerao as condies internas e externas vi-
gentes no perodo. Este trabalho faz uma leitura dos movimentos do capital
produtivo em direo economia brasileira durante seu processo de indus-
trializao a partir dessa proposta de anlise, ou seja, buscando explicar a
insero do capital estrangeiro produtivo na economia brasileira a partir de
suas condies especfi cas e do contexto internacional vigente no perodo.
Busca-se, dessa forma, demonstrar que o entendimento desse processo deve
levar em considerao a dinmica interna da economia e as condies vi-
gentes no cenrio econmico internacional.
2. PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO BRASILEIRO: UMA PERIODIZAO
O objetivo central deste trabalho analisar a evoluo do IDE durante o
processo de industrializao brasileiro. Existem diversas interpretaes so-
bre as origens e o desenvolvimento das atividades industriais no pas.
A complexidade e amplitude do tema em si encontram-se alm dos objeti-
vos especfi cos deste trabalho. No obstante, apresentam-se algumas consi-
deraes de carter introdutrio ao tema.
De acordo com Suzigan (1986), existem quatro interpretaes essenciais
sobre as origens e o processo de industrializao brasileiro:
(1) a teoria dos choques adversos;
(2) a tica da industrializao liderada pela expanso das exportaes;
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(3) a interpretao baseada no desenvolvimento do capitalismo no Bra-sil (ou o capitalismo tardio); e
(4) a tica da industrializao promovida por polticas de governo.A primeira interpretao argumenta que o processo de industrializao
brasileiro foi essencialmente derivado das respostas da economia local s difi culdades impostas pela Primeira Guerra Mundial e pela depresso dos anos 1930 no que se refere reduo das importaes. Portanto, de acordo com essa interpretao, as limitaes impostas pelos choques externos te-riam estimulado o desenvolvimento da indstria local.
A segunda interpretao salienta o papel da expanso da economia agro-exportadora cafeeira como elemento vital para o surgimento e o desenvol-vimento das atividades industriais no pas. O excedente gerado pela ativida-de agroexportadora e que no poderia ser reinvestido no prprio setor encontrava nas atividades industriais uma rea de inverso, particular-mente nos perodos de alta dos preos internacionais do caf e de elevao da acumulao de capital dessa atividade.
A terceira vertente o capitalismo tardio destaca o papel retarda-trio do processo de industrializao no pas como elemento central para o seu entendimento. A origem das atividades industriais encontra-se atrelada, de acordo com essa interpretao, expanso das atividades agroexportado-ras do caf. Nesse sentido, a acumulao de capital do setor agroexportador e a impossibilidade de inverso desses recursos na prpria atividade so vis-tas como essenciais para a expanso das atividades industriais. No entanto, a relao entre o desenvolvimento da indstria e a expanso do setor cafeei-ro no linear, tal como proposto pela segunda vertente. O contexto hist-rico especfi co do processo de industrializao brasileiro, retardatrio em relao aos processos originais, impe limites e particularidades que tor-nam a relao entre a expanso do setor exportador e o desenvolvimento da indstria mais complexa. Ao mesmo tempo em que os recursos da expanso cafeeira so considerados essenciais para o desenvolvimento da indstria, a capacidade de importao vinculada diretamente ao setor cafeeiro impe limitaes expanso dessas atividades industriais.
Por fi m a quarta vertente, de acordo com Suzigan (1986), destaca o papel exercido pelas polticas de governo, particularmente o papel desempenhado pela proteo tarifria e da concesso de incentivos e subsdios, como ele-mento central para o desenvolvimento das atividades industriais no pas.
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Este artigo segue a proposta de periodizao do processo de industriali-
zao brasileiro baseada no desenvolvimento do capitalismo no Brasil (ou o
capitalismo tardio), elaborada, entre outros, por Tavares (1975) e Mello
(1982), na qual se destacam trs momentos distintos:
(1) a fase do crescimento com diversifi cao da atividade industrial
(1860-1933);
(2) a industrializao restringida (1933-1955); e
(3) a industrializao pesada (1955-1980).3
O perodo compreendido entre 1860 e 1933 assiste ao rpido crescimen-
to das atividades industriais, particularmente concentradas nos setores de
bens de consumo no-durveis e com reduzida importncia das atividades
ligadas produo de bens de capital e bens intermedirios. Segundo Tava-
res (1975) e Mello (1982), nessa fase, o crescimento das ativi dades indus-
triais era incapaz de endogeinizar o ritmo de crescimento da economia, ain-
da determinado pelos movimentos exgenos de contrao/expanso do
mercado internacional do caf. Em outras palavras, o crescimento da ativi-
dade industrial no Brasil, acentuado no incio do sculo XX, em funo dos
efeitos indiretos das polticas de manuteno da renda da economia cafeeira
(Suzigan e Villela, 1975) e da acumulao previamente estabelecida no setor
agroexportador (Mello, 1982), no pode ser considerado como determinan-
te de um processo de industrializao.4
Somente a partir de 1933 deu-se, seguindo essa proposta de periodiza-
o, o incio do processo de industrializao no Brasil, j que a partir desse
ano o ritmo de crescimento da economia passou a ser determinado pelo
ritmo de expanso do setor industrial. Verifi cou-se tambm um processo de
diversifi cao da estrutura industrial, com aumento relativo dos setores
produtores de bens de capital concomitantemente com a reduo da impor-
tncia relativa do setor de bens de consumo no-durveis.5 Em outras pala-
vras, a partir de 1933 o processo de acumulao de capital no interior da
economia passou a se estruturar em um novo padro. O ritmo de cresci-
mento da economia no se encontrava mais vinculado demanda externa,
mas sim ao ritmo endgeno de acumulao de capital no setor industrial.
Porm, esse processo de diversifi cao da estrutura industrial era restri-
to, j que o crescimento da atividade industrial encontrava-se diretamente
associado capacidade de importao de bens de produo, que dependia
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das divisas obtidas pelo setor primrio exportador. Assim, embora o ritmo
de expanso da economia no esteja mais vinculado demanda externa, os
entraves impostos pela capacidade de importao, fortemente dependende
do setor agroexportador, continuam a limitar a capacidade de crescimento
da economia. Em suma, as crises de natureza cambial continuam a desem-
penhar papel fundamental como limitadoras do processo de desenvolvi-
mento brasileiro durante o perodo de industrializao restringida.6
A partir de 1955, durante a execuo do Plano de Metas, o carter restri-
to do processo de industrializao foi superado, dando-se incio fase de
industrializao pesada da economia brasileira. Esse momento marcado
pela realizao de um bloco de investimentos concentrados, tanto em ter-
mos temporais (realizados em um curto perodo de tempo) quanto setoriais
(particularmente nos setores de bens de produo) sob a liderana do esta-
do e do capital privado internacional, ao qual o capital privado nacional
associou-se de forma subordinada. A industrializao pesada entendida,
portanto, como uma nova fase do processo de industrializao que se dis-
tingue da precedente, tanto pelo tipo de investimento que cresce frente
da demanda quanto pelas caractersticas da estrutura tcnica e fi nanceira
dos capitais.7
Na seqncia discute-se, a partir da periodizao apresentada, o papel
dos IDEs no processo de industrializao brasileiro. Argumenta-se tambm,
seguindo a proposta de interpretao apresentada por Possas (1983), que o
entendimento do comportamento do capital produtivo estrangeiro deve ser
feito a partir da observao das condies internas e externas de acumula-
o do capital.
3. CRESCIMENTO COM DIVERSIFICAO DA ESTRUTURA
INDUSTRIAL E O INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO
A partir desta seo inicia-se a discusso sobre o papel do IDE na industria-
lizao brasileira. O longo perodo de crescimento com diversifi cao da
estrutura industrial (1860-1933) subdividido, para fi ns de anlise do com-
portamento dos fl uxos de capital produtivo no pas, em trs subperodos:
1860-1902, 1902-1914 e 1914-1933.
No perodo compreendido entre 1860 e 1902, o padro de insero dos
IDEs apresenta-se bem defi nido. H uma clara predominncia dos investi-
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mentos de origem inglesa em atividades de servios ligadas ao setor agro-
exportador cafeeiro. De acordo com Castro (1979), nesse perodo os inves-
timentos de origem inglesa responderam por 77,6% do total do IDE no
Brasil. Os investimentos franceses representavam apenas 5,9% do total, en-
quanto a participao norte-americana no chegava a 2%. A concentrao
nas atividades de servios e a reduzida importncia das atividades indus-
triais tambm so patentes. O setor de servios bsicos8 respondia por 59%
dos IDEs, enquanto a indstria de transformao respondia por apenas 4%
do total desses investimentos.9
Embora as informaes contbeis sobre os fl uxos de IDE para o perodo
sejam escassas, pode-se argumentar que entre 1860 e 1902 a economia bra-
sileira no se constituiu em uma receptora importante de inverses estran-
geiras de uma perspectiva global. A importncia do Brasil como destino dos
investimentos ingleses nesse longo perodo foi marginal. Em grande medi-
da, isso se deve concentrao das inverses inglesas em suas reas colo-
niais. Dados da ONU (1965) informam que entre 1860-1970 essas colnias
receberam 36% dos IDEs, restando 27 e 25%, respectivamente, para os EUA
e Europa, e apenas 10,5% para a Amrica Latina.
De uma forma geral, pode-se afi rmar, seguindo os argumentos apresen-
tados por Castro (1979) e Possas (1983), que as caractersticas apresentadas
pelo IDE no Brasil refl etem as condies internas e externas de acumulao.
A predominncia dos investimentos de origem inglesa refl ete sua hegemo-
nia no plano internacional, enquanto a concentrao em atividades de ser-
vios refl ete a importncia relativa do setor cafeeiro na economia brasileira.
A reduzida importncia relativa do Brasil na absoro de IDE, em particular
de origem inglesa, pode ser entendida como derivada da concentrao dos
interesses britnicos em reas coloniais.
A partir de 1902, mais precisamente no perodo que se estende entre esse
ano e 1914, apresenta-se, segundo Castro (1979), uma importante alterao
no padro de insero do IDE no Brasil. A participao norte-americana e
canadense, at ento desprezvel, torna-se relevante. Paralelamente, assiste-
se reduo da importncia do capital de origem inglesa. Entre 1902-1914
os investimentos ingleses responderam por 53% dos IDEs, enquanto os in-
vestimentos norte-americanos e canadenses10 responderam por 19 e 11,1%,
respectivamente.
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Do ponto de vista da alocao dos investimentos, permanece a predomi-
nncia das atividades de servios bsicos ligados ao setor agroexportador
cafeeiro, responsveis, nesse perodo, por 61,7% do total dos IDEs, enquanto
a indstria de transformao respondeu por 7,2% desse total. Em relao ao
perodo anterior (1860-1902), nota-se um crescimento da participao da
indstria de transformao no total dos IDEs que refl ete, em alguma medi-
da, o crescimento das atividades industriais no pas. Porm, do ponto de
vista relativo, o elemento que merece ser destacado a manuteno da con-
centrao setorial desses investimentos em atividades no manufatureiras.
Essas informaes sobre a origem da propriedade do capital e suas reas
de concentrao refl etiam claramente o padro de acumulao11 da econo-
mia brasileira e da economia internacional, tal como proposto por Possas
(1983). No plano externo, seguindo Triffi n (1979) e Block (1987), destaca-se
a especifi cidade da estrutura do Balano de Pagamentos da Inglaterra, ento
nao hegemnica, que garantia a manuteno da liquidez internacional e
viabilizava os fl uxos de bens e mercadorias.
A Inglaterra caracterizou-se nesse perodo como grande exportadora de
capital (produtivo e de emprstimo), fruto de seus supervits em transaes
correntes, oriundos dos supervits na Balana de Servios, com destaque
para a conta de juros, apesar da crescente elevao dos dfi cits na Balana
Comercial.
Esses elementos tornavam evidentes, segundo Block (1987), a perda de
competitividade do setor produtivo ingls e o aumento do carter fi nancei-
ro da hegemonia inglesa nos ltimos decnios do sculo XIX. Para se ter
uma idia dessa perda de importncia do setor ingls no contexto interna-
cional, lembra-se que em 1870 cerca de 31,8% da produo mundial encon-
travam-se sob o domnio de empresas inglesas, enquanto em 1914 esta no
passava de 14%. Concomitantemente, segundo Singer (1985), verifi cou-se o
aumento da importncia da produo industrial norte-americana e alem.
O contexto internacional do perodo pode ser resumido como uma fase
de acirramento da competio com a emergncia dos sistemas industriais
norte-americanos e alemo e a paralela perda de importncia britnica na
economia, em particular no que se refere produo industrial.
No que tange s condies internas de acumulao, destaca-se o movi-
mento de expanso da cultura cafeeira como eixo dinmico do sistema eco-
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nmico, e cujo mercado consumidor, sobretudo o mercado externo, encon-
trava-se em franca expanso.
Sugere-se que a centralizao dos investimentos estrangeiros, sobretudo
ingleses, no setor de servios bsicos deve-se s possibilidades de investi-
mento abertas pela expanso da cultura cafeeira. Explica-se tambm o cres-
cimento da importncia no setor ferrovirio, fundamental no transporte do
caf das regies produtoras para os portos, alm do signifi cativo crescimen-
to dos investimentos nas atividades de importao e exportao. O mesmo
argumento serve para a expanso dos investimentos em atividades portu-
rias, dado o carter exportador da cultura cafeeira.
O caso americano confi rma a hiptese de pouca importncia do pas
como destino dos IDEs. Dados da ONU (1965) apontam que, de um total de
US$ 1,3 bilho investido pelos EUA na Amrica Latina, aproximadamente
US$ 1,0 bilho encontrava-se em apenas trs pases: Cuba, com US$ 252,6
milhes aplicados, sobretudo, na agroindstria aucareira; Mxico, com
US$ 587,1 milhes; e Chile, com US$ 170,8 milhes aplicados, sobretudo, no
setor de minerao desses pases. Castro (1979) estima em US$ 38 milhes
os IDEs americanos no Brasil entre 1902 e 1914.
Em suma, a anlise do padro de insero dos capitais produtivos na
economia brasileira no perodo que se estende de 1860 a 1914 permite afi r-
mar que os movimentos do capital produtivo internacional reforaram o
carter primrio-exportador da insero da economia no cenrio interna-
cional. Os grandes avanos tcnicos do perodo e a conformao de setores
industriais, como a indstria qumica bsica, a indstria mecnica e de ma-
terial eltrico, passaram completamente margem da economia brasileira,
ainda predominantemente direcionada s atividades agroexportadoras, ca-
rter este que o capital estrangeiro direto apenas reforou.
A preponderncia dos investimentos ingleses, ainda que tendencialmen-
te declinante, e a centralizao em setores no manufatureiros dos IDEs de-
vem ser entendidas como fruto das possibilidades internamente abertas ao
investimento estrangeiro atreladas dinmica da economia agroexporta-
dora e do movimento de acirramento da competio internacional, com
destaque para a perda da hegemonia inglesa no cenrio internacional, so-
bretudo no plano produtivo. Essas tendncias foram mantidas e at certo
ponto acirradas durante o perodo compreendido entre 1914-1933.
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Em primeiro lugar, nota-se a elevao da participao de investimentos de origem norte-americana na economia brasileira. De acordo com dados da ONU (1965), no ano 1928 os investimentos norte-americanos no pas totalizaram US$ 108 milhes. Esse aumento, no entanto, no alterou o papel secundrio do Brasil como receptor desses investimentos. No mesmo ano, os IDEs de origem norte-americana atingiram US$ 887,0 milhes em Cuba, US$ 709,0 milhes no Mxico e US$ 448,0 milhes no Chile. A ampliao da importncia dos IDEs de origem norte-americana explica, em grande medi-da, a elevao da importncia dos setores industriais na recepo de investi-mentos estrangeiros no pas. Em 1929, do estoque total de IDEs norte-ame-ricanos no Brasil, 50% destinavam-se ao ramo de servios pblicos, 23,7% a atividades industriais, 11,8% ao petrleo, 8% a atividades comerciais e 6% a outras atividades.12
A importncia dos IDEs de origem norte-americana em atividades in-dustriais contrasta claramente com o padro de insero dos investimentos ingleses e com o padro de insero dos investimentos norte-americanos em outros pases. Em 1929, do total de investimentos norte-americanos na Amrica Latina, 23,6% destinavam-se ao setor agrcola, 21,1% minerao, 17,8% explorao de petrleo, 25,6% ao setor ferrovirio e apenas 6,7% s atividades manufatureiras.
A particularidade da insero dos IDEs norte-americanos no Brasil pode ser explicada por alguns fatores. De acordo com Singer (1985), duas hipte-ses podem ser levantadas. Em primeiro lugar, certas reas de investimento j se encontravam dominadas por investimentos de origem inglesa. Alm dis-so, os norte-americanos teriam reproduzido nos demais pases da Amrica Latina o mesmo padro de concentrao setorial de investimentos que in-gleses, franceses e alemes desenvolviam em suas colnias. A esses argumen-tos acrescenta-se que as oportunidades de inverso no Brasil eram distintas das existentes em outros pases. Em particular, como apresentam Suzigan e Villela (1975), j existia no pas, entre 1914 e 1933, um rpido crescimento das atividades industriais ligadas produo de bens de consumo no-du-rveis, elemento que no se apresentava de forma to intensa nos pases que concentravam os investimentos norte-americanos na Amrica Latina.
Dessa forma, o perodo compreendido entre 1914 e 1933 deve ser enten-dido como uma fase de continuidade e acirramento das tendncias previa-mente esboadas de elevao da participao norte-americana com am-
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pliao paulatina da importncia dos setores industriais na recepo de
IDE. A continuidade desse processo revela a ampliao da importncia nor-
te-americana no cenrio internacional (concomitantemente reduo da
importncia inglesa) e as oportunidades abertas internamente pelo desen-
volvimento das atividades industriais, sobretudo ligadas produo de
bens de consumo no-durveis, na economia brasileira.
Durante a anlise do perodo compreendido entre 1860 e 1933 foi argu-
mentado que o IDE exerceu um papel secundrio no processo de crescimen-
to com diversifi cao da matriz industrial. Essa concluso encontra subsdio
em dois elementos: o volume escasso de inverses estrangeiras no perodo e
sua concentrao setorial em atividades no manufatureiras.
No entanto, embora escassos e setorialmente concentrados em ativida-
des no manufatureiras, os IDEs desempenharam um papel relevante em
alguns ramos industriais. Suzigan e Szmrecsnyi (1994) apresentam uma
lista de atividades industriais nas quais o IDE desempenhou um papel im-
portante, com destaque para:
Processamento de Carnes: as quatro principais empresas internacionais
do setor (Armour, Swift, Wilson e Frigorfi co Anglo) detinham em, meados
da dcada de 1930, aproximadamente 95% da capacidade nacional de abate
e processamento de gado bovino e 87% da de sunos e bovinos.
Fsforos: estima-se que, em 1907, trs fbricas sob o controle do capital
estrangeiro j respondiam por dois teros da produo nacional.
Lmpadas Eltricas: em 1927, cerca de 35% do consumo total do pro-
duto no Brasil eram supridos pela General Electric.
Cimento: duas fbricas estrangeiras controlavam, em 1935, cerca de
trs quartos do consumo aparente de cimento no Brasil.
Alm desses dados, destaca-se tambm, em particular a partir de 1914, a
importncia dos IDEs em outras atividades, como apontam Queiroz e Evans
(1977):
Por volta dos fi ns da Primeira Guerra Mundial... aumentava o ritmo do in-gresso de capitais estrangeiros. A Ford e a General Motors seguiam a trilha das maiores companhias de petrleo, instalando organizaes para lidar com a distribuio de seus carros. A Dupont, a Imperial Chemical Industries e a Remington participavam da fabricao de cartuchos e plvora. A Pirelli comeou fazendo cabos de cobre. A Phillips principiou construir rdios, e a Unilever instalou uma subsidiria brasileira para fabricar sabonetes.
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Essas informaes no invalidam o argumento de que o capital estran-
geiro desempenhou papel secundrio na instalao da indstria brasileira
at a dcada de 1930. Isso porque, alm de seus investimentos serem escassos
e de sua concentrao setorial priorizar atividades no manufatureiras, o
capital estrangeiro no desempenhou papel relevante nos setores mais din-
micos da fase de crescimento com diversifi cao da estrutura industrial, os
setores de bens de consumo no-durveis. De acordo com Queiroz e Evans
(1977), a indstria txtil, por exemplo, setor-chave desse processo, absorveu,
at 1914, apenas 2,3% do total desses investimentos, sendo a participao do
capital estrangeiro na produo local praticamente desprezvel.
4. INDUSTRIALIZAO RESTRINGIDA E O IDE
O perodo compreendido entre 1933 e 1955 assiste a um intenso processo de
crescimento das atividades industriais no Brasil. Chama a ateno, no en-
tanto, como caracterstica marcante desse perodo, o intenso processo de
diversifi cao das atividades industriais, em que se destacam a reduo da
participao dos chamados setores de bens de consumo no-durveis e o
concomitante incremento de setores da indstria pesada. Alguns dados ilus-
tram esse fenmeno. Em 1919, segundo Suzigan e Villela (1975), as inds-
trias txteis, de vesturio e calados, produtos alimentares, bebidas e fumo
eram responsveis por cerca de 70% do valor adicionado no setor industrial.
O mesmo conjunto de setores respondia por 58% desse valor em 1939.
O crescimento das atividades industriais, segundo Suzigan e Villela
(1975), foi sobretudo relevante at o incio da Segunda Guerra Mundial.
A taxa de crescimento anual mdia do setor industrial durante o perodo
compreendido entre 1933 e 1939 foi de 11,2%, bastante superior taxa
anual de 5,4% verifi cada para o perodo compreendido entre 1939 e 1945.
O contexto internacional do perodo que se estendeu de 1933 at o fi m
da Segunda Guerra Mundial foi marcado por extrema instabilidade, sobre-
tudo no que se refere ao comportamento do mercado fi nanceiro internacio-
nal e da retrao do ritmo de crescimento da economia mundial. O perodo
imediatamente posterior ao confl ito marcou a consolidao da hegemonia
norte-americana no plano internacional. Na esfera fi nanceira, isso se tor-
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nou evidente a partir da instituio do acordo de Bretton Woods em 1944.
Na es fera produtiva, segundo Dunning (1979), esse domnio tornou-se
claro em funo do processo de internacionalizao da produo, que se
deu sobre o domnio virtualmente exclusivo das grandes empresas norte-
americanas.
O crescimento das atividades industriais com diversifi cao da estrutura
produtiva, no plano domstico, a consolidao da hegemonia norte-ameri-
cana, no plano internacional, so elementos que merecem destaque para o
perodo. O que dizer dos IDEs nesse perodo?
No que se refere especifi camente Amrica Latina, notaram-se um re-
foro da tendncia, j anteriormente vislumbrada, de aumento da participa-
o dos investimentos de origem norte-americana e a concomitante redu-
o dos investimentos de origem britnica. Dados da ONU (1965) apontam
para um crescimento de 28,4% nos IDEs norte-americanos entre 1929 e
1950, o que contrasta com a performance britnica de reduo de 60% nos
investimentos nesse perodo.
Cabe ressaltar que o perodo entre 1930 e1945, no qual Getlio Vargas
manteve-se na presidncia, foi marcado pelo nacionalismo, com nfase nos
recursos naturais do pas, vinculado a um processo de nao industrial que
vinha sendo gestado por intelectuais e empresrios nacionais, com a simpa-
tia de Vargas, conforme apontado por Fonseca (1987). Contudo, esses inte-
resses eram convergentes, com a atrao de investimentos estrangeiros:
O nacionalismo de Vargas jamais signifi cou, durante este perodo, qualquer
restrio ao capital estrangeiro (afora a nacionalizao das riquezas mine-
rais)(...) Mesmo que a poca no fosse de liquidez e de condies propcias
ao investimento, Vargas no descartava a possibilidade de atrair capitais ex-
ternos que viessem somar esforos para o desenvolvimento, mesmo que es-
tes desejassem garantias e compensaes (Fonseca, 1987, p. 218 e 219).
Conforme discurso do presidente Vargas, citado por Fonseca (1987,
p. 219):
A mngua de recursos, prpria dos pases novos, pode ser corrigida no s
por esse meio [estmulos governamentais], como pela atrao de capitais
estrangeiros que, confi antes em garantias e compensaes, venham esponta-
neamente incorporar-se nossa economia.
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Logo, o discurso de Vargas representa a disposio e o interesse polti co
do governo brasileiro em propiciar as condies necessrias para a atrao
do investimento estrangeiro direto, em um momento caracterizado por
uma forte transio poltica e econmica no cenrio internacional e marca-
do pela ascenso da economia norte-americana. Contudo, em funo da
instabilidade poltica e econmica entre a crise de 1930 e a Segunda Guerra
Mundial, o cenrio internacional se torna mais favorvel expanso dos
IDEs a partir da dcada de 1950.
Ainda assim, ao aumento das inverses estrangeiras, especialmente nor-
te-americanas, no Brasil, em particular entre 1943 e 1950, soma-se uma mu-
dana qualitativa importante anotada por Possas (1983). Particularmente
aps 1937, nota-se um aumento relativo no nmero de subsidirias estran-
geiras no Brasil, destacando-se o aumento da importncia dos investimen-
tos nos seguintes setores: produtos metlicos, minerais no metlicos (ci-
mento e vidro), papel, equipamentos e aparelhos eltricos e tecidos sintticos,
alm da indstria qumica em geral, que passam a se constituir em plos de
atrao dos investimentos externos, demonstrando que os interesses estran-
geiros no pas haviam defi nitivamente ultrapassado os limites das atividades
extrativas e mercantis.
No entanto, parece existir um relativo consenso na literatura que investi-
ga o tema, com destaque para Singer (1985), Suzigan e Villela (1975) e Paiva
Abreu (1984), de que o IDE desempenhou papel secundrio nessa fase do
processo de industrializao, sobretudo em comparao com o papel exer-
cido pelo estado e pelo capital privado de origem nacional. Alguns argu-
mentos podem ser destacados a favor dessa viso.
O primeiro analisa a concentrao setorial dos IDEs no perodo. De
acordo com Singer (1985) e Queiroz e Evans (1977), os ramos industriais
em que j se confi gurava uma participao importante do capital estrangei-
ro no total da oferta nacional durante os anos 1930 e 1940 foram: a inds-
tria farmacutica, o cimento, alguns ramos da qumica e, principalmente,
borracha e siderurgia, ou seja, os setores (com exceo da farmacutica)
produtores de bens intermedirios. Mas qual a importncia desses setores
no processo de industrializao restringida? Segundo Singer (1985,
p. 217):
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O peso especfi co destes ramos no conjunto da produo era ainda muito pequeno no fi m da dcada de 1930 (...) ao valor adicionado na indstria de tranformao, em 1939 a indstria de borracha contribua com somente 0,4% (...) a de minerais no metlicos com 4,3% e a metalurgia com 7,6% (...) Trata-se do surgimento de um germe de indstria de base, cujo desen-volvimento se dar plenamente a partir do perodo seguinte (1956-67). Na verdade, o que caracteriza a industrializao deste perodo a grande expan-so da fi ao e tecelagem e de outros ramos do DII, sobretudo dos que pro-duziam bens de consumo no durveis (exceto mobilirio).
Assim, de acordo com Singer (1985) e Paiva Abreu (1984), as atividades
em que o capital estrangeiro concentrou seus investimentos no se consti-
turam no eixo central do processo de industrializao restringida, quer seja
os setores de bens de consumo no-durveis, amplamente dominados pelo
capital privado nacional. Outro aspecto destacado pela literatura que,
muito embora o crescimento dos fl uxos de IDE em atividades industriais
seja inegvel para o perodo, em particular para o perodo compreendido
entre 1943 e 1950, seus montantes ainda eram insufi cientes para mudar o
padro dos estoques de IDE no pas. Dados do Banco Central do Brasil dei-
xam claro esse ponto. Em 1950, 27,1% dos estoques de IDE no pas encon-
travam-se na atividade de energia eltrica. O setor de petrleo, com 12,9%,
e bancos, com 6,9%, aparecem frente do setor industrial com maior apor-
te de capital estrangeiro em 1950.
Em suma, assiste-se, no perodo de industrializao restringida, a um
crescimento na importncia dos IDEs na indstria brasileira. Em grande
me dida, isso fruto das oportunidades abertas pelo rpido crescimento das
atividades industriais no pas e do paulatino deslocamento das atividades
dinmicas do setor agroexportador para a indstria. Esse fenmeno tam-
bm refl ete a conjuntura internacional, em que se destaca a consolidao da
hegemonia norte-americana no plano internacional. No obstante, as infor-
maes disponveis permitem afi rmar que o IDE desempenhou papel se-
cundrio nessa fase do processo de industrializao brasileiro comparativa-
mente importncia do capital privado e estatal de origem nacional. Ainda
assim, merece destaque o fato de que alguns dos mais importantes elemen-
tos que iro caracterizar o IDEs no perodo seguinte, a industrializao pesa-
da, com destaque para o papel dos IDE norte-americanos na indstria pe-
sada, j se encontravam presentes nessa fase da industrializao brasileira.
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5. IDE E INDUSTRIALIZAO PESADA
O IDE desempenhou papel fundamental no processo de industrializao
pesada da economia brasileira. A primeira evidncia em favor desse argu-
mento encontra-se na observao do volume de capital IDE no pas. At o
ano 1950, o estoque de IDE havia chegado a aproximadamente US$ 334 mi-
lhes. No decnio seguinte, ou seja, de 1951 a 1960, os fl uxos de IDE atingi-
ram aproximadamente US$ 1,1 bilho. Assim, em um perodo de apenas
10 anos aps 1950, o volume de IDE mais do que triplicou em relao a todo
o estoque de IDE anterior. Por um lado, essa informao confi rma o carter
marginal da economia na recepo de IDE at 1950; por outro lado, permite
confi gurar esse perodo como o primeiro boom do capital estrangeiro em
sua forma produtiva na economia brasileira. Na dcada de 1960, esse pro-
cesso mantido. Entre 1961 e 1970, os fl uxos de IDE atingiram US$ 2,48
bilhes, evidenciando uma elevao de 124% em relao ao perodo ante-
rior.13 Na dcada de 1970, o crescimento nos fl uxos de IDE para o pas
considervel, de tal forma que seu estoque total atinge, em 1979, de acordo
com dados do Banco Central do Brasil, a cifra de US$ 9,6 bilhes.
No apenas a elevao dos fl uxos de IDE para a economia que d sus-
tentao afi rmao inicial desta seo. To relevante quanto essa elevao
dos investimentos estrangeiros a anlise de sua concentrao setorial.
O quadro 1 apresenta as informaes necessrias para essa anlise.
As evidncias apresentadas no quadro 1 confi rmam a centralizao dos
IDEs em atividades industriais no perodo analisado. Do estoque total de
IDEs em 1979, aproximadamente 77,3% encontravam-se em atividades da
indstria de transformao. A indstria extrativa mineral, os servios de
utilidade pblica e a agricultura representavam, respectivamente, 2,3%,
0,2% e 0,5%.
Mais interessante ainda notar a concentrao desses investimentos em
setores dinmicos do paradigma tecnolgico metalmecnico-qumico e nas
chamadas commodities industriais vis--vis os setores tradicionais.14
O processo de industrializao pesada da economia brasileira contou,
portanto, com um novo padro de insero do capital produtivo internacio-
nal, caracterizado pela concentrao de investimentos em atividades indus-
triais, em particular naquelas que se constituem no eixo dinmico do para-
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digma tecnolgico metalmecnico-qumico. A importncia do IDE na
consolidao do processo de industrializao pesada da economia brasileira
amplamente reconhecida. Diversos autores, com destaque para Serra
(1982), Queiroz e Evans (1977) e Tavares (1975), concluem que sem a par-
ticipao desses investimentos o processo de industrializao pesada da eco-
nomia brasileira seria invivel.
A anlise da origem de propriedade desses capitais revela, entre outros
elementos, a predominncia dos investimentos de origem norte-americana
nesse processo. A tabela 1 apresenta as informaes necessrias para uma
discusso mais detalhada sobre o tema.
1950
Energia eltrica: 27,1%
Petrleo: 12,9%
Bancos: 6,9%
Produtos qumicos: 5,9%
Alimentos: 5,6%
Aparelhos eletrnicos: 4,9%
Indstria automobilstica: 3,2%
Metalurgia: 2,4%
Cimento: 2,3%
Farmacuticos: 1,5%
1970
Indstria automobilstica: 11,5%
Produtos qumicos bsicos: 10,9%
Petrleo: 6%
Aparelhos eletrnicos: 5,9%
Metalurgia: 5,5%
Farmacuticos: 4,8%
Servios liberais: 4,6%
Energia eltrica: 4,4%
Alimentos: 3,7%
Mquinas para a indstria: 3,4%
1960
Indstria automobilstica: 11,4%
Petrleo: 11%
Produtos qumicos: 10,8%
Metalurgia: 5,4%
Alimentos: 5%
Farmacuticos: 4,5%
Aparelhos eletrnicos: 4,3%
Siderurgia: 3,6%
Atividades comerciais: 3,3%
Autopeas: 2,8%
1979
Produtos qumicos bsicos: 11,38%
Mecnica: 10,41%
Material eltrico e comunicao: 8,79%
Metalurgia: 8,67%
Veculos automotores: 8,5%
Produtos medicinais, farmacuticos e veterinrios:
4,01%
Autopeas: 3,1%
Indstria extrativa mineral: 2,8%
Siderurgia: 2,7%
Produtos alimentares: 2,6%
Quadro 1: Participao dos 10 principais setores no total dos estoques dos IDEs no Brasil (1950, 1960 e 1970)*
Fonte: Boletim do Banco Central do Brasil Separata de dezembro de 1979. Elaborao prpria.
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O primeiro ponto a ser destacado da observao da tabela 1 a predomi-
nncia dos IDEs de origem norte-americana. Entre 1951 e 1960 os IDEs
norte-americanos foram responsveis por 37,15% do total dos IDEs para o
pas. Outros elementos chamam a ateno, como a reduo das participa-
es inglesa principal investidora na fase inicial do processo de industria-
lizao e canadense. Este ltimo caso pode ser explicado pela perda da
importncia dos IDEs no setor de energia eltrica aps 1950, tendo-se em
conta que grande parte dos investimentos canadenses concentrava-se nesse
setor, em especial atravs de investimentos da Light & Power. Por fi m, cha-
mam a ateno tambm a participao elevada de investimentos suos, em
particular para o perodo entre 1951 e 1960, quando atingiram 14,29% dos
fl uxos totais de IDE no pas, e o crescimento signifi cativo da participao
alem, particularmente entre 1961 e 1969, quando foram responsveis por
17,51% dos fl uxos de IDE.
A posio consolidada dos IDEs por pas em 30.6.1979 demonstra, de
acordo com dados do Banco Central do Brasil, a manuteno das principais
tendncias verifi cadas no perodo anterior. O nico destaque no perodo
refere-se ao signifi cativo incremento da importncia japonesa nos IDEs ao
longo da dcada de 1970.
Neste ponto, uma indagao torna-se essencial: quais os elementos que
explicam a mudana da insero do capital produtivo internacional na eco-
nomia brasileira na sua fase de industrializao pesada? Seguindo o argu-
Tabela 1: Investimentos externos no Brasil, origem de propriedade do capital* em (%)
Pas At 1950* 1951-1960 1961-1969 Acumulado at 1979
EUA 29,25 37,15 27,89 28,00
Canad 28,8 5,8 5,6 4,00
Reino Unido 11,08 6,6 4,34 5,70
Suia 7,8 14,29 11,12 11,60
Itlia 2,6 0,5 3,4 1,50
Frana 2,2 4,13 5,05 4,20
Holanda 1,5 1,7 4,43 2,10
Japo 0,43 2,7 3 10,00
Alemanha n.d 13,08 17,51 15,10
Total do Grupo 83,66 85,95 82,34 82,20Fonte: Separata do Banco Central do Brasil, dez. 1979. Elaborao prpria.
* At 1950: refere-se ao estoque, assim como o acumulado at 1979. As informaes relativas aos perodos 1951-1960 e
1961-1969 referem-se aos fl uxos.
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mento desenvolvido at o momento, so as condies internas e externas de
acumulao que devem ser analisadas para responder a essa questo.
No plano internacional, os anos 1950 e 1960 so conhecidos na literatu-
ra econmica como dcadas douradas do capitalismo. Esse perodo ca-
racterizado pelo intenso ritmo de crescimento da economia mundial, que
ocorre de forma assimtrica em termos intra-regionais e tem no ritmo de
crescimento industrial o motor do sistema. A tabela 2 demonstra o cres-
cimento expressivo da renda per capita a partir de 1950, com destaque para
os Estados Unidos, que j no incio do sculo XX despontam com um PNB
per capita estimado maior que o do Reino Unido.
Destaca-se, ainda, a consolidao do paradigma tecnolgico metalmec-
nico-qumico como base tecnolgica do sistema industrial, com signifi cati-
vo realce para o ritmo de crescimento de alguns setores em particular, os de
material de transporte e eltrico, a indstria mecnica, o complexo qumico
e o setor de metalurgia. Outro aspecto essencial da conjuntura internacional
do imediato ps-guerra a consolidao do papel hegemnico da economia
norte-americana no cenrio internacional, em suas esferas comercial, fi nan-
ceira, produtiva e militar.
As dcadas douradas iro determinar outro importante fenmeno:
a grande empresa em escala internacional passa a se constituir no elemento
responsvel pela dinmica da economia internacional.
A anlise, no entanto, deixa transparecer que o processo de internaciona-
lizao no imediato ps-guerra genrico s grandes empresas. Uma im-
Tabela 2: Estimativas de PNB real per capita para uma seleo de pases (em US$ de 1960)
Pases 1860 1913 1929 1950 1960 1970
Alemanha (Ocidental) 345 775 900 995 1.790 2.705
Canad 405 1.110 1.220 1.785 2.205 3.005
Espanha 325 400 520 430 640 1.400
Estados Unidos 550 1.350 1.775 2.415 2.800 3.605
Holanda 410 740 980 1.115 1.490 2.385
Frana 380 670 890 1.055 1.500 2.535
Japo 175 310 425 405 855 2.130
Portugal 290 335 380 440 550 985
Reino Unido 600 1.070 1.160 1.400 1.780 2.225
Rssia (Unio Sovitica) 200 345 350 600 925 1.640 Fonte: Bairoch. Main trends in national economic disparites. In: Bairoch e Lvy-Leboyer (Orgs.). Disparities in economic develop-
ment, p. 10, apud Landes (1998, p. 258).
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portante qualifi cao deve ser realizada. Esse processo, seguindo Dunning
(1979), restrito a um nico agente a grande empresa norte-americana.
Em outras palavras, a internacionalizao produtiva do imediato ps-guer-
ra a internacionalizao de um sistema industrial especfi co: o sistema in-
dustrial hegemnico norte-americano. A tabela 3 fornece evidncias da pre-
ponderncia norte-americana.
A concentrao setorial dos IDEs de origem norte-americana outro
elemento que deve ser analisado. Michalet (1984) apresenta evidncias da
tendncia de concentrao dos IDEs em setores da indstria manufatureira
vis--vis outros setores, tais como a minerao e o petrleo. De acordo com
o autor, em 1957 a principal rea de concentrao dos IDEs norte-america-
nos era a atividade petrolfera, que concentrava 35,60% do estoque total de
IDE contra 31,4% desse estoque em atividades ligadas indstria manufa-
tureira. Em 1971, o quadro j era diferente. A indstria manufatureira j se
tornara a principal rea de investimentos produtivos americanos, respon-
dendo por 41,20% dos estoques contra 28,1% de atividade petrolferas.
Dunning (1979) apresenta informaes igualmente relevantes sobre a
concentrao setorial dos IDEs norte-americanos. De acordo com o autor,
em 1975 os setores intensivos em tecnologia15 responderam por 67% dos
IDEs norte-americanos, enquanto setores menos intensivos em tecnologia16
responderam por apenas 8,4% desse total.
Essas informaes ajudam a entender seguindo a proposta de inter-
pretao de Possas (1983) o comportamento do capital produtivo no
Brasil. A predominncia norte-americana um fato incontestvel no plano
Tabela 3: Estoque de investimento direto externo por pas (1967)
Pas de origem US$ milhes (%) do IDE total
Estados Unidos 59.486 55,00
Reino Unido 1.752 16,20
Frana 6.001 5,50
Sua 4.251 3,90
Canad 3.728 3,40
Alemanha 3.015 2,80
Holanda 2.251 2,10
Itlia 2.111 1,90
Blgica 2.100 1,90
Sucia 1.514 1,40Fonte: Michalet (1984).
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internacional, assim como no caso especfi co brasileiro. Da mesma forma, a
concentrao setorial dos IDEs na fase de industrializao pesada da econo-
mia brasileira em atividades da indstria manufatureira, em particular em
setores dinmicos do paradigma tecnolgico metalmecnico-qumico, no
pode ser considerada uma especifi cidade do caso brasileiro, mais sim a regra
de comportamento das inverses norte-americanas. Em suma, diversas ca-
ractersticas do padro de insero dos IDEs durante a fase de industrializa-
o pesada da economia brasileira so, em ltima anlise, o refl exo do pro-
cesso de internacionalizao da grande empresa norte-americana em escala
global.
As condies vigentes na economia brasileira do perodo tambm forne-
cem informaes relevantes para a compreenso do comportamento do
capital produtivo. Vale lembrar que, a partir de 1955, o estado brasileiro
iniciou um conjunto de inverses na economia. A superao do carter res-
tringido do processo de industrializao no se deu atravs da continuidade
do processo de crescimento com diversifi cao da estrutura industrial. Em
outras palavras, no se tratou de uma acentuao do processo precedente.
A implantao do setor de bens de produo no ocorreu como uma
continuidade do processo de instalao dos setores de bens de consumo,
mas sim atravs, tal como dito, de um bloco de investimentos concentrados
em termos temporais e setoriais, a partir de um signifi cativo esforo de in-
vestimento do estado brasileiro. No que compete ao papel desse agente, bas-
ta, em funo dos objetivos deste trabalho, observar que foi o responsvel
pela instalao dos setores de bens intermedirios e de insumos bsicos,
setores que se constituam nos de maior volume de inverso inicial, maior
prazo de maturao e menor taxa de rentabilidade, caractersticas que, por
um lado, impossibilitavam a entrada do capital privado nacional dadas
as barreiras fi nanceiras e tecnolgicas impostas e que, por outro, no
estimulavam a inverso produtiva estrangeira. A concentrao dos IDEs na
indstria manufatureira, em particular em atividades dinmicas do para-
digma tecnolgico metalmecnico-qumico, refl etia no apenas o padro
vigente do IDE em nvel internacional em particular das inverses de
grandes empresas norte-americanas , mas tambm as oportunidades de
investimento abertas internamente a partir do amplo conjunto de investi-
mentos do estado no perodo e da proteo indstria local.
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Portanto, alm de um cenrio internacional bastante favorvel amplia-
o dos IDEs, liderados pelos interesses de expanso das grandes empresas
norte-americanas, o Brasil apresentou-se como uma opo atrativa para o
fl uxo de IDEs; dentre outros motivos, no que diz respeito ao cenrio doms-
tico, estava em curso um processo de industrializao no pas, para o qual
havia disposio e interesse poltico do governo brasileiro em propiciar as
condies necessrias para a atrao do investimento estrangeiro direto,
conforme constatado atravs dos discursos do governo Vargas, analisados
por Fonseca (1987).
Alm disso, a poltica de estmulo industrializao, fortemente ampa-
rada nos instrumentos de proteo produo local, a qual estimulava os
IDEs, teve tambm um papel importante da classe industrial brasileira, de
acordo com Leopoldi (2000, p. 67):
O perodo imediatamente posterior guerra foi de afi rmao crescente da indstria na economia do pas. Entendemos que isso no se explica apenas por fatores econmicos externos, como entende a historiografi a econmica, mas se deve tambm luta das associaes industriais pela proteo tarif-ria. O papel das associaes industriais, atravs do lobby ou da atuao dire-ta em rgos consultivos do governo, teve bastante importncia na evoluo da indstria nacional.
A utilizao dos instrumentos que caracterizaram a poltica industrial
nesse perodo, com destaque para as barreiras tarifrias e a taxa de cmbio,
foi conduzida diante de intensos confl itos de interesses, que resultavam em
freqentes divergncias entre o governo e alguns setores da indstria, de
acordo com Leopoldi (2000). Contudo, esse processo demonstra um aspec-
to importante da economia poltica do pas naquele momento, que pro-
vavelmente proporcionou parte do cenrio domstico atrativo ao capital
estrangeiro.
Dessa forma, observa-se que a participao dos IDEs tem papel funda-
mental no processo de industrializao e diversifi cao da indstria brasi-
leira, porm, no se trata de um processo mecnico que responde apenas ao
mecanismo de preos relativos determinados pelas foras de mercado.
O cenrio internacional caracterizado por um perodo ps-Segunda Guer-
ra Mundial, do qual os Estados Unidos saem sufi cientemente fortalecidos
poltica e economicamente, para conduzirem as negociaes do acordo de
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Bretton Woods, elevando sua moeda condio de base do funcionamento do sistema fi nanceiro internacional. Portanto, o cenrio macroeconmico proporcionado por um processo de coordenao poltica foi fundamental para que as grandes empresas norte-americanas tivessem condio favor-vel, com destaque para uma menor incerteza expanso do capital produti-vo para regies com maior demanda reprimida. Por outro lado, a estratgia de desenvolvimento brasileira, baseada no processo caracterizado pela pro-teo do mercado domstico e no investimento estatal em infra-estrutura e setores com longa maturidade do capital, proporcionava uma condio lo-cal bastante favorvel atrao de investimentos estrangeiros diretos.
Por fi m, cabe analisar a importncia do capital estrangeiro na atividade produtiva no Brasil. A tabela 3 apresenta informaes sobre a participao por origem de capital no total das vendas para o ano 1980. Pode ser obser-vado que capital estrangeiro desempenhava papel predominante (acima de 50% das vendas) nas atividades de material de transporte, borracha, pro-dutos farmacuticos, perfumaria e sabes e fumo. Sua participao ainda era muito importante (acima de 40% das vendas) nos setores de metais no ferrosos, mecnica e material eltrico.
6. CONSIDERAES FINAIS
Este artigo procurou demonstrar que o entendimento dos movimentos do capital produtivo estrangeiro na economia brasileira deve levar em conside-rao as condies internas e externas de acumulao, como proposto ori-ginalmente por Possas (1983), separando a anlise em trs fases do processo de industrializao.
Observou-se nesses perodos uma clara diferenciao quanto ao volume dos investimentos, concentrao setorial e origem de propriedade do capi-tal, sendo esses os trs enfoques tratados por este trabalho.
Na fase inicial do processo de industrializao brasileiro, caracterizado pe lo Crescimento com Diversifi cao da Atividade Industrial (1860-1933), havia a hegemonia inglesa no direcionamento do fl uxo de capitais. Nesse perodo, o volume dos IDEs no Brasil foi pouco expressivo, sendo a prpria Inglaterra o principal emissor. Quanto alocao setorial, houve uma in-tensifi cao dos IDEs em servios bsicos, de forma a estimular a atividade agrcola, principalmente agroexportadora, o que basicamente referendava a
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diviso internacional do trabalho composta a partir das vantagens compa-
rativas. Cabe ressaltar que internamente havia uma dinmica de acumula-
o do capital por parte do setor agroexportador, que teria basicamente fi -
nanciado o incio desse processo.
Na fase seguinte, confi gurada como Industrializao Restringida (1933-
1955), o volume dos IDEs passou a ser mais expressivo para o processo de
formao da estrutura industrial brasileira. A partir da dcada de 1930, os
EUA j se destacavam como principal investidor externo na economia bra-
sileira, com uma mudana qualitativa no direcionamento desses investi-
mentos. Alm dos servios pblicos, alguns setores da indstria tambm
passaram a receber capital sob a forma produtiva, com destaque para os
produtos metlicos, minerais no metlicos, papel, equipamentos e apare-
lhos eltricos, indstria txtil e qumica.
Tabela 4: Participao das empresas por origem de capital no total das vendas para 1980
Gneros Nacionais privadas Empresas estrangeiras Empresas estatais
Minerais no metlicos 72 28 0
Ferro e ao 37 23 40
Metais no ferrosos 56 44 0
Produtos metlicos 75 23 2
Mecnica 59 41 0
Material eltrico 56 44 0
Material de transportes 29 68 3
Madeira 95 5 0
Mobilirio 97 3 0
Papel e celulose 75 21 5
Borracha 37 63 0
Couros e peles 85 15 0
Produtos qumicos 27 21 52
Produtos farmacuticos 28 71 1
Perfumaria e sabes 47 53 0
Plsticos 83 17 0
Txtil 78 22 0
Vesturio e calados 96 4 0
Produtos alimentares 81 18 1
Bebidas 85 15 0
Fumo 27 73 0
Editorial e grfi ca 91 3 6Fonte: BNDES, 1988.
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Nesse perodo, a caracterstica da insero do capital produtivo demons-
tra fortes indcios de que o interesse estrangeiro no pas havia ultrapassado
os limites das atividades extrativas e mercantis. A forte presena dos EUA
nesse processo j seria resultado de sua ascenso econmica e militar, a qual
fi ca evidenciada aps a Segunda Guerra Mundial.
Por fi m, o perodo da Industrializao Pesada (1955-1980), no qual o
IDE passou a ter papel fundamental, com um volume de recursos bastante
expressivo que resultou no primeiro boom do capital estrangeiro em sua
forma produtiva na economia brasileira. Alm de maior expresso quanto
ao volume, houve uma concentrao desses recursos na indstria de trans-
formao, em setores dinmicos do paradigma tecnolgico metalmecnico-
qumico. Nessa ocasio, a predominncia dos investimentos de origem nor-
te-americana apresenta evidncias de que a insero dos IDEs no Brasil
naquele momento era resultado, em grande medida, da prpria dinmica de
expanso da indstria norte-americana, atravs de um processo de interna-
cionalizao.
Caberia destacar que essa expanso dos IDEs norte-americanos, especial-
mente estadunidenses, no Brasil, foi fruto, em grande medida, do acirra-
mento do processo de competio entre as grandes empresas multinacio-
nais, que se deu a partir do fi nal dos anos 1950. Nesse sentido, o crescimento
das inverses estadunidenses no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1970,
pode ser entendido como uma resposta dessas empresas ao movimento ini-
cial de expanso das inverses europias, ocorridas especialmente durante o
ciclo de expanso associado ao Plano de Metas. Finalmente, cabe ressaltar a
existncia de um cenrio bastante favorvel, aps a Segunda Guerra Mun-
dial, com o sistema fi nanceiro internacional pautado no acordo de Bretton
Woods, que tinha nos EUA o principal coordenador de um perodo reconhe-
cido como dcadas douradas do capitalismo.
NOTAS
1. Para uma discusso mais detalhada sobre o tema, veja Cantwell (1990).
2. A principal exceo a essa crtica a contribuio de Dunning (1979).
3. A escolha dessa interpretao especfi ca no reduz a importncia das vertentes acima
discutidas. Trata-se somente de uma opo dos autores, que se justifi ca em funo do
papel essencial exercido pelo IDE no processo de industrializao, sobretudo a partir de
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1955. A utilizao da periodizao tambm no signifi ca que ela no seja passvel de crticas. Goldenstein (1994), por exemplo, sintetiza uma srie de elementos crticos em relao periodizao proposta por essa vertente, sobretudo no que se refere pouca importncia dispensada s condies internacionais aps a fase da industrializao pe-sada. Esse debate, ainda que importante, encontra-se alm dos objetivos deste trabalho.
4. Isso no signifi ca dizer que nessa fase (1860-1933) no existiam atividades industriais no pas. O crescimento das atividades ligadas indstria, sobretudo a partir da dcada de 1920, um fenmeno discutido pela literatura. Possas (1983) e Suzigan (1986) apre-sentam evidncias do crescimento das atividades industriais no pas a partir de 1914, sobretudo da indstria de bens de consumo no durveis. O argumento de Tavares (1975) e Mello (1982) no despreza esse fenmeno, apenas argumenta que esse cresci-mento das atividades industriais era incapaz de determinar o ritmo de crescimento eco-nmico nesse perodo. Em outras palavras, o ritmo de expanso da economia brasileira encontrava-se ainda diretamente vinculado ao setor cafeeiro.
5. Em 1920, cerca de 75% da produo industrial eram derivados do setor de bens de con-sumo no-durveis, com participao signifi cativa dos ramos txteis, bebidas e produ-tos alimentares, enquanto o setor de bens de produo respondia por apenas 7% do produto industrial. J em 1939, a produo dos setores de bens intermedirios e bens de capital saltou respectivamente para 22% e 8,8% do produto industrial, de acordo com Possas (1983).
6. Neste perodo de industrializao, pela primeira vez na histria da economia brasileira se combinam dois fatores contraditrios, que permitem identifi car uma nova dinmica de crescimento. O primeiro que o processo de expanso industrial comanda o movi-mento de acumulao de capital, em que o segmento urbano da renda o determinante principal das condies de demanda efetiva, vale dizer da realizao dos lucros. O se-gundo resulta de que o desenvolvimento das foras produtivas e os suportes internos da acumulao urbana so insufi cientes para implantar a grande indstria de base necess-ria ao crescimento da capacidade produtiva adiante da prpria demanda. Assim, a estru-tura tcnica e fi nanceira do capital continua dando os limites endgenos de sua prpria reproduo ampliada, difi cultando a autodeterminao do processo de desenvolvimen-to (Tavares, 1975, p. 118).
7. Tanto o tipo de crescimento da capacidade produtiva, muito na frente da demanda preexistente, como o carter concentrado do bloco de investimentos no tempo no pa-recem, em nada, com a etapa de industrializao do aps Guerra. A estas caractersticas das escalas de produo agregue-se o fato de que os empresrios nacionais careciam de instrumentos prvios de mobilizao e centralizao de capital, necessrios a uma con-centrao de recursos internos e externos, da magnitude requerida. Por outro lado, a estrutura tcnica e fi nanceira dos novos capitais era tambm completamente diferente da anterior, e no se podia obter a partir da simples expanso e diversifi cao da estru-tura produtiva existente (Tavares, 1975, p. 132).
8. Na classifi cao de Castro (1979), o setor composto pelas seguintes atividades: ferro-vias, companhias de gs, iluminao e transportes, telefones e telgrafos, portos, compa-
nhias de navegao, obras pblicas e servios particulares.
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9. Para uma discusso mais aprofundada sobre a repartio dos investimentos no setor de
servios bsicos, incluindo as divergncias relativas origem de propriedade, veja-se
Castro (1979).
10. Associados aos investimentos da Light & Power, no setor de energia eltrica e ilumi-
nao.
11. O padro de acumulao, seguindo-se particularmente Tavares (1975), refl ete as con-
dies objetiva e historicamente determinadas de acumulao de capital da economia.
O seu entendimento requer a identifi cao das relaes bsicas entre a estrutura da
produo e repartio da renda. Objetivamente, at 1914 a acumulao de capital da
economia encontrava-se diretamente associada aos resultados obtidos pelo setor cafeei-
ro. No entanto, para compreenso efetiva do padro de acumulao necessrio levar
em conta a estrutura fundiria brasileira e o elevado grau de concentrao da renda.
Dessa forma, a concentrao dos IDEs em atividades de servios bsicos ligados ao setor
agroexportador cafeeiro observada para o perodo justifi cada pela predominncia das
atividades ligadas ao setor na acumulao de capital da economia.
12. Em grande medida, a concentrao dos IDEs no ramo de servios pblicos deve-se ao
peso dos investimentos da Ligth canadense, o que refora a reduzida importncia desta-
cada dos investimentos diretos externos de origem estadunidense nesse perodo da in-
dustrializao brasileira.
13. Esses dados foram retirados da Separata do Boletim do Banco Central do Brasil de 1979.
Os valores referem-se ao total dos investimentos e reinvestimentos estrangeiros na eco-
nomia brasileira e as moedas encontram-se convertidas em US$ s paridades vigentes
em 30.6.1979.
14. Utiliza-se aqui a proposta de agregao setorial elaborada por Canuto (1994).
15. Qumica, mecnica, material eltrico e de transporte.
16. Alimentos, bebidas e fumo, txtil, couro, vesturio e calados, papel e artigos para im-
presso, produtos primrios e fabricao de metais.
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