Eu Não - Samuel Beckett

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  • 8/13/2019 Eu No - Samuel Beckett

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    EU NO

    BOCA....sair...para dentro deste mundo...este mundo...coisa pequenininha... antes dotempo... em um miserv... o qu?... menina?... sim... menina pequenininha...neste... sairpara entrar neste... antes de seu tempo... buraco miservel chamado...chamado...no

    importa...pais desconhecidos...no se ouviu (falar) deles... ele tendo desaparecido...evaporou... mal abotoou as calas ... ela do mesmo modo...oito meses depois...quase numinstante... logo sem amor... poupado... sem amor como o expressado normalmente ao... beb sem fala... no lar... sem... nem, de fato, por essa razo, qualquer um, de qualquer tipo...sem amor de qualquer tipo... em qualquer fase subseqente... um caso to tpico... nadanotado at chegar aos sessenta quando ... o qu?... setenta?... bom Deus!... chegando aossetenta... vagueando num campo... andando toa procura de primaveras... fazer uma bola... alguns passos e ento parar... olhar o espao... ento seguir... um pouco mais... parare olhar de novo... e assim por diante... andando sem rumo... quando de repente...gradualmente... tudo se foi... tudo naquela luz matinal de abril... e ela se viu no ... oqu?... quem?... no!.. ela!... [Pausa e movimentoI.]...viu-se no escuro... e se no

    exatamente...sem vida... sem vida... pois ela ainda podia ouvir o zumbido... assimchamado... nos ouvidos... e um raio de luz vinha e ia... vinha e ia... como a luz da lua ...oscilando...para dentro e fora da nuvem... mas to entorpecida... sentindo... sentindo-se toentorpecida... ela no sabia... em que posio estava... imagine!... em que posio elaestava!... se de p... ou sentada... mas o crebro... o qu?... ajoelhada?... sim... se de p...ou sentada... ou ajoelhada... mas o crebro... o qu?... deitada?... sim... se de p... ousentada... ou ajoelhada... ou deitada... mas o crebro ainda... ainda... de certa forma... poisseu primeiro pensamento foi... ah muito depois... lembrana repentina... criada como ela foipara acreditar... com os outros abandonados... em um Deus... [Risada.]...misericordioso[Gargalhada]... seu primeiro pensamento foi... ah muito depois... lembrana repentina... elaestava sendo punida... pois seus pecados... vrios dos quais... mais prova se fosse necessriaprova... passavam rpido por sua mente...um atrs do outro... ento descartado por seremtolos... ah muito depois... esse pensamento descartado... quando de repente ela percebeu...percebeu gradualmente... ela no estava sofrendo... imagine! ...sem sofrimento!...ela nopodia mesmo se lembrar... no queria... quando tinha sofrido menos... a no ser, claro,que deveria... estar sofrendo...ah! pensou estar sofrendo...justo na hora estranha ... na vidadela... quando claramente pretendia estar tendo prazer...de fato ela no estava tendo...omenor... e nesse caso, claro... essa noo de punio... por algum pecado ou outro... ou portodos juntos... ou por nenhuma razo particular... pelo prprio pecado... coisa que elaentendia perfeitamente... aquela noo de punio...que lhe ocorreu pela primeira vez...criada para acreditar... como os outros abandonados... em um Deus... [Risada]misericordioso... [Gargalhada]... Deus...lhe ocorreu pela primeira vez... entodescartou...como tolice... talvez no fosse tanta tolice... afinal... e assim ia... tudo aquilo... justificativas vs... at que outro pensamento... ah, muito depois... lembrana repentina...muito tola, realmente, mas... o qu?..o zumbido?.. sim... o zumbido o tempo todo... assimchamado... nos ouvidos... embora claro, realmente... no nos ouvidos de todos... nocrnio... barulho montono no crnio... e o tempo todo esse raio ou claro... como oluar...mas provavelmente no... certamente no... sempre o mesmo ponto... agora brilhante... agora encoberto... mas sempre o mesmo ponto... como lua nenhuma podia...no... lua nenhuma... simplesmente tudo parte do mesmo desejo de... atormentar... emborarealmente, de fato... nem um pouco... nenhuma pontada... at aqui...ha!... at aqui... esseoutro pensamento ento... ah muito depois... lembrana repentina... muito tola realmentemas como ela... de uma forma... que ela poderia fazer bem em... gemer... comear e parar...contorcer-se ela no podia... como se em real agonia... mas no podia... no podia trazerpara si... uma falha em sua montagem... incapaz de enganar.. ou a mquina... mais

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    provavelmente a mquina...to desconectada...nunca recebeu a mensagem... ou semenergia para responder... to amortecida... no podia fazer o som... qualquer som... nenhumsom de qualquer tipo...nenhum grito de ajuda por exemplo... se ela se sentisse toinclinada... gritar... [Gritos]... ento ouvir... [Silncio]... gritar de novo... [Gritos de novo]...ento ouvir de novo... [Silncio]... no... dispensou aquilo... tudo silencioso como o

    tmulo... nenhuma parte... o qu?.. o zumbido? sim... tudo silencioso, apenas ozumbido... assim chamado... nenhuma parte dela se movendo... que ela pudesse sentir... sas plpebras... presumivelmente... abrindo e fechando... apagam a luz... reflexo, eleschamam a isso... sem sentimentos de qualquer tipo... mas as plpebras... mesmo nosmelhores dias... quem as sente?... abrindo...fechando... toda aquela umidade...mas ocrebro ainda...ainda suficientemente... ah muito!...neste estgio... em controle... sobcontrole... para questionar mesmo isso... pois naquela manh de abril... assim eleraciocinou... naquela manh de abril... ela estava fixando seu olho... um sino distante...enquanto ela apressou-se at ele... fixando o olho nele... com medo que ele a enganasse...nem tudo tinha desaparecido ... toda aquela luz... de si... sem qualquer...qualquer... porparte dela... e assim ia... e assim ia, raciocinava... questionamentos vos... e todos mortos

    imveis... docemente silentes como o tmulo... quando de repente... gradualmente... elaperceb... o qu?... o zumbido? sim... tudo imvel, morto; apenas o zumbido... quando derepente ela percebeu... as palavras eram... o qu?... quem?... no!... ela!.. [Pausa emovimento 2.]... percebeu... as palavras estavam vindo...imagine!... palavras vinham... uma voz que ela no reconheceu no incio, desde que tinha soado... ento finalmente teve deadmitir... no poderia ser outra... seno ela prpria... certos sons de vogais... ela nunca ostinha ouvido... em outro lugar... ento as pessoas olhariam... as raras ocasies... uma ouduas vezes por ano...sempre inverno uma estranha razo... olhar para suaincompreensvel... e agora este fluxo... fluxo contnuo... ela que nunca tinha... pelocontrrio... praticamente emudecida... todos os seus dias... como ela sobreviveu!... mesmocompras... sair para as compras... centro de compras movimentado... supermerc...a mo nalista... com a sacola... a velha sacola preta de compras... ento ficar l esperando... por umtempo... meio da multido... imvel... olhando para o espao... a boca semi-aberta como decostume...at que ela estava de volta em sua mo... a sacola de volta em sua mo...entopagar e ir... no muito mais que at logo... como ela sobreviveu!... e agora este fluxo... semcaptar a metade dele... nem um quarto... nenhuma idia... o que ela estava dizendo...imagine! nenhuma idia que ela estivesse dizendo!... at que ela comeou a tentar...enganar-se... no era dela... no era a voz dela... e sem dvida teria... vital ela devesse...estava a ponto de... depois de longos esforos... quando de repente ela sentiu...gradualmente ela sentiu...seus lbios se mexendo... imagine!... seus lbios semexendo!...como claro at ento ela no tinha... e no s os lbios... as bochechas... asmandbulas... a face toda... todas aquelas... o qu?... a lngua?... sim... a lngua na boca...todas aquelas contores sem as quais... nenhuma fala possvel... e no entanto da maneiracomum... no sentidas... ento a primeira inteno ... sobre o que se est dizendo... o sertodo... pendurando-se em suas palavras... de modo que no s ela tinha... se ela tivesse...no s ela tinha... desistir... admitir a dela sozinha... sua voz s... mas esse outropensamento estranho... ah muito depois... lembrana repentina...ainda mais estranho sepossvel... aquele sentimento estava voltando... imagine! sentimento voltando!...comeando em cima... ento descendo... a mquina toda... mas no... desperdcio... a bocas... at aqui... ah! at aqui... ento pensando... ah muito depois... lembrana repentina...no pode continuar... tudo isto... tudo aquilo... fluxo contnuo... esforando-se para ouvir...fazendo alguma coisa disso... e os prprios pensamentos dela... fazendo alguma coisadeles... tudo... o qu? o zumbido?... sim... o zumbido o tempo todo... assim chamado...tudo aquilo junto... imagine! o corpo todo como se (tivesse) ido... s a boca... lbios... bochechas... mandbulas... nunca... o qu?... lngua? sim... lbios... bochechas...

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    por tempo suficiente... ento perdoada... de volta no... o qu?... tambm no isso?...nadaa ver com isso tambm?... nada que ela pudesse pensar?... tudo bem... nada que ela pudessedizer... nada que ela pudesse pensar... nada que ela... o qu?... quem?... no!...ela!...[Pausa e movimento 4.]... coisa pequenininha... sada antes de seu tempo... buracomiservel... sem amor... poupado... emudecida todos os seus dias... praticamente

    emudecida... mesmo para ela mesma... nunca em voz alta... mas no completamente... s vezes um impulso repentino...uma ou duas vezes ao ano... sempre inverno por alguma razoestranha... as noites longas... horas de escurido... impulso repentino de... dizer... entoapressar-se para parar a primeira vez que viu... o lavatrio mais prximo... comear atransbordar... fluxo contnuo... coisa louca... metade das vogais erradas... ningumconseguia acompanhar... at que ela viu o olhar que estava recebendo... ento morrer de vergonha... afastar-se de mansinho... uma ou duas vezes por ano... sempre inverno poralguma razo estranha... longas horas de escurido... agora isto... isto... mais e maisrpido... as palavras... o crebro... tremulando como louco... agarrar rpido e .. nada l... emalgum outro lugar... experimentar outro lugar... o tempo todo alguma coisaimplorando...alguma coisa nela implorando... implorando a tudo para parar... no atendida

    ... orao no atendida...ou no ouvida... fraca demais... e vai... continua... tentando... semsaber o qu... o que ela estava tentando... o que tentar... o corpo todo como se (tivera) ido...apenas a boca... como que enlouquecida... e vai... continua...o qu?... o zumbido?... sim...o tempo todo o zumbido... barulho montono como queda dgua... no crnio... e os raios... vasculhando algo... indolor... at aqui... ha!... tudo isto... continua... sem saber o qu?... oque ela estava... o qu?... quem?... no!... ela!... ELA!... [Pausa.]... o que ela estavatentando... o que tentar... no importa... continua... [As cortinas comeam a descer]...encontrar uma soluo no final... ento voltar... Deus amor... piedades generosas... novas,todas as manhs... de volta ao campo... manh de abril... face na grama... nada, s ascotovias... retomar [Desce a cortina. Casa escura. Voz continua por trs da cortina, ininteligvel, 10 segundos,cessa quando as luzes se acendem.]