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  • Programa de Ps-Graduao em Cultura e Sociedade

    Universidade Federal da Bahia

    Teorias da Cultura II

    Professores: Eneida Leal Cunha / Albino Rubim

    Aluna: Renata de Paula Trindade Rocha (mestrado)

    Gramsci e a Cultura

    Atualizando o conceito de hegemonia na comunicao e cultura contemporneas

    Ainda que consideremos as variveis do contexto histrico, poltico e territorial -

    inegvel a importncia da teoria do italiano Antonio Gramsci para uma compreenso

    mais abrangente da contemporaneidade, nos campos1 da cultura e da comunicao. O

    terico Stuart Hall (2000, p. 193-194), ao elaborar uma genealogia dos Estudos

    Culturais, destaca a contribuio de Gramsci para esta escola terica pelo seu desvio

    radical da teoria marxista atravs da abordagem de temas, at ento, enigmticos ou

    obscuros: a natureza da cultura, a noo de hegemonia, a especificidade histrica, as

    percepes das relaes de classe como conjuntos e blocos e, mais especificamente, as

    formulaes acerca dos intelectuais. Estas concepes superam a ideologia marxista e,

    embora Hall defina a atualidade como uma era do ps-marxismo, o pensamento

    gramsciano segue mantendo um carter bastante atual.

    Como um prembulo para o prosseguimento deste estudo, cabe delinear as delimitaes

    dos campos da comunicao, em seu carter miditico, e da cultura aqui considerada

    como prticas de organizao simblica, de produo social de sentido e de

    relacionamento com o real (SODR, apud MIGUEZ, 2002) e, tendo em vista a

    amplitude das relaes estabelecidas, insistir na existncia de deslocamentos, conflitos e

    mesmo de uma superposio entre eles, em alguns momentos.

    Neste sentido, o professor Albino Rubim cunha o termo Idade Mdia ao conceber a

    sociabilidade ocidental contempornea como ambientada e estruturada pelos media:

    1 O conceito de campo remete, inevitavelmente Pierre Bourdieu, responsvel por desenvolver uma

    teoria geral dos campos para o entendimento de processos sociais. A noo de campo se refere a um espao social de relaes objetivas que permite identificar, nos mais diversos domnios da vida social (cultura, economia, religio, artes plsticas, etc.), quais os traos prprios de todos os campos e quais os

    especficos de cada um deles (BOURDIEU, 2007).

  • Nesta inscrio societria, a comunicao se resignifica. A

    comunicao, que perpassa todos os poros sociais, abandona

    definies e fronteiras nas quais se via confinada, [...] garante uma

    possibilidade, formal ou real a depender de situaes concretas de

    campos de fora, de funcionar como "ator", que ocupa um lugar de

    fala para dizer e fazer. Tal redefinio e demarcao das fronteiras de

    localizao da comunicao, em sua verso midiatizada desde algum tempo trabalhadas em suas teorias condio sine qua non para estudar rigorosamente sua configurao e ressonncias na Idade

    Mdia (RUBIM, 2000).

    importante ressaltar que Rubim no admite a existncia de uma predominncia do

    campo da comunicao sobre outras esferas sociais, e sim uma relao dinmica dos

    deslocamentos de poder entre este campo e as outras esferas sociais. J o professor

    Vencio Lima (2004), defende que as teorias das comunicaes j contm em si, mesmo

    que de maneira implcita, uma teoria social. E para embasar esta assertiva, utiliza-se de

    uma longa citao do terico Stuart Hall:

    [a comunicao] est inevitavelmente ligada ao sucesso, eficcia ou

    ineficcia, das teorias da formao social como um todo, porque

    neste contexto que deve ser teorizado o lugar da comunicao no

    mundo social moderno [...] a comunicao moderna no pode ser

    conceituada como externa ao campo das estruturas e prticas sociais

    porque [a comunicao] , cada vez mais, internamente constitutiva

    delas. Hoje, as instituies e relaes comunicativas definem e

    constroem o social; elas ajudam a constituir o pblico; elas medeiam

    as relaes econmicas produtivas; elas tornaram uma fora material nos modernos sistemas industriais; elas definem a prpria tecnologia;

    [e] elas dominam o cultural (HALL apud LIMA, 2004, p.29).

    Esta relao entre a comunicao e a cultura em suas estruturas e prticas sociais -,

    nos remete de maneira eficaz ao conceito gramsciano de hegemonia. Esta concepo

    busca abranger, em um grau mais amplo, as relaes variveis de poder numa

    determinada sociedade e a forma concreta como elas so vividas. Para tanto, Gramsci,

    no texto A Formao dos Intelectuais, estabelece dois nveis superestruturais2: a

    sociedade civil entendido como organismos privados - e a sociedade poltica ou

    o Estado. Ambos correspondem funo do consentimento voluntrio, ou hegemonia,

    exercido pelo grupo dominante, enquanto o Estado (e o governo jurdico) se ocupa da

    dominao direta, ou seja, da coero (GRAMSCI, 1978).

    2 O Professor Albino Rubim destaca a abrangncia, na contemporaneidade, da comunicao no apenas

    no nvel superestrutural - relegada ao plano ideolgico -, mas tambm no nvel infraestrutural, como

    importante indstria de produo de bens simblicos, de carter efetivamente estruturante para a

    economia da sociedade (RUBIM, 2000).

  • Tendo em vista o fato de no se tratar de uma abstrao terica e sim da explicao

    metodolgica de uma realidade prtica, o conceito de hegemonia bastante fluido.

    Entretanto, podemos defini-lo, de maneira mais precisa, como a capacidade de um setor

    ou grupo de setores de uma classe social de gerar consenso favorvel sobre seus

    interesses e faz-los equivaler como interesses gerais. Em outras palavras, a hegemonia

    seria o consentimento e conformismo das massas em relao direo intelectual e

    moral exercida pelas classes dominantes, possibilitado pelo prestgio obtido por estas

    pela sua funo e posio no mundo produtivo.

    O conceito de hegemonia de Gramsci est estreitamente ligado questo dos

    intelectuais no a partir de uma conscincia eruditas, mas sim a partir de sua funo

    orgnica de dar coerncia ou homogeneidade a um grupo social3. Entretanto, o

    desenvolvimento dos aparatos ideolgicos tomou uma dimenso tal que os intelectuais

    deixaram de ser pea-chave para a manuteno e fortalecimento da hegemonia. Gramsci

    situava a imprensa, ao lado dos partidos polticos como um dos vrios aparelhos

    privados de hegemonia.

    Entretanto, os meios de comunicao e os partidos polticos tomaram novas

    configuraes na contemporaneidade. Se por um lado, os primeiros expandem-se em

    funo da produo/reproduo do status quo industrialista, os partidos desgastam-se

    cada vez mais como instrumentos de representao poltica. Segundo Muniz Sodr:

    Os media constituem novas tecnologias cognitivas da vida social,

    suscitando uma nova lgica para o entendimento da socializao, mas

    at agora na posio histrica de intelectualidade orgnica dos

    imperativos de organizao tecnoburocrtica do espao econmico

    (SODR, 1996, p. 73).

    J em relao aos partidos polticos, por sua vez, Sodr admite que:

    Numa sociedade que tende descentralizao do poder e a uma

    democracia mais molecular no sentido de no se definir exclusivamente pelas regras do sistema representativo tradicional, mas

    por uma abertura a variveis esticas, estticas e culturais, como o

    caso do que hoje se chamaria de democracia social o fechamento jurdico dos partidos objeto de constante eroso. Convertidos em

    organismos auto-referentes, os partidos gerem burocraticamente a

    representao poltica impondo candidatos aos eleitores. E o

    burocratismo partidrio aumenta na razo direta das privatizaes da

    cidadania (SODR, 1996, p. 74).

    3 Para um maior aprofundamento na questo dos intelectuais para Gramsci ver A Formao dos

    intelectuais (op. cit.)

  • A conseqncia dessa crise de representao dos partidos o resvalamento do processo

    eleitoral para a esfera do espetculo, trazendo as foras no parlamentares para a esfera

    da poltica. Isso implica a oposio ao ordenamento jurdico tradicional, que sustenta a

    ordem poltica clssica, pela ordem gerencialista das foras livres do mercado, atuante

    em pases industrializados da civilizao ocidental; tendo os meios de comunicao de

    massa como principal dispositivo.

    importante ressaltar, tambm, que os meios de comunicao no exercem somente

    uma funo superestrutural na sociedade, mas tambm infraestrutural, pois a

    convergncia entre comunicao, telecomunicaes e informtica surge dentre os

    setores econmicos mais dinmicos do capitalismo na atualidade. Para Rubim:

    ...mesmo nas fronteiras de uma anlise marxista parece impossvel no

    refocalizar atualmente a comunicao e assumi-la como estruturante

    de uma sociedade contempornea organizada em moldes de

    capitalismo tardio. Alis, Manuel Castells, Fredric Jameson e outros

    autores consideram que se vive hoje uma terceira fase do capitalismo.

    Nela, a informao se transforma na mercadoria mais valiosa

    (RUBIM, 2000).

    A noo de infraestrutura, abandonando seu significado marxista e sua metfora dual,

    pode tambm assumir o sentido de base material da sociedade e, nesta acepo, ser

    igualmente reivindicada como pertinente mdia que, conformada em rede e

    considerada como infraestrutura de comunicao, torna possvel a nova circunstncia

    societria.

    Desta forma, os meios de comunicao, ao operar como uma megamquina de

    organizao e coordenao das preferncias e decises populares na direo de uma

    conscincia comercialista (SODR, 1996, p. 76), exercem uma hegemonia social,

    simulando uma ordem intercultural e interclassista, que partem de setores dirigentes e

    incidem sobre os afetos, as pulses, as atitudes dos dirigidos/consumidores.

    Essa hegemonia se realiza, em meio produo efetiva da realidade - e da moldagem

    ideolgica do mundo, atravs das estratgias singulares de negociao simblica

    mantidas pelos meios de comunicao com o pblico e sua aparente autonomia em

    relao aos setores estatais e empresariais. Desta forma, os meios de comunicao

    passam a exercer um papel extremamente efetivo na criao do consenso e do

    consentimento acerca de suas formas e contedos.

  • Bibliografia

    BOURDIEU, Pierre. A gnese dos conceitos de habitus e campo. In: O poder

    simblico. Trad. Fernando Tomaz (portugus de Portugal), 10 ed.. Rio de Janeiro:

    Bertrand Brasil, 2007. 59-74.

    CREHAN, Kate. Gramsci sobre a cultura. In: CREHAN, Kate. Gramsci, cultura e

    antropologia. Lisboa, Campo da Comunicao, 2004, p. 91-187.

    GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizao da cultura. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira, 1978.

    HALL, Stuart. Estudos Culturais e seu legado terico. In: Da Dispora: identidade e

    mediaes culturais. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2003, p. 187-204.

    LIMA, Vencio A.. Mdia: Teoria e Poltica. 2 ed. So Paulo: Ed. Fundao Perseu

    Abramo, 2004.

    MIGUEZ, Paulo Csar de Oliveira. A Organizao da Cultura na Cidade da Bahia.

    Salvador: Tese de Doutorado da Faculdade de Comunicao da Universidade Federal da

    Bahia, 2002.

    RUBIM A. A contemporaneidade como Idade Mdia. (2000) Disponvel em:

    . Acesso em dez. 2005.

    SODR. Muniz. Reinventando a cultura: A comunicao e seus produtos. 4 ed.

    Petrpolis, RJ: Vozes, 1996.