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EPISÓDIOS DE RECONTEXTUALIZAÇÃO DE UMA POLÍTICA: O PIBID E OS
SUBPROJETOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Milena ENGELS DE CAMARGOGicele Maria CERVI
Denis Augusto DE CAMARGO FURB – Universidade Regional de Blumenau
Eixo 05: Políticas de formação de [email protected]
1.Discurso inicial
Olá professora, seja bem-vinda ao inferno! Foi diante da inquietação advinda
dessa frase, que se iniciou esta pesquisa.
Esse discurso estimulou-nos a pensar a trajetória docente como um desafio. Um
desafio não só pessoal, mas um desafio coletivo. Como nós, professores, encontraremos
o mundo do trabalho? Aliás, que mundo é esse? Que discursos circulam por esse
espaço? O que se pode falar? O que faz possível que esses discursos sejam ditos ou
pronunciados?
Para Gatti, Barreto e Andre (2011), é amplamente reconhecida a importância dos
professores para uma educação de qualidade, porém, ainda são desafios para as
políticas educacionais no Brasil questões como a formação inicial e continuada, os planos
de carreira, as condições de trabalho e a valorização desses profissionais, entre outros
aspectos. Os desafios apontados pelas autoras envolvem tanto licenciandos (como
futuros professores) quanto docentes em seu processo contínuo de formação e atuação
no ambiente escolar.
A pesquisa foi desenvolvida buscando problematizar seu objeto no campo da
política. Pela análise da política PIBID e seus subprojetos de Educação Física é que
seguimos, procurando conhecer a respeito das políticas, políticas públicas, políticas
educacionais e da Educação Física, pensando como se inventam e se movimentam.
Provocados por esse desejo de pensar os movimentos da política em diferentes
contextos, é que definimos o problema de pesquisa: como acontece a recontextualização
da política educacional PIBID e dos subprojetos de Educação Física em diferentes IES do
estado de SC?
A pesquisa tem como objetivo geral: problematizar a recontextualização da política
educacional PIBID e os subprojetos de Educação Física, em três IES do estado de Santa
Catarina.
Nesse sentido, problematizar não envolve encontrar soluções, mas propor uma
distância crítica em relação ao objeto, deslocar-se, desprender-se. Conforme Revel
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(2005), a história do pensamento se interessa por objetos, regras de ação ou modos de
relação de si. E na medida em que ela os problematiza, interroga-se sobre sua forma
historicamente singular e sobre a maneira pela qual eles apresentaram, numa dada
época, um certo tipo de resposta a um certo tipo de problema.
A pesquisa se justifica, tendo em vista a importância em compreender as políticas
e os discursos que nela circulam, que relações de poder a envolvem e como essas
políticas são interpretadas e praticadas de diferentes maneiras pelos sujeitos que nela
envolvidos. Esta pesquisa também contribui para que os sujeitos que atuam no PIBID
possam refletir a respeito da política na qual são sujeitos e, em um contexto mais amplo,
contribui para a análise de uma política nacional em diferentes momentos de sua
efetivação.
Desenvolvemos a metodologia desta pesquisa orientados pelas pesquisas pós-
críticas. Quando se trata de fazer investigação ou propor uma metodologia, as pesquisas
pós-críticas se apresentam em um caráter mais inventivo do que prescritivo. O percurso
de pesquisa não aparece como algo definido e estático, mas como fluxos e movimentos
que se realizam em torno do objeto. “Aproximamo-nos daqueles pensamentos que nos
movem, colocam em xeque nossas verdades e nos auxiliam a encontrar caminhos para
responder nossas interrogações” (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 19).
Nos movimentos de idas e vindas, contornos, aprofundamentos e afastamentos
em relação ao objeto da pesquisa, o método da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP)
proposto pelo sociólogo inglês Stephen Ball (1994) foi o caminho que pareceu melhor
possibilitar o diálogo com as problematizações. A ACP foi utilizada em nossa pesquisa,
como um método de pesquisar e teorizar a política educacional PIBID.
Conforme Ball (1994), uma política, além de processos e consequências, é texto e
também discurso. Textos são documentos, representações produzidas a partir de
disputas e embates por sentidos e significados, enquanto discursos atuam no que pode
ser dito e pensado, sobre quem, quando e com que autoridade pode falar. Nesse sentido,
essas duas conceituações, texto e discurso, são complementares e estão implícitas uma
na outra.
E é dessa forma que nossa pesquisa analisou os textos e discursos produzidos
pelas diferentes Instituições de Ensino Superior (IES) frente à política educacional PIBID.
Realizamos a análise no movimento de dialogar com as aproximações e singularidades
existentes entre os textos e discursos produzidos pelas IES. Dentre os determinismos
gerados pela política educacional PIBID, o caminho se aproxima em perceber as
possibilidades de diferentes apropriações e produções dos discursos por cada IES e cada
subprojeto, suas recontextualizações.
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2.As políticas, o PIBID e a Educação Física
Políticas e discursos emergem em meio a relações de poder. Segundo Foucault
(1999, p. 22), “a política é a guerra continuada por outros meios”, resultante de relações
de poder na sociedade, tem por base relações de força estabelecidas por meio da guerra
e como resultado dela. Políticas são, assim, processos de decisões construídas, por meio
de relações de poder, em múltiplas instituições e dinâmicas sociais.
As relações de poder, envolvendo a ação do Estado, são o que definem as
políticas públicas. “O conceito de políticas públicas implica considerar os recursos de
poder que operam na sua definição e que têm nas instituições do Estado, sobretudo na
máquina governamental, o seu principal referente” (AZEVEDO, 2004, p. 5).
Nessa direção, as políticas educacionais se apresentam como políticas públicas
que se dirigem a resolver questões educacionais. São as ações do governo que orientam
e regulam as questões educacionais em dado momento histórico, considerando suas
necessidades sociais.
Buscando compreender um pouco mais a respeito das políticas e políticas
educacionais, partiremos da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP), que adota uma
orientação pós-moderna, formulada pelo sociólogo inglês Stephen Ball (1994).
A utilização da ACP como método, segundo Mainardes (2006), permite que
realizemos a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua
formulação inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos.
Conforme Ball (1994), uma política, além de processos e consequências, é texto e
também discurso. E essas duas conceituações, texto e discurso, são complementares e
estão implícitas uma na outra.
A política como texto entende as políticas como representações que são
codificadas de maneiras complexas, que permitem uma pluralidade de leituras em razão
da pluralidade de leitores (BALL, 1994). Diferentes interpretações, por meio dos textos
produzidos, são realizadas, possibilitando processos de recontextualização.
Os textos são produzidos com diversas influências e incorporam significados
constituídos pelo embate entre diferentes discursos. “O discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se
luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2008, p. 10). Os discursos
atuam no que pode ser dito e pensado, mas também sobre quem, quando, onde e com
que autoridade pode falar.
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A política, como texto e discurso, circula no contexto social. Quando textos são
produzidos sofrendo a influência de discursos, eles carregam consigo seus sentidos e
poderes e serão influenciadores de novos discursos.
Assim, fica estabelecida uma dimensão dentro da qual as políticas se movem e os
consensos e conflitos acontecem, denominada por Ball (1994) de contextos: o contexto
da influência, o contexto da produção de textos, o contexto da prática, o contexto dos
resultados (efeitos) e o contexto da estratégia política. Esses contextos compõem o que
Ball (1994) trata como a Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP). E, apesar de estarem
inter-relacionados, os contextos não têm dimensão temporal ou sequencial, não são
etapas lineares. Cada um desses contextos apresenta lugares e grupos de interesse
diferentes, sendo assim, envolve disputas e embates diversos.
O contexto da influência é aquele no qual os discursos políticos são construídos,
onde normalmente as políticas públicas se iniciam. “Atuam nesse contexto as redes
sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É
também nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso
de base para a política” (MAINARDES, 2006, p. 51).
O contexto da produção de textos, é aquele no qual os textos políticos são
produzidos. Mainardes (2006) argumenta que o contexto de influência está
frequentemente relacionado aos interesses mais estreitos e ideologias dogmáticas e os
textos políticos normalmente estão articulados à linguagem do interesse público mais
geral.
Segundo Mainardes (2006), o contexto da prática é aquele cuja política está
passível a diferentes interpretações e recriação e será também nesse contexto que a
política produzirá efeitos e consequências que poderão representar mudanças e
transformações significativas na política original. O discurso presente nos textos está
sujeito a novas vozes quanto chega ao contexto da prática. Nesse contexto, as políticas
não são simplesmente postas em prática, implementadas na forma como se encontram
nos textos, elas estão sujeitas a diferentes compreensões e à recriação, segundo Lopes
(2006), sujeitas a recontextualizações.
Ball (1994), se referindo ao contexto dos resultados (efeitos), se preocupa com as
questões de justiça, igualdade e liberdade individual. Para o autor, as políticas não geram
somente resultados, mas acima de tudo, produzem efeitos. Os efeitos são resultados dos
discursos efetivados e decorrentes de relações de poder, e são capazes de produzir,
criar, suscitar, fazer circular. Dessa forma, nesse contexto, as políticas deveriam “ser
analisadas em termos do seu impacto e das interações com desigualdades existentes”
(MAINARDES, 2006, p. 54).
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O contexto de estratégia política envolve a reflexão acerca das questões
conjunturais e as desigualdades sociais criadas ou reproduzidas pela política investigada.
A partir disso, a criação de novas políticas é articulada.
Nesse sentido, a ACP foi proposta nesta pesquisa como um método de análise
das políticas por meio da sua circulação pelos diferentes contextos e orienta o processo
de análise da política PIBID e seus subprojetos de Educação Física.
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) se caracteriza
como uma política educacional voltada à formação de professores e foi criado no
contexto da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação
Básica, por meio do Decreto n.º 6755/2009 que institui a Política Nacional de Formação
de Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplina a atuação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no fomento a
programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências.
Em dezembro de 2007, foi lançada a primeira chamada pública do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), “com vistas a fomentar a
Iniciação à docência de estudantes das instituições federais de educação superior e
preparar a formação de docentes em nível superior, em cursos de licenciatura presencial
plena, para atuar na educação básica pública” (CAPES, 2007).
Vigente pela Portaria n.º 96 de 18/07/2013, conforme Art. 2º, o PIBID “tem por
finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da
formação de docentes em nível superior e para a melhoria da qualidade da educação
básica pública brasileira”.
O programa também procura incentivar a formação de professores para a
educação básica e elevar a qualidade da escola pública, promover a inovação e a
renovação dos processos educacionais por intermédio de experiências metodológicas de
caráter inovador e interdisciplinar. É uma proposta que busca valorizar os futuros
profissionais desde o processo de formação, visando à melhoria da educação brasileira.
O programa se desenvolve através da atuação de diferentes subprojetos de área,
representados pelas licenciaturas, dentre elas a Educação Física.
Nesse sentido, a Educação Física por meio dos seus textos e discursos que
envolvem o seu objeto de estudo, é uma área de atravessamento da política a ser
estudada em relação à atuação dos subprojetos de Educação Física.
A cultura corporal de movimento, como atual objeto de estudo da Educação Física
az parte dos textos que circulam no contexto da Educação Física Escolar, faz parte de
sua política. Em algumas realidades, esse mesmo contexto abriga também a circulação
da política educacional PIBID e seus subprojetos de Educação Física. Dessa forma,
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entendemos que políticas, ao circularem por diferentes contextos, serão atravessadas por
outras políticas e podem, assim, influenciar o seu processo de recontextualização.
3.O PIBID a partir dos documentos
Nos movimentos de idas e vindas, contornos, aprofundamentos e afastamentos
em relação ao objeto da pesquisa, o método da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP)
proposto pelo sociólogo inglês Stephen Ball (1994) foi o caminho que pareceu melhor
possibilitar dialogar com as problematizações. A ACP foi utilizada nesta pesquisa, como
um método de pesquisar e teorizar a política educacional PIBID e sua relação com a
Educação Física.
Como fonte de coleta de dados, foram utilizados documentos. “De fato, tudo o que
é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento
ou fonte” (POUPART et al., 2012, p. 296). Os documentos são fontes de ideias, opiniões,
ações, etc. Segundo Silva et al (2009), os documentos são produtos de uma sociedade e
manifestam o jogo de força dos que detêm o poder. Assim, não são produções isentas,
ingênuas; traduzem leituras e modos de interpretação do vivido por um determinado
grupo de pessoas em um dado tempo e espaço.
Participaram desta pesquisa três diferentes IES: IES-1; IES-2; e IES-3. As
instituições foram selecionadas a partir dos seguintes critérios: instituições semelhantes
quanto à natureza, porte e localização e que possuíssem projetos PIBID e subprojeto de
Educação Física. As IES foram contatadas a partir de uma carta de autorização de
pesquisa, enviada por e-mail para a coordenação institucional do PIBID de cada
universidade. Esta carta de autorização apresentava a pesquisa, solicitava uma
autorização para seu desenvolvimento junto à IES e o encaminhamento dos seguintes
documentos:
1- Projeto Institucional (PI): documento produzido pela IES, submetido à
aprovação pela CAPES, que descreve o projeto PIBID para a IES;
2 – Subprojeto de Educação Física: documento produzido por professores da IES
da área específica e apresenta as ações a serem desenvolvidas no subprojeto;
Estabelecemos uma organização para a análise dos documentos a partir do que
determinamos como “episódios de recontextualização”. Os episódios permitiram, assim,
uma análise sem categorizar a política num determinado contexto, mas que
contemplasse sua circulação e os diferentes contextos de forma concomitante num
mesmo episódio.
O primeiro episódio de recontextualização da política foi tratado a partir da análise
do PI, formulado pela IES, frente à portaria n.º 96 de 18 de julho de 2013 e seu respectivo
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edital de seleção. Utilizamos como critério de análise o disposto no item 4.3 do Edital de
Seleção (CAPES, 2013a) que dispõe sobre as especificações do projeto institucional.
Mesmo atendendo à mesma portaria, como base para a organização, as IES têm
a possibilidade de construção do documento com base em respostas que se aproximem
de seus contextos particulares, o que possibilita que a construção das respostas carregue
diferentes discursos incorporados na elaboração dos textos.
Percebemos aproximações nos discursos propostos em questões como ações
inovadoras, práticas interdisciplinaridades e envolvimento com tecnologias, o que faz
parte dos objetivos do Programa, porém, caracterizam-se também diferentes eixos
norteadores de trabalho nas IES.
Seguindo as disposições do Edital de Seleção (CAPES, 2013c), os projetos
institucionais devem incluir as especificações quanto às “ações/estratégias para inserção
dos bolsistas nas escolas, envolvendo o desenvolvimento das diferentes características e
dimensões da iniciação à docência, de forma a privilegiar a articulação entre as
diferentes áreas do conhecimento e a integração dos subprojetos”.
AIES-1 organiza suas ações respondendo à pergunta “quais as ações/estratégias
para a inserção dos bolsistas nas escolas?”. Com a utilização de tópicos, alguns em
destaque no quadro 04, percebemos um eixo específico de trabalho, a inclusão e a
diversidade, constituído a partir de práticas de inclusão social e de defesa do meio
ambiente, da produção artística e do patrimônio cultural. O PIBID da IES-2 faz sua
proposta de ação a partir da “Proposta Metodológica” apresentada, que se baseia nos
objetivos do PIBID da IES-2 e nos eixos norteadores do projeto, que são a formação
estética e a competência comunicativa. Já o PIBID da IES-3 responde ao questionamento
“quais as ações/estratégias para a inserção dos bolsistas nas escolas?” a partir da
produção de um texto, no qual são descritas as ações/estratégias onde acentua-se a
perspectiva do letramento, em especial o digital.
A presença de novos discursos incorporados ao projeto como a Formação
Estética e Competência Comunicativa do projeto da IES-2, o letramento/letramento digital
do PIBID da IES-3 e as práticas de inclusão social e de defesa do meio ambiente, da
produção artística e do patrimônio cultural da IES-1, evidenciam que novos significados
podem ser incorporados à prática da política. “Professores e demais profissionais
exercem um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação das políticas
educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no que acreditam têm implicações
para o processo de implementação das políticas” (MAINARDES, 2006, p. 53). Políticas,
ao serem apresentadas como textos, são interpretadas de diferentes maneiras, carregam
limitações, mas também possibilidades, permitindo as recontextualizações. Discursos não
são produzidos independente de poder e interesses e cada IES traz incorporada, nos
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seus discursos, um pouco de seus docentes, suas pesquisas, seus grupos, seus
interesses, o que marca e ressalta as recontextualizações.
O segundo episódio de recontextualização da política se refere à análise do
subprojeto de Educação Física frente à portaria n.º 96/2013 e ao PI elaborado por cada
IES. Analisamos de que forma os discursos presentes na portaria e no Projeto
Institucional são recontextualizados no subprojeto de Educação Física.
Os novos textos produzidos são recontextualizados não somente a partir da
política, mas sofrem influências dos projetos institucionais e da área específica de
atuação. Nesses movimentos, a política circula ganhando força, ora se aproximam dos
textos, ora criam novos discursos.
O primeiro episódio de recontextualização se constituiu na análise do PI. O
segundo episódio de recontextualização tem o foco na análise do subprojeto de
Educação Física, compreendendo de que forma os discursos presentes na portaria e no
Projeto Institucional são recontextualizados neste documento.
Nos subprojetos de Educação Física das três IES, percebemos que o disposto na
política nacional é trabalhado de acordo com a aproximação aos objetivos do programa,
mantêm-se os atravessamentos produzidos pelas temáticas propostas no Projeto
Institucional e se desenvolvem, também, características singulares, que aproximam o
subprojeto à sua área de atuação.
Além das ações em consonância com os objetivos do programa, que sofreram
influências do discurso presente no texto da política em questão, as IES apresentam,
também, ações com características singulares, únicas em cada subprojeto. “Os textos
políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro dos
diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações da
política” (MAINARDES, 2006, p. 52).
Discursos que, além da influência do texto da política PIBID, trazem outras
disputas em sua constituição, como influências do contexto onde se realiza e dos atores
participantes da elaboração dos subprojetos. Discursos que enfatizam o caráter de
recontextualização da política PIBID, permitindo compreender que, mesmo em uma
política nacional, é possível a constituição de discursos singulares, como pode ser
observado através de excertos dos documentos fornecidos pelas IES.
O subprojeto de Educação Física da IES-1 propõe ações que levem ao
desenvolvimento da autonomia por parte do licenciando, “com suporte das abordagens
pedagógicas vivenciarão um processo contínuo de ação-reflexão-ação no cotidiano da
prática pedagógica, que os permitam se compreender como construtor desta e não um
mero executor”. O desenvolvimento da autonomia por parte do licenciando não
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representa uma temática de trabalho específica a ser desenvolvida no subprojeto, mas,
orienta as ações a serem desenvolvidas, é um princípio.
O subprojeto de área da IES-2, no seu processo de recontextualização, traz
características advindas do PI e novas características singulares, o que pode ser
observado com a expressão em destaque: “Desenvolver projeto de mobilização estética
com a reorganização do ambiente para brincar”. O foco de trabalho voltado à formação
estética já havia sido abordado no projeto institucional e mantém o seu discurso no
subprojeto de Educação Física. Uma nova temática é abordada para o direcionamento
das ações do subprojeto, o brincar criativo, representando sua característica singular.
No subprojeto de área da IES-3, veem-se implantadas as características do
Projeto Institucional, o que pode ser observado ao buscar promover a “inserção de
práticas de letramento nas aulas de Educação Física”. A temática proposta no projeto
institucional, o letramento, é aproximada ao contexto de aplicação, o subprojeto de
Educação Física, “incluindo o incentivo à leitura e interpretação de regras esportivas,
códigos gestuais adotados por árbitros, legendas e pontuação das modalidades
esportivas, entre outros como as placas de sinalização para segurança nos espaços
aquáticos”.
Com a análise do subprojeto de área, foi possível perceber que os novos textos
produzidos são recontextualizados não somente a partir da política, mas sofrem
influências dos projetos institucionais e da área específica de atuação. Nesses
movimentos, a política circula ganhando força, ora se aproximam dos textos, ora criam
novos discursos.
A cultura corporal (do movimento), como uma política da área da Educação Física,
considerando que políticas são textos e também discursos (BALL, 1994), passa a
também a atravessar os subprojetos, como pode ser observado nos seguintes excertos.
O subprojeto da IES-3, “[...]como forma de apropriação do conhecimento referente à
diversidade da cultura corporal”, e da IES-2, “desenvolvimento do brincar como cultura
corporal de movimento”. Ainda que o termo não apareça de forma explícita no subprojeto
da IES-1, o discurso “organizar/planejar/sistematizar o ensino da Educação Física, a
partir de estudos pedagógicos e didáticos que os permitam (re)construir(re)inventar a
prática com referência em ações/experiências e em reflexões/teorias” permite inferir o
desenvolvimento da cultura corporal na medida em que nessa perspectiva o corpo e suas
práticas expressam a sociedade na qual estão inseridos, ou seja, são construções
históricas, constituem a cultura corporal.
O segundo episódio de recontextualização, caracterizado pela análise do
subprojeto de Educação Física, permitiu perceber o que Ball (1994) propõe ao falar sobre
o contexto de influências, o qual possibilita uma migração das políticas, que não são
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simplesmente transferidas, mas são recontextualizadas dentro de contextos específicos.
O disposto na política nacional é trabalhado de acordo com a aproximação aos objetivos
do programa, mantêm-se os atravessamentos produzidos pelas temáticas propostas no
Projeto Institucional e se desenvolvem, também, características singulares, que
aproximam o subprojeto à sua área de atuação.
4.Conclusões
Entendemos que, quando falamos em políticas, é impossível não falar a respeito
das relações de poder, visto que são elas que vão constituindo os discursos de verdades
e as políticas. As relações de poder, envolvendo a ação do Estado, são o que definem as
políticas públicas. E as políticas educacionais são políticas públicas que se dirigem a
resolver questões educacionais, a exemplo do PIBID, uma política com abrangência
nacional, voltada para a formação de professores.
Problematizar uma política, a partir da abordagem do ciclo de políticas, envolve
compreendê-la como uma construção a partir de sua circulação pelos diferentes
contextos de produção das políticas. Uma política que, ao circular por diferentes
contextos, carrega consigo textos e discursos, provenientes de relações de saber e
poder, que vão sendo recontextualizados na sua circulação e produzindo, assim, novos
textos e discursos.
Os processos de recontextualização permitem a construção de novos textos e
discursos e, assim, garantem a singularidade dos espaços e das pessoas e anunciam a
possibilidade de um diferente, tanto na produção dos textos, como na prática. Esses
processos puderam ser observados na medida em que realizamos a análise dos
documentos produzidos pelas IES relativos à política PIBID.
Estabelecemos uma organização para a análise dos documentos a partir do que
determinamos como “episódios de recontextualização”. Os episódios permitiram, assim,
uma análise sem categorizar a política num determinado contexto, mas que
contemplasse sua circulação e os diferentes contextos de forma concomitante num
mesmo episódio.
Com a análise da política PIBID e seus processos de recontextualização junto aos
subprojetos de Educação Física, foi possível compreender um pouco mais acerca da
política e suas movimentações. Entendemos que a partir dessas relações e
atravessamentos, dos discursos originados pela política, daqueles produzidos em cada
IES e dos advindos das relações entre o PIBID e a cultura corporal de movimento,
desenha-se uma outra Educação Física. Que passa a fazer uma relação em rede, em
fluxo, que não foca essencialmente na cultura corporal do movimento, mas que perpassa
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a diversidade, a inclusão, a competência comunicativa, a estética, o letramento, que
dialoga com a escola e os estudantes. Uma Educação Física que dialoga com as
tecnologias, que inova, que reconhece o momento atual e as diferentes formas de
construção das subjetividades.
Esse novo desenho representa a circulação da política PIBID nas três IES que
participaram de nossa pesquisa, mas, frente às outras IES, que outros discursos seriam
possíveis de circular? E será que em todos os subprojetos de Educação Física
encontraríamos a relação estabelecida com a cultura corporal de movimento? Como
outras IES recontextualizam a política PIBID?
E para além, lembrando que uma política não se restringe a ela mesma. Será que
os discursos produzidos pela política PIBID e pelos projetos de Educação Física são
capazes de influenciar a prática da Educação Física pelos demais professores que não
participam ativamente dessa política?
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