História da áfrica epopeia à lusitana escravidão em cabo verde e angola
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
EPOPEIA À LUSITANA: ESCRAVIDÃO EM CABO VERDE E ANGOLA
MARCELO TAVARES DOS SANTOS
SÃO PAULO
2012
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
EPOPEIA À LUSITANA: ESCRAVIDÃO EM CABO VERDE E ANGOLA
Trabalho apresentado na disciplina História da África, sob a orientação da Profa. Dra. Marina de Mello e Souza
SÃO PAULO
2012
Sumário
Introdução............................................................................................................3
Desenvolvimento.................................................................................................4
Considerações finais..........................................................................................21
Referências........................................................................................................22
Introdução
Apresentaremos aqui a forma que ocorreu a colonização portuguesa nos
territórios hoje considerados Cabo Verde e Angola e sua relação com o
comércio de escravos, do século XV aos primórdios do XIX.
O presente trabalho é importante para compreendermos de melhor
modo como se deu a expansão lusitana em África.
Deve servir para aqueles que desejam se aprofundar em História da
África.
Inicialmente, exporemos um panorama sobre a escravidão em geral.
Depois, nós abordaremos o assunto proposto, e finalizaremos com as nossas
considerações.
Desenvolvimento
Em “Política” e “Ética a Nicômano”, Aristóteles discorre o que pensa
acerca da escravidão. Para ele, a condição de escravo é natural e é bom para
certas classes de humanos viver desta forma. A instituição da escravidão
assegura as necessidades de vida a outros. Autoridade e submissão são
condições inevitáveis e essenciais para uma boa vida em família, a qual faz
parte da pólis. A relação entre senhor e escravo é mutuamente benéfica. O
famoso filósofo não entendia a escravidão como uma convenção, dependente
da coação física.
Sempre quando se fala em escravidão, temos que lembrar certos
aspectos comuns: a força bruta era usada à vontade, a força de trabalho do
escravo tinha que estar à mercê de seu dono. Os escravos eram mercadorias,
por isso poderiam ser comprados e vendidos. Nas sociedades escravocratas, a
liberdade deveria estar na posse da elite, enquanto os escravos tinham apenas
obrigações. As capacidades reprodutivas dos submissos podiam ser reprimidas
quando formavam um contingente indesejado. Os laços afetivos podiam ser
desfeitos sumariamente.
As formas mais complexas de escravidão foram aquelas que levaram os
cativos para os locais mais distantes de suas origens. A percepção de que eles
eram forasteiros era acentuada. A formação social da sociedade escravocrata
que aqui examinamos não conseguia sua própria manutenção. O
reabastecimento da população cativa era contínuo, em virtude da vida bastante
curta.
Para Lovejoy (2002, p. 40), “modo de produção” enfatiza “a relação entre
a organização social e o processo produtivo, por um lado, e os meios pelos
quais essa relação é mantida, por outro” e envolve conjuntamente estado,
economia e sociedade. A descoberta da América alterou profundamente a vida
africana até então, tornando a escravidão fundamental. Os cativos estavam
presentes em setores fundamentais da economia, a relação social era gerida
pela diferenciação entre livres e escravos, e instrumentos políticos tinham que
assegurar essas relações. Uma parcela importante da renda dos senhores
estava relacionada com o trabalho negreiro.
Na primeira parte do século XV, os portugueses estavam no continente
africano, à procura de caminhos para as especiarias das Índias e também para
o ouro. Muçulmanos impediam a movimentação lusitana no caminho
transaariano; os genoveses estavam nas ilhas do mar Mediterrâneo.
Alternativas foram criadas: caravelas começam a deixar Portugal,
percorrendo o litoral ocidental africano. Batalhas aparecem e com elas o
aprisionamento dos negros que foram derrotados. Percebeu-se que tais ações
bélicas causavam problemas de relacionamento com os povos ali presentes.
Assim, optou-se pelo câmbio de escravos por mercadorias. Deixou-se que a
captura fosse feita pelos próprios africanos. Na década de quarenta, o Infante
Dom Henrique incentiva as aventuras em África e concede licenças para
negociantes. Dinis Dias vai além do rio Senegal. Antão Gonçalves já troca
escravos por mercadorias. Algumas etnias tentaram resistir, mas se vendo
incapazes diante da opressão branca, optaram por acordos. Os primeiros
cativos eram levados à Europa para lá serem comercializados.
Os europeus se utilizaram de estratégias para o acirramento de guerras,
como o fornecimento de armas entre etnias vizinhas com a promessa da troca
futura por escravos. Levaram também novidades materiais, já inutilizadas no
Velho Continente, a fim de apresentá-las como uma forma da manutenção da
vaidade pessoal.
Não se pode esquecer que antes dos europeus já existia escravidão:
prisioneiros frutos das guerras que envolviam os diversos reinos no continente
africano, bem como criminosos, endividados e mulheres consideradas bruxas.
No entanto, o uso não era para fins comerciais, mas para uso doméstico,
tornando-se possível a integração dos escravos aos seus donos. Podiam virar
funcionários públicos: cobrar impostos e ter funções de guarda real. O
surgimento dos europeus permitiu que a escravidão tivesse outra dinâmica,
com a crescente exportação dos negros para a Europa e América.
Quando os europeus chegaram, a troca por cativos era realizada por
panos e em especial por cavalos. Os jalofos, que circundavam o rio Senegal,
mandingas e fulas, utilizavam-se de tais animais para viagens, guerras e
“status” social. No começo um cavalo podia comprar trinta escravos. Com a
expansão do tráfico, o escravo foi se tornando mercadoria cada vez mais cara.
O tempo das viagens, as epidemias que podiam surgir, e os fretes
influenciavam o preço deles.
O comércio de escravos podia ser feito em território, mas também em
alto-mar. Os mandatários locais chegavam a ser recebidos nas embarcações,
para as discussões dos negócios. No território, os navios das companhias
europeias paravam nas regiões de fortificações, onde as mercadorias eram
estocadas. Também se organizavam feiras que eram acordadas com as etnias
amigas. As que pertenciam às caravanas entregavam os escravos aos agentes
de tais construções. Os agentes comercializam com os barcos, que podiam
percorrer diversos pontos da costa até ficarem cheios. Na antiga Costa do
Ouro, atual Gana, acredita-se que mais de dez mil seres humanos podiam ser
guardados, em condições nada higiênicas. O embarque dos negros era o
momento de maior tensão, em virtude da possibilidade de fuga das
mercadorias. O armazenamento podia durar semanas.
Nas embarcações destinadas aos escravos, havia a cozinha, onde
ficavam as mulheres que faziam o cardápio local. O milho, a banana, a pimenta
estavam entre os mais consumidos. O castelo de poupa era um lugar destinado
aos europeus e seus eventuais convidados. Nas escotilhas, o embarque e
desembarque dos cativos eram realizados. O porão era o lugar onde os negros
eram jogados à própria sorte, separando-se homens e mulheres. Havia vigia
por todos os lados, a fim de proibir que os negros reconquistassem sua
liberdade e que atentassem contra a vida dos brancos.
Às nove horas, os cativos eram acordados para a alimentação matinal.
Depois, eles podiam fazer pequenos trabalhos ou se fazerem acompanhados
de música e dança. Ao final da tarde, ingeriam a sua segunda fonte de energia
e retornavam ao porão. A ausência de alimentação digna e o armazenamento
excessivo de pessoas geravam muitas doenças.
Na resistência africana, os cativos quando conseguiam fugir ainda em
território, encontravam locais em que se asilavam muitas vezes desprovidos de
alimentação farta. Os chefes locais podiam ter resistência em asilar os negros
fugidos, com medo de possíveis sanções por parte dos europeus. Em Angola, a
presença de diversos europeus ali já instalados, que muitas vezes disputavam
entre si a dominação territorial ou a atividade corsária, facilitou a rebelião dos
escravos.
Há denúncias de que funcionários públicos e religiosos participavam de
contrabando de escravos e mercadorias. Nas licenças de compra e de
transporte de cativos a quantidade era estipulada. Esse número era geralmente
desrespeitado, embarcando-se um contingente maior, utilizando-se do
estrategema da falsa declaração de falecimento. A fazenda pública era lesada.
No século XVIII, o comércio de armas, tais como facas, pistolas,
espingardas, ganha espaço. A Inglaterra começa a pressionar as outras nações
contra o tráfico de escravos. No século seguinte, ela conseguiu acordos de
cooperação com Portugal e Espanha para o combate à escravidão. As classes
sociais interessadas na manutenção da escravidão faziam pressões sobre os
governos. A Coroa portuguesa solicitava o duro combate aos conselhos
ultramarinos.
A escravização em África e a escravidão na América mantinham laços
que começaram a ser rompidos. A chegada de ideias europeias libertadoras ao
continente americano desfez a necessidade de caça aos negros, sendo que
eles começaram a ser utilizados nas cadeias produtivas e forças militares em
África.
Cabo Verde
As ilhas de Santiago, Fogo, Maio, Boa Vista e Sal formam o arquipélago
descoberto, em 1460, durante o governo de Infante Dom Henrique. Dois anos
depois, D. Afonso V as doa para António de Noli.
Figura 1. As ilhas de Cabo Verde. Fonte: FERNANDES, Antero da Conceição Monteiro. Guiné-Bissau e Cabo Verde: da unidade à separação, 2007, p. 137. Tese (Mestrado em Estudos Africanos) – Faculdade de Letras. Universidade do Porto, Porto.
Começou-se o povoamento por Santiago para dar continuidade às
navegações em direção ao sul e ao comércio no continente. No final da
década, a Coroa, aparentemente, não possuía condições financeiras para arcar
as despesas da colonização, sendo assim, foi feito um contrato de
arrendamento dos regates e tratos a terceiros com o cidadão honrado de nome
Fernão Gomes. Nas áreas de arrendamento, para se resgatar escravos era
necessário a compra de licença. Em 1472, foi lavrado um documento
permitindo que os moradores vendessem seus escravos serviçais e
mercadorias provenientes de suas lavouras em regiões não compreendidas
pela Coroa, desde que pagassem o “quarto”. Os navios para o escambo
deviam ser de propriedade dos moradores. A parceria com estrangeiros era
proibida. Essas limitações e outras impostas permitiram que os moradores
estivessem à margem da lei e que surgissem rusgas entre moradores e
Estado. Como exemplo disso, citamos as “mercadorias defesas” que só podiam
ser importadas pelo monarca e distribuídas pelos contratadores, sob licença.
No começo, os brancos portugueses, nobres ou descendentes deles, se
viram obrigados a importar da Guiné mão-de-obra a fim de explorar a
desconhecida terra. Com o passar do tempo, surgiram três grupos de cativos:
os boçais que eram os recém chegados e que se comunicavam em suas
línguas de origem; os landinos que chegaram a Santiago quando crianças e já
estavam mais adaptados ao trabalho, comunicando-se em português; e os
naturais, filhos de escravos, e que já nasceram em Cabo Verde. O número de
brancos nunca foi expressivo, mas a partir do século XVI a Coroa passou
enviar às ilhas os seres degredados, afastando-os da vida metropolitana.
Acredita-se que os primeiros negros a chegar eram os jalofos, do
Senegal. Temos os mandingas e os fulas, vindos da Guiné. Estipula-se também
que os negros banhuns, cassangas e buramos foram às ilhas de forma
espontânea.
Pouco tempo depois da descoberta, o arquipélago de Cabo Verde
começou a sofrer os primeiros ataques de corsários que buscavam alimentos
para abastecimento e mercadorias para a troca. Franceses, ingleses e
flamengos e, posteriormente, espanhóis tentaram tomar Santiago. Os escravos
e degredados se aproveitam da desorganização e fugiam para áreas mais altas
das ilhas, de difícil acesso, e que eram os melhores locais para defesa em
situações de invasão. Nesses montes, acabaram-se formando povoamentos de
pequenas casas, onde os alforriados também se instalavam. A atividade
corsária também dificultou as concentrações de moradias no litoral. A alta
frequência de estiagens fez com que escravos que lograssem fuga se
vendessem a navios de bandeira estrangeira.
Além de Santiago, a ilha de Fogo foi ganhando importância. As
atividades de agricultura (milho, legumes) e pecuária foram se intensificando. A
política de doação prosseguiu fazendo com que os donatários que exploravam
essas atividades ganhassem cada vez mais importância. A troca de produtos
oriundos do Velho Continente e da Ásia pelos de origem africana também
garantia o desenvolvimento.
Por volta de 1500, a venda de ferro aos negros é proibida, bem como a
entrada de latão e estanho em Cabo Verde. Visava-se diminuir a resistência
dos negros perante os homens da Europa. Dez anos mais tarde, a Coroa
obriga os montadores a transportarem os escravos diretamente para Lisboa, a
fim de que a partir daí seguissem o rumo certo, proibindo que antes
aportassem em outro lugar. Sentindo-se prejudicados, os moradores emitiram
documentos para a alteza. A condição de pobreza foi se instalando aos poucos.
Diante da frágil fiscalização, as imposições eram desobedecidas: os moradores
negociavam as “mercadorias defesas”, escravos e outros gêneros proibidos
com estrangeiros. Mesmo assim, o rei determinou que o resgate de cativos
fosse feito diretamente pela Coroa, e que não passassem sob o crivo de
arrendatários, nem tratadores.
Grupos descontentes que desobedeciam as ordens do rei não
demoraram a aparecer. Podemos falar dos “lançados” que eram formados por
brancos, mulatos e pretos forros e que exerciam atividades comerciais sem
licença oficial. O negro vindo do continente era adaptado às condições
inóspitas, levando para as ilhas seus costumes mágicos, estranhos ao modo
europeu de vida.
Da segunda década dos quinhentos começam a aparecer as primeiras
leis sobre o batismo de escravos. Com o aumento do volume do tráfico, as
primeiras divergências entre religiosos e negociantes surgem, pois o
estacionamento de embarcações nos portos para batismo comprometia as
atividades comerciais. Os donos dos navios alegavam urgência na saída e
pressionavam os padres, os quais se viam obrigados a fazerem o batismo de
forma coletiva. Entretanto, os negreiros perceberam logo as dificuldades de se
comunicarem com os cativos com grandes diversidades lingüísticas. A
catequese foi uma forma de ensinar os escravos a língua portuguesa, mesmo
que de forma rudimentar. Os religiosos se viam preocupados com o batismo
em massa, muitas vezes, feitos nos porões enquanto os escravos estavam
aprisionados. Esse descontentamento gerou críticas dos missionários em
relação à escravidão.
Também temos de destacar, paulatinamente, a presença de judeus ou
cristãos-novos, em virtude da perseguição religiosa na Península Ibérica. A
ação fora da lei destes aventureiros atrapalhou, em muito, o comércio oficial,
no entanto, ao se lançarem para a região da Guiné, eles ajudaram na difusão
de conhecimento das condições sociais e físicas do continente. Um sinal da
mestiçagem cultural é o surgimento da língua crioula, formada em menos de
cinquenta anos da descoberta de Cabo Verde e que servia de comunicação
também entre escravos de etnias diversas. Já nessa época, os escravos, cuja
grande maioria estava apenas em trânsito, eram exportados para Brasil,
Antilhas, Índias, Sevilha e outras partes. Uma pequena parte ali ficava junto
aos trabalhadores. Estipula-se que de Santiago chegou-se a sair no máximo
dois ou três navios para aprisionar cativos na Guiné por ano.
Por volta do século XVII, começam a surgir em Cabo Verde, Guiné e
Angola as aquisições de escravos com moedas, sobretudo as patacas de
Espanha, já que esta nação possuía grande acúmulo de metal, pois explorava
minas de prata do continente americano. Tais trocas com a utilização
pecuniária se davam entre mercadores ricos e estrangeiros. A grande massa
empobrecida realizava seus negócios utilizando-se de gêneros de vestuários e
de alimentação. A cotação da moeda espanhola era inflada na chegada de
navios.
Na época em que Portugal estava sob o domínio da Coroa de Espanha,
na tentativa de melhorar a economia local, um alvará foi feito estipulando que
as embarcações que iam para Guiné deveriam passar primeiramente em
Santiago. A Casa de Espanha tentou, em vão, diminuir a influência dos
portugueses no tráfico de escravos. Os lusitanos tinham melhor conhecimento
de portos e zonas de compra.
Em 1644, os navios que saiam do continente africano em direção ao
Brasil, não eram obrigados a irem até Cabo Verde. Em 1664, a política de
arrendamentos é substituída pela criação de companhias para comércio e
tráfico de escravos, a fim de compensar a excessiva regulamentação que
ajudou na decadência comercial da região: surgiu a Companhia da Costa de
Guiné, autorizada aos irmãos Lourenço de Pestana Martins e Manuel da Costa
Martins. Mais uma vez os naturais saíram em desvantagem: os preços dos
negros aumentaram e os representantes da Companhia pagavam o valor que
queriam sobre os produtos da terra. Em 1676, criou-se a Companhia de
Cacheu, rios e comércio de Guiné, mas desta vez, a Coroa impôs que a terça
parte da carga total fosse destinada aos produtos oriundos de Cabo Verde,
desde que não fossem os gêneros da Europa: vinhos, aguardente, ferro.
Diversas companhias, como a do Grão-Pará e Maranhão surgiram, mas de
pouco adiantaram.
No final dos seiscentos, o rei determinou a proibição de cativos que não
foram formalmente apresentados à fé cristã. Essa medida trouxe diminuição de
arrecadação à alfândega de Cabo Verde.
Por volta dos setecentos, os escravos comercializados em Cabo Verde
eram trocados por armas, aguardente e panos. No comércio interregional,
destaca-se o ferro e o sal. Para a Europa iam panos de cor anil, tinta feita a
partir de ervas da região. A situação da penúria se intensificava com secas
prolongadas e epidemias. Os navios que vinham de Lisboa foram ficando cada
vez mais raros, tornando os nativos cada vez mais dependentes das
embarcações de nações diversas. A metrópole não fornecia espécies
monetárias. A economia estava tão fragilizada que as cotações das moedas de
diversas nações estavam ao sabor dos proprietários de terras e dos
comerciantes. Os estrangeiros levavam suas bugigangas e as trocavam por
alimentos frescos. Os panos e algodão só saiam clandestinamente. Essa
situação durou até o século XIX.
Os indivíduos de sangue mais nobre foram desaparecendo, surgindo os
mestiços. Foi-se formando as classes: as dos senhores, as dos libertos (negros
ou mulatos) e a dos escravos. Os libertos se tornavam livres pelo nascimento
ou pela liberdade concedida pelos seus senhores, e, a partir do século XVIII, se
tornaram a maioria em Cabo Verde.
Foi no século XIX que se fez o primeiro recenseamento. A população
espalhada por locais altos e rochosos dificultou a contagem. Os senhores de
escravos não facilitavam os dados numéricos de escravos em virtude das
ideias abolicionistas. As ideias liberais trouxeram insurgências de autoridades
civis e de soldados. Em virtude dos maus tratos, os escravos se revoltavam,
tentando saquear casas e tomar posse das pequenas vilas. Eles eram
influenciados, muitas vezes, pelos degredados. Os trabalhadores livres
reclamavam da opressão exercida pelos seus patrões. A dificuldade econômica
que percorreu Cabo Verde desde a descoberta, fez com que os latifundiários,
gradualmente, tivessem que vender pequenas porções de terras aos homens
livres, diminuindo desta forma seu poder. Os negreiros das ilhas começaram
com a atividade clandestina para Cuba. As autoridades caboverdianas não
cooperaram facilmente com as europeias no combate ao tráfico.
Angola
Angola é formada por povos de línguas bantas e que geriam, antes dos
europeus, bovinos e cereais. Os lundas se expandiram pela caça de escravos.
A conquista de Angola pelos portugueses foi de extrema importância
para o tráfico de escravos. Essa região exportava para o Brasil, um número de
homens acima da média do continente. De fato, o tráfico gerou um
despovoamento de Angola e regiões próximas de forma surpreendente. Com a
presença portuguesa, as etnias originárias tiveram que mudar seus hábitos,
caracterizando a relação entre europeus e africanos pela dominação e
dependência. A briga entre Inglaterra e Espanha pelo Caribe também gerou
maior demanda negreira em Angola.
Em 1482, os portugueses chegaram à desembocadura do rio Zaire
(noroeste de Angola). Os chefes locais não aceitaram a postura branca e os
primeiros conflitos já surgiram.
Durante o século XVI, os portugueses foram hegemônicos no comércio
em Angola e região. Em 1520, chegaram ao Estado de Ndongo (sul do Congo)
embaixadores portugueses e foram recebidos pelo rei Ngola Kiluanje, a fim de
levantar informações sobre minas de metais.
Em 1574, o rei de Portugal doava uma capitania para Novais, o qual era
senhor civil e criminal da terra a qual era inalienável. Ele deveria dividi-la em
sesmarias, levar um número fixado de famílias e nomear ouvidores e
meirinhos, sem empréstimo monárquico. A Coroa permitia ao donatário um
terço do que era tributado e projetava aumentar seus domínios pelo sul
africano.
No ano seguinte, os portugueses fundaram a colônia de Angola. Paulo
Dias de Novais instalou-se na corte do rei, fez muitos acordos e tentou ali
povoar. O português, apoiados por jesuítas, fez sérios estudos predizendo uma
futura colonização. A metrópole pressionou o português para que tais acordos
não fossem cumpridos e assim começaram os conflitos que duraram quase um
século. Os Estados do Ndongo, Congo, Kissama, Matamba e Kassanje se
uniram para derrotar os brancos e conseguiram algumas vitórias. O governador
Novais teve que fugir para o Brasil. Os africanos sofreram perdas econômicas
por causa das guerras: diminuição da produção agrícola e artesanal. A união
começou a ruir. Os Estados foram desaparecendo em virtude do forte
movimento lusitano. Novos territórios surgiram diante das novas relações
exercidas pelo tráfico negreiro. Muitas vezes, os reinos negros vencidos tinham
que pagar multa com escravos.
Percebendo-se a possibilidade da exploração do tráfico e o receio de
uma possível invasão estrangeira, em 1576, fundou-se o porto de Luanda que
tinha um governador e um conselho municipal. Primeiramente, em nome do
governador, os senhores portugueses faziam contratos de vassalagem com os
chefes locais. Posteriormente, os acordos passaram a ser feitos diretamente
com o governador e capitães militares. A tributação era paga com escravos.
Com o passar do tempo formou-se uma classe média composta por
comerciantes mestiços.
Os conflitos com o rei de Angola fizeram com que os portugueses
fossem obrigados a buscar o interior. No final do século XVI, como Portugal
estava sob o domínio castelhano, houve também embates com os flamengos.
Os portugueses perceberam que os africanos que ali viviam praticavam
agricultura e pecuária avançadas quando comparadas com outros povos do
continente. Filipe II, enquanto vivo, auxiliou os desbravadores na empreitada
com importante ajuda militar. Os jesuítas se aproximaram demais da etnia
soba, defendendo os interesses desses perante os responsáveis pela
soberania portuguesa. Esse conluio dificultou a expansão. Buscando-se
diminuir a força jesuítica, foram entregues muitas paróquias ao clero secular.
As relações comerciais e bélicas que envolviam as sociedades colonial e
tradicional fizeram com que surgissem os “pombeiros”, negros e mestiços,
assimilados ao costumes português, e que compravam escravos e marfim para
revendê-los aos colonizadores. Esses elementos foram de grande importância
para a supremacia branca em África.
Os holandeses tomaram Angola em 1641, com vinte naus, conseguindo
dominar Luanda e, anos mais tarde, Benguela (oeste de Angola). Os
portugueses se locomoveram para as fortificações do interior. Os flamengos
foram expulsos sete anos mais tarde, com uma frota de quinze navios e com
mais de mil homens que vieram do Brasil, a fim de restituir o tráfico. Os
vencedores aproveitaram a empreitada e aumentaram o domínio pela região,
sendo que, em fins do século XVII, Angola se tornou o maior contingente de
mão-de-obra de pele escura. A grande parte dos enclausurados nos porões
negreiros era comprada de etnias amigas. Praticamente, todos os negros que
eram exportados tinham como rumo a “terra brasilis”. Criou-se uma boa
estrutura envolvendo exportadores lusitanos e brasileiros, comerciantes
africanos vendedores de cativos e caravaneiros mestiços. As perdas de
escravos durantes as viagens marítimas eram em torno de quinze por cento.
Em 1660, os jesuítas foram expulsos. As ideias cristãs não se efetivaram de
forma expressiva em território angolano. Houve casos de revoltas causadas por
populares e militares.
Os portugueses faziam uma varredura pela costa africana, comprando
sal e tecidos até chegarem em Angola, onde trocavam tais itens por ouro,
marfim e escravos. Aos poucos, os europeus foram acabando com a rede de
trocas entre os africanos, impondo seu monopólio nas feiras próximas às
feitorias. Pelo litoral africano ocidental havia inúmeros povoados de população
rarefeita.
Pelo século XVIII, os comerciantes luso-angolanos já estavam
espalhados por Benguela. Não eram vassalos e se faziam acompanhar pelos
mandatários africanos. Os brasileiros ganharam força na atividade comercial,
em virtude da derrota imposta aos holandeses. A grande maioria dos navios
que estacionavam nos portos era de origem tupiniquim. Chegou-se a ter em
solo angolano governadores brasileiros. Os portugueses tentaram sem sucesso
reaver o domínio através da diversificação de produtos no interior angolano. Na
segunda metade desse século, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho,
influenciado pelas ideias de Pombal, dirigiu políticas para o setor da agricultura
e indústria. Aboliu-se o monopólio estatal, permitindo o livre comércio para
lusitanos. As companhias, como a do Grão-Pará e Maranhão, deram novo
fôlego ao tráfico. A exploração de cobre, enxofre e ferro e colheitas de urzela e
anil se tornaram mais eficazes. Sousa Coutinho deu início a ideia de ligação
entre Angola e Moçambique. Ele permitiu também uma melhor proteção do
território, impedindo o avanço de estrangeiros.
Os donos das embarcações situadas em Luanda e Benguela eram os
armadores. Compravam os negros e os vendiam em solo brasileiro. A comida
brasileira era a que alimentava grande parte do cativo. Posteriormente, em solo
angolano, a atividade pesqueira para alimentá-los também ganhou grande
importância. A escravidão também gerou alguns ricos comerciantes em Angola.
Para proteger a produção que surgia lentamente, o governo teve a ideia de
ampliar a força armada local, municiando-a com artigos de ferro. Assim, foi
iniciada uma tímida produção ferrífera. O governador Sousa e Coutinho ajudou
na propagação do trabalho livre e assalariado.Começou-se a exportar para
Portugal, arroz e café. Tabaco e aguardente também começaram a ser
produzidos.
No começo do século XIX, quase noventa por cento do comércio era
feito através de cativos para o Brasil, enquanto que cerca de cinco por cento
era feito com Portugal através da exportação de marfim. Sob o comando da
monarquia, as primeiras viagens realizadas ligando as duas costas – de Angola
a Moçambique – foram bastante satisfatórias. Aos poucos, a industrialização
angolana fez com que o comércio com o Brasil perdesse importância. Abriram-
se os portos para outras nações. Era necessário que a mão-de-obra, outrora
exportada, permanecesse ali. Em 1836, o comércio de escravos foi proibido.
De forma geral, podemos dizer que os comerciantes brasileiros ficaram
muito ricos com o comércio. Portugal cobrava impostos dessa atividade
comercial e aproveitava para vender o ouro e açúcar do Brasil. Angola era a
terra explorada, a qual cabia apenas fornecer os escravos.
Figura 2. Angola e outras dominações portuguesas. Fonte: Ibidem, p. 136.
O poeta Francisco José Tenreiro cantou nos versos de “Epopeia” (1980,
p. 137) a história dos africanos:
Não mais a África
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos
– veias entumecidas dum corpo em sangue!
Os brancos abriram clareiras
a tiros de carabina.
Nas clareiras fogos
arroxeando a noite tropical.
Fogos!
Milhões de fogos
num terreno em brasa!
Noite de grande lua
e um cântico subindo
do porão do navio.
O som das grilhetas
marcando o compasso!
Noite de grande lua
e destino ignorado!...
Foste o homem perdido
em terras estranhas!...
No Brasil
ganhaste calo nas costas
nas vastas plantações do café!
No Norte foste o homem enrodilhado
nas vastas plantações do fumo!
Na calma do descanso nocturno
só a saudade da terra
que ficou do outro lado...
– só as canções bem soluçadas –
dum ritmo estranho!...
Os homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!
Os homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores
tão grandes
que tudo foi um despropósito!...
Os homens do Norte
os mais lúcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedaço para viveres...
Libéria! Libéria!
Ah!
Os homens nas ruas da Libéria
são dollars americanos
ritmicamente deslizando...
Quando cantas nos cabarés
fazendo brilhar o marfim da tua boca
é a África que está chegando!
Quando nas Olimpíadas
corres veloz
é a África que está chegando!
Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!
... para que a tua gargalhada
de novo venha estraçalhar os ares
como gritos agudos de azagaia!
Considerações finais
Em Cabo Verde, percebeu-se que desde o início a economia foi sempre
amparada por uma política de subsistência. O tráfico de escravos foi duradouro
e conseguiu os melhores índices econômicos. Destacou-se também a
produção de panos. As leis restritivas da Coroa e a concorrência estrangeira
foram entraves econômicos muito grandes.
Em Angola, a Coroa almejava que a terra fosse explorada pela
agricultura, mas a prática a fez como uma fonte bastante rentável com o
comércio de cativos. Angola era o primeiro passo dos sonhos lusitanos que
somente veio a se completar no século XIX: a África Austral. Sem dúvida, criou-
se um grande triângulo: Portugal, Angola e Brasil.
Percebemos a importância daqueles que foram assimilados pela cultura
do dominador e que trabalharam para a desestruturação da sua sociedade de
origem, a tradicional. A atividade perversa na escravidão deixou o racismo nas
Américas. De fato, uma boa parte existente dos livros sobre o assunto retrata,
mormente, a visão dos dominadores. Onde a elite branca foi dissolvida mais
prematuramente, os negros puderam dar vozes aos seus direitos de forma
mais integral. As forças progressistas, internas e externas, destruíram o odioso
tráfico de escravos.
Referências
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grávida de punhais. Editora Sá da Costa, 1980.
BOAVIDA, Américo. Angola: cinco séculos de exploração portuguesa. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
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escravocrata (1460-1878). Lisboa: Centro de Estudos da Guiné Portuguesa,
1972.
CORTESÃO, Jaime. História da expansão portuguesa. Imprensa Nacional,
1993.
FERNANDES, Antero da Conceição Monteiro. Guiné-Bissau e Cabo Verde:
da unidade à separação, 2007. Tese (Mestrado em Estudos Africanos) –
Faculdade de Letras. Universidade do Porto, Porto.
GARNSEY, Peter. Ideas of slavery from Aristotle to Augustine. Cambridge
University Press, 1996.
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LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas
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história da África Atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
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UNESCO, 2010.