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Ciência & Saúde Coletiva ISSN: 1413-8123 [email protected] Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Brasil Travassos, Cláudia; Viacava, Francisco; Fernandes, Cristiano; Almeida, Célia Maria Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil Ciência & Saúde Coletiva, vol. 5, núm. 1, janeiro-março, 2000, pp. 133-149 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Rio de Janeiro, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63050112 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Ciência & Saúde Coletiva

ISSN: 1413-8123

[email protected]

Associação Brasileira de Pós-Graduação em

Saúde Coletiva

Brasil

Travassos, Cláudia; Viacava, Francisco; Fernandes, Cristiano; Almeida, Célia Maria

Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil

Ciência & Saúde Coletiva, vol. 5, núm. 1, janeiro-março, 2000, pp. 133-149

Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63050112

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil*

Social and geographical inequalities in health services utilization in Brazil

1 Departamento de Informações em Saúde, Centro de Informação Científica e Tecnológica (Cict),Fundação Oswaldo Cruz.Av. Brasil 4.365, 21045-900 Rio de Janeiro, [email protected] Departamento de Administração ePlanejamento em Saúde,Escola Nacional de SaúdePública (Ensp), FundaçãoOswaldo Cruz.

Cláudia Travassos 1

Francisco Viacava 1

Cristiano Fernandes 2

Célia Maria Almeida 2

Abstract Health care service consumption isrelated not only to need and individuals’ behav-ior, but also to factors associated to the supplyside of health care market. The new BrazilianConstitution (1988) established the UnifiedHealth Care System (SUS) which is based onuniversal access to health care services. The sys-tem was implemented in 1990. The principle ofequity can be identified in the health sector leg-islation and can be translated as equal oppor-tunity of access to equal needs. This studyaimed at evaluating equity in the use of healthcare services considering two dimensions: geo-graphical and social dimensions. Data camefrom two general household surveys carried outin 1989 and 1996/1997 by the Brazilian CensusBureau (IBGE). Standardized utilization ratescontrolled by morbidity and insurance coveragewere used to analyze geographical variation.Private expenditure with health insurance anddrugs was also compared. Logistic regressionwas used to test for social inequalities. Resultsof the study suggest small reduction in inequal-ities between 1989 and 1996/1997, indicatingthat Brazilian health care system remains high-ly unequal.Key words Equity; Health Care Service Con-sumption; Health Policy; Health Care ServiceUtilization; Private Expenditure on Health

Resumo O consumo de serviços de saúde éfunção das necessidades e do comportamentodos indivíduos em relação a seus problemas desaúde, bem como das formas de financiamentoe dos serviços e recursos disponíveis para a po-pulação. A Constituição brasileira de 1988 es-tabelece o Sistema Único de Saúde (SUS) combase na institucionalização da universalidadeda cobertura e do atendimento. O sistema foiimplementado em 1990 e pode ser traduzidocomo igualdade de oportunidade de acesso aosserviços de saúde para necessidades iguais. Estetrabalho estuda a eqüidade no uso de serviçosde saúde a partir de duas dimensões: a geográ-fica e a social. Os dados utilizados são de pes-quisas realizadas em 1989 e 1996-1997, peloIBGE. Para avaliar as desigualdades geográfi-cas no consumo de serviços de saúde foram cal-culadas taxas padronizadas de utilização deserviços. Comparou-se também a dimensão dogasto privado domiciliar com medicamentos ecom planos de saúde. Para avaliar as desigual-dades sociais, estimou-se a razão de odds paratrês grupos de renda e para as pessoas com esem cobertura de plano de saúde. Observou-sepequena redução dos níveis de desigualdades noperíodo analisado (1989-1996/1997), com osistema de saúde atual mantendo-se caracteri-zado por marcadas iniqüidades.Palavras-chave Eqüidade; Consumo de Servi-ços de Saúde; Política de Saúde; Utilização deServiços de Saúde; Gasto Privado em Saúde

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Introdução

O padrão de utilização de serviços de saúde deum determinado grupo populacional é prin-cipalmente explicado por seu perfil de neces-sidades em saúde (Hulka & Wheat, 1985). Es-tá condicionado, também, por inúmeros ou-tros fatores, internos e externos ao setor, rela-cionados tanto à forma como está estrutura-da a oferta de serviços (Wennberg, 1985) quan-to às preferências e escolhas do usuário.

A disponibilidade, o tipo, a quantidade deserviços e recursos (financeiros, humanos, tec-nológicos), a localização geográfica, a culturamédica local, a ideologia do prestador, entreoutros, são aspectos da oferta que influenciamo padrão de consumo de serviços de saúde.Por outro lado, as escolhas individuais tam-bém são cruciais, embora nem todas as neces-sidades se convertam em demandas e nem to-das as demandas sejam atendidas. Inversamen-te, por indução da oferta, existe o uso de ser-viços não relacionados com as necessidades. Naverdade, segundo a Lei de Hart (1971), os di-versos mecanismos que interferem na ofertade serviços fazem com que os recursos sejamdistribuídos inversamente às necessidades.

Assim, desigualdades no uso de serviços desaúde, isto é, na atitude de procurá-los, obteracesso e se beneficiar com o atendimento re-cebido, refletem as desigualdades individuaisno risco de adoecer e morrer, assim como asdiferenças no comportamento do indivíduoperante a doença, além das características daoferta de serviços que cada sociedade dispo-nibiliza para seus membros.

Em outras palavras, o uso de serviços desaúde é função das necessidades e do compor-tamento dos indivíduos diante dos seus pro-blemas de saúde, assim como das formas definanciamento, dos serviços e recursos dispo-níveis para a população, incluindo a estrutu-ra administrativa e os mecanismos de paga-mento.

Embora as noções de igualdade e eqüidadesejam utilizadas indistintamente, políticas vol-tadas para eqüidade pressupõem redistribuiçãodesigual de recursos, por causa dos ajustes quedevem ser efetuados em função de fatores bio-lógicos, sociais e político-organizacionais de-terminantes das desigualdades existentes (Por-to, 1997; Almeida et al., 1999a).

A questão da eqüidade em saúde tem sidoobjeto de intenso debate nas últimas décadas,e as dificuldades encontradas para a sua con-

ceituação resultam também do insuficientedesenvolvimento teórico que lhe serve de sus-tento (Porto, 1997). Algumas das questões re-ferentes a esta temática são recorrentes, comoas derivadas das relações entre condições so-cioeconômicas e saúde (Illsley & Wnuk-Lipins-ki, 1990; Illsley & Baker, 1991; Castellanos,1997; Black et al. 1990); bem como aquelas vol-tadas à articulação entre desigualdade em saú-de e desigualdade no acesso a bens e serviços(Daniels, 1982; Whitehead, 1992; Carr-Hill,1994; Travassos, 1992).

Faz-se necessário também distinguir eqüi-dade em saúde de eqüidade no uso ou no con-sumo de serviços de saúde, porque os deter-minantes das desigualdades no adoecer e nomorrer diferem daqueles das desigualdades noconsumo de serviços de saúde. As desigualda-des em saúde refletem, dominantemente, asdesigualdades sociais e, em função da relativaefetividade das ações de saúde, a igualdade nouso de serviços de saúde é condição impor-tante, porém, não suficiente para diminuir asdesigualdades no adoecer e morrer (Travassos,1992).

Vários estudos indicam que a posição doindivíduo na estrutura social é importante pre-ditor de necessidades em saúde, e o padrão derisco observado tende a ser desvantajoso pa-ra aqueles indivíduos pertencentes aos grupossociais menos privilegiados (Evans, 1994). Noque toca à necessidade, não existe uma defi-nição única, nem uma metodologia única pa-ra medi-la. Em geral, os autores afirmam que,quaisquer que sejam as formas de aferição,sempre expressarão visões parciais, limitadas,tanto por problemas metodológicos, quantopor percepções e valores próprios, seja do in-divíduo, seja do avaliador. Existem tambémdificuldades importantes com relação aos con-ceitos e às formas de operacionalização das va-riáveis referentes à condição social dos indi-víduos.

A questão da eqüidade tem sido enfatiza-da a partir das décadas de 1970-1980, quandoa discussão da crise do Estado de Bem-EstarSocial suscitou o questionamento dos resul-tados em termos de benefícios dos investimen-tos realizados nos sistemas de saúde (a exten-sa intervenção estatal, isto é, o montante dofinanciamento público, a provisão estatal deserviços etc.). Este tema ressurge nas discus-sões sobre as reformas setoriais, que colocamem pauta a necessidade de produção de estu-dos que avaliem o desempenho das diferentes

formas de organização de serviços na supera-ção das desigualdades no setor. De maneirageral, pode-se afirmar que persistem profun-das incertezas com relação ao impacto dessasreformas sobre a eqüidade (Almeida et al.,1999a).

O sistema de saúde brasileiro é constituí-do por uma complexa rede de prestadores ecompradores de serviços, simultaneamente in-terrelacionados, complementares e competi-tivos, formando um complicado mix públicoe privado, financiado majoritariamente comrecursos públicos. Compõe-se por três prin-cipais subsetores: 1) o público, com serviçosfinanciados e prestados pelo Estado, nos seusdiversos níveis, incluindo-se os serviços pró-prios das forças armadas; 2) o privado (lucra-tivo e não-lucrativo), financiado por sistemasde reembolso, que podem ser recursos públi-cos ou privados; 3) o de seguros privados, fi-nanciados diretamente pelo consumidor oupelas empresas empregadoras (em geral de for-ma parcial), com diferentes níveis de preços esubsídios. A pluralidade do sistema de saúdebrasileiro caracteriza-se, portanto, pela pre-sença de diversos mercados de serviços de saú-de com implicações variadas sobre a eqüida-de no consumo. Além disso, é um sistema alta-mente centrado na assistência médica e noatendimento hospitalar, características que seacentuaram a partir dos anos 60 com o desen-volvimento da seguridade social.

Com a crise econômica na década de 1980,reduziram-se significativamente as receitas fis-cais e contribuições sociais e houve forte im-pacto no volume de recursos destinados à as-sistência à saúde, cuja cobertura na época es-tava praticamente universalizada (Travassos,1992).

A Constituição de 1988 introduz impor-tantes modificações no sistema de saúde dopaís com a criação do Sistema Único de Saúde(SUS), implementado a partir de 1990, institu-cionalizando a universalidade da cobertura edo atendimento, assim como a uniformidadee equivalência dos benefícios e serviços de saú-de para populações urbanas e rurais. Da cartaconstitucional e da legislação específica infe-re-se que o princípio da eqüidade pode ser tra-duzido como igualdade de oportunidade deacesso aos serviços de saúde para necessida-des iguais.

Ainda são escassos os estudos voltados pa-ra mensurar o impacto da implantação do SUSsobre a eqüidade. Isto pode ser explicado, em

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parte, pelo fato de que dados sobre acesso eutilização de serviços de saúde, gerados a par-tir de inquéritos populacionais de âmbito na-cional, são anteriores à implantação do SUS,como aqueles produzidos pelos suplementossaúde da Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD), de 1981 e 1986, e pelaPesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição(PNSN) de 1989. Atualmente, embora restritosàs regiões Nordeste e Sudeste, dados da Pes-quisa sobre Padrões de Vida (PPV), de 1996/1997, possibilitam o estudo do padrão de eqüi-dade após a implantação do SUS.

Neste trabalho, o principal foco de aten-ção está no estudo da eqüidade no uso de ser-viços de saúde, analisada a partir de duas di-mensões: a geográfica e a social (Travassos,1997). A dimensão geográfica diz respeito àsvariações entre áreas, a dimensão social, às va-riações entre grupos sociais intra-áreas. Emum contexto de abrangência nacional, essasduas dimensões são complementares, na me-dida que uma política de eqüidade na dimen-são social pressupõe uma distribuição eqüita-tiva de recursos entre áreas. Entretanto, em-bora necessária, a eqüidade geográfica não écondição suficiente para o alcance da eqüida-de social.

O objetivo deste artigo é avaliar o padrãode eqüidade no consumo de serviços de saú-de em dois momentos, antes da criação do SUSe depois da sua implantação. A análise cen-trou-se nas regiões Nordeste e Sudeste e utili-zou os dados disponíveis em 1989 e 1996/1997.Buscou-se medir a ocorrência de mudança nasdimensões da eqüidade geográfica e social, emcada uma das regiões estudadas.

Metodologia

Os dados utilizados são oriundos da PesquisaNacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), de1989, e da Pesquisa sobre Padrões de Vida(PPV), de 1996/97, ambas realizadas pela Fun-dação Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE).

A PNSN foi o último inquérito populacio-nal de nível nacional realizado no país, que in-vestigou, de forma relativamente ampla, as-pectos referentes à morbidade e à utilizaçãode serviços de saúde. A amostra da PNSN é es-tratificada, abrangendo as cinco regiões geo-gráficas. A PPV também coletou dados demorbidade e utilização de serviços de saúde,

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porém restringiu-se às regiões Nordeste e Su-deste. Neste trabalho, analisaram-se os dadosdas regiões Nordeste e Sudeste das duas pes-quisas, tendo sido excluídos de ambas as amos-tras os domicílios situados em área rural.Maiores detalhes sobre as características doplano amostral e das variáveis de cada pesqui-sa encontram-se em Fletcher (1988) e IBGE(1998).

Com o objetivo de investigar a ocorrênciade desigualdades geográficas no consumo deserviços de saúde, calcularam-se taxas de uti-lização de serviços, padronizadas por idade esexo, para as pessoas com e sem morbidade epara as pessoas com e sem plano de saúde. Oprocesso de padronização foi baseado no mé-todo direto, e a população do Sudeste foi uti-lizada como padrão. Comparou-se também adimensão do gasto privado domiciliar commedicamentos e com planos de saúde, entreas regiões e os grupos de renda. Para avaliar aexistência de desigualdades sociais no uso deserviços de saúde estimou-se a razão de oddspara três grupos de renda e para as pessoascom e sem cobertura de plano de saúde. O pro-cedimento estatístico utilizado foi a regressãologística e o modelo de predição de uso de ser-viços de saúde incluiu as variáveis idade, se-xo, morbidade (restrição de atividades) e ter-cil de renda domiciliar per capita ou cobertu-ra de plano de saúde. Por fim, estudaram-seas variações na estrutura de consumo de servi-ços de saúde, nas dimensões de eqüidade geo-gráfica e social, com base na distribuição pro-porcional do uso de serviços de saúde segun-do o tipo de estabelecimento utilizado.

A fim de analisar a ocorrência ou não demudança no padrão de eqüidade no consumode serviços de saúde, após a implantação doSUS, procedeu-se à comparação entre os re-sultados de cada pesquisa. É preciso destacar,no entanto, que estas comparações apresen-tam limitações devidas a diferenças no dese-nho amostral e na definição das variáveis emcada um dos estudos. Desta forma, as análisescentram-se principalmente na observação demudança no padrão de eqüidade geográficae/ou social em cada período, evitando-se acomparação direta da magnitude dos parâme-tros entre as pesquisas.

As variáveis consideradas como proxy demorbidade estão definidas no quadro 1.

A variável social escolhida foi a renda do-miciliar per capita. As duas pesquisas emprega-ram metodologias diversas para gerar a infor-

mação sobre renda. Como na PNSN utiliza-seapenas a renda monetária auferida nos últi-mos trinta dias – e proveniente de trabalho,aposentadoria, abono, pensão alimentícia, alu-guel, doação, juros e dividendos –, procurou-se, no caso da PPV, cujas informações são maisabrangentes, trabalhar com itens análogos aoda PNSN. Em cada pesquisa, os domicílios fo-ram classificados em tercis de renda definidossegundo a distribuição da renda domiciliar percapita para o conjunto das duas regiões.

A variável cobertura de plano de saúde,disponível apenas na PPV, discrimina as pes-soas segundo a participação em convênios ouseguros de saúde privados.

O uso de serviços de saúde, variável dico-tômica, indica se o indivíduo foi ou não aten-dido em serviço de saúde em um período de-terminado. Na PNSN, corresponde aos quinzedias que antecederam a entrevista; na PPV, cor-responde a trinta dias. A estrutura do consumofoi analisada através do uso segundo o tipo deestabelecimento. Com o objetivo de possibi-litar a comparação entre as pesquisas, os tiposde estabelecimentos foram recodificados nascategorias apresentadas no quadro 2.

Ainda assim, não foi possível criar catego-rias homogêneas no caso do atendimento am-bulatorial, já que a PPV incorporou à catego-ria Posto ou Centro de Saúde os atendimen-tos realizados nos Postos de Assistência Mé-dica (PAM), que na PNSN pertencem à cate-goria Clínica ou posto de assistência.

Finalmente, para analisar o gasto em saú-de, informação disponível apenas na PPV, tra-balhou-se somente com os gastos com remé-dios e seguro-saúde, para os quais considerou-se adequado o período de referência adotadopela pesquisa – trinta dias anteriores à entre-vista. O mesmo não se pode dizer para gastoscom consultas, internação, exames laborato-riais e radiológicos que, por serem itens deconsumo menos freqüentes, necessitariam deum período maior de referência.

O tratamento estatístico dos dados resul-tantes de inquéritos de grande porte, tais co-mo a PNSN e a PPV, requer cuidados especiais.A hipótese de amostra aleatória simples comreposição (AASC), utilizada nos procedimen-tos estatísticos dos programas convencionais(SPSS, SAS, BMDP etc.), é claramente inade-quada para o tratamento dos dados de pesqui-sas por amostragem complexa, como é o casodas amostras da PNSN e da PPV (Pessoa & Sil-va, 1998). O impacto do desenho amostral na

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variância dos estimadores da regressão logís-tica pode ser capturado pelo efeito de delinea-mento, que é a razão entre a variância calcu-lada assumindo a amostra complexa e a va-riância assumindo a amostra aleatória sim-ples. Portanto, quando o efeito de delineamen-to para um determinado estimador é diferen-te de 1, pode-se concluir que houve impactodo plano amostral no teste de significância docoeficiente associado à variável em questão,indicando a necessidade de se calcular a va-riância assumindo a amostra complexa.

Com o objetivo de incorporar o efeito dedelineamento da amostra na modelagem es-tatística dos dados da PNSN e da PPV, utili-zou-se o SUDAAN (Shah et al., 1997), um dosprogramas estatísticos comerciais disponíveispara o tratamento de dados oriundos de pes-quisa com amostragem complexa. Entre os es-quemas amostrais disponíveis no SUDAAN,utilizou-se aquele mais adequado às caracte-rísticas amostrais da PNSN e PPV – o desenhoWR (com reposição). Esse desenho é apropria-do para amostragem com reposição no pri-

Quadro 1Variáveis de morbidade, Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição e Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV).

PNSN

Restrição de atividades rotineiras por motivo de doença nos quinze dias que antecederam a entrevista.

Sintoma: variável dicotômica criada a partir das respostas sobre ocorrência ou não de uma lista dedoenças e sintomas nos quinze dias que antecederam a entrevista.

PPV

Restrição de atividades rotineiras por motivo de doença nos trinta dias que antecederam a entrevista.

Doença crônica: variável dicotômica criada a partir das respostas sobre ocorrência ou não de uma listade doenças crônicas selecionadas.

Presença de problema de saúde: ocorrência ou não de algum problema de saúde nos trinta dias que an-tecederam a entrevista.

Auto-avaliação do estado de saúde: variável criada recodificando-se as categorias excelente, muito bome bom, como bom estado de saúde e as categorias regular e ruim, como estado de saúde deficiente.

Quadro 2Categorias e serviços de saúde, Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição e Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV).

Categoria agregada PNSN PPV

Hospital Hospital Hospital públicoPronto-socorro Hospital particular

Hospital particular conveniado

Posto ou Posto ou Posto ou Centro de Saúde Centro de Saúde Centro de Saúde

Clínica ou Clínica ou Clínica particular consultório particular posto de assistência conveniada

Consultório ou Clínica ou médico particular consultório particular

Farmácia e outros Farmácia FarmáciaNo próprio domicílio

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meiro estágio e amostragem com ou sem re-posição nos estágios subseqüentes, sendo asprobabilidades de reposição iguais ou diferen-tes em qualquer um dos estágios.

Para contornar o problema de erro nas es-timativas pontuais calculadas para médias,proporções, coeficientes de regressão, entreoutros, devido a probabilidades distintas deseleção dos elementos da amostra e da ocor-rência de não respostas, utilizou-se, nos proce-dimentos estatísticos realizados, os pesosamostrais disponíveis nos bancos de dados ori-ginais. Estes pesos foram corrigidos para evi-tar a expansão da amostra, pois os grandes nú-meros resultantes do uso dos pesos não corri-gidos implicaria aumento da ocorrência designificância estatística. Com essa correção, acomposição manteve-se nas análises o núme-ro de pessoas e de domicílios efetivamente pes-quisadas em cada uma das regiões.

Resultados

As regiões geográficas analisadas encontram-se em posições polares, em relação às demais:o Sudeste – a região mais desenvolvida – e oNordeste – a menos desenvolvida. Em 1989, oSudeste, comparativamente ao Nordeste, apre-sentava uma maior razão de sexos (total de ho-mens/total de mulheres) – 0,96 e 0,88 respec-tivamente –, um perfil etário mais envelheci-do, melhor nível de escolaridade. Observa-seainda que a população do Sudeste era predo-minantemente de raça branca (65,62%), aopasso que a do Nordeste era predominante-mente de raça não branca (78,58%). O coefi-ciente de Gini indicava menor concentraçãode renda no Sudeste, apesar de ambas as re-giões apresentarem marcadas desigualdades(Quadro 3).

Em 1996/1997, entretanto, observa-se umaconvergência nas razões de sexos entre o Su-deste e o Nordeste (0,93 e 0,91 respectivamen-te), e o perfil etário de cada região assume ca-racterísticas compatíveis com estruturas po-pulacionais menos jovens, em comparaçãocom o perfil etário observado em 1989. A pro-porção de chefes de família sem instrução oucom instrução elementar (34,65% no Sudes-te e 35,9% no Nordeste) reduziu-se em compa-ração com o ano de 1989, observando-se, tam-bém, redução na razão da proporção de che-fes de família sem instrução ou com nível ele-mentar de instrução entre as duas regiões (1,2

em 1989 e 1,04 em 1996/1997). A concentra-ção de renda apresenta uma diminuição noNordeste e um ligeiro aumento no Sudeste,implicando diminuição das diferenças na con-centração de renda.

Os altos valores do efeito de delineamen-to (ED), observados em algumas variáveis, re-fletem a alta correlação entre indivíduos emcada estrato amostral, confirmando a neces-sidade de se utilizar procedimentos que cor-rijam o impacto do desenho amostral no tes-te de significância estatística como os dispo-níveis no SUDAAN (Quadro 3).

Com relação ao perfil de necessidades desaúde, em 1989, observa-se variação estatisti-camente significativa na proporção de pessoasque mencionaram restrição de atividade pormotivo de saúde, nas duas regiões, desfavorá-veis ao Sudeste. Porém, com a variável sintomanão se verifica diferença estatisticamente sig-nificativa. O mesmo padrão não se reproduzem 1996/1997, quando as desigualdades se in-vertem, passando a população do Nordeste aapresentar valores significativamente maioresem todos os indicadores de morbidade estu-dados, com exceção da proporção de pessoasque referiram doenças crônicas, o que nãoapresenta diferença estatisticamente signifi-cativa entre as duas regiões (Quadro 4).

Observa-se ainda que, em 1989, as chan-ces de um indivíduo mencionar restrição deatividades rotineiras por motivo de saúde, tan-to no Nordeste quanto no Sudeste, eram mai-ores no tercil mais baixo de renda domiciliarper capita, comparativamente ao tercil maisalto. Tomando-se como referência para mor-bidade a variável auto-avaliação das condi-ções de saúde, observa-se, em 1996/1997, umgradiente social bastante evidente, tambémdesfavorável aos grupos de menor renda. Arazão de odds entre o primeiro e o terceiro ter-cil foi 3,07 no Nordeste e 2,06 no Sudeste(Quadro 5).

Ao se analisarem as variações geográficasnas taxas de utilização de serviços de saúdepadronizadas por idade e sexo, observa-se umaposição desfavorável para o Nordeste (13,01por 100 habitantes), em 1989, com o Sudesteapresentando uma maior taxa de utilização deserviços de saúde de 19,49 por 100 habitantes.Em 1996/1997 as diferenças nas regiões dei-xam de ser estatisticamente significativas(Quadro 4).

Porém, quando se recalculam as taxas deutilização mencionadas para os grupos com e

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sem morbidade (restrição de atividades), ob-servam-se marcadas diferenças entre as re-giões, estatisticamente significativas e sempredesfavoráveis para o Nordeste, no ano de 1989,em particular (Quadro 6). As taxas de utiliza-ção dos indivíduos com morbidade são siste-maticamente maiores do que as taxas dos indi-víduos sem morbidade, confirmando a exis-tência de associação positiva entre uso de ser-viços de saúde e presença de problemas de saú-de. Por outro lado, os dados sugerem uma re-dução das desigualdades geográficas no usode serviços no período de estudo. Entre 1989e 1996/1997, a razão das taxas de utilização

entre o Sudeste e o Nordeste diminuiu de 1,42,em 1989, para 1,17, em 1996/1997, para os in-divíduos que referiram morbidade (restriçãode atividade), e de 1,42 para 1,25, respectiva-mente, para os que não referiram morbidade.

A comparação das taxas de utilização nosdois períodos de estudo, para as pessoas clas-sificadas nas demais variáveis proxy de mor-bidade, não pôde ser efetuada, pois estas va-riáveis não estão disponíveis em ambas as pes-quisas. No entanto, em cada uma delas, essastaxas também expressam um padrão de desi-gualdade geográfica no uso de serviços, des-favorável ao Nordeste (Quadro 6).

Quadro 3Características demográficas e socioeconômicas. Nordeste e Sudeste – 1989 e 1996/1997.

1989 1996/1997Nordeste Sudeste Nordeste Sudeste

% Erro ED* % Erro ED % Erro ED % Erro EDpadrão padrão padrão padrão

Sexo

Mulheres 53,06 (0,68) 1,35 50,87 (0,51) 0,66 52,30 (0,75) 1,57 51,67 (0,60) 1,18Homens 46,94 (0,68) 1,35 49,13 (0,51) 0,66 47,70 (0,75) 1,57 48,33 (0,60) 1,18

Raça

Branca 21,42 (2,68) 31,36 65,62 (3,20) 28,78 29,92 (2,22) 16,15 71,81 (2,27) 20,81Não branca 78,58 (2,68) 31,36 34,38 (3,20) 28,78 70,08 (2,22) 16,15 28,19 (2,27) 20,81

Idade

0 a 4 12,44 (0,60) 2,42 10,00 (0,52) 1,91 11,62 (0,55) 2,00 8,93 (0,48) 2,295 a 19 36,66 (0,86) 2,35 31,54 (1,33) 5,21 34,21 (0,83) 2,11 29,32 (0,71) 1,9720 a 59 41,94 (0,92) 2,55 50,90 (0,90) 2,40 46,02 (0,79) 1,74 52,21 (0,62) 1,2860 e + 8,96 (0,62) 3,44 7,55 (0,72) 4,64 8,15 (0,61) 3,45 9,54 (0,61) 3,49

Escolaridade do chefe

Nenhuma ou 66,03 (2,76) 25,01 55,06 (2,78) 19,72 35,99 (1,92) 10,95 34,65 (1,41) 7,16elementarPrimeiro grau 19,04 (1,70) 13,71 24,85 (1,63) 9,04 39,03 (1,80) 9,33 36,24 (1,51) 8,10completoSegundo grau 14,92 (2,21) 28,30 20,09 (2,58) 26,26 24,98 (1,63) 9,73 29,11 (1,51) 9,07ou superior

Cobertura de plano de saúde

– – 17,09 (1,36) 8,91 34,44 (1,65) 9,85

Coeficiente de Gini

0,6687 0,5616 0,6029 0,5885

* Efeito de delineamento da amostra.Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (1989) e Pesquisa sobre Padrões de Vida (1996/1997).

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As variações sociais na utilização de servi-ços de saúde demonstram que condições so-ciais desfavoráveis tendem a reduzir as chancesde uso de serviços. O efeito do aumento darenda no consumo de serviços de saúde, con-trolado por idade, sexo e morbidade (restri-ção de atividades) está presente em ambas as

regiões e em ambas as pesquisas. Por exemplo,no Nordeste, as chances dos indivíduos per-tencentes ao primeiro tercil de renda, em re-lação aos indivíduos do terceiro tercil, é 52%menor em 1989 (razão de odds = 0,48) e 37%menor em 1996/1997 (razão de odds = 0,63).Da mesma forma, no Sudeste, as chances de

Quadro 4Taxas de morbidade (por 100 habitantes) e taxas de utilização de serviços de saúde,padronizadas por sexo e idade. Nordeste e Sudeste – 1989 e 1996/1997.

1989 1996/1997Nordeste Sudeste Nordeste Sudeste% Erro % Erro % Erro % Erro

padrão padrão padrão padrão

Com restrição 7,80 (0,61) 9,78 (0,57)* 9,74 (0,87) 7,16 (0,59)*de atividade

Com doença – – 15,00 (0,93) 14,91 (0,67)ns

crônica

Com problema – – 26,01 (1,99) 18,93 (1,02)**de saúde

Auto-avaliação – – 22,32 (1,25) 15,37 (0,84)**regular ou ruim

Com sintoma 53,58 (2,36) 51,48 (1,94)ns – –

Uso de serviçosde saúde 13,01 (0,90) 19,49 (0,81)* 14,06 (0,88) 15,29 (0,97)ns

ns: não significativo.* 0,01<p-valor<0,05.** p-valor<0,01.Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (1989) e Pesquisa sobre Padrões de Vida (1996/1997).

Quadro 5Razão de odds para morbidade condicional à renda domiciliar per capita.

PNSN 1989** PPV 1996/97***Característica Região Razão Limite Limite Razão Limite Limite

de odds inferior* superior de odds inferior* superior

Renda domiciliar per capita

Primeiro tercil

NE 1.24 0.99 1.57 3.07 2.22 4.25SE 1.15 0.94 1.40 2.06 1.51 2.80

Segundo tercil

NE 1.39 0.99 1.97 2.53 1.79 3.59SE 1.18 0.94 1.48 1.41 1.12 1.79

* Intervalo de confiança 95%.** Restrição de atividade.*** Auto-avaliação do estado de saúde.

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indivíduos do primeiro tercil utilizarem ser-viços de saúde são 40% e 35% menores do quea dos indivíduos do terceiro tercil (razões deodds = 0,60 e 0,65), respectivamente, em 1989e 1996/1997 (Quadro 7).

A cobertura por plano de saúde, informa-ção disponível apenas para 1996/1997, cons-titui uma outra dimensão para a análise daeqüidade no uso de serviços de saúde. Esta co-bertura apresenta variação importante entreas regiões, sendo duas vezes maior no Sudeste(34,44%) do que no Nordeste (17,09%) (Qua-dro 3), e cresce marcadamente com a renda,em ambas as regiões, caracterizando um pa-drão de expressivas desigualdades geográficae social. A razão da proporção de populaçãocoberta por plano de saúde entre o terceiro e oprimeiro tercil de renda é igual a 16,5 no Nor-deste e 11,3 no Sudeste.

A taxa de utilização padronizada por sexoe idade segundo a cobertura de plano de saú-de não apresenta variação estatisticamente sig-nificativa entre as duas regiões, mas é maior

no grupo de pessoas cobertas por planos desaúde (18,93 por 100 habitantes no Nordeste e18,20 por 100 habitantes no Sudeste) do queno grupo de pessoas não cobertas (13,19 por100 habitantes no Nordeste e 13,72 por 100 ha-bitantes no Sudeste). A chance de uso de ser-viços de saúde, controlada por idade, sexo emorbidade (restrição de atividades), é expres-sivamente maior para as pessoas cobertas porplanos de saúde em relação às pessoas não co-bertas – 66% no Nordeste e 73% no Sudeste(razão de odds = 1,66 e 1,73 respectivamente)(Quadro 7).

Em relação à estrutura de consumo de ser-viços de saúde em 1989 percebe-se importan-tes variações regionais: maior participação re-lativa de postos e centros de saúde no Nordes-te (29,01% – Nordeste, 16,75% – Sudeste) con-tra maior participação relativa de clínicas e con-sultórios particulares no sudeste (29,34% –Nordeste, 45,10% – Sudeste). Varia também aestrutura de consumo antes e após a implan-tação do SUS. O que chama atenção nesta va-

Quadro 6Taxas de utilização de serviços de saúde (por 100 habitantes), padronizadas por idade e sexo, por indicadoresde morbidade e cobertura de plano de saúde, segundo a região Nordeste e Sudeste, 1989 e 1996/1997.

1989 1996/1997Nordeste Sudeste Nordeste Sudeste% Erro % Erro % Erro % Erro

padrão padrão padrão padrão

Restrição de atividade

com restrição 46,39 (3,10) 66,02 (2,62)** 59,57 (2,80) 69,54 (3,53)*sem restrição 10,23 (0,88) 14,55 (0,79)** 9,04 (0,69) 11,32 (0,90)*

Problema de saúde

com problema – – 36,82 (2,51) 52,14 (2,11)**sem problema – – 4,96 (0,55) 6,00 (0,69) ns

Problema de saúde

com sintoma 20,53 (1,61) 30,67 (1,17)** – –sem sintoma 3,19 (0,53) 6,64 (0,63)** – –

Plano de saúde

coberto – – 18,93 (1,73) 18,20 (1,52) nsnão coberto – – 13,19 (0,95) 13,72 (1,04) ns

ns: não significativo.* 0,01<p-valor<0,05.** p-valor<0,01Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (1989) e Pesquisa sobre Padrões de Vida (1996/1997).

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riação é o aumento expressivo da participaçãorelativa do hospital no consumo de serviçosde saúde, em ambas as regiões, tendência estamais evidente no Nordeste. O aumento da par-ticipação dos hospitais, em particular no Nor-deste, fez-se em detrimento da participaçãodos postos e centros de saúde, e da farmácia eoutros (Figuras 1 e 2).

Ao se analisar a estrutura de consumo deserviços entre os grupos de renda, observa-setambém uma marcada variação em ambas asregiões: os grupos de mais alta renda conso-mem mais serviços ambulatoriais e o consu-mo de serviços hospitalares tende a aumentarà medida em que a renda decresce. Além disso,há uma variação no tipo de serviço ambula-torial utilizado: os grupos de maior rendausam predominantemente consultórios par-ticulares e clínicas, ao passo que os de menorrenda usam mais postos e centros de saúde.Vale destacar que a participação relativa noconsumo de serviços hospitalares é observa-da em todos os grupos de renda, sendo maisacentuada no tercil de mais baixa renda doNordeste e após a implantação do SUS, quan-do o uso de serviços hospitalares representoupouco mais de 62% do consumo desse grupo(Figura 3).

A estrutura de consumo de serviços de saú-de entre as pessoas cobertas e não cobertas porplano de saúde também varia. O uso de clíni-cas e consultórios particulares predomina nogrupo de indivíduos com plano de saúde, aopasso que o uso de hospitais e postos/centrosde saúde é maior no grupo de indivíduos nãocobertos. Este padrão é semelhante nas duasregiões analisadas (Figura 4).

O gasto médio com planos de saúde entreos domicílios que referiram esse tipo de des-pesa é semelhante no Nordeste (R$321,03) eno Sudeste (R$312,80). Ainda que a análise seressinta do pequeno número de observações,particularmente no primeiro tercil de rendano Sudeste, as magnitudes das diferenças per-mitem inferir que o gasto com planos de saú-de tende a aumentar com a renda nas duas re-giões. Entretanto, verifica-se que a importân-cia desse tipo de despesa no orçamento domi-ciliar é tanto maior quanto menor a renda. Asressalvas metodológicas quanto ao número deobservações também devem ser notadas nessecaso, em particular no primeiro tercil do Su-deste (Quadro 8).

Analogamente, o gasto médio com medi-camentos por domicílio foi de R$23,73 no Su-deste e de R$15,36 no Nordeste. A diferença

Quadro 7Razão de odds para uso de serviços de saúde condicional à renda domiciliar per capitae cobertura por plano de saúde.

PNSN 1989** PPV 1996/97***Característica Região Razão Limite Limite Razão Limite Limite

de odds inferior* superior de odds inferior* superior

Renda domiciliar per capita

Primeiro tercil

NE 0.48 0.34 0.66 0.63 0.46 0.85SE 0.60 0.46 0.79 0.65 0.48 0.88

Segundo tercil

NE 0.73 0.52 1.01 0.78 0.49 1.23SE 0.91 0.74 1.12 0.61 0.48 0.79

Cobertura porplano de saúde

Coberto

NE - - - 1.66 1.26 2.20SE - - - 1.73 1.38 2.17

* Intervalo de confiança 95%.

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entre as regiões é estatisticamente significan-te (p-valor = 0.0204). Por outro lado, os gastosmédios variam positivamente com a renda,sendo as diferenças entre as médias do primei-ro e do terceiro tercil de renda estatisticamen-te significantes no Nordeste (p-valor = 0,0012)e no Sudeste (p-valor = 0,0036). Assim comono caso do gasto com planos de saúde, a pro-porção do gasto com medicamentos na rendadomiciliar varia inversamente ao aumento darenda. Os residentes nos domicílios de menorrenda gastam menos com medicamentos, masa participação relativa deste gasto na renda do-miciliar é expressivamente maior (Quadro 8).

Discussão

Os resultados aqui apresentados evidenciama multiplicidade de fatores que interferem nopadrão de consumo de serviços de saúde e oimbricamento perverso entre eles no Brasil,resultando em um quadro de desigualdadescumulativas que evidenciam o quão distanteencontra-se o sistema de saúde do país dosprincípios igualitários enunciados na sua for-mulação.

Com relação às desigualdades no adoecer(necessidade em saúde) o Nordeste – regiãomenos desenvolvida – apresenta, em 1996/1997, taxas mais altas de morbidade compa-

rativamente ao Sudeste. É importante ressal-tar que, nos dados de 1989, o perfil de morbi-dade observado entre as regiões era o inverso,isto é, desfavorável para o Sudeste. Porém, osdados de 1996/1997 são bastante consistentes,já que o mesmo comportamento –taxas maiselevadas no Nordeste – é observado nas diver-sas variáveis de morbidade, padrão este con-sistente com a literatura que aponta associa-ção inversa entre condições de vida e saúde(Black et al., 1990; Marmot, 1986). Uma pos-sível limitação na qualidade das respostas dosentrevistados do Nordeste à variável ‘restriçãode atividades’, na pesquisa de 1989, pode ex-plicar os resultados obtidos, não sendo reco-mendável assumir que houve inversão no pa-drão de morbidade entre o Nordeste e o Su-deste no período de análise. Além disso, os da-dos da PNSN e da PPV também indicam queos indivíduos mais pobres têm maior chancede adoecer, padrão verdadeiro para ambos osperíodos nas duas regiões.

A comparação das taxas de utilização pa-dronizadas por idade e sexo entre regiões e/ougrupos sociais, com objetivo de verificar a exis-tência de desigualdades, deve ser controladapela presença ou não de morbidade, já que elaé um importante preditor de uso de serviçosde saúde e sua ocorrência varia entre as regiõese os grupos sociais (O’Donnell & Propper,1989). Isto pode ser verificado neste estudo,

Quadro 8Gasto médio domiciliar com plano de saúde e remédios segundo tercil de renda domiciliar per capita.

Gasto médio com Plano de Saúde Gasto médio com medicamentosTercil de renda Domicílios Gasto Renda média (a/b%) Domicílios Gasto Renda média (c/d%)domiciliar que referiram médio domiciliar médio domiciliar per capita gasto (R$) (a) (R$) (b) (R$) (c) (R$) (d)

Nordeste

1 25 98,7 267,2 36.9 917 9,22 279,64 3,302 40 181,5 920,0 19.7 448 14,67 689,00 2,133 221 371,2 4656,7 8.0 589 25,70 3163,76 0,81Total 286 321,0 3753,7 8.5 1954 15,36 1233,59 1,25

Sudeste

1 14 201.6 238,4 84.6 407 13,23 312,18 4,242 56 123.0 775,8 15.9 488 17,20 723,61 2,383 251 361.4 4408,9 8.2 1064 31,45 2889,24 1,09Total 321 312.8 3594,5 8.7 1959 23,73 1758,59 1,35

Fonte: IBGE–PPV, 1996/97.

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Figura 1Taxa proporcional de uso de serviços de saúde, padronizada por idade e sexo,por região, segundo tipo de estabelecimento, 1989.

Hospital

Posto/Centro

Clínica

Farmácia

Outros

Sudeste

Nordeste

0% 20% 40% 60% 80% 100%

já que as diferenças entre as regiões ficam evi-dentes após a incorporação na análise da va-riável morbidade. As desigualdades geográficasno consumo de serviços de saúde, desfavorá-veis ao Nordeste em 1989, tanto para as pes-soas que referiram morbidade como paraaquelas que não referiram, mantêm-se após aimplantação do SUS. Porém, os valores das ta-xas sugerem uma redução nas diferenças re-gionais entre os períodos estudados. Almeidaet al. (1999b) já tinham mostrado que, com re-lação às taxas de internação hospitalar, ocor-reu, entre 1993 e 1996, alguma redução nas de-sigualdades geográficas em favor do Nordeste.

Neste estudo também se demonstra que,ceteris paribus, as pessoas mais pobres têm me-nor chance de consumir serviços de saúdecomparativamente às mais ricas e que este pa-drão permanece entre os dois períodos anali-sados. Além disso, constata-se que as chancesde adoecer diminuem com o aumento da ren-da, o inverso ocorrendo com o consumo deserviços de saúde, fato verdadeiro para ambasas regiões e nos dois períodos de análise, in-dicando que o sistema de saúde brasileiro per-manece apresentando marcadas desigualda-des sociais, caracterizadas pelo fato de que aspessoas que mais necessitam têm menor chan-ce de receber atendimento. Mesmo assim, a di-minuição dos valores das razões de odds entre

os grupos de renda no ano de 1996/1997 su-gere que a política de saúde recente produziualgum impacto na direção de uma maior equi-dade.

A participação do seguro privado no sis-tema de saúde brasileiro também atua no sen-tido de acentuar as desigualdades no consu-mo de serviços de saúde descritas acima. A co-bertura de plano de saúde é dependente darenda, sendo expressivamente maior nos gru-pos com maior poder aquisitivo e entre os re-sidentes do Sudeste. Por outro lado, uma vezcontrolada a análise por idade, sexo e morbi-dade, as pessoas com planos de saúde apresen-tam maior chance de uso de serviços de saú-de comparativamente às pessoas que não têmplanos de saúde. Estes resultados estão em con-cordância com estudos que apontam o víncu-lo com planos de saúde como um importantefator na explicação de desigualdades no consu-mo de serviços de saúde Mueller (1998). Res-truturações recentes incorporadas ao setor deseguros privados de saúde nos Estados Unidostêm resultado em maior desigualdade no con-sumo de serviços de saúde neste país, que secaracteriza por ter o sistema de saúde menosigualitário dentre os países desenvolvidos(Kuttner, 1999).

Os dados disponíveis sobre o comporta-mento dos seguros privados no Brasil indicam

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Figura 3Taxa proporcional de uso de serviços de saúde, por tercil de renda familiar per capita, segundo tipo de estabelecimento.

Nordeste, 1989 Sudeste, 1989

Nordeste, 1996/7 Sudeste, 1996/7

3

2

1

3

2

1

3

2

1

3

2

1

0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

Hospital

Posto/Centro

Clínica

Farmácia/Outros

Figura 2Taxa proporcional de uso de serviços de saúde, padronizada por idade e sexo,por região e tipo de estabelecimento, 1996/7.

Hospital

Posto/Centro

Clínica

Farmácia

Outros

Sudeste

Nordeste

0% 20% 40% 60% 80% 100%

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que no período entre 1989 e 1996 houve umasignificativa expansão desse subsetor (Almei-da, 1998). Essa expansão se dá pari passu à im-plantação do SUS, contradizendo os princí-pios da reforma sanitária brasileira, ao acres-centar e acentuar as características seletivastanto geográficas quanto sociais com relaçãoà cobertura, à utilização e à estrutura de con-sumo.

A estrutura de consumo de serviços de saú-de, medida pela distribuição proporcional douso segundo o tipo de estabelecimento, mo-dificou-se bastante entre as duas pesquisas,em particular em função de um aumento im-portante na participação do hospital1 na cestade consumo de serviços de saúde. Este fenô-meno ocorreu em ambas as regiões e em to-dos os grupos de renda, com exceção do pri-meiro tercil no Sudeste, para o qual a partici-pação dos postos e centros de saúde aumen-tou substancialmente. O aumento da partici-pação dos hospitais na estrutura de consumofoi muito mais acentuado no Nordeste e nogrupo de mais baixa renda desta região.

A maior participação relativa dos serviçoshospitalares é aparentemente paradoxal poralguns motivos. Primeiro, as reformas seto-riais das décadas de 1980 e 1990, em geral, ob-jetivaram diminuir os gastos com a assistên-cia médica, o que implica buscar refrear o con-sumo hospitalar (Abel-Smith & Mossialos,1994; Almeida, 1995). Segundo, no Brasil, tam-bém foi implantada medida com o objetivo de

diminuir o volume de internações hospitala-res financiadas pelo SUS (Gouveia et al., 1997),o maior financiador desse tipo de cuidado nopaís – entre 1993 e 1996 houve redução das ta-xas de internação financiadas pelo SUS, quefoi muito mais acentuada no Sudeste (Almei-da, 1998). Terceiro, a cobertura de seguro pri-vado aumentou no período entre as pesquisas(Almeida, 1998), sendo que este setor apresen-ta, em geral, uma estrutura de consumo pau-tada por uma baixa participação de serviçoshospitalares em relação aos não hospitalares(Ginsburg & Pickreign, 1996), fato tambémobservado neste estudo, como será expostomais adiante.

Segundo os dados das pesquisas analisa-das neste trabalho, a variação da participaçãorelativa do hospital observada no Nordeste pa-rece refletir um aumento real no uso desse ti-po de estabelecimento, pois as taxas de utili-zação de hospitais nos períodos de referênciadas pesquisas dobraram entre 1989 e1996/1997 (3,53 e 7,13 por 100 habitantes res-pectivamente). Para o Sudeste o aumento ve-rificado foi muito menos importante (4,59 e5,58 por 100 habitantes respectivamente).

Considerando o exposto, os resultados ob-servados podem estar indicando que o aumen-to na participação relativa dos serviços hospi-talares se fez, predominantemente, através doaumento do uso de pronto-socorro ou de am-bulatório hospitalar, talvez estimulado pelaintrodução do pagamento por produtividade

Figura 4Taxa proporcional de uso de serviços de saúde, segundo cobertura por plano de saúde e tipo de serviço utilizado.

Nordeste, 1996/7 Sudeste, 1996/7

Não coberto

Coberto

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Não coberto

Coberto

0% 20% 40% 60% 80% 100%

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Posto/Centro

Clínica

Farmácia/Outros

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da atenção ambulatorial (Norma OperacionalBásica 01/1993), o que significaria uma mu-dança na estrutura do consumo em uma dire-ção mais ineficiente. Por outro lado, o uso ina-propriado de hospitais pode estar relaciona-do a problemas de acesso (Bindman et al.,1995). Esses resultados podem ser atribuídos àsdiferenças nos conceitos de tipos de estabele-cimento, na formulação das perguntas e nostempos de referência empregados em cadauma das pesquisas, isto é, o aumento relativodo uso de serviços hospitalares pode ser arte-fato dos dados utilizados neste estudo. O su-plemento saúde da PNAD de 1998 poderá per-mitir o aprofundamento e a elucidação de al-gumas destas questões.

Apesar das limitações constatadas, observa-se consistente variação na estrutura de consu-mo entre os grupos de renda, o que permiteafirmar que a ‘cesta’ de consumo de cada gru-po é distinta nas duas regiões e em ambos osperíodos analisados. O uso de postos e centrosde saúde diminui com o aumento da renda e,inversamente, o uso de consultório privado ede clínica aumenta com a renda. Por outro la-do, como citado anteriormente, o uso de ser-viços hospitalares tende a diminuir com o au-mento da renda. Os indivíduos cobertos porplano de saúde também apresentam estrutu-ra de consumo diferente dos indivíduos nãocobertos. Esta estrutura é semelhante à estru-tura do grupo de mais alta renda e caracteriza-se pela baixa participação relativa do hospitale alta participação de clínica e consultório pri-vado. Este padrão corresponde ao modelo as-sistencial dominante no subsetor de seguroprivado, no qual o uso de serviços hospitalaresé mantido sob controle pelas próprias opera-doras (Bodenheimer, 1999).

As variações sociais na estrutura de con-sumo de serviços de saúde, provavelmente,exprimem desigualdades na qualidade do tra-tamento recebido. Esta hipótese não pôde sertestada, pois dados de inquéritos populacio-nais são limitados para o estudo de desigual-dades na qualidade do tratamento. Porém, al-guns dados da PPV permitem abordar a ques-tão do acesso, como por exemplo, os queapontam que os mais pobres esperaram maisdo que o dobro do tempo para serem atendi-dos (82,52 minutos em média para o primei-ro tercil de renda e 34,88 para o terceiro ter-cil). A variação no tempo médio de espera en-tre os grupos sociais está associada à variaçãona ‘cesta’ de consumo destes grupos, na me-

dida que esse tempo não é o mesmo em todosos tipos de estabelecimentos: em média cer-ca de meia hora nas clínicas e consultórios pri-vados e de mais de uma hora nos outros esta-belecimentos. O tempo de espera para atendi-mento das pessoas com seguro privado é, emmédia, a metade do tempo das pessoas sem se-guro.

Como a chance de usar um determinadotipo de estabelecimento é associada à rendado indivíduo, assim como à cobertura por pla-no de saúde, estabelece-se a reprodução dasdesigualdades no interior do sistema de saú-de, na medida que as possibilidades de esco-lha no consumo de serviços estão limitadaspelos fatores citados.

A análise do gasto privado com planos desaúde e medicamentos demonstra mais umadimensão deste intricado processo de repro-dução das desigualdades no consumo de servi-ços de saúde. Apesar de os dados indicaremque o gasto com planos de saúde cresce com arenda, este resultado merece alguma reflexão,pois as diferenças observadas provavelmenteestão associadas a contratos distintos, maisrestritos nos casos dos que gastam menos. As-sim, os mais pobres pagam em média valoresinferiores, têm direito a um elenco mais redu-zido e menos diversificado de serviços, e o pe-so desse gasto na renda domiciliar tende a serexcessivamente alto.

Os gastos com medicamentos têm um pa-drão semelhante ao padrão de gastos com pla-no de saúde, o que significa que os mais po-bres, que têm mais morbidade e que portan-to teriam maior necessidade de consumir me-dicamentos, tendem a gastar menos com esteitem. A restrição ao consumo de medicamen-tos entre as pessoas com baixo poder aquisi-tivo fica evidente quando se verifica que o pe-so desse gasto na renda domiciliar é propor-cionalmente maior do que para as pessoas comrenda mais alta.

Conclusão

A análise aqui apresentada evidencia a enor-me complexidade do sistema de saúde brasi-leiro, constituído por vários mercados de ser-viços de saúde, estruturados segundo lógicasde oferta e demanda próprias e seletivas, que seimbricam de forma a agravar cumulativamen-te o quadro de desigualdades no consumo deserviços de saúde. Ao mesmo tempo em que

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se observa um movimento de tímida reduçãodos níveis de desigualdades no período anali-sado (1989-1996/1997), a situação atual ain-da está longe de atingir uma dinâmica franca-mente promissora de alcance de maiores grausde eqüidade.

Neste contexto, chama a atenção a insufi-ciência da produção de dados voltados para oacompanhamento da implementação das po-líticas, assim como a incipiência de estudossistemáticos voltados para a avaliação do siste-ma, dos modelos assistenciais e dos serviçosde saúde nesse processo de reforma. Inquéri-tos populacionais sobre condições de vida esaúde têm sido realizados periodicamente emgrande número de países, com maior ou me-nor freqüência, para orientar formulação daspolíticas públicas e a alocação de recursos. NosEstados Unidos, os tradicionais inquéritos demorbidade realizados desde a década de 1960passaram a ser complementados por inquéri-

tos sobre acesso e utilização de serviços de saú-de.2 Esse mesmo tipo de investigação vem sen-do feito no Reino Unido,3 Canadá,4 Suécia,5

Dinamarca6 e Jamaica,7 para citar algunsexemplos. Na América do Sul, a Colômbia, des-de a elaboração da proposta de reforma seto-rial nos anos 80, vem realizando vários inqué-ritos populacionais a fim de constituir umabase de dados para o acompanhamento e ava-liação das políticas de saúde em implantação.

A implementação dos princípios do SUS,como um sistema misto pautado na universa-lização do atendimento à saúde dos cidadãos,inscrita como direito constitucional, dependede uma regulação pública efetiva e da cons-trução de mecanismos capazes de criar maiorsolidariedade na contribuição financeira ne-cessária à manutenção de um sistema univer-sal, no qual o consumo seja orientado pelasnecessidades e não pela capacidade de com-pra dos indivíduos.

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Notas

* Este trabalho é um dos resultados do projeto A Refor-ma Sanitária Brasileira: em Busca da Eqüidade, coorde-nado por Célia Maria de Almeida, financiado pela Or-ganização Pan-Americana da Saúde.

1 Hospital, neste caso, representa não apenas interna-ção, mas também atendimento em pronto-socorro e emambulatório hospitalar

2 The National Health Interview Survey – conduzidoanualmente, foi a campo pela primeira vez em 1973, ten-do sido reformulado em 1985 e em1996.

3 General Household Survey – conduzido anualmenteem uma amostra de 20.000 pessoas residentes em do-micílios privados que incorpora aspectos relativos aouso de serviços de saúde e morbidade.

4 A Enquéte Santé Québec vem sendo conduzida des-de 1980. O questionário foi reformulado em 1987, 1993e 1998.

5 The Swedish Survey of Living Conditions, é levadaanualmente a campo desde 1974.

6 No Danish Health Interview Survey Program o levan-tamento foi a campo em 1987 e 1994.

7 Jamaica Survey of Living Conditions – as informaçõessobre saúde fazem parte do inquérito realizado em 1989.

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