Daniel Sarmento - A liberdade de expressão e o problema do Hate Speech
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8/13/2019 Daniel Sarmento - A liberdade de expresso e o problema do Hate Speech
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A LIBERDADE DE EXPRESSO E O PROBLEMA DO HATE SPEECH
Daniel Sarmento
1. Introduo; 2. O Hate Speech no Direito Comparado; 2.1. EstadosUnidos; 2.2. Canad; 2.!. "#emanha; !. O Hate Speech e o SistemaInternaciona# dos Direitos Humanos; $. Os "r%umentos &e'ricos; $.1. OHateSpeech e a (usca da )erdade; $.2. Hate Speech* Democracia e"uto%o+erno; $.!. Hate Speech* "utonomia e ,i+re Desen+o#+imento da-ersona#idade; $.$. &o#erncia e Hate Speech; $./. Os Danos 0s )timas doHate Speech; $.. " E3ici4ncia da 5epresso aoHate Speech; /. O &ratamentoaoHate Speech no Direito Constituciona# (rasi#eiro; . O Caminho do 6eio.
1. Introd!"o
7o tempo da ditadura mi#itar* a censura recaa 8uase sempre so9re
mani3esta:es epressi+as 8ue o
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so9re os atos do Estado2* e os artistas podem produAir as suas o9ras sem o temor das
idiossincrasias dos censores de p#anto. 5espirase* en3im* um ar mais #i+re.
6as @ >ustamente neste no+o cenrio 8ue sur%em as 8uest:es mais comp#eas
re#acionadas 0 #i9erdade de epresso* en+o#+endo a imposio de #imites a este direito
3undamenta#* necessrios 0 proteo de outros direitos i%ua#mente importantes* como
i%ua#dade* pri+acidade* honra e de+ido processo #e%a#. O 8uadro ho>e @ menos o de um
uAes e
#e%is#adores 9uscando 3'rmu#as de e8ui#9rio entre princpios constitucionais co#identes.
7o momento em 8ue escre+emos este arti%o* este tema dos #imites 0 #i9erdade
de epresso est so9 os ho#o3otes da mdia em todo mundo* tendo em +ista os %ra+es
incidentes 8ue se se%uiram 0 pu9#icao de char%es de 6aom@ em um >orna#
dinamar8u4s. -ara a#%uns* tratouse de #e%timo eerccio da #i9erdade de epresso
so9re 8uesto de mimo interesse p?9#icoB o recrudescimento de con3#itos em raAo do
3undamenta#ismo re#i%ioso. Outros > sustentam 8ue as caricaturas* a#@m de
representarem uma %ratuita o3ensa 0 re#i%io is#mica = 8ue* como se sa9e* no permite
representa:es pict'ricas do seu -ro3eta =* tam9@m incitaram ao preconceito contra os
ra9es* ao caracteriA#os* de 3orma estereotipada* como terroristas.
O o9>eti+o deste estudo @ eaminar um dos temas #i%ados 0 3iao de #imites 0
#i9erdade de epressoB o re#acionado 0 proteo* ou no* de mani3esta:es de 'dio*
despreAo ou into#erncia contra determinados %rupos* moti+adas por preconceitos
#i%ados 0 etnia* re#i%io* %4nero* de3ici4ncia 3sica ou menta# e orientao seua#* dentre
outros 3atores = tema 8ue* no Direito Comparado* @ norma#mente estudado so9 o r'tu#o
de hate speech." an#ise desta 8uesto transcende a simp#es interpretao do teto
constituciona#* en+o#+endo* necessariamente* o mane>o de di+ersos +a#ores
2O pro9#ema 3undamenta# 8ue ho>e se co#oca no pas @ o da democratiAao dos meios de comunicao =3ortemente o#i%opo#iAados no (rasi# = para 8ue e#es possam promo+er um dos o9>eti+os 3undamentais da#i9erdade de epresso* 8ue @ a criao de um de9ate p?9#ico p#ura# e a9erto* +ita# para o eerccio doauto%o+erno pe#o po+o. En3atiAando a re#ao entre #i9erdade de epresso e democracia* +e>ase"#eander 6eiF#e>ohn.Political Freedom. GestportB
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etremamente importantes numa sociedade democrtica* como #i9erdade* i%ua#dade e
to#erncia* 8ue* como no poderia deiar de ser* a9remse a #eituras muito di+er%entes.
O assunto tem pro+ocado de9ates apaionados no mundo todo. Cortes
constitucionais e supremas cortes de di+ersos pases > se mani3estaram so9re o tema*
9em como instncias internacionais de direitos humanos. Uns* de um #ado* a3irmam 8ue
a #i9erdade de epresso no de+e prote%er apenas a di3uso das id@ias com as 8uais
simpatiAamos* mas tam9@m a8ue#as 8ue n's despreAamos ou odiamos* como o racismo.
-ara estes* o rem@dio contra ms id@ias de+e ser a di+u#%ao de 9oas id@ias e a
promoo do de9ate* no a censura. Do outro #ado esto a8ue#es 8ue sustentam 8ue as
mani3esta:es de into#erncia no de+em ser admitidas* por8ue +io#am princpios
3undamentais da con+i+4ncia socia# como os da i%ua#dade e da di%nidade humana* e
atin%em direitos 3undamentais das +timas.
7o (rasi#* como se sa9e* o tema 3oi o9>eto de uma importante deciso do
Supremo &ri9una# Ledera# em 2JJ!* no caso$llwan(er!=> 8ua#i3icado por inte%rantes
da Corte como o mais re#e+ante >u#%ado da hist'ria da8ue#e tri9una# em mat@ria de
direitos humanos. Decidiuse* na8ue#e >u#%amento* 8ue a #i9erdade de epresso no
prote%e mani3esta:es de cunho antisemita* 8ue podem ser o9>eto de persecuo pena#
pe#a prtica do crime de racismo. E h +rios outros casos em cortes in3eriores
apontando na mesma #inha.
Esta posio da Suprema Corte 9rasi#eira 3oi ap#audida de 3orma praticamente
unnime* tanto no m9ito da sociedade ci+i# como no meio acad4mico. "#%uns
constituciona#istas che%aram a criticar a metodo#o%ia empre%ada pe#a Corte = em
especia# o recurso 0 ponderao de interesses$= mas no o resu#tado a#canado* de
9animento e crimina#iAao das mani3esta:es de racismo. -ortanto* parece eistir um
3orte consenso contrrio 0 proteo constituciona# do hate speech* pe#o menos em
re#ao 0s epress:es de into#erncia racia#.Como se +er ao #on%o do estudo* no discordamos deste consenso e
en%rossamos o coro da8ue#es 8ue ap#audem o m@rito da deciso do S&L. Sem em9ar%o*
entendemos 8ue @ necessrio redo9rada caute#a 8uando se trata de #imitar a #i9erdade de
epresso em raAo do conte?do das id@ias mani3estadas. R preciso e+itar a todo custo
8ue este direito 3undamenta# to importante para a +ita#idade da democracia e para a!HC n 2.$2$T5S* -#enrio* 5e#. 6in. 6aurcio Corr4a* >u#%amento conc#udo em 1 de setem9ro de2JJ!.
$C3. )ir%#io "3onso da Si#+a.! +onstit)cionalia/&o do Direito. So -au#oB 6a#heiros* 2JJ/* pp. 1Q1QJ; e 6arce#o Cattoni. 0 +aso $llwan(er* 1ma +r2tica 3 Pondera/&o de 4alores na 5)rispr)d6ncia doS)premo Trib)nal Federal. 6imeo* 2JJ.
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autorea#iAao indi+idua# tornese re3@m das doutrinas morais ma>oritrias e das
concep:es so9re o po#iticamente correto* +i%entes em cada momento hist'rico. "
#i9erdade de epresso no eiste s' para prote%er as opini:es 8ue esto de acordo com
os +a#ores nutridos pe#a maioria* mas tam9@m a8ue#as 8ue chocam e a%ridem. E da
+em a %rande inda%ao 8ue en+o#+e o nosso temaB at@ 8ue ponto @ poss+e# restrin%ir a
#i9erdade de epresso para prote%er direitos 3undamentais de %rupos esti%matiAados*
sem des#iAar na rampa escorre%adia slipery slope78ue pode #e+ar 0 su9misso do
eerccio deste direito 0s ortodoias morais ou po#ticas de ocasio
O o9>eti+o principa# deste estudo @ tentar dar uma resposta coerente 0 8uesto da
#imitao 0s mani3esta:es 8ue promo+am o 'dio ou o despreAo contra minorias. -ara
isso* pretendemos* em primeiro #u%ar* epor como o tema +em sendo tratado em outros
pases e na >urisdio internaciona# dos direitos humanos. Em se%uida* dissecaremos os
+rios ar%umentos 3i#os'3icos e >urdicos 3a+or+eis e contrrios 0 restrio ao hate
speech. Da* passaremos a ana#isar o tema 0 #uA do ordenamento 9rasi#eiro* tecendo
considera:es 3inais so9re como* na nossa opinio* a 8uesto de+e ser en3rentada no
(rasi#* tendo em +ista no s' o nosso Direito positi+o* como tam9@m a rea#idade
emprica das re#a:es sociais eistentes no pas.
#. O Hate S$ee%& no Direito Com$arado
O tema do hate speech> 3oi en3rentado nas ordens >urdicas dos mais di+ersos
pases. Em o9ra co#eti+a or%aniAada pe#o Centro de Direitos Humanos da Uni+ersidade
de Esse/* por eemp#o* h re#atos so9re o tratamento da 8uesto na "ustr#ia* Canad*
5?ssia* Dinamarca* Lrana* "#emanha* Vndia* Israe#* "r%entina* Uru%uai* Ho#anda*
W3rica do Su#* Sri ,anFa* In%#aterra e Estados Unidos. Sem em9ar%o* por raA:es de
tempo e espao* decidimos prioriAar a an#ise do tema no m9ito dos Estados Unidos*
do Canad e da "#emanha* pois so estes os pases onde hou+e* na nossa opinio* um
de9ate mais rico so9re o assunto na dimenso constituciona#.
7osso prop'sito nesta eposio comparati+a @ no s' o de in3ormar ao #eitor
so9re as respostas dadas ao mesmo pro9#ema em outros pases* como tam9@m o de
traAer 0 9ai#a a ar%umentao empre%ada nas discuss:es* para* mais 0 3rente* ana#is#a
de 3orma mais detida e +eri3icar a sua pertin4ncia em re#ao 0 ordem >urdica 9rasi#eira.
/Sandra Co#i+er Ed.P. Strikin( a alance* Hate Speech, Freedom o $%pression and Non8discrimination.EsseB Human 5i%hts Centre* Uni+ersitX o3 Esse* 12.
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#.1. E'tado' (nido'
Em9ora a %arantia da #i9erdade de epresso tenha sido incorporada 0
Constituio norteamericana ainda em 1Q1* por ocasio da apro+ao da 1Y Emenda*
3oi apenas no curso do s@cu#o ZZ* ap's o 3im da 1Y e* sem d?+ida* o mais +a#oriAado direito 3undamenta# no m9ito da
>urisprud4ncia constituciona# norteamericanaQ. R certo* contudo* 8ue esta epanso na
proteo da #i9erdade de epresso tem se dado em parte ao custo de um
en3ra8uecimento na %arantia de outros direitos contrapostos* como pri+acidade*honra1J e tam9@m i%ua#dade. 7esta #inha* 3ormouse 3irme >urisprud4ncia nos Estados
Unidos no sentido da proteo constituciona# das mais tene9rosas mani3esta:es de
into#erncia e 'dio +o#tadas contra minorias* como ser +isto a9aio.
R re#e+ante* de incio* apontar para a 3orma aparentemente a9so#uta como est
redi%ida a %arantia constituciona# da #i9erdade de epresso na 1Y EmendaB o
+on(resso n&o pode editar nenh)ma lei ... limitando 9a9rid%in%7 a liberdade de
e%press&o o) da imprensa. Contudo* apesar dos termos perempt'rios do teto
C3. Danie# ". Lar9er. The First !mendment. 2nd ed.* 7e KorFB &he Loundation -ress* 2JJ!* pp. 1112;e urisprud4ncia norteamericana tenha reconhecido* desde o caso :riswold 's. +onnectic)t,
>u#%ado em 1/* a eist4ncia de um direito 3undamenta# imp#cito 0 pri+acidade* em casos de con3#ito*
e#a tende a atri9uir um peso muito superior 0 #i9erdade de epresso. -ara i#ustrar esta a3irmao* 9astamencionar 8ue* se%undo a >urisprud4ncia da Suprema Corte* a imprensa tem o direito de di+u#%ar o nomede +timas de estupro #andmark +omm)nications "nc. 's. 4ir(inia < $!/ U.S. 2 1QPP e de epor ao
p?9#ico o conte?do de con+ersas te#e3[nicas de particu#ares %ra+adas i#icitamente* sem autoriAao>udicia# artnicki 's. 4opper ase* a prop'sito* -au#
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constituciona#* poucos na hist'ria norteamericana de3enderam o carter a9so#uto da 1Y
Emenda11.7unca se 8uestionou* por eemp#o* 8ue a #i9erdade de epresso no prote%e
a8ue#es 8ue %ritam 3a#samente 3o%o num cinema #otado* como re%istrou O#i+er
Gende## Ho#mes12.-e#o contrrio* desde sempre se aceitou a necessidade de esta9e#ecer
a#%umas #imita:es ecepcionais ao eerccio deste direito sem as 8uais a +ida socia#
tornarseia in+i+e#1!."tua#mente* os Estados Unidos possuem um sistema de proteo
0 #i9erdade de epresso etremamente comp#eo* em 8ue h determinados campos
considerados 3ora do a#cance da 1Y Emenda* como o da o9scenidade1$* outros 8ue
rece9em uma proteo menos intensa* como a propa%anda comercia#1/* e uma rea em
8ue a tute#a constituciona# @ etremamente re3orada* em cu>o epicentro est o discurso
po#tico lato sens). -or outro #ado* h tam9@m uma importante distino entre as 3ormas
de re%u#ao estata# desta #i9erdadeB so mais 3aci#mente aceitas as restri:es #i%adas ao
tempo* #u%ar e 3orma da mani3estao* 8ue se>am neutras em re#ao ao seu conte?do*
mas h um contro#e muito mais ri%oroso das #imita:es atinentes ao teor do discurso*
8ue se torna ainda r%ido e 8uase in+aria+e#mente 3ata# 8uando a re%u#ao 9aseiase em
discordncia re#ati+a ao ponto de +ista do a%ente1.11" mais importante eceo a esta re%ra 3oi o 5)sticeHu%o (#acF* da Suprema Corte americana* 8uede3endia uma interpretao #itera# e a9so#utista da 1Y Emenda. 7as suas pa#a+ras* sem e%ce/&o, semnenh)m >se?, >mas?, o) >en@)anto?, a liberdade de e%press&o si(niica @)e o :o'erno n&o pode aer
@)al@)er coisa com pessoas, o), nas pala'ras da ;a(na +arta, a(ir contra pessoas seAa pelas idBias @)etenham o) pelas @)e e%pressem, o) pelas pala'ras @)e escre'am o) alem 9...7 $) simplesmente acredito@)e >+on(resso n&o pode editar nenh)ma lei? si(niica @)e o +on(resso n&o pode editar nenh)ma lei+onstit)tional Faith.7e KorFB Mnop3* 1* p. $/P.12Schenck 's. 1nited States, 2$ U.S. $Q 11P.1!C3. LredericF Schauer.Free Speech* ! Philosophical "n@)iry. Cam9rid%eB Cam9rid%e Uni+ersitX -ress*12* pp. 1!11/2.1$H enorme contro+@rsia nos Estados Unidos so9re se a o9scenidade de+e ou no ser prote%idaconstituciona#mente* e so9re 8ua# o conceito mais ade8uado para esta cate%oria. "tua#mente* ap#icase ade3inio de o9scenidade esta9e#ecida no caso;iller 's. +aliCrnia $1! U.S. 1/ 1Q!PP* se%undo a8ua# considerase o9scena uma o9ra 8uando satis3aa todos os se%uintes re8uisitosB 9a7 @)ando a pessoamediana, aplicando critBrios contemporneos da com)nidade, considere @)e a obra, como )m todo,apele aos interesses lasci'osprurientP; 9b7 @)ando a obra mostre o) descre'a, de orma patentemente
oensi'a, cond)ta se%)al especiicamente deinida na le(isla/&o estad)al aplicE'el e 9c7 @)ando a obra,considerada como )m todo, seAa despro'ida de @)al@)er 'alor literErio, art2stico, pol2tico o) cient2icosBrio. C3. ohn H. ase
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O primeiro caso importante en+o#+endo a 8uesto do hate speech 3oi
ea)harnais 's. "llinois1Q* >u#%ado pe#a Suprema Corte em 1/2. Discutiase* no
>u#%amento1* a condenao crimina# de um indi+duo 8ue promo+era a distri9uio de
pan3#etos em Chica%o* nos 8uais conc#ama+a os 9rancos a se unirem contra os ne%ros e
e+itarem a misci%enao racia#* acusando os a3rodescendentes de serem os respons+eis
por estupros* rou9os e outros crimes. " condenao 9asearase em #ei estadua# 8ue
proi9ira a ei9io em 8ua#8uer espao p?9#ico de pu9#ica:es 8ue imputassem a
%rupos identi3icados pe#a raa* cor* credo ou re#i%io* de caractersticas ne%ati+as
#i%adas 0 de+assido* crimina#idade* 3a#ta de castidade ou de +irtude* e 8ue com isso
epusessem os inte%rantes destes %rupos ao despreAo ou pudessem imp#icar em
desordem e tumu#tos. " Suprema Corte mante+e a condenao* considerando
constituciona# a #ei ap#icada* 8ue ha+ia sido 8uestionada em raAo de a#e%ada o3ensa 0
#i9erdade de epresso* e +a#idou com isso a id@ia de(ro)p libeldi3amao co#eti+aP.
" deciso* redi%ida pe#o 5)stice LranF3urter* destacou inicia#mente 8ue as
o3ensas pessoais n&o s&o parte essencial de @)al@)er e%posi/&o de idBias, e poss)em
)m 'alor social t&o red)ido como passo em dire/&o 3 'erdade @)e @)al@)er bene2cio
@)e possa ser deri'ado delas B claramente sobrep)Aado pelo interesse social na
moralidade e na ordem1. Em se%uida* a3irmou 8ue se as o3ensas diri%idas contra
indi+duos podem ser sancionadas apesar da %arantia da #i9erdade de epresso* o
mesmo de+eria +a#er para as o3ensas perpetradas contra %rupos. Isto por8ue* nas suas
pa#a+ras* o trabalho de )m homem, as s)as oport)nidades ed)cacionais e a di(nidade
@)e lhe B reconhecida podem depender tanto da rep)ta/&o do (r)po racial o) reli(ioso
a @)e ele perten/a como dos se)s prCprios mBritos. Sendo assim, estamos impedidos de
dier @)e a e%press&o @)e pode ser p)n2'el @)ando imediatamente diri(ida contra
indi'2d)os, n&o possa ser proibida se diri(ida a (r)pos.
-or@m* esta posio no tardou a ser re+ertida2J. Com e3eito* no >u#%amento docaso randemb)r( 's. 0hio21* em 1* a Suprema Corte norteamericana re3ormou
1Q!$! U.S. 2/J 1/2P.1Os trechos mais importantes da deciso 3oram reproduAidos em Ste+en H. Shi33rin N esse Choper. TheFirst !mendment* +ases < +oments < G)estions. St. -au#B Gest u#%adossuper+enientes do &ri9una#* 8ue atri9uram prioridade ao ro9ustecimento do de9ate em detrimento dahonra* em 8uest:es de carter p?9#ico. C3. 6ichae# 5osen3e#d. Hate Speech in Constitutiona#
urisprudenceB " Comparati+e "na#Xsis. InB+ardoo #aw School, =orkin( Paper Series n IJ, 2JJ1* p.21.21!/ U.S. $$$ 1P.
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deciso 8ue condenara (randem9ur%* um #der da Mu M#u M#an no Estado de Ohio*
pe#o de#ito de apo#o%ia ao crime criminal syndicalismP. Este indi+duo or%aniAara e
promo+era um encontro da8ue#a ne3asta entidade* para o 8ua# con+idara um rep'rter*
8ue transmitiu ao p?9#ico* pe#a te#e+iso* a#%umas ima%ens do e+ento. 7a 3i#ma%em*
+iamse pessoas encapuAadas 8ueimando cruAes e pro3erindo pa#a+ras de ordem contra
ne%ros e >udeus. 7um dado momento* (randem9ur% usou da pa#a+ra para diAer 8ue os
crio)los ni%%erPde'eriam ser de'ol'idos para a Krica e os A)de)s para "srael* e* em
outra passa%em* pro3eriu ameaa* a3irmando 8ue se o -residente* o Con%resso e a
Suprema Corte continuassem a pre>udicar a raa caucasiana* a Mu M#u M#an poderia
tentar se +in%ar.
" deciso da Suprema Corte* sem se8uer adentrar na 8uesto do racismo*
considerou inconstituciona# a #ei do Estado de Ohio* por8ue entendeu 8ue e#a punia a
de3esa de uma id@ia* o 8ue seria p#enamente incompat+e# com a #i9erdade de epresso.
7as pa#a+ras do &ri9una#* as (arantias constit)cionais da liberdade de e%press&o e
liberdade de imprensa n&o permitem @)e o $stado pro2ba a deesa do )so da or/a o)
da 'iola/&o da lei, e%ceto @)ando esta deesa seAa direcionada a incitar o) promo'er
a/&o ile(al, e seAa ade@)ada ao incitamento o) 3 prod)/&o desta a/&o22. " #inha
traada pe#a Corte distin%uiu a de3esa de id@ias racistas = prote%ida pe#a #i9erdade de
epresso = da incitao 0 prtica de atos +io#entos = no prote%ida.
Caso ainda mais em9#emtico en+o#+eu uma passeata or%aniAada pe#o -artido
7aciona#Socia#ista da "m@rica* de pessoas en+er%ando uni3ormes mi#itares naAistas e
portando 9andeiras com susticas* no municpio de SFoFie = um su9?r9io de Chica%o
com QJ.JJJ ha9itantes* dos 8uais $J.JJJ eram >udeus e /.JJJ so9re+i+entes do
Ho#ocausto. O municpio tentou de todas as 3ormas impedir a mani3estao* primeiro
atra+@s de ao* >u#%ada improcedente pe#a Suprema Corte de I##inois2!* e depois
editando normas 8ue cria+am uma s@rie de o9stcu#os ao e+ento* todas e#as dec#aradasinconstitucionais pe#a QY +irc)it +o)rt2$* por +io#ao 0 #i9erdade de epresso* em
deciso cu>o m@rito a Suprema Corte recusouse a eaminar2/. 7o 3ina#* apesar de terem
o9tido a permisso dese>ada* os neonaAistas pre3eriram rea#iAar a sua mani3estao no
22Ecertos da deciso constam em Ste+en H. Shi33rin N ess@ H. Choper* 0p. cit.,pp. $!$.2!Skokie 's. Nationalist Socialist Party o !merica* !Q! 7.E.2d 21 1QP.2$+ollin 's. Smith* /Q L.2d 11Q QthCir.P.2/Smith 's. +ollin,$! U.S. /! 1QP.
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em SFoFie* mas na cidade de Chica%o* o 8ue 3iAeram so9 proteo po#icia# para impedir
8ue 3ossem atacados pe#o p?9#ico2.
O entendimento >urisprudencia# 8ue se 3irmou ao #on%o do tempo 3oi de 8ue*
como as restri:es ao hate speech en+o#+em #imita:es ao discurso po#tico 9aseadas no
ponto de +ista do mani3estante* e#as so* em re%ra* inconstitucionais. "ssim* nem a
di3uso das posi:es racistas mais radicais e hediondas pode ser proi9ida ou pena#iAada.
Isto por8ue* entendese 8ue o Estado de+e adotar uma postura de a9so#uta neutra#idade
em re#ao 0s di3erentes id@ias presentes na sociedade* ainda 8ue considere a#%umas
de#as a9>etas* despreA+eis ou peri%osas. "s concep:es de3endidas por Hit#er ou pe#a
Mu M#u M#an t4m de rece9er a mesma proteo do -oder -?9#ico do 8ue as
mani3esta:es em 3a+or dos direitos humanos e da i%ua#dade. Como eceo* admitir
seiam apenas restri:es 0s mani3esta:es 8ue* pe#a sua natureAa* pudessem pro+ocar
uma imediata reao +io#enta da audi4ncia. &ratase da8ui#o 8ue a doutrina norte
americana chama dei(htin( words2Q.7otese* contudo* 8ue a rationale da doutrina das
i(htin( wordsno @ a proteo ao direito das +timas* mas sim a %arantia da ordem e da
paA p?9#icas.
)a#e a pena tam9@m mencionar o caso =-.!.4. 's. +ity o St. Pa)l2=* decidido
em 12* em 8ue a Suprema Corte re#ati+iAou at@ a doutrina das i(htin( words em
3a+or da proteo 0s mani3esta:es de racismo. 7a8ue#e caso* um %rupo de >o+ens 3ora
preso por ter in+adido o 8uinta# de uma 3am#ia de a3rodescendentes e # co#ocado 3o%o
numa cruA recordese 8ue o cruci3io em chamas @ o sm9o#o da Mu M#u M#anP. E#es
3oram condenados no m9ito estadua# com 9ase em #e%is#ao #oca# 8ue institura a
3i%ura do crime moti+ado por preconceito 9bias moti'ated crime7, tipi3icando a
conduta da8ue#e 8ue colocasse em propriedade pLblica o) pri'ada al()m s2mbolo,
obAeto, pala'ra, sinal o) (raite, incl)indo, mas n&o e%cl)si'amente, cr) em o(o e
s)Estica, sabendo o) tendo base raoE'el para saber @)e o mesmo ca)sa rai'a, medoo) ressentimento em o)tros com base em ra/a, cor, credo, reli(i&o o) (6nero . "
Suprema Corte do Estado de 6innesota > ha+ia determinado 8ue a #ei em 8uesto
de+eria ser interpretada de acordo com a Constituio* de 3orma restriti+a* de modo a
atin%ir apenas a8ue#as condutas 8ue pudessem ser consideradas comoi(htin( words, e
2" hist'ria* com todos os seus incidentes processuais* @ re#atada em
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parecia #on%e de 8ua#8uer d?+ida 8ue a ao dos acusados en8uadra+ase 9em na8ue#a
mo#dura.
7o o9stante* a Suprema Corte norteamericana in+a#idou a condenao* por
entender inconstituciona# a #ei em 8uesto* mesmo na ee%ese restriti+a adotada pe#o
&ri9una# de 6innesota. 7uma deciso tomada por / +otos a $ e redi%ida pe#o5)stice
Sca#ia* a Corte a3irmou 8ue seria #cito ao Estado proi9ir e pena#iAar o uso de i(htin(
words, mas no 3aA4#o de 3orma parcia#* como no caso* +isando a atin%ir apenas
determinadas id@ias ou concep:es repudiadas pe#a maioria da sociedade. Se%undo o
&ri9una#* o #e%is#ador na hip'tese em 8uesto pretendera atin%ir apenas as
mani3esta:es de into#erncia racia#* re#i%iosa ou de %4nero* +io#ando* com isso* o seu
de+er de neutra#idade em re#ao aos di+ersos pontos de +ista eistentes na sociedade.
7as pa#a+ras de Sca#ia* para a #ei em discusso* cartaes contendo al()mas pala'ras u#%amento* a Corte a3irmou 8ue a instruo transmitida ao
&ri9una# do ?ri em uma das condena:es* de considerar a 8ueima de cruAes como uma
e+id4nciaprima aciede ameaa* +io#ara a 1Y Emenda. " Corte entendeu 8ue* em9ora a
8ueima de cruAes rea#iAada com prop'sito intimidat'rio possa ser crimina#iAada* e#a
constitui mani3estao #e%tima da #i9erdade de epresso 8uando no @ promo+ida com
este intuito* e 8ue essa ati+idade epressi+a teria sido inde+idamente ameaada pe#a
re3erida instruo.
En3im* o 8ue assom9ra nestas decis:es norteamericanas so9re hate speech no
@ o 8ue se disse* mas o 8ue se ca#ou. 7enhuma ateno 3oi dedicada nestes >u#%ados ao
princpio da i%ua#dade* pre+isto na 1$Y Emenda da Constituio norteamericana* como
se a 8uesto da i%ua#dade racia# = +erdadeira cha%a na hist'ria da8ue#e pas = no
ti+esse 8ua#8uer re#ao com o tema. Em-.!.4. 's. +ity o St. Pa)l, por eemp#o* o
com9ate ao racismo por parte do #e%is#ador 3oi tratado como uma i#e%tima perse%uio
encetada contra um ponto de +ista impopu#ar* tendo sido simp#esmente i%norada a
8uesto da opresso racia#* to intensa nos Estados Unidos!J. O mimo 8ue o &ri9una#
concedeu na8ue#e >u#%amento* pe#a +oA do 5)stice Sca#ia* 3oi a a3irmao de 8ue
@)eimar )ma cr) no Aardim de al()Bm B repreens2'el. 7em uma ?nica pa#a+ra
dedicada 0 i%ua#dade racia# ou 0 necessidade de com9ate ao preconceito!1. Um si#4ncio
e#o8_ente...
Esta posio de de3esa 8uase incondiciona# do hate speech assumida no Direito
norteamericano = 8ue* como se +er em se%uida* di+er%e su9stancia#mente da8ue#a
pre+a#ente em outras sociedades democrticas 8ue tam9@m atri9uem um pape# essencia#
0 #i9erdade de epresso = tem +rias ep#ica:es. -odese apontar* por eemp#o* para
uma +a#oriAao maior da #i9erdade em re#ao 0 i%ua#dade na tradio doconstituciona#ismo e da pr'pria cu#tura norteamericana!2* 8ue 9em se epressa na
3ra%i#idade da rede de se%urana socia# eistente na8ue#e pas* 8uando con3rontada com
a sua incompar+e# pu>ana econ[mica* 9em como na comp#eta re>eio por # da id@ia
de direitos sociais e econ[micos.
!JC3. 6ari . 6atusda N Char#es 5. ,aurence III. Epi#o%ue. InB =ords that =o)nd, 0p. cit.,pp. 1!!1!.
!17o mesmo sentido* "Fhi# 5eed "mar. &he Case o3 the 6issin% "mendmentsB 5.".). +s. CitX o3 St.-au#. InBHar'ard #aw -e'iew* n. 1J* 12* pp. 12$1J.!2C3. 6ichae# 5osen3e#d* 0p. cit.,p. 11.
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7o 8ue tan%e 0 pr'pria #i9erdade* predomina no pensamento >urdico norte
americano uma concepo muito 3orma# deste +a#or* 8ue tende a a9strairse da opresso
rea# eercida no mundo da +ida so9re su>eitos de carne e osso. Esta +iso* ao
ne%#i%enciar os constran%imentos 3ticos para o eerccio da autonomia indi+idua#
presentes nas pr'prias estruturas sociais!!* aca9a empo9recendo a #i9erdade* ao
e8uipar#a 0 mera aus4ncia de coao estata# so9re os indi+duos. Em mat@ria de
#i9erdade de epresso* e#a i%nora a 3ora si#enciadora 8ue o discurso opressi+o dos
into#erantes pode eercer so9re os seus a#+os!$.
Outro 3ator decisi+o* diretamente #i%ado aos antes mencionados* @ a pro3unda
descon3iana em re#ao ao Estado* acompanhada de um certo otimismo = nem sempre
>usti3icado = em 3ace do mercado* so9retudo no 8ue tan%e 0 discusso de id@ias!/.
-ermeia todo o Direito Constituciona# americano a +iso do Estado como o %rande
ad+ersrio dos direitos* e no como uma entidade muitas +eAes necessria para
promo+4#os e prote%er os mais 3racos dos mais 3ortes no 8uadro de uma sociedade
desi%ua#. Em mat@ria de #i9erdade de epresso* esta tend4ncia @ especia#mente
pronunciada* e tem se e+idenciado numa >urisprud4ncia a#tamente #i9ertria* 8ue +4 com
%rande suspeio 8ua#8uer iniciati+a estata# na rea do de9ate p?9#ico* mesmo 8uando
destinada a p#ura#iAar as +oAes na arena de discusso e amp#iar a participao dos
se%mentos ec#udos do mercado comunicati+o!.
7a mesma #inha* de+ese re3erir ainda 0 su9sist4ncia* no pensamento
constituciona# norteamericano* da anacr[nica +iso de 8ue os direitos e princpios
constitucionais s' +incu#am ao Estado* no criando nenhum tipo de o9ri%ao para os
particu#ares!Q. Esta concepo* superada na maior parte das constitui:es
!! C3. Oen Liss. #ibertad de $%presiCn y $str)ct)ra Social. &rad. or%e L. 6a#@n Sena. 6@icoBLontanara* 1Q.!$C3. Oen Liss.! "ronia da #iberdade de $%press&o, 0p. cit., pp. !!; e Catharine ". 6acFinnon.
0nly =ords.Cam9rid%eB Har+ard Uni+ersitX -ress* 1!* pp. J!$2.!/C3. Cass Sunstein.Democracy and the Problem o Free Speech, 0p. cit., pp. 1Q/1; e Oen Liss.GhX the State. InBHar'ard #aw -e'iew,n. 1JJ* 1QQ* pp. Q1Q1.!So eemp#os os casos;iami Herald 's. Tornillo $1 U.S. 2$1 1Q$PP* em 8ue a Suprema Cortein+a#idou uma #ei do Estado da L#'rida 8ue institura o direito de resposta* so9 o ar%umento de 8ueo9ri%ar >ornais a pu9#icarem a8ui#o com o 8ue no concordam +io#aria a 1Y Emenda* e )ckley 's. 4aleo$2$ U.S. 1 1QPP* em 8ue o mesmo &ri9una# considerou inconstituciona# uma #ei 3edera# 8ueesta9e#ecera #imites para %astos em campanhas e#eitorais* so9 o ar%umento de 8ue e#a restrin%ia acapacidade de epresso dos candidatos e partidos. 7este >u#%ado* para re3utar a a#e%ao de 8ue a#imitao e8ua#iAa+a o acesso 0 comunicao dos di+ersos concorrentes num p#eito e#eitora#* reduAindocom isso a in3#u4ncia econ[mica no resu#tado da e#eio* a Suprema Corte a3irmou 8ue o conceito de@)e o :o'erno pode restrin(ir a e%press&o de al()ns elementos da sociedade 'isando a promo'er a 'orelati'a de o)tros B completamente estranho 3 J $menda.!QC3. ,aurence &ri9e.!merican +onstit)tional #aw. 2nded.* 6ineo#aB &he Loundation -ress* 1* pp.11Q2J; e ohn 7oaF N 5ona#d D. 5otunda. +onstit)tional #aw. St. -au#B Gest -u9#ishin% Co.*1/* pp. $QJ/J.
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7este no+o conteto* >uristas norteamericanos #i%ados ao mo+imento da
+ritical -ace Theory$1, 3eministas$2= tam9@m preocupadas com a ep#orao da mu#her
atra+@s da porno%ra3ia =* >unto com a#%uns #i9erais$!do mainstream+o se a3astar da
+iso #i9ertria so9re a #i9erdade de epresso e a9raar uma concepo crtica em
re#ao 0 posio so9re o hate speech adotada pe#a >urisprud4ncia$$. outros #i9erais*
apesar do seu comprometimento com os direitos das minorias em causas distintas* +o
continuar mi#itando no ront tradiciona#* contra 8ua#8uer tentati+a de restrio 0s
#i9erdades comunicati+as$/.
"tua#mente* como so mnimas as chances de a#terao da >urisprud4ncia da
Suprema Corte em mat@ria de hate speech,os de9ates de maior importncia prtica
nesta mat@ria nos Estados Unidos %ra+itam em torno da re%u#ao do discurso
into#erante no m9ito das uni+ersidades pri+adas. Como tais institui:es no inte%ram o
Estado* e#as no so o9ri%adas a se%uir a 1Y Emenda* de acordo com a doutrina da State
!ction. -or isso* a#%umas uni+ersidades pri+adas adotaram c'di%os de conduta 8ue
pro9em mani3esta:es de racismo ou preconceito contra minorias nos seus campi*
en8uanto outras* em9ora no esti+essem >uridicamente o9ri%adas a tanto* pre3eriram
se%uir a orientao da Suprema Corte e no criaram restri:es ao discurso dos seus
a#unos e pro3essores* para no a9a3arem o de9ate no m9ito da comunidade
uni+ersitria$.
Em resumo* nos Estados Unidos entendese 8ue as mani3esta:es de 'dio e
into#erncia contra minorias so prote%idas pe#a #i9erdade de epresso* mas esta
posio a9raada pe#a Suprema Corte est #on%e de ser consensua# na academia e na
sociedade. E as conse8_4ncias prticas deste posicionamento no se circunscre+em ao
territ'rio norteamericano. " amp#a proteo ao hate speech nos Estados Unidos tornou
$1C3. 6ari . 6atsuda* Char#es 5. ,arence III* 5ichard De#%ado N Mim9er#@ Gi##iams Creensha.
=ords that =o)nd* +ritical -ace Theory, !ssa)lti'e Speech and the First !mendment* 1!.$2C3. Catharine ". 6acFinnon* 0nly =ords, 0p. cit.$!C3. Oen Liss.! "ronia da #iberdade de $%press&o, 0p. cit., pp. !!/; 6ichae# 5osen3e#d. HateSpeech in Constitutiona# urisprudenceB " Comparati+e "na#Xsis. InB +ardoso #aw School* =orkin(Paper Series n. $1* 2JJ1* pp. /J!.$$Os ar%umentos empre%ados por am9os os #ados da contenda sero eaminados no item ! deste estudo.$/C3. 5ona#d DorFin.Freedom?s #aw* The ;oral -eadin( o the !merican +onstit)tion. Cam9rid%eBHar+ard Uni+ersitX -ress* 1* pp. 21$22; ,ee C. (o##in%er. The Tolerant Society* Freedom o Speechand $%tremist Speech in !merica.7e KorFB O3ord Uni+ersitX -ress* 1; 5o9ert -ost. +onstit)tionalDomains* Democracy, +omm)nity, ;ana(ement. Cam9rid%eB Har+ard Uni+ersitX -ress* 1/* pp. 21!!1; e Da+id ". . 5ichards.Free Speech and the Politics o "dentity. 7e KorFB O3ord Uni+ersitX-ress* 1.$So9re este de9ate* con3rontese 7adine Strossen. 5e%u#atin% 5acist Speech on CampusB " 6odest
-roposa#. InB HenrX ,ouis
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o pas a sede da maior parte dossitesracistas eistentes do mundo* 8ue* no espao sem
3ronteiras da"nternet, a#imentam o preconceito e a into#erncia contra minorias em todo
o p#aneta$Q.
#.#. Canad)
" Carta Canadense de Direitos e ,i9erdades* apro+ada em 12* consa%ra a
#i9erdade de epresso no seu art. 2 9P* se%undo o 8ua# todos t4m direito 3 liberdade
de pensamento, cren/a, opini&o, e%press&o, incl)indo a liberdade da imprensa e de
o)tros meios de com)nica/&o. -or outro #ado* a Carta tam9@m prote%e o direito 0
i%ua#dade* +edando discrimina:es art. 1/* 1P e pre+endo inc#usi+e a possi9i#idade de
instituio de po#ticas de ao a3irmati+a em 3a+or de minorias em situao
des+anta>osa art. 1/* 2P. E#a cont@m* ainda* re3er4ncia ao mu#ticu#tura#ismo como
compromisso 3undamenta# da sociedade canadense art. 2QP.
"demais* a Carta esta9e#ece epressa autoriAao para a instituio de #imites
aos direitos 3undamentais* desde 8ue se>am raAo+eis* criados por #ei e 8ue possam ser
demonstra'elmente A)stiicados n)ma sociedade li're e democrEtica art. 1P. Desde
o >u#%amento do caso-. 's. 0akes$*em 1* temse entendido 8ue esta ei%4ncia de
8ue as restri:es aos direitos se>am demonstra+e#mente >usti3icadas en+o#+e um dup#o
contro#eB em primeiro #u%ar* um contro#e so9re o o9>eti+o >usti3icador da restrio* 8ue
de+e ser ur%ente e su9stancia# pressin( and s)bstantialP. Em se%uida* um contro#e
so9re a pr'pria medida restriti+a* 8ue tem de atender ao princpio da proporciona#idade*
na sua trp#ice dimensoB de+e ha+er* assim* aP uma raAo+e# coneo entre a medida
e o o9>eti+o perse%uido* 9P a #imitao ao direito 3undamenta# de+e ser a mnima
necessria para atin%ir a8ue#e o9>eti+o* e cP os [nus re#acionados 0 #imitao do direito
no podem eceder 0s +anta%ens re#acionadas ao atin%imento do o9>eti+o +isado$.Com este 8uadro normati+o e uma cu#tura >urdica menos indi+idua#ista do 8ue a
norteamericana* a#@m de etremamente preocupada com a proteo aos direitos das
minorias* no 3oi di3ci# para a Suprema Corte do Canad posicionarse de 3orma
$QC3. Lriedric Mu9#er. Ho 6uch Lreedom 3or 5acist SpeechB &ransnationa# "spects o3 a Con3#ict o3Human 5i%hts. InBHostra #aw -e'iew,n. 2Q* 1* pp. !/!J.$Can ,II $ S.C.C.P 1P.$ )4se* portanto* 8ue o princpio da proporciona#idade ap#icado pe#a Corte canadense @ praticamente
id4ntico em conte?do 08ue#e tam9@m uti#iAado no Direito 9rasi#eiro* com os seus tr4s su9princpios deade8uao* necessidade e proporciona#idade em sentido estrito. So9re a proporciona#idade +e>ase o item/ deste estudo.
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contrria 0 proteo constituciona# do hate speech/J. 7o o9stante* como se +er a9aio*
o entendimento do re3erido tri9una# apresenta uma s@rie de nuances e no deia de
de3ender* em a#%uma medida* a #i9erdade de epresso mesmo para a di3uso da
into#erncia.
O leadin( casena mat@ria 3oi-e(ina 's. Oe(stra/1*>u#%ado em 1J. 7o caso
em 8uesto* discutiuse a constituciona#idade da condenao crimina# de um pro3essor
de 2 %rau 8ue de3endia e ensina+a entre os seus a#unos doutrinas antisemitas. 7as suas
#i:es* o pro3essor ames Me%stra a3irma+a 8ue os >udeus eram traioeiros*
amantes do dinheiro* assassinos de criana* 8ue 8ueriam destruir a Cristandade e
eram respons+eis por depress:es* %uerras e caos. O Ho#ocausto* se%undo e#e* teria sido
in+entado pe#os >udeus para atrair simpatia da comunidade internaciona#. O crime 8ue
#he 3oi imputado era o de promo'er propositadamente o Cdio contra al()m (r)po
identiicE'el, atra+@s de comunicao 8ue no 3osse mera con'ersa pri'ada,
pre+isto no art. !1 2P do C'di%o -ena# do Canad. O item Q deste mesmo dispositi+o
de3inira como %rupo identi3ic+e# 8ua#8uer seo da sociedade 8ue se caracteriAe pe#a
cor* raa* re#i%io ou ori%em @tnica. " deciso da Suprema Corte canadense* por $ +otos
a !* 3oi no sentido da manuteno da condenao e a3irmao da constituciona#idade da
#ei 8ue crimina#iAara o hate speech.
" t@cnica empre%ada pe#o &ri9una# no caso* e 8ue @ sempre usada no Canad no
escrutnio das restri:es a direitos 3undamentais* 3oi a8ue#a descrita acima. "ssim* a
primeira 8uesto ana#isada 3oi a prop'sito da eist4ncia* ou no* de uma restrio 0
#i9erdade de epresso no caso. E a resposta neste ponto 3oi a3irmati+a. -ara o &ri9una#*
mensa%ens dotadas de um conte?do epressi+o* desde 8ue no comunicadas de 3orma
3isicamente +io#entas* so prote%idas pe#a #i9erdade de epresso* independentemente
do seu conte?do* e isto +a#eria tam9@m para a di+u#%ao de id@ias racistas.
Em se%uida* o &ri9una# passou a ana#isar se o o9>eti+o perse%uido pe#o art. !12P do C'di%o -ena# canadense* de impedir o ma# causado pe#as epress:es de 'dio
contra %rupos raciais* @tnicos* nacionais e re#i%iosos* era su9stancia#* ur%ente e
/JSo9re o tratamento do hate speechno Canad* +e>ase ,.G. Sumner. The Hate)l and the 0bscene*St)dies in the #imits o the Free $%pression. &orontoB Uni+ersitX o3 &oronto -ress* 2JJ$; . 6anarin%.,e%a# 5e%u#ation o3 Hate -ropa%anda in Canada. InB Sandra Co#i+er Ed.P. Strikin( a alance* HateSpeech, Freedom o $%pression and Non8discrimination.,ondonB Human 5i%hts Centre* Uni+ersitX o3Esse* 12* pp. 1J122; Irin Cot#er. Ho#ocaust Denia#* E8ua#itX and HarmB (oundaries o3 ,i9erttXand &o#erance in a ,i9era# DemocracX. InB 5aphae# Cohen"#ma%or Ed.P. 0p. cit., pp. 1/111; e
Math#een 6ahoneX. &he Canadian Constitutiona# "pproach to Lreedom o3 Epression in Hate-ropa%anda and -orno%ra3X. InB#aw and +ontemporary Problems, n. //* 12* pp. QQ12J./1! S.C.5. Q 1JP.
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p#enamente compat+e# com uma sociedade #i+re e democrtica. 6ais uma +eA* a
resposta 3oi a3irmati+a. " Corte 3undamentou o seu entendimento na importncia do
compromisso constituciona# canadense com a i%ua#dade e com o mu#ticu#tura#ismo* 8ue
so pre>udicados com a hate propa(anda. "demais* o &ri9una# canadense ana#isou os
principais e3eitos ne%ati+os 8ue o hate speechpromo+e = o ma# 0s +timas e o ma# 0
sociedade como um todo. Em re#ao 0s +timas* re%istrou o terr+e# dano psico#'%ico a
8ue se su9metem os inte%rantes das minorias @tnicas e re#i%iosas 8uando epostos 0s
mani3esta:es de 'dio e despreAo* 8ue podem a9a#ar a sua autoestima* e #e+#os a
e+itar contatos com os nomem9ros dos seus %rupos* ou a 9uscar anu#ar as suas
caractersticas distintiti+as para 3u%irem ao preconceito. em re#ao ao dano 0
sociedade* o &ri9una# o9ser+ou 8ue* com o uso das tecno#o%ias e meios apropriados* as
pessoas podem ser con+encidas das id@ias mais a9omin+eis. "ssim* a aceitao da
propa%anda do 'dio poderia e+entua#mente atrair indi+duos 0s suas causas* ou
suti#mente incutir nos inconscientes dos seus receptores id@ias irracionais so9re a
in3erioridade dos inte%rantes de determinadas raas ou re#i%i:es.
-assou o &ri9una#* em se%uida* 0 3ase 3ina# e mais comp#ea do eame da
constituciona#idade* en+o#+endo o princpio da proporciona#idade da restrio a direito
3undamenta#. 7este ponto* a Corte a+a#iou inicia#mente a intensidade com 8ue a
crimina#iAao do hate speechcompromete os principais o9>eti+os inerentes 0 #i9erdade
de epresso = 9usca da +erdade* autorea#iAao indi+idua# e promoo da democracia.
E a posio do &ri9una# 3oi no sentido de 8ue este comprometimento @ muito reduAido*
> 8ue* nas pa#a+ras da Corte* e%iste )ma chance m2nima de @)e declara/Mes
destinadas a promo'er o Cdio contra )m (r)po identiicE'el seAam 'erdadeiras, o) @)e
a s)a 'is&o de sociedade cond)a a )m m)ndo melhor. "demais* ainda 8ue* ao
proi9irse os into#erantes de di3undirem as suas id@ias contra minorias* este>ase criando
uma #imitao 0 sua autorea#iAao* este pre>uAo* se%undo o &ri9una# canadense* @compensado pe#o 3ato de 8ue a +edao impede 8ue se atente contra a possi9i#idade de
autorea#iAao das +timas do discurso. Lina#mente* em re#ao 0 democracia* a Corte
o9ser+ou 8ue a disseminao de certas id@ias pro3undamente contrrias aos +a#ores
democrticos pode pre>udicar* ao in+@s de promo+er o auto%o+erno. Este seria
eatamente o caso do hate speech, 8ue* nas pa#a+ras da Corte* @ completamente
incompat2'el com as aspira/Mes democrEticas @)e a liberdade de e%press&o (arante.
"ssentada esta premissa* no 3oi di3ci# a3irmar 8ue a #imitao 0 #i9erdade deepresso em causa 3ora ade8uada* por manter uma re#ao raciona# com o 3im a 8ue se
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destina+a* de proteo 0s minorias e ao pr'prio processo democrtico. 7a mesma #inha*
considerouse 8ue a restrio em te#a tinha sido necessria* > 8ue no atin%ira outras
3ormas de discurso 8ue no a hate propa(anda.E* 3ina#mente* considerando 8ue a
restrio pouco a3etara os +a#ores 3undamentais da #i9erdade de epresso* como acima
destacado* entendeu o &ri9una# 8ue os e3eitos #imitati+os do art. !1 2P so9re este
direito 3undamenta# n&o s&o de nat)rea t&o deletBria a ponto de sobrep)Aarem
@)ais@)er das 'anta(ens obtidas atra'Bs da limita/&o."ssim* a Suprema Corte do
Canad* +a#endose do princpio da proporciona#idade* reconheceu 8ue a restrio ao
hate speechde 3ato imp#ica em #imitao 0 #i9erdade de epresso* mas tratase de
restrio constituciona#mente #e%tima.
Esta orientao contrria 0 proteo 0s mani3esta:es de 'dio e into#erncia
contra minorias @tnicas e re#i%iosas 3oi se%uida em outros casos* como -. 's. !ndrews
and Smith/2 e +anada 9H)man -i(hts +omission7 's. Taylor/!. 7o o9stante* no
>u#%amento do -. 's. )ndel/$*ocorrido em 11* a Corte in+a#idou* por $ +otos a !*
com 9ase em a#e%ada o3ensa 0 #i9erdade de epresso* a condenao crimina# de um
conhecido historiador re+isionista* 8ue pu9#icara o9ra ne%ando a eist4ncia do
Ho#ocausto.
7o caso em 8uesto* Ernst `unde# ha+ia sido crimina#mente acusado com 9ase
no art. 11 do C'di%o -ena# do Canad* 8ue punia 8uem pu9#icasse dec#arao*
narrao ou notcia 3a#sa* 8ue causasse dano ao interesse p?9#ico. O &ri9una# canadense
considerou 8ue a #ei em 8uesto no %uarda+a corre#ao estrita com o com9ate 0
into#erncia* e ha+ia sido redi%ida de 3orma ecessi+amente amp#a* de modo a eercer
um e3eito res3riador chillin( eectP so9re o discurso* > 8ue pessoas poderiam deiar
de epor e de3ender suas pr'prias id@ias pe#o medo da persecuo pena# e da
condenao. -ortanto* o de9ate no caso no 3oi centrado no conte?do das id@ias anti
semitas de `unde# e na sua e+entua# proteo constituciona#* mas em de3eitos eistentesna #e%is#ao incriminadora* cu>a ap#icao poderia comprometer +a#ores centrais 0
#i9erdade de epresso.
O outro caso en3rentado pe#a Suprema Corte do Canad em mat@ria de hate
speech 3oi-oss 's. New r)nswick School District//*>u#%ado em 1. Discutiase a8ui*
em resumo* uma deciso da Comisso de Direitos Humanos de 7e (runsicF* 8ue*
/21JP ! S.C.5. QJ.
/!1JP ! S.C.5. 2./$12P 2 S.C.5. Q!1.//1P 1 S.C.5. 2/.
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com 9ase na #e%is#ao antidiscriminao canadense* determinara 8ue um pro3essor* 8ue
de3endia 3ora de au#a* mas pu9#icamente* id@ias antisemitas* 3osse trans3erido na sua
esco#a para uma posio nodocente* e demitido* caso +o#tasse a pu9#icar 8ua#8uer
teto denunciando suposta conspirao sionista ou atacando os >udeus. " deciso
administrati+a 9asearase na constatao de 8ue a presena de pro3essor notoriamente
antisemita em sa#a de au#a comprometeria o am9iente educaciona# 8ue de+e +o#tarse 0
promoo da to#erncia e respeito m?tuo entre os a#unos.
O &ri9una# reconheceu a re#e+ncia constituciona# da de3esa de direitos das
minorias contra o racismo e a into#erncia* 8ue pode >usti3icar restri:es 0 #i9erdade de
epresso* e considerou* nesta #inha* proporciona# a deciso 8ue determinara a
trans3er4ncia de 5oss para ati+idade nodocente em sua esco#a. &oda+ia* a Corte
entendeu desnecessria a ameaa de demisso* caso e#e +o#tasse a di+u#%ar suas id@ias
antisemitas. De acordo com o >u#%ado* o a3astamento do pro3essor das ati+idades
#eti+as > minimiAaria a in3#u4ncia de#et@ria das suas posi:es discriminat'rias so9re os
a#unos* sendo* portanto* contrria ao princpio da proporciona#idade a ameaa de
demisso* 8ue importaria em restrio ecessi+amente amp#a 0 #i9erdade de epresso.
"ssim* +eri3icase 8ue a >urisprud4ncia canadense aceita a restrio ao hate
speech,mas mant@m uma 3orte preocupao com a %arantia da #i9erdade de epresso*
mesmo 8uando #i%ada 0 di3uso de id@ias discriminat'rias. 7esta #inha* a a3erio so9re
a +a#idade das restri:es 0 #i9erdade de epresso @ rea#iAada sempre caso a caso*
pautada pe#o princpio da proporciona#idade.
#.*. Aleman&a
7a "#emanha* a #i9erdade de epresso @ considerada como um dos mais
importantes direitos 3undamentais no sistema constituciona#* muito em9ora* ao contrriodo 8ue ocorre nos Estados Unidos* e#a no des3rute de uma posio de superioridade em
re#ao aos demais direitos. Os tri9unais com 3re8_4ncia ponderam a #i9erdade de
epresso com outros 9ens >urdicos* so9retudo direitos da persona#idade* empre%ando o
princpio da proporciona#idade/* de 3orma simi#ar ao 8ue ocorre no Canad. 7a
/S' para citar um eemp#o dentre os in?meros eistentes* recordese o caso #ebach
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+erdade* no Direito a#emo @ a di%nidade da pessoa humana* e no a #i9erdade de
epresso* o +a#or mimo da ordem >urdica/Q.
" #i9erdade de epresso encontrase consa%rada no art. /.1. da ,ei
Lundamenta# de (onn* 8ue reAaB Todos t6m o direito de li'remente e%pressar e
disseminar a s)a opini&o e de se inormar sem restri/Mes a partir de todas as ontes
acess2'eis. ! liberdade da imprensa e da com)nica/&o atra'Bs do rEdio e do cinema
s&o (arantidas. N&o ha'erE cens)ra.O art. /.2. permitiu epressamente restri:es a
esta #i9erdade* ao esta9e#ecer 8ue os direitos do /.1. n&o ter&o o)tros limites @)e os
preceitos das leis (erais, as re(ras de prote/&o dos menores e o direito 3 honra
pessoal. E o art. /.!.* 3ina#mente* determinou 8ue a arte, a ci6ncia, a pes@)isa e o
ensino s&o li'res. ! liberdade de ensinar n&o dispensa nin()Bm da lealdade em rela/&o
3 +onstit)i/&o.
Entendese* na "#emanha* 8ue a #i9erdade de epresso desempenha um dup#o
pape#. -or um #ado* tratase de direito su9>eti+o essencia# para a autorea#iAao do
indi+duo no conteto da +ida socia#. -or outro* a #i9erdade de epresso* na sua
dimenso o9>eti+a* @ um e#emento constituti+o da ordem democrtica* por permitir a
3ormao de uma opinio p?9#ica 9em in3ormada e %arantir um de9ate p#ura# e a9erto
so9re os temas de interesse p?9#ico/. Como ressa#tou a Corte Constituciona# a#em*
0 direito )ndamental 3 liberdade de e%press&o da opini&o B a mais diretae%press&o da personalidade h)mana em sociedade ... Para )m $stado li're edemocrEtico, ele n&o B nada menos do @)e constit)ti'o, por @)e B apenas atra'Bs dele@)e o constante debate intelect)al, o conronto de opiniMes, @)e B o se) elemento 'ital,torna8se poss2'el ... $le B de certa maneira a base de @)al@)er tipo de liberdade, amatri, a indispensE'el condi/&o de @)ase toda o)tra orma de liberdade/
"demais* a +iso %ermnica so9re a #i9erdade de epresso no a conce9e como
um simp#es direito ne%ati+o em 3ace do -oder -?9#ico. -e#o contrrio* a >urisprud4ncia
neste caso* pre+a#eceram os direitos da persona#idade so9re a #i9erdade de epresso./Q" ,ei Lundamenta# a#em esta9e#ece > no seu art. 1B ! di(nidade h)mana B in'iolE'el. -espeitE8la eprote(68la B de'er de todas as a)toridades estatais. Esta posio so9ranceira da di%nidade humana tem3orte #i%ao com o conteto hist'rico de e#a9orao do teto* #o%o ap's o 3ina# da 2Y ase Ernst (enda. &he -rotection o3 Human Di%nitX"rtic#e 1 o3 the (asic ,aP. InB So)thern ;ethodist 1ni'ersity* n. /!* 2JJJ* pp. /!!; e Edard E9er#e.Di(nity and #iberty* +onstit)tional 4isions in :ermany and the 1nited States, 0p. cit./C3. Monrad Hesse.$lementos de Direito +onstit)cional da -epLblica Federal da !lemanha. &rad. ,us"3onso HecF. -orto "#e%reB Ser%io "ntonio La9ris Editor* 1* pp. !J2!1J./Q ()er3
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constituciona# a#em > se mani3estou no sentido de 8ue o Estado tem* por eemp#o* o
de+er de a%ir positi+amente* editando a #e%is#ao necessria para corri%ir o mercado e
promo+er o p#ura#ismo de id@ias no m9ito da te#e+iso* a 3im de %arantir ao p?9#ico o
acesso a uma amp#a %ama de in3orma:es e pontos de +istaJ. 7o 9astasse* o
entendimento da Corte Constituciona# a#em @ no sentido de 8ue a #i9erdade de
epresso* como +a#or o9>eti+o da ordem constituciona# a#em* tam9@m se irradia para
as re#a:es entre particu#ares* no se circunscre+endo 0 es3era das re#a:es p?9#icas
entre cidados e Estado1.
Outra +ari+e# importante no de9ate a#emo so9re hate speech@ o conceito de
democracia mi#itante streitbare Demokratie72. " id@ia de democracia mi#itante
en+o#+e a noo de 8ue o Estado de+e de3ender a democracia dos seus inimi%os* 8ue
no aceitam as re%ras do >o%o democrtico e pretendem su9+ert4#as. 7este sentido* a
,ei Lundamenta# a#em +edou a criao de associa:es diri(idas contra a ordem
constit)cional o) contra a idBia de entendimento entre os po'os art. P* pre+iu a
possi9i#idade de decretao de pri+ao dos direitos 3undamentais* pe#a Corte
Constituciona#* para a8ue#e 8ue a9usar das #i9erdades constitucionais +isando a
combater a ordem constit)cional liberal e democrEtica art. 1P* e proi9iu os partidos
po#ticos 8ue* pe#os seus o9>eti+os dec#arados* ou pe#o comportamento dos seus 3i#iados*
proponhamse a atin%ir ou e#iminar a ordem constit)cional liberal e democrEtica o)
por em risco a e%ist6ncia da -epLblica Federal da !lemanha art. 21P. 7a d@cada de
/J* a Corte Constituciona# a#em che%ou a dec#arar a inconstituciona#idade do -artido
Socia#ista do 5eich S5-P!* pe#as suas tend4ncias neonaAistas* e = em deciso muito
mais po#4mica e contro+ersa* adotada no au%e da
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Contudo* desde ento* esta possi9i#idade de disso#uo de partidos nunca mais
3oi uti#iAada e ho>e a Corte Constituciona# no parece to disposta a #e+ar adiante o seu
pape# de %uardi da democracia mi#itante. -ro+a disso ocorreu num caso decidido em
1Q/* em 8ue tr4s di3erentes partidos de inspirao comunista insur%iramse contra
emissoras de rdio e te#e+iso 8ue ha+iam se recusado a transmitir a sua propa%anda
po#tica em @poca de e#ei:es* so9 o ar%umento de 8ue a ret'rica etremista empre%ada
atenta+a contra a ordem constituciona#. O &ri9una# a#emo deu raAo aos partidos*
a3irmando 8ue o 3ato de#es de3enderem id@ias 8ue atentam contra a Constituio no
con3eria 0s emissoras o direito de recusaremse a transmitir a sua propa%anda po#tica*
en8uanto e#es no 3ossem dec#arados inconstitucionais pe#a Corte* tendo em +ista o
princpio da i%ua# oportunidade de todos os partidos.
Sem em9ar%o* o Direito in3raconstituciona# a#emo contemp#a ho>e uma s@rie de
instrumentos para com9ater e punir a prtica do hate speech. Gin3ried (ru%%er#istou
a#%uns de#esB a crimina#iAao* pe#o C'di%o -ena# a#emo* da incitao ao 'dio* insu#to
ou ata8ue 0 di%nidade humana de partes da popu#ao ou de %rupos identi3icados pe#a
naciona#idade* raa* etnia ou re#i%io; a pena#iAao* ainda* da participao em
or%aniAa:es neonaAistas* e da ei9io de sm9o#os* 9andeiras* uni3ormes e sauda:es
naAistas; a proi9io* pe#a #e%is#ao administrati+a* de reuni:es ou mani3esta:es em
8ue se>a praticado o hate speech, com possi9i#idade de disso#uo imediata pe#as
autoridades p?9#icas; a co#ocao dos #i+ros e pu9#ica:es 8ue incitem ao 'dio racia# em
#ista pr'pria* 8ue impossi9i#ita a sua propa%anda e a8uisio por crianas e
ado#escentes; a +edao de pro%ramas de rdio e te#e+iso 8ue promo+am a
discriminao* incitem ao 'dio* di3amem ou ridicu#ariAem %rupos raciais* re#i%iosos*
@tnicos ou nacionais; e as a:es in>unti+as e de reparao de danos morais no Direito
Ci+i#.
O caso mais de9atido da Corte Constituciona# a#em so9re hate speechen+o#+eua ne%ao do Ho#ocausto. Com e3eito* o &ri9una#* em >u#%ado de 1$Q* de#i9erou so9re
a constituciona#idade de ato do %o+erno da (a+iera* 8ue condicionara a autoriAao a
um con%resso promo+ido por or%aniAao de etremadireita* para o 8ua# esta+a
con+idado o mais conhecido historiador re+isionista* Da+id Ir+in%* ao compromisso
de 8ue* no encontro* no se sustentasse a tese de 8ue o Ho#ocausto no teria acontecido*/$Q ()er3
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tratandose de mera in+eno da comunidade >udaica. "s autoridades estatais tinham
9aseado o seu ato em #ei 8ue permitia a proi9io de reuni:es em 8ue hou+esse
+io#a:es 0 #ei pena#. " principa# +io#ao +is#um9rada no caso era o insu#to contra o
po+o >udeu.
Entendeu a Corte 8ue a ne%ao do Ho#ocausto no era uma mani3estao de
opinio* mas a a3irmao de um 3ato* e 8ue as a3irma:es in+erdicas so9re 3atos* por
no contri9urem em nada para a 3ormao da opinio p?9#ica* no so
constituciona#mente prote%idas pe#a #i9erdade de epresso. 7o >u#%amento* o &ri9una#
ainda destacou 8ue a sin%u#aridade do Ho#ocausto o teria con+ertido em e#emento
constituti+o da pr'pria identidade do cidado de ori%em >udaica* 8ue se re3#ete na sua
re#ao com a sociedade a#em. -ortanto* ne%ar este terr+e# acontecimento hist'rico
imp#icaria* na 'tica da Corte* em continuar a discriminao contra o po+o >udeu. Com
esta ar%umentao* a Corte a#em reconheceu a +a#idade da restrio 0 #i9erdade de
epresso praticada pe#o %o+erno da (a+iera.
Desta8uese* por@m* 8ue em outro caso >u#%ado no mesmo ano de 1$*
discutiuse a constituciona#idade da inc#uso* numa #ista de #i+ros considerados pe#o
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e3eti+a acusao de homicdio em re#ao aos inte%rantes das Loras "rmadas* mas sim
uma proc#amao +eemente de paci3ismo* 8ue estaria p#enamente prote%ida pe#a
#i9erdade de epresso.
O >u#%amento em 8uesto pro+ocou uma %rande comoo na "#emanha* e pouco
tempo depois* o &ri9una# Constituciona# te+e de eaminar 8uesto praticamente
id4ntica* no caso T)cholsky ""."%ora* trata+ase de indi+duos 8ue tinham distri9udo
pan3#etos e cartaAes tam9@m contendo a epresso de 8ue soldados s&o assassinose
8ue ha+iam sido crimina#mente condenados por isto. " Corte mante+e a orientao
antes 3irmada* anu#ando a condenao por contrariedade 0 #i9erdade de epresso. 7a
sua +iso* o 8ue ocorrera no caso 3ora uma 3orte crtica 0 %uerra e as Loras "rmadas e
no uma acusao de homicdio diri%ida contra todos os mi#itares. "pesar da sua
#in%ua%em conci#iat'ria* a Corte deiou c#aro 8ue o +Cdi(o Penal n&o pode limitar as
instit)i/Mes pLblicas da cr2tica pLblica, por mais d)ra @)e seAa, )ma 'e @)e esta
cr2tica B e%pressamente (arantida pelo direito constit)cional 3 liberdade de
e%press&o.
-ortanto* +4se 8ue a Corte a#em sou9e distin%uir o hate speech de
mani3esta:es 8ue* con8uanto pudessem 3erir as susceti9i#idades e at@ o3ender os
inte%rantes de determinados %rupos* con3i%ura+am #e%tima epresso de opinio em
tema de re#e+ncia p?9#ica.
Lina#mente* um ?#timo caso 8ue merece ser #em9rado @ o Titanic,>u#%ado em
1QJ. Cuida+ase* desta +eA* da condenao por danos morais da re+ista satrica The
Titanic, 8ue pu9#icara* numa co#una intitu#ada as sete personalidades mais
embara/osas do m6s* uma 3oto de um mi#itar parap#@%ico com o ttu#o de assassino
nato* por8ue este* mesmo depois de ter sido re3ormado por incapacidade ap's um
acidente de autom'+e#* mani3estarase pu9#icamente diAendo 8ue podia e 8ueria
permanecer no E@rcito a#emo* > 8ue sua cabe/a ainda esta'a 0O. "p's apu9#icao* o mi#itar re3ormado endereou carta de protesto 0 re+ista* e esta* em outra
edio* pu9#icou resposta a esta carta* em 8ue a3irma+a considerar obsceno o 3ato de
8ue )m aleiAado ... esti'esse determinado a 'oltar ao $%Brcito alem&o ... c)Ao obAeti'o
B o de aleiAar e matar pessoas.
O &ri9una# Constituciona# a#emo considerou* por um #ado* 8ue a stira em
re#ao ao dese>o do mi#itar re3ormado de permanecer nas Loras "rmadas 3aAia parte
QJ O caso @ ana#isado em 5o9ert "#eX. (a#ancin%* Constitutiona# 5e+ie and 5epresentation. InB"nternational 5o)rnal o +onstit)tional #aw,n. J!* 2JJ/* pp. J!J$* e em Edard E9er#e. Di(nity and#iberty, 0p. cit.,pp. 2222Q.
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da crtica paci3ista contra o mi#itarismo* +er9a#iAada de 3orma satrica. -or isso*
in+a#idou a condenao em re#ao 0 primeira pu9#icao* em 8ue o emi#itar era
descrito como assassino nato* considerando 8ue* neste caso* a #i9erdade de epresso
so9repu>a+a* numa ponderao* os direitos da persona#idade en+o#+idos. -or@m* a Corte
entendeu 8ue o mesmo raciocnio no poderia ser ap#icado em re#ao ao uso da pa#a+ra
a#ei>ado* na se%unda pu9#icao* por8ue esta 3ora empre%ada com o ec#usi+o
prop'sito de humi#har o mi#itar. "ssim* e#a entendeu 8ue* neste caso* os direitos da
persona#idade tinham um peso superior 0 #i9erdade de epresso* mantendo por isso*
apenas neste ponto* a condenao por danos morais.
)4se* portanto* 8ue o mode#o a#emo no aceita o hate speech, mas tam9@m
no descuida da proteo da #i9erdade de epresso* so9retudo 8uando est em >o%o a
discusso de 8uest:es de interesse p?9#ico. -or outro #ado* h* no con3ronto com as
#i9erdades comunicati+as* uma proteo mais intensa dos direitos da persona#idade de
minorias em situao de des+anta%em* como os >udeus e de3icientes 3sicos. "
metodo#o%ia empre%ada para so#ucionar as co#is:es de direitos @ sempre a ponderao
de interesses* rea#iAada so9re o back(ro)ndde um sistema aio#'%ico em cu>o centro
est o princpio da di%nidade humana.
Este mode#o %ermnico pode ser ep#icado no s' a partir da ordem
constituciona# positi+a a#em* mas tam9@m da sua cu#tura >urdica e humanitria* ainda
3ortemente in3#uenciada pe#o trauma do 7aciona#Socia#ismo* 8ue no transaciona com
os atentados contra a di%nidade indi+idua#* e nem est disposta a correr o risco do
sur%imento de a#%um no+o monstro 8ue possa ser nutrido por um ecesso de to#erncia
com o into#erante.
*. OHate Speeche o Si'tema Interna%ional do' Direito' Hmano'
Di+ersos tratados internacionais so9re direitos humanos editados ap's a 2Y
a a#tamente +a#oriAada no m9ito do Direito
Internaciona# dos Direitos Humanos = 3oi %arantida na Dec#arao Uni+ersa# dos
Direitos Humanos art. 1P* no -acto dos Direitos Ci+is e -o#ticos art. 1P* na
Con+eno Europ@ia de Direitos Humanos art. 1JP* na Con+eno Interamericana de
Direitos Humanos art. 1!P e na Carta "3ricana de Direitos Humanos art. P* dentreoutros documentos internacionais = @ ep#cito o posicionamento adotado pe#as
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or%aniAa:es internacionais de direitos humanos contra a proteo ao eerccio a9usi+o
deste direito* +o#tado ao ata8ue contra minorias esti%matiAadas. 7este sentido* @ muito
c#aro o art. $ do -acto Internaciona# para a E#iminao de &odas as Lormas de
Discriminao 5acia#Q1B
!rt. I. 0s $stados si(natErios condenam toda propa(anda e todas asor(ania/Mes @)e seAam baseadas em idBias o) teorias de s)perioridade de )ma ra/ao) (r)po de pessoas de )ma cor o) ori(em Btnica, o) @)e tentem A)stiicar o)
promo'er o Cdio racial o) a discrimina/&o de @)al@)er orma, e comprometem8se a,com a de'ida aten/&o aos princ2pios contidos na Declara/&o 1ni'ersal dos Direitos
H)manos e aos direitos e%pressamente estabelecidos no art. desta +on'en/&o,adotar medidas positi'as e imediatas destinadas a erradicar todos os atos deincitamento a discrimina/&o, o) de discrimina/&o desta espBcie, dentre as @)ais*
a7 Declarar como crime p)n2'el pela lei toda dissemina/&o de idBias baseadas na
s)perioridade o) Cdio raciais, incitamento 3 discrimina/&o racial, assim como@)ais@)er atos de 'iol6ncia o) pro'oca/&o a tais atos diri(idos contra @)al@)er ra/ao) @)al@)er (r)po de pessoas de o)tra cor o) de o)tra ori(em Btnica, como tambBm@)al@)er assist6ncia prestada a ati'idades racistas, incl)si'e se) inanciamento
b7 Declarar ile(ais e proibir as or(ania/Mes, e tambBm as ati'idades depropa(anda or(aniada o) n&o, @)e promo'am o Cdio e incitem 3 discrimina/&oracial, e reconhecer a participa/&o nestas or(ania/Mes o) ati'idades como crimes
p)n2'eis pela lei.
Desta8uese* neste particu#ar* 8ue o tema do hate speech 3oi eausti+amente
de9atido na III Con3er4ncia 6undia# de Com9ate ao 5acismo* Discriminao 5acia#*
Zeno3o9ia e Into#erncia Corre#ata* ocorrida em Dur9an em 2JJ1* 8ue sa#ientou* tanto
na sua Dec#arao itens a 1P como no seu -#ano de "o itens 1$! a 1$QP* a
necessidade imposter%+e# de represso 0s mani3esta:es de 'dio e preconceito +o#tadas
contra %rupos raciais e @tnicos* dando 4n3ase especia# ao no+o peri%o re#acionado 0
di3uso das id@ias racistas atra+@s de no+as tecno#o%ias* como a"nternet.
&am9@m o -acto dos Direitos Ci+is e -o#ticos 3oi epresso ao a3irmar no s'
8ue a #i9erdade de epresso pode ser #imitada +isando o respeito aos direitos e 3
rep)ta/&o de terceiros art. 1.!. aPP* como tam9@m 8ue @)al@)er deesa do Cdio
nacional, racial o) reli(ioso @)e constit)a incitamento 3 discrimina/&o, hostilidade o)
'iol6ncia de'e ser proibida por lei art. 2J.2P. 7o m9ito da O7U* +a#e destacar a
deciso pro3erida pe#a sua Comisso de Direitos Humanos em 1* no caso -obert
Fa)risson 's. FranceQ2.Laurisson ha+ia sido mu#tado pe#a ustia Crimina# na Lrana*
Q1" prop'sito da interpretao deste dispositi+o* +e>ase Mar# ose3 -artsh. 5acia# Speech and Human5i%htsB "rtic#e $ o3 the Con+ention on the E#imination o3 "## Lorms o3 5acia# Discrimination. InB SandraCo#i+er Ed.P. 0p. cit.,pp. 212.Q2 U7 Doc CC-5TCT/TDT//JT1! 1P. Ecertos da deciso encontramse em 7orman Dorsen*6ichae# 5osen3e#d* "ndrs Sa>' N Susanne (aer. +omparati'e +onstit)tionalism. St. -au#B Gest
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por de3ender pu9#icamente 8ue no teriam eistido cmaras de %s nos campos de
concentrao naAistas. " ustia 3rancesa ap#icara ao caso a#oi :ayssot, editada poucos
anos antes* 8ue* no a3 de com9ater o re+isionismo hist'rico* crimina#iAara a conduta
da8ue#es 8ue contestassem a prtica de crimes contra a Humanidade reconhecidos pe#o
&ri9una# de 7urem9er%. " Comisso ap#icou ao caso o art. 1.!. do -acto dos Direitos
Ci+is e -o#ticos* 8ue trata das restri:es #e%timas 0 #i9erdade de epresso* a3irmando
8ue* como as declara/Mes eitas pelo a)tor, lidas no se) conte%to, eram de nat)rea a
le'antar o) ortalecer sentimentos anti8semitas, a restri/&o destino)8se a (arantir 3
com)nidade A)dia o respeito e a possibilidade de 'i'er li're do medo de )ma atmosera
de anti8semitismo. -or isso* considerou +#ida a condenao imposta pe#a ustia
3rancesa. 7o o9stante* a Comisso reconheceu 8ue a #oi :ayssot 3ora redi%ida de
3orma ecessi+amente amp#a* de 3orma a proi9ir at@ a pu9#icao* de 9oa 3@* de
pes8uisas hist'ricas 8ue pudessem contradiAer 8uais8uer das conc#us:es adotadas no
&ri9una# de 7urem9er%. Em re#ao a este tipo de pu9#icao* a Comisso mani3estou
se no sentido de 8ue sua proi9io constituiria* sim* +io#ao ao -acto dos Direitos
Ci+is e -o#ticos* ainda 8ue pudesse produAir como resu#tado o aumento do anti
semitismoQ!.
" pro9#emtica do hate speech tam9@m > 3oi en3rentada pe#a Corte Europ@ia de
Direitos HumanosQ$. O art. 1J da Con+eno Europ@ia de Direitos Humanos %arante a
#i9erdade de epresso* mas o seu item 2 autoriAa restri:es 8ue se>am pre'istas por
lei e necessErias, em )ma sociedade democrEtica, 3 se()ran/a nacional, 3 se()ran/a
pLblica, 3 deesa da ordem e 3 pre'en/&o do crime, 3 prote/&o da saLde e da moral o)
3 prote/&o dos direitos de terceiros. "demais* o seu art. 1Q esta9e#ece 8ue nenhuma
das normas con+encionais pode ser interpretada de 3orma a con3erir a Estados* %rupos
ou a indi+duos* @)al@)er direito de se dedicar a ati'idade o) a praticar ato 'isando a
destr)i/&o dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente +on'en/&o." mais recente deciso na mat@ria 3oi o caso -o(er :ara)dy 's. Fran/a*
apreciado em 2JJ!. 7este >u#%amento* a Corte Europ@ia eaminou a condenao de um
escritor na Lrana 8ue pu9#icara o9ra ne%ando a perse%uio aos >udeus e o Ho#ocausto.
O &ri9una# mante+e a condenao* aduAindo 8ue a ne%ao do Ho#ocausto constitui
%ra+e 3orma de di3amao racia# contra os >udeus e incitao ao 'dio* con3i%urandoQ!C3. 6ichae# 5osen3e#d. Hate Speech in Constitutiona# urisprudenceB " Comparati+e "na#Xsis* 0p.cit.,pp. $Q$.Q$C3. "#eandre H. Cata# (ias.#ibertad de $%presiCn e "normaciCn* #a A)rispr)d6ncia del T$DH y s)recepciCn por el Trib)nal +onstit)cional. )a#enciaB Ediciones 5e+ista
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8/13/2019 Daniel Sarmento - A liberdade de expresso e o problema do Hate Speech
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a9uso do eerccio da #i9erdade de epresso* ta# como de3inido no art. 1Q da
Con+eno.
Desta8uese* por@m* 8ue a Corte tem e+itado as caadas 0s 9ruas praticadas
em nome do com9ate 0 into#erncia* 9uscando traar uma 3ronteira entre o hate speech e
a de3esa de posi:es impopu#ares. 7esta #inha* no caso #ehide)% and "sorni 's.
Fran/aQ/* >u#%ado em 1*e#a in+a#idou a condenao pena# imposta pe#o udicirio
3ranc4s a cidados 8ue ha+iam de3endido pu9#icamente certos atos do 6arecha# -@tain*
#der da Lrana co#a9oracionista durante a ocupao naAista. " Corte destacou 8ue os
acusados no tinham pretendido ne%ar ou minimiAar as atrocidades naAistas* mas apenas
rea9i#itar a 3i%ura humana de -hi#ippe -@tain* o 8ue no con3i%uraria a9uso da #i9erdade
de epresso. 7o mesmo diapaso* e#a re+erteu* no caso 5ersild 's.DinamarcaQ*
decidido em 1$* a condenao crimina# 8ue 3ora imposta pe#a Dinamarca a um
>orna#ista* por entre+istar na te#e+iso >o+ens inte%rantes do %rupo racista camisas
+erdes* 8ue pro3eriram acusa:es desrespeitosas contra imi%rantes de di+ersas etnias
esta9e#ecidos na8ue#e pas. " Corte ressa#tou* neste >u#%amento* 8ue em9ora as
mensa%ens dos camisas +erdes constitussem mani3esto a9uso da #i9erdade de
epresso* o >orna#ista no poderia ser punido por di+u#%#as* > 8ue no as tinha
endossado. " punio do >orna#ista* na opinio do &ri9una#* ini9iria o eerccio da
#i9erdade de imprensa para tratar de temas de interesse co#eti+o.
7o m9ito da OE"* a Corte Interamericana ainda no te+e a oportunidade de
apreciar 8ua#8uer 8uesto en+o#+endo o hate speech. Sem em9ar%o* ta# prtica 3oi
ep#icitamente +edada pe#o art. 1!./. da Con+eno Interamericana de Direitos
Humanos* se%undo o 8ua# @)al@)er propa(anda de ()erra o) deesa de Cdio
nacional, racial o) reli(ioso @)e constit)a incitamento 3 'iol6ncia ile(al o) a @)al@)er
o)tra a/&o similar contra @)al@)er pessoa o) (r)po de pessoas por @)al@)er ra&o,
incl)indo ra/a, cor, reli(i&o, lin()a(em o) ori(em nacional, de'e ser consideradacomo crime p)n2'el pela lei.-or presso da de#e%ao norteamericanaQQ* a redao da
Con+eno neste ponto 3oi menos a9ran%ente do 8ue a do -acto dos Direitos Ci+is e
-o#ticos em 8ue e#a se inspirou* por no inc#uir epressamente* como a8ue#e* a
proi9io ao incitamento 0 discriminao e 0 hosti#idade* mas apenas 0 +io#4ncia i#e%a#
e a:es simi#ares.Q/"dem, ibidem* pp. !$!$Q.QC3. )incent (er%er.5)rispr)dence de la +o)r $)ropBene des Droits de #?Homme. /eed.* -arisB Ed.
Da##oA* 1* pp. $1$21.QQ C3. oanna OXediran. "rtic#e 1!/P o3 the "merican Con+ention on Human 5i%hts. InB SandraCo#i+er Ed.P. 0p. cit.,pp. !!!$.
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Em resumo* a posio dos instrumentos internacionais de direitos humanos e das
institui:es encarre%adas do seu monitoramento* @ no sentido de 8ue o hate speech de+e
ser com9atido e punido* e no to#erado em nome da #i9erdade de epresso.
+. O' Ar,mento' Te-ri%o'
" se%uir* ana#isaremos as principais raA:es in+ocadas contra e a 3a+or da
proi9io ao hate speech. 7ossa discusso* neste momento* no estar 3ocada em
8ua#8uer ordenamento >urdico em particu#ar* mas sim no impacto 8ue o 9animento ou a
premisso das mani3esta:es de 'dio* preconceito e into#erncia podem eercer so9re
+a#ores* princpios e o9>eti+os 8ue de+em ser +a#oriAados em 8ua#8uer sociedade
ci+i#iAada. 7um primeiro momento* de9ateremos a re#ao entre a re%u#ao do hate
speech e os principais o9>eti+os 8ue so associados 0 #i9erdade de epresso = 9usca da
+erdade* %arantia da democracia* autonomia e autorea#iAao indi+idua#* e promoo da
to#erncia. Em se%uida* discutiremos de 8ue 3orma o discurso do 'dio pode a3etar as
suas +timas e se a sua proi9io @ ou no um meio e3iciente para a#canar os o9>eti+os a
8ue se destina.
+.1. OHate Speech e a B'%a da erdade
" id@ia 9sica da #i9erdade de epresso como instrumento para a o9teno da
+erdade parte da premissa de 8ue* no conteto do de9ate #i+re entre pontos de +ista
di+er%entes so9re temas po#4micos* as me#hores id@ias pre+a#ecero. So9 esta
perspecti+a* a #i9erdade de epresso @ +ista no como um 3im em si* mas como um
meio para a o9teno das respostas mais ade8uadas para os pro9#emas 8ue a3#i%em a
sociedade.O mais importante de3ensor desta teoria na 3i#oso3ia po#tica 3oi ohn Stuart 6i##*
%rande pensador #i9era# e uti#itarista in%#4s do s@cu#o ZIZ. O captu#o II da sua o9ra 0n
#ibertyQ= certamente a mais conhecida de3esa da #i9erdade de epresso no m9ito da
3i#oso3ia =* 9aseiase eatamente na necessidade de proteo desta #i9erdade como meio
de atin%imento da +erdade. Como um #i9era#* 6i## preocupa+ase com a possi9i#idade
de os %o+ernos* ainda 8ue a ser+io da +ontade das maiorias* suprimirem do espao
QO #i+ro 3oi pu9#icado pe#a primeira +eA em 1/. Consu#tamos neste estudo a edio pu9#icada em1QB ohn Stuart 6i##. On ,i9ertX. InB!merican State Papers, Federalist, 5.S. ;ill* :reat ooks othe =estern =orld. Chica%oB EncXc#opaedia (ritannica Inc.* 1Q* pp. 2Q!2!.
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p?9#ico posi:es no ortodoas ou impopu#ares so9re 8uest:es contro+ertidas. 6as*
para e#e* a principa# raAo para a proteo da #i9erdade de epresso no estaria #i%ada
ao direito de 8uem se epressa* mas sim ao interesse de toda a sociedade em ou+ir as
id@ias de cada um* ainda 8ue e#as se>am erradasQ.
Desen+o#+endo o seu raciocnio* o 3i#'so3o 9ritnico a3irma 8ue* como o ser
humano no @ in3a#+e#* @ imposs+e# a3irmar com certeAa 8ue uma determinada id@ia
se>a comp#etamente errada. "ssim* proi9ir a di+u#%ao de determinados pontos de +ista
por8ue e#es ho>e so considerados e8ui+ocados pe#o %o+erno ou mesmo pe#a maioria da
popu#ao seria um %rande erro* pois @ pro++e# 8ue a id@ia em 8uesto este>a certa* ou
8ue tenha pe#o menos a#%um res8ucio de correo e* assim* a sua supresso pri+aria a
sociedade do acesso a a#%o +erdadeiro. 6as* para e#e* ainda 8ue uma id@ia se>a
comp#etamente incorreta* proi9ir a sua epresso p?9#ica continuaria sendo um %ra+e
e8u+oco. Isto por8ue* o con3ronto 8ue se esta9e#ece entre os di3erentes pontos de +ista
@ sempre 9en@3ico para a sociedade* na medida em 8ue permite 8ue as id@ias certas se
3orta#eam na discusso* se so3isti8uem e continuem +i+as nos cora:es e mentes das
pessoas* no se con+ertendo com o tempo em meros do%mas. -ortanto* a #i9erdade de
epresso @* para 6i##* +ita# para a 9usca da +erdade* e de+e ser %arantida mesmo para a
di3uso de pontos de +ista 8ue paream a9so#utamente errados ou at@ a9>etos para a
maioria das pessoas.
" importncia da #i9erdade de epresso para a 9usca da +erdade 3oi tam9@m
en3atiAada pe#o uiA norteamericano O#i+er Gende## Ho#mes* em +oto dissidente 8ue
pro3eriu no caso!brahams 's. 1nited StatesJ* >u#%ado em 11 pe#a Suprema Corte* e
8ue aca9ou se tornando can[nico no Direito Constituciona# da8ue#e pas. 7as pa#a+ras
de Ho#mes* o melhor teste para a 'erdade B o poder do pensamento de se aer aceito
na competi/&o do mercado. -ara Ho#mes* a #i9erdade de epresso* ao %arantir o
3uncionamento do mercado de id@ias marketplace o ideas7, 3a+oreceria a tomada deme#hores decis:es pe#a co#eti+idade so9re temas contro+ertidos1.Q"dem, ibidem* pp. 2Q/2Q.J2/J U.S. 1 11P.1Eiste uma 9em articu#ada crtica contra a tese de 8ue a +erdade tende a pre+a#ecer no m9ito domercado de id@ias* ta# como de3endida por Ho#mes. Esta posio* 8ue conduA a uma esp@cie de laisse8aire no campo comunicati+o* aca9a e+identemente 3a+orecendo a8ue#es 8ue t4m mais recursos ou acessoaos meios de comunicao para se 3aAerem ou+ir* e tende a a#i>ar os mais po9res. 7uma sociedadecapita#ista e desi%ua#* em 8ue o acesso aos meios de comunicao tem um custo* o a9sentesmo estata#
permite 8ue a +oA dos poderosos 8uase sempre pre+a#ea* si#enciando os ec#udos. -ortanto* o mercadono parece ser a me#hor 3orma de promo+er um de9ate ro9usto e a9erto de id@ias* em 8ue as me#hores
posi:es possam triun3ar. )e>ase* neste sentido* Oen Liss. #ibertad de $%presiCn y $str)ct)ra Social.&rad. or%e L. 6a#en Sea. 6@icoB Distri9uciones Lontamara* 1Q* pp. 2!; Cass Sunstein.Democracy and the Problem o Free Speech, 0p. cit.,pp. 1Q/1.
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R certo 8ue* no conteto de sociedades p#urais e di+ididas* como as dos pases
ocidentais de ho>e* em 8ue as pessoas no parti#ham da mesma re#i%io* ideo#o%ia ou
cosmo+iso* a concepo de +erdade no campo das id@ias +ai entrar em crise 2. Sem
em9ar%o* pondo de #ado a concepo 8uase teo#'%ica de )erdade* com + mai?scu#o
= insustent+e# ap's o desencantamento do mundo = ta#+eA ainda se>a poss+e# insistir
no princpio to encarecido pe#o I#uminismo* de 8ue o de9ate de opini:es contri9ui para
descartar as ms id@ias e promo+er o pro%resso!. 7o se trata de de3ender uma 3@
incondicionada na raciona#idade humana = 8ue a hist'ria 3aci#mente desmentiria =* mas
de reconhecer 8ue* diante do p#ura#ismo socia#* no h me#hor opo do 8ue o de9ate
raciona# para a esco#ha das me#hores respostas para a sociedade em re#ao 0s 8uest:es
po#4micas e contro+ersas.
Contudo* este cenrio propcio para a tomada de decis:es no @ a8ue#e em 8ue
pessoas o3endemse #i+remente umas 0s outras pe#as raA:es mais 9aias* mas antes
pressup:e a#%uma predisposio de cada participante do de9ate de ou+ir e re3#etir so9re
os ar%umentos apresentados pe#os outros* e at@* e+entua#mente* de re+er as suas pr'prias
opini:es. E#e ei%e respeito m?tuo entre os de9atedores* 8ue de+em reconhecerse
reciprocamente como #i+res e i%uais. Este am9iente = descrito por Ha9ermas como o de
uma situao idea# de discurso = @ uma idea#iAao contra3tica 8ue no se reproduA
inte%ra#mente em nenhuma sociedade* mas 8ue* como id@ia re%u#ati+a* de+e orientar a
pra%ispo#tica 8ue tenha como o9>eti+o che%ar a resu#tados mais >ustos e aceit+eis por
todos$.
6as este am9iente @ simp#esmente in+ia9i#iAado pe#o hate speech, 8ue est
muito mais pr'imo de um ata8ue do 8ue de uma participao num de9ate de opini:es.
Diante de uma mani3estao de 'dio* h dois comportamentos pro++eis da +timaB
re+idar com a mesma +io#4ncia* ou retirarse da discusso* amedrontada e humi#hada.
7enhum de#es contri9ui minimamente para a 9usca da +erdade.-ortanto* no @ s' por8ue as id@ias associadas ao hate speechso mora#mente
erradas 8ue o Estado de+e coi9ir esta 3orma discurso. O 3ato de uma id@ia ser
considerada errada no @ 9ase su3iciente para a sua supresso da arena de discusso.
Este @ o pi#ar 3undamenta# da #i9erdade de epresso* 8ue no de+e ser ameaado. 6ais
2)e>ase Hans
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re#e+ante do 8ue o erro @ a constatao de 8ue as epress:es de 'dio* into#erncia e
preconceito mani3estadas na es3era p?9#ica no s' no contri9uem para um de9ate
raciona#* como comprometem a pr'pria continuidade da discusso. -ortanto* a 9usca da
+erdade e do conhecimento no >usti3ica a proteo ao hate speech, mas* pe#o contrrio*
recomenda a sua proi9io.
+.#.Hate Speech, Demo%ra%ia e Ato,o/erno
" #i9erdade de epresso @ pea essencia# em 8ua#8uer re%ime constituciona#
8ue se pretenda democrtico. E#a permite 8ue a +ontade co#eti+a se>a 3ormada atra+@s
do con3ronto #i+re de id@ias* em 8ue todos os %rupos e cidados de+em poder participar*
se>a para eprimir seus pontos de +ista* se>a para ou+ir os epostos por seus pares.
-or isso* o iderio democrtico no se circunscre+e 0 ei%4ncia de e#ei:es #i+res
e peri'dicas/. 7a +erdade* uma democracia rea# pressup:e a eist4ncia de um espao
p?9#ico ro9usto e dinmico* em 8ue os temas de interesse %era# possam ser de9atidos
com 3ran8ueAa e #i9erdade.S' assim os cidados podem ter acesso 0s in3orma:es e 0s
id@ias eistentes so9re as mais +ariadas 8uest:es* o 8ue #hes permite 3ormarem as suas
pr'prias opini:es so9re temas contro+ertidos e participarem conscientemente no
auto%o+erno da sua comunidade po#ticaQ. S' dessa maneira se conso#ida uma opinio
p?9#ica #i+re* 8ue +ia9i#iAa o eerccio do contro#e socia# so9re os atos do %o+erno* a
3im de 8ue os %o+ernantes tornemse respons+eis e responsi+os perante a popu#ao.
-ortanto* @ interessante ana#isar at@ 8ue ponto a proteo ao hate speech
contri9ui para o auto%o+erno democrtico. Se* por um #ado* a democracia ei%e
rea#mente a #i9erdade de epresso* por outro* e#a tam9@m pressup:e a i%ua#dade . R*
/
De acordo com
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a#is* o reconhecimento desta i%ua#dade 8ue est por trs* por eemp#o* do princpio
ma>oritrio* 8ue se 9aseia na atri9uio do mesmo peso ao +oto de cada cidado = one
man, one 'ote. E o hate speech destinase eatamente a ne%ar a i%ua#dade entre as
pessoas* propa%ando a in3erioridade de a#%uns e #e%itimando a discriminao.
" id@ia da democracia mi#itante acima eposta* adotada no s' na "#emanha*
mas tam9@m na >urisprud4ncia da Corte Europ@ia de Direitos Humanos *@ a de 8ue
posi:es incompat+eis com as 9ases 3undamentais de uma sociedade democrtica no
de+em ser to#eradas* para e+itarse o risco de 8ue a democracia se con+erta numa
empreitada suicida. -ara esta posio* o 9animento do espao p?9#ico de id@ias
radica#mente antidemocrticas* como as su9>acentes ao hate speech, no +io#aria a
democracia* mas seria antes uma 3orma de prote%4#a contra os seus ad+ersrios. O 8ue
a8ui >usti3ica a restrio @ o temor de 8ue os inimi%os da democracia possam usarse das
3ran8uias democrticas* como a #i9erdade de epresso* para che%arem ao poder e
depois a9o#i#as.
6as* na nossa opinio* no @ o risco de 3a#4ncia comp#eta do sistema
democrtico a me#hor >usti3icati+a para restri:es pontuais 0 #i9erdade de epresso*
como a proi9io do hate speech* pe#o menos em contetos po#ticos de democracias
maduras* em 8ue as chances reais de tomada do poder por ad+ersrios dos seus
princpios e#ementares so muito remotas. Se adotarmos uma concepo de#i9erati+a de
democraciaJ*8ue a conce9a no como uma mera 3orma de %o+erno da maioria* ou de
a%re%ao e c[mputo dos interesses indi+iduais de cidados e%ostas e autocentrados*
mas como um comp#eo processo po#tico +o#tado ao entendimento* pe#o 8ua# pessoas
#i+res e i%uais procuram tomar decis:es co#eti+as 8ue 3a+oream ao 9em comum*
9uscando o e8uacionamento de di3erenas e desacordos atra+@s do di#o%o* +eremos 8ue
o hate speech s' pre>udica o 3uncionamento do processo democrtico.
-re>udica* por8ue tende a produAir dentre as suas +timas ou o re+ide +io#ento ouo si#4ncio humi#hado. 7o primeiro caso* h riscos e+identes para a paA socia# e para a
ordem p?9#ica. "o in+@s de uma discusso +o#tada para o 9em comum* correse o risco
de de3#a%rao de uma +erdadeira %uerra no espao p?9#ico* em 8ue a po#tica +erseia
C3. "#eandre H. Cata# (as* 0p. cit.,pp. !!Q!.J O tema da democracia de#i9erati+a @ por demais comp#eo para ser des#indado a8ui. )e>ase* a
prop'sito* on E#ster. &he 6arFet and the LorumB &hree )arieties o3 -o#itica# &heorX. InB ames(ohman N Gi##iam 5eh%.Deliberati'e Democracy. Cam9rid%eB &he 6I& -ress* 1Q* pp. J!!$; _r%enHa9ermas. -opu#ar So+erei%ntX as -rocedure. InB "dem, "bidem* pp. !/; Car#os Santia%o 7ino. #a
+onstit)ciCn de la Democracia Deliberati'a. (arce#onaB
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reduAida ao mode#o de Car# Schmitt1* de 9ata#ha entre inimi%os* 8ue @ tudo menos
democrtico.
7o se%undo caso* as +timas do 'dio* oprimidas* humi#hadas e sentindose
deserdadas por um Estado 8ue se recusa a prote%4#as* retraemse e a9andonam a es3era
p?9#ica. O resu#tado @ pre>udicia# no s' a e#as* 8ue so pri+adas do eerccio e3eti+o da
sua cidadania* como a toda a sociedade* 8ue perde o acesso a +oAes e pontos de +ista
re#e+antes* cu>a epresso na arena p?9#ica enri8ueceria e p#ura#iAaria o de9ate
p?9#ico2. 7este sentido* @ p#aus+e# a a3irmao de 8ue a #i9erao do hate speech, no
c[mputo %era#* produA menosdiscurso do 8ue a sua restrio.
"demais* em9ora as id@ias de in3erioridade dos mem9ros dos %rupos
+itimiAados pe#o preconceito no o9tenham na sociedade contempornea muitas
ades:es ep#citas* a sua di3uso tende a re3orar certos estere'tipos ne%ati+os e
irracionais* #e+ando muitos indi+duos a des+a#oriAarem inconscientemente as
contri9ui:es ao de9ate p?9#ico traAidas por componentes destes %rupos* deiando de
consider#as de+idamente na 3ormao das suas pr'prias opini:es.
7a +erdade* a democracia s' se rea#iAa atra+@s da inc#uso no espao p?9#ico
dos inte%rantes dos %rupos tradiciona#mente ec#udos* aos 8uais tam9@m de+e ser
reconhecida a possi9i#idade de se auto%o+ernarem. " hist'ria da democracia ao #on%o
dos s@cu#os ZIZ e ZZ 3oi eatamente a da pau#atina etenso dos direitos po#ticos aos
mem9ros destes %rupos = ne%ros* mu#heres* po9res* etc. 6as se considerarmos 8ue a
democracia no se resume 0 espordica participao em e#ei:es* mas en+o#+e tam9@m
a capacidade de cada mem9ro da co#eti+idade de in3#uenciar com as suas opini:es a
3ormao da +ontade co#eti+a* +eremos como a ec#uso e a a#ienao dos inte%rantes
dos %rupos esti%matiAados* pro+ocadas pe#o hate speech,so pre>udiciais 0 empreitada
democrtica.
7o o9stante* 5o9ert -ost* partindo da mesma premissa de 8ue democracia eauto%o+erno pressup:em a capacidade de participao do indi+duo na 3ormao da
+ontade comum atra+@s da eposio das pr'prias id@ias* op:ese 0 restrio ao hate
speech no m9ito do de9ate p?9#ico!." sua ar%umentao @ muito so3isticada e no
1C3. Car# Schmitt. 0 +onceito do Pol2tico. &rad. W#+aro ,.6. )a##s. -etr'po#isB Ed. )oAes* 12.2C3. Oen Liss. &he Supreme Court and the -ro9#em o3 Hate Speech. InB +apitol 1ni'ersity #aw-e'iew*n. 2$* 1/* pp. 2Q2; 6ari . 6atsuda. -u9#ic 5esponse to 5acist SpeechB Considerin% the)ictim^s StorX. InB =ords that =o)nd, 0p. cit.,p. 2$; e 6artha 6ino. reakin( the +ycles o Hatred.-rincetonB -rinceton Uni+ersitX -ress* p. !Q.
!C3. 5o9ert -ost. 5acist Speech* DemocracX and the Lirst "mendment. InB HenrX ,ous
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teremos como discutir a8ui todas as suas nuances* mas* em sntese apertada* o 8ue e#e
sustenta @ 8ue a +edao 0 epresso das id@ias racistas* en'3o9as* etc.* ec#ui do
espao p?9#ico os seus de3ensores* comprometendo com isso a inte%ridade da
democracia. 7a sua opinio* a es3era do discurso p?9#ico tem de se 9asear num
princpio meramente 3orma# de i%ua#dade* pe#o 8ua# todos de+em ter a capacidade de
epor suas id@ias* e no numa concepo su9stanti+a da isonomia* como a 8ue pro9e as
mani3esta:es de racismo. Dessa 3orma* o Estado* se%undo -ost* de+e manterse neutro
em re#ao 0s di+ersas concep:es su9stanti+as concernentes 0s 3ormas como de+e se
articu#ar a +ida em sociedade* > 8ue tais concep:es t4m de emer%ir do pr'prio discurso
p?9#ico* ao in+@s de consu9stanciarem #imita:es pr@+ias impostas pe#o Estado aos
participantes deste discurso* com 9ase nos padr:es de ci+i#idade e mora#idade
ma>oritariamente adotados.
-ost admite o carter pro9#emtico desta proposio* reconhecendo 8ue a
suspenso das re%ras de ci+i#idade pode comprometer a capacidade do discurso p?9#ico
de promo+er uma de#i9erao raciona#. Contudo* no conteto de uma sociedade p#ura# e
hetero%4nea* composta por +rias cu#turas di3erentes = cada uma com as suas re%ras
pr'prias de ci+i#idade = esta suspenso @* para e#e* necessria* pois @ e#a 8ue #i9era as
intera:es entre os indi+duos das #imita:es e epectati+as 8ue ha9itam a cu#tura de
cada comunidade* possi9i#itando 8ue estas intera:es desempenhem um pape# de crtica
em re#ao aos +a#ores e tradi:es comunitrias.
7o discordamos de 5o9ert -ost 8uando e#e a3irma 8ue o de9ate p?9#ico
re8uerido numa democracia no pode ser cin%ido pe#as re%ras de ci+i#idade da cu#tura
dominante. Como ressa#tou Iris 6arion Koun%* a epresso das percep:es e demandas
dos %rupos ec#udos nem sempre se ade8ua a estas normas* e desa3ia muitas +eAes
certos parmetros socia#mente aceitos$. Koun%* di