(Org.). Habitação social nas metrópoles brasileiras
Transcript of (Org.). Habitação social nas metrópoles brasileiras
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Coleo HABITARE/FINEP
HABITAo soCIAl NAs mETRPolEs BRAsIlEIRAs
Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro
e so Paulo no final do sculo XX
CoordenadorAdauto lucio Cardoso
Porto Alegre2007
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP).
Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo - ANTAC
H116 Habitao social nas metrpoles brasileiras: uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX / Organizador Adauto Lucio Cardoso. Porto Alegre : ANTAC, 2007. (Coleo Habitare)
552 p.
ISBN 978-85-89478-19-9
1. Habitao de Interesse Social. 2. Poltica Habitacional Brasil. I. Cardoso, Adauto Lucio. II.Ttulo. III. Srie
CDU 728.222
2007, Coleo HABITARE Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo - ANTACAv. Osvaldo Aranha, 99 - 3 andar - Centro CEP 90035-190 - Porto Alegre - RSTelefone (51) 3308-4084 - Fax (51) 3308-4054http://www.antac.org.br/ Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP PresidenteLuis Manuel Rebelo Fernandes
Diretoria de Inovao para o Desenvolvimento Econmico e SocialEliane de Britto Bahruth
Diretoria de Administrao e FinanasFernando de Nielander Ribeiro
Diretoria de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoEugenius Kaszkurewicz
Grupo Coordenador Programa HABITARE Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Caixa Econmica Federal - CAIXA Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico - CNPq Ministrio da Cincia e Tecnologia - MCT Ministrio das Cidades Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo - ANTAC Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE Comit Brasileiro da Construo Civil da Associao Brasileira de Normas Tcnicas - COBRACON/ABNT Cmara Brasileira da Indstria da Construo CBICAssociao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional ANPUR
Apoio FinanceiroFinanciadora de Estudos e Projetos - FINEPCaixa Econmica Federal - CAIXA
Editores da Coleo HABITARERoberto Lamberts - UFSCCarlos Sartor - FINEP
Equipe Programa HABITAREAna Maria de SouzaAngela Mazzini Silva
Projeto grficoRegina lvares
Texto de apresentao da capaArley Reis
Coordenao de revisoClaudio Cesar Santoro
RevisoresM. Cecilia G. Barbosa MoreiraVilma Homero
Editorao eletrnicaAmanda Vivan
Imagem da capaReproduo da obra de Candido PortinariFavela com Msicos1957 Pintura a leo/madeira46 X 55 cmReproduo autorizada por Joo Candido PortinariImagem do acervo do Projeto Portinari
Fotolitos e impressoCOAN - Indstria Grficawww.coan.com.br
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Coordenao da ColeoAdauto Lucio Cardoso
AutoresAdauto Lucio Cardoso, Andra Pinheiro, Betnia de Moraes Al-fonsin, Danielle Duarte de Oliveira, Demstenes Moraes, Ivana Arruda da Silveira, Jan Bitoun, Jos Flvio Morais Castro, Jos J-lio Ferreira Lima, Lvia Miranda, Luciana de Oliveira Royer, Maria ngela de Almeida Souza, Maria Elvira Rocha de S, Maria Hele-na de Lacerda Godinho, Maria Vitria Paracampo, Marinella Ma-chado Arajo, Moema Carneiro, Nelson Baltrusis, Patrcia Regina Saldanha de Oliveira, Rachel de Castro Almeida, Renato Godinho Navarro, Rosane Lopes de Arajo, Srgio Azevedo, Sheila Villano-va Borba, Suzana Pasternak Taschner, Sylvia Antunes Gonzlez, Victor Rene Villavicencio Matienzo e Will Robson Coelho
Coordenao Nacional do Projeto Rede HabitatCoordenador geralAdauto Lucio Cardoso Observatrio das Metrpoles/IPPUR/UFRJOrlando A. dos Santos Junior - Observatrio das Metrpoles/IPPUR/UFRJ
Gerncia de execuoWill Robson Coelho - Observatrio das Metrpoles/IPPUR/UFRJ
Regio Metropolitana de BelmEquipe tcnica e apoio: Andrea Pinheiro, Maria Elvira Rocha de S, Jos Julio Lima, Maria Vitria Paracampo Bolsistas: Karina Cascaes Penanti, Ilkimy Aparecida Paixo Aranha, Rogrio da Silva Santos
Regio Metropolitana de Belo HorizonteCoordenao: Maria Helena Navarro e Sergio Azevedo (consultor)Equipe tcnica e apoio: Renato Godinho Navarro, Victor Rene Villa-vicencio Matienzo, Alfio Conti, Elisete de Assis R. L. Ribeiro, Lena de Lacerda Godinho, Naiane Loureiro dos Santos, Rachel AlmeidaBolsistas: Ana Paula de Oliveira, Daniele Duarte de Oliveira
Regio Metropolitana do Rio de JaneiroCoordenao: Adauto Lucio Cardoso, Orlando A. dos Santos Junior Equipe tcnica e apoio: Will Robson Coelho, Cleber Lago, Tatiana Dahmer, Cynthia Campos Rangel, Peterson Leal Pacheco, Henrique R. de CastroBolsistas: Adilton dos Santos Jesus, Ludmila Rodrigues, Danielle B. Ferreira
Regio Metropolitana de RecifeCoordenao: Lvia Izabel B. de Miranda, FASE-PE Equipe tcnica e apoio: Jan Bitoun, Maria Angela de A. Souza Bolsistas: Marja Mariane, Sergio Ximenes Silva
Regio Metropolitana de So PauloCoordenao: Rosngela PazConsultorias de coordenao: Suzana Pasternak, Lucia Bogus Equipe tcnica e apoio: Nelson Baltrussis, Luciana Royer, Paula Santoro Bolsistas: Vagner Izaguire do Amaral, Juliana Abramides dos Santos
Regio Metropolitana de Porto AlegreCoordenao: Betania Alfonsin, Sheila BorbaEquipe tcnica e apoio: Sylvia Gonzalez, Rosetta Mammarela, Rede Habitat (Porto Alegre) Bolsistas: Flvio Augusto, Rodrigo Rocha Souza
Instituies de apoioCo-executores do Projeto Rede Habitat Observatrio Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional (FASE-RJ, FASE- Belm e FASE-PE) Fundao de Economia e Estatstica - Ncleo de Estudos Re-gionais e Urbanos - FEE/NERU Departamento de Sociologia e Programa de Estudos Ps-Gra-duados em Cincias Sociais Pontifcia da Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo - FAU/USP Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Observatrio das Me-trpoles/IPPUR/UFRJ Departamento de Servio Social, Departamento de Arquite-tura e Urbanismo, e Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco UFPE Observatrio de Polticas Urbanas PROEX/PUCMINAS Observatrio Pernambuco de Polticas Pblicas e Praticas S-cio Ambientais - NESC/ CpqAM - CMG/ UFPE - FASE PE Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Par UFPA Instituto de Estudos, Formao e Assessoria em Polticas So-ciais PLIS ACESSO Cidadania e Direitos Humanos - Cidade de Porto Alegre
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sumrio
Apresentao
Adauto Lucio Cardoso
1 Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
Srgio Azevedo
2 Habitao Social na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro
Adauto Lucio Cardoso, Rosane Lopes de Araujo e Will Robson Coelho
3 Um olhar sobre a habitao em So Paulo
Suzana Pasternak Taschner e Nelson Baltrusis
4 Poltica habitacional para os excludos: o caso da Regio Metropolitana do Recife
Maria ngela de Almeida Souza
5 A questo habitacional na Regio Metropolitana de Belm
Andra Pinheiro, Jos Jlio Ferreira Lima, Maria Elvira Rocha de S e Maria Vitria Paracampo
6 Poltica Municipal de Habitao na Regio Metropolitana de Belo Horizonte
Maria Helena de Lacerda Godinho, Marinella Machado Arajo, Rachel de Castro Almeida,
Renato Godinho Navarro e Victor Rene Villavicencio Matienzo
7 Anlise de experincias alternativas de habitao popular em municpios da Regio
Metropolitana de Porto Alegre
Sheila Villanova Borba, Betnia de Moraes Alfonsin e Sylvia Antunes Gonzlez
8 A poltica de urbanizao de favelas no municpio do Rio de Janeiro
Adauto Lucio Cardoso e Rosane Lopes de Araujo
9 As reas Especiais de Interesse Social (Aeis) em Diadema. Viabilizando o acesso
terra urbana
Nelson Baltrusis
10 Mutires desenvolvidos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
do Estado de So Paulo (CDHU) no municpio de So Paulo
Luciana de Oliveira Royer
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11 O Plano de Regularizao das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis) do Recife:
democratizao da gesto e planejamento participativo
Lvia Miranda e Demstenes Moraes
12 Programa Camaragibe em Defesa da Vida: um novo desenho para a ao habitacional
em municpio da periferia metropolitana do Recife
Jan Bitoun
13 Experincias de promoo de habitao de interesse social na Regio Metropolitana
de Belm: estudos de caso Conjunto Paraso dos Pssaros e Vila da Barca
Andra Pinheiro, Jos Jlio Ferreira Lima, Maria Elvira Rocha de S, Maria Vitria Paracampo
e Moema Carneiro
14 Democratizao na gesto da poltica de moradia popular em Belo Horizonte,
anos 1990: uma experincia possvel de ser disseminada
Renato Godinho Navarro
15 Poltica municipal de habitao em Belo Horizonte - o Residencial Asca: um estudo
do Programa de Autogesto
Danielle Duarte de Oliveira, Ivana Arruda da Silveira e Maria Helena de Lacerda Godinho
16 Oramento Participativo da Habitao em Belo Horizonte o caso do Conjunto
Granja de Freitas III
Patrcia Regina Saldanha de Oliveira, Jos Flvio Morais Castro e Maria Helena de Lacerda Godinho
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ApresentaoAdauto Lucio Cardoso
Este livro o resultado de um trabalho de pesquisa em rede envolvendo instituies acadmicas e organizaes no-governamentais, com o objetivo de avaliar aes voltadas para enfrentar o problema da habitao social em seis Regies Metropolitanas do Brasil. Essa abordagem tem como justificativa o fato de que a literatura especializada que analisou a poltica habitacional ressalta uma forte tendncia, no perodo ps-BNH, de descentralizao e, ao mesmo tempo, de inovao em polticas habitacionais, como pode ser evidenciado no texto de Sergio Azevedo, includo nesta obra, que busca, do ponto de vista da poltica federal de habitao, contextualizar a pesquisa. Essa descentralizao tem sido encarada sob um duplo aspecto: por um lado, evidenciam-se possibilidades de maior eficincia e democratizao das polticas e, por outro, apontam-se evidncias de clientelismo e corrupo na alocao de recursos. Com relao s prticas alternativas, verifica-se uma grande propenso adoo de solues inovadoras nessas experincias descentralizadas, enfatizadas em bibliografia que trata das experincias bem-sucedidas. Nesse caso, observa-se uma nfase por vezes exagerada no seu potencial de reprodutibilidade e em sua capacidade de ultrapassar a etapa dos projetos-piloto.
Pesquisa anteriormente desenvolvida pelo Observatrio das Metrpoles, intitulada Municipalizao de Po-lticas Habitacionais: uma avaliao da experincia brasileira recente (1993-199), mostrou, em primeiro lugar, a presena de um expressivo movimento de descentralizao das polticas habitacionais, todavia com grande de-sigualdade entre os municpios em funo dos recursos disponveis, e, em segundo, a existncia de experincias significativas e inovadoras no mbito dessas polticas.
A pesquisa teve, originalmente, como objetivos bsicos mapear, sistematizar, avaliar e disseminar experincias de gesto de processos de implementao de solues habitacionais para baixa renda, podendo ser includas as desenvolvidas a partir tanto da iniciativa do poder pblico quanto da sociedade civil (cooperativas, organizaes no-governamentais, movimentos de moradia etc.), do setor privado ou, ainda, de parcerias entre esses diferentes agentes, dando destaque participao dos usurios como agentes do processo, seja ao nvel da produo, seja ao nvel da gesto dos empreendimentos.
Esse universo deveria incluir programas ou experincias alternativas (assim consideradas a partir de seu po-tencial de inovao) no campo da proviso de oportunidades habitacionais construo ou reforma de unidades, proviso de lotes urbanizados, fornecimento de materiais de construo ou em outras esferas de atuao habi-tacional urbanizao de assentamentos, regularizao fundiria e utilizao de instrumentos normativos visando facilitar o acesso terra.
O trabalho abrangeu municpios de seis Regies Metropolitanas (Rio de Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Belm). Para isso, foi ampliada e consolidada a rede cooperativa de pesquisa, com ncleos estruturados nas capitais, formada a partir da experincia do Observatrio das Metrpoles incluindo o Ncleo Rio de Janeiro (uma parceria entre o Ippur/UFRJ e a Fase), o Observatrio Nordeste (uma parceria entre o Instituto de
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Geografia da UFPE e a Fase Recife), o escritrio regional da Fase Par, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o Ncleo de Estudos Urbanos (Nepur) ligado ao Departamento de Sociologia da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo , o Programa de Ps-graduao em Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica de Belo Horizonte e a Federao de Economia e Estatstica do Estado do Rio Grande do Sul. A rede tem como mbito de investigao os municpios das Regies Metropolitanas de Belm, do Recife, de Belo Horizonte, de So Paulo, de Porto Alegre e do Rio de Janeiro. Em cada um desses pontos, a rede conta com uma equipe de pesquisadores e infra-estrutura necessria para sua participao em todas as etapas da pesquisa.
A metodologia previa que a produo analtica da pesquisa se desenvolveria em dois planos. Em um primeiro momento, foram feitas a caracterizao e a anlise mais geral das experincias habitacionais praticadas nos muni-cpios das Regies Metropolitanas escolhidas, buscando identificar o papel desempenhado pelas administraes municipais e incluindo uma sondagem sobre experincias inovadoras para baixa renda oriundas da sociedade civil (movimentos de moradia, ONGs) e do setor privado que serviram de referncia para a avaliao. Em um segundo momento, aprofundou-se a anlise por meio de estudos de caso nos quais procurou-se explorar as particularidades das experincias selecionadas, a fim de sistematizar e avaliar os mtodos adotados.
O primeiro momento da pesquisa foi dedicado consolidao das relaes entre os diferentes parceiros das redes, formao das equipes locais para o trabalho de campo e ao desenvolvimento e discusso coletiva da me-todologia a ser aplicada nas diferentes etapas do processo. Essa fase preliminar culminou com a realizao de um workshop, no Rio de Janeiro, para o fechamento final da programao de trabalho do primeiro ano.
Aps essa fase preliminar, passou-se ao trabalho de pesquisa no plano local. Como atividade a ser desenvolvida ao longo de toda a primeira etapa, foram realizados o levantamento e a sistematizao de referncias bibliogrficas relativas s polticas e s experincias habitacionais desenvolvidas em cada regio. A Coordenao Geral se encarre-gou de fazer o mesmo para as bibliografias no plano nacional.
Como as experincias inovadoras a serem sistematizadas deveriam ser avaliadas no mbito das polticas ha-bitacionais locais, foram necessrios o levantamento e a sistematizao dessas polticas, implementadas nos muni-cpios selecionados (por iniciativa da administrao local ou dos governos estaduais e federal) durante os ltimos cinco anos. Para isso, utilizou-se um primeiro questionrio, que foi aplicado aos responsveis pelo setor de habitao das prefeituras, com o objetivo de recolher dados relativos poltica habitacional em geral, assim como elementos especficos de cada programa/projeto habitacional implementado no municpio nesse perodo. Alm disso, foi de-senvolvida uma sondagem em cada local, para identificar experincias inovadoras oriundas da sociedade ou do setor privado, que resultou em um segundo questionrio (Q2), aplicado aos agentes da sociedade civil ou da iniciativa privada daqueles locais.
Uma vez preenchidos esses questionrios, foram montados bancos de dados, na esfera local, com as informa-es coletadas, para que fosse desenvolvida a anlise dos resultados. Essa anlise se materializou em relatrios par-ciais, que foram apresentados e discutidos coletivamente num segundo workshop. Esses relatrios parciais, revistos aps o workshop, esto apresentados no livro na forma de texto introdutrio sobre a problemtica habitacional
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em cada Regio Metropolitana. Partindo de uma abordagem comum, necessria para manter a homogeneidade, os textos deste livro aproveitam-se tambm da rica experincia de cada equipe local, o que os diferencia e os qualifica como importantes contribuies para pesquisadores e tcnicos locais. Alm disso, podem-se verificar, a partir da sua leitura, uma certa sincronicidade e homogeneidade de aes e polticas, pela influncia dos programas federais, e, ao mesmo tempo, a especificidade das experincias locais ou regionais. Os textos referidos so:
1. Habitao Social na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, por Adauto Lucio Cardoso, Rosane Lopes de Araujo e Will Robson Coelho.
2. Um olhar sobre a habitao em So Paulo, por Suzana Pasternak Taschner e Nelson Baltrusis.
3. Poltica habitacional para os excludos: o caso da Regio Metropolitana do Recife, por Maria ngela de Al-meida Souza.
4. A questo habitacional na Regio Metropolitana de Belm, por Andra Pinheiro, Jos Jlio Ferreira Lima, Maria Elvira Rocha de S e Maria Vitria Paracampo.
. Poltica Municipal de Habitao na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, por Maria Helena de Lacerda Godinho, Marinella Machado Arajo, Rachel de Castro Almeida, Renato Godinho Navarro e Victor Rene Villavi-cencio Matienzo.
O workshop supracitado teve ainda como objetivos, alm dos expostos:
a apresentao e a discusso de proposta de indicadores de necessidades habitacionais na esfera local, utili-zando a base municipal do Censo de 1991, atualizada segundo projees desenvolvidas a partir da Contagem Populacional de 199 e das PNADs, cuja metodologia de clculo foi ento repassada aos membros das equipes locais;
a discusso de critrios de seleo de experincias inovadoras e de propostas de casos a serem estudados em detalhe. Esses critrios envolveram os seguintes aspectos:
a diversidade das experincias quanto tipologia do produto (por exemplo: lote, produo habitacional, regularizao fundiria etc.) e quanto aos modelos de gesto (autogesto, cooperativas etc.);
a representatividade regional do conjunto;
a priorizao dos projetos em estgio avanado de implementao, passveis de mais elementos para avaliao;
a escala dos projetos;
o potencial de eficcia e inovao dos projetos, ou seja, sua sustentabilidade econmica (baixos nveis de inadimplncia, retorno de financiamentos, prestaes acessveis populao de baixa renda etc.); sua sus-tentabilidade ambiental (se respeita o ecossistema no processo de execuo e gesto, entre outras questes);
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sua sustentabilidade tcnica (exeqibilidade no tempo, viabilidade de incorporao de tcnicas alternativas
pelos (as) executores (as), capacidade de remunerao da mo-de-obra envolvida etc.); incorporao de um
enfoque de gnero;
o potencial de reprodutibilidade dos projetos, ou seja, em que medida as inovaes ou a eficcia alcana-
da se devem a caractersticas locais ou a iniciativas passveis de generalizao em outros contextos socio-
culturais.
Uma vez identificadas as experincias significativas, passou-se etapa dos estudos de caso, primeiramente por
meio da aplicao de roteiro de pesquisa especfico, em que se buscou explorar as particularidades das experincias
selecionadas, sistematizando e avaliando os mtodos adotados. A pesquisa foi realizada com o agente organizador
de cada experincia, que permitiu reconhecer os elementos necessrios sua caracterizao e classificao, para
posterior avaliao. Esse roteiro inclua as seguintes questes:
caracterizao do modelo de gesto do empreendimento;
caracterizao detalhada do pblico-alvo, com recorte de gnero e de etnia;
reconhecimento do nmero de famlias chefiadas por mulheres beneficirias das aes, assim como da for-
ma e do status de participao das mulheres no processo de tomada de deciso quanto ao perfil dos projetos,
gesto, execuo e ao acesso titularidade do produto dos programas;
identificao da estrutura funcional utilizada para implementao do projeto. Isto , capacidade de previso
e gesto dos recursos no tempo: se h estrutura de planejamento, transparncia na gesto de recursos e pro-
jetos, implantao destes ltimos etc;
caracterizao do modelo de organizao da produo (quando for o caso);
caracterizao da tipologia do produto e da tecnologia construtiva utilizada;
identificao dos agentes envolvidos (assessoria tcnica, financiadores, gestores, executores de obras etc.) e
do perfil de sua participao no projeto;
identificao dos recursos utilizados: fontes, forma de captao, aplicao etc.;
caracterizao das formas de financiamento adotadas.
Uma vez caracterizadas as experincias, foi feita coleta de informaes complementares s levantadas nos
questionrios, por meio de anlise mais qualitativa, recolhendo-se outros depoimentos dos agentes envolvidos, rea-
lizando-se visitas aos locais dos projetos e anlise de documentao disponvel. Nessa etapa buscou-se aprofundar
alguns elementos das experincias, tais como:
1. o processo de formulao do projeto;
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2. o processo de insero do grupo no projeto: critrios para seleo das famlias beneficiadas, nveis de participao das famlias, capacitao dos beneficirios para participao no processo, resistncias sua implantao;
3. o modo como se desenvolveu a relao entre agentes executores (as) e assessorias tcnicas;
4. o detalhamento do mtodo de gesto: gerenciamento das finanas, tomada de decises, formulao, nvel de participao do grupo etc.
. o nvel de satisfao das famlias beneficiadas quanto aos produtos e a avaliao delas sobre sua participa-o na execuo e gesto dos mesmos;
. os problemas identificados no processo: inadimplncia, custos, atraso nos cronogramas, no-envolvimento das famlias, discriminao das mulheres no processo, grau dos conflitos interpessoais entre agentes etc.
O mapeamento das experincias significativas nas Regies Metropolitanas analisadas mostrou que so pouco relevantes os casos em que no ocorre iniciativa de algum mbito de governo, o que levou a que todos os casos selecionados apresentassem esse perfil. Todavia, as avaliaes tambm mostram a importncia crescente das organi-zaes no-governamentais e do papel relevante dos movimentos de moradia.
Os estudos de caso selecionados esto igualmente includos neste livro, seguindo-se ao texto mais geral que trata da habitao social em cada metrpole:
A poltica de urbanizao de favelas no municpio do Rio de Janeiro, por Adauto Lucio Cardoso e Rosane Lopes de Araujo.
As reas Especiais de Interesse Social (Aeis) em Diadema. Viabilizando o acesso terra urbana, por Nelson Baltrusis.
Mutires desenvolvidos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de So Pau-lo (CDHU) no municpio de So Paulo, por Luciana de Oliveira Royer.
O Plano de Regularizao das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis) do Recife: democratizao da gesto e planejamento participativo, por Lvia Miranda e Demstenes Moraes.
Programa Camaragibe em Defesa da Vida: um novo desenho para a ao habitacional em municpio da peri-feria metropolitana do Recife, por Jan Bitoun.
Experincias de promoo de habitao de interesse social na Regio Metropolitana de Belm: estudos de caso Conjunto Paraso dos Pssaros e Vila da Barca, por Andra Pinheiro, Jos Jlio Ferreira Lima, Maria Elvira Rocha de S, Maria Vitria Paracampo e Moema Carneiro.
Democratizao na gesto da poltica de moradia popular em Belo Horizonte, anos 1990: uma experincia possvel de ser disseminada, por Renato Godinho Navarro.
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Poltica municipal de habitao em Belo Horizonte: o Residencial Asca: um estudo do Programa de Autoges-to, por Danielle Duarte de Oliveira, Ivana Arruda da Silveira e Maria Helena de Lacerda Godinho.
Oramento Participativo da Habitao em Belo Horizonte o caso do Conjunto Granja de Freitas III, por Patrcia Regina Saldanha de Oliveira, Jos Flvio Morais Castro e Maria Helena de Lacerda Godinho.
Anlise de experincias alternativas de habitao popular em municpios da Regio Metropolitana de Porto Alegre, por Sheila Villanova Borba, Betnia de Moraes Alfonsin e Sylvia Antunes Gonzlez.
O conjunto das experincias relatadas e avaliadas nesta obra revela o importante potencial tcnico e poltico que vem sendo acumulado por agentes tanto governamentais quanto no-governamentais no desenvolvimento de experincias de habitao social. Verifica-se forte capacidade de inovao, que muitas vezes disseminada entre mu-nicpios vizinhos, como nos casos de Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. Muitas vezes essa disseminao deriva da migrao de tcnicos, a partir das alternncias de partidos ou grupos polticos no poder em municpios diversos. Sem dvida, porm, inegvel o efeito-demonstrao de certos programas que exercem influncia no apenas no mbito regional mas em escala nacional, como o caso do Favela-Bairro, do Rio de Janeiro.
As inovaes identificadas ocorrem sob diversos aspectos. Do ponto de vista tcnico, observa-se a melhoria significativa nas tcnicas e na qualidade do trabalho em mutires, como demonstram o texto de Luciana Royer sobre So Paulo e o texto de Maria Helena Godinho et al. sobre os casos em Belo Horizonte, embora tais avaliaes reconheam ainda a permanncia de problemas significativos. A importncia do estudo adequado das alternativas de projeto e seu possvel impacto sobre as relaes sociais no ps-obra so tambm enfatizados no estudo sobre a urbanizao de favelas em Porto Alegre. Todavia, mais significativa que o aspecto tcnico parece ser a dimenso da gesto. Em vrios municpios puderam-se constatar inovaes significativas, com ampla participao da populao, destacando-se os casos de Recife e Belo Horizonte.
As avaliaes mostram tambm algumas limitaes nas aes desenvolvidas localmente, seja pelo aspecto tc-nico seja por problemas no modelo de gesto adotado. Permanece, no entanto, como grande problema, a carncia de recursos, que na maioria dos casos impede a ampliao da escala de atuao, fazendo com que, no geral, ainda estejamos limitados a festejar experincias bem-sucedidas cujo alcance toca apenas de leve o problema. Mesmo no caso do Favela-Bairro, em que se pode comprovar uma ampliao mais efetiva da abrangncia do programa, as limi-taes oramentrias resultaram em perdas da qualidade final das urbanizaes, como evidencia o texto de Cardoso, Araujo e Coelho.
Por fim, cabe ressaltar a enorme distncia que ainda existe entre os municpios-ncleo das metrpoles e a maioria da periferia. Enquanto as capitais e, eventualmente, algumas cidades da periferia imediata apresentam capacidade de inovao e iniciativa, a maioria das administraes locais nos outros municpios permanece sem condies tcnicas ou administrativas para desenvolver aes que tenham algum significado para o atendimento das enormes necessidades habitacionais de suas populaes. A avaliao empreendida traz, assim, para o centro da anlise o problema da gesto metropolitana, ainda sem soluo institucional.
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121.Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
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Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
1.Desafios da Habitao Popular no Brasil:
polticas recentes e tendnciasSrgio Azevedo
O artigo busca realizar um balano da poltica habitacional brasileira recente, para, posteriormen-
te, refletir sobre as tendncias e alguns dos novos desafios que se apresentam nesse incio de
sculo. Para tanto, na primeira seo discutimos as interfaces da questo habitacional com as
demais polticas urbanas. A segunda seo dedicada a contrastar de forma sucinta a retrica e a prtica da
poltica habitacional logo aps o perodo de redemocratizao do pas. Na terceira parte do texto, analisar-se-
a trajetria da poltica habitacional nos anos 1990, seus impasses, constrangimentos e desafios. Por fim, a ltima
seo do artigo ser dedicada avaliao de algumas das alternativas de enfrentamento da questo habitacional
com nfase nos setores populares e reflexo sobre as possibilidades e perspectivas de atuao dos dife-
rentes nveis de governo nessa rea.
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
1. As interfaces da questo habitacional com as demais polticas urbanas
A maioria das unidades habitacionais constru-
das no pas nos ltimos anos no contou com linhas
de crdito governamentais, e a autoconstruo foi o
tipo predominante do sistema construtivo1.
Ao definir formas de apropriao e utilizao
do espao permitidas ou proibidas no contexto de
uma economia de mercado extremamente hierar-
quizada e marcada por profundas desigualdades de
renda, a legislao urbana brasileira termina por se-
parar a cidade legal ocupada pelas classes mdias,
grupos de alta renda e apenas por parte dos setores
populares da cidade ilegal destinada maior parte
das classes de baixa renda. Assim, a legislao acaba
por definir territrios dentro e fora da lei, ou seja,
configura regies de plena cidadania e regies de ci-
dadania limitada (Rolnik, 1997, p. 13).
Essa hierarquizao espacial agrava tambm
as condies sociais dos mais pobres, ao desvalori-
zar fortemente tanto no plano simblico quanto
no econmico as reas no reguladas pelo Esta-
do. Nesse sentido, pode-se dizer que a ilegalidade
sem dvida um critrio que permite a aplicao de
conceitos como excluso, segregao ou at mesmo
apartheid ambiental (Maricato, 1996, p. 57).
Em funo da interdependncia da questo da
moradia com outras esferas recorrentes e comple-
mentares, nem sempre um simples incremento dos
programas de habitao se apresenta como a soluo
mais indicada para melhorar as condies habitacio-
nais da populao mais pobre. Em primeiro lugar,
porque esses programas podem ser inviabilizados
caso outras polticas urbanas, como as de transpor-
te, de energia eltrica, de esgotamento sanitrio e de
abastecimento de gua, no estejam integradas (Aze-
vedo, 1990). Em segundo lugar, porque em certas
ocasies, em funo do trade-off entre diversas pol-
ticas pblicas, mudanas em outros setores] como
maior investimento em saneamento bsico (esgoto e
gua), incremento no nvel de emprego, aumento do
salrio mnimo, regularizao fundiria, entre outras
podem ter um impacto muito maior nas condies
habitacionais das famlias de baixa renda do que um
simples reforo dos investimentos no setor.
Diante de um contexto desse tipo, no por
acaso que nas grandes metrpoles brasileiras os pro-
gramas de regularizao fundiria vinculados a
melhorias urbanas tm sido crescentemente vistos
como um instrumento de poltica habitacional extre-
mamente importante na luta de um grande contigen-
te de moradores de favelas e de bairros clandestinos
em busca da integrao socioeconmica.
1Mesmo no perodo do Banco Nacional da Habitao (BNH) (1964/86), quando foi marcante a presena do Estado, calcula-se que cerca de 26% das novas construes contaram com financiamento do Sistema Financeiro da Habitao (Melo, 1988).
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Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
2. Poltica habitacional e redemocratizao: retrica e prtica
No incio de 1985, quando se implantou a en-
to chamada Nova Repblica, o quadro existente
no setor habitacional apresentava, resumidamente,
as seguintes caractersticas: baixo desempenho so-
cial, alto nvel de inadimplncia, baixa liquidez do
sistema, movimentos de muturios organizados na-
cionalmente e grande expectativa de que as novas
autoridades pudessem resolver a crise do sistema
sem a penalizao dos muturios.
Em maro daquele ano, foi formado, por inicia-
tiva do ento presidente do Banco Nacional da Habi-
tao (BNH), um grupo de trabalho de alto nvel, com
atribuies de propor um encaminhamento para o
problema. Participavam desse grupo representan-
tes da Comisso Nacional dos Muturios (CNM), do
Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos
Scio-Econmicos (Dieese), da Associao Brasileira
das Companhias Habitacionais (ABC) e da Associa-
o Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e
de Poupana (Abecip). Aps trinta dias de negocia-
es, as entidades envolvidas no lograram chegar a
um consenso sobre a melhor de forma de enfrentar
a inadimplncia, a falta de liquidez e o dficit do SFH.
Aps presses e contrapresses, mobilizao de par-
lamentares e partidos, e muita discusso interna, o
governo finalmente tomou a deciso final. Todos os
muturios teriam um reajuste de 112%, desde que
optassem pela semestralidade das correes (Uni-
camp, 1991).
Os que desejassem manter as indexaes anu-
ais teriam um aumento correspondente correo
monetria plena, ou seja, de 246,3%. Desnecessrio
dizer que, excetuando uma minoria de mal-informa-
dos e de decises no-racionais, a quase totalidade
dos muturios optou pela primeira alternativa, que
incorporava a principal reivindicao da Coordena-
o Nacional dos Muturios (112% de reajuste).
Analisemos brevemente os impactos dessa de-
ciso para o SFH e para os vrios atores envolvidos
nas negociaes. Ressaltando inicialmente os aspec-
tos positivos, podemos dizer que, no essencial, o plei-
to dos muturios foi atendido, tanto que podemos
considerar o primeiro ano da administrao Sarney
(1985) como o fim das mobilizaes e dos movimen-
tos regionais e nacionais de muturios. As entidades,
quando no se desintegraram, continuaram a existir
exclusivamente no papel, sem maior capacidade de
aglutinao. O SFH e as entidades de crdito imobili-
rio tiveram a curto prazo uma melhora sensvel, pois
diminuram-se os ndices de inadimplncia e cresceu
substancialmente a liquidez do sistema.
Entretanto, os efeitos perversos no podem
ser subestimados. Primeiramente, ao se conceder um
subsdio dessa magnitude aos muturios, sem nenhu-
ma outra medida compensatria de receita, agravou-
se substancialmente o j existente dficit do SFH. Em
segundo lugar, como a maioria dos muturios do en-
to BNH era composto por famlias de renda mdia
e alta, um subsdio nico para todas as faixas de fi-
nanciamento, na prtica, converteu-se numa poltica
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16
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
pblica de redistribuio de rendas s avessas. Alis,
de conhecimento pblico que o valor da maioria
das prestaes de imveis situados em bairros no-
bres das principais cidades brasileiras adquiridos
atravs do SFH, poucos anos antes do citado reajuste
no era, alguns anos depois, suficiente para alugar
casas relativamente modestas em reas de periferia.
No mbito institucional, o governo Sarney to-
mou diversas medidas iniciais que aparentemente
indicavam uma predisposio a profundas reformas.
Foi criada uma comisso de alto nvel para propor su-
gestes, e, mais tarde, sob patrocnio federal e com o
apoio da Associao dos Arquitetos do Brasil, desen-
volveram-se debates regionais sobre as propostas em
pauta, envolvendo setores universitrios, entidades
de classe e associaes de muturios (Valena, 1992).
Os temas abordados eram os mais variados possveis:
discutiam-se medidas de descentralizao do BNH,
com o fortalecimento das delegacias regionais, e at
mudanas no sistema de financiamento, operao e
receita do sistema. Em funo da complexidade da
questo, da forma de encaminhamento das discus-
ses e dos diferentes interesses envolvidos, estava-se
ainda longe de se alcanar consenso sobre pontos
bsicos da reforma, quando o governo decretou a ex-
tino do Banco (Melo, 1990).
A forma como se deu essa deciso foi motivo
de surpresa para as entidades envolvidas na refor-
mulao do SFH, uma vez que ocorreu de maneira
abrupta e sem margem para contrapropostas. Esse
procedimento se chocava com as declaraes de in-
tenes e encaminhamentos anteriores, feitos pelo
prprio governo. No referente ao contedo, a perple-
xidade foi ainda maior, j que quase nada se resgatou
do controvertido processo de discusso em curso.
A maneira como o governo incorporou o an-
tigo BNH Caixa Econmica Federal tornou expl-
cita a falta de proposta clara para o setor. Em outras
palavras, nenhuma soluo foi encaminhada para os
temas controvertidos que permeavam o debate ante-
rior. Nesse sentido, a pura desarticulao institucional
do Banco, sem o enfrentamento de questes subs-
tantivas, somente agravou os problemas existentes.
Constrangimentos como o do desequilbrio financei-
ro do sistema no foram sequer tocados (Azevedo,
1988; Melo, 1988).
A incorporao das atividades do BNH Caixa
Econmica Federal fez com que a questo urbana, e
em especial a habitacional, passasse a depender de
uma instituio em que esses temas, embora impor-
tantes, fossem objetivos setoriais. Do mesmo modo,
ainda que considerada como agncia financeira de
vocao social, a Caixa possui, como natural, alguns
paradigmas institucionais de um banco comercial,
como a busca de equilbrio financeiro, retorno do ca-
pital aplicado etc. Nesse contexto, tornou-se difcil,
por exemplo, dinamizar programas alternativos, vol-
tados para os setores de menor renda e que exigem
elevado grau de subsdios, envolvimento institucio-
nal, desenvolvimento de pesquisas etc.
Evidentemente, poder-se-ia argumentar que a
poltica urbana e habitacional estar sempre a car-
go do respectivo ministrio, atuando a Caixa apenas
como rgo gerenciador do sistema. Convm lem-
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17
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
brar, entretanto, que tambm no passado a poltica
urbana e habitacional esteve vinculada formalmente
a outros rgos Servio Federal de Habitao e Ur-
banismo (Serfhau), Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Urbano (CNDU) e Ministrio do Desenvol-
vimento Urbano.
Apesar disso, na prtica, por ter controle so-
bre recursos crticos, couberam ao BNH a definio
e a implementao concreta da poltica. No havia
por que supor que com a Caixa Econmica ocorres-
se uma situao muito diferente. Assim, apesar dos
discursos e das diversas mudanas ministeriais Mi-
nistrio do Desenvolvimento Urbano, Ministrio da
Habitao e Urbanismo, Ministrio da Habitao e
Bem-Estar Social , a Caixa Econmica Federal foi o
carro-chefe da poltica habitacional vinculada ao Sis-
tema Financeiro da Habitao.
Ressalte-se que no primeiro ano aps a extin-
o do BNH 1987 as Companhias Habitacionais
(Cohab) financiaram 113.389 casas populares. Du-
rante o primeiro semestre de 1988, esse nmero caiu
drasticamente para 30.646 unidades devido s mu-
danas da poltica habitacional a partir da Resoluo
1464, de 26/02/88, do Conselho Monetrio Nacional,
e normas posteriores (CAIXA, 2000). Sob a alegao
da necessidade de controle das dvidas dos estados e
municpios, essa resoluo criou medidas restritivas
ao acesso a crditos por parte das Cohab. Do mesmo
modo, ao criar novas normas para se adaptar cita-
da resoluo e a outras que lhe sucederam, a Caixa
Econmica Federal terminou, na prtica, no s por
transferir iniciativa privada os crditos para a habi-
tao popular, como tambm diminuiu a capacidade
dos estados e municpios em disciplinar a questo
habitacional. Assim, a transformao das Cohab de
agentes promotores em simples rgos assessores
e a obrigatoriedade dos muturios finais de assumi-
rem os custos totais dos terrenos e da urbanizao
acarretaram inmeras conseqncias negativas no
final dos anos 1980. Entre elas, podem-se citar:
a) a paulatina diminuio de poder por parte
das companhias habitacionais;
b) a elevao da exigncia de renda da cliente-
la dos programas tradicionais, que passaram a voltar-
se fundamentalmente para famlias com rendimen-
tos mensais acima de cinco salrios mnimos;
c) a desacelerao dos programas alternativos
(Azevedo, 1990).
Essa tendncia elitista da poltica de habita-
o popular vinculada ao SFH no significou, entre-
tanto, que os programas alternativos durante os pri-
meiros anos da Nova Repblica tenham tido pouca
importncia. Pelo contrrio, eles nunca foram to
fortes. Entre os desenvolvidos margem do SFH, me-
rece destaque especial o Programa Nacional de Mu-
tires Habitacionais, da Secretaria Especial de Ao
Comunitria (Seac). Apesar de suas especificidades
e dinamismo sem precedentes, ele apresenta muitos
pontos em comum com os programas alternativos
que o antecederam (Profilub, Promorar, Joo de Bar-
ro etc.), tanto no referente ao papel do poder p-
blico local, quanto no que diz respeito atuao da
populao beneficiada.
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18
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
Por outro lado, em seus poucos anos de vida,
a trajetria institucional da Seac exemplifica bem
a falta de uma poltica clara para o setor. Vinculada
inicialmente Secretaria de Planejamento, ela passa
posteriormente para a Casa Civil da Presidncia da
Repblica, Ministrio da Habitao e do Bem-Estar
Social, Ministrio da Previdncia e, por fim, ao Mi-
nistrio do Interior.
O programa habitacional da Seac funcionava
com verba a fundo perdido do Oramento Geral
da Unio (OGU) e se propunha a atingir as famlias
com renda mensal inferior a trs salrios mnimos,
normalmente preteridas pelos programas tradicio-
nais. Seu formato institucional previa o estabeleci-
mento de um convnio entre a Seac, a instituio
conveniada que poderia ser a prefeitura ou um
rgo do governo estadual e a sociedade comu-
nitria habitacional, formada pelos participantes de
cada projeto.
Na maioria dos estados, o escritrio local da
Seac realizava diretamente convnios com as prefei-
turas. Em alguns deles, no entanto, as atividades da
Seac foram centralizadas em um nico rgo esta-
dual, que coordenava e promovia o programa, nor-
malmente com um nome de identificao estadual.
Do ponto de vista formal, pode-se dizer que
no curto espao de menos de dois anos o progra-
ma se props a financiar cerca de 550.000 unidades
habitacionais (Seac, 1988), enquanto nesse mesmo
perodo as Cohab financiaram menos de 150.000
(CAIXA, 2000). Supe-se que mais de um tero das
unidades financiadas no tenham sido construdas,
em razo, entre outros fatores, do baixo financia-
mento unitrio aliado inflao galopante e m
utilizao dos recursos.
O processo inflacionrio, por si s, dificultou
enormemente o cumprimento das metas fsicas
programadas, em virtude do aumento exorbitante
dos preos dos materiais de construo e servios.
Por outro lado, a dependncia exclusiva de verbas
oramentrias, somada situao de crise econmi-
ca e fiscal, levava ao temor de que no se consegui-
ria manter o programa com o mesmo dinamismo
dos dois anos anteriores. Havia ainda o desafio da
busca de um maior controle das metas quantitati-
vas do programa, sem tornar a sua estrutura pesada
e onerosa. Ressalte-se tambm que a inexistncia
de uma poltica clara de prioridades para alocao
de recursos tornou o programa uma presa fcil do
clientelismo e de toda sorte de trfico de influn-
cias (Valena, 1999).
A experincia histrica brasileira mostra que
sempre que um programa habitacional altamente
subsidiado permite um grau muito alto de liberdade
na alocao de recursos, as regies menos desenvol-
vidas e os estados com dificuldades polticas junto
ao governo central terminam seriamente prejudica-
dos, como ocorreu com a Fundao da Casa Popular
durante o perodo populista (1946/1963) (Azevedo
e Andrade, 1982). Assim, por exemplo, enquanto o
Nordeste abriga aproximadamente 35% da popula-
o brasileira, somente 15,6% dos recursos do Pro-
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19
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
grama Nacional de Mutires Habitacionais (85.914
unidades) foram investidos na regio (Seac, 1988).
Apesar de todos esses constrangimentos e de-
ficincias, no se pode negar-lhe o impacto. Foi a
primeira vez na trajetria da poltica popular brasilei-
ra que um programa alternativo apresentou melhor
desempenho quantitativo do que os convencionais.
Devido ao seu frgil formato institucional, ele termi-
nou junto com o mandato do primeiro presidente
civil da chamada Nova Repblica.
3. A poltica habitacional nos anos 1990: as ambigidades e a busca de democratizao
O governo Collor pouco inovou nos seus dois
anos e meio de mandato em relao administrao
anterior no referente a mudanas no Sistema Finan-
ceiro da Habitao. Possivelmente, devido nfase e
primazia no combate inflao, todos os programas
sociais de maior envergadura, prometidos durante
a campanha, foram postergados para um segundo
momento. Em relao especificamente habitao
popular, houve o que Marcus Andr Melo chama de
banalizao da poltica, com dissociao das ativi-
dades de saneamento e desenvolvimento urbano e
sua transformao em uma poltica distributiva, ago-
ra vinculada ao novo Ministrio da Ao Social. Da
mesma forma que o governo anterior, a alocao das
unidades construdas tanto pelos programas popu-
lares convencionais quanto pelos alternativos es-
tes ltimos baseados na autoconstruo continuou
sendo feita por critrios aleatrios, no respeitando
na prtica a distribuio estabelecida pelo Conse-
lho Curador do FGTS, atravs da Resoluo 25, de
26/10/90 (Unicamp, 1991, p. 42). A construo de
unidades convencionais tambm continuou privile-
giando setores populares de renda mais elevada.
O Plano de Ao Imediata para a Habitao
(Paih), lanado em maio de 1990 e apresentado
como medida de carter emergencial, se propunha
a financiar em 180 dias cerca de 245 mil habitaes,
correspondente a investimento da ordem de 140 mi-
lhes de VRF, montante que significa um custo m-
dio de 570 VRF por unidade. Totalmente financiado
com recursos do FGTS, com juros reais entre 3,5%
e 5,55 ao ano para o muturio final, o plano tinha
como populao-alvo as famlias com renda mdia
de at cinco salrios mnimos. O Paih possua trs
vertentes: programa de moradias populares (uni-
dades acabadas), programa de lotes urbanizados
(com ou sem cesta bsica de materiais) e programa
de ao municipal para habitao popular (unida-
des acabadas e lotes urbanizados). Enquanto para
os dois primeiros programas os agentes promotores
eram variados (Cohab, Cooperativas, Entidades de
Previdncia, Carteiras Militares etc.), para o ltimo
este papel caberia exclusivamente prefeitura. A co-
ordenao geral ficaria a cargo do Ministrio de Ao
Social / Secretaria Nacional da Habitao, atuando a
Caixa Econmica Federal como banco de segunda
linha, isto , com a responsabilidade de implementar
os programas atravs dos agentes promotores. A CAI-
XApoderia atuar tambm como agente financeiro, do
mesmo modo que os bancos e as Caixas Econmicas
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
estaduais ento existentes, as sociedades de crdito
imobilirio e as companhias habitacionais.
A avaliao do Paih mostra o no-cumprimento
de vrias das metas estabelecidas: o prazo estimado
de 180 dias alongou-se por mais de 18 meses; o custo
unitrio mdio foi de cerca de 670 VRFs, bem supe-
rior ao previsto inicialmente (570 VRFs), ocasionan-
do uma diminuio de 245 mil para 210 mil unidades
(Unicamp, 1991). Por fim, por motivos clientelistas e
lobby de setores empresarias da construo civil de
regies menos desenvolvidas, especialmente do Nor-
deste, o plano no logrou seguir os percentuais de
alocao de recursos definidos pelo Conselho Cura-
dor do FGTS para os diversos estados da federao
(Schvasberg, 1993).
Durante a administrao Collor, no houve tam-
bm nenhuma iniciativa para rediscutir em profundi-
dade o SFH. Houve apenas maquiagens de efeitos e
legalidade duvidosa como as contidas na Medida Pro-
visria 294, de 31 de janeiro de 1991. Em seu artigo
20, modifica-se o reajuste das prestaes, vinculadas
ao Plano de Equivalncia Salarial, supondo que o au-
mento real de salrios semestrais deve ser maior que
a remunerao da caderneta de poupana. Assim, as
prestaes seriam reajustadas mensalmente pela re-
munerao das cadernetas e na data-base seria acres-
cido o ganho real de salrio porventura existente.
Procurava-se, com esta medida, diminuir atravs de
artifcio legal contestado pelos muturios e poste-
riormente derrubado pela justia o rombo histrico
do Sistema Financeiro da Habitao. Ainda em 1991,
foi facilitada a quitao da casa prpria pela metade
do saldo devedor, ou pelo pagamento das mensalida-
des restantes, sem correo e juros. Normalmente, a
segunda opo de quitao foi a mais vantajosa, oca-
sionando na prtica subsdios substanciais. Permitiu-
se tambm o uso do FGTS para a quitao antecipa-
da. Boa parte dos muturios de classe mdia logrou
liberar seus imveis por preos bastante acessveis.
O governo conseguiu momentaneamente aumentar
o fluxo de caixa para financiamentos habitacionais,
mas seguramente isso significou maiores subsdios
e agravamento ainda maior da crise. O contra-argu-
mento do governo era que essa receita estava perdi-
da devido aos baixos valores das prestaes e que,
assim, pelo menos, fora possvel resgatar parte dessa
verba. Para os setores mdios, foi extinto o Plano de
Equivalncia Salarial e terminou-se com o perdo
dos resduos do saldo devedor, atravs do Fundo de
Compensao das Variaes Salariais (FCVS).
Com a destituio de Collor e a posse do pre-
sidente Itamar, houve uma busca de mudana nos
rumos da poltica habitacional especialmente no re-
ferente s classes de baixa renda, por meio dos pro-
gramas Habitar Brasil e Morar Municpio, que funcio-
navam por fora do Sistema Financeiro da Habitao.
Entretanto, pouco foi feito para mudar o qua-
dro conhecido de crise estrutural do SFH. Com a ex-
tino do FCVS, criou-se um plano de amortizao
baseado no comprometimento de renda (em subs-
tituio ao antigo Plano de Equivalncia Salarial) e
definiram-se percentuais mximos de cobranas de
taxas e despesas cartoriais etc. Alm disso, houve um
esforo de obrigar os bancos a respeitarem a lei e a
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21
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
canalizarem pelo menos parte da arrecadao das ca-
dernetas para investimentos habitacionais direciona-
dos classe mdia. Esperava-se com isso alcanar, at
o final do governo Itamar, investimentos da ordem de
1,4 bilho de dlares (Azevedo, 1996).
Em relao produo de casas populares, a
administrao Itamar procurou atuar em duas fren-
tes. Primeiramente, buscou terminar at meados de
1994 cerca de 260 mil casas financiadas pelo gover-
no anterior, atravs das linhas de financiamento tra-
dicionais (FGTS), recursos do Fundo de Desenvolvi-
mento Social (FDS) e verbas oramentrias. Previa-se,
segundo declarao do ento secretrio Nacional da
Habitao, a aplicao de aproximadamente 800 mil
dlares para a concluso dessas casas. Em segundo
lugar, lanou o Programa Habitar Brasil, voltado para
municpios de mais de 50 mil habitantes, e o Morar
Municpio, destinado aos municpios de menor por-
te. O financiamento federal para esses programas
estimados em 100 mil dlares para o ano de 1993
previa verbas oramentrias e parte dos recursos
arrecadados pelo Imposto Provisrio sobre Movi-
mentaes Financeiras (IPMF), que terminou no
ocorrendo dentro do montante previsto, em funo
de prioridades do Plano de Estabilizao Econmica
(Azevedo, 1996).
Na verdade, apesar de nomenclaturas diferen-
tes, os referidos programas tinham as mesmas carac-
tersticas bsicas. Capitaneados, na poca, pelo Mi-
nistrio do Bem-Estar Social, previam a participao
de governos estaduais e prefeitura municipais. Sua
populao-alvo seriam as famlias de baixa renda e as
que vivem em reas de risco.
Para se ter acesso a estes financiamentos, en-
tre outras exigncias, era obrigatria a criao de um
Conselho Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social,
bem como de um respectivo Fundo Estadual ou Mu-
nicipal de Bem-Estar Social, para onde os recursos
deveriam ser canalizados.
Alm dos custos de urbanizao dos terrenos,
legalizao, elaborao do projeto tcnico, pavimen-
tao de ruas e eletrificao era exigida uma contra-
partida claramente definida do governo estadual ou
municipal envolvido (10% do investimento federal
para as regies menos desenvolvidas e 20% para as
demais). Todo o projeto deveria ser feito em parceria
com organizaes comunitrias locais.
Os projetos poderiam prever construo de
moradias, urbanizao de favelas, produo de lotes
urbanizados e melhorias habitacionais, mas os bene-
ficirios desses programas deveriam ser propriet-
rios ou ter a posse dos terrenos.
No caso de construo de moradias ou melho-
rias habitacionais, o regime de trabalho deveria ser
de ajuda mtua ou auto-ajuda, enquanto caberia
ao governo estadual ou municipal a obrigao de
prestar assistncia tcnica, atravs de equipe inter-
disciplinar. Esse custo, no entanto, no poderia ultra-
passar 5% do financiamento fornecido pela Unio.
No caso de obras de infra-estrutura e equipamentos
comunitrios, alm das modalidades citadas, eram
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
permitidos administrao direta ou contrato de em-
preitada a firmas particulares.
Em se tratando de produo de moradias e lo-
tes urbanizados, seriam cobradas dos beneficirios
parcelas mensais de pelo menos 5% do salrio mni-
mo vigente, pelo perodo mnimo de cinco anos. Os
recursos arrecadados seriam reaplicados no Fundo
Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social. Caberia
ao Conselho estadual ou municipal criar as normas
complementares necessrias matria.
Por fim, durante esse prazo de carncia mni-
mo de cinco anos, as casas e os lotes urbanizados
deveriam permanecer como patrimnio do fundo
estadual ou municipal. Nesse perodo, os benefici-
rios firmariam um contrato de concesso de uso, dis-
positivo que no se aplicaria quando o terreno fosse
de sua propriedade.
Apesar de apresentarem um avano significati-
vo, ao proporem a formao de Conselhos para gerir
a poltica habitacional em que, alm de membros
indicados pelo governo, previa-se a participao de
representantes da sociedade civil e a criao de
fundos especficos que permitiriam, em princpio,
verbas constantes e pontuais para a produo de
habitaes populares, alm de evitarem possveis
tentativas de desvios dos recursos repassados pela
Unio, os programas mencionados possuam vrios
constrangimentos. Mesmo sendo uma iniciativa de
poltica descentralizadora, eles pecavam por uma
excessiva padronizao. Em outras palavras, faziam
tbula rasa da enorme heterogeneidade dos muni-
cpios brasileiros, exigindo de todos a formao de
Conselhos e fundos. No h dvida de que, para a
maioria dos pequenos municpios, corria-se o risco
da criao apenas formal desses mecanismos, como
ocorreu nos ltimos anos com outras exigncias si-
milares feitas por leis federais e estaduais (Conselho
de Sade, Educao, Criana e Adolescente, Assistn-
cia Social etc.).
Convm lembrar que, apesar de propor a cria-
o de fundos estaduais e municipais, o governo
no logrou, at o final da administrao Itamar, a for-
mao de um fundo federal. Os mencionados pro-
gramas dependeram fundamentalmente de verbas
oramentrias ou de recursos provisrios (IPMF), o
que os fragilizou institucionalmente. Tampouco se
conseguiu avanar na formao de um Conselho
federal, similar aos propostos para os governos esta-
duais e municipais.
Ressalte-se, entretanto, que, com o objetivo de
reformar e criar um novo arranjo institucional para
o setor, tanto a proposta de criao de um Conselho
quanto a de criao de um fundo federal voltados
para a rea habitacional foram no incio dos anos
1990 questes em pauta na Cmara de Deputados.
Essa discusso, iniciada em 1992 por meio da
constituio de um Frum Nacional de Habitao,
envolvendo inmeras instituies da sociedade civil
e rgos pblicos vinculados questo habitacional,
se organizou em torno de trs propostas, cada uma
representando determinados blocos de interesses:
parte da burocracia pblica da poltica habitacional
(Frum dos Secretrios Estaduais de Habitao), os
construtores e o setor popular organizado. Elas ti-
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23
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
nham como ponto comum a busca da restaurao de
uma nova aliana entre os interesses envolvidos no
financiamento, produo e uso da moradia, atravs
da criao de um Conselho Nacional de Habitao,
com a funo de gerir a poltica habitacional, e de
um fundo especfico para garantir o financiamento
do setor. Evidencia tambm a preocupao de no
deixar exclusivamente na mo de um rgo gover-
namental os rumos da poltica habitacional, abrindo
perspectivas de um tipo de participao neocorpo-
rativa em que segmentos da sociedade civil teriam
assento. As sugestes sobre o formato institucional
deste Conselho variavam bastante, e a proposta do
movimento popular era a nica em que os represen-
tantes da sociedade civil seriam majoritrios.
A administrao Fernando Henrique, que to-
mou posse no incio de 1995, apresentou como
proposta para o trinio 1996-1999 a aplicao de
R$ 26,5 bilhes para beneficiar 1.394.900 famlias,
utilizando aproximadamente R$ 19,6 bilhes de re-
cursos oriundos do FGTS e R$ 6,9 milhes prove-
nientes da contrapartida de estados e municpios
(Sepurb, 1996c).
Em linhas gerais, do ponto de vista financeiro,
as iniciativas para viabilizar essa proposta seriam:
a) continuar os esforos visando o saneamento
do FGTS, com o objetivo de proteger os recursos dos
trabalhadores, bem como ampliar a capacidade de in-
vestimento habitacional do fundo;
b) securitizar a dvida do Fundo de Compen-
sao das Variaes Salariais (FCVS) com os agentes
financeiros e o FGTS;
c) implementar novas formas de captao de
recursos para o setor imobilirio a partir de empre-
sas de capitalizao e seguros, fundos mtuos e fun-
daes de previdncia privada, entre outros.
Como elemento chave da nova poltica, passa-
se a discutir a questo habitacional de forma inte-
grada poltica urbana e poltica de saneamento
ambiental, atravs da Secretaria de Poltica Urbana.
Nessa mesma linha de busca de articulao entre
polticas complementares e recorrentes, defende
uma poltica fundiria urbana adequada de modo a
desestimular a formao de estoques de terras para
fins especulativos.
Ainda, segundo o programa habitacional da
primeira administrao Fernando Henrique Cardoso,
sugeria-se reforar o papel dos governos municipais
como agentes promotores da habitao popular, in-
centivando-os inclusive a adotar linhas de ao diver-
sificadas, voltadas para urbanizao de favelas e recu-
perao de reas degradadas. Eram propostas, entre
outras, as seguintes medidas no campo da habitao
popular: apoiar programas geradores de tecnologia
simplificada que possibilitassem a construo de
moradias de qualidade a custo reduzido; privilegiar
as formas associativas e cooperativas de produo
de habitaes e incentivar programas de assistncia
tcnica aos rgos, entidades e organizaes comu-
nitrias, comprometidas com solues locais e inte-
gradas de interesse social.
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
Quanto s iniciativas de alcance social do in-
cio da primeira administrao FHC, merece desta-
que o Programa de Concluso de Empreendimentos
Habitacionais, que visava recuperar investimentos j
realizados com recursos do FGTS que no geraram
os benefcios esperados, especialmente para viabi-
lizar a comercializao de conjuntos habitacionais
contratados at 1991 por empresas privadas, que se
encontravam inacabados em virtude de problemas
de financiamento na poca.
Por sua vez, os Programas de Crdito Direto
ao Cidado, denominados Cred-Mac e Cred-Casa,
voltados para famlias com at oito salrios mnimos
de renda mdia mensal (atuando, inclusive, no setor
informal), possibilitariam a oferta de crdito para a
aquisio de materiais de construo, visando me-
lhoria ou construo de habitaes. Sua principal
caracterstica residia na forma de financiamento mais
simplificada, j que esses programas no seguiam as
regras do Sistema Financeiro da Habitao.
No setor social, destacam-se o Pr-Moradia e
o Programa Habitar Brasil, voltados para o poder p-
blico (estados e municpios) e financiados, respec-
tivamente, com recursos do FGTS e do Oramento
Geral da Unio. Seus principais objetivos seriam a
urbanizao de reas degradadas para fins habita-
cionais, a regularizao fundiria e a produo de
lotes urbanizados. Nessas duas iniciativas, buscava-
se beneficiar 677.100 famlias, investindo R$ 5,2
bilhes, sendo R$ 4 bilhes de recursos do FGTS
e R$ 1,2 milho da contrapartida de estados e muni-
cpios (Sepurb, 1996a, 1996b).
Entre 1996 e 2000, o desempenho do governo,
no que diz respeito poltica de habitao popular
stricto sensu, ficou aqum do inicialmente planejado,
pois para o Pr-Moradia foram investidos cerca de R$
830 milhes, em recursos do FGTS, para a construo
de 155.219 unidades residenciais, a um custo mdio
unitrio de R$ 5.400,00. No mesmo perodo, com re-
cursos a fundo perdido do OGU, foram alocados no
Morar Melhor / Habitar Brasil em torno de R$ 860
milhes que resultaram na construo de 294.595
moradias, com custo unitrio mdio de R$ 2.920,00
(CAIXA, 2000).
Ressalte-se, entretanto, que em polticas recor-
rentes e complementares s polticas habitacionais
populares os aportes da Unio foram bem mais subs-
tanciais. Por meio de financiamento do FGTS, o go-
verno federal investiu, entre 1996 e 2000, em torno
de R$ 2,7 bilhes em saneamento bsico (Pr-Sanea-
mento). No citado perodo, foram aplicados cerca de
R$ 2,5 bilhes de recursos oramentrios do OGU
em diversos programas de infra-estrutura e sanea-
mento (CAIXA, 2000).
Por fim, quanto s propostas no dinamizadas
de novas polticas habitacionais, deve ser lembrado
o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), vol-
tado para atingir uma clientela na faixa entre qua-
tro e seis salrios mnimos de renda familiar. Ainda
que proposto como forma de leasing habitacional,
esse programa parece no ter sido pensado com a
mesma filosofia de seus congneres europeus. O ar-
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Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
rendamento aqui teria mais o objetivo de facilitar a
retomada dos imveis em caso de inadimplncia do
muturio, evitando longas batalhas judiciais2.
Para os setores mdios (renda familiar mensal
de at 12 salrios mnimos), tem se destacado ao lon-
go dos ltimos anos o Programa Carta de Crdito,
que utiliza recursos do FGTS e das cadernetas de
poupana. Trata-se de fornecer uma linha de crdito
direta ao cidado, que pode escolher a melhor alter-
nativa para resolver seu problema de moradia, den-
tre as modalidades de aquisio de habitao pronta,
nova ou usada.
Merece tambm destaque o Programa de Fi-
nanciamento Produo e ao Crdito Individual,
voltado para apoiar a indstria da construo civil
na produo de projetos habitacionais destinados
parcela da populao de renda mdia e alta que
opte por um contrato de financiamento vinculado
ao imvel. Trata-se de programa praticamente similar
ao que foi hegemnico durante o perodo BNH para
os setores de maior renda, exceto no que respeita ao
financiamento que, alm dos recursos das cadernetas
de poupana, abre a possibilidade de outras fontes
complementares (Companhias Hipotecrias e Fun-
dos de Investimento Imobilirio).
Mas, a maior novidade na rea habitacional
nos anos 1990 foi a aprovao, atravs da Lei Fede-
ral 9.512 / 97, do denominado Sistema Financeiro
Imobilirio (SFI), em moldes totalmente diferentes
do SFH, criado junto com o extinto Banco Nacional
da Habitao e que at hoje financia a maior par-
te dos programas existentes, por meio de recursos
da caderneta de poupana e do FGTS. Inspirado na
experincia norte-americana, o novo sistema opera
exclusivamente com recursos da iniciativa privada
nacional e internacional. O ponto de destaque do SFI
a chamada alienao fiduciria, pela qual o mutu-
rio somente torna-se proprietrio do imvel quando
quita o financiamento. Com isso, o financiador pode
retomar rapidamente os imveis em inadimplncia.
Tanto o perodo permitido para atrasos quanto os
prazos de financiamento e as taxas de juros sero fi-
xados, atravs de contrato, entre os agentes fiducirio
e fiduciante, sem interferncia do Estado. Pelo texto
da lei, os assalariados podero utilizar os recursos
do FGTS para abater as dvidas. O objetivo de seus
mentores seria atrair no s capitais internacionais
como recursos dos fundos de penso, uma vez que
financiando apenas parte do custo do imvel (cabe
ao comprador arcar diretamente com parte dos cus-
tos) e com a possibilidade de rpida retomada em
caso de inadimplncia alm da inexistncia de re-
gulao governamental para prazos, taxa de juros e
comprometimento mximo de renda familiar com
as prestaes dificilmente haveria possibilidade de
prejuzo para o investidor.
2Tradicionalmente, nos casos graves de inadimplncia, a CAIXA tem optado pelo leilo com as residncias ocupadas, mas isso acarreta uma diminuio nos preos dos arremates das mesmas.
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
Um eventual revigoramento do atual Sistema
Financeiro da Habitao depende da resoluo de
uma complicada questo poltica sobre como co-
brir o dficit acumulado ao longo das ltimas dca-
das. Por outro lado, o desempenho do novo Sistema
Financeiro Imobilirio, ainda em fase de implemen-
tao, depende de inmeras variveis financeiras e
econmicas, bem como de alianas de interesses e
de um formato institucional que lhe permitam con-
ceder financiamentos em larga escala e em fluxo
constante. Evidentemente, este um sistema que
somente pode ser utilizado para setores de renda
mais alta, uma vez que seria duvidoso que, em uma
conjuntura de juros altos, fosse capaz de atingir uma
clientela mais ampla.
4. Perspectivas e cenrios para a questo da moradia no incio do novo sculo
A rpida urbanizao das ltimas dcadas do
sculo XX aliada a um processo de industrializa-
o tardia que incorporou somente uma pequena
parcela dos trabalhadores urbanos acarretou pro-
blemas urbanos complexos e de difcil enfrentamen-
to por parte do poder pblico.
Entre as diversas carncias da populao de bai-
xa renda vinculadas ao habitat (saneamento, abaste-
cimento de gua, energia eltrica, transporte etc.), a
que apareceu com mais evidncia e centralidade foi
o dficit de moradia. Esse contexto explica, em parte,
no s por que o poder pblico, em termos de poltica
urbana, priorizou historicamente a questo habitacio-
nal, como tambm a pouca amplitude e o fracasso da
maior parte dessas intervenes governamentais.
Em uma sociedade extremamente heterognea
e desigual como a brasileira, questes aparentemente
universais como educao, servios de sade, sanea-
mento e habitao no so facilmente comparveis e
muito menos intercambiveis entre alguns dos diver-
sos submundos sociais. Assim, no referente ao habi-
tat, temas como necessidades habitacionais, aluguel,
habitao adequada, tamanho de terreno, infra-estru-
tura, entre outros que em geral so tratados como
se estivessem vinculados a um nico mercado , tm,
na verdade, significados muito variados, dependendo
dos setores sociais a que se referem.
Comecemos pelas alternativas que se abrem
para os setores populares, que mesmo durante a fase
urea do BNH foram os menos beneficiados. Nessas
condies, a opo habitacional para a maioria da
populao pobre, formada por um considervel con-
tingente de desempregados e de trabalhadores even-
tuais, tm sido os cortios, favelas e bairros clandes-
tinos, localizados fundamentalmente nas metrpoles
e grandes cidades. Assim, a autoconstruo torna-se
a soluo possvel para amplas camadas populares
resolverem seus problemas habitacionais. Em funo
da escassez de recursos e de tempo disponvel, essas
construes prolongam-se por um largo perodo de
tempo e se caracterizam pelo tamanho reduzido, bai-
xa qualidade dos materiais empregados, acabamento
precrio e tendncia deteriorao precoce (Marica-
to, 1979; Ribeiro e Azevedo, 1996).
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Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
A experincia tem demonstrado que, apesar
dos subsdios diretos e indiretos, nos pases subde-
senvolvidos as casas populares so ainda muito caras
para a maioria dos setores de baixa renda. Nessas cir-
cunstncias, a poltica habitacional enfrenta um di-
lema de difcil soluo: se subsidia em maior escala,
compromete drasticamente a produo quantitativa
de casas; se busca um nvel maior de eficcia atra-
vs do retorno de parte do capital aplicado , exclui
uma considervel parcela da populao dos progra-
mas tradicionais de habitao popular.
por esse motivo que, nas ltimas dcadas,
tanto no Brasil como em muitos outros pases em
desenvolvimento, pesquisadores, autoridades gover-
namentais e lderes comunitrios vem os chamados
programas alternativos de habitao popular como
uma das formas de tentar responder s necessidades
habitacionais das populaes de baixa renda.
Embora a retrica oficial continue a exaltar
as qualidades dos chamados programas alternativos
como forma de enfrentar os problemas habitacionais
dos setores populares, os impactos concretos dessas
iniciativas ainda necessitam de estudos mais detalha-
dos3. Em contraposio e como estratgia para en-
frentar a crise de moradia, parte dos setores mdios
e altos optou, entre outras alternativas, pela partici-
pao em condomnios fechados afastados das reas
nobres, mas com acesso relativamente rpido atravs
de servios de transportes (auto-estradas, metrs de
superfcie etc.), e pela recuperao de parte de an-
tigos bairros populares, bem localizados na estrutu-
ra das cidades, impondo-lhes uma nova significao
simblica, concomitante com a criao de externali-
dades exclusivas, que os diferenciariam do resto da
rea (Ribeiro e Azevedo, 1996).
As estratgias de parte dos setores mdios e
de alta renda supracitadas significam a criao de
ilhas de classe mdia incrustadas na periferia ou
em antigos bairros populares. Se atentarmos para
o fato de que, concomitantemente a esse proces-
so, est em curso o adensamento das favelas e dos
bairros populares j consolidados, podemos ante-
ver o que chamaramos de diminuio perversa da
segregao espacial. O maior convvio forado,
em espaos contguos, dos estratos mdios e altos
com setores populares, em um contexto de desa-
gregao social e de baixo crescimento econmico,
tende a desencadear um recrudescimento dos pre-
conceitos sociais e uma identificao mecanicista
de pobres como sinnimo de classes perigosas
(Ribeiro e Azevedo, 1996).
Parte desse comportamento das classes m-
dias est relacionada com a trajetria ascendente da
violncia urbana. Entretanto, a tendncia de ver o
3Durante o perodo BNH, esses programas corresponderam a cerca de 265 mil unidades habitacionais, significando apenas 5,95% do total dos financiamentos do Banco (Azevedo, 1988, p. 117). Convm lembrar, entretanto, que aps 1985 a maioria dos programas de habitao popular nos trs nveis de governo, imple-mentados fora do SFH, privilegiaram os programas alternativos (mutiro, autoconstruo, cooperativas de autogesto etc.) que, em muitos casos, apresentaram resultados satisfatrios (Azevedo, 1990).
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
outro de classe inferior como um inimigo em po-
tencial tende a cristalizar preconceitos ideolgicos
nas elites, que obscurecem a necessidade da busca
de solues econmicas e polticas de mbito mais
amplo (diminuio dos nveis de pobreza absoluta,
ampliao das possibilidades de ascenso social, re-
forma do Estado etc.) e terminam por enfatizar res-
postas individuais imediatistas, incapazes de atacar
as razes do problema. Alm disso, acarretam proble-
mas que no s afetam negativamente a estrutura
urbana das cidades como tambm as prprias con-
dies habitacionais desses setores. Ou seja, levam
a um aumento exacerbado nos servios de seguran-
a e de taxas de condomnios, ao aprisionamento
das pessoas em suas residncias e diminuio da
importncia da rua, enquanto espao pblico de
convvio social, intercmbio, socializao e lazer.
(Ribeiro e Azevedo, 1996).
Por outro lado, tambm se poderia supor al-
guns efeitos positivos no esperados decorrentes des-
sa conjuntura. Em primeiro lugar, uma maior presso
dos setores populares cobrando do poder pblico
maiores investimentos de infra-estrutura, equipamen-
tos comunitrios e outras melhorias habitacionais,
tendo em vista o efeito demonstrao. Numa con-
juntura democrtica, em que o voto possui o mesmo
peso, independente da classe social do votante, este
um cacife no desprezvel. Alis, apesar da crise fiscal
e econmica, a melhora dos indicadores sociais nas
duas ltimas dcadas pode ser explicada, em grande
parte, por fatores de ordem poltica.
O debate sobre as possibilidades de reforma
do SFH, iniciado em dezembro de 1992 na Cmara
dos Deputados por ocasio do Simpsio Nacional da
Habitao, do qual participaram parlamentares de v-
rios partidos, representantes de sindicatos e numero-
sas associaes da sociedade organizada, no logrou
restaurar uma aliana suficientemente forte entre os
diversos atores envolvidos no financiamento, na pro-
duo e no uso da moradia, para ensejar modifica-
es estruturais no Sistema Financeiro da Habitao.
Nas discusses sobre as reformas do SFH, des-
de a primeira metade dos anos 1990, as propostas
de descentralizao estavam sempre amarradas aos
possveis novos formatos institucionais da poltica
federal. Apesar de suas diferenas, no que diz respei-
to ao papel dos diferentes mbitos de governo, elas
apresentavam uma certa similitude. Unio caberia
definir a macropoltica e arcar com a maior parte dos
financiamentos; aos estados federados, realizar ativida-
de reguladora dentro de seus respectivos territrios,
suplementar uma parte dos recursos, desenvolver
os programas clssicos das Cohab e eventualmente
quando por fragilidade de setores organizados da
sociedade ou do poder municipal implementar di-
retamente alguns projetos alternativos para os seto-
res de baixa renda. Aos governos locais era destinada
uma grande responsabilidade pela implementao
da poltica na ponta da linha: seja oferecendo ter-
renos e/ou participando de obras de infra-estrutura
como contrapartida de recursos repassados de ou-
tros nveis de governo, seja se responsabilizando di-
retamente pela execuo das obras, seja ainda acom-
panhando ou orientando os setores organizados da
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Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
sociedade (cooperativas, grupos de mutiro etc.) en-
volvidos com os diferentes projetos.
Essas propostas de descentralizao no tinham
como objetivo a criao de sistemas autnomos em
mbito estadual e municipal. Entretanto, com a desar-
ticulao do Sistema Financeiro da Habitao, a par-
tir de 1987 tanto alguns estados, ao se organizarem
para fazerem jus a possveis repasses federais, quanto
muitos municpios de grande porte, para se habilita-
rem a repasses federais e estaduais, terminaram por
criar uma estrutura institucional que lhes permitiu a
criao de sistemas hbridos capazes, de um lado, de
se articularem com iniciativas oriundas de um nvel
mais alto de governo e, de outro, de experimentarem,
com diferentes graus de institucionalizao e de so-
fisticao, polticas habitacionais autnomas.
No que se refere aos governos estaduais, o n
grdio dessas polticas independentes foi a busca de
uma fonte de financiamento prpria, ao mesmo tem-
po significativa e constante, de modo a assegurar um
desempenho regular e consistente.
Nesse sentido, a experincia do estado de So
Paulo foi a nica que at o momento apresentou xi-
to na configurao de um completo Sistema Estadual
de Habitao. A experincia paulista incentivou ou-
tros governos por exemplo, Bahia, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul a buscar, em suas respectivas
Assemblias Legislativas, apoio para a criao de Sis-
temas Estaduais de Habitao autnomos. O malogro
desses projetos se deveu, principalmente, s dificul-
dades dos governadores em obter, dos legislativos,
consenso sobre fontes de recursos oramentrios
permanentes (Arretche, 2000).
O governo paulista logrou, em 1989, aprovar
uma lei na Assemblia Legislativa que aumentava o
ICMS em 1%, com objetivo de criar uma fonte cons-
tante e livre para aplicao em habitao popular.
Isto permitiu que a Companhia Habitacional Estadual
(CDHU) elaborasse uma poltica prpria, abrangendo
programas, mecanismos de comercializao e formas
de subsdios prprios. Os recursos oriundos do ICMS
tm permitido desde ento um aporte constante e
extremamente significativo para a produo de ha-
bitaes de interesse social naquele estado. Basta ver
que os gastos oramentrios nessa rubrica passaram
de R$ 167 milhes, em 1988, para mais de R$ 400
milhes em 1994 (Arretche, 2000, p. 107-109).
Alm do estado de So Paulo, tambm o Cea-
r, nas administraes Tasso e Ciro, utilizou primor-
dialmente verbas oramentrias para financiamento
de sua poltica de habitao popular com formato
institucional prprio e s margens das agncias fede-
rais, lanando mo dos recursos do FGTS apenas de
forma suplementar. Ainda assim, no se pode afirmar
que se tenha constitudo no estado do Cear um Sis-
tema Estadual de Habitao, dado que no se registra
a institucionalizao de recursos fiscais que garan-
tam um fluxo contnuo de oferta de bens (Arretche,
2000, p. 118).
Ao longo da dcada de 1990, a maioria dos es-
tados optou por manter sua dependncia de fontes
federais, ainda que muitos desses programas nacio-
nais tenham ganhado na esfera estadual nomes fanta-
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Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
sia, como estratgia de vrios governos para angariar
maior legitimidade poltica em suas respectivas po-
pulaes (Azevedo, 1996). Entre esses, alguns poucos
estados como foi o caso, entre outros, da Bahia, Per-
nambuco e Paran conseguiram, por diferentes mo-
tivos, angariar vultosos repasses do governo federal,
distintamente da maior parte das administraes es-
taduais, que, em virtude de questes endgenas, no
logrou captar recursos relevantes, como ocorreu, por
exemplo, com o Rio Grande do Sul (Arretche, 2000).
Deve ser ressaltado que, alm de programas fe-
derais e estaduais, h uma tendncia ao surgimento
de um sem-nmero de programas de mbito local,
para esta faixa de menor renda, abrangendo desde a
construo de conjuntos, reurbanizao de reas de-
gradadas, mutiro e lotes urbanizados (Pnud, 1996). A
crise fiscal do Estado, especialmente nos mbitos fe-
deral e estadual, e a conseqente diminuio de ver-
bas para as necessidades habitacionais, aliadas a um
contexto democrtico que amplia a presso popular,
acarretaram um processo difuso e no planejado de
descentralizao, que poderamos chamar de uma
municipalizao selvagem da poltica habitacional
para os setores de menor renda ou, como preferem
Adauto e Luiz Csar, de uma descentralizao por
ausncia (Cardoso e Ribeiro, 1999).
Esses programas podem apresentar diversas
vertentes e envolver diferentes agncias, esferas de
governo e mesmo Organizaes No-Governamen-
tais, bem como priorizar projetos tradicionais (cons-
truo de conjuntos) ou programas alternativos cls-
sicos: autoconstruo, mutiro, legalizao de lotes,
urbanizao de favelas etc.
As dificuldades de se realizar atualmente um
balano geral sobre a ao municipal na rea habi-
tacional no Brasil decorrem da amplitude dessa in-
terveno, da diversidade de programas, da carncia
de informaes e das distintas metodologias empre-
gadas nas diversas pesquisas realizadas, o que nem
sempre possibilita a comparabilidade dessas experi-
ncias. Apesar disso, os estudos j realizados explici-
tam no s diversos constrangimentos, mas tambm
potencialidades e impactos no negligenciveis des-
ses programas.
No que diz respeito aos constrangimentos,
para parte da literatura especializada, ainda que em
determinadas circunstncias essas aes possam at
vir a ter um impacto relevante, na maioria dos casos,
a dependncia de verbas oramentrias e a inexis-
tncia de fontes de recursos especficos e constan-
tes pressupem a sujeio dessas iniciativas s prio-
ridades conjunturais do governo. Por no possuir o
controle sobre verbas ou fundos especiais e por seu
carter distributivo, esses programas tenderiam a se
transformar a mdio prazo em um poo sem fun-
do, em que os recursos so sempre muito inferiores
s demandas. Alm disso, com o passar do tempo, a
disputa com outros programas sociais por dotaes
oramentrias possivelmente se tornaria constante e
acirrada (Azevedo, 1996).
A enorme clientela potencial dessas iniciativas,
aliada escassez e no previsibilidade de recursos, e,
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Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
em muitos casos, falta de critrios bem definidos de
prioridades, favoreceria o surgimento de prticas de
favoritismo e de clientelismo poltico. Assim, embora
a lgica de alocao desses recursos possa ser bastan-
te variada, o fator de legitimao poltica e de apoio
eleitoral tende a ter grande importncia na definio
da populao-alvo desses programas, na maioria dos
casos pontuais e/ou intermitentes e vinculados a
uma determinada administrao. Mesmo tratando-se
de bens escassos e de impacto pouco significativo
para a maioria da populao pobre dos respectivos
municpios, esse modelo teria a capacidade de criar
forte expectativa nos setores populares. No por
outro motivo que, nas ltimas campanhas eleitorais
municipais, muitos candidatos venham usando o so-
nho da casa prpria como uma das bandeiras para
lograr apoio