cultura, estratégia e poder

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A importância das noções de cultura, estratégia e poder para a formulação da Teoria Geral do Consumo e sua relação indivíduo x organização. Flávia Meneguelli Ribeiro*

Resumo: Em A sociedade de consumo, Jean Baudrillard contextualiza nossa sociedade contemporânea e as inter-relações envolvendo indivíduos, objetos e sua teia de significados, a fim de propor o que ele denomina uma Teoria Geral do Consumo. Este artigo tem por fim resgatar os princípios desta teoria, acrescentando as contribuições de Lívia Barbosa em sua obra Sociedade de Consumo, e destacando a importância das noções de cultura, estratégia, poder e pós-modernidade para a formulação desta teoria, bem como sua relação indivíduo x organização, aqui entendendo o indivíduo como consumidor. Palavras-chaves: consumo; cultura; estratégia; poder; pós-modernidade.

Apresentação

Teorias sobre o consumo procuram respostas sobre os processos sociais e subjetivos

que estão na raiz da escolha de bens e serviços; quais são os valores, as práticas, os

mecanismos de fruição e os processos de mediação social a que se presta o consumo; qual o

impacto da cultura material na vida das pessoas e, ainda, como o consumo se conecta a outros

aspectos da vida social.

O consumo pode ser entendido como símbolo de uma linguagem compartilhada, onde

a cultura depende dos objetos e práticas de consumo para propagar seus valores. Neste sentido,

a subjetividade exerce papel fundamental, pois é ela que permite ao homem dar uma visão

simbólica ao objeto. Por meio de determinados objetos escolhidos no momento de consumo, o

indivíduo se enquadra em determinada categoria cultural, tornando a sua opção visível para a

sociedade da qual faz parte. Portanto, o consumo é um fenômeno coletivo. Uma vez que os

produtos e serviços que um indivíduo consome servem para dizer algo a seu respeito para a

sociedade, não só a mensagem em si se faz importante, mas também o interlocutor que se

pretende atingir, ou seja, o seu grupo de referência. Os bens de consumo são comunicadores

de categorias culturais e valores sociais, tornando-os tangíveis, visíveis e estáveis.

* Mestranda em Administração – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora do curso de Comunicação Social – Publicidade da Faculdade Novo Milênio.

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Cultura

A cultura está intrinsecamente ligada aos estudos sobre consumo. Os estudos culturais

representam contribuições importantes para se entender, principalmente, o comportamento de

consumo dos indivíduos, bem como que tipo de bens e serviços deverá ser oferecido por uma

organização a estes indivíduos. Mesmo propondo uma teoria geral do consumo, Baudrillard

admite a existência de formas de consumo distintas no seio das sociedades, uma vez que

afirma serem os objetos de consumo, signos que promovem uma comunicação perante os

grupos. Para Clifford Geertz (1989), o conceito de cultura é essencialmente semiótico, no qual

temos o homem, como pensava Max Weber, amarrado a teias de significados que ele mesmo

teceu, teias essas que Geertz considera serem a cultura e sua análise. Assim, a cultura é

entendida como uma ciência interpretativa, à procura do significado, e não como uma ciência

experimental em busca de leis. Como exemplo, podemos citar um suposto estudo sobre o

consumo de famílias de classe média com adolescentes. No Brasil, na maioria dos casos, os

jovens têm o hábito de permanecer na casa dos pais até o casamento, fato esse que geralmente

se consuma após os 20 anos de idade. Já nos Estados Unidos, ao completar 16 anos, o

adolescente quer e é incentivado pelos pais a viver sua própria vida, deixando a residência

atual. Desta forma, este estudo seria diretamente impactado pelas características culturais dos

grupos pesquisados.

O estudo do consumo pode ser bastante enriquecido por estudos etnográficos, uma

descrição densa que constitui no estabelecimento de relações, seleção de informantes,

transcrição de textos, levantamento de genealogias, mapeamento de campos, dentre outras

ferramentas. A cultura é o que nos torna humanos, pois é um contexto no qual as coisas fazem

sentido. São estruturas de significado socialmente estabelecidas. Assim, a cultura ajuda a dar

sentido ao consumo, determinando, muitas vezes, o que será consumido, como, quando e por

quem, influenciando diretamente a demanda e, conseqüentemente, a oferta de bens e serviços

pelas organizações.

Esta afirmação abre debate para o confronto entre o paradigma positivista, que vê o

consumo como ato racional, com o objetivo único de satisfazer necessidades, e o paradigma

interpretativista, que atribui ao consumo uma característica simbólica, onde bens e serviços

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são utilizados como formas de comunicação entre o indivíduo e a sociedade. Por exemplo,

diverge-se da economia num ponto sensível: a sua escolha racional tornou-se a escolha

conforme. As necessidades visam mais os valores que os objetos e a sua satisfação possui em

primeiro lugar o sentido de uma adesão a tais valores. A escolha fundamental, inconsciente e

automática do consumidor é aceitar o estilo de vida de determinada sociedade particular,

portanto deixa de ser escolha, acabando igualmente por ser desmentida a teoria da autonomia e

da soberania do consumidor. Tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objetos

deixam de estar ligados a uma função ou necessidade definida, precisamente porque

correspondem a outra coisa, quer ela seja a lógica social ou a do desejo, às quais servem de

campo móvel e inconsciente de significação.

Teoria Geral do Consumo

Para Baudrillard (1995), a felicidade constitui a referência absoluta da sociedade de

consumo, revelando-se como o equivalente autêntico da salvação. A força ideológica da noção

de felicidade não deriva da inclinação natural de cada indivíduo para realizar por si mesmo.

Advém-lhe sócio-historicamente, do fato de que o mito da felicidade é aquele que recolhe e

encarna, nas sociedades modernas, o mito da igualdade e para ser o veículo do mito

igualitário, é preciso que a felicidade seja mensurável. Importa que se trate do bem-estar

mensurável por objetos e signos, do conforto, enquanto reabsorção das fatalidades sociais e

igualdade de todos os destinos. Desta forma, sempre precisará significar-se a propósito de

critérios visíveis. O dito popular “dinheiro não traz felicidade... mas compra!” é uma

exemplificação deste pensamento.

A revolução do bem-estar é a herdeira, a testamenteira da Revolução Burguesa ou

simplesmente de toda a revolução que erige em princípio a igualdade dos homens sem a poder

realizar a fundo. O princípio democrático acha-se então transferido de uma igualdade real, das

capacidades, responsabilidades e possibilidades sociais da felicidade para a igualdade do

objeto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade. A tese implícita é a seguinte:

perante as necessidades e o princípio de satisfação, todos os homens são iguais, porque todos

eles são iguais diante do valor de uso dos objetos e dos bens.

Os mitos complementares do bem-estar e das necessidades possuem assim uma

poderosa função ideológica de reabsorção e supressão das determinações objetivas, sociais e

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históricas, da desigualdade. Todo o jogo político do Welfare State e da sociedade de consumo

consiste em ultrapassar as próprias contradições, intensificando o volume de bens, na

perspectiva de uma igualização automática através da quantia de um nível de equilíbrio final,

que seria o bem-estar total para todos. No entanto, a lógica social apossa-se tanto da

abundância quanto dos prejuízos. A influência do meio urbano e industrial faz aparecer novas

raridades: o espaço, o tempo, a verdade, a água, o silêncio... Determinados bens, outrora

gratuitos e disponíveis em profusão, tornam-se bens de luxo acessíveis apenas aos

privilegiados, ao passo que os bens manufaturados ou os serviços são oferecidos em massa. É

mesmo possível que o consumo perca progressivamente o papel eminente que desempenha

hoje na geometria variável do estatuto, em proveito de outros critérios e de outros tipos de

conduta. Desde já se vê a hierarquia social adotar critérios mais sutis como o tipo de trabalho e

de responsabilidade, o nível de educação e de cultura (a maneira de consumir bens correntes

pode constituir uma qualidade muito rara), a participação nas decisões. Não será mais a posse

de bens que determinará a segregação e, sim, a forma de se consumir. O saber e o poder são ou

irão ser os dois bens mais raros da sociedade de abundância.

Semelhantes critérios abstratos, porém, não proíbem a leitura, a partir do momento

atual, da crescente discriminação nos outros indivíduos concretos. A segregação no habitat não

é nova, mas porque ligada a uma penúria sábia e uma especulação crônica tende a tornar-se

decisiva, tanto pela segregação geográfica (centro da cidade e periferia, zonas residenciais,

guetos de luxo e cidades-dormitório, etc.) como no espaço habitável (interior e exterior da

moradia). Os objetos têm hoje menos importância que o espaço e que a marcação social dos

espaços. O habitat constitui assim possivelmente uma função inversa da dos outros objetos de

consumo. Função homogeneizadora para uns, discriminadora para outros, no que respeita ao

espaço e à localização. Natureza, espaço, ar puro, silêncio: eis a incidência da busca de bens

raros e de preço elevado que se lê nos índices diferenciais de despesas entre duas categorias

sociais extremas (operários/quadros superiores). O aparecimento desses direitos sociais novos,

que se agitam como slogans e como anúncio demográfico da sociedade de abundância, surge

como sintoma real da passagem dos elementos mencionados à categoria de sinais distintivos e

de privilégios de classe.

O consumo não é a causa de maior homogeneização do corpo social do que a escola

em relação às possibilidades culturais. Acusa até as suas disparidades. Surge a tentação de

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admitir o consumo e a participação crescente nos mesmos bens e nos mesmos produtos,

materiais e culturais, como corretivo para a disparidade social, a hierarquia e a discriminação

sempre maior do poder e das responsabilidades. De fato, a ideologia do consumo, de modo

análogo à escola, desempenha papel bem semelhante. Todos podem (ou poderão) ter a mesma

máquina de lavar, saber ler e escrever, ou comprar os mesmos livros de bolso. No entanto,

essa igualdade é puramente formal. Na realidade, nem é verdade que os produtos de consumo

instaurem esta plataforma democrática primária, porque em si e tomados individualmente, não

têm sentido: só a sua relação e perspectiva social de conjunto é que o têm.

Lívia Barbosa (2004), esclarece que o consumo também interfere nos estilos de vida e

identidades dos indivíduos. Ambos são opcionais e transitórios, ou seja, posso ser quem eu

quiser, quando eu quiser, de acordo com meu estado de espírito. Neste sentido, produtos

similares e piratas permitem que estilos de vida sejam construídos e desconstruídos e lançados

ao mercado e utilizados por pessoas cujas rendas certamente não são compatíveis com o uso

de muitos deles nas suas versões originais. Sendo assim, a questão na sociedade moderna é

muito mais de legitimidade e de conhecimento sobre como usar o que está sendo usado. Como

nos indica Pierre Bourdieu, as noções de gosto tornaram-se um dos mecanismos fundamentais

da diferenciação, inclusão e exclusão.

Como a escola, o consumo é instituição de classe, não só na desigualdade perante os

objetos, no sentido econômico, mas de modo ainda mais profundo, há discriminação radical no

sentido de que só alguns ascendem à lógica autônoma e racional dos elementos do ambiente

(uso funcional, organização estética, realização cultural), indivíduos esses que, para falar com

propriedade, não se ocupam de nem consomem objetos, voltando-se a uma economia mágica e

à valorização dos objetos como tais e de tudo o resto enquanto objetos (idéias, lazeres, saber e

cultura): esta lógica feiticista constitui a ideologia do consumo.

Podemos distinguir a salvação pela graça, que é definida pelo nascimento, pela

excelência, da salvação pelas obras, alcançada através do consumo de objetos. É em parte o

que assistimos nas classes inferiores e médias, onde a prova pelo objeto, a salvação pelo

consumo, tem como fim atingir um estatuto de graça pessoal, de dom e predestinação. Mas

este seja como for, continua a ser privilégio das classes superiores que, por outro lado,

comprovam sua excelência no exercício da cultura e do poder.

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Poder

A cultura do consumo representa a importância crescente da cultura no exercício do

poder. O poder de escolha do indivíduo na esfera do consumo nas sociedades pós-tradicionais

tem sido campo de debate sobre a sua real liberdade de escolha ou submissão a interesses

econômicos maiores que se escondem por trás do marketing e da propaganda. Será o consumo

uma arena de liberdade de escolha ou de manipulação e indução? Terá o consumidor

efetivamente escolha? Ele é súdito ou soberano, ativo ou passivo, criativo ou determinado?

Michel Crozier (1981) afirma que o homem deve enfrentar, ao mesmo tempo e em

todos os níveis, as exigências de uma racionalidade utilitária, indispensável para a realização

de seus objetivos coletivos, e a resistência dos meios humanos, dos quais deve

necessariamente servir-se. Os problemas de poder formam a trama da arbitragem perpétua à

qual ele deve dedicar-se. Os estudos sobre poder postulam que o grau de liberdade do

indivíduo não é elevado e que sua conduta aparece, em grande parte, determinada por

motivações não racionais. A racionalidade limitada explica este fato através da análise dos

fatores que podem limitar realmente o exercício da racionalidade e as influências dos fatores

psicológicos, sociológicos e de relações humanas neste processo. O consumidor sofre, ao

mesmo tempo, pressão do seu grupo de referência, que tem poder sobre a determinação dos

padrões de conduta que influenciarão diretamente a escolha dos bens e serviços a serem

adquiridos, ao mesmo tempo em que sofre a pressão das organizações que, em conjunto com

os meios de comunicação, agências de propaganda e profissionais de marketing, criam meios

de disseminar valores a serem adotados por determinados grupos, induzindo o comportamento

do consumidor. Este, por sua vez, também exerce poder sobre seu grupo de referência, sendo

que é um indivíduo parte desse grupo, bem como também exerce certo poder ao criar demanda

por determinados bens e serviços. É um constante jogo de poder onde o controle assume as

três esferas de inter-relações – indivíduo, grupo e organização – dependendo do estágio em

que se encontra.

O poder tem sido visto tipicamente como a habilidade de fazer os outros fazerem o que

você quer que seja feito, se necessário contra a própria vontade deles, ou fazê-los fazer alguma

coisa que eles não fariam em outra situação. Analisando a perspectiva weberiana do poder

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dentro da sociedade de consumo, se o poder deriva tanto da propriedade quanto do

conhecimento das operações, podemos concluir que a segunda afirmação é a mais adequada na

fase contemporânea do consumo, uma vez que o poder, a distinção, a soberania, não está na

propriedade dos bens, então banalizada, mas sim na forma de uso dos mesmos. Uma

representação deste poder pode ser exemplificada pelas classes mais altas, que recusam os

padrões de consumo massificados, amplamente divulgados em novelas e ações de

merchandising nas séries de TV. Apenas a posse de recursos escassos, entretanto, não é

suficiente para conferir poder. Os atores têm que estar atentos a sua pertinência no contexto,

com o conseqüente uso e controle desses recursos.

O campo do consumo é, pelo contrário, um campo social estruturado em que os bens e

as próprias necessidades, como também os diversos indícios de cultura, transitam de um grupo

modelo e de uma elite diretora para as outras categorias sociais, em conformidade com o seu

ritmo de promoção relativa. Não existe a massa de consumidores e nenhuma necessidade

emerge espontaneamente do consumidor de base: só terá de aparecer no standard package nas

necessidades se já tiver passado pelo select package. A feira das necessidades, de modo

análogo à dos objetos e dos bens, começa por ser socialmente seletiva: as necessidades e

satisfações escoam-se para baixo (trickle-down) em virtude de um princípio absoluto e de uma

espécie de imperativo social categórico, que constitui o suporte da distância e da diferenciação

por meio dos signos.

Uma estrutura de relações de poder é plenamente legitimada por um sistema integrado

de suposições culturais e normativas. De acordo com esse ponto de vista, o poder de definir a

realidade é usado pelas classes dominantes para apoiar e justificar sua dominação material

evitando, portanto, desafios a sua posição. O poder é mobilizado para influenciar

indiretamente o comportamento, dando a resultados e decisões certos significados,

legitimando-os e justificando-os. Todos esses estudos sobre o poder nos ajudam a entender o

efeito trickle-down presente na sociedade de consumo, bem como o poder das organizações na

geração de demanda para seus produtos.

De acordo com Geertz (1989), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser

atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os

processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível

– isto é, descritos com densidade.

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Essa é a verdadeira análise da lógica social do consumo. Tal lógica não é a da

apropriação individual do valor de uso dos bens e dos serviços – lógica de produção desigual,

em que uns têm direito ao milagre e outros apenas às migalhas do milagre; também não é a

lógica da satisfação, mas a lógica da produção e da manipulação dos significantes sociais.

Assim, o processo de consumo pode ser analisado sob dois aspectos fundamentais: como

processo de significação e de comunicação, baseado num código em que as práticas de

consumo vêm inserir-se e assumir o respectivo sentido; como processo de classificação e

diferenciação social, em que os objetos/signos se ordenam, não só como diferenças

significativas no interior de um código, mas como valores estatutários no seio de uma

hierarquia. É, portanto, o princípio da análise: nunca se consome o objeto em si (no seu valor

de uso) – os objetos manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer

filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal, quer demarcando-o do respectivo

grupo por referência a um grupo de estatuto superior.

Interpretações sobre o consumo

É necessário abandonar a idéia recebida que temos da sociedade da abundância como

sociedade na qual todas as necessidades materiais se satisfazem com facilidade, semelhante

idéia prescinde de toda a lógica social. É importante adotar a idéia, retomada por Marshall

Sahlins no seu artigo sobre a primeira sociedade da abundância segundo a qual as nossas

sociedades industriais e produtivas, ao contrário de certas sociedades primitivas, é que são

dominadas pela raridade e pela obsessão de raridade característica da economia de mercado. A

imprevidência e a prodigalidade coletivas, típicas das sociedades primitivas, constituem o

sinal da abundância real. Nós temos apenas os signos da abundância, perseguindo por debaixo

do gigantesco aparelho da produção os signos da pobreza e da raridade.

O consumo tem sido interpretado de diversas maneiras pelas mais diferentes escolas de

pensamento. Para a economia, é a utilidade, o desejo de determinado bem específico para

consumo. A necessidade encontra-se já finalizada pelos bens disponíveis e as preferências

orientadas pela clivagem dos produtos oferecidos no mercado. Para a psicologia, é a

motivação, teoria um pouco mais complexa, menos orientada para o objeto, mais para o

instinto, tipo de necessidade preexistente e mal definida. Para a antropologia, não se põe

dúvida o postulado do ser individual dotado de necessidades e levado pela natureza a

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satisfazê-las; também não se nega a liberdade do consumidor, consciente e que se supõe saber

o que quer, mas, com o apoio deste postulado idealista, admite-se a existência de uma

dinâmica social das necessidades. Põem-se em ação modelos de conformidade e de

concorrência tirados do contexto de grupo ou dos grandes modelos culturais que se religam à

sociedade global ou à história. O fim da economia não é a maximização da produção para o

indivíduo, mas a maximização da produção associada ao sistema de valores da sociedade.

Estratégia

O tema do condicionamento das necessidades (em especial, através da publicidade)

tornou-se o tema favorito do discurso acerca da sociedade de consumo. Em termos breves e

sumários, diremos que o problema fundamental do capitalismo contemporâneo não é a

contradição entre a maximização do lucro e a racionalização da produção, mas entre a

produtividade virtualmente limitada e a necessidade de vender produtos. Nesta fase, é vital

para o sistema controlar não só o aparelho de produção, mas a procura do consumo; não

apenas os preços, mas o que se procurará a tal preço. O efeito geral quer por meios anteriores

ao ato de produção (sondagens, estudos de mercado) quer posteriores (publicidade, marketing,

condicionamento) é roubar ao comprador o poder de decisão e transferi-lo para a empresa,

onde poderá ser manipulado. A feira invertida destrói o mito fundamental da feira clássica

para a qual, no sistema econômico, é o indivíduo que exerce o poder. A liberdade e soberania

do consumidor não passam de mistificação.

A democratização do consumo é facilmente percebida já no século XIX, na Inglaterra,

Estados Unidos e França, com lojas de departamentos disseminando moda e atiçando o desejo

dos consumidores, fornecendo um mundo de sonhos e impondo uma nova tecnologia do olhar

ao apresentar mercadorias em cenários e ao alcance das mãos dos consumidores sem a

obrigatoriedade da compra.

Poderíamos dizer que as organizações utilizam-se de estratégias para controlar tanto a

demanda quanto a oferta de bens e serviços. Utilizada primeiramente no vocabulário de

guerra, a introdução da estratégia no mundo dos negócios ocorreu simultaneamente à questão

da competitividade. Se pensarmos no contexto atual de competição entre as organizações, bem

como entre os indivíduos, entendemos que realmente existe uma “guerra” pela preferência do

consumidor e pela determinação de quem usará o que e como. A implícita relação entre a

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estratégia e o consumo está no discurso de Knights e Morgan (1991), que afirmam não ser a

estratégia uma simples técnica ou corpo de conhecimento e, sim, um discurso, a linguagem, os

símbolos e as trocas de idéias. Estratégia também é um mecanismo de poder. Aqueles que

estão no centro das decisões estratégicas geralmente detêm maior poder que os demais. Assim,

organizações que traçam estratégias para atingir seus consumidores acabam por exercer poder

considerável sobre a escolha dos indivíduos e sobre as demais organizações. As estratégias de

custo ou diferenciação propostas por Michael Porter acabam por segmentar o mercado

consumidor e as organizações que escolhem seus nichos a partir do posicionamento adotado.

O posicionamento de uma empresa em seu setor baseia-se na busca da vantagem competitiva.

As organizações buscam através da estratégia minimizar a dúvida e maximizar a

racionalidade, tentando prever e direcionar o comportamento dos consumidores. A perspectiva

dominante de estudo da estratégia é a racional-instrumental e esta pode se tornar um erro

quando aplicada em sua íntegra ao consumo, uma vez que as motivações dos indivíduos não

são estritamente racionais. Mas não só a organização utiliza de estratégias para “convencer” o

seu consumidor. No diagrama de cinco forças de Porter, está presente o poder de barganha dos

clientes, ou seja, o consumidor também representa uma força considerável perante a

organização. Sua força se dá principalmente em ocasião do volume de compras (grandes

volumes), existência de poucos compradores (a organização depende destes poucos

consumidores), produtos padronizados no setor (pouca diferenciação entre concorrentes),

dentre outros fatores.

As significações nunca são pessoais, mas diferenciais, marginais e combinatórias. Isto

é, dependem da produção industrial das diferenças pelas quais se definiria com maior força o

sistema de consumo. A concentração monopolista, ao abolir as diferenças reais entre os

homens, ao tornar homogêneos as pessoas e os produtos, é que inaugura simultaneamente o

reino da diferenciação. É sobre a perda das diferenças que se funda o culto das diferenças.

Percebe-se, assim, uma espécie de discriminação onde todos são iguais perante os objetos

enquanto valor de uso, mas não diante dos objetos enquanto signos e diferenças, que se

encontram profundamente hierarquizados. Esta diferenciação não se dá mais através da

ostentação dos objetos, mas pela discrição, despojo e reserva, os quais não passam de luxo a

mais, de acréscimo de ostentação, transformando-se no seu contrário, de diferença mais sutil.

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Vimos, aqui, um ataque ao positivismo, onde a razão instrumental sede lugar à razão

comunicativa. É a valorização da heterogeneidade, da diferença, da desconstrução.

Pós-modernidade

Baudrillard é visto como um dos que contribuiu para o surgimento da perspectiva pós-

moderna nos estudos das teorias organizacionais. Seus temas incluem foco na natureza

construída das pessoas e da realidade, enfatizando a linguagem como um sistema de distinções

que são centrais no processo de construção. Para os pós-modernistas, o homem é um sujeito

fragmentado, descentrado, com um gênero e uma classe social, e não autônomo, auto-

determinado, com uma identidade unitária. Se a identidade é uma produção social, como

vimos nos estudos sobre o comportamento de consumo, ela será relativamente instável em

sociedades contemporâneas, heterogêneas, globais e teleconectadas. A crítica ideológica

recupera as organizações como construções histórico-sociais e investiga como são formadas,

mantidas e transformadas por meio de processos tanto internos quanto externos. Desta forma,

podemos entender que o consumidor tem papel importante nas decisões organizacionais, não

existindo uma completa dominação da organização perante as necessidades e desejos deste. A

resistência e a diversidade cultural prevalecem à dominação. Entendemos, assim, que a

organização é continuamente emergente, constituída e constituinte, produzida e consumida por

“sujeitos”.

Os pós-modernistas também confirmam a concepção de identidade proposta na teoria

do consumo, postulando que “aquilo do qual o mundo é feito só se torna objeto numa relação

específica com um ser, para o qual pode ser um tal objeto”. A linguagem é central à produção

de objetos na qual ela provê as distinções social/históricas que fornecem unidade e diferença.

A linguagem não pode refletir a realidade “lá fora”, ou os estados mentais de pessoas. Ela é

figurativa, metafórica, cheia de contradições e inconsistências. O significado não é universal e

fixo, mas precário, fragmentado e local, o que fortalece a importância dos estudos culturais

nos diversos contextos de pesquisa. O consumo é um dos temas caracterizadores da era “pós-

moderna”, assim como a globalização, o relativismo e o pluralismo. O papel do indivíduo na

sociedade é de consumidor, e o conhecimento apenas pode ser entendido à luz do tempo,

espaço e contexto social em que é construído por indivíduos e grupos.

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Conclusão

O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a interpretação

do grupo; constitui simultaneamente uma moral e um sistema de comunicação ou estrutura de

permuta. É a este respeito e pelo fato da função social e a organização estrutural ultrapassarem

de longe os indivíduos e de a eles se imporem por meio de coações sociais inconscientes que

se pode criar uma hipótese teórica, que não se limita a ser recital de números ou pura

metafísica descritiva. Concluindo, a circulação, a compra, a venda, a apropriação de bens e de

objetos/signos diferenciados constitui hoje a nossa linguagem e o nosso código, por cujo

intermédio toda a sociedade comunica e fala. Tal é a estrutura do consumo, a sua língua em

relação a qual as necessidades e os prazeres individuais não passam de efeitos de palavra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995. CLEGG, Stewart R; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R. Handbook de Estudos Organizacionais. Vol. II. São Paulo: Atlas, 2001. CLEGG, Stewart R; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R. Handbook de Estudos Organizacionais. Vol. III. São Paulo: Atlas, 2004. CROZIER, Michel. O Fenômeno Burocrático. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. KNIGHTS, D.; MORGAN, G. Corporate strategy, organizations and subjectivity: a critique. Organization Studies, 1991. MONTGOMERY, Cynthia; PORTER; Michael. Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1998.