ERICA BEATRIZ DA SILVA OLIVEIRA Matrícula: k213580 … · enfraquecimento das Metrópoles, a...
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O MERCOSUL E O IMPASSE DA SUPRANACIONALIDADE: REFLEXOS
INERNOS E INTERNACIONAIS DA REGIONALIZAÇÃO. UMA PERSPECTIVA
PARA A UNASUL
ERICA BEATRIZ DA SILVA OLIVEIRA
Matrícula: k213580
Orientador: Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2010.1
O MERCOSUL E O IMPASSE DA SUPRANACIONALIDADE: REFLEXOS
INERNOS E INTERNACIONAIS DA REGIONALIZAÇÃO. UMA PERSPECTIVA
PARA A UNASUL
ERICA BEATRIZ DA SILVA OLIVEIRA
Matrícula: k213580
Orientador: Francis Rajzman
Banca Examinadora:
Rio de Janeiro
2010.1
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo discutir a possibilidade de constituir-se, no
âmbito da UNASUL, uma ordem jurídica nos mesmos moldes da Comunidade
Européia, i.e., autônoma e hierarquizada frente ao sistema jurídico interno dos
Estados-Partes, observando-se a questão da soberania vigente nos países que
integram este bloco regional.
O exame aqui desenvolvido não tem a pretensão de chegar a uma conclusão
definitiva sobre a questão. Trata-se, apenas, de reflexões apartir da constituição
do Mercosul, como um dos processos de integração mais eficientes da América do
Sul, fazendo-se um breve paradigma com a União Européia.
Neste sentido, a questão que se apresenta é: como se concretizará, à luz das
Constituições vigente nos Estados-partes e da questão de soberania neles
vigente, uma ordem jurídica supranacional, que leve à completa integração dos
países envolvidos no processo de integração almejada pelo Mercosul, a fim de
que possa ser este o caminho para o sucesso da UNASUL?
ABSTRACT
This paper aims to discuss the possibility of becoming, within the UNASUR, a legal
order in the same manner as the European Community, ie, autonomous and
hierarchical front of the domestic legal system of States Parties, noting the issue of
sovereignty prevailing in member countries of Mercosur.
The test developed here is not intended to reach a definitive conclusion on the
issue. It is only reflections of the starting formation of Mercosur as an integration
processes more efficient in South America, making a brief paradigm with the
European Union.
In this sense, the question that presents itself is: how will materialize in light of the
constitutions in force in the States Parties and the question of sovereignty in place
in a supranational legal order, leading to the complete integration of the countries
involved in the process of integration desired by Mercosur, in order that it may be
the way to the success of UNASUR?
SÍMBOLOS, ABREVIATURAS E SIGLAS
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
ALALC – Associação Latino – Americana de Livre Comércio
CE – Comunidade Européia
EU – União Européia
GATT - Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (em inglês: General
Agreement on Tariffs and Trade)
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
OMC – Organização Mundial do Comércio
POP – Protocolo de Ouro Preto
TA – Tratado de Assunção
UNASUL – União de Nações Sul-Americanas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO 1: ASPECTOS HISTÓRICOS DO MERCOSUL
1.1 – O pós-guerra e o fenômeno da globalização: processos regionais no mundo
– As primeiras integrações na América Latina 9
1.2 - A constituição do Mercosul 12
CAPÍTULO 2: A INTEGRAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL DO MERCOSUL
2.1 – A estrutura institucional 22
2.2 – Os Estados-partes e a soberania política 27
2.3 – A união aduaneira imperfeita 30
CAPÍTULO 3: A SUPRANACIONALIDADE COMO SOLUÇÃO PARA O AVANÇO
DO MERCOSUL
3.1 – O exemplo da União européia 32
3.2 – A possibilidade de integração supranacional no Mercosul 34
3.3 – O impasse pela busca de um direito comunitário 40
3.4 A UNASUL 42
CONCLUSÃO 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS 46
INTRODUÇÃO
Em face as atuais mudanças decorrentes, em grande parte, ao fenômeno da
globalização, desencadeado na Revolução Francesa (1879), marcado pelo
fenômeno das Grandes Guerras (Séc. XX), o estabelecimento da ONU (1945) e o
antagonismo mundial (Guerra Fria), as relações internacionais estabelecidas entre
países deram origem à criação de blocos regionais, e surge, então, o
questionamento sobre a soberania dos Estados. Neste hodierno contexto
internacional encontra-se a justificativa para a presente pesquisa: Como manter a
soberania dos Estados nos processos de integração regionais econômicos ? Por
certo, há que se observar a concessão dos Estados de parte de sua soberania
para a regulamentação de certas matérias para o âmbito interno e internacional.
Destarte, a questão da soberania nos processos de integração da América Latina,
principalmente no Mercosul, visto ser este o processo de integração dos mais
promissores da região, encontra naquela um verdadeiro obstáculo na
consolidação nos objetivos traçados desde a criação da ALADI , qual seja, a
busca pela integração da região latino-americana, visando garantir seu
desenvolvimento social e econômico que, por sua vez, a fim de dar continuidade à
tal objetivo, surge no atual contexto internacional, a UNASUL, buscando construir
uma zona de livre comércio continental que unirá as duas grandes organizações
de livre comércio sul-americanas, Mercosul e Comunidade Andina de Nações,
além do Chile, Guiana e Suriname, nos moldes da União Européia.
Desta sorte, a presente pesquisa contribuirá, ao passo que demonstrará a
importância existente em torno da soberania nos Estados – membros do Mercosul,
sua afetação no progresso do processo de integração, uma vez que ausente
órgãos supranacionais, e de que maneira isto poderá ser um impasse para a
concretização da UNASUL, posto que almeja consolidar-se no padrão da União
Européia, esta por sua vez baseada na cessão da soberania e constituída por
órgãos supranacionais.
CAPÍTULO 1: ASPECTOS HISTÓRICOS DO MERCOSUL
1.1 – Os fomentos dos processos de integração nas América Latina: da
pós-independência ao fenômeno da globalização
A colonização ibérica na América do Sul interessava-se apenas pelas vantagens
propiciadas pelas riquezas do continente (ouro, prata, cana-de-açúcar), levando a
Espanha imperialista a impor um sistema colonial de trabalho forçado, com mão-
de-obra indígena nas minas peruanas, sem prejuízos das encomiendas e
repartimiento. Tais atividades ocorreram em condições análogas com o Brasil, à
época da colonização portuguesa, introduzida com as Capitania Hereditárias.
Este sistema implementado nas Américas, plantation, não era propício à um
ambiente familiar, sendo assim apenas enviado os homens, ensejando a
miscigenação com os nativos das regiões. Posteriormente, buscando o aumento
da mão-de-obra, os escravos trazidos da África foram introduzidos, mudando a
vertente da miscigenação.
Na outra extremidade encontrava-se a Europa (Portugal, Itália, Alemanha e
Espanha), o Oriente Médio (Líbano e Síria) e Ásia (China e Japão) com crises
econômicas e problemas de superpopulação levou ao movimento de imigração em
massa, a partir do século XIX, propiciando miscigenação entre as várias nações.
Assim, o continente Americano, principalmente a América Latina, foi marcado pelo
multiculturalismo, com a absorção dos valores externos oriundo das nações dos
diversos países, sendo estas as vantagens para o processo de integração
regional.
Com o advento do iluminismo e a Revolução Francesa e o conseqüente
enfraquecimento das Metrópoles, a popularização dos ideais da independência e o
slogan Liberté, Egalité, Fraternité, inspirou líderes latinos como Simon Bolívar, San
Martin e O’Higgins, na busca pela independência das Metrópoles, tendo o Brasil a
aclamado por D. Pedro I. Assim, o cenário na América Latina passa a constituir-se
pelas seguintes mudanças: Paraguai independente em 1811, Argentina em 1816,
Chile em 1818, Brasil em 1822, Bolívia em 1825 e Uruguai em 1828.
Entretanto, diante deste cenário de independência, as elites regionais (fator
primordial para as integrações), viam-na como verdadeira ameaça a sua
dominação, incitando, assim, movimentos separatistas e guerras, a fim de
consolidar fronteiras e países.
No século XX, o fervor nacionalista dos militares, com o domínio absoluto dos
territórios, sobre o pretexto de eliminar os ideais comunistas, alçaram entraves aos
movimentos de integração. Destarte, nos anos 70 e 80 generais dominavam os
diversos Estados, dentre os quais Brasil (Médici, Geisel e Figueiredo), Argentina
(Videla, Viola, Galtieri e Bignome), Paraguai (Stroessner), Uruguai (Aparício,
Mendez e Gregório Alvarez), Chiel (Pinochet).
A questão mais aparente foi referente ao Canal de Beagle, uma região que divide
a Argentina e o Chile na Terra do Fogo. Em 1977 a Inglaterra realizou um laudo
arbitral que considerou chilenas as ilhas, abrindo para este país o acesso
ao oceano Atlântico. Esse laudo quase levou os dois países a guerra em 1978,
pois a arbitragem foi repudiada pela Argentina, sendo então proposta, em 1978,
uma mediação pelo Vaticano, ficando o Chile com as ilhas Nueva, Picton e
Lennox, além de controlar o canal de Drake e a Argentina passou a controlar o
mar territorial Atlântico e seus recursos pesqueiros e petrolíferos.
Com o fim da guerra e a institucionalização da bipolaridade mundial, o fenômeno
da globalização, desencadeado por precedentes históricos tais como o
imperialismo, observando-se uma interdependência mundial entre os Estados e
suas economias. Entretanto, a América Latina apresenta-se como uma região
internacionalmente isolada, conectada ao mundo unicamente pelos Estados
Unidos da América. Destarte, os Estados Unidos passa a influenciar as
constantes mudanças de governo, a exploração dos recursos regionais,
modificação das tradições culturais, subordinação tecnológica, submissão
ideológica e intervenção militar, ao passo que a América Latina submete-se a esta
servidão em troca do alcance ao mercado mundial.
Entretanto esse quadro foi sofrendo modificação a partir dos anos 70, tendo em
vista a transformação do cenário internacional mediante a formação de novos
centros de poder mundial, a ampliação da Comunidade Européia, o ingresso do
Japão na competência tecnológica mundial, a gravitação econômica e política da
China, a organização de movimentos por países não-alinhados e a transformação
dos países latino-americanos, entre outros aspectos.
A interdependência entre os Estados se fez cada vez mais presente, incitando as
alternativas para o seu fortalecimento, com a reunião desses Estados em
formação de blocos econômicos ou comunidades, na perspectiva de se assegurar
um mercado comum, próprio e protegido das concorrências transnacionais, tais
como a Comunidade Européia, o Mercosul, o Nafta, os Tigres Asiáticos, dentre
outros, sendo uma maneira de afastar a influência das grandes potências e a
entrada na acirrada concorrência mundial.
Logo, apesar de constituírem aspectos concomitantes, devem ser percebidos as
diferenças existentes entre a globalização e o processo de regionalização, seno
aquele um processo de disputa ao controle dos principais mercados consumidores
do mundo, uma verdadeira guerra entre as empresas transnacionais, e sendo a
integração a constituição de blocos regionais com o objetivo político comum de
estabelecer e manter seus próprios mercados, protegidos no espaço delimitado
pelos Estados-membros.
A recente modificação no conceito de integração, fenômeno amplamente difundido
dentre os países Latino-americanos, explica-se pelas necessidades surgidas entre
os Estados que formam o bloco, tais como, estabelecer políticas
macroeconômicas, propiciar a cooperação tecnológica, entabular projetos
comuns de investimentos recíprocos em transporte, comunicação, educação e
segurança.
1.2 – As primeiras integrações na América Latina
Os processos de integração surgiram no cenário internacional, sobretudo, após a
Segunda Guerra Mundial, inserindo-se no conflito entre o protecionismo e o
liberalismo comercial, inerente às nações mais avançadas. Conseqüentemente
com o fim da guerra fria, o mundo se reorganiza geograficamente, com a
aproximação de alguns Estados estruturando-se em blocos, a exemplo da
América Latina e da Europa.
Em 1948, foi criada a CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina,
constituindo-se o primeiro movimento na América Latina em um contexto de
proteção global por meio de integração entre os Estados. Em 1950, a Cepal
modifica-se posto que institui o conceito de cooperação regional. Em 1956,
retoma-se a idéia de criação de um "mercado regional" na América do Sul com o
escopo de tornar mais célere o processo de industrialização.
A Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC foi uma tentativa mal
sucedida de integração comercial da América Latina, implementada pelo Tratado
de Montevidéu de 1960. Os membros
eram Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru, e Uruguai. Posteriormente
aderiram Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela, cujo objetivo era a criação de
um mercado comum latino – americano (art. 54).
A ALALC estava amparada pela cláusula XXIV do GATT, que autoriza as partes
contratantes a concertar acordos tendentes ao estabelecimento de zonas de livre
comércio ou de uniões aduaneiras, representando pois, uma exceção ao princípio
da cláusula de nação mais favorecida, cuja finalidade era garantir que estes
acordos facilitem o comércio entre os países integrantes, sem criar obstáculos ao
comércio internacional.
O fracasso resultou de objetivos demasiadamente ambiciosos e irreais; diferenças
de níveis de desenvolvimento entre os diversos países; benefícios se
concentravam nos países maiores; instabilidade política nos Estados;
heterogeneidade das políticas econômicas; ausência da vontade política para
impulsionar a integração da região e de um quadro institucional adequado.
Em 1969 surge com o Acordo de Cartagena a CAN – Comunidade Andina de
Nações,cujo formação contempla o Chile, a Colômbia, a Bolívia, o Equador e o
Peru, que firmam alianças por divergirem dos rumos da ALALC.
A CAN tinha por objetivo promover a integração econômica entre os países
andinos da América do Sul, incluindo a harmonização de políticas econômicas e a
coordenação de planos de desenvolvimento, bem como a eliminação de barreiras
alfandegárias e restrições nas importações, além da criação de uma tarifa externa
comum e a integração física, no intuito deformar uma comunidade integrada.
Em 12 de agosto de 1980, foi assinado o novo Tratado de Montevidéu, criando a
ALADI (Associação Latino – Americana de Integração), que substituiu e deu
continuidade ao processo iniciado pela Associação Latino Americana de Livre
Comércio (ALALC), sendo Estados – Partes a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Cuba,que
ingressou em 06.11.1998.
A ALADI possui mecanismos de integração mais flexíveis, permitindo a celebração
de acordos parciais entre seus membros (bilaterais ou multilaterais), inclusive com
países não-membros e que a associação participasse como instituição nos
movimentos de cooperação horizontal entre países em vias de desenvolvimento.
Assinatura do Tratado de Montevidéu de 1980 ocorreu conforme as condições da
Cláusula de Habilitação do art. XXIV do GATT, reconhecendo a possibilidade de
um tratamento tarifário e não tarifário preferencial em benefício dos países em
desenvolvimento, como característica jurídica permanente do sistema de comercio
mundial. Estabelece uma base jurídica permanente para a aplicação do sistema
generalizado de preferências (SGP) pelos países desenvolvidos aos países em
desenvolvimento e permite a concessão de tratamento comercial especial aos
países de menor desenvolvimento.
O Tratado de Montevidéu também se aplica aos acordos regionais concluídos
entre partes contratantes em desenvolvimento, com objetivo de reduzir ou eliminar
mutuamente tarifas. Devido á Cláusula de Habilitação os países (em
desenvolvimento) da ALADI podem outorga-se reciprocamente tratamentos
preferenciais , sem estar obrigados a estendê-los automaticamente ás demais
partes contratantes do GATT, o que confere ao sistema flexibilidade operativa
muito mais ampla.
Entretanto, a principal inovação trazida pelo Tratado de Montevidéu encontra-se
no art. 20, o qual possibilita a adesão dos demais Países da ALADI, após um
prazo de 5 anos (para os Estados que fizessem parte de outro esquema de
integração), bem como pelo art. 27, que autoriza a celebração de acordos parciais
de livre comercio com países ou respectivas áreas de integração de fora da
América Latina, sem que estejam vinculados à cláusula da nação mais favorecida,
desde que os países contratantes sejam todos países em desenvolvimento. Logo,
no âmbito da ALADI, há uma série de acordos que estão em vigor e estão
amparados pelo Tratado de Montevidéu de 1980, sendo classificados como:
acordos regionais (conformados pela totalidade dos Estados-partes) e; acordos de
alcance parcial (conformados entre alguns Estados-partes e, inclusive, entre
alguns países-membro e países não-membros ou outros blocos regionais), como o
Tratado de Assunção.
1.3 - A constituição do Mercosul
As primeiras tratativas de união aduaneira entre o Brasil e a Argentina iniciaram-se
na década de 1940, estendida aos demais países da região. Entretanto, tal projeto
não teve continuidade, tendo em vista que Brasil e Argentina caminhavam na
contramão em relação a sua relação político-militar, bem como detentores de um
plano estrutural com assimetrias econômicas, baixa composição industrial e o
caráter excêntrico de suas respectivas parcerias comerciais externas.
Na década de 50 o projeto foi renovado por iniciativa da Argentina, como uma
espécie de segundo “Pacto ABC1”, mas novamente as diferenças política e as
relações diplomáticas entre os governos da Argentina, do Brasil e do Chile, no
1 O Pacto do ABC tem seu nome pelas iniciais dos países, Argentina, Brasil e Chile, que assinam um acordo em15 de maio de 1915 para formar a cooperação exterior a não agressão e arbitragem.
contexto da Guerra Fria, encerraram esta tentativa de caráter mais hegemônico do
que propriamente econômico ou comercial. Desta sorte, com a implementação da
CEPAL e do inicio do processo de integração na Europa – o Mercado Comum
Europeu, incitaram o Brasil e a Argentina a retomarem o projeto integracionista.
Após duas décadas de objetivos conflitantes entre Brasil e Argentina,
principalmente no aproveitamento do recursos hídricos da Bacia do Prata e de
uma competição militar sem qualquer fim político, altamente custosa e prejudicial
as relações diplomáticas, uma vez que envolvia projetos nucleares sem qualquer
correspondência com a realidade estratégica e de segurança da região e no plano
global, decidiram retomar tratativas de forma progressiva para a implementação
do mercado comum bilateral, como proposto na década de 50.
Ressalte-se que em razão das determinações do GATT, à época era impossível
estabelecer uma simples área de preferências tarifárias entre os países da região
ou mesmo concluir um pacto comercial bilateral mais avançado entre Brasil e
Argentina, razão pela qual necessitou-se adotar o formato de uma zona de livre
comercio, consubstanciada na ALALC (Associação Latino-Americana de Livre
Comércio), criada pelo Tratado de Montevidéu de 1960.
Nos anos 80 a reaproximação entre Brasil e Argentina foi possível graças ao novo
contexto de redemocratização política a ao novo Tratado de Montevidéu de 1980,
que criou a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), sucessora da
ALALC, e da cláusula de habilitação do GATT.
O movimento integracionista, cuja participação estendeu-se aos demais países da
região, ocorreu desde o Programa de Integração e de Cooperação Econômica
(1986) organizados pelos diplomatas do Brasil e da Argentina, sob o governo de
Jose Sarney e Raul Alfonsin , o Tratado de Integração (1988), até a Ata de
Buenos Aires de julho de 1990. Os fundamentos empíricos do processo de
integração nesta fase combinava elementos “dirigistas” da experiência comunitária
européia (a constituição de um mercado comum com o estabelecimento de
políticas setoriais comuns, orientadas para a consolidação de estruturas
produtivas locais) com a cobertura parcial típica dos esquemas preferenciais da
ALADI (seleção de setores para a redução progressiva das barreiras tarifárias e
não-tarifárias).
Este modelo demonstrava claramente os seus objetivos de complementaridade
industrial, mas ocasionava igualmente a desvantagem de requerer a negociação
de acordos específicos (parciais) para o estabelecimento do objetivo do mercado
comum em dez anos (1989 a 1998). Contudo, a idéia do Mercosul já estava
lançada, bem como as suas estruturas intergovernamentais. Em razão das
relações internacionais e regionais, as políticas externas do Brasil e da Argentina
passaram a estar associadas e interconectadas, mesmo que tais políticas
divergissem drasticamente. Porém, a implementação do novo sistema de
integração, iniciada pelos dois países representou mudança relevante no cenário
estratégico da América do Sul.
A estrutura política e econômica, interna e externa, do Cone Sul mudou
significativamente no período compreendido entre 1985 a 1990. Entretanto o
desafio para a implementação do processo de integração ocorreu pelas difíceis
negociações da Rodada Uruguai para a liberalização do acesso a mercados e
para a regulação de setores não cobertos ou insuficientemente cobertos pelas
regras do GATT (serviços, investimentos, propriedade intelectual, agricultura,
têxteis). A entrada em vigor do acordo de livre comércio entre o Canadá e os
Estados Unidos (1989), a perspectiva de uma “fortaleza para a Europa” apartir de
1993, por iniciativa do Ato Único Europeu (1986), assim como a não conclusão da
Rodada Uruguai, atuaram de maneira decisiva na implementação do Mercosul.
O fator político decisivo para a formatação do Mercosul ocorreu durante o governo
inicial de Fernando Collor de Mello e Carlos Menem, cujo compromisso político foi
buscar o aprofundamento e a aceleração do Brasil e da Argentina, reduzindo para
quatro anos os prazos e as modalidades previstas no Tratado de 1988,
referendado na Ata de Buenos Aires de 1990, afetando também o caráter do
processo de integração. O ideal “dirigista e flexível” foi substituído por uma
natureza “livre-cambista” e o “desmantelamento” de barreiras existentes passou a
ocorrer de forma automática.
Diante desta estrutura concluiu o Chile que não poderia ingressar no processo de
integração de mercado comum cujos pressupostos tarifários iam à contramão de
seu perfil de 11%, enquanto o Brasil e a Argentina detinham uma tarifa de 40% a
100%, decidindo por deixar de ingressar no novo esquema sub-regional. Por sua
vez, o Paraguai, após o fim de uma longa fase ditatorial, incorpora-se ao esquema
com o apoio do Brasil, uma vez que este tinha interesse em disciplinar o comércio
ilegal na fronteira entre ambos.
Assim, após seis meses de intensas negociações entre os quatro países da
América do Sul, chegou-se ao Tratado de Assunção. Todo o esquema livre-
cambista seguia o pré-determinado no Tratado de Integração Bilateral de 1988 e
na Ata de Buenos Aires de 1990, acrescentando uma lista de produtos sensíveis
concedidas aos dois novos sócios menores. Destaque para a preservação da
reciprocidade política e total entre os Países – membros e a igualdade de direitos
e obrigações entre eles, sendo o Brasil o representante de 70% de sua massa
física, em termos de território, população, produto e comércio exterior.
Desta sorte, estava constituído o Mercosul, com um tratado para a constituição de
um mercado comum para Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com um projeto
ambicioso em prazos e natureza dos compromissos assumidos (harmonização de
políticas setoriais e coordenação de política macroeconômicas.
Em 17 de dezembro de 1994, os Estados-partes se reuniram na cidade de Ouro
Preto, firmando o Protocolo de Ouro Preto (POP), instituindo a nova estrutura
jurídico-institucional do Mercosul, composta por um conjunto de órgãos que
respondem pela autonomia funcional desta organização.
1.6.1. A Entrada da Venezuela
A Venezuela ingressou recentemente no Mercosul com a aprovação pela
Argentina e pelo Uruguai do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da
Venezuela, tendo o Senado brasileiro aprovado a sua entrada como Estado –
membro no dia 29.12.2009, aguardando apenas a aprovação do Paraguai, uma
vez que os quatro países-membros do Mercosul têm que avalizar o ingresso da
Venezuela para que o país possa efetivamente integrar o bloco econômico.
No Brasil, apesar da oposição ser contrária à adesão da Venezuela no Mercosul,
os governistas conseguiram mobilizar senadores da base aliada para aprovar a
matéria por 35 votos favoráveis e 27 contrários. A oposição é contra o ingresso da
Venezuela no Mercosul por considerar que o presidente do país, Hugo Chávez,
coloca em risco a democracia no bloco econômico. Os oposicionistas criticaram,
em especial, o fato de Lula já ter anunciado que o Senado iria aprovar o ingresso
da Venezuela no bloco econômico. Os governistas, por sua vez, defendem a
integração da Venezuela porque consideram que Chávez não ficará no comando
do país para sempre --por isso deve integrar o bloco econômico.2
O texto aprovado pelo Senado brasileiro deverá ainda contra com a ratificação dos
presidentes dos demais Estados-membro do Mercosul – Argentina, Paraguai e
Uruguai – e a posterior aprovação dos respectivos parlamentos , instante ao qual 2 GUERREIRO, Gabriela. Senado aprova entrada de Venezuela no Mercosul. Em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u666908.shtml, Acessado em 28.01.2010
poderão ser consideradas consolidadas formalmente todas as etapas para o
ingresso pleno da Venezuela no bloco.
Outrossim, o Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela já lhe
subrroga os mesmos direitos e obrigações inerentes aos demais Países-parte,
referente ao Tratado de Assumpção, Protocolo de Ouro Preto e o Protocolo de
Olivos.
Ressalte-se ainda que, consoante as regras deste protocolo, em 2010, as tarifas
sobre a importação de produtos oriundos da Venezuela deixarão de ser cobrados
pelo Brasil e a Argentina, à exceção de uma lista de mercadorias sensíveis, e, em
2012, as exportações brasileiras e argentinas, exceto produtos sensíveis, entram
com tarifa zero na Venezuela.
Destarte as vantagens atribuídas ao Paraguai e ao Uruguai, em razão de sua
proporção econômica ante o Brasil e a Argentina, as tarifas serão zeradas desde a
assinatura do protocolo, delimitando-se ainda um prazo de até quatro anos para
que a Venezuela se adapte às principais regras aduaneiras do Mercosul, como a
adoção da TEC e todo o acervo normativo do bloco.
A adesão representa um marco histórico para o Mercosul, proporcionando a
ampliação do Mercosul e um avanço para a América Latina no processo de
integração econômica da região. Desde a criação do bloco regional pelo Tratado
de Assunção, em 1991, a Venezuela é o primeiro país a aderir ao tratado,
quebrando um “jejum” de quase 20 anos.
Desta sorte, a inserção do país poderá despertar o interesse de outros países
para vir a se unir ao Mercosul, tal como a Bolívia, o Chile e o México, além da
perspectiva de inclusão da Colômbia, do Peru e do Equador, expandindo-se o
bloco para toda a América Latina e, quiçá seguir os passos da União Européia.
A adesão e o interesse dos demais países da América Latina, além de representar
novos desafios que podem contribuir com o fortalecimento da integração regional,
por certo afastará a expectativa de países menores nos tratados de livre comércio
(TLC) com os Estados Unidos, que limitam as margens de autonomia dos Estados
e por vezes conspiram contra o aperfeiçoamento da união aduaneira em que se
encontra atualmente o Mercosul.
Assim, agrega-se ao Mercosul uma Venezuela que representa a terceira economia
da América do Sul, consubstanciando 75% do produto bruto da região. Por outro
lado, considerando a influência da Venezuela com a América Central e o Caribe, e
a produção de gás e petróleo, atrelando aos países do Sul uma ponte
geoeconômica, ligando desde o Caribe até a Terra do Fogo, fomentando, desta
sorte, um novo passo para a UNASUL.
Outrossim, apesar da adesão da Venezuela ao Mercosul representar confiança,
sustentabilidade e avanço rumo ao fortalecimento da integração regional e o
caminhar da UNASUL, o perfil do governante daquele país que mesmo sob o
regime democrático parece demonstrar pouca observância ao princípio da divisão
dos poderes, mitigando-se o Legislativo e destacando-se o Executivo por ele
representado poderá impedir algumas decisões dos órgãos do Mercosul,
atrasando o movimento do bloco e mesmo estagnando-o à mais 20 anos até que
outro Estado venha a integrar o bloco.
CAPÍTULO 2: A INTEGRAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL DO MERCOSUL
2.1 – A estrutura institucional
O Mercosul, após a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 1994, recebeu o
status quo de pessoa jurídica de Direito Internacional Público, consoante art. 34,
existindo independentemente dos Estados-parte, podendo contratar, alienar bens
móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências
(art. 35), bem como celebrar acordos de sede (art. 36).
Outrossim, a importância maior obtida após o Protocolo de Ouro Preto foi o
estabelecimento, em definitivo, da estrutura institucional do Mercosul,
consolidando e reestruturando os órgãos já existentes, sendo estes:
a) Órgãos deliberativos: o Conselho Mercado Comum (CMC); o Grupo
Mercado Comum (GMC); e a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM);
b) Órgãos de representação: I- Parlamentaria: a Comissão Parlamentar
Conjunta do Mercosul (CPM); II- Sociedade Civil (órgão consultivo): o Foro
Consultivo e Social do Mercosul (FCES);
c) Órgão de apoio: a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).
2.1.1 – Órgãos do Mercosul com Poder Deliberativo
a) Conselho Mercado Comum (CMC)
O Conselho Mercado Comum é o órgão supremo do Mercosul (art. 3º do POP),
tendo a seu cargo a condução política do processo de integração e a tomada de
decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos no Tratado
de Assunção e alcançar a constituição final do mercado comum.
Sua composição é por dois representantes de cada Estado-parte, sendo estes
necessariamente o Ministro das Relações Exteriores e o Ministro da Economia, ou
seus equivalentes, cuja presidência é exercida de forma alternada, pelo
Presidente de cada Estado-parte, pelo período de seis meses.
O Conselho reúne-se, por iniciativa própria, quantas vezes seja necessário, mas,
pelo menos uma vez ao semestre com a participação dos Presidentes dos
Estados-parte do Mercosul, presidida pelo Ministro das Relações Exteriores do
país que esteja exercendo a Presidência.
Dentre as suas atribuições destacam-se, consoante art. 8º: garantir a continuidade
do processo de criação do Mercosul; adotar as Decisões necessárias para dar
cumprimento aos objetivos traçados no Tratado de Assunção; criar reuniões de
ministros; criar, modificar ou extinguir órgãos; exercer a titularidade da
personalidade jurídica do Mercosul; negociar e firmar acordos internacionais.
É competência exclusiva do Conselho a deliberação a respeito da promoção de
ações necessárias de conformação do mercado comum, ademais da competência
de controle em velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção e demais
Protocolos e acordos firmados em seu âmbito.
No exercício de seu poder normativo, o CMC manifesta-se através de Decisões,
que são obrigatórias e tomadas por consenso e que, conforme os artigos 9 e 6 do
POP e do seu Regimento Interno, serão obrigatórias aos Estados nacionais.
b) Grupo Mercado Comum (GMC)
O Grupo Mercado Comum é um órgão de natureza executiva, visto que lhe é
atribuído, especialmente, tomar medidas adequadas para executar as decisões
de Conselho de Ministros.
Composto por trinta e dois membros, sendo quatro titulares e quatro alternos por
país, representando o Ministério das Relações Exteriores, o Ministro da Economia
e o Banco Central, este órgão possui caráter governamental, representando os
interesses dos Estados-parte nas estruturas decisionais do Mercosul.
As reuniões do Grupo são periódicas, ordinárias e extraordinárias, nas quais se
manifesta por meio de Resoluções que são obrigatórias, não podendo, entretanto,
contrariar as Decisões do Conselho, devendo prevalecer em caso de conflito, as
normas emanadas pelo órgão superior.
As competências estão definidas no art. 14 do POP, destacando-se: desenvolver
todas as atividades que lhe sejam confiadas pelo CMC; formular recomendações
ao CMC que estime necessárias para a implementação e execução do Tratado de
Assunção; submeter ao CMC os projetos de normativa Mercosul; adotar normativa
Mercosul no âmbito de sua competência, sendo que em alguns casos essa
atividade é exercida para dar execução ou completar um Decisão do Conselho
nos termos previstos; participar de determinadas Reuniões de Ministros; fixar
programas de trabalho que estabeleçam as tarefas para levar a cabo o processo
de integração Mercosul.
Há ainda outras atribuições como velar, dentro de sua competência, pelo
cumprimento do Tratado de Assunção, seus protocolos e acordos; a de formular
políticas e programas de trabalhos para o funcionamento de mercado comum;
criar e modificar órgãos e procedimentos tais como sub-grupos de trabalhos e
reuniões especializadas; eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul
- SAM; supervisionar as atividades da mesma e responder pela aprovação do
orçamento e das contas da SAM.
c) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM)
A Comissão de Comércio do Mercosul possui a função primordial de auxiliar o
Grupo Mercado Comum em tudo concernente à execução, elaboração e aplicação
da política comercial intra-bloco, a fim de lograr a realização de uma união
aduaneira entre os Estados-partes do Mercosul.
Sua estrutura é igualmente intergovernamental, composta de oito representantes
de cada Estado-parte, sendo quatro titulares e quatro alternos, que se reúnem ao
menos uma vez por mês, ou sempre que solicitados pelo Grupo Mercado Comum
ou por qualquer Estado-parte.
Como a função do CCM é gestionar a realização de uma união aduaneira entre os
Estados-partes do Mercosul, poderá criar comitês técnicos especializados para
que lhe acompanhe em seu trabalho de administrar os instrumentos da política
comercial comunitária, existindo na atualidade sete comitês especializados.
De suas funções, dispostas no art. 19 do POP, destacam-se: assistir ao GMC no
que concerne à política comercial comum; adotar definitivamente normas de
caráter administrativo, relacionadas basicamente ao controle aduaneiro, à
padronização de formulários e documentos aduaneiros, e à Tarifa Externa
Comum; regulamentar protocolos que versem sobre matéria comercial; criar
comitês técnicos; propor ao GMC novas normas ou modificação das normas já
existentes em matéria comercial e aduaneira; aprovar os pedidos individuais e
pontuais de redução da Tarifa Externa Comum, por motivos de impossibilidade de
abastecimento; apreciar as reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais de
Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-partes ou por particulares
(pessoas físicas ou jurídicas), quando versarem sobre matéria de política
comercial; desempenhar qualquer outra tarefa solicitada pelo GMC.
Suas decisões são manifestadas através de Diretrizes, que gozam de
obrigatoriedade para os Estados-partes do Mercosul.
2.1.1 – Órgãos do Mercosul com Poder Representativo e a Secretaria
Administrativa do Mercosul
a) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC)
Órgão de representação dos Parlamentos nacionais, de acordo com seus
respectivos procedimentos de designação de representante, respeitando-se a
proporção de um representante por Estado-parte.
A representação consta nos artigos 22 a 26 do POP e, tem por objetivo a
necessidade de acelerar os processos de entrada em vigor das regras derivadas
do Mercosul, assim como auxiliar, em última medida, a harmonização das normas
internas tal como requerido pelo avanço da integração.
Para que tais objetivos sejam cumpridos, poderão adotar recomendações ao
Conselho e Declarações sobre questões políticas do processo de integração. Na
realidade a sua justificativa maior reside em representar um vínculo entre os
órgãos de decisão do Mercosul e seus Congressos Nacionais. A CPC delibera
consenso, na presença de todos os Estados-partes.
b) Foro Consultivo Econômico e Social (FCES)
O Foro Consultivo Econômico e Social é responsável pela representação dos
setores econômicos e sociais do Mercosul, atribuindo-lhes a função de ser o
interlocutor entre os órgãos decisionais do Mercosul e dos setores privados
nacionais.
Integrado por composição sui generis na medida em que está composto por
representantes da sociedade civil, como o setor empresarial e o setor trabalhista.
O Foro possui uma natureza meramente consultiva e se manifesta mediante
recomendações ao Grupo Mercado Comum.
c) Secretaria Administrativa (SAM)
A Secretaria Administrativa presta apoio operacional ao Mercosul desde 1996,
com sua sede em Montevidéu, sendo, perante uma perspectiva jurídico-
institucional, o principal órgão permanente do Mercosul.
Não representa um órgão deliberativo, porém possui diversas e fundamentais
competências para instrumentalizar o funcionamento permanente do Mercosul. As
competências estão distribuídas em suas três esferas de atuação: a da assessoria
técnica inclusive jurídica; a de suporte burocrático para o conjunto das instituições
e a de acervo e gestão de documentos e normativas.
2.2 – Os Estados-partes e a soberania política
A soberania foi um elemento fundamental para o surgimento dos Estados
nacionais, definindo a sua ordem jurídica interna e a sua ordem jurídica externa.
O conceito de soberania surgiu com Jean Bodin, em 1576, e segundo Raúl
Granillo Ocampo3 “verdadeiro cimento das monarquias absolutas do século XVI
em diante (os Estados nacionais originais), foi submetido a refutações, negações e
evoluções, e nos tempos atuais não há dúvida alguma de que o conceito se
encontra em crise.”
3 OCAMPO, Raúl Granillo. Op. Cit ,p.45.
Mesmo na atualidade, há diversos autores que negam a existência da soberania,
acreditando como Grócio, que esta estaria limitada pelo direito divino e pelo direito
das gentes, sendo o Papa (representante de Deus) o que mais aproximou-se da
condição de soberano, além do Imperador, até a reforma protestante do século
XVI.
Para Menéndez4 a soberania é “ o conjunto dos poderes que expressam a
condição jurídica geral do Estado”. Por sua vez, Luiz P. F. de Faro Junior5 entende
ser “o poder supremo do Estado de dirigir-se tanto nos negócios internos como
nos externos.
Florisbal de Souza Del’Olmo6, define ser soberania como o poder que, no plano
interno, está legalmente acima de todos os outros e na esfera internacional se
encontra em condições de igualdade com os demais Estados, não se
subordinando a nenhum deles. Em outras palavras, soberania deve ser entendida
como o poder que paira sobre todos os demais, o poder supremo, não admitindo
outro nem mesmo igual.
Atualmente a sociedade internacional encontra-se em um extenso processo de
mudanças, resultando a globalização. Meios de transporte, comunicação e
tecnologias de informação podem ser considerados os principais avanços
hodiernos desta transformação mundial alcançada pelos últimos tempos.
Outrossim, a nova estruturação mundial afasta, de certa forma, o conceito de
soberania absoluta – destacado nos tempos áureos da Europa do século XVI. Ao
passo que as transformações culturais, econômicas, políticas e sociais mutaram o 4 MENÉNDEZ, Fernando M. Marino. Op. Cit, p. 87. 5 FARO JUNIOR, Luiz P. F. de .Direito Internacional Público, 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965, p.53. 6 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 93.
Direito Internacional Clássico aplicado no continente europeu evoluiu para a atual
concepção de Direito Internacional, visto agora de forma universal, voltado à
cooperação, ao associativismo e à solidariedade.
Sem dúvida alguma, há ainda que ressaltar o fato de que a sociedade
internacional atual, afastado o principio da soberania absoluta, por meio o direito
convencional, fortaleceu os laços de cooperação em busca do bem comum
internacional. Tal transformação vislumbra-se nos tratados referentes às questões
políticas, econômicas, científicas e tecnológicas, sociais, culturais e ambientais,
com especial destaque para dos direitos humanos, expressão máxima da cessão
de parte da soberania dos Estados.
Atualmente, entende-se que a soberania e o poder discricionário dos Estados
tendem a reduzir ao passo que o Direito Internacional se desenvolve. A soberania
estar-se – ia limitando ao território dos Estados e ao povo que nele vive. Mesmo
as atuais relações entre os Estados, seja econômica, cultural, científica, cultural,
social ou política, são fatores que abrandam o caráter original da soberania. A
própria Carta da ONU utiliza palavras como domínio reservado ou jurisdição
doméstica, em substituição ao termo soberania.
Desta sorte, na existência de conflito de interesses, surge a necessidade da busca
de solução para tais conflitos, o qual apenas poderá surgir nas presença de um
órgão com jurisdição sobre ambos os Estados legitimado a ofertar soluções a tais
controvérsias. Desta necessidade à uma submissão do conflito em busca de uma
solução à decisão de um organismo com jurisdição sobre o próprio Estado
originou o conceito de supranacionalidade, flexibilizando, assim, os aspectos que
até então integravam o conceito de soberania dos Estados-Membros.
Entende-se por supranacionalidade, apesar dos conceitos serem ainda
controversos na doutrina, um status no qual é composto por instâncias
independentes do Estado, sem o exercício do controle por este, instituídas por
tratados, cujas decisões ocorrem por consenso, primando pelo direito comunitário,
onde as normas têm aplicabilidade imediata nos ordem jurídica interna, sem a
necessidade de qualquer mecanismo de recepção pelos Estados. A
supranacionalidade representa pois uma cessão da soberania dos Estados para a
criação de um órgão ao qual não está submetido as diretrizes do Estado, pelo
contrário, as suas decisões quase valem como caráter obrigatório para estes.
Assim, os Estados europeus encontraram para a solução das controvérsias uma
possibilidade de aplicação decorrentes do processo de integração. Desta sorte
após a Segunda Guerra Mundial fomentou-se a existência de uma espécie de
“Estados Unidos da Europa”, surgindo assim a primeira integração , em 18 de abril
de 1951, com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), culminando
na União Européia, em prol da qual os Estados renunciaram a sua competência
sobre determinadas matérias, que passaram a ser reguladas pelo órgão comum.
Assim, o conceito de soberania, com a União Européia, sofreu uma sensível
revolução ao submeter os Estados-partes a um ordenamento jurídico comum, com
legislações de aplicações imediatas, nem a necessidade de submissão aos órgãos
internos dos Estados-partes.
2.3 – A união aduaneira imperfeita
A união aduaneira caracteriza-se pela formação de uma área dentro da qual se
suprimem paulatinamente os entraves aduaneiros (e de outra índole) ao comercio
recíproco e se estabelece uma tarifa aduaneira externa comum com relação à
terceiros países, fixando-se um mecanismo para sua distribuição entre os países
da união, tendo como requisitos a completa eliminação das tarifas entre os
Estados membros;o estabelecimento de uma tarifa uniforme sobre as importações
do exterior da união e; a distribuição das receitas aduaneiras entre seus membros.
Consoante as norma do GATT, a união aduaneira é a substituição de dois ou
mais territórios aduaneiros em um só, de maneira que os direitos alfandegários e
demais restrições ao comercio sejam eliminados em relação a parte substancial
do comercio de produtos originários de outros Estados ou territórios aduaneiros
estranhos à área.
Atualmente, tem-se que o Mercosul é uma união aduaneira imperfeita, uma vez
que a zona de livre comercio não funciona sobre todo o universo tarifário, a TEC
(tarifa externa comum) continua tendo numerosas exceções e não foi
estabelecido um regime de distribuição da receita aduaneira entre os membros do
grupo. Ademais, não há ainda no Mercosul um órgão com a característica de
supranacional, afastando-o do modelo europeu (União Européia), uma vez que no
mecanismo de integração regional adotado no Cone Sul os Estados-parte não
abdicaram de sua soberania para a estabilização de uma união aduaneira perfeita.
CAPÍTULO 3: A SUPRANACIONALIDADE COMO SOLUÇÃO PARA O
AVANÇO DO MERCOSUL
3.1 – O exemplo da União européia
Segundo Ricardo Lorenzetti7,
El Mercosur es para muchos, uma “Unión Europea em desarrollo”, de modo tal que La tarea consiste em examinar lo que Europa hace y traer SUS instituciones. Em no poços casos, se tratan los aspectos jurídicos de nuestra región como si se lo estuviera haciendo respecto de Europa. Em otros, prevalece La ansiedad y se llama “Derecho comunitário” a lo que todavia no lo es.
E prossegue, apontando duas razões para tal afirmação:
La primera es de orden metodológico y obvia: se sabe desde antiguo que lãs instituciones jurídicas no son um producto de fácil exportación, sino que por el contrario, se precisa de um profundo arraigo en las costumbres de um pueblo para que su funcionamiento sea aceptable (...) a iberoamérica se há formado em gran medida en base a múltiples procesos de recepción de modelos extranjeros, pero ellos no han generado nunca em estas tierras resultados datisfactoriamente análogos a los de los países de origen, em mucho porque los injertos han sido rechazados o han llegado solo a niveles mínimos de asimilación, com uma supervivência limitada. La segunda es que La Unión Europea sigue em gran mediad um experimento, (...) que hay tendencias que apuntalan La constricción de um edifício comunitário com fuertes pilares em lo institucional, cultural, político, hay otras que actúan em La direccíon
7 LORENZETTI, Ricardo. Sistema Jurídico Del Mercosur. In: MARQUES, Cláudia Lima; ARAÚJO, Nádia. O novo direito internacional – estudos em homenagem Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 645-646.
contraria. En este sebtido, La incorporación progresiva de numerosas naciones disímiles, erosiona los perfiles nítidos que algunos pretenden que tenga, para transformarse en gran medida, em um objetivo distinto del originário: un mercado cada vez mas grande y libre para El conjunto y una comunidad para un grupo mas pequeño de países; uma Europa de dos velocidades. No hay todavia un perfil claro de lo que va a ser La comunidad.
Na União Européia, os Estados limitaram a sua soberania, ainda que em àmbito
restrito, e cujos sujeitos são não apenas os Estados-membros, mas também seus
nacionais, articulando-se as relações do direito comunitário europeu e do direito
nacional em dois pilares: os princípios de primazia, que estabelece a supremacia
do direito comunitário europeu sobre o direito nacional em caso de conflito, e o
efeito de direito, que garante o socorro junto aos tribunais ordinários (tribunais
nacionais) para tratar de normas de direito comunitário europeu.
A comunidade européia tem como direito originário principalmente o Tratado da
União Européia, o Tratado da Comunidade Européia, o Tratado da EURATOM e
tratados de adesão dos Estados-membros. Outrossim, o que a princípio se
configurou como uma socialização de Estados, os processos universais de
desenvolvimento que mais causaram impacto na atualidade, a “globalização” e a
“europeização”, afastaram esta integração social, pois os processos de
desfronteirização são sintomáticos para ambos os processos acima citados, uma
vez que estes descrevem formações sociais de sistemas que, em essência,
baseiam-se numa permeabilização ou desintegração de fronteiras nacionais,
sobretudo estatais, mercadológicas e institucionais, e que favorecem a
intensificação de atividades e transações transfronteiriças. Assim a
desfronteirização, para a integração européia, representou um objetivo estratégico
essencial do processo político de integração.
3.2 – A possibilidade de integração supranacional no Mercosul
Desde a criação do Mercosul, os aspectos jurídico-institucionais são os que mais
despertam interesse e vislumbram o conhecimento quanto a forma de aplicação
do Direito do Mercosul. Tendo em vista que a estrutura mercosulina trata-se de um
modelo intergovernamental, carece o Mercosul de órgãos supranacionais e,
conseqüentemente, não houve delegação das competências legislativas nem
jurisdicionais, causando efeito no momento de aplicar o direito que emana dos
órgãos com faculdades decisórias.
Diverso do direito comunitário europeu, cujas normas comunitárias revestem-se de
hierarquia superior as do ordenamento jurídico interno dos Estados-membros,
gozando de efeito direto e de aplicação imediata, no Mercosul a aplicação do
ordenamento jurídico depara-se com eventuais conflitos com as normas internas
dos Estados-membros, obstando a implementação do Direito do Mercosul,
carecendo das características orgânicas e normativas existentes na União
Européia.
No direito comunitário europeu os princípios de implementação das normas
emanadas pelos órgãos comunitários foram sistematizados através da
interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE),
formatando as bases de seu sistema jurídico, cuja aplicação das normas são
submetidas a uma pluralidade de interpretações que dependem da quantidade de
juízes ou autoridades jurisdicionais que operam com as novas fontes legais.
Outrossim, a ausência de uma Corte de Justiça no Mercosul resultou em um
aumento nas críticas, visto que torna-se difícil conceber uma associação que
aspira construir um mercado comum, sem um órgão com faculdades de exercer
um controle efetivo para proteger os interesses do bloco e revisar a legalidade das
decisões aprovadas pelos órgãos comunitários.
Assim, a importância de existir um órgão supranacional no Mercosul a fim de
unificar as suas fontes jurídicas é, senão, facilitar o exercício dos direitos tanto dos
particulares quanto os dos comerciantes que contratam no comércio entre os
Estados-parte, uma vez que a falta de controle e harmonia entre as normas
nacionais e comunitárias os afetam diretamente. Esta falta de clareza
impossibilita as negociações com certeza e previsibilidade, causando
incredibilidade e insegurança jurídica.
Entretanto, a estrutura soberana dos Estados-parte do Mercosul é o grande
obstáculo para a construção de um órgão supranacional no âmbito do Mercosul.
“No direito comunitário, os Estados transferem parcelas de sua soberania, por
delegação, poderes normativos próprios de cujo exercício decorrem normas com
efeitos diretos no ordenamento de cada um destes Estados, formando uma
entidade supranacional”.8 Neste estágio encontra-se a estrutura do mercado
comum (ideal à ser alcançado pelo Mercosul), com criação de um só mercado
unificado, no qual deixam de funcionar todas as barreiras, tanto aduaneiras como
comerciais, possibilitando o livre transito de todos os fatores produtivo.
Entretanto ilustra Ancelmo Góes9 que:
não se pode olvidar que as regras às quais os Estados-membros de uma comunidade estão submetidos só lhes são imperativas porque esses resolveram, por sua vontade soberana, pertencer à uma comunidade, constituída por um complexo de normas jurídicas as quais eles devem se sujeitar. É interessante observar que ao firmar um Tratado qualquer, os Estados abdicam de uma parcela de sua soberania e se obrigam a reconhecer como legítimo o direito da comunidade internacional de observar sua
8 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Op. Cit , p. 96. 9 GÓIS, Ancelmo César Lins de. Direito internacional e globalização face às questões de direitos humanos. <www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1607> acessado em 10/07/2009.
ação interna sobre o assunto de que cuida o instrumento jurídico negociado e livremente aceito.
Destarte que, apesar de certa abdicação da soberania em face de tais
integrações, não deve ser entendida como uma eliminação daquela, sustentando
Vignali10 que:
a sujeição a uma ordem jurídica é imprescindível para proteger a soberania, evitando que esta possa desaparecer; por conseguinte, não somente podem, como devem existir normas jurídicas que se imponham aos Estados soberanos, porém seu modo de produção tem que ser especial: não devem provir da vontade de um terceiro, mas da vontade coordenada de seus próprios sujeitos, submetendo-se, pois, a regras que nascem, se valorizam e vigiam através de decisões e ações conjuntas e soberanas de seus sujeitos que, conseqüentemente, não afetam suas respectivas soberanias.
Todos os países, principalmente o Brasil, justificam que a limitação aos processos
de integração são impostas por suas respectivas Constituições. Ao analisar-se as
Leis Fundamentais dos Estados-Partes do MERCOSUL, percebe-se que há
heterogeneidade quanto à questão, inclusive com reconhecimento, por parte de
algumas, embora com restrições, à formação de uma ordem jurídica
supranacional.
A Constituição do Paraguai, promulgada em 20 de julho de 1992, em seu artigo
145 prevê o instituto da supra-nacionalidade de forma literal, nos seguintes
termos:
La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarrollo, en lo político,económico social y
10 VIGNALI, Heber Arbuet. O Atributo da Soberania. Associação Brasileira de estudos da Integração: Porto Alegre, 1996, p. 32.
cultural. Dichas decisiones sólo podrán adoptar-se por mayoria absoluta de cada Cámara del Congresso.
A Argentina enfrenta o tema no artigo 75, inciso 24 de sua Constituição,
promulgada em 22 de agosto de 1994, atribuindo ao Congresso a competência
para
aprobar tratados de integración que deleguen competencias y jurisdiccíon a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respecten el orden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquía superior a las leyes". La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica requerirá la mayoria absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. En caso de tratados com outros Estados, El Congresso de la Nación, con la mayoria absoluta de los miembros presentes de cada Cámara, declarará la conveniencia de la aprobación del tratado y sólo podrá ser aprobado con el voto de mayoria absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara, después de cento e viente dias del acto declarativo(...).
Percebe-se que o legislador argentino buscou consagrar a figura da supra-
nacionalidade quando se refere à aprovação de tratados de integração com
delegação de competência a organismos supra-estatais, atribuindo-lhes hierarquia
superior às leis nacionais, mas não à Constituição. Por outro lado, impõe a
obrigatoriedade da observância de dois princípios constitucionais: reciprocidade e
igualdade.
Infere-se desta atitude, uma preocupação em proteger a soberania, condicionando
o reconhecimento de um organismo com competência e jurisdição supranacional,
à idêntica atitude por parte dos demais Estados-Membros, em igualdade de
condições na tomada de decisões. O princípio da igualdade é observado, também,
na Constituição do Paraguai.
Em contraposição, as Constituições do Uruguai e do Brasil, não contêm menção à
supranacionalidade nem à possibilidade de uma ordem jurídica comunitária com
superioridade hierárquica em relação às normas nacionais.
A Constituição da República Oriental do Uruguai, promulgada em 2 de fevereiro de
1967 e reformada em 1994, acentua, em seu artigo 4º, a plenitude da soberania
nacional e a competência exclusiva da nação no estabelecimento de suas leis. No
artigo 6º, por sua vez, determina que:
en los tratados internacionales que celebre la República propondrá la cláusula de que todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitraje u otros medios pacíficos. La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas. Asimismo, propenderá a la efectiva complementación de sus servícios públicos. (...).
Outorga, também, em seu artigo 85, competência ao Congresso para aprovar ou
reprovar, por maioria absoluta das duas Câmaras, os tratados celebrados pelo
Poder Executivo com potências estrangeiras.
Vislumbra-se, ainda, o caráter restritivo imposto pela Constituição uruguaia, ao
determinar, por um lado, exclusividade nacional para criação das leis vigentes no
território nacional e, por outro, ao atribuir à arbitragem ou outros meios pacíficos, a
solução de possíveis controvérsias no âmbito das relações internacionais,
negando, com isso, qualquer possibilidade de um organismo com poder de sanção
supranacional.
No conexo à Constituição Brasileira de 1988, encontram-se as seguintes
disposições:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I- a soberania; (...)
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - auto-determinação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único: A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Por certo, o parágrafo único do art. 4º da CRFB / 1988 incita a possível existência
e submissão à um órgão supranacional, abstendo-se de parte de sua soberania,
uma vez que vislumbra o interesse em uma “comunidade latino-americana de
nações”.
Entretanto, na ausência de qualquer outro dispositivo referente à matéria, o
referido mandamento traduz-se em mera regra programática, sem qualquer
finalidade constitucional de delegar soberania para uma possível organização com
caráter supranacional. Por outro lado, apesar das restrições constitucionais, a
displicência política e a resistência à aceitação de uma soberania compartida, no
tocante ao Brasil, são estes uns dos grandes obstáculos à formação de
organismos supranacionais no âmbito do MERCOSUL. Outrossim, mesmo a
delegação de parte de sua soberania ao Mercosul, a fim de alcançar o estágio
final da integração econômica é um passo que deve ser superado.
3.3 – O impasse pela busca de um direito comunitário no Mercosul
Segundo Ricardo Lorenzetti11,
(...) La experiencia comunitária no pudo todavia resolver satisfactoriamente las relaciones com los ciudadanos y com los Estados. Respecto de los primeros , ha sido criticada profusamente por La cresción de una burocracia jurídico-administrativa muy espesa, enmarañada, que se aleja cada vez más de las necesidades Del ciudadano común, quien tiene escasos médios para participar de las decisiones. Con relación a los Estados, el grado de incumplimento que estos ostetan respecto del derecho comunitário ha llevado a intensificar los mecanismos de sanción. Sin embargo, los incumplimientos reiterados son en muchos casos, muestras de La irrazonabilidad de algunas normas.
Aos países do Mercosul propõe-se a questão de saber se devem prosseguir com
o seu aprofundamento. O Mercosul é um tipo de fenômeno internacional
relativamente recente e sem muitos precedentes históricos. Trata-se de aliança
estratégica voluntária entre Estados soberanos, que não pretendem abdicar de
sua soberania, e que por mútua conveniência fixam o objetivo de compartilhar
11 LORENZETTI, Ricardo. Op. Cit, p. 646.
mercados, recursos e políticas públicas, a fim de poderem melhor competir e
negociar no cenário mundial.
A integração econômica é um objetivo que as nações que se associam aspiram
alcançar, gradualmente, com o passar do tempo, variando as técnicas de integrar
os mercados, porém, para serem consistentes com os compromissos assumidos
junto a OMC, devem observar as determinações do art. XXIV do GATT (1994), a
fim de atender aos pressupostos de zona livre de comércio ou união alfandegária.
O Mercosul não apresenta-se como uma integração hegemônica, no qual não
existe o elemento consensual12. Também não pode ser considerado como uma
integração total, pois ausente a substituição de unidades autônomas (Estados) por
uma nova e única unidade autônoma, como ocorreu com os EUA.
O Mercosul, assim como a União Européia, o NAFTA e a Comunidade Andina de
Nações, dentre outros, não se pretende que as partes se integrem em uma nova
soberania ou unidade autônoma de poder dentro do sistema internacional,
coexistindo as integrações com os Estados nacionais, para o alcance dos
objetivos que são compartilhados. Entretanto, diferente de uma união ocasional
em busca de um objetivo comum, consiste tal integração em caráter permanente e
irreversível.
Há uma linha crescente, na qual entende-se que é apartir do nacional (interesse
nacional) que se chega ao regional (interesse comum), sem, entretanto, existir a
possibilidade do interesse comum substituir o nacional. Nesta lógica observa-se
que o processo de integração, em caráter geral, possibilita o acesso irrestrito aos
respectivos mercados garantido por normas comuns e por instancias
jurisdicionais (internas ou comuns; judiciais ou arbitrais), o tratamento preferencial
12 No caso de integração dos Estados por integração hegemônica há sempre o domínio, imposição da integração da nação mais forte sobre os demais, como ocorreu no Comecom, criado pela União Soviética, assim como o conceito de Europa adotado por Hitler.
para os parceiros (discriminando terceiros) e a existência de normas coletivas
comuns.
O Tratado de Assunção (1991) representa expressamente um vínculo associativo
entre nações soberanas, de forma voluntária, que não pretendem deixar de ser
soberanas e, para manter a integração é necessário a imposição de regras e a
implantação de instituições jurisdicionais que assegurem a sua vigência,
negociando com os interesses nacionais, de forma dinâmica, para que haja
efetividade e eficácia nas regras da integração. Desta forma, enquanto o propósito
do Mercosul for em conciliar as normativas mercosulinas aos direitos internos dos
Estados-parte, sem olvidar a permanência das suas normas internas, não há
qualquer perspectiva em dar o próximo passo no processo de integração.
Ademais, a prorrogação em torno da aplicabilidade das normas emergentes dos
órgãos do Mercosul são, senão, principal impasse para o avanço para uma
comunidade nos moldes da européia.
3.4. A UNASUL
Diante deste quadro supra, encontramos a Comunidade Sul-Americana de
Nações (CSN / CASA) ou União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), criada
em 8 de dezembro de 2004, com a Declaração de Cuzco que, por iniciativa dos
doze Estados13 da América do Sul decidiram lançar um novo espaço de integração
política, social, econômica, ambiental e de infra-estrutura, com vistas à formação
de um bloco unitário à nível internacional, cuja finalidade primordial é , dentre
outras, o aprofundamento da convergência entre o Mercosul, a Comunidade
Andina e o Chile através do aperfeiçoamento da Zona de Livre Comércio e a sua
evolução em direção a fases superiores da integração econômica, social e
institucional.
13 Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
A UNASUL, como processo de integração regional com fulcro a sintetizar os
demais processos de integração existentes, integrando o Cone Sul em sua
totalidade, encontrará no Mercosul, não obstante os demais blocos regionais,
acentuado impasse no tocante a soberania dos Estados – membros, porquanto
que suas próprias fontes jurídicas, do ponto de vista jurídico-institucional, possui
meramente um poder compartilhado de forma igualitária, afastando do Mercosul a
supranacionalidade, ante a ausência de independência de seus órgãos em relação
aos Estados, de autonomia do direito convencional e primazia do Direito do
Mercosul sobre o direito nacional de forma irrestrita, características de uma
soberania arraigada.
Em virtude disso, encontramos um problema causado pela soberania ilimitada dos
Estados – membros do Mercosul, em relação à eficácia da aplicação do direito
convencional e a segurança de jurídica de seus membros (bem como os
cidadãos), tendo em vista a ausência de um órgão supranacional. Em suma,
estabelecer se o sistema jurídico do Mercosul sobrepor-se-á aos sistemas
nacionais, ou curvar-se-á a este é imprescindível para estabelecer a direção do
processo de integração.
Em derradeiro, a questão da hierarquia entre as normas internas e as
mercosulinas passará pelo crivo da análise dos princípios constitucionais de cada
Estado – parte, questão efetivamente ligada à soberania e competência daqueles,
delimitadas no corpo de suas constituições, origem do poder soberano, as quais
detém o poder de delimitar a competência dos sujeitos com personalidade jurídica
internacional, sendo certo que a eficácia das normativas mercosulinas vinculam-se
a entrada em vigor de suas normas no plano internacional, onde necessário se
faz, primeiramente, a sua incorporação ao ordenamento jurídico interno de todos
os Estados – membros do Mercosul.
Por certo, a eficácia da UNASUL de certo modo encontra-se atrelada ao sucesso
do Mercosul. È certo que boa parte da doutrina entende que a existência de um
Direito comunitário nos moldes do Direito europeu – concessão de soberania e
existência de órgãos supranacionais, é condição sine qua non para a eficácia de
um mercado comum.
CONCLUSÃO
O modelo de integração jurídica adotado pelo Mercosul, quando de sua
constituição ante o Tratado de Assunção (1991) e, posteriormente o Protocolo de
Ouro Preto (1994), apesar de visivelmente próspero, em virtude da celeridade de
seu exercício, apresenta por outro lado, uma negatividade, em face às normativas
dos órgãos de sua estrutura, principalmente do Conselho Mercado Comum, uma
vez que estas não são auto –aplicáveis nos Estados – membros, tendo em vista a
resistência interna dos processos de recepção das normas internacionais e a
questão da soberania.
Outrossim, o Mercosul possui dois grandes impasses: ausência de
uniformização das normas, tendo em vista os Estados – membros ao recepcionar
as normas mercosulinas tendem a faze prevalecer a regra individual sobre a
coletiva, podendo, ainda, aquela revogá-la ou modificá-la, bem como a ausência
de órgãos jurisdicionais (supranacionais), pois o julgamento dos conflitos pelos
Tribunais ad hoc ou pelo Tribunal de Revisão formandos somente na existência de
caso concreto, permite que cada juiz reconheça e aplique determinada norma de
maneira diversa, pautando assim, pela insegurança jurídica e ausência de
veracidade no processo de integração.
Desta sorte, o avanço no processo de integração do Mercosul encontra a sua
principal resistência na soberania dos Estados, que se caracteriza pela
independência (plano vertical) e a igualdade recíproca dos Estados (plano
horizontal) na órbita internacional, e a sua supremacia no âmbito interno. Todavia,
apesar dos Estados transferirem parcelas de sua soberania no direito
convencional, delegando poderes normativos que dos quais decorrem efeitos no
ordenamento jurídico interno, que por conseguinte formará uma entidade
supranacional, não é o que se denota no Mercosul, caracterizando um simples
processo de cooperação, e não uma integração progressiva em busca de um
Mercado Comum Latino – Americano consoante objetivos da ALADI.
Assim, a UNASUL, que inicialmente se formou como CNS (Comunidade Sul –
Americana das Nações), que pretende ser uma zona de livre comércio no
continente sul-americano, que unirá o Mercosul e a Comunidade Andina das
Nações, estabelecido desde 2004 pela Declaração de Cuzco, para que alcance os
seus objetivos de vir a tornar-se uma comunidade nos moldes da União Européia,
e com ela conseguir fazer uma frente de competições, deverá, inicialmente
superar as barreiras impostas pelas Constituições que compõe os Estados-partes,
neste caso, tanto do Mercosul quanto da Comunidade Andina das Nações, uma
vez que as mesmas interpõem a questão da soberania como o maior impasse
para a concretização e solidificação dos mercados de integração regional.
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