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APRESENTAÇÃO

No presente livro, estão reunidos textos produzidos pelos alunos e as alunas

do oitavo ano do Colégio João XXIII. A coletânea faz parte do projeto “A vida que a

gente não vê”, realizado no 3º trimestre de 2018, envolvendo todos os componentes

curriculares.

O projeto teve como ponto de partida a reprodução do documentário “Crianças

invisíveis”, que mostra a vida de crianças que vivem em situação de extrema pobreza

ao redor do mundo. Posteriormente, tivemos um momento de reflexão acerca das

histórias apresentadas no filme e discutimos sobre a realidade das pessoas que vivem

em situação de rua. Na mesma ocasião, assistimos ao documentário “Boca de Rua -

Vozes de uma Gente Invisível”, que conta a história do único jornal do país produzido

inteiramente por moradores de rua.

Para conhecer melhor a história dessa publicação, recebemos na Escola uma

de suas fundadoras, a Rosina Duarte, a qual nos contou sobre o surgimento do jornal,

no início dos anos 2000, e como este passou a ser bem recebido em diferentes

espaços da sociedade, inclusive em escolas e universidades. A Rosina também nos

trouxe relatos de algumas histórias de pessoas em situação de rua que ela conheceu

ao longo desses quase 20 anos.

A última etapa de pesquisa para a escrita dos textos que compõem este livro

corresponde ao encontro com três colaboradores do Boca de Rua. A Aline, a Márcia

e o Christian vieram à escola conversar conosco e nos contar um pouco sobre o

trabalho que realizam no jornal. Além disso, compartilharam suas histórias de vida

como moradores de rua na cidade de Porto Alegre.

A partir dos dados coletados nesse encontro e da leitura de matérias do jornal

Boca de Rua, os alunos e as alunas produziram seus textos. As narrativas que

compõe este livro e os seus personagens não são reais, mas inspirados em diferentes

histórias conhecidas nesse processo de pesquisa.

Todo esse trabalho aliado à originalidade e à qualidade autoral dos estudantes

deu origem a esta coletânea que te convidamos a ler.

Boa leitura!

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Sumário

O AMOR MELHORA TUDO .................................................................. 6

autores: Bruna F. Fernandes, Gabriela W. Pinto e Henrique B. Chiesa (8A)

O ÚLTIMO INVERNO .......................................................................... 7

autoras: Camila T. C. Ceroni, Flora M. C. Lanes e Mariana Dias Mello (8A)

ONDE MORAR? ................................................................................. 8

autores: João Henrique G. Scherer, João Victor D. Rosa e João Vithor C. da Silva (8A)

A VIDA NA RUA ................................................................................ 9

autores: Eduardo R. Gonçalves, João Victor C. de Moraes e Lucas Dal P. de Matos (8A)

O ARREPENDIMENTO ........................................................................ 10

autoras: Catarina V. de M. Martins e Luísa V. Noronha (8A)

SEIS TIROS NAS COSTAS .................................................................. 12

autores: Arthur F. Ninov, Luiz Felipe G. de Alencar e Matheus B. da Silva (8A)

UMA NOVA CHANCE ......................................................................... 13

autoras: Luiza L. Mädke, Marcela N. Zarichta e Sofia W. Eckert (8A)

MINHA BARRAQUINHA ...................................................................... 14

autores: Marco Antônio M. Collar, Ricardo R. Marsiglia e Vítor F. de S. Barcellos (8A)

AS DESVENTURAS DE ELIÉGE ............................................................ 15

autores: Carolina S. de Souza, Eduardo R. Melo e Kahuan Luiz F. da Rosa (8C)

O SENHOR ...................................................................................... 16

autores: Lorenzo A. Ouriques, Rafael P. Ghisolfi e Teodoro C. de F. Licht (8C)

A COBERTA ..................................................................................... 17

autoras: Bruna C. Abreu, Clara S. Baracat e Lívia L. Nunes (8C)

FRIO ............................................................................................... 18

autores: Guilherme A. C. Soares e Lucca M. P. Rocha (8C)

POLIANA ........................................................................................ 20

autoras: Giovanna P. da Cunha e Borba e Valentina B. Nicolazzi (8C)

EBRASKA ........................................................................................ 21

autores: Catharina P. K. Borges, João Henrique K. Murillo e Laura O. de Souza (8C)

BRIGA DE RUA ................................................................................ 22

autores: Giordano F. Faccioli e Lucca F. Marques (8C)

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JOBSON, UM GUERREIRO ................................................................. 24

autores: Adriano Magrisso, Bruno L. Gomes e Guilherme C. Moraes (8E)

NÃO RESPEITARAM NINGUÉM .......................................................... 25

autores: Artur F. de Oliveira, Gabriel A. da Rosa Neto e Murilo R. Machado (8E)

CASINHA DE BONECAS ..................................................................... 26

autoras: Daniela de A. Pechansky, Giovanna M. R. da Luz e Yasmin de A. Carneiro (8E)

A INFELICIDADE DE UMA VIDA FELIZ ................................................ 28

autores: Gabriel S. Fischer, Luana R. de Campos e Maria Eduarda R. Ferreira (8E)

ESTAMOS AQUI! .............................................................................. 29

autores: Eduardo F. da C. Saldanha, Guilherme C. Borges e Matheus S. de Franceschi (8E)

ALICE NA CIDADE DOS SONHOS ........................................................ 30

autores: Helena F. dos S. Silva, Isabella L. J. Silveira e Miguel M. Heerdt (8E)

ZEZÉ, O MORADOR DE RUA ............................................................. 31

autores: João G. da L. da Cunha, Mateus B. C. Silva e Rodrigo P. Leão (8E)

BOCA DE RUA ................................................................................. 33

autores: Manoela P. dos Santos, Naomy O. Dorneles e Vinícius C. Baptista (8E)

UMA GRANDE REVIRAVOLTA ............................................................ 34

autoras: Isadora L. Bernardes e Marcella B. Robaina (8E)

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O AMOR MELHORA TUDO

autores: Bruna F. Fernandes, Gabriela W. Pinto e Henrique B. Chiesa (8A)

Sempre tive uma vida bem difícil, nasci e cresci nas ruas, passei fome, frio, fui

estuprada, deixei de ser protegida pelos policiais pelo fato de eu morar nas ruas. Tive

momentos em que tive um medo do “caralho” de que pudessem machucar a mim ou

a minhas filhas, de ir ao hospital e ninguém querer me atender. Acima de tudo isso, o

que mais me incomodava eram os olhares que eu via todos os dias sobre mim,

insinuando que eu era bandida, usava drogas e que não saía dessa vida porque não

queria.

Eu achava que o pior momento da minha vida tinha sido quando descobri que

estava grávida pela segunda vez em meio a um estupro. Na verdade, essa gravidez

foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, pois, mesmo com medo desse

mundo, elas me davam amor, era tudo que eu precisava nessas ruas assustadoras.

Minha primeira filha, Lúcia, de quinze anos, era uma menina de longos cabelos

cacheados, pele negra, olhos verdes e um sorriso encantador, assim como o de seu

pai que foi tirado de nós por esse “fodido” mundo das drogas. Sônia, fruto de um

estupro, era uma doce menina de dez anos, olhos castanhos e cabelos escuros e

ondulados. Sempre lutei e dei o melhor de mim para elas, rezava todos os dias e pedia

a Deus para que elas nunca passassem fome nem frio.

Perto do Natal de 2015, os policias tiraram as minhas lindas filhas de mim,

argumentando que eu não tinha capacidade de cuidá-las. Foi a pior coisa que já

aconteceu na minha vida. Quem esses “merdas” pensam que são para dizer quem

pode e quem não pode cuidar de minhas filhas? Naquele Natal, resolvi encher a cara

e esquecer dos meus problemas. Bebi até cair no chão, isso não foi suficiente para

fazer minha tristeza passar, afinal de contas, queria estar com minhas filhas.

Nos três meses seguintes, tentei arranjar empregos e recuperar a guarda de

minhas filhas e, no meio de tudo isso, tentava conseguir vagas em albergues. O que

eu acho é que a maioria das pessoas “aí” não sabem como os albergues são: lotados,

filas quilométricas, uma violência absurda, e ninguém nunca consegue vaga, acho que

essa é a razão de hoje termos quase três mil moradores de rua em Porto Alegre.

Ficar longe de minhas filhas fez com que eu mudasse de vida. Comecei a

trabalhar em um jornal chamado “Boca de Rua”, que é escrito por pessoas em

situação de rua. Começou desconhecido e hoje passou a ser bem recebido em

qualquer parte. Somos convidados para falar em universidades e escolas, participar

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de vários encontros, contando nossas histórias. Isso acontece porque ele funciona

completamente diferente dos outros, até mesmo dos que são vendidos por moradores

de rua no resto do mundo, é legal porque é o único jornal totalmente feito por nós, é

um jornal vivido.

Entrei em um projeto chamado Aluguel Social, que é um recurso assistencial

mensal, destinado a atender famílias que se encontram sem moradia. O benefício é

cedido por doze meses, podendo ser estendido por um valor.

Graças a esse projeto social e ao “Boca de Rua”, eu consegui moradia e

emprego, por isso, não tinha mais por que tirar minhas filhas de mim. Recuperei-as e

segui em frente porque o amor melhora tudo.

O ÚLTIMO INVERNO

autoras: Camila T. C. Ceroni, Flora M. C. Lanes e Mariana Dias Mello (8A)

Junho está recém começando e já podemos sentir a mudança climática. Todos

no albergue comentam sobre a onda de frio que está por vir, dizem ser o inverno mais

gelado do século.

Há alguns dias, fui violentada por um funcionário do local e, mesmo com o

inverno se aproximando, estou cogitando a possibilidade de sair do albergue, pois não

estou mais aguentando os olhares a mim direcionados.

Despertei na madrugada com um choro abafado vindo do quarto ao lado, fui

até lá para ver o que acontecia e vi minha amiga amarrando uma corda no teto, prestes

a cometer suicídio. Corri até ela e perguntei o que acontecera, entre soluços, ela me

revelou que acabara de ser violentada pelo mesmo homem que me traumatizara dias

atrás.

Essa foi a gota d'água, já decidida, convidei-a para fugir comigo, porém ela

disse que não aguentaria, perguntei se ficaria bem e minha amiga assentiu sem muita

confiança. Botei tudo que cabia em minha mochila e fui embora antes do amanhecer.

Já se passaram quatro dias que estou vivendo na rua, acordei há pouco com

um vento cortante e percebi que todos meus pertences haviam sido roubados,

restando apenas a roupa que vestia. À medida que a madrugada se arrasta, a

temperatura vai caindo cada vez mais.

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Estou começando a sentir muita fome, tremo descontroladamente e não sinto

mais minhas extremidades. Os calafrios vão ficando mais fortes, sinto meus lábios

inchando. Um aperto se instala no meu peito. Passo a ver, em diversas direções, o

homem que me abusou, ele tira minha roupa, meu coração desacelera e em um piscar

de olhos ele não está mais lá. As batidas do meu coração vão ficando mais espaçadas

e perco meus sentidos pouco a pouco.

ONDE MORAR?

autores: João Henrique G. Scherer, João Victor D. Rosa e João Vithor C. da Silva (8A)

Até hoje me lembro quando eu e meu namorado Márcio fomos expulsos da

casa da mãe dele, pois estávamos nos envolvendo com drogas. Sua mãe decidiu nos

expulsar da sua residência, pois dizia que não queria um casal maconheiro dentro de

sua casa. Com 20 anos, fomos morar na rua, sem nada, apenas alguns de nossos

pertences. Antes de sairmos de casa, o Márcio foi ao porão para ver se tinha algo que

poderia ajudar, quando ele entrou, viu uma barraca velha e a pegou para nos ajudar.

Tive que deixar a faculdade já que não tinha onde morar e não tinha ninguém além do

Márcio, pois meus pais haviam morrido em um acidente de carro.

Muitas vezes nós passávamos fome, e, após alguns dias, eu comecei a me

prostituir sem ele saber, pois não aguentava mais passar fome. Às vezes, ele

conseguia uns trocados na sinaleira. Nós ficávamos em uma barraca que estava

montada no fundo da Câmara dos Vereadores no bairro Partenon.

Ele me falava que, quando eu não estava lá e os policiais o viam fumando,

pediam para ele lhes dar o cigarro, e se o cigarro não fosse bom, os policiais o

agrediam física e verbalmente. Além dos policiais, nós fomos surpreendidos por

agressores que o viram fumando, pegaram um pedaço de madeira, o espancaram e

me bateram muito, nos deixando desacordados. Quando acordamos, sentimos muito

calor e começamos a chorar, pois os vândalos haviam queimado todas as nossas

coisas.

No dia 23 de julho, aconteceu uma história horrorosa: meu namorado saiu

irritado comigo, pois ele achou que eu o estava traindo quando me viu beijando um

homem. Ele descobriu que eu estava me prostituindo, ficou irritado, triste e saiu à

procura de outro abrigo. Enfim, ele encontrou uma praça que tinha um banco chamado

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“banco antimendigo”. Ele dormiu muito mal e provavelmente passou muita fome.

Naquele mesmo banco, certo dia, ele desmaiou e, infelizmente, nunca mais acordou.

Ao seu enterro não foram muitas pessoas, sua mãe estava muito triste e dava

para ver o arrependimento em seu rosto. Já seu pai não quis comparecer, porque,

quando descobriu que seu filho era um viciado em maconha, decidiu nunca mais falar

sobre o Márcio. Eu imagino como deve ter sido doloroso para sua mãe, pois ela não

falava há muito tempo com seu filho, e, logo quando ela pensava em perdoá-lo, ele

morreu. Eu me sentia muito culpada, pois eu poderia ter evitado se não tivesse

mentido para ele e o feito sofrer.

A VIDA NA RUA autores: Eduardo R. Gonçalves, João Victor C. de Moraes e Lucas Dal P. de Matos (8A)

Em um dia triste, chuvoso e melancólico, nas ruas de Porto Alegre, eu estava

a dormir ao relento, embaixo de um toldo em frente a uma farmácia, quando três

bastardos me acordaram a chutes, pedradas e socos. Assustada, comecei a gritar

desesperadamente, quando apareceu um vulto, era o dono da agência farmacêutica

na frente da qual eu estava dormindo, um homem bem grande e alto, que disse:

- Parem de bater nela, seus ratos imundos! Vão embora!

Os três, no mesmo momento, saíram correndo com medo. Levantei e o

agradeci, logo ele perguntou meu nome e eu respondi:

- Meu nome é Maria.

- Prazer em conhecê-la, Maria, meu nome é Marcelo. - disse o dono da

farmácia, que me falou que eu poderia dormir em frente a sua loja, mas apenas de

noite para não incomodar os clientes, pois eu estava suja e fedendo.

Quando o sol surgiu, fui procurar minha carroça, quando a encontrei, estava

toda amassada, ajeitei-a e fui catar lixo para poder vender e ganhar dinheiro. Fiquei o

dia inteiro catando lixo e consegui algumas coisas que valiam bastante, mas quando

estava chegando ao ferro velho, surgiu um homem armado com uma faca que me

ameaçou, dizendo que caso eu não desse a ele todo lixo que peguei, ele me mataria.

Sem opções, tive que dar toda minha sucata.

Sem dinheiro, sem nada, sem meu carrinho, voltei para farmácia e expliquei

tudo para o dono, que ficou triste com a história. Então ele me convidou para ir a seu

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apartamento jantar e passar uma noite, e eu aceitei alegremente. Já em sua casa

ajudei-o a preparar a janta, que por sinal estava muito boa. Como estava muito

cansada, decidi ir dormir.

Quando estava preste a pegar no sono, senti uma mão em meu corpo. Ele

começou a me estuprar, eu não pude me defender. Quando ele me soltou, eu tive um

momento para poder fugir e pulei pela janela, pois o imóvel era no primeiro andar, fui

direto para baixo de uma ponte para me abrigar com outros moradores de rua. Peguei

sono rápido e acordei só no dia seguinte. Contei para eles a minha história e eles

também ficaram chocados, então eles me ajudaram a conseguir uma nova carroça

para continuar ganhando dinheiro. Mas, no final, percebi que a vida não é fácil e que

ninguém vai te bater mais forte que ela.

Passei fome, sede e frio, mas não fiquei sentindo pena de mim mesma e agora

tenho uma vida muito melhor a que eu tinha no passado. Agora eu tenho uma barraca

e um carrinho para levar sucata de novo.

O ARREPENDIMENTO autoras: Catarina V. de M. Martins e Luísa V. Noronha (8A)

Eu moro na rua há 14 anos e obviamente tive meus momentos ruins, mas ao

contrário do que muitos pensam, na rua tu vive incontáveis momentos bons. Eu fui

para a escola até meus 10 anos, mas tive que desistir porque minha mãe fugiu de

casa, e meu pai eu nunca cheguei a conhecer.

Sendo a filha mais velha, tive que trabalhar para sustentar minhas seis irmãs.

No começo, eu trabalhei catando latas e papelões, porém não estava dando certo, e,

por dois meses, mal tínhamos dinheiro para comprar comida. Eu não sabia como

pagar contas, e nós só duramos dois meses em casa. A polícia ia atrás da gente para

nos levar a um abrigo, já que não tínhamos um responsável maior de 18. Nós não

queríamos ir, pois nossa mãe havia nos contado horríveis histórias daquele lugar. Nós

fugimos e nunca mais voltamos para aquela casa.

Éramos sete meninas sozinhas na rua, e o lado bom é que nós nos unimos

muito por isso tudo. Ficamos realmente muito próximas e nos demos conta de que

tem coisas mais importantes que apenas o dinheiro, pois enquanto a nossa relação

estivesse boa, tínhamos certeza de que tudo ficaria bem.

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Eu sabia que não conseguiríamos continuar nos sustentando por latinhas e

papelões, eu precisava pensar em algo que me livrasse dessa situação, eu precisava

de dinheiro para nos sustentar. Até que um dia, estava caminhando pela rua, quando

um homem me abordou e perguntou:

- Quanto tá a hora?

Eu não entendi a pergunta, e respondi:

- 12h45.

Nunca tinha visto alguém perguntar o horário desse jeito. Ele respondeu:

- Quê?

- O horário

- Ah, tu não faz programa.

Eu saí andando, apavorada, cheguei aonde estavam as minhas irmãs e as vi

passando fome. Então pensei em começar a me prostituir, assim ganharia mais

dinheiro. No dia seguinte, procurei aquele homem no mesmo lugar do dia anterior, e

lá estava ele. Eu senti muito medo, ele estava com um cigarro na mão, uma regata

mais suja do que eu achei que era possível e com uma cara estranha. Eu só disse:

- 100 reais a hora.

Ele fez uma cara de surpreso e disse:

- Ok, vamos para o quarto.

Quando ele começou a tirar a calça, eu me assustei e me dei conta de que eu

tinha apenas onze anos e não estava pronta. Estava com medo de sua reação, mas

falei que precisava ir. Ele me segurou pela mão e disse:

- Só uma rapidinha

Eu tentei sair, e ele me segurava cada vez mais forte. Ele arrancou minha

camiseta, minha calça e tudo o que eu vestia. Jogou-me na cama e eu bati a cabeça

na parede. Eu queria chorar, mas sabia que ele não se importaria. Chegou ao ponto

em que eu nem sentia mais nada simplesmente deixei ele terminar e, quando

terminou, eu só sabia me sentir vazia. Eu realmente estava pensando em desistir de

tudo. Eu me sentia fraca, vulnerável, sem poder nenhum e sem motivo para viver.

Fui caminhando até onde eu sabia que minhas irmãs estavam. Ao chegar lá, vi

que elas me esperavam com meu doce favorito, e ali eu vi que, no fundo, eu tinha

motivo sim para viver. Elas davam razão à minha vida, pois em meio a um dia terrível

de puro caos, elas abriram um sorriso no meu rosto.

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SEIS TIROS NAS COSTAS

autores: Arthur F. Ninov, Luiz Felipe G. de Alencar e Matheus B. da Silva (8A)

Aos quinze anos, saí de casa por conta de uma discussão familiar. Fui para rua

em busca de uma vida em que ninguém me dissesse o que fazer, ou deixar de fazer.

Eu queria ser independente, ter meu próprio salário, um emprego e a liberdade de

fazer minhas escolhas. Mas como conseguir emprego se eu não tinha nem estudo e

apenas quinze anos?

Passada uma semana na rua, continuava sem trabalho e eu ainda tinha minha

sede de liberdade. Minhas necessidades só cresciam, e, junto com minha solidão,

chegava o inverno, e com ele o frio. Ao relento não era saudável eu dormir, logo tive

que ir em busca de abrigo. Encontrei um para menores, lá tive curso de desenho e

descobri meu dom para desenhar. No abrigo, fiquei apenas uma semana, pois não

consegui suportar o fato de estar preso a algum lugar, e não seguir minhas próprias

regras. Então eu voltei para rua, passei mais dificuldades que antes, pois estava mais

frio.

A vida na rua é difícil, a cada passo tu arranjas um inimigo. E tu percebes a

falta que faz um amigo. Acabei indo morar debaixo viaduto do ''Broklyn'' (viaduto da

João Pessoa), lá conheci uns guris da minha idade, que também moravam na rua.

Nós criamos um grupo chamado ''Os Guris'' e nosso passatempo era pichar muros,

claro, quando não estávamos “trampando”.

Dos guris acabei me distanciando, então conheci a gurizada do Boca de Rua.

Quando eles viram os meus desenhos, eles ficaram animados e logo disseram que

eu seria o cartunista do Boca. Tudo estava se resolvendo, era o que eu achava, mas

os guris estavam revoltados com o sucesso que eu ia fazendo. Em um belo dia, eu

estava caminhando na Praça da Matriz e levei seis tiros nas costas. As câmeras

gravaram quem foi, mas, na hora de investigar, a polícia falou que eu era vinculado

ao tráfico (para não perder tempo com pobre).

Hoje eu vejo tudo isso e choro daqui do céu. Minha alma se pulveriza ao ver

todas as coisas horrendas que hoje atribuem a mim, mas se tem uma coisa que me

deixa feliz, é ver os meus amigos lutando por justiça, lutando para que o meu caso

não seja esquecido, e para que os culpados sejam encontrados e paguem por seus

atos.

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UMA NOVA CHANCE

autoras: Luiza L. Mädke, Marcela N. Zarichta e Sofia W. Eckert (8A)

Eu estava na rua naquela noite fria. O inverno estava muito rigoroso aquele ano

e nossos cobertores e colchões tinham sido recolhidos pela PM e pela prefeitura,

então muitos de nós estavam morrendo de frio ou ficando muito doentes. Minha filha,

Naya, de quatro anos, estava dormindo ao meu lado, e eu só pensava nos anos em

que tínhamos um teto para viver, em nosso apartamento alugado. Era pequeno, mas

muito aconchegante. Havia um quarto, onde dormíamos eu e Naya, um banheiro com

água quente e nossos produtos de beleza, uma cozinha onde sempre tinha comida

na geladeira e nos armários e eu cozinhava diariamente para minha filha, e uma sala

de estar, onde havia um sofá, uma televisão e um armário. Eu trabalhava como auxiliar

de cozinha de uma lanchonete, durante a semana, e recolhia lixo, para a reciclagem,

nos sábados e domingos. O dinheiro que conseguia não era muito, mas dava para ter

uma vida digna, conseguindo pagar o aluguel e comprar boas comidas. Depois de

alguns meses, perdi o emprego e tive que ir para a rua.

Já era verão quando o governo tirou minha filha de mim e levou-a para uma

casa de passagem, e ela ficaria lá até que eu tivesse uma renda fixa e uma moradia.

Decidi que faria de tudo para recuperar a guarda de Naya. Comecei a procurar meios

de fazer currículos, e quando consegui, mandei para todas as empresas que estavam

procurando empregados. Nenhuma me contratou ou deu retorno, e, naquele

momento, percebi que o primeiro passo para uma mudança era sair da rua.

Desde aquele dia, procurei diversos abrigos para passar o tempo, e um dia

achei a aldeia Zumbi dos Palmares, que era uma ocupação formada apenas por

moradores de rua. Eles eram pacíficos e lutavam por seus direitos. Fiquei naquele

lugar por um bom tempo, não era o ideal, mas, pelo menos, não passava mais dias e

noites na calçada feita de pedra, fria e suja, vendo pessoas caminhando ao meu lado

e me ignorando, como se eu não existisse.

Recomecei a fazer currículos e mandar para todos os lugares onde havia

oportunidades de emprego. Um dia recebi retorno de um pequeno mercado, aonde

antigamente ia com a minha filha comprar alimentos, para ser repositora de produtos

nas prateleiras vazias. O meu novo local de trabalho tinha dez estantes, cada um com

um tipo de mercadoria diferente, e no fundo do estabelecimento havia um depósito.

Eu costumava ir sempre lá e adorava a variedade de coisas, mas começou a ficar

muito caro para mim, e acabei optando por lugares em que os preços não eram tão

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elevados. Não era o emprego eu gostaria de ter, e o salário não era o desejado, mas

já era um começo para dar uma segunda chance a minha vida.

Atualmente, estou guardando todo o dinheiro possível para conseguir comprar

um pequeno apartamento, onde conseguirei criar minha filha. Espero ansiosamente

que esse momento chegue logo.

MINHA BARRAQUINHA autores: Marco Antônio M. Collar, Ricardo R. Marsiglia e Vítor F. de S. Barcellos (8A)

Era uma tarde muito fria e chuvosa, e eu e meus companheiros estávamos

muito encharcados e com muito frio, mas estávamos felizes, pois estávamos

vendendo os jornais do Boca de Rua. No final das vendas, eu observei que tinha

conseguido a quantia exata para comprar uma barraca que eu queria fazia muito

tempo, então me dirigi até a loja.

Ao chegar à loja, passei por uma situação muito constrangedora: peguei uma

barraca em uma prateleira e, quando eu fui passar a barraca no caixa, a atendente

me olhou torto como se o jeito como eu estava vestida não fosse de quem ia comprar

uma barraca cara. Então, quando eu estava saindo da loja, um guardinha me parou e

me revistou, perguntando se eu não tinha roubado alguma coisa. Saí da loja e fui em

busca de um lugar para instalar a barraca.

Chegando lá, achei um lugar legal para ficar por uma noite. Ao chegar a noite,

minha nova barraca já estava armada e pronta para servir de morada para mim e meu

marido.

Durante a madrugada, enquanto tirávamos uma soneca, acordei com o barulho

de um rojão. Saí da minha barraca para ver o que estava acontecendo, e, quando

voltei havia três policiais rasgando a minha barraca novinha em folha com uma faca.

Fiquei muito triste, mas tive que seguir com minha vida.

No dia seguinte, ganhei um trocado e fui ao Zaffari comprar algo para comer.

Quando sai do supermercado, um policial militar me agrediu com um cassetete e fiquei

toda dolorida.

Eu faço parte de um grupo chamado Boca de Rua, esse grupo produz e vende

jornais, que são feitos por moradores de rua, e eu trabalho nesse projeto. Lá sempre

recebo muito amor e carinho e, nesse dia da abordagem no Zaffari, não foi diferente.

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Eu expliquei a situação para meus companheiros de trabalho e eles me apoiaram

muito. Esse é o Boca, o grupo com quem eu trabalho com muito carinho e amor.

AS DESVENTURAS DE ELIÉGE

autores: Carolina S. de Souza, Eduardo R. Melo e Kahuan Luiz F. da Rosa (8C)

Acordei às sete horas da manhã com um policial jogando um balde de água em

cima de mim e de minha irmã mais velha, Eliane.

- Saiam desse lugar agora! Não veem que estão espantando os clientes da

cafeteria aí atrás?

Era comum os policiais chegarem nos locais onde estávamos, gritando,

jogando água ou até nos batendo.

- Vem, Eliége, deixa o moço aí, não vamos arrumar encrenca - minha irmã

sempre foi mais calma que eu e nunca deixava eu me envolver em brigas.

Depois disso, fomos em direção a um prédio que estava vazio. Nós e outras

famílias iríamos morar lá. Chegamos à rua do prédio e minha irmã disse que queria

me contar sobre algo que tinha acontecido na minha adolescência.

- Então, minha irmã, lembra de quando você engravidou e as mulheres do

abrigo te falaram que a criança tinha sido adotada?

- Claro que lembro, foi uma coisa tão triste. Pelo menos meu filho está bem com

sua família.

- Eliége, me desculpa. Naquela época, permiti que colocassem um DIU em

você. - comecei a ficar confusa, como eu não sabia daquilo? - O bebê, na verdade,

não sobreviveu, ele nasceu morto, com o DIU que estava em você no pescoço. Me

perdoe por não te contar antes, só não queria que você sofresse.

Depois de saber sobre aquilo, fiquei arrasada. Eu estava me sentindo péssima,

vários sentimentos começaram a se juntar e coisas passaram pela minha cabeça,

aquela sensação era horrível. A sensação de que eu tinha cometido o pior erro da

minha vida ao ir para aquele abrigo, mas aliviada por estar viva. Arrependimento e

alívio andavam juntos por minha cabeça.

Tempo depois, fomos expulsos daquele prédio e voltamos a morar nas ruas,

aquele grande trauma voltaria a minha mente, com certeza. O inverno estava

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começando e, para quem morava na rua, isso era horrível. Sempre me diziam para

evitar ficar ao relento, pois não queriam que eu morresse de frio.

Eles estavam certos. Estava com muito frio, e parecia que estava delirando.

Queria tirar a roupa, mas não sei por qual motivo. E, de repente, tudo ficou escuro.

O SENHOR

autores: Lorenzo A. Ouriques, Rafael P. Ghisolfi e Teodoro C. de F. Licht (8C)

Há dois anos vim para o Brasil depois de um furacão terrível tirar tudo de mim,

inclusive minha casa e família. Eu morava na cidade de Los Anglais, no Haiti, uma

cidade muito pobre, que nem todo o país. Fui forçado a fugir e, desde então, vivo em

condições terríveis em Porto Alegre.

Eu vivia na ocupação Lanceiros Negros junto com setenta famílias, em

condições horríveis. O local era muito sujo e a estrutura do prédio não ajudava. Uma

noite, eu dormia tranquilamente quando policiais arrombaram a porta da frente,

tacaram gás de pimenta, usaram balas de borracha, bateram em nós, separaram as

crianças dos pais e nos colocou pra rua.

Depois de um mês tendo que dormir nas calçadas sujas, mal conseguindo

comida e dinheiro, conheci um senhor muito bondoso, que me acolheu e me arranjou

um trabalho em seu restaurante. Não era um lugar muito bom, mas a grana era

suficiente.

Ele sempre me chamava pelo meu nome, Solimar. Eu o adorava, inspirava-me

nele, era com se ele fosse um exemplo pra mim. Eu lavava os pratos e até que não

era tão chato, porque eu aprendia a fazer comida vendo os cozinheiros.

O restaurante era localizado em um bairro perigoso, então sempre tínhamos

medo de que alguém nos assaltasse, e isso aconteceu mesmo. Eu estava lavando os

pratos quando uns homens mascarados entraram no restaurante com armas. Depois

de uma gritaria e uns disparos, eles foram embora. O clima era tenso, com um silêncio

ensurdecedor, e, quando todo mundo se acalmou, eu vi o senhor que me acolheu no

chão. Ele estava morto. O que eu faria agora?

Depois de um tempo, outro senhor assumiu controle do restaurante. Este não

era legal, pois despediu um monte de gente incluindo eu. Ele era meio rabugento e eu

não me senti tão confortável com ele por perto. Minha vida não podia ficar pior. Tudo

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isso não teria acontecido se os policiais não tivessem me tirado daquele prédio.

Duvido que outro senhor apareça novamente para me arranjar outro trabalho.

Após o tempo que passei assistindo os cozinheiros do restaurante, consegui

aprender algumas coisas relacionadas à culinária. Decidi juntar então todo o dinheiro

que eu tinha e comprar uns cachorros quentes e uma mesa. Após vender vários deles,

consegui um dinheiro significativo.

Depois de um tempo difícil, eu tinha um carrinho dedicado de cachorro quente.

Eu estava conseguindo me sustentar com aquilo. Agora ainda economizo dinheiro

para um dia ter um bar próprio. Minha história parece até irreal pelos fatos que

presenciei, mas ela é apenas a dura realidade.

A COBERTA

autoras: Bruna C. Abreu, Clara S. Baracat e Lívia L. Nunes (8C)

Minhas coisas sendo jogadas para fora do apartamento, ainda não entendia o

porquê daquilo, talvez fosse porque atrasei muito o aluguel. O que mais me

preocupava era que agora não teria mais um lugar para morar, perguntava-me como

poderia viver seguramente sem estar no apartamento. Os guardas pareciam não se

importar muito com a minha situação, arrastavam e jogavam os móveis, os quais não

me deixariam usar depois, causando-lhes danos.

Haviam terminado. Nenhum móvel havia sobrado para meu uso, estavam

arranhados ou com os fios arrancados, tudo o que tinha me sobrado era um cobertor.

Um cobertor pequeno e sujo, mas era o que precisava naquele momento. Saí da frente

da entrada do prédio com o cobertor nos meus ombros e andei pela rua procurando

um lugar para passar a noite.

Quando o céu estava se fechando, senti um vento forte, o que significava que

naquela noite choveria. Fui caminhando para uma farmácia com o objetivo de me

abrigar em frente a ela.

Já estava no meio da noite, senti meus pés e rosto congelarem por causa do

vento. A coberta não era muito comprida e também não era tão grossa, então não

tinha como proteger todo meu corpo do frio.

Acordei com o movimento nas ruas, a loja já estava aberta e as pessoas que lá

entravam me olhavam torto. Logo percebi que estava um tanto fresquinho e quando

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olhei para baixo, vi que não estava com a minha coberta, alguém a tinha levado, minha

única proteção.

Apesar de ter acordado àquela hora, já me sentia exausta por imaginar a que

esse dia levaria. Levantei-me e apoiei as mãos no chão fazendo força para me manter

estável. Dei voltas pelo centro movimentado da cidade. Minutos pareceram horas, fui

recebida com olhares tortos e outras vezes nem fui olhada, sentindo-me uma pessoa

invisível. Minhas pernas estavam bambas de tanto procurar por comida.

Sentei-me em frente a um mercado e me escorei na parede, descansando a

vista, quando fui abordada por dois policiais. O mais alto me puxou pelo braço com

agressividade:

- Você não pode sentar aqui, não vê que está sujando o local e atrapalhando o

movimento?

Não consegui falar nada, estava em choque. Saí cambaleando dali e depois de

caminhar um pouco, senti alguém agarrando meu braço. Tentei fugir, pois pensei que

era um policial, mas escutei a voz doce de Martha, minha amiga de infância:

- Mas menina, quanto tempo! Me diz o que tá acontecendo, por que “cê” tá

aqui?

Não me aguentei, abracei-a e comecei a chorar. Em apenas uma noite na rua,

senti uma solidão como nunca sentira em toda minha vida, por isso, ver a Martha me

emocionou demais.

Ela me levou para sua casa, onde, depois de comer, dormir e tomar um banho,

contei minha história para ela. A partir disso, tudo mudou. Martha foi um anjo em minha

vida, ajudou-me a me reestruturar e me indicou para trabalhar aqui. Agora eu já te

contei toda minha história, o senhor quer pedir mais um café?

FRIO autores: Guilherme A. C. Soares e Lucca M. P. Rocha (8C)

Acordei com um balde de água, era a polícia. Bateram-me e me mandaram

embora. Recolheram todas as minhas cobertas, junto com os meus documentos.

Estava frio, muito mais frio que qualquer outro inverno que já vi em Porto Alegre.

Já fazia quatro semanas que eu não tomava banho, o governo não pagava os

serviços públicos, e por isso, havia uma greve. Como eu sabia que não conseguiria

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ajuda em lugar algum, decidir ir ver Solimar, um amigo que vivia debaixo de um

viaduto. Como sempre, lá fedia a urina e a maconha, e, se já não estivesse tudo de

pior acontecendo:

– Marcos, o Solimar morreu.

– Como assim? Quando? Por quê?

– Uns caras do time rival atearam fogo nas cobertas dele enquanto ele dormia.

Sobrou nada.

Eu fiquei chocado. De noite, não consegui dormir, estava com medo e muito

frio. As ruas estavam vazias, trovoava muito, o vento estava muito forte, parecia que

ia levar tudo, fechei os olhos e imaginei o vento me levando, fazendo-me voar para

um lugar sem miséria, sem frio. Mas quando abri os olhos, despenquei para a dura

realidade, assustei-me quando um brigadiano gritou na minha cara:

– Acorda, drogado! Onde que tá o bagulho?

Outro brigadiano apareceu, jogou-me contra a parede e me revistou. Viram que

eu não tinha nada, mas, mesmo assim, espancaram-me e me jogaram num canto.

Choveu o resto da noite.

Acordei com dores por todo o corpo e todo encharcado. Quase todos os outros

dias eu tentava achar algo para fazer, um trabalho ou algo para estudar, mas dessa

vez, nem decidi tentar nada.

Fiquei sentado por um bom tempo observando as pessoas andando, entrando

em lojas, todas bem arrumadas, preocupadas com as suas vidas. Imaginei se algum

dia conseguiria entrar em uma loja sem ser encarado por olhos de desprezo, sem ser

mandado pra rua, mas a dura realidade veio novamente como um soco. Uma mulher

muito bem arrumada com aqueles casacos caríssimos cuspiu na minha cara e disse:

– Sai daí, vagabundo, vai arrumar algo pra fazer imprestável!

Com muita raiva, saí andando pela cidade, para tentar arranjar algo pra fazer.

Passei na frente de uma loja cheia de televisões e consegui ver o noticiário da tarde.

Dizia que a noite seria a mais fria em anos, fiquei preocupado. Não conseguia achar

nenhum cobertor ou casaco, nem da campanha do agasalho, não só porque não

recebia, mas também porque roubavam os casacos.

Antes de conseguir qualquer coisa, a noite veio, e o frio extremo veio junto,

ventava muito, muito mais que na outra noite. Meu corpo inteiro começou a tremer,

senti um aperto no peito, uma dificuldade de respirar, como se estivesse sendo

sufocado. Meu coração disparou, já não conseguia mais me mexer, não sentia mais

nada.

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POLIANA

autoras: Giovanna P. da Cunha e Borba e Valentina B. Nicolazzi (8C)

Acordei, ao som de carros, em meu colchão duro em uma rua qualquer. Sentei

com os meus cabelos crespos bagunçados e pude ver num reflexo de uma antiga

poça, a minha pele cada vez mais escura pelas queimaduras do sol. Levantei-me de

meu colchão e andei ate a faixa para atravessar a rua, as buzinas irritadas no sinal

vermelho já eram rotina no meu dia a dia.

Caminhei por aquela praça lentamente. Em meus olhos verdes, a solidão era

estampada. Após algumas horas de busca por alimento, andei por uma calçada sem

nenhum sucesso. Andei por alguns minutos em busca de latinhas. E logo pude ver,

alguns metros à frente, uma pichação em que estava escrito “ELE NÃO”. Então fiquei

pensando. Em uma vida como a minha, em que só a solidão habita, não há tempo

para pensar em política, mas eu concordo com o que essa pessoa escreveu.

Em meio a tantos pensamentos, voltei a minha “casa” e me deparei com um

sujeito estranho:

– Quem é você? - perguntei assustada

– Chamo-me Mariano, gostei desse seu lugarzinho, quem seria você?

– Não te interessa! Sai da minha casa!

Falei irritada, mas logo fui prisioneira do medo ao sentir meu corpo ser puxado

ao chão:

– Não me irrite, garota! Nunca aprendeu a respeitar um homem?

Ele gritou em minha cara, eu cuspi em seu rosto em revolta. Foi uma má ideia.

Quase não pude ver quando subiu em cima de mim e começou a desferir socos em

meu rosto, pude sentir suas mãos sujas tirarem minha roupa, o chutei já com os olhos

molhados de lágrimas, mas ele apenas não se importava. Suas mãos voaram em meu

pescoço, privando-me de meu próprio ar. Senti-o invadir meu corpo e me pus a chorar

com soluços engasgados pela falta de ar. De longe, escutei-o falar:

– Você não é ninguém!

Ele exclamou algum tempo antes de se cansar do meu corpo. Após alguns

tapas e chutes, ele foi embora, deixando-me agonizando no chão frio.

– Eu sou sim, sou Poliana!

Falei em um último suspiro de dor. Eu era, sim, alguém! Apenas alguém calada

todo o dia pela sociedade.

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EBRASKA

autores: Catharina P. K. Borges, João Henrique K. Murillo e Laura O. de Souza (8C)

Há quatro anos, eu perdi meu emprego e, depois de um tempo, fiquei sem

dinheiro para sustentar a mim e a minha filha. Sem ter outra opção eu fui morar na rua

e minha filha em um abrigo. Depois de tudo isso, se tornou comum acordar de um jeito

ruim, como com alguém me jogando um balde d'água gelada e gritando, como

aconteceu esta manhã:

- Ebraska! Ebraska! Acorda, a gente tem que sair daqui! - seguido de um aviso

de que se eu não saísse, queimariam minha barraca. Saí de lá cabisbaixa, com

minhas coisas e meio sem rumo, pensando onde eu dormiria aquela noite.

Eu sinto muita falta da minha querida filha, porém é bom saber que não importa

onde eu esteja, ela vai ter um lugar decente para dormir. Eu sei que não é o ideal e

que ela precisa de alguém lá para ela, mas infelizmente eu não posso fazer nada

sobre isso.

Segui com minhas coisas para o Túnel da Conceição. Quando cheguei lá,

peguei minhas velhas tintas e pintei a primeira coisa que me veio à cabeça. Quando

estava quase acabando de pintar, estava muito distraída, e um policial veio sem que

eu percebesse e, sem nem olhar o que eu fazia, jogou minhas coisas bruscamente no

chão com o seu cassetete. Não deu tempo nem de protestar e ele me deu um forte

soco no estômago, fazendo-me cair no chão. Só depois disso ele olhou para a parede

do túnel e viu o que eu pintava. Então ele se virou e foi embora, parecendo

arrependido, porém sem olhar pra mim.

Jogada ali, no chão, com as minhas coisas espalhadas, voltei a pensar na

minha querida filha. Será que ela está feliz? Ou triste? Sozinha? Ou acompanhada?

Desde que a tiraram de mim, não tenho nenhuma notícia dela.

Sem parar de pensar nela, recolhi minhas coisas jogadas no chão, coloquei-as

no carrinho e fui para o mesmo lugar em que dormira noite passada, atrás da Câmara

dos Vereadores. Ao chegar, armei minha barraca, entrei, deitei e pensei em como me

acordariam na manhã seguinte.

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BRIGA DE RUA

autores: Giordano F. Faccioli e Lucca F. Marques (8C)

Eu entrei no bar encarando o nada, eu não sabia o que eu estava pensando ou

se eu estava pensando alguma coisa, mas eu estava cansado e só queria descansar.

Eu estava com um cheiro de morte me seguindo como se os fantasmas dos meus

erros estivessem me perseguindo. Freud estava no bar mal iluminado, com teias de

aranhas descansando nas paredes, talvez ele estivesse me esperando, pois sou um

visitante que sempre volto para aquele lugar.

- Mais uma? - Freud, o garçom, perguntou.

- Não. - eu respondi.

- Tu tá mais quieto do que o normal, Robertinho, o que aconteceu?

-Tu viu as notícias, Freud?

- Ah, sim, os ataques dos Limões. Por quê?

- Eu estava lá.

- Ai, “caralho”, sério?

- Todos os meus amigos mortos, e por quê? Por causa dos Caveiras

Vermelhas!

- O que houve?

- Deixa eu te contar… Antigamente, acredite ou não, o meu grupo e os Limões

eram amigos e éramos algo a ser temido pelos outros. Mas um dia os Caveiras

Vermelhas mandaram um assassino para pegar o Ratão e a Lima. Eu acredito que

fizeram isso tentando separar o nosso grupo. Bem, se esse era o plano, ele funcionou

bem. Depois disso, nós começamos a nos separar. A Ratazana, que estava

namorando o Ratão, ficou devastada, e o Ratão era o nosso líder, sem ele o nosso

grupo não era o mesmo. Além disso, foi ele que teve a ideia de todo mundo no grupo

ter apelidos começando com a letra R, os Limões só nos copiaram. Para ser sincero,

ninguém sabia os nomes verdadeiros um do outro, e estávamos, a cada dia, confiando

menos uns nos outros.

Depois de um tempo, começamos a achar que aquilo tinha sido trabalho dos

Limões e os Limões acharam que tinha sido a gente que tinha feito aquilo. A ideia era

meio estúpida, mas, naquele momento, não estávamos pensando racionalmente,

então para nós fazia todo o sentido do mundo. E, finalmente, o dia em que nosso

grupo se separou deles chegou. Depois de muito tempo de ambos os grupos se

odiarem, a decisão não foi difícil.

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Alguns meses passam e eu voltei a pensar nos acontecimentos que levaram à

nossa separação. A ideia não saía da minha cabeça: “por que eles iriam fazer isso?

Não faz nenhum sentido o assassino matar a vítima e morrer também?”. Essas

perguntas me atormentavam e eu me cansei. “Eu vou descobrir a verdade!”, eu falei

e comecei a investigar o que tinha acontecido com o Ratão e a Lima.

Eu meio que virei um viciado em descobrir a verdade, eu me sentia como um

jornalista! Estava me divertindo, mas a diversão seria curta, pois eu comecei a

realmente descobrir coisas que provariam que não tinham sido os Limões. Eu comecei

a levar esse negócio de jornalismo bem a sério, pois, pela primeira vez na minha vida,

eu senti que eu estava como em um filme descobrindo uma conspiração do governo,

e daí eu cheguei à conclusão: foram os Caveiras, e eu tinha evidências, mesmo sendo

fracas.

Eu decidi que já tinha evidências o bastante e fui para a polícia. Eu esperei por

um bom tempo até que eles acreditaram em mim e começarem a investigar, mas não

deu, as evidências que eu tinha coletado pelos últimos dois meses não valiam nada,

pois eu não era policial e poderia ter mexido com elas. Eu me sentia horrível, gastar

tanto tempo trabalhando em algo apenas para ser desconsiderado é desgastante.

Eu estava brabo? Sim. Mas eu sabia que não importava o quão brabo eu

estivesse, não iria importar, os Caveiras continuariam livres. Enfim eu encontrei outro

jeito de mostrar ao mundo quem eles eram. Um amigo meu me contou sobre um grupo

de pessoas dispostas a confrontar a verdade, o pessoal do jornal Boca de Rua. Depois

que ouvi isso, eu me apliquei para o trabalho. Foi cansativo, mas valeu a pena. Eu vim

para o bar cansado e para ser honesto, eu espero que eu ganhe o trabalho, sabe por

quê? Pois eu fiz uma promessa, para mim, para os meus amigos, para o mundo: eu

vou achar a verdade, não importa o qual seja.

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JOBSON, UM GUERREIRO

autores: Adriano Magrisso, Bruno L. Gomes e Guilherme C. Moraes (8E)

- Mais uma noite difícil?

- Sim, Jobson, fui expulso do parque com um balde de água fria.

Eu sabia o que Cléverson havia passado, já fui expulso de vários lugares, como

em dezembro de 2013, quando eu e minha filha fomos expulsos de um prédio

desocupado junto com outros moradores de rua.

Nenhum de nós esperava por isso, foi na madrugada de uma terça-feira, nós já

havíamos recebido uma ordem de despejo, mas nós ainda tínhamos uma semana

para deixar o local. A ação (financiada pela prefeitura de Porto Alegre) foi violenta.

Tentamos sair pacificamente, mas os policias utilizaram gás lacrimogênio e bombas

de efeito-moral contra nós. Resultado disso: voltei a ficar sem moradia e minha filha

foi levada para um abrigo contra a minha vontade.

Devido a isso tudo que aconteceu comigo, fui internado em uma clínica pela

DAR por 120 dias, já que comecei a usar substâncias ilícitas. Recuperei-me, mas

ainda estava sem moradia. Conheci Cléverson na Avenida Cavalhada, onde morei por

seis meses. Tudo estava indo bem até chegar a Copa do Mundo de 2014. Achamos

que seria uma festa, realmente foi para os turistas. Nós, no entanto, fomos expulsos

novamente para “embelezar” a cidade de Porto Alegre.

Após a Copa, o inverno chegou e as temperaturas caíram muito. Quase

morremos de frio, outros de nós não aguentaram e acabaram morrendo nesse clima

hostil, mas, por sorte, entrei no jornal Boca de Rua, onde comecei a trabalhar e eles

me deram um lugar para eu dormir e uma comida quente. Através desse trabalho,

consegui me sustentar, comprar roupas e comida por minha própria conta.

Todo o ano nos fazíamos um belo churrasco, porém não estava tudo bem, a

polícia estava atrás de mim por usar drogas. Consegui entrar com uma ação judicial

para recuperar a guarda de minha filha, graças a Deus consegui recuperá-la.

Quando minha vida finalmente estava tomando um rumo, a polícia me achou e

me espancou, acabei preso e minha filha ficou com Cléverson até a minha volta.

Quando retornei da prisão, minha filha tinha sido morta em uma operação policial na

região. Se não fosse Cléverson eu tinha me suicidado, eu devo tudo a ele.

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NÃO RESPEITARAM NINGUÉM

autores: Artur F. de Oliveira, Gabriel A. da Rosa Neto e Murilo R. Machado (8E)

Há dois anos eu estava morando naquele prédio abandonado e sujo com uma

pequena cozinha improvisada e alguns colchões. Além da minha família, moravam lá

outras setenta, que sempre estavam se ajudando. Junto comigo morava minha

esposa, Márcia, e meus filhos, Cristiano e Aline.

Fomos obrigados a ir para a ocupação Lanceiros Negros por conta de grandes

enchentes e problemas com violência. Muitas pessoas vão achar que seriam furtos,

etc. A violência que sofremos é por parte de quem deveria nos defender e não o

contrário. Ao chegarmos ao prédio, não tínhamos nada, só coisas ruins, não tínhamos

esperança de uma vida melhor, mas no Lanceiros Negros tínhamos amor, carinho e

ajuda de todos.

Nossa moradia e o grupo eram tudo o que tínhamos, até o dia 14 de junho de

2017, às 19h, quando a brigada chegou. Foi o pior ato de maldade que vi nas ruas na

minha vida. Aquela noite foi muito tumultuada e desrespeitosa. Em momento algum

nós fomos tratados como trabalhadores, e sim como bandidos. Todos que estavam lá

batalhavam, fazendo marmitas, vendendo meias, etc. Tudo isso para ter o seu pão de

cada dia. Não teve conversa nenhuma. Derrubaram a porta, jogaram bombas, spray

de pimenta, a violência era verbal e física.

Sobre as crianças, eles não bateram neles, mas tinha um menino que se

assustou e não queria deixar sua casa e os policiais ameaçaram bater nele, tivemos

que intervir. Não respeitaram nem criança, nem idoso, nem mulher, ninguém. Tinham

duas pessoas com deficiência, nem elas foram poupadas. E, depois dessa longa noite,

fomos expulsos do prédio.

Nosso grupo não tinha mais esperanças, não sabíamos o que fazer, a única

coisa boa que tínhamos era o prédio, que estava abandonado de novo. Ficamos sem

rumo por um tempo, sobrevivemos como dava, até que encontramos as gentis

mulheres da MIRABAL, que é um grupo que acolhe mulheres que sofreram agressões

de homens como, por exemplo, seus maridos. Elas ajudaram todo o nosso grupo

Lanceiros Negros, que é eternamente grato a elas, pois dividiram sua moradia

conosco. Agora estamos aqui, nesse lugar acolhedor, nos recuperando do susto, mas

nossa estadia é temporária, pois toda essa movimentação de pessoas traz risco a

essas mulheres.

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CASINHA DE BONECAS

autoras: Daniela de A. Pechansky, Giovanna M. R. da Luz e Yasmin de A. Carneiro (8E)

Vinte e dois anos atrás, eu morava em minha casa no Uruguai com meu marido

que estava comigo há sete anos. No dia em que ele me disse que queria ter um bebê,

eu comecei a procurar um trabalho pela cidade. Eu sabia que Filipe trataria meu filho

do mesmo jeito que me tratava.

A casa na qual morávamos era pequena e simples. Tinha dois cômodos: o

quarto e a cozinha. A cozinha era o que chamávamos a geladeira e o fogão, e o quarto

era o que chamávamos a cama e o chuveiro. Algumas paredes estavam mofadas e

duas das três janelas não abriam direito. Porém, a casa era o suficiente para nós dois.

Normalmente, Filipe saia de casa de manhã, após o café. Ele levava muito

dinheiro e quando eu o questionava sobre isso, dizia que era para o almoço. Antes de

ir embora, me beijava e fechava a porta esperando que eu não saísse de casa, pois

“a cozinha estava muito suja” ou “o armário estava desorganizado”. Esperava alguns

minutos para ir embora. Quando Filipe trancava a porta, eu saía pela única janela que

ainda abria e ia trabalhar em um bar que ficava perto de onde morávamos. Ficava

mais difícil sair a cada semana que passava, por causa da gravidez, e mais difícil

ainda após o nascimento dos gêmeos.

Ao chegar em casa, perto das onze horas da noite, tirava o uniforme e o

colocava no fogão, já que era o único lugar de que Filipe não chegava perto. Tomava

um banho quente e ia me deitar após cozinhar algo, esperando ele chegar. Quando

cozinhava algo que ele não gostava, apenas desejava que ele tivesse bebido demais

para não conseguir encostar em mim.

Demorou quase dois anos até conseguir juntar dinheiro suficiente como

garçonete para fugir de meu marido. Juntei todo o dinheiro que guardara também no

fogão e esperei até Filipe desmaiar de tanta cachaça para pegar os gêmeos e fugir.

Comprei a passagem de um ônibus em direção à cidade de Porto Alegre.

Chegando lá, descobri que não tinha dinheiro suficiente para pagar um aluguel

se eu quisesse alimentar os meus filhos e a mim mesma. Portanto, nos ajustamos

embaixo do que agora eu sei que se chama Viaduto da Borges. Fiquei procurando por

caixas de papelão, cobertores, pedaços de tecidos e outros materiais que eu pudesse

encontrar nos contêineres da cidade, pois queria construir um abrigo. Demorou algum

tempo para ter material o suficiente, mas valeu a pena, pois a partir de então eu e

meus filhos tínhamos um lugar seguro, porém apertado.

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Dois meses se passaram e ainda tinha dinheiro para alimentar e cuidar de meus

filhos sem trabalhar. Depois de um mês, fiquei sem dinheiro para comprar comida para

três pessoas. Então deixei de me alimentar, sobrevivendo de restos que eram

deixados nas lixeiras dos restaurantes. Para ter dinheiro, fiquei procurando emprego

e soube da coleta de alumínio. Depois do meio-dia, juntava latinhas pelo menos uma

vez por semana. Eu os deixava com minha amiga que conheci na época, Vera.

Vera era alegre e sorridente apesar de sua situação. Ela queria ter filhos com

seu marido, mas não podia. Morava por perto e era possível reconhecer sua linda e

encantadora voz em qualquer lugar. Vera passava as tardes lá no abrigo cuidando

das crianças. Ela amava contar histórias, mesmo que às vezes fossem alteradas para

as rimas caberem em suas canções.

No final de maio daquele ano, em uma noite fria, eu e as crianças estávamos

dormindo no lugar de sempre, quando acordei com uma luz vermelha chegando cada

vez mais perto das minhas pálpebras. Havia cinco viaturas da Polícia Civil vindo na

direção de nosso abrigo. Quando essa luz desapareceu, as únicas coisas que me

restaram eram meus filhos e um cobertor.

No dia seguinte, um de meus bebês começou a tossir, espirrar e chorar. Alguns

dias se passaram, sem Vera aparecer, e o outro bebê começou a ficar doente também.

Então levei os dois ao posto de saúde. Ao chegar lá, lembrei que não havia coletado

alumínio naquela semana. Logo, saí do posto e fui às ruas da cidade para juntar

latinhas e materiais para reconstruir o abrigo, acreditando que meus filhos estavam

sendo bem cuidados.

Voltei ao posto de saúde à noite para levar meus filhos de volta para casa.

Porém, ao chegar, uma enfermeira me avisou que os gêmeos haviam sido levados

pela Assistência Social.

Passaram-se cinco meses, era Natal. Eu havia construído uma casinha de

bonecas para dar aos meus filhos, apesar de eu não saber onde eles estavam. Eu saí

do meu abrigo à procura dos gêmeos, mas a única felicidade que recebi naquela noite

foi a alegria ao ver, através de uma janela, uma família comemorando o Natal.

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A INFELICIDADE DE UMA VIDA FELIZ

autores: Gabriel S. Fischer, Luana R. de Campos e Maria Eduarda R. Ferreira (8E)

Morava na rua Osvaldo Aranha com minha esposa. Há dois anos estávamos

sem moradia devido à falta de oportunidades para trabalharmos, perdemos nosso

apartamento por conta disso. Nós nos viramos para conseguir comida, onde dormir e

onde tomar banho.

O tempo passou, arrumei um emprego fixo e passei a morar na Vila da

Liberdade com minha esposa. Nossa casa era simples, tinha um quarto e um

banheiro, ela era feita com tábuas de madeira velha, mesmo material que usávamos

para o telhado. Tínhamos uma vida boa, pois nos contentávamos com a simplicidade

desde que estivéssemos juntos.

Um dia, voltando do trabalho, vi de longe a vila pegando fogo, eram chamas

altas e estavam por todo lado. Foi então que me lembrei onde estava minha esposa,

em nossa casa. Corri desesperadamente para salvá-la do incêndio, porém já era tarde

demais.

Novamente estava sem casa, sem emprego e solitário, então, em minha

carteira, peguei uma foto nossa, uma caneta que tinha no bolso e transformei minhas

mágoas em tristes palavras:

“Tu pula, eu pulo

Tu grita, eu grito

Tu senta, eu também

Ela cai, nós rimos

Ela levanta, nós corremos

Tu morre e eu…

Bem, eu fico para contar a história e sinto saudades”

Com amor, Christian.”

Voltei para as ruas, fiz uma amizade. Quando meu amigo viu que eu estava

triste, se aproveitou de mim, convenceu-me a roubar para comprar drogas. Como eu

estava vulnerável, acabei aceitando sua “proposta”. Entrei para o mundo das drogas,

mais especificadamente, para o crack. Não tinha dinheiro para comprar roupa ou

comida e acabei ficando muito fraco, magro e parecia mais morto do que vivo.

Fiquei muito tempo nessa vida difícil, não tinha mais forças para nada. Foi então

que comecei a ficar muito mal, tive muitas febres, fiquei trêmulo e não sentia partes

do meu corpo. Então adormeci e nunca mais acordei.

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ESTAMOS AQUI!

autores: Eduardo F. da C. Saldanha, Guilherme C. Borges e

Matheus S. de Franceschi (8E)

Eu era uma mulher que tinha tudo, morava em uma luxuosa casa em um bairro

nobre na Zona Sul de Porto Alegre. Minha casa era de mármore, muito grande, havia

uma piscina aquecida cercada por madeiras da mais rica qualidade de pinheiros

canadenses, que era o que eu mais gostava. Eu era egoísta, prepotente, arrogante e

achava que dinheiro era tudo.

Infelizmente, meu pai era alcoólatra, drogado e viciado em jogos. Ele acabou

gastando todo nosso dinheiro em cassinos e prostitutas. Quando ficamos pobres, não

sabia o que fazer. Ele batia em mim e em minha mãe usando um cinto de couro que

ele havia comprado na fazenda a que íamos todo ano. Logo depois, meu pai começou

a me estuprar e eu não vi outra opção a não ser sair de casa.

Morar na rua não é fácil. Principalmente aqui em Porto Alegre, pois faz muito

frio no inverno. Em uma noite em que eu estava com muito frio, conheci uma menina

chamada Dora Alice. Eu a chamava de Dorinha. Naquela noite, Dora Alice me contou

sobre o albergue em que ela ficava toda noite. Fomos até lá, porém, não conseguimos

entrar, então, dormimos na rua, juntas para nos aquecermos. No meio da noite, dois

policiais chegaram com cassetetes e começaram a gritar conosco e nos bater:

- Suas vagabundas! Sapatonas! Vão trabalhar!

Dorinha disse que aquilo era muito comum. Os policias também roubaram

nossos cobertores, papelões, carrinhos de supermercado, etc. A prefeitura tem

obrigação de cuidar de nós, afinal, também somos gente, e mais honestos que muitos

policiais. Eu li numa notícia em um jornal chamado Boca de Rua, sobre um cara que

morreu de frio e foi feito de piada pelo prefeito.

Nós não tínhamos muitos lugares para dormir, então acabávamos dormindo em

bancos de praças, mas de forma muito desconfortável, pois haviam colocado ferros

no meio do banco para que não pudéssemos dormir ali. Caminhando pela cidade,

Dorinha e eu conhecemos um grupo de pessoas que moravam em um prédio

abandonado no centro da cidade. Eles nos convidaram para morar com eles, e nós

aceitamos o convite. Moramos lá por vários meses, até que a polícia invadiu usando

uma força desnecessária. Fomos expulsos do prédio.

Eu e Dorinha fomos acolhidas por uma ONG, a Mulheres Mirabal. Lá, fomos

muito bem recebidas e ganhamos tempo para conseguir melhorar de vida. Eu

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consegui um emprego no jornal Boca de Rua. O Boca de Rua é um jornal que conta

histórias sobre os moradores de rua e é escrito por eles mesmos. Eu gostei muito de

lá, principalmente, porque eu aprendi a ter mais responsabilidades. Aprendi também

que cada pessoa tem um papel na sociedade, e o meu era informar as pessoas sobre

o que acontecia conosco nas ruas.

Um tempo depois, com a ajuda de um programa social do governo, o Aluguel

Social, consegui alugar um apartamento por 6 meses. Aquilo foi essencial. Hoje,

reencontrei minha família e herdei a empresa de minha mãe. A rua muda as pessoas,

no meu caso, me deixou mais forte. Tive coragem de finalmente denunciar meu pai.

Hoje, eu sou uma pessoa muito melhor. Não sou mais arrogante, sou solidária,

coloco-me no lugar dos outros, e principalmente, aprendi a dar valor a tudo e a todos.

Moradores de rua são muito mais humanos do que muitas pessoas. Temos

coração e um papel na sociedade em que vivemos. Infelizmente, muitas pessoas não

percebem isso e nos tratam como lixos.

ALICE NA CIDADE DOS SONHOS autores: Helena F. dos S. Silva, Isabella L. J. Silveira e Miguel M. Heerdt (8E)

O pior dia que eu passei na rua foi aquele que acordei, peguei o carrinho de

compras com meus sprays de grafite e fui para o nosso muro. Esse foi o pior dia

porque, quando eu cheguei, ele não estava lá, e ele sempre estava lá.

Todos os dias nós íamos para o nosso muro de manhã cedinho, porque à tarde

ele tinha que trabalhar. Grafitávamos nossa cidade dos sonhos, pois Porto Alegre não

é lá um bom lugar para crianças que vivem na rua. É cinza e a maioria das pessoas

age como se não nos visse, acho que é mais fácil fingir que não existimos.

Já a nossa cidade era colorida, cheia de vida, segura para se viver e as ruas

eram, na verdade, ciclovias. Existiam muitas sorveterias e parques de diversão.

Enquanto criávamos essa cidade, era como se vivêssemos nela. Saíamos da nossa

realidade para ir a um lugar onde todos possuíssem bicicletas.

Naquele dia em que ele não estava lá, eu sentei no chão, olhando para nossa

cidade, e fiquei esperando ele chegar. Ele não chegou.

Quando o sol se pôs, eu fui até a oficina na frente da qual ele dormia, aquele

lugar me dava arrepios, era uma zona perigosa, mas ele insistia em dormir lá. Vi seu

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cobertor laranja, sua caixa de desenhos, seu lápis favorito e seu gorro preto e

desgastado de todo o dia. Mas ele não estava no local. Meu coração deu um salto e

o chamei:

- Pedro! Pedro. Pedro?

-Alice - disse Paulo, o dono da oficina-, Pedro não vai mais voltar.

- Como assim? - perguntei.

- Ele foi para um lugar melhor.

Em vez de ir dormir, eu voltei para o nosso muro. Fiquei observando,

observando, observando… de repente eu estava lá, na cidade dos sonhos, igualzinha

à dos grafites. Pedro estava ao meu lado, segurando minha mão. Nem conseguiria

descrever tudo o que fizemos em nosso mundo. Sem sombra de dúvida, a melhor

parte foi andar de bicicleta, mas tomar sorvete foi muito bom também. Em nossa

cidade, não existiam hospitais, porque as pessoas não ficavam doentes. Não existiam

cadeias, pois todos eram livres. Não existia polícia. Não existia escola, porque um

ensina o outro. Existiam muitos brinquedos e todos possuíam bicicletas.

A partir daquele dia, eu passei a ir todos os outros à nossa cidade e Pedro

estava sempre lá, eu não vivia sem sua companhia.

O pior dos piores dias, na verdade, foi quando eu cheguei ao nosso muro e ele

não era mais nosso. Ele estava branco, pintado, apagado. Nossa cidade não existia

mais, e não existia mais Pedro. Eu estava só.

ZEZÉ, O MORADOR DE RUA autores: João G. da L. da Cunha, Mateus B. C. Silva e Rodrigo P. Leão (8E)

Era uma quinta-feira de junho, o dia estava muito frio e chovia muito. Por sorte,

um tempo atrás, nós encontramos esse prédio. Ele estava abandonado há muitos

anos, tinha árvores e plantas invadindo os cômodos e ele estava muito sujo.

Nós nos instalamos no térreo, que era muito grande e era o andar que estava

mais preservado. Ele ainda não havia sido completamente tomado pela vegetação

como os outros andares, por isso, escolhemos ficar ali. Além disso, ele era um dos

que tinha mais luz do Sol. Nós já havíamos instalado nossas barracas e estávamos

vivendo ali. Na época, 42 pessoas moravam ali no prédio.

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Certo dia, quando estávamos tocando música, eu com o meu cavaquinho de

madeira (que eu havia ganhado de presente no meu aniversário de nove anos de meu

pai, pouco antes de ele morrer de câncer), e o resto do pessoal cantando Legião

Urbana. O cavaquinho era cheio de cupins, mas era o suficiente para nós, pois a gente

conseguia se divertir. Em um certo momento, Vera, minha esposa, uma mulher

extremamente sorridente e otimista, independente da situação, gritou:

- Zezé, olha! Os policiais estão aqui!

Segundos depois, vi policiais arrombando a porta do prédio e jogando bombas

de gás. Muitas pessoas saíram correndo e todos taparam os rostos para se proteger.

Quase todos estavam gritando e com muito medo. Antes dos policias entrarem no

prédio, desacordei. Um tempo depois, eu acordei dentro de um camburão da polícia

sem lembrar de muita coisa que havia acontecido. Eu estava apenas de cueca e o

local era apertado e frio. Além disso, os policiais estavam rindo de nós. Além de mim,

mais três integrantes do grupo estavam ali, todos homens, mais ou menos da minha

idade e altura, que era de 1,83. Nós fomos levados ao presídio, onde recebemos

roupas laranjas, que eram bem quentes, além de serem limpas.

As celas eram individuais e sujas, porém havia oito pessoas ali. Fomos

colocados em uma cela especial, com quatro “camas”. Depois de alguns meses, um

policial chegou e falou:

- Por favor, Zezé, venha comigo. Os outros serão chamados assim que José

sair.

Peguei as roupas que eu estava quando os policiais me buscaram no prédio,

que, aparentemente, haviam sido lavadas. Saí do presídio e, naquela noite, fiquei

vagando por Porto Alegre, lembrando-me dos meus amigos, de Vera, do meu pai e

da única lembrança que ele havia deixado antes de morrer; o meu cavaquinho. Deitei-

me debaixo do viaduto da Borges de Medeiros, perto do prédio que estávamos

ocupando antes. Estava muito frio e ventando bastante, achei que ia chover depois,

já que não era possível ver a Lua. Comecei a ficar com o corpo cansado, até que eu

não conseguia mais me mexer. Então, desmaiei e, depois disso, nunca mais acordei.

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BOCA DE RUA

autores: Manoela P. dos Santos, Naomy O. Dorneles e Vinícius C. Baptista (8E)

Sou moradora de rua há 5 anos, e digo a vocês, não é nada fácil. Já passei por

poucas e boas e conheci pessoas boas e ruins.

Nem sempre estive em situação de rua, já tive uma casa, um emprego, uma

família. Eu não era rica, mas era feliz. Minha casa não era muito grande, mas vivíamos

bem nela, tinha dois quartos, um para mim e um para meu filho, um banheiro que

compartilhávamos e uma sala com cozinha embutida. A sala tinha uma grande janela

de vidro com vista para um parque, tinha uma mesinha de centro e um sofá

estampado. Atrás do sofá ficava nossa cozinha, com poucos armários, uma mesa, um

fogão e uma pequena geladeira. Meu filho João, que na época tinha dois anos, era

um menino muito feliz e alegre, tinha tudo que precisava: amor, carinho, alguns

brinquedos e uma casa para morar.

Mas a situação começou a apertar, acabei perdendo meu emprego, e, depois

de uns dois meses, o dinheiro foi acabando. Não conseguia mais pagar o aluguel, o

pouco que tinha, mal dava para comprar comida. Até que chegou o dia em que recebi

a carta de despejo, dizendo que tínhamos 30 dias para sairmos da casa. Esses dias

passaram muito rápido, e, na hora de sair, ainda não tínhamos nenhuma casa para

morar. Foi nesse dia, 18 de julho de 2013, que eu e meu filho começamos a viver em

situação de rua.

Confesso que não imaginava que seria tão difícil, por ser mulher tudo ficava

ainda mais complicado, não estava dando conta de cuidar de mim e do meu filho, mas

de jeito nenhum eu o abandonaria. Porém só o meu amor não foi o suficiente, e, por

esse motivo, o que eu menos esperava aconteceu, o Conselho Tutelar pegou o meu

filho de mim e o levou para um abrigo. No começo, fiquei devastada, não queria saber

de nada e de ninguém, mas, depois de um tempo, percebi que isso não seria tão ruim,

porque no abrigo ele pelo menos teria um lugar para dormir e para comer.

Minha vida na rua foi ficando cada vez mais complicada, ninguém respeitava

ninguém. É claro que, quando falo sobre o desrespeito, eu estou falando quanto aos

moradores de rua, pois as pessoas que não estavam nessa situação nem mesmo nos

enxergavam, era como se fossemos invisíveis.

Uma vez, quando estava dormindo na calçada, fui estuprada. Eu estava

sozinha na rua, na frente de um restaurante que sempre me fornecia comida e durante

a noite me permitiam dormir ali na frente, confesso que me sentia mais segura

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dormindo lá, pois era de “respeito” e possuía vigilantes, mas por algum motivo, neste

dia eles não estavam lá. A partir desse dia, fiquei com medo de dormir na rua sozinha,

então optei por ir a um albergue. Mas onde pensava estar segura, estava mesmo em

um perigo constante, pois lá sofri um abuso inexplicável. Na época pensei ter sido

estuprada novamente, mas depois descobri que se tratava de algo que talvez seja até

pior que o estupro em si.

Enquanto estava dormindo senti uma pontada no meu braço direito, fiquei meio

mal e apaguei, não me lembro de mais nada. Só depois fui descobrir que eles haviam

era colocado um DIU em mim, sem que eu soubesse. Porém eu já estava grávida

quando isso aconteceu. Os meses foram se passando, eu fui me acostumando com o

fato de que eu iria ter mais um filho e comecei a ficar feliz com isso. Quando estava

chegando mais para o final da gravidez, eu já estava bem empolgada com a ideia, eu

já tinha conseguido um emprego, ainda não dava para alugar uma casa, mas minha

situação tinha melhorado.

Porém quando o bebê nasceu, eu tive que ouvir a triste notícia de que ele havia

nascido morto e, quando eu perguntei qual havia sido a causa da morte, disseram-me

que ele tinha um DIU cravado no pescoço, um DIU que eu não sabia que eu tinha.

Nesse momento, eu simplesmente desisti de tudo, do meu emprego, das minhas

coisas, desisti da minha vida. Eu não queria saber de nada, eu não comia, não dormia,

só ficava parada o dia inteiro sem fazer nada. Essa foi, com certeza, uma das épocas

mais difíceis da minha vida, até que conheci o jornal.

No Boca de Rua, eu consegui fazer alguns amigos que me ajudaram com meus

problemas. Eu consigo um sustento, e é uma coisa que faz com que eu não pense

tanto nas coisas ruins que aconteceram comigo. Pode-se dizer que o Boca foi a minha

salvação.

UMA GRANDE REVIRAVOLTA autoras: Isadora L. Bernardes e Marcella B. Robaina (8E)

No inverno de 2016, numa praça na cidade de Porto Alegre, eu vivi coisas

horríveis, mas teve uma que se sobressaiu. Moro com minha esposa chamada Helena

e meu cão conhecido como Toby. Vou contar um pouquinho de como fui parar na rua.

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Eu tive um momento de recaída e acabei ficando com depressão, por isso, para

afogar minha tristeza, comecei a fumar, além de começar a beber. Perdi meu emprego

e minha família, que tentou me ajudar, mas acabei não aceitando a ajuda de ninguém,

pois achava que eu estava bem. Alguns meses depois comecei a trabalhar para um

traficante de drogas, que se chamava Zé das Droguinhas. Um cara alto, loiro, gordinho

e extremamente arrogante e ignorante. Ele me dava os pacotes e eu levava até o

endereço e, no final, dez por cento do dinheiro era meu.

Duas semanas se passaram e eu conheci uma mulher, nem sabia o nome dela,

mas a achei muito gostosa. Tinha cabelos negros, olhos verdes e uma cintura muito

grande. Tentei dar em cima dela, mas descobri que ela estava com o Zé, e ela me

falou que era melhor eu não tentar nada, pois o Zé era muito ciumento e faria alguma

coisa de ruim para mim. Resolvi não tentar mais nada aqueles dias, mas confesso que

gostei muito dela. Semanas depois, recebi uma encomenda para entregar na Cohab

da Cavalhada, um bairro que se localiza na Zona Sul de Porto Alegre. Quando

cheguei, percebi que o endereço era de Mirela, a novinha do Zé. Mas dessa vez não

me aguentei, tive que roubar um beijo dela, não me segurei, mas ela avisou que eu

estava ferrado.

Na outra manhã, quando voltei ao Morro do Trabalhador para buscar o

baseado, o Zé estava me esperando com uma faca nas mãos, daquelas de cortar

carne, semelhante à de açougueiro. Então descobri o motivo de sua raiva. Eu fui

levado até o posto comunitário que permite livre acesso aos moradores de rua, pois

acabei levando uma facada de Zé. Após horas de espera, os médicos falaram que a

faca passou muito perto do meu fígado, eu poderia ter morrido.

Nesse mesmo dia, conheci um outro morador de rua. Ele disse que havia

ouvido falar da minha história de vida e me ofereceu um trabalho como vendedor de

jornais, que eram produzidos por moradores de rua, muito conhecido como Boca de

Rua. Aceitei o trabalho. Além de não correr riscos, eu estava mais feliz. Hoje faz dois

anos que eu entrei no Boca e graças a esse trabalho, nunca mais bebi como antes e

parei de me envolver com qualquer assunto relacionado às drogas.

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NOSSA CAMINHADA...

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