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1 BANCO PODE SER RESPONSABILIZADO POR CHEQUES DEVOLVIDOS DE SEUS CLIENTES SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O Banco e sua relação com o cliente; 3. O Cheque; 4. Cobrança de cheques; 5. Responsabilidade Civil do banco sacado; 6. Ação de Reparação do Dano. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem a finalidade de nos ajudar a refletir sobre a responsabilidade das instituições financeiras perante não só os abusos que cometem, mas também por omissão aos deveres de cuidado ou decorrentes do próprio risco do negócio a que sujeitam, com consequencias que refletem na esfera de direitos de terceiros, inclusive alicerçados em normas constitucionais que jamais foram completadas. E, se assim é, os bancos deverão ser responsabilizados, em certos casos, pelo pagamento – ou até mesmo indenização por perdas e danos – dos cheques de seus clientes, cuja compensação não ocorre por qualquer motivo, não só pela insuficiência de fundos, mas por todas as formas maliciosas de que os correntistas se utilizam para frustrar o pagamento e, consequentemente, ter seu cheque devolvido. Os bancos admitem que são mesmo responsáveis pela preservação da integridade, da legitimidade, da confiabilidade, da segurança e do sigilo das transações realizadas nos serviços que oferecem, mas sustentam que essa sua ação protetora não consegue garantir isso nas ações e atitudes que dependem exclusivamente dos clientes. Muito embora a organização e a capacidade técnica dos bancos os distancie dos clientes, que são leigos e desconhecedores do funcionamento administrativo interno, o que se vê é que alguns clientes bancários não têm capacidade financeira ou mesmo a lisura suficiente para utilizar livremente do acesso a serviços financeiros mantidos pelo sistema, mormente quando se utilizam de talonários de cheques sem que tenham um mínimo suficiente de capacidade de pagamento e, muitas vezes, pelo histórico, já são inadimplentes contumazes. Desse modo, importa estatuir uma responsabilidade maior aos bancos, baseada na teoria do risco empresarial - também chamada "culpa de serviço", de modo que, acolhido o risco empresarial, o banqueiro, que retira proveito dos riscos criados, deve arcar com as conseqüências de sua ilicitude, conforme preceitua a Súmula 28 do STF, que reconheceu que o banqueiro deve responder pelos danos que causar, em virtude dos riscos que assume profissionalmente. Não é preciso mencionar que nos contratos estipulados entre o banco e o cliente, a posição do banco é sempre mais forte e preponderante e disso, advém o absurdo lucro das instituições financeiras. Acrescente-se, portanto, que o interesse particular dos bancos tende, por conseguinte, a explorar essa posição de confiança e supremacia econômica e o interesse particular do cliente exige uma proteção correspondente contra os possíveis excessos.

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BANCO PODE SER RESPONSABILIZADO POR CHEQUES DEVOLVIDOS DE SEUS CLIENTES

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O Banco e sua relação com o cliente; 3. O Cheque; 4.

Cobrança de cheques; 5. Responsabilidade Civil do banco sacado; 6. Ação de Reparação do Dano.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a finalidade de nos ajudar a refletir sobre a responsabilidade das instituições financeiras perante não só os abusos que cometem, mas também por omissão aos deveres de cuidado ou decorrentes do próprio risco do negócio a que sujeitam, com consequencias que refletem na esfera de direitos de terceiros, inclusive alicerçados em normas constitucionais que jamais foram completadas. E, se assim é, os bancos deverão ser responsabilizados, em certos casos, pelo pagamento – ou até mesmo indenização por perdas e danos – dos cheques de seus clientes, cuja compensação não ocorre por qualquer motivo, não só pela insuficiência de fundos, mas por todas as formas maliciosas de que os correntistas se utilizam para frustrar o pagamento e, consequentemente, ter seu cheque devolvido. Os bancos admitem que são mesmo responsáveis pela preservação da integridade, da legitimidade, da confiabilidade, da segurança e do sigilo das transações realizadas nos serviços que oferecem, mas sustentam que essa sua ação protetora não consegue garantir isso nas ações e atitudes que dependem exclusivamente dos clientes. Muito embora a organização e a capacidade técnica dos bancos os distancie dos clientes, que são leigos e desconhecedores do funcionamento administrativo interno, o que se vê é que alguns clientes bancários não têm capacidade financeira ou mesmo a lisura suficiente para utilizar livremente do acesso a serviços financeiros mantidos pelo sistema, mormente quando se utilizam de talonários de cheques sem que tenham um mínimo suficiente de capacidade de pagamento e, muitas vezes, pelo histórico, já são inadimplentes contumazes. Desse modo, importa estatuir uma responsabilidade maior aos bancos, baseada na teoria do risco empresarial - também chamada "culpa de serviço", de modo que, acolhido o risco empresarial, o banqueiro, que retira proveito dos riscos criados, deve arcar com as conseqüências de sua ilicitude, conforme preceitua a Súmula 28 do STF, que reconheceu que o banqueiro deve responder pelos danos que causar, em virtude dos riscos que assume profissionalmente. Não é preciso mencionar que nos contratos estipulados entre o banco e o cliente, a posição do banco é sempre mais forte e preponderante e disso, advém o absurdo lucro das instituições financeiras. Acrescente-se, portanto, que o interesse particular dos bancos tende, por conseguinte, a explorar essa posição de confiança e supremacia econômica e o interesse particular do cliente exige uma proteção correspondente contra os possíveis excessos.

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Disso decorre que, justamente por causa dessa desigualdade entre o banco e o cliente, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, inciso I, traz como princípio o reconhecimento de que o consumidor é a parte mais fraca na relação jurídica de consumo e, com isso, uma das teorias aplicáveis à responsabilidade dos bancos na esfera civil está sedimentada no risco profissional, pois o banco, na qualidade de empresa, assume o risco do seu negócio, independentemente da perquirição de culpa do cliente ou do não cliente. De acordo com essa orientação – acolhida pela doutrina e também pela jurisprudência, calcadas em leis especiais -, o banco, colhendo sucessivas vantagens do seu negócio, deve também estar sujeitos a desvantagens. Daí, a questão resolve-se pela imputação do risco profissional e, portanto, a aplicação da Súmula nº 28 do STF.

2. O BANCO E SUA RELAÇÃO COM O CLIENTE Os bancos não mais se limitam a captar recursos de terceiros e conceder empréstimos, mas também vêm prestando outros serviços diversos aos seus clientes, tanto para pessoas físicas, como jurídicas, com o objetivo de atraí-los para fins de aplicação financeira junto ao sistema. De modo que têm prestado relevantes serviços à coletividade, em áreas que transcendem a atividade bancária específica ou fundamental, realizando inúmeras operações acessórias como pagamento de salários, pensões e aposentadorias, custodia de valores, cofres de segurança, recebimento de contas de água, luz e outras, cobranças de títulos, taxas, impostos, emolumentos, contribuições e muitas outras atividades que lhe são inerentes. Isso amplia, por conseqüência, cada vez mais, o leque dos atos pelos quais essas poderosas instituições podem ser responsabilizadas na esfera civil do direito, uma vez que estão sujeitos a toda sorte de imprevistos, eis que o processo operacional dos serviços exige um ritmo acelerado, aumentando a possibilidade de enganos. Como é de se esperar, ainda que muito bem organizados que esteja o sistema dos bancos, por mais sofisticados e complexos que sejam os seus controles e aperfeiçoamento de suas atividades, não escapam eles das responsabilidades decorrentes da falibilidade de seus prepostos e equipamentos, de sorte que, sistematicamente, vêm sendo responsabilizados pelos prejuízos causados a clientes e terceiros, em decorrência dessas falhas, como um risco com dispêndio previsível. Dentre as vantagens, está, obviamente, os lucros estratosféricos. Conforme notícia publicada em fevereiro de 2010, no site http://www.vermelho.org.br - página mantida e gerida pela Associação Vermelho, entidade sem fins lucrativos, em convênio com o Partido Comunista do Brasil – PcdoB – os três maiores bancos privados que operam no país (Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) fecharam 9.902 postos de trabalho em 2009, apesar de apresentarem um lucro líquido superior a R$ 24 bilhões e de terem ampliado o número de agências e a base de clientes no mesmo período, segundo estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base nos balanços das empresas.

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3. O CHEQUE

O cheque é um título de crédito regido pela lei 7.357/85, a qual dispõe em seu artigo 32 que é uma ordem de pagamento à vista, sendo desconsiderada qualquer menção em contrário escrita neste. Além do cheque à vista, há a prática do cheque “pré-datado” é comum perante os comerciantes; todavia, para pagamento à vista ou a prazo, quem os recebe acredita que pela honra e cumprimento dos deveres cíveis haverá saldo disponível na conta corrente do emitente; nisto, há também uma credibilidade na própria instituição bancária que concede o talonário de cheques, supondo-se existir um cadastro do seu cliente, onde é, supostamente, averiguada a sua idoneidade comercial e financeira mínima para suportar a manutenção de fundos em poder do banco sacado. O fato de um cliente sem saldo disponível ou mesmo sem capacidade financeira, muitas vezes inadimplente contumaz, sair portando folhas de cheque, resume-se em um enorme afronta a qualquer regra social de honestidade e ainda desrespeito a qualquer norma do Código Civil e do artigo 32 da lei 7.357/85, a “lei do cheque”. Os artigos 3º e 4º da lei do cheque determinam que o cheque é emitido contra o banco sob pena de não ter valor como tal, devendo ter saldo disponível, estando neste momento, autorizado a emitir cheque, o que aumenta a credibilidade no cheque. Não pensemos que todos os empresários, ao receber um cheque como forma de pagamento, possa consulte o saldo da conta corrente do emitente, pois não existe mecanismo disponível, e ainda caso exija qualquer apresentação de comprovante, arrisca-se a responder perante o judiciário por danos morais. Ademais, o cheque “pré-datado” – para apresentação em data posterior, como disse – é prática de mercado. O insigne doutrinador Sérgio Cavalieri Filho nos leciona sabiamente sobre o tema: “Só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado”. Como se verifica, a omissão do banco é de difícil percepção, vez que se distancia do destinatário final do cheque que seu cliente dá por conta de um pagamento no mercado em geral. Mas, como verificamos, é sob esta ótica que surge a responsabilidade do Banco, que fica clara no conceito de conduta, qual seja: “A conduta é o comportamento voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas”. De modo que, neste modesto trabalho, sustentamos que toda instituição financeira devea ser responsável pelos inúmeros cheques sem fundos que correm entre os empresários, uma vez que, por primeiro, recebem tarifas, não só do emissor do cheque, como de seu portador, disponibilizam talonários, na maioria das vezes, para quem não possui nenhum tipo de saldo, visando antes o lucro do que a segurança jurídica e financeira, o que, a toda evidência constitui a omissão perante a sociedade e o mercado em geral.

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a) Emissão Como já dissemos anteriormente, o cheque é uma ordem de pagamento à vista. Pode ser recebido diretamente na agência em que o emitente mantém conta ou depositado em outra agência, de qualquer outro banco diverso do sacado, para ser compensado e creditado na conta em que fora depositado. Sendo pagamento à vista, ao emiti-lo, é preciso lembrar-se que ele poderá ser descontado imediatamente, independente da data pós-fixada para cobrança. Quanto às formas de emissão, o cheque pode ser emitido “ao portador”, diga-se, sem sem a indicação do beneficiário, desde que seu valor não ultrapasse R$ 100,00; “nominativo”, com valores a partir de R$ 100,00, quando o emitente ou próprio beneficiário é obrigado a indicar o nome da pessoa a quem se faz o pagamento e só poderá ser pago pelo banco mediante identificação do beneficiário ou de pessoa por ele indicada no verso do cheque (endosso), ou ainda através do sistema de compensação, caso seja depositado; “cruzado”, ou seja, a colocação de dois traços paralelos, em sentido diagonal, na frente do documento e, nesse caso, só será pago através de depósito ser comprado pelo cliente em qualquer agência bancária; este cheque é emitido em nome de quem o cliente efetuará o pagamento; e, “especial”, assim denominado porque o banco, através de contrato de abertura de crédito, concedeu ao titular da conta um limite de crédito, para saque quando não dispuser de fundos. É justamente no “cheque especial” ou “garantido”, que há a evidente omissão do banco; por um lado, por se tratar de “contrato de abertura de crédito rotativo”, o lucro com as tarifas é maior e proporciona maior lucro ao mercado financeiro; por outro, reside no cheque “garantido”, maior credibilidade no seu respectivo emitente que, na maioria das vezes, não goza da honestidade comercial e idoneidade moral ou financeira que lhe foi atribuída pelo banco concedente do crédito.

b) Compensação bancária A primeira forma de cobrança do cheque é através da compensação bancária. A compensação de cheques consiste no acerto de contas entre os bancos, referente aos cheques depositados em estabelecimentos diferentes dos sacados. Esse serviço é prestado pelo Banco do Brasil, que é o executante da Compe (Centralizadora de Compensação de Cheques), sistema regulamentado pelo Banco Central e do qual todos os bancos com carteira comercial no Brasil participam. Dentre os papeis do Banco do Brasil dentro desse sistema está a devolução do cheque por diversos motivos, tais como, evidentemente e até esperado, a insuficiência de fundos em poder do banco sacado., consignados pelo Banco Central do Brasil, nas alíneas 11 e 12 do Anexo à Res. 1.682, arts. 6º. e 7º. Informa o BACEN, em destaque, que o cheque ainda é, em termos de quantidade de transações, o instrumento de pagamento mais utilizado no Brasil e, daí, a imputação de maior responsabilidade dos bancos ao se conceder aos clientes, talonários de cheques,

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principalmente dos denominados “cheques especiais” ou outras denominações que sugiram documento com garantia de compensação e pagamento.

4. COBRANÇA DE CHEQUES Na esfera do sistema financeiro, os prazos a serem observados são o de apresentação, que é de 30 dias, a contar da data de emissão, para os cheques emitidos na mesma praça do banco sacado e de 60 dias para os cheques emitidos em outra praça, assim como o de prescrição, que é de 6 meses decorridos a partir do término do prazo de apresentação. Mesmo após o prazo de apresentação, o cheque é pago se houver fundos na conta. Se não houver, o cheque é devolvido pelo motivo 11 (primeira apresentação) ou 12 (segunda apresentação), conforme já referido, sendo, neste último caso, o nome do correntista, incluído no CCF, que é um cadastro que possui dados dos emitentes de cheques sem fundos, operacionalizado pelo Banco do Brasil. (principais normativos:

Resolução 1.682, de 1990, com alterações posteriores e Circular 2.989, de 2000). Quando o cheque é apresentado após o prazo de prescrição, o cheque é devolvido pelo motivo 44, não podendo ser pago pelo banco, mesmo que a conta tenha saldo disponível. Apesar de o cheque prescrever em 6 (seis) meses contados da apresentação, a relação jurídica que deu origem ao cheque prescreve em 10 (dez) anos, pois por se tratar de um direito comum com garantia real, o Código Civil em seu artigo 205 instituiu que prescreve em 10 (dez) anos as ações em que a lei não haja fixado prazo menor, que é o que ocorre na casuística. Destarte, o credor pode ingressar com ação fundada na relação causal que deu origem ao cheque, ou seja, no negócio jurídico que deu origem à dívida consubstanciada pelo cheque, na qual perseguirá uma sentença judicial que irá executá-lo como título. A maioria dos Tribunais não se manifestou com relação ao prazo prescricional da Ação de Cobrança para recuperação de dívidas oriundas de cheques sem fundos; todavia, com relação à Ação Monitória, é pacificado o entendimento que o prazo prescricional é de 10 (dez) anos, podendo ser este prazo aplicado analogicamente à propositura da Ação de Cobrança. Cumpre ressaltar que o Código Civil em seu artigo 206, §5º, I, institui que prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão para cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; no entanto, o cheque é um título cambial, possuindo lei própria e não tendo o prazo prescricional para este tipo de ação previsto no Código Civil, sustentamos, em tese, que a prescrição da pretensão seja de 10 (dez) anos, sendo certo que na edição do atual Código Civil, houve uma enorme discussão doutrinária sobre matéria de Direito Comercial e de Direito Civil, principalmente com relação aos instrumentos particulares cambiários e não-cambiários, restando evidentemente claro que o cheque é regido por lei especial, não perdendo sua eficácia coma a entrada em vigor da lei 10.406/02, não se aplicando consequentemente o disposto no artigo 206, §5º, I do louvável código.

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Em nosso ordenamento jurídico-processual, quatro são as formas de cobrança de dívida decorrente da emissão de cheques: (1) execução forçada, de natureza cambial, com prazo prescricional de 6 (seis) meses - artigo 59 e parágrafo único da Lei nº 7357/85 (Lei do Cheque); (2) ação de enriquecimento ilícito, de natureza cambial, com prazo prescricional de 2 (dois) anos - artigo 61 da Lei nº 7357/85; (3) ação monitória; e (4) ação de cobrança, fundadas no negócio subjacente ao título, com prazo de prescrição comum às obrigações pessoais em geral.

a) Ação de Execução

Dentre as ações por falta de pagamento do cheque, pode o portador ou beneficiário promover a execução do cheque contra o emitente e seu avalista e, dependendo do caso concreto, contra endossantes e seus avalistas, ação que independe do protesto cambial, mas lembrando que a ação de execução prescreve junto com o cheque, ou seja, em 6 (seis) meses contados da expiração do prazo de apresentação. Assim como a ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve tem o mesmo prazo de 6 (seis) meses contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.

b) Ação de locupletamento

Funda-se tal pretensão no artigo 61 da Lei nº 7357/85 (Lei do Cheque), verbis: "A Ação de enriquecimento ilícito contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta lei". No elucidativo magistério de FÁBIO ULHOA COELHO, temos: "As ações cambiais do cheque são duas: a execução, que prescreve nos 6 meses seguintes ao término do prazo de apresentação; e a de enriquecimento indevido, que tem natureza cognitiva e pode ser proposta nos dois anos seguintes à prescrição da execução. Nas duas, operam-se os princípios do direito cambiário e, assim, o demandado não pode argüir, na defesa, matéria estranha à sua relação com o demandante. Prescrita a execução, o portador do cheque sem fundos poderá, nos 2 anos seguintes, promover a ação de enriquecimento indevido contra o emitente, endossante e avalistas (LC, art. 61). Trata-se de modalidade de ação cambial, de natureza não executiva. O portador do cheque, através do processo de conhecimento, pede a condenação judicial de qualquer devedor cambiário no pagamento do valor do título, sob o fundamento que se operou o enriquecimento indevido. De fato, se o cheque está sem fundos, o demandado locupletou-se sem causa lícita, em prejuízo do demandante, e essa é, em princípio, a matéria de discussão". (Curso de Direito Comercial, v. 1, Saraiva, 2a edição, 1999).

c) Ação Monitória ou de cobrança.

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A Ação Monitória é normalmente proposta contra o emitente do cheque e/ou seu endossante e constitui num procedimento de cognição sumária, previsto no Código de Processo Civil, em seu artigo 1.102-A que giza: "A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel" Estando a inicial em ordem, o juiz expede o mandado monitório. No procedimento da ação monitória, o réu pode adotar uma das três posições a seguir: o demandado cumpre o mandado, ficando isento do pagamento de custas e honorários; o réu fica inerte ou pode o demandado oferecer embargos. Nesta última hipótese e no nosso modesto coincidente com a corrente doutrinária mais aceita, admite-se os embargos como meio de defesa, uma verdadeira contestação, haja vista que é nesse momento que o contraditório irá se instaurar, não havendo limitação na matéria dos embargos, diferentemente do que ocorre com os embargos do executado. Tanto é assim que cabe reconvenção, intervenção de terceiros e declaratória incidente e o juízo é pleno e exauriente, podendo examinar profundamente as alegações das partes. Estando prescritas as ações de execução e de enriquecimento sem causa, ambas cambiárias, nosso entendimento fincado em entendimento jurisprudencial majoritário, subsiste a ação de cobrança de cheque sem necessidade de descrição da causa debendi, ou seja, do negócio jurídico que ensejou a emissão do título. Segundo ressalva constante da ementa do Recurso Inominado de nº 71002012789, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a ação fundada em cheque prescrito prescinde da prova da "causa debendi” que originou o título. Após vários julgados no mesmo sentido, a Segunda Seção, formada pela Terceira e pela Quarta Turma, elaborou uma súmula de número 299: "É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito", de relatoria do ministro Barros Monteiro, a partir da qual, os casos semelhantes que chegarem ao Tribunal serão decididos com base nessa jurisprudência. Assim, ainda que prescritas as ações executivas e de locupletamento indevido, possível a cobrança com base no título que, embora despido das características cambiárias, subsiste como início de prova do débito, sendo desnecessária a comprovação do negócio jurídico subjacente.

5. RESPONDABILIDADO DO BANCO SACADO Tratadas as formas de cobrança do cheque do próprio emitente e/ou de seus coobrigados, vamos agora refletir sobre a hipótese de frustração dessas investidas, necessário agora averiguar a responsabilidade do banco sacado que concede talonário ao correntista agora inadimplente com o credor dos cheques. As instituições financeiras visam ultimamente somente o lucro em grande escala, e para isto disponibilizam, sem qualquer critério que ofereça rigor, a qualquer pessoa munida

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de documentos pessoais o acesso a ser correntista de qualquer Banco no País, a qual deixa as dependências das Agências portando no mínimo um talonário de cheques. Pertinente fazermos aqui uma comparação em que ao efetuar suas compras a crédito, valendo-se do Cartão, a Instituição Financeira concede ao cliente o saldo e obrigatoriamente assume o risco pelo inadimplemento, tanto é verdade que a administradora paga o débito e depois, regressivamente, “cobra” do consumidor; e, sendo o cheque uma ordem de pagamento à vista e só podendo ser emitido caso haja suficiência de fundos para sua compensação, obvio é que, tendo o Banco oferecido talonários a correntistas que não possuíam o referido saldo, ele estaria assumindo o risco do negócio, da mesma forma que a Instituição que disponibilizou o cartão de crédito, e consequentemente com o mesmo dever de ressarcir os prejuízos causados pelo inadimplemento. De acordo com o acima exposto, quando a pessoa porta um cartão de crédito a instituição financeira tem o dever de agir e age a partir do momento que cobre a dívida efetuada pelo cliente para posterior cobrança do mesmo, e com relação às folhas de cheque o raciocínio deveria ser o mesmo, pois ao receber um cheque como forma de pagamento, a pessoa jurídica ou física não tem qualquer controle do saldo bancário, e caso este saldo não exista, é óbvio que o Banco está sendo omisso. Tendo em vista a relevância do assunto é que abordaremos a questão da responsabilidade civil decorrente dos descumprimentos contratuais e ilicitudes praticadas pelas próprias instituições bancárias ou por seus prepostos, em prejuízo de seus clientes e também, por extensão, de terceiros, independentes da relação de consumo, mas podendo ser equiparado a consumidor. O termo "responsabilidade" dá a idéia genérica de ser responsável, de responder ou prestar contas pelos atos que se pratica e, portanto, disso decorre que, embora sejam duas as conseqüências do termo, no que interessa a este singelo trabalho é a prestação de contas no sentido econômico do dano causado. Conforme leciona a insigne Maria Helena Diniz, "... a partir da realidade social dos conflitos existentes entre o causador do prejuízo e o prejudicado, surgiu a necessidade da fixação de comandos normativos que viessem a silenciar dúvidas, tais como: a culpa pelo prejuízo; o montante exato dos danos; sua liquidação; o critério de reparação, entre outros". Destarte, a idéia da reparação é muito mais ampla do que do que a idéia de ato ilícito, vez que nem sempre a ilicitude do agente está presente numa ação de indenização, pois o que gera a reação legal na responsabilidade civil são a perda ou a diminuição do patrimônio do lesado ou ainda o dano moral, que podem ser motivados pela ilicitude da ação do autor da lesão ou pelo risco corrido pelo mesmo. Além do ato ilícito existem diferentes fatores geradores da responsabilidade civil. Assim, a responsabilidade civil possui dupla função, qual seja a de garantir ao lesado o direito à segurança e, ainda, a de servir como sanção civil de natureza compensatória, através da reparação do dano causado à vítima.

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Lembremos que alguns motivos podem excluir o nexo causal, tais como a culpa excessiva da vítima, culpa concorrente, culpa comum, culpa de terceiro, força maior ou caso fortuito e a cláusula de indenizar, que exclui a responsabilidade civil, não por desaparecer o liame de causalidade, mas em razão de uma convenção. Ainda segundo Maria Helena Diniz, no que interessa a este trabalho, a responsabilidade pode apresentar-se sob diferentes espécies, conforme a perspectiva em que se a analisa e, portanto, para ela e no que nos interessa, vamos nos ater à duas classes de responsabilidade: responsabilidade subjetiva, fundada na culpa ou dolo por ação ou omissão lesiva contra determinada pessoa, de modo que será necessária a apuração do dolo ou da simples culpa por negligência, imperícia ou imprudência, para que surja o dever de reparar e, ainda, a responsabilidade objetiva que se fundamenta no risco, por haver o agente causado prejuízo à vítima ou a seus bens, ainda que não tenha obrado com culpa ou dolo, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar. Pois bem. Os bancos praticam operações ativas que são as que, pelo fornecimento de capitais latu sensu, tornam credoras de seus clientes e, por tais se dá a distribuição do capital arrecadado e, dessa forma, podemos então reunir todas as operações consideradas ativas sobre a rubrica de financiamentos bancários, vez que trata-se da aplicação dos recursos coletados. Também de considerar as operações passivas, ou seja, a que trata da coleta dos fundos que serão aplicados. Há também as operações que misturam crédito e serviços. É o caso da conta corrente, contrato no qual sobrevêm lançamentos sucessivos de débito e crédito entre o banco e o cliente, referentes aos depósitos efetuados por este ou terceiros em seu favor, ou pelas operações ativas que aquele realiza a benefício deste, como cobranças, recebimento de juros, dividendos e outros. Do exposto até agora, já podemos afirmar que a responsabilidade civil dos bancos é objetiva, quando, independentemente da existência de culpa, a atividade bancária causar prejuízo a alguém, cliente ou não e houver nexo de causalidade. Isso porque o banco detém maior poder econômico, em relação ao cliente. Esse poder desestabiliza a relação jurídica, na medida em que lhes confere posição jurídica mais vantajosa na contratação de clientes. Assumir riscos é assumir a obrigação de vigilância, garantia e segurança sobre o objeto do negócio jurídico e o banco exerce atividades que podem por em risco a incolumidade dos clientes, além de outrem. Na medida que o faz, desde o início, assume os riscos do dano que, a despeito da diligência, se verifique. A adoção da responsabilidade pelo critério puramente objetivo fundamenta-se na justiça distributiva e na necessidade da completa proteção da vítima. Assim, basta que os bancos nas suas atividades normalmente desenvolvidas causem danos, porque tais danos eram riscos previsíveis em razão da própria natureza dessas operações. E essa responsabilidade objetiva pode ser contratual ou extracontratual, conforme consistam, respectivamente, em danos causados aos clientes por defeitos decorrentes de

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seus serviços ou aqueles que seus prepostos e clientes, atuando abusivamente, causarem a terceiros. É nesta seara que se assenta a possibilidade de que o pagamento por meio de cheque venha a ser frustrado por malícia do cliente bancário titular do cheque. Convençamos-nos que responsabilizar os bancos pelo pagamento dos cheques de seus clientes, emitidos sem suficiente provisão de fundos, poderá ser a maneira pela qual se possa exigir melhoria na qualidade dos serviços prestados pelos mesmos, de tal sorte a prevenir e evitar os incalculáveis prejuízos que são impostos à população, fato que não ocorreria se os bancos não disponibilizassem, com tanta facilidade, este poderoso instrumento de crédito nas mãos de qualquer um.

a) Consumidor por equiparação

Podemos comparar a omissão e a disponibilização de folhas de cheques a quem não possui condições, como uma prestação de serviços defeituosa. E, conforme preceitua o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o fornecedor de serviços responde, independentemente, de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, sendo certo, ainda, que se considera defeituoso o serviço quando fornecido sem segurança ao consumidor, em vista de circunstâncias relevantes, tais como: o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam, e a época em que foi fornecido. Quem porta um cheque recebido como forma de pagamento por um serviço prestado ou produto vendido, deve ser obrigatoriamente comparado a consumidor, dessa forma ele sofre os prejuízos oriundos de um produto defeituoso e carreado de vícios colocado em circulação por culpa da instituição financeira que foi omissa ao analisar as reais condições financeiras do correntista. É preciso destacar que o Código de Defesa do Consumidor, ao disciplinar a responsabilidade do fornecedor pelo fato de produto e do serviço, criou a figura do consumidor por equiparação, para proteger todas as pessoas vítimas de qualquer evento, ainda que não sendo partícipes diretas de uma relação de consumo (lei n° 8.078/90, art. 2°, parágrafo único, art. 29 e, especialmente, art. 17), é aquilo que a doutrina americana chama de bystander. Conforme preleciona Roberto Senise Lisboa: “além do próprio consumidor, o terceiro prejudicado recebeu atenção do legislador, ante o dano sofrido decorrente da relação de consumo da qual não participou (...) podendo pleitear a reparação da ofensa com base na responsabilidade objetiva do fornecedor”.[Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, p. 163] Em face desta equiparação, aquele prejudicado que tenha recebido um cheque sem suficiente provisão de fundos, estará legitimado para ingressar com ação contra o banco já que, a rigor, se equipara a consumidor, tendo sido prejudicado pela falha na prestação do serviço. Marcio de Mello Casado, afirma categoricamente que “na hipótese de concessão inadequada de crédito, não só aquele que tomou o crédito está legitimado a ingressar com ação de indenização, mas também o terceiro

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prejudicado com o estado de insolvência da empresa (ou do particular) gerado pelo banco fornecedor”.[Proteção ao consumidor de crédito bancário, p. 34] Dessa forma, é pacífico o entendimento de que a instituição financeira, ora denominada empresário, tem responsabilidade como fornecedor ao colocar um produto, “cheque”, em circulação sem os devidos cuidados legais, não evitando assim o prejuízo do consumidor final, devendo então responder pelos danos causados a terceiros. O art. 17 do Código equipara ao consumidor todas as vítimas do acidente de consumo. Esse dispositivo não repete o requisito da destinação final, informador do conceito geral de consumidor, importando dizer que a definição do art. 2º é, aqui, ampliada, para estender a proteção do Código de Defesa do Consumidor a qualquer pessoa eventualmente atingida pelo acidente de consumo, ainda que nada tenha adquirido do fornecedor, fabricante ou qualquer outro responsável. Pacífico o entendimento que o CDC se aplica a qualquer instituição financeira; assim, a súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Agora, cumpre destacar que enquanto a sociedade e seus políticos aceitarem as imposições dos banqueiros e se submeterem ao prejuízo presumido para que estas instituições aumentem seu lucro inescrupulosamente, a única solução é excluir o cheque como pagamento aceitável, punindo, infelizmente, quem emite tal título com suficiência de fundos, ou então passar a responsabilizar estas Instituições pelos Danos morais e materiais causados a terceiros. Pois é coerente a idéia de que o “mal pagador”, agindo supostamente de boa-fé, em situação financeira crítica e que possui o nome sem restrição creditícia, pode ter acesso a várias folhas de cheque sem nenhum empecilho e mesmo sem saldo em conta corrente, consegue adquirir em vários locais ou estabelecimentos comerciais o pagamento de alguns débitos ou a aquisição de alguns produtos, já que quem os está recebendo não irá comprovar naquele momento se há ou não saldo na referida conta. Cumpre esclarecer que, por não possuir saldo em conta corrente é inegável que as pessoas que passaram a portar os tais cheques “sem fundos” não conseguirão receber o valor de direito pela contraprestação do serviço prestado e somente então o emitente terá seu nome incluso no cadastro de inadimplentes, ou seja, várias pessoas são afetadas pela inadimplência antes de existir qualquer restrição. E assim, os bancos geral lucros estratosféricos; dentre tais gigantes, o Itaú Unibanco foi o que mais lucrou e o que mais cortou empregos no ano passado, fechando 7.176 postos de trabalho. O maior banco privado brasileiro tinha 108.816 trabalhadores em dezembro de 2008, após a fusão. Um ano depois reduziu para 101.640 bancários. O Santander cortou 1.652 empregos e o Bradesco 1.074. Mas, ante as funções sociais dos serviços prestados pelos bancos, o legislador pátrio os incluiu na relação de consumo protegida pelo Código de Defesa do Consumidor (§ 2o do art. 3o e art. 14 da Lei 8.078/90), imputando ao sistema bancário a responsabilidade

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objetiva, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

b) Omissão do banco Os bancos têm adotado, historicamente, uma postura de tranqüila omissão no que se refere a melhor averiguar as condições de seus clientes no que diz respeito ao fornecimento de talonário de cheques. Esta omissão tem causado inúmeros prejuízos aos particulares, aos comerciantes e a economia em geral, na exata medida em que milhares de cheques sem suficiente provisão de fundos são, diuturnamente, emitidos por pessoas inescrupulosas que de posse deste poderoso instrumento de crédito, fraudam a boa-fé daqueles com os quais transacionam. É notório e visível na prática cotidiana que os bancos, para obterem novos clientes e, conseguintemente, mais lucros, abrem novas contas sem se aterem ao mínimo de cautela exigida para a movimentação regular de contas correntes. Ocorre que algumas responsabilidades devem ser imputadas aos bancos, pois a teor do que dispõe a Resolução n° 2.025/93 do Banco Central do Brasil, a manutenção de contas bancárias e o fornecimento de talões de cheques, exige alguns critérios mínimos, dentre estes, o de existência de saldo médio na conta, como condição sine qua non para a obtenção de talonário e da regular movimentação de conta corrente. Estes, os dizeres da Res. Bacen n° 2.025/93, art. 2°, caput e incisos I e II, verbis: Art. 2° - A ficha-proposta relativa à conta de depósito à vista deverá conter, ainda, cláusulas tratando, entre outros, dos seguintes assuntos: I – saldo médio mínimo exigido para manutenção da conta; II – condições estipuladas para fornecimento de talonário de cheques; III – omissis. A prática dos bancos mostra que as contas são abertas sem os devidos cuidados por funcionários pressionados, que têm que cumprir metas de vendas de produtos e serviços; a seguir, a entrega de talonários de cheques é feita automaticamente pelo sistema informatizado de cada banco, no momento que acusa que já foram emitidas dez folhas do talão anterior. E ainda mais: os bancos lucram com a emissão de cheque sem fundos, ao cobrarem taxas sobre a apresentação e devolução dos mesmos, taxas que fazem parte da receita do banco. Assim, resta evidente que o banco deve ser condenando por danos materiais, devendo ressarcir os valores correspondentes aos cheques devolvidos, pois na condição de fornecedor, o ora requerido prestou serviços defeituosos. Isto ocorreu porque todos aqueles que recebem cheque como pagamento esperam que o banco tenha cumprido todas as normas regulamentares relativas à conta corrente e à entrega de talões de cheque.

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Trata-se de norma do senso comum, da observação do que comumente ocorre. Quem recebe um cheque acredita, de forma justificada, que a conta foi regularmente aberta e que a entrega do talão de cheques obedeceu às normas regulamentares. Tendo em vista as necessidades comerciais, tal crença é fundamental. Não tendo fornecido a segurança esperada, o serviço é defeituoso. A defeituosa prestação de serviços do requerido gerou danos ao requerente, na medida em que os correntistas, de posse do talão de cheques que lhes foi irregularmente entregue, emitiam, para pagamento de débito, diversas cártulas sem suficiente provisão de fundos. Desta forma, independentemente da responsabilidade dos bancos ser objetiva, age no mínimo com culpa por negligência, a instituição bancária que, sem as cautelas necessárias, fornece talonário de cheques a seus clientes, de tal sorte a afirmar que, também por este aspecto, deve ser responsabilizada pela emissão dos cheques emitidos por seus clientes sem suficiente provisão de fundos. O contrato de conta corrente, firmado entre o banco e seus clientes, faz da instituição financeira um parceiro de seus usuários na realização de diversos negócios, porquanto passa a administrar o dinheiro ali depositado, realizando pagamentos de cheques emitidos à sua ordem, débitos de carnês, impostos, taxas e outros serviços (débitos automático), empréstimos (cheque especial) e tantos outros serviços. De outro lado o cliente tem a comodidade da realização de seus pagamentos sem a necessidade de dinheiro em espécie, sendo certo que o estabelecimento bancário tem a possibilidade de aumentar a sua receita, na exata medida em que, normalmente, acaba por aplicar os excedentes em fundos de intermediação de crédito. Desta forma, resta claro que há uma perfeita parceria entre o agente bancário e os seus clientes, fato da maior importância conforme se verá a seguir.[Cf. Arnaldo Rizzardo - Contratos de crédito bancário, p. 73-75]

c) Liame de causalidade Em objetivo, lúcido e oportuno Parecer sobre a matéria, publicado na Revista dos Tribunais, volume 595, página 38, Arnoldo Wald, com habitual competência doutrinária, salienta dentre vários argumentos importantes: "37. Embora a posição tradicional do nosso Direito fundamentasse a responsabilidade na culpa, a atual jurisprudência, inclusive do STF, reconhece que o banqueiro deve responder pelos danos que causa, no Acórdão do RE 3.876-SP, de 3/12/42 que deu ensejo à Súmula 28. Entendeu a nossa mais alta Corte, nos termos do voto do Min. Aníbal Freire que foi acompanhado pelos Mins. Philadelfo Azevedo e Castro Nunes, que os estabelecimentos bancários devem suportar os riscos profissionais atinentes à sua atividade." (Revista dos Tribunais, 117/632 e RT 77/431). A Primeira Câmara de Direito Civil do E. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Apelação Cível n. 2005.005907-7, de Brusque, Relator: Des. Carlos Prudêncio, por maioria de votos, assim decidiu: APELAÇÃO CÍVEL. MODERNIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. GARANTIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. CONSTITUIÇÃO

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FEDERAL COMO NORTE DE TODA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. “Neste momento histórico de fortes tensões, os autores atribuem ao Poder Judiciário a função de garantir um Estado Democrático de Direito, o que supõe cumprir o Direito Positivo de forma compromissada com os interesses da população brasileira, colocando o respeito à Constituição como o norte de toda a prestação jurisdicional. Daí resultará, então, um Poder direcionado à efetivação de Direitos e não, ao abandono dos cidadãos e cidadãs a sua própria sorte.” (Prudêncio, Carlos; Rosa de Andrade, Lédio; Faria, José Eduardo. Modernização do Poder Judiciário, a Justiça do Futuro. Tubarão: Editorial Studium, 2003, p. 31 e 32) Desse julgamento, colhe-se as seguintes referências: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SUJEIÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS ÀS CHAMADAS OPERAÇÕES SECUNDÁRIAS. ENTENDIMENTO DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. “1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. “Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência.” (STF, ADI 2591, relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ de 29-09-2006, p. 031) LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXEGESE DOS ARTS. 2, 17 E 29. EXTENSÃO DO CONCEITO DE CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FORNECEDOR. VÍCIO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OPERAÇÕES BANCÁRIAS ACESSÓRIAS. COBRANÇA DE TAXA NA DEVOLUÇÃO DE CHEQUE. LIBERAÇÃO SEM QUALQUER CONTROLE DE TALONÁRIO. RISCO DA ATIVIDADE. ALCANÇE DO BANCO PARA RESPONDER. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. “Se, no sistema do CDC, todos estes “terceiros” hoje se incluem como “consumidores, consumidores stricto sensu do art. 2 (quem “utiliza um serviço”), consumidores equiparados do parágrafo único do art. 2 (coletividade de pessoas ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de serviço), do art. 17 (todas as vítimas dos fatos do serviço, por exemplo os passantes na rua quando avião cai por defeito do serviço) e do art. 29 (todas as pessoas determináveis ou não expostas às praticas comerciais de oferta, contratos de adesão, publicidade, cobrança de dívidas, bancos de dados, sempre que vulneráveis in concreto), então temos que rever nossos conceitos sobre estipulações em favor de terceiro e, no processo, sobre legitimação destes terceiros para agir individual ou coletivamente”. (Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, o novo regime das relações contratuais. 4ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002).

6. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS

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Nesta linha de proceder e na nossa região, já em 2001, o brilhante e corajoso advogado paulista – Dr. Volnei Simões Pires de Matos Todt - representando empresa sediada na cidade de Indaiatuba, São Paulo, ingressou com ação de indenização por danos materiais e morais contra um dos grandes bancos brasileiro, pedindo a condenação da instituição financeira por ter agido com culpa, do tipo negligência, ao fornecer talonário de cheques a pessoas inescrupulosas que lesaram seu cliente com a emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos na conta bancária. O referido processo fora distribuído à 2ª. Cível da Comarca de Indaiatuba sob n° de ordem 1271/2001 e, até o fechamento deste trabalho, não sabíamos se há decisão definitiva sobre o referido feito, mas sabemos que, em decisão inédita, o ilustre e também corajoso magistrado José Eduardo da Costa, acolheu os argumentos do advogado e julgou procedente a ação, condenando o banco por danos materiais, a ressarcir os valores correspondentes aos cheques devolvidos. De modo que a tese coincide com o nosso modesto entendimento, o que também, como visto, soa nos Estados Federados sulinos, muito embora o tema esteja aparentemente arrefecido entre os aplicadores do direito, já a algum tempo, mas que, por questão até de política jurídico-econômica, deve ser retomado e amplamente debatido em toda a sociedade e perante os poderes de Estado. Portanto, dependendo do caso concreto, quem recebe cheques de clientes bancários que abusam do uso do cheque para pagamentos no mercado em geral, ou seja, pagamentos frustrados pela devolução do cheque pelo banco sacado, não só por insuficiência de fundos, mas também quando presente a omissão do agente financeiro quando o correntista, de forma evidente, utiliza-se de qualquer artimanha para frustrar a compensação do cheque dado em pagamento, poderá acionar o banco sacado para exigir não só o pagamento, mas uma indenização por danos morais.

Joaquim R. Silveira

Advogado - Sócio