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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
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Imagens da mobilização: os desenhos da imprensa do PCB e a insurreição
comunista de 1935
Rodrigo Rodriguez Tavares. 1
RESUMO
A historiografia analisa a insurreição comunista de 1935 de diversos pontos de vista:
estratégias da insurreição, a viabilidade do movimento, a primazia da participação estrangeira
ou nacional, a repressão ao movimento, as conseqüências políticas do fato, a memória
construída sobre 1935, os diferentes pontos de vista sobre o levante, a concepção militarista
do evento, o papel das lideranças, entre outros temas.
Já as imagens publicadas na imprensa comunista, especialmente como estratégia de
mobilização e construção ideológica, foram relegadas ao segundo plano. A pesquisa abarcou
uma amostra dos principais jornais e de alguns panfletos do período que antecede a
insurreição comunista de 1935 com o objetivo de analisar os desenhos políticos que buscam
mobilizar o leitor para a “ação revolucionária”.
A pesquisa constituiu uma série de imagens, sem qualquer tentativa de ser exaustiva,
que serve de fonte para a discussão dos temas tradicionalmente abordados pela historiografia
do evento. A pesquisa ressalta a importância das imagens na mobilização para a ação em 1935
e o papel militarizado e tenentista da concepção do levante.
Palavras-chave: Insurreição; Comunismo; Partido Comunista Brasileiro
ABSTRACT
The historiography analyzes the communist uprising of 1935 from several viewpoints:
the insurgency strategies, the viability of the movement, the primacy of national or foreign
participation, the repression of the movement, the political consequences of the fact, the
memory built over 1935, different views on the uprising, the militaristic conception of the
event, the role of leadership, among other topics.
The images published in the communist press, especially as a strategy of mobilization
and ideological construction, were relegated to the background. This research encompassed a
1Doutor em História. Docente da Universidade Federal do Paraná. E-mail. [email protected]
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sample of major newspapers and some pamphlets of the period before the communist uprising
of 1935 with the objective of analyze the drawings that seek to mobilize the readeres for
"revolutionary action".
The study consisted of a series of images, without any attempt to be exhaustive, used
as a source for discussion of issues traditionally addressed by the historiography of the event.
The research highlights the importance of images in mobilizing for action in 1935 and the role
of the tenentista in the militarized conception of the uprising.
Keywords: Insurrection; Communism; Brazilian Communist Party
A insurreição comunista de 1935 foi uma experiência única no contexto do
desenvolvimento do movimento comunista internacional. Em um cenário em que a luta contra
a ascensão do nazismo e do fascismo era a grande batalha do comunismo no nível mundial, o
PCB tenta tomar o poder após o avanço considerável da Aliança Nacional Libertadora (ANL).
A palavra de ordem de Luis Carlos Prestes, “Todo o Poder a ANL”, levou ao
fechamento da mesma, ao aumento da repressão governamental sobre a esquerda e á própria
insurreição pela tomada do poder. Desde então, o evento tem sido objeto de debate pela
historiografia, com implicações mais ou menos evidentes nos desdobramentos posteriores da
história do Brasil. Como todo movimento revolucionário ou insurrecional, parte expressiva
dos arranjos estratégicos e dos métodos de ação ficam nos subterrâneos. A historiografia tem
feito avanços consideráveis em destrinchar as motivações, os planos e consequências da
insurreição de 1935.
Dentre as várias questões de debate e abordagens feitas, podemos destacar três
trabalhos sobre o evento que sintetizam a questão fundamental, o grau de participação da
URSS no levante. Evidentemente, esse é um debate que repercute em outro debate
importante, o sobre o golpe de 1964. Quanto maior a percepção do papel da URSS no levante
em 1935, mais o sentimento de que em 1964 os comunistas estariam ainda mais próximos do
poder, ainda mais fortes que 30 anos antes.
A grosso modo, poderíamos dizer que Marly Vianna (VIANNA, 1992) é a historiadora
que mais se aprofundou na pesquisa das motivações nacionais para o levante, tentando
entender as diferentes concepções entre PCB e ANL. Vianna tem passado de militância no
partido e teve um familiar envolvido no movimento de 1935, e acaba por descarregar nos
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tenentes e no partido comunista a parcela maior pela ação em 1935, minimizando o papel
soviético. Já o jornalista
partir de pesquisas na URSS, tenta mostrar
1935, essa irracionalidade tentava de maneira bastante direta, influir nos destinos do Brasil.
Paulo Sergio Pinheiro (PINHEIRO, 1992)
e tenentismo, movimento comunista local e internacional estão presentes no levante.
O rápido esboço, que foi feito com mais detalhes por (
introduzir um aspecto que parece negligenciado, o papel das imagens na mobilização para a
insurreição de 1935. Quais as relações hierárquicas estabelecidas entre marinheiros,
operários e camponeses na iconografia da década de 1930.
No O Proletário de 9 de junho de 1931 aparece um desenho simples em que cada
trabalhador está num cenário que remete ao seu contexto, cidade/fábricas e campo/árvores
é o camponês que pergunta sobre opressão ao citadino, que sabe a resposta. Há uma imagem
simbólica sobre a visão do trabalhador do campo na ótica do PCB no
outubro de 1934. Convém lembrar que, em 1934/1935, foram muitas as manifestações
operárias, graças à flexibilização política decorrente da Assembleia Constituinte, e, também, à
polarização em torno da luta antifascista. O desenho conclama a uma frente única de luta,
O proletário . São Paulo, 9 de junho de 1931.
Jornal do Povo. Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1934.
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comunista a parcela maior pela ação em 1935, minimizando o papel
o jornalista William Waack (WAACK,1992) caminha na direção oposta e, a
partir de pesquisas na URSS, tenta mostrar toda a irracionalidade do stalinismo e como, em
racionalidade tentava de maneira bastante direta, influir nos destinos do Brasil.
(PINHEIRO, 1992)fica num caminho intermediário, em que stalinismo
e tenentismo, movimento comunista local e internacional estão presentes no levante.
O rápido esboço, que foi feito com mais detalhes por (SILVA, 1995
introduzir um aspecto que parece negligenciado, o papel das imagens na mobilização para a
insurreição de 1935. Quais as relações hierárquicas estabelecidas entre marinheiros,
operários e camponeses na iconografia da década de 1930.
de 9 de junho de 1931 aparece um desenho simples em que cada
trabalhador está num cenário que remete ao seu contexto, cidade/fábricas e campo/árvores
rgunta sobre opressão ao citadino, que sabe a resposta. Há uma imagem
simbólica sobre a visão do trabalhador do campo na ótica do PCB no Jornal do Povo
outubro de 1934. Convém lembrar que, em 1934/1935, foram muitas as manifestações
ças à flexibilização política decorrente da Assembleia Constituinte, e, também, à
polarização em torno da luta antifascista. O desenho conclama a uma frente única de luta,
. São Paulo, 9 de junho de 1931.
Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1934.
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comunista a parcela maior pela ação em 1935, minimizando o papel
caminha na direção oposta e, a
toda a irracionalidade do stalinismo e como, em
racionalidade tentava de maneira bastante direta, influir nos destinos do Brasil.
fica num caminho intermediário, em que stalinismo
e tenentismo, movimento comunista local e internacional estão presentes no levante.
SILVA, 1995), serve para
introduzir um aspecto que parece negligenciado, o papel das imagens na mobilização para a
insurreição de 1935. Quais as relações hierárquicas estabelecidas entre marinheiros, soldados,
de 9 de junho de 1931 aparece um desenho simples em que cada
trabalhador está num cenário que remete ao seu contexto, cidade/fábricas e campo/árvores. E
rgunta sobre opressão ao citadino, que sabe a resposta. Há uma imagem
Jornal do Povo de 12 de
outubro de 1934. Convém lembrar que, em 1934/1935, foram muitas as manifestações
ças à flexibilização política decorrente da Assembleia Constituinte, e, também, à
polarização em torno da luta antifascista. O desenho conclama a uma frente única de luta,
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delimitada por meio dos personagens que deveriam participar da revolução e das batalhas
políticas daquele período: um trabalhador de boina e martelo, um soldado, um marinheiro e
atrás, quase sem ser visto, um trabalhador agrícola com a enxada.
A disposição dos personagens demonstra a hierarquia entre eles, a importância do
papel que cada um representa naquele determinado momento, o que coloca o trabalhador
agrícola num papel secundário. Não é ele que vem a frente guiando a ação. Também é
significativa a construção da imagem do trabalhador agrícola com a enxada, presente ainda
em desenhos anteriores. Esse instrumento de trabalho dá um toque maior de veracidade, pois
era a ferramenta mais utilizada no campo, ainda mais pelas culturas típicas do Brasil, que não
inclui o trigo, permanentemente associado à foicinha. O próprio fato do trabalhador agrícola
não utilizar a foicinha dá, ao leitor familiarizado com os signos comunistas, a impressão de
que ele não é peça chave na revolução, que não está preparado para ela, não pode ser
associado ao martelo para recriar o símbolo revolucionário máximo.
Vale destacar que o próprio cenário é citadino, com um grande número de fábricas
fumegantes em pleno funcionamento e, portanto, com uma grande massa de trabalhadores em
ação. O mesmo destaque dado ao grupo de marinheiros, soldados e operários, em detrimento
do camponês, aparece na capa do jornal Soldado Vermelho de julho de 1932. Embora
pudéssemos argumentar que o foco eram as forças armadas, o próprio texto ao lado conclama
“soldados e marinheiros, operários e camponeses”, sendo os últimos omitidos do desenho. Os
camponeses aparecem então na página interna do periódico, caminhando ao lado de
marinheiros, operários e soldados, segurando as enxadas.
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Este desenho também permite inserirmos a visão sobre os militares, pois nele se faz
evidente a primazia da aliança soldado/operário para definir os rumos de uma revolução no
Brasil. União prioritária porque são eles que fecham o acordo com um aperto de mãos,
enquanto, ao lado, em menor destaque, surge o marinheiro, outro representante das forças
armadas. Esse gesto de selar o acordo, de mostrar união e comprometimento, também
apareceu no Jornal do Povo, já citado. Nessa construção iconográfica, a revolução no Brasil
se faria com espingarda e martelo, soldado e operário, e não foicinha e martelo, como na
simbologia clássica da Revolução Russa.
Nesse sentido, a revolução brasileira ganha um componente simbólico mais
militarizado do que a aliança camponês/operário. Esta última era formada por instrumentos de
trabalho, enquanto as “ferramentas” utilizadas pelos militares são também armas de fogo, um
indicativo da ideia de assalto ao poder, a tomada do governo pela força das armas.
A construção desse dueto entre soldado e trabalhador urbano esbarra no fato de os
conflitos de classe acabarem sendo resolvidos, eventualmente, pelos soldados das diferentes
corporações da repressão. Um panfleto de 1931 pedia aos militares que não reprimissem as
manifestações operárias, mostrando um soldado e um trabalhador, espingarda e martelo,
dando as mãos em forma de união. O partido publica desenhos que mostram a repressão aos
trabalhadores, mas que buscam “inocentar” ou “suavizar” a ação dos soldados. O Jovem
Proletário de novembro de 1932 publica desenho de um assassinato de um tecelão. O soldado
que executa o disparo está a mando de dois burgueses que tentam corrompê-lo e praticamente
o levam a executar o disparo. Um dos personagens coloca a mão no ombro, enquanto o outro,
segurando um saco de dinheiro, dá a impressão de levantar o braço do soldado. Se a imagem
não parece explícita, no mesmo exemplar, um soldado é empurrado por um burguês raivoso e
sequer olha o trabalhador, que é ameaçado com o fuzil, uma mostra clara de que não o que
anseia. O trabalhador não se afugenta e, com um martelo na mão e ameaçado por um fuzil na
barriga, clama para que o soldado direcione a arma para o burguês.
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O ápice dos conflitos de rua no período ocorreu na batalha da Sé em 7 de outubro de
1934 e o Jornal do Povo de dois dias depois publica um desenho sobre o tumulto.
Personagens operários, integralistas, policiais e cavalos estão misturados e comunistas ou
aliancistas não aparecem, algo comum na representação comunista, como veremos. O
Jornal do Povo. Rio de Janeiro de 9 de outubro de 1934.
Jovem Proletário . Novembro de 1932.
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intertítulo logo acima, “Os soldados confraternizam”, afirma que os soldados do exército
convocados para massacrar acabaram por celebrar com os irmãos trabalhadores: assim, o
soldado que reprime com o cavalo e cassetete e o outro que atira teriam como alvo os
integralistas.
Dessa aliança militares/operários para a revolução brasileira, que libertará o Brasil do
jugo estrangeiro, do imperialismo explorador, o trabalhador urbano é a base. Embora o
operário urbano seja o sujeito ideal da ação comunista, é a construção da aliança entre
operários e soldados que ganha destaque, especialmente com o surgimento da Aliança
Nacional Libertadora e adesão de setores militares a ela, desembocando no levante de 1935.
Um dos jornais que auxilia nessa construção iconográfica é o Terceira República, cujo nome
sugestivo poderia fazer referência ao terceiro período das revoltas tenentistas ou ao da crise
do capitalismo, quando se esperava a tomada do poder pela esquerda em todo o mundo.
Os desenhos do periódico dão ênfase aos militares e, em 5 de julho de 1935,
aniversário da revolta tenentista dos 18 do forte em 1922, o jornal publica um desenho
baseado na famosa foto dos rebeldes caminhando pela praia de Copacabana. A legenda “...
eles morreram para que nós não recuássemos” tenta mostrar não só que os soldados eram os
sujeitos que deveriam agir em prol da “Terceira República”, imitando o que fizeram os
rebeldes de 1922, mas também a quem os leitores deveriam seguir e dar a vida se necessário.
Ao fundo parecem seguidos pela massa popular.
Na mesma edição, a massa protesta segurando a bandeira da “Terceira República”
enquanto a matéria acima afirma que a “revolução social avança pelo mundo” e, abaixo, os
títulos “Comunismo...” e “Socialismo...”, colocam o retrato de Prestes e Pedro Ernesto,
prefeito do Rio de Janeiro, sede do jornal e capital do país.
Na imagem em que seguram a bandeira da “Terceira República”, todos estão com o
punho fechado, o que demonstra a união máxima da massa, caminhando com o mesmo
objetivo. Importante ressaltar, novamente, o papel de destaque dado aos militares; em
primeiro plano, vemos marinheiros, soldados e policiais, reforçando o apelo para os
tenentistas participarem das manifestações. A massa é quase toda masculina; aparece uma
única mulher na multidão. O que demonstra não só a crença no caráter violento da revolução,
mas também, a menor importância das mulheres, ainda sem direito ao voto. O título do
desenho é significativo “No Brasil há de haver liberdade conquistada na rua, por nós...”.
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Aqui entra a questão fundamental do líder, do herói para as revoluções, como
destacado por Paulo Sérgio Pinheiro (PINHEIRO, 1991). Na iconografia sobre a Revolução
Russa, havia Lênin, mas no Brasil ninguém era reconhecido no país inteiro como líder dos
trabalhadores, alguém que pudesse guiar a massa rumo à revolução brasileira. A questão da
liderança é fundamental e, como o exemplo soviético era muito forte, o “fazer como na
Rússia” não poderia padecer da ausência de alguém que, desenhado na imprensa comunista,
pudesse ser reconhecido pelos trabalhadores do Brasil como um líder.
Terceira República. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1935.
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Na campanha do Bloco Operário e Camponês, por exemplo, os rostos dos candidatos
aparecem individualmente, mas em desenhos com a massa de trabalhadores não havia um
líder para guiá-la. Esse papel fundamental ficará a cargo de Prestes, construído para ser a
imagem que lideraria camponeses, negros, trabalhadores e soldados rumo à revolução sob a
plataforma da ANL.
Para abordar a construção da figura de Prestes é preciso retroceder um pouco na
trajetória, pois o líder tenentista só entrou efetivamente no PCB em 1934. A vida de Prestes
passa a influenciar a cena nacional a partir do momento em que ele comanda destacamento
militar pelo interior do Brasil na chamada Coluna Prestes, percorrendo diversos estados e
evitando o confronto com as tropas governistas. Após o exílio, seu nome ganha dimensão
nacional, o que inicia uma série de encontros e desencontros com o PCB.
Embora Prestes só tenha entrado no partido em 1934 e, mesmo assim, por imposição
da Internacional Comunista, o jornal tenentista A Esquerda, que não se apresentava como
comunista e não utiliza as palavras de ordem do PCB, mostra certa aproximação de setores
ligados ao partido com Prestes. O diretor do jornal, Pedro Mota Lima, membro “secreto” do
partido, arrumou uma credencial de repórter para Astrogildo Pereira entrevistar Prestes na
Bolívia e é Mota Lima que comanda o jornal A Manhã durante a insurreição comunista de
1935. A Esquerda pode ser visto como parte do jogo de aproximação e distanciamento que
marcaram o relacionamento do “Cavaleiro da Esperança” com os comunistas.
O periódico abre espaço para uma cobertura positiva de Prestes, em um processo que
acaba por construir a figura de um herói. O A Esquerda criou o “Dia do Cavaleiro da
Esperança”, dando o epíteto que marcou Prestes por toda a vida. Isso num período em que o
PCB estava em busca de um herói para a revolução brasileira, tanto política como
visualmente.
Para moldar essa figura heroica, o jornal A Esquerda exaltava Prestes e o colocava,
literalmente, no panteão dos “heróis nacionais”, como consta na reportagem “O soldado é da
pátria e não dos reis!” de 21 de abril de 1928. Na qual a relação espacial entre texto e imagem
ajuda a construir o sentido: há um grande desenho de Tiradentes acima e ao centro; já abaixo
e a esquerda uma imagem menor de Marechal Deodoro da Fonseca e a direita uma de Luis
Carlos Prestes.
Embora não haja menção ao PCB, o processo para tornar Prestes um líder nacional,
algo do interesse político e “visual” do Partido Comunista, aparece de maneira bem clara. A
disposição dos desenhos de maneira triangular faz referência à bandeira da Inconfidência
Mineira e une os três personagens na luta pela “liberdade ainda que tardia”. Essa união pode
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resvalar, ainda, no ideário cristão, pois o texto fala em “trindade da redenção”. A barba mais
branca de Deodoro, Deus-pai; a juventude de Prestes, Deus-filho e Tiradentes o Espírito
Santo. Para o jornal“... a trindade da redenção. Tiradentes, soldado da Independência, assim
como Deodoro o foi da República e Prestes o é da Democracia liberal”.
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A Esquerda. Rio de Janeiro, 21 de abril de 1928.
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A Esquerda afirmava, ainda, que “Prestes é “o soldado da Democracia, o terceiro
gigante da trilogia heroica, que exalçou (sic), em três píncaros, a história da nossa vida
política”. O periódico elevava Prestes a condição de herói nacional, faltavam ainda alguns
ajustes para que o Cavaleiro da Esperança pudesse assumir o posto de líder da revolução
brasileira, o que acontecerá na próxima década, como veremos. Também vale destacar que o
jovem Prestes retratado nessas imagens está de terno e gravata, e não vestido como militar,
como ficou conhecido depois do périplo da Coluna.
Se nesse momento, ocorre a primeira tentativa de aproximação entre Prestes e setores
comunistas na iconografia, os próximos lances de aproximação ocorrem com a viagem dele
para a URSS onde permaneceu até voltar ao Brasil já como líder do partido e coordenador da
insurreição de 1935. A entrada no PCB ocorreu em 1934, em um contexto de Frente Popular,
o partido abria-se para a participação de várias tendências do movimento operário e demais
classes sociais na luta contra o nazifascismo crescente, representado no país pela Ação
Integralista Brasileira de Plínio Salgado.
Dentro desse confronto entre AIB e ANL, o jornal A Marcha de16 de outubro de 1935
publica um desenho que ajuda a compreender o contexto da época. A imagem mostra a
invasão imperialista do Brasil por cinco personagens: inglês, americano, japonês, alemão e
italiano. A representação do território brasileiro se concentra no lado leste, o extenso litoral
A Marcha . Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1935.
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destacado em negrito, mostrando nossa vulnerabilidade ao imperialismo.
Os invasores entram de sola, pisando no país. Interessante, novamente, a base ser o
Sul do país, onde o trabalhador finca os pés contra a ameaça. Possivelmente por esta ser a
disposição tradicional do território brasileiro, por este Estado ter uma base mais curta e,
portanto, ser menor a ameaça visível e, embora a Argentina seja um rival importante na Bacia
do Prata, objeto de interesses conflituosos desde o período colonial, é o nordeste de costas
litorâneas largas e maior proximidade dos países europeus ou dos EUA que é destacado nessa
iconografia. Mesmo porque a imprensa comunista não queria acirrar rivalidades
latinoamericanas.
Com relação aos personagens, há uma oposição dentro do território nacional entre o
trabalhador e integralista. Em vez da oposição entre ANL e AIB, aqui a tentativa é fazer um
contraponto entre trabalhador versus integralismo e imperialismos; os desenhistas não criaram
um personagem para representar a ANL ou o PCB. Importante aspecto, pois o PCB quer
passar a impressão que retrata justamente os anseios mais profundos da população, dos
trabalhadores, e não do partido. Merece atenção o fato do inimigo do trabalhador e, portanto,
do país, no plano interno, ser o integralista, e não o burguês. A burguesia nacional não parece
ser vista como aliada do imperialismo nesse momento.
Pelo tamanho dos personagens também vemos quem tem mais força, e o fato do
trabalhador ter o corpo nu reforça o comprometimento com o território, enquanto a
indumentária do integralista além coloca-o mais protegido e preso a uma ideologia, e não aos
interesses nacionais. O gestual de ambos é claramente oposto: o integralista, inspirado em
Plínio Salgado, é considerado o inimigo interno, um traidor da pátria, já que convida os
estrangeiros a adentrar e dobra-se a eles, pois os joelhos estão flexionados.
Quanto ao trabalhador brasileiro, e não o comunista ou o aliancista, o fato de estar sem
camisa, num mapa do Brasil, é provavelmente uma estratégia para tentar associar o corpo do
trabalhador ao “corpo” da nação, que reage a essa invasão. De certa maneira, o procedimento
de associar mapa/trabalhador sem camisa transparece a intenção de associar a “invasão
imperialista” do Brasil como uma agressão ao próprio trabalhador. Uma disputa
desproporcional tendo em vista que são vários os “imperialismos” que invadem o país e ainda
tem como apoio aviões e navios. Correlata a essa visão, seria a ideia de enfrentar os inimigos
de “peito aberto”, de tronco nu, disposto a derramar o próprio sangue, daí a simbologia do
punho em riste. O conflito, nesse período de mobilização, poderia acarretar no confronto
físico, no derramamento de sangue, na morte, ainda que sangue raramente apareça.
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Nesse ambiente de disputa de peito aberto entre os trabalhadores e o integralismo,
aliado interno do imperialismo estrangeiro, é que a figura de Prestes adentra como líder.
Como presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora, Prestes aparece desenhado em
um panfleto, provavelmente de 1935, de propaganda da ANL, que tinha como lema “Pão,
Terra e Liberdade”. “Terra” está impressa no território brasileiro, que serve de base para um
forte camponês gigante segurar a enxada e a espingarda: era a conclamação para a luta, um
camponês em prontidão para a insurreição a caminho. Não bastava o instrumento de trabalho,
a arma era fundamental nesse momento político.
Panfleto. [1935] Pront. 1110. Panfletos e Boletins Subversivos. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Vale ressaltar a enxada, e não da foicinha, na caracterização do camponês, como
destacamos, já que ela se aproxima mais da realidade nacional, mas também se afasta do
simbolismo clássico da Revolução Russa. Para aumentar o elo entre o corpo do camponês e a
terra que pretende defender, sua propriedade ou seu país, já que as pernas contemplam todo o
território nacional, ele aparece descalço. Assim, há uma associação entre seu corpo e o
“corpo” da nação: ao representar a nação, o país, um ataque a ele seria um ataque ao país, e
vice-versa. Essa associação corpo ‘, corpo do trabalhador ou do brasileiro tem continuidade na
iconografia comunista.
O panfleto tem ainda dois desenhos: para representar o Pão, personagens comendo
tendo ao fundo uma fábrica em pleno funcionamento, que garante o pão dentro de casa;
representando a Liberdade, um homem com rompendo a prisão dos operários; e, mais
importante para o que analisamos aqui, no comando do lema formado pelas três figuras
aparece Prestes. Dessa vez, vestido sem terno e gravata, e sim com o traje característico da
Coluna Prestes, senha para o apoio dos militares.
No momento agudo da insurreição comunista de 1935, quando soldados já tinham
começado o levante em Natal, Pedro Mota Lima, o mesmo jornalista do A Esquerda,
comandava o periódico da ANL no Rio de Janeiro, A Manhã. Na capa do dia 27 de novembro
de 1937 estava estampada a figura de Prestes, caracterizado como militar, como o comandante
da insurreição.
Assim, o papel de liderança de Prestes frente aos trabalhadores brasileiros,
especialmente os urbanos, era construir uma aliança com os soldados, ex-companheiros de
coluna, para fazer a revolução brasileira. Embora a revolução de 1935 devesse ter o apoio de
todos, ela é entendida como uma forma de varrer a ameaça do imperialismo estrangeiro do
corpo do trabalhador/território nacional, ambos ameaçados pela conivência dos integralistas.
O resultado do fracasso da revolução foi o desencadeamento de uma feroz repressão, que se
completou com o golpe de 1937 e a ditadura do Estado Novo, com o partido só voltando a
influir decididamente na política nacional partir de 1945.
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Referências bibliográficas
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