Há Dez Mil Anos (psicografia Nelson Moraes - espírito Zílio)

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H Dez Mil Anos

Pelo esprito Zlio

Relato de lembranas de uma vida passada.

Nelson Moraes

SuMRioPRIMEIRA PARTE Vida Nova Na Ilha Pequena SEGUNDA PARTE Compromisso Estranho No Templo Dos Sacrifcios Perante o Conselho TERCEIRA PARTE No Ritual Estranha Descoberta Executando O Plano A Expansao Dos Ribuths Consideraes

PRiMeiRA PARTe

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ViDA NoVAAgora que estou relativamente adaptado minha condio de esprito desencarnado, tenho me empenhado em me aproximar dos encarnados que evocam meu nome. Fao a ttulo de aprendizado, porque o mximo que posso fazer por eles interceder para que os benfeitores os ajudem. Na maioria, so amigos que me pedem uma prova da vida eterna, outros me evocam pedindo ajuda para compor msicas. um nmero muito grande de pedidos, alguns at curiosos e estranhos, mas alegra-me sentir que todos chegam at mim revestidos de muito carinho. O que tem sido difcil para mim conviver com a saudade dos dias felizes que vivi com os entes queridos. Quantas vezes tenho abraado cada um deles sem conseguir me fazer sentir em seus

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coraes, exceto aqueles que me foram mais prximos e continuam me amando. Para alguns a morte apagou meus registros, lanando-me no esquecimento. Alis, no mundo das iluses, sempre acaba permanecendo o mito e desaparecendo o homem. Essa a herana da maioria dos artistas que no souberam usar a arte com sabedoria. Quase todos, ao atravessarem os portais da morte, so transferidos das luzes da ribalta para as sombras da solido, acabam enxergando a si mesmos e descobrindo os caminhos que conduziro ao verdadeiro sucesso. Hoje me sinto muito feliz quando deparo com um encarnado lendo meus depoimentos, muito mais do que quando encontro executando minhas msicas. Aos poucos estou alcanando o sucesso, no mais o sucesso do mito, mas sim o do ser humano que sou. Espero que aqueles que hoje so fs do mito ao lerem meus depoimentos, venham se tornar fs da verdade e daquele que realmente merece nossa gratido e reconhecimento. Um dia, Ele ser seguido como o grande dolo da humanidade. Acompanhando os leitores que leram meus depoimentos, percebi que na maioria deles paira uma expectativa de novas informaes a meu res-

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peito, principalmente sobre minhas vidas pregressas. A curiosidade em saber sob o pretrito tambm me dominou durante longo tempo, esforava-me todos os dias para acionar minhas lembranas. Muitas foram surgindo fragmentadas e obscuras, causando-me algumas alteraes psquicas, como ansiedade e uma euforia exagerada. Porem, no desisti, continuei exercitando a concentrao profunda conforme Felipe havia me orientado, at que consegui resgatar uma grande parte de meu passado distante. Foram necessrios alguns meses de reflexes profundas para me refazer dos efeitos causados por essas recordaes. Algumas me proporcionaram muitas alegrias, outras me fizeram viver momentos de angustia e de profunda depresso. Mais tarde, depois de me refazer desse impacto, peregrinei por diversas colnias buscando uma integrao maior com o movimento de comunicao com os encarnados, onde colhi valioso aprendizado a respeito. Segundo Venncio, o diretor da Estncia de Amor, a comunicao com os encarnados deve atender aos propsitos da informao e do esclarecimento, a fim de conscientiz-los de suas

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responsabilidades perante as leis divinas e ajud-los a desenvolver o amor em seus coraes. Orientoume que podemos usar os recursos da dramaturgia na literatura, mas desde que no venham empanar seus elevados propsitos. Fui autorizado a passar algumas dessas lembranas para o mdium, no intuito de mostrar ao leitor que o tempo, para o esprito, tem um significado muito relativo e que o passado, mesmo distante, pode estar presente e influenciar na construo do futuro, da mesma forma que acontece no tem transitrio da vida fsica, onde, muitas vezes, fatos ocorridos em nossa infncia acabam influenciando a formao de nosso carter ao nos tornarmos adultos. Os leitores que conseguiram me identificar vo observar que muito do meu passado distante se identifica com certas atitudes e comportamentos que adotei em minha recente encarnao. Agora compreendo que a infncia do esprito atravessa inumerveis sculos compondo os milnios na eternidade da vida, onde, na forj do tempo, alguns milhares de anos representam apenas um curto perodo na evoluo do esprito eterno. Os

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acontecimentos aqui narrados tiveram como palco um lugar distante nos sculos que, absorvido pelas transformaes fsicas de nosso planeta, h muito muito deixou. Fazer parte da paisagem terrestre. No uma revelao histrica sobre tempo ou lugares. Descrevo alguns dos momentos vividos por mim e pelos espritos envolvidos, focalizando apenas os principais acontecimentos que culminaram com os grandes equvocos que cometemos quando dominados pela impiedade, os quais acabaram gerando marcas profundas em meu subconsciente, dificultando minha ascenso espiritual.

Quando ignoramos a realidade nossa volta, nos tornamos escravos das iluses!

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NA ilHA PeQueNAEu e meu irmo Zirat vivamos em uma pequena ilha situada entre outras tantas que faziam parte de um arquiplago. Ao norte, distante de nossa ilha, existia uma outra muito maior chamada Ilha Grande. No topo dessa ilha havia uma grande cidade chamada Zantar. Sabamos que ela existia porque nosso pai vivia l e quando nos visitava periodicamente, falava dessa grande cidade e de suas riquezas. Nossa me fazia parte do templo Guardies da Vida. Eu e Zirat passvamos o dia caando pequenos animais, os quais negocivamos na Praa das Barganhas, onde todos os dias se reuniam os mercadores. Os habitantes da ilha que moravam prximos as praias viviam da pesca. A maioria cultuava a crena nos Guardies da Vida, representados por imagens esculpidas em grandes pedras.

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A cada dois ciclos da lua, faziam suas oferendas no templo construdo na parte mais alta da ilha. Zirat, mais velho do que eu, era forte e inteligente, vivia sonhando que um dia partiria para a Ilha Grande, onde acreditava que iria realizar seus sonhos. Era diferente de mim. Eu no nutria nenhum sonho, tornara-me um jovem amargo desde o dia em que, aos dez anos, ao retornar da caa, deparei com meu pai e minha me mortos e esquartejados. O tempo passou. Cresci ao lado de Zirat, que me ensinou tudo o que eu precisava saber para continuar sobrevivendo dor que se abatera sobre mim. medida que o tempo passava, o numero de habitantes de nossa ilha foi se multiplicando. As encostas estavam tomadas pelas plantaes, porem, em vista do crescimento da populao, era muito pouco o que produziam. O consumo havia aumentado em demasia, a fome comeava a afligir uma grande maioria dos habitantes. Todos os dias partiam pequenas embarcaes levando os moradores que se aventuravam a mudar para outras ilhas. A caa se tornara escassa e enfrentvamos serias dificuldades para sobrevivermos.

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Certa manh, acordamos com uma grande gritaria. Fomos para fora e vimos todos os moradores correndo pelas ruas. Estavam assustados, algo de estranho estava acontecendo. Os animais das florestas prximas s praias haviam subido para o topo da ilha, invadindo o centro comercial e as residncias. As vboras rastejavam por toda a parte, atacando as pessoas e inoculando venenos mortais. Os ces uivavam e latiam desesperados, o panico era geral. Ningum entendia o que estava acontecendo, at que o zelador do templo comeou a gritar do alto da torre: O mar est invadindo a ilha! Estamos submergindo! Meu irmo Zirat, ao ouvir o zelador, puxoume pelo brao e samos correndo em direo ao norte da ilha, onde ficavam as pedras sagradas que representavam as figuras dos Guardies da Vida. Quando chegamos na parte alta, avistamos as guas do mar se sobrepondo s rvores, cobrindo toda floresta. Entramos em uma pequena caverna que se localizava sob os ps de uma das esculturas dos guardies de pedra. A entrada estava oculta pela folhagem que pendia sobre a encosta. Meu

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irmo guardava ali uma canoa. Fiquei surpreso ao v-la, pois ningum da parte alta da ilha possua qualquer tipo de embarcao, apenas os habitantes das praias que as possuam. Suspeitei que ele j havia previsto com antecedncia o que estava acontecendo. Percebendo minha admirao, explicou-me: Zlio, desde quando nosso pai foi morto ele tem se comunicado comigo. no faz muito tempo, mandou-me guardar uma canoa neste lugar. Agora compreendo qual era o motivo. Ele sabia que, a qualquer momento, isso viria a acontecer. Espere, vou at nossa casa. Preciso pegar o medalho que nossa me me deu, a nica coisa que temos de valor. Se nos salvarmos, talvez venhamos a precisar. Nada disso! Vamos! Resta-nos pouco tempo e no podemos nos arriscar. Vamos! Zirat estava certo. Pegamos a canoa, os remos e nos lanamos ao mar. Por pouco no fomos impedidos pelas guas que roavam nossos ps. Depois de algum tempo que levamos para controlar a canoa, olhamos para trs e vimos o

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povo se espremendo sobre as coberturas das casas. Muitos dos barcos pertencentes aos moradores das praias estavam espalhados sobre as guas, quase todos vazios. Percebemos que o acontecimento inesperado surpreendeu a grande maioria dos habitantes da orla. Tentamos rebocar algumas embarcaes e conduzi-las at as pessoas que estavam sobre os telhados, porm o mar e os ventos estavam muito agitados e no conseguimos controlar a canoa. Desistimos. Remamos at o anoitecer. A Ilha Grande ainda estava muito longe e, cansados, deixamos a canoa seguir deriva. Nossa esperana era que o vento continuasse soprando em direo ao norte, pois, com isso, poderamos estar prximos de nosso destino ao amanhecer. A lua nova no refletia a luz do sol e a noite derramava a escurido sobre a Terra. no enxergvamos um ao outro. O barco era pequeno e, com muita dificuldade, conseguimos nos acomodar de modo que pudssemos descansar. Acomodados e mais tranquilos, acabamos adormecendo ao balano das ondas.

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Acordamos com o calor do sol aquecendo nossos rostos. O vento nos fora favorvel e o canto dos pssaros soava como uma melodia para nossos ouvidos! Estvamos prximos da Ilha Grande! Podamos enxergar suas praias, estavam desertas. Comeamos a remar, minhas mos estavam doloridas, eu nunca havia remado tanto. Meu irmo procurava me animar: Vamos, falta pouco! Logo chegaremos em terra firme! A mar havia se acalmado, mas apesar de nosso esforo, no conseguamos sair do lugar, o mar tentava nos arrastar de volta para sua imensido. Depois de muito esforo, finalmente chegamos em terra firme. Estvamos extremamente cansados. Deitamos na areia e ali ficamos por longo tempo, quando aproveitei e fiz algumas perguntas para Zirat: O que mais nosso pai falou? Disse-me que eu deveria cuidar de voc e que, juntos, um dia iramos realizar um trabalho muito importante. No fosse por ele estaramos mortos. Apesar

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que, para mim, pouco importa viver ou no, nada me atrai neste mundo. Zlio, voc jovem, forte, sadio e inteligente. Por que guarda tanta revolta no corao? No sei. Sinto falta de alguma coisa que nem eu mesmo sei o que . Ouvi dizer que aqui na Ilha Grande existe um povo estranho, mas muito rico e com mulheres bonitas. Quem sabe vai encontrar aquilo que falta para voc ser feliz. Se o nosso pai falou com voc, sinal est vivo em algum lugar. Onde esse lugar em que vivem os mortos? Existem muitos lugares onde eles vivem. Nosso pai no me disse onde esta vivendo, mas me informou que os mortos, embora ns no possamos v-los, possuem corpos iguais aos que tiveram quando vivos e que muitos andam a nossa volta e convivem com os vivos sem que estes percebam. Disse ainda que eles podem nos ajudar ou at nos prejudicar. Ento os guardies da vida que o povo cultua existem de verdade?

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Sim! Talvez sejam os que morreram de nosso povo que continuam zelando pelos que ainda esto vivos. As oferendas depositadas no templo deve agrad-los, por isso cuidam do povo da ilha. Cuidavam, porque o povo de nossa ilha j no existe mais. Uma coisa certa: s vou acreditar quando ver um! Percebi que meu irmo no gostou muito de minha resposta, mas eu no conseguia entender que algum, depois de morto e cujo corpo foi dilacerado da forma como foram os de minha me e de meu pai, pudesse estar vivo em algum lugar. Zirat tentava me convencer: Zlio, talvez voc no saiba, mas nosso pai tinha poderes sobre os vivos e sobre os mortos. Pouco antes de ser morto, falou-me de uma seita que existe na Ilha Grande, cujos membros conseguem transformar os pesadelos em sonhos e os sonhos em pesadelos, as pedras em ouro e a gua em pedras preciosas! Olhe! Esta pedra esculpida o smbolo dessa seita, o nosso passaporte para entrarmos nela como iniciados. Se conseguirmos chegar at la, ento teremos tudo o que um homem

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poderia desejar! Nosso pai fazia parte dessa seita? Sim! Eu acho que nosso pai era um dos grandes. Liburc, o sacerdote do Templo do Sol, o mais poderoso da Ilha Grande, perseguiu-lhe at forlo a voltar para junto de ns, refugiando-se na ilha onde vivamos. Insatisfeito, Liburc mandou seus guardies at nossa casa para mat-lo. Eu me recordo do dia em que estvamos voltando da caa e, ao chegar em casa, vimos nossos pais degolados e esquartejados. Pensei que uma fera os tivesse atacado. E, Zlio, voc tinha apenas dez anos. Lembrome quando olhou para mim e disse Coitados! Algum animal passou por aqui. Realmente os guardies de Liburc so como animais. Quando so encarregados de executar algum, no hesitam em aplicar a crueldade. No gosto de lembrar desse dia. Meu corao dispara, ameaando sair pela boca. Ento foi esse sacerdote que mandou matar nossos pais? Sim! Temos que tomar cuidado para no sermos descobertos por seus guardies, seno estare-

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mos mortos. O que vamos fazer? Como vamos encontrar o lugar onde se renem os membros dessa seita? Antes de tudo, vamos procurar alguma coisa para comer. Estou com sede e fome! Levantamo-nos e comeamos a caminhar beirando a mata que circundava as praias. Procuramos durante longo tempo por alguma coisa que pudesse nos servir de alimento. Nada encontramos. Continuamos caminhando, at chegarmos a um enorme rochedo que se estendia at o mar, dividindo a praia. Ao lado, corria um riacho de guas cristalinas, onde saciamos nossa sede. Depois, continuamos. Ao passarmos por entre as rochas menores, semi-encobertas pela gua e enfileiradas no final do rochedo, encontramos centenas de mariscos que nos serviram de alimento. J havamos comido bastante quando ouvimos alguns gritos de desespero. Meu irmo imediatamente colocou sua mo em meu ombro e forou a abaixar por entre as rochas. Ficamos escondidos e atentos. Atravs do vo que havia entre as rochas, vimos alguns homens

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do outro lado dos rochedos, armados com espadas e atacando mais de uma dezena de sobreviventes nossa ilha que acabavam de aportar na praia. Aps chacin-los, marcharam na direo de onde estvamos escondidos. Imediatamente, meu irmo comeou a recolher as cascas dos marisco que comemos, olhou para mim e fez um sinal para que eu fizesse o mesmo. Depois de recolhermos o indcio de nossa presena, samos correndo beirando o rochedo e entramos na mata. Assustados, comeamos a subir a encosta acompanhando o curso do riacho. O cho era ngreme. Subamos durante o dia e descansvamos a noite. A sorte nos favoreceu, pois conseguimos abater um pequeno animal que garantiu nossa proviso durante a escalada. Depois de dois dias e uma noite, encontramos uma trilha que nos conduziu at uma enorme clareira que ficava ao lado da nascente do rio. O lugar parecia ser muito usado pelos habitantes da ilha. No Centro da clareira havia resduos de uma grande fogueira, os vestgios demonstravam que algum usava constantemente aquele lugar. Do alto daquele plat, podamos avistar o mar. Havamos subido

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bastante e finalmente estvamos prximos do topo da ilha. Olhando para a imensido do mar, Zirat me chamou para junto dele e, apontando para a direo de onde se localizava nossa ilha, afirmou: Olha! No foi apenas nossa ilha que submergiu, as outras, que ficavam ao sul e ao leste, tambm desapareceram. O que sera que causou essa tragdia? Ningum poder explicar. Parece que o mundo est se acabando aos poucos. Zirat juntou uns gravetos que estavam espalhados naquele lugar e acendeu uma pequena fogueira. Assamos uma parte do animal que havamos abatido. O sol estava a prumo. Comemos parte da carne e improvisamos um varal sobre a fogueira, onde penduramos o restante para defumar, pois no sabamos o que nos aguardava dali para frente. Estvamos nos acomodando sobre algumas folhas secas para descansarmos quando ouvimos um barulho na mata em torno da clareira. Imediatamente deitamos e ficamos em silncio, simulando que estivssemos dormindo. Colocamos o brao sobre o rosto de forma que pudssemos ocultar

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nossos olhos e ficamos vigiando local de onde viera o barulho que ouvimos. Passado algum tempo, vimos uma mulher se aproximando sorrateiramente da carne que estava pendurada sobre a fogueira. Meu irmo em determinado momento, levantou-se rapidamente e se atirou sobre ela, dominando-a completamente. Era uma jovem aparentando uns dezoito anos, de quem me aproximei. A sujeira em seu rosto e as roupas rasgadas e sujas demonstravam que deveria estar vagando por muito tempo. Zirat a soltou e ela permaneceu diante de ns. Peguei a faca, cortei uma tira da carne e dei para ela. Da forma como levou a boca, percebemos que no se alimentava h dias. Comeu vrios pedaos, olhando-nos desconfiada. Percebia-se que estava tomada completamente pelo medo. Depois de comer bastante, respirou fundo e olhou para a queda dgua, insinuando que estava com sede. Peguei-a pelo brao e a conduzi a nascente. Ao nos aproximarmos da gua, ela se atirou no tanque formado pelas pedras que circundavam a cachoeira e, a medida que a sujeira se dissolvia sob o influxo da gua, seu rosto surgia, revelando uma beleza mpar. Seus cabelos, antes embara-

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ados, agora cediam lugar a uma vasta cabeleira negra pendendo sobre seus ombros bronzeados. A roupa molhada delineava as formas de um corpo cuja beleza eu jamais havia visto nas mulheres de nossa ilha. Seus dentes pareciam de puro marfim. Estava extasiado a observa-Ia quando falou pela primeira vez: Quem so vocs? Ainda em devaneio, no consegui responder. At que ela jogou um pouco de gua em meu rosto, sorrindo, perguntou novamente: Quem so vocs? Eu sou Zlio. E aquele meu irmo Zirat. E voc, quem ? Eu sou Zara. Os Ribuths me raptaram quando ainda era criana e me trouxeram da ilha pequena onde eu morava. Desde ento, tornei-me prisioneira deles. Ns tambm somos da ilha pequena, conseguimos nos salvar. Quem so os Ribuths? Eles so poderosos feiticeiros e adversrios de Liburc. Eu fui designada para o sacrifcio, mas consegui fugir.

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Ao ouvir seu depoimento, meu irmo foi at o alforge, retirou uma pedra com um desenho esculpido, aproximou-se e mostrou a ela. Depois perguntou: Voc conhece este smbolo? Zara colocou as mos no rosto e, assustada, afirmou: Esse o smbolo deles. Eu procurei acalm-la, colocando meu brao sobre seus ombros, mas ela se esquivou e comeou a gritar: Vocs so Ribuths! Vocs fazem parte dos Ribuths! Calma! Ns nem conhecemos os Ribuths. Venha, vamos conversar, sente-se aqui. Demonstrando visvel receio, aproximou-se de ns. Sentamos nas pedras e meu irmo comeou a falar: No tenha medo, ns somos amigos. Nossa ilha afundou no mar, talvez sejamos os nicos sobreviventes. Precisamos nos unir. Esta pedra foi dada a mim pelo meu pai, ainda no sabemos de nada sobre ela. Se voc sabe alguma coisa, deve nos

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esclarecer. Zara pegou a pedra na mo, examinou-a depois esclareceu: Pedras iguais a essa so usadas pelos membros da seita dos Ribuths. Os trs pontos esculpidos sob o smbolo da lua cheia significam que o membro que usava essa pedra fazia parte do conselho que compe a hierarquia suprema. Ento isso que dizer que o nosso pai era um dos grandes? - perguntou Zirat. Sim! S os membros do conselho a possuem confirmou Zara. Onde podemos encontrar os Ribuths? Eles vivem por trs das Muralhas do Medo. Ningum se atreve a chegar at l. Somente os adeptos que tm acesso livre e apenas em determinado ciclo da lua. Os poucos que se aproximaram a mando de Liburc para investigar jamais voltaram. Como conseguiu fugir? Em todas as primeiras noites do ciclo da lua nova, os portes das Muralhas so abertos para os agricultores, caadores e comerciantes que esto

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submissos a ordem dos Ribuths. Nesses dias de lua nova, eles trazem suas oferendas at o templo de Buts e recebem a consagrao dos sacerdotes supremos que, com a magia dos Ribuths, dizem garantir a abundancia para todos. Numa dessas noites, a escrava que cuidava de mim me ajudou fugir da cela, que fica no templo das vtimas. Ao sair, escondi-me no depsito de viveres e, aproveitando o movimento de entrada e sada dos adeptos, consegui escapar caminhando tranquilamente por entre a multido. O que fazem os Ribuths? Eles so poderosos. Dizem que nos rituais que praticam durante a lua cheia, conseguem transformar pedra em ouro e a gua em pedras preciosas. E mais: com a fora que possuem, no precisam pegar em armas, so capazes de derrotar seus inimigos distncia, disseminando pestes e doenas. A cada cinco ciclos da lua cheia, sacrificam uma virgem como tributo as foras que os auxiliam em suas empreitadas sinistras. Este lugar onde estamos fica muito longe de onde vivem os habitantes da ilha?

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Estamos prximos da regio agrcola cidade de Zantar, onde fica o centro comercial da ilha. Est h uns dois dias daqui. Antecipando-me ao meu irmo, perguntei: Voc nos levaria at l? Eu tenho ido l as escondidas, no posso me expor. Se eu for reconhecida por algum dos espies dos Ribuths, poderei ser morta ou levada novamente para o templo das vitimas, a fim de ser sacrificada nos prximos rituais. Zirat olhou para mim e fez um sinal para eu pegar o alforge que ele havia deixado prximo a fogueira. Eu o peguei e entreguei a ele, que rapidamente o abriu e retirou de dentro dele uma pequena pedra esculpida com o nome Sidrac. Virou-se para Zara e lhe perguntou: Voc j ouviu falar de um homem chamado Sidrac? Precisamos encontra-lo! Ele quem dever nos ajudar a chegar at os Ribuths. O sol j havia se posto. A noite estava prxima e resolvemos ficar por ali at o amanhecer. Zara concordou e nos fez um sinal para segui-la. Ela nos conduziu at um abrigo natural em um oco da

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montanha, oculto pelas folhagens. Ali descansamos at o amanhecer. Na madrugada, ouvi meu irmo conversando com algum. Parecia estar sonhando, pois Zara dormia profundamente. Com quem poderia estar conversando? Amanheceu. Zara j havia sado do abrigo meu irmo continuava dormindo. Sai procura dela e fiquei surpreso ao v-la banhando-se novamente nas guas do tanque. Aproximei-me ela sorriu para mim. Seu sorriso possua um encanto que envolvia todo o meu ser, seu olha era cheio de ternura e meiguice. Eu me sentia embaraado diante dela, mas procurava agir naturalmente tentando disfarar o meu constrangimento. Aps o banho, ajudei-a a se vestir. Sentamos e conversamos bastante. A medida em que ela falava, eu observava o movimento de sua boca e de seus olhos, tudo nela era perfeito. Senti que estava apaixonado e o pior que eu no sabia como lidar com esse sentimento que havia me tomado pela primeira vez. Eu jamais vira uma mulher to bonita como ela. As mulheres da ilha onde vivi eram pouca coisa diferente dos homens, seus corpos musculosos desenvolvidos no trabalho pesado da agricultura e da pescaria torna-

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vam-nas semelhantes a eles. Ficamos ali nos contemplando at que meu irmo apareceu: Ento? Vamos partir? Levantei-me, peguei-a pela mo e partimos. No caminho, meu irmo comeou a falar do sonho que tivera durante a noite: Esta noite sonhei com nosso pai. Ele me orientou que devemos ir o mais rpido possvel ao encontro de Sidrac. Disse-me que podemos encontr-lo na Praa dos Tributos, na loja do armeiro. para la que temos que ir. Voc conhece esse lugar? perguntou para Zara. Jamais estive na Praa dos Tributos, mas sei onde fica, estive perto de l muitas vezes s escondidas e em busca de alimento. H quanto tempo voc est foragida? Faz algumas luas. no sei ao certo. Seguimos conversando. Ao fim do dia, estvamos prximos de uma grande propriedade rural, Zirat sugeriu que devamos pedir pousada ao proprietrio. Eu e Zara concordamos. Aproximamonos e fomos recebidos por um homem que cuidava das ovelhas no curral perto da entrada. Falamos de

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nossa inteno de passar a noite ali e ele nos recebeu muito bem e mandou entrar dizendo: Entrem! O senhor destas terras ter grande prazer em receb-los! Ele caminhou a nossa frente e ns o seguimos at a casa que ficava retirada da estrada. Abriu a porta e mandou que entrssemos. O interior da casa era sombrio, havia apenas uma pequena janela por onde entrava uma pequena rstia de luz. No demorou e o homem que nos recebeu retornou carregando um outro homem no colo e o colocou sentado em um banco a nossa frente. Ele no tinha as pernas. Seu rosto apresentava uma cicatriz partindo do Canto do olho esquerdo at quase o pescoo. Falou-nos com uma voz rouca: Sejam bem-vindos minha casa! Meu nome Zorac. Eu os esperava ansioso. O senhor sabia que viramos? perguntei admirado. Sim, Zorac sabe tudo! Meus amigos invisveis me informam o que acontece neste e em outros mundos. Meu irmo ficou mudo. Zara estava atnita.

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Zorac olhou para ela e continuou falando: Voc a virgem que os Ribuths esto procurando. Zara olhou para ns assustada. Aquele homem estranho olhou para mim e para Zlrat, logo depois complementou: E vocs so os filhos de Zenc. Zirat, embaraado diante daquelas revelaes ficou preocupado Com nossa segurana. Passou seu brao sobre meu ombro e de Zara e, receoso, afirmou: Senhor, estamos de passagem. Sobrevivemos tragdia que se abateu sobre a ilha pequena. Estamos procurando meios para dar um destino s nossas vidas. Calma! Nada devem temer. Eu vou ajud-los. Sentem-se, tenho muito que conversar com vocs. Sou amigo de vosso pai. Devo orient-los sobre o que fazer. Sidrac, o homem a quem esto procurando era o parceiro de vosso pai na seita dos Ribuths. Os dois raptaram a filha de Liburc e a ofereceram ao sacrifcio das virgens, provocando ainda mais sua ira, o que acabou culminando com o assassi-

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nato de vossos pais. Sidrac ficou sem o parceiro e sem o poder dos Ribuths, por isso est refugiado na casa do armeiro. Com a pedra que vocs possuem e a que esta em poder de Sidrac, ao encaix-las uma na outra, o desenho de duas luas se completara, formando o smbolo secreto dos Ribuths. Sidrac ir entreg-la vocs por isso devero partir cedo. Vou mandar preparar uma carroa com dois cavalos para lev-los at ele. Depois, devero retornar aqui para que possa orient-los sobre o que fazer de suas vidas. Ouvimos atentamente o que Zorac disse. Meu irmo pareceu entusiasmado. Levantou-se andou de um lado para o outro, voltou-se para Zorac e afirmou: - Nestes momentos de incertezas, um amigo o que mais precisamos. Ns somos gratos pelo apoio que nos oferece. E quanto a Zara? no perigoso ela nos acompanhar? At a cidade visto que esta sendo procurada? perguntei preocupado. Zorac fez um sinal para ela se aproximar. Ele a pegou Pelo brao e, num movimento rpido, cortou-a com uma lmina na altura do ombro

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esquerdo. Eu a puxei para perto de mim e tentei estancar o sangue com a mo. Estava ainda com a mo sobre o ferimento quando ele falou: Acalme-se. O que eu fiz foi para garantir a vida dela. Agora j no serve para o sacrifcio, os Ribuths a deixaro em paz. As virgens sacrificadas no podem ter nenhuma cicatriz, ento a marca que eu fiz em seu brao o seu passaporte para a vida! Agora vo descansar e durmam em paz. Fez um sinal para o homem que o auxiliava e este o carregou de volta aos seus aposentos Depois de algum tempo, o auxiliar retornou com um frasco contendo um unguento preparado com ervas e mandou aplicar no ferimento que Zorac fizera no brao de Zara. Depois, levou-nos ao local onde deveramos descansar. Passamos uma noite tranquila. Pela manh bem cedo, o auxiliar nos acordou e ns partimos. Viajamos quase o dia todo. Chegamos a Zantar quando o sol se punha no horizonte. Fiquei maravilhado quando nos aproximamos da entrada principal da cidade. O portal de pedra esculpida na forma de um arco apresentava desenhos em relevos

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tingidos de dourado, cujo brilho refletia a luz avermelhada do maravilhoso crepsculo. Atravessamos o portal. O movimento nas ruas era muito intenso. Um guarda nos fez parar e nos indicou um lugar onde deveramos deixar o veculo e os animais. Entramos pela viela que nos indicou e chegamos a um ptio multo grande, onde deixamos a carroa e os animais. Seguimos a p em busca da loja do armeiro. Caminhamos por varias vielas at chegarmos Praa dos Tributos. As lojas pareciam todas iguais, podia-se encontrar de tudo no prspero comrcio que se desenvolvia em cada canto daquela cidade enorme. Do lugar onde estvamos no conseguamos enxergar as muralhas que circundavam a cidade. Do outro lado da praa, vimos uma porta com lanas e espadas expostas do lado de fora e meu irmo deduziu que ali seria a loja do armeiro. Fomos at l. Uma mulher idosa nos recebeu. Perguntamos por Sidrac e ela ficou embaraada, demonstrando preocupao e medo. Olhando de esguelha para uma porta que havia nos fundos da loja, respondeu: No conheo ningum com esse nome.

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Meu irmo, percebendo que estava mentindo para proteger Sidrac, insistiu: Por favor, precisamos encontr-lo. Meu nome Zirat, sou filho de Zenc. Nisso, a porta dos fundos se abriu e apareceu um homem muito alto, aparentando uns sessenta anos. Aproximou se e gentilmente nos Recebeu: Sejam bem-vindos! Eu sou Sidrac. Ento voc filho de Zenc? Sim! Este Zlio, meu irmo, e esta Zara. Venham, vamos para os fundos da loja. Aqui corremos perigo. Subimos uma escada feita de madeira at chegarmos em um cmodo que ficava sobre a loja. Sentamos nos bancos que estavam a volta de uma mesa grande Sidrac sentou se a frente de Zirat, olhou bem pra mim e para Zara, coou a barba e ento perguntou: Como posso ter certeza que vocs so os filhos de Zenc? Calmamente, Zirat tirou a pedra esculpida de dentro do alforge e a colocou sobre a mesa. Sidrac a examinou por alguns instantes, levantou-se, reti-

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rou uma pedra solta que havia na parede, enfiou a mo em um buraco existente por trs da pedra retirada, pegou uma pedra esculpida semelhante a que ns tnhamos e a colocou ao lado da nossa. juntou as duas e elas se encaixaram perfeitamente, formando o smbolo das duas luas. Sorrindo, olhou para ns e afirmou: Finalmente vou cumprir a derradeira obrigao de um Ributh. Passo para vossas mos o compromisso sagrado de honrar e lutar pelos princpios e pelas leis dos Ribuths. Agora devem partir, deixem a cidade imediatamente. Zirat colocou as pedras no alforge e ns samos por uma porta que havia nos fundos da loja. Na rua, ficamos perdidos. Procuramos um meio de chegarmos novamente a praa, mas no conseguimos. Depois de tentar vrios caminhos, acabvamos sempre no mesmo lugar. ento resolvemos voltar loja pelos fundos, seguimos o mesmo caminho de onde viemos e chegamos no lugar de onde havamos sado. Zirat bateu na porta e, ao bater, a porta se abriu. Estava destrancada.

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Entramos. A mulher estava estendida no cho cravada por uma lana. Mais adiante, prximo a porta da frente, Sidrac agonizava, varado por uma espada. Aproximei-me e ainda consegui ouv-lo antes que desse o ltimo suspiro: Fujam! Fujam! falou agonizando. Assustados, imediatamente fomos para a rua. Estava escuro. Caminhamos em direo ao lugar onde deixamos a carroa. O patio estava vazio. O nico veiculo no lugar era nossa carroa. Zirat ficou apreensivo. Havia alguma coisa estranha no ar. Ficamos agachados ao lado do bebedouro dos animais, observando os acontecimentos. Passado algum tempo, vimos quatro homens se aproximando da carroa. Eram os guardies de Liburc. Examinaram a carroa e partiram, mas deixaram um deles vigiando. Esperamos passar algumas horas, mas o guarda permanecia andando de um lado para o outro. Depois de mais algum tempo, sentou-se de costas para ns. Zirat pegou o saco que estava dentro do alforge, no qual estavam as pedras, amarrou a boca do saco e foi sorrateiramente at onde estava o guarda, desferindo um golpe na cabea dele. O guarda caiu desmaiado.

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Rapidamente pegamos a carroa e conseguimos chegar a casa de Zorac quando o sol j estava a prumo. Cansados e famintos, comemos alguma coisa e fomos dormir.

SeguNDA PARTe

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coMPRoMiSSo eSTRANHoJ era noite quando acordamos. Zorac nos aguardava na sala grande e quando nos viu, afirmou: Vejo que foram bem sucedidos! Sim! Apenas lamentamos por Sidrac. Infelizmente, logo depois que nos entregou a pedra, foi assassinado esclareceu Zirat. Sua morte j era prevista. Os guardies no descansariam at conseguirem elimin-lo. Com isso, Liburc remeteu mais um inimigo para o mundo invisvel. Fiquei curioso com a colocao de Zorac e perguntei: O senhor acredita que, mesmo estando morto Sidrac poder prejudicar Liburc?

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Com certeza! Em breve estar reunido com os demais inimigos de Liburc, arquitetando sua derrota. Bem, isso agora no importa, o importante que conseguiram a pedra. Vamos comer e depois conversaremos. O auxiliar fez um sinal para sentarmos a mesa, onde serviu um assado de carneiro. Enquanto comamos, Zorac continuou falando: Amanh vou inici-los nos fundamentos dos Ribuths. Espero que tenham decidido ocupar o lugar de vosso pai e de Sidrac. Zirat olhou para mim, esperando que eu dissesse alguma coisa. Olhei para Zara e percebi seu olhar a expectativa de que eu dissesse sim. Olhei para meu irmo e com um gesto respondi afirmativamente. Diante de minha atitude afirmou: Senhor, estamos prontos! timo! exclamou Zorac, fazendo um sinal para seu auxiliar. O auxiliar prontamente limpou a mesa e trouxe uma vasilha contendo uma bebida rosa. Bebemos at nos fartar. Ficamos tontos. Zara teve uma crise de risos e mal se mantinha de p. Tive que leva-la

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at os aposentos, deitou e logo adormeceu. Senti minhas pernas bambearem, mas mesmo assim consegui retornar a sala onde estvamos. Zorac deu uma gargalhada e comeou a falar: Vocs beberam o Elixir da Felicidade. S os Ribuths podem beb-lo! preparado pelos amigos invisveis durante os rituais dos sacrifcios. Zirat estava esttico, o semblante no rosto demonstrava estar fora de si. Chamei-o e ele no respondeu. Zorac sorriu novamente e afirmou: Seu irmo esta longe daqui! Esta fora do corpo. Neste momento viaja pelo mundo invisvel. Logo estar de volta. Por qu? Embora eu esteja tonto, nada disso me aconteceu. Sob a influencia do Elixir, teu irmo demonstrou ser um elemento passivo e voc um elemento ativo. juntos formaro um par perfeito. Podero desenvolver um expressivo trabalho entre os Ribuths. E Zara? perguntei. A menina simplesmente adormeceu. Depois de algum tempo, meu irmo voltou

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estava com expresso de surpresa. O que aconteceu? perguntou. Zorac procurou acalm-lo: Calma! Procure se lembrar por si mesmo. Eu estava longe daqui. Era um lugar estranho. Vi muita gente cantando e danando em torno de varias mesas nas quais haviam pessoas deitadas, era como se estivessem dormindo. timo! Eu sabia que voc possua a capacidade principal dos Ribuths. no foi um sonho! Hoje estamos no ciclo da lua cheia, voc assistiu a cerimonia dos pares. para esse ritual que devo prepar-los. Zirat ainda estava tonto, Pediu desculpas e foi se deitar. Apesar de passarmos a tarde dormindo, ainda estvamos cansados e sonolentos. Eu tambm me recolhi. Mal havia adormecido, fui acordado pelo peso do corpo de Zara sobre mim. Demonstrando estar ainda sob os efeitos da droga, comeou a me beijar com volpia. Ainda tonto, deixei me envolver por suas caricias. Acabamos nos relacionando intimamente. Tudo aconteceu como um sonho, logo

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depois adormecemos. Quando acordamos pela manha, percebi que Zara me olhava encabulada. Sorri para ela. Olhando-me nos olhos, tambm sorriu e se levantou. Demorei um pouco me espreguiando. Pela primeira vez sentia-me feliz por estar vivo. Meu irmo j estava na sala conversando com Zorac e, do quarto onde eu estava, conseguia ouvir a conversa. Estavam aguardando minha presena ento resolvi me levantar. Vejo pela sua aparncia que teve uma noite regada de sonhos felizes! afirmou Zorac com ar de ironia. Zara olhou para mim e abaixou a cabea. Percebemos que Zorac sabia o que havia acontecido entre ns. Sorrindo, respondi: Sinto-me como se minha vida estivesse comeado hoje! timo! A partir de hoje vocs estaro realmente comeando uma nova vida. Venha, sente-se e junte-se a ns. Sentei-me ao lado de Zirat e juntos recebemos as informaes de Zorac.

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Estamos na Segunda noite da lua cheia, vocs iro aproveitar para atravessar o porto das Muralhas do Medo. Hoje um dia especial para os Ribuths que comemoram o nascimento de Buts Os portes estaro abertos para os adeptos. Uma vez l dentro, procuraro por Mosec e diro que eu os enviei. Mostrem as pedras e ele saber orient-los como proceder. E quanto a Zara? Ela poder ir conosco? No correr o risco de ser reconhecida como a virgem foragida? Ela dever se vestir de modo que a cicatriz do brao esteja vista. Mesmo reconhecida no correra riscos, pois j no possui as caractersticas exigidas pelo ritual. Entretanto, importante saber: Voc assistiu alguma vez aos rituais? perguntou a Zara. No, jamais assisti. timo! Caso contrrio estaria condenada morte. Devero partir tarde, mas antes quero que sentem todos em volta da mesa. Vamos invocar meus amigos invisveis para pedir a proteo deles nesta empreitada.

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Zorac mandou o auxiliar fechar a porta ficamos na penumbra. Alis, as sombras eram caracterstica daquela casa. Zorac pediu que ficssemos de olhos fechados e acompanhssemos as palavras que iria pronunciar em voz alta. Depois de alguns instantes comeou a falar. Sua voz rouca imprimia um ar lgubre ao ambiente. Olhei para meu irmo e percebi que ele havia debruado sobre a mesa e parecia estar adormecido. Com os olhos entreabertos, vi sair de sua boca, das narinas e de seus ouvidos algo parecido com uma fumaa branca, que foi se estendendo em grande quantidade e, aos poucos tomando a forma de um homem. Fiquei assustado. Era meu pai! Tomado pela emoo, derramei o pranto ia me levantar para abra-lo, mas Zorac me impediu. Meu pai comeou a falar: Meu filho, o que v agora, no futuro ser corriqueiro em sua vida. jamais esquea de que viveremos para sempre! E que para destruirmos nossos inimigos, no basta matar o corpo. preciso muito mais que isso. Quando estiverem associados aos Ribuths, eu no poderei comparecer aos rituais, mas aqui, com Zorac, faremos planos para nos-

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sa vingana contra aqueles que tentaram destruir nossa famlia. Sidrac j est do nosso lado e juntos vamos aplicar a justia. Meu pai se calou e vi sua figura desvanecer at desaparecer. Zorac quebrou o clima repleto de emoo em que eu estava mergulhado. As lgrimas ainda rolavam pelo meu rosto quando ordenou: Desperte seu irmo. Eu sacudi Zirat. Ele acordou, parecia no saber de nada do que havia acontecido. Falou meio confuso: Devo ter adormecido. Sonhei com nosso pai. Tive a impresso de que ele estava aqui. Ainda emocionado, narrei os acontecimentos. Depois de me ouvir, perguntou a Zorac: Por que no pude ficar acordado para v-lo? Essa a desvantagem do elemento passivo. Apesar de ter visto mais do que ns, no se recorda de nada. voc viu todos que estavam presentes e ns vimos apenas vosso pai. Fiquei feliz ao presenciar a quantidade enorme de material desprendido por voc no momento da materializao. sinal que, quando estiver entre os Ribuths, poder che-

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gar a liderana. Zara estava assustada, porm ficou feliz ao presenciar o inusitado acontecimento. Como eu, ela agora sabia que no estvamos sozinhos. Ainda com muitas duvidas, perguntei para Zorac: Meu pai falou em vingana, percebi seu dio por Liburc, mas como poderemos ajudar? Agora nada podero fazer. Mas quando estiverem participando da seita dos Ribuths, vosso poder sera incomensurvel! Deixemos esse assunto para mais tarde, pois bom que se preparem para partir. no esqueam que tero que procurar por Mosec. Juntamos algumas provises, colocamos no alforge e partimos. Zorac deu um vestido para Zara, com o qual ficou ainda mais bonita. A expectativa entre ns era grande. Zirat, calado, seguia ao nosso lado. Ao notar que eu e Zara caminhvamos abraados, percebeu o que estava acontecendo entre ns. O Sol descia em direo ao horizonte. Passamos pela estrada que cortava a floresta e j estvamos atravessando os campos cultivados. Dali

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avistamos ao longe as enormes Muralhas do Medo. Zirat parou e ficou olhando para as muralhas. Depois de permanecer pensativo por algum tempo, perguntou: Zlio, ser que para la que devemos ir? Ser que esse o nosso destino? Qual outra opo que nos resta? No sei. no seria melhor ir para a cidade procurar outros caminhos e esquecer tudo? Existem coisas difceis de esquecer. A morte de nossos pais jamais ser apagada de minha mente. Assim como ele, eu tambm anseio pela vingana. Voc tem razo, devemos isso ao nosso pai. No podemos esquecer que graas a ele que estamos vivos. Mais animados, voltamos a caminhar. Vez ou outra, Zara beijava minha mo, puxando-a para junto de seu rosto em uma atitude carinhosa. Quando nos aproximamos das muralhas, vimos uma multido que chegava de todos os lados. Muitos dos que estavam entrando nos domnios dos Ribuths traziam suas carroas cheias de viveres, outros

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carregavam pequenos animais provavelmente para oferecer durante a cerimonia. Juntamo-nos multido e entramos para o interior das muralhas. Eram to altas que escondiam a imensa cidade construda em seu interior. As Casas e os casebres eram de formato arredondado e quase todas possuam no alto uma torre de forma piramidal com janelas nos quatro lados. J estava escuro, a noite cara impiedosa, dificultando nossa viso. Seguimos a maioria das pessoas que se encaminhavam para o templo como nos informou Zara, que demonstrava conhecer grande parte daquele lugar. O templo era enorme. Centenas de tochas acesas clareavam todo o ambiente. No lugar onde parecia ser o altar, estavam dependuradas as figuras das quatro faces da lua fundidas em ouro. Sob elas, uma enorme mesa redonda esculpida em pedra polida. Em torno dela, estavam sentados vinte homens com longas tnicas e com os rostos semi-encobertos por um capuz. Segundo Zara, eram os membros do conselho supremo dos Ribuths, o que se confirmou mais

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tarde, quando comeou o ritual da consagrao dos seguidores presentes e o rito de louvor e gratido s foras invisveis. A cerimonia varou a madrugada. Pela manh, o templo ficou vazio, restaram apenas os membros do conselho. Estes tambm se retiraram e apenas um deles ficou. Veio at ns e perguntou: Por que no partiram? Estamos a procura de Mosec. Ele olhou para os lados demonstrando um certo ar de preocupao e indagou em voz quase inaudvel: Com que finalidade procuram Mosec? Somos filhos de Zenc. Quem nos mandou procur-lo foi Zorac explicou Zirat. Venham, eu os levarei at Mosec. Conduziu-nos apressadamente para fora do templo. Caminhamos por varias ruelas at que chegamos a uma casa grande construda ao p de uma serra e rodeada de arvores enormes. Fomos acomodados em uma ampla sala. Ali, ao contrrio da casa de Zorac, a luz penetrava pelas vrias janelas dispostas em pontos estratgicos, por onde os

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raios solares invadiam o ambiente em abundancia. Algumas jovens preparavam a mesa. A grande variedade de frutos e de assados denunciava a fartura reinante naquela casa. Alguns pratos com frutos do mar foram dispostos sobre a mesa. Flores adornavam o ambiente causando a sensao de que estvamos a cu aberto. Uma das jovens nos conduziu a uma especie de varanda coberta, onde havia um lago construdo com pedras sobrepostas. A gua cristalina descia da serra por canaletas confeccionadas com bambus, formando uma bica abundante que mantinha a gua constantemente renovada. A jovem nos ofereceu roupas e insinuou para que nos banhssemos. Assim fizemos. Estvamos ainda na gua quando Zirat sorriu e afirmou, mantendo um certo brilho nos olhos: , Zlio, acho que este o nosso lugar! Zara olhou para mim e sorriu. Parecia que ela concordava com Zirat.. Brincamos um pouco mais, aproveitando as deliciosas guas que pareciam revigorar nosso nimo. As tnicas que recebemos eram brancas com

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detalhes dourados. O vestido de Zara deu-lhe um ar de nobreza, combinou com aquele lugar cheio de vida. O sol parecia nascer ali, ao p da serra, o canto das aves ecoava por toda a parte. Retornamos para a sala, onde nosso anfitrio estava sentado na cabeceira da mesa. Ele sorriu para ns e nos convidou para sentar. Comemos de tudo que estava sobre a mesa, eram iguarias que jamais havamos experimentado. Zara as conhecia e nos recomendava as melhores. J estvamos saboreando as frutas quando o homem comeou a falar: Estou feliz por estarem aqui! Os trs so filhos de Zenc? No senhor, somente eu e Zlio. Meu nome Zirat. Como escaparam da Ilha Pequena? Nosso pai nos ajudou. Vosso pai foi morto por Liburc. Como pode ajud-los? Percebi que perguntou de forma irnica, parecia saber de tudo. Mesmo assim, Zirat respondeu, explicando: Atravs de um sonho, meu pai mandou

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que eu guardasse uma canoa no topo da ilha onde morvamos. Com ela, consegumos sobreviver s guas que tomaram conta de todo o lugar. Percebi que Zirat ficou preocupado com o interrogatrio e, ento, interrompi a conversa, fazendo uma pergunta: Quando ir nos conduzir at Mosec? Eu sou Mosec! No devem se preocupar esto seguros aqui. Experimentamos um grande alivio. Zirat sorriu de contentamento e agradeceu pela hospitalidade. Mosec continuou: Vosso pai prestou muitos servios nossa organizao. Ele e Sidrac eram elementos importantes para os Ribuths. Espero que Possam preencher o vazio que eles deixaram entre ns. Trouxeram as pedras que legaram a vocs? Sim, esto aqui. Zirat as colocou sobre a mesa. Mosec as juntou e, depois de examina-las, perguntou: Zorac testou o potencial de vocs? Sim! respondeu Zirat.

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E qual foi o resultado alcanado? Eu me antecipei a Zirat e expliquei: Quando Zorac nos convocou para pedirmos proteo aos invisveis , meu irmo adormeceu enquanto ele falava e, logo depois, meu pai se materializou e falou comigo. Isso timo! Em breve podero participar do ritual. At la, vou prepar-los. Depois de integrados, podero desfrutar dos direitos e privilgios concedidos aos membros do conselho dos Ribuths. Tero uma casa como esta e todos os demais acessrios para garantir vosso conforto. Zirat no consegua disfarar a alegria de que fora acometido. Zara me abraou, demonstrando a emoo que estava sentindo pelo que estava acontecendo naquele momento. Deixamos Zirat conversando com Mosec e fomos passear nos jardins prximos a varanda onde nos banhamos. Era como se estivssemos sonhando. Tudo a nossa volta compunha um clima de felicidade. Caminhamos at o p da serra. A relva aquecida pelos raios solares insinuava um aconchegante tapete. Deitamos. Com apenas o sol e pssaros

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como testemunhas, trocamos juras de amor. Estava olhando para seu rosto no momento em que era banhado pelos raios do sol, ressaltando sua beleza, quando ela, estimulada pelo clima romntico que nos envolvia, comeou a falar: Zlio, contempla o cu, veja como as nuvens se movimentam rumando para lugares distantes. Parecem apressadas, mas na verdade seguem tranquilas e confiantes na fora que as conduz. Agora feche os olhos, sinta o vento passando por entre ns e indo agitar as arvores na floresta. ele que carrega as nuvens, agita as ondas do mar, transporta os gros de areia e sustenta as aves no ar. No como o rio, que nasce na fonte e desgua no mar. no sabemos de onde ele vem e nem podemos v-lo, mas podemos senti-lo! Est em toda parte. Surge as vezes brando e suave espalhando por toda parte o perfume das flores, das matas e o cheiro do mar. Outras vezes agitado, violento e forte, varrendo a face da terra e espalhando a destruio e a morte. Sopra frio ou sopra quente, como nossa respirao: quando estamos amando e trocando juras de amor, nosso halito tem o aroma das flores e sopra morno como a brisa do mar no vero, mas quando

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odiamos, ele sopra frio, exalando o cheiro da dor, inspirando a violncia, a vingana e a morte. Eu estava atnito! As palavras de Zara revelaram existir por trs daquela beleza algo ainda maior e mais belo. Ela continuou: Meu povo ensinava que o vento o halito do Senhor dos Mundos e que reflete seus sentimentos. Se descobrirmos de onde o vento sopra, poderemos chegar at ele. Muitos do meu povo enlouqueceram tentando. Voc acredita que existe um Senhor dos Mundos? Eu no sei. s vezes fico pensando o que acontece a nossa volta e chego a acreditar que realmente ele existe e que esta no comando da vida, sobrevivemos de seu halito. Sem ele morreramos. Eu tenho vivido sem ele e ainda no morri! afirmei sorrindo. Ela colocou suas mos sobre meu rosto e comprimiu meu nariz e minha boca. Quando eu estava quase sufocando, ela retirou as mos e afirmou, sorrindo: Est vendo! Sem ele, voc morre!

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Eu estava admirado. Realmente fazia sentido o que ela estava me dizendo. Sem o ar, morremos. A minha curiosidade aumentou. Pedi que ela continuasse a falar sobre o Senhor dos Mundos. Quando nascemos, ele que nos enche de vida, seu halito nosso primeiro alimento. O mesmo acontece com as plantas, com os animais e com todos os seres vivos. Ento ele Senhor dos Mundos somente da Parte seca pois os peixes conseguem viver sem ele. Quando ele exala seu halito sobre as guas do mar, agitando as ondas, as guas absorvem sua essncia, suprindo a vida nos seres que habitam as profundezas. Por que Senhor dos Mundos? Existem outros mundos? Segundo o que aprendi com os mais velhos de nosso povo, chamados de Guardies Historia, antes de ns, em todas essas ilhas, viviam seres muito inteligentes e sbios. Consta que eles tinham um poder muito grande sobre a natureza, realizavam coisas inimaginveis. Adoravam uma estrela distante, dizendo que era o mundo de onde vieram. A

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morte para eles significava a libertao, diziam que aqui era um mundo destinado aos proscritos. Interessante! Quando eu era criana minha me falava dessa estrela, afirmava que viemos de l e que seu maior desejo era voltar. Silenciamos por alguns instantes. Estava meditando sobre o que Zara dissera e a coincidncia de minha me tambm falar sobre outro mundo quando ela quebrou o silencio: Sabe, Zlio, quando estive prisioneira dos Ribuths, senti soprar naquele ambiente o vento carregado de dio e de violncia. Por isso, embora a alegria que sinto em estar ao seu lado tudo que estamos conseguindo, no posso deixar de me preocupar com o futuro que nos aguarda. Em uma das noites em que eles praticavam a consagrao dos adeptos, estava apenas eu e uma das criadas que serviam as vitimas prisioneiras, Zoraide era seu nome. Em determinado momento, ela foi acometida de uma sonolncia extrema, fui obrigada a ajuda-la a se deitar. Logo em seguida, ainda dormindo, comeou a falar: No tenha medo. voc no sera sacrificada. Eu vou tir-la daqui. Per-

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cebi que a voz dela estava diferente, o rosto dela havia se transfigurado ento perguntei quem era ela, que disse: Sou uma amiga. Vim para ajud-la a sair deste lugar . Disse ela: Estamos trancadas, como poder me ajudar a sair daqui? Zoraide pediu para que eu fosse at a porta, caminhei at l e ela se abriu diante de mim. Surpresa, virei para trs e quando olhei em sua direo, ela sorriu e afirmou: V, no tenha medo! Voc conseguira escapar, estarei sempre ao teu lado. Vou guia-la para que um dia possa servir a nossa causa. Foi assim que consegui escapar dos Ribuths. A revelao que acabara de ouvir indicava que estvamos envolvidos em algo muito estranho. Ficamos ali durante horas cogitando sobre o que significava todo aquele envolvimento com foras que no conhecamos.

A vida uma escola onde os prprios alunos se transformam em material didtico

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No TeMPlo DoS SAcRifcioSOs dias se passaram. Mosec nos orientou sobre tudo o que deveramos saber. Aproximavase o momento em que seriamos apresentados aos demais membros dos Ribuths. A expectativa era grande e estvamos apreensivos Certo dia, pela manh, Mosec nos levou para conhecer o lugar onde os rituais secretos eram realizados. Zara no pode nos acompanhar na caminhada at o templo. Chegando l, entramos por uma porta onde se postavam quatro guardas. Descemos por uma longa escadaria at chegarmos em um salo enorme, o qual parecia estar localizado sob a terra. No centro havia uma mesa redonda com quatro amarras presas a madeira e, em tomo dela, a uma certa distancia, contei dez mesas retangulares, pequenas e baixas que circundavam o salo. Passando a mo sobre

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a mesa redonda, Mosec explicou: Aqui nesta mesa oferecemos as vitimas aos nossos aliados do mundo invisvel. Com aquela afirmao e a influncia daquele ambiente, o toque de magia em que estvamos envolvidos at aquele momento se quebrou como por encanto. Senti uns arrepios estranhos e meu nimo arrefeceu. Zirat perguntou: E as mesas pequenas, para que servem? No so mesas. so leitos onde se deitam os membros passivos para a produo dos elementos necessrios para a realizao das materializaes de nossos aliados invisveis. Qual a funo do elemento ativo? Perguntei preocupado. a de atender os amigos invisveis e anotar suas exigncias e orientaes. Ao ouvir quais seriam minhas atribuies senti uma sensao estranha. S de pensar em falar com mortos estranhos fui acometido por um mal estar que durou alguns instantes, at que consegui me equilibrar. ento questionei: Qual a finalidade dessa troca?

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So eles que transformam as pedras em ouro e a gua em pedras preciosas. E o que sustenta nossa seita. O que o povo da como oferenda no suficiente? O que recebemos do povo muito pouco. Para enfrentar Liburc preciso manter centenas espies espalhados por toda a cidade de Zantar. Precisamos estar informados de suas no tenoes e isso nos custa muito ouro. A manuteno de nossos domnios tambm dispendiosa. Por que a rivalidade entre os Ribuths e Liburc? Liburc filho de Mondai. Este era o governador supremo da cidade, tinha um corao generoso, amava seu povo, a felicidade reinava em Zantar. Ns, os Ribuths, mantnhamos uma convivncia pacifica com ele e com o povo. Liburc, um jovem vaidoso, sentia ciume do prestigio que o pai desfrutava entre os homens e as mulheres de toda a cidade. Assessorado por foras invisveis e pelos aliados que compartilhavam de seus propsitos, plane-

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jou e executou o assassinato do prprio pai. Depois, conseguiu convencer o povo que seu pai fora morto pelos Ribuths. Com isso, assumiu o comando geral de Zantar, prometendo ao povo vingar a morte daquele que fora um lder adorado e respeitado por todos. No combatemos ele, apenas nos defendemos. Liburc sabe dos tesouros que conseguimos atravs de nossos rituais, por isso mantem a maioria do povo contra ns, visando um dia penetrar nossas muralhas e tomar posse de nossas riquezas. De que forma os mortos transformam o ouro entregue aos Ribuths? perguntei. Eles no permitem que observemos o momento da transformao. Simplesmente o ouro surge no lugar das pedras e o mesmo se d com as pedras preciosas. Zirat, impressionado com a revelao de Mosec, perguntou: Como dividido todo esse ouro? Tudo o que conseguimos at agora est guardado na sala do tesouro, localizada no prdio do poder central. Pertence a todos ns. Com um brilho estranho no olhar, Zirat conti-

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nuou suas indagaes: Quem detm o poder maior dos Ribuths? O poder supremo pertence ao conselho composto pelos pares. Ento faremos parte desse conselho? Sim, devo apresenta los ao conselho amanh. Depois das prximas trs luas, sero convocados para participarem do ritual. Depois que Mosec nos deixou, eu e Zara, ficamos conversando sobre tudo o que estava acontecendo conosco. A ansiedade que se instalou no meu peito, roubou-me parte da noite, impedindo-me de adormecer.

No existe a derrota! o que, existe so apenas alguns momentos mais difceis!

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PeRANTe o coNSelHoNo dia seguinte, fomos acordados pelos criados, que trouxeram as roupas que deveramos usar para nos apresentarmos diante do conselho. Eram vestimentas confeccionadas por mos habilidosas, os detalhes em azul simbolizavam as fases da lua, o tecido branco assemelhava se ao linho, porm de uma textura mais densa. Os criados e as criadas nos ajudaram at que as roupas estivessem ajustadas em nosso corpo. Mosec veio logo em seguida e nos conduziu para o edifcio do conselho. Ao chegarmos diante da sala destinada as reunies, fez algumas advertncias e ns entramos. Todos os membros j estavam sentados em torno da enorme mesa, que estava no centro da sala. Mosec era quem secretariava a reunio. Dois lugares estavam reservados, onde eu

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e Zirat sentamos. Depois de algumas reverencias, Mosec comeou a apresentao: Queridos membros do conselho, estes que agora participam da mesa so Zirat e Zlio, filhos de Zenc. Como todos aqui sabemos e lamentamos muito, Sidrac e Zenc foram assassinados pelos homens de Liburc e, consequentemente, Zirat e Zlio, depois de obterem a anuncia deste conselho, devero ocupar seus respectivo lugares. Como membro do conselho e mestre de cerimonias, dou por aberta a discusso para a para a posterior votao, a fim de decidirmos se os aceitamos ou no. Um dos membros, de nome Ephis, pediu a palavra e fez uma observao: Desde quando foi fundada a Irmandade dos Ribuths pelos irmos Rina e Buts, esta ser a primeira vez que teremos um par composto por irmos. Eu creio que isto assinala que poderemos estar diante um perodo de grandes conquistas. Por isso, desde j, meu voto sim! Que sejam bem-vindos os filhos de Zenc! Os demais membros demonstraram grande entusiasmo e foram unnimes na votao. Mosec

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foi o primeiro a se levantar e vir at ns para nos abraar. Os demais, depois de nos desejarem as boas vindas, formularam muitas perguntas, ficaram admirados com a forma como fomos salvos da Ilha Pequena. Depois de muita festa, retornamos a casa de Mosec. Ele ficou incumbido de nos entregar a casa que deveramos ocupar. Logo apos o banquete oferecido por Mosec em homenagem a nossa integrao ao conselho, Zirat saiu para conhecer um pouco mais os domnios dos Ribuths, enquanto eu e Zara fomos caminhar margeando a floresta. Sentia-me melanclico, relembrava o tempo de minha infncia na Ilha Pequena. Sentia saudade de minha me, das estorias que ela contava sobre um mundo distante, onde, segundo ela, todos vivemos um dia. Apontava constantemente para uma das estrelas e afirmava: de l que todos viemos! Um paraso que no soubemos fazer por merecer, por isso fomos relegados a este mundo! Percebendo minha introspeco, Zara argumentou: Percebo que voc esta preocupado. Tua

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incluso no conselho no lhe agradou? No sei, sinto uma insegurana muito grande. Alguma coisa me diz que deveramos partir e esquecer os Ribuths e tudo mais. Compreendo sua preocupao, estamos nos envolvendo em algo que desconhecemos. Isso tambm me preocupa. Quando recordo o que Liburc fez aos meus pais, chego a desejar estar nessa guerra, mas ao mesmo tempo sou tomado por uma sensao estranha, parece que estou enveredando por um caminho sem volta, no qual os sonhos que agora cultivo iro se apagar. Quais so seus sonhos? Viver! Mas viver livre! Desfrutar da natureza nossa volta, amar sem constrangimentos, poder sentir o que eu sinto por voc sem me preocupar com o quanto ir durar esses momentos felizes que estamos vivendo. Zlio, essa liberdade s existe enquanto somos crianas. o perodo em que o corao mais forte que a inteligncia. Entretanto, agora somos obrigados a pensar mais do que sentir, a menos que nos

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entreguemos aos impulsos do corao e estejamos preparados para suportar as consequncias que tal atitude acarretar em nossas vidas. Eu gostaria de ter coragem de obedecer aos impulsos do corao, mesmo que, para tanto, tivesse que enfrentar o sofrimento que isso viria a acarretar. Mas dentro de mim existem duas foras que lutam entre si e no sei qual delas atender. Isso me deixa angustiado e me faz sofrer. Uma me pede para lutar e destruir os assassinos de meus pais, a outra clama pela paz que desejo viver ao teu lado. Porm, sinto que se no atender a primeira, no encontrarei condies para viver a segunda, que o grande sonho da minha vida. Zlio, voc no deve se angustiar. A mo do destino nos colocou diante de uma estrada da qual to j no poderemos nos esquivar. Vamos percorr-la sem deixar morrer os nossos sonhos. Vamos lutar para torn-los realidade, mesmo que para isso tenhamos que pagar um preo muito alto. A determinao e a coragem de Zara me surpreendia. Decididos a caminhar na direo que o destino nos apontava, retornamos para nossos apo-

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sentos na casa de Mosec. A noite transcorreu calma e acordamos com os raios do sol invadindo o quarto. Olhei atravs da janela e vi os pssaros voando com pequenos ramos presos ao bico, denunciando a poca da proscriao. Invejei-os pela liberdade que desfrutam. Zara j havia sado do aposento e retornou para me avisar que Mosec e Zirat aguardavam para nos acompanhar at a casa que se destinava a nos abrigar. Depois das cortesias costumeiras, rumamos para o lugar onde estava localizada. O lugar nos surpreendeu com tanta beleza. A casa, rodeada de arvores, parecia se encostar em uma queda dgua que escorria da montanha. Os respingos arremessados no ar, refletindo a luz do sol, desenhavam um maravilhoso arco-ris, cuja ponta parecia tocar o telhado da casa. A construo era ampla e aconchegante, os grandes olhos de Zara brilhavam de contentamento. Mosec sorriu e, com um gesto, chamou os escravos que estavam na casa: trs mulheres, um jovem e dois senhores. Apontando para eles, afirmou-nos: Estes sero vossos criados. Estaro encarregados da manuteno, da limpeza e da alimenta-

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o. Enquanto forem membros do conselho, tero o poder sobre suas vidas. Depois das recomendaes cabveis, Mosec nos conduziu por toda a casa, mostrando cada aposento. Logo depois, partiu com Zirat. Ali estvamos! Era como se tivssemos sido inseridos em um paraso cercado de beleza e de mistrio! Uma coisa me intrigava: por que meu pai no criou a famlia em uma destas casas destinadas aos membros do conselho? Por que optou por deixar sua famlia na Ilha Pequena? Estava tentando encontrar as respostas quando Zara se aproximou. Estava acompanhada de uma das escravas e, apontando para ela, afirmou: Zlio, esta Zoraide, a escrava que me ajudou a escapar do sacrifcio. Um tanto constrangida e admirada, a empregada afirmou: Eu no sei do que a senhora esta falando! Eu no a ajudei a escapar, at hoje no consigo entender como escapou. A porta estava fechada! Depois que a senhora sumiu, foi preciso algum abr-la para que eu pudesse sair.

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Voc no se lembra do que falou para mim naquela hora? S consigo me lembrar que a senhora estava comigo. Depois, sem que nada houvesse acontecido, constatei que estava sozinha dentro da cela. Quando chegaram os guardas, cravaram-me de perguntas e s no mandaram me matar porque a cela estava trancada e eu consegui convence-los de que havia adormecido e no sabia de nada.

Quem busca facilidades no presente, semeia dificuldades para o futuro.

TeRceiRA PARTe

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No RiTuAlEra noite de lua cheia. Havia chegado o momento que eu esperava com apreenso e ansiedade. Zirat veio me buscar e fomos para o local do ritual. Todos os membros passivos e ativos estavam presentes, alguns dos passivos j se encontravam deitados em seus leitos. Uma linda jovem com grilhes nos pulsos e nos tornozelos era conduzida por um escravo de estatura avantajada. Trazia na mo uma jarra e servia seu contedo para os membros passivos. Todos tomaram um gole, inclusive Zirat, que j estava acomodado em seu leito. Quase todas as tochas foram apagadas, ficando apenas uma prxima da mesa do sacrifcio. As demais estavam bem distantes. O escravo obrigou a jovem a tomar o contedo final da jarra e a amarrou sobre a mesa. De cada

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um dos membros deitados sobre os leitos comeou a sair por quase todos orifcios, inclusive pelas narinas, a mesma substancia que Zirat expeliu na casa de Zorac. Aos poucos essa nvoa foi tomando varias formas. Eram figuras de homens, alguns com a aparncia animalizada, uma cena horripilante. No demorou muito, comecei a ouvir gritos ensurdecedores e voluptuosos que ecoavam por toda a enorme sala. A cada momento, um deles debruava sobre a vitima e emitia gritos estridentes de gozo e de prazer. Depois de quase uma hora, Mosec fez um sinal ao escravo, que se aproximou da vitima e a executou com uma lamina, desferindo-lhe um golpe mortal Nessa hora, todos se amontoaram sobre as fendas por onde escorria o sangue ainda quente. As pedras que estavam dispostas sobre uma pequena mesa cederam lugar a uma poro de artefatos de ouro. A gua colocada em uma pequena vasilha foi substituda por joias trabalhadas com pedras preciosas. Fiquei impressionado! O ser invisvel que se materializou atravs do material de Zirat aproximou-se de mim e com a fisionomia aparentando um sorriso quase imperceptvel, pois seus lbios estavam mal formados, passando o brao na

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boca, falou: Quero beber! Eu fiz um sinal ao escravo que segurava a vasilha contendo a beberagem, que veio at ns e encheu um recipiente menor, o qual dei ao aliado invisvel. Para minha surpresa, foi at onde estava Zirat e derramou a beberagem sobre a sua boca, Depois disso, todos comearam a se desvanecer at que desapareceram. Zirat e os demais passivos acordaram. Alguns escravos entraram e comearam a limpar o lugar, saindo apos a limpeza. Ao lado da mesa onde estava o ouro, apareceu um tacho grande cheio de um liquido semelhante ao da beberagem. Depois de limpo, sem a presena do corpo da vitima, o ambiente se transformou em um lugar festivo, com lindas jovens trazendo muitas iguarias e alguns dos escravos retornando com alguns instrumentos de percusso e comeando a executar uma bateria de sons. As jovens cantavam e danavam a nossa frente. Era um som muito executado pelos habitantes das ilhas. Durante a dana, as moas tiraram suas roupas e comearam a danar

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com mais frenesi. A beberagem do tacho comeou a ser servida e todos se encharcaram dela, exceto os escravos. A volpia tomou conta de meu ser, comecei a danar e a cantar um monte de besteiras que vieram minha cabea. Todos estavam envolvidos pelo clima de festa e de orgia. A bebida inflamou meu ser, no resisti e acabei participando de tudo. Entreguei-me aos caprichos e s fantasias das jovens que me assediavam. A festa durou at o amanhecer, quando retornei para casa. Zara provavelmente me esperava ansiosa em saber tudo sobre o ritual. Eu me sentia estranho, no estava cansado e nem sonolento. Quando cheguei, Zara estava na varanda. Ao me avistar, sorriu e correu em minha direo, jogando-se sobre mim com os braos abertos. Beijou-me ardentemente. Estava curiosa e preocupada, perguntando logo: Ento como que se saram os novos membros dos Ribuths? Agora se sentem mais poderosos? Eu sorri, disfarando um certo remorso que se apoderou de mim ao v-la to bela e to apaixonada. Ento falei:

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Eu e Zirat no nos sentimos poderosos, agora ns somos realmente poderosos. Quanto mais poder, mais amor vou poder lhe oferecer. Realmente, a cada dia nosso amor crescia. O tempo foi passando. Estvamos vivendo um momento de suprema felicidade, tudo que podamos imaginar era colocado aos nossos ps. Zirat recebeu um verdadeiro palcio para habitar, vivia rodeado de luxo e de lindas mulheres. O ouro oferecido pelos invisveis nos tornava cada dia mais ricos e poderosos. Liburc muitas vezes enviou seus espies para tentar descobrir de que forma conseguamos transformar as pedras em ouro e a gua em pedras preciosas, mas logo eram descobertos pelos nossos guardas, que os eliminavam prontamente. Sentamos segurana plena, garantida pelas muralhas e pelos precipcios profundos que circundavam o outro lado da cidade. Com o passar do tempo, tornei-me um apaixonado pelos rituais, principalmente com a festividade que sucedia as cerimonias.

Quando nos tomarmos sbios, seremos os ltimos a saber

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eSTRANHA DeScoBeRTAEstvamos reunidos para um novo ritual, tudo estava preparado. A vtima, os passivos e os escravos se mantinham a postos e logo se iniciaram as materializaes. Os invisveis se alternavam nem sempre eram os mesmos que compareciam. Eu alimentava a curiosidade de saber como eles conseguiam transformar as pedras em ouro e a gua em pedras preciosas. Resolvi observar, manter meu olhar fixo sobre a mesa onde estavam as pedras. Apesar de atento, no consegui. Ao fixar o olhar de forma mais apurada tentando identificar as pedras quase ocultas pelas penumbra, reconheci os artefatos de ouro ocupando a mesa. Aconteceu multo rpido, no consegui perceber qualquer movimento em tomo das pedras. Depois da partida dos invisveis, antes de comear as festividades, aproximei-

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-me da mesa. Fiquei surpreso ao ver o medalho de ouro que minha me havia me dado. Sem que ningum visse, coloquei-o sob a roupa. Quando comeou a festa, eu me despedi e me retirei do salo. Retornei para junto de Zara. Comemos alguma coisa e fomos para os aposentos onde dormamos Deitados no leito, comeamos a conversar. Zara percebeu que eu estava preocupado ento perguntou: Por que retornou cedo? No participou do ritual? Sim, participei, apenas no fiquei at o final. Aconteceu uma coisa estranha e estou tentando compreender. O que aconteceu de estranho? Peguei o medalho e mostrei para ela dizendo-lhe: Esta vendo este medalho? Foi minha me que me deu. No podia estar aqui, eu o deixei quando abandonamos a ilha. Ele estava no fundo do mar, olha as marcas que a gua fez. Alem do mais, voc pode at sentir nele o cheiro da maresia. Como ele veio parar em tua mo?

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Os invisveis o colocaram junto com demais artefatos de ouro que se transformaram das pedras. Zara me olhou com um olhar de quem podia explicar o que acontecera. Ento lhe perguntei: O que ? Vai dizer que sabe o que aconteceu? Zlio, os invisveis no transformam as pedras em ouro. Eles vo buscar esses artefatos no fundo do mar. Todo esse ouro fazia parte das riquezas que submergiram com as ilhas. Fiquei admirado com a deduo de Zara, era realmente isso que estava acontecendo. Eles conseguiam transportar o ouro do fundo do mar at a mesa do ritual, fazendo-nos crer que transformavam as pedras em ouro, o mesmo acontecendo com a gua e as pedras preciosas. Estvamos rindo da descoberta quando Zoraide entrou no quarto. Estava estranha, o clima do ambiente foi se alterando, tornou-se sombrio. Zoraide cambaleou e, amparada por Zara, sentou-se em uma cadeira que estava no quarto. Com o rosto transfigurado, assumindo quase que totalmente a fisionomia de meu pai, comeou a falar: Meu filho, chegou a hora de executar nossos

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planos. Meu corao clama por vingana No prximo ritual, vamos dar um passo importante para que o poder sobre os Ribuths seja entregue a vocs Temos que assumir o controle da comunidade, dentro e fora de nossas muralhas. Eu estava atnito diante do que via e ouvia, enquanto meu pai prosseguiu falando. Os membros dos Ribuths tornaram-se hipcritas! Abandonaram a mim e a Sidrac. Precisamos pun-los. Como poderemos ajudar? Durante o ritual, quando Zirat se deitar para servir aos invisveis, materializaremos um dos que esto do nosso lado. Ele se incumbir de fazer o que deve ser feito e voc dever ajud-lo. O que deverei fazer? Enquanto os invisveis estiverem se banqueteando com a vitima, os membros ativos sero envolvidos por nossos aliados e iro adormecer. Nessa hora, nosso aliado j materializado entregar a voc um frasco contendo um p escuro. Coloque o frasco sobre o fogo da tocha prxima da mesa do sacrifcio e depois se afaste para perto de onde

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estiver Zirat. E se formos descobertos? No tema, tudo estar sobre controle. Depois dessa afirmao, Zoraide comeou a se contorcer e a se transfigurar, voltando a aparncia normal. Pelo seu comportamento, percebemos que no se deu conta do que havia acontecido, estava constrangida por estar sentada diante de nos. Levantou-se rapidamente, pediu permisso para se retirar e retornou para junto dos outros servos que estavam na cozinha. Zara me olhava fixamente, esperando que eu dissesse alguma coisa. Mantive-me calado, pois estava surpreso e confuso com tudo aquilo, parecia um sonho do qual esperava acordar a qualquer momento. Sentei-me e meu corao batia descompassadamente. Zara se aproximou e comeou a me acariciar, deslizando sua mo entre os meus cabelos para tentar me acalmar. Zlio, sei que tudo o que aconteceu nesta sala foi um choque para voc, mas devemos reconhecer que pelo menos respondeu todas as nossas indagaes. Agora sabemos no que estamos envolvidos.

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Ficou claro que a guerra entre Liburc e os Ribuths assumir novas propores. Quer queiramos ou no, estamos envolvidos nela e no sabemos quais sero suas consequncias. Isso verdade. Ento s nos resta aguardar os prximos acontecimentos. A partir daquele momento, instalou-se em meu corao uma sensao de medo e de apreenso. Senti vontade de falar com Zirat, mas me contive. Seria melhor conversar com ele depois de executar o plano de nosso pai.

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eXecuTANDo o PlANoPassamos os dias que antecederam o prximo ritual usufruindo das belezas que circundavam nossa casa. Conseguimos uma certa descontrao, afinal, tudo o que estava acontecendo fazia parte de nossa vida. Zara adorava a gua, constantemente banhava-se na cachoeira. Atendendo ao instinto e ao costume cultivado desde criana, distraia-me caando os pequenos animais da floresta prxima, os quais mandava preparar para o jantar ou para o almoo. Outras vezes, passava o dia ouvindo Zara contando historias sobre os mistrios da vida. To nova e j tinha acumulado tanto conhecimento, sabia mais do que eu sobre os povos e sobre as ilhas, at mesmo sobre a ilha onde nasci e me criei. Em certos momentos em que a observava de longe, tive a impresso de que

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ela conversava com o vento. No dia do ritual pela manh estvamos deitados na relva como sempre fazamos Zara, acariciando-me os cabelos comeou a falar: Hoje noite sera o inicio de um perodo de maiores preocupaes. Se realmente voc e Zirat conquistarem o poder sobre os Ribuths nossa vida perdera o encanto em que estamos envolvidos O canto dos pssaros que agora nos acalma, tornarse- estridente aos nossos ouvidos o murmurar das guas que agora deleita nossos ouvidos, tornar-se- um barulho insuportvel. De onde voc tirou essa ideia? Oua o vento assobiando ao passar entre os galhos das arvores sua meldola melanclica e triste. pressagio de muitos temores e sofrimentos que se abatero sobre esta ilha. O Senhor dos Mundos esta triste, por isso seu vento sopra melanclico. Voc esta enganada. Eu e Zirat vamos ser apenas os senhores desta ilha, isso no vai incomodar o senhor de tantos mundos. Pode ter certeza que no por nossa causa que ele est triste.

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Zlio, voc sabe o tamanho desta ilha? Sei que muito grande, mas no sei o quanto. Nem sequer sa de dentro dos domnios dos Ribuths, como poderei saber? Os Guardies da Historia chamavam esta ilha de Ilha Sem Fim. Ningum jamais alcanou o outro lado da Ilha Grande ela vai multo alm da cidade de Zantar. Dizem que existem outros povos habitando lugares multo distantes da cidade de Zantar. Eu no estou interessado nos outros povos e nem nos outros lugares. Temos que nos preocupar com o que temos de real. Estou confiante que esta noite vamos dar um passo muito importante na direo de nossa felicidade. Espero que esteja certo do que vai fazer. Pedirei ao Senhor dos Mundos para proteg-lo. No se preocupe tudo dar certo! afirmei cheio de convico. noite, preparei-me e parti para o local do ritual. No falei nada para Zirat, s depois da cerimonia eu iria lhe contar os detalhes do plano. Tudo estava pronto. Zirat e os demais membros passivos

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encontravam-se acomodados nos leitos. Assim que trouxeram a vitima, comearam as materializaes. Os invisveis, depois de materializados, colocaramse em volta da mesa do sacrifcio. O aliado de meu pai tambm j havia se materializado, mantinha-se prximo a Zirat e no foi notado. Aproximou-se e me deu o frasco, olhei em volta e vi os membros ativos adormecidos e espalhados pelo cho e a mesa estava encoberta por aquelas criaturas horrveis debruadas sobre a vitima sacrificada. Aproximei-me da tocha, coloquei o frasco sobre ela e me afastei, indo para perto de Zirat. O aliado havia desaparecido. No demorou muito e o frasco, em contato com o fogo, causou uma exploso que produziu um claro intenso, o qual durou alguns instantes, iluminando a mesa e quase todo o o ambiente. Todos os membros passivos comearam a gemer, as criaturas se desintegraram rapidamente. Fui acometido por um pesado sono e adormeci. No sei quanto tempo depois, fui despertado por Mosec. Estavam todos aturdidos, os membros passivos demonstravam sinais de enfraquecimento e de dor e, em poucos instantes, constatamos que estavam todos mor-

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tos, exceto Zirat, que despertou por ltimo. Fomos todos para a sala do conselho. Formou-se um grande tumulto, com todos os membros ativos falando ao mesmo tempo e ningum sabia explicar o que havia acontecido. Mosec tomou a palavra, pediu silencio e comeou a falar: Vamos manter a calma. O importante agora, que cada um de ns procure lembrar de alguma coisa que aconteceu antes de perdermos os sentidos. Qualquer coisa que possa parecer estranho ao nosso ritual. O silncio foi total. Senti o medo me dominar, mas acabei me controlando ao constatar que ningum se manifestou. Mosec continuou: Dos membros passivos, s nos resta Zirat. Atravs dele, iremos descobrir o que aconteceu. Dentro de dois dias realizaremos um novo ritual, onde vamos oferecer um novo sacrifcio. Encerrada a reunio, convidei Zirat para me acompanhar at minha casa. Eu precisava revelar tudo o que havia ocorrido no ritual. Estava nervoso, no sabia qual seria sua reao. Como sempre, Zara me esperava na varanda. Sua alegria ao

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me ver demonstrava o fim da preocupao que at aquele instante provavelmente dominava seu corao. Zirat fez um comentrio a seu respeito: Como voc esta linda! Quase no a reconheci nessas roupas. Realmente, Zara estava deslumbrante! O traje que usava lhe cara to bem que ressaltava ainda mais sua beleza. Abraou-me e entramos. Zirat comeou a beliscar algumas das iguarias que estavam sobre a mesa. Percebi pelo seu olhar que estava esperando minha manifestao a respeito do que houve durante o ritual. Sentamos e comecei a falar: Zirat, o que aconteceu hoje marca o inicio de uma serie de acontecimentos que vo se suceder na seita dos Ribuths. O que voc sabe a respeito do que aconteceu? Nosso pai, atravs da escrava Zoraide, falou comigo. Existe um plano por parte dele e de nossos aliados do mundo invisvel para que o poder dos Ribuths seja entregue em nossas mos. Ento voc fez parte do que aconteceu no

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ritual? Sim! Depois do que aconteceu no ritual compreendi qual o plano de nosso pai. Agora que a seita dos Ribuths depende apenas de ns dois para transportar o ouro, o momento de agirmos para conquistarmos o poder. Chegou o momento de pensar em nosso futuro. Eu e voc podemos assumir o comando dos Ribuths. Os elementos ativos, sem os passivos, nada tem para oferecer, esto fora! S resta eu e voc. At Mosec ter que se curvar diante de ns. Zirat se levantou, veio at mim e me abraou, dizendo: Voc um gnio! Zara continuou sentada, seu semblante demonstrava grande preocupao Tentei convenc-la de que eu estava certo, mas ela se recolheu para seus aposentos. Eu e Zirat conversamos at quase o amanhecer e ludo ficou definido. O cansao havia me dominado, Zirat partiu e eu fui me deitar. No dia seguinte, ao final da tarde, levanteime. Zirat me aguardava na sala e estava ansioso: Zlio, Zorac, o mago, surgiu em meus sonhos

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e me orientou para evocar Buts, o fundador da seita, durante o ritual. Ele comanda os aliados invisveis e vai apoiar nossos planos. Com o apoio. dele, vamos assumir o comando dos Ribuths. Futuramente, teremos Liburc e toda a ilha aos nossos ps. Entusiasmados com a orientao e a revelao de Zorac, conversamos por longo tempo, at chegar o momento do ritual. Apesar da expectativa, sentia-me seguro, estava decidido a ir at o fim com nosso plano. Zara, durante a madrugada, tentou argumentar contra, mas acabei lhe convencendo de que, afinal, era nossa felicidade que estava em jogo. Seguimos para o ritual. Mosec e os membros ativos j haviam preparado o ambiente para o ritual. Zirat, depois de tomar a beberagem preparada pelos aliados invisveis e servida pela vitima, deitou-se. Os membros passivos ficaram prximos mesa de sacrifcios e logo em seguida, o elemento gasoso comeou a ser expelido por Zirat. Em pouco tempo, estvamos diante de Buts completamente materializado. Olhou para mim e sorriu. Voltandose para Mosec, falou: Ao longo do tempo, os Ribuths conseguiram

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acumular grandes riquezas, porem isso apenas no basta. Precisamos conquistar o poder sobre a ilha, pois Liburc continua governando Zantar. A partir de hoje, os Ribuths tero, como outrora, dois irmos em seu comando e com eles vamos expandir nosso poder. Fez uma pausa e, vencendo as dificuldades proporcionadas pelo processo de materializao e apontando para mim e Zirat, completou: Os irmos Zirat e Zlio passam a comandar os Ribuths na Terra, enquanto que, no invisvel, eu e meu irmo continuaremos comandando nossos aliados. Mosec olhou para os membros ativos e viu que estavam atnitos com as declaraes de Buts. Ento, perguntou: E ns, o que faremos? Voc, Mosec, por sua dedicao e fidelidade, permanecer como mestre de cerimonias, selecionando as vitimas e preparando os sacrifcios Os outros devero estar fora de nossas muralhas na prxima lua. Vou partir, outro vira em meu lugar e trara valioso material que dever ser usado em

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favor de nossa causa. Sacrifiquem a vitima em seu louvor. Buts partiu e se desvaneceu. Logo em seguida, formou-se uma nova figura. Possua uma aparncia estranha, era muito grande e seus olhos eram opacos, tinham a mesma cor do corpo. Sua voz era rouca e quase no se entendia o que dizia. Fora com eles - ordenou, apontando para os membros ativos. Mosec pediu para que se retirassem, eles atenderam e saram. A figura se ajoelhou e, com as mos voltadas para o cho, pronunciou algumas palavras estranhas. Nesse momento, apareceu diante dele um recipiente de forma oval, que no possua qualquer tampa ou orifcio. Olhou para mim e disse: Este recipiente contm a arma que poder usar contra Liburc Quando se tornar necessrio, dever transport-lo at as portas da cidade de Zantar e quebr-lo quando o vento soprar do leste para o oeste da ilha. O vento se encarregara de espalhar a dor e o sofrimento nos domnios de Liburc. Depois dessa recomendao, a figura se levantou e foi at a mesa do sacrifcio, onde a vitima j se

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encontrava sacrificada, pronta para servir seus propsitos. Eu estava nervoso. Fui at o escravo que segurava o jarro da bebida oferecida aos passivos e tomei um bom gole. Senti me acalmar. Fui acometido por uma espcie de xtase, era como se eu estivesse gozando de um super vigor mental e fsico, era mais forte do que todas as outras beberagens que eu havia ingerido. Por alguns instantes voltei a ser criana, comecei a cantar uma cano de improviso. Cantei o amor de Zara, as belezas do lugar onde estvamos, falei do arco-iris que pendia sobre o telhado de nossa casa, exaltei o poder que tinha conquistado e tudo minha volta era motivo de alegria. Mosec tentou me controlar, mas foi em vo. Eu estava eufrico. Quando terminou o ritual, a euforia havia passado e logo em seguida entrei em profunda depresso e acabei desfalecendo. Mais tarde ao recuperar a conscincia, estava em casa. Zara me informou que Mosec e Zirat haviam me carregado at ali. Estava preocupado com o recipiente de barro, precisava saber de seu paradeiro. Ento perguntei para Zara: Para onde foram Zirat e Mosec? Foram descansar, disseram que mais tarde

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retornariam. O que houve com voc? - Nada, est tudo bem! - Nada? Voc chegou carregado! - Tive um mal estar, mas j passou. - E o ritual? - Correu tudo bem! Agora, eu e Zirat somos o poder supremo dos Ribuths. Em pouco tempo, toda Zantar vai estar aos nossos ps! Zara se manteve calada. Ento reafirmei: - Vou ser o senhor de Zantar. Isso no motivo de alegria para voc? - No! Para mim, motivo de preocupao - O que esta lhe preocupando? - Estamos entrando em uma guerra envolvendo foras que desconhecemos e voc me pergunta qual a minha preocupao? - Calma querida, tudo dar certo. Naquele momento, Mosec e Zirat chegaram. Fomos para a varanda e ali discutimos os planos para atingir Liburc. O recipiente estava com Zirat e, depois de coloc-lo sobre a mesa, comeou a falar: -Agora que fomos revestidos da responsabi-

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lidade de comandar os Ribuths, precisamos nos inteirar de tudo que existe por aqui, para ento comearmos qualquer ao agressiva. - Concordo com voc. Vamos aproveitar que Mosec est aqui e visitar todos os locais reservados ao comando central dos Ribuths.

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A eXPANSAo DoS RiBuTHSTudo e todos obedeciam aos planos estabelecidos. Por questes de segurana, Mosec mandou executar os membros ativos, pois sabiam demais sobre nossa organizao. Em pouco tempo, criamos um grande exrcito de guardas e espies que obedeciam cegamente as nossas ordens. A cada ritual, os invisveis se revezavam na materializao atravs dos recursos de Zirat. Transportavam valiosas riquezas que nos permitiam pagar bem aos que nos serviam e, com isso, aumentava a cada dia o numero de interessados em prestar servio na guarda. Consequentemente, conquistamos novos aliados. Muitos dos adeptos de Liburc compareciam ao ritual da consagrao no Templo de Buts, jurando fidelidade aos Ribuths. Crescia vertiginosamente o numero de novos adeptos.

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Liburc, sentindo a expanso dos Ribuths, promove um ataque s nossas muralhas. Foram muitos meses de lutas e derramamento de sangue, at que reconheceu sua impotncia diante da inexorvel fortaleza constituda por nossas muralhas. Fragilizado em seu poder, retirou-se, conduzindo suas tropas de volta a Zantar. Depois desse ataque, houve um longo perodo de trgua. Nossos espies traziam constantemente informaes de que Liburc e seus aliados preparavam apetrechos blicos para tentar transpor novamente nossas muralhas. Seus feiticeiros se reuniam todas as noites prximos de nossas muralhas para praticar rituais de magia, tentando nos atingir. Certa noite, fui acordado pelo chefe da guarda, que insistia em falar comigo. Levantei e fui recebe-lo. Ele estava nervoso e agitado, falou dobrando-se diante de mim: Senhor, um de nossos espies foi trazido pelos feiticeiros de Liburc e deixado diante do porto principal, parece estar ferido. Vim pedir autorizao para recolhe-lo. Est autorizado! Levem-no aos nossos curan-

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deiros. Fiquem alerta! Avisem-me de qualquer movimento estranho prximo as nossas muralhas. Depois das recomendaes, voltei a me deitar. Zara estava acordada e quis saber o que estava acontecendo. Contei-lhe e depois me entreguei ao sono. Logo amanheceu, quis continuar dormindo, mas o canto dos pssaros me incomodava. Levantei-me quando o almoo estava sendo servido. Zara me pegou pelo brao e me acompanhou at a mesa. Sentamos. Seu olhar me penetrava por inteiro, parecia vasculhar meus sentimentos mais ntimos. Ela sorriu e perguntou: - Dormiu bem? - No, no dormi bem. A barulheira dos pssaros no me deixou nem mesmo cochilar. - O que esta acontecendo? Voc gostava de ouvir o canto dos pssaros. - Gostava, mas agora me incomodam com seus cantos estridentes. Quando pronunciei a palavra estridentes, lembrei-me quando Zara me advertiu, na vspera do ritual que marcou nosso domnio sobre os Ribuths, sobre o que estava para acontecer:

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Hoje noite ser o inicio de um perodo de maiores preocupaes. Se realmente voc e Zirat conquistarem o poder sobre os Ribuths, nossa vida perder o encanto em que estamos envolvidos. O Canto dos pssaros, que agora nos acalma, tornar-se- estridente nos nossos ouvidos, o murmurar das guas, que agora deleita nosso