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QUADRO VI Registro de Bem Imaterial – Saberes OFÍCIO DA BENZEÇÃO EXERCÍCIO 2017 BETIM / MG

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Q U A D R O V I

Registro de Bem Imaterial Saberes

OFCIO DA BENZEO

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BETIM / MG

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Rubrica

SUMRIO

1.INTRODUO ............................................................................................................................... .....3

2. HISTRICO DO MUNICPIO E DO LOCAL ONDE OCORRE O BEM CULTURAL (DISTRITO

SEDE)

2.1. HISTRICO DO BEM CULTURAL .................................................................................... 5

2.2. TRAJETRIA HISTRICA E DEPOIMENTOS ............................................................... 22

3. DESCRIO DETALHADA DO BEM CULTURAL

3.1. ORGANIZAO E ESTRUTURA DO GRUPO DE EXECUTANTES ........................... 49

3.2. ETAPAS DE REALIZAO DO OFCIO DA BENZEO ............................................ 52

3.3. MATERIAIS NECESSRIOS ............................................................................................ 55

3.4. DESCRIO DOS LOCAIS DE OCORRNCIA .............................................................. 58

4. CARTOGRAFIA ............................................................................................................................... 64

5. DOCUMENTAO FOTOGRFICA ............................................................................................ 65

6. REGISTRO AUDIOVISUAL ........................................................................................................... 74

7. FICHAS DE INVENTRIO ............................................................................................................. 75

8. ANLISE DO BEM CULTURAL ................................................................................................... 95

8.1. PLANO DE VALORIZAO E SALVAGUARDA

8.2. IDENTIFICAO DOS RISCOS DE DESAPARECIMENTO ....................................... 104

8.3. DIRETRIZES DE PROTEO ......................................................................................... 105

8.4. MEIOS DE DIFUSO E TRANSMISSO PARA FUTURAS GERAES ................. 107

8.5. DETALHAMENTO DAS AOES A SEREM DESENVOLVIDAS ............................... 107

8.6. CRONONOGRAMA DE SALVALVAGUARDA 2016 EX. 2018 ............................... 112

9. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS E DOCUMENTAIS ........................................................... 113

10. FICHA TCNICA ......................................................................................................................... 114

11. ANEXOS - PARTE LEGAL ......................................................................................................... 115

PROPOSTA DE REGISTRO

ANUNCIAS

ATA DE TOMBAMENTO PROVISRIO

PARECER TCNICO FEITO PELO CONSELHO

DIVULGAO DA DECISO SOBRE O INCIO DO REGISTRO

ATA DE TOMBAMENTO DEFINIITIVO

DIVULGAO DO REGISTRO DEFINITIVO

INSCRIO NO LIVRO DE REGISTRO

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Rubrica

INTRODUO

O presente conjunto textual, imagtico e documental compreende o Dossi de Registro do

Ofcio da Benzeo e composto por informaes histricas, culturais e institucionais que visam

subsidiar a salvaguarda municipal do Bem Imaterial em questo.

O Registro de Bens Imateriais regido pelo Decreto 3.551, de 04 de agosto de 2000, que

visa proteger e promover o Patrimnio Imaterial instituindo, para isso, quatro livros de preservao:

1) Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

2) Formas de expresso: manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e ldicas;

3) Celebraes: rituais e festas que marcam a vivncia coletiva do trabalho, da religiosidade,

do entretenimento e de outras prticas da vida social;

4) Lugares: mercados, feiras, santurios, praas e demais espaos onde se concentram e se

reproduzem prticas culturais coletivas.

A inscrio de um Bem Imaterial em um desses livros significa o reconhecimento pblico

do patrimnio da comunidade, cabendo sua preservao e o incentivo sua continuidade. O

Registro de Bens Imateriais possibilita a valorizao e a continuidade de um patrimnio relevante

para a comunidade, por meio do reconhecimento de sua importncia para a identidade coletiva e o

incentivo de sua permanncia.

A motivao para o reconhecimento patrimonial do Ofcio da Benzeo partiu do interesse

do Conselho Municipal do Patrimnio Cultural, Histrico e Turstico de Barroso em valorizar e

promover esse saber presente no municpio, certamente, desde a virada dos sculos XVII para o

XVII, incio da povoao da rea. Contriburam significativamente para a elaborao do presente

Dossi de Registro os funcionrios da FUNARBE - Fundao Artstico Cultural de Betim e

diversas pessoas que forneceram informaes sobre os benzedores. Alm disso, deve-se ressaltar

que a participao dos executantes desse ofcio, por meio de entrevistas, foi fundamental para a

elaborao deste documento.

Com vistas a subsidiar o presente estudo, foram feitas pesquisas histricas e pesquisas de

campo, com a realizao de entrevistas abertas e semi-estruturadas e consultas bibliografia

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especfica, alm de um estudo que informa sobre as mudanas e permanncias desta tradio e sua

identificao com outras manifestaes correlatas.

O resultado das pesquisas est materializado no presente Dossi de Registro, o qual procura

explorar essa importante manifestao imaterial praticada no municpio de Betim e refletir sobre

suas significaes, tanto para os agentes envolvidos com a prtica tradicional de cura, quanto para a

comunidade local. Este Dossi busca explorar o contexto de realizao das benzees, as histrias

de vida de seus agentes executantes e a estrutura ritualstica de recriao do ofcio.

O objetivo fornecer informaes consistentes sobre o bem cultural e seus significados para

a comunidade de Betim, servindo de subsdio para o registro desse ofcio. No entanto, destaca-se

que a elaborao de dossis no garante a valorizao dos bens culturais nomeados patrimnio. A

continuidade da prtica vincula-se sua apropriao pela comunidade onde ocorre, sendo que o

desenvolvimento de aes para a salvaguarda do saber constitui-se estratgia primordial para sua

difuso e valorizao. Diante do reconhecimento da relevncia cultural do Ofcio da Benzeo em

Betim, prope-se o Registro Imaterial dessa saber, como forma de valorizar e promover de maneira

mais ampla os conhecimentos tradicionais de cura disseminados no municpio, com sua inscrio no

Livro de Registro dos Saberes.

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Figura 01: Localizao geogrfica de Betim. Cidades IBGE. IN:

http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=310670&search=minas-

gerais|betim|infograficos:-dados-gerais-do-municipio, acesso em 10072015.

HISTRICO DO MUNICPIO DE BETIM

O municpio de Betim-MG situa-se na Zona Metalrgica e integra a Regio Metropolitana

de Belo Horizonte. Com um territrio de 346 km2, distante 31 km de Belo Horizonte por rodovia e

38 km por ferrovia. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) do

censo de 2014, Betim apresenta uma populao de 412.003 habitantes, ocupando a quinta posio

entre as cidades mais populosas do Estado de Minas Gerais. Segundo dados do censo de 2010, a

populao rural de 2.758 habitantes e a densidade demogrfica (habkm2) de 1.102,80

1.

A sede do municpio est localizada, em mdia, a 860 m de altitude. Sua posio

determinada pelas coordenadas geogrficas de 195752 Latitude Sul e 441154 Longitude

Oeste. A rea rural da cidade composta por vrias comunidades, como, por exemplo, os Bairros

Flores, Aroeiras, Charneca, Liberatos, Marimb, Santo Afonso, Pimentas, Icaivera, Aude, Saraiva,

Casa Amarela, Estncia do Sereno, Bandeirinhas, Gorduras, Vianpolis, Quebra, Vrzea das Flores,

Serra Negra, Vrzea do Portugues. O municpio faz divisas com Esmeraldas, Contagem, Juatuba,

Igarap, Ibirit, So Joaquim de Bicas, Mrio Campos e Sarzedo.

1 Dados fornecidos pelo IBGE:

http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=310670&search=||infogr%E1ficos:-

informa%E7%F5es-completas, acessado em 10072015.

http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=310670&search=minas-gerais|betim|infograficos:-dados-gerais-do-municipiohttp://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=310670&search=minas-gerais|betim|infograficos:-dados-gerais-do-municipiohttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=310670&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completashttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=310670&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas

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Figura 02: Mapa Hidrogrfico de

Betim. (EMATER MG, 2006).

A rea do municpio apresenta um relevo de planaltos ondulados no imenso tabuleiro que

se estende pelos contrafortes2 da Serra do Curral at Oeste de Minas Gerais. O relevo acidentado,

principalmente nas vertentes da Serra Negra terminando em vales e reas com menores

declividades. A topografia de Betim pode ser caracterizada pela seguinte maneira: 15% do relevo

plano, 25% montanhosa e a grande maioria 60% ondulada.

Betim se insere na bacia hidrogrfica do Rio Paraopeba com o ribeiro Betim cortando a

cidade. A nascente do ribeiro de Betim est situada na altitude de 920 m, no Municpio de

Contagem. Sua bacia tem uma rea de drenagem total de aproximadamente 172 km2. Da sua rea

total, aproximadamente 139 km2 ou 80% esto no Municpio de Betim, numa regio de maior

concentrao de ocupao urbana. Num trecho, os principais afluentes so os crregos Saraiva,

Bom Retiro, Vrzea das Flores e o Riacho das Areias.

O clima definido como tropical de altitude ameno e seco, com dias ensolarados e noites

com temperaturas amenas. O vero mido e o inverno seco. A regio fora coberta pelas florestas

de galeria, floresta mesfila (secas) e cerrados, sendo o bioma da regio constitudo por Cerrado e

Mata Atlntica. Porm, destaca-se que a ocupao do territrio mais as atividades de agropecuria e

2 Contrafortes: termo de natureza descritiva utilizado pelos geomorflogos e gelogos ao tecerem consideraes sobre o

relevo de regies serranas. Denominao dada s ramificaes laterais de uma cadeia de montanhas. Os contrafortes

quase sempre esto em posio perpendicular ou pelo menos oblqua, ao alinhamento geral das serras. Glossrio

Geolgico. Servio Geolgico do Brasil (CPRM). IN: http://www.cprm.gov.br/Aparados/glossario_geologico.htm#C,

acessado em 15/07/2015.

http://www.cprm.gov.br/Aparados/glossario_geologico.htm#C

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silvicultura provocaram reduo nas formaes vegetais, tanto em termos de rea quanto em termos

de biodiversidade.

Conforme Lopes (2004), at os anos 40, Betim tinha uma economia rural razoavelmente

diversificada, uma indstria siderrgica de pequeno porte e algumas outras indstrias, o que

possibilitou o desenvolvimento de uma cidade pequena, mas significativamente diversificada do

ponto de vista social. A instalao, na dcada de 1960, da Refinaria Gabriel Passos (REGAP) da

Petrobras, promoveu o desenvolvimento de muitas atividades complementares, a exemplo do

comrcio atacadista de combustveis. O planejamento da Regio Metropolitana de Belo Horizonte

resultou no reforo das potencialidades de localizao industrial e de desenvolvimento urbano em

Betim.

A criao do Distrito Industrial Paulo Camilo, na dcada de 1970, por meio da instalao

da Fiat Automveis S/A, em 1972, e suas indstrias satlites, fez surgir o segundo plo industrial

automobilstico do pas. A partir de 1990, em consequncia do programa de mineirizao dos

componentes da Fiat Automveis, houve novo crescimento de Betim. Portanto, o municpio

considerado um importante plo de concentrao industrial do estado mineiro, sendo o setor

industrial bastante diversificado e com empresas do porte.

Os principais processos produtivos industriais do municpio so: metal-mecnico;

automobilstico; eletroeletrnico; qumico e petroqumico; produtos de materiais de plstico;

indstria do vesturio; calados e artefatos de tecidos; material eltrico, eletrnico e comunicao;

construo; madeira; material de transporte; papel e papelo; mecnica e metalrgica. A minerao

tem como principal bem explorado o gnaisse extrado dos domos da regio. Destaca-se que areia,

pedras britadas e ornamentais so as principais reservas minerais exploradas.

Afora as atividades industriais, a economia de Betim compreende as atividades econmicas

de agropecuria e agricultura, o artesanato e o turismo. Os principais setores da economia do

municpio so: indstria, comrcio e prestao de servios. Destarte, as mudanas na estrutura

econmica da cidade se refletem tanto no crescimento da populao quanto na evoluo da

distribuio de sua populao economicamente ativa (LOPES, 2004).

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Figura 03: Refinaria Gabriel Passos (REGAP) em Betim. IN: http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-

atividades/principais-operacoes/refinarias/refinaria-gabriel-passos-regap.htm, acessado em 10072015.

No setor agrcola, predomina a produo de amendoim, arroz, banana, cana-de-acar,

caf, laranja, mandioca, milho e tomate. Na agroindstria se destacam a produo de aguardente

artesanal e a comercializao de doces e compotas. A pecuria em Betim constituda por rebanhos

de bovinos, sunos, equinos e a criao de aves. As atividades mais expressivas compreendem a

criao de rs, aves exticas, e orquidrio, afora a criao de gado (EMATER, 2006).

No municpio h a fundao Artstica Cultural de Betim, que proporciona oficinas de arte

e cultura das mais diversas, de acordo com a demanda existente, e o Salo do Encontro, que

capacita artesos em atividades de marcenaria, tecelagem, tapearia, cermica, cestaria, confeces

de bonecas de pano e estofamento de mveis. Estas instituies servem de instrumento para a

preservao das tradies artsticas e culturais de Betim. Nesse sentido, Betim tem foi apontada

como cidade potencial para o turismo ecolgico, com destaque para esportes nuticos, devido a

represa Vrzea das Flores construda na dcada de 1960, e para o turismo de negcios.

HISTRICO

O povoamento da regio onde hoje se encontra o municpio de Betim surgiu em

consequncia das expedies bandeirantes3 em busca de ouro e pedras preciosas no interior da

3 As Bandeiras foram expedies organizadas, inicialmente, para apresar ndios no interior do Brasil. Depois,

surgiram as Bandeiras de Contrato e, por ltimo, as de prospeco de pedras e metais preciosos. Antes da existncia

das Bandeiras, foram designadas as Entradas que constituram, simultaneamente, operaes de reconhecimento do

territrio brasileiro em busca de ouro, prata e pedras preciosas que ali deveriam existir e de consolidao do domnio

http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/refinaria-gabriel-passos-regap.htmhttp://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/refinaria-gabriel-passos-regap.htm

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Fig.04: Povos que viviam em

Minas Gerais (2 metade do

Sculo XVI). Destaque para os

botocudos, grifos meus.

(CAMPOS; FARIA, 2005:25).

colnia, ao final do sculo XVII. A primeira bandeira a que tradicionalmente se atribui a descoberta

de ouro na regio das Minas Gerais a de Antnio Rodrigues Arzo que, em 1693, localizou o

metal nos sertes do Rio Casca (CAMPOS; FARIA, 2005). A notcia da descoberta de ouro

aumentou significativamente o nmero de bandeiras a entrar pelo serto mineiro, onde se acharam

novas minas de ouro e, futuramente, jazidas de pedras preciosas.

Antes da chegada dos bandeirantes, a regio do atual territrio de Betim era provavelmente

ocupada por diferentes tribos indgenas seminmades, que foram dizimadas em decorrncia dos

conflitos com os bandeirantes. Conforme Campos e Faria (2005), no incio do perodo colonial, os

ndios foram chamados primeiramente de aimors, sendo numerosos na poca das primeiras

incurses portuguesas. Distribuam-se pelo sul da Bahia, regio Nordeste de Minas Gerais e norte

do Esprito Santo.

Depois, passaram a ser conhecidos como botocudos, denominao genrica dada a

diferentes grupos indgenas pertencentes ao tronco macro-j, isto , grupo no tupi, de diversas

filiaes lingusticas, cujos indivduos, em sua maioria, usavam botoques labiais e auriculares.

portugus na Amrica. Chamavam-se Bandeiras em funo do costume tupiniquim de levantar uma bandeira em sinal

de guerra. Para combater os indgenas, valeram os portugueses das rivalidades entre algumas das principais tribos,

atirando-as umas contras as outras, da a expresso utilizada por Anchieta levantar bandeira, depois difundida por

Capistrano de Abreu. (CARVALHO, 2012:91).

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Neste ambiente de constante mobilidade espacial, rotas e caminhos foram criados para a

passagem de bandeirantes e aventureiros, atrados pelo desejo de enriquecimento, e das tropas de

abastecimento, que traziam consigo gneros e vveres para a manuteno e abastecimento da regio.

Profissional comum na regio, ao tropeiro cabia transportar gneros alimentcios oriundos de

diferentes territrios, segundo a necessidade do mercado minerador.

Para abastecer as aglomeraes que se formavam, desenvolveu-se uma intensa rede

comercial, com produtos de primeira necessidade trazidos da regio porturia do Rio de Janeiro e de

outras capitanias, como So Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio Grande (do Sul). Alm da existncia,

desde os primeiros anos das Minas, de roas e paragens que se dedicavam produo e escoamento

de produtos agrcolas (alimentos e bebidas notadamente aguardente), pastoris (bois, vacas e

ovelhas) e txteis (tecidos grosseiros), direcionados ao abastecimento interno da capitania mineira

A formao do povoado de Capela Nova de Betim, atualmente Betim, poca, iniciou-se

nesse perodo, quando a regio fazia parte desse entrecruzar de caminhos, integrando parte da rota

dos bandeirantes que partiam de So Paulo e se dirigiam a Pitangui. A localidade era destino dos

escravos transferidos do nordeste para as Minas e onde se registrava o gado entrado na regio,

destinado a abastec-la, que eram registrados no povoado das Abboras, que passou a ser conhecido

como Contagem das Abboras. A contagem era realizada, evidentemente, com objetivos fiscais.

Para controlar e ampliar a explorao aurfera nas Minas Gerais, a Coroa portuguesa

proibiu qualquer tipo de plantao de alimentos e criao de gado na zona. Os garimpos, portanto,

tornaram-se importantes centros consumidores de alimentos e animais de transporte. Destaca-se que

essa proibio no era respeitada, visto que a regio de Betim constituiu-se como local de instalao

de criadores de gado no incio do sculo XVIII. Em um dos primeiros ncleos da povoao do

atual municpio, foi construdo um casaro4 destinado ao uso como pousada e venda de secos e

molhados, especialmente para as tropas que por ali passavam.

Em 1711, Joseph Rodrigues Betim, ligado por parentesco e amizade ao destacado

bandeirante Borba Gato, solicitou a Coroa portuguesa a doao de uma sesmaria na regio. O

pedido foi atendido no mesmo ano e a regio, demarcada s margens do Ribeiro da Cachoeira,

4 Destaca-se que este casaro atualmente abriga a casa de Cultura Josephina Bento, inaugurada em 1987 em

homenagem a uma das mais antigas professoras da regio. Tombada como patrimnio histrico e cultural, em 1997, o

imvel est localizado na Rua Padre Osrio Braga, nrio Braga, n 18, onde se realizam diversas atividades culturais.

IN:

http://www.betim.mg.gov.br/prefeitura_de_betim/secretarias/turismo/pontos_turisticos/39100%3B59205%3B07243603

%3B0%3B0.asp, acessado em 15/07/2015.

http://www.betim.mg.gov.br/prefeitura_de_betim/secretarias/turismo/pontos_turisticos/39100%3B59205%3B07243603%3B0%3B0.asphttp://www.betim.mg.gov.br/prefeitura_de_betim/secretarias/turismo/pontos_turisticos/39100%3B59205%3B07243603%3B0%3B0.asp

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Figura 05: Capela de Nossa

Senhora do Monte do

Carmo. IN:

http://imphic.ning.com/profi

les/blogs/linha-do-tempo-

de-betim, acessado em

15/07/2015.

passou a ser conhecida como Ribeiro do Betim. Porm, segundo apontamentos de Fonseca (1975),

no se pode asseverar que Joseph Rodrigues Betim tenha sido responsvel pelo desenvolvimento do

povoado de Betim e pela construo de duas capelas na sesmaria, uma vez que mudou-se para

Pitangui em 1713 (FONSECA, 1975).

Nas primeiras dcadas aps a doao da sesmaria a Betim, a regio consolidou-se como

local de passagem e parada dos tropeiros. Ressalta-se que, afora o sesmeiro Joseph Betim, o

territrio foi dividido entre os sesmeiros Joo de Souza Sotto Mayor (criador de gado) e Joo Leite

da Silva Ortiz (FONSECA, 1975). Nesse perodo, recebeu diversos ncleos de povoao,

coincidentes com os pontos de parada dos tropeiros. Tais ncleos tinham por funo o plantio de

roas e criao de gado, destinados como suprimento aos bandeirantes em expedio pelo interior.

Desse modo, o arraial da Bandeirinha foi o primeiro de Betim a constar na documentao oficial, ao

pedir autorizao para a construo de uma capela em 1753.

A autorizao foi obtida em 1754 e a capela erigida5 imediatamente com o nome de Capela

de Nossa Senhora do Monte do Carmo, demonstrando a prosperidade do local. Betim aparece como

local essencial para o abastecimento das tropas que ali passavam para transportar o ouro. A

oficializao do arraial se deu em 1754 atravs do estabelecimento da Capela Nossa Senhora do

Monte do Carmo, a Capela Nova, que mais tarde emprestaria seu nome ao arraial Arraial Capela

Nova do Betim (FONSECA, 1975). Pois, havia outras capelas na regio, em Mateus Leme e Santa

Quitria, atual cidade de Esmeraldas. A partir de 1760, o arraial cresceu em importncia, sendo

elevado a distrito em 1797 e comportando a instalao de foras policiais reais.

5 A edificao foi instalada onde atualmente se encontra a Praa Milton Campos, com os fundos para o futuro centro

histrico de Betim.

http://imphic.ning.com/profiles/blogs/linha-do-tempo-de-betimhttp://imphic.ning.com/profiles/blogs/linha-do-tempo-de-betimhttp://imphic.ning.com/profiles/blogs/linha-do-tempo-de-betim

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Ao final do sculo XVIII, a decadncia do ciclo do ouro provocou forte impacto na regio

mineradora, levando a um processo de rpido esvaziamento da populao e substituio da

agropecuria comercial pela agricultura de subsistncia (RODRIGUES, 1980). A decadncia da

explorao aurfera acarretou na retrao econmica de diversas cidades da regio das Minas

Gerais. Capela Nova do Betim, que tambm teve sua economia afetada pela crise, passou a

desenvolver atividade econmica de subsistncia. s margens do Rio Betim, se instalaram olarias e

moinhos de fub, em aproveitamento das quedas dgua. Em 1851, a povoao foi elevada a distrito

com a denominao de Capela Nova do Betim, por meio da Lei Provincial n 522, de 23/09/1851.

poca, o territrio mineiro recebeu diversas incurses de viajantes estrangeiros, que

fizaram importantes descries do cenrio e das cidades que visitavam. Destarte, o viajante James

Wells (1995) fornece a seguinte descrio sobre a regio:

Capela Nova do Betim avistada muito antes que eu a alcance. Sua longa rua de casas

brancas e telhas vermelhas fica situada proeminentemente sobre um morro alto, cercado de

vales fundos e de morros mais altos e cadeias de montanhas. A estrada desce da regio alta

que eu tinha atravessado, cruza um vale e sobe por uma ladeira larga e ngrime, com casas

separadas, casebres e ranchos de cada lado. Chegando ao topo, ela se une a outra rua em

ngulo reto, ou melhor, a uma longa praa aberta, com filas de casas de porta e janela

amontoadas e uma igreja simples, caiada, em uma extremidade. H diversas vendas e

armazns de secos e molhados e ranchos abertos para tropas de mula. (...) Uns poucos

matutos, em seus matungos esqulidos, montados com seus dedes do p enfiados em

pequenos estribos e usando o inevitvel poncho de baeta ou tecido azul listrado de

vermelho; umas poucas mulheres negras ou mulatas, vestidas com saias de algodo e xales

espalhafatosos e batas brancas, apregoando frutas ou doces em tabuleiros de porta em porta;

uns poucos vadios nas vendas e armazns; algumas cabeas nas janelas assistindo apticas

cena para a qual passam diariamente olhando e os numerosos porcos, bodes, cachorros,

galinhas, perus e galinhas dangola da rua constituem a restrita vida presente nesta vila

sonolenta. (WELLS, 1995:121-122).

Destaca-se tambm que o desenvolvimento da localidade, a partir da segunda metade do

sculo XVIII, pode ser percebido pela construo da Matriz de Nossa Senhora do Cormo, concluda

em 1867. A Matriz foi construda em substituio da capela erguida em 1754, uma vez que j no

comportava mais o pblico religioso, que havia crescido significativamente.

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Figura 06: Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, sculo XVIII. IN:

http://imphic.ning.com/profiles/blogs/linha-do-tempo-de-betim, acessado em 15/07/2015.

Ao final do sculo XIX, o Brasil vivenciara a mudana de regime poltico com a

implantao do regime republicano em 1889, que originou a diviso poltica dos estados e

municpios atravs da Constituio Federal. Minas Gerais passa de provncia para condio de

Estado, formado por apenas 11 municpios. Um deles era o municpio de Santa Quitria,

representado pelos atuais municpios de Esmeraldas, Contagem, Ibirit e Betim (ASSIS, 1996,

p.15). Em 1901, o ento denominado Distrito da Segunda Companhia da Capela Nova do Betim

passou a integrar o municpio de Santa Quitria, deixando de se subordinar Vila de Sabar.

Em 1894 comeou a construo da Capela de Nossa Senhora do Rosrio. A iniciativa da

construo da capela partiu da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio, existente em Betim desde

1814. poca, j havia uma imagem de Nossa Sra. do Rosrio localizada na Igreja de Nossa

Senhora do Carmo. Porm, a devoo dos negros era afetada, pois no se sentiam vontade para

realizar suas preces e oferendas Senhora do Rosrio (FONSECA, 1975:162). Assim, em fevereiro

de 1897, a capela recebia vidraaria e nela j se celebravam os atos religiosos. A instalao da

capela, portanto, serviu como elemento de afirmao do bairro Angola, onde a maioria dos negros

de Betim residia nesse perodo.

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Figura 07: Capela de Nossa Senhora do Rosrio,

sculo XVIII. IN:

http://imphic.ning.com/profiles/blogs/linha-do-

tempo-de-betim, acessado em 15/07/2015.

A estagnao econmica do distrito de Capela Nova do Betim, durante todo o sculo XIX,

no fugiu s caractersticas conjuntura econmica de Minas Gerais, no perodo. O desfavorvel

cenrio econmico do municpio somente seria alterado a partir do final do sculo XIX, com a

mudana da capital mineira, em Ouro Preto, para a regio da antiga Curral dEl-Rei:

Apesar das obras de implementao da nova capital absorverem as principais iniciativas

polticas e econmicas do governo, empenhado em fazer em Belo Horizonte um centro

moderno que refletisse os ideais republicanos de ordem e progresso, esse processo

repercute nas regies prximas e alcana Betim que, aos poucos, sai do seu relativo

isolamento (RUGANI, 2001, p. 56).

O desenvolvimento de Betim nesse momento, portanto, pode ser compreendido como

reflexo da implantao da nova capital mineira (CAMARGOS, 2006). Assim, destaca-se a

construo da Estrada de Ferro Oeste de Minas, em 1909, que ligava Belo Horizonte a Divinpolis,

como resultado da concesso de 155 km para a Schnoor Engenharia. Outra importante construo

do perodo foi a Usina Hidreltrica, inaugurada em 1914, iniciativa do engenheiro Antnio

Gonalves Gravat, funcionrio da Schnoor. Alm de sugerir a construo da hidreltrica, cedeu

parte de suas terras para o empreendimento, na Fazenda Cachoeira. A usina foi construda com

recursos prprios de Antnio Gravat e seu empregador, Emlio Schnoor, fornecendo energia

tambm s cidades de Henrique Galvo (atual Divinpolis) e de Contagem, em 1945

(CAMARGOS, 2006).

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Figura 09: Usina Hidreltrica. Foto do

acervo da Casa da Cultura Josephina

Bento, que retrata o perodo inicial de

funcionamento da usina, em 1914.

Figura 08: Foto da Estao Ferroviria de

Capela Nova do Betim, de 1915. IN:

http://www.estacoesferroviarias.com.br/rm

v_garcas/betim.htm, acessado em

15/07/2015.

Tais acontecimentos no alteraram o quadro econmico da regio, j que o Distrito de

Betim apenas definia sua especializao na produo agrcola, que permaneceu especializada na

produo de gneros alimentcios, principalmente, arroz, milho, mandioca, feijo, cana de acar e

algum gado (RODRIGUES,1980). A partir de 1910, com o funcionamento da Estao Ferroviria,

a cidade desenvolveu um novo desenho urbano, implantada prxima a Praa Milton Campos,

compreendida como regio central. O crescimento urbano, desse modo, deslocou o eixo central da

cidade para a confluncia das avenidas Governador Valadares e Amazonas, em detrimento ao

antigo centro.

http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_garcas/betim.htmhttp://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_garcas/betim.htm

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Figura 10: Foto de Betim, na dcada de 1940. IN:

http://www.cidade-brasil.com.br/foto-betim.html,

acessado em 15/07/2015.

Resultado da poltica sanitria do pas, em 1922 foi instalado o Sanatrio Santa Isabel, para

o internamento e isolamento de doentes com lepra. O Sanatrio surge da reao poltica de

interveno para o controle da doena a nvel nacional. Foi uma das 33 colnias implantadas em

todo o Brasil, localizado numa regio afastada de Betim, conhecida atualmente como Citrolndia

(ASSIS, 1996).

No ano de 1938, Betim passa condio de municpio e comarca, composto pelas cidades

de Ribeiro das Neves, Contagem, Ibirit e Betim, conforme a Lei Estadual n 148, de 17/12/1938.

Na dcada de 40, Contagem e Ribeiro das Neves so emancipadas de Betim. Finalmente, em 1962,

Betim se desmembra de Ibirit, passando a ter, atualmente, uma rea de 372 km2.6 Em 1941, a

criao da Cidade Industrial, em terras desapropriadas de Betim7, comprova a inteno do governo

estadual de consolidar o centro econmico em torno da capital. Com a construo das rodovias para

6 Na legislao de 1939-1943, o municpio constitudo de 5 distritos: Betim, Campanha, Contagem, Ibirit e Neves.

Pelo Decreto-lei Estadual n. 1.058, de 31/12/1943, os distritos de Campanha e Ribeiro das Neves (ex-Neves) foram

transferidos do municpio de Betim para Pedro Leopoldo. E, ainda pelo mesmo Decreto-lei, o distrito de Ibirit passou a

ser grafado Ibirit. No quadro fixado para vigorar no perodo de 1944-1948, o municpio constitudo de 3 distritos:

Betim, Contagem e Ibirit (ex-Ibirit).

Pela Lei n. 336, de 27/12/1948, criado o distrito de Sarzedo e anexado ao municpio. Em diviso territorial datada de

01/07/1950, o municpio constitudo de 4 distritos: Betim, Contagem, Ibirit e Sarzedo. Pela Lei Estadual n. 1.039, de

12/12/1953, desmembrado o municpio de Betim o distrito de Contagem e elevado categoria de municpio. Em

diviso territorial datada de 01/07/1955, o municpio constitudo de 3 distritos: Betim, Ibirit e Sarzedo. Em diviso

territorial datada de 1-VII-1960, o municpio constitudo de 3 distritos: Betim, Ibirit e Sarzedo. Pela Lei Estadual n.

2.764, de 30/12/1962, desmembrado do municpio de Betim os distritos de Ibirit e Sarzedo, para constituir o novo

municpio de Ibirit. Em diviso territorial datada de 31/12/1963, o municpio constitudo do distrito sede. Fonte:

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Cidades@: Betim. IN:

http://www1.ibge.gov.br/cidadesat/painel/historico.php?lang=_EN&codmun=310670&search=minas-

gerais%7Cbetim%7Cinphographics:-history, acessado em 15/07/2015. 7 A Cidade Industrial foi criada em terras que pertenciam Betim, passando a fazer parte de Belo Horizonte e depois

passando a integrar o territrio de Contagem, atravs do Decreto Lei n.336, em 1948 (RUGANI, 2002).

http://www.cidade-brasil.com.br/foto-betim.htmlhttp://www1.ibge.gov.br/cidadesat/painel/historico.php?lang=_EN&codmun=310670&search=minas-gerais%7Cbetim%7Cinphographics:-historyhttp://www1.ibge.gov.br/cidadesat/painel/historico.php?lang=_EN&codmun=310670&search=minas-gerais%7Cbetim%7Cinphographics:-history

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Figura 11: Foto da

Colnia Sanitria Santa

Isabel, apesar de uma

regio isolada, integrante

do municpio de Betim,

na dcada de 1940. IN:

http://imphic.ning.com/pr

ofiles/blogs/linha-do-

tempo-de-betim,

acessado em 15/07/2015.

So Paulo e Uberaba, Betim ampliou as facilidades de escoamento para esses mercados,

favorecendo a explorao das pedreiras da regio.

Enquanto isso, a industrializao no municpio ganha uma maior participao no setor

secundrio da economia na tentativa de reforar o parque siderrgico do Vale do Paraopeba

(DINIZ, 1981). Algumas indstrias de refratrios so instaladas no municpio, como a Cermica

Saffran (1942), Ikera (1945) e a Cermica Minas Gerais (1947), ligadas por dois eixos de

articulao entre o municpio: a Avenida Amazonas e a Ferrovia, fazendo ligao de Belo

Horizonte a Divinpolis (ASSIS, 1996).

Destaca-se que, paralelo ao crescimento industrial, a agropecuria tambm se desenvolveu,

especialmente na produo de hortifrutigranjeiros, visando ao abastecimento da capital. Todavia,

essa primeira industrializao pode ser atribuda a uma elite industrialista local, mais integrada

comunidade, comprometida com a absoro da mo-de-obra da regio e, por seu carter mais

tradicionalista, menos agressiva sobre o tecido urbano.

Logo, entre 1940 a 1950, Betim passa a ter importante funo como local de passagem das

rotas de abastecimento, desta vez destinadas capital, Belo Horizonte. O planejamento Estadual

destinou ao municpio a funo de comportar a indstria de base ou de bens de capital, representada

pelas siderrgicas, e a produo de alimentos para o abastecimento da capital. Destaca-se que o

municpio fez parte da constituio do Parque Siderrgico Nacional, por meio da criao da Cidade

Industrial de Contagem, cuja extenso abrangeu Betim.

O governo Estadual, no intento de superar a estagnao econmica, associa-se ao Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e Companhia Energtica de Minas Gerais (CEMIG)

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para a criao do Instituto de Desenvolvimento Industrial (INDI). O instituto tinha por objetivo

principal a criao e instalao de um parque industrial mineiro, meta conquistada com a fundao

da Cidade Industrial, em 1941 (RUGANI, 2001). Assim, novas indstrias se instalaram na RMBH,

principalmente em Contagem, e mais tarde, Betim.

A intensificao do processo de urbanizao no Brasil foi acompanhada pelo acelerado

processo de industrializao da economia brasileira em meados da dcada de 1950. Com o objetivo

de melhorar o desempenho da economia, a CEPAL (Comisso Econmica para a Amrica Latina)

foi orientadora fundamental, apoiado pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1960). Com isso,

no s a economia alcanava um novo patamar, onde predominavam os setores de bens de capital e

de bens de consumo durveis, como tambm os sistemas de transportes e virio se modernizavam,

promovendo a articulao entre diversas regies do pas (DINIZ, 1981).

Na dcada de 1950, a industrializao brasileira tem seu eixo alterado, com a diminuio

do investimento nas indstrias de bens de capital (as siderrgicas) e o aumento do investimento para

a produo de bens de consumo durveis, para substituio das importaes. Detentora de uma

localizao estratgica, Betim tornou-se plo de atrao das indstrias. Essa poca foi marcada pelo

programa de governo de Juscelino Kubitschek, cuja meta era tornar Minas mais autnoma em

relao gerao de energia. Em 1954, portanto, era instalada uma central geradora de energia da

CEMIG em Betim.

Tambm foi objetivo do governo estadual e federal modernizar o sistema de transporte

para integrar o ncleo do estado ao cenrio nacional. Belo Horizonte e Contagem beneficiaram-se

com os investimentos aplicados, mas Betim continuou com sua economia voltada para o setor

agropecurio, insuficiente para promover dinamismo econmico no municpio (CAMARGOS,

2006). Contudo, a pavimentao da Rodovia Ferno Dias (BR 381) e da BR-262 induziria o

surgimento de vrios ncleos econmicos ao longo das rodovias. Alm disso, o mercado imobilirio

j sinalizava o futuro da incorporao do municpio ao processo de metropolizao (RUGANI,

2003).

A Rodovia Ferno Dias, construda no governo presidencial de Juscelino Kubitschek, foi

significativa para o desenvolvimento da regio, provocando um considervel nmero de

loteamentos na poro central da cidade, durante a dcada de 1960. O bairro PTB (Posto

Telegrfico Brasileiro) percebido como um dos maiores exemplos da expanso da ocupao

urbana nessa poca. A partir de 1960, delineava-se uma nova configurao urbana em Betim,

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embasada nas aes de demarcao dos lotes e bairros novos, sendo em maioria implantados s

margens da Rodovia.

Nesse perodo, chegaram a Betim algumas indstrias de mdio porte, quase todas de

capital privado, excetuando-se a Refinaria Gabriel Passos, instaladas no Bairro Cachoeira, local

tradicional da primeira industrializao de Betim, vinculado presena da Av. Amazonas, do Rio

Betim e da Ferrovia Oeste de Minas. Assim, destacam-se as seguintes indstrias: Cortume Morumbi

(1960), Fabril de Minas (sabes,1962), Riomar (artigos de pesca, 1962), Fbrica So Geraldo

mveis, 1962), Fbrica So Joo (biscoitos, 1962), Frigorfico Silveli Torres (1964), Confeces

Dora (1964), Siderrgica Amaral (1965), Refinaria Gabriel Passos (1968), Asfalto Chevron

(emulso asfltica, 1969), Sidero Mangans de Pellets (1969, a partir de 1974, chamou-se

Siderrgica Wilson Raid).

A Refinaria Gabriel Passos, REGAP, foi instalada em 1968 em Betim devido ao ponto

estratgico de sua localidade: uma confluncia de condies favorveis redistribuio de

combustveis. Ademais, a disponibilidade de uma grande rea cedida pelo governo local,

juntamente com a privilegiada localizao geogrfica, facilitaria o escoamento da produo

(CAMARGOS, 2006). Alm disso, sua proximidade com Contagem e Belo Horizonte, centro

dinmico da regio, garantiria a demanda de um centro consumidor e tambm o fornecimento de

mo de obra. Primeiro empreendimento industrial do municpio, tornou-se responsvel pelo

desenvolvimento de muitas atividades complementares, a exemplo do comrcio atacadista de

combustveis.

Contudo, a implementao da Refinaria no trouxe mudanas na oferta de empregos para a

populao residente do municpio nem contribuiu para a dinamizao da economia. Segundo

RODRIGUES (1980), cerca de 80% de seus empregados residiam em Contagem e Belo Horizonte.

Por outro lado, a implementao dessa empresa j sinalizava uma tendncia de expanso do

municpio em direo a Contagem. Na dcada de 1970, apenas uma indstria, a Asfaltos Chevron,

havia sido atrada para o municpio em funo da REGAP.

Na dcada de 1970, a poltica econmica estadual, conhecida como Nova Industrializao

Mineira, permitiu que Betim ocupasse uma posio de destaque no cenrio nacional. Planejada

pelos polticos mineiros, esse projeto pretendia retirar o estado da posio de centro industrial

perifrico, fornecedor de insumos para o eixo Rio/So Paulo, tornando-o um centro autnomo. Por

isso, foi criada a Companhia de Distritos Industrias de Minas Gerais (CDI), que planejou cinco

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distritos industriais na Regio Metropolitana de Belo Horizonte: Betim, Vespasiano, Contagem,

Santa Luzia e Belo Horizonte.

O distrito de Betim, denominado Paulo Camilo, recebeu mais investimentos, com o intuito

de se tornar o 2 polo automobilstico do pas. Logo, no incio da dcada de 1970, a prefeitura

municipal de Betim contraiu emprstimo junto Caixa Econmica Federal para adquirir terrenos

que seriam doados tanto Fiat Automveis quanto Krupp. A instalao dessas indstrias no

municpio deveu-se as boas condies de infraestrutura apresentadas e o esgotamento do espao de

Contagem. Segundo dados da CDI at 1979, Betim havia recebido 72,60% dos investimentos nos

distritos industriais da RMBH e gerara 64,11% dos empregos diretos criados nestes mesmos

distritos. importante ressaltar que Betim sofreu uma alta especializao produtiva, isto , grande

parte de sua industrializao nesta poca deu-se em funo da indstria automotiva.

A instalao da Fiat Automveis em Betim resultou na formao do segundo maior plo

industrial automobilstico do pas, atraindo outras indstrias ligadas ao setor para o novo Eldorado

Industrial de Minas Gerais (RODRIGUES, 1980). Nesse sentido, a instalao desse

empreendimento repercutiu significativamente na reestruturao do espao urbano e

desenvolvimento econmico de Betim. Segundo Rodrigues (1980), o governo municipal, em

momento nenhum, participou das negociaes para instalao da Fiat em Betim, sendo um acordo

firmado entre o governo estadual e a Fiat.

Aps uma dcada de instalao da Fiat, Betim teve alterada definitivamente sua

participao no quadro econmico nacional: passando da posio de municpio relativamente bem

dotado de algumas indstrias de pequeno porte, para um centro de convergncia da

industrializao moderna, que vai se instalando no Estado. Esse desenvolvimento resultou num

crescimento vertiginoso da populao do municpio, que mais cresceu na RMBH desde ento

(CAMARGOS, 2006).

Porm, concomitante expanso industrial, percebe-se um crescente processo de

favelizao no municpio, principalmente nas reas urbanas centrais e nas adjacncias das grandes

industriais de Betim. A ausncia de interveno da poltica local e atuao do mercado imobiliria

acarretaram num processo de periferizao extensiva, por meio da oferta de loteamentos populares

em reas pouco valorizadas. Pois, essas regies por no serem foco de investimento pblico,

tornaram-se financeiramente acessveis s camadas de baixa renda (ASSIS, 1996).

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A ocupao de Betim, nesse sentido, no apresentou um desenvolvimento homogneo.

Enquanto algumas localidades tiveram significativas taxas de crescimento, outras tiveram nveis

bastantes baixos de aumento populacional. Assim, quatro regionais foram responsveis por quase

88% do crescimento populacional de Betim: Alterosas, PTB, Norte e Imbiruu (CAMARGOS,

2006). Sobremaneira, a concentrao da populao em Betim encontra-se na regio sul, leste e

central. Portanto, Betim apresenta uma formao histrica, social e cultural, a partir da dcada de

1950, ligada aos processos de industrializao que vivenciou.

A partir da instalao da Fiat e da Regap e de demais indstrias, em consequncia, Betim

teve seu desenvolvimento econmico e crescimento populacional acelarados. Na dcada de 1970, a

taxa de crescimento populacional da cidade foi de 8,33%. Entre as dcadas de 1980 aos anos 2000,

a taxa de crescimento populacional se manteve aproximadamente constante em 6,60%

(CAMARGOS, 2006). De acordo com o censo demogrfico do ano 2000, a populao de Betim era

composta por 306.317 pessoas, sendo um dos municpios mais populosos de Minas Gerais

(CAMARGOS, 2006).

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HISTRICO DO BEM CULTURAL

A prtica da benzeo no Brasil e em Minas Gerais

A prtica da benzeo se faz presente no Brasil desde a poca colonial, com sua origem

remetendo-se aos textos bblicos, tanto no Antigo, quanto no Novo Testamento e retratando

passagens em que determinados indivduos concediam e pediam a beno. Durante a Alta Idade

Mdia no continente europeu essa prtica tornou-se comum entre a populao. Nesse perodo, os

sacerdotes concediam a beno s pessoas e aos seus animais para livrarem-se das enfermidades

que os acometia. Mas ao longo do tempo e, partindo das interaes sociais e religiosas, indivduos

leigos que no possuam a autorizao da Igreja Catlica passaram a praticar as benzees no

intuito de atenderem s necessidades da comunidade em que se inseriam.

A partir desse momento, em Portugal, a prtica da benzeo passou a ser condenada pela

Igreja Catlica e pela Coroa, e seus praticantes foram perseguidos no intuito de acabar com tal ato.

Souza (1986, p. 184) ressalta que em 1499, D. Manuel determinava que, juntamente com os

feiticeiros, os benzedores fossem ferrados com um F em ambas as faces.. No perodo em que

Portugal ficou sob o domnio da Espanha de Felipe II, mais conhecido como Unio Ibrica (1580-

1640), nas Ordenaes Filipinas, que era um cdigo legislativo que regulamentava o funcionamento

de diversos setores da administrao e do comportamento da sociedade, havia uma ordem para que

a prtica da benzeo no fosse realizada sem a autorizao e sem o consentimento da Igreja e da

Coroa.

Em relao Amrica portuguesa, o convvio entre grupos tnicos e culturais diversos

possibilitou que a prtica da benzeo e de outros rituais de cura se diversificasse no territrio

colonial, principalmente, com a contribuio dos hbitos culturais dos indgenas e africanos. Essa

prtica foi absorvida pela populao que, em razo da escassez de mdicos atuantes nas regies

mais ermas, bem como a falta de clrigos, passou a enxergar essas prticas heterodoxas como

mecanismos para restabelecer a sade e afastar inmeras enfermidades.

Nesse sentido, discorrendo a respeito do territrio das Minas Gerais, Marques (2007, p. 230)

salienta que a carncia de mdicos, porm, no era um problema para a maioria dos mineiros que

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tinham sua disposio uma diversidade de recursos curativos, principalmente, a crena de que a

Deus ou s foras sobrenaturais cabia o direito de dar e tirar a vida..

Nessa perspectiva, percebe-se que a populao da Amrica Portuguesa, principalmente, das

Minas Gerais, utilizavam outros mecanismos para alcanarem a cura e evitar enfermidades. Tal fato

contribuiu para que o aspecto devocional aos santos aumentasse, pois a populao os enxergava

como especialistas que podiam interceder pela sua sade. Essa realidade da sociedade colonial

possibilitou que essas prticas heterodoxas fossem procuradas e aceitas pela populao para

atingirem a cura, principalmente, a benzeo. De acordo com Laura de Mello e Souza:

Nos tempos coloniais, a documentao fala muito pouco dos benzedores. Fica

difcil dizer se realmente eram escassos ou se a Inquisio, as devassas episcopais e

os demais poderes se importavam pouco com eles. Como o hbito de benzer

perdura ainda hoje entre ns, a segunda hiptese parece ser a mais provvel.

(SOUZA, 1986, p. 184).

De acordo com Nogueira et al. (2012, p. 168-169), essa prtica resistiu perseguio da

Igreja Catlica [...], que por vrias vezes tentou eliminar as diversas prticas religiosas que no

condiziam com a ortodoxia catlica, prticas estas que compem o enorme quadro conhecido como

catolicismo popular. As pessoas que procuram a prtica da benzeo pretendem, por intermdio

dela, alcanar a cura de uma doena ou de um estado emocional que a medicina tradicional no

pode ou no foi eficaz ao atender o paciente, ou que no tenham encontrado um conforto em outros

locais ou instituies, como igrejas, sociedades, etc. Ao realizar a benzeo, os benzedores seguem

um ritual, utilizam oraes, jaculatrias, objetos, plantas e indicam remdios. Para Souza (2003, p.

1):

A benzedeira conhece rezas, remdios e simpatias. Por meios desses mecanismos

trabalha no sentido de promover a cura em pessoas que sofrem de alguma doena

como erisipela, espinhela cada, dor de dente, dor de cabea, mau-olhado e outros

tipos de males. Ela considerada, e tambm se considera portadora de um dom

investido por Deus. Essas qualidades, dentre outras, so responsveis pela

legitimao e eficcia (mesmo que simblica) dessa agente da medicina popular

e, tambm, fazem com que tenha uma credibilidade cada vez maior perante a

comunidade em que vivem.

Nesse sentido, inicialmente, os benzedeiros procuram firmar um dilogo com os benzidos,

no intuito de criar um ambiente que possibilite intensificar a inteno da cura e aproximar o

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indivduo ao objeto da beno. Essa prtica utiliza diversos instrumentos e smbolos durante a

execuo do ritual e sua funo a de intensificar a reza no intuito de possibilitar a cura do benzido,

tais instrumentos so escolhidos pelo prprio benzedeiro de acordo com a situao e a doena

identificada durante o dilogo. Percebe-se, assim, que os objetos rituais possuem uma diversidade e

uma gama de representaes que auxiliaro o benzedeiro a direcionar o ritual no intuito de alcanar

a beno.

Durante a execuo do ritual o benzedeiro utiliza objetos de cunho sagrado, como teros e

crucifixos, em conjunto com oraes do catolicismo, como o Pai-Nosso, Ave-Maria, Salve Rainha,

alm de outras, e velas, facas, brasas, ramos de plantas ou talos de planta, copos com gua, agulhas,

panos etc. Cada objeto utilizado possui uma funo e so escolhidos de acordo com os males

identificados. Na religiosidade catlica, por exemplo, o tero possui um significado em relao s

preces e orao a Deus e durante o ritual da benzeo ele auxilia na cura das enfermidades que

encerra o corpo do benzido em um crculo sagrado para que este indivduo alcance seu objetivo.

Nas rezas voltadas para a cura de doenas como o cobreiro ou a erisipela os objetos

podem ser utilizados em conjunto, como a faca com um ramo de planta, nesse caso usa-se talos da

mamona ou da rvore assa-peixe. O uso desses objetos representa o corte da doena que est no

corpo do indivduo. Ao praticar o ritual da benzeo contra o cobreiro, o benzedeiro utiliza a faca

para cortar o talo da planta e faz a seguinte questo que deve ser respondida pelo benzido e as

outras expresses repetidas por ele: O que corta? Resposta: cobreiro bravo; Corta a cabea, corta o

rabo e corta o meio tambm..

Tais palavras so ditas trs vezes e os talos cortados devem ser deixados em um local para

secarem a luz do Sol, e quando secar a enfermidade no estar mais presente no corpo do benzido,

mas o ritual pode se diferenciar de acordo com o conhecimento que cada benzedeiro aprendeu. Para

a maior parte dos benzedores no se deve cobrar pela ritual da benzeo, pois este um dom

concedido por Deus e o intuito se resume em ajudar o prximo. Em relao transmisso do

conhecimento da prtica da benzeo, Souza (2003, p. 1) salienta que:

O processo de ensinar e aprender na benzedura no ocorre de forma aleatria, pelo

contrrio, existem regras a serem obedecidas, cumpridas, tanto pelo mestre como

pelo aprendiz. No caso das benzedeiras da corrente catlica [...] constatamos que as

principais regras, ou melhor, as exigncias, para iniciar-se no ofcio so: acreditar

no que est se propondo a fazer, ou seja, na benzeo; o aprendiz deve ter uma boa

memria; reproduzir na ntegra as diversas oraes para diferentes males, pois s

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assim pode ser evitada, na medida do possvel, a mudana no sentido das palavras;

socorrer a quem necessitar, independente de quem quer que seja; e a gratuidade do

servio, pois o dom dado por Deus, como elas prprias dizem, e, portanto, esse

servio no deve ser cobrado.

A prtica da benzeo no consiste somente realidade do catolicismo popular, mas

absorveu a influncia de outras culturas. De acordo com Cunha (s.d., p. 4):

A origem de muitas rezas pode ser puramente religiosa, ou fruto de um hibridismo

de religies, ou mesmo de um misto entre conhecimento popular com prticas

religiosas. Em geral, as rezadeiras se dizem catlicas, mas muitas recebem

influncia de crenas espritas, como as das religies afro-brasileiras e dos rituais

indgenas.

Portanto, percebe-se que a benzeo como conhecida hoje, provm do continente europeu e

quando chegou Amrica Portuguesa sofreu influncias das religiosidades indgena e africana, e

seu uso se ampliou devido carncia assistencialista que a populao possua no perodo colonial.

Esta passou a enxergar a prtica da benzeo como um mecanismo que o auxiliaria a alcanar a

cura das doenas e enfermidades, contribuindo para que ela se estabelecesse na religiosidade

popular e, consequentemente, na cultura popular contempornea.

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As benzedeiras de Betim

Se for de benzeo eu levanto. Se for de mdico no adianta eu

benzer tambm no, porque aquilo de mdico.

(Benzedor Raimundo Moreira)

A prtica de benzeo no municpio de Betim, certamente, remonta fundao do povoado,

entre os sculos XVII e XVIII. Contudo, no existem registros documentais que reforcem essa

hiptese.8 Mas, levando-se em conta que o costume de benzer estava presente desde os primrdios

da colonizao e que esse hbito foi trazido pelos portugueses, deve-se considerar que nas atuais

terras do municpio existisse a atuao de benzedeiras, raizeiros e toda sorte de curandeiros. Alm

disso, desde tempos imemoriais, os homens atribuem s doenas um carter mstico, sobrenatural,

relacionando os males do corpo ao de foras malignas ou, ainda, aos castigos divinos. Nesse

sentido, de acordo com Priore (1997, p.88-94), as benzedeiras, rezadores e curandeiros tiveram, no

passado, importante papel no tratamento da sade, o que se liga tradio de buscar nas foras

sobrenaturais a cura para os males do corpo e do esprito.

A concepo de doena como fruto de uma ao sobrenatural e a viso mgica do

corpo as introduzia numa imensa constelao de saberes sobre a utilizao das

plantas, minerais e animais, com as quais fabricavam remdios que serviam aos

cuidados teraputicos que administravam. Alm desses conhecimentos vinham os

saberes vindos da frica, baseado no emprego de talisms, amuletos e fetiches, e as

cerimnias de curas indgenas, apoiadas na intimidade da flora brasileira. Elas

curavam mazelas, e antes do aparecimento de doutores e anatomistas praticavam

enfermagem, aborto, davam conselhos sobre enfermidades, eram farmacuticas,

cultivavam ervas medicinais, trocavam frmulas e faziam partos. Foram, por

sculos, doutores sem ttulo.

Logo, devem ter atuado nas terras de Betim diversos representantes desse mundo mstico da

cura, o que se estendeu desde o sculo XVII at os dias de hoje. Para Machado (1997), a prtica de

benzeo espalhou-se pelo Brasil juntamente com as campanhas de colonizao.

Na empreitada de alargamento do nosso territrio construiu-se uma teia de

relaes, nas quais as experincias na arte de curar, mais em consonncia com

nosso ambiente e natureza, foram amalgamadas. As mezinhas provenientes da flora

e da fauna, as oraes, amuletos, benzees e excrementos fazem parte de um rico

arsenal curativo. Longe dos socorros mdicos, isolados no serto, marcado pela

8 De acordo com Souza (1986, p. 184): Nos tempos coloniais, a documentao fala muito pouco dos benzedores. Fica

difcil dizer se realmente eram escassos ou se a Inquisio, as devassas episcopais e os demais poderes se importavam

pouco com eles. Como o hbito de benzer perdura ainda hoje entre ns, a segunda hiptese parece ser a mais provvel.

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distncia e solido, as novas experincias curativas puderam aflorar, demarcar

presena, frutificar e persistir at os dias atuais (MACHADO, 1997, p. 237).

E, exclusivamente, no caso de Minas Gerais, analisa Machado (1997, p. 236):

Destacamos dentre essas crenas o curandeirismo e as benzees por serem

prticas culturais que sobrevivem no interior das Gerais. [...]. Acreditamos ser

pertinente afirmar que a busca por curadores e benzedores tem a ver com uma outra

ordem de coisas. A mais forte delas, supomos, est intimamente ligada aos

fenmenos do imaginrio popular e das representaes mentais, buscando

solucionar problemas de suas vidas atravs de foras imponderveis.

Esse imaginrio popular sobre a f nas oraes para tratar a sade fsica e espiritual ainda

persiste em Betim, como se verificou na pesquisa de campo. Mas, buscar traar um histrico desse

saber na localidade tarefa complexa, visto a falta de documentao a respeito. O que se entendeu

adequado o interpretar a trajetria das benzeduras a partir das histrias individuais dos praticantes

desse ofcio. Assim, optou-se por elaborar o histrico do bem cultural por meio da histria de vida

de benzedores que, ainda, se encontram em atuao. Mas, buscou-se identificar, tambm, os antigos

praticantes da benzeo por meio das narrativas dos atuais benzedores.

A benzedeira mais antiga de que se teve notcia nas pesquisas realizadas em Betim foi

Ceclia da Silva. De acordo com seu filho, Vensio de Lima, Ceclia era natural do municpio,

nascida em 1901 e falecida em 1997, aos 96 anos de idade, sendo casada com Pedro Celestino de

Lima, importante alfaiate local. Tendo o apelido de Dona Cila, tornou-se benzedeira a partir de uma

senhora, cujo nome no foi identificado, que lhe repassou essa funo, por se tratar de mulher muito

caridosa na comunidade. Tal fato ocorreu nas primeiras dcadas do sculo XX. Conforme relato de

Vensio de Lima:9

Minha me tornou-se uma benzedeira porque tinha uma senhora que queria passar

pra ela os conhecimentos dela de benzeo. [...] A minha me teve muito sucesso

com benzeo porque ela no nasceu para ser servida, ela nasceu para servir.

Ento, a situao que ns enfrentvamos era assim: chegava gente, pessoas pra

benzer em casa, alm pra [sic] benzer, ela ns ficar plantando as plantas de

medicamento. Era obrigao nossa. [...] Ns morvamos no centro de Betim. [...]

Minha me ficou desamparada depois que meu pai morreu. Ento ela lavava roupa

pra pagar aluguel e era umas casinhas tudo tapera. Muito pobre. Pobreza mesmo.

[...] A situao que ela enfrentava era assim: chegava aquelas pessoas [...] eles

chegavam na hora do almoo [...] tinha que dividir com todos. No importa quem

9 Vensio de Lima. Entrevista, ago./2015.

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que era. Ento ns tnhamos que comer menos. [...] Ela benzia desde solteira. [...]

Ela queria passar isso pra mim. Eu falei com ela que eu no queria. [...] As coisas

que eu vi, eu no queria ela para os dias de hoje. [...] Um exemplo, casa muito

cheia. [...] Tudo dela, no era dela. Eu acho que o sucesso que ela tinha com o

alm, n? Ela tinha muito sucesso com o alm e ela benzia as pessoas. Quantas

vezes eu vi pessoas chegar l com cobreiro [...] e ela benzia, orava, fechava o olho

e falava assim: o senhor vai poder vir aqui s mais uma vez. No precisa no

porque o senhor j comeou a sarar. Quando a pessoa voltava l voc olhava a

ferida e estava toda descascando, saindo a casca. [...] Cobreiro, uma coisa assim,

ela ensinava remdio caseiro. [...] Ela ensinava muita coisa que tinha que passar

naquele lugar. [...] Era assim, uma pessoa que queria resolver o seu problema.

Foto de Ceclia da Silva. s/d.

IMAGEM: Acervo de Charles Moraes de

Lima.

Percebe-se pela fala de Vensio de Lima que sua me, Ceclia da Silva, era uma benzedeira

reconhecida na comunidade, com sua casa sempre repleta de pessoas que buscavam amenizar seus

problemas a partir de sua f. A narrativa do filho informa que ela aprendeu a benzer por meio de

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outra praticante do ofcio, que lhe repassou os saberes da benzeo e do tratamento com ervas

medicinais. Destaca-se a significao que o filho fez da me benzedeira, atribuindo-lhe o dom do

servio e da caridade como aspectos que lhe possibilitaram sucesso em suas oraes em favor dos

outros.

Sobre a religio praticada por Ceclia, seu filho foi enftico ao afirmar que ela era catlica e

que tinha medo de prticas espritas, como as realizadas em rituais da umbanda. Sua devoo era

dedicada aos santos catlicos e era a eles que recorria para tratar das queixas trazidas por aqueles

que iam sua residncia, como dito, localizada no centro da cidade de Betim. No usava teros ou

outros objetos rituais para realizar as benzees, apenas suas mos e a energia que delas emanava,

com exceo das brasas usadas para benzer mau-olhado.

Ela tinha um processo, que quando ela terminava, ela sabia o resultado

imediatamente. Ela benzia com pedra, com carvo aceso. Ento ns tnhamos que

comprar lenha, porque tinha que ficar fogo aceso o dia inteiro. [...] Eu consegui

conhecer outras benzedeiras, mas eu no fiz muita ligao no. As outras

benzedeiras faziam benzeo, mas com intuito de levar vantagem. Me admirava

minha me porque ela nunca fez nada pra ela levar troco. E eu acho que o sucesso

dela como benzedeira, como benzia as pessoas, era que ela queria servir voc. Ela

queria resolver o seu problema. E no tempo dela, no existia muito esse negcio de

levar em mdico. [...] Tudo era l. Ela tinha funo. [...] Ela como benzedeira, era

ela amada pelas pessoas de Betim demais da conta. Muito amada, amada demais.

[...] humilde e, assim, a humildade sofrida. Ela era sofrida e tinha a felicidade

porque ela ajudava pessoas. E era feliz. [...].10

Ressalta-se que a referncia Dona Cila como uma das benzedeiras mais antigas que exercia

o ofcio em Betim baseia-se na perspectiva de que, durante a pesquisa, teve-se informao de

poucas praticantes desse saber no municpio nas primeiras dcadas do sculo XX, ainda que,

certamente, estivessem atuando. Como consta no relato de Vensio de Lima, sua me, Ceclia da

Silva, aprendeu ainda solteira os saberes da benzeo por meio de outra benzedeira que ali atuava e

que lhe repassou o ofcio. Logo, tal fato indica que a benzeo era praticada na localidade e que era

transmitida de acordo com a vontade e a escolha da benzedeira, o que ainda se observa na

atualidade. No foi possvel averiguar o nome e maiores informaes da benzedeira que repassou os

saberes da benzeo para Dona Cila. Mas, pelo que se constatou, o ato de benzer praticado por ela

10

Vensio de Lima. Entrevista, ago./2015.

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insere-se em uma trajetria do ofcio no municpio e indica a continuidade dessa prtica, existindo

antes e depois dela.

Quadros santeiros na parede da casa da

benzedeira Maria Gontijo da Silva, no Bairro

Vianpolis.

IMAGEM: Bianca Pataro, 26/07/2015.

A prtica da benzeo pode parecer encontrar-se em desuso em uma sociedade identificada

como secularizada, como caracteriza o mundo contemporneo. Mas, pelo observado em Betim, as

formas tradicionais de cura, incluindo a benzeo e o uso de plantas e razes, mantm-se vivas e em

plena atividade. Nesse sentido, a partir da benzeo existe a ligao entre o passado e o presente da

comunidade, bem como a continuidade da percepo de que males do corpo podem surgir de

desavenas do esprito.

importante salientar que o termo benzedeira refere-se, neste dossi, a uma cientista

popular, que possui uma maneira muito peculiar de curar: combina os msticos da religio e os

truques da magia aos conhecimentos da medicina popular (OLIVEIRA, 1985, p. 25). Alm disso, a

benzedeira caracterizada por falar em nome da religio, muitas vezes a catlica, como Dona Cila,

e, em outros casos, a umbanda. No existe vinculao das benzedeiras de Betim a corporaes,

realizando sua funo na prpria casa, de forma autnoma, fazendo de seu saber a funo que

exercem. Em Betim, os benzedores e benzedeiras visitados atuam seguindo essa estrutura, sem que

haja organizao do ofcio de forma profissional. Atuando em suas residncias, fazem da prpria

casa local sagrado da cura.

O dom e o carisma, como elementos usados por Vensio de Lima para representar o sucesso

da me como benzedeira, so conceitos weberianos que explicam como pessoas comuns tornam-se

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lderes religiosos em meio aos demais. De forma mais simples, esses aspectos da personalidade

elucidam como mulheres e homens passam a ser reconhecidos no espao social como vinculados a

potncias extra-humanas, o que lhes conferem autoridade para tratar os males do corpo e da alma.

De acordo com Weber (1999, p. 323):

[...] a satisfao de todas as necessidades que transcendem as exigncias da vida

econmica cotidiana tem, em princpio, fundamentos totalmente heterogneos:

carismticos e isto em grau crescente nos tempos remotos. Isto significa: lderes

naturais, em situaes de dificuldades psquicas, fsicas, econmicas, ticas,

religiosas e polticas, no eram pessoas que ocupavam um cargo pblico, nem que

exerciam determinada profisso especializada e remunerada, no sentido atual da

palavra, mas portadores de dons fsicos e espirituais especficos, considerados

sobrenaturais (no sentido de no serem acessveis a todo mundo).

Assim, o lugar social que esses benzedores ocuparam, e ainda ocupam, na histria de Betim

o lugar do sagrado, onde se inscrevem as prticas e manifestaes culturais que se orientam por

meio de sistemas simblicos e rituais que dialogam com o catolicismo implantado no Brasil, mas,

tambm, com elementos de influncia das religies indgenas e africanas. Portanto, o ofcio da

benzeo ou da benzedura, prtica que tem registros no Brasil desde o perodo colonial, incorporou

saberes populares para o tratamento das enfermidades, sejam fsicas ou espirituais, fornecendo a

cura para populaes que, raramente, tinham acesso a medicina oficial. Nesse sentido, como

registrou a benzedeiria Maria Gontijo da Silva11

, de 82 anos, o ato de benzer veio da necessidade de

oferecer alvio para a prpria famlia, sobretudo, aos filhos.

Benzedeira Maria Gontijo da Silva, do Bairro

Vianpolis.

IMAGEM: Ana Carolina Vaz, 26/07/2015.

11

Maria Gontijo da Silva. Entrevista, jul./2015.

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Eu comecei a benzer porque eu morava l pros [sic] Pimenta, l longe, no aqui

no. E meu marido tinha a cabea quente, bebia uns gole [...]. A eu vinha, tinha

uma dona por aqui, e ela sempre benzia [...] eu acho que Maria. [...] A eu falei

assim: gente, Deus vai me dar o dom. Deus vai me dar o dom pra mim poder

aprender a benzer, porque eu fico pra l e pra c com menino na escadeira [sic].

Punha o menino na escadeira, chegava pra fazer cum [sic], por a panela no fogo,

n? Aquela coisa toda. Aquele sofrimento. [...] Eu trazia pra ela pra benzer e eu

prestava ateno, porque eu no sei ler direito no. [...] Onde que eu morava aqui

era roa. [...] Nasci em Divinpolis. [...] Vim pequena, n? O povo veio tudo,

acompanhando os filhos. [...] A eu aprendi, n? [...] Pela minha f. Pedindo a

Nosso Senhor Jesus Cristo que me desse o dom de eu benzer. A fui falando as

palavras, n? Falando assim: Senhor Jesus, tende misericrdia, abenoai essa

criana em nome de Deus pai todo poderoso, Santssimo Sacramento. Eu que

curo, Jesus quem tira. Em nome de Deus pai todo poderoso. Benzendo, sabe?

[...] Depois, tem de ventre cado tambm. [...] Vem tudo assim , no meu

pensamento. [...] Eles no gostam de ensinar. A gente que presta ateno no que t

falando. Benzedeira no gosta de ensinar muito os outros no. [...] Eu nunca

ensinei, n? A eu pela f de Deus, graas a Deus que eu tenho muita f com Deus,

n? Benzo criana. [...] Me deu esse dom, essa idia deu aprender a benzer e eu

falei assim: Deus h de ajudar que eu ei de aprender a benzer as crianas pra eu no

ficar andando pra l e pra c com menino na escadeira. [...] A gente vai no mdico,

a gente via no mdico. Mas quando sente qualquer coisa, tem um quebrante, um

trem assim, n? s vezes a pessoa olha pra pessoa assim e no se d bem, n?

Muitas vezes, quer ir no mdico, traz o menino aqui primeiro pra depois ir l no

mdico. (grifo nosso).

interessante notar na fala de Maria Gontijo como surgiu seu interesse em praticar a

benzeo. Diante da necessidade de curar as mazelas que acometia os filhos, que carregava no colo

entre a zona rural de Betim e o Bairro Vianpolis, para que uma benzedeira identificada como

Maria os benzesse, ela manifestou a vontade de praticar o ofcio para que, ela mesma, os tratasse.

Deste modo, o ofcio no lhe foi transmitido por outra benzedeira, como ocorreu com Dona Cila e

como comum, pelo que se verificou na pesquisa. Sua histria como benzedeira comeou, portanto,

a partir de sua vontade de exercer essa funo. imperioso perceber que Maria Gontijo tinha

contato com outra benzedeira que, enquanto benzia seus filhos, ela observava dizendo as palavras

para aprender os ritos. Logo, tem-se em sua narrativa o registro da atuao de praticantes da

benzedura em Vianpolis em meados do sculo XX. De acordo com Nogueira et al. (2012, p.173):

Em termos de relevncia cultural, a transmisso do dom da benzeo possibilita a

continuidade da tradio arraigada no meio popular. O iniciado na benzeo passa

a viver em um mundo diferente, de novos significados, cheio de representaes e

smbolos. Segundo Weber (1994, p. 280) a representao de certos seres que se

ocultam por trs da atuao dos objetos naturais, artefatos ou homem

carismaticamente qualificado de alguma maneira determina esta situao, a crena

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no esprito. a partir dessas representaes e smbolos, que as benzedeiras

passam a ter uma ligao com os santos, fazendo uma relao entre o homem e o

esprito atravs de suas oraes, pois a vida de uma benzedeira totalmente voltada

para a sociedade, dentro de um mundo religioso de ntimo relacionamento

espiritual.

Assim como Dona Cila, Maria Gontijo agrega-se ao universo catlico, segunda sua

afirmao, negando qualquer tipo de vinculao com prticas espritas. Em sua residncia,

encontram-se quadros de santos pelas paredes e o nico objeto que usa no ritual da benzeo um

tero, dos vrios que possui. As oraes realizadas so aquelas que aprendeu observando a antiga

benzedeira que conhecia, com a incorporao de novas falas de acordo com a necessidade de quem

a procura. Os atendimentos, ainda realizados so dedicados ao tratamento de crianas, quase em sua

maioria, com quebranto, aguamento, espinhela cada, ventre virado e mau-olhado. Dependendo da

situao da criana, Maria Gontijo receita chs das ervas que mantm em seu quintal.

Maria Gontijo mostra o tero usado para benzer e plantas em seu quintal, muitas medicinais.

IMAGEM: Ana Carolina Vaz, 26/07/2015.

Maria Gontijo, portanto, inscreve-se na trajetria das benzederias de Betim, tendo aprendido

pela prpria vontade o ofcio. No mesmo bairro, onde Maria Gontijo vive e atua como benzedeira,

antes dela exercia a funo uma senhora de nome Maria, que hoje se encontra adoentada e

impossibilitada de conceder entrevista. No se sabe se ela a mesma benzedeira de nome Maria que

benzia os filhos de Maria Gontijo. Contudo, a referncia s rezadeiras existentes ou que atuaram

nessa comunidade indica a presena e a continuidade desse ofcio nessa regio urbana.

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Atualmente, alm de Maria Gontijo, outra Maria ainda exerce a funo de benzedeira nesse

bairro. Trata-se de Ma