Coutinnho - Gramsci - Chico

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·.

Carlos Nelson Coutinho

Um estudo sobre seupensamento político

Nova e d i ~ á o ampliada

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COPYRlG HT ~ C a r l o s Nelson Coutinho, 1999

CAPA

Evel}'n Grumach

PROJETO GRÁFfCO

Eveiyn Grumach e ]oiio de Souza Leite

E D I T C R A ~ Á OELETRÓNICA

Ar t Line

CIP-BRASIL CATALOGACAO -NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Coutinho, Carlos Nelson, 1943-C895g Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político 1Car-

los Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: C i v i l i z a ~ a o Brasi-leira, 1999

320p.

ISBN 85-200-0494-6

l . Gramsci, Antonio, 1891-1937. 2. Ciencia política. _3. Comunismo. I. TítuJo.

99-0163

CDD 320

CDU 32

Todos os direitos reservados. Proibida a r e p r o d u ~ o , armazenamento ou

transrnissao de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia

a u t o r i z a ~ a o po r s c r i t o

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Av. Río Branco, 99 120? andar, 20040-004, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Telefone (021) 263-2082, Fax 1Vendas (021) 263-4606

..

'

Dedico este livro amemória do meu

Nathan Coutinho (1911-1991),

e de meus amigos fraternos,Ivan de Otero Ribeiro (1936-1987)

e Roberto Gabriel Dias (1941-1997).

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1. O CONCEITO DE ,SOCIEDADE CIVIL"

Quando nos referimos, em capítulo anterior, as primeiras for

m u l a ~ o e s do conceito gramsciano de hegemonía (enquanto

c o n c r e t i z a ~ a o e s u p e r a ~ a o dialética das f o r m u l a ~ o e s de Lenin),

observamos que faltava ainda um elemento essencial na deter

m i n a ~ a o da especificidade e da novidade da teoría política deGramsci: o conceito de "sociedade civil" como portadora ma-

terial 4a figura social da hegemonía, como esfera de m e d i a ~ a oentre a infra-estrutura económica e o Estado em sentido restri

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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLIT ICO

superestrutura".2 Mas, a partir daí, B o b b _ i ~ chega a urna ~ a l s ~conclusiio: como em Marx a sociedade ctvtl (a ~ a s e _ e c o n o ~ I ·ca) era

0fator ontologicamente primário na e _ x p h c a ~ a o da bis-

/ · Bobbio parece supor que a a l t e r a ~ a o efetuada portoria, ¡·dad

G

sci0

leve a retirar da infra-estrutura essa centra 1 era m .b , l 1ontológico-genética, explicativa, para m- u ~ e emento

da superestrutura, precisamente a soctedade ClVll. Ero M ~ r x ,esse momento ativo e positivo é e s t r u t u r ~ l ; Gramsct, .é

superestrutural."3 Gramsci seria. assim uro tdeahsta em teona

· 1 na medida em que passarta a colocar na superestruturasocia , .política, e nao na base econOmica, o elemento determmante

do processo histórico. _ . .Na verdade, a i n t e r p r e t a ~ a o eqmvocada de Bobb10 decorre

de dois mal-entendidos. Em primeiro lugar, terr:os urna f ~ l t a de

nseqüencia em sua a r g u m e n t a ~ i i o : se o concetto de soctedadeco M _civil em Gramsci nao é o mesmo que em arx, por que entao

atribuir-lhe, no autor dos Cadernos, a mesma func;io (de de:_er

m i n a ~ i i o "em última instanc ia") que tinha no p.ensador al.emao?

E em seaundo lugar. em estreita conexao com 1sso, Bobb1o exa-' o ' . 1 -·na a questao da sociedade civil em Gramsc1 em re a ~ a o com

ffil . f0

vínculo de condicionamento recíproco entre m ra-estrutura e

superestrutura, sem ver que o conceito se_ refere, ~ ; r ~ a d e ,roblema do Estado: o conceito de "soc1edade clVll e o metop . .

privilegiado através do qual Gramsct ennquece, c? m novas .

determina<;óes, a teoría marxista do E s t a ~ o . E se e v e r d ~ d e ,como vimos, que esse enriquecimento motiva urna c o n c r " e t ~ a - -

c;iio dialética na questáo do modo pelo qual a base econorruc.a

determina as superestruturas {ou seja, essa d e t e r m i n a ~ a o é maiS

2 !bid., p. 27. . - bb ' d3 !bid., p. 28 . Para urna eficiente crítica das t ~ o e s de Bo , ·

J- T x

1'er "Gramsci Theoretician of the Superstructures , m C 

aloques e , ' . K an~ f o u f f e (ed.), G-ramsci and lv!arxtst Theory, Londres, Rolltledge & eg _

Paul, 1979, pp. 48-79. __

122

TEORIA AMPLIADA DO ESTADO

complexa e mediatizada onde a sociedade civil é mais forte),

isso nao anula de modo algum, como vimos também, a aceita

gramsciana do princípio básico do materialismo histórico:

o de que a p r o d u ~ a o e r e p r o d u ~ a o da vida material, implicando

a p r o d u ~ a o e reprodu<;ao das r e l a ~ ü e s sociais globais, é o fator

ontologicantente primário na e x p l i c a ~ a o da história. Fixar corretamente esse ponto me parece essencial para avaliar de modo

justo nao só o lugar de Grarnsci na evoluc;ao do marxismo, mas

também seu conceito de sociedade c i v i l ~ Gramsci nao inverte

nem nega as descobertas essenciais de Marx, mas "apenas" as

enriquece, amplia e concretiza, no quadro de urna a c e i t a ~ a oplena do método do materialismo histórico.

E de que modo Gramsci "amplia", com seu conceito de

sociedade civil, a teoria marxista "clássica" do Estado?4 A

grande descoberta de Marx e Engels no campo da teoria política foi a a f i r m a ~ a o do caráter de classe de todo fenomeno

estatal; essa descoberta os levou, em c o n t r a p o s i ~ a o a Hegel, a

"dessacralizar" o Estado,s a desfetichizá-lo, mostrando como

a aparente autonomia e "superioridade" dele encontram sua

genese e e x p l i c a ~ a . o nas c o n t r a d i ~ o e s imanentes da sociedade

como um todo. A genese do Estado reside na divisao da socie

dade em classes, razao po r que ele só existe quando e enquan-

to existir essa divisao (que decorre, po r su a vez, das r e l a ~ o e ssociais de p r o d u ~ a o ) ; e a funf[lo do Estado é precisamente a

de conservar e reproduzir ta l divisao, garantindo assim que os

4 Aoque eu saiba, a expressao "teoria ampliada do Estado" para designar as

reflexoes de Gramsci foi usada pela primeira vez po r Christine Buci

Giucksmann, Gramsci et rf.tat, Paris, Fayard, 1975, pp. 87-138 (ed. brasilei

ra, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, pp. 97-153). Desenvolvi mais ampla

mente a relac;ao entre Gramsci e os "clássicos", no que se refere a essa

" a m p l i a ~ a o " da teoria do Estado, em Marxismo e política, cit., pp. 13-69.5 A expressao é de Valentino Gerratana, "Lenin e la dissacrazione dello

Stato", in Id., Ricerche di storia del marxismo, Roma, Riuniti, 1972,

pp. 173-211.

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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO

interesses comuns de urna classe particular se imponham como

o interesse geral da sociedade. Marx, Engels e Lenin examina ..

ram também a estrutura do Estado: indicaram na repressao -

no monopólio legal e/ou de fato da coerc;ao e da violencia o

modo principal através do qual o Estado em geral (e, comotal, também o Estado capitalista liberal) faz valer essa sua

natureza de classe. Em suma: os "clássicos", tendencialmente,

identificam o Estado a máquina estatal com o conjunto

de seus aparelhos repressivos.

Seria prova de anti-historicismo apontar essa c a r a c t e r i z a ~ a ocomo resultado de urna visao unilateral dos clássicos, do mes

mo modo como seria anti-historicismo acusar Marx po r nao ter

tratado do imperialismo em sua obra principal. Pois essa per

c e p ~ a o do aspecto repressivo (ou ditatorial) como aspecto principal da d o m i n a ~ a o de classe corresponde, em grande medida, anatureza real dos Estados com os quais se defrontam Marx,

Engels e Lenin. Numa época de escassa p a r t i c i p a ~ a o política,

quando a a ~ o do proletariado se exercia sobretudo através de

vanguardas combativas mas pouco numerosas, atuando com

pulsoriamente na clandestinidade, era natural que esse aspecto

repressivo do Estado hurgues se colocasse em primeiro plano

na própria realidade e, por isso, merecesse aa t e n ~ a o

prioritáriados clássicos. Gramsci, porém, trabalha numa época e num

ambito geográfico nos quais já se generalizou urna maior com-

plexidade do fen6meno estatal: ele pode assim ver que, com a

intensificac;ao dos processos de s o c i a l i z a ~ a o da p a r t i c i p a ~ opolítica, que tomam carpo nos países "ocidentais" sobretudo a

partir do último t e r ~ o do século XIX ( f o r m a ~ a o de grandes sin- "'-

dicatos e de partidos de massa, conquista do sufrágio universal, _<__

etc.), surge urna esfera social nova, dotada de leis e de f u n ~ ó e srelativamente autónomas e específicas, tanto em face do mundo . _

económico quanto dos aparelhos repressivos do Estado.

Precisamente num trecho dos Cadernos onde analisa "a-

doutrina de Hegel sobre os partidos e as a s s o c i a ~ o e s c o m o - ~ - ="

124

TEOR I A AMPLIADA DO ESTADO

' t r ~ m a ' p r i v a d ~ do Estado" um trecho que está entre as ri-metras a n o t a ~ o e s carcerárias de G . d d p

dramsc1, atan o provavel-

mente e mar

concetto e "socied d · .1

_tado . a e CIVl ' sua c o n c e p ~ a o ampliada do~ ' p a : r ~ precisamente do reconhecimento dessa socializa-

~ e . p o l í t t c ~ "!lO capitalismo desenvolvido, dessa forma iiod: SUJeitos pohttcos coletivos de massa. Ele diz: "S

de associarao [d H l] . ua concep-. e ege so pode ser atnda vaga e p · · ·_

va, Stuada entre o político e o eco "' . d d rlllttl. . . nonuco, e acor 0 com a

experiencia da época · .' que era mwto restr1ta e fornecia um úni-~ x e m ~ l ~ co_mple.ro de o r g a n i z a ~ a o , a o r g a n i z a ~ i i o "cor ora-

tlva (polrtica tnserida na economia) Marx - di p·"" · hi , . · · nao po a ter ex-

pertenctas stortcas superiores as de Hegel (p I .. ) e o menos mwtosupert?res . ( .. ) O conceito de organiza ao em Mnece atnda p · arx perma-. . r e s ~ aos .segumtes elementos: o r g a n i z a ~ O e s profis-

stonais, clubes Jacobmos consp· - d. _ . ' r r a ~ o e s secretas e peguenos

grupos, organJzac;ao JOrnalística . "6

M ~ , portanto, nao pOde conhecer ou nao pod Jna devtda co t d e evar

dn a . os gran es sindicatos englobando milhoes

e pessoas os partrd 1. ·d ' os po 1t1cos operários e populares lega·

e massa, os- ! ' a r l a ~ e n t o s

eleitos por sufrágio universald i r ~ t ~

e secreto, os JOrnais proletá rios d . .d e Imensa trragem, etc Nao

do e,leU: suma, captar plenamente nma dimensao e s s ~ n c i a las re a ~ o e s de pode · d d . .

. r numa socte a e capitalista desenvolvida·p r e a s a ~ e n t e aqueJa "trama privada" a que Gramsci se refere.

lhque m ~ I S tarde ele irá chamar de "sociedade civil" de " 'os nv . ,, ' apare-

ISSo, sao " . " - '

' ramsct, como VImos, se afasta termino1ogicamente

' Quaderni, pp. 56-57.

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GRAMSC t: UM ESTUOO SOBRE SfU PENSAMENTO POLiTtCO

de Marx;7 ao contrário, e como o próprio texto recém-citado o

indica, ele parece aproximar-se de certo modo da o n c e p ~ á o . d eHegel, o qual introduzia na "sociedade civil" c o n ~ ~ b t d acomo a segunda figura da eticidade, situada entre a faiDlha e o

• • ,., A. •

Estado as " c o r p o r a ~ o e s " , ou seJa, a s s o c 1 a ~ o e s econormcas

que podem ser vistas como formas. prin:itivas dos m ~ d e r n o ssindicatos.s Mas essa parcial a p r o x u n a ~ a o a Hegel nao deve

ocultar a novidade do conceito gramsciano: com ele, Gramsci

expressa um fato novo, urna nova determinat;áo do Estado,

qu e náo nega ou elimina as d e t e r m i n a ~ O e s r e g i s t r ~ d a s p ~ l o s"clássicos", ma s representa e Gramsct esta consctente disso

- um enriquecimento e um desenvolvimento das mesmas.

A teoría ampliada do Estado em Gramsci ( c o n s e r v a ~ á o / s u -p e r a ~ á o da teoría marxista "clássica") apóia-se nessa descober

ta dos "aparelhos privados de hegemonía", o que leva nosso

autor a distinguir duas esferas essenciais no interior das supe

restruturas. Justificando, numa carta a Tatiana Schucht, datada

de setembro de 1931, seu novo conceito de intelectual, Gramsci

fomece talvez o melhor resumo de sua concepc;áo ampliada do

Estado: "Eu amplio muito diz ele a not;ao de intelectual e

náo me limito a not;ao corrente, que se refere aos grandes inte- .·

lectuais. Esse estudo leva também a certas determinafi5es do

7 Gerratana, em sua resposta as teses de Bobbio anterionnente discuti.

observou que o afastamento de Grams ci é consciente: quando, nos e x e r c t ~ o s _-

de t r a d u ~ : i o feitos no cárcere, ele traduz a express:io marxiana "bürgerltche .·

Gesellschaft", nao o faz como tenno habitual de "sociedade civil"' SliD _-

coma express:io literal s o c i e d a d e burguesa", como a indicar a diferen¡¡a ,

entre os dais conceitos (Valentino Gerratana, in Vár ios Autores, Gramsa e a :

cultura contemporanea, cit., vol. 1, pp. 169-173).&Cf. G. W. F. Hege:, Príncipes de la philosophie du droit, cit., PP· 254- .

257. Destaquei a expressio "d e certo modo" porque essa aproximat;ao ape· ·,

nas relativa, já que Hegel ao contrário de Gramsci incluí t a r o b e ~ as

relac;óes eoonOmicas (a p r o d u ~ l i o e reproduc;:io da vida material) na "sooeda· "

de civil".

12 6

TEORIA AMPLIADA DO ESTADO

conceito de Estado, que habitualmente é entendido como socie

dade polític!} (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar

a massa popular a um tipo de p r o d u ~ a o e a economia e u.m

dado momento); e nao como equilíbrio entre sociedade política

e sociedade civil { u hegemonia de um grupo social sobre a

~ t e i r a ~ o c i e d a d e nacional, exercida através de o r g a n i z a ~ o e sditas pnvadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.). "9 .

Portanto, o Estado em sentido amplo, "com novas detern1ina

~ ó e s " , comporta duas esferas principais: a sociedade política

(que Gramsci também chama de "Estado em sentido estrito''

ou de. "Estado-coerc;ao"), que é formada pelo conjunto dos

mecantsmos através dos quais a classe dominante detém o

monopólio legal da repressao e da violencia e que se identifica

com os aparelhos de o e r ~ a o sob controle das burocracias exe

cutiva e policial-militar; e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das o r g a n i z a ~ o e s responsáveis pela elabo

r a ~ a o e/ou difusao das ideologias, compreendendo o sistema

e ~ c o l : r , as I ~ e j ~ s , partidos políticos, os sindicatos, as orga

r u z a ~ o e s profissionats, a o r g a n i z a ~ a o material da cultura {revis

tas, jornais, editoras, meios de comunicac;ao de massa), etc.

. Duas problemáticas básicas distinguem essas esferas, justi

ficando que elas recebam em Gramsci um tratamento relativa

m e n ~ e autónomo. Em primeiro lugar, ternos urna d i f e r e n ~ a na

fun(ao que exercem na o r g a n i z a ~ a o da vida social, na articul a ~ a o e reproduc;ao das r e l a ~ o e s de poder. Ambas, em conjun

to, formam "o Estado (no significado integral: ditadura + he

gemonia),';10 Estado que, em outro contexto Gramsci define'

tam ern como "sociedade política + sociedade civil ist o é he -. ' '

gemon1a escudada na c o e r ~ a o " .11 Nesse sentido, ambas ser-

9 Gramsci, Lettere dal carcere, c i t . ~ p. 481.10 Quaderni, p. 811.

11 lbid. A clareza dessas duas f o r m u l a ~ 6 e s desautoriza a leitura do rusto-

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GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO

vem para conservar ou promover urna determinada ba.se eco

nómica, de acordo coro os interesses de urna classe soctal fun

damental. Mas o modo de encaminhar essa p r o m ~ a o ou con

s e r v a ~ a o varia nos dois casos: no imbito e através s o c i e ~ -de civil as classes buscam exercer sua hegemonta, ou se]a,buscam'ganhar aliados para suas p o s i ~ O e s mediante a direfiio

política e o consenso; por meio da sociedade política, con

trário as classes exercem sempre uma ditadura, ou, ma1s pre

c i s a m ~ n t e , urna dominafiíO mediante a coerfáO. Assim, como

podemos ver, é a sociedade política (ou o E s t a d o ~ c o e r ~ i i o ) _o

momento do fenómeno estatal que recebeu a a t e n ~ a o priorita

ria dos clássicos, enquanto as novas d e t e r m i n a ~ O e s descober

tas por Gramsci concentram-se no que ele chama de sociedadecivil. E a novidade introduzida po r Gramsci nao diz tanto res

peito a questao da hegemonia, já a b o r d ~ d a por ~ n i n , mas ao

fato de que a hegemonía enquanto figura socta l recebe

agora urna base material própria, um e s p a ~ o aut6nomo e

específico de m a n i f e s t a ~ a o . . . ...

Precisamente aqui reside o segundo ponto de d 1 f e r e n c 1 a ~ a oentre as duas esferas: elas se distinguem po r urna materialida-de (social-institucional) própria. Enquanto a sociedade ?olítica

tero seus portadores materiais nos ~ p a r e l h o s .repress1vo.s. deEstado (controlados pelas burocracias execut1va e pohctal-

riador ingles Perry Anderson, segundo a qual Gramsci o s ~ l a ~ i a e ~ t r e vários

conceitos da r e l a ~ a o sociedade civil/Estado, um dos quats tmpücana urna

nor;ao de hegemonia como síntese de diradura e consenso (P. Anderson , "M

antinomias de Gramsci", in Vários Autores, As estratégias revolucionárias na

atualidade, Sao Paulo, Jorues, 1986, pp. 7-74); essa equivocada c o n c e p ~ o de

hegemonia é também a dotada entre nós Alba M a ~ a P. de Carvalho,! .

questiio da transformaf(io e o trabalho soeza!. Uma anal!Se gramscrana, Sao

Paulo, Cortez, 1986, pp. 41 e ss. Urna demolidora crítica conteudística e filo-

lógica das inexatidoes interpretativas de Anderson, que resgata a o ~ e s m o t e ~ -po o carátersubstancialmenteunitário e nao antinomico das reflexoes carcera

rias de Gramsci, estáero G. Francioni, L officína gramsciana, cit., PP· 147-228.

-

128

TEORIA AMPUADA DO ESTADO

militar),_ os portadores materiais da sociedade civil sao o que

Gramsct chama de "aparelhos privados de hegemonía" ouseja, organismos sociais coletivos voluntários e relativam'ente

a u t ~ n o m o s em face da sociedade política. Gramsci registra

aqw o. fato novo de que a esfera ideológica, nas sociedades

capitalistas a v a n ~ a d a s , mais complexas, ganhou urna autonomia material {e nao só funcional) em r e l a ~ a o ao Estado em

sentido restrito. Em outras palavras: a necessidade de conquistar o consenso ativo e organizado como b3:se para a domina-

~ o ...u.ma n e c e s ~ i d a d e gerada pela a m p l i a ~ a o da s o c i a l i z a ~ a oda ? o h _ n c ~ _ c r 1 ~ u . e/ou renovou determinadas objetivac;oesou m s t l t u l ~ o ~ ~ soctats,., passaran1 a funcionar como portado.res matena1s_ e s p e c i . f i ~ o s (com estrutura e legalidade próprias) das r e l a ~ o e s soc1a1s

dehegemonia.

E éessa

independencia material ao mesmo tempo base e resultado da autonomía relativa assumida agora pela figura social da hegemonia

- que funda ontologicamente a sociedade civil como urna es

fera própria, dotada de legalidade própria, e que funciona co

mo m e d i a ~ a o necessária entre a estrutura economica e o Est a d o - c o e r ~ a o . Ternos aqui mais um exemplo de a p l i c a ~ a o con

creta Gramsci, na esfera da práxis política, da ontologiamatenalista do ser social que está na base da p r o d u ~ a o teórica

deMarx: para este,

naohá forma ou

f u n ~ a osocial sem urnab ~ s e . , ~ a t e r i a l , nao há objetividade histórica que nao resulte da

dialet1ca entre essa forma social e seu portador material. Con

cretamente: em Marx, na o há valor-de-traca sem valor-de-uso~ ~ há mais-valia sem produto excedente, nao há r e l a ~ O e s so:

Ctals de p r o d u ~ a o sem f o r ~ a s produtivas materiais etc.· emGramsci, na o há hegemonia, ou d i r e ~ a o política e i d e o l ó ~ i c a

o c o n ~ ~ t o de o r g a n i z a ~ O e s materiais que compOem

soctedade c1vil enquanto esfera específica do ser social.12

12 Sobre a dialética entre base material e forma social, cf. o excelente livro de

lsaak llitch Rubín, A teoria marxista do valor, ed. brasileira, Sao Paulo,

Brasiliense, 198O.

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1

GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLiTICO

Embora insista sobre a diversidade estrutural e funcional

das duas esferas da superestrutura, Gramsci nao perde de vista

o momento unitário.13 Assim, ao definir a "sociedade políti

ca", ele a m ost ra em r e l a ~ a o de identidade-distinc;ao com a

sociedade civil; a sociedade política é o "aparelho de c o e r ~ a oestatal que assegura 'legalmente' a disciplina dos grupos que

. . ,nao 'consentem', nem anva nem pass1vamente, mas que e

constituido para toda a sociedade, na previsao dos momentos

de crise no comando e na d i r e ~ a o [nos aparelhos privados de

hegemonía], quando fracassa o consenso esponcineo".14

E, em

outro local, ele explicita melhor ainda a dialética (unidade na

diversidade) entre sociedade política e sociedade civil: "A

supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos,

como 'domínio' e como 'dire<;ao intelectual e moral'. Um gru

po social é dominante dos grupos adversários que tende a 'li

quidar' ou a submeter também mediante a f o r ~ armada; e é

dirigente dos grupos afins ou aliados."1 5 Nesse texto, o termo

supremacía designa o momento sintético que unifica (sem

homogeneizar) a hegemonia e a dominafJo, o consenso e a

c o e r ~ o , a direfO,o e a ditadura. Cabe ainda recordar que, para

Gramsci, essas duas f u n ~ o e s ou dois feixes de f u n ~ o e s -

13

Em dado momento, Gramsci afirmaque "a

distin<;ao entre sociedade polirica e sociedade civil ( .. ) é urna s t i n ~ o metodológica [e nao] urna

organica; ( . . ) na realidade efetiva, sociedade civil e Estado se identificam"

(Quaderni, p. 1590). A a f i r m a ~ a o pode se prestar a urna interpreta'JaO

da (já endossada, aliás, po r vários estudiosos), segundo a qual Gramsc1 nao

afirmaria a distin<;ao material-ontológica ( "orga nica" }entre as duas esferas.

Essa interpreta<;ao na o apenas se choca com todo o espírito das r e f l e x ó ~gramscianas (negando ob jetivamente sua novidade e originalidade}  e

literalmente contraditada por outro trecho dos Cadernos, onde Gramsa se

refere de um modo dialeticamente correto a"identidade-distiniflo entre

sociedade civil e sociedade politica" (Quaderni, p. 1028} 

t4 Ibid., p. 1385.

ts Ibid., p. 2010.

130

• --

--

TEORtA AMPLIADA DO ESTADO

existem em qualquer fortna de Estado; mas o fato de que uro

Estado seja mais hegemónico-consensual e menos "ditatorial",

ou vice-versa, depende da autonomia relativa das esferas supe

restruturais, da predominancia de uma ou de outra, predomi-" . .

nanc1a e autononua que, por sua vez, dependem nao apenas

do grau de s o c i a l i z a ~ a o da política a l c a n ~ a d o pela sociedadeem questao, mas também da o r r e l a ~ a o de o r ~ a s entre as clas

ses sociais que disputam entre si a suprernacia.

Parece-me importante sublinhar aquí a questao da autono

mia material da sociedade civil enquanto t r a ~ o específico de

sua m a n i f e s t a ~ a o nas sociedades capitalistas mais complexas.

E isso porque estamos diante de um tópico sobre o qual bá

nos Cadernos urna certa ambigüidade: Gramsci parece oscilar

entre urna p o s i ~ a o que afirma a p r e s e n ~ a da sociedade civil

mesmo em sociedades pré-capitalistas urna p o s i ~ á o menosfreqüente e que vai desaparecendo a medida que suas notas

a v a n ~ a m no tempo , e outra posi\ao mais sólida e funda

mentada, que afirtna ser a sociedade civil urna característica

distintiva das sociedades onde existe um grau elevado de

s o c i a l i z a ~ a o da política, de auto-organiza\ao de grupos so

ciais. A ambigüidade encontra urna certa justificativa no fato

de que também as formas pré-capitalistas de d o m i n a ~ a o de

classe, mesmo as abertamente ditatoriais e despóticas, apoia

vam-se igualmente na ideologia, carecendo de algum modo del e g i t i m a ~ a o para poderem funcionar regularmente . Papel deci

sivo, na conquista dessa legitimidade po r um Estado de tipo

feudal-absolutista, por exemplo, era desempenhado pela ideo

logia religiosa: a Igreja era um "aparelho ideológico de Esta

do,., fundamental na época feudal e na época do absolutismo,

o que certamente explica a razao por que Gramsci, em algu

mas notas dos Cadernos, parece identificar a relac;ao Igreja-Es

tado,coro a r e l a ~ a o sociedade civil-sociedade política, mesmo

em epocas onde nao existe urna sociedade civil no sentido

131

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GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POLiT I CO

moderno da palavra no sentido que é dominante nas reflexoes' 'f' ·¿ d 16gramscianas e que marca sua originalidade e e s p ~ c 1 e.

Na o usei po r acaso o termo "aparelhos t d e o l o g t c ~ s de

Estado", 0 qual como se sabe foi cunhad? P?r Loms Al-

h t7 Esse termo a rneu ver e como o proprto Althussert usser. ' ~se preocupa em deixar claro, niio é s i n ó ~ ~ o do termo grams-ciano "aparelhos privados de h e g e m o m ~ , com _o_ qual nosso

to r denomina os organismos da soc1edade civil moderna.au il . [Para Althusser, "Gramsci obscurece mais que umma a ~ u e s -t - 1quando retoma a velha d i s t i n ~ o burguesa entre socleda-ao d d. . -

de política e sociedade civil, [porque] se fun a na tstm'j:aojurídica corrente (burguesa) e ~ t r e ' p ú b l i c ~ ' _e · ~ r i v a d o ' . _< .. .)_É

do ponto de vista da burguesta que ha dtstm(j:aOe n ~ e

socte·dade política' e 'sociedade civil'."18 Por out_ro lado, amda ~ o n -tr a a coloca¡;áo mais madura de Gramsct, Althusser ~ m n aque "o Estado foi sempre 'ampliado', [sendo] ~ eqwvocofazer dessa 'amplia<;áo' um fato recente" .19 Cre10 que, d e s s ~modo Althusser nao apenas deforma as reflexoes de Gramsc1

e lhes' retira o tra<;o original, mas se impede também de com

preender a especificidade da esfera i d ~ o l ó g i c a no m ~ d ~ do

capital ismo desenvolvido. Perde-se asslffi o que nao e de

16 Cf., por exemplo, ibid., pp. 763-764. . . , . , , . _11 Cf . Louis Althusser, "ldéologie et apparetls tdeologtques d État , m

Id Positions Paris E.d. Sociales, 1976, pp. 67-125. Nesse e n s a i o ~ ~ t h u s s e r., ' ' ' d ' · diz uerefere-se a Gramsci apenas urna vez, em nota de pe e pagtna, para :r qas

ele foi "o único que a v a n ~ o u no caminho que empreendemos agora , n:que "nao sistematizou suas i n t u i ~ o e s , que se conservaram como anota4Woes

argutas mas parciais" (ibid., p. 82). Na verdad: , tentei d e m o ~ a r : ' as

posir;óes de Gramsci sobre o Estado "ampliado c o n s t 1 t u e ~ ~ m a _ t e o n ~ S I S ~mática; a questáo é que essa teoria é diversa e mesmo antagoruca a teona aprentemente análoga de Alth.usser. .

ts Althusser, "Il marxismo come teoria ' f i n i r a ~ " , in Vá nos Autores,

Discutere lo Stato, Bári, De Donato, 1978, pp. 9-10 e 11.t9 Ibid., p. 12.

13 2

TEORIA AMPL IAD A DO ESTADO

esttanhar, em se tratando de Althusser precisamente adimensao histórica da questao proposta por Gramsci.

Portanto, se mesmo recusando o embasamento teórico eas conclusües de Althusser utilizei sua expressao " a p a r e l h o ~ideológicos de Estado" (que ele contrapoe a "aparelhos r e p r e s ~sivos de Estado"), foi porque ela me parece designar a s i t u a ~ a oda ideología como fonte de l e g i t i m a ~ a o precisamente nas é p o ~cas ou s i t u a ~ 6 e s em que o Estado ainda nao se tinha "amplia-1do", o u seja, nas sociedades pré ou protocapitalistas: em tais.sociedades, havia urna unidade indissolúvel, por exemplo, entro

a Igreja e o Estado, de modo que a Igreja nao se colocava aindascomo algo "privado" em r e l a ~ a o ao Estado como entidade

"pública". A ideología que a Igreja veiculava (e deve-se lembran

que ela controlava o sistema educacional) nao tinha nenhumruautonomia em r e l a ~ a o ao E s t a d o - c o e r ~ a o , a "sociedade política". Coma ajuda do Estado, a lgreja oficial impunha essa ideo-..

logia de modo coercitivo, repressivo, com os mesmos meiosque o Estado se valía para impar sua d o m i n a ~ a o em geral .Com as r e v o l u ~ o e s democrático-burguesas, e já na época da

i m p l a n t a ~ a o dos primeiros regimes liberais (de p a r t i c i p a ~ a o po-..

lírica restrita), acontece um fato novo: o que poderíamos cha- ..

mar de l a i c i z a ~ a o do Estado. Os instrumentos ideológicosl e g i t i m a ~ a o , a c o m e ~ a r pelas Igrejas, passam a ser algo "priva- ..

do" em rela'fao ao "público"; o Estado já nao impoe coerciri- ..

vamente urna religiao; e até mesmo o sistema escolar, controla- ..

do agora em grande parte pelo Estado, passa a admitir cada vez!mais uma disputa ideológica em seu próprio interiot As ideogias, ainda que obviamente nao sejam indiferentes ao Estado,tomam-se algo "privado" em r e l a ~ á o a ele: a adesao as i d e o l o - ~gias em disputa torna-se um ato voluntário (ou r e l a t i v a m e n t e ~voluntário), e nao mais algo imposto coercitivamente.

Criam-se assim, enquanto portadores materiais dessas vi-soes do mundo e m disputa, em !uta pela hegemonía, o que

Gramsci chama de "aparelhos privados de hegemonia": e nao·

13 3

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•!

1.

'

'

GRAMSCI: UM ESTUCO SOBRE SE U PENSAMENTO POL(TICO

se criam apenas novos "aparelhos hegemóni_cos" ger.ados _pela

luta das massas (como os sindicatos, os partidos, os JOrnals de

opiniao etc.); tatnbém os velhos "aparelhos ideológicos de Es-

tado" herdados pelo capitalismo, tornam-se algo "privado",

p a s s a ~ d o a fazer parte s o c i e ~ d e civil em .seu sentidomoderno (é o caso das IgreJas e, ate mesmo, do sistema esco-

lar). Abre-se assim a possibilidade, que Althusser nega explicitanlente,20 de que a ideología (ou sistema de ideologias) das

classes subalternas obtenha a hegemonia no interior de ou

de -vários aparelhos hegemonicos privados, mesmo antes que

tais classes tenhan1 conquistado o poder de Estado em sentidoestrito, ou seja, tenham se tornado classes dominantes. É apossibilidade qu e Gramsci e n t r e ~ ~ quando diz " m ~ - gruposocial pode e mesmo deve ser dirigente [hegemontco] Ja antesde conquistar o poder governamental"; urna possibilidadeque, aliás, no quadro das s o c i e d a ~ e s compi:xas, o ? ~ e o Es-

tado se "ampliou", torna-se tambem necess1dade, Ja qu e -prossegue Gramsci "essa é uma das c o n d i ~ o e s principaispara a própria conquista do poder" 21 .

Portanto, a d i s t i n ~ a o entre os conce1tos de Althusser e de

Gramsci nao é apenas teórica ou histórica, mas implica tam-

bém importantes conseqüencias no plano da política. Consi-

derando os organismos da sociedade civil como parte inte-

grante do Estado em seu sentido restrito, Althus_ser propoeurna estratégia política que acentuando excess1vamente o

caráter "separado, do partido operário e sua radical d ~ e r e ? ~ aem r e l a ~ a o ao Estado prega urna luta a se travar mteua-

mente {ora do Estado: "Por principio, coerenternente com sua

razao de ser, o partido [operário] deve estar (ora do Estado

( .. ).Jamais deve se considerar como 'partido de governo'."22

20 Althusser, "Idéologie et appareils idéologiques d'État", cit., p. 86.21 Quaderni, p. 2010.22 Althusser, "ll marxismo come teoria 'finita'", cit., p. 15.

13 4

- .

TEORIA AMPLIADA DO ESTADO

Perde sentido, entiio, o núcleo da estratégia gramsciana da"guerra de p o s i ~ O e s " , ou seja, a idéia de qu e a conquista do

poder de Estado, nas sociedades complexas do capitalismorecen:te, deve ser precedida po r urna longa batalha pela hegemoma e pelo consenso no interior e através da sociedade civilísto é, no i n t e r i ? ~ do próprio Estado em seu sentido amplo:

E n q u a n t ~ a p o s t ~ a ~ de_ Aithusser leva necessariamente, estejaele conscte?_te ou dtsso, a déia de um choque frontal com

o Est;do (Ja e 1mpossível. enfraquece-Io progressivamentep ~ l a o c u p a ~ a ~ . de ~ s p a ~ o s Situados em seu interior), a posi

de ? r a ~ s ~ t !mpltca a idéia de urna "longa marcha" atra

m s t t t _ U t ~ o e s da sociedade civil. Como diz argutamenteBtagiO De G10vanni: "Gramsci p6e no centro da análise dosC a d e r n o ~ a idéia da transifijo como processo. É afastado,sub.stanctalmente, o conceito de um colapso repentino da

s o c t e ~ : d e burguesa-capitalista. { .. ) No centro dessa idéia dat r a n s t ~ a ? como processo, está o tipo novo de reflexiio queG ~ m s c t desenvolve acerca do Estado."23 Em outras palavras:esta a sua c o n c e p ~ i i o do Estado como síntese de sociedadepo.lítica e sociedade civil, de E s t a d o - c o e r ~ i i o e de aparelhosprzvados de hegemonia.

2. "SOCJEDADE REGULADA" E FIM DO ESTADO

de grande importancia observar o modo pelo qua!, emf u n ~ a o dessa autonomía relativa (funcional e material) das esferas da superestrutura, Gramsci concretiza e, ao mesmo tempo, supera a teoría de Marx, Engels e Lenin sobre a e x t i n ~ i i o

23 Biagio D G. · "G ·. e tovannt, ramscJ e l'elaborazione successiva del Partito

comu ta " - V ' - A. · , tn anos utores, Egemonia Stato Partito in Gramsci Roma

RiUilln, 1977, p. 56. ' ,

13 5

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GRAMSCI : UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POL[TICO

do Estado na sociedade comunista sem classes, que ele (por

causa da censura) chama de "sociedade regulada". Como

vimos, a teoria do fim do Estado é um aspecto essencial da "crí

tica da política", que é po r sua vez momento ineliminável -

assim como a "crítica de economia política" da teoría socialmarxista. E, também aqui, Gramsci me parece estabelecer urna

r e l a ~ a o de c o n t i n u i d a d e l s u p e r a ~ o com os "clássicos". Esse

desenvolvimento tomou-se possível, em grande parte, porque

Gramsci teve a oportunidade de avaliar a experiencia concreta

de c o n s t r u ~ o do socialismo na Uniao Soviética, quase quinze

anos depois da R e v o l u ~ á o de Outubro. Nesse sentido, acredito

que as notas de Grarnsci a respeito, que analisaremos a seguir,

indicam urna clara discordancia com os caminhos seguidos na

URSS, após a virada de 1928-1929, ou seja, após o fim da con-c e p ~ o gradualista e consensual de t r a n s i ~ o ao socialismo,

implícita na NEP, e o início da "revoluc;ao pelo alto", encarna

da na o l e t i v i z a ~ a o f o r ~ a d a e na n d u s t r i a l i z a ~ a o acelerada.

É certo que, nos Cadernos, a única referencia feita a Stalin

é urna referencia positiva: considerando-o "intérprete do

movimento majoritário", Gramsci se coloca ao lado de Stalin

contra Trotski na questao da disputa sobre a possibilidade de

c o n s t r u ~ a o do socialismo em um só país.24 Mas deve-se notar

que, em primeiro lugar, esse apoio a Stalin é anacrónico emr e l a ~ o aépoca em que Gramsci escreve esse trecho {provavel- ___

mente em fevereiro de 1933): ele apóia o "intérprete do movi- .-:

mento majoritário" liderado na o só por Stalin, mas tam- ·_

bém por Bukharin que derrotou, em 1925-1928, a chama- ;_

da " o p o s i ~ a o de esquerda", fazendo prevalecer a política da 7

NEP contra a política anticamponesa da c o l e t i v i z a ~ a o f o r ~ a -da.25 E, em segundo lugar, pode-se ver que o apoio é dado na -_

24 Quaderni, pp. 1728-1730.

25 Cf. supra, cap. m.

13 6

--- --  _ '

- --:

TEORi.A AMPLIADA DO ESTADO

luta contra Trotski cujas po . - . ,das na carta de 1926 ao ce ~ ~ e s )a a s ~ e r a m e n t e critica-

frontal num período em .teorico político do ataquederrotas" 26 G · -que esse tipo de ataque só é causa de" . . ramsct nao tem em vist

rencra posrtiva a Stalin .1

, a, portanto, nessa refe-e a "oposirao de d. . sua Im? acavelluta contra Bukhárin

. treita , que t1vera · " ·que vrra Stalin se alinhar b" . llllCio em 1928-1929, e

. o )etivamente co Ji · A

m1ca da o p o s i ~ a o trotskista- . . . m a po t1ca econo-dua1ista da NEP. deíend"d zmlOVIevtsta contra a política gra-

' l i l a pe o u . .

notas do cárcere Gramsc1  n- 1 criticado diretamente nas

' ao · ou -

rinha com seus companhe'?"o d ~ ~ a s conversas queman-LL s e pr1sao As · f. 1 d

1930, Gramsci teria confi.d . d · Sllll, em Ina e. encta o a seu ·

Enzo Riboldi: "É preciso· levar em amtgo e. camaradade Stalin é bem diferente do d L ~ o n t a q ~ e o habttus mental

muitos anos no exterio.r0

e, erun. L ~ ~ •. tendo vivido por

problemas político-soci;isp osswa ~ a VIsao Internacional dos' que nao se pode d. d S lin

que sempre permanecen na R, . IZer e ta 'de nacionalista que se e ussJa, conservando a mental ida-rr b, xpressa no culto dos ' - 'J am em na Internacional S al. , . . grao-russos .

comunista: é preciso ter e d m e primerro russo e depois. _ UI a o com ele "2 7 E

ga de pr1sao, Ercole Piacentini · um outro cole-

nh . u uas o u tres . d ·co ecra o testamento d L . r vezes, lSSe quegante e grosseiro" e ed: erun que chama Stalin de "arra-

do Partido] e c o n c o r ~ seu afastamento da secretaria-geraiava com seu conteúdo "2 8 M · ·_ · a1s unpor-

f 6Quaderni, p. 1523.

l 7 C· dIta o por PaoJo Spriano St . d .

anni de/la clande.stinita Tunm· Ei'. o r d i , t ~ el Partrto comunista italiano, ll : Gli' , nau 1969 2758 Ercole Pjace · · "C . 'p . ·de 1974, p. 32. ntmJ, on Gramscr a Turi"'' in Rinascita, 25 de outubro

137

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1

M ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTICO

GRAMSCI : U

tantes do qu e essas r e c o r d a ~ O e s , p o ~ é m , que podem sempre· · d or uro certo anacrorusmo, parecem-me ser as

estar v1c1a as P f

b-es contidas no s próprios Cadernos e qu e se re erem

o s e r v a ~ o . · d " · d " d 1929indiretamente a t u a ~ a o de Stalm depms ': vrra a e .

Voltemos, antes de abordar essa questao,_ o _ p r o _ b l e ~ a da

· - do Estado. Para Grarosci, essa extm<;ao s1grufica oe x t m ~ a o · d -d

·mento progressivo dos mecan1smos e c o e r ~ a o , ouesaparect , . · d d · ·¡, 2· " bsorra-0 da sociedade pohttca na socte a e ,ctvl . 9

se)a, a rea y - .. d'dAs fun<;Oes sociais da dominat¡áo e da c o e r ~ o a me 1 a

a Construrao do socialismo cedem progressiva-

se a v a n ~ a n " Esa  hegemonía e ao consenso. O elemento ta-

mente espa<;o . .

d- diz Gramsci pode se r tmagtnado como capazo - c o e r ~ a o .

d· m ·do a medida que se af1rmam elementos cada

e se I r exaur d , ·· erosos de sociedade regulada (o u Esta o et1co ou

vez mats num - d· d d · ·1) '' 30 Por outro lado essa reabson;ao o Estadosoc1e a e c1VI . .' _ , .

l. dade ci·vil 0 fim da a h e n a ~ a o da esfera políttca -

pe a socte , . .

l. _ um a preocuparao bas1ca revelada por Gramsc1. a de1ga se a 'T d' ·

di· - nrre governantes e governados, entre rrtgentes

que a vtsao e . ,

d. · ·d que ele reconhece necessária ero determmado ruvel

e u1g1 os, . _ , . · - d · d

d 1- social (no qual eXlsta na o so a dtvtsao a socte a-

a evo u ~ a o d di . _ , .

d lmas inclusive um certo grau e vtsao t e c r u c ~

e em e asses, " , d ·do trabalho), nao seja considerada como uma p e r p e t u ~- d ,.. h mano" mas "apenas [como1 um fato histon?

sao o genero u ' . ~ - ~ -correspondeme a certas c o n d i ~ O e s " . Torna-se asstro ~ e c e ~e ~ , · "criar as condi<;Oes nas quais desaparer;:a a n e c e s s t d a d ~ ·

sarto d l" 31dessa divisiio [entre governantes e governa os . .

Q 1 O Estado e a revolurJío sabe que Lenm revelav:tuem eu y- . · - d --

urna roesma p r e o c u p a ~ a o coro a c o r o ~ l ~ t a s _ o C i a h z a ~ a o oder, o u, mais precisamente, com a p a r t l c t p a ~ a o de todos na ger ·

29 Quaderni, p. 662 .

30 Ibid., p. 470.J t I bid., p. 1352.

138

TEORIA AMPLIADA 00 ESTADO

táo das r e l a ~ o e s económicas e sociais. Mas, enquanto Lenin (e

rnais ainda Engels) preveem urna e x t i n ~ o quase au tomática do

Estado, como resultado da e x t i n ~ a o progressiva das classes no

plano económico e da difusao do saber entre as massas,

Gramsci parece supor a necessidade de urna luta no terrenoespecífico da política e das i n s t i t u i ~ o e s socialistas a fim de tornar possível o fim da a l i e n a ~ a o que se expressa na existencia deuro Estado separado da sociedade, qualquer que seja se u conteúdo de classe. É o que me parece resultar de suas notas sobre"Estatolatria"' nas quais ele adverte que "a 'estatolatria' naodeve ser deixada a seu livre curso", mas "deve ser criticada" 32

É como se ele dissesse que o "Estado operário com deforrna~ ó e s burocráticas" (como Lenin o caracterizou, em 1921) teriaurna dinamica própria, gerando interesses que apontam para

suap e r p e t u a ~ a o .

Daí a necessidade de urna permanente "críticasocialista", enquanto parte integrante do processo que Gramscifreqüentemente designa como "reforma intelectual e moral".

Nao é difícil ver nessa f o r m u l a ~ a o gramsciana do fim do

Estado através da c r i a ~ a o de urna "sociedade (auto-) regulada", ande desaparec;a a d i s t i n ~ a o entre governantes e governados urna p o s i ~ a o contrária as teorías divulgadas po r

Stalin, segundo as quais o Estado-coerc;ao tinha de se fortalecer ao máximo durante o período de transic;ao ao comunismo.

Nao me parecem ter outro sentido as o b s e r v a ~ o e s contidas nareferida nota sobre "Estatolatria", redigida em abril de 1932.Gramsci c o m e ~ a reconhecendo que, em determinados países, énecessária urna fase de fortalecimento do Estado durante asprimeiras etapas de c o n s t r u ~ a o do socialismo: "Para algunsgrupos sociais, que antes da ascensao avida estatal autónoma

nao tiveram um longo período de desenvolvimento cultural emoral próprio e independente (como podia ocorrer na socie-

32 Ibid., pp. 1020-1021.

13 9

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GRAMSC1: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO PO L fTICO

dade medieval e nos governos absolutistas, p ~ r . c a ~ s a da exis-

" . . de estamentos e ordens prtvilegtados), umtencta JUrl tea , , . rtu-

'od o de 'estatolatria' e necessarto e ate mesmo opo .

p e o r ~ 3 3 Ou se·Ja: onde a sociedade civil é fraca, onde as t:adin · , . d · - ular a utono~ o e s de democracia polltica e e o r g a r u z a ~ a o popma sao débeis ou inexistentes, a passagem para um..-a nova or-dem na o pode contar com os mesmos pressupostos qu: u r n asociedade "ocidental"; e, desse modo, torna-se n e c e s s a r l ~ um

fala, no decorrer de nota, em "governos a ~ s ~ l u u s t a s e ~ m"sociedade regulada") ná o deixam l u ~ a r _ a d u v l ~ : - ~ da ~ u s -. ·sta primeiro e da J·ovem Repubhca Soviettca, depots.

sta czar1 , ' ·d· 1111as numa b s e r v a ~ a o onde me parece rest Ir a e ~ a ~ p o -

si<;áo a ; "modelo stalinista"' Gramsci afirma logo ~ p o s : To

davia, essa 'estatolatria' náo deve ser d e ~ a d a a _se_u livre curso,

nao deve, em particular, tornar-se fanatismo t e o ~ t c o e ser con

cebida como 'perpétua': deve ser criticada, p r e c t s a m e ~ t e para

tal, nas quais a iniciativa dos indivíduos e do s g r ~ p o ~ ~ e J ~ es-

tatal', embora náo devida ao 'governo dos funcwna;10s (oAu

seja, deve-se fazer co m que a vida estatal torne-se ~ s p o n t a -') "3 4 E se observarmos que, pouco antes, Gramsci contra-nea . ' , . " , ocie-

pOe o "governo dos f u n c i o ~ a ~ o s " ao a u t o g o v e ~ ? ' ~ ! - ·.dade política a ociedade ctvll, vemos que sua cnuca a .

tolatria" além de ser urna clara crítica a e s t i i ~ burocrattca

doEstado é ao mesmo tempo uma defesa do a u t o g o ~ e r n o -

, · 1eda- -

de civil. O que a nota de Gramsci parece dtzer, em smtese,

seguinte: se a sociedade civil é fraca antes da tomada do po er,

33 Ibid.

34 !bid.

14 0

-

TEORIA AMPLIADA DO ESTADO

a tarefa do Estado socialista é fortalece-la depois, como condi

para su a própría extin<rao enquanto Estado, para sua

r e a b s o r ~ a o pelos organismos autogeridos da sociedade civil. E

nisso Gramsci concorda inteiramente com Lenin, quando este

diz que "o socialismo vitorioso nao poderá consolidar sua

vitória e conduzir a humanidade no sentido da e x t i n ~ a o do

Estado se na o tiver realizado integralmente a democracia" 35

O ponto novo, a c o n c r e t i z a ~ a o gramsciana da teoria "clássi

ca" do fim do Estado, reside em sua idéia realista! de

que aquilo que se extingue sao os mecanismos do Estado

c o e r ~ a o , da sociedade politica, conservando-se entretanto os

organismos da sociedade civil, que se convertem nos portado

res materiais do "autogoverno dos produtores associados''. O

fim do Estado nao implica nele a idéia generosa, mas utópica de urna sociedade sem govemo.

Por outro lado, há ainda um ponto onde as reflexoes de

Gramsci me parecem entrar em choque com a teoria e a prática

do stalinismo: na recusa da i d e n t i f i c a ~ o entre partido e Estado

ena defesa do Estado socialista como um Estado laico e huma

nista. Ele diz que, "nas sociedades onde a unidade histórica de

sociedade civil e sociedade política é entendida dialeticamente

(na dialética real e na o apenas conceitual), e o Estado é conce

bido como superável pela 'sociedade regulada' [ou seja, nassociedades socialistas], o partido dominante náo se confunde

. , .organzcamente com o governo, mas e mstrumento para a passa-

gem da sociedade civil-política a sociedade regulada', na medi

da em que absorve ambas em si, para superá-las, nao para per

petuar a c o n t r a d . i ~ a o entre elas, etc" 36 Se ligarmos essa obser

v a ~ o a f i r n 1 a ~ a o anterior sobre a necessidade de criticar a

15 V. L L e n i n ~ "Une caricature du marxisme et apropos de l'économisme'impérialiste", in Id., Oeuvres, cit., tomo 23, p. 81.

36 Quaderni, p. 1509.

141

GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL(T JCO

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'estatolatria', podemos concluir que se o partido se identifica

com o governo, com o Estado ocorre urna tendencia a que oE s t a d o - c o e r ~ a o (na forma do Estado-Partido) se perpetue, sem

que se tenha um instrumento adequado para criticar o burocra .

tismo autoritário que dele emana e para lutar por sua reabsor .

na "sociedade regulada". Por outro lado, numa nota em

que fala da "luta por urna cultura superior autónoma",Gramsci a define como "a parte positiva da luta que se manifes .

ta, em fortna negativa e polemica, nos meros 'a-' e 'anti-' (anti-

clericalismo, ateísmo, etc.). Empresta-se urna forma moderna e

arual ao humanismo laico tradicional, que deve ser a base ética

do novo tipo de Estado" 37 Nessa defesa do Estado socialista

como um Estado laico, humanista e nao estreitamente ideológi-

co, Gramsci se opoe a outro dos pilares do "modelo" stalinista:

aquele que, identificando Partido e Estado, identifica tambérn a ·

ideologia do Partido com a ideologia do Estado.Para concluir, podemos observar que o conceito de socie-

dade civil nao apenas fornece a Gran1sci os instrumentos para

concretizar a teoria "clássica" do fim do Estado, qu e é parte

integrante da crítica da política marxista, mas o leva também

a dar i n d i c a ~ ó e s concretas ainda qu e breves e sumárias -: -

sobre os problemas colocados pela c o n s t r u ~ a o do s o c i a l i s m oEssas i n d i c a ~ o e s , como vimos, foro.ecem elementos para

crítica marxista do modelo stalinista imposto na URSS, sobrei.

tudo depois de 1929, um modelo qu e Gramsci parecec o n s i 4 ~

rar "estatolátrico", burocrático-autoritário, centrado n u m afalsa i d e n t j f i c a ~ a o entre Estado e Partido. Seria certamente wm

-anacronismo fazer de Gramsci um "eurocomunista" ou uñt

"gorbachoviano" avant la lettre, r.11as também seria errad<r

deixar de lado essas suas i n d i c a ~ o e s no sentido de urna con;; •

c e p ~ a o original da c o n s t r u ~ o do socialismo, diferente daquda

37 lbid., p. 1527.

14 2

TEORJA AMPL.ADA DO ESTADO

q u ~ o ~ e n t o u o c a ~ ~ ~ seguido na URSS e em outros países

SOCialistas. Sua Originahdade, assim, nao se limita a formula-

f.áo. de u n : ~ , nova estratégia de luta pelo socialismo nos países

o ~ 1 d e n t a 1 s embora resida aqui, certamente, seu legado

mats fecundo e consistente.

, 43

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CAPíTuLo v1 A estratégia socialista

no ''Ocidente''

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1. GUERRA DE MOVIMENTO EGUERRA DE POSl<;AO

A teoria ampliada do Estado é a base que permite a

Gramsci responder de modo original a questao do &acasso dar e v o l u ~ a o nos países ocidentais: esse fracasso ocorreu, supoe

Gramsci, porque nao se levou na devida conta a d i f e r e n ~ aestrutural que existe entre, por um lado, as f o r m a ~ o e s sociais

do "Oriente" (entre as quais se inclui a da Rússia c2arista),

caracterizadas pela debilidade da sociedade civil em contrastecom o predomínio quase absoluto do E s t a d o - c o e r ~ a o ; e, por

outro, as f o r m a ~ o e s sociais do "Ocidente", onde se dá urna

r e l a ~ a o mais equilibrada entre sociedade civil e sociedade polí

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GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL(TICO

elido: a "ocidentalidade" de urna f o r m a ~ a o social nao é, para

Gramsci, utn fato puramente geográfico, mas sobretudo urnfato histórico. Ou seja: Gramsci nao se limita a registrar a pre

s e n ~ a sincrónica de formac;oes de tipo "oriental" e "ociden

tal", mas indica também os processos histórico-sociais, diacronicos, que levam urna f o r m a ~ a o social a se "ocidentalizar".

Ao se referir a eoria da " r e v o l u ~ a o permanente" na formula

que lhe haviam dado Marx e Engels,l ou seja, "como

expressao cientificamente elaborada das experiencias jacobi

nas" na R e v o l u ~ a o Francesa, Gramsci observa: "A fórmula é

própria de um período histórico no qual nao existem ainda os

grandes partidos de massa e os grandes sindicatos económicos,

e a sociedade ainda estava, por assim dizer, em estado de 'flui .

dez' sob muitos aspectos."2 Paulatinamente, porém, na medi.

da em que o desenvolvimento dos processos de s o c i a l i z a ~ oda s f o r ~ s produtivas leva a urna s o c i a l i z a ~ a o da p a r t i c i p a ~ a opolítica, em que essa "fluidez", própria da época do liberalis

mo de p a r t i c i p a ~ a o restrita, cede lugar a "estrutura m a c i ~ "da s democracias modernas e Gramsci coloca o ponto de

inflexao em 18703 , as sociedades européias passam a se

"ocidentalizar'': impoe-se assim urna m u d a n ~ na estratégia

da luta socialista. "A fórmula tipo 1848 da ' r e v o l u ~ a o perma

nente' conclui Gramsci é elaborada e superada na cien

cia política pela fórmula da 'hegemonía civil'. Ocorre, na arte

p o l í t i c ~ o que acorre na arte militar: a guerra de movime:J.to -

torna-se cada vez mais guerra de p o s i ~ a o . "4 -

Nessa importante a n o t a ~ a o de Gramsci, há dois tópicos a _;

assinalaL Em primeiro lugar, vemos que -a necessidade de urna

-

t Karl Marx e Friedrich Engels, "Mensagem do Comite Central aLiga dos -

Comunistas", in Marx-Engels, Obras escolhidas, cit., vol. 1, p. 97. O textoé -

de 1850.

2 Quaderni, p. 1566.

3 lbid., p. 1567.

4 Ibid.

14 8

--.

. .. -=.

----  -

A ESTRATtGJA SO C I AUSTA NO •octOENTE•

nova estratégia nao é imposta .1

.· 1 ... apenas pe a diferenr · A

ca, srmu tanea, entre sociedad " 'd . srncrorb, es oct enta1s" e " · . "

roas tam em pela diferenra d" A • Orientais. · y tacronica no · ·

cledades hoje "ocidentais, ., Interior das so

debilidade da organizara-o d entre penados marcados pel· · e mass ·

- , ' que ronta

socia IZarao d ]" ·a conquista paulatina de po . - a po 1t1ca (ond

, . S I ~ o e s ocupa 0 Iug1rateg¡a operária). Nesse sentid " ar ce_ntra na es-

tipo "oriental" mas tambe'm s a E s ~ U t i s t ~ s ou despóticos de. ' aos sta · · .

nos. (É claro que essa periodizar- ' lid ocraticos moder-~ a o , va a para a E _se repete em outras regioes do mundo· . - uropa, na o

mo veremos mais adiante que p ' mdas tsso nao nega, co-. d. ' rocessos e "ocident liz - "

mais tar Ios ocorram tamb., 1 a a ~ a o

ao se re ere ape ,concreta aplicada pelos bol h . · nas a estratégia

E 1 b orni a ~ o e s de Mnge s, so retudo por volta de 1848-1850 arx e

vam ou com Estados semi-ah 1 . , quando esses lida-

estabelece entre "guerra de m . orrelac;ao que Gramsci, ovunento" e " 1 -

neme 'por tun lado e entre " d revo u ~ a o perma-d ' guerra e · - "a "hegemonia civil" p o s i ~ a o e conquista

. _ , por outro· a eh "

aos paises OCidentais ,, o u

5 Sobre isso'p. 17-25. cf. C. N. Coutinho, Marxismo e p .

o tttca, •

Cit.,

14 9

GRAMSCI UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL[T I COA E S T R A T ~ G I A SOCIALISTA NO ·oCIDENTE•

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-- .•- .: .

L. -..

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1•

.'

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,... ,.. .. .

-•

que se "ocidentalizam", reside precisamente na luta pela con

quista da hegemonía, da d i r e ~ á o política ou do consenso. Ou,

para usarmos as palavras do próprio Gramsci: "Uro ~ u p osocial pode e mesmo deve ser dirigente já antes de conqutstar

o poder governamental (é essa urna das c o n d i ~ O e s principais

para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o

poder, e mesmo que o conserve firmemente nas maos, torna-se

dominante, mas deve continuar a ser também 'dirigente' "6

Essa aguda p e r c e p ~ a o das t r a n s f o r m a ~ o e s históricas ocor

ridas nas sociedades capitalistas, cuja conseqüencia inevitável

é a necessidade de urna r e n o v a ~ a o da estratégia marxista de

t r a n s i ~ á o ao socialismo no nível teórico, nao deve ocultar o

fato de que Gramsci ao formular sua teoría estava tra

vando também urna batalha política atual, precisamente con

tra os que nao adverti am a necessidade dessa r e n o v a ~ á o . Para

ele, "a passagem da guerra de movimento (e do ataque fron

tal) a guerra de p o s i ~ a o também no campo político ( .. ) pareceser a mais importante questáo de teoría política colocada pelo

período do pós-guerra e a mais difícil de ser resolvida c o r ~ e t a -mente." E, logo em seguida, ele critica duramente Trotsk1 por

continuar a propor a teoría da " r e v o l u ~ á o permanente", do

ataque frontal, "num período em que esse tipo de ataque só é

causa de derrotas" 7

Para sublinhar a atualidade da batalha política de

Gramsci, seria interessante observar que, embora suas críticas

se dirijam explícitamente a Trotski e (como veremos) a RosaLuxemburgo, ele também se opóe aquí, na verdade, a toda a .

linha política seguida pela Internacional Comunista no perío-

do que vai de 1929 a 1934: urna linha baseada, como se sabe,

na falsa s u p o s i ~ a o de um iminente colapso do capitalismo, da

abertura de urna crise revolucionária mundial ( c o ~ c e b i d a em

6 Quaderni, p. 2011

7 Ibid., p. 802

150

termos de "catastrofismo económico"), com a conseqüente

d e d u ~ a o da necessidade de adatar urna tática de ataque fron

tal, de ofensiva em todos os planos, tática segundo a qual até

-a social-democracia devia ser tratada e combatida como urna

"irma gemea do fascismo". Nao é preciso insistir aqui sobre

os trágicos resultados a que levou essa retomada aventureirista

da "guerra de movimento" como estratégia dos partidos co

munistas ocidentais, num período em que ela como Grams

ci insiste "só é causa de derrotas". Escrevendo em 1930-

1932, quando a a p l i c a ~ a o da «virada esquerdista" da IC esta

va em pleno andamento, Gramsci na o podia ignorar que seus

ataques a Trotski entao politicamente derrotado e no exilio

- aplicavam-se com rnuito maior propriedade a política da

própria IC.

Combatendo o trotskismo e, ao mesmo tempo, a "virada

esquerdista" de Stalin depois de 1929, Gramsci mantém-se fiel

as diretrizes indicadas por Lenin no m Congresso (1921) daIC, quando o "esquerdismo" é duramente combatido e a IC

propoe urna política de "frente única" com as demais forc;as

operárias e socialistas, urna política que intuía a maior com

plexidade das sociedades "ocidentais", mas que seria abando

nada po r Stalin precisamente a partir de 1928-1929. "Parece

me que llitch [Lenin] compreendeu observa Gramsci que

era necessária urna m u d a n ~ a da guerra de movimento, aplica

da vitoriosamente no Oriente [isto é, na Rússia] em 1917, pa

ra a guerra dep o s i ~ a o ,

única possível no Ocidente ( ..). Esseme parece ser o significado da fórmula da 'frente única'." E

Gramsci prossegue, colocando de modo concreto a determina

central da d i f e r e n ~ a entre Oriente e Ocidente: "No Orien

te, o Estado era rudo e a sociedade civil era primitiva e gelati

nosa; no Ocidente, entre Estado e so<:iedade civil havia urna

r e l a ~ a o equilibrada: a um abalo do Estado, imediatamente se

percebia urna robusta estrutura da sociedade civil. O Estado

era apenas urna trincheira a v a n ~ a d a , por trás da qual estava

15 1

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GRAMSC I: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO

urna robusta cadeia de fortalezas e casamatas; a p r o p o r ~ a ovaria de Estado para Estado, como é evidente, mas precisa

mente isso requeria um cuidadoso reconhecimento de caráter

nacional."8 O conceito de "sociedade civil", como vemos, in

troduz aqui urna concretizac;ao essencial em rela<;ao a urna

f o r m u l a ~ a o similar de 1924, já citada no capítulo m.É precisamente essa " r e l a ~ a o equilibrada" entre Estado e

·sociedade civil que desautoriza, no "Ocidente", a superestima

<;ao do papel das crises económicas no processo de desagrega

do bloco dominante e, em conseqüencia, a f i x a ~ a o da

estratégia socialista na idéia de um "assalto revolucionário"

ao poder. A polemica de Gramsci toma aquí como alvo Rosa

Luxemburgo, mas as críticas que ele dirige ao economicismo e

ao catastrofismo da grande revolucionária polonesa valemtgualmente e talvez ainda com maior a d e q u a ~ a o para as

posi'f6es defendidas pela IC no período 1929-1935. Contra

·Rosa, Gramsci insiste no fato de que, "[nos] Estados mais

a v a n ~ a d o s , ( ...) a 'sociedade civil' tornou-se urna estrutura

muito complexa e resistente as ' i r r u p ~ o e s ' catastróficas do ele

mento económico imediato (crises, depressoes, etc.): as supe

restruturas da sociedade civil sao como o sistema das trinchei-

8 Ibid., p. 867. Cabe aqui um parentese: ao contrário do que supoe urna lei

tura corriqueira de Gramsci,nao é correto imaginar que, nas sociedades "oci- =

dentais", o fortalecimento da sociedade civil implique um debilita mento do

Estado. O "Ocidente" nao é nversamentesimétrico ao "Oriente": no primei· =:-

ro, entre os dois momentos da superestrutura, se dá urna " r e l a ~ o equilibra· _-

da", razao pela qual o extraordiná rio fortalecimento do Estado ocorrido nas _·

sociedades de capitalismo tardio um fenómeno que Nicos Poulantzas (O

Estado, o poder, o socialismo, ed. brasileira, Río de Janeiro, Graal, 1980, PP·

233 e ss.) chamou de "estatismo autoritário" na o anula o caráter "ociden·

tal" das mesmas, na medida em qu e os organismos da sociedade civil penn.a· ·

n e ~ a m fortes e articulados, ainda que muitas vezes de modo l i b e ~ ~ ~ - -

corporativo. O próprio fascismo "clássico", enquanto regime readonano

que pressupoe urna base de massas organizada, é um fenómeno típico de _"'

sociedades "ocidentais".

15 2

A ESTRATfGIA SOCJAUSTA NO •oCIDENTE•

ras na guerra moderna" 9 Esse sistema de m e d i a ~ o e s impll

cando um "recuo das barreiras económicas",. o u seja, u m

rnaior autonomia do político toma as crises revolucionária

nas sociedades "ocidentais" unt fenómeno bem mais comple

xo. Tais crises já nao se manifestam imediatamente como re

sultado de crises economicas, mesmo aparentemente catastró

ficas, e nao impoem, portanto, urna s o l u ~ a o rápida e um ch o

que frontal; elas se articulam em vários níveis, englobando un

período histórico mais ou menos longo. Daí por que Gramsci

para definí-las, refere-se a o ~ o de "crise organica", ou seja

a urna crise que diferentemente das "crises ocasionais" ot

"conjunturais" nao comporta a possibilidade de uma solu·

rápida por parte das classes dominantes e significa

progressivad e s a g r e g a ~ a o

do velho "bloca histórico" 10Se a "crise organica", em seu aspecto económico, apresen

ta-se como m a n i f e s t a ~ a o de c o n t r a d i ~ o e s estruturais do modode p r o d u ~ a o , ela aparece no aspecto superestrutura1, políti

co-ideológico como crise de hegemonia. E Gramsci assim a

define: "Se a classe dominante perdeu o consenso, ou seja, nao

é mais 'dirigente', porém unicamente 'dominante', detentara

da pura f o r ~ a coercitiva, isso significa precisamente que as

grandes massas se separaram da s ideologias tradicionais, que

nao creem mais no que antes criatn, etc. A crise consiste preci-

9 Quaderni, p. 810.

lO De passagem, cabe notar que Gramsci usa a expressao "bloco históri

co" em duas a c e p ~ o e s diversas, ainda que dialeticamente interligadas! 1)

como a rotalidade concreta formada pela r t i c u l a ~ a o da infra estrutura mate

rial e das superestruturas po1ítico-ideológicas; 2) como urna a l i a n ~ a de clas

ses soba hegemonia de urna classe fundamental no modo de p r o d u ~ a o , cujo

objetivo é conservar ou revolucionar urna f o r m a ~ a o economico-social exis

tente. A i g a ~ o dialética se dá na meilida em que a constru\io de um "bloco

histórico", no segundo sentido, implica a c r i a ~ o de urna nova r t i c u l a ~ a oentre economia e política, entre infra-estrutura e superestrutura. Sobre as

d e t e r m i n a ~ o e s do conceito de "bloco histórico", cf. a didática x p o s i ~ o de

Hugues Portelli, Gramsá et le bloc historique, París, PUF, 1972.

153

GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTtCO

A ESTRATtGJA SOCIALISTA NO "O C IDENTE"

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- '•-

:

samente no fato de qu e o velho morre e o novo na o pode nas .

cer."1 1 A crise de hegemonia, enquanto expressao política da

crise organica, é o tipo específico de crise revoluc.ionária nas

sociedades mais complexas, com alto grau de p a r t i c i p a ~ a oorganizada. Ela se caracteriza ao contrário da crise "catas .

trófica" por tun período relativamente longo de a t u r a ~ a o ,no qual se dá urna complexa luta por espac;os e p o s i ~ o e s , u.m

movimento de a v a n ~ o s e recuos. Como toda crise, também a

de hegemonia pode da r lugar a diferentes alternativas, isto é, po..

de ter diferentes s o l u ~ o e s . De imediato, a classe dominante

pode te r c o n d i ~ o e s de continuar dominando através da pura

c o e r ~ a o ; a médio prazo, ela pode certamente recompor sua

hegemonía, por meio de concessoes, de manobras refor1nistas,

etc., para o que contará com a incapacidade da s f o r ~ a s adver

sárias de apresentar s o l u ~ o e s positivas e construtivas. Urna

outra possibilidade é a de que as classes dominadas favore- -

ciclas pelo caráter estrutural da crise ampliem seu arco dea l i a n ~ a s e sua esfera de consenso, invertam em seu favor as

r e l a ~ o e s de hegemonía e, desse modo, ao se tornarem classes

dirigentes (ao apresentarem e conquistarem consenso para pro

postas de o l u ~ a o dos problemas do conjunto da nafao), criem

as c o n d i ~ o e s para chegarem a i t u a ~ a o de classes dominantes. -

De qualquer modo, contra a "impaciencia revolucionária",_-

Gramsci observa que a a ~ a o em face desse tipo de crise requer =-

"qualidades excepcionais de paciencia e espírito inventivo" 12 .,-·

Portanto, na "guerra de p o s i ~ a o " que atravessa urna crisede hegemonía, preparando-a ou dando-lhe p r o g r e s s i v a m e ~

s o l u ~ a o , nao há lugar para a espera messianica do "grand_e -=

dia",para a passividade espontaneísta que conta como e s e n ·-

t l Quaderni, p. 30 1. Sobre o conceito de crise em Gramsci :- ct o belo ensaio -

de Juan Carlos Portantiero, "Notas sobre crisis y producción de acción hegt-

mónica", in Id., Los usos de Gramsci, Buenos Aires, Folios, 1983, PP· 141· -- -

175.u Quaderni, p. 916.

15 4

cadeamento de urna explosao de ti , .~ o para o "assaito ao pod , O ~ a ~ a s t r o f l c o como condi-

pela conquista de e s p a ~ o s . - , e Iutar cotidianamenteobjetivo final ou SeJ·a o de e p o s J ~ o e s , sem perder de vista o

' ' romov -

Se a crise econOmica nao se : d onomtco-soctal capitalista.

- f e mas pode até .~ o e s , avorecer urna reagreg - d ' em cenas condi-a ~ a o esse · · . .

classe dotninada de fazerpot+· amente da capactdade da. ¡,zca; em outras pal d

qrustar progressivamente pa . h . avras, e con-

conquista da hegemonía a tr f, ante: Ternos assun que essa

sc1ana e tr · -uma estratéo-ia que ale"m d . a n s t ~ a o ao socialismo·

er ' e un osta . '

"a 'guerra de o s i ~ a o ' ~ m a os, p o ~ s e ~ ~ o Gramsci -mente" .13 E nao e" d ' . ez vencida, e decidJda definitiva-

emars recordar qcomo Gramsci já 0 ind ic d d ue, para se tornar -

_, ' lea, a e asse oper , . d

uasse nacional: ou SeJ·a d aria eve se tornar. . , eve superar qualq ., .ratlVIsta e assumir com d uer esprrito corpo-

- o seus to os os probl r .n a ~ o . Como veremos no ; . emas eietivos daprox.uno capítulo I d . .

nessa t r a n s f o r n l a ~ o da classe ; . ' um pape ecJsivodesempenhado po r seu partido o p l ~ ~ a r i a em classe nacionaJ é

Lo ; po I tl CO.

. go apos a passagem onde Gramsci . . . -

s orica e passar da guerra de

u lbid., p. 917.

15 5

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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITlCO

movimento para a guerra de p o s i ~ a o , ele diz o seguinte: "Ilitch

nao teve tempo para aprofundar sua fórrnula, mesmo levando

se em conta que ele só poderia aprofundá-la no nível teórico,

já que a tarefa fundamental era nacional, ou seja, requeria um

reconhecimento do terreno e urna f i x a ~ a o dos elementos de

trincheira e fortaleza, representados pelos elementos da socie-dade civiL"14 Na verdade, essa c o l o c a ~ a o de Gramsci pode

também ser lida como um programa de trabalho: ao longo dos

Cadernos, ele se empenha precisamente em aprofundar os dois

momentos, em fazer aquilo para o que Lenin "nao teve tem-

po". Em prímeiro lugar, ele empreende o a profundamento no

nível teórico, co m sua teoria ampliada do Estado, co m a for

m u l a ~ a o da d i f e r e n ~ a entre as f o r m a ~ o e s "orientais" e "oci

dentais", com os conceitos de "guerra de p o s i ~ a o " e de "crise

organica", etc. E, em segundo, ele opera um profundo reconhecimento do "terreno nacional', italiano, g r a ~ a s a seus deta-

lhados estudos sobre o processo peculiar de t r a n s i ~ a o para o

capitalismo na Itália (através de urna " r e v o l u ~ a o passiva" ou

" r e v o l u ~ a o sem r e v o l u ~ a o ' ' ) , sobre a centralidade nacional das

questoes meridional e vaticana, sobre o caráter cosmopolita e

nao nacional-popular da cultura e dos intelectuais italianos,

etc. Lugar de destaque, nesse reconhecimento do "terreno na-

cional", é ocupado pelas f o r m u l a ~ 5 e s de Gramsci sobre a

"fase de t r a n s i ~ a o " que, a seu ver, deveria intercorrer entre aqueda do fascismo e a r e v o l u ~ a o socialista na Itália. É t::na

questao que merece ser examinada mais de perto, nao só por -

seu interesse intrínseco, mas porque ternos aqui um exemplo

talvez o único de a p l i c a ~ a o concreta, pelo próprio

Gramsci, dos princípios gerais da sua nova estratégia de tran- -. _

s i ~ a o a urna s i t u a ~ a o nacional concreta.

t4 Ibid., p. 866._,.

15 6-- ·-

;.f!.- .

A ESTRATEGrA SOCIALrSTA NO ·ocJDENTE•

2. DA PROPOSTA GRAMSCIANA DE "AS .

Todos os dados e depoimentos h . . , .

· e ue ra ·92 pe o a partir da " . d "

de 1 !Sto e, da a d o ~ a o e aplica ao a tál" . V l r ~ .a

scor anc1a tranotas do carcere, através de um l" . . . nsparece na s

1 · d. a po effi!ca 1nd1reta 1a vo Ime lato da crítica nao é IC ' na qu a o

- ra, arn a que brevasrazoes que motivaram a opos· _ d G . , emente,. . I ~ a o e ramsci as co .. "

c1as nactonais que a nova dire - d PC . · nsequen-T ¡· · 0 I lide dto g latti extraiu da "virada" d lC 15 ra o por

1 . , . rgencta e uma crrseuctonarta uninente a partir de p t . revo-

- d . ' . re ensos Sin tomas de desa -g a ~ o o regime fasctsta; estariam assim col d gred d. - · . ·oc a os na ordo ta, nao mals obJetivos tra " t, . ( ' em

. OSI OCIOS como a " bJ,.republicana com base em conselh , . assem eia

os operarios e cam "proposta por Gramsci em 1925) . d. poneses ,

tariado, a ser implantada med· ' mas su:; a ztadura do prole-. . Iante um assalto a d " d

tipo msurrecional. A polemica contr . o er. ede tipo liberal-democráti·co s a os partidos antifascistas

e acentuou· · . .

' vo pr1nc1 a dos . .

d . socia - asc1smo" ( .a social-democracia como "a l d d . ou seJa,

· · a esquer a o fascts " · dmats pengosa do que esse, dado seu d . ' ain amassas proletárias). po er de m t s t i f ¡ c a ~ a o das

Gramsci discordou abertamente da no 1. h , .va In a pobnca ado-

5 Sobre a " d.Jt dvrra 4 a IC e suas canse ··" ·Stona del PCL 11, cit., PP. 210-338. . q u e n c ~ a s no PCI, cf. Paolo Spriano,

157

GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfliCO

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; .

'

-• r

tada.t6 Segundo as r e c o r d a ~ o e s de Bruno Tosin, que conviveu

co m Gramsci no cárcere de Túri, entre 1930 e 1931, esse últi

mo na o partilhava o juízo da IC sobre a s i t u a ~ a o italiana: nao

acreditava tratar-se de urna s i t u a ~ a o revolucionária, cujo desen

lace devesse necessariamente conduzir a urna i n s u r r e i ~ a o proie

tária. Tampouco lhe parecia correto afrrmar que os partidos

burgueses ou reformistas da o p o s i ~ a o antifascista estivessem se

preparando para urna convergencia com o regitne mussolinia

no, como era afirmado pela d i c e ~ a o do PCI. Em sua opiniao,

havia certamente uro descontentamento ruante do fascismo,particularmente entre os operários, os camponeses e as cama-

das médias; mas esse descontentatnento embora se expres

sasse claramente em o s i ~ o e s contrárias amonarquia, identifi . ,

cada com o fascismo e com a opressao estava longe de con-

duzir a urna p o s i ~ a o inequivocamente socialista, favorável a

ditadura do proletariado. Tudo indicava que, levando em contaesse descontentamento, os partidos liberal-democráticos e re-_

fortnistas acentuariam sua o p o s i ~ o a Mussolini (ao invés de

convergirem como fascismo), o que tornava verossímil a possi- :..

bilidade de s u b s t i t u i ~ a o do fascismo por um regime l i b e r a l -democrático.t7 Gramsci, assim, mostrava-se fiel nao apenas -arealidade objetiva, mas também a sua antiga c o n c e p ~ a o : t u d ~fazia prever urna fase intertne<liária, liberal-democrática, ende.-3

a queda do fascismo e o estabelecimento do socialismo. :r

E Gramsci vai além: comentando a "virada", ele julga :..§

cobrir no PCI um retorno as velhas tendencias maximalisias,

contra as quais ele se hatera duramente com exito - U l l i

"'-:1

16 O mesmo ocorreu com outro importa'lte dirigente comunista presot

Umberto Terracioi, antigo companheiro de Gramsci na época do L'OrdÍJil_Nuovo semanal. O próprio Terracini narrou suas experiencias desse p e r í ~ ~referindo-se também ao isolamento a que Gramsci foi submetido no á n : ~po r seus companheiros de partido, po r causa de suas divergencias,} tt

Intervista sul comunismo difficile, Bári, Laterza, 1978, pp. 81-131.

17 Bruno Tosin, Con Gramsci, Roma, Riuniti, 1976, pp. 93-106 .

15 8

A E S T R A T ~ G f A SOCIAliSTA NO •ociOENTE•

18 !bid 98a.' p. .

15 9

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GRAMSCI: UM ESTUCO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTICO

comunicar na época a i r e ~ a o do Partido as p o s i ~ ü e s do dirigente preso: "O primeiro passo através do qual é preciso conduzir esses estratos sociais [camponeses, pequenos-burgueses]consiste em fazer com que se pronunciem sobre o problemainstitucional e constitucional. A inutilidade da Coroa é atual

mente compreendida por todos os trabalhadores, inclusive pelos companheiros mais atrasados da Basilicata e da Sardenha.,

A luta pela Constituinte aparece como a oportunidade naoapenas de promover urna a l i a n ~ a com outras f o r ~ a s , de '•fazerpolítica", mas também de conquistar p o s i ~ o e s na luta pelahegemonia da classe operária. "Por isso, a tática do Partido -continua Gramsci, ainda segundo o relatório de Lisa devese centrar nesse objetivo, sem temor de parecer pouco revolu .

cionário. Deve fazer sua, antes dos demais partidos em lutacontra o fascismo, a palavra de ordem da 'Constituinte', naocomo fim, mas como meio. A 'Constituinte, representa a for-

ma de o r g a n i z a ~ a o no seio da qual podem ser colocadas as rei-

v i n d i c a ~ o e s mais sentidas da classe operária tra balhadora; no

seio da qual pode e deve se explicitar, através de representantespróprios, a a ~ a o do Partido, que deve te r como meta desmisti-

ficar todos os programas de reforma pacífica, demonstrando aclasse trabalhadora italiana como a única s o l u ~ a o possível na

Itália reside na r e v o l u ~ a o proletária."19 A importancia de urna

Constituinte enquanto etapa na "guerra de p o s i ~ a o " pelo

socialismo é urna c o n v i c ~ a o que acompanhará Gramsci por-

19 Athos Lisa, Memorie, Milao, Feltrinelli, 1974, pp. ~ 2 - 9 5 . Urna n a u a ~ i { )detalhada e objetiva das difíceis e l a ~ o e s entre Gramsci e o PCI no período do

cárcere está em Paolo Spriano, Gramsci in carcere e il Partito, Roma, Riuniti, -1977. A o c u m e n t a ~ a o apresentada por Spriano poe por terra as a f i n n a ~ ó e s -levianas de Ñ!aria-Antonietta ~ l a c c i o c c h i (Pour Gramsci, Paris, Seuil, 1274,

pp. 40 e ss. ), segundo as quais Gramsci teria sido expulso e até mesmo perse- _guido pelo PCI. Escrito co m a extravagante i n t e n ~ a o de "provar" que :: _Gramsci é o "Mao do Ocidente", o livro de Macciocchi é, no geral, um boro =-=-_ -exemplo de falta de seriedade intelectual.

16 0

A E S T R A T ~ G I A SO CIA l i STA NO · o c iOENT f •

todo_ o período carcerário: ainda em 1935, ele pede a seu ami

go P1ero Sraffa que transmita ao Partido a mesma recomenda~ i i o , lembrando que a Constituinte é a forma italiana da "fren

te p o p ~ l a r " proposta no VIT Congresso da IC, quando finalmente e abandonada a estratégia esquerdista anterior.20

Mas niio deve atribuir a Gramsci o qu e é de seus sucessores, em particular de Togliatti. É cerro qu e Gramsci em seu

período carcerário, niio tinha dessa fase intermediária ' desse"período de t r a n s i ~ i i o " democrát ico a visiio ampla e articu

lada que, sobretudo a partir de 1944, depois das experienciasdas "frentes populares" e da coaliziio dos países democráticos

c ~ n t r a o ~ a z ¡ ~ f a s c i s m o , irá aparecer nas f o r m u l a ~ O e s que Pal~ r o T o ~ I a t t i e Eu?erúo C u r i ~ l , entre outros, deram ao con

ceJtO ~ ~ d e m o c ~ a c t a progress1va": ou seja, de um regime de

mocratic? republicano que, g r a ~ a s a r t i c u l a ~ a o dialética entre

os orgamsmos tradicionais d e _ r e p ! e s e n t a ~ i i o democrática (par

lamentos, etc.) e os novos mst1tutos de democracia direta

( c o n s ~ l h o s de f á ~ r i c a , de bairro, etc.), permite o avan\o pro-

gress:vo no sentido de transforma\oes sociais e económicasp r o ~ d a s , ~ conquista permanente de p o s i ~ O e s no rumo do

s o c 1 a _ h ~ m o . ~ o s _ que nos perguntam que república queremos

diz1a ToghattJ em 1945 , respondemos sem hesita\Oes:queremos urna ~ e ~ ú b l i c a democrática dos trabalhadores, que

r ~ m o s urna repubhca que se conserve no atnbito da democra

Cia e na qual t ~ d a s as reformas de conteúdo social sejam realizadas no respe1to ao método democrático. "21 Na f o r m u l a ~ o

20Cf. Spriano, Storia del PCI, II , cit., p. 285.

21

Palmiro T o g l i a ~ "Rapporto al V Congresso del PCI" in Id. Operescelte R Ri · · 197 É ' '' o m ~ , uniti, P,P· 440-441. interessante observar que, embo-ra C ~ d e r n o s de Gramsct so tenham c o m e ~ a d o a ser publicados em 1948Togliattt ¡· ' · d · '

que, a ras, rO I um os orgaruzadores de sua primeira d i ~ o · ,

tomara _contara_ ireto com os mesmos em 1938, um an o após a morte J:G ~ a m s a . Sobre tsso, d. o documenta do ensaio de Giuseppe Vacca "Togliattiedltore delle 'Lettere' e dei 'Quademi del carcere'", in Id., T o g / i a ~ i sconosciuto, Roma, Unita, 1994, pp. 123-169.

16 1

GRAMSCt: UM ESTUOO SOBRE SEU 9ENSAMENTO POLITICOA E S T R A T ~ G I A SOCIALISTA NO •oc iDENTE"

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de Togliatti, portanto, a democracia política perde seu ~ ; r á t e rde etapa a ser cumprida e abandonada no momento do assal

to a o poder", no pretenso "grande dia", para ganhar a carac

terística de uro conjunto de conquistas a serem conservadas e

elevadas a nível superior ou seja, dialeticamente superadas

- na democracia socialista. . .Essa coropreensáo de urna transi¡;áo para o s o c t a h s ~ oatravés da consolida¡;áo e do aprofundamento d e m ~ r a c t apolítica aparece também c l a r a ~ e n t e ero Euger:to Cunel, umjovem comunista italiano assassmado pelos fasctstas ero 1945,

durante a Resistencia. Ero apontamentos que datam de m a r ~ oa

'oril de 1944 Curiel além de definir corretamente aou ' d .relac;áo entre luta pela hegemonía e avanc;o e m o c r a ~ c o para

0socialismo formula também urna nova c o n c e p ~ a o s o ~ r e

as formas da ruptura revolucionária nos países "octdentats":

"A democracia progressiva nao significa apenas urna etapa,

urna fase aqual se chega e na qual se fica por alguro t ~ m p o a

fim de retomar folego para seguir adiante: a d e ~ o c r a c 1 a pro-gressiva é a formulac;áo P ? l í ~ i c ~ do processo soctal _da revolu·

c;áo permanente. ( ..) A eX1stenc1a de urna d e m o c r ~ c t a progres·

siva é condicionada pelo contínuo progresso soctal, por urna

participaiiáo popular cada vez mais decisiva no g o v e ~ o , pelahegemonía cada vez mais madura da classe operana. (.:.}

Remeter-se necessariamente as formas que a ruptura a s ~ u n u una URSS é uro critério historicamente falso. As modahdad:sda ruptura assumem formas diversas a depender do pats.

Podem assumir., ero certos casos, a forma de uma tran_sforma·

yáo qualitativa diluída."22 Come¡;avam assim a assu_nnr t r a ~ o sconcretos, já na época da Resistencia, as formulac;oes ~ r a m s ·cianas sobre a transil;áo no "Ocide11te" · Ponto culmmante

nessa concretiza¡;iio é o Vlli Congresso do PCI (1956), quando

22 Eugenio Curiel Scritti 1935-1945, Roma, Riuniti, 1973, vol. 2, PP:

Ao contrárío de Togliatti, Curiel certamente desconhecia os manuscntos os

Cadernos.

16 2

ganha urna forma plenamente explicitada a proposta de urna

"via italiana para o socialismo". Comentando-a, observa

Amendola: "A estratégia de a v a n ~ o democrático para o socia

lismo num país de capitalismo desenvolvido, elaborada explícitamente após o VIII Congresso (1956), mas seguida de fato

desde a f o r t n a ~ a o em 1944 do 'partido novo', exclui a hipóte

se de urna crise revolucionária que se desenvolva, segundo as

i n d i c a ~ o e s fornecidas com base na experiencia soviética, até a

conclusao da conquista do poder po r meio de urna i n s u r r e i ~ a oarmada. A transforma\ao do poder num sistema de capitalis

mo monopolista de Estado impoe a classe operária outros ediferentes caminhos de acesso a dire\ao do Estado. A conquis

ta do poder nao pode se realizar através de um ou mais fatos'oncentrados no tempo e no e s p a ~ o , corno numa tragédia clás-

sica, mas se realiza nurn processo multiforme e prolongado de

t r a n s f o r m a ~ a o revolucionária da sociedade."2 3

As f o r m u l a ~ o e s de Gramsci sobre o papel de urna Consti

tuinte na t r a n s i ~ a o entre fascismo e socialismo já indicam cer

tamente urna tentativa, ainda que tímida e insuficiente, de

concretizar taticamente suas notáveis descobertas estratégicas.

Caberia porém aos herdeiros de Gramsci, que trabalharam e

trabalham em c o n d i ~ o e s históricas mais favoráveis, transfor

mar as i n d i c a ~ o e s do grande marxista sardo num conjunto

consistente e articulado de f o r m u l a ~ o e s políticas e ideológicas

concretas. Mas a novidade dessas f o r t n u l a ~ 6 e s 2 4 nao pode e

23 Giorgio Amendola, "la crisi della societa italiana e il Partito comunista",in Id., Gli anni della Repubblica, Roma, Riuniti, 1976, pp. 115-116.

24 Urna dessas navidades é a c o n c r e t i z a ~ a o do conceito de hegemonía

mediante sua articula\aO com o pluralismo: ~ F a l a m o s hoje de hegemonía e

de pluralismo. Diria de modo mais preciso: hegemonia da classe operária no

pluralismo; batalha por urna hegemonia operária qu e se explicite no pluralis

mo. É uma fórmula que nao se limita a indicar uma direc;ao da classe operá

ria fundada no consenso; é urna fónnula que já alude a urna precisa forma

política e estatal de éonsenso" (Pietro Ingrao, "Perché il dibattito suGramsci", cit., p. 24 0 ).

16 3

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GRAMSCJ: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL rTICO

nao deve fazer esquecer seu profundo vínculo de continuidade

dialética com as reflexoes carcerárias de Gramsci. Ingrao, umdos mais lúcidos dirigentes comunistas italianos, observa cor

retamente: "Nossa atual referencia a Gramsci nao é un1 fato

filológico, nem tampouco um rito litúrgico. É o encontro com

a pesquisa teórica maís a v a n ~ a d a que foi feita, depois das der

rotas proletárias e populares dos anos 20, no movimento ope ..

rário mundial e, em particular, no arco das f o r ~ a s que se vin .

culavam a Terceira Internacional."25 Por isso, tinha plena

razao o marxista austríaco Franz Marek quando disse: "Nao

eremos cometer um erro quando afirmamos que a grandeza e

a influencia do Partido Comunjsta Italiano se devem, e nao emúltimo lugar, ao fato de que ele foi modelado e marcado pelo

espírito de Gramsci. '26 E mesmo boje, quando já nao mais

existe o PCI, permanece válida a sugestao de que a moderni

dade e o poder de incidencia de um partido socialista depen- -

dem em notável medida de sua capacidade de assimilar criadoramente os elementos universais contidos na teoria política -

gramsc1ana.•

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CAPfruLo vu O partido como

"intelectual coletivo"

GRAMSCI: UM ESTUCO SOBRE SEU ~ E N S A M E N T O POLITICO

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A teoría do partido político da classe operária cuja assimi

l a ~ a o , como vimos, foi un1 dos pontos essenciais do aprendiza

do de Gran1sci no período anterior ao cárcere ocupa igual-

mente uro lugar de destaque na estrutura dos Cadernos.

Gramsci pretendía, inclusive, dedicar-lhe um estudo específico,

o qual sob a i n s p i r a ~ a o de O príncipe de Maquiavel -

deveria sistematizar os t r a ~ o s distintivos do partido revolucio-

nário moderno, do partido comunista, que Gramsci designapelo nome de "modet-no Príncipe". Primeira novidade, em

c o m p a r a ~ a o coma pesquisa de Maquiavel, é que o "modernoPríncipe" o agente da vontade coletiva transformadora

nao pode mais ser encarnado por um indivíduo. Nas socieda-

des modernas, mais complexas, cabe a um organismo social o

desempenho das f u n ~ ó e s que Maquiavel ainda atribuía a urna

pessoa singular. E Gramsci, como materialista, nao pretende

"inventar'' esse organismo, pois ele "já foi dado pelo desen-

volvimento histórico e é o partido político" t ou seja, umdos

_elementos mais característicos da rede de o r g a n i z a ~ o e sforma a moderna sociedade civil.

O vínculo de dependencia entre as f o r m u l a ~ o e s gramscia-

nas sobre o "moderno Príncipe" e a teoría do partido em

Lenin é bastante evidente.2 Talvez seja esse um do s tópicos

concretos da teoria política onde, apesar de importantes dife-

1 Quaderni, p. 1558. .2 Cf., sobre isso, Palmiro Togliatti, "I l leninismo ne l penstero _

nell'azione di A. Gramsci" e "Gramsci e illeninismo", ambos in Id., Gramsa,

167

renc;as de enfase, é menos marcada a capacidade renovadora

de Gramsci em e l a ~ a o aheranc;a de Lenin. (Essa r e n o v a ~ a o -

necessária aparecerá mais claramente nas f o r m u l a ~ o e s deTogliatti sobre o "partido novo", apresentadas sobretudo, em

estreita r e l a ~ a o com o conceito de "democracia progressiva",

a partir de 1944).3 O primeiro ponto de continuidade entre

Gramsci e Lenin se revela na própria f u n ~ a o que ambos atri

buem ao partido em sua r e l a ~ a o com a classe. Todo leitor doQue fazer? se recorda dos elementos básicos, universais, na o

específicamente "russos", da c o n c e p ~ a o leniniana do partido.

Entre tais elementos de alcance universal, destaca-se a com

preensao por Lenin de que a tarefa básica do partido operário,

do partido da revoluc;ao socialista, é a de contribuir para supe

rar na classe operária urna consciencia puramente tradeunionista, sindicalista; isso implica fornecer os elementos teó

ricos e organizativos para que essa consciencia possa se elevarao nivel da consciencia de classe, isto é, ao nível da totalidade,da compreensao nao de urna conflitualidade imediata entre

patroes e operários na luta pela fixac;ao do salário {urna luta

que nao poe em discussao a própria r e l a ~ a o capitalista do

salariado), mas sim dos vínculos políticos globais da classe

operária com as demais classes da sociedade, antagonicas,

aliadas ou potencialmente aliadas. Só situando-se nesse nível,

g r a ~ a s a e d i a ~ a o do partido, a classe operária pode enfrentar

diretamente a questao do Estado, a questao do poder.4

Roma, Riuniti, 1967, pp. 135-155 e 157-182. Apesar do interesse desses tra

balhos de Togliatti, cabe ressaltar que eles sublinham excessivamente o

momento da continuidade entre Gramsci e Lenin, deixando na sombra o

decisivo momento da renova<;ao.3 Uma e x p o s i ~ o sintética dos conceitos togliattianos de "democracia

progressjva" e de "partido novo" está em C. N. Coutinho, "lntrodu9áo a

Togliatti", in Id., A democracia como valor universal, dr., pp. 97-110. Para

urna análise mais ampla e detalhada, d. Donald Sassoon, Togliatti e la via

italiana al socialismo, cit.

4V l. Lenin, Que fazer?, in Id., Obras esco/hidas, cit., voL 1, pp. 41 2 e ss

16 8

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O PARTIDO COMO • INTELECTUAL COLETIVO•

Traduzindo na linguagem peculiar de Gramsci, a tarefa do

"moderno Príncipe" consistiría em superar os resíduos corporativistas (os momentos "egoístico-passionais"} da classe ope-

rária e ·contribuir para a f o r m a ~ a o de utna vontade coletiva

nacional-popular, ou seja, de utn grau de consciencia capaz de

permitir urna iniciativa política que englobe a totalidade dos

estratos sociais de urna n a ~ a o , capaz de incidir sobre a univer-

satidade diferenciada do conjunto das r e l a ~ o e s sociais. O partido, assim, aparece como urna objetivac;ao fundamental do

que Gramsci chama de ''momento catártico"; nao é casual,

por exemplo, que ele afirme explícitamente que, "nos parti-dos, a necessidade se torna liberdade" .s O partido, portanto,

nao é um organismo corporativo "um comerciante nao entra num partido político para fazer comércio, nem um indus

trial para produzir mais" 6 etc. , mas sim um organismo

"catártico", universalizante: "No partido político, os elementos de um grupo social económico superam esse momento

[corporativo, egoístico-passional] de seu desenvolvimento his

GRAMSCf: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICOO PARTIDO COMO • INTELECTUAL COLET I VO "

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• • A • •

Por conseguinte, assim como, em Lerun, a expertencta tme.-

diata do conflito entre patroes e operários, sendo resultado de

urna práxis particularista e repetitiva, leva apenas a urna cons

ciencia limitada, "sindicalista", também em Gramsci a fixa\aoA • • , •A •

no momento econormco-corporanvo mantem a consctenc1a no

nivel da passividade, da impotencia objetiva em face da neces

sidade social. A e x p l i c i t a ~ a o e o conflito e n ~ e interesses cor

porativos leva, em última instancia, a e p r o d u ~ a o da o r m a ~ a oeconómico-social existente. Somente a passagem para o mo .

mento "ético-político" para o que Lenin chama de "cons .

ciencia que vem de fora" (de fora da práxis económica, nao de

fora da ampla práxis totalizante que envolve o conjunto da

sociedade) , tao-somente essa passagem permite ao proleta

riado superar suas divisoes corporativas e tornar-se classe

nacional, dirigente, hegemonica.s Para Gramsci, a possibilida .

de de tornar-se classe hegemónica encama-se precisamente na

capacidade de elaborar de modo homogeneo e sistemático

urna vontade coletiva nacional-popular; e só quando se fonna

essa vontade coletiva é que se pode construir e cimentar um no

vo "bloco histórico" revolucionário, em cujo seio a classe ope

rária (liberta de corporativismos) assuma o papel de classe di-

rigente. A c o n s t r u ~ a o homogenea dessa vontade coletiva é

obra prioritária, segundo Gramsci, do partido político: apare

ce, a s s i m ~ co m clareza, o papel de síntese, de m e d i a ~ o , que opanido assume, nao apenas em f u n ~ a o do s vários organismos -

8 Essa característica central do partido comunista, de resto, já havia sido indi-

cada po r Marx e Engels, etn 1848: "Os comunistas só se distinguem dos

outros. partidos operários e m dois pontos: 1} nas diversas lutas nacionais

prolerários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletana·

do, independentemente da nacionalidade; 2) na s diferentes fases po r quepas·

sa a lnta entre burgueses e proletár ios, representam, sempre e em toda parte,

os interesses do movimento em seu con;unto" (Marx e Engels, Manifestado

Partido Comunista, i1z. Marx-Engels, Obras escolhidas, cit., vol. 1, p. 36).

17 0

p a r t i c u l ~ e s da c!a.sse . o p ~ r á r i a (sindicatos, etc.), mas também

em f u n ~ a o dos vanos mstitutos das demais classes subalternas ·. . ,e esses orgarusmos e mst itutos g r a ~ a s a e d i a ~ a o do parti-

do tomam-se as a r t i c u l a ~ O e s do corpo unitário do novo

"bloco h i s t ó r i c o ~ ' · ~ A i n d a nao há em Gramsci a idéia explícita

essa ~ e - ~ I a ~ a o possa ser realizada po r mais de um par-odo· e urna 1de ' "' .1a que so tomara corpo na e l a b o r a ~ a o teórica

seus h ~ r d e r r o s , em particular na teoria togliattiana dademocracia progressiva" )

. Emb_ora Gramsci "flerte" em alguns momentos com a ter

mmoiogia de Georges Sorel, nao se deve de modo algum supor

que. .conceba a f o r m a ~ c i o dessa vontade coletiva de modo

s ~ b ~ ~ t i V I s t a , voluntarista, como simples constru\iiO de urna"tdeia-forra" o d " · "

Y u e um nuto que movesse a classe, mas sem

nada ter verc ~ m

a realidade objetiva concreta (como é ocaso do IDJto da greve geral" em Sorel).9 Essa vontade coleti

va é concebida po r Gramsci como "consciencia operosa danecessidade históri·ca" lO o · 'd d

, u SeJa, como a necess1 a e elevada• A •

a consciencia e convertida em práxis transformadora. E, dado

que urna vontade coletiva só pode ser suscitada e desenvolvida

q u a n d ~ existem c o n d i ~ O e s objetivas para tanto, o partido temde realiZar " "li hi ' ·. urna ana se stortca (econótnica) da estrutura

soctal d_. país dado" 11 como c o n d i ~ a o para elaborar urna li-

- nesse s e n t i d ~ que devem ser lidas as in1portantes obser

v a ~ o e s de Gramsc1 sobre Espontaneidade e direfiío conscien-

te.u Nelas, Gramsci coloca-se certamente contra o fetichismo

da espontaneidade, criticando os que recusam ou minimizam a

9

Para as r e l a ~ o e entre Gramsci e Sorel, cf. Nicola Badaloni JI tnarxismo diGramsci, Turirn, Einaudi, 197S. '

10 Quaderni, p. 815.

u lbid., p. 816.

12 lbid., pp . 328-332.

17 1

,_

GRAMSCI: U M ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO

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luta persistente e cotidiana para dar aos movimentos espanta

neos urna direc;ao consciente, ou seja, urna síntese político

intelectual que supere os elementos de corporativismo e trans .

forme tais movimentos em algo homogeneo, universalizante,

capaz de a ~ a o eficaz e duradoura . Mas ele tampouco ere que a

vontade coletiva possa ser suscitada apenas "pelo alto", porum ato arbitrário do partido, sem levar em conta "o s senti

mentos 'espontaneos' das massas" 13 Esses sen timen os

prossegue ele devem ser educados, purificados, orientados,

mas nunca ignorados. "Essa unidade da 'espontaneidade' com

a ' d i r e ~ a o consciente' (ou seja, com a 'disciplina') é precisa

mente a a ~ a o política real das classes subalternas, enquanto

política de massa e nao simples aventura de grupos que dizem

representar as massas . " 14 E nao é preciso insistir no fato de

que a luta por essa unidade entre movimento de massa e dire

<;ao consciente, esse momento de síntese "disciplinadora" e de

mediafao político-universal, é a tarefa central do partido: de

um partido qu e Gramsci concebe já como partido de massas, e

nao como seita doutrinária e aventureirista. Superando o sec

taristno doutrinário de Bordiga (contra quem as o b s e r v a ~ 6 e s -

acima parecem ter sido dirigidas), mas também o espontaneís

mo de Sorel ou de Rosa Luxemburgo, Gramsci reencontra

aquí a carreta dialética entre objetividade e subjetividade, en- ·

tre espontaneidade e consciencia, que está na base do núcleo_nao "datado" da teoria leniniana do partido. L ~ : - ~

A f o r m a ~ a o de uma vontade coletiva liga-se o r g a n i c a m e n t eao que Gramsci chama, repetidas vezes, de "reforma i n t e l e c : .,_-,r

tual e moral". O partido nao !uta apenas po r urna r e n o v a ~ ópolítica, económica e social, mas também por urna r e v o l u ~ a ó ,; .F_-

cultural, pela c r i a ~ a o e desenvolvimento de urna nova c u l t u r ~ ·

"O moderno Príncipe diz Gramsci deverá e nao p o d e r ~ : ; : -

13 Ibid., p. 325.

14 !bid.

17 2

O PARTfDO COMO • INTELECTUAL COLETIVQ•

deixar de ser o pregador e organizador de urna reforma inte

lectual e mora_l, o que significa, de resto, criar o terreno para

um d e s e n v o l v u n ~ n t o ulterior da vontade coletiva nacional

popular ~ e n t ~ d o da r e a l i z a ~ a o de urna forma superior e

total de C 1 v 1 h z a ~ a o moderna. "1 5 Gramsci retoma aq · ,_1 · . w, em ruve superior, suas anttgas p r e o c u p a ~ o e s juvenis com

0trabalho

cultural, com a batalha das idéias. Como poucos marxistas de

seu tempo, ele compreende p lenamente o valor da indica\iiO de

Engels e de Lenin, segundo a qual a &ente cultural junta-

mente com a frente económica e a frente política constituium terreno decisivo na Juta das classes subalternas.

Mas essa continuidade com os "clássicos" nao deve ocul

tar o elemento de novidade, pelo menos quanto aenf .· d ase

.

se ae s t r a t e ~ a e t r a n s i ~ i i o para o socialismo no "Ocidente" impli-

ca um Intenso esforc;o pela conquista da hegemoru·a dd

. _ , o con-senso e a d1rec;ao político-ideológica já antes da tomada

poder, e_ntao a batalha cultura] momento fundamental da

a g r e g a ~ a o do consenso adquire urna importancia decisiva.

Sem urna n o ~ a cultura, as classes subalternas continuarao

sofrendo passtvamente a hegemonía das velhas cJasses domi

nantes e nao poderao se elevar a condirao de classes dir. -G

. tgen

tes. ramsc1lZ

sempre que a direrao políticae" t

b, · _lim' 1m am em e metnave ente d i r e ~ a o ideológica: lutando pela difusao de

massa de ~ m a ~ o v a cultura ou seja, de urna cultura que

recolha e smtettze os momentos mais elevados da cultura do

passado, una a profundidade intelectual do Renascimento

com o"' ~ a t ~ r popu_lar : de massa da Reforma16 , 0 "moder

no Prmc1pe estara cnando as c o n d i ~ O e s para a hegemonía

~ o e s pelo socialismo .

15 lbid., p. 1560.16 Ibid., p. 1860.

173

GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTICOO PARTIDO COMO • tNTELECTUAL COLET1VO •

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1

Mais ainda: como a construr;iio plena da nova s o ~ i e d a d e"regulada" o u comunista implica em Gramsci, como VIID?s, o

fim da divisao entre governantes e governados, ou seJ.a, a

a b s o r ~ á o do E s t a d o - c o e r ~ i i o pelos m e ~ ~ u _ U s n : o s consensuats da

sociedade civil, é imprescindível suprlffilr apenas a a ~ r ? -

b " eliminar a a p r o p r i a ~ a o priva o u e 1t1sta omas tam em ,. fi . di · ...

saber e da cultura. Só assim será possível por m a v1sao

entre "intelectuais" e "pessoas simples" e, desse m o ~ o , supri

mir a a p r o p r i a ~ a o grupísta (burocrática), dos ~ e c a m s m o s de

d r. A "reforma intelectual e moral , entao, revela umpo e . . _ , . .segundo aspecto: se ela é c o n d 1 ~ a ? n ~ c e s s : r t a . para ~ o n q w s t ada hegemonía nas sociedades capitalistas octdentats c ~ m pxas, é igualmente elemento decisivo na . a ~ a ~ h a , pelo ?a"estatolatria" ou do "governo dos func10nanos no soctahs

mo ou seja, é decisiva na luta pela d i s s o l u ~ á . o do Estado

c o e ~ ~ á o e pela conseqüente c r i a ~ á o do "autogoverno dos pro- ..

dutores associados". . ,Esse lugar decisivo que a "reforma mtelectual e moral ocu-

pa na reflexá.o de Gramsci :a i determin_ar o destacado papel ·.

que ele atribuí aos intelectuais na f o r m a ~ a o e na construc;ao

parti.do político. "Todos os membros ~ pa:ttdo dev:m ser e

considerados intelectuais", diz Gramsct; e tsso nao ~ l o ruvel .

sua e r u d i ~ o , mas pela funfáo que e : c e r ~ e m por ~ e 1 o do p ~ r t l - /do, f u n ~ i i o "que é dirigente e orgaruzanva, ou se)a, educanva; ·

isto é, intelectual".17 Por isso, inte rpretando a d e q ~ a d a m e n t eoperária como "intelectual c ~ l e t 1 vo .1,8 ~ a s , se examll_larmos a. •

ná.o seja exagerado inverter a afmna¡;ao de Togbatu e dlzer qu ' .

11Jbid., p. 1523. . .18 Cf., po r exemplo, Togliatti, "Il leninismo nel pens1ero en e wo _.

Gramsci", cit., p. 151.

para nosso autor, também o intelectual tem f u n ~ o e s similares asde um partido político. Esse estreito vínculo entre a u n ~ o inte

lectual e á u n ~ a o político-partidária levou o estudioso frances

Jean-Marc Piotte a observar corretamente: "O partido corres

ponde tao bem a de intelectual que se poderia crer que

Gramsci definiu o intelectual em e l a ~ a o ao partido e pensando

no partido. O estudo do partido, portanto, seria a melhor

maneira de compreender a n o ~ a o de intelectual."19

Existem segundo Gramsci dois tipos principais de

intelectual. Em primeiro lugar, ternos o "intelectual organico",

que surge em estreita l i g a ~ a o com a emergencia de urna classe

social determinante no modo de p r o d u ~ a o económico, e cuja

f u n ~ a o é dar homogeneidade e consciencia a essa classe, "nao

apenas no campo economico, mas também no social e no polí

tico"; e, em segundo, ternos os "intelectuais tradicionais" , que

- tendo sido no passado urna categoria de intelectuais organi

cos de dada classe (por exemplo, os padres em rela<;ao anobreza feudal) formam hoje, depois do desaparecimento

daquela classe, urna camada relativamente autónoma e inde

pendente.20 O qu e importa ressaltar aqui é que ambos os tipos

exercem objetivamente u n ~ o e s análogas ado partido político:

eles dao forma homogenea a consciencia da classe a que estao

organicamente ligados (ou, no caso dos intelectuais "tradicio-

nais", as classes a que dao sua adesao) e, desse modo, prepa-

ram a hegemonia dessa classe sobre o co njunto dos seus aHa-

19 Jean-lv!arc Piotte, La pensée politique de Gramsci, Paris, Anthropos, 1970,

p. 71.

20 Quaderni, p. 1519. Portanto, é um erro grosseiro infelizmente

muito comum entre os que conhecem Gramsci de segunda mao identificar

"intelectual organico" com "revolucionário,. e "intelectual tradicional" com

"conservador" ou "reacionário". A burguesi_a tem seus intelecruais "orgini-

cos", assim como há intelectuaís "tradicionais" {po r exemplo, padres o u pro

fessores ) ligados as lutas do proletariado.

175

'l

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GRAMSCl: UM ESTUCO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO

dos. Sao, em suma, agentes da c o n s o l i d a ~ a o de urna vontade

coletiva, de um "bloco histórico".

Assim, já em seu ensaio de 1926 sobre a "questao meridio

nal", Gramsci mostrava como a hegemonía dos latifundiários

sobre os camponeses do Sul se dava nao através de um partido

político, mas sim da camada dos intelectuais rurais médios, os

quais dirigidos ideologicamente por Croce e por Giuseppe

Fortunato agregavam os camponeses atomizados e os

subordinavam aos interesses do bloco histórico industrial

agrário que dominava a Itália da época. "O campones meri

dional observava Gramsci é ligado ao grande proprietá

rio rural a ravés do intelectual."2 1 E, nos Cademos, nao serao

poucos os locais onde ele indica como grandes intelectuaisindividuais (ou grupos de intelectuais agrupados em revistas,

jornais, etc.) exercem freqüentemente a f u n ~ a o de partidos

políticos. É assim, por exemplo, qu e ele se refere ao "partido

constituído por urna elite de homens de cultura, que tem a fun

de dirigir, do ponto de vista da cultura, da ideologia, um

grande número de partidos afins";22 ou quando afirma que

"um jornal (ou usn grupo de jornais), urna revista {ou um

grupo de revistas), sao também 'partidos', ou ' f r a ~ o e s de __ _

partidos"' 23 E Gramsci chega mesmo a supor que foi o carátercosmopolita dos intelectuais italianos (o fato de serem intelec- _:--<

tuais organicos de urna f o r ~ a nao nacional-popular; ou seja, . - - , ~ < - - =Igreja Católica) urna das causas principais da tardia u n i f i c a ~ á o ; - ~ - - ~ ~nacional italiana; os intelectuais, desvinculados do o v o - n a ~ o ·

nao foram capazes de dar expressao coerente aconsciencia _ - ~ ~classe burguesa e de torná-la elemento hegemónico na a ~ a o ~ : 2 ~ - um bloca histórico anticosmopolita. Em suma: numa época em _ - ~ - ~ que ainda nao existiam os partidos políticos de massa, os i n t e - , : - - i ~ .

21 Gramsci, "Alcuni temi della quisrione meridionale", in CPC, p. 152.

22 Quaderni, p. 877.

n Ibid.

17 6

.

O PARTIDO COMO • INTELECTUAL COLETIVO•

l e c t u ~ i s italianos ao contrário, por exemplo, dos franceses

- nao foram capazes de desempenhar adequadamente a fun

de construtores de urna vontade coletiva hegemónica.24

. Mas,~ o m o

vimos, se todos os membros de um partido saomtelecturus, nem todos o sao no mesmo nível. E é sobre essa

d i f e r e n ~ a de nivel que Gramsci constrói sua conhecida teoríada estrutt tra interna, organiza ti va, do "moderno Príncipe".

Essa estrutura deve se hasear em "tres grupos de elementos'':

1) urn estrato de "homens comuns, médios" caracterizados

mais "pela disciplina e fidelidade" do que " p e l ~ espírito criati

vo"; um s ~ a ~ o coesivo principal, que organiza e centraliza,

ou seJa, que drrtge o partido; 3) e um estrato intermediário

que serve de l i g a ~ i i o entre os dois outros, apresentando t r a ~ o ~de um e de outro.25 (De passagem, cabe advertir que Gramsci

nao concebe essa diferen<;a, ao modo da "teoria das elites" de

Mosca ou de Pareto, contra os quais polemiza como urna

divisao "eterna" entre indivíduos superiores e i ~ e r i o r e s · ele- , "' 'nao so preve urna grande mobilidade interna no partido, mas

,a l?ng? prazo ere que seja tarefa do partido eliminar apropr1a d i f e r e n ~ a , assim como o comunismo deverá eliminar

a_ d i f e r e ~ ~ a entre governantes e governados, no processo de

d i s s o l u ~ _ a o do Estado nas o r g a n i z a ~ O e s da "sociedade civil".)Gramsc1, de certo modo, concentra sua a t e n ~ i i o no segundo

estrato, no que ele chama de estrato dos "capitáes": só com

e l ~ , d ~ c . e r t o , niio existiría um partido; p o r é ~ como "éma1s facil formar um exército do que formar capitiies" 26 é a

·24

E, recíprocamente; quando surge o pa rtido político moderno, ele passa a

para Gramsci, urna das principais fontes de c r i a ~ o de intelectuais orga

rucos: "Deve-se sublinhar a importancia que tem os partidos políticos, no

:nundo moderno, na l a b o r a ~ a o e difusao das o n c e p ~ ñ e s do mundo ( ..). Por~ ~ o , pode-se dizer que os partidos sao os elaboradores das novas intelectua

lidades integrais e totalitárias" (Quaderni, p. 1387).25 lbid., p. 1733.26Jb"d. t ., pp. 1733-1734.

17 7

GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POL[TICOO PARTIDO COMO • INTElECTUAL COLETIVO"

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1

:

partir desse estrato que um partido poütico ~ a s s a s pode se

estruturar. Parece-me evidente que, ao redigtr essas notas,

Gramsci pensava na experiencia de seu partido durante os

anos da repressáo fascista: a manuten¡;iio de ~ e s t r a t ~ _de"capitaes" dotado de coesiio orginica e de umdade política

era a c o n d i ~ i i o prévia para transformar o PCI n u ~ grande

partido de massas, táo logo fosse p o s s í ~ e l . c o ~ ? flm do fas-cismo e da repressáo reagrupar o exercrto de fihados.

Na medida em que Grarosci (como Lenin) concebe o parti-

do de vanguarda da classe operária como um t o d ~ coeso e

estruturado e nao como urna agrega<;iio amorfa de mteresses' ' d , .corporativos; e na medida em que só quan o e assJ.-tn c o e ~ o e

estruturado é que o partido operário pode se tornar organiza

dor e expressiio de urna vontade coletiva, é compreensível que

Gramsci conceda um privilégio orginico ao estrato do s "capi

tiies" ao núcleo dirigente. Mas o fato é que Gramsci n3.o

deix; de observar os riscos de que um partido centralizado

perca o caráter democrático de seu c ~ n t r a l i s m o e ~ ~ s u ~ a , ao

contrário, os tra¡;os de um "centralismo burocrattco . _Um

partido coeso e centralizado é democrático, pensa G:amsct, 1)quando se dá urna circula<;iio permanente entre os t res e s ~ a t o s _

em seu interior· 2) quando sua fun¡;iio náo é regresstva e

repressiva, cons;rvadora do existente, mas progressista, volta·

da para "elevar ao nível da nova legalidade as m a s s ~ s a t r a s ~ - _-

das", 3) quando nao é u m "mero executante", mas , ~ deli· 'berador" 27 Todavia, se perde esse caráter democranco, nm

partido coeso e centralizado burocratizando-s_e c o ~ ; e ~ e :se num "órgáo de polícia, e se u nome de 'parndo P?lmco e

urna pura metáfora de caráter mitológico" .28Grams:I, prova·

velmente tinha em vista, ao formular essa observa¡;ao, o Par·

tido Nacional Fascista; mas niio é de excluir que ele pensasse ·

27 Ibid., p. 1692.

2& Ibid.

17 8

também nos t r a ~ o s novos que o Partido Comunista da URSS

ia assumíndo depois, sobretudo, da i n v o l u ~ a o stalinista de

1928-192?. Também nesse caso, g r a ~ a s a d e n t i f i c a ~ a o rígida

entre p .art1do e E s ~ a d o (criticada, como vimos, por Gramsci) e

ao carater represstvo assumido em sua vida interna o PCUS. . '

tornou-se mutto mats um executante do que um deliberador· e

oc e n c r a ~ s m o .

democrático, teorizado e quase sempre aplicadopor Lenm, fo1 claramente substituído por um centralismo de

tipo burocrático-autoritário.29 Ou seja: o PCUS assumiu preci

samente os t r a ~ o s que Gramsci critica duramente em suas

notas.

E, se Lenin nao é inteiramente responsável por essa involu-

~ á o , ~ r a m s c i . que enriqueceu a teoria leniniana do partido,

mclustve advert1ndo para os riscos autoritários e "policiais"

que um par:ido centralizado pode comportar tarnpouco po

de ser considerado defensor de urnac o n c e p ~ a o

stalinista e totalitária do partido e da sociedade socialista em geral.30 É cer

to ele nao formulou de modo claro, nem talvez pudesse

faze-lo em seu tempo, urna teoría explícita do pluralismo so

cialista; também aqui, essa tarefa caberia aos herdeiros de

Gramsci, em particular a Togliatti, cuja teoria da "democracia

Sobre os p r o c ~ s s o s involutivos e degenerativos sofridos pelo PCUS soba

dtta,dura de S t ~ ~ , cf. o excelente livro de Giuliano Procacci, Il partUo

nell Unmne Sovtettca 1917-1945, Bári, Laterza, 1975, sobretudopp. 101-169.30 Essa p o s i ~ ~ o insustentável é a p e ~ a de acusa<;ao da grosseira polemi

ca cont:a Gramsct encetada pelo so cial-democrata de direita Luciano Pelli

cani, Gramsci e la questione comunista, F l o r e n ~ a , Vallecchi, 1976, sobretu

do PP· 55 e ss. Ainda que de modo mais sofisticado, urna p o s i ~ a o semelhan

te aparece em Massimo L. Salvadori, "Gramsci e il PCI; due concezioni

d ~ l l ' e g e m o n ~ a e "Gramscí e l'eurocomunismo", ambos in Id., Eurocomu

~ J S m o e soczalzsmo sovietico, Turim, Einaudi, 1978, pp. 13-38 e 39-59. Va-

a p ~ n a observar que, alguns anos antes, Salvadori havia escrito um suges

l i v r ~ sobre ? r ~ s c i no qual se revelava extremamente simpático ao

penodo conselh1sta de nosso autor (cf. Id., Gramsci e il problema storico

de/la democrazia, E.inaudi, Turim, 1974, passim }.

179

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GRAMSCI : UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POlfTICO

progressíva" implica a claraa f i r m a ~ a o

da possibilidade e,em muitos casos, da necessidade de construir o socialismo

com pluralidade de partidos e de movimentos sociais. Mas, na

própria concepc;ao de Gramsci em sua teoria do fim do

Estado, em sua crítica a "estatolatria", em sua recusa de iden

tificar partido e Estado no socialismo, em sua defesa do fonalecimento da sociedade civil depois da tomada do poder, etc.

- estao contidos in nuce os fundamentos da s u p e r a ~ a o dialé

tica de alguns aspectos excessivamente "datados" da teoria

leniniana {por ele assirnilada) do partido da classe operária.

Mais que isso: é o próprio historicismo de Gramsci que o leva

a afirmar claramente a necessidade de u1na pertnanente reno

v a ~ a o da teoría e da prática do partido dos trabalhadores, em

consonancia com a r e n o v a ~ a o do próprio real e como condi

\ao para desempenhar adequadamente a fun<;ao para a qualtal partido foi criado. "Pod-e-se dizer observa Gramsci -

que um partido jamais está completo e formado, no sentido de

que todo desenvolvimento cría novas tarefas e f u n ~ o e s ; e no

GRAMSCI : UM ESTUCO SOBRE SEU PENSAMENTO POLiTlCO

A P ~ N D I C E 1

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4. GRAMSO E A HEGEMONlA COMO CONTRATO

E, ·do e esquemático esbo<;o da problemática da vontade

sse rapt . b. . .

geral em Rousseau e em Hegel tem aqm um o 1envop r e c ~ s o :

ode sugerir que, na obra de Gramsci, ~ - o r r e urna r ~ c e p ~ a o . doque há de mais vá lido e lúcido na post\ao desses d01s classtcos

da filosofia política moderna; mas, ao mesmo tempo, de que

.. h ' b'm nessa obra fecundas indica\Oes acerca do modo. a tam e · di' pelo qual superar os limites e as aporías mesmos, .m ca-

~ O e s que estáo contidas, sobretudo, no conce1to gramsctano de

hegemonía. bContudo, antes de falar de hegemonía, cabe lembrar

- comoem

Rousseau·e em Hegel tambemvemente que

23 0 jovem Marx já havia corretamente criticado esse aspecto "fatalista" da .

filosofía política hegeliana: "Mas náo é verdade que no ~ t ~ d o o

segundo Hegel, é a presen¡;a suprema da liberdaJ_e a . x l s t e ~ c l a da ra

autoconsciente o que govema ná o é a lei, a exlstenclll da hberdadEse,.da d l) r ] H gel busca sempre a presentar o t a ~ o

siro a cega necessl e narura . ~ · · · e . difíceiscomo a realizac;áo do espírito livre; mas, re vera, ele d ~ o l v e t o d ~ s ~ a liber- .colisóes po r meio de urna necessidade natural, que esta em p o s t ~ . -

d · articular para o mteres--dade. Com isso, at é mesmo a passagem o mteresse P . ~ -:

nas reflexoes filosófico-políticas de Gramsci a prpblemática da

''vC?ntade" t e ! ! ! lugar central, p r e s ~ n t e em toda a e v o l u aode _ p _ e n s m e n t o , desde a ~ ~ ~ n ~ d e a_!.é _os C a i i ~ r ~ o cárce_re. Na primeira etapa de seu itiñerário intelectual,'aconcep-___. . d" d"gramsctana e vonta e apresentava t r a ~ o s marcada-

mente idealistas, na medida em que ele contrapunha de modo

radical a "vontade'' e as " d e t e r m i n a ~ ó e s objetivas", priorizando unilateralmente a primeira. Em 1918, por exemplo, no

célebre texto em que defende a revolu<;ao bolchevique até mes

roo contra o suposto "positivismo" de Marx, Gramsci formu

la do seguinte modo a questao da "vontade". "O máximo

fator da história nao sao os fatos económicos, brutos, mas o

homem, a sociedade dos homens, que se aproximam uns dos

outros, entendem-se entre si, desenvolvem através desses con

tatos ( c i v i l i z a ~ a o } urna vontade social, coletiva, e compreen

dem os fatos económicos, e os julgam, e os adequam a vonta

de deles, até que essa se torna o motor da economía, a plasma

dora da realidade objetiva, a qual vive, e se move, e adquire

caráter de matéria telúrica em e b u l i ~ a o , que pode ser dirigida

para onde a vontade quiser. "24 Ainda que de modo um pouco

f o r ~ a d o , poderíamos dizer que nesse momento de sua evo-

l u ~ a o Gramsci estava muito próximo do voluntarismo s u b - ~jetivista que antes criticamos na reflexáo de Rousseau. A k

"vontade coletiva ou social" ainda lhe parece capaz de ser o \"motor da economía" e de "plasmar a realidade o b j e t i v a " . ~Já nas reflexoes da maturidade, contidas nos Cadernos,

Gramsci sem abandonar a importancia que atribui avonta

de como momento constitutivo do que entao chama de "filo

sofia da práxis" assume, ao contrário, urna outra p o s i ~ a o ,bem mais mediatizada. Vejamos, como um exemplo entre

se geral niio é urna lei consciente do Estado, mas alg?m e d ¡ a d ~

pelfia:

e:algo que se realiza contra a consciéncia" (Jivlarx, Crztlca della filoso a eg ,

liana, cit., pp. 68-69)4_ _: ~

24 Gramsci, "La rivoluzione contro ' ll Capi ale",, in Scritti giovanili 1914-

1918, Turim, i n a u d i ~ 1958, p. 150. Sobre as tendencias idealistas do jovem

Grarnsci, cf. supra, cap l.

24 524 4

-.

--

GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE Sf U PENSAMENTO POLfTfCO

-

A P ~ N D ¡

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o u t r o s ~ a seguinte f o r m u l a ~ o : "Para escapar ao mesmo tempo

do solipsismo e das c o n c e p ~ o e s mecanicistas [ ..], é preciso

colocar a questao 'd e modo histórico', mas sem com isso dei

xa r de colocar na base da filosofia a 'vontade' (em última ins-

tancia, a atividade prática ou política), mas ~ ! ! ! ! l vontade

racional, nao arbitrária, que se realiza_;z_ ~ _ g f l ~ c ] ' ! _m que cor-responde a necessidades históricas objetivas, isto é;-na medidaem que ela é a própria história universar no l l o ~ n t o de sua

prQgressiva e f e t i v a ~ i o . "2 5 N urna- o u t t a { ) a S s ¡ g ~ ~ , em que ex-

plicita o se u projeto de trabalho, Gramsci diz ainda: "O mo

derno Príncipe deve te r urna parte dedicada ao jacobinismo

[ ..],para exernplificar como se fortnou concretamente e atuou

urna vontade coletiva que, pelo menos em alguns aspectos, foi

c r i a ~ a o ex novo, original. E é preciso [ ambém] que seja defi

nida a vontade coletiva e a vontade política em geral no sentido moderno, ou seja, a vontade como consciencia operosa da

necessidade histórica, como protagonista de um real e efetivo

drama histórico."26 Gramsci, como podemos ver, efetua aqui

um rnovimento de s u p e r a ~ a o dialética nao só em r e l a ~ a o as

suas f o r m u l a ~ o e s juvenis, ma s também em face da p o s i ~ a o que · -

Rousseau e Hegel assumem em face da definic;ao de "vonta

de": nos Cadernos, ele nos diz claramente que a vontade _e, -

em particulat; a vontade coletiva , embora seja historica-

mente determinada (como em Hegel), já que "corresponde a -

necessidades históricas objetivas", ne m po r isso deixa de ser

também " c r i a ~ a o ex novo, original" (como em Rousseau),

ainda que com a justa r e s t r i ~ a o de que isso se dá somente "em -_ -

alguns aspectos". - -

Mas voltemos ao conceito de "hegemonía" e recordemos :--

brevemente o que Gramsci pretendía denotar co m ele.2Zo· ___ .--- --

25 Gramsci, Quaderni, cit., 1485.

u; Ibid., p. 1559.

27 Pennito-me aqui expor apenas brevemente os conceitos centrais de  - = - - ~ - - - ~ : ~ ·

246

autor dos Cadernos deu-se conta de que, no capitalismo mais

recente, surgiu urna esfera nova do ser social, que ele chamou

de "sociedade civil"; a o contrário de lvtarx, a sociedade civil

náo designa nele o m1md.o g_s r e l a ~ o e s d e _ p r o d u ~ a g ~ !_lem tam

pouco i ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ c o ~ o § _ ~ r i ~ ! O _ § § n S U . A s ~ i e d a d e ci

vil g r a m s c i ~ ! l a f ~ w ~ c f a p e ~ 9 conjunto do que _ele < ; ~ m o \ L d e-

"aparelhos .lrocadtl$: ,_g,e_ ~ o n ~ ~ ~ ~ __g@_ese nos

p r o c e ~ s ó ~ 9e .. . , a c i a ü . z ~ a u -política,_ _ ~ ~ ~ ~ a o mesm o

rempo c a ~ ~ ~ c r e ~ ~ e º " _ t ~ c o t n P ! _ e x i f i c a ~ ? -dosmecanismos de r ~ p r e ~ g _ t ? ~ a o d o ~ j n ~ e r e s _ e dQ mundq_ dos

valóres, c o r r i p f é ~ i _ f a ~ - ª q q;e·, I J . J t i m ª l r J $ t a n ~ ~ ~ ' !esultou- - - - --- -- - -

por sua l i l l l a m a i o r e s t r a t i f i c a ~ a o social.28 Nao me pa-

rece casual que, como disse antes, Gramsci aluda pela primei

ra vez a o qu e depois chamaria de "sociedade civil" numa refe

rencia a Hegel e ao "associacionismo": se Hegel percebeu queo "sistema da atomística" gera interesses coletivos particulares

que se expressam no qu e ele chama de "corpora<;oes",

Gramsci deu-se canta, por sua vez, de qu e os grupos e classes

~ o c i a i s , em seu processo de a u t o - o r g a n i z a ~ a o e de defesa dos

próprios interesses, criam aparelhos "privados" de hegemonia.

Esses aparelhos sao privados porque pressupoem de seus

membros urna adesao voluntária, contratual, na o formando

assim parte do que Gramsci chamou de E s t a d o - c o e r ~ o , Es

tado em sentido estrito ou ainda "sociedade política"; ma s sao"privados" (entre aspas} porque, com sua a<;áo, te m um inegá

vel papel nas r e i a ~ o e s de poder, na d e t e r m i n a ~ a o do modo

pelo qual se constitui a esfera pública da sociedade.

Podemos assim dizer qu e Gramsci, por um lado, recolhe

Gramsci, já que os mesmos estao tratados com maiores detalhes em supra,

caps . V e VI.

2S Para o conceito de "socializac;ao da poli ica", tao caro ao marxismo

italiano, cf. em particular Umberto Cerroni, Teoria po/itica e socialismo,

Roma, Ríuniti, 1976, sobretudo pp. 49 e ss. ,...-/

247

/'

GR.t.MSCI: UM ESTU[)O SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICOAPtNOICE 1

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.•

.t. lh ·d' . nao apenas de 1

29 Nao é preciso recordar que Gramso reco e essa 1 eta ssim.ila e - -

Hegel, mas também e sobretudo Marx, o qual, por sua vez, asupera a ne«3.o hegeliana de bürger/Jscbe Gesellschaft.

24 8

.. - .  ...--- - oA ......._ _ - _ . . ~ . - -

30 F. Engels, " l n t r o d u ~ a o " [1&95] a K. Marx,As Jutas de classe na Franfa, in

M a r x - E n g e l ~ , Obras escolhidas, Río de Janeiro, Vitória, 1956, vol. 1, pp.

121-122. ~ t e r e s s a n t e observar como essa a f r r m a ~ a o do velho Engels con

trasta explicaamente com a o s i ~ a o de Hegel expressa na i t a ~ a o da Filosofia

do direito reproduzida na nota 20.

31 P. Anderson, Ambiguita di Gramsci, o m a - B ~ Laterza, 1978, pp. 9

e ss. Para urna convincente e f u t a ~ a o dessas o s i ~ e s de Anderson, cf. Gianni

Francioni, L,officina gramsciana, Nápoles, Bibliopolis, 1984, pp. 147 e ss.

24 9

..

••

M ESTUCOSOBRE SEU PENSAMENTO POLiTICO

GRAMSCI : U

A P ~ N O I C E '

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·sta do Estado e da p o l í t i ~ a . O conceito g r a m s c i a ~ o de hege-xt -- , f t ,monia unplica, por um lado, um c o n t r a : ~ 9 . ~ ~ ? no.

. ível da sociedade civil, gerañdo em consequencta_suJettos

~ ~ ~ ~ t ~ o s (siriOica oS, p á f t i d o s , m o v i r n é n t O S S 6 c i ~ i s , e_tc.) que

tein um a clara dimensáo pública, "estatal". Mas t_!Ilphca t@l

béffi, por outro lado,· a·necéSsiOadé O formas de_ ~ o n t r a t ~ n tre iovemantes e governados ( ~ n t r e E s t . : ' d ~ e s o ~ t e ~ d e ) ,báse no fato de que, nessas soctedades octdenta ts , a obnga-

política se funda numa a c : i ~ a ~ á o consensual, g o v e ~ nantes e govemados, de u ~ numm? regras procedtmemats

e de valores é t i c o - p o l í t i c o ~ . Neste ultliDO caso, e s t a ~ o s cena-

te diante de contratos que freqüentemente coextstem (e de

men d f d -do conflitivo) co m a permanéncia e. or_mas e coer_?o.32

mo ...,.- . ,, ,Também nao se deve esquecer, de resto, que tats contratos

estáo su eitos a permanentes r e v i s O ~ e m u d a n ~ a s : . segundo_as

v a r i a ~ O e s do que o próprio G r a m s _ c ~ chamou ?e correla\oes

de f o r ~ a " . Nesse sentido, a p r o p o s t ~ a o . gramsctana do contra-

nos seus termos, de un1a soc1edade baseada no con-to o u, ". , . 1 d " .senso pode ser lida como urna tdeta regu a ora no sentl·

do kantiano, isto é, como urna meta para a qual d e ~ e m o sa v a n ~ a r (através da "guerra de posi\áo") ca?a vez mrus, no

rumo de urna "sociedade regulada" ou comun1sta. ,

Outrossim, do mesmo modo como há emR o u s s e ~ u um

estreito vínculo entre contrato e vontade geral, tambero .ern :_

Gramsci tem lugar urna íntima articula\áo entre h e g e m o ~ __

0que ele chama de "vontade coletiva n a c i o n a l - p o p u l a ~ · ~ ' A .

hegemonia gramsciana se mate rializa precisamente na c r 1 a ~ ~ o

blhi · " que -

dessa vontade coletiva, motor de um " oco stonco " __ _-

\ /1. 1

• •

i1 .1 •

•111

''

- .. ..-

béf 0 "aparelho de

32 Gramsci- é preciso nao esquecer tam m se re ere a e

coerc;ao estata l que assegura 'legalme_nte' a disciplina d a ~ u ~ : : J ~ r a s p ~nao tconsentem' nern ativa nem pass1vamente, mas que e e clire- ,.,,.•toda a sociedade na previsáo dos momentos de crise no comando e na -_

c;ao nos quais desaparece o consenso"(Quaderni, cit., p. 1 5 1 9 S: __:

25 0

articula numa totalidade diferentes grupos sociais, todos eles ..)·

capazes de operar, em maior ou menor medida, o movimento

_"catártico" de s u p e r a ~ a o de seus interesses meramente "eco- ·/

nómico-corporativos", no sentido da r i a ~ a o de urna conscien

cia "ético-política", universalizadora. Essa passagem "catárti

ca" do particular a o universal, porém, nao significa para

Gramsci, diferentemente do que ocorre em Rousseau, urna re

pressao das vontades singulares, mas sim, tal como em Hegel,

uma s u p e r a ~ a o dialética, na qual o "ético-político", a vontade

coletiva, conserva e ao mesmo tempo eleva a nível superior os

interesses singulares e particulares dos diversos componentes

plurais do "bloco histórico". Portanto, em Gramsci, é como se

nao só a política stricto sensu (a r e l a ~ a o entre governantes e

governados), mas, também a eticidade a esfera axiológica

que empresta conteúdo concreto a vontade geral ou coletiva- fosse também ela resultado de um contrato, de urna intera

intersubjetiva cada vez mais livre de coerc;ao. Para o pen

sador italiano, ao contrário de Hegel, a "eticidade" (o "ético

político") nao é fruto do movimento fatalista e impessoal de

um "espírito objetivo"; e tampouco é, como nos "marxistas

vulgares", o mero "reflexo" de "leis históricas" de base eco

nómica, concebidas de modo férreo e ferichizado. Se Gramsci

certamen e recolhe de Hegel a n ~ a o de eticidade {que nele

ganha os nomes de hegemonia e de "ético-político"), recolhe

de Rousseau, a o mesmo tempo, a c o n c e p ~ a o da política como

contrato, como f o r m a ~ a o intersubjetiva de urna volonté géné-

rale, que no pseudo-italiano ganha o nome de "vontade coleti-

va nacional-popular".

Por recolher de Hegel {e de Marx) a n ~ a o de que a vonta-

a t r a v ~ s ª a c ; i a pelas c o n t r a d i ~ 6 e s soc1ais, Gramsci tem plena /

~ o n s c i e n c i ade que na vida social considerada em seu con- /'¡ u n ~ o nem tudo é fruto de um contrato. Com base na onto-!

ogJa social de Hegel e de Marx, Gramsci sabe que a sociedade

25 1

GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLIT ICO

APtNDICE 1

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é urna síntese _!Ínica e . _ e s p e c í f i ~ ª _ s l e __ausalidade e teleología, de

determinismo e liberdade.33 Para ele, na trHhade Marx, os... - -- - - ._ - ...- - -

homens fazem certamente sua história, mas nao a fazem nasc o n d i ~ 6 e s que escolheram: ao lado da a ~ a o t e l e o l ó g i c ~ J L y r e ,h3Jambém um determinismo histórico, urna_ á l { ~ l j ~ a d s . o b j e tiva que embora gerada pela própria práxis d<?s _ 9 ~ e n ~ va1 Ireqüentemente além da consciencia e da v o ~ t ~ 4 ~ ,dos indi

víduos e dos atores sociais. Mas Gramsci t a m b é m _ g b ~ , nova-.- · -- . --- -· ---- --

mente na trilha de Marx, __que_ . q u a n t o rnais o ser social se·- - . --- -- - -

''socializ-a" tanto ~ a i o r : " r e ~ u o ~ ~ s barreiras ñaturats",,- .. - - - - ~ ~

OU, em outras palavras, tanto mais ~ I ! l J ? . l i a _ ! I l as margetfs da

liberdade e da autonomia dos "indivíduos socl.rus" : Y 4 " ~ e s s e-- ~ . - - ·-ponto, ele certamente .se. afasta-de Roüssea"ü;}?-aia(iuem o con-trato social funda um povo enquanto povo, ou seja, funda a

própria sociedade. M a s ~ se nem tudo na sociedade é fruto deum contrato, existem amplas esferas sociais e, em particu

lar, a esfera da política que podem cada vez mais resultar

de um contrato, ou seja, da ac;ao intersubjetiva de indivíduossociais conscientes e livres. É p r e c i s ~ e n t e !!ssa .possibilidade

que está na raíz da proposta g r ~ ú ñ ~ c i ' ! n < l de urna "sociedade-- - - + - - - - -- - - - -- •

regulaCla"Jexpressao qu e ele usa para designar o comunismo),

. na quá.l a supressao d_os _antagonismos de e a ~ ~ ~ maria final-. mente exeqüível a g e s t a ~ a o de um e s p a ~ o Q ~ b l i ~ g f ~ g d a g o"diálogo e no consenso "indivíduos o ~ i a ~ ~ " .

Portanto, ta l como em Rousseau, também em Gramsci

essa ordem social legítima pressupoe um contrato que · ·.

se limitar a conservac;ao dos interesses economico-corporati-_ .

vos é capaz de construir urna vontade geral é t i c o - p o l i t i ~ ,

25 2

:::1•• •..- '

- .

que garanta o ideal republica d . .l sobre o privado. Ademais é cno a priorid?de do público1 . _ ' omum ao11

. d . , . , , ao p ena esse e a ,.emocratrco so ~ P Q ~ s í v e l nos quadros o u

s r t ~ ~ ~ ~ . ~ ~ ~ dos _Parcos <ioC-a " i t : 1 i ~ : _ ~ r ? e m ~ ~ ~ r a iGramsc1 fot capaz (!¡ - - · - - , . - - - _ ~ · _ _loC1av1a se"' e superar as antinomias d .R ' ;f o ~ c a n d ~ o b r e seus pés, (num sentid . . _ . ~ o u s s e a u ~alnda i _ 9 ~ a l j s t a ~ ~ ~ ~ co m que o a u o matenahsta)_ v i s a ~

. - -- ·- - - e gera e da a -· . --· . . 1r e s u 1 r ~ em grª-n<te parte do fato de- - - -- e m o c r a c t ~ , _ss())

G. . __ . . . , . ~ _ - -·- ontratua rsmo /Des

raffiSCI SJtUOU SUa reflexao na·t .;b. --b- · - ' se IDO O,

t r a d i ~ O e s da modernidade: ele na n, a a erta pelas melhores

. . 1 o so se tornou um d . .pats Inter ocutores da cultura de , . os prmci-Io XX mas também ~ o c ~ a t i c a e socialista do sécu-

. ' o que e a1nda m · ·deiXou-nos um insubstituível leg d ats Importante -

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- - . .. ,.'.

Js G V p ..' acca, ensare zl mundo nuovo Per l . .

Turun, San Paolo, 1994. . a democrazza del XXI seco/o,

25 3.

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